UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA E FARMACOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FARMACOLOGIA
MARCELO LEITE VIEIRA COSTA
DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO EXPERIMENTAL DE
ESTEATOHEPATITE INDUZIDA PELO ANTINEOPLÁSICO
IRINOTECANO
FORTALEZA-CE
2012
MARCELO LEITE VIEIRA COSTA
DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO EXPERIMENTAL DE
ESTEATOHEPATITE INDUZIDA PELO ANTINEOPLÁSICO
IRINOTECANO
Tese apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Farmacologia da Universidade
Federal do Ceará como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Farmacologia.
Área de concentração: Inflamação e Toxidade
de Antineoplásicos.
Orientador (a):
Prof. Dr. Ronaldo de Albuquerque Ribeiro
FORTALEZA-CE
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca de Ciências da Saúde
C874d Costa, Marcelo Leite Vieira.
Desenvolvimento de um modelo experimental de esteatohepatite induzida pelo antineoplásico irinotecano. / Marcelo Leite Vieira Costa. – 2012.
111, f. : il. color., enc. ; 30 cm. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências da Saúde,
Faculdade de Medicina, Departamento de Fisiologia e Farmacologia, Programa de Pós-
Graduação em Farmacologia, Doutorado em Farmacologia, Fortaleza, 2012. Área de Concentração: Inflamação e Toxicidade de Antineoplásicos. Orientação: Prof. Dr. Ronaldo de Albuquerque Ribeiro. 1. Fígado Gorduroso. 2. Quimioterapia. 3. Citocinas. 4. Translocação Bacteriana I.
Título.
CDD 616.3623
MARCELO LEITE VIEIRA COSTA
DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO EXPERIMENTAL DE
ESTEATOHEPATITE INDUZIDA PELO ANTINEOPLÁSICO
IRINOTECANO
Aprovada em : 20/12/2012
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Ronaldo de Albuquerque Ribeiro
Universidade Federal do Ceará
(Orientador)
Prof. Dr. Fernando de Queiroz Cunha
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
Prof. Dr. José Milton de Castro Lima
Universidade Federal do Ceará
Prof. Dr. Markus Andret Cavalcante Gifoni
Instituto do Câncer do Ceará – ICC
Prof. Dr. Thiago Mattar Cunha
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP
Dedico este trabalho à minha esposa Lara
e aos meus filhos Victor e Davi com quem
compartilho todas as minhas conquistas
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Prof. Ronaldo de Albuquerque Ribeiro, pela confiança e amizade que foram fundamentais para a realização desse trabalho. Ao meus co-orientadores Prof. Roberto César Pereira Lima Júnior e Dra Karoline Sabóia Aragão pelo companherismo, competência e pela ajuda preciosa em todas as fases deste projeto. Ao Prof. Paulo Roberto, pela disponibilidade, presteza e pelas indispensáveis análises histopatológicas realizadas nesse trabalho. À Profa Gerly Brito, pela colaboração nas análises histológicas Ao amigo e colega Caio Abner, pela ajuda fundamental na formatação e ilustração deste trabalho À minha querida irmã Ana Carolina Leite Vieira Costa pela cumplicidade e companherismo. Aos meus pais, pelo amor, pelo esforço para minha educação e por seus exemplos de dedicação e trabalho que me servem de referência para alcançar meus objetivos. Aos meus irmãos pela verdadeira amizade e por estarem sempre presentes na minha vida. Aos alunos de iniciação científica, Leandro Linhares, Lorena Nunes, Raphael Marques, Raul Medeiros, Cayo Goes e Lucas Grassi pela amizade, pela colaboração e interesse científico. Aos técnicos Socorro França (morfologia) e Vandinha França Pinheiro (LAFICA) pela competência, organização e pelos excelentes profissionais que são. À secretária Aura Rhanes Yida e Márcia Borges pela atenção e gentileza com que sempre me atenderam junto à pós-graduação. Aos funcionários do Departamento de Fisologia e Farmacologia: Haroldo, Fernando, Joana, Alana, pela indispensável ajuda na manutenção das atividades do departamento. À CAPES, CNPq e FUNCAP pelo apoio financeiro.
“A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original.” (Albert Einstein)
RESUMO
Introdução: A esteatohepatite não alcoólica (NASH) é um evento adverso do quimioterápico irinotecano extremamente relevante, pois associa-se a uma maior mortalidade após ressecções hepáticas. Até o momento não há na literatura um modelo experimental bem estabelecido de NASH induzido por irinotecano. Objetivo: Estabelecer um modelo experimental de NASH induzida pelo irinotecano em camundongos que simule os aspectos histopatológicos encontrados na clínica. Estudar os mecanismos e mediadores envolvidos na sua fisiopatologia incluindo citocinas inflamatórias, estresse oxidativo e participação da translocação bacteriana intestinal. Métodos: Camundongos machos do tipo Swiss, pesando entre 25 a 30g,foram divididos em grupos experimentais (n=8-10) e foram injetados com solução salina (5 mL/kg, i.p.) ou Irinotecano nas doses 25, 50, 75 or 100 mg/kg, i.p, três vezes por semana em dias alternados. Os animais foram então pesados e sacrificados ao fim das semanas 1, 3, 5, 7 e 9. No sangue foram dosados os níveis de ALT e AST, leucograma, proteínas totais e realizada hemocultura da veia porta e do plexo ocular. Nas amostras do tecido hepático, avaliaram-se os níveis de lipídeos totais, mieloperoxidase, malonaldeído e glutationa (GSNP) seguida da análise histopatológica realizada após preparação da lâmina pelos métodos HE e Masson para avaliar e graduar os critérios histológicos da NASH. As amostras de duodeno foram examinadas histologicamente (HE) para graduar a mucosite. Imunohistoquímica para IL-1, IL-18, NOSi, TNFα e TLR-4 foi realizada tanto nas amostras hepáticas como duodenais. A análise estatística foi realizada empregando o teste t de Student para variáveis não pareadas ou o teste Mann-Whitney quando indicado. Resultados: A dose de 50mg/kg de irinotecano três vezes por semana i.p. (IRI 50) se associou com perda de peso, leucopenia, hepatomegalia, diminuição das proteínas plasmáticas e aumento das enzimas hepáticas (ALT e AST). IRI 50 alterou os parâmetros de estresse oxidativo, elevando a expressão de malonaldeído e diminuindo GSNP com início na primeira semana do experimento. IRI 50 também se associou a todas as alterações histológicas da NASH (esteatose, infiltração neutrofílica e tumefação celular e fibrose) analisadas na sétima semana quando comparado com controle salina. Nas amostras duodenais, observamos alterações histológicas de mucosite severa a partir da terceira semana. Houve também em IRI 50 aumento da imunoexpressão de IL-1, NOSi e TLR-4 tanto nas amostras do fígado como nas do duodeno na semana 7. Nas hemoculturas de sangue portal e orbitário identificou-se o crescimento de enterobactérias gram-negativas desda a primeira semana do experimento. Conclusão: A administração de irinotecano 50mg/kg i.p. três vezes por semana por sete semanas consecutivas é um modelo experimental que reproduz todas as alterações histopatológicas da NASH induzida por irinotecano observadas na clínica. Existem evidências da participação concomitante das citocinas inflamatórias e do estresse oxidativo na patogênese da NASH em nosso modelo. A translocação bacteriana intestinal com bacteremia portal por gram-negativos pode ser o insulto primeiro e o elo de conexão comum entre os diversos fatores fisiopatológicos. Palavras-chave: irinotecano, esteatohepatite, translocação bacteriana, citocinas, óxido nítrico.
ABSTRACT
Introduction: The nonalcoholic steatohepatitis (NASH) is a relevant adverse effect of the chemotherapy with irinotecan, since it has been associated with increased surgical mortality after hepatic resections. So far there are no reports in the literature of a well established experimental irinotecan-induced NASH model. Aim: Develop an experimental model of irinotecan-induced NASH in mice that simulate the full histological alterations found in the clinical practice. Study the possible mechanisms and mediators involved into its pathophysiology including inflammatory cytokines, oxidative stress and the participation of intestinal bacterial translocation. Methods: Male swiss mice weighting between 35 and 30g were divided into experimental groups (n=8-10) and were injected with saline (5 mL/kg, i.p.) or irinotecan in the following dosages: 25, 50, 75 or 100 mg/kg, i.p, three times a week every other day. Mice were weighted and killed at the end of the weeks 1, 3, 5, 7 and 9. Measurements of ALT and AST, leukocytes, total proteins were performed in blood samples as well as cultures of portal vein and ocular plexus blood. In the hepatic tissue samples, total lipids, myeloperoxidase, malonaldehyde and nonproteic sulfidryl groups (NPSH) levels were analyzed, followed by histological evaluation, after slide preparation through HE and Masson methods. Duodenal samples were examined histologically for mucositis grading. Immunohistochemistry analysis for IL-1, IL-18, NOSi, TNFα e TLR-4 were performed in both hepatic and duodenal tissue samples. Statistical analysis was carried out through Student’s t test or Mann-Whitney test, as indicated. Results: The dose of 50mg/kg of irinotecan three times a week i.p. (IRI 50) associated to weight loss, low white cell count, hepatomegaly, decreased total plasma proteins and elevated hepatic enzymes (AST and ALT). IRI 50 altered oxidative stress parameters, elevating elevating malonaldehyde and decreasing NSPG levels at hepatic tissue starting at week 1. IRI 50 also was associated to the full histological changes found in NASH (steatosis, neutrophilic infiltration and hepatocyte balloning) when analyzed at the seventh week and compared to saline group. The duodenal samples showed severe mucositis changes starting at week three. It was also demonstrated elevated immunostaining for IL-1, iNOS and TLR-4 in both liver and duodenal samples at week seven. The cultures were positive for gram negative intestinal bacteria in portal and orbital blood since the first experimental week. Conclusion: The administration of the irinotecan 50mg/kg i.p. three times a week for seven consecutive weeks is an experimental model that reproduces all the histological changes found in the irinotecan-associated NASH found in clinical practice. Concomitant participation of inflammatory cytokines and oxidative stress were found to play a role in NASH pathogenesis in this model. Intestinal gram-negative bacterial translocation leading to portal bacteremia may represent the very first hepatic insult and the connection between the pathogenic factors. Keyworks: Irinotecan, steatohepatitis, bacterial translocation, cytokines, nitric oxide.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Metabolismo do Irinotecano 23
Figura 2 Segmentação hepática 25
Figura 3 Lóbulo hepático 27
Figura 4 Espaço de Disse 28
Figura 5 Metabolismo dos lipídeos no fígado 33
Figura 6 Regulação das vias de sinalização de citocinas da família da interleucina-1 (IL-1)
41
Figura 7 Esquema de injeção do Irinotecano e sacrifício dos animais
48
Figura 8 Irinotecano induziu uma mortalidade animal dose dependente
56
Figura 9 Tratamento com Irinotecano induz alteração do peso corporal e do peso hepático líquido em camundongos
58
Figura 10 Concentrações plamáticas de ALT e AST nos grupos de animais tratados com irinotecano e no grupo controle
60
Figura 11 Aspecto macroscópico do fígado 61
Figura 12 Fotomicrografias do fígado 62
Figura 13 Irinotecano induz fibrose hepática tardia 65
Figura 14 Atividade de MPO e Infiltrado lobular 66
Figura 15 Dosagem de lipídeos no tecido hepático e proteínas totais séricas
68
Figura 16 Dosagem de malonaldeído (MDA) e glutationa (NPSH) no tecido hepático
69
Figura 17 Contagem de leucócitos totais no sangue 70
Figura 18 Irinotecano aumenta a imunoexpressão de IL-1β no tecido hepático
73
Figura 19 Irinotecano aumenta a imunoexpressão de iNOS no tecido hepático
74
Figura 20 Irinotecano aumenta a imunoexpressão de TLR4 no tecido hepático
75
Figura 21 Fotomicrografias do duodeno de camundongos que receberam injeção de salina ou irinotecano
77
Figura 22 Irinotecano aumenta a imunoexpressão de TLR4 no tecido duodenal
80
Figura 23 Irinotecano aumenta a imunoexpressão de iNOS no tecido duodenal
81
Figura 24 Irinotecano aumenta a imunoexpressão de IL-1β no tecido duodenal
82
Figura 25 Plaqueamento em meio de cultura MaConkey, bacterioscopia pelo Gram e prova bioquímica do kit Probac de microorganismos em hemocultura
85
Figura 26A Modelo hipotético proposto para o papel da IL-1, NOSi, TLR-4 e da translocação bacteriana na patogênese da NASH induzida pelo irinotecano
100
Figura 26B Modelo hipotético proposto para o papel da IL-1, NOSi, TLR-4 e da translocação bacteriana na patogênese da NASH induzida pelo irinotecano
101
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Escores de Kleiner 63
Tabela 2 Irinotecano determina aumento do infiltrado portal e do escore de fibrose
64
Tabela 3 Irinotecano promove aumento da imunoexpressão de IL-1β, iNOS e TLR4 no tecido hepático, e não promove alteração da expressão de TNF e IL-18
72
Tabela 4 Graus de mucosite conforme Woo da primeira a sétima semana
76
Tabela 5
Irinotecano promove aumento da imunoexpressão de iNOS, TLR4 no epitélio da mucosa duodenal e aumento da imunoexpressão de IL-1β, iNOS e TLR4 nos macrófagos da submucosa duodenal
79
Tabela 6 Cultura de amostras de sangue portal (Pta) e do plexo retrorbital (Px) de camundongos em meio seletivo para bactérias gram negativas (MaConkey)
84
LISTA DE ABREVIATURAS
ALT Alanina aminotransferase
APC 7-etil-10-[4-N-(5-ácido aminopentanóico)-1-piperidino]-
carboniloxicamptotecina
AST Aspartato aminotransferase
BHI Meio Brain Heart Infusion
CCR Câncer coloretal
CPT-11 Irinotecano
DAMP padrão molecular associado ao perigo
FFA Ácidos graxos livres
FOLFIRI 5-fluorouracil, leucovorin e irinotecano
FOLFOX 5-fluorouracil, leucovorin e oxaliplatina
FOLFOXIRI 5-fluorouracil, leucovorin, oxaliplatina e irinotecano
GSH glutationa reduzida
H2O2 peróxido de hidrogênio
H2S Sulfeto de hidrogênio
HTAB Tampão de brometo de hexadeciltrimetilamônio
i.p. Intraperitoneal
IFN- Interferon -
IL-1 Interleucina-1
IL-1 Interleucina-1
IL-18 Interleucina-18
iNOS Óxido nítrico sintase indutível
IRI Irinotecano
JNK Quinase do N- terminal de C-Jun (família da MAPK)
LHS Lipase hormônio sensível
LPS Lipopolissacarídeos
M Molar
MDA Malonaldeído
mg Miligrama
mL Mililitro
mM Milimolar
MPO Mieloperoxidase
NAFLD Doença gordurosa não alcoólica do fígado
NAS Escore de atividade da NASH
NASH Esteatohepatite não alcoólica
NF-B Fator de transcrição nuclear kappa B
NIH National Institute of Health
NK Células Natural Killer
NO Óxido nítrico
NOS Óxido nítrico sintase
NPC 7-etil-10-[4-amino-1-piperidino]-carboniloxicamptotecina
PAMP padrão estrutural altamente conservado associado a patógenos
PBS Tampão fosfato-salino
ROS Espécies reativas de oxigênio
s.c. Subcutânea
SH-NP grupos sulfidrílicos não-protéicos
SN-38 7-etil-10-hidroxicamptotencina (metabólito do Irinotecano)
TCA ácido tricloroacético
TG Triglicerídeos
TLR-4 Receptores Toll-like 4
TNF- Fator de necrose tumoral-alfa
TRAF Fator Associado ao Receptor de TNF
UGT1A1 uridina 5’-difosfato-glicuronosil-transferase
VLDL lipoproteínas de muito baixa densidade
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 18
1.1 CANCER COLORRETAL METASTÁTICO ............................................ 18
1.2 IRINOTECANO ...................................................................................... 21
1.3 FÍGADO: FUNDAMENTOS DA MORFOLOGIA E FISIOLOGIA ........... 24
1.3.1 Anatomia ................................................................................................ 24
1.3.2 Histologia ............................................................................................... 26
1.3.3 Fisiologia ................................................................................................ 29
1.4
ESTEATOHEPATITE NÃO ALCOÓLICA (NASH): DEFINIÇÃO, DIAGNÓSTICO E CLASSIFICAÇÃO...................................................... 29
1.5 ESTEATOHEPATITE NÃO ALCOÓLICA (NASH): PATOGÊNESE ...... 31
1.5.1 Estresse Oxidativo ................................................................................. 34
1.5.2 LPS e Receptores Toll-Like 4 (Tlr-4) …………………………………....... 34
1.5.3 Mediadores Pró-Inflamatórias ................................................................ 36
1.5.3.1 Interleucina-1 ......................................................................................... 36
1.5.3.2 Fator de necrose tumoral (TNF) ............................................................. 38
1.5.3.3 Interleucina-18 ....................................................................................... 39
1.5.3.4 Óxido nítrico ........................................................................................... 39
1.6 JUSTIFICATIVA ..................................................................................... 43
2 OBJETIVOS ........................................................................................... 44
2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................ 44
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................. 44
3 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................... 45
3.1 MATERIAL UTILIZADO ......................................................................... 45
3.1.1 Soluções, Reagentes e Fármacos ......................................................... 45
3.1.2 Equipamentos ........................................................................................ 46
3.2 ANIMAIS ................................................................................................ 46
3.3 PADRONIZAÇÃO DA ESTEATO-HEPATITE......................................... 47
3.3.1
Dosagens das Concentrações Plasmáticas de Proteínas Totais, Alanina e Aspartato Aminotransferases (ALT e AST) ............................ 49
3.3.2 Avaliação Histopatológica do Fígado ..................................................... 49
3.3.3 Ensaio de Mieloperoxidase (MPO) ........................................................ 50
3.3.4 Ensaio para Dosagem de Malonaldeído (MDA) .................................... 50
3.3.5 Determinação dos Grupos Sulfidrílicos Não-Protéicos (SH-NP) ........... 51
3.3.6 Determinação de Lipídeos no Tecido Hepático ..................................... 51
3.3.7
Reação Imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1β, IL-18 e TLR-4 ..................................................................................................... 51
3.4
ANÁLISE DE BACTEREMIA E TRANSLOCAÇÃO PARA ÓRGÃOS ALVO ...................................................................................................... 52
3.5 PARÂMETROS AVALIADOS NA MUCOSITE INTESTINAL ................. 53
3.5.1 Avaliação Histopatológica do Duodeno ................................................. 53
3.6 ANÁLISE ESTATÍSTICA ........................................................................ 53
4 RESULTADOS ...................................................................................... 55
4.1 PADRONIZAÇÃO DA ESTEATO-HEPATITE ........................................ 55
4.1.1 Curva de Sobrevida ............................................................................... 55
4.1.2 Curva de Peso Corporal e Hepático ...................................................... 57
4.1.3
Dosagens das Concentrações Plasmáticas de Proteínas Totais, Alanina e Aspartato Aminotransferases (ALT e AST) ............................ 59
4.1.4 Avaliação Macroscópica e Histopatológica ............................................ 61
4.1.5 Avaliação do Infiltrado Inflamatório Hepático ......................................... 66
4.1.6 Dosagem de Lipídeos no Fígado e Proteínas Plasmáticas ................... 67
4.1.7 Avaliação do Estresse Oxidativo no Fígado .......................................... 69
4.1.8 Leucograma ........................................................................................... 70
4.1.9
Reação Imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1β, IL-18 e TLR-4 no Fígado .................................................................................... 71
4.1.10 Avaliação da Mucosite Intestinal ............................................................ 76
4.1.11
Reação Imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1β, IL-18 e TLR-4 no Intestino .................................................................................. 78
4.1.12 Avaliação da Translocação Bacteriana .................................................. 83
5 DISCUSSÃO .......................................................................................... 86
6 CONCLUSÃO...................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 102
18
1. INTRODUÇÃO
O número de agentes antineoplásicos tem crescido exponencialmente e
contribuído para o aumento da sobrevida de pacientes oncológicos. Entretanto,
efeitos adversos relacionados à quimioterapia do cancer como náuseas,
neutropenia, mucosite gastrointestinal, neurotoxicidade, cardiotoxicidade e
hepatotoxicidade representam um claro fator limitante do seu benefício. Além do
potencial prejuizo à qualidade de vida dos pacientes, a toxicidade dos
quimioterápicos pode levar a alterações de intensidade de dose e comprometimento
da eficácia do tratamento (SONIS et al., 2004). Portanto, tão importante quanto o
desenvolvimento de novas drogas é o entendimento e o manejo adequado das
toxicidades dos agentes já disponíveis, levando à possibilidade de pleno
aproveitamento dos seus potenciais terapêuticos.
Muito tem se descoberto sobre os processos e mediadores envolvidos nos
efeitos colaterais da quimioterapia do câncer. No entanto, apesar dos avanços
esclarecedores no mecanismo de alguns efeitos adversos, outros ainda
permanecem pouco compreendidos. A toxicidade hepática relacionada ao uso de
quimioterapia só recentemente tem sido descrita, e sua fisiopatologia permanece
desconhecida.
1.1. Cancer colorretal metastático
O câncer coloretal (CCR) é uma das neoplasias mais prevalentes em todo o
mundo e uma das principais causas de óbito por câncer (KUVSHINOV e FONG,
2007). O fígado é o sítio mais freqüente de metástases no CCR. Ao diagnóstico do
tumor primário, 15 a 25% dos pacientes apresentam metástases hepáticas
(sincrônicas), 50% dos pacientes desenvolverão doença metastática no fígado
durante o curso de sua doença (metacrônica) (CHEN et al., 2011), e em cerca de
30% dos óbitos a doença está restrita ao fígado (KUVSHINOV e FONG, 2007).
Assim, as estratégias de tratamento das metástases hepáticas do CCR adquirem
grande importância no manejo dessa neoplasia (ALBERTS e POSTON, 2011).
Por um longo tempo, o CCR metastático foi considerado incurável e de
prognóstico sombrio. A quimioterapia acrescentava pouco, sequer algum benefício
para esses pacientes. Esse quadro vem mudando dramaticamente. No inicio dos
19
anos 2000, estudos clínicos com agentes quimioterápicos mais eficazes como
irinotecano e oxaliplatina evidenciaram benefício em qualidade de vida, taxa de
resposta e ganho expressivo na sobrevida global mediana, que passou de 6 a 12
meses nos pacientes sem tratamento (KUVSHINOV e FONG, 2007) para 20 a 22
meses nos pacientes expostos a estas drogas (RAMIA-ANGEL et al., 2011). Mais
recentemente, a incorporação de agentes biológicos ao arsenal terapêutico
proporcionou um benefício adicional ao tratamento quimioterápico padrão (VAN
CUTSEM et al., 2009; HURWITZ et al, 2004). Esses avanços, porém, não são
considerados suficientes porque conservam o intuito paliativo do tratamento: a
maioria dos pacientes morre em consequência do CCR.
A cura do CCR metastático, entretanto, parece ser um objetivo realista
quando a quimioterapia é combinada à cirurgia na abordagem dos pacientes com
metástases exclusivamente hepáticas. Desta forma, uma avaliação multidisciplinar,
incluindo o cirurgião oncológico abdominal e o oncologista clinico, é essencial para a
determinação da ressecabilidade das lesões hepáticas. Os critérios para determinar
a viabilidade da metastasectomia incluem a chance de resseccão de toda evidência
de doença com margens negativas e a manutenção de adequada reserva hepática.
Em 1952 foi realizada por Lortat-Jacob a primeira lobectomia hepática para
tratamento de CCR metastático. Com o tempo, as metástases hepáticas passaram a
ser a principal indicação de hepatectomias parciais. Inúmeras grandes séries de
casos foram publicadas com aceitáveis taxas de mortalidade (abaixo de 5%)
(KUVSHINOV e FONG, 2007; HOUSE et al., 2010) e resultados de sobrevida
animadores. Para metástases restritas ao fígado, a ressecção hepática sem doença
residual (R0) é capaz de promover taxas de sobrevida global em 5 anos variando
entre 30 a 60% (KUVSHINOV e FONG, 2007, WEI et al., 2006) enquanto poucos
pacientes não ressecados ultrapassam 3 anos de sobrevida em séries históricas
(ROUGIER et al., 1995).
Em pacientes candidatos à ressecção de metástases hepáticas de CCR, a
quimioterapia pré-operatoria tem sido utilizada em dois cenários clínicos distintos. O
primeiro envolve o uso de quimioterapia em lesões inicialmente ressecáveis,
presentes em 10% a 20% dos pacientes com CCR metastático (KUVSHINOV e
FONG, 2007). Esta estratégia apresenta vários objetivos: controlar a doença
micrometastática, avaliar a responsividade ao esquema a ser utilizado (que tem
valor prognóstico e influencia o planejamento terapêutico pós-operatório), e
20
selecionar os pacientes candidatos à cirurgia (RAMIA-ANGEL et al., 2011). Os
pacientes que têm progressão da doença na vigência do tratamento neoadjuvante
caracterizam um subgrupo de mau prognóstico, determinando uma contra-indicação
relativa às cirurgias hepáticas de grande porte (ADAM et al., 2004b).
O segundo cenário representa pacientes com metástases hepáticas
inicialmente irressecáveis que se submetem à chamada terapia de conversão, com
objetivo de tornar a doença ressecável. Com protocolos de poliquimioterapia
baseados em 5-fluorouracil, como FOLFOX (com oxaliplatina), FOLFIRI (com
irinotecano), ou FOLFOXIRI (com oxaliplatina e irinotecano), combinados ou não
com agentes biológicos, as respostas obtidas levam a ressecabilidade em até 40%
dos casos (BISMUTH et al., 1996; ADAM et al., 2004a; POZZO et al., 2004). Os
pacientes ressecados após a terapia de conversão apresentam sobrevidas
semelhantes aos pacientes inicialmente ressecáveis, demonstrando um benefício
real dessa abordagem e seu forte impacto terapêutico (ADAM et al., 2004a).
Por esses motivos, a quimioterapia pré-operatória é uma tendência universal
na moderna prática oncológica para o tratamento das metástases hepáticas do
CCR. A recomendação é de que a cirurgia seja realizada após 2 a 3 meses de
quimioterapia, e seguida de quimioterapia adjuvante por um total de 6 meses de
tratamento perioperatório. A tentativa de estabelecer um limite de exposição aos
agentes quimioterápicos no pré-operatório reflete a preocupação quanto aos efeitos
deletérios dessas drogas no parênquima hepático não tumoral. A oxaliplatina tem
sido relacionada a injúria sinusoidal hepática (RUBBIA-BRANDT, 2004) e o
irinotecano a esteatohepatite (VAUTHEY, 2006).
A realização de ressecções com um remanescente hepático patológico pode
limitar a capacidade de regeneração hepática, influenciando o resultado cirúrgico
(HAMMOND et al., 2011). Em condições normais, o fígado pode ser ressecado em
até aproximadamente 80% do seu volume total com segurança (KUVSHINOV e
FONG, 2007). Em um fígado doente, até mesmo pequenas ressecções podem ter
elevada morbidade, com o desenvolvimento de insuficiência hepática pós-operatória
(HAMMOND et al., 2011).
21
1.2. Irinotecano
O irinotecano é um derivado semi-sintético da camptotecina. Esta substância
foi inicialmente isolada por WALL em 1966 a partir de uma planta nativa da China e
do Tibet, a Camptotheca acuminata. O irinotecano e seu metabólito ativo, o SN-38,
exercem suas atividades antineoplásicas impedindo a duplicação da molécula de
DNA, através da inibição seletiva da topoisomerase I.
A topoisomerase I é uma enzima que atua sobre a dupla fita do DNA
relaxando a supertorção gerada durante a fase de transcrição e replicação do DNA
(WANG, 1996). Devido ao tamanho do cromossomo eucariótico, a remoção da
supertorção se faz necessária e é realizada através da introdução de quebras
transitórias em uma das cadeias de dupla fita do DNA, o que permite que a cadeia
que foi quebrada gire em torno da fita complementar intacta e a supertorção
conseqüentemente seja removida. Após o relaxamento, a ligação intermediária
covalente entre a topoisomerase I e o DNA se desfaz, sendo a fita de DNA religada
normalmente, permitindo a continuação da replicação (CHAMPOUX, 2001).
Contudo, uma variedade de drogas tem capacidade, tanto in vivo como in vitro, de
estabilização do intermediário covalente topoisomerase I-DNA, como, por exemplo,
o topotecano e o irinotecano. A topoisomerase I é, portanto, o alvo molecular da
ação desses agentes, sendo os efeitos citotóxicos, conseqüentemente, fase S
específicos (CHAMPOUX, 2001).
O irinotecano é uma droga antineoplásica ativa contra uma variedade de
tumores, sendo utilizado principalmente no tratamento do câncer coloretal (SALTZ et
al., 2000, CHESTER et al., 2003). É um precursor hidrossolúvel do metabólito
lipofílico SN-38 (figura 1). Os estudos bioquímicos e análises de citotoxicidade
realizados in vitro em células tumorais humanas e de roedores indicam, de forma
consistente, que o SN-38 é, pelo menos, 1000 vezes mais potente como um inibidor
de topoisomerase I do que o irinotecano (KOIZUMI et al., 2006), sendo este último,
por conseqüência, comumente descrito como sendo uma pró-droga. Os detalhes do
metabolismo e excreção do irinotecano estão ilustrados na Figura1.
Dentre os efeitos colaterais mais freqüentes do irinotecano destaca-se a
mucosite intestinal (IKUNO et al., 1995; FREITAS, 2007). A destruição celular
gastrointestinal observada na mucosite por uso de antineoplásicos é resultado de
hipoproliferação celular com atrofia das vilosidades e aprofundamento das criptas,
22
que resulta em disfunção absortiva e alteração na secreção de eletrólitos,
principalmente Na+ e K+, podendo acarretar diarréia (KEEFE, 2007). A presença de
um epitélio intestinal funcionalmente e estruturalmente danificado favorece a
translocação bacteriana, evento que parece desempenhar papel relevante na
toxicidade intestinal e extra-intestinal da quimioterapia (GIBSON et al, 2003;
MARTIN e WALLACE, 2006).
A esteatohepatite é outro evento adverso do irinotecano extremamente
relevante. O risco de desenvolver esteatohepatite é 3,45 vezes maior em pacientes
expostos ao irinotecano em relação aos pacientes virgens de quimioterapia (IC 95%
1,12-10,62; p=0,03) (ROBINSON et al., 2012). A mortalidade cirúrgica após
ressecções hepáticas demonstrou-se significativamente maior em pacientes com
esteatohepatite associada ao irinotecano (odds ratio 10,5; p=0,001), primordialmente
por insuficiência hepática (VAUTHEY et al., 2006). Os mecanismos patogênicos
deste efeito colateral são ainda desconhecidos.
23
Figura 1 – Metabolismo do Irinotecano. No fígado, a enzima CYP3A4 atua sobre o CPT-11 gerando dois compostos inativos, APC (7-etil-10-[4-N-(5-ácido aminopentanóico)-1-piperidino]-carboniloxicamptotecina) e NPC (7-etil-10-[4-amino-1-piperidino]-carboniloxicamptotecina). O NPC pode ser metabolizado pela carboxiesterase (CE) em SN-38. A depuração do SN-38 é feita no fígado pelo polipeptídio A1 da família da uridina difosfato glicosiltransferase 1 (UGT1A1), gerando glicuronídios de SN-38 (SN-38G), que são desprovidos de atividade biológica. CPT-11, SN-38 e SN-38G são excretados na bile através das proteínas de transporte MDR1 (multidrug resistance protein 1) e MRP2 (multidrug resistance-associated protein 2) e chegam ao intestino delgado. No intestino delgado, o CPT-11 pode ser clivado pela CE intestinal, formando mais SN-38. Além disso, o SN-38G pode ser desconjugado pela ação de bactérias
intestinais produtoras de -glicuronidase, transformando-se novamente em SN-38. Este, por sua vez, é reabsorvido iniciando um processo de recirculação êntero-hepática (TAKASUNA et al., 1996; CHESTER et al., 2003; TALLMAN, 2005).
24
1.3. Fígado: Fundamentos da morfologia e fisiologia
1.3.1. Anatomia
Um bom conhecimento da morfologia do fígado é fundamental para o
entendimento de suas principais patologias. O fígado é o maior órgão sólido do
organismo pesando de 1200 a 1600 gramas e ocupa grande parte do quadrante
superior direito do abdome (TOWNSEND, 2012). O fígado apresenta duplo
suprimento vascular. A artéria hepática é responsável pela vascularização sistêmica
que corresponde a cerca de 25% do fluxo sanguíneo hepático. A veia porta leva
sangue com baixa oxigenação, originário dos capilares intestinais e representa 75%
do fluxo hepático. O sangue é drenado do fígado através de três veias hepáticas
principais (direita, média e esquerda) que drenam diretamente para a veia cava
inferior (TORTORA, 2002). A bile produzida no fígado é drenada por ductos biliares
intra-hepáticos terminais que progressivamente se unem para formar os ductos
hepáticos maiores direito e esquerdo. Os ductos direito e esquerdo por sua vez, se
unem no hilo hepático para formar o ducto hepático principal que desemboca na
segunda porção duodenal através da papila de Vater (TOWNSEND, 2012).
O conceito anatômico moderno do fígado baseia-se em sua segmentação
funcional e compreende 8 segmentos. Cada segmento hepático apresenta seu
suprimento vascular e drenagem biliar próprios, através dos seus pedículos
correspondentes. Cada pedículo é composto pela chamada tríade portal que
compreende um ramo da artéria hepática, da veia porta e do ducto biliar (MARTINS,
2008; CLAVIEN, 2010) (Figura 2).
25
Figura 2. Segmentação hepática. Cada segmento hepático recebe suprimento de sua própria tríade portal (veia porta, artéria hepática e ducto biliar). As veias hepáticas direita, média e esquerda desembocam na veia cava inferior e dividem o fígado em 4 setores. O lobo direito é composto pelos segmentos V, VI, VII e VIII; o lobo esquerdo é composto pelos segmentos II, III e IV. O segmento I é o lobo caudado. (Fonte: BLUMGART LH, FONG Y. Surgery of the Liver and Biliary Tract. Londres, WB Saunders, pp3-34, 2000).
26
1.3.2. Histologia
O parênquima hepático é organizado em unidades funcionais denominadas
ácinos ou lóbulos. O lóbulo é formado por um ramo venoso terminal cercado por
quatro a seis ramos da tríade portal (artéria hepática, veia porta e ducto biliar)
gerando uma unidade poligonal (hexagonal ou quadrangular). Entre as tríades
portais e a veia central (centro-lobular), os hepatócitos são dispostos em múltiplas
placas de monocamadas envoltas de cada lado por espaços revestidos por endotélio
repletos de sangue chamados sinusóides (MATSUMOTO e KAWAKAMI, 1982).
O sangue flui de maneira centrípeta, saindo das tríades portais terminais em
direção a veia cento-lobular. Esse sangue flui nos sinusóides entre as placas de
hepatócitos sofrendo extensa modificação química antes de drenar para as veias
hepáticas. Observam-se grandes lacunas entre as células endoteliais dos sinusóides
e o plasma encontra-se em íntimo contato com os hepatócitos. O espaço
extravascular compreendido entre os sinusóides e os hepatócitos é denominado de
espaço de Disse onde encontram-se as células estelares ou de Ito. Essas células de
alto conteúdo lipídico armazenam vitamina A e podem adquirir um fenótipo
semelhante ao miofibroblasto ativado durante o processo fibrogênico (FRIEDMAN et
al. 1985; LIMA, 2010). Existem também numerosos macrófagos ancorados ao
endotélio dos sinusóides que são denominados de células de Kupffer (GANONG,
2007).
A bile segue o caminho oposto ao do sangue, sendo formada nos hepatócitos
e coletada em pequenos dúctulos biliares que coalescem em direção a tríade portal.
Essa unidade funcional representa uma base estrutural para as várias funções
secretórias e metabólicas do fígado (TOWNSEND, 2012).
Entre as tríades portais e a veia centro-lobular existem três zonas que diferem
em seus arsenais enzimáticos bem como ao grau de exposição aos nutrientes e ao
sangue oxigenado. A zona 1 tem localização próxima a tríade portal e
consequentemente melhor oxigenada; a zona 2 é intermediária e possui oxigenação
moderada; a zona 3 é perivenular e bem menos oxigenada e propensa a lesões por
hipóxia (LAMERS, 1989).
27
Figura 3. Lóbulo hepático. Unidade funcional do fígado, o lóbulo hepático é composto da veia centrolobular cercada por coluna de hepatócitos e pelos sinusóides. Na periferia do lóbulo encontram-se os espaços porta compostos pelas tríades portais (ramo arterial, venoso portal e biliar).
28
Figura 4. Espaço de Disse. Entre as camadas de hepatócitos e os sinusóides encontra-se o espaço de Disse. Nele estão presentes as células esteladas que exercem importante papel na fibrogênese hepática. Na luz dos sinusóides, aderidos ao endotélio encontram-se as células de Kupffer, que são semelhantes aos macrófagos.
29
1.3.3. Fisiologia
O fígado desempenha múltiplas funções fisiológicas, sendo o órgão central na
homeostase metabólica. Como glândula, secreta a bile, que é importante na
digestão e absorção de gorduras e de substâncias liposolúveis ingeridas pela dieta
(GANONG, 2007). O fígado tem papel central na regulação do metabolismo
energético coordenando a captação, o processamento e a distribuição de nutrientes
e seus produtos energéticos subseqüentes. O fígado também sintetiza um grande
número de proteínas, enzimas e vitaminas que participam de uma extensa variedade
de processos orgânicos vitais. Importante também é o seu papel de detoxificação e
eliminação de um vasto número de substâncias exógenas e endógenas servindo
como um verdadeiro filtro para o corpo humano (TOWNSEND, 2012).
Uma das principais características fisiológicas do fígado é a sua elevada
capacidade de regeneração. Essa capacidade de ajustar seu volume conforme as
necessidades corporais pode ser observada na clínica após ressecções hepáticas
ou hepatopatias agudas. A regeneração hepática é uma resposta de hiperplasia
proporcional de todos os tipos celulares de forma que a anatomia microscópica final
se mantém funcional. Doenças hepáticas crônicas podem determinar variados
graus de comprometimento da capacidade regenerativa do fígado (HAMMOND et
al., 2011).
1.4. Esteatohepatite não alcoólica (NASH): Definição, diagnóstico e
classificação
A esteatohepatite não alcoólica (NASH) é uma entidade clínica que foi
descrita pela primeira vez em um estudo da Mayo Clinic (LUDWIG et al., 1980) e
desde então tem sido reconhecida com freqüência crescente na prática clínica. A
NASH é um componente da Doença Gordurosa não alcoólica do fígado (NAFLD).
Essa síndrome é definida como um espectro que varia desde a esteatose simples,
achado muito prevalente e com poucas repercussões clínicas, até diferentes graus
de lesão inflamatória hepática que pode determinar deterioração da função hepática
com um risco potencial de evolução para cirrose (MULHALL et al., 2002). Assim,
para se definir NASH é necessária a presença de esteatose associada a lesões
necro-inflamatórias características como tumefação hepatocítica, inflamação e
30
fibrose (BRUNT et al. 1999). Uma combinação desses achados histológicos
representa uma forma mais severa da doença e com o potencial risco de progressão
silenciosa para a cirrose hepática que pode ocorrer em até 24% dos casos
(MATTEONI et al. 1999). A necessidade de uma estratificação prognóstica baseada
nos achados histológicos se tornou evidente.
Um sistema de avaliação semiquantitativa foi desenvolvido por BRUNT et al.
(1999), através de um estudo retrospectivo de 51 biópsias hepáticas. Um total de
dez achados histológicos estudados sabidamente associados a NASH foram
categorizados em graus de severidade. O autor determinou que, dentre as variáveis
estudadas, a combinação de esteatose, tumefação hepatocítica e infiltrado
inflamatório lobular se constituiu na base para o diagnóstico. O sistema proposto se
baseia no conceito de que o diagnóstico histológico da NASH é definido por um
conjunto de fatores e não por um achado histológico isolado. Esses três achados em
conjunto apresentam, segundo o autor, uma maior acurácia em refletir a severidade
do dano hepático.
Mais recentemente um escore quantitativo e de maior aplicabilidade prática foi
desenvolvido utilizando os mesmos parâmetros histológicos descritos por Brunt
(KLEINER et al. 2005). O autor incluiu 50 espécimes de biópsias hepáticas e os
casos foram cegamente avaliados, por duas vezes e de forma independente por
nove patologistas. Os avaliadores foram orientados, baseados na observação de 14
achados histológicos previamente definidos e categorizados, a classificar as biópsias
como NASH improvável, NASH marginal ou NASH. Após a comparação das
avaliações intra e inter patologistas, foram selecionadas 3 das variáveis histológicas
com base no grau de concordância entre as avaliações e nas suas capacidades
preditivas para o diagnóstico de NASH. O Escore de atividade da NASH (NAS)
quantifica cada um das três variáveis histológicas através da gradação da
severidade dos achados: esteatose (0 a 3); inflamação lobular (0 a 3); vacuolização
(0 a 2). O escore final gerado varia de 0 a 8 e indica a presença e a severidade da
NASH. Assim, escores < 3 indicam NASH pouco provável, escores 3 e 4 indicam
NASH marginal e escores > 5 são diagnósticos de NASH (KLEINER et al., 2005).
Outros achados histológicos que classicamente também se associam com
NASH como infiltração inflamatória portal, presença de corpos hialinos de Mallory ou
megamitocôndrias não tiveram associação forte ou estatisticamente independente
com a esteatohepatite. O achado de fibrose se correlacionou fortemente com o
31
diagnóstico de NASH, porém apresentou-se pouco específica e com baixa
capacidade preditiva negativa. A fibrose foi considerada pelo autor como menos
reversível e como consequência da atividade da doença não sendo, portanto,
incluída como componente do escore. Apesar de não fazer parte dos critérios
diagnósticos, a presença de fibrose é muito importante e deve ser sempre avaliada,
pois tem correlação prognóstica. Uma classificação específica para a NASH tem sido
utilizada que categoriza a fibrose em graus crescentes de severidade: grau 0 –
ausência; grau 1 – perisinusoidal ou periportal; grau 2 – perisinusoidal e periportal;
grau 3 – fibrose em ponte; grau 4 – cirrose (KLEINER et al., 2005). A associação de
NASH e fibrose caracteriza um subgrupo de pacientes com particular risco de
progredir para a cirrose, com taxas de progressão de até 24% (MATTEONI et al.,
1999).
O NAS proposto é simples de aplicar e requer apenas colorações
histológicas de rotina (hematoxilina-eosina) e tricrômico de Masson para avaliação
da fibrose, sendo portanto de fácil reprodutibilidade. O NAS foi também ao mesmo
tempo validado, na medida em que demonstrou elevada concordância entre o grupo
de avaliadores do estudo composto de nove experientes hepatopatologistas
(KLEINER et al., 2005).
1.5. Esteatohepatite não alcoólica (NASH): Patogênese
A compreensão dos mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento da
NASH é de suma importância, pois poderá permitir estratégias mais eficazes para
sua prevenção e tratamento. Baseado em dados clínicos e experimentais, o modelo
chamado de “two hits” (duas etapas) ainda é o mais utilizado para a explicação da
NASH. Nesse modelo, o desenvolvimento da esteatose corresponde à primeira
etapa e tornaria o fígado mais susceptível para danos subseqüentes (segunda
etapa) que finalmente levariam ao dano hepatocelular, inflamação e fibrose que
caracterizam a NASH (DAY e JAMES, 1998).
A primeira etapa envolve os mecanismos que culminam com o acúmulo de
gordura, sob a forma de triglicerídeos, no fígado. Nesta fase, a resistência insulínica
parece ser o principal fator envolvido, definida por uma menor sensibilidade dos
tecidos à ação da insulina. A forte associação de esteatose e patologias como
diabetes mellitus, obesidade visceral e a condição chamada de síndrome metabólica
32
é explicada pela resistência insulínica, condição comum a todas essas patologias
(CHITTURI e FARRELL, 2001; LIMA, 2010).
A resistência periférica à insulina determina um aumento da lipólise no tecido
adiposo, causada pela perda da inibição, mediada pela insulina, da enzima lipase
hormônio sensível (LHS). No tecido adiposo, a maior atividade da enzima LHS
aumenta a hidrólise do triacilglicerol e diminui a esterificação dos ácidos graxos
livres, aumentando sua liberação para o plasma e com um conseqüente aumento do
influxo de ácidos graxos para o fígado (CHITTURI e FARRELL, 2001; LIMA, 2010).
Ocorre também uma hiperinsulinemia compensatória secundária à diminuição da
sensibilidade à insulina no tecido periférico (TILG e MOSCHEN, 2010). No fígado, os
elevados níveis de insulina promovem lipogênese e inibição da degradação de
ácidos graxos através da β-oxidação mitocondrial (CHITTURI e FARRELL, 2001). O
resultado final é o progressivo acúmulo de lipídeos nos hepatócitos,
predominantemente sob a forma de triglicerídeos, promovendo a esteatose (TILG e
MOSCHEN, 2010). A esteatose macrovesicular é a conseqüência de longo prazo
desse distúrbio crônico do metabolismo lipidico hepático e tem, na maior parte das
vezes, evolução benigna (DAY e JAMES, 1998). A esteatose isolada pode ser,
portanto, mais um fenômeno paralelo aos mecanismos de lesão do que
verdadeiramente responsável pela hepatotoxicidade na NASH (CORTEZ-PINTO et
al., 2006).
A segunda etapa envolve um novo mecanismo de lesão hepática que pode
ser potencializado quando ocorre em um fígado esteatótico (DAY e JAMES, 1998).
Os melhores candidatos a fatores promotores da lesão nessa segunda etapa são o
estresse oxidativo, com a peroxidacao lipídica, e a exposição do fígado ao
lipopolissacarideo (LPS) bacteriano, com a ativação de citocinas pró-inflamatórias
(CORTEZ-PINTO et al., 2006).
33
Figura 5. Metabolismo dos lipídeos no fígado. Os ácidos graxos livres (FFA) chegam ao fígado através da veia porta , absorvidos na dieta ou pela lipólise periférica. No fígado podem ser oxidados a acetil coenzima A pela β oxidação mitoconfrial ou pelas oxidases citoplasmáticas que podem gerar espécies reativas de oxigênio. Os ácidos graxos livres também podem ser exportados através da síntese de lipoproteínas de muito baixa densidade VLDL) ou armazenados no fígado sob a forma de triglicerídeos (TG).
34
1.5.1. Estresse oxidativo
A peroxidação lipídica mediada por espécies reativas de oxigênio (ROS) tem
sido considerada como um potencial mecanismo de lesão na patogênese da NASH
(PESSAYRE e FROMENTY, 2005). O aumento de ácidos graxos livres no hepatócito
pode saturar a β- oxidação mitocondrial, que é a via preferencial de degradação dos
ácidos graxos e que gera acetil coenzima A. Assim, com a saturação da via
mitocondrial, a β- oxidação alternativa (peroxisomal) sofre um acréscimo,
aumentando a geração de peróxido de hidrogênio, que é seu produto final. O
peróxido de hidrogênio formado é convertido em outros ROS e amplifica a cascata
do estresse oxidativo (DAY e JAMES, 1998).
O estresse oxidativo pode explicar a ocorrência de vários achados
histológicos da NASH. A peroxidação de membranas plasmáticas e mitocondriais
pode causar diretamente dano celular, induzindo necrose e apoptose como também
a formação de megamitocôndrias (CORTEZ-PINTO et al., 2006). A peroxidação
lipídica tem como produto final a formação de compostos aldeído, notadamente
malonaldeído (MDA). O MDA pode induzir uma resposta inflamatória, pois se liga
covalentemente a proteínas hepáticas, gerando produtos que são capazes de
estimular uma resposta imunológica (ALBANO et al., 2005). MDA pode também
estimular a síntese de matriz extracelular pelas células esteladas e promover a
quimiotaxia de neutrófilos (ZAMARA et al., 2004). Finalmente, os produtos da
peroxidação lipídica podem iniciar a cascata de ativação do fator de transcrição NF-
κB, que leva o aumento da transcrição de várias citocinas inflamatórias (RIBEIRO et
al., 2004).
1.5.2. LPS e Receptores Toll-like 4 (TLR-4)
A maior exposição do fígado ao lipopolissacarídeo (LPS) ou endotoxina
bacteriana é um mecanismo capaz de elevar os níveis hepáticos de citocinas pró-
inflamatórias (DAY e JAMES, 1998). Desde que o sangue que deixa o intestino
drena diretamente para a veia porta, o fígado é particularmente exposto a uma maior
sobrecarga de endotoxina intestinal.
O papel do LPS na patogênese da NASH passou a ser investigado após a
demonstração do aumento da incidência de NASH e cirrose em pacientes
35
submetidos a cirurgia de derivação jejunoileal para obesidade (HAINES et al., 1981).
A cirurgia leva a supercrescimento bacteriano e endotoxemia portal (HAINES et al.,
1981) e o risco de NASH no pós- operatório é reduzido pelo uso de antibióticos
(DRENICK et. al., 1982). Esses achados clínicos foram reproduzidos em um modelo
experimental murino de derivação jejuno-ileal onde a lesão hepática e a esteatose
resultantes foram minimizadas com terapia antimicrobiana (VANDERHOOF et al.,
1980).
O supercrescimento bacteriano não é o único mecanismo de extravazamento
de LPS para o sangue portal. O LPS também pode chegar ao fígado pela quebra da
barreira intestinal, gerando translocação de bactérias gram negativas e com
conseqüente insulto séptico ao fígado (DAY e JAMES, 1998). O epitélio intestinal
íntegro é uma importante barreira contra infecções, pois além de representar um
obstáculo físico aos microorganismos, também produz substâncias antimicrobianas
e abriga linfócitos intra-epiteliais de defesa (ABBAS, 2008). Em um estudo
experimental com ratos obesos geneticamente modificados, observou-se uma
diminuição da barreira intestinal causada pela distribuição anormal das proteínas de
adesão do epitelio. O aumento da permeabilidade intestinal resultante gerou um
aumento da endotoxemia portal causando um severo dano inflamatório hepático
(BRUN et al., 2006). A mucosite intestinal induzida pelo irinotecano pode, da mesma
forma, determinar uma falha nos mecanismos de defesa do epitélio, favorecendo a
translocação bacteriana.
A via pela qual o LPS chega ao fígado e gera inflamação hepática envolve
sua ligação com os receptores conhecidos como TOLL-like 4 (TLR-4). Os receptores
TOLL sao proteínas transmembrana evolutivamente conservadas entre insetos e
humanos que fazem parte da imunidade inata (RIVERA et al., 2007; ABBAS, 2008).
Esses receptores foram inicialmente identificados em moscas Drosophila
melanogaster, nas quais tem um papel na embriogênese e na imunidade contra
infecções fúngicas. O primeiro relato de receptores semelhantes a TOLL (TOLL like
receptors, TLR) em humanos foi em 1994 por NOMURA et al. Atualmente, esta
familia tem 10 componentes descritos (TLR 1-10), com homologia estrutural com
TOLL e com o receptor de interleucina-1. Esses membros da família de TLR são
expressos de forma diferenciada entre as células imunes e parecem responder a
estímulos diferentes. Em geral, reconhecem padrões moleculares associados ao
perigo (DAMPs), que são moléculas endógenas liberadas nos processos de morte
36
celular ou necrose, e padrões estruturais altamente conservados associados a
patógenos (PAMPs), como flagelina, DNA bacteriano, peptidoglicano, RNA viral ou
LPS (ABBAS, 2008).
O TLR4, componente mais extensivamente estudado da família, é o principal
receptor do LPS. Após a ligação do LPS e dos cofatores MD2 e CD14, medeia a
ativação nuclear do fator nuclear KappaB e a síntese de citocinas pró-inflamatorias,
notadamente IL-1 e TNF. Além do seu papel no controle de infecções, o TLR4 tem
também participação na NASH. A expressão reduzida de TLR4 em modelos de
camundongos mutantes teve ação protetora contra o desenvolvimento de NASH
(IGOLNIKOV, 2002). No modelo experimental de colite, camundongos alimentados
com dieta rica em gordura apresentaram, além da elevação do nível de LPS portal e
da inflamação hepática severa, um aumento na expressão de TLR4 em relação ao
grupo controle (GABELLE, 2011). Assim, o TLR4 parece ser a conexão crucial no
eixo microbiota intestinal-figado relacionado a progressão da NASH.
1.5.3. Mediadores pró-inflamatórias
As citocinas são fortes candidatas a exercer papel central na patogênese da
NASH por serem capazes de induzir todas as alterações patológicas que
caracterizam a síndrome (CORTEZ-PINTO et al., 2006). A presença do insulto
inflamatório ao fígado é reconhecida como condição essencial para a progressão da
NASH e, na realidade, representa o evento limite entre a esteatose simples e a
esteatohepatite (TILG e MOSCHEN, 2010).
1.5.3.1. Interleucina-1
A IL-1 e uma citocina produzida por fagócitos mononucleares ativados e tem
papel fundamental na inflamação local e sistêmica e em uma lista crescente de
doenças.
Existem dois genes relacionados de IL-1, IL1A e IL1B, que codificam
respectivamente IL-1 e IL-1. Cada isoforma se liga ao mesmo receptor de
superfície, chamado IL-1 tipo 1 (IL-1RI), presente em quase todas as células. Uma
vez ligada ao receptor, a IL-1 induz uma cascata de mediadores inflamatórios,
quimiocinas e outras citocinas (DINARELLO, 2012).
37
O precursor de IL-1 é constitutivamente presente no citoplasma dos
queratinócitos da pele, plaquetas, células epiteliais de membranas mucosas do
corpo, em todo o endotélio e em células de órgãos como fígado, pulmão e rim. Em
condições patológicas, IL-1 move-se para a membrana celular de onde pode ativar
células adjacentes portadoras do receptor de IL-1, iniciando o processo de
inflamação estéril. Desta forma, IL-1 é tida como alarmina, não necessitando de
tempo para sua síntese e estando pronta para sua função logo que liberada, nas
primeiras horas após injúria ou isquemia.
Em contraste com a IL-1, IL-1 não está presente em células saudáveis e
requer uma série de eventos intracelulares antes de iniciar sua participação no
processo inflamatório. A IL-1 é produzida por monócitos, macrófagos teciduais e
células dendríticas por estímulo de produtos bacterianos, fator de necrose tumoral
(TNF), IL-18, IL-1 e pela própria IL-1. O passo limitante na velocidade de sua
produção é a transcrição. O produto da transcrição é ainda um precursor inativo que
após clivagem intracelular pela caspase 1, uma cisteína protease, é finalmente
convertido a IL-1.
A evidência da participação de ambas as isoformas de IL-1 em diversas
patologias vem da análise de sua imunoexpressão nos tecidos acometidos e de
estudos com inibidores específicos desta citocina. A avaliação do nível sérico de IL-1
não determina causalidade ou severidade do insulto inflamatório. Mesmo em
doenças inflamatórias mediadas por IL-1, os níveis séricos de IL-1 sofrem apenas
modestas elevações e os níveis de IL-1 permanecem indetectáveis (DINARELLO,
2012). O reconhecimento do papel da IL-1 na fisiopatologia de doenças como artrite
reumatóide, espondilite anquilosante, doença de Behcet, psoríase, gota, diabetes
tipo 2 e insuficiência cardíaca teve impacto clinico, com a incorporação de inibidores
de IL-1 aos seus arsenais terapêuticos.
No contexto da toxicidade relacionada ao tratamento do câncer, modelos
experimentais demonstraram a participação de IL-1 em condições como cistite
hemorrágica induzida por ifosfamida (RIBEIRO et al., 2002), cardiotoxicidade por
doxorrubicina (ZHU et al., 2011), mucosite oral secundária à radiação (SONIS, 2000)
e mucosite intestinal induzida por 5-fluorouracil (WU et al., 2011) e por irinotecano
(MELO et al., 2008). O papel da IL-1 na esteatohepatite induzida por irinotecano
ainda não foi estudado.
38
1.5.3.2. Fator de Necrose Tumoral (TNF)
Há quase um século, William Coley descreveu a ocorrência de febre e
regressão tumoral em alguns pacientes tratados com filtrado bacteriano (NAUTS,
1953). Em 1975, o TNF foi isolado como componente ativo do filtrado de Coley no
soro de camundongos expostos a endotoxina bacteriana e foi capaz de induzir
necrose hemorrágica nos tumores desses animais (CARSWELL, 1975; OLD, 1985).
Décadas de pesquisa levaram ao atual entendimento do TNF como uma citocina
multifuncional que tem papel chave na apoptose e sobrevivência celular, assim
como na inflamação e imunidade.
O TNF é produzido por macrófagos e também por uma variedade de outras
células incluindo linfócitos, mastócitos, células endoteliais, fibroblastos e neurônios.
Em resposta ao LPS e a outros produtos bacterianos, uma grande quantidade de
TNF é gerada. Esta citocina exerce suas funções biológicas via interação com os
receptores TNF-R1 e TNF-R2. Após a ligação do TNF, o receptor sofre uma
mudança conformacional que permite o inicio da sinalização intracelular, levando a
respostas que incluem morte ou sobrevivência celular, diferenciação, proliferação e
migração (WAJANT et al., 2003).
Apesar de nomeado por suas propriedades anti-tumorais, o TNF tem sido
identificado na patogênese de uma variedade de outras condições. Por este
mediador comum, patologias como artrite reumatóide, psoríase e doença de Crohn
compartilham mais características do que se reconhecia anteriormente (TRACEY et
al., 2008), e atualmente têm os inibidores de TNF como ferramentas terapêuticas
comuns.
A produção de TNF é um dos eventos mais precoces em vários tipos de
injuria hepática, induzindo a produção de outras citocinas que, em conjunto,
recrutam células inflamatórias, levam a morte de hepatócitos e iniciam o processo de
fibrogênese (TILG e DIEHL, 2000). Estudos clínicos e experimentais revelam o papel
do TNF entre as citocinas inflamatórias envolvidas na patogênese da NASH, tanto
nas fases iniciais como nos estágios mais avançados de lesão hepática (MANCO et
al., 2007; DING e YIN, 2004; CRESPO et al., 2001). Não há dados na literatura
sobre a participação do TNF na NASH secundária ao irinotecano.
39
1.5.3.3. Interleucina-18
A interleucina-18 (IL-18), um membro da superfamília da citocina IL-1, foi
originalmente descrita em 1995 por OKAMURA et al. como fator indutor de
interferon-gama (IFN-gama). É atualmente reconhecida como uma importante
reguladora das respostas imunes inatas e adquiridas.
A IL-18 é produzida constitutivamente em vários tipos celulares, incluindo
macrófagos, células endoteliais, células dendriticas, células de Kupffer,
queratinocitos, células intestinais e osteoblastos. Também é produzida em resposta
a estímulos como o LPS (DINARELLO, 2002). Assim, como a IL-1b, com quem
divide homologia estrutural, a IL-18 é gerada como um precursor, o pré-IL18, que
permanece inativo até sua clivagem pela enzima caspase-1. A IL-18 exerce suas
funções através da formação de um complexo de alta afinidade com o seu receptor,
o IL-18R. A subsequente cascata de sinalização intracelular é semelhante a de
outros membros da família IL-1. (NAKANISHI et al., 2001).
O papel efetor da IL-18 está rapidamente se expandindo. Esta citocina
aumenta a maturação de células T e células natural killer (NK), bem como a
produção de quimiocinas, moléculas de adesão e citocinas pró-inflamatórias como
IFN-gama, TNF-alfa, IL-1 beta e IL-8. Suas atividades biológicas são reguladas
negativamente pela proteína ligante de IL-18, garantindo a proteção do dano tecidual
secundário à atividade inflamatória descontrolada (NOVICK et al., 1999).
A expressao de IL-18 tem sido descrita em doenças inflamatórias de um
amplo espectro de tecidos. Artrite reumática, artrite psoriática, diabetes insulino-
dependente, esclerose múltipla, asma, doença inflamatória intestinal e hepatite
crônica são exemplos de condições onde esta citocina pode exercer um papel
relevante. A IL-18 tambem tem sido relacionada à obesidade e síndrome metabólica
(TROSEID et al., 2010), fatores fortemente relacionados a NASH. Sua relevância
direta na patogênese da NASH secundária ou não ao irinotecano ainda é
desconhecida.
1.5.3.4. Óxido nítrico
O oxido nítrico (NO) foi descoberto por Furchgott e Kawadzki (1980) como
uma substância vasodilatadora derivada do endotélio. Em seguida foi reconhecido
40
estruturalmente como molécula de óxido nítrico por Ignarro et al. (1987) e Palmer et
al. (1987). O NO tem um complexo e amplo espectro de ações e uma variedade de
efeitos biológicos apenas recentemente descritos.
O NO é sintetizado pela óxido nítrico sintase (NOS), uma enzima da família
das oxidoredutases. Três isoformas de NOS foram clonadas e caracterizadas. Todas
elas geram NO através da conversão de L-arginina a L-citrulina por processo de
oxidação. Duas das isoformas, expressas constitutivamente em neurônios (NOS1) e
em células endoteliais (NOS3), respondem a agonistas que elevam a concentração
de cálcio intracelular, como a trombina, a bradicinina, a adenosina difosfato e o
stress vascular, e produzem NO em baixos níveis (concentrações picomolares). Em
contraste a essas isoformas, a NOS2 (NOSi) tem sua expressão induzida por
citocinas em macrófagos e outras células, e independente das alterações da
concentração de cálcio intracelular. A NOSi tem atividade enzimática
consideravelmente maior que as outras isoformas, levando a concentrações
micromolares de NO (MURAD et al., 2006).
O NO produzido nas células endoteliais da microvasculatura é o principal
determinante do tônus vascular em repouso. Também regula o fluxo regional, a
ativação de células endoteliais e inibe a adesão, ativação e agregação plaquetária
no endotélio vascular (RADOMSKI et al., 1987). Desta forma, o NO está envolvido
no mecanismo de aterosclerose, hipertensão pulmonar e outras doenças
cardiovasculares. O papel do NO também tem sido reconhecido em um número
crescente de outros contextos clínicos. Assim, há evidências de que o NO oriundo
da atividade da NOSi participa da fisiopatologia de doenças como enterocolite
necrotizante, cistite hemorrágica (SOUZA-FILHO et al., 1997; RIBEIRO et al., 2002),
pancreatite (GOMES-CAMBRONERO et al., 2000) e mucosite oral (LEITAO et al.,
2007). O NO parece participar centralmente do mecanismo de algumas lesões
hepáticas. Estudos demonstraram que os hepatócitos produzem NO após exposição
a citocinas como TNF, IL-1, IL-18, em resposta a LPS e durante a inflamação
hepática crônica (KIRKALI et al., 2000). Em modelos experimentais de NASH
induzida por dieta, tem sido observado aumento da expressão hepática de NOSi (HA
et al., 2010). Por fim, o NO parece estar envolvido nos processos de inflamação e
fibrose hepáticas, que são alguns dos aspectos característicos da NASH (FUJITA et
al., 2010).
41
Figura 6 – Regulação das vias de sinalização de citocinas da família da interleucina-1 (IL-1). As citocinas da família IL-1 ativam alvos celulares através de receptores estruturalmente relacionados (família IL-1R/ Receptores Toll-like (TLR)) e
vias de sinalização intracelular comuns, culminando com ativação de NF-B. Em mamíferos não está claro se o LPS é um ligante direto de TLR-4 (ou CD14 em um complexo com MD2), ou se ele ativa uma cascata de proteases via PRR que por sua vez levaria à ativação de um ligante para TLR-4. Há grande similaridade de seqüência de ativação desde MyD88, IRAK4 e TRAF-6. Ligantes de citocinas e desses receptores atuam como reguladores endógenos sobre a ativação dessas
Núcleo
42
vias (por exemplo, IL-1Ra e IL-18bp). Outras vias de ativação em mamíferos envolvem a ativação de quinases de p38. Abreviações: MyD88: proteína de diferenciação mielóide 88; IRAK1/4: quinase 1/4 ativadora de IL-1R; TRAF6: fator 6 associado ao receptor de fator de necrose tumoral (TNF); TAK1: quinase 1
associada ao fator de crescimento transformador (TGF-); NEMO: modulador
essencial do fator nuclear B (NF-B); IkB: inibidor do NF-B; IKK1/2: quinase 1/2 do IkB; MAPKK: quinase da proteína quinase ativada por mitógeno; JNK: quinase do n-terminal do c-jun (adaptado de HARBSKY et al., 2007).
43
1.6. JUSTIFICATIVA
O avanço na eficácia dos agentes antineoplásicos tem contribuído para o
aumento da sobrevida de pacientes oncológicos. Entretanto, seus efeitos adversos
podem representar uma limitação a este benefício.
O câncer coloretal (CCR) é uma das neoplasias mais prevalentes em todo o
mundo e o fígado é o seu sítio mais freqüente de metástases. O tratamento curativo
da metástase hepática envolve uma abordagem multidisciplinar que inclui
quimioterapia e cirurgia. A quimioterapia utilizada antes do procedimento cirúrgico
melhora as taxas de ressecção e de sobrevida.
O irinotecano é um dos agentes antineoplásicos mais ativos no tratamento do
câncer coloretal. No entanto, o seu uso está associado a uma condição chamada
esteatohepatite não alcoólica (NASH). A incidência dessa condição na clínica varia
de 8 a10% nos pacientes expostos ao irinotecano. Pacientes com NASH induzida
por irinotecano apresentam maior morbidade e mortalidade secundárias ao
procedimento cirúrgico de ressecção hepática.
Não há, na literatura médica, nenhum modelo experimental de NASH induzida
por irinotecano que mimetize as alterações encontradas na clínica. Igualmente não
há nenhuma proposta de tratamento ou prevenção dessa condição em grande parte
pela falta de conhecimento de sua patogênese.
Propomos desenvolver um modelo inédito de NASH induzida pelo irinotecano
em camundongos que se aproxime ao máximo da síndrome descrita na prática
clínica, bem como avaliar aspectos relevantes de sua patogênese.
44
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral
Estabelecer um modelo experimental de esteatohepatite induzida pelo
quimioterápico irinotecano em camundongos.
2.2. Objetivos específicos
- Padronizar o modelo de esteatohepatite induzida por irinotecano em
camundongos Swiss que apresente os parâmetros histopatológicos (através de
escores microscópicos) e bioquímicos necessários para o diagnóstico na clínica;
- Avaliar a participação de alguns mediadores inflamatórios como citocinas
(TNF, IL-1 e IL-18) e óxido nítrico assim como dos receptores Toll-like tipo 4, na
patogênese da esteatohepatite experimental induzida por irinotecano.
- Avaliar a participação da translocação bacteriana intestinal e a bacteremia
portal como indutora do insulto inflamatório hepático no modelo de esteatohepatite
padronizado.
45
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1. Material utilizado:
3.1.1. Soluções, reagentes e fármacos
Cloridrato de irinotecano (Evoterin®, Evolabis, São Paulo, Brasil, ampola
de 100 mg).
Solução salina: cloreto de NaCl a 0,9% (15M): frasco de 500mL (Tayuyna)
Álcool etílico 70% (Reagen)
Formaldeído 40% (Reagen)
Hematoxilina (Reagen)
Eosina (Merck)
Hematoxilina de Mayer (Reagen)
Vectastatin – kit ABC (Vector)
Anticorpo primário policlonal de carneiro anti-TNF-α (Santa Cruz
Biotechnology, CA, U.S.A.)
Anticorpo primário policlonal de coelho anti-IL-1β (Santa Cruz
Biotechnology, CA, U.S.A.)
Anticorpo primário policlonal de coelho anti-TLR-4 (Santa Cruz
Biotechnology, CA, U.S.A.).
Anticorpo primário policlonal de coelho anti-iNOS (Santa Cruz
Biotechnology, CA, U.S.A.)
Anticorpo secundário biotinilado anti-IgG de carneiro (Santa Cruz
Biotechnology, CA, U.S.A.)
Anticorpo secundário biotinilado anti-IgG de coelho (Santa Cruz
Biotechnology, CA, U.S.A.)
Tampão fosfato de potássio: solução A – 988mL + solução B – 12mL
o Solução A:
KH2PO4 (Synth)............................................... 6,8 g
Água destilada ........................................q.s.p. 1 L
o Solução B:
KH2PO4 (Synth)............................................... 8,7g
46
Água destilada ........................................q.s.p. 1L
Tampão de brometo de hexadeciltrimetilamônio (HTAB)
o HTAB (Sigma)............................................................. 5g
o Tampão fosfato de potássio........................................ 1L
Peróxido de hidrogênio (0,1%)
o Peróxido de hidrogênio 30% (Vetec).......................... 1 mL
o Água destilada...................................................q.s.p. 30 mL
Solução de o-dianisidina
o O-dianisidina (Sigma) ...................................... 16,7 mL
o Tampão fosfato de potássio....................................... 10 mL
o H2O2.......................................................................... 50 µL
o Água destilada........................................................... 90 mL
3.1.2. Equipamentos
Centrífuga Eppendorf – 5804R – Hamburgo – Alemanha
Sonicador de amostras – Thornton – São Paulo - Brasil
Homogenizador de amostras – Polytron PT10-35 – Kinematica – Suiça
Vortex – Phoenix – Araraquara – São Paulo – Brasil
Microscópico óptico – Olympus BX41TF – Olympus Optical CO – Japão
Autoclave modelo digital horizontal – Stermax – Paraná – Brasil
Balança analítica – Sartorius BL 210S
Balança digital modelo MF6/ 1- Filizola – São Paulo – Brasil
PHmetro modelo MR 10 – Denver instrument – EUA
Deionizador de água – Milipore – São Paulo – Brasil
Máquina de gelo – Everest – Rio de Janeiro – Brasil
Freezer a -700C Revco Elite Plus – Thermoscientific – EUA
Leitor de placas modelo ELX 800 – Bio Tek instruments – EUA
3.2. Animais
Foram utilizados camundongos machos do tipo Swiss, pesando entre 25 a
30g, obtidos junto ao biotério da Faculdade de Medicina/ Universidade Federal do
47
Ceará. Os animais foram divididos em grupos experimentais (n=8-10) e mantidos
todos em um recinto com controle de temperatura ambiente, com acesso livre à
alimentação e água e submetidos aos ciclos de claro-escuro. O protocolo
experimental segue estritamente as regras do NIH para o cuidado e uso de animais
em laboratório e foi completamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética para
Experimentação Animal local (número de protocolo 21/12).
3.3. Padronização da esteato-hepatite
Como não havia parâmetros prévios na literatura médica sobre
hepatotoxicidade induzida por irinotecano em animais, nós tomamos como base,
para a definição da estratégia inicial de administração do irinotecano, a faixa de
doses normalmente utilizadas no modelo experimental em camundongos para
indução da mucosite intestinal (MELO et al., 2008). Os animais foram injetados com
solução salina (5 mL/kg, i.p.) ou Irinotecano (IRI, 25, 50, 75 or 100 mg/kg, i.p, três
vezes por semana em dias alternados) e tiveram suas sobrevidas monitorizadas.
Seguiu-se então outro experimento, onde os camundongos foram novamente
tratados com os regimes de administração do irinotecano que permitissem uma
sobrevida suficiente para prolongar o tratamento por algumas semanas, a fim de que
as alterações patológicas esperadas pudessem se estabelecer. Os animais foram
então pesados e sacrificados ao fim das semanas 1, 3, 5, 7 e 9 para a análise de
parâmetros bioquímicos e inflamatórios no sangue e no tecido hepático como
demonstrado abaixo (Figura 7).
48
Figura 7 – Esquema de injeção do Irinotecano e sacrifício dos animais. O irinotecano foi administrado na dose de 50 mg/Kg 3 vezes por semana por nove semanas consecutivas. O sacrifício foi realizado ao final das semanas 1, 3, 5, 7 e 9.
Sacrifício
Tempo (Semanas)
Irinotecano (3x/semana)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
49
3.3.1. Dosagens das concentrações plasmáticas de proteínas totais, alanina e
aspartato aminotransferases (ALT eAST)
Os camundongos foram sedados semanalmente com solução de
trimomoetanol a 2.5% (10 mL/kg, i.p.) e tiveram sangue colhido pelo plexo orbital.
Após centrifugação do sangue a 100 x g/10 min, o plasma foi obtido para análise
bioquímica de proteínas totais, alanina e aspartato aminotransferases (ALT eAST).
Para a mensuração, utilizou-se um espectrofotômetro em um nível de absorbância
de 365 ou 545 nm como apropriado, de acordo com o recomendado pelo kit do
fabricante (Labtest Diagnostica, Minas Gerais, Brasil).
3.3.2. Avaliação histopatológica do fígado
As amostras do fígado foram fixadas em solução de formalina tamponada a
10%, desidratadas e emblocadas em parafina. Cortes de 5 µm de espessura foram
obtidos e depois corados pela técnica de hematoxilina-eosina (H&E) ou tricrômico de
Masson, e em seguida examinados por microscopia óptica (x100). As lâminas foram
analizadas por um patologista experiente que não possuia informações sobre o
tratamento ou da divisão entre os grupos. O diagnostico e a graduação da NASH
foram avaliados conforme o Escore de Atividade da NASH (NAS) proposto por
KLEINER et al. (2005) como segue: esteatose (menos que 5% = grau 0; 5-33% =
grau 1; 33-66% = grau 2; >66% = grau 3); inflamação lobular (ausência de infiltrados
por campo de 200 x = grau 0; até 2 infiltrados por campo de 200 X = grau 1; 2 a 4
infiltrados por campo de 200 X = grade 2; > 4 infiltrados por campo de 200 X =
grade 3) e tumefação hepatocítica (Escore 0 = ausência; escore 1 = leve; escore 2 =
severa). A presence concomitante desses três parâmetros histológicos fora
necessária para definir NASH.
Apesar de que os graus de inflamação portal e fibrose não façam parte dos
critérios de Kleiner, esses parâmetros também foram avaliados pelo estudo por
estarem frequentemente associados com a NASH.
A inflamação portal foi categorizada em: Grau 0 = Ausente ou mínimo; Grau 1
= Maior que mínimo.
50
A fibrose foi asvaliada em graus crescentes de gravidade: grau 0 – ausência;
grau 1 – perisinusoidal ou periportal; grau 2 – perisinusoidal e periportal; grau 3 –
fibrose em ponte; grau 4 – cirrose (KLEINER, 2005)
3.3.3. Ensaio de mieloperoxidase (MPO)
A atividade de MPO, uma enzima encontrada nos grânulos azurófilos de
neutrófilos, é utilizada como marcador da presença de neutrófilos no tecido
inflamado, cuja presença foi determinada por método colorimétrico e a leitura final
realizada em leitor de placas. Uma porção de fígado foi coletada e incubada em
solução de HTAB 0,5% (Brometo de hexadeciltrimetilamonio), na proporção de
50mg de tecido por mL, e homogeneizada e centrifugada (1500 g/15 min a 4oC). O
sobrenadante foi transferido para um epperdorf e novamente centrifugado (10min)
para melhor remoção de contaminantes. Após plaqueamento de 7µL do
sobrenadante (placas de 96 wells), 200 µL da solução de leitura (5 mg O-dianisidine;
15 µL H2O2 1%; 3 mL tampão fosfato; 27 mL H2O) foram adicionados e lidos a
460nm (to=0 min e t1=1 min). A mudança na absorbância foi obtida, plotada em curva
padrão de mieloperoxidase e expressa em termos de atividade de MPO (U/mg de
tecido) (BRADLEY et al., 1982).
3.3.4. Ensaio para dosagem de malonaldeído (MDA)
Amostras de fígado foram homogeneizados em 100mg/1mL de KCl 1,15%
(homogenato 10%). Um alíquota de 500 µL do homogenato foi transferida para um
tubo de ensaio e adicionados 3 mL de H3PO4 1% e 1 mL de ácido tiobarbitúrico
0,6% (TBA). Essa mistura foi fervida em banho-maria por 45 min e, em seguida,
resfriada em água gelada, adicionados 4 mL de n-butanol, agitada em vortex por 1
min e centrifugada a 1200 g/15min. Utilizou-se a fase butanólica para leitura em
espectrofotômetro a 520 e 535nm. A diferença obtida entre as duas leituras foi
utilizada para calcular o MDA, baseada no coeficiente de extinção molar de
13700M/cm (UCHIYAMA e MIHARA, 1978).
51
3.3.5. Determinação dos grupos sulfidrílicos não-protéicos (SH-NP)
Amostras de fígado foram homogeneizados em 100 mg/1 mL de EDTA sódico
0,02M gelado. Alíquotas de 400 µL do homogenato foram adicionadas a 320 µL de
água destilada, 80µL de ácido tricloroacético (TCA) a 50%. Após contrifugação, 200
µL do sobrenadante foram coletados e, em seguida, 400 µL de tampão Tris 0,4M
(pH 8,9) e 10µL de DTNB 0,01M foram acrescidos para determinação da
absorbância dentro de 5min a 412nm. O branco não continha homogenato. A
concentração de SH-NP foi calculada através da equação da reta de regressão
obtida de uma curva de calibração de glutationa reduzida (GSH) e expressa em µg
de SH-NP/500mg de tecido (BOYD et al., 1979).
3.3.6. Determinação de lipídeos no tecido hepático
As amostras do fígado foram analizadas para determinação da quantidade de
lipídeos de acordo com o método proposto por BLIGH e DYER (1959).
Concisamente, as amostras foram homogenizadas em uma solução de 1:2 entre
clorofórmio/metanol seguindo a proporção de 100 mg de tecido/1.9 mL da solução e
agitadas. Em seguida, clorofórmio foi adicionado (0.63 mL) e a solução novamente
agitada. Finalmente, 0.63 ml de água destilada foi adicionada atingindo a proporção
final (2:2:1 clorofórmio:metanol:água). O sistema foi centrifugado na temperatura
ambiente a 200 X g/2 min dando origem a um sistema com duas fases (aquosa em
cima, orgânica em baixo). A fase inferior foi recuperada e o total de lipídeos foi
calculado (g de lipídeos/100 g amostra) após total evaporação da amostra (100 oC).
3.3.7. Reação Imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1β, IL-18 e TLR-4
A partir das amostras de fígado e do duodeno dos animais submetidos à
esteato-hepatite induzida por irinotecano foi realizada uma análise
imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1, IL-18 e TLR4, conforme descrito a
seguir: As peças histológicas foram desparafinizadas e em seguida hidratadas. Após
a hidratação, promoveu-se uma recuperação antigênica com tampão citrato 0,1 M
(pH 6.0) aquecido a 100 oC durante 15 min. Após o resfriamento em temperatura
ambiente durante 20 min, as lâminas foram lavadas em PBS. Em seguida, realizou-
52
se o bloqueio da peroxidase endógena com solução peróxido de hidrogênio 3% v/v
durante 15 min e lavagem com PBS. Procedeu-se a incubação, por 12 h, com
anticorpo primário rabbit anti-iNOS, anti-TNF-α, anti-IL-1, anti IL-18 ou TLR4 (Santa
Cruz Biotechnology, Santa Cruz, CA) diluídos em PBS – BSA 5% na proporção de
1:400. Em seguida as lâminas foram lavadas com PBS e incubadas (30 min) com o
anticorpo secundário biotinilado (anti-rabbit IgG) diluído em PBS-BSA 5% na
proporção de 1:200. Após a remoção do anticorpo biotinilado, com lavagem em PBS
as lâminas foram incubadas por 30 min com o complexo ABC (Horseradish
Peroxidase Standard). Após lavagem com PBS e incubação com DAB/peróxido (2
min) para dar a cor da reação, as lâminas foram lavadas com H2O destilada e
desidratadas com uma série graduada de álcool e xilol. Finalmente, realizou-se a
contra-coloração com hematoxilina de Harry´s e posterior desidratação e montagem
das lâminas. Uma análise quantitativa da reação seguiu os parâmetros descritos por
YEOH et al. (2005). A cloração foi observada sob microscopia óptica por um
patologista que desconhecia os tratamentos e graduada como a seguir: 0, sem
imunomarcação; 1, fraca imunomarcação; 2, moderada imunomarcação; 3,
moderada a intensa imunomarcação; e4, intensa imunomarcação.
3.4. Análise de bacteremia e translocação para órgãos alvo
Para determinar a influência do Irinotecano sobre a possível translocação
bacteriana a partir da microbiota intestinal dos animais, amostras de sangue portal,
do plexo orbital foram coletadas em condições estéreis. Os meios usados para
incubação das amostras incluíram meio Brain Heart Infusion (BHI, meio não seletivo)
seguido da inoculação em MacConkey (seletivo para bactérias Gram-negativas) a
partir do meio BHI. Utilizou-se uma haste de inoculação estéril para semear as
amostras nos meios, os quais foram incubados a 37 oC por 24 a 48h. O nível de
crescimento bacteriano sanguíneo foi observado e graduado de acordo com a
presença ou ausência de crescimento. Amostras das colônias bacterianas obtidas a
partir do meio MacConkey foram submetidas à Coloração de Gram e a ensaios
bioquímicos (kit Enterokit B, Probac do Brasil®, São Paulo, Brasil) de identificação
de enterobactérias (produção de gás, H2S, urease, citrato, L-triptofano desaminase,
motilidade, indol, lisina descarboxilase, fermentação da lactose) (STRINGER et al.,
2007).
53
3.5. Parâmetros avaliados na mucosite intestinal
Ao final da 1ª, 3ª, 5ª e 7ª semanas após início da injeção com Irinotecano, a
diarréia foi avaliada segundo escores pré-estabelecidos. Em seguida, os animais
foram sacrificados por deslocamento cervical. Amostras do duodeno foram
coletadas, imersa em formol a 10% e, após 24 horas, transferida para álcool 70%
para realização de analise microscópica. Por fim, realizou-se o estudo de
imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1, IL-18 e TLR4 como descrito
anteriormente.
3.5.1. Análise histopatológica do duodeno
Após o sacrifício dos animais, foi removido um segmento de 0,5 cm do
duodeno proximal do camundongo. A seguir, essas amostras foram fixadas em
formol tamponado 10% e processadas para coloração pelo método HE
(hematoxilina-eosina) para exame em microscopia óptica 100x (Microscópio Nikon
com objetiva 10x e lente ocular micrométrica Leitz Wetzlar 10x).
A análise histopatológica envolveu a observação do aspecto de vilos e criptas,
bem como presença e intensidade do infiltrado inflamatório. O grau e a severidade
da mucosite foi determinado de acordo com o sistema de escores proposto por
WOO et. al. (2000) e descritos a seguir: 0 = ausência de lesão; 1 = menos de 10%
das criptas contêm células necróticas; 2 = mais de 10% das criptas contêm células
necróticas, mas a arquitetura permanece intacta; 3 = mais de 10% das criptas
contêm células necróticas com perda da arquitetura das criptas (<20%), os vilos
encontram-se encurtados e ocorre variável hipertrofia e hiperbasofilia nas criptas
remanescentes; 4 = semelhante à 3, entretanto, é mais extensa com perda da
arquitetura das criptas e encurtamento dos vilos.
3.6. Análise estatística
A análise estatística, realizada com o software GraphPad Prism®, versão 5.0,
foi realizada empregando o teste t de Student para variáveis não pareadas ou o
teste Mann-Whitney, conforme propriedade, respectivamente para dados
paramétricos e não-paramétricos. Os resultados foram expressos como média ±
54
E.P.M (variáveis com distribuição normal) ou pela mediana (mínimo-máximo)
(variáveis sem distribuição normal), sendo as diferenças consideradas
estatisticamente significativas quando p<0,05. A curva de sobrevida foi expressa em
termos de percentagem de animais vivos, realizando-se o teste de Mantel-Cox log
rank para determinar a diferença entre as curvas. Utilizou-se também o Mantel-
Haenzel exact test para análise da bacteremia. Um valor de p<0,05 foi aceito como
significante.
55
4. RESULTADOS
4.1. Padronização da esteato-hepatite
4.1.1. Curva de sobrevida
A Figura 8 demonstra a curva de sobevida dos animais tratados com
irinotecano e do grupo controle. Os animais dos grupos experimentais apresentaram
sobrevidas significativamente inferiores quando comparados ao grupo controle (p<
0,05). As doses mais elevadas (IRI 75 e100 mg/kg ip 3 vezes/semana) não foram
toleradas, induziram uma elevada mortalidade e nenhum animal sobreviveu após a
terceira semana de tratamento. As doses moderadas (25 e 50 mg/kg ip 3
vezes/semana) permitiram o tratamento por um tempo mais prolongado.
56
Figura 8. Irinotecano induziu uma mortalidade animal dose dependente. Os animais foram tratados com solução salina (5 mL/kg, i.p.) ou Irinotecano (IRI, 25-100 mg/kg três vezes por semana por sete semanas consecutivas, i.p) e tiveram suas curvas de sobrevida avaliadas (%). Os animais tratados com irinotecano apresentaram uma significativa menor sobrevida quando comparadas com o grupo controle. (Log rank test, n=10). *p<0.05 versus salina.
0 2 4 6 80
25
50
75
100
IRI 50
IRI 25
IRI 75
Salina
IRI 100
Tempo (semanas)
**
*
So
bre
vid
a (
%)
57
4.1.2. Curva de peso corporal e hepático
Os animais tratados com irinotecano nas doses de 25 e 50 mg/kg (ip 3
vezes/semana) apresentaram, ao longo das semanas, uma perda de peso
significativa quando comparados ao grupo controle (p<0.05). Os grupos tratados
com irinotecano também apresentaram hepatomegalia progressiva e dose-
dependente. Observou-se um aumento significativo no peso líquido do fígado dos
animais tratados comparados ao controle sendo esse aumento ainda
significativamente maior na dose de 50mg/kg (p<0.05) (Figura 9).
58
Figura 9. Tratamento com Irinotecano induz alteração do peso corporal e do peso hepático líquido em camundongos. Os animais foram tratados com solução salina (5 mL/kg, i.p.) ou Irinotecano (IRI, 25 or 50 mg/kg, três vezes por semana durante sete semanas, i.p). Os animais foram pesados semanalmente para determinar a variação da massa corpórea. Ao fim da sétima semana, os animais foram sacrificados e tiveram seus fígados coletados para avaliar seus pesos líquidos (peso do fígado líquido/30g animal). Camundongos tratados com irinotecano demonstraram uma perda de peso e um aumento do peso hepático líquido significativos em comparação ao controle. Os dados estão demonstrados como valores da média ± E.P.M. (Erro padrão da média) e foram analizados utilizando o teste-t não pareado (n=8). *p<0.05 e***p<0.001 vs salina.
0 1 2 3 4 5 6 7 8
21
24
27
30
Salina IRI 50 mg/kgIRI 25 mg/kg
* *
** *
A
Tempo (semanas)
Vari
ação
do
peso
co
rpo
ral
(g)
0
250
500
750
1000
1250
1500
1750
2000
Salina
Irinotecano
25 50 mg/kg
*
***
B
Peso
hep
áti
co
líq
uid
o
(mg
/30g
an
imal)
59
4.1.3. Dosagens das concentrações plasmáticas de proteínas totais, alanina e
aspartato aminotransferases (ALT eAST)
Em seguida, os níveis plasmáticos de alanina e aspartato aminotransferases
(ALT e AST) foram monitorizados semanalmente. Apenas o grupo tratado com a
dose de 50 mg/kg (ip 3 vezes/semana) de irinotecano e não o grupo de 25 mg/kg (ip
3 vezes/semana) apresentou um aumento significativo (p<0.05) nos níveis
plasmáticos de tanto ALT como de AST quando comparados ao grupo controle. O
aumento descrito pode ser verificado a partir da segunda semana e permaneceu até
o fim do experimento (Figura 10). Assim, definimos o modelo ideal como 50mg/kg
de irinotecano ip durante sete semanas consecutivas.
60
0 1 2 3 4 5 6 7 80
30
60
90
120
150
180
*
**
*
* *
Salina IRI 50 mg/kgIRI 25 mg/kgA
Tempo (semanas)
AL
T (
U/L
)
0 1 2 3 4 5 6 7 80
50
100
150
200
250
*
** *
**
B
Tempo (semanas)
AS
T (
U/L
)
Figura 10. Concentrações plamáticas de ALT e AST nos grupos de animais tratados com irinotecano e no grupo controle. Os animais foram tratados com solução salina (5 mL/kg, i.p.) ou Irinotecano (IRI, 25 or 50 mg/kg, três vezes por semana durante sete semanas, i.p). Amostras de sangue foram coletadas semanalmente do plexo orbitário para as dosagens de alanina e aspartato aminotransferases (ALT eAST). O grupo tratado com irinotecano (50 mg/kg) apresentou um aumento significativo dos níveis plasmáticos de tanto ALT (A) como também de AST (B) quando comparado ao grupo controle. Os dados estão expressos como médias ± E.P.M. (Erro padrão da média) e foram analizados utilizando o teste t não pareado (n=8). *p<0.05 vs salina.
61
4.1.4. Avaliação macroscópica e histopatológica
A Figura 11 ilustra a clássica alteração macroscópica da esteatohepatite
(fígado amarelo) (Quadro B) que foi observada raramente nos animais desse modelo
experimental. Demonstram-se na Figura 12 todas as alterações histopatológicas
mandatórias para o diagnóstico da NASH: infiltrado neutrofílico portal (quadro B),
esteatose em microgotas (quadro C), infiltrado neutrofílico lobular (quadro D) e
tumefação hepatocelular (quadro E). Todos estes achados foram observados em
fígados coletados de animais na sétima semana de injeção de irinotecano (50
mg/kg). As amostras de fígado do grupo controle injetados com solução salina
apresentaram aspecto macroscópico (Figura 11A) e histologia normais (Figura 12A).
Figura 11. Aspecto macroscópico do fígado. (A) Fígado normal. (B) Fígado amarelo que é descrição tradicional da esteatohepatite foi observado em poucos casos no nosso modelo experimental.
A B
62
Figura 12. Fotomicrografias do fígado. Tecido hepático dos camundongos tratados com solução salina apresentando histologia normal (A). Camundongos tratados com irinotecano (B-E). Alterações histológicas características de esteatohepatite: Infiltrado portal neutrofílico (B), Esteatose microvesicular (C), Infiltrado lobular neutrofílico (D) e Tumefação celular (E). Setas identificam, nas figuras, cada um dos eventos patológicos descritos. Coloração pelo H&E (Magnificação 400x, black scale bars).
A B
C D
E
63
Quando o Escore de Atividade da NASH (Kleiner) foi aplicado nas amostras
de fígado, as alterações histopatológicas foram progressivamente surgindo e se
intensificando a partir da terceira semana e atingindo o ápice na sétima semana do
experimento. Uma incidência estatisticamente significativa de esteatohepatite, de
acordo com o escore proposto por Kleiner, definido pela ocorrência simultânea de
esteatose, infiltrado neutrofílico lobular e tumefação hepatocítica, foi encontrada na
sétima semana do experimento (p<0.05) quando comparada com o grupo controle.
(Tabela 1).
Tabela 1 – Escores de Kleiner. Os escores de severidade foram aplicados ao final
das semanas 1, 3, 5 e 7 do experimento. Os dados foram analisados através do
teste de Mann-Whitney. Os valores estão expressos como mediana (mínimo-
máximo). *p<0.05, **p<0.01 e ***p<0.001 versus salina.
Semanas dos sacrifícios dos
animais (n=5)
Parâmetros histológicos Escore Final
(Kleiner) (0-8)
Inflamação lobular
(0-3)
Grau de esteatose
(0-3)
Tumefação celular
(0-2)
Salina 0 (0 - 1) 0 (0 - 1) 0 (0 - 1) 1 (0 - 1)
Semana 1 (IRI, 3 x 50 mg/kg)
0 (0 – 1) 0 (0 - 1) 0 (0 - 1) 1 (0 - 2)
Semana 3 (IRI, 9 x 50 mg/kg)
1 (1 – 1) 0 (0 - 1) 0 (0 - 1) 1 (1 - 2) *
Semana 5 (IRI, 15 x 50 mg/kg)
3 (2 – 3) *** 0 (0 - 1) 0 (0 - 1) 3 (2 - 5) **
Semana 7 (IRI, 21 x 50 mg/kg) 3 (1 – 3) *** 1 (1 - 2) ** 2 (0 - 2) * 4 (4 - 7) ***
64
Infiltrado inflamatório portal (Figura 12B) e fibrose perisinusoidal,
predominantemente localizada na zona 3 do lóbulo hepático, (Tabela 2 e Figura
13B) foram alterações histopatológicas adicionais encontradas nos animais injetados
com irinotecano comparados com o controle (P<0.05). A fibrose foi identificada mais
tardiamente, somente na nona semana do experimento (setas na Figura 13B),
enquanto o infiltrado portal pode ser observado a partir da semana 5 (Tabela 2). Da
mesma forma, notou-se um aumento progressivo do infiltrado inflamatório lobular
começando na semana 3 e que tornou-se significativo (P<0.05) quando comparado
ao grupo controle a partir da semana 5. (Figura 12B, Tabela 1).
Tabela 2 – Irinotecano determina aumento do infiltrado portal e do escore de fibrose. Avaliação histológica realizada ao final das semanas 1, 3, 5, 7 e 9. Os dados foram analisados através do teste de Mann-Whitney. Os valores estão expressos como mediana (mínimo-máximo). *p<0.05, **p<0.01 e ***p<0.001 versus salina.
Semanas dos sacrifícios dos animais
(n=5)
Parâmetros histológicos
Inflamação portal (0-2)
Fibrose (0-4)
Salina 0 (0 - 0) 0 (0-0)
Semana 1 (IRI, 3 x 50 mg/kg)
0 (0 - 0) 0 (0-0)
Semana 3 (IRI, 9 x 50 mg/kg)
0 (0 - 1) 0 (0-0)
Semana 5 (IRI, 15 x 50 mg/kg)
1 (1 - 2) ** 0 (0-0)
Semana 7 (IRI, 21 x 50 mg/kg)
1,5 (1 - 2) *** 0 (0-1)
Semana 9 (IRI, 27 x 50 mg/kg)
1(1-2) ** 1 (0-1) *
65
Figura 13. Irinotecano induz fibrose hepática tardia. Camundongos foram tratados com solução salina (5 mL/kg, i.p.) ou Irinotecano (IRI, 50 mg/kg, três vezes por semana por nove semanas consecutivas, i.p), sacrificados ao final da nona semana para investigação do grau de fibrose hepática. Camundongos tratados com IRI apresentaram um processo de fibrogênese perisinusoidal significativo (setas pretas, B) quando comparados com o grupo controle tratado com solução salina (A). Coloração de Masson. Magnificação 400x.
A
B
66
4.1.5. Avaliação do infiltrado inflamatório hepático
A análise bioquímica do tecido hepático demonstrou um pico de
mieloperoxidase durante a sétima semana de injeção do irinotecano (IRI 50 mg/kg,
ip 3 vezes/semana) comparado ao controle (Figura 14A).
Figura 14. Atividade de MPO e Infiltrado lobular. A atividade de MPO e a contagem de infiltrados neutrofílicos lobulares foram avaliadas em amostras do tecido hepático ao final das semanas 1, 3, 5 e 7 e comparadas com o controle. Os dados estão expressos como médias ± E.P.M. (Erro padrão da média) e foram analizados utilizando o teste t não pareado (n=8). *p<0.05 vs salina.
0
1
2
3
Salina 3 7
IRI 50 mg/kg
***
1 5 semanas
A
Ati
vid
ad
e d
e M
PO
(U/m
g t
ecid
o)
0
2
4
6
8
Salina 3 7
IRI 50 mg/kg
*
1 5 semanas
*
B
Infi
ltra
do
in
flam
ató
rio
lo
bu
lar
(nú
mero
po
r cam
po
200x)
67
4.1.6. Dosagem de lipídeos no fígado e proteínas plasmáticas
A dosagem de lipídios totais no fígado também sofreu elevação significativa
na semana 7 (P<0.05) no grupo do irinotecano, o que caracteriza esteatose (Figura
15A). Por outro lado, a concentração de proteínas plasmáticas totais sofreu
decréscimo gradual a partir da semana 3 e atingiu o nível mais baixo na semana 7
nos animais injetados com irinotecano em comparação com o grupo controle (Figura
15B) (P<0.05).
68
Figura 15. Dosagem de lipídeos no tecido hepático e proteínas totais séricas. Nas semanas 1, 3, 5 e 7, amostras do tecido hepático foram coletadas para avaliação do conteúdo lipídico, e sangue foi colhido para dosagem de proteínas séricas. Os dados estão expressos como médias ± E.P.M. (Erro padrão da média) e foram analizados utilizando o teste t não pareado (n=8). *p<0.05 vs salina.
0.0
0.5
1.0
1.5
Salina 3 7
IRI 50 mg/kg
1 5 semanas
*
A
Lip
ídeo
s t
ota
is/1
00g
tecid
o
0
2
4
6
8
Salina 3 7
IRI 50 mg/kg
1 5 semanas
*
B
**
Pro
teín
as t
oais
(g
/dL
)
69
4.1.7. Avaliação do estresse oxidativo no fígado
Demonstrou-se elevação dos níveis, no tecido hepático, de malonaldeído na
primeira, quinta e sétima semana (Figura 16A), e paralelamente uma diminuição dos
níveis de glutationa na primeira e quinta semana em relação ao controle (Figura
16B).
Figura 16. Dosagem de malonaldeído (MDA) e glutationa (NPSH) no tecido hepático. O estresse oxidativo foi avaliado através da dosagem de malonaldeído e grupos sulfidrila não-protéicos em amostras do tecido hepático ao final das semanas 1, 3, 5 e 7 e comparadas com o controle. Os dados estão expressos como médias ± E.P.M. (Erro padrão da média) e foram analizados utilizando o teste t não pareado (n=8). *p<0.05 vs salina.
0
100
200
300
400
500
Salina 1 3 5 7 Semana
Irinotecano (50 mg/kg)
*
*
*
MD
A (
nm
ol/g
tecid
o)
A
0
400
800
*
Salina 1 3 5 7 Semana
Irinotecano (50 mg/kg)
*
B
NP
SH
(m
g/g
tecid
o)
70
4.1.8. Leucograma
A avaliação da contagem de leucócitos totais no sangue revelou uma
leucopenia significativa que ocorreu na primeira e sétimas semanas, intercalados por
um período de recuperação parcial do leucograma quando comparado ao controle.
Figura 17. Contagem de leucócitos totais no sangue. Foi coletado sangue para contagem total de leucócitos nas semanas 1, 3, 5 e 7. Os dados estão expressos como médias ± E.P.M. (Erro padrão da média) e foram analizados utilizando o teste t não pareado (n=8). *p<0.05 vs salina.
0
2000
4000
6000
Salina 3 7
IRI 50 mg/kg
1 5 semanas
**
Leu
có
cit
os
(x 1
03/m
L)
71
4.1.9. Reação Imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1β, IL-18 e TLR-4 no
fígado
A análise por imunohistoquímica do tecido hepático dos animais injetados
com irinotecano (50 mg/kg ip 3 vezes/semana) e sacrificados na sétima semana
revelou hiperexpressão de IL-1β, iNOS e TLR-4 comparado com o controle. Não
houve diferença na expressão imunohistoquímica, em relação ao controle, de TNF e
IL-18. A expressão de IL-1β concentrou-se, predominantemente, nos infiltrados
inflamatórios portais envolvendo células mononucleares, provavelmente macrófagos
como também em hepatócitos da zona acinar 3, com uma marcação tipicamente
perinuclear. (Tabela 3 e Figura 7, Panel B) (Tabela 3 e Figura 7, Panel A). A
imunomarcação por iNOS também obedeceu um padrão constante ao redor da veia
centrolobular (zona acinar 3) (seta preta, Figura 7, panel D)(Tabela 3 e Figura 7,
panel C). A imunoexpressão de TLR-4 foi intensa e predominante na zona acinar 1,
envolvendo hepatócitos e os infiltrados inflamatórios portais. Um controle negativo
foi incluído e representa uma amostra do fígado onde o anticorpo foi substituído por
PBS/BSA a 5% e onde nenhuma imunoexpressão foi detectada. (Figura 7, painel
E).
72
Tabela 3 – Irinotecano promove aumento da imunoexpressão de IL-1β, iNOS e TLR4 no tecido hepático, e não promove alteração da expressão de TNF e IL-18. Os dados foram através do teste de Mann-Whitney. Os valores estão expressos como mediana (mínimo-máximo). *p<0.05 e **p<0.01 versus salina.
Grupos experimentais
Escores imunohistoquímicos Semana 7
IL-1β (0-3) iNOS(0-3) TLR4 (0-3) TNF(0-3) IL-18(0-3)
Salina (n=5) 0 (0 - 1) 1 (1 - 2) 1 (1-2) 0 (0-0) 0 (0-0)
(IRI, 21 x 50 mg/kg)
2 (1 – 3) ** 2 (2 - 3) * 3 (1-3) ** 0 (0-0) 0 (0-0)
73
Figura 18 – Irinotecano aumenta a imunoexpressão de IL-1β no tecido hepático. Camundongos tratados com IRI apresentaram elevada imunoexpressão para IL-1β tanto na área periportal (Zone 1) como em hepatócitos da zona 3 (Quadro C) quando comparados com o grupo controle tratado com solução salina (Quadro B). O controle negativo corresponde a uma amostra do tecido hepático onde o anticorpo foi substituído por PBS/BSA e nenhuma imunoexpressão foi detectada (Quadro A). Magnificação 100x.
A B
C
74
Figura 19 – Irinotecano aumenta a imunoexpressão de iNOS no tecido hepático. Camundongos tratados com IRI apresentaram elevada imunoexpressão para iNOS na zona acinar 3, circunscrevendo a veia centrolobular (Quadro C) quando comparados com o grupo controle tratado com solução salina (Quadro B). O controle negativo corresponde a uma amostra do tecido hepático onde o anticorpo foi substituído por PBS/BSA e nenhuma imunoexpressão foi detectada (Quadro A). Magnificação 100x.
A B
C
75
Figura 20 – Irinotecano aumenta a imunoexpressão de TLR4 no tecido hepático. Camundongos tratados com IRI apresentaram elevada imunoexpressão para TLR4 tanto nos hepatócitos como nas células mononucleares dos inflitrados portais (Quadro C) quando comparados com o grupo controle tratado com solução salina (Quadro B). O controle negativo corresponde a uma amostra do tecido hepático onde o anticorpo foi substituído por PBS/BSA e nenhuma imunoexpressão foi detectada (Quadro A). Magnificação 100x.
A B
C
76
4.1.10. Avaliação da mucosite intestinal
A análise histopatológica de amostras do intestino dos animais injetados com
irinotecano (50mg/kg ip 3 vezes/semana) demonstrou alterações severas
compatíveis com mucosite e de forma significativa em relação ao controle (p< 0,01).
Os escores de gravidade propostos por Woo mostraram elevação a partir da terceira
semana extendendo-se até a sétima semana do experimento.
Tabela 4 – Graus de mucosite conforme Woo da primeira a sétima semana. Amostras do tecido duodenal foram coletadas e analisadas histologicamente para determinação do grau de mucosite em comparação ao controle. Os dados foram através do teste de Mann-Whitney. Os valores estão expressos como mediana (mínimo-máximo). **p<0.01, ***p<0,001 versus salina.
Semanas
Salina (n=5) Ironetecano (n=5)
Mucosite graus 0 a 4
1ª 0 (0-0) 0 (0-1)
3ª 0 (0-0) 4 (0-4)**
5ª 0 (0-0) 4 (3-4)***
7ª 0 (0-0) 4 (3-4)***
77
Figura 21 – Fotomicrografias do duodeno de camundongos que receberam injeção de salina (A) ou irinotecano (50 mg/Kg) (B). Na mucosa dos animais que receberam irinotecano os vilos estão encurtados e há erosões em sua superfície.
A
B
78
4.1.11. Reação Imunohistoquímica para iNOS, TNF-α, IL-1β, IL-18 e TLR-4 no
intestino
O estudo imunohistoquímico do tecido entérico na sétima semana do
experimento revelou uma elevação significativa, em relação ao controle, da
expressão de TLR-4 (Figura 22) e iNOS (Figura 23) no epitélio da mucosa
duodenal (p<0,05) e elevação da expressão de TLR-4(Figura 22), iNOS (Figura 23)
e IL-1β (Figura 24) nos macrófagos do tecido submucoso duodenal (Tabela 5). A
hiperexpressão foi significativa tanto nas células do epitélio intestinal como nos
macrófagos do tecido conjuntivo submucoso.
79
Tabela 5 – Irinotecano promove aumento da imunoexpressão de iNOS, TLR4 no epitélio da mucosa duodenal e aumento da imunoexpressão de IL-1β, iNOS e TLR4 nos macrófagos da submucosa duodenal. Os dados foram através do teste de Mann-Whitney. Os valores estão expressos como mediana (mínimo-máximo). *p<0.05 versus salina.
Grupos experimentais
Escores imunohistoquímicos Semana 7
IL-1β (0-3) iNOS(0-3) TLR4 (0-3) TNF(0-3) IL-18(0-3)
Epitélio
Salina (n=5) 1 (1 - 2) 0 (0 - 1) 1 (0 - 3) 0 (0-1) 0 (0-0)
(IRI, 21 x 50 mg/kg)
2 (1 – 2) 1 (1 - 3) * 2 (1-3) * 0 (0-0) 0 (0-0)
Macrófagos (Submucosa)
Salina (n=5) 0 (0 - 1) 0 (0 - 1) 1 (0 - 2) 0 (0-0) 0 (0-0)
(IRI, 21 x 50 mg/kg)
1 (1 – 1) * 1 (1 - 3) * 2,5 (0-3) * 0 (0-0) 0 (0-0)
80
Figura 22 – Irinotecano aumenta a imunoexpressão de TLR4 no tecido duodenal. Camundongos injetados com IRI apresentaram elevada imunoexpressão para TLR4 tanto nas células epiteliais da mucosa como nas células mononucleares do tecido conjuntivo da submucosa (Quadro C) quando comparados com o grupo controle tratado com solução salina (Quadro B). O controle negativo corresponde a uma amostra do tecido duodenal onde o anticorpo foi substituído por PBS/BSA e nenhuma imunoexpressão foi detectada (Quadro A). Magnificação 100x.
A B
C
81
Figura 23 – Irinotecano aumenta a imunoexpressão de iNOS no tecido duodenal. Camundongos injetados com IRI apresentaram elevada imunoexpressão para iNOS tanto nas células epiteliais da mucosa como nas células mononucleares do tecido conjuntivo da submucosa (Quadro C) quando comparados com o grupo controle tratado com solução salina (Quadro B). O controle negativo corresponde a uma amostra do tecido duodenal onde o anticorpo foi substituído por PBS/BSA e nenhuma imunoexpressão foi detectada (Quadro A). Magnificação 100x.
A B
C
82
Figura 24 – Irinotecano aumenta a imunoexpressão de IL-1β no tecido duodenal. Camundongos injetados com IRI apresentaram elevada imunoexpressão para IL-1β nas células epiteliais da mucosa (Quadro C) quando comparados com o grupo controle tratado com solução salina (Quadro B). O controle negativo corresponde a uma amostra do tecido duodenal onde o anticorpo foi substituído por PBS/BSA e nenhuma imunoexpressão foi detectada (Quadro A). Magnificação 100x.
A
C
B
83
4.1.12. Avaliação da translocação bacteriana
As culturas do sangue portal foram positivas para bactérias gram negativas de
forma significativa durante todas as semanas do experimento. Na primeira e terceira
semanas obtiveram-se culturas portais positivas em todos os animais (100%)
injetados com irinotecano, reduzindo para 80% de positividade nas semanas
subsequentes (5 e 7). Não houve crescimento de bactérias gram negativas em
nenhuma cultura portal do grupo controle de animais injetados com solução salina.
As culturas do sangue sistêmico colhidas do plexo retro-ocular foram positivas, de
forma significativa, somente na primeira e na terceira semanas do experimento, com
crescimento de bactérias gram negativas em todas as amostras coletadas. Na
quinta e sétimas semanas, houve redução da positividade das culturas para 60% e
40%, respectivamente. Assim como observado nas culturas portais, nenhuma
cultura do sangue sistêmico foi positiva para bactérias gram negativas nos animais
do grupo controle, injetados com solução salina (Tabela 6). As bactérias que
creseceram no meio MaConkey foram caracterizadas na bacterioscopia como
bacilos gram negativos e na prova bioquímica com o kit Probac foi identificado o
padrão de enterobactérias da espécie Escherichia coli ( Figura 25).
84
Tabela 6 – Cultura de amostras de sangue portal (Pta) e do plexo retrorbital (Px) de camundongos em meio seletivo para bactérias gram negativas (MaConkey). Camundongos injetados com IRI apresentaram crescimento de bactérias gram negativas em amostras de sangue portal e sistêmico, e, por outro lado, não houve crescimento bacteriano nas amostras obtidas dos animais que foram injetados com salina. *p<0,05.
Salina (n=4) Ironetecano (n=5)
Semanas Px 48h Pta 48h Px 48h Pta 48h
1ª 0/4 (0%) 0/4 (0%) 5/5 (100%)* 5/5 (100%)*
3ª 0/4 (0%) 0/4 (0%) 5/5 (100%)* 5/5 (100%)*
5ª 0/4 (0%) 0/4 (0%) 3/5 (60%) 4/5 (80%)*
7ª 0/4 (0%) 0/4 (0%) 2/5 (40%) 4/5 (80%)*
85
Figura 25 – Plaqueamento em meio de cultura MaConkey (A), bacterioscopia pelo Gram (B) e prova bioquímica do kit Probac (C) de microorganismos em hemocultura. Camundongos injetados com IRI apresentaram crescimento de bactérias gram negativas em amostras de sangue portal e sistêmico. A prova bioquímica demonstra a presença de Escherichia coli.
A
B
C
86
5. DISCUSSÃO
Neste trabalho, foi demonstrado o desenvolvimento de um modelo
experimental simples e reprodutível de esteatohepatite induzida pelo agente
antineoplásico irinotecano, assim como foram descritos alguns fatores envolvidos
em sua patogênese.
Modelos experimentais são importantes recursos científicos que permitem
esclarecer eventos biológicos, tornando possível o entendimento de suas
fisiopatologias e a consequente proposição de intervenções terapêuticas. Tais
modelos são utilizados para simular, da forma mais fidedigna possível, os problemas
encontrados na prática clínica permitindo um conhecimento mais profundo da
doença. A esteatohepatite não alcoólica (NASH) induzida pelo irinotecano é um
problema de extrema relevância médica e exerce um forte impacto no cotidiano da
prática oncológica atual. Não existe, na literatura médica, nenhum modelo
experimental de NASH induzida pelo irinotecano que mimetize todos os aspectos da
síndrome.
É bem verdade que algumas outras tentativas de desenvolver um modelo
experimental de NASH induzido por quimioterapia foram realizadas previamente
(KEIZMAN et al., 2010; MIKALAUSKAS et al., 2011). Em ambos os estudos,
algumas alterações hepáticas como elevação do conteúdo lipídico e esteatose ou
mesmo dano hepatocelular com alterações de enzimas hepáticas foram
demonstradas. No entanto, nenhum dos dois estudos demonstrou as alterações
inflamatórias que são mandatórias para o diagnóstico de NASH.
No estudo de Keizman et al. (2010), no modelo definido como NASH foi
verificada a indução apenas de esteatose que associou-se à oxaliplatina e não ao
irinotecano. A estratégia de administração de apenas três doses do irinotecano
utilizada no trabalho pode não ter sido suficiente para permitir que a síndrome se
manifestasse completamente. Além disso, a oxaliplatina, na prática clínica, é muito
mais comumente relacionada ao surgimento da Síndrome de Obstrução Sinusoidal,
mas não a NASH. No trabalho de Mikalauskas et al. (2011), somente uma única
dose elevada do irinotecano (180mg/m2) associada ao fluorouracil foi administrada e
os animais foram sacrificados apenas 30 horas após a infusão. O autor descreveu
um modelo de hepatopatia aguda com aumento de enzimas hepáticas (AST e ALT)
e algum grau de esteatose, mas não foram encontradas alterações inflamatórias
87
típicas da NASH. A presença de alterações histológicas isoladas pode refletir algum
grau de lesão hepática, mas não deve ser classificada como NASH (BRUNT et al.
1999 ; KLEINER et al. 2005).
Dessa forma, talvez em grande parte pela falta de conhecimento mais
acurado deste fenômeno, nenhum trabalho foi publicado com propostas consistentes
de medidas terapêuticas ou preventivas da esteatohepatite secundária ao
irinotecano. Na presente investigação está descrito, de fato, o primeiro modelo
experimental de NASH associada ao irinotecano onde todas as alterações
histológicas classicamente observadas na prática clínica foram demonstradas,
podendo se tornar uma ferramenta útil para o progresso do entendimento e de
futuras abordagens dessa condição.
Para a elaboração da curva dose-efeito, foi administrado irinotecano por via
intraperitoneal três vezes por semana nas doses de 25mg/Kg, 50mg/Kg, 75mg/Kg e
100mg/Kg. A atividade biológica do irinotecano administrado durante o experimento
foi confirmada pela ocorrência de toxicidade medular, traduzida por leucopenia
observada na primeira e sétima semanas.
A estratégia de administrar o irinotecano com a dose de 50mg/kg três vezes
por semana por sete semanas consecutivas permitiu o desenvolvimento da
síndrome por completo. Doses menores não foram capazes de induzir um dano
hepático efetivo visto que não foram associadas a elevações de enzimas hepáticas
(aminotransferases). Por outro lado, doses mais elevadas do irinotecano não se
tornaram viáveis por estarem associadas com uma mortalidade dos animais
excessivamente elevada, muito possivelmente conseqüente à mucosite
gastrointestinal.
Não era interesse do estudo utilizar doses subletais por curtos períodos
capazes de causar uma citotoxicidade hepatocítica direta. Fulco e colaboradores,
em um estudo in vitro, avaliaram a toxicidade primária a hepatócitos isolados quando
cultivados na presença de camptotecinas (irinotecano ou CPT-11, SN-38 e
topotecano) e evidenciaram o surgimento de uma citotoxicidade dose e composto-
dependente. De tal forma que topotecano e irinotecano provocaram menor
toxicidade quando comparados ao SN-38, seu metabólito mais ativo. Nessa
circunstância, tal citotoxicidade ocorreu somente durante um curto período de tempo
(3 horas). A exposição mais prolongada ao irinotecano e a seu metabólito ativo SN-
38, que é um conhecido fator de risco clínico para NASH, não gerou toxicidade
88
celular adicional (FULCO et al., 2000). Além disso, a maciça destruição de
hepatócitos não é um achado histológico associado a NASH, tornando esse
mecanismo de toxicidade direta exclusiva pouco provável como responsável pela
patogênese da síndrome.
A administração do irinotecano (50mg/kg três vezes por semana) causou um
dano hepático persistente que ficou demonstrado pela hepatomegalia dose
dependente e pela elevação das enzimas hepáticas observada durante todo o
experimento a partir da segunda semana. A estratégia de prolongar o período de
administração do irinotecano (50mg/Kg ip 3 vezes/semana) ao máximo resultou em
uma mortalidade significativa. Somente metade dos animais sobreviveu até o fim do
experimento na sétima semana, poucos animais sobreviveram até a nona semana e
nenhum deles sobreviveu até a décima. No entanto, acreditamos que esta
abordagem foi extremamente importante, pois simulou de forma mais próxima o que
acontece na prática clínica, que envolve tratamentos por longos períodos.
Adicionalmente, proporcionou o intervalo de tempo exato para que as alterações
histopatológicas pudessem paulatinamente se estabelecer.
No modelo ora apresentado, o grau de severidade da esteatohepatite foi
progressivo e proporcional às doses cumulativas administradas do irinotecano,
caracterizando uma relação de causa-efeito. Na prática clínica, embora exista
relação entre NASH e o tempo de exposição à droga, não é possível prever sua
ocorrência pelo cálculo da dose acumulada de irinotecano. O limiar para o
desenvolvimento desta síndrome é heterogêneo entre os pacientes e deve variar de
acordo com múltiplos fatores.
No estudo de Vauthey et al. (2006), o índice de massa corpórea foi
relacionado a uma maior ocorrência de esteatohepatite secundária ao irinotecano.
Pacientes com índice de massa corporal (IMC) acima de 25 tiveram duas vezes mais
NASH do que os pacientes com IMC menor que 25 (12,1% vs 25,6%). A importância
do cenário metabólico tem sido reportada nos casos de esteatohepatite induzida por
outras drogas, como o metotrexato (LANGMAN et al., 2001), e aspectos da
síndrome metabólica têm sido consistentemente relacionados à NASH
(HAMAGUSHI et al., 2005). Entretanto, estes e outros fatores como diabetes,
ingestão de álcool, hepatites crônicas e esteatose pré-quimioterapia ainda não foram
comparados em estudos clínicos entre pacientes expostos ao irinotecano que
desenvolvem ou não NASH secundária a este quimioterápico. Assim, não há
89
recomendações individualizadas na prática clínica para protocolos contendo
irinotecano nos subgrupos específicos de pacientes.
No presente estudo, nos animais sacrificados após sete semanas
consecutivas de exposição ao irinotecano na dose de 50mg/Kg (3 vezes/semana),
foram encontradas todas as três alterações histológicas necessárias para a
caracterização de esteatohepatite: tumefação hepatocítica, esteatose e inflamação
lobular.
A tumefação ou balonização hepatocítica foi a alteração histológica
manifestada com menor intensidade neste modelo e encontrada de forma
significativa somente na sétima semana do experimento. Embora seja considerada
um marcador fundamental de esteatohepatite, a definição de balonização ainda não
é precisa e baseia-se em critérios morfológicos como aumento do volume e edema
celular e aspecto reticular do citoplasma. Esta avaliação de caráter subjetivo pode
causar discordância entre patologistas, e gerar dificuldade na sua identificação em
sua fase inicial. No corrente estudo, a tumefação foi avaliada pelo método clássico
proposto pelo escore de Kleiner.
Recentemente, estudos sugerem que a perda da imunoexpressão das
ceratinas 8 e 18 dos filamentos intermediários do citoesqueleto (FI) parece ser um
marcador mais objetivo da balonização dos hepatócitos (LACKNER et al., 2008). As
ceratinas 8 e 18 são fundamentais para a estabilização e organização topográfica da
célula e de suas organelas. Dano ao FI do citoesqueleto foi demonstrado em
modelos experimentais de NASH em resposta ao estresse oxidativo tendo como
conseqüência a alteração citopática da tumefação (LACKNER et al., 2008).
O aspecto macroscópico do fígado não faz parte dos critérios comumente
utilizados para diagnóstico de NASH. Classicamente associada com esteatose, a
coloração amarelada do fígado é, de fato, pouco encontrada na prática clínica. No
estudo aqui apresentado, o chamado fígado amarelo foi, como na clínica, um
achado pouco prevalente, identificado apenas em alguns animais do grupo exposto
ao irinotecano, e teve pouca correlação com os achados histológicos da NASH.
No corrente estudo, a esteatose foi caracterizada tanto pelo método
bioquímico, com avaliação da quantidade de lipídeos totais no tecido hepático, como
pelo achado anatomopatológico. A distribuição dos lipídeos na célula hepática pode
ser macrovesicular, com hepatócitos distendidos por um vacúolo único que desloca
o núcleo para a periferia ou microvesicular, com numerosos e pequenos depósitos
90
lipídicos ao redor de um núcleo centralizado. A esteatose macrovesicular representa
mais um distúrbio crônico do metabolismo lipídico do fígado e tem comportamento
benigno (TILG e MOSCHEN, 2010). A esteatose microvesicular difusa, por outro
lado, é caracteristicamente uma condição aguda que revela uma disfunção
mitocondrial. Está associada a um pior prognóstico e ao desenvolvimento de
insuficiência hepática (DAY e JAMES,1998). Histologicamente, no presente estudo,
prevaleceu a esteatose com padrão microvesicular ou em microgotas. Demonstrou-
se também que a esteatose só se estabeleceu na sétima semana do experimento,
quando já havia evidências de dano inflamatório e de estresse oxidativo no tecido
hepático.
O acúmulo de lipídeos no parênquima hepático pode ocorrer por um dos três
mecanismos: aumento do aporte de ácidos graxos pela dieta ou pela quebra de
adipócitos da periferia; aumento da síntese endógena ou pela disfunção mitocondrial
resultando na diminuição da β oxidação lipídica (CHITTURI e FARRELL, 2001). Nas
amostras aqui apresentadas, não houve aporte dietético indutor de esteatose e nem
havia motivos para uma síntese aumentada de ácidos graxos nos grupos
experimentais em relação ao controle. Portanto, é provável que o mecanismo de
acúmulo de lipídeos no modelo ora mostrado deva-se à disfunção mitocondrial e à
conseqüente inibição da oxidação fisiológica dos ácidos graxos. Possíveis
mecanismos responsáveis pela falência da atividade mitocondrial na NASH parecem
envolver estresse oxidativo, peroxidação lipídica, LPS e citocinas inflamatórias
(PESSAYRE e FROMENTY, 2005). Assim, presume-se que a esteatose, no modelo
proposto, seja uma consequência dos mecanismos causadores da NASH, que
induziriam disfunção mitocondrial e não um componente central da sua patogênese.
A presença de inflamação é reconhecida como o evento chave na
diferenciação entre esteatose simples e esteatohepatite. A inflamação é um
marcador de severidade da NASH e um importante fator de risco para o
desenvolvimento de fibrose (TILG E MOSCHEN, 2010). No modelo proposto, a
inflamação desempenhou um papel importante na NASH induzida por irinotecano.
As alterações inflamatórias foram mais intensas que os outros achados histológicos
e tiveram início mais cedo. Os infiltrados inflamatórios neutrofílicos tiveram início na
terceira semana do experimento e foram identificados de forma consistente tanto no
lóbulo hepático como nos espaços porta. Demonstrou-se também uma elevação na
concentração de mieloperoxidase no tecido hepático, que é uma importante enzima
91
de degradação neutrofílica. Sua elevação indica a presença de um processo
inflamatório agudo e caracteriza a natureza funcionante dos infiltrados celulares
encontrados.
Segundo Kleiner e colaboradores, a fibrose é um achado histológico relevante
na NASH, mas não faz parte das suas alterações patológicas definidoras, pois
ocorre em uma fase mais tardia da síndrome (KLEINER et al., 2005). No entanto,
sua avaliação é de grande importância, pois apresenta estreita correlação
prognóstica. O padrão de fibrose na NASH é distinto e pode ser difícil de
diagnosticar. A fibrose pode começar como fibras delicadas de colágeno que isolam
um ou mais hepatócitos necessitando, para sua identificação, de uma boa técnica de
preparação de lâminas (tricrômico de Masson) e um patologista experiente
(KLEINER e BRUNT, 2012). O processo de fibrogênese é inicialmente discreto e
limita-se aos espaços de Disse, localizados entre os sinusóides e as colunas de
hepatócitos. No espaço de Disse encontram-se as células estelares, que quando
estimuladas por TGF-β podem sofrer mudanças estruturais transformando-se em
miofibroblastos ativados que dão início ao processo fibrogênico (FRIEDMAN et al.
1985; LIMA, 2010).
A presença de fibrose caracteriza uma condição ominosa, pouco reversível,
associada a graus diversos de insuficiência hepática e representa o principal fator de
risco para o desenvolvimento de cirrose (USLUSOY et al. 2011). Em um estudo
populacional, a presença de fibrose incipiente associada a NASH foi um preditor de
risco para progressão da fibrose. A identificação de estágios precoces de fibrose na
biópsia inicial representou um risco de progressão para graus mais severos de
fibrose, nas biópsias subseqüentes, de 37% (ADAMS et al., 2005). No corrente
estudo, a fibrose foi demonstrada apenas na nona semana do experimento e de
forma incipiente, obedecendo um padrão perisinusoidal (estágio I). Por ser o achado
patológico mais tardio, acredita-se que a fibrose ocorreu como conseqüência do
processo de dano hepático que se desenvolveu nas semanas anteriores. Matteoni e
colaboradores descreveram que as alterações necro-inflamatórias da NASH
representam um potencial de risco de progressão silenciosa para a cirrose hepática
de até 24% (MATTEONI et al., 1999). No presente estudo, poucos animais
sobreviveram até a nona semana, período onde se demonstra o processo
fibrogênico. No entanto, as evidências de disfunção hepática puderam ser
observadas desde a terceira semana, com redução progressiva da concentração de
92
proteínas plasmáticas, achado que pode refletir uma crescente diminuição na
capacidade funcional sintética do fígado.
Assim como a inflamação, o estresse oxidativo é considerado um evento
central na patogênese da NASH. No presente modelo, este evento foi estudado
através da dosagem de malonaldeído e glutationa. Foi evidenciada uma elevação
significativa de malonaldeído na primeira e na quinta semanas. Paralelamente,
conforme esperado, houve uma proporcional redução dos níveis de glutationa em
relação ao grupo controle. Estes achados confirmam a ocorrência do estresse
oxidativo nos animais submetidos ao irinotecano, tanto precocemente no
desenvolvimento da NASH quanto mais tardiamente, quando a síndrome completa
já se estabelecia.
O momento que acontece o estresse oxidativo na NASH, induzida ou não por
irinotecano, ainda não está claro na literatura. A teoria fisiopatológica da NASH
apresentada por Day e James sugere que são necessários insultos consecutivos
para o desenvolvimento da esteatohepatite. Um primeiro insulto, como a esteatose
hepática, levaria ao aumento da vulnerabilidade do fígado a um segundo insulto, que
apresenta como candidatos fatores como o estresse oxidativo, LPS e citocinas
inflamatórias (DAY e JAMES,1998). Portanto, segundo esta teoria, o estresse
oxidativo e o LPS concorrem de maneira excludente como mecanismo primário
único que deflagraria a cascata comum de lesão celular. No corrente modelo, ao
contrário do proposto por Day e James, acredita-se que os diversos eventos
capazes de induzir NASH aconteceram concomitantemente. Ademais, como os
animais foram submetidos aos efeitos do uso do irinotecano com fígado inicialmente
saudável, os achados inflamatórios e a evidência de estresse oxidativo precederam
a esteatose. A hipótese de múltiplos insultos paralelos já foi relatada anteriormente
por Tilg e Moschen (2010). Estes autores consideram que fatores diversos como
estresse oxidativo, LPS e citocinas podem, na verdade, atuar em paralelo,
contribuindo sinergicamente para o desenvolvimento da síndrome. Os autores
propõem também que a esteatose não seria uma pré-condição necessária para a
ocorrência da NASH e que a inflamação pode, na verdade preceder a esteatose,
determinando estresse oxidativo que levaria ao acúmulo de lipídeos
secundariamente. A esteatose simples pode representar apenas um epifenômeno,
apresentando patogênese distinta da NASH.
93
A observação de consistentes infiltrados inflamatórios ricos em neutrófilos
circunscrevendo os espaços porta, como vistos no modelo proposto, permite supor a
presença de algum estímulo aferente carreado pela tríade portal. Uma vez que este
infiltrado teve forte imunomarcação para TLR-4, como demonstrado no estudo, a
suspeita recai sobre o seu principal ligante, a endotoxina (LPS) das bactérias gram
negativas. O papel do LPS foi avaliado no corrente estudo através da cultura do
sangue sistêmico e portal e da análise da imunoexpressão de TLR4. As culturas do
sangue sistêmico e portal evidenciaram o crescimento de bacilos gram-negativos
entéricos (Escherichia coli) no grupo dos animais expostos ao irinotecano durante
todo o curso do experimento. O insulto séptico sistêmico e ao fígado (portal) foi um
evento precoce e sustentado. A bacteremia portal por enterobactérias gram-
negativas iniciou-se na primeira semana do experimento e permaneceu, de forma
significativa, até a última (semana 7). Na sétima semana, quando a NASH alcançou
todos os seus critérios definidores, a imunoexpressão de TLR4 foi também
estatisticamente superior nos tecidos hepáticos dos animais que receberam
irinotecano. Estes resultados em conjunto demonstraram que, nos animais expostos
ao irinotecano, há fortes evidências da exposição prolongada do fígado ao LPS.
Há evidências convincentes da participação do LPS e do seu receptor, TLR-4
na patogênese da NASH. Em um modelo experimental de NASH induzida por dieta
rica em lipídeos, observou-se um aumento dos níveis plasmáticos de LPS de duas a
três vezes em relação ao controle (KANI et al., 2007). Em um estudo clínico,
demonstrou-se que a concentração plasmática de endotoxina e a expressão de RNA
mensageiro de TLR-4 encontraram-se significativamente aumentadas em pacientes
obesos com NASH em relação ao grupo controle normal. Os autores também
demonstraram uma elevação no nível sérico da proteína ligadora do LPS em
pacientes obesos com NASH comparando com obesos portadores de esteatose
simples (RUIZ et al., 2007). CZAC e colaboradores descreveram de forma
convincente que o complexo LPS-TLR-4 exerce importante papel no processo de
inflamação, estresse oxidativo e fibrose da esteatohepatite induzida por dieta. Em
um modelo experimental de NASH induzida por dieta pobre em aminoácidos
(metionina e colina), os autores compararam os achados entre camundongos
geneticamente normais e camundongos geneticamente modificados (nocaute) que
não expressam os componentes do receptor de LPS (TLR-4 e MD-2). A deficiência
de TLR-4/MD-2 diminuiu significativamente a esteatose, avaliada histologicamente e
94
através da dosagem de triglicerídeos no parênquima hepático. Os autores
demonstraram igualmente uma diminuição no processo inflamatório mensurado
tanto pela redução da quantidade de infiltrados celulares como da expressão de
citocinas inflamatórias no tecido hepático. O estresse oxidativo foi minorado nos
animais nocaute para TLR-4 com menor expressão do complexo NADPH oxidase e
do ácido tiobarbitúrico (TBARS) no fígado. A ausência de TLR-4 foi também capaz
de impedir o aumento dos níveis de transcrição (RNA mensageiro) de genes
associados à fibrose (pro-colágeno-1, TGF-β e actina de músculo liso α) (CZAC et
al., 2011a).
A ação biológica do LPS via receptor TLR-4 pode estimular o processo
inflamatório através da síntese de citocinas. Atualmente sabemos que após a
ligação do LPS com TLR4, na presença dos cofatores CD14 ou MD-2 (fator de
diferenciação mielóide 2), é iniciada uma cascata de sinalização em duas vias que
resulta na ativação do NF-KB e na transcrição de genes de várias citocinas pró-
inflamatórias (ABBAS, 2008). Além disso, o LPS é capaz de ativar, após associar-se
ao TLR-4, um complexo multiprotéico denominado inflamassoma que está envolvido
na ativação de citocinas, principalmente IL-1β (CZAC et al., 2011b).
O inflamassoma foi primeiramente descrito em 2002 por Martinon e
colaboradores (2002) quando demonstraram que um tipo de polímero multiprotéico
intracelular era capaz de ativar a cascata enzimática da caspase-1 levando a
produção de citocinas inflamatórias, notadamente IL-1β a partir da clivagem
enzimática do seu precursor, a pró-IL-1β. Czac e colaboradores (2011b)
demonstraram um aumento da atividade do complexo do inflamassoma tanto em
modelo animal como em pacientes portadores de NASH. A exposição ao LPS no
modelo animal demonstrou que o aumento dos níveis circulantes de endotoxina
contribuiu para a ativação do inflamassoma e para a hiperexpressão de IL-1β no
tecido hepático. Os autores evidenciaram uma hiperatividade do inflamassoma em
camundongos durante a NASH, mas não durante a esteatose simples. Demonstrou-
se também, de forma pioneira, que tanto a ativação do inflamassoma quanto a
produção de IL-1β ocorre em hepatócitos isolados e não somente em macrófagos
durante modelo experimental de NASH (Czac et al., 2011b). Em concordância com
estes achados, foi encontrado, no modelo proposto, uma elevada imunoexpressão
de IL-1β tanto nos macrófagos do infiltrado inflamatório portal como nos hepatócitos.
95
IL-1β é um mediador importante do processo inflamatório atuando na
iniciação da cascata inflamatória que leva a lesão tecidual (DINARELLO, 2000). O
macrófago residente, representado pela célula de Kupffer no fígado, é a principal
célula apresentadora de antígeno e possui receptores TLR-4 na sua membrana. A
interação do LPS com o receptor TLR-4 estimula o macrófago a responder
imediatamente deflagrando as vias de sinais intracelulares que resultam na síntese
de citocinas inflamatórias como TNF e IL-1 (ABBAS, 2008). Ao contrário do TNF, a
IL-1 também é produzida por outros tipos celulares que não o macrófago, como por
exemplo o hepatócito (VALLES et al., 2003).
A IL-1 atua como um mediador da inflamação agindo na célula endotelial
para aumentar a expressão de moléculas de superfície que medeiam a adesão e a
migração de leucócitos, principalmente neutrófilos (ABBAS, 2008). Dessa forma, a
hiperexpressão de IL-1 pode explicar os consistentes infiltrados neutrofílicos, tanto
periportais como intralobulares, encontrados no tecido hepático dos animais
expostos ao irinotecano no modelo proposto. Existem dados que ratificam o
envolvimento da IL-1 na fisiopatologia da esteatohepatite. Em um estudo recente, os
níveis de RNA mensageiro (RNAm) para IL-1 e IL-1 se elevou 16 e 4,6 vezes,
respectivamente, em camundongos selvagens com esteatohepatite induzida por
dieta aterogênica. Nos animais deficientes em IL-1 ou IL-1, a transformação de
esteatose para esteatohepatite e fibrose hepática foi significativamente reduzida.
Esse efeito protetor da deficiência de IL-1 foi evidenciado apesar do aumento dos
níveis de colesterol hepático (KAMARI et al., 2011), suscitando a idéia de que houve
proteção do processo inflamatório, mas não do acúmulo lipídico.
Além de induzir inflamação por estímulo à produção de citocinas, o complexo
LPS-TLR4 pode também promover dano tissular por estresse oxidativo, através da
ativação de dois mecanismos distintos. A via da fagócito-oxidase e a via da NOSi
são mecanismos de produção de moléculas microbicidas presentes nos lisossomos
de células fagocitárias, principalmente macrófagos e neutrófilos. A fagócito-oxidase
é uma enzima que quando ativada converte o oxigênio molecular em derivados
reativos de oxigênio (ROS) tais como radicais superóxido. O superóxido é
enzimaticamente dismutado em peróxido de hidrogênio, que é o substrato da enzima
mieloperoxidase para produzir ácidos reativos que são tóxicos para as bactérias
(ABBAS, 2008). Os macrófagos também podem produzir intermediários reativos do
oxigênio pela ação da enzima NO sintase induzida (NOSi). Dentro do fagolisossomo,
96
o óxido nítrico pode se combinar com peróxido ou superóxido de hidrogênio,
gerados pela fagócito oxidase, para produzir radicais peroxinitrito altamente reativos
que podem eliminar microorganismos. Quando neutrófilos e macrófagos são
fortemente ativados por ligantes como o LPS, eles podem provocar a lesão por
estresse oxidativo de tecidos normais do hospedeiro por liberação de seus
conteúdos lisossômicos (ABBAS, 2008). No corrente estudo, foram encontradas
evidências de lesão hepática por estresse oxidativo pelos dois mecanismos citados,
através da elevação dos níveis de mieloperoxidase e imunoexpressão aumentada
da enzima NOSi em amostras do tecido hepático.
A liberação de espécies reativas de oxigênio geradas pela ativação das
células de Kupffer, quando estimuladas por LPS, pode promover um dano inicial na
mitocôndria dificultando a fosforilação oxidativa, que ocorre na sua membrana
interna. Quanto maior for a inibição da atividade do citocromo e da oxidase, maior
seria a produção de espécies reativas de oxigênio pela própria mitocôndria,
amplificando a cascata e gerando um ciclo vicioso de lesão celular e disfunção
mitocondrial (SATO, 2007).
A imunoexpressão da NOSi encontrada no modelo ora proposto foi
significativa e intensa nos hepatócitos circunscrevendo a veia centro lobular, na zona
acinar 3, que é a área mais isquêmica do lóbulo hepático. Nesse contexto, já havia
sido demonstrada a hiperexpressão de NOSi no tecido hepático em pacientes
obesos e resistentes à insulina portadores de NASH (GARCIA-MONZÓN et al.,
2000). Assim como no corrente estudo, HA e CHAE (2010) também encontraram,
em um modelo experimental de NASH induzida por dieta, uma imunoexpressão
aumentada de NOSi com aspecto caracteristicamente perivenular, envolvendo a
veia centrolobular. A expressão de NOSi no hepatócito pode estar sendo regulada
por citocinas como a IL-1 (GELLER et al., 1993). Assim, o microambiente
inflamatório pode contribuir para a hiperexpressão de NOSi na NASH. O óxido
nitrico, além de componente importante do processo inflamatório, é um vasodilatador
potente (TETSUKA et al., 1994). É possível que o aumento da atividade da NOSi na
zona acinar 3, menos oxigenada, esteja associado a mecanismos de elevação do
fluxo sanguíneo compensatório no fígado que são, em grande parte, mediados por
óxido nítrico.
A interação do LPS e TLR-4 também pode induzir o processo fibrogênico no
fígado. As células estelares localizam-se no espaço de Disse e são as principais
97
fontes de proteínas da matriz extracelular, como colágeno tipos I, III e IV, que são
abundantes na fibrose hepática (FRIEDMAN, 2008). Elas apresentam na superfície
todos os receptores do tipo Toll, inclusive o TLR-4 (YANG, 20012). Em resposta ao
LPS, as células estelares podem ser ativadas para um fenótipo pró-fibrogênico. A
interação entre o LPS e TLR4 exerce um efeito cruzado importante na via de
sinalização do TGF-β (SEKI et al.,2007). A célula estelar quiescente expressa níveis
elevados de um inibidor endógeno do receptor do TGF-β (Bambi) que inibe a
interação com o seu ligante, o TGF-β. No estado fibrogênico, a expressão deste
inibidor é rapidamente diminuída, sendo tal efeito mediado pelo TLR4. A diminuição
da ação do inibidor resulta na amplificação do sinal do TGF-β, que promove a
ativação da célula estelar (SEKI et al.,2007). A célula estelar ativada é o passo
crucial para a fibrose hepática, acionando a cascata que culmina com a deposição
de colágeno (YANG e SEKI, 2012). No estudo aqui demonstrado, identificou-se uma
fibrose incipiente num padrão perisinusoidal, que parece guardar estreita relação
topográfica com os espaços de Disse.
Nesse sentido, considerou-se que o LPS representou um componente central
na patogênese da NASH induzida pelo irinotecano no presente modelo. A ação
biológica do LPS via receptor TLR-4 pode concomitantemente determinar estresse
oxidativo, através da formação de intermediários reativos de oxigênio, estimular o
processo inflamatório através da síntese de citocinas e induzir fibrogênese pela via
do TGFβ.
Desde que a microflora intestinal é a fonte principal de LPS, e que a veia
porta é a principal via de drenagem da circulação entérica, a presença de bactérias
gram-negativas na circulação portal indica sua origem intestinal. A falha dos
mecanismos da barreira intestinal pode ser a causa primária da elevação dos níveis
de LPS no sangue portal (SU et al., 2012) e sugere a ocorrência de translocação
bacteriana. A perda da integridade epitelial da mucosa intestinal com alterações nas
proteínas de aderência intercelulares (tight junction) pode ser o mecanismo
patológico responsável pela translocação. Nos últimos anos, as evidências que
suportam o papel do eixo intestino-fígado na patogênese da NASH vêm se
acumulando.
Em um estudo experimental com camundongos obesos geneticamente
modificados, Brun e colaboradores demonstraram uma menor resistência intestinal
epitelial e maior permeabilidade da barreira mucosa quando comparados com
98
animais normais. A alteração da permeabilidade deveu-se a uma expressão anormal
das proteínas de adesão ocludina e zona ocludens que compõem o mecanismo de
barreira das tight junctions. Os autores demonstraram também que a perda da
barreira intestinal se associou a um aumento significativo da endotoxemia portal e à
ativação das células estelares (BRUN et al., 2007). Um estudo clínico comparou a
permeabilidade intestinal de pacientes com doença gordurosa hepática não alcoólica
com a de controles normais através de biópsias duodenais (MIELE et al., 2009). Os
autores encontraram um aumento da permeabilidade mucosa nos pacientes com
NASH avaliada pela menor expressão de proteínas como zona ocludens 1.
A perda da barreira entérica pode ser secundária à mucosite intestinal
induzida pelo irinotecano. No presente estudo, nos animais que receberam
irinotecano, evidenciaram-se danos estruturais severos à mucosa intestinal a partir
da terceira semana de exposição à droga. Além de alteração da razão vilo-cripta
com atrofia vilositária e mesmo de áreas desnudas de mucosa, encontrou-se
também uma imunoexpressão aumentada da citocina IL-1 em macrófagos da
submucosa e de NOSi tanto em macrófagos da submucosa como no epitélio. Essas
alterações confirmam o caráter predominantemente inflamatório da mucosite pelo
irinotecano. Observou-se também uma imunoexpressão de TLR4 no intestino
significativamente superior no grupo experimental quando comparada ao controle na
sétima semana, fortalecendo a hipótese de translocação bacteriana. Porém, a perda
da integridade funcional da barreira entérica pode ter ocorrido mesmo antes das
alterações histológicas. Observamos, no presente estudo, bacteremia portal e
sistêmica por enterobactérias gram-negativas desde a primeira semana de
exposição ao irinotecano. Esta foi a alteração mais precoce deste modelo
experimental e pode representar o elo de conexão comum entre os diversos fatores
envolvidos em sua patogênese.
Por fim, considerando que para cada achado patológico do presente modelo,
encontrou-se na literatura um papel correspondente na fisiopatologia da NASH por
outras causas (induzidas por dieta), supõe-se que o seu mecanismo deve ser
semelhante, independente da etiologia. Em síntese, o LPS proveniente das bactérias
intestinais, pela quebra da barreira intestinal, cai na circulação portal e exerce um
papel central, ativando no fígado o estresse oxidativo e a cascata inflamatória, com
envolvimento de citocinas como IL1 e NO. A NASH então se instala como
consequência de múltiplos insultos concomitantes.
99
6. CONCLUSÕES
Neste estudo foi desenvolvido um modelo experimental de esteatohepatite
induzida pelo antineoplásico irinotecano que apresenta os mesmos parâmetros
bioquímicos e histológicos utilizados na prática clínica. Adicionalmente, na
patogênese do modelo descrito, foi evidenciada a participação concomitante do
processo inflamatório, com marcante imunoexpressão de IL-1, NOSi e TLR-4 e do
estresse oxidativo. Tal processo parece ser causado por uma translocação
bacteriana secundária à mucosite intestinal induzida pelo irinotecano.
100
Figura 26A – Modelo hipotético proposto para o papel da IL-1, NOSi, TLR-4 e da translocação bacteriana na patogênese da NASH induzida pelo irinotecano. A presença do metabólito ativo SN-38 na mucosa intestinal determina uma lesão celular que debilita a barreira epitelial mucosa e permite a translocação de enterobactérias da luz intestinal. A presença destas bactérias gram-negativas na submucosa é reconhecida pela imunidade inata através dos receptores toll like 4 (TLR-4) amplificando a resposta inflamatória local e permitindo que alguns microorganismos alcancem vasos capilares intestinais levando a bacteremia portal.
101
Figura 26B– Modelo hipotético proposto para o papel da IL-1, NOSi, TLR-4 e da translocação bacteriana na patogênese da NASH induzida pelo irinotecano. As enterobactérias gram-negativas chegam ao fígado pelos ramos portais atingindo os sinusóides. A endotoxina bacteriana (LPS) é reconhecida pelos receptores TLR-4 presentes nos macrófagos locais (células de Kupffer) que se tornam ativados e passam a liberar citocinas inflamatórias como a IL-1 como também estimulam a síntese de óxido nítrico via NOSi. A IL-1 promove a atração e diapedese de leucócitos gerando infiltrados neutrofílicos portais e lobulares. O óxido nítrico e espécies reativas de oxigênio geram estresse oxidativo causando lesão de membranas lipídicas e disfunção mitocondrial o que promove o surgimento de esteatose e tumefação dos hepatócitos. A célula estelar, também estimulada por LPS através de receptores TLR-4, assume um fenótipo fibrogênico e promove deposição de colágeno.
102
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