Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
2
LIÇÕES AOS MEUS ALUNOS (Vol. 1) [Clique na palavra ÍNDICE]
HOMILÉTICA E TEOLOGIA PASTORAL
C. H. SPURGEON
PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS
Título original: Lectures To My Students
Tradução do original por: Odayr Olivetti
Primeira Edição em Português
1980
Contracapa:
Quem já ouviu falar de Charles Haddon Spurgeon – conhecido
como "o príncipe dos pregadores" – certamente ficou sabendo da sua
graça, inteligência e sabedoria espirituais, e da grande influência que
exerceu, não somente no seu próprio ministério, como também na vida e
ministério de muitos outros pastores e obreiros cristãos. Como
experiente servo de Deus ele foi uma luz que brilhou entre os seus
contemporâneos.
Neste livro nos o encontramos na melhor expressão do seu ensino
pastoral. As lições constantes nos dez capítulos foram originalmente
dirigidas aos seus alunos na Escola Bíblica que fundou para preparar
pastores. Ninguém que se sente chamado para pregar a Palavra de Deus
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
3
pode dar-se ao luxo de negligenciar a leitura de uma obra tão
reconhecida e marcante que trata do assunto da pregação.
Se quisermos um indício do sucesso deste grande servo de Deus
então nada melhor poderemos fazer que estudar esta obra!
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
4
ÍNDICE
1. O Espírito Santo em Relação com o Nosso Ministério.......3
2. Necessidade de Progresso Ministerial.............................32
3. Necessidade de Decisão pela Verdade............................53
4. Pregação ao Ar Livre: Esboço de Sua História................72
5. Pregação ao Ar Livre: Notas Adicionais...........................98
6. Postura, Atitude, Gestos Etc...........................................123
7. Postura, Atitude, Gestos Etc. (Segunda Preleção).........146
8. Fervor: Sua Deformação e Sua Preservação.................169
9. Cego de um Olho e Surdo de um Ouvido.......................193
10. Conversão como o Nosso Objetivo................................214
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
5
O ESPÍRITO SANTO EM RELAÇÃO COM O NOSSO
MINISTÉRIO
Escolhi um tópico sobre o qual seria difícil dizer algo que já não
tenha sido dito antes muitas vezes. Mas, como o tema é da mais alta
importância, é bom deter-nos nele com freqüência, e ainda que só
exponhamos velhas coisas e nada mais, talvez seja sábio fazer-vos
lembrar-se delas. Nosso é: O Espírito Santo em Relação com o Nosso
Ministério, ou – a obra do Espírito Santo concernente a nós como
ministros do evangelho de Jesus Cristo.
"CREIO NO ESPÍRITO SANTO." Tendo pronunciado esta frase
como conteúdo do credo, espero que possamos repeti-la também como
um solilóquio devoto impulsionado por nossa experiência pessoal aos
nossos lábios. Para nós, a presença e a obra do Espírito Santo constituem
a base da nossa confiança quanto à sabedoria e ao elemento de esperança
da obra da nossa vida. Se não crêssemos no Espírito Santo, teríamos
renunciado ao nosso ministério muito antes, pois, "quem é suficiente
para estas coisas?" Nossa esperança de sucesso e nossa força para a
continuidade do serviço jazem em nossa crença em que o Espírito do
Senhor repousa sobre nós.
Por ora dou por certo que todos nós estamos cônscios da existência
do Espírito Santo. Dissemos que cremos nEle. Na verdade avançamos
além da fé, nesta questão, e penetramos na região da consciência. Houve
tempo em que a maioria de nos cria na existência dos nossos amigos
presentes, pois tínhamos ouvido falar deles com os nossos ouvidos, mas
agora nós vemos uns aos outros, trocamos apertos de mão fraternais e
experimentamos a influência do companheirismo agradável, e portanto
agora não é tanto que cremos, como conhecemos. Igualmente
experimentamos o Espírito de Deus operando em nossos corações, temos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
6
conhecido e percebido o poder que Ele exerce sobre os espíritos
humanos, e O conhecemos por contato pessoal, freqüente e consciente.
Pela sensibilidade do nosso espírito tomamos consciência da presença do
Espírito de Deus, do mesmo modo como tomamos consciência da
existência das almas dos nossos semelhantes por sua ação sobre as
nossas almas, assim como estamos certos da existência da matéria pela
sua ação sobre os nossos sentidos. Fomos elevados da obscura esfera
daquilo que é apenas mente e matéria às fulgurâncias celestiais do
mundo espiritual. Agora, como homens espirituais, discernimos as coisas
espirituais, sentimos as forças superiores dos domínios do espírito, e
sabemos que há um Espírito Santo, pois O sentimos operar em nossos
espíritos. Não fosse assim, certamente não teríamos direito de estar no
ministério da igreja de Cristo. Deveríamos permanecer até como
membros da igreja? Mas, irmãos, fomos vivificados espiritualmente.
Temos definida consciência de uma vida nova, com tudo o que dela
resulta; somos novas criaturas em Cristo Jesus e vivemos num mundo
novo. Fomos iluminados e capacitados a contemplar coisas que os olhos
não vêem. Fomos guiados para a verdade de tal natureza que a carne e o
sangue jamais poderiam ter revelado. Temos sido consolados pelo
Espírito. Muitíssimas vezes o Santo Parácleto nos tem levantado dos
abismos da tristeza às alturas da alegria. Em certa medida, também
fomos santificados por Ele; e estamos cônscios de que a santificação vai
sendo operada em nós por diferentes formas e meios. Portanto, dadas
estas experiências pessoais todas, sabemos que o Espírito Santo existe,
com a mesma certeza de que nos mesmos existimos.
Sinto-me tentado a demorar-me aqui, pois este ponto merece maior
consideração. Os descrentes pedem fatos. A velha doutrina comercial de
Gradgrind entrou na religião, e o cético brada: "O que quero são fatos!"
Estes são os nossos fatos: Não nos esqueçamos de usá-los. Um cético me
desafia com esta observação: "Não posso fixar minha fé num livro ou
numa história. Quero ver fatos reais." Minha resposta é: "Você não os
pode ver porque os seus olhos estão vendados. Mas os fatos estão aí,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
7
nem mais nem menos. Aqueles dentre nos que têm olhos vêem coisas
maravilhosas, embora você não as veja."
Se ele ridiculariza a minha afirmação, não fico espantado nem um
pouco. Já o esperava. Ficaria espantado, e muito, se não o fizesse. Mas
exijo respeito por minha posição como testemunha de fatos, e dirijo ao
meu oponente a pergunta: "Que direito tem você de recusar a minha
prova? Se eu fosse cego, e você me dissesse que possui uma faculdade
chamada visão, eu seria irracional se o ofendesse chamando-lhe otimista
convencido. Tudo que você tem direito de dizer é que nada sabe sobre
isto mas não está autorizado a chamar-nos de mentirosos ou bobos. Você
pode juntar-se aos ofensores do passado e declarar que o homem
espiritual é louco, mas isso não desfaz as afirmações deste."
Irmãos, para mim, os fatos produzidos pelo Espírito de Deus
demonstram a veracidade da religião cristã com a mesma clareza com
que a destruição de Faraó no Mar Vermelho, ou o maná caído no deserto,
ou a água saltando da rocha ferida, podiam provar a Israel a presença de
Deus no meio das suas tribos.
Chegamos agora ao cerne do nosso assunto. Para nós, ministros, o
Espírito Santo é absolutamente essencial. Sem Ele o nosso oficio não
passa de um nome. Não nos arrogamos sacerdócio além e acima daquele
que pertence a todos os filhos de Deus. Mas somos sucessores daqueles
que, nos velhos tempos, foram movidos por Deus a proclamar a Sua
Palavra, a dar testemunho contra as transgressões e a dirigir a Sua causa.
A menos que o espírito dos profetas esteja repousando sobre nós, o
manto que usamos não passa de um traje tosco e enganoso. Como
objetos dignos de aversão, devíamos ser expulsos da sociedade dos
sinceros por ousarmos falar em nome do Senhor – se é que o Espírito de
Deus não repousa sobre nós. Cremos que somos arautos de Jesus Cristo,
designados para continuar o Seu testemunho na terra. Mas, sobre Ele e
sobre o Seu testemunho sempre repousou o Espírito de Deus, e se Este
não repousa sobre nós, é evidente que não somos enviados ao mundo
como Cristo foi. No dia de Pentecoste, o início da grande obra de
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
8
converter o mundo foi com línguas flamejantes e com um forte e
impetuoso vento, símbolos da presença do Espírito. Portanto, se
pretendemos ter bom êxito sem o Espírito, não estamos seguindo a
norma pentecostal. Se não temos o Espírito que Jesus prometeu, não
podemos cumprir a comissão que Jesus deu.
Não seria preciso advertir algum irmão aqui sobre a ilusão de que
podemos ter o Espírito de Deus no sentido de sermos inspirados.
Contudo, os membros de certa seita litigiosa moderna precisam ser
advertidos sobre essa loucura. Defendem a idéia de que as suas reuniões
são realizadas sob "a presidência do Espírito Santo" – noção sobre a qual
só posso dizer que fui incapaz de descobrir na Escritura Sagrada tanto a
expressão como a idéia. Encontro, sim, no Novo Testamento, um grupo
de coríntios notavelmente dotados, que gostavam de falar e dados a lutas
partidárias – verdadeiros representantes daqueles a quem me referi. Mas,
como Paulo disse deles, "Dou graças porque a nenhum de vós batizei",
também dou graças ao Senhor que poucos daquela escola alguma vez se
acharam em nosso meio. Poderia parecer que as suas assembléias
possuem um dom peculiar de inspiração, não chegando inteiramente à
infalibilidade, mas aproximando-se bem dela. Se vocês se meteram
nessas reuniões, pergunto enfaticamente se foram mais edificados pelas
preleções produzidas sob a presidência celestial, do que pelas preleções
de comuns pregadores da Palavra.
Estes se consideram sob a influência do Espírito Santo somente
como um espírito está sob a influência de outro espírito, ou como uma
mente sob a influência de outra. Não somos passivos transmissores de
infalibilidade. Somos sinceros instruidores de coisas que aprendemos, na
medida em que as pudemos captar. Como as nossas mentes são ativas e
têm existência pessoal enquanto o Espírito age sobre elas, transparecem
as nossas fraquezas bem como a Sua sabedoria. E enquanto revelamos
aquilo que Ele nos fez saber, somos grandemente humilhados pelo temor
de que a nossa ignorância e os nossos erros se manifestem em certo grau
ao mesmo tempo, porque não nos sujeitamos mais perfeitamente ao
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
9
poder divino. Não desconfio que vocês se extraviem na direção a que
aludi. Certamente não é provável que os resultados de experiências
anteriores induzam sábios a essa loucura.
Eis nossa primeira pergunta: Onde havemos de buscar o auxilio do
Espírito Santo? Quando tivermos falado sobre este ponto,
consideraremos mui solenemente um segundo: Como podemos perder
essa assistência? Oremos no sentido de que, pela bênção de Deus, a
consideração deste ponto nos ajude a retê-la.
Onde havemos de buscar o auxílio do Espírito Santo? Devo
responder: por sete ou oito meios,
1. Primeiro, Ele é o Espírito de conhecimento. "Ele vos guiará a
toda a verdade." Nisto, precisamos do Seu ensino.
Temos urgente necessidade de estudar, pois o mestre de outros
precisa instruir-se. Subir ao púlpito normalmente despreparado é
presunção imperdoável. Nada poderá rebaixar-nos mais efetivamente, e
ao nosso oficio. Depois de um discurso que o bispo de Lichfield fez em
visita oficial, discurso sobre a necessidade de zeloso estudo da Palavra,
certo clérigo disse à sua reverendíssima que não podia crer em sua
doutrina, "pois", disse ele, "muitas vezes, quando estou no gabinete
pastoral, pronto para pregar, não sei sobre o que vou falar, mas vou para
o púlpito, prego, e não penso em nada disso." O bispo respondeu : "E
você está certo em não pensar nada disso, pois os oficiais da igreja me
disseram que partilham da sua opinião."
Se não somos instruídos, como podemos instruir outros? Se não nos
dedicamos a pensar, como podemos levar outros a pensar? É em nosso
labor de estudar, nesse bendito trabalho em que estamos a sós com o
Livro diante de nós, que precisamos da ajuda do Espírito Santo. Com Ele
está a chave do tesouro celeste, e pode enriquecer-nos além da nossa
imaginação. Com Ele está o guia da doutrina mais labiríntica, e pode
conduzir-nos no caminho da verdade. Pode romper os portais de bronze
e picar em pedaços as barras de ferro, e dar-nos os tesouros das trevas e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
10
as riquezas ocultas dos lugares secretos. Se vocês estudarem os originais,
consultarem comentários e meditarem profundamente, mas deixarem de
clamar vigorosamente ao Espírito de Deus, o seu estudo não lhes trará
proveito. Entretanto, ainda que lhes seja vedado o emprego daqueles
recursos (o que confio não lhes suceda), se esperarem do Espírito Santo
em simples dependência do Seu ensino, aprenderão muito da intenção
divina.
O Espírito de Deus nos é peculiarmente precioso, porque de modo
muito especial Ele nos instrui sobre a pessoa e a obra de nosso Senhor
Jesus Cristo; e este é o ponto principal da nossa pregação. Ele toma
coisas de Cristo e no-las mostra. Se tomasse coisas de doutrina ou
preceito, ficaríamos contentes por essa bondosa assistência. Mas, visto
que se deleita especialmente nas coisas de Cristo, e focaliza a Sua
sagrada luz na cruz, regozijamo-nos ao ver o centro do nosso testemunho
iluminado tão divinamente, e nos asseguramos de que a luz se difundirá
sobre todo o restante do nosso ministério. Busquemos ao Espírito de
Deus com este brado: "Ó Espírito Santo, revela-nos o Filho de Deus, e
assim mostra-nos o Pai."
Como Espírito de conhecimento, não só nos instrui quanto ao
evangelho, mas também nos leva a ver o Senhor em todas as outras
coisas. Não devemos fechar os nossos olhos para Deus na natureza, ou
na história geral, ou nas ocorrências providenciais diárias, ou em nossa
experiência pessoal. E em todas estas coisas, o nosso Intérprete da mente
de Deus é o bendito Espírito. Se clamamos: "Ensina-me o que queres
que faça"; ou, "mostra-me o motivo pelo qual contendes comigo"; ou,
"dize-me qual é a Tua intenção nesta rica previdência de misericórdia";
ou, "revela-me o Teu propósito naquela outra dispensarão mista de juízo
e graça" – seremos bem instruídos em cada caso. Pois o Espírito é o
candeeiro de sete braços do santuário, e pela Sua luz todas as coisas
podem ser vistas corretamente.
Como Goodwin observa bem : "É preciso haver luz acompanhando
a verdade, se temos de conhecê-la. Prova-nos isto a experiência de todos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
11
os homens envoltos na graça de Deus. Qual a razão por que vocês vêem
algumas coisas num capítulo numa ocasião, e não em outra; alguma
porção da graça em seus corações numa ocasião, e não em outra; têm um
vislumbre das realidades espirituais numa ocasião, e não em outra? Os
olhos são os mesmos, mas é o Espírito Santo que abre e fecha esta
lanterna de furta-fogo, como eu poderia chamar-lhe. Conforme Ele a
abre mais, ou a aperta, ou a fecha, estreitando-a, temos maior ou menor
visão. E às vezes Ele a fecha totalmente, e então a alma fica na
escuridão, embora seus olhos nunca tenham estado tão bons." Amados
irmãos, Não deixem de ira Ele em busca desta luz, ou ficarão nas trevas
e serão guias cegos de cegos.
2. Em segundo lugar, o Espírito é chamado Espírito de sabedoria, e
precisamos enormemente dEle nesta capacidade.
Sim, pois o conhecimento pode ser perigoso, se não for
acompanhado pela sabedoria, que é a arte de usar acertadamente o que
conhecemos. Manejar bem a Palavra de Deus é tão importante como
compreendê-la plenamente. Alguns que evidentemente compreenderam
uma parte do evangelho, deram indevida proeminência a essa porção
isolada e, portanto, exibiram um cristianismo deformado, para prejuízo
daqueles que o receberam, visto que, em conseqüência disso, exibiram
por sua vez um caráter deformado. O nariz é um trapo proeminente do
rosto do homem. É possível, porém, fazê-lo tão grande que os olhos, a
boca e tudo mais sejam lançados à insignificância. Um desenho assim é
caricatura, não retrato. Do mesmo modo, certas doutrinas importantes do
evangelho podem ser proclamadas com tal excesso que se lança o
restante da verdade à sombra, e a pregação já não é o evangelho em sua
beleza natural, mas uma caricatura do evangelho. Contudo, deixem-me
dizê-lo, algumas pessoas parecem fortemente apegadas a essa caricatura.
O Espírito de Deus lhes ensinará o emprego da faca sacrificial para
dividir as ofertas. E lhes mostrará como usar as balanças do santuário,
para pesarem e misturarem as preciosas especiarias em quantidades
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
12
certas. Todo pregador experimentado sente que esse é o momento
supremo, e bom será que seja capaz de resistir à tentação de negligenciá-
lo.
Que lástima, alguns dos nossos ouvintes não desejam ouvir todo o
conselho de Deus! Têm as suas doutrinas favoritas e gostariam de fazer-
nos calar em tudo mais. Muitos são como a escocesa que, depois de
ouvir um sermão, disse: "Estaria muito bem, se não fosse aquela droga
de deveres no fim." Há irmãos dessa espécie. Desfrutam da parte
consoladora – as promessas e as doutrinas – mas só de leve se deve tocar
na santidade prática. A fidelidade requer que entreguemos o evangelho
sob todos os ângulos, sem omitir nada e sem exagerar em nada. Para isto
requer-se muita sabedoria. Com seriedade indago se algum de nós tem o
tanto desta sabedoria que necessitamos. Provavelmente somos afligidos
por algumas parcialidades inescusáveis e inclinações injustificáveis.
Ponhamo-las para fora e acabemos com elas. Talvez tenhamos
consciência de que passamos por alto certos textos, não porque não o
compreendemos (o que poderia justificar-se), mas porque os
compreendemos e raramente gostamos de dizer o que eles nos
ensinaram, ou porque talvez haja alguma imperfeição em nós, ou algum
preconceito entre os nossos ouvintes que aqueles textos revelariam de
modo demasiado claro para que nos sentíssemos bem. Esse silêncio
pecaminoso tem que ser eliminado imediatamente. Para sermos sábios
mordomos e repartirmos as porções certas de alimento para os membros
da casa do divino Senhor, precisamos do Teu ensino, ó Espírito de Deus!
Tampouco isso é tudo, pois mesmo que saibamos manejar bem a
Palavra de Deus, carecemos de sabedoria para a seleção da porção
particular da verdade que é mais aplicável à ocasião e às pessoas
reunidas. Como também de igual descrição no tom e na maneira de
apresentar a doutrina. Creio de muitos irmãos que pregam sobre a
responsabilidade humana, lançam-se de modo tão legalista que causam
desgosto a todos os que amam as doutrinas da graça. Por outro lado,
receio que muitos pregam a soberania de Deus de modo tal que afastam
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
13
inteiramente da ala calvinista todas as pessoas que crêem na livre ação
do homem. Não devemos ocultar a verdade por um momento sequer,
mas devemos ter sabedoria para pregá-la sem que haja choque ou ofensa,
e, sim, um esclarecimento gradativo daqueles que não conseguem vê-la
de todo, e um processo pelo qual se conduzam os irmãos mais fracos ao
pleno círculo da doutrina do evangelho.
Irmãos, precisamos de sabedoria também no modo de colocar as
coisas para diferentes pessoas. Pode-se demolir um ser humano com a
mesma verdade destinada a edificá-lo. Pode-se causar enjôo a alguém
com o mel com que se pretendia adoçar-lhe a boca. Tem-se pregado a
grande misericórdia de Deus sem cuidado, o que tem levado centenas á
licenciosidade. Por outro lado, tem-se ocasionalmente apregoado a
terribilidade do Senhor com violência tão fulminante que tem levado
muitos ao desespero, e daí a um decidido desafio ao Altíssimo. A
sabedoria é proveitosa para dirigir, e aquele que a tem expõe a verdade
na ocasião certa e trajada com as suas vestes mais apropriadas. Quem
pode dar-nos esta sabedoria, senão o bendito Espírito de Deus? Irmãos,
vejam que, com a mais humilde reverência, esperem a Sua direção.
3. Terceiro, precisamos do Espírito de outra maneira, a saber, como
a brasa viva tirada do altar, tocando os nossos lábios. Assim, quando
temos conhecimento e sabedoria para escolher a porção certa da verdade,
podemos desfrutar liberdade de expressão quando vamos entregá-la.
"Eis que ela tocou os teus lábios."
Quão gloriosamente fala o homem quando os seus lábios estão
empolados pela brasa viva do altar – sentindo o poder de fogo da
verdade, não apenas no recôndito da alma, mas nos próprios lábios com
os quais está falando! Reparem nessas ocasiões como estremece a sua
fala. Não notaram agora mesmo, na reunião de oração, em dois dos
irmãos que elevaram súplicas, como era trêmulo o tom da sua voz, e
como tremiam as estruturas dos seus corpos? Porque não somente os
seus corações foram tocados, como espero tenham sido todos os nossos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
14
corações, mas os seus lábios foram tocados, e esse toque influiu em seu
falar, irmãos, precisamos do Espírito de Deus para abrir as nossas bocas,
para podermos proclamar os louvores do Senhor, ou então não falaremos
com poder.
Necessitamos da influência divina para impedir que digamos muitas
coisas que, caso saíssem de fato das nossas 1ínguas, estragariam a nossa
mensagem. Aqueles dentre nós que têm o perigoso talento para o
humorismo, às vezes precisam parar, pegar a palavra ao sair da boca,
olhar bem para ela, e ver se presta bem para a edificação. E aqueles cujo
viver anterior os conduziu entre os grosseiros e rudes, precisam vigiar
com olhos de lince a falta de delicadeza. Longe de nós, irmãos, dizer
uma sílaba que sugira um pensamento impuro ou que desperte uma
lembrança duvidosa. Precisamos do Espírito de Deus para pôr freio e
cabresto em nós para impedir que falemos coisas que levem a mente dos
ouvintes para longe de Cristo e das realidades eternas, fazendo-os pensar
em coisas vis da terra.
Irmãos, também precisamos do Espírito Santo para nos impulsionar,
em nossa tarefa de comunicar a Palavra. Não duvido que vocês estejam
todos conscientes dos diferentes estados mentais que ocorrem na
pregação. Alguns desses estados decorrem das diferentes condições
físicas. Um resfriado não só tira a clareza da voz, mas também congela o
fluxo dos pensamentos. Da minha parte, se eu não posso falar com
clareza, também fico incapaz de pensar com clareza, e o conteúdo a
transmitir fica rouco também, como a voz. Igualmente o estômago e
todos os órgãos do corpo afetam a mente. Mas não me refiro a essas
coisas. Terão vocês consciência das alterações completamente
independentes do corpo? Quando estão robustos, não se sentem um dia
pesados como os carros de Faraó com as rodas retiradas, e noutra ocasião
com tanta liberdade como "uma corça deixada solta"? Hoje o ramo brilha
com o orvalho, ontem foi crestado pela seca. Quem não sabe que o
Espírito de Deus está nisso tudo?
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
15
Às vezes o Espírito divino age em nós de molde a livrar-nos
completamente de nós mesmos. Em tais ocasiões, do começo ao fim do
sermão podíamos dizer: "Se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o
sabe". Tudo foi esquecido, menos certo absorvente assunto em mãos. Se
me fosse proibido entrar no Céu, mas me fosse dado escolher a condição
em que passarei a eternidade, escolheria aquela em que às vezes me sinto
quando prego o evangelho. Nesse estado prefigura-se o Céu: a mente
cerrada para todas as influências perturbadoras, adorando o majestoso
Deus, com plena consciência de Sua presença, todas as faculdades
elevadas e jubilosamente cheias de vigor no máximo de sua capacidade,
todos os pensamentos e poderes da alma alegremente ocupados em
contemplar a glória do Senhor e exaltando com as multidões atentas o
Bem-amado da nossa alma; e durante todo esse intervalo, a mais pura
benevolência concebível para com as demais criaturas a incentivar o
coração a pleitear com elas em prol do nome de Deus – que estado
mental pode rivalizar-se com este? Pena é que alcançamos este ideal,
porém, sem o podermos manter sempre, pois também sabemos o que é
pregar em cadeias ou dar murros no ar.
Não podemos atribuir santas e felizes mudanças ocorridas em nosso
ministério a nada menos que a ação do Espírito Santo em nossas almas.
Estou certo de que o Espírito Santo realiza esta obra. Vezes sem conta,
quando me assaltam dúvidas sugeridas pelo infiel, posso arremessá-las
aos ares com total desdém, porque tenho definida consciência de um
poder que opera em mim quando falo em nome do Senhor, poder que
transcende infinitamente a qualquer capacidade ou eloqüência pessoal, e
que sobrepuja em muito qualquer energia derivada do entusiasmo que
sinto quando faço uma preleção secular ou um discurso. Aquele poder é
tão diferente deste, que tenho toda a certeza de que não é da mesma
ordem ou classe do entusiasmo dos políticos ou do ardor da oratória pura
e simples. Oxalá experimentemos com muita freqüência a energia divina,
e falemos com poder.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
16
4. Mas então, em quarto lugar, o Espírito de Deus age também
como óleo que unge e isto se relaciona com todo o trabalho da pregação
– não simplesmente com a alocução oral, mas com toda a transmissão do
discurso. Ele pode fazê-los sensíveis ao assunto, até ao ponto de ficarem
dominados por ele, quer achatados na terra, quer elevados às alturas
como em asas de águias. Acresce que, além do assunto, Ele os faz
sensíveis ao seu objeto, até anelarem pela conversão dos homens e pelo
despertamento dos cristãos, para que se elevem a algo mais nobre do que
tudo que já conhecem. Ao mesmo tempo, outro sentimento estará com
vocês, a saber, um intenso desejo de que Deus seja glorificado mediante
a verdade que estão proclamando. Vocês ficam conscientes de um
profundo e compassivo interesse pelas pessoas a que estão falando,
lamentando que alguns saibam pouco, e que outros saibam muito e,
contudo, o recusam. Vocês fitam alguns semblantes e, em silêncio, o seu
coração lhes diz: "Ali caí orvalho", e, voltando-se para outros, com
tristeza percebem que são como as partes áridas da montanha de Gilboa.
Tudo isto se dá durante o sermão. Não podemos contar quantos
pensamentos passam pela mente de uma vez. Uma vez contei oito grupos
de pensamentos que ocupavam o meu cérebro simuitaneamente, ou ao
menos dentro do espaço do mesmo segundo. Estava pregando o
evangelho com todas as minhas forças, mas não pude deixar de
sensibilizar-me por uma senhora que estava evidentemente prestes a
desmaiar, e também fiquei procurando o irmão encarregado das janelas,
para que nos desse mais ar. Estava pensando na ilustração que omitira na
primeira divisão, procurando dar forma à segunda divisão, perguntando-
me se este sentira o peso da minha reputação, se aquele se fortalecera
com a observação consoladora, e ao mesmo tempo estava louvando a
Deus por desfrutar eu pessoalmente da verdade que estava proclamando.
Alguns intérpretes consideram os querubins de quatro rostos como
emblemas dos ministros. Eu certamente não vejo dificuldade na forma
quádrupla, pois o Espírito Santo pode multiplicar os nossos estados
mentais, e fazer de nós homens muito superiores além do que somos por
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
17
natureza. O quanto pode Ele fazer de nós, e quão grandiosamente pode
elevar-nos, não ouso conjeturar. Certamente Ele pode fazer muitíssimo
acima do que pedimos ou pensamos.
Especialmente faz parte da obra do Espírito Santo manter em nós
uma disposição devocional enquanto estamos entregando a mensagem.
Esta é uma condição que se deve ambicionar grandemente – continuar a
orar enquanto estamos ocupados com a prédica; cumprir os
mandamentos do Senhor, dando ouvidos à voz da Sua Palavra; manter os
olhos postos no trono, e as asas em constante movimento. Espero que
saibamos o que isto significa. Estou certo de que sabemos o seu oposto,
ou de que logo o experimentaremos, isto é, o mal de pregar sem espírito
de devoção. Que pode ser pior do que falar sob a influência de um
espírito arrogante ou irritado? Que é mais debilitante do que pregar num
espírito incrédulo? Por outro lado, que bênção arder fervorosamente
enquanto brilhamos diante dos olhos de outros! Esta é a obra do Espírito
de Deus. Adorável Consolador, opera em nós!
Em nossos púlpitos precisamos unir o espírito de dependência com
o de devoção, de modo que, durante a pregação toda, desde a primeira
palavra até a última sílaba, olhemos ao alto para o Forte em busca de
força. É bom lembrar que, embora tivessem chegado até o presente
ponto, se o Espírito Santo os deixasse, fariam papel de tolos antes de
acabar o sermão. Elevando os olhos para os montes de onde vem o
socorro durante o sermão inteiro, com absoluta dependência de Deus,
vocês pregarão com espírito de bravia confiança o tempo todo. Talvez eu
esteja errado ao dizer "bravia", pois não é coisa bravia confiar em Deus;
para os verdadeiros crentes é simples questão de doce necessidade –
como podem deixar de confiar nEle? Por que haveriam de duvidar do
seu Amigo sempre fiel?
Outro dia de manhã, pregando à minha igreja sobre o texto, "A
minha graça te basta", disse aos irmãos que pela primeira vez em minha
vida tinha experimentado o que Abraão sentiu quando se inclinou sobre
o seu rosto e riu. Voltava para casa depois de uma semana de trabalho
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
18
intenso, quando vejo à minha mente o texto: "A minha graça te basta."
Veio, porém, com a ênfase posta em duas palavras: "A Minha graça te
basta." Minha alma disse: "Sem dúvida é assim. Seguramente, a graça do
Deus infinito é mais que suficiente para um simples inseto como eu." E
ri, e tornei a rir, ao pensar em quanto o suprimento excedia a todas as
minhas necessidades. Parecia que eu era um pequeno peixe no mar, e na
minha sede dizia: "Viva, vou beber o oceano inteiro." Então o Pai das
águas ergueu sublime a cabeça e disse a sorrir: "Pequenino peixe, a
ilimitada vastidão marinha te basta." Este pensamento fez com que a
descrença parecesse supinamente ridícula, como de fato é.
Irmãos, devemos pregar cientes de que Deus pretende abençoar a
Palavra proclamada, pois temos Sua promessa neste sentido. E ao termos
pregado, devemos procurar as pessoas atingidas pela bênção. Dirão
vocês: "Fico dominado pelo espanto ao ver que Deus converte almas por
meio do meu pobre ministério"? Falsa humildade! O seu ministério é
pobre de verdade. Toda gente sabe disso, e vocês devem sabê-lo mais
que ninguém. Mas, ao mesmo tempo, é coisa para espantar que, o Deus
que disse: "A minha palavra não voltará para mim vazia", cumpra o que
prometeu? A refeição irá perder o seu valor nutritivo porque o prato é
barato? A graça divina haverá de ser sobrepujada por nossa fraqueza?
Não. Mas temos este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do
poder seja de Deus e não nossa.
Precisamos ainda do Espírito Santo durante o sermão todo para
manter os nossos corações e mentes em condição apropriada. Sim,
porque, se não tivermos o espírito certo perderemos a entonação que
persuade e prevalece, e o povo descobrirá que a força de Sansão o
deixou. Uns pregam como quem está ralhando, e assim põem à mostra o
seu mau gênio. Outros se pregam a si próprios, e assim revelam o seu
orgulho. Alguns discursam como se estivessem condescendendo em
ocupar o púlpito, enquanto outros pregam como se estivessem pedindo
desculpa por existirem. Para evitar erros nas maneiras e no tom da
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
19
prédica, precisamos ser guiados pelo Espírito Santo, posto que só Ele nos
ensina com proveito.
5. Em quinto lugar, dependemos inteiramente do Espírito de Deus
para produzir efeito concreto decorrente do evangelho, o que deve
sempre constituir o nosso objetivo. Não nos levantamos em nossos
púlpitos a fim de desfraldar a nossa habilidade na esgrima esportiva da
espada espiritual, mas, sim, para empreender luta de verdade. O objeto
que temos em mira é fazer a espada do Espírito traspassar o coração dos
homens. Se em algum sentido se pode pensar na pregação como uma
exibição pública, há de ser como a exibição do jogo do cultivo, que
consiste em cultivar realmente a terra. A competição não está na
aparência dos arados, mas no trabalho feito. Dessa forma sejam julgados
os ministros pelo modo como manejam o arado do evangelho, e como
sulcam o solo da lavoura, de ponta a ponta.
Sempre visem ao efeito. "Ora", dirá alguém, "entendi que você
tenha dito: "Nunca faça isso." Digo também que nunca visem ao efeito,
no sentido infeliz dessa expressão. Nunca visem ao efeito segundo o
modo dos artífices de clímax, dos declamadores de poesia, dos
manipuladores de lenços, e dos sopradores de palavrório bombástico.
Para o homem que degrada o púlpito reduzindo-o a um palco de teatro
para exibir-se, muito melhor que não tivesse nascido. Visem à correta
espécie de efeito: inspirar os crentes para coisas mais nobres; levá-los
para mais perto do seu Senhor; fortalecer os que vacilam até que se
livrem dos seus temores; levar os pecadores ao arrependimento e ao
exercício da fé incondicional em Cristo. Sem que se sigam estes sinais,
para que servem os nossos sermões? Seria uma lástima dizer com certo
arcebispo: "Passei por muitas posições de honra e de confiança, tanto na
igreja como no estado, mais do que qualquer colega da minha ordem na
Inglaterra, durante os últimos setenta anos. Mas se tivesse a certeza de
que, por minha pregação, ao menos uma alma tivesse sido convertida a
Deus, teria nisso maior consolo do que em todos os honrosos ofícios que
me deram."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
20
Milagres da graça devem constituir os selos do nosso ministério.
Quem pode dá-los, senão o Espírito de Deus? Converter uma alma sem o
Espírito de Deus! Ora, vocês não podem nem fazer um inseto. Muito
menos criar um novo coração e um espírito reto. Tentem conduzir os
filhos de Deus a uma vida mais elevada, sem o Espírito Santo! É
indizivelmente mais provável que os levem à segurança carnal, se
procurarem elevá-los por seus próprios métodos, sejam estes quais
forem. Não poderemos alcançar os nossos fins se omitirmos a
cooperação do Espírito do Senhor. Portanto, com forte clamor e
lágrimas, ponham nEle a sua esperança, dia a dia.
A falta de reconhecimento definido do poder do Espírito Santo jaz
na raiz de muitos ministérios vãos. As violentas palavras de Robert Hall
são tão verdadeiras agora como quando as esparramou como lava
derretida sobre uma geração semi-sociniana. "Por um lado, merece
atenção o fato de que os mais eminentes e bem sucedidos pregadores do
evangelho – um Brainerd, um Baxter, um Schwartz – foram os mais
notáveis pela simples dependência em que se colocavam do auxílio
espiritual. Por outro lado, nenhum sucesso acompanhou os ministérios
daqueles que têm negligenciado ou negado esta doutrina. Estes
encontraram a maior censura à sua presunção no total fracasso dos seus
esforços, em que ninguém lutara pela realidade da interferência divina,
no que a eles se refere; pois, quando o braço do Senhor se revela aqueles
pretensos mestres do cristianismo, quem acreditará que não haja tal
braço? Foi preciso deixá-los trabalhar num campo a respeito do qual
Deus ordenou que não caísse chuva nele. Como se conscientes disso, por
último voltaram os seus esforços para um novo canal e, sem esperança
de conversão de pecadores, limitaram-se à sedução dos fiéis. Nisto, é
preciso confessar, eles têm agido de modo perfeitamente coerente com
os seus princípios. Pois que, ao menos, a propagação da heresia não
requer a assistência divina."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
21
6. Em seguida, necessitamos do Espírito de Deus como o Espírito
de súplicas, que faz intercessão pelos santos de acordo com a vontade de
Deus.
Uma parte muito importante da nossa vida consiste em orar no
Espírito Santo, e o ministro que não pensa assim, melhor seria que
abandonasse o ministério. É preciso que abundante oração acompanhe a
pregação zelosa. Não podemos estar sempre de joelhos fisicamente, mas
a alma jamais deve abandonar a postura da devoção. O hábito de orar é
bom, mas o espírito de oração é melhor. Deve-se manter o retiro
periódico, mas a continua comunhão com Deus deve ser o nosso
objetivo. Em regra, nos ministros, nunca devemos ficar muitos minutos
sem erguer de fato os nossos corações em oração.
Alguns de nos poderíamos dizer com sinceridade que raramente
passamos um quarto de hora sem falar com Deus, e isto não como dever,
mas como instinto, como um hábito da nova natureza pelo qual não
reclamamos maior crédito do que o bebê por chorar em busca da mãe.
Como poderíamos agir doutro modo? Agora, se devemos estar
intensamente no espírito de oração, temos necessidade de que o óleo
secreto seja derramado no fogo sagrado da devoção dos nossos corações.
Oxalá queiramos ser mais e mais visitados pelo Espírito de graça e de
súplicas.
Quanto às nossas orações em público, queira Deus que nunca digam
com verdade que elas são oficiais, formais e frias. Contudo, é o que
serão se o suprimento do Espírito for deficiente. Não julgo os que usam
liturgia. Mas aos que estão acostumados a fazer oração espontânea, digo
– vocês não podem orar em público de modo aceitável, ano após ano,
sem o Espírito de Deus. As orações mortas serão ofensivas ao povo
muito antes de correr um ano. Como há de ser, então? De onde virá o
nosso socorro? Certos fracotes dizem: "Tenhamos liturgia!" Em vez de
procurar o auxílio divino, descem ao Egito, em busca de socorro. Em vez
de colocar-se na dependência do Espírito de Deus, vão orar seguindo um
livro! De minha parte, quando não consigo orar, prefiro estar ciente disso
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
22
e ficar gemendo por causa da aridez da minha alma, até que o Senhor me
visite com a bênção de uma devoção frutífera.
Se vocês estiverem cheios do Espírito Santo, lançarão fora com
alegria todos os grilhões formais para se entregarem à corrente sagrada e
serem levados até encontrarem águas profundas. As vezes desfrutarão
mais íntima comunhão com Deus pela oração no púlpito do que em
qualquer outro lugar. Quanto a mim, a minha mais grandiosa hora
secreta de oração muitas vezes dá-se em público. A minha mais genuína
experiência de estar a sós com Deus tem-me ocorrido enquanto elevo
súplicas em meio a milhares de pessoas. Abro os olhos no fim de uma
oração e volto ao povo reunido com uma espécie de choque ao ver que
me acho na terra, entre os homens. Essas ocasiões não estão sob o nosso
comando. Tampouco podemos elevar-nos a essas condições mediante
quaisquer adestramentos ou esforços. Nenhuma língua pode descrever
quão benditas são para o ministro e para os demais irmãos essas
condições! Quão repleta de poder e de bênçãos há de ser também a
prática habitual da oração não posso deter-me aqui para proclamar. Mas
para isso tudo temos que elevar os olhos para o Espírito Santo. E,
louvado seja Deus, não olharemos em vão, pois dEle se diz
especificamente que Ele ajuda as nossas fraquezas na oração.
7. Além do mais, é importante estar sob a influência do Espírito
Santo, uma vez que Ele é o Espírito de Santidade. Sim, porquanto uma
parte muito considerável e essencial do ministério cristão consiste em
servir de exemplo. Nossa gente observa com muita atenção o que
dizemos do púlpito e o que fazemos na esfera social e em tudo mais.
Meus irmãos, acham fácil ser santos? – santos que outros possam
considerar como exemplos? Devemos ser maridos tais, que todos os
maridos da igreja possam ser como somos, sem risco. É assim conosco?
Devemos ser os melhores pais. Lástima! Alguns ministros que conheço
estão longe disto pois, com referência às suas famílias, guardam bem as
vinhas alheias, porém não guardam bem as suas. Seus filhos do
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
23
negligenciados e não crescem como semente santa. É assim com os
seus? Nas conversas com os nossos semelhantes, somos inculpáveis e
inofensivos, como filhos de Deus irrepreensíveis? É o que nos cabe ser.
Respeito as razões pelas quais o Sr. Whitefield mantinha sempre o terno
de linho escrupulosamente limpo. "Não, Não", costumava dizer, "isto
não é ninharia. O ministro não deve ter mancha, nem mesmo em sua
roupa, se possível."
Não há como exagerar a pureza num ministro. Vocês conhecem
algum colega infeliz que apareceu salpicado, e afetuosamente o
ajudaram a remover as manchas, mas perceberam que teria sido melhor
se as roupas estivessem alvas sempre. Oh, mantenham-se imaculados do
mundo! Como pode ser assim estando nós num cenário de tentação e
vivendo cercados de pecados? Somente se formos preservados por um
poder superior. Se vocês hão de andar em toda a santidade e pureza,
como convém aos ministros do evangelho, devem ser diariamente
enchidos do Espírito Santo.
8. Uma vez mais, precisamos do Espírito Santo em Sua qualidade
de Espírito de discernimento, pois Ele conhece as mentes dos homens
como conhece a de Deus, e necessitamos muito disto quando lidamos
com personalidades difíceis.
Há neste mundo alguns indivíduos que talvez pudessem receber
permissão para pregar, mas que nunca deveríamos tolerar que se
tornassem pastores. São desqualificados mental ou espiritualmente. Na
igreja de São Zeno, em Verona, vi uma estátua daquele santo,
representando-o sentado. O artista lhe deu pernas acima dos joelhos tão
curtas que ficou sem colo para abrigar crianças, de modo que ele não
poderia ser um pai bom para aconchegar os filhos. Receio que haja
muitos outros que trabalham com semelhante falta de habilitação. Não
podem levar a sua mente a entrar de coração nos cuidados pastorais. São
capazes de dogmatizar sobre uma doutrina e de polemizar sobre uma
ordenança, mas, entrar em compassiva empatia com uma experiência
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
24
alheia está longe deles. Uma pessoa assim só pode prestar frio consolo às
consciências aflitas.
Seu conselho terá o mesmo valor do conselho dado pelo montanhês
escocês que, segundo contam, viu um inglês afundando num pântano em
Ben Nevis. "Estou afundando!", gritou o viajante. "Você pode dizer-me
como sair daqui?" O montanhês calmamente replicou: "Acho que é
provável que você não vá conseguir sair daí nunca", e seguiu seu
caminho. Conhecemos ministros dessa laia. Ficam confusos e quase
perdem a paciência com os pecadores, lutando à beira do desânimo. Se
eu e você, despreparados para a arte do pastoreio, fôssemos colocados
entre ovelhas e cordeiros no início da primavera, que haveríamos de
fazer com eles? Na mesma perplexidade se acham os que nunca foram
ensinados pelo Espírito Santo sobre a maneira de cuidar das almas.
Oxalá as Suas instruções nos livrem de tão desditosa incompetência!
Sobretudo, irmãos, por mais ternura de coração ou amorosa
preocupação que tenhamos, Não saberemos tratar da imensa variedade
de casos, a não ser que o Espírito de Deus nos dirija, pois não existem
dois indivíduos iguais. E mesmo um caso idêntico a outro requererá
tratamento diferente em diferentes ocasiões. Num período poderá ser
melhor consolar, noutro repreender. E a pessoa de quem você se
compadeceu com empatia até às lágrimas hoje, talvez necessite que a
enfrente com olhar carrancudo amanhã, por dizer tolices da consolação
que você lhe deu. Os que curam os quebrantados de coração e
proclamam libertação aos cativos precisam ter sobre si o Espírito do
Senhor.
Na supervisão e direção de uma igreja é necessário o auxílio do
Espírito. No fundo, o principal motivo da divido de nossa denominação
está na dificuldade proveniente do nosso governo eclesiástico. Tem-se
dito que "tende à intranqüilidade do ministério." Sem dúvida, é muito
penoso para quem suspira pelas dignidades oficiais e sente necessidade
de ser o Excelentíssimo Senhor Oráculo, diante de quem até um cachorro
fica proibido de latir. Os incapazes de dirigir algo além de bebês são
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
25
justamente as pessoas que têm maior sede de autoridade e, vendo-se mal
aquinhoados dela nestas partes, procuram outras regiões. Se você não
pode governar-se a si próprio, se não é varonil e independente, se são é
superior quanto ao peso moral, se não tem maior dom e graça do que os
seus ouvintes comuns, poderá vestir uma toga e ter a pretensão de ser o
líder da igreja – mas, não numa igreja de governo batista ou
neotestamentário. De minha parte, detestaria ser pastor de pessoas que
nada têm que dizer, ou que, se chegam a dizer algo, bem podiam ter
ficado caladas, pois o pastor é Sua Excelência, o Soberano, e os demais
são leigos – cada qual um João-ninguém. Preferiria antes ser líder de seis
homens livres, cujo entusiástico amor fosse o meu único poder sobre
eles, do que bancar ditador de uma vintena de nações escravizadas.
Que posição é mais nobre do que a do pai espiritual que não se
arroga autoridade e, todavia, é estimado por todos, e cuja palavra é dita
apenas como terno conselho mas é recebida como tendo força de leí? Ao
consultar os desejos de outros, vê que o primeiro desejo deles é saber o
que ele recomenda e, cedendo sempre aos desejos de outros, vê que se
alegram em ceder aos seus. Amorosamente firme e generosamente
gentil, é o chefe de todos porque é servo de todos. Isto não requer
sabedoria do Alto? Que poderia ter maior necessidade dela? Quando
Davi se estabeleceu no trono, disse: "É Ele que submete a mim o meu
povo." E assim pode falar todo feliz o pastor quando vê tantos irmãos de
temperamentos diversos querendo alegremente estar sob disciplina e
aceitar a sua liderança na obra do Senhor. Se o Senhor não estivesse
entre nos, logo haveria confusão. Ministros, diáconos e presbíteros, todos
precisam ser sábios, mas se o pombo sagrado parte, e o espírito de
contenda entra, é o fim para nós.
Irmãos, o nosso sistema não funcionará sem o Espírito de Deus, e
me alegra que não funcione, pois as suas paralisações e suas rupturas
chamam a nossa atenção para o fato da Sua ausência. Nunca se teve a
intenção de que o nosso sistema promovesse a glória de sacerdotes e
pastores, mas é planejado para educar cristãos varonis, que não releguem
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
26
a sua fé a segundo plano. Que sou eu, e que são vocês, para que devamos
ser senhores dominando a herança de Deus? Algum de nós se atreverá a
dizer com o reí francês, "L'état, c'est moi" – o estado sou eu" – eu sou a
pessoa mais importante da minha igreja? Se for assim, não é provável
que o Espírito Santo faça uso desses instrumentos inadequados. Mas se
conhecemos os nossos lugares e desejamos conservá-los com toda a
humildade, Ele nos ajudará, e as igrejas florescerão sob os nossos
cuidados.
Dei-lhes um alongado catálogo de pontos nos quais o Espírito Santo
nos é absolutamente necessário. Contudo, a lista está muito longe de ser
completa. Deixei-a intencionalmente imperfeita porque, se eu tentasse
completá-la, todo o nosso tempo expiraria antes de podermos responder
a pergunta: Como Podemos Perder Esta Assistência Necessária?
Que nenhum de nós jamais faça esta experiência, mas é certo que os
ministros podem perder o auxilio do Espírito Santo. Cada pessoa aqui
presente pode perdê-lo. Vocês não perecerão, uma vez que são crentes,
porque a vida eterna está em vocês. Podem, porém, perecer como
ministros, de quem não se ouça mais falar que são testemunhas em prol
do Senhor. Se suceder isso, não será sem motivo. O Espírito reclama
soberania semelhante à do vento que sopra onde quer. Entretanto, jamais
sonhemos que soberania e capricho são a mesma coisa. O bendito
Espírito age como quer, mas sempre de modo justo, sábio, e com motivo
e razão. Às vezes Ele dá ou retira a Sua bênção, por razões relativas a
nós mesmos.
Notem o curso de um rio como o Tâmisa – como torce e retorce a
seu bel prazer. Contudo, há razão para cada volta ou curva. O geólogo,
estudando o solo e observando a forma da rocha, vê a razão pela qual o
leito do rio se desvia para a direita ou para a esquerda. Assim, apesar de
que o Espírito de Deus abençoa um pregador mais que outro, e a razão
não pode ser tal que algum homem possa congratular-se consigo por sua
própria bondade, todavia há certas coisas concernentes aos ministros
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
27
cristãos que Deus abençoa, e certas outras coisas que impedem o bom
êxito. O Espírito de Deus caí como o orvalho, com mistério e poder.
Mas, no mundo espiritual é como no mundo natural: certas substâncias
se molham com a umidade celestial, ao passo que outras estão sempre
secas.
Porventura não existe uma causa? O vento sopra onde quer, mas se
desejamos sentir uma forte viração, temos que ir ao mar ou subir as
colinas. O Espírito de Deus tem lugares favoritos para a demonstração
do Seu poder. Ele é simbolizado por uma pomba, e a pomba tem os seus
retiros preferidos. Freqüenta as correntes de águas, os lugares pacíficos e
calmos. Não a encontramos no campo de batalha, nem a vemos pousar
na carniça. Há coisas congruentes com o Espírito e coisas contrárias à
Sua mente. O Espírito de Deus compara-se com a luz. A luz pode brilhar
onde quiser, mas uns corpos são opacos, enquanto que outros são
transparentes. Assim, há homens através dos quais nunca aparece o Seu
brilho. Portanto, deste modo se pode demonstrar que, embora o Espírito
Santo seja o "livre Espírito" de Deus, de modo nenhum age por capricho.
Entretanto, diletos irmãos, o Espírito de Deus pode ser entristecido,
contrariado, e pode mesmo sofrer resistência. Negar isto é opor-se ao
testemunho freqüente da Escritura. Pior de tudo, podemos menosprezá-
Lo e insultá-Lo a tal ponto que Ele não fale mais por nosso intermédio,
mas nos deixe como deixou o reí Saul antigamente. Seria lamentável se
existissem homens no ministério cristão aos quais sucedesse isto; temo,
porém, que existam.
Irmãos, quais serão os males que entristecem o Espírito? Respondo:
tudo que vos desqualifique como cristãos comuns para a comunhão com
Deus também vos desqualifica para experimentarem o poder
extraordinário do Espírito Santo como ministros. À parte disso, porém,
há obstáculos especiais.
Dentre os primeiros, devemos mencionar a falta de sensibilidade,
ou seja, aquele estado de frieza emocional que nasce da desobediência às
ternas influências do Espírito. Devemos ser delicadamente sensíveis ao
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
28
Seu mais leve movimento, e então poderemos esperar a Sua presença em
nós. Mas, se somos como o cavalo e a mula que não têm entendimento,
segundo a expressão bíblica, sentiremos o chicote, mas não
desfrutaremos das ternas influências do Consolador.
Outro defeito entristecedor é a falta de veracidade. Quando um
grande músico pega um violão ou toca harpa e vê que as notas falseiam,
detêm a mão. As almas de alguns homens não são sinceras. Eles são
sofisticados e hipócritas. O Espírito de Cristo não será cúmplice de
homens aplicados à desprezível ocupação de iludir e enganar. Será este o
caso aqui – que vocês preguem certas doutrinas, não porque crêem nelas,
mas porque a sua igreja espera que as preguem? Estarão vocês dando
tempo ao tempo até poderem, sem risco, renunciar ao seu credo atual e
apregoar o que a sua mente covarde realmente sustenta ser verdadeiro?
Neste caso vocês são decaídos de fato, e estão abaixo dos escravos mais
indignos. Deus nos livre dos homens traiçoeiros, e se estes chegam a
formar em nossas fileiras, oxalá sejam rapidamente expulsos ao som da
Marcha do Velhaco (Rogue's March). Se nos sentimos aversão por eles,
quanto mais os detestará o Espírito da verdade!
Vocês poderão contristar grandemente o Espírito Santo com uma
geral escassez de graça. A frase é temível, mas descreve certas pessoas
melhor do que todas as outras que me ocorrem. A família Graça-Escassa
geralmente tem um dos seus membros no ministério. Conheço o tipo.
Não é insincero nem imoral, Não tem mau gênio nem é auto-indulgente,
mas algo lhe falta. Não seria fácil provar essa ausência por meio de
alguma ofensa ostensiva de sua parte. O que lhe falta, porém, falta à sua
personalidade toda, e essa carência arruína tudo. Falta-lhe aquilo que por
excelência é necessário. Ele não é espiritual. Não há nele o aroma de
Cristo. O seu coração nunca se inflama no seu interior. Sua alma não
vive. Falta-lhe a graça. Não podemos esperar que o Espírito de Deus
abençoe um ministério que jamais devia ter sido exercido, e certamente
um ministério não revestido da graça é dessa natureza.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
29
Outro mal que expulsa o Espírito divino é o orgulho. O modo de ser
bem grande consiste em ser bem pequeno. Ser muito notável em sua
própria estima é não ser notado por Deus. Se você tem profunda
necessidade de viver nos lugares elevados da Terra, achará frios e áridos
os pontos culminantes das montanhas. O Senhor habita com os humildes,
mas de longe conhece o soberbo.
A preguiça também contraria o Espírito Santo. Não posso imaginar
o Espírito esperando à porta do mandrião, e suprindo as deficiências
criadas pela indolência. A ociosidade na causa do Redentor é um mal
para o qual não se pode inventar desculpa. Nós mesmos sentimos
arrepios ao vermos os movimentos vagarosos dos preguiçosos, e
estejamos certos de que o Espírito Santo, ativo como é, fica igualmente
contrariado com os que agem levianamente na obra do Senhor.
A negligência na oração particular, como muitos outros males,
produzirá o mesmo resultado infeliz. Todavia, não é preciso alongar o
assunto, pois as suas próprias consciências, irmãos, lhes dirão o que
entristece o Santo de Israel.
Agora lhes rogo que atentem para esta palavra: Vocês sabem o que
poderá acontecer se o Espírito de Deus for grandemente contristado e
retirar-se de nós? Há duas suposições.
A primeira é que nunca fomos verdadeiros servos de Deus, mas
apenas usados temporariamente por Ele, como Balaão, e até a jumenta
cavalgada por ele. Suponhamos, irmãos, que eu e vocês continuemos
pregando por um tempo sem que nem nós nem outros suspeitemos que
fomos destituídos do Espírito de Deus. Todo o nosso ministério pode
acabar-se de um golpe, e nós com ele. Talvez sejamos derribados na
primavera, como aconteceu com Nadabe e Abiú, para não mais
ministrarmos perante o Senhor, ou talvez sejamos removidos nos anos do
amadurecimento, como Hofni e Finéias, não podendo continuar servindo
no tabernáculo da congregação. Não temos nenhum analista inspirado
que nos registre a súbita eliminação de homens que prometem muito. Se
o tivéssemos, porém, talvez lêssemos aterrorizados – sobre zelo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
30
sustentado por bebidas fortes, sobre farisaísmo associado a corrupção
secreta, sobre ortodoxia declarada ocultando infidelidade absoluta, ou
sobre alguma outra forma de fogo estranho apresentado no altar, até que
o Senhor não o suporte mais e elimine os ofensores com repentino golpe.
Caberá a algum de nós essa terrível condenação?
É uma pena, mas vi alguns que, como Saul, foram abandonados
pelo Espírito Santo. Está escrito que o Espírito de Deus veio sobre Saul.
Entretanto, ele não foi fiel à influência divina, esta o deixou, e um
espírito mau lhe tomou o lugar. Notem como o pregador de quem o
Espírito se retirou banca jeitosamente o cínico, critica todos os demais,
arremessa o dardo da calúnia a alguém melhor do que ele. Saul esteve
uma vez entre os profetas, mas se sentia mais à vontade entre os
perseguidores. O pregador frustrado procura destruir o verdadeiro
evangelista, recorre aos encantos da filosofia, e busca o auxílio de
heresias mortas, mas o seu poder se foi e logo os filisteus o encontrarão
entre os mortos. "Não o noticieis em Gate, nem o publiqueis nas ruas de
Ascalom... Vos, filhas de Israel, chorai por Saul ... Como caíram os
valentes no meio da peleja!"
Também alguns que foram abandonados pelo Espírito de Deus se
tornaram semelhantes aos filhos de Ceva, um judeu. Estes presunçosos
tentaram expulsar demônios em nome de Jesus, a quem Paulo pregava,
mas os demônios saltaram sobre eles e o subjugaram. Assim, enquanto
certos pregadores pregavam contra o pecado, os próprio vícios que
denunciavam os derrotaram. Os filhos de Ceva têm estado entre nós. Os
demônios da bebedice prevaleceram sobre o próprio individuo que
denunciava o cálice fascinante, e o demônio da impureza saltou sobre o
pregador que aplaudia a castidade. Se o Espírito Santo estiver ausente, de
todas as posições a nossa é a mais perigosa. Cautela, pois!
É lamentável, mas alguns ministros ficaram como Balaão. Era um
profeta, não era? Não falava em nome do Senhor? Não se lhe chamou
"homem de olhos abertos... que tem a visão do Todo-poderoso"? Apesar
disso, Balaão lutou contra Israel e com astúcia arquitetou um plano pelo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
31
qual o povo escolhido poderia ser vencido. Ministros do evangelho há
que se tornaram súditos do papa, infiéis, livre-pensadores, e conspiraram
para a destruição daquilo que antes professavam pregar. Podemos ser
apóstolos, mas como Judas, terminar sendo filhos da perdição. Ai de nós,
se for este o caso!
Irmãos, presumirei que somos realmente filhos de Deus. E então?
Ora, mesmo neste caso, se o Espírito de Deus nos deixar, poderemos ser
eliminados de um golpe, como se deu com o iludido profeta que deixou
de obedecer a ordem do Senhor nos dias de Jeroboão. Era sem dúvida
um homem de Deus, e a sua morte física de modo algum prova que tenha
perdido a alma, mas rompeu aquilo que sabia ser uma ordem de Deus
dada especialmente para ele. Seu ministério terminou ali e naquela exata
ocasião, pois um leão o encontrou no caminho e o matou. Queira o
Espírito Santo proteger-nos dos enganadores e manter-nos fiéis à voz de
Deus.
Pior ainda, podemos reproduzir a vida de Sansão, sobre quem veio
o Espírito de Deus nos campos de Dã. Mas, no regaço de Dalila perdeu a
força, e na masmorra perdeu os olhos. Concluiu com bravura a carreira,
cego como estava, mas quem de nós deseja tentar destino tal?
Ou – e este último me entristece além de toda a expressão, porque
tem maior probabilidade de acontecer do que qualquer de todos os
restantes – o Espírito de Deus pode retirar-se de nós, em penoso grau,
para estrago do encerramento da nossa carreira, como foi no caso de
Moisés. Não perderemos as nossas almas, não, nem mesmo as nossas
coroas no Céu ou ainda a nossa reputação na terra, porém ficaremos sob
uma nuvem em nossos últimos dias por termos falado uma vez
imprudentemente com os nossos lábios.
Recentemente estudei os últimos dias do grande profeta do Horebe,
e ainda não me recuperei da profunda tristeza de espírito que me
sobreveio. Qual foi o pecado de Moisés? Não há por que inquirir. Não
foi grosseiro como a transgressão de Davi, nem chocante como o
fracasso de Pedro, nem fraco e tolo como a grave falta do seu irmão
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
32
Arão. Na verdade, parece uma ofensa infinitesimal quando pesada na
balança do julgamento usual. Mas então, vocês vêem, foi o pecado de
Moisés, homem favorecido por Deus mais que todos os outros, o pecado
de um líder do povo, de um representante do Reí divino.
O Senhor o podia ter passado por alto em qualquer outro, não
porém em Moisés. Moisés teve que ser punido com a proibição de
introduzir o povo na terra prometida. É certo que teve gloriosa visão do
alto de Pisga, e tudo mais que podia mitigar o rigor da sentença, mas foi
grande desapontamento nunca entrar na terra da herança de Israel, e isso
por ter falado uma vez impensadamente.
Eu não poderia fugir ao serviço do Mestre, mas tremo em Sua
presença. Quem pode estar sem culpa, quando até Moisés errou? É coisa
terrível ser amado de Deus. "Quem dentre nós habitará com o fogo
consumidor? Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas? O que
anda em justiça, e o que fala com retidão." – Somente este pode
enfrentar as devoradoras chamas do amor.
Rogo-lhes, irmãos que procurem ocupar o lugar de Moisés, mas
tremam ao fazê-lo. Temam e tremam por todo o bem que Deus faça
passar diante de vocês. Quando estiverem transbordando de frutos do
Espírito, inclinem-se até o pó perante o trono, e sirvam ao Senhor com
temor. "O Senhor nosso Deus é Deus zeloso." Lembrem-se de que Deus
veio a nós, não para exaltar-nos, mas para exaltar-Se, e temos que atentar
para o fato de que a gloria de Deus é o único objetivo de tudo que
fazemos. "Importa que Ele cresça, e eu diminua."
Oxalá Deus nos induza a isto e nos faça andar muito cuidadosa e
humildemente diante dEle. Deus nos sondará e nos provará, pois o juízo
começa em Sua casa, e nessa casa começa com os Seus ministros.
Quererá algum de nós ser achado em falta? Retirará o abismo do inferno
uma parte dos seus infelizes habitantes do meio do nosso grupo de
pastores? Será terrível a sentença de um pastor decaído. A sua
condenação causará espanto aos transgressores comuns. "Das
profundezas o inferno se move por ti para encontrar-te em tua vinda."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
33
Todos eles te dirão: "Também tu te tornaste fraco, igual a nós? Ficaste
parecido conosco?"
Clamemos ao Espírito de Deus, que nos faça e nos mantenha vivos
para Deus, fiéis ao nosso oficio e úteis à nossa geração – e limpos do
sangue das almas.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
34
NECESSIDADE DE PROGRESSO MINISTERIAL
Caros soldados, companheiros meus! Somos poucos, e temos
violenta luta diante de nós. Portanto, é preciso fazer que cada homem
renda o mais possível e seja estimulado até o ponto máximo das suas
energias. É desejável que os ministros do Senhor sejam os elementos de
vanguarda da igreja. Na verdade, do universo todo, pois a época o
requer. Portanto, quanto a vocês, em suas qualificações pessoais, dou-
lhes este moto: "Sigam avante." Avante nas conquistas pessoais, avante
nos dons e na graça, avante na capacitação para a obra, e avante no
processo de amoldar-se à imagem de Jesus. Os pontos de que tratarei a
seguir começam da base e seguem linha ascendente.
1. Primeiro, diletos irmãos, acho necessário dizer-me a mim e a
vocês que devemos ir avante em nossas aquisições intelectuais. Não nos
serve de nada apresentar-nos continuamente diante de Deus em nossa
pior forma. Não somos capazes de apresentar-nos na melhor forma aos
Seus olhos. Mas, custe o que custar, não permitamos que a oferta seja
mutilada e manchada por nossa preguiça. "Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração" é, talvez, mais fácil de aceitar do que amá-Lo de
todo o entendimento. Contudo, precisamos dar-lhe a nossa mente, bem
como os nossos afetos, e essa mente deve estar bem suprida, para que
não Lhe ofereçamos um cofre vazio. O nosso ministério exige a mente.
Não insistirei sobre "o iluminismo da época." Todavia, é mais que certo
que há um grande avanço entre todas as classes, e que haverá maior
ainda. Já se foi o tempo em que os discursos destituídos de gramática
eram satisfatórios para o pregador.
Mesmo num povoado rural onde, segundo a tradição, "ninguém
sabe nada", não falta o mestre-escola, e a falta de instrução perde
utilidade mais que nunca. Pois, enquanto o orador quer que os ouvintes
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
35
lembrem o evangelho, lembrarão por outro lado as suas expressões
gramaticalmente péssimas, e as repetirão como temas para gracejos,
quando queríamos que conversassem com solene fervor sobre as
doutrinas divinas. Caros irmãos, precisamos cultivar-nos ao máximo. E
devemos fazê-lo, primeiro, reunindo o máximo de conhecimentos, para
encher o celeiro; depois adquirindo discernimento para joeirar tudo que
foi amontoado; e finalmente, exercendo a capacidade mental de firme
fixação na memória, pela qual podemos armazenar no celeiro o cereal
selecionado. Pode ser que estes três pontos não tenham importância
igual, mas são todos necessários ao homem completo.
Digo-lhes que devemos fazer grandes esforços para adquirir
informação, principalmente de natureza bíblica. Não devemos limitar-
nos a um tópico do estudo, do contrário, não exercitaremos nossa
plenitude mental. Deus fez o mundo para o homem, e dotou o homem de
mente destinada a ocupar e usar o mundo todo. É o locatário, e a
natureza é por um pouco de tempo a sua casa. Por que haveria de privar-
se de qualquer dos seus quartos? Por que negar-se a saborear alguma das
refeições tornadas puras que o grandioso Pai colocou sobre a mesa?
Contudo, a nossa principal atividade é estudar as Escrituras. A principal
ocupação do ferrador é ferrar cavalos. Que trate de saber fazê-lo bem,
pois, ainda que fosse capaz de cingir um anjo com um cinto de ouro,
falharia como ferrador se não soubesse forjar e fixar ferraduras. Pouco
vale que vocês sejam capazes de escrever poesia com o maior
brilhantismo, como talvez o sejam, se não puderem pregar um bom
sermão, persuasivo, que produza o efeito de fortalecer os santos e
convencer os pecadores. Estudem a Bíblia, diletos irmãos, de capa a
capa, com toda a ajuda que possam obter. Lembrem-se de que agora os
recursos ao alcance dos cristãos comuns são muito mais amplos do que
no tempo dos nossos país. Portanto, vocês têm que ser maiores
especialistas em Bíblia, se pretendem manter-se diante dos seus ouvintes,
Interponham todo o conhecimento, mas, acima de todas as coisas,
meditem dia e noite na lei do Senhor.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
36
Instruam-se bem em teologia. Não reparem na zombaria daqueles
que a criticam porque nessa esfera são ignorantes. Muitos pregadores
não são teólogos. Daí os erros que cometem. Não fará mal algum ao
mais galhardo evangelista se ele também for bom teólogo. Talvez seja
este, com freqüência, o modo de livrá-lo de erros crassos.
Hoje em dia ouvimos homens que recortam uma frase da Escritura,
isolando-a do seu contexto, e bradam: "Eureka! Eureka!", como se
tivessem achado uma nova verdade. No entanto, não descobriram um
diamante, mas, sim, um caco de vidro. Se fossem capazes de comparar
coisas espirituais com espirituais, se compreendessem a analogia da fé, e
se estivessem familiarizados com o santo saber dos grandes estudiosos
da Bíblia que o passado conheceu, não se apressariam tanto em jactar-se
do seu conhecimento maravilhoso. Tratemos de inteirar-nos
completamente das grandes doutrinas da Palavra de Deus. Exponhamos
com poder a Escritura. Estou certo de que nenhuma forma de pregação
durará tanto, ou edificará tão bem uma igreja como a pregação
expositiva. Renunciar totalmente o discurso exortativo pelo expositivo
seria precipitar-se a um extremo absurdo. Mas, não serei capaz de
exagerar ao afirmar-lhes categoricamente que, se os seus ministérios hão
de ser duradouramente úteis, vocês terão que ser expositores. Para isso,
deverão compreender pessoalmente a Palavra, e deverão ser capazes de
comentá-la de modo que as pessoas sejam edificadas por ela. Irmãos,
manejem com domínio as suas Bíblias. Sejam quais forem as obras não
examinadas por vocês, sintam-se em casa com os escritos dos profetas e
apóstolos. "A palavra de Cristo habite em vós ricamente." .
Uma vez dada precedência aos escritos inspirados, não
negligenciem nenhuma esfera do conhecimento. A presença de Jesus na
terra santificou os domínios da natureza, e o que Ele purificou não
chamem de impuro. Tudo que o Pai fez lhes pertence, e vocês devem
aprender disso. Podem ler o diário de um naturalista, ou da viagem de
alguém, e tirar proveito dessa leitura. Sim, e mesmo de um velho livro
sobre ervas ou de um manual de alquimia poderão colher mel, como o
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
37
fez Sansão da carcaça de um leão. Há pérolas em conchas de ostras, e
frutas em galhos espinhentos. As veredas da verdadeira ciência,
particularmente da historia natural e da botânica, destilam gordura. A
geologia, enquanto fato, e não ficção, está repleta de tesouros. A historia
– esplêndidas são as visões que faz passar diante de vocês – é a
eminentemente instrutiva. Na verdade, cada rincão dos domínios de
Deus na natureza pulula de preciosos ensinamentos. Sigam as trilhas do
conhecimento, de acordo com o tempo, a oportunidade e os dotes
particulares de que disponham. E não hesitem em fazê-lo por causa de
alguma apreensão de que se instruirão a um nível demasiado alto.
Quando a graça for abundante, o saber não os inchará, nem prejudicará a
sua simplicidade no evangelho. Sirvam a Deus com o grau de educação
que tenham, e dêem graças a Ele por soprar por meio de vocês, se são
buzinas de chifres de carneiro. Mas, se há possibilidade de se tornarem
trombetas de prata, prefiram isto.
Já disse que devemos aprender a discernir, e agora é o momento
oportuno para insistir neste ponto. Muitos correm atrás de novidades,
encantados com toda e qualquer invenção. Aprendam a julgar a verdade
e as suas imitações, assim, não serão desencaminhados. Outros há que se
apegam como certos moluscos a velhos ensinos, sendo que talvez estes
não passem de erros antigos. Submetam à prova todas as coisas e
retenham o que é bom. Deve-se recomendar muito o emprego do
ventilador e da peneira para joeirar. Diletos irmãos, quem pede ao
Senhor que lhe dê vida límpida com a qual veja a verdade e distinga os
seus frutos, e, graças ao constante exercício das suas faculdades, obteve
capacidade para julgar acuradamente, está preparado para ser
comandante de hostes do Senhor. Mas, nem todos são assim. É doloroso
observar quantos estão prontos para abraçar qualquer coisa, bastando que
lhes seja apresentada com ardor. Engolem remédios de todo e qualquer
charlatão espiritual que tenha suficiente convicção mascarada para
parecer sincero. Não sejam crianças assim no entendimento, mas
submetam tudo à prova cuidadosamente, antes de aceitá-lo. Peçam ao
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
38
Espírito Santo que lhes dê o dom do discernimento, de modo que possam
conduzir os seus rebanhos para longe das campinas venenosas e levá-los
a pastagens seguras.
Quando, no devido tempo, tenham obtido a capacidade de adquirir
conhecimento e a aptidão para discernir, busquem em seguida a
capacidade para reter, e segurem com firmeza o que aprenderam. Nestes
tempos certas pessoas se vangloriam de ser como cata-ventos. Não
conservam nada. Na verdade, nada possuem que valha a pena reter.
Creram ontem naquilo em que não crêem hoje, nem crerão amanhã. E
seria um profeta maior do que Isaías quem conseguisse dizer o que eles
crerão quando o recôncavo da lua nova se encher, pois estão mudando
constantemente. Parecem ter nascido sob a influência da luz, partilhando
dos hábitos de sua variação. Esses homens podem ser sinceros como se
dizem, mas, de que valem? Como boas árvores transplantadas muitas
vezes, podem ter natureza nobre, mas nada produzem. Sua vitalidade
esvai-se no esforço por criar raízes e tornar a criá-las. Não têm seiva
suficiente para produzir frutos. Estejam certos de que têm a verdade e,
depois, estejam certos de que a mantêm. Estejam prontos para uma nova
verdade, desde que seja verdade. Relutem, porém, em subscrever a
crença de que se encontrou uma luz melhor do que a do sol.
Os que apregoam pelas ruas novas verdades, como os jornaleiros
fazem com uma segunda edição de um vespertino, geralmente não estão
em condição melhor do que deveriam. A bela jovem da verdade não
pinta as faces, nem enfeita a cabeça como Jezabel, seguindo cada nova
moda filosófica. Contenta-se com sua beleza natural, e seu aspecto é
essencialmente o mesmo ontem, hoje, e para sempre. Quando os homens
mudam com freqüência, em geral precisam ser mudados no sentido mais
enfático. A nossa boa gente de "pensamento moderno" está fazendo
incalculável dano às almas, semelhante a Nero tocando rabeca no alto de
uma torre com Roma a queimar-se aos seus pés. Almas estão sendo
condenadas, e, contudo esses homens ficam traçando teorias. O inferno
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
39
escancara a boca, e engole miríades, mas os que deviam estar espalhando
as boas novas da salvação "andam atrás de novas 1inhas de pensamento."
Cultíssimos assassinos espirituais, verão que a sua alardeada
"cultura" não lhes servirá de escusa no dia do Juízo. Por Deus, tratemos
de saber como os homens hão de salvar-se, e ponhamos mãos à obra. É
detestável desperdício ficar sempre a discutir quanto ao modo certo de
fazer pão enquanto uma nação perece de fome. Já é tempo de sabermos o
que ensinar, ou então de renunciar ao nosso oficio. "Aprender sempre, e
nunca chegar à verdade" é o lema dos piores homens, não dos melhores.
Vi em Roma a estátua de um rapaz tirando um espinho do pé. Fui-me
embora. Um ano depois voltei, e lá estava sentado o mesmíssimo rapaz,
tirando ainda o corpo estranho. Será este o nosso modelo? "Amoldo o
meu credo toda semana", confessou-me um desses teólogos. A que
assemelharei esses inconstantes? Não são como aquelas aves que
aparecem no Cabo de Ouro, no estreito de Bósforo, e se podem ver de
Constantinopla, das quais se diz que estão sempre batendo as asas, nunca
em repouso? Ninguém jamais as viu pousar na água ou na terra. Estão
sempre pairando em pleno ar. Os nativos lhes chamam "almas perdidas",
sempre a buscar descanso em vão.
Com toda a certeza, homens que não acham repouso pessoal na
verdade, se não é que eles mesmos não se salvam, ao menos têm pouca
probabilidade de salvar outros. Aquele que não tem nenhuma verdade
segura para transmitir, não deve admirar-se de que os seus ouvintes
depositem pouca confiança nele. Temos que conhecer a verdade,
compreendê-la, e retê-la com mão firme, ou não poderemos esperar levar
outros a crer nela. Irmãos, eu os responsabilizo: procurem conhecer e
discernir; depois, aplicado o discernimento, lutem para arraigar-se e
alicerçar-se na verdade. Mantenham em pleno funcionamento os
processos de encher o celeiro, joeirar o cereal e armazená-lo. Assim, em
sua vida mental, irão avante.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
40
2. Precisamos ir avante nas qualificações oratórias. Estou
começando do fundo, mas mesmo este ponto é importante, pois é uma
pena que até os pés desta imagem sejam de barro. Daquilo que possa ter
alguma utilidade ao nosso propósito, nada é fútil. Só pela perda de um
cravo, o cavalo perdeu a ferradura, e deixou de servir para a batalha.
Aquela ferradura era apenas uma banal tira de ferro a ferir o solo.
Entretanto, ainda que o lombo esteja cingido de raios e trovões, de nada
vale se se perdeu a ferradura. Uma pessoa pode ficar irremediavelmente
arruinada por inutilidade espiritual, não porque falhe no caráter ou no
espírito, mas porque fraqueja no intelecto ou na oratória.
Portanto, comecei com estes pontos, e torno a observar que
devemos melhorar na alocução. Nem todos podem falar como alguns, e
nem mesmo estes podem atingir a sua eloqüência ideal. Se há algum
irmão aqui que pensa que pode pregar tão bem como deve, advirto-o a
desistir de uma vez. Fazendo-o estará agindo tão sabiamente como o
grande pintor que quebrou a sua paleta e, virando-se para a esposa, disse:
"Meus dias de pintar passaram, pois já me satisfiz e, portanto, ser que o
meu poder se foi." Ainda que existam outras perfeições atingíveis, tenho
a certeza de que aquele que acha que conseguiu perfeição na oratória,
confunde eloqüência com volubilidade, e argumento com verbosidade.
Seja qual for o seu conhecimento, Não poderão ser ministros
verdadeiramente eficientes, se não forem "aptos para ensinar."
Vocês sabem de ministros que erraram a vocação e, evidentemente,
não têm dons para exercê-la. Certifiquem-se de que ninguém pense a
mesma coisa de vocês. Há colegas de ministério que pregam de modo
intolerável: ou nos provocam raiva, ou nos dão sono. Nenhum anestésico
pode igualar-se a alguns discursos nas propriedades soníferas. Nenhum
ser humano que não seja dotado de infinita paciência poderia suportar
ouvi-los, e bem faz a natureza em libertá-lo por meio do sono.
Outro dia ouvi alguém dizer que certo pregador não tinha mais dons
que uma ostra, para o ministério. Em minha opinião, foi um ultraje á
ostra, pois esse nobre bivalve demonstra grande descrição em seus
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
41
intróitos, e sabe quando deve concluir. Se alguns fossem condenados a
ouvir os seus próprios sermões, teriam merecido julgamento, e logo
clamariam com Caim: "É tamanho o meu castigo, que já não posso
suportá-lo." Oxalá não caíamos sob a mesma condenação.
Irmãos, devemos cultivar clareza de estilo. Quando um homem não
me faz entender o que quer dizer, é porque nem ele mesmo sabe o que
quer dizer. O ouvinte mediano, incapaz de seguir o curso do pensamento
do pregador, não devia ficar aborrecido consigo, mas censurar o
pregador, cuja obrigação é apresentar o assunto com clareza. Se
olharmos dentro de um poço, se estiver vazio nos parecerá muito fundo,
mas se houver água nele, veremos a claridade refletida. Creio que muitos
pregadores "profundos" são assim apenas porque são como poços secos,
sem nada dentro, exceto folhas podres, algumas pedras, e talvez um ou
dois gatos mortos. Se houver águas vivas em sua pregação, esta pode ser
muito profunda, mas a luz da verdade lhe dará clareza. Não basta falar de
modo tão claro que vocês sejam compreendidos; devem falar de modo
que não sejam mal compreendidos.
Além da clareza, devemos cultivar um estilo convincente. Nosso
discurso deve ser poderoso. Alguns imaginam que isto consiste em falar
alto, mas posso garantir-lhes que laboram em erro. Rugir não melhora
um tolice. Deus não nos pede que gritemos como se estivéssemos
falando a dez mil pessoas, quando nos dirigimos a trezentas somente.
Sejamos convincentes em razão da excelência do assunto e da
energia de espírito que aplicamos à apresentação dele. Numa palavra,
vejamos que o nosso falar seja natural e vívido. Espero que já tenhamos
anatematizado os truques dos oradores profissionais – os efeitos
forçados, o clímax calculado, a pausa planejada, o pavonear teatral, a
declamação artificiosa das palavras, e não sei que mais – que podem ver
em certos clérigos pomposos que ainda sobrevivem na face da terra.
Oxalá dentro em pouco sejam eles espécies extintas. Oxalá todos nos
aprendamos um modo simples, natural e vivo de falar do evangelho,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
42
porque estou persuadido de que esse estilo é o que tende a ser abençoado
por Deus.
Entre muitas outras coisas, precisamos cultivar a persuasão. Alguns
irmãos exercem grande influência sobre as pessoas, ao passo que outros,
dotados de maiores dons, são nulos nisso. Estes parecem que não tomam
contato com as pessoas, não as cativam e não tocam sua sensibilidade.
Há pregadores que, em seus sermões, parecem pegar um por um dos
ouvintes pela gola, e enfiar direto em suas almas a verdade. Outros
generalizam tanto, e além disso são tão frios, que fazem pensar que estão
falando de habitantes de algum planeta remoto, cujos assuntos não lhes
interessam muito. Aprendam a arte de pleitear com os homens. Farão
bem isso se olharem com freqüência para o Senhor. Se bem me lembro,
o velho conto clássico diz-nos que, quando um soldado estava para matar
Dario, o filho deste, que era mudo desde a infância, de repente gritou
surpreso: "Você não sabe que ele é o reí?" Sua língua silenciosa foi solta
pelo amor a seu pai. Bem pode acontecer que a nossa língua encontre
fala vigorosa quando virmos o Senhor crucificado por causa do pecado.
Se houver alguma fala em nos, isto a levantará.
Também o conhecimento dos terrores do Senhor nos há de ativar
para persuadirmos os homens. Não podemos fazer outra coisa que
insistir com eles para que se reconciliem com Deus.
Irmãos, observem aqueles que amorosamente conquistam pecadores
para Jesus. Descubram o seu segredo, e não descansem enquanto não
obtiverem o mesmo poder. Se vocês os acham muito simples e toscos,
mas vêem que eles são realmente úteis, diga cada um a si próprio: "É
esse o meu modelo." Se, por outro lado, ouvem um pregador muito
admirado, e, ao pesquisarem, vêem que almas não se convertem
salvadoramente, cada qual diga a si mesmo: "Isto não é para mim, pois
não estou procurando ser grande, e, sim útil de fato." .
Portanto, vejam que a sua oratória melhore constantemente em
clareza, em poder de convicção, em naturalidade e em persuasão.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
43
Diletos irmãos, tentem conseguir um estilo de alocução tal que os
leve a adaptar-se aos seus ouvintes. Muita coisa depende disso. O
pregador que se dirigisse a ouvintes com bom grau de instrução em
linguagem que usaria ao falar a um grupo de feirantes se mostraria louco.
Por outro lado, aquele que se põe entre mineiros e carvoeiros
empregando expressões técnicas da teologia e frases próprias das salas
de recepção, age como idiota. A confusão de línguas em Babel foi mais
completa do que imaginamos. Não deu línguas diferentes a grandes
nações apenas, mas fez com que a fala de cada classe diferisse das
outras. Um sujeito de um mercado de peixes como Billingsgate não pode
entender um figurão de Brasenose College, Oxford.
Agora, como o feirante não pode aprender o linguajar universitário,
que o universitário trate de aprender o linguajar do feirante.
"Empregamos a linguagem do mercado", dizia Whitefield, e isto o
honrava muito. Todavia, quando se levantava no salão da condessa de
Huntingdon, e a sua palavra encantava os nobres descrentes que ela
trazia para ouvi-lo, adotava outro estilo. Sua linguagem era igualmente
clara em cada caso, porque era igualmente familiar aos ouvintes. Não
usava ipsissima verba, caso em que a sua linguagem perderia a clareza
num ou outro caso e, ou seria baixo calão para a nobreza, ou grego para
o povo comum. Em nossa maneira de falar devemos procurar ser "tudo
para todos." O maior mestre da oratória é aquele que é capaz de dirigir-
se a qualquer classe de pessoas de maneira adequada à condição delas, e
de molde a tocar-lhes o coração.
Irmãos, não deixemos que ninguém seja melhor do que nós na
capacidade de falar; Não deixemos que ninguém nos sobrepuje no
domínio da nossa língua materna. Amados companheiros de armas,
nossas línguas são as espadas que Deus nos deu para que as usemos por
Ele, tal como se disse de nosso Senhor: "Da sua boca saía uma aguda
espada de dois fios." Afiem bem essas espadas. Cultivem a sua
capacidade de falar, e estejam entre os maiores do território na
transmissão oral. Não os exorto por achar que sejam notadamente
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
44
deficientes. Longe disso, pois toda gente me diz: "Conhecemos os seus
alunos pelo falar claro e destemido deles." Isto me leva a crer que vocês
têm em si grandes porções do dom, e lhes rogo que dêem duro para
aperfeiçoá-lo.
3. Irmãos, temos que ser mais zelosos ainda em ir avante nas
qualidades morais. Oxalá os pontos que vou mencionar se prestem aos
que deles necessitam, mas eu lhes asseguro que não tenho nenhum de
vocês particularmente em mira. Desejamos subir ao mais elevado gênero
de ministério e, sendo assim, ainda que obtenhamos qualificações
intelectuais e oratórias, falharemos se não possuirmos também altas
qualidades morais.
Há males que devemos sacudir de nós como Paulo sacudiu da mão
a víbora, e há virtudes que devemos obter a qualquer custo.
A auto-indulgência já matou os seus milhares. Tremamos ante o
perigo de perecer às mãos dessa Dalila. Tratemos de manter todas as
paixões e hábito sob a devida sujeição. Se não formos senhores de nós
mesmos, não estaremos aptos a ser dirigentes na igreja.
Temos que por fora toda idéia de importância pessoal nossa. Deus
não abençoará o homem que se considera grande. Gloriar-se mesmo na
obra de Deus o Espírito em você é pisar perigosamente perto da adulação
própria. "Louve-te o estranho, e não a tua boca" – e fiquem contentes
quando esse estranho tiver bastante bom sonso para segurar a língua.
Também precisamos dominar o nosso temperamento. O
temperamento forte não é totalmente um mal. Homens chochos como
sapatos velhos geralmente são de pouco valor. Eu não lhes diria: "Caros
irmãos, tenham gênio forte", mas lhes digo: "Se o têm, tratem de
dominá-lo cuidadosamente." Dou graças a Deus quando vejo um
ministro com temperamento suficientemente forte para indignar-se com
o erro, e para manter-se firme por aquilo que é reto. Contudo, o
temperamento forte é uma ferramenta cortante, e muitas vezes fere
aquele que o manuseia. "Gentil, sensível aos rogos" – preferindo sofrer o
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
45
mal antes de infligi-lo, este deve ser o nosso espírito. Se algum irmão
aqui ferve depressa demais, saiba que ao fazê-lo não escalda a ninguém
senão ao diabo, e então é melhor que se evapore.
Precisamos – especialmente alguns de nós – vencer nossa tendência
para a leviandade. Existe grande distinção entre a santa jovialidade, que
é uma virtude, e aquela leviandade geral, que é um defeito moral. Há
uma leviandade que não tem suficiente ânimo para rir, mas que zomba
de tudo; é irreverente, fútil e falsa. A risada sincera não constitui
leviandade, mais que o choro sincero. Falo daquela capa religiosa que é
pretensiosa, mas rala, superficial e insincera quanto às questões de peso.
Piedade não é brincadeira. Nem mera formalidade. Cuidem-se para não
serem atores. Nunca dêem a pessoas sérias a impressão de que vocês não
crêem no que dizem, e que não passam de profissionais. Ter fogo nos
lábios e gelo na alma é nota de reprovação. Deus nos livre de sermos
superfinos e superficiais. Oxalá jamais sejamos as borboletas do jardim
de Deus.
Ao mesmo tempos, devemos evitar tudo que lembre a ferocidade da
intolerância. Conheço uma classe de pessoas religiosas que, não tenho
dúvida, nasceram de mulher, mas parecem ter sido amamentadas por
uma loba. Não lhes faço ofensa; não foram criados assim Rômulo e
Remo, fundadores de Roma? Alguns homens belicosos dessa ordem
tiveram bastante poder intelectual para fundar dinastias do pensamento.
Mas a bondade humanitária e o amor fraternal associam-se melhor ao
reino de Cristo. Não devemos sair pelo mundo à capa de heresias, como
cães terrier farejando ratos. Tampouco haveremos de confiar tanto em
nossa infalibilidade, a ponto de levantarmos pelourinhos eclesiásticos
para neles queimar todos os que diferem de nós, Não, é certo, com feixes
de lenha, mas com aquele carvão de zimbro, que consiste de forte
preconceito e desconfiança cruel.
Em acréscimo a isso tudo, há maneirismos, caprichos e
comportamentos que não posso descrever agora, contra os quais
devemos lutar. Sim, porque pequeninas falhas muitas vezes podem ser a
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
46
causa do fracasso, e libertar-nos delas pode ser o segredo do sucesso.
Não menoscabem aquilo que mesmo em diminuto grau estorva a sua
ação proveitosa. Expulsem do templo da sua alma as bancas dos
vendedores de pombas, bem como dos comerciantes de ovelhas e vacas.
Além disso, diletos irmãos, precisamos adquirir certos hábitos e
faculdades morais, bem como lançar fora os seus opostos. Aquele que
não tem integridade de espírito jamais fará muito pela causa de Deus. Se
nos orientarmos pela política, se adotarmos qualquer modo de agir que
não seja reto, em pouco tempo naufragaremos. Caros irmãos, estejam
dispostos a ser pobres, a ser desprezados, a perder a vida – não, porém, a
agir desonestamente. Que para vocês a única política seja a honestidade.
Oxalá possuam também a grande característica moral da coragem.
Por esta não queremos dizer impertinência, atrevimento ou presunção,
mas a verdadeira coragem de fazer e dizer calmamente a coisa certa, e ir
em frente em todas as circunstâncias, ainda que não haja ninguém para
dizer-lhe uma boa palavra. Espanta-me o número de cristãos que têm
medo de falar a verdade aos seus irmãos na fé. Graças a Deus, posso
dizer que não há um membro da minha igreja, nenhum oficial da igreja, e
nenhum homem do mundo a quem eu tema dizer na frente o que diria em
sua ausência. Abaixo de Deus, devo minha posição em minha igreja à
ausência de toda política, e ao hábito de dizer o que penso.
A idéia de tornar as coisas agradáveis a todos é perigosa e iníqua.
Se você diz uma coisa a um homem, e outra a outro, um dia eles
compararão as notas, e você será posto a descoberto e será desprezado. O
homem de duas caras mais cedo ou mais tarde será objeto de desdém, e
com razão. Acima de tudo, evitem a covardia, pois esta torna mentirosos
os homens. Se tiverem que dizer algo acerca de uma pessoa, seja esta a
medida do que digam – "Quanto ousarei dizer na presença dela?" Não se
devem permitir sequer uma palavra mais de censura a qualquer ser
vivente. Se a sua regra for esta, a sua coragem os livrará de mil
dificuldades, e lhes granjeará respeito duradouro.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
47
Tendo integridade e coragem, diletos irmãos, oxalá sejam dotados
de zelo indômito.
Zelo? Que é isso? Como o descreverei? Tratem de possuí-lo, e
saberão o que é. Deixem-se consumir de amor a Cristo, e vejam que a
chama continue a arder ininterruptamente não ardendo em chamas vivas
nas reuniões públicas, e morrendo no trabalho rotineiro de cada dia.
Necessitamos perseverança indomável, resolução infatigável, e uma
combinação de piedosa obstinação, abnegação, amabilidade santa e
coragem invencível.
Aprimorem-se também numa capacidade que é ao mesmo tempo
moral e intelectual, a saber, a capacidade de concentrar todas as suas
forças na obra a que foram chamados. Colijam os seus pensamentos,
reúnam todas as suas faculdades, juntem as suas energias, focalizem as
suas capacidades. Despejem todos os mananciais da sua alma num só
canal, fazendo-o jorrar para diante numa só corrente indivisa. A alguns
falta essa qualidade. São dispersivos, e fracassam. Juntem os seus
batalhões e lancem-nos sobre o inimigo. Não tentem ser grandes nisto e
naquilo – ser "tudo em turnos, e nada duradouramente", mas consintam
que toda a sua natureza seja levada cativa por Jesus Cristo, e deponham
tudo aos pés dAquele que derramou o Seu sangue e morreu por vocês.
4. Acima disso tudo, precisamos de qualificações espirituais, graças
que hão de ser desenvolvidas em nós pelo Senhor. Estou certo de que
esta é a principal questão. Outras coisas são preciosas, mas esta não tem
preço. Devemos ser ricos para com Deus.
É necessário que nos conheçamos a nós mesmos. O pregador deve
ser grande na ciência do coração, na filosofia da experiência interior.
Existem duas escolas de experiência, e nenhuma tem prazer em aprender
da outra. Tenhamos satisfação em aprender de ambas. Uma fala de filho
de Deus como alguém que conhece a profunda depravação do seu
coração, que compreende a asquerosidade da sua natureza, e diariamente
sente que em sua carne não habita bem algum. "O homem que não sabe e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
48
não sente isso", dizem os dessa escola, "e que o sente mediante amargas
e penosos experiências do dia a dia, não tem em si, a vida de Deus." É
inútil falar-lhes da liberdade e da alegria no Espírito Santo. Não as têm.
Aprendamos desses irmãos unilaterais. Sabem muito daquilo que se deve
saber. Ai do ministro que ignora o seu conjunto de verdades. Martinho
Lutero costumava dizer que a tentação é o melhor mestre do ministro. Há
verdade nesse lado da questão.
Outra escola de crentes detém-se demoradamente na gloriosa obra
do Espírito de Deus. Tais irmãos fazem bem. E bem-aventurados são por
isso. Crêem no Espírito de Deus como um poder purificador, que varre
os estábulos imundos da alma e faz dela um templo para Deus. Mas
freqüentemente falam como se não pecassem mais, ou se não fossem
mais importunados por tentações. Gloriam-se como se já tivessem
terminado a batalha e obtido a vitória. Aprendamos desses irmãos.
Tratemos de conhecer toda a verdade que nos possam ensinar.
Familiarizemo-nos com os picos culminantes e com a gloria que neles
fulge, com os montes Hermom e Tabor onde podemos transfigurar-nos
com nosso Senhor. Não temam ficar demasiado santos. Não temam
encher-se demais do Espírito Santo.
Gostaria que vocês fossem sábios dos dois lados, e capazes de lidar
com as pessoas, tanto em seus conflitos como em suas alegrias,
familiarizados com ambos os tipos de experiência. Saibam onde Adão os
deixou; saibam onde o Espírito de Deus os colocou. Não se limitem a
saber um desses aspectos tão exclusivamente que esqueçam o outro.
Creio que se há homens tendentes a clamar: "Miserável homem que eu
sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" serão sempre os ministros,
porque temos que ser tentados em todos os pontos, para podermos
consolar outros.
Num vagão de trem eu vi, na semana passada, um pobre homem
com a perna estendida sobre o assento. Um funcionário, vendo-o nessa
posição, observou-lhe: "Estes estofados não foram feitos para você pôr
neles as suas botas sujas." Logo que o guarda se foi, o homem tornou a
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
49
estender a perna, e me disse: "Estou certo de que ele nunca fraturou a
perna em dois lugares, ou não seria tão duro comigo." Quando ouço
irmãos que vivem comodamente, com boa renda, condenarem outros
muito provados, por não se alegrarem estes como aqueles, percebo que
nada sabem dos ossos quebrados que outros têm que arrastar durante
toda a sua peregrinação.
Irmãos, conheçam o homem em Cristo e fora de Cristo. Estudem-no
em seu melhor e em seu pior estado. Conheçam a sua anatomia, os seus
segredos e as suas paixões. Não podem fazer isso por meio de livros.
Precisam ter experiência espiritual pessoal. Somente Deus lhes pode dar
isso.
Dentre todas as aquisições espirituais, é necessário além de todas as
outras coisas, conhecer Aquele que é o remédio certo para todas as
doenças. Conheçam Jesus. Sentem-se a Seus pés. Considerem Sua
natureza, Sua obra, Seus sofrimentos, Sua gloria. Regozijem-se em Sua
presença – tenham comunhão com Ele, dia após dia. Conhecer a Cristo é
compreender a ciência mais excelente. Vocês não podem deixar de ser
sábios, se tiverem comunhão com a sabedoria. Não lhes poderá faltar
força, se tiverem comunhão com o poderoso Filho de Deus.
Outro dia vi numa gruta italiana urna minúscula samambaia
crescendo num local onde as suas folhas cintilavam e dançavam
continuamente sob os borrifos de uma fonte. Estava sempre verde. Nem
a sequidão do estio, nem o frio do inverno a afetavam. Assim, vivamos
sempre sob a doce influência do amor de Jesus. Permaneçam em Deus,
irmãos. Não O visitem ocasionalmente, mas habitem nEle. Na Itália se
diz que onde não entra o sol, entra o médico. Onde não brilha Jesus, a
alma está doente. Aqueçam-se aos raios de Sua luz, e vocês serão
vigorosos no serviço do Senhor.
Domingo passado, à noite, usei um texto que me empolgou:
"Ninguém conhece o Filho, senão o Pai." Disse eu aos ouvintes que os
pobres pecadores que tinham vindo a Jesus e confiaram nEle pensavam
que O conheciam, mas conheciam apenas um pouco dEle. Santos com
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
50
sessenta anos de experiência, que andavam todo dia com Ele, acham que
O conhecem. Contudo, são apenas principiantes ainda. Os espíritos
perfeitos perante o trono, que durante milênios O adoram perpetuamente,
talvez pensem que O conhecem, mas não O conhecem plenamente.
"Ninguém conhece o Filho, senão o Pai." Cristo é tão glorioso que
somente o Deus infinito tem pleno conhecimento dEle. Portanto, não
haverá limite para o nosso estudo, nem estreiteza em nossa linha de
pensamento, se fizermos de nosso Senhor o grande objeto de todas as
nossas meditações.
Irmãos, como resultado disso, se é que havemos de ser homens
fortes, temos que amoldar-nos a nosso Senhor. Oh, ser como Ele!
Bendita a cruz em que sofrermos, se sofrermos para tornar-nos
semelhantes ao Senhor Jesus. Se nos amoldarmos a Cristo, teremos
prodigiosa unção sobre o nosso ministério, e sem isso, de que vale um
ministério?
Numa palavra, precisamos esforçar-nos pela santidade de caráter.
Santidade, que é? Não é integridade de caráter? Uma condição
equilibrada em que não há falta nem excesso? Não é moralidade. Esta é
uma estátua fria e sem vida. Santidade é vida. Vocês têm que ter
santidade. E, amados irmãos, se falharem nas qualificações intelectuais
(como espero que não), e se tiverem escassa medida de poder oratório
(como creio que não), todavia, confiem nisto: uma vida santa é, em si
mesma, um poder maravilhoso, e suprirá muitas deficiências. É, de fato,
o melhor sermão que o melhor homem pode pregar. Tomemos a
resolução de que toda a pureza que se possa ter, teremos, que toda a
santidade que se possa alcançar, obteremos, e que toda a semelhança
com Cristo que seja possível neste mundo de pecado, por certo haverá
em nós, mediante a obra do Espírito de Deus. O Senhor nos eleve a
todos, como colégio, a uma tribuna mais alta, e Ele terá a gloria!
5. Caros irmãos, ainda não terminei. Tenho que dizer-lhes: vão
avante no trabalho prático, pois, no fim das contas, seremos conhecidos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
51
pelo que tivermos feito. Devemos ser tão poderosos em atos como na
palavra.
Há bons irmãos no mundo que não são nada práticos. A grandiosa
doutrina da segunda vinda os faz ficar de boca aberta, com os olhos nos
céus, de modo que me disponho a dizer: "Varões de Plymouth, por que
estais olhando para o céu?" O fato de que Jesus está para vir não é razão
para contemplação das estrelas, mas, sim, para trabalhar no poder do
Espírito Santo. Não se deixem levar tanto por especulações, que
cheguem a preferir ler uma obscura passagem do Apocalipse a ensinar
numa escola de maltrapilhos, ou discursar aos pobres sobre Jesus. É
preciso que acabemos com os sonhos à luz do dia, e que nos lancemos ao
trabalho. Acredito em ovos, mas temos que fazer com que saiam frangos
deles. Não importa o tamanho do ovo. Pode ser ovo de avestruz, se
quiserem, mas, se não houver nada nele, fora com a casca! Se sair
alguma coisa dele, Deus abençoe as suas especulações, e mesmo que
vocês vão um pouco além do que julgo sábio aventurar-se, ainda assim,
se isso os tornar mais úteis, louvado seja Deus!
Queremos fatos – ações realizadas, almas salvas. Está bem que se
escrevam ensaios. Mas, quais almas vocês impediram de ir para o
inferno? A maneira excelente como dirigem a sua escola interessa-me.
Mas, quantas crianças foram trazidas para a igreja por meio dela?
Alegra-nos ouvir daquelas reuniões especiais. Mas, quantos realmente
nasceram de novo nelas? Os santos são edificados? Convertem-se
pecadores? Balançar para lá e para cá num portão de cinco travas não é
progresso, conquanto alguns parecem pensar que sim. Vejo-os num
perpétuo Elísio, sussurrando para si mesmos e para os amigos: "Estamos
muito bem acomodados." Deus nos livre de viver confortavelmente,
enquanto os pecadores afundam no inferno.
Viajando pelas estradas das montanhas da Suíça, vêem-se
continuamente marcas de perfuratrizes; e na vida de todo ministro devem
existir trapos de duro labor. Irmãos, façam alguma coisa; façam alguma
coisa; façam alguma coisa. Enquanto as comissões desperdiçam tempo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
52
em deliberações, façam alguma coisa. Enquanto as sociedades e uniões
elaboram estatutos, ganhemos almas. Muitas vezes discutimos,
discutimos, e discutimos, e Satanás ri-se à socapa. É tempo de parar de
planejar e de procurar o que planejar. Rogo-lhes, sejam homens de ação,
todos vocês. Mãos à obra, e tratem de sair-se como homens. A idéia de
guerra do velho Suvarov é também a minha: "Avançar e lutar! Nada de
teorias! Ao ataque! Formar fileiras! Baionetas á carga! Afundem no
centro do inimigo!" Nosso único objetivo é salvar almas, e isto não é
coisa para comentar, mas para fazer no poder de Deus.
6. Finalmente, e aqui vou entregar-lhes uma mensagem que pesa
sobre mim – prossigam avante na questão da escolha da sua esfera de
ação. Rogo hoje por aqueles que não podem rogar por si, a saber, as
grandes multidões do mundo pagão, em outras terras.
Os nossos púlpitos atuais estão toleravelmente bem supridos, mas
temos necessidade de homens que edifiquem sobre novos alicerces.
Quem o fará? Estamos nos, como uma companhia de homens fiéis, com
a consciência esclarecida acerca dos pagãos? Milhões há que nunca
ouviram o nome de Jesus. Centenas de milhões viram um missionário só
uma vez em suas vidas, e nada sabem do nosso Reí. Deixaremos que
pereçam? Podemos ir para a cama e dormir enquanto a China, a Índia, o
Japão e outros países estão sob condenação? Estamos limpos do sangue
deles? Não têm eles direito sobre nós? Devemos colocar a coisa neste pé:
"Posso provar que não devo ir?" e Não: "Posso provar que devo ir?"
Quando alguém pode provar honestamente que não deve ir, está
absolvido; de outra forma, não.
Meus irmãos, que resposta darão? Apresento-lhes a questão pessoa
por pessoa. Não lhes levanto uma questão que eu não tenha apresentado
honestamente a mim mesmo. Tenho pensado que, se alguns dos nossos
principais ministros fossem, causaria grande efeito, dando incentivo ás
igrejas, e me perguntei sinceramente se eu devia ir. Depois de pesar
todos os pontos, senti-me levado a manter o meu lugar. Creio que o
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
53
julgamento da maioria dos cristãos seria o mesmo. Mas creio que iria
alegremente se esse fosse o meu dever. Irmãos, procurem situar-se pelo
mesmo processo. Temos que levar os pagãos a converter-se. Deus tem
miríades de eleitos Seus entre eles. Compete-nos ir e procurá-los, até
encontrá-los. Muitas dificuldades foram removidas, as terras estão todas
abertas para nós, e as distâncias foram anuladas. É certo que não temos o
dom pentecostal de línguas, mas rapidamente se aprendem línguas,
enquanto que a arte de imprimir equivale bem ao dom perdido. Os
perigos próprios das missões não deveriam segurar nenhum homem de
verdade, ainda que fossem muito grandes, mas estão agora reduzidos ao
mínimo. Há centenas de lugares em que a cruz de Cristo é desconhecida,
lugares aos quais podemos ir sem risco. Quem irá? Devem ir os irmãos
jovens, bem dotados, e que não tomaram ainda responsabilidades de
família.
Todo estudante, ao matricular-se nesta escola, deve considerar esta
matéria, e entregar-se à obra, a menos que haja razões concludentes para
não fazer isso. É um fato que, mesmo para as colônias, é bem difícil
encontrar homens, pois tive oportunidades na Austrália que fui obrigado
a declinar. Não devia ser assim. Decerto existe ainda algum sacrifício
próprio entre nós, e alguns de nós estão dispostos a exilar-se por Jesus. A
missão desfalece por falta de homens. Se aparecessem os homens, a
liberalidade da igreja supriria as necessidades deles. De fato a
liberalidade da igreja já fez a provisão dos recursos, mas, apesar disso,
não há homens para ir. Irmãos, jamais acharei que nós, como um grupo
de homens, cumprimos o nosso dever enquanto não virmos
companheiros nossos lutando por Jesus em todas as terras, situados na
vanguarda do conflito. Creio que, se Deus os impulsionar a irem, estarão
entre os melhores missionários, porque farão da pregação do evangelho o
traço dominante do seu trabalho, e é esse o caminho certo de Deus para o
poder.
Gostaria que as nossas igrejas imitassem a do pastor Harms, da
Alemanha, na qual cada membro era consagrado a Deus, de fato e de
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
54
verdade. Os fazendeiros davam os produtos de suas terras, os operários
seu trabalho. Alguém deu uma casa grande para o funcionamento de uma
escola da missão. O pastor Harms obteve dinheiro para um navio, que
ele equipou, para viagens à África. Daí, enviou missionários, e pequenos
grupos de sua igreja com eles, para formar comunidades cristãs entre os
boximanes. Quando é que as nossas igrejas vão ser assim abnegadas e
dinâmicas? Vejam os morávios! Como cada homem e mulher se torna
um missionário, e quanto fazem em conseqüência! Captemos o espírito
deles. É certo esse espírito? Então é certo possuí-lo.
Não nos basta dizer: "Esses morávios são gente extraordinária!"
Devemos ser extraordinários também. Cristo não resgatou os morávios
mais do que a nós. Eles não têm maior obrigação de fazer sacrifícios do
que nós. Então, por que esta negligência? Quando lemos sobre homens
heróicos, que entregaram tudo por Jesus, não devemos admirá-los
simplesmente, mas imitá-los.
Quem os imitará agora? Decidamos de uma vez! Não há alguns de
vocês desejosos de consagrar-se ao Senhor? "Avante" é a palavra-senha
hoje! Não há espíritos valentes que tomem a vanguarda? Orem todos
para que, durante este Pentecoste, o Espírito diga: "Apartai-me a
Barnabé e a Saulo para a obra."
Avante! Em nome de Deus, AVANTE!!
___________________________________________
* Não se engane o leitor, pensando que a situação é melhor hoje. Na
verdade, na população atual de mais de quatro bilhões, bilhões não
conhecem Jesus Cristo! – Nota do Tradutor.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
55
NECESSIDADE DE DECISÃO PELA VERDADE
Algumas coisas são verdadeiras e algumas são falsas. Considero
isso um axioma. Mas há muitas pessoas que, evidentemente, Não
acreditam nisso. Parece que o princípio vigente na era atual é este: "As
coisas são verdadeiras ou falsas, conforme o ponto de vista do qual as
olhamos. O preto é branco, e o branco é preto, segundo as circunstâncias;
e não importa muito como as denominemos. É certo que a verdade é
verdadeira, mas seria descortês dizer que o seu oposto é mentira. Não
devemos ter mentalidade estreita e, sim, lembrar o moto: "Tantos
homens, tantas mentes." Os nossos antepassados eram decididos quanto
a manter marcos. Tinham vigorosas noções sobre pontos fixos da
doutrina revelada, e se apegavam tenazmente àquilo que acreditavam ser
escriturístico. Seus campos eram protegidos por cercas e valas, mas seus
filhos arrancaram as cercas, encheram as valas, nivelaram tudo, e
brincaram de pular carniça com as pedras que marcavam os limites.
A escola moderna de pensamento ri-se do "ridículo" caráter positivo
dos reformadores e dos puritanos. Vai avançando em "gloriosa"
liberalidade, e não vai demorar muito estarão proclamando uma grande
aliança entre o céu e o inferno, ou melhor, o amálgama dos dois
estabelecimentos em termos de concessão mútua, permitindo que a
falsidade e a verdade se deitem lado a lado, como o leão com o cordeiro.
Todavia, apesar disso, minha firme crença antiquada é que umas
doutrinas são verdadeiras, e que afirmações que sejam diametralmente
opostas a elas não são verdadeiras – que quando "Não" é o fato, "Sim"
está fora do páreo, e que quando "Sim" é justificável, "Não" tem que ser
abandonado. Creio que o cavalheiro que tem deixado perplexas as nossas
cortes por muito tempo é, ou Roger Tichborne, ou alguma outra
personagem (no rumoroso "Caso Tichborne", em que um réu assumiu
falsamente a identidade de Tichborne). Ainda não sou capaz de conceber
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
56
que ele seja ao mesmo tempo o verdadeiro herdeiro e um impostor.
Entretanto, em questões religiosas o ponto de observação está mais ou
menos nessa latitude.
Meus irmãos, temos uma fé firme para pregar. Somos enviados com
uma mensagem definida procedente de Deus. Não nos compete fabricar
a mensagem enquanto vamos. Não somos enviados por nosso Mestre e
Senhor com uma missão elaborada deste modo: "Conforme meditem em
seu coração e inventem em sua cabeça, assim preguem. Mantenham-se a
par dos tempos. O que quer que as pessoas queiram ouvir, digam-lhes, e
serão salvas." Na verdade, não é isso que lemos. Há algo definido na
Bíblia. Não é como um pedaço de cera que amoldamos como queremos,
nem uma peça de tecido que cortamos de acordo com a moda. Os
grandes pensadores, pelo que parece, vêem as Escrituras como uma
caixa de letras com as quais podem brincar, fazendo delas o que querem,
ou uma garrafa de mágico, da qual podem extrair qualquer coisa que
escolham, desde o ateísmo até o espiritismo. Sou obsoleto demais para
cair e prestar culto a essa teoria. Há algo que me foi dito na Bíblia – dito
com certeza – não posto diante de mim com um "mas", um "talvez", um
"se", um "pode ser", e cinqüenta mil suspeitas por detrás, de sorte que a
soma e a suma disso tudo é: talvez não seja assim, afinal. É-me, porém,
revelado como fato infalível, no qual se deve crer, e cujo oposto é um
erro mortal, proveniente do pai da mentira.
Portanto, crendo que existe tanto a verdade como a falsidade, que
há verdades na Bíblia, e que o evangelho consiste de algo definido que
deve ser crido pelos homens, cabe-nos sermos decididos quanto ao que
ensinamos, e ensiná-lo de maneira decidida. Temos que lidar com
homens que se perderão ou se salvarão, e certamente não serão salvos
por doutrinas erradas. Temos que tratar com Deus, de quem somos
servos. E não O honraremos proclamando falsidade. Tampouco nos dará
recompensa, dizendo: "Bem está, servo bom e fiel. Manejaste o
evangelho tão judiciosamente, como qualquer um que viveu antes de ti."
Ocupamos uma posição muito solene, e o nosso espírito deve ser o do
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
57
velho Micaías, que disse: "Vive o Senhor, que o que o Senhor me disser
isso falarei." Nem mais nem menos do que a Palavra de Deus somos
chamados a proclamar. Mas essa Palavra somos obrigados a declarar
com um espírito que convença os filhos dos homens de que, pensem o
que pensarem dela, cremos em Deus, e não ficamos abalados em nossa
confiança nEle.
Irmãos, em que devemos ser positivos? Bem, existem cavalheiros
que imaginam que não há princípios fixos sobre os quais firmar-se.
"Talvez umas poucas doutrinas", disse-me alguém, "talvez umas poucas
doutrinas seja possível considerar firmadas. Talvez esteja estabelecido
que há um só Deus; mas não se deve dogmatizar sobre a Sua
personalidade: muita coisa se pode dizer em favor do panteísmo."
Homens assim se infiltram em nosso ministério, mas em geral do
bastante astutos para esconder a permissividade de suas mentes sob a
fraseologia crista. Deste modo, agem em harmonia com os seus
princípios, pois, a sua regra fundamental é que a verdade é pouco
importante.
Quanto a nos – ou, pelo menos, quanto a mim – tenho certeza de
que há um Deus, e pretendo pregá-Lo como faz alguém absolutamente
seguro disso. Ele é o Criador dos céus e da terra, o soberano autor da
providência, o Senhor da graça. Bendito seja o Seu nome, para todo o
sempre! Não teremos questões e debates concernentes a Ele.
Temos igualmente a certeza de que o livro chamado "Bíblia" é Sua
Palavra, e é inspirado. Não no sentido em que Shakespeare, Milton e
Dryden podem ter sido inspirados, mas num sentido infinitamente mais
alto. Assim, na medida em que temos o texto exato, consideramos as
próprias palavras dele como infalíveis. Cremos que tudo que se afirma
no livro que nos vem de Deus deve ser aceito por nós como inelutável
testemunho dEle, e nada menos que isso. Não permita Deus que nos
enredemos nas várias interpretações do modus da inspiração, as quais por
pouco não a eliminam. O livro é uma produção divina. É perfeito. É o
superior tribunal de recursos – "o juiz que põe termo à demanda."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
58
Tampouco sonharia com blasfemar contra o meu Criador, como também
questionar a infalibilidade da Sua Palavra.
Também temos certeza quanto à doutrina da bendita Trindade. Não
podemos explicar como cada uma das Pessoas, o Pai e o Filho e o
Espírito Santo, pode ser distinta e perfeita e, contudo, serem os três um
somente, de modo que não há senão um só Deus. Todavia, devemos crer
de fato nesta doutrina, e pretender pregá-la, a despeito dos erros unitário,
sociniano, sabeliano e outros quaisquer. Apegaremo-nos sempre com
firmeza à doutrina da Trindade – da diversidade tríplice em unidade.
Semelhantemente, irmãos, que não haja som incerto da nossa parte
quanto à expiação de nosso Senhor Jesus Cristo. Não podemos deixar o
sangue fora do nosso ministério, ou a vida dele se esvairá, pois podemos
dizer do evangelho: "O sangue é a vida dele." Cristo, o Substituto
perfeito, o sacrifício vicário de Cristo em favor do Seu povo para que
viva por meio dEle – isto devemos anunciar até o dia da nossa morte.
Tampouco devemos vacilar na mente por um momento sequer
quanto ao grande e glorioso Espírito de Deus – quanto à veracidade da
Sua existência, da Sua personalidade, do poder de Suas operações, da
necessidade da Sua influência, da certeza de que ninguém se regenera,
senão graças a Ele; quanto ao fato de que nascemos de novo pelo
Espírito de Deus, e que o Espírito habita nos crentes e é o Autor de todo
o bem neles, sendo Ele que os santifica e os preserva, sem o qual eles
não podem fazer absolutamente nada que seja bom. Não hesitaremos de
jeito nenhum quanto à proclamação destas verdades.
A absoluta necessidade do novo nascimento é uma certeza também.
Desçamos a demonstrações quando tocarmos nesse ponto. Jamais
envenenemos nosso povo com a noção de que o melhoramento moral
será suficiente. Digamos repetidamente: "Importa-vos nascer de novo."
Não cheguemos à condição daquele ministro escocês que, depois que o
velho John Macdonald pregou à sua igreja um sermão para pecadores,
observou: "Bem, Sr. Macdonald, pregou um bom sermão, mas muito
fora de lugar, pois não sei de nenhuma pessoa não regenerada em minha
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
59
igreja". Pobre alma! Com toda a probabilidade ele mesmo não era
regenerado. Não! Não ousemos lisonjear os nossos ouvintes, mas
continuemos a dizer-lhes que nasceram pecadores e necessitam nascer
santos, ou, se não, jamais verão a face de Deus com aceitação.
Horrendo mal é o pecado! Não vacilaremos quanto a isto.
Falaremos desse assunto com tristeza e de modo positivo. E conquanto
alguns sábios levantem difíceis questões sobre o inferno, não deixaremos
de declarar os terrores do Senhor, e o fato de que o Senhor disse: "... irão
estes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna."
Também jamais venhamos a emitir som incerto quanto à gloriosa
verdade de que a salvação é totalmente pela graça. Se é que nós mesmos
somos salvos, sabemos que somente a graça soberana de Deus o fez, e
entendemos que deve ser a mesma coisa com os demais. Proclamemos:
"Graça! Graça! Graça!", com todas as nossas forças, quer vivendo, quer
morrendo.
Vamos ser muito decisivos também com respeito à justificação pela
fé, pois a salvação não é "de obras, para que ninguém se glorie". "Vida
num olhar ao Crucificado" seja a nossa mensagem. Confiança no
Redentor há de ser a graça salvadora que pediremos ao Senhor que
implante no coração de todos os nossos ouvintes.
E tudo mais que cremos ser verdade bíblica, preguemos
resolutamente. Se houver questões que se podem considerar discutíveis
ou relativamente pouco importantes, falemos delas com a medida de
decido que seja apropriada. Mas pontos que não podem ser contestados,
porque são essenciais e básicos, declararemos sem gaguejar, sem
perguntar aos ouvintes: "Que querem que digamos?" Sim, e sem a escusa
– "Estas são minhas opiniões, mas pode ser que as opiniões de outros
sejam corretas." De modo nenhum devemos pregar o evangelho como
nossas opiniões, mas, sim, como a mente de Deus o testemunho do
Senhor concernente a Seu Filho, e com referência à salvação dos
perdidos. Se nos fosse confiada a tarefa de elaborar o evangelho,
poderíamos alterá-lo adaptando-o ao paladar deste século "modesto."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
60
Entretanto, jamais tendo sido empregados para dar origem às boas novas,
mas simplesmente para repeti-las, não nos atrevamos a ir além daquilo
que está registrado. O que Deus nos ensinou, isto ensinamos. Se não
agimos assim, não somos aptos para a posição que ocupamos.
Se tenho uma criada em casa, e por ela envio um recado a alguém á
porta, e ela lhe acrescenta algo por sua própria conta, agindo assim
poderá eliminar a alma mesma do recado, e será responsável pelo que
fez. Não ficará mais a meu serviço, pois preciso de uma empregada que
repita o que digo, tão de perto quanto possível, palavra por palavra. Se o
faz, o responsável pela mensagem sou eu, não ela. Se alguém se zangar
com ela pelo que disse, será muito injusto. Sua briga é comigo, não com
a pessoa que empreguei para agir como o meu porta-voz. Aquele que
tem a Palavra de Deus, digo que a fale fielmente, e não terá necessidade
de responder aos oponentes, exceto com um "Assim diz o Senhor." Esta
é, pois, a matéria a respeito da qual somos decididos.
Como devemos demonstrar essa decisão? Não precisamos
preocupar-nos em responder a esta pergunta. Nossa decisão se mostrará a
seu modo. Se realmente cremos numa verdade, seremos decididos no
que a ela se refere. Certamente não mostraremos a nossa decisão por
meio daquele fanatismo obstinado, furioso e feroz que tira de todos os
outros a oportunidade e a esperança de salvação, e a possibilidade de ser
regenerado, ou até de serem decentemente sinceros, se sucede que
divergem de nós quanto à cor de alguma escama do grande leviatã.
Alguns indivíduos parecem ter sido moldados do modo contrário. Feitos
para serem limas, rasparão mesmo. Sempre prontos para brigar com a
gente, vivem levantando questões acerca da cor da invisibilidade, ou do
peso de uma substancia inexistente. Sempre empunham armas contra
nos, não por causa da importância do ponto em discussão, mas pela
muito maior importância de serem eles o papa da sua facção.
Não saiam pelo mundo de punhos cerrados para brigar, carregando
um revólver teológico no bolso das calças. Não há sentido em ser uma
espécie de galo de briga doutrinário, para excursionar exibindo seu brio,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
61
ou um terrier da ortodoxia, prontos para agarrar ratos heterodoxos às
vintenas. Procurem ser suaves quanto ao modo, como também enérgico
quanto ao conteúdo. Estejam preparados para lutar, e sempre tenham a
espada presa à cintura, mas usem uma bainha. Não pode haver sentido
em fazer ondular no ar a espada perante os olhos de toda gente para
provocar conflito, à moda dos nossos bem-amados amigos da Irlanda.
Deles se diz que, na Feira de Donnybrook, tiram seus casacos, arrastam-
nos no chão e gritam, enquanto brandem seus cacetes: "Algum
cavalheiro terá a bondade de pisar na ponta do meu casaco?" São
teólogos assim, de sangue quente e bravio, que nunca ficam em paz
enquanto não estão totalmente metidos em guerra.
Se vocês crêem realmente no evangelho, serão resolutos por ele
através de meios mais razoáveis. A sua própria entonação revelará a sua
sinceridade. Falarão como alguém que tem algo para dizer e que sabe
que o que diz é verdade. Já observaram um velhaco quando está para
dizer uma falsidade? Notaram a maneira como ele a articula? Leva muito
tempo habilitar-se a contar bem uma mentira, pois os órgãos faciais não
foram constituídos e ajustados originalmente para a complacente
transmissão de falsidades. Quando alguém sabe que está dizendo a
verdade, tudo nele corrobora a sua sinceridade. Todo advogado
consumado e de experiência em pouco tempo sabe se uma testemunha é
fiel à verdade ou se é um enganador. A verdade tem seu próprio ar e
modo, seu próprio tom e ênfase.
Eis ali um caipira bronco e desajeitado, no banco das testemunhas.
O advogado procura enganá-lo e confundi-lo, se possível, mas lago vê
que é uma testemunha honesta, e diz de si para si: "Gostaria de abalar a
prova deste sujeito, pois vai prejudicar grandemente o meu lado da
demanda." Sempre deve existir esse mesmo ar de veracidade no que
concerne ao ministro cristão. Só que, como não está apenas dando
testemunho da verdade, mas também quer que os outros se dêem conta
dessa verdade e do poder dela, deve ele ter tom mais decidido do que
uma simples testemunha que expõe fatos que podem ser acreditados ou
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
62
não, sem quaisquer conseqüências sérias num ou noutro caso. Lutero foi
homem de decisão. Ninguém duvidava de que ele cria no que falava.
Falava com estrondo, pois havia a força do raio em sua fé. Tudo nele
pregava, pois toda a sua natureza cria. Podia-se pensar: "Bem, ele pode
ser doido, ou estar completamente equivocado, mas crê seguramente no
que diz. É a encarnação da fé. Seu coração transborda em seus lábios."
Se havemos de demonstrar decisão quanto à verdade, é preciso que
não o façamos somente por nosso tom e maneira, mas também por
nossas ações diárias. A vida do homem sempre se impõe mais do que o
seu falar. Quando os homens o avaliam, calculam seus atos como
cruzeiros e suas palavras como centavos. Se há desacordo entre a sua
vida e as suas doutrinas, a multidão de espectadores aceita sua prática e
rejeita sua prédica. Uma pessoa pode saber muita coisa da verdade e,
contudo, ser-lhe uma testemunha perniciosa, porque não lhe fortalece o
crédito. O curandeiro que, na história clássica, proclamava um remédio
infalível para resfriados, tossindo e espirrando no meio de cada frase do
seu panegírico, pode servir de imagem e símbolo do ministro profano.
O sátiro da fábula de Esopo ficou indignado com o homem que
soprava quente e frio com a mesma boca, e fez bem indignar-se. Não
posso conceber método mais seguro de predispor os homens contra a
verdade do que este: fazer ressoar os louvores dela através dos lábios de
homens de caráter duvidoso. Quando o diabo virou pregador nos dias do
nosso Senhor, o Mestre mandou-o calar-se, pois não estava interessado
em louvores satânicos. É ridículo ouvir boa verdade proveniente de um
homem mau; é como farinha de trigo em saco de carvão.
Da última vez que estive numa de nossas cidades escocesas, ouvir
falar de um demente do manicômio que se julgava grande personalidade
histórica. Com muita solenidade o pobre homem assumia atitude
majestosa e exclamava: "Eu sou Sir William Wallace. Dê-me um pedaço
de fumo." A descida de Sir William Wallace a um pedaço de tabaco era
demasiado absurda para que se lhe atribuísse seriedade. Todavia, não é
tão absurda nem tão triste como ver um professo embaixador da cruz
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
63
ganancioso, mundano, irascível ou indolente. Como seria estranho ouvir
um homem dizer: "Sou servo do Deus Altíssimo, e irei para qualquer
lugar onde possa receber o maior salário. Fui chamado para trabalhar
somente pela glória de Jesus, e não irei a parte alguma, exceto à igreja de
condição das mais respeitáveis. Para mim o viver é Cristo, mas não
posso fazê-lo sem um salário compensador! "
Irmão, se a verdade estiver em você, fluirá de todo o teu ser como o
perfume se exala de todos os ramos do sândalo; impulsioná-lo-á para
diante como os ventos alísios impelem os navios, inflando-lhes as velas
todas; consumirá com sua energia toda a tua natureza como o incêndio
na floresta queima todas as árvores da mata. A verdade não terá dado a
você sua amizade totalmente, enquanto todos os seus feitos não
estiverem marcados com o seu sinete.
Devemos mostrar nosso espírito decidido em prol da verdade por
meio dos sacrifícios que estamos dispostos a fazer. Este é, na verdade, o
método mais eficiente, como também o mais penoso. Temos que estar
prontos para renunciar a qualquer coisa, a tudo, por amor dos princípios
que esposamos, e temas que estar dispostos a ofender os que mais
contribuem para o nosso sustento, a afastar os nossos mais calorosos
amigos, antes que trair nossas consciências. Temos que estar dispostos a
ser mendigos quanto à bolsa, e refugos quanto à reputação, antes que
agir como traidores. Podemos morrer, mas não podemos negar a
verdade. O custo já foi calculado, e estamos resolvidos a comprar a
verdade por qualquer preço, e a não vendê-la a preço nenhum. Bem
pouco deste espírito se vê hoje em dia. Os homens têm fé salvadora, no
entanto se eximem de problemas; têm grande discernimento, sabendo
discernir onde está a sua própria conveniência; têm grande coração,
sendo tudo para todos se, por todos os meios, podem economizar alguma
quantia. Há muitos vira-latas por aí, que seguiriam aos calcanhares de
qualquer pessoa que lhes dê comida. São dos primeiros a ladrar à
decisão, chamando-lhe dogmatismo obstinado e fanatismo ignorante.
Seu veredito de condenação não nos aflige; é o que deles esperávamos.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
64
Acima de tudo, devemos demonstrar o nosso zelo pela verdade
esforçando-nos continuamente, a tempo e fora de tempo, para sustentá-la
do modo mais terno e amável, mas ainda com muita seriedade e firmeza.
Não é preciso falar aos crentes de nossas igrejas como se estivéssemos
meio dormindo. Nossa pregação não deve ser um ronco articulado. É
preciso que haja poder, vida, energia, vigor. Temos que lançar-nos nisso
com todo o nosso ser, e mostrar que o zelo da casa de Deus nos
consome. Como haveremos de manifestar a nossa decisão, o nosso
espírito resoluto? Decerto não harpejando na mesma corda e repetindo
vezes sem conta as mesmas verdades, com a declaração de que cremos
nelas. Esse curso de ação só poderia ocorrer ao incompetente. O tocador
de realejo não é modelo de decisão. Pode ter persistência, não porém
consistência. Eu poderia indicar certos irmãos que aprenderam quatro ou
cinco doutrinas, e as fazem girar sem parar, com sempiterna monotonia.
Sempre me alegro quando eles tocam o seu realejo em alguma rua bem
distante de onde moro. Enfadar os outros com perpétua repetição não é o
modo de manifestar a nossa firmeza na fé.
Meus irmãos, vocês fortalecerão a sua decisão se se lembrarem da
importância destas verdades para as suas próprias almas. Os seus
pecados foram perdoados? Vocês têm esperança do céu? Que influência
têm sobre vocês as solenes verdades da eternidade? Por certo vocês não
foram salvos sem essas coisas e, portanto, devem mantê-las, pois se
sentirão perdidos se não forem verdadeiras. Vocês terão que morrer, e,
estando cônscios de que somente essas coisas poderão sustê-los no artigo
final, tratarão de sustentá-las com todas as suas forças. Não podem
desistir delas. Como pode alguém renunciar a uma verdade que sente que
é vitalmente importante para a sua alma? Diariamente pensa: "Tenho que
viver dela, morrer sobre ela, sem ela fico infeliz agora, e estarei perdido
para sempre. Portanto, com a ajuda de Deus, Não posso abandoná-la."
Amados irmãos, sua experiência de todo dia os sustentará. Espero
que já tenham percebido vividamente, e que experimentem muito mais
ainda, o poder da verdade que apregoam. Creio na doutrina da eleição
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
65
porque tenho absoluta certeza que, se Deus não me escolhesse, eu jamais
O escolheria. Tenho certeza que Ele me escolheu antes de eu nascer, ou
do contrário nunca me escolheria depois disso. E me escolheu por razões
que desconheço, pois eu nunca encontraria nenhum motivo em mim pelo
qual Ele devesse olhar-me com amor especial. Assim, sou forçado a
aceitar essa doutrina. Estou ligado à doutrina da depravação do coração
humano, porque me vejo depravado no coração, e tenho provas diárias
de que em minha carne não habita bem algum. Não posso deixar de
afirmar que é preciso haver expiação antes do perdão, porque é o que a
minha consciência requer, e disso depende a minha paz. O pequeno
tribunal do interior do meu coração não fica satisfeito, a menos que
alguma retribuição seja exigida pela afronta feita a Deus. Às vezes dizem
que tais e quais afirmações não são verdadeiras; mas quando podemos
responder que as experimentamos e provamos, que contestação há para
esta forma de argumentar?
Alguém expõe a fabulosa descoberta de que o mel não é doce. "Mas
eu usei um pouco no meu café da manhã, e o achei dulcíssimo", diz
você, e sua resposta é conclusiva. O outro lhe diz que o sal é venenoso,
mas você mostrará sua saúde e declarará que tem usado sal na comida
nos últimos vinte anos. Diz ele que comer pão é um erro – erro vulgar,
absurdo antiquado; mas em cada refeição você fará do protesto dele um
assunto para alegres risadas. Se você tem experiência diária e habitual da
verdade da Palavra de Deus, não temo que sua mente sofra abalo com
referência a ela. Aqueles jovens companheiros que nunca tiveram
convicção de pecado, mas obtiveram a religião deles como tomam banho
de manhã, saltando dentro da água – depressa pularão fora, como
pularam dentro. Os que não sentem, nem as alegrias nem as depressões
de espírito que demonstram vida espiritual, estão entorpecidos, e sua
mão paralisada não segura a verdade com firmeza. Meros deslizadores
da superfície da Palavra que, como as andorinhas, tocam a água com as
asas, são os primeiros a voar de um território a outro, conforme os guiem
considerações pessoais. Crêem agora nisto, depois naquilo, pois em
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
66
verdade não crêem em nada intensamente. Se você já foi arrastado pelo
barro e pela lama do desespero de alma, se foi lançado de pernas para o
ar, e foi enxuto como um prato quanto a toda sua força e orgulho, e
depois a alegria e a paz de Deus, mediante Jesus Cristo, encheram o seu
coração, confiarei em você dentre cinqüenta mil infiéis.
Sempre que escuto os surrados ataques dos céticos à Palavra de
Deus, sorrio dentro de mim e penso: "Ora, você, simplório! Como pode
levantar tão tolas objeções? Nas controvérsias íntimas que enfrento com
a minha própria descrença tenho sentido dificuldades dez vezes
maiores." A nós, que temos competido com cavalos, não nos cansarão os
que correm a pé. Gordon Cumming e outros matadores de leões não hão
de assustar-se com gatos selvagens. Tampouco os que já enfrentaram
Satanás face a face irão deixar o terreno nas mãos de céticos
pretensiosos, ou de quaisquer outros servos inferiores do maligno.
Meus irmãos, se tivermos comunhão com o Senhor Jesus Cristo,
não poderemos ser levados a duvidar dos pontos fundamentais do
evangelho; nem poderemos ser indecisos. Olhar a cabeça com coroa de
espinhos e as mãos e pés feridos é remédio certo para curar a "dúvida
modernista" e todos os seus caprichos. Apegue-se à "Rocha eterna,
partida por você", e detestará a areia movediça.
O eminente pregador americano, o seráfico Summerfield, quando
estava à morte, virou-se para um amigo no quarto e disse: "Dei uma
olhada na eternidade. Oh, se eu pudesse voltar e tornar a pregar, como
pregaria diferente do modo como o fiz!"
Irmãos, dêem uma olhada na eternidade, se é que desejam ser
resolutos. Recordem como, na alegoria de Bunyan, Ateu encontra
Cristão e Esperançoso no caminho para a Nova Jerusalém, e diz: "Não
existe um país celestial. Percorri longo caminho, e não pude encontrá-
lo". Depois Cristão diz a Esperançoso: "Não o vimos do alto do Monte
Claro, quando estávamos com os pastores?" Havia uma resposta! Assim,
quando os homens nos dizem: "Não existe Cristo – Não há verdade na
religião", replicamos: "Não nos assentamos à Sua sombra com grande
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
67
satisfação? O fruto que nos ofereceu não foi doce ao nosso paladar? Vão
com o seu ceticismo aqueles que não sabem em quem têm crido. Nós
provamos e apalpamos a boa palavra da vida. O que temos visto e
ouvido, isso testificamos. E, quer recebam os homens o nosso
testemunho, quer não, não podemos senão proclamá-lo, pois falamos o
que sabemos, e testificamos o que temos visto." Meus irmãos, é esse o
caminho certo para sermos decididos.
Agora, finalmente, por que devemos ser decididos e arrojados
nesta época em particular? Devemos ser assim porque esta época é
marcada pela dúvida. Pulula de gente com dúvida como o antigo Egito
pululava de rãs. Tropeçamos nessas pessoas por toda parte. Toda gente
duvida de tudo, não apenas na esfera da religião, mas também da política
e da economia social – em todas as esferas mesmo. É a era do progresso,
e, daí, suponho que deve ser a época de soltar as amarras para que toda a
massa política vá um pouco mais adiante. Bem, irmãos, como a época é
de dúvida, seremos sábios se pisarmos e nos firmarmos onde tenhamos a
certeza de ter a verdade sob nós. Talvez, se fosse uma época de
fanatismo, e os homens não quisessem instruir-se, poderíamos inclinar-
nos a ouvir novos mestres. Mas agora temos que estar do lado
conservador, e conservador radical, que é o lado verdadeiramente
conservador. Temos que voltar à radix – à raiz da verdade, e lutar
inflexivelmente por aquilo que Deus revelou, enfrentando assim as
indecisões da época.
Nosso eloqüente amigo, o Sr. Artur Mursell, descreveu
adequadamente a época atual : "Fomos longe demais ao dizer que o pensamento moderno
impacientou-se com a Bíblia, com o evangelho e com a cruz? Vejamos. Que parte da Bíblia não foi atacada? De há muito o Pentateuco foi varrido do cânon como inautêntico. O que lemos sobre a criação e o dilúvio é taxado de fábula. E as leis sobre limites, que Salomão não se acanhou de citar, são sepultadas ou largadas na estante.
"Diferentes homens atacam diferentes porções do Livro, e vários sistemas assestam as suas baterias de preconceitos contra vários pontos. A
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
68
Escritura é até cortada em pedaços por alguns, e lançada aos quatro ventos do céu. E mesmo pelos mais tolerantes vândalos daquilo que é denominado pensamento moderno, é condensada, reduzindo-se a um magro panfleto de moralidade, em vez de ser o tomo de ensinamentos pelos quais temos a vida eterna. Dificilmente sobra um profeta que não tenha sido revisado pelos sabichões destes dias, precisamente com o mesmo espírito com que fariam revisão de uma obra da biblioteca de qualquer alfarrabista. O temanita e o suita jamais interpretaram mal o conturbado Jó com sequer a metade do preconceito dos renomados intelectos do nosso tempo. Isaías, em vez de serrado ao meio, é esquartejado e picado em pedaços. O profeta das lamentações é afogado em suas lágrimas. Ezequiel é reduz ido a átomos de pó entre as suas rodas. Daniel é corporalmente devorado pelos leões eruditos. E Jonas é tragado pelos monstros do abismo com voracidade maior do que a do grande peixe, pois nunca mais o lançam fora. Os relatos e os acontecimentos da crônica grandiosa são rudemente contestados e negados porque algum mestre-escala, de lousa e giz na mão, não consegue acertar as suas somas.
"E todos os milagres que o poder de Deus realizou em favor do Seu povo, ou para a frustração dos inimigos deste, são tratados com desdém como absurdos, porque os catedráticos não podem fazer a mesma coisa com os seus encantamentos. Dos chamadas milagres, alguns poucos são críveis, porque os nossos líderes acham que eles mesmos podem realizá-los. Alguns fenômenos naturais, que um doutor pode exibir a um grupo de militares interessados numa sala escura, ou com uma mesa- repleta de aparelhos, explicarão o milagre do Mar Vermelho. Um aeronauta sobe num balão, depois desce, e explica que não há mistério na coluna de nuvem e na de fogo – e outras ninharias desse tipo. Desta maneira, os nossos grandes homens ficam satisfeitos quando pensam que a sua vara de brinquedo engoliu a vara de Arão. Mas quando a vara de Arão ameaça engolir a deles, estes dizem que essa parte não é autêntica e que o milagre nunca ocorreu.
"O Novo Testamento não se sai melhor do que o Velho nas mãos desses invasores. Não pagam taxa de respeito em sua homenagem quando cruzam a linha. Não reconhecem nenhuma voz de advertência no brado: "Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa." A mente que se detêm em sua carreira de rapina espiritual sob qualquer pretexto respeitável é acusada de ignorante ou servil. Hesitar em pisar num lírio ou numa flor do campo é tolice sentimental de criança, e a
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
69
vanguarda do pensamento desta época só tem dó e escárnio para tal sentimento, pois anda de cabeça erguida por cima da sua alardeada marcha do progresso. Dizem que as lendas que se contam em nossas creches são obsoletas, e que idéias mais amplas estão ganhando terreno, graças a mentes mais capazes de pensar. Não nos inclinamos a crer nisso. A verdade é que poucos, bem poucos, homens que pensam, cujo pensamento consiste em negação do começo ao fim, e cujas mentes vivem torturadas por uma crônica contorção ou curva que as transforma em pontos de interrogação intelectuais, é que lançaram a base deste sistema. A esses poucos homens sinceros em suas dúvidas juntou-se um bando maior de gente simplesmente inquieta. E a essa gente acrescentaram-se homens que são inimigos do espírito e das verdades da Escritura. Todos eles juntos formaram um conciliábulo e deram em chamar-se líderes do pensamento contemporâneo.
"Têm o seu séquito, é certo. Mas, de que consiste? De meros satélites da moda. De ricos, pedantes e ignorantes das nossas cidades populosas. Um cordão de carruagens se vê parando e saindo da entrada de um lugar onde um avançado professor fará uma preleção. E porque a propaganda do modista vai do piso ao teto da sala de conferências, dizem muitos que essas idéias estão ganhando terreno. Mas, numa época de modas como esta, quem jamais suspeitará que esses favoritos da moda sequer têm alguma idéia? É respeitável seguir certo nome por algum tempo, e assim os fúteis seguirão o nome e exibirão a roupa. Quanto às idéias, porém, não se suponha que essas pessoas as têm, mais do que elas mesmas sonhariam com esperar que mais da décima parte da multidões que vão à exibição da Academia Real de Artes entendam as leis da perspectiva. É isso que se tem que fazer; assim, todo aquele que tem uma veste para mostrar e um terno para expor, sai para exibir isso, e todos quantos pretendem andar na moda (e quem não pretende?), estão fadados a avançar com os tempos. E daí vemos as modas avançando pelos sagrados limites do Novo Testamento como se pisassem no assoalho de St. Albans, ou da sala de preleções de um professor qualquer. E as damas arrastam as caudas dos vestidos e os almofadinhas calcam suas enfeitadas botas sobre a autenticidade deste, ou sobre a autoridade daquele, ou sobre a inspiração de outro.
"Gente que nunca ouviu falar de Strauss, de Bauer ou de Tübingen está inteiramente disposta a dizer que o nosso Salvador foi apenas um homem bem intencionado, que cometeu muitas faltas e erros; que os Seus milagres, como se acham registrados no Novo Testamento, são em parte
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
70
imaginários e em parte explicáveis pelas teorias naturais; que a ressurreição de Lázaro jamais ocorreu, visto que o Evangelho de João é falso de ponta a ponta; que se deve rejeitar a expiação como uma doutrina sangrenta e injusta; que Paulo foi um fanático que escreveu sem refletir, e que muito daquilo que leva seu nome nem sequer foi escrito por ele. Assim, de Gênesis a Apocalipse a Bíblia é apagada pela fricção da crítica até que, segundo a fé típica da era em que vivemos, como representada pelos seus líderes, assim chamados, sobram apenas uns poucos fragmentos inspirados."
Além disso, esta época não duvida com sinceridade; vivemos no
meio de uma raça descuidada e frívola. Se os que duvidam fossem
sinceros, haveria mais lugares de reuniões de ímpios para serem
freqüentados do que existem. Mas a descrença, como comunidade
organizada, não prospera. Em Londres, a descrença aberta e declarada
foi abaixo, não passando de uma velha cabana de ferro velho, em frente
da igreja de São Lucas. Creio ser essa a sua posição atual. "O Salão da
Ciência", não é como se chama? Sua literatura ficou exposta durante
muito tempo na metade de uma loja da rua Fleet. Era tudo que conseguiu
sustentar e não sei se mesmo essa metade de loja é usada atualmente. É
algo pobre, obsoleto e tolo. No tempo de Tom Paine bravateava como
um vigoroso blasfemo, mas falava claro e, a seu modo, era categórico e
sério em sua ousadia no falar. Em dias passados, no comando estavam
alguns nomes que se poderiam mencionar com certa medida de respeito.
Hume, por exemplo, Bolingbroke e Voltaire eram grandes em
talento, senão em caráter. Mas onde achar agora um Hobbes ou um
Gibbon? Os que agora duvidam geralmente têm dúvidas porque não se
preocupam nada com a verdade. São indiferentes de todo. O ceticismo
moderno está jogando e brincando com a verdade; e usa o "pensamento
moderno" como diversão, como as damas usam o jogo de croqué ou o de
flechas ao alvo. Esta época não é nada menos que uma época de modas
femininas, de bonecas e de comédia. Mesmo gente boa não crê
integralmente, como seus pais costumavam crer. Até entre os não-
conformistas há alguns que estão vergonhosamente frouxos em suas
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
71
convicções. Têm poucas convicções dominadoras que poderiam levá-los
ao pelourinho, ou mesmo à prisão. Os moluscos tomaram o lugar dos
homens, e os homens viraram águas vivas. Longe de nós, o desejo de
imitá-los!
Ademais, é uma época muito impressionável. Portanto, gastaria de
vê-los bem decididos, para poderem impressioná-la. O estupendo
progresso feito pelo movimento da Igreja Anglo-Católica na Inglaterra
mostra que fervor é poder. Os ritualistas crêem em algo, e esse fato deu-
lhes influência. Para mim, o credo que lhes é peculiar é um disparate
intolerável, e os seus procedimentos são tolices infantis. Mas eles
ousaram ir contra a turba, e a fizeram voltar-se e colocar-se ao lado
deles. Lutaram com bravura, digamo-lo em sua honra. Quando suas
igrejas se tornaram cenários de tumuito e desordem, se ouvia o brado:
"Papismo Não!", lançado pelas classes inferiores, enfrentaram
valentemente o inimigo e jamais recuaram. Foram contra toda a corrente
daquilo que se julgava ser o sentimento profundamente arraigado da
Inglaterra em favor do protestantismo, quase não tendo um bispo para
patrociná-los. Apenas com uns poucos pães e peixes para ampará-los,
cresceram, de um punhado que eram, até se tornarem o partido
dominante e mais importante da Igreja da Inglaterra, e para nossa intensa
surpresa e horror, levaram o povo a receber de novo o papismo, que
considerávamos morto e sepultado.
Se alguém me tivesse dito há vinte anos que a feiticeira de En-Dor
chegaria a ser rainha da Inglaterra, eu acreditaria tanto como poderia
acreditar que veríamos este desenvolvimento da Igreja Anglo-Católica.
O fato é, porém, que os homens foram fervorosos e resolutos,
sustentaram com a maior firmeza aquilo em que criam, e não hesitaram
em impulsionar para diante a sua causa. Portanto, nossa época pode ser
impressionada. Receberá o que lhe for ensinado por gente zelosa, seja
verdade ou falsidade. Poder-se-á objetar que a falsidade será recebida
com maior prontidão. É bem possível. Mas os homens aceitarão qualquer
coisa, se tão-somente vocês a pregarem com tremenda energia e com
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
72
vigoroso fervor. Se não a receberem no coração, em sentido espiritual,
de algum modo haverá um assentimento e adesão mental, em grande
proporção com a energia com que vocês a proclamarem. Sim, e Deus
abençoará também o nosso espírito resoluto de modo que, quando a
mente for ganha por nosso fervor, e a atenção for conquistada por nosso
zelo, o coração será aberto pelo Espírito de Deus.
Temos que ser decididos. Que é que os dissidentes vêm fazendo em
grande medida, senão tentando ser requintados? Quantos ministros
nossos estão labutando para serem grandes oradores ou pensadores
intelectuais? Não é isto que importa. Nossos jovens ministros foram
ofuscados por essa idéia, e saíram a zurrar como asnos selvagens sob a
noção de que então teriam fama de virem de Jerusalém, ou de terem
recebido educação na Alemanha. O mundo os descobriu. Agora creio
que não há nada que os cristãos genuínos desprezem mais do que a
estulta afetação de intelectualismo. Vocês ouvirão um velho e bom
oficial da igreja dizer: "O Sr. Fulano, que tivemos aqui, era muito
inteligente e pregava sermões esplêndidos, mas por isso a Causa foi
abaixo. Mal podemos sustentar o ministro. Da próxima vez, pretendemos
ter de volta um dos ministros da moda antiga que crêem em algo e o
pregam. Se não, nossa igreja não terá acréscimo algum."
Sairão vocês a dizer ao povo que crêem que podem dizer algo, mas
não sabem o que é? Que não estão inteiramente seguros de que o que
pregam é certo, mas os estatutos da igreja exigem que falem isso, e
portanto o falam? Ora, talvez agradem a tolos e idiotas; e estejam certos
de que propagarão a descrença, mas não poderão fazer mais que isso.
Quando um profeta vai à frente, deve falar da parte do Senhor, e se não
pode agir assim deixemo-lo voltar para a cama.
É absolutamente certo, caros amigos, que temos que ser decididos
agora ou nunca, porque a nossa época manifestamente vaga sem rumo.
Não podemos passar doze meses observando sem ver como ela desce
com a maré. As âncoras foram içadas, e o barco flutua rumo à
destruição. Vai sendo levado agora, tão próximo como posso falar-lhes,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
73
na direção sudeste, e vai chegando no Cabo Vaticano. E se se afastar
muito mais naquela direção, dará nas rochas dos baixios romanos.
Temos que abordá-lo e ligá-lo ao glorioso rebocador da verdade do
evangelho, e arrastá-lo de volta. Eu ficaria contente se pudesse trazê-lo
fazendo-o rodear o Cabo Calvino, diretamente para a Baía do Calvário, e
ancorá-lo no belo porto situado bem junto da Vera Cruz – a cruz de
Cristo.
Conceda-nos Deus Sua graça para o fazermos. Temos que ter mão
forte, manter nosso vapor firme na rota e desafiar a corrente. E assim,
pela graça de Deus, salvaremos esta geração e as gerações por vir.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
74
PREGAÇÃO AO AR LIVRE: ESBOÇO DE SUA HISTÓR IA
Há certos costumes para os quais não há pontos a favor, exceto que
são muito antigos. Em tais casos, a antigüídade não tem maior valor do
que a ferrugem de uma moeda falsa. Contudo, é feliz a circunstância em
que o uso das eras pode ser apresentado em favor de uma prática
realmente boa e escriturística, pois a reveste de um halo de reverência.
Pois bem, pode-se argumentar, quase sem temor de refutação, que a
pregação ao ar livre é tão velha como a própria pregação. Estamos em
plena liberdade para crer que Enoque, o sétimo depois de Adão, quando
profetizava, Não pedia melhor púlpito que um outeiro, e que Noé, como
pregoeiro da justiça, dispunha-se a arrazoar com os seus contemporâneos
no estaleiro em que construía a sua maravilhosa arca.
Certamente, Moisés e Josué achavam o seu lugar mais conveniente
para discursar às enormes assembléias, debaixo do arco celeste, que
dispensa colunas. Samuel concluiu um sermão no campo de Gilgal, no
meio de chuva e trovões, sermão pelo qual repreendeu o povo e o levou a
ajoelhar-se. Elias pôs-se de pé no Carmelo e desafiou a vacilante nação,
bradando: "Até quando coxeareis entre dois pensamentos?" Jonas, cujo
espírito era um tanto parecido, elevou seu brado de advertência nas ruas
de Nínive, e em todos os seus logradouros públicos fez a proclamação da
advertência: "Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida." Para ouvir
Esdras e Neemias "todo o povo se ajuntou como um só homem, na
praça, diante da Porta das Águas." Na verdade, encontramos exemplos
de pregação ao ar livre em toda parte ao redor de nós nos registros do
Velho Testamento.
Contudo, talvez nos baste retornar à origem da nossa santa fé e
ouvir ali o precursor do Salvador clamando no deserto e erguendo a voz
à margem do Jordão. Mesmo o nosso Senhor que é o nosso modelo, mais
que ninguém, pregou a maior parte dos Seus sermões na encosta da
montanha ou na praia do mar ou nas ruas. Por todos os motivos e
propósitos, o nosso Senhor foi pregador ao ar livre. Não ficava calado na
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
75
sinagoga, mas se sentia igualmente em casa no campo. Não temos em
registro nenhum discurso dEle que tenha sido pronunciado numa capela
real, mas temos o sermão do monte e o sermão da planície. Assim é que
a mais antiga e a mais divina espécie de pregação foi praticada ao ar
livre por Aquele que falou como nenhum homem jamais falou.
Houve reuniões dos Seus discípulos depois da Sua morte, entre
paredes, especialmente a que se deu no cenáculo. Mas a pregação
continuou sondo feita mais freqüentemente no pátio do templo, ou em
quaisquer outros espaços livres disponíveis. A noção de lugares santos e
de casas consagradas para reuniões não lhes havia ocorrido, como
cristãos. Pregavam no templo porque era o local mais freqüentado, mas
com igual fervor, "de casa em casa, não cessavam de ensinar, e de pregar
Jesus, o Cristo."
Os apóstolos e seus sucessores imediatos entregavam a sua
mensagem de misericórdia, não somente em suas casas alugadas e nas
sinagogas, mas também em todo lugar e sempre que a ocasião lhes
favorecia. Isto se pode deduzir facilmente da seguinte afirmação de
Eusébio: "Os divinos e admiráveis discípulos dos apóstolos edificaram a
super-estrutura das igrejas, cujos alicerces tinham sido lançados pelos
apóstolos, em todos os lugares aonde chegaram. Em toda parte deram
prosseguimento à pregação do evangelho, semeando as sementes da
doutrina celestial por todo o mundo. Muitos discípulos, vivos por esse
tempo, distribuíram suas propriedades aos pobres e, deixando o seu país,
fizeram a obra de evangelistas aos que nunca tinham ouvido falar da fé
cristã, pregando Cristo e lhes entregando os escritos evangélicos. Logo
depois de terem plantado a fé em algum país estrangeiro, e de terem
ordenado guias e pastores, aos quais incumbiam do cuidado dessas novas
plantações, partiam para outras nações, assistidos pela graça e pela
poderosa obra do Espírito Santo. Tão logo começavam a pregar o
evangelho, o povo se reunia em massa com eles, e com alegria
cultuavam o verdadeiro Deus, o Criador do mundo, crendo piedosamente
e de coração em Seu nome."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
76
Quando desceu a idade das trevas, os melhores pregadores da igreja
que aos poucos declinava foram também pregadores de praça pública.
Como o foram também aqueles freires itinerantes e grandes fundadores
das ordens religiosas que mantinham viva a piedade que ainda restava.
Ouvimos falar de Berthold, de Ratisbon, e seus sessenta ou cem mil
ouvintes num campo perto de Glatz, na Boêmia. Houve também os
Bernardos, os Bernardinos, os Antônios e os Tomazes de grande fama
como pregadores itinerantes, de quem não conseguimos achar tempo
para falar particularmente. O Dr. Lavington, bispo de Exeter, não
dispondo de outros argumentos, afirmou, como prova de que os
metodistas eram idênticos aos papistas, que os primitivos frades
pregadores eram notáveis nas reuniões realizadas em campo aberto.
Citando Ribadeneira, menciona Pedro de Verona, que tinha "um talento
divino para pregar; nem igrejas, nem ruas, nem mercados podiam conter
a grande concorrência que acudia para ouvir os seus sermões." O doutor
bispo facilmente podia ter multiplicado os seus exemplos, como nos
também poderíamos fazê-lo, mas estes nada mais provam do que isto:
para o bem ou para o mal, a pregação ao ar livre é um grande poder.
Quando o anticristo tinha começado a exercer a sua influência mais
universal, os reformadores antes da Reforma agiram muitíssimas vezes
como pregadores de praça pública, como, por exemplo, Arnold de
Brescia, que denunciou as usurpações papais bem às portas do Vaticano.
Seria fácil provar que os avivamentos religiosos geralmente foram
acompanhados, senão causados, por considerável acúmulo de pregações
ao ar livre, ou em lugares incomuns. As primeiras pregações das
doutrinas declaradamente protestantes foram quase necessariamente ao
ar livre, ou em edifícios não dedicados ao culto, porquanto estes estavam
nas mãos do papado. É certo que Wycliffe por algum tempo pregou o
evangelho na igreja de Lutterworth; que Huss, Jerônimo e Savonarola
por algum tempo pronunciaram discursos semi-evangélicos ligados aos
arranjos eclesiásticos que os cercavam. Mas quando começaram a
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
77
conhecer e a pregar mais plenamente o evangelho, foram levados a
procurar outras tribunas.
Quando a Reforma era ainda um bebê, era como Cristo recém-
nascido, e não tinha onde reclinar a cabeça. Mas uma companhia de
homens comparável à hoste celestial proclamou-o sob os céus abertos,
onde pastores e gente comum a ouviam alegremente. Por toda a
Inglaterra sobram ainda diversas árvores chamadas "carvalhos do
evangelho." Há um local do outro lado do Tamisa conhecido pelo nome
de "Carvalho do evangelho", e eu mesmo já preguei em Addlestone, em
Surrey, sob os longos e copados ramos de um antigo carvalho, debaixo
do qual se diz que John Knox proclamou o evangelho durante a sua
estada na Inglaterra. Quantos terrenos baldios, selvagens e espinhosos, e
quantas solitárias encostas de colinas e pontos secretos nas florestas
foram consagrados da mesma maneira! E tradições há que ainda
sobrevivem em cavernas, rincões, topos de montes, onde nos velhos
tempos multidões de fiéis se reuniam para ouvir a Palavra do Senhor.
Tampouco foi somente em lugares solitários que se ouviu antigamente a
voz do pregador, pois dificilmente há um cruzamento de praça de
mercado que não tenha servido de púlpito para os evangelistas
itinerantes.
Durante o ministério de Wycliffe os seus missionários atravessavam
o país, pregando a Palavra em todo o lugar. Um ato de Parlamento, de
Ricardo II (1382), expõe como queixa do clero que certo número de
pessoas, todas vestidas com o mesmo tipo rústico de roupa de lá
grosseira, iam de cidade em cidade, sem licença das autoridades
eclesiásticas, e pregavam não só nas igrejas, mas também nos cemitérios
e nos mercados, bem como nas feiras. Para ouvir esses arautos da cruz o
povo da região reunia-se em grande número, e os soldados se mesclavam
com a multidão, prontos para defender os pregadores com suas espadas,
se alguém surgisse para molestá-los. Depois da morte de Wycliffe, seus
seguidores não hesitaram em usar os mesmos métodos. Há um registro
notável sobre William Swinderby narrando que, "sendo excomungado e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
78
proibido de pregar em qualquer igreja ou cemitério, usou duas pedras de
moinho como púlpito na High-street de Leicester, e ali pregou "em
desobediência ao bispo." "Ali", diz Knighton, "podiam-se ver multidões
de gente de toda parte, tanto da cidade como do campo, dobrando o
número dos que costumavam comparecer quando podiam ouvi-lo
legalmente."
Na Alemanha e noutros países do continente a Reforma recebeu
grande auxilio dos sermões pregados às multidões ao ar livre. Lemos
sobre pregadores luteranos que percorriam o país proclamando a nova
doutrina ao povo nos mercados, nos cemitérios e também nos montes e
nos prados. Em Goslar um estudante de Wittenberg pregou num pomar
de limeiras, que deu aos seus ouvintes a designação de "os Irmãos da
Limeira." D'Aubigné nos relata que em Appenzel, como as multidões
não cabiam nas igrejas, as pregações eram feitas nos campos e nas praças
públicas e, não obstante a fogosa oposição, os morros, as campinas e as
montanhas ecoavam as alegres novas da salvação.
Na vida de Farel encontramos incidentes ligados ao ministério ao ar
livre. Por exemplo, quando Metz pregou o seu primeiro sermão no
cemitério dos dominicanos, seus inimigos fizeram tocar todos os sinos,
mas a sua voz de trovão sobrepujou o som. Somos informados de que em
Neuchâtel "a cidade inteira se tornou sua igreja. Ele pregava no mercado,
nas ruas, junto às portas, em frente das casas e nas praças, e o fazia com
tal poder de persuasão e com tal efeito que conquistou muitíssimos para
o evangelho. Multidões se juntavam para ouvir os seus sermões, e nem
ameaças nem tentativas de persuasão as detinham."
Da History of Protestantism, do Dr. Wylie, transcrevo o seguinte: "Dizem que a primeira pregação campal feita na Holanda deu-se em 14
de junho de 1566, e foi nas vizinhanças de Ghent. O pregador foi Herman Modet, ex-monge que veio a ser o pastor reformado de Oudenard. "Este homem", diz um cronista papista, "foi o primeiro a aventurar-se a pregar em público, e 7000 pessoas ouviram o seu primeiro sermão. ...
"A segunda grande pregação campal foi no dia 23 de julho seguinte, com o povo reunido num vasto prado das proximidades de Ghent. A
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
79
"Palavra" era preciosa naqueles dias, e o povo, avidamente sedento de ouvi-la, preparou-se para ficar dois dias consecutivos sobre o solo. Seus arranjos mais pareciam os de um exército armando o seu acampamento do que os de uma pacífica multidão reunida para prestar culto. Em torno dos adoradores havia uma muralha de barricadas em forma de carretas e carroças. Postaram-se sentinelas em todas as entradas. Fizeram às pressas em rústico púlpito de grossas pranchas e o puseram em cima de uma carreta. Modet foi o pregador, e em volta dele estavam milhares que o ouviam, com suas lanças, machadinhas e espingardas a seu lado, prontas para serem apanhadas a um sinal das sentinelas que mantinham compacta vigilância ao redor da assembléia. Em frente das entradas instalaram balcões onde vendedores ofereciam livros proibidos a todos quantos queriam comprá-los. Ao longo das estradas que levavam ao campo, certas pessoas ficavam paradas com a incumbência de persuadir o viajante casual a dobrar para lá e ouvir o evangelho. ... Terminadas as pregações, a multidão se dispôs a ir a outros distritos, onde acampou do mesmo jeito e ficou o mesmo espaço de tempo, e assim percorreu toda a Flandres Ocidental.
"Nesses conventículos se cantavam sempre os Salmos de Davi, traduzidos para o holandês popular, da versão de Clemente Marot e Teodoro de Beza. As odes do rei hebreu ressoavam, cantadas por cinco a dez mil vozes e, levadas pela brisa sobre matas e campinas, podiam-se ouvir a grandes distancias, cativando o lavrador de volta dos sulcos do seu arado, ou o viajante em seu percurso, fazendo-o deter-se e indagar de onde viria o canto desses menestréis."
É deveras interessante observar que é certo que o canto
congregacional se aviva no mesmo instante em que se aviva a pregação
do evangelho. Em todas as épocas um Moody é assistido por Sankey. A
história se repete porquanto causas semelhantes com toda a segurança
produzem efeitos semelhantes.
Seria uma tarefa interessante preparar um volume de fatos notáveis
relacionados com a pregação ao ar livre, ou, melhor ainda, uma história
consecutiva dela. Não tenho tempo nem sequer para um esboço
completo, mas simplesmente pergunto: Onde estaria a Reforma, se os
seus grandes pregadores se tivessem limitado às igrejas e catedrais?
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
80
Como o povo comum teria sido doutrinado com o evangelho, se não
fosse aqueles evangelistas que iam longe em suas andanças, os
colportores e aqueles ousados inovadores que achavam um púlpito em
cada pilha de pedras, e um auditório em cada espaço aberto nas
proximidades das habitações dos homens?
Entre os exemplos de dentro da nossa ilha altamente favorecida,
não posso deixar de mencionar o notável caso do piedoso Wishart. Da
obra Historical Collections, de Gillie, cito o seguinte:
"George Wishart foi um dos primeiros pregadores das doutrinas dos
reformadores, e sofreu martírio nos dias de Knox. Principalmente a sua
exposição da Epístola aos Romanos excitou os temores e o ódio dos
eclesiásticos romanistas, que o fizeram silenciar em Dundee. Ele foi a
Ayr e começou a pregar o evangelho com grande liberdade e fidelidade.
Mas Dunbar, o então arcebispo de Glasgow, informado da grande
concorrência do povo que se reunia em multidão para ouvir os seus
sermões, e instigado pelo cardeal Beaton, foi até Ayr resolvido a prendê-
lo. Antes, porém, tomou posse da igreja para impedi-lo de pregar nela.
As noticias disto levaram Alexandre, conde de Glencair, e alguns
cavalheiros das cercanias, imediatamente à cidade. Eles desejaram e se
ofereceram para introduzir Wishart na igreja, mas ele não consentiu,
dizendo que "o sermão do bispo não ia fazer muito dano, e que, se lhes
agradasse, gostaria de ir à praça do mercado", o que conseguintemente
fez. E pregou com tanto sucesso, que vários ouvintes, antes inimigos da
verdade, converteram-se nessa ocasião.
"Wishart continuou com os cavalheiros de Kyle, depois da partida
do arcebispo. Havendo o desejo de que pregasse no próximo dia do
Senhor na igreja de Mauchline, foi para lá com esse propósito, mas o
xerife de Ayr tinha posto de norte uma guarnição de soldados no interior
da igreja para mantê-lo fora. Hugh Campbell, de Kinzeancleugh, com
outros paroquianos, sentiram-se excessivamente ofendidos, e teriam
entrado à força na igreja, mas Wishart não o permitiu, dizendo: "Irmãos,
é a palavra de paz que lhes prego. O sangue de ninguém será derramado
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
81
por ela hoje. Jesus Cristo é tão poderoso nos campos como na igreja, e
Ele próprio, quando vivia na carne, pregou mais vezes no deserto e à
berra-mar do que no templo de Jerusalém."
Com isto o povo se apaziguou e foi com ele até a berra do pântano
que fica a sudoeste de Mauchline onde, tendo-se postado sobre o dique
de um canal, pregou à grande multidão. Falou mais de três horas, agindo
Deus extraordinariamente através dele; tanto que Laurence Ranken,
detentor do título de propriedade de Shield, pessoa muito profana,
converteu-se por meio dele. Cerca de um mês após a circunstancia
recém-descrita, foi informado de que irrompera uma praga em Dundee
quatro dias depois de ter saído de lá, e ainda grassava de tal forma que
eliminava numerosas pessoas diariamente. Isto o afetou tanto, que
resolveu voltar, e em seguida despediu-se dos amigos no oeste, os quais
se encheram de tristeza com sua partida. No dia seguinte ao da sua
chegada em Dundee, fez correr a notícia de que ia pregar. Para esse fim,
escolheu um ponto perto da porta oriental, com as pessoas contaminadas
do lado de fora, e as sadias do lado de dentro. O texto que usou nessa
ocasião foi o de Salmos 107.20: "Enviou-lhes a sua palavra e os sarou, e
os livrou do que lhes era mortal." Com esse discurso consolou tanto os
ouvintes, que estes se sentiram felizes tendo tal pregador, e lhe
imploraram que permanecesse com eles enquanto durasse a praga."
Que cena deve ter sido aquela! Raramente um pregador contou com
ouvintes assim e, devo acrescentar, raramente um grupo de ouvintes
contou com um pregador assim. Então, para empregar as palavras de um
velho escritor: "O velho tempo ficou ao lado do pregador com sua foice,
dizendo com voz roufenha: Trabalha durante o que se chama hoje, pois à
norte eu te ceifarei. Ali se pós também, perto do púlpito, a medonha
morte, com suas flechas agudas, dizendo: Atira tuas flechas de Deus, e
eu atirarei as minhas." Este é, de fato, um notável exemplo de pregação
ao ar livre.
Gostaria de ser capaz de oferecer mais dados particulares daquele
famoso discurso feito por John Livingstone no pátio da igreja de Shotts,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
82
quando nada menos que quinhentos dos seus ouvintes encontraram
Cristo, embora chovesse torrencialmente durante considerável parte do
tempo. Continua sendo um dos grandes sermões ao ar livre da história,
não sobrepujado por nenhum dos sermões pregados entre paredes. Eis
aqui a substância do que sabemos dele: "Ao que parece, não era comum, naqueles dias, ter-se algum sermão
na segunda-feira, depois da ministração da Ceia do senhor. Mas Deus havia dado tanto da Sua presença cheia de graça, e servido a Seu povo tanto da Sua comunhão com Ele, nos dias anteriores ao daquela solenidade, que o povo não sabia como partir sem ação de graças e louvor. Houvera grande afluência de seletos cristãos, com vários ministros eminentes, vindos de quase todos os cantos da terra. Muitos deles estiveram reunidos ali durante diversos dias antes da Ceia, ouvindo sermões, juntando-se em menores ou maiores grupos para oração, louvor e conversações espirituais. Ao passo que os corações se aqueciam com o amor de Deus, tendo alguns expressado o seu desejo de um sermão na segunda-feira, receberam apoio de outros, e em pouco o desejo se tornou amplamente generalizado. O Sr. John Livingstone, capelão da condessa de Wigtown (naquele tempo somente pregador, não ministro ordenado, e com vinte sete anos de idade), com muito trabalho foi convencido a pensar em pregar um sermão.
"Passara a noite em oração e em reunião, mas quando ficou sozinho no campo, por volta das oito ou nove horas da manhã, sobreveio-lhe tal temor no coração, sob o sentimento de indignidade e incapacidade para falar na presença de tantos ministros idosos e respeitáveis, e de tantos cristãos eminentes e experimentados – que pensou em escapar sorrateiramente e fugir de uma vez dali. E foi o que de fato começou a fazer, chegando a certa distância. Mas justamente quando estava a ponto de perder de vista a igreja de Shotts, estas palavras: 'Porventura tenho eu sido para Israel um deserto? Ou uma terra da mais espessa escuridão?', foram introduzidas no seu coração com força tão dominadora, que o constrangeram a achar que o seu dever era voltar e cumprir com a obrigação de pregar. Foi o que por conseguinte fez, e bem assistido, discorrendo durante cerca de uma hora e mera sobre os pontos em que tinha meditado, com base em Ez. 36:25-26: 'Então espargirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
83
coração novo, e porei dentro em vos espírito novo; tirarei de vos o coração de pedra e vos darei coração de carne.'
"Quando faltava pouco para terminar, caindo de repente pesada chuva que fez o povo recorrer ás pressas ás suas capas e mantas, ele se pôs a falar o seguinte: 'Se umas poucas gotas de chuva das nuvens os decompuseram tanto, como ficariam cheios de horror e desespero, se Deus os tratasse como merecem. E é como tratará a todos os que forem impenitentes até o fim. Que Deus faça com justiça chover fogo e enxofre sobre eles, como fez com Sodoma, Gomorra e as outras cidades da planície. Que o Filho de Deus, tabernaculando em nossa natureza, e nela obedecendo e sofrendo, seja para nós o único refúgio e abrigo da tempestade da ira divina que merecemos por causa do pecado. Que os Seus méritos e a Sua mediação nos sejam o único amparo a proteger-nos daquela tempestade, da qual ninguém senão os crentes arrependidos serão beneficiados com aquela proteção.' Com estas ou semelhantes expressões com a mesma intenção, e com muitas outras, foi levado por quase uma hora (depois de ter feito o que tinha premeditado) numa torrente de exortações e advertências, com grande expando e ternura de coração."
É preciso não esquecer o ministério regular ao ar livre junto da Cruz
de Paulo, sob as goteiras da velha catedral. Era uma famosa instituição, e
dava aos pregadores notáveis da época a possibilidade de serem ouvidos
por cidadãos em grande número. Reis e príncipes não desdenhavam
sentar-se na galeria construída sobre o muro da catedral e ouvir o
pregador no decorrer do dia. Latimer conta-nos que o cemitério dali
estava em condições tão insalubres que muitos morriam enquanto
ouviam os sermões; e, apesar disso, nunca houve falta de ouvintes.
Agora que a abominação dos sepultamentos no seu interior foi
eliminada, aqueles males não ocorreriam, e a Cruz de Paulo poderia ser
reedificada. Talvez uma mudança para o espaço aberto pudesse destruir
algo do papismo que se vai ligando gradativamente aos serviços da
catedral. A restauração do sistema de pregação pública, do qual a Cruz
de Paulo era o ponto central, é grandemente desejável. Eu gostaria
ardentemente que alguma pessoa, dona de suficiente riqueza, comprasse
um espaço central em nossa grande metrópole, erigisse um púlpito, com
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
84
um certo número de bancos, e então o dedicasse para uso dos ministros
do evangelho credenciados, que ali expusessem livremente o evangelho
a todos os que para ali viessem, sem favor ou distinção. Seria da mais
real utilidade à nossa sempre crescente cidade do que todas as suas
catedrais, abadias e grandes edifícios góticos. Antes que todos os
espaços livres sejam totalmente tomados pela maré cada vez mais alta de
tijolo e reboco, seria uma sabia política garantir Campos do Evangelho,
ou Acres-de-Deus-para-os-Seus-Servos – ou qualquer outro nome que
lhes agrade dar aos espaços abertos dedicados à livre pregação do
evangelho.
Durante toda a época dos puritanos, havia reuniões em todas as
espécies de locais fora dos caminhos, por receio dos perseguidores.
"Tomamos", diz o arcebispo Laud numa carta datada, Fulham,
junho de 1632, "outro conventículo de separatistas em Newington
Woods, no mesmo matagal em que um veado deveria ser posto para ser
capado pelo rei no dia seguinte."
Uma cova ou poço de areia em Hounslow Heath às vezes servia de
conventículo, e há uma caverna peno de Hitchin onde John Bunyan
estava acostumado a pregar nos tempos perigosos. Por toda a Escócia as
várzeas, as cavernas, os estreitos vales e as encostas dos morros estão
cheios de lembranças dos pactuários até o dia de hoje. Vocês não
deixarão de encontrar púlpitos de pedra de onde os austeros pais da
Igreja Presbiteriana vociferavam as suas denúncias do cristianismo e
defendiam as reivindicações do Rei dos reis. Gargil, Cameron e seus
companheiros encontraram locais como esses para os seus bravos
ministérios, no meio das fendas e barrancos das montanhas solitárias. "Muito antes da aurora, por sendas tortuosas, por montes e matas e
tristes desertos, procuravam rincões nas terras altas onde os rios, ali simples ribeiros, repartem-se para mares diferentes. Depressa esses ribeiros despejam-se num vale estreito. Um terreno com relvado vivaz e flores de aparência estranha, em meio a urzes selvagens que tudo rodeiam, fatigam os olhos. Em solidões como estas, teus perseguidos filhos, Escócia, frustraram uma leí sanguinária de um tirano e de um fanático. Sobre sua
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
85
lança inclinado... o grisalho veterano ouviu a Palavra de Deus pela voz de trovão de Cameron, ou derramada por Renwick em suave corrente. Depois ergueu-se a canção, as altas aclamações de louvor; a cotovia cessou o seu lamento; o lugar solitário alegrou-se, e nas acumuladas pedras distantes, o ouvido do vigia captou, vacilante ás vezes, as notas levadas pelo vento.
"Anos mais sombrios seguiram-se, porém; e o povo reunido não mais ousava, à luz do dia, cultuar a Deus, e mesmo nas horas mortas da noite; salvo quando os temporais de inverno bramavam e o estrondo dos travões compelia os homens de sangue a recostar-se em seus covis. Então, intrépidos, os poucos dispersos se reuniam em algum fosso profundo, tendo rochas por dossel, para ouvir a voz, sim, a voz do seu fiel pastor. Ele, ao clarão dos relâmpagos amortalhados, abria o sacro livro e dizia palavras de consolo. Sobre suas almas o seu falar descia suavemente, como a seus pintinhos descem as penas da galinha do mato quando, ao fim da tarde, ela reúne tristemente sua ninhada dispersa por um esporte assassino; e sobre os restantes abre as suas asas com amor. Apertadamente aninhados sob o seu coração, gostam de abrigar-se ao calor da purpúrea plumagem."
Arriscando-me a tornar-me prolixo, creio que devo acrescentar a
seguinte tocante descrição de uma dessas cenas. O retrato em prosa
sobrepuja em excelência o quadro pintado pelo poeta. "Entramos na administração da santa ordenança, encomendando-a e a
nós mesmos à proteção do Senhor dos exércitos, em cujo nome nos havíamos reunido. Nossa confiança estava no braço de Jeová – melhor do que as armas de guerra ou do que a força dos montes. O lugar onde nos juntamos era cômodo em todos os aspectos, e parecia ter sido formado para esse fim. Era uma verdejante elevação, perto da margem das águas (o Whittader). Num e noutro lado havia um espaçoso aclive, na forma de mero círculo, coberto de aprazível pastagem e elevando-se em suave inclinação até uma considerável altura. Acima de nós estava o céu de límpido azul, pois era uma doce e tranqüila manhã de domingo, prometendo que de fato seria "um dos dias do Filho do homem." Houve uma solenidade no local, própria para a ocasião, elevando a alma toda a uma condição pura e santa. As mesas de comunhão foram espalhadas sobre a relva próxima da água, e o povo ajeitou-se com decência e ordem em volta delas. Mas a multidão muito maior sentou-se na superfície do aclive, que ficou apinhado de gente, do topo ao fundo, tão repleto que formava agradável vista, que nunca tivera igual dessa espécie. Cada dia, ao despedir-se o povo congregado, os
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
86
ministros e suas guardas, e tantas pessoas quantas possível, retiravam-se a seus alojamentos localizados em três diferentes povoações rurais, onde podiam prover-se do necessário. Os cavalarianos moviam-se num só grupo, enquanto as pessoas deixavam o local. Depois marchavam ordenadamente atrás, à pequena distância, até que todos estivessem seguramente abrigados em seus alojamentos. De manhã, quando o povo voltava à reunião, os cavalarianos o acompanhavam. As três divisões encontravam-se a uma milha do ponto e marchavam, num só corpo, para o terreno consagrado. Bem acomodada a congregação nos respectivos lugares, os guardas tomavam as suas posições, como antes.
"Estes voluntários acidentais pareciam verdadeiro dom da Previdência, e garantiam a paz e a tranqüilidade dos ouvintes. Pois desde sábado de manhã, quando começou o trabalho, até segunda-feira de tarde, Não sofremos a mínima afronta ou perturbação dos inimigos, o que nos pareceu maravilhoso. A princípio houve alguma apreensão, mas o povo ficou sentado sem se perturbar, e tudo terminou com tanta ordem como se fosse nos dias do apogeu da Escócia. E realmente o espetáculo de tantos rostos sérios, calmos e devotos deve ter causado temor aos adversários, e deve ter sido mais formidável do que qualquer poder externo de aparência feroz e de disposição guerreira. Não desejávamos o patrocínio dos reis da terra. Refulgia na obra certa majestade espiritual e divina, bem como a palpável evidência de que o grande Senhor dos povos estava ali presente. Era de fato Deus agindo, pondo-nos uma mesa no deserto, na presença dos nossos adversários, e erguendo uma coluna de glória entre nós e o inimigo, como a antiga coluna de fogo que separava os acampamentos de Israel e dos egípcios – encorajando a um, mas com escuridão e terror para o outro. Conquanto os nossos votos não tenham sido oferecidos dentro dos átrios da casa de Deus, não lhes faltava sinceridade de coração, que é melhor do que a reverência dos santuários. No meio das montanhas solitárias, lembramos as palavras de nosso Senhor, de que o verdadeiro culto não era peculiar a Jerusalém ou Samaria – de que a beleza da santidade não consistia em edifícios sagrados ou templos materiais. Lembramo-nos da arca dos israelitas, que esteve no deserto, sem lugar para ficar exceto o tabernáculo da planície. Pensamos em Abraão e nos patriarcas antigos, que usavam pedras como altar para nelas porem as suas vítimas, e queimavam o suave incenso á sombra de uma árvore.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
87
"A ordenança da Última Ceia, aquele memorial do sacrificial amor de Cristo até á Sua segunda vinda, foi administrado com grande significação, comunicando poder e renovadora influência do Alto. Bendito seja Deus, pois visitou a Sua herança quando a fadiga a dominava. Naquele dia Sião revestiu-se da beleza de Sarom e do Carmelo; as montanhas romperam em cânticos, e o ermo veio a germinar e a florescer como um roseiral. Poucos dias como aqueles se viram na desolada Igreja da Escócia; poucos virão a testemunhar semelhante coisa no futuro. Houve abundante efusão do Espírito, derramado amplamente em muitos corações. Suas almas, repassadas de celestial transporte, pareciam respirar um elemento mais divino e chamejar para o alto com o fogo de uma devoção pura e santa. Os ministros foram visivelmente assistidos para falar à vontade à consciência dos ouvintes. Era como se Deus lhes tivesse tocado os lábios com uma brasa viva do Seu altar. Sim, pois, os que testemunharam o trabalho deles declararam que eles se comportavam mais como embaixadores da corte celestial, do que como homens formados em molde terreno.
"As mesas foram servidas por alguns cavalheiros e algumas outras pessoas do mais sério comportamento. Não se admitia ninguém que não tivesse as insígnias de costume, as quais foram distribuídas no sábado, mas somente aos que eram conhecidos dos ministros e de outras pessoas de confiança como isentos de escândalos públicos. Seguiram-se completamente os regulamentos. Os comungantes entravam por uma porta e saíam pela outra, mantendo-se um caminho aberto para que pudessem retomar os seus lugares na encosta. O Sr. Welsh pregou o sermão pertinente ao ato e serviu as duas primeiras mesas, como normalmente era encarregado de fazer em tais ocasiões.
"Os outros quatro ministros, Sr. Blackader, Dickson, Riddel e Rae, exortaram os restantes, cada um em sua vez. A ministração das mesas foi encerrada pelo Sr. Welsh com solene ação de graças. E solene foi, como também foi agradável e edificante ver a seriedade e compostura de todos os presentes, bem como de todas as partes do culto. A comunhão foi concluída serenamente, todo o povo elevando a Deus sua gratidão e cantando com jubilosas vozes hinos à Rocha da sua salvação. Foi agradável, ao cair da noite, ouvir sua melodia avolumar-se em uníssono pela colina, com todo o povo unido em harmonia e louvando a Deus com a linguagem dos salmos.
"Havia duas mesas compridas e uma curta, na parte da frente, com assentos em cada lado. Em cada mesa cabiam sentadas cerca de cem
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
88
pessoas. Havia dezesseis mesas ao todo, de sorte que cerca de três mil pessoas participaram da comunhão aquele dia."
Talvez o mais notável lugar já escolhido para um discurso seja o
centro do rio Tweed, onde o Sr. Welsh pregou muitas vezes durante
duras geadas, para escapar das autoridades, quer da Escócia quer da
Inglaterra, dependendo daquela que interferisse. Os lutadores muitas
vezes escolhiam a fronteira dos dois condados para suas exibições, mas
parece que a prudência destes foi antecipada pelos filhos da luz.
Também é divertido ler que o arcebispo Sharp deu ordem para que
a milícia fosse enviada para dispersar a multidão reunida na encosta do
morro para ouvir o Sr. Blackader, e a informação ao prelado de que
todos os milicianos tinham saído uma hora antes, para ouvir o sermão.
Estou certo de que não posso adivinhar o que seria deste mundo,
não fossem as pregações feitas fora dos muros e debaixo do teto mais
glorioso do que o destas vigas de pinho. Foi um dia de bravura para a
Inglaterra aquele em que Whitefield começou a pregação ao ar livre.
Quando Wesley levantou-se e pregou um sermão no túmulo do seu pai,
em Epworth, porque o clérigo da paróquia não quis admiti-lo no interior
do edifício sagrado (assim chamado). Sobre isto escreve o Sr. Wesley: "Tenho a certeza de que fiz mais bem aos meus paroquianos de
LincoInshire pregando três dias na tumba de meu pai, do que pregando três anos em seu púlpito."
A mesma coisa se poderia dizer de toda a pregação ao ar livre
subseqüente, comparada com os discursos regulares feitos em recintos
fechados. "O pensamento de fazer prédicas ao ar livre foi sugerido a Whitefield
por uma multidão de mil pessoas que não conseguiram entrar na igreja de Bermondsey, onde ele pregou num domingo à tarde. Não recebeu incentivo algum quando o mencionou a alguns amigos. Acharam que era uma "idéia maluca." Contudo, teria sido posta em prática no domingo seguinte no Asilo de Ironmonger, se o pregador não tivesse ficado desapontado com seus ouvintes, que eram tão poucos que podiam ouvi-lo pregar do púlpito. Levava consigo dois sermões, um para o recinto fechado, outro para fora."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
89
A idéia que amadurecera tornando-se assim uma resolução, não
esperaria muito tempo para ser levada à execução. Colocando o
chanceler da diocese impedimentos no caminho de Whitefield em seu
propósito de pregar nas igrejas de Bristol em benefício do seu orfanato,
foi pregar aos operários das minas de carvão de Kingswood, "pela primeira vez num sábado à tarde, colocando-se para isso no
Monte Hannan. Falou sobre Mt. 5:1-3 a todos os que foram ouvi-lo. Mais de duzentas pessoas compareceram. Sua única nota em seu diário foi: "Bendito seja Deus, que o gelo agora está quebrado, e conquistei o campo! Talvez alguns me censurem. Mas, não há uma causa? Os púlpitos são negados; e os pobres carvoeiros estão prestes a perecer por falta de conhecimento."
Agora possuía um púlpito que ninguém poderia tomar-lhe, e seu
coração se regozijava por essa grandiosa dádiva. No dia seguinte o diário
relata: "Estando fechadas as portas de todas as igrejas e, se abertas, sendo
incapazes de conter sequer metade dos que queriam ouvir, às três da tarde fui para Kingswood, para o meio dos mineiros de carvão. Deus nos favoreceu altamente dando-nos um belo dia, e quase duas mil pessoas se reuniram naquela ocasião. Preguei, e me alonguei, sobre João 3:3, falando quase uma hora e, espero, para consolo e edificação dos que me ouviram."
Dois dias depois, postou-se no mesmo ponto e pregou com grande
liberdade a uma reunião de quatro ou cinco mil pessoas. O sol fulgente
em cima, e a imensa multidão em volta dele, em extremo silêncio,
formavam um quadro que o encheu de "santa admiração." No domingo
subseqüente, Bassleton, povoação a duas milhas de Bristol, franqueou-
lhe sua igreja. Havendo-se reunido numerosa congregação, primeiro leu
orações no templo, e depois pregou no cemitério da igreja. Ás quatro,
correu para Kingswood. Embora o mês fosse fevereiro, o tempo estava
incomumente brando e sem neve. O sol poente brilhava com sua mais
completa força. As árvores e as cercas estavam apinhadas de ouvintes
que queriam ver o pregador bem como ouvi-lo. Falou durante uma hora
com voz suficientemente alta para ser ouvida por todos, e seu coração
não deixou de alegrar-se por sua própria mensagem. Escreve em seu
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
90
diário: "Bendito soja Deus, o fogo está aceso; que as portas do inferno
jamais possam prevalecer contra ele!" É importante saber quais foram os
seus sentimentos quando deu com aqueles imensos ajuntamentos de
povo no campo, cujo número crescera de duzentos para vinte mil, e quais
foram os efeitos da sua pregação sobre os seus ouvintes. Suas palavras
são: "Não tendo justiça própria a que renunciar, os mineiros de carvão
alegraram-se ao saber que Jesus era amigo de publicanos, e que não veio para chamar os justos, mas pecadores ao arrependimento. A primeira descoberta de que tinham sido afetados foi por ver os brancos sulcos feitos por suas lágrimas correndo copiosamente em suas faces negras, pois tinham saído dos poços de carvão. Centenas e centenas deles foram logo levados a profundas convicções que (como os fatos resultantes o provam) tiveram um feliz sim, em conversão firme e completa. A mudança foi visível a todos, embora muitos preferissem imputá-la a qualquer outra coisa que não o dedo de Deus. Como a cena era inteiramente nova e eu mal começara a ser um pregador extemporâneo, isto freqüentemente ocasionava muitos conflitos íntimos. Às vezes, quando vinte mil pessoas estavam diante de mim, eu, em minha apreendo, não tinha uma palavra para dizer a Deus ou a eles. Mas nunca fui totalmente abandonado. Muitas vezes soube por feliz experiência o sentido das palavras do Senhor quando disse: "Do seu interior correrão rios de água viva." O amplo firmamento acima de mim, o panorama dos campos adjacentes, com a visão de milhares e milhares, uns em carruagens, outros em lombos de cavalos, outros em árvores e, por vezes, todos juntamente emocionados e molhados de lágrimas, havendo ás vezes, como acréscimo a isso tudo, a solenidade da aproximação da noite era quase demais para mim, e me dominava."
Wesley escreve em seu diário: "Sábado, 31 (março de 1731). Cheguei de noite a Bristol e encontrei o
Sr. Whitefield lá. Eu relutava de início em reconciliar-me com esse estranho modo de pregar nos campos, de que ele me deu um exemplo no domingo, tendo sido toda a minha vida (até muito recentemente) muito obstinado em todos os pontos relativos à decência e à ordem, a ponto de considerar quase um pecado salvar almas, a não ser numa igreja."
Tais eram os sentimentos de um homem que mais tarde se tornou
um dos maiores pregadores de praça pública que já existiram!
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
91
Não me demorarei a descrever o Sr. Whitefield em nosso
logradouro de Kennington entre dezenas de milhares de pessoas, ou em
Moorfields bem de manhã, quando os lampiões piscavam como outros
tantos vaga-lumes sobre uma ribanceira relvosa numa noite de verão.
Nem mencionarei o número imenso de cenas gloriosas com Wesley e
seus mais renomados pregadores. Mas um quadro que mais se aproxima
daquilo que alguns de vocês poderão copiar com facilidade, fixou-se
fortemente em minha memória. E o exponho diante de vocês afim de
que, nos dias vindouros, jamais desprezem o dia das coisas pequenas: "Wesley chegou a Newcastle na sexta-feira, 28 de maio. Saindo a
passeio depois do chá, ficou surpreso e chocado com a grande extensão da iniqüidade reinante. O alcoolismo e o hábito de praguejar pareciam generalizados, e mesmo as bocas das criancinhas estavam cheias de imprecações. De como passou o sábado, não estamos informados. Mas, no domingo de manhã, às sete, ele e John Taylor se postaram perto da bomba d'água, em Sandgate, "a mais pobre e mais vil parte da cidade", e começaram a cantar em dueto o conhecido Salmo 100. Três ou quatro pessoas se aproximaram para ver de que se tratava. Logo o número cresceu e, antes de Wesley terminar a pregação, seus ouvintes eram de mil e duzentos a mil e quinhentos. Quando terminou o culto, o povo ficou de boca aberta, com profundo espanto pelo que dissera Wesley: "Se querem saber quem sou, meu nome é John Wesley. Às cinco da tarde, com a ajuda de Deus, pretendo pregar aqui de novo."
Gloriosas foram aquelas reuniões nos campos e nos terrenos
baldios, que duraram todo o longo período em que Wesley e Whitefield
foram bênçãos para a nossa nação. A pregação em campo aberto foi a
agreste nota dos pássaros cantando nas árvores em testemunho de que a
verdadeira primavera da religião chegara. As aves em cativeiro podem
cantar mais docemente, quem sabe, mas sua música não é tão natural,
nem tão seguro sinal da chegada do verão. Abençoado dia aquele em que
os metodistas e outros começaram a proclamar Jesus ao ar livre. As
portas do inferno tremeram, e os cativos do diabo foram libertados às
centenas e aos milhares.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
92
Uma vez recomeçada, a frutífera agência de pregação em campo
aberto não teve permissão para cessar. No meio de multidões
escarnecedoras e de chuvas de ovos podres e de coisas imundas, os
seguidores imediatos dos dois grandes metodistas continuaram atacando
vila após vila e cidade após cidade. Suas aventuras foram bem variadas,
mas o seu sucesso geralmente foi grande. Quem lê os incidentes
ocorridos em seus trabalhos, por vezes dá risada. Uma fila de animais de
carga é levada a dispersar gente congregada, e uma máquina de
bombeiros é posta em funcionamento e lançada sobre a multidão com o
mesmo propósito. Sinetas, chaleiras velhas, longos ossos, machadinhas,
cornetas, tambores e bandas de música inteiras foram empregados para
abafar a voz dos pregadores. Num caso, o touro de propriedade coletiva
foi solto, e em outros casos cães foram incitados a brigar. Os pregadores
precisavam ter rostos rijos como pedras, e é o que tinham. John Furz diz: "Logo que comecei a pregar, um homem vejo direto para a frente e
apontou uma arma de fogo ao meu rosto, jurando que estouraria os meus miolos se eu falasse mais uma palavra. Contudo, continuei falando, e ele continuou jurando, ás vezes metendo a boca da arma em minha boca, às vezes contra a minha orelha. Enquanto cantávamos o último hino, ele se pôs atrás de mim, disparou a arma e queimou parte de meu cabelo."
Depois disto, meus irmãos, jamais deveríamos falar de pequenas
interrupções ou aborrecimento. A proximidade de um bacamarte nas
mãos de um filho de Belial não favorece muito a reflexão serena e a
elocução clara, mas a experiência de Furz certamente não foi pior do que
a de John Nelson, que calmamente diz: "Mas quando eu estava no meio do meu discurso, alguém de fora da
congregação atirou uma pedra, que me feriu a cabeça. Todavia, aquilo fez o povo prestar-me maior atenção, principalmente quando viram o sangue correr pelo meu rosto. Assim, tudo ficou tranqüilo até eu terminar e pôr-me a cantar um hino."
A vida de Gideon Ouseley, narrada pelo Dr. Arthur, é um dos mais
poderosos testemunhos do valor da pregação ao ar livre. Na primeira
parte do corrente século, de 1800 a 1830, ele estava na plenitude do seu
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
93
vigor, cavalgando através da Irlanda inteira, pregando o evangelho de
Jesus em todas as cidades. Seu púlpito geralmente era o lombo do seu
cavalo, e ele e seus coadjutores eram conhecidos como os homens de
gorros pretos, por causa do seu costume de usar barretes. Este ministério
cavalariano foi em sua época a causa de um grande avivamento na
Irlanda, e incutiu a esperança de mexer com a maldição profundamente
arraigada entre os irlandeses – o poder do sacerdócio e a superstição do
povo. Ouseley mostrou em todas as ocasiões muita sagacidade e um
toque de humorismo com bom senso. Daí, geralmente pregava em frente
da vitrina do farmacêutico, porque a turba seria o menos liberal possível
com suas pedras, ou, em segundo lugar, procurava ter atrás de si a
residência de um respeitável católico romano, pela mesma razão.
Seu sermão pregado na escadaria de pedra do edifício do mercado
de Enniscorthy foi um belo espécime do seu habilidoso método de
enfrentar uma excitada chusma de irlandeses. Darei boa extensão dele
aqui, para que vocês saibam como agir se alguma vez forem colocados
em circunstâncias semelhantes: "Ele tomou posição, tirou o chapéu, pôs o seu gorro de veludo preto e,
depois de alguns momentos passados em oração silenciosa, começou a cantar. O povo começou a reunir-se ao redor dele e, durante o cântico de algumas estrofes, esteve quieto e aparentemente atento, mas logo começou a ficar inquieto e barulhento. Então ele começou a orar, e por breve tempo seguiu-se a calma. Mas logo, conforme aumentava a multidão, esta foi ficando intranqüila, turbulenta mesmo. Ele concluiu a oração e começou a pregar. Mas evidentemente os presentes não estavam dispostos a ouvi-lo. Antes de pronunciar muitas sentenças, mísseis começaram a voar – a princípio não de tipo muito destrutivo; eram refugos legumes, batatas, nabos, etc. Pouco depois, porém, foram atirados materiais mais duros – cacos de tijolos e pedras alguns dos quais o atingiram e lhe infligiram ferimentos leves. Ele parou e, depois de uma pausa, bradou: "Caros rapazes, que há com vocês hoje? Não querem deixar um velho falar-lhes um pouco?" "Não queremos ouvir nem uma palavra saída da sua cabeça velha", foi a pronta resposta de alguém da multidão. "Mas o que quero dizer-lhes, acho que gostariam de escutar." "Não; não vamos gostar de nada que você possa
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
94
falar-nos." "Como sabem? Quero contar-lhes uma história sobre alguém que vocês dizem que respeitam e amam." "Quem é?" "A bendita virgem." "Oh, e que você sabe sobre a bendita virgem?" "Mais do que vocês pensam. Estou certo de que o que vou dizer-lhes lhes agradará, se tão-somente me escutarem." "Vamos lá, então, disse outra voz, ouçamos o que ele tem para dizer acerca da santa mãe.
"Aí houve calma, e o missionário começou: Era um vez um jovem par de noivos de uma cidadezinha chamada Caná. Ficava naquela região onde o nosso bendito Salvador passou grande parte de Sua vida entre nós. E aquelas pessoas decentes cujos filhos iam casar-se acharam de bom alvitre convidar a bendita virgem para a festa de núpcias, e também a seu bendito Filho e alguns dos Seus discípulos. E todos eles acharam que ficava bem comparecer. Quando estavam à mesa, a virgem mãe julgou notar que o vinho providenciado para o banquete começava a escassear, e a preocupou a idéia de que o bom casal de jovens ia passar vergonha diante dos seus amigos. Por isso ela sussurrou ao seu bendito Filho: "Eles não têm vinho." "Não se preocupe com isso, madame", disse Ele. E um ou dois minutos depois, ela, sabendo bem o que estava no bom coração dEle, disse a um dos criados que estava passando por trás deles: "Faça tudo o que ele lhe disser." Conseguintemente, logo depois, o nosso bendito Senhor disse a outro deles – suponho que fizeram passar a palavra entre eles: "Encham d'água as talhas." (Havia seis destas num canto da sala, e cada uma delas levava quase três galões, pois o povo daquela região usava muita água diariamente.) E, lembrando-se das palavras da virgem santa, fizeram o que Ele mandou, voltaram, e disseram: "Cavalheiro, as talhas estão cheias até as bordas." "Agora, levem um pouco ao mestre-sala, que está à cabeceira da mesa", disse Ele. Eles o fizeram. O mestre-sala o provou, e eis aí, vejam só! Era vinho, e ainda o melhor vinho. Havia bastante dele para a festa; sim, e talvez algum tenha sido deixado para o jovem casal que estava montando casa.
"Em tudo isso, vocês vêem, os criados acataram o conselho da bendita virgem, e fizeram o que ela lhes ordenou. Ora, se ela estivesse entre nos hoje, daria o mesmo conselho a cada um de nós: "Faça tudo o que Ele lhe disser", e com boa razão o diria, pois ela bem sabe que não há nada senão amor por nós em Seu coração, e nada senão sabedoria provém dos Seus lábios. E agora lhes direi algumas coisas que Ele nos fala. Diz Ele: "Esforçai-
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
95
vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão."
"E de imediato o pregador, abreviadamente, mas com clareza e energia, expôs a natureza da porta da vida, sua estreiteza, e a tremenda necessidade do homem esforçar-se para passar por ela, concluindo com o conselho da virgem: "Faça tudo o que Ele lhe disser." De semelhante modo ele explicou e incutiu em seus ouvintes algumas outras contundentes palavras do nosso divino Senhor: "Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus"; e: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me" – reforçando a sua exortação, em cada exemplo, com o conselho dado pela virgem aos criados de Caná. "Mas não, rompeu ele afinal, não; com todo o amor e reverência que vocês pretendem ter pela bendita virgem, não querem seguir o seu conselho, mas estão muito dispostos a dar ouvidos a qualquer mestre-escola beberrão que os seduzirá e os levará a um bar, e meterá males e iniqüidades em suas cabeças." Aqui ele foi interrompido por uma voz que parecia ser de um ancião, exclamando: "Você está certo; está certo. Se passou a vida toda falando mentiras, o que está dizendo agora é a verdade." E assim o pregador conseguiu chegar ao fim do seu discurso com muito bom efeito."
A historia do Primitivo Metodismo podia ser incorporada
substancialmente aqui, como parte do nosso esboço da pregação ao ar
livre, pois aquele maravilhoso movimento missionário deveu o seu
surgimento e o seu progresso a esse instrumento de ação. É, todavia, uma
singular reprodução dos acontecimentos dados no primeiro período do
metodismo de oitenta ou noventa anos atrás. Os wesleyanos tornaram-se
respeitáveis, e foi a época em que o fogo antigo precisou arder no meio
de outra classe de homens. Se Wesley estivesse vivo, ter-se-ia gloriado
nos pobres mas bravos pregadores que arriscavam a vida para proclamar
a mensagem do amor eterno entre os depravados, e os teria chefiado na
cruzada que empreenderam. Fosse como fosse, outros líderes se
apresentaram, e em pouco tempo o zelo deles impeliu uma hoste de
fervorosas testemunhas que não podiam ser intimidadas por turmas
desordeiras, nem pelos magistrados, nem pelo clero. Tampouco podiam
ter o seu ânimo esfriado pelos "gentis" irmãos cujo senhorio eles
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
96
atacavam tão terrivelmente. Então apareceram em abundancia as velhas
armas. Produtos agrícolas em todos os estágios de decomposição
premiavam os zelosos apóstolos nabos e batatas foram os primeiros
pratos, logo seguidos de ovos podres, em quantidade extraordinária,
sendo que temos notado que freqüentemente estes últimos eram ovos de
ganso, escolhidos, supomos, por seu tamanho. Um balde de alcatrão de
hulha estava geralmente de prontidão; sujeira tirada dos bebedouros dos
cavalos vinha também, e isso tudo ao som de assobios agudos, cornetas e
tambores de sentinelas. Barris de cerveja eram providenciados pelos
defensores de "igreja e reí", para refrigério dos atacantes ortodoxos,
enquanto que tanto os pregadores como os seus discípulos eram tratados
com tal brutalidade que despertavam compaixão até no coração de
adversários.
Tudo isso era, felizmente, uma violação da leí, mas os poderosos,
descompromissados, fingiam que não viam os transgressores, e se
esforçavam para intimidar o pregador e silenciá-lo. Por amor a Cristo,
alegravam-se por serem tratados como vadios e vagabundos, e o Senhor
os revestiu de grande honra. Conseguiam-se discípulos, e os
perturbadores se multiplicavam, Até um período bem recente, esses
devotados irmãos foram combatidos com violência, mas a sua jubilosa
experiência os levou a perseverarem em seus hábitos de cantar pelas
ruas, de reunir-se ao ar livre, e de outras irregularidades. Benditas
irregularidades, pelas quais centenas de extraviados foram encontrados e
conduzidos ao aprisco de Jesus.
Não me dá o tempo para ilustrar o assunto com descrições da obra
de Christmas Evans e de outros em Gales, ou dos Haldanes na Escócia,
ou ainda de Rowland Hill e seus irmãos espirituais na Inglaterra. Se
quiserem desenvolver o tema, esses nomes poderão servir de sugestões
para o descobrimento de materiais abundantes. E posso acrescentar à
lista The Life of Dr. Guthrie, em que ele registra notáveis reuniões ao ar
livre, na época do rompimento, quando a Igreja Livre ainda não tinha
locais de culto construídos por mãos humanas.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
97
Devo deter-me um momento quanto a Roberto Flockhart de
Edimburgo. Embora luz menor, foi uma luz constante, e bom exemplo
de toda a massa de testemunhas de Cristo nas ruas. Todas as noites, com
qualquer tempo e no meio de muitas perseguições, este bravo
permaneceu falando nas ruas durante quarenta e três anos. Pensem
nisso, e jamais ficarão desalentados. Quando estava prestes a tombar na
sepultura, o velho soldado ainda estava no seu posto. "A paixão pelas
almas", disse ele, "levou-me às ruas e vielas da minha cidade natal, para
argumentar com os pecadores e persuadi-los a virem a Jesus. O amor de
Cristo me constrangeu." Nem a hostilidade da polícia, nem os insultos
dos papistas, dos unitários e de outros que tais, puderam demovê-lo. Ele
censurava o erro com os mais claros termos, e pregava com todo o seu
poder a salvação pela graça. Seu pensamento é tão recente que
Edimburgo ainda se lembra dele. Há lugar para tal coisa em todas as
cidades e povoações; há necessidade de centenas de obreiros de sua
nobre estirpe nesta enorme nação de Londres – posso dar-lhe título
menor?
Na América, homens como Peter Cartwright, Lorenzo Dow, Jacob
Gluber e outros da geração passada, mantiveram uma gloriosa guerra a
céu aberto à sua maneira original. E em época mais recente, o amado
Taylor deu-nos outra prova do imensurável poder deste modo de
empreender cruzadas, em sua obra Seven Years of Street Preaching in
San Francisco, California (Sete Anos de Pregação nas Ruas de São
Francisco). Conquanto duramente tentado a fazê-lo, vou abster-me desta
vez de fazer extratos daquela obra deveras notável.
As reuniões em acampamentos são uma espécie de pregação
campal associada, e se institucionalizaram nos Estados Unidos, onde
tudo tem que ser feito em grande escala. Isto me levaria a outro assunto.
Portanto, simplesmente lhes propiciarei um vislumbre desse meio útil, e
depois pararei. A seguinte descrição das primeiras reuniões em
acampamentos na América é da pena do autor de uma Narrative of
Mission to Nova Scotia (Narrativa de uma Missão na Nova Escócia):
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
98
"As barracas geralmente são armadas em forma de crescente, em cujo centro está uma plataforma para os pregadores. À volta desta, em todas as direções, são colocadas fileiras de pranchas de madeira para as pessoas se sentarem e ouvirem a Palavra. Entre as árvores, que estendem suas copas sobre esta igreja no bosque, foram pendurados lampiões, que ardem a noite inteira e fornecem luz para os vários exercícios religiosos que ocupam as solenes horas da noite alta.
"Eram quase vinte três horas quando cheguei pela primeira vez á margem do acampamento. Deixei meu barco na beira da mata, a uma milha da cena. E quando dei com o terreno do acampamento, minha curiosidade converteu-se em espanto, ao contemplar os lampiões pendentes por entre as árvores; as barracas ocupando em semi-círculo um amplo espaço; quatro mil pessoas no centro deste, ouvindo com profunda atenção o pregador, cuja altíssima voz e animada maneira levavam a vibração de cada palavra à grande distância, através da floresta profundamente umbrosa onde, salvo as tremeluzentes luzes do acampamento, as trevas cobriam tudo e espalhavam sombras decuplicadas. Tudo incitava a minha admiração e forçosamente me fazia lembrar os hebreus no deserto. As reuniões em geral começavam segunda-feira de manhã, encerrando-se na manhã da sexta-feira seguinte. Os trabalhos diários do efetuados da seguinte maneira: de manhã, às cinco horas, soa no acampamento a corneta chamando para a pregação ou para a oração. Isto, com exercícios similares, ou com um breve intervalo, leva até à hora do desjejum, às oito horas. Às dez soa a corneta para a pregação pública, depois da qual, até o meio-dia preenche-se o intervalo com pequenos grupos de oração, que se espalham por todo o acampamento, para um lado e outro, nas barracas e debaixo das árvores. Depois do almoço, toca a corneta às catorze horas; é para pregação.
"Eu devia ter anotado que, geralmente, uma ou duas mulheres ficam em cada barraca, encarregadas de preparar as coisas para as refeições. Mantêm-se fogo aceso em diferentes partes do acampamento, onde se ferve água para o chá, sendo proibido o uso de bebidas alcoólicas. Depois da pregação da tarde, as coisas seguem quase o mesmo curso seguido de manhã, só que os grupos de oração são em maior escala, e se dá maior amplitude às exortações vigorosas e às orações em voz alta. Alguns que realizam os trabalhos nestas ocasiões, logo perdem a voz e, no fim da reunião no acampamento, muitos dos pregadores e dos demais participantes só conseguem falar cochichando. Às dezoito horas, a corneta convoca para
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
99
a pregação, após o que, embora não de modo regular, todos os passos acima descritos continuam até adentrar a noite. Sim; e durante qualquer parte da noite em que você se desperte, vozes de louvor ressoam no ermo."
Se reuniões como essas poderiam ser feitas em nosso país, sob
prudente administração, não posso decidir. É questão que me toca,
porém, como digna de consideração se, em alguns terrenos espaçosos
não se poderiam realizar serviços espirituais no verão, digamos por uma
semana cada vez, dirigidos por ministros que se sucedessem uns aos
outros na proclamação do evangelho sob as árvores. Sermões e reuniões
de oração, discursos e hinos, podiam seguir-se uns aos outros em sábia
sucessão. Talvez milhares pudessem ser induzidos a reunir-se para
prestar culto a Deus, entre os quais poderiam estar vintenas e centenas de
pessoas que nunca entram em nossos santuários regulares. Não somente
algo precisa ser feito para evangelizar os milhões, mas tudo precisa ser
feito, e talvez, em meio à variedade de esforços, a coisa melhor venha a
ser descoberta. "Com o fim de, por todos os modos, salvar alguns", deve
ser o nosso moto. E isto deve estimular-nos a irmos adiante, pelas
estradas e encruzilhadas, e a compeli-los a entrar.
Irmãos, falo como a sábios. Ponderem o que digo.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
100
PREGAÇÃO AO AR LIVRE – NOTAS ADICIONAIS
Temo que em algumas das nossas igrejas rurais menos esclarecidas
haja alguns indivíduos conservadores que quase crêem que pregar em
qualquer lugar que não seja templo ou capela seria uma inovação
chocante, traço seguro de tendências heréticas, e sinal de zelo sem
conhecimento. Qualquer jovem colega que cuide da sua comodidade
entre eles não deve sugerir nada tão irregular como um sermão fora das
muralhas da sua Sião. Dos velhos tempos se nos diz: "Grita na rua a
sabedoria, nas praças levanta a sua voz; do alto dos muros clama, à
entrada das portas e nas cidades profere as suas palavras"; mas os sábios
da ortodoxia manteriam a sabedoria amordaçada, exceto sob o teto de
um edifício licenciado. Essas pessoas crêem num Novo Testamento que
diz: "Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as
bodas a quantos encontrardes", e, contudo, não apreciam a obediência
literal a essa ordem. Imaginariam eles que uma bênção especial resulta
de sentar-se num certo banco de madeira, como que em dura sela – uma
invenção de desconforto que de há muito devia ter feito o povo preferir
cultuar a Deus fora, sobre os verdes gramados? Suporiam que a graça
pode ser obtida por boa acústica ou pode ser conseguida das almofadas
dos púlpitos como a poesia? Estariam enamorados do mau ar e da
atmosfera sufocante de alguns dos nossos locais de reunião que os
tornam quase repugnantes ao nariz e aos pulmões, como os locais em
que os papistas fazem as suas missas, impregnados de incenso barato e
grosseiro?
Replicar a esses oponentes é tarefa que não nos anima. Preferimos
adversários dignos do aço que usamos neles, mas esses aí mal merecem
uma ligeira observação. O preconceito deles dá vontade de rir. Mas
talvez tenhamos que chorar por causa disso, se permitirmos que se
levante no caminho dos bons meios empregados.
A pregação ao ar livre não precisa de defesa de nenhuma espécie.
Mas seriam necessários argumentos muito poderosos para provar que
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
101
aquele que nunca pregou fora das paredes do seu local de reuniões
cumpriu o seu dever. Requer-se maior defesa dos serviços religiosos
realizados no interior de edifícios, do que dos cultos feitos fora deles.
Certamente precisariam de escusas os arquitetos que empilham pedra e
tijolo até os céus quando há tanta necessidade de salões para a pregação
entre os pobres pecadores cá embaixo. O que necessita enormemente de
defesa são as florestas de colunas de pedra, que impedem ver o pregador
e ouvir-lhe a voz; os tetos góticos, altíssimos, nos quais todo o som se
perde, e os homens se matam, forçados a gritar até rebentarem seus
vasos sanguíneos; e também requer defesa a produção de ecos pela
exposição de superfícies duras e refratárias, que repelem o som, para
satisfazer as exigências da arte em detrimento da conveniência dos
ouvintes e do orador.
Certamente se exige também, mal e mal, alguma desculpa decente
para aquela gente infantil que sente necessidade de desperdiçar dinheiro
com a colocação de assombrações e monstros nas partes externas das
suas casas de culto, e precisa ter outras ridículas peças do papado nelas
fixadas, por dentro e por fora, para desfigurar em vez de adornar as suas
igrejas e capelas. Não há, porém, necessidade de nenhum tipo de defesa
para o vastíssimo auditório do Pai celeste, em todos os aspectos muito
bem apropriado para a proclamação do evangelho – tão livre, tão
completo, tão expansivo, tão sublime! A realização habitual de reuniões
religiosas em recintos cobertos pode-se desculpar na Inglaterra porque o
nosso clima é execravelmente mau. Mas bem que esse hábito pode ser
interrompido quando o tempo está bom e firme, e se podem obter espaço
e tranqüilidade. Não somos como o povo da Palestina que pode fazer
previsão do tempo e não está correndo toda hora o risco de uma
chuvarada. Mas se nos encontramos sub Jove – sob Júpiter – como
dizem os latinos, devemos esperar que o Jove da hora seja o Jupiter
pluvius – Júpiter chuvoso. Sempre podemos ter um dilúvio quando
menos o desejamos, mas se marcarmos um culto ao ar livre no domingo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
102
que vem, de manhã, não temos nenhuma garantia de que não ficaremos
molhados até os ossos.
É verdade que alguns sermões notáveis foram pregados na chuva,
mas como regra geral o ardor dos ouvintes raramente é bastante grande
para suportar aguaceiros. Além disso, o frio dos nossos invernos é
intenso demais para permitir serviços religiosos a campo aberto durante
o ano todo, embora na Escócia tenham-me falado de sermões pregados
em plena chuva e neve; e John Nelson escreve que falou a "uma
multidão demasiado grande para ficar dentro de casa, embora estivesse
escuro e nevasse."
Essas coisas podem ser feitas de vez em quando, mas as exceções
somente confirmam a regra. Convém reconhecer também que, quando as
pessoas se reúnem entre paredes, se a casa for tão conveniente que não
se poderia conseguir prontamente mais pessoas como ouvintes, e se
estiver sempre repleta, não há por que ir para fora e pregar a menor
número de pessoas do que as que estariam dentro. Pois, consideradas
todas as coisas, um assento confortável e protegido do tempo, bem como
do barulho e da interferência alheia, é útil para a pessoa ouvir o
evangelho com solenidade e tranqüila reflexão. Um edifício bem
ventilado e bem administrado é vantajoso, se as multidões podem ficar
bem acomodadas e ser induzidas a comparecer. Mas estas condições
raramente se encontram, pelo que meu voto é a favor dos campos
abertos.
O grande beneficio da pregação ao ar livre é que consegue muitos
novos freqüentadores para ouvir o evangelho – que doutro modo jamais
o ouviriam. A ordem do evangelho é: "Ide por todo o mundo e pregai o
evangelho a toda criatura", mas é tão pouco obedecida, que se pode
imaginar que seus termos do: "Ide ao vosso próprio local de culto e
pregai o evangelho às poucas criaturas que entrarão ali."
"Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as
bodas a quantas encontrardes." Embora isto constitua parte de uma
parábola, merece ser tomado literalmente e, fazendo assim, o seu
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
103
significado será captado melhor. Devemos de fato ir às ruas, vielas e
estradas, pois existem elementos furtivos nas valetas, vagabundos nas
estradas, gente da rua e das vielas, que jamais atingiremos se não os
procurarmos em seus próprios domínios. Os caçadores não devem ficar
parados em casa esperando que as aves venham, e então alvejá-las.
Tampouco devem os pescadores atirar as redes dentro dos seus barcos e
esperar apanhar assim muitos peixes. Os negociantes vão aos mercados,
vão atrás dos seus fregueses e saem à procura de negócios, se estes não
vêm a eles. Assim deve ser conosco.
Alguns dos nossos irmãos ficam palrando sem parar a bancos
vazios e a genuflexórios mofados, quando poderiam estar transmitindo
duradouro beneficio a centenas, se deixassem por um pouco as velhas
paredes e procurassem pedras vivas para Jesus. Oxalá saiam de Reobote
e achem lugar na esquina da rua. Oxalá deixem Salém e procurem paz
para as almas negligenciadas. Oxalá deixem de sonhar em Betel, mas
façam com que um espaço aberto não seja outra coisa que a casa de
Deus. Oxalá desçam do Monte Sião, subam de Enom, e até mesmo se
retirem das igrejas da Trindade, de Santo Agnes, de São Miguel e Todos
os Anjos, de Santa Margarida das Patenas, de São Vedasto, de Santa
Etelburga e de todo o restante delas, e tratem de encontrar novos santos
entre os pecadores que estão perecendo por falta de conhecimento.
Sei de pregações nas ruas de Londres notavelmente abençoadas
para pessoas cujo caráter e condição impediriam totalmente que se
achassem num local de culto. Sei, por exemplo, de um amigo judeu que,
ao vir da Polônia, não entendia nada do idioma inglês. Caminhando pelas
ruas no domingo, notou numerosos grupos que ouviam a zelosos
pregadores. Ele nunca tinha visto coisa igual em seu país, onde a polícia
russa ficaria alarmada se se vissem grupos conversando. Portanto, ficou
interessadíssimo. Conforme foi aprendendo um pouco de inglês, foi-se
tornando mais e mais constante em seu comparecimento para ouvir os
oradores de rua. Na verdade, de inicio fazia isso em grande parte movido
pelo interesse em aprender a língua. Receio que o inglês que aprendeu
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
104
não foi do melhor, juízo que formo tanto do que tenho ouvido da oratória
ao ar livre, como do que ouvi do nosso amigo judeu, cuja teologia é
superior ao seu inglês. Contudo, aquele "verdadeiro israelita" sempre
tem razão ao recomendar os pregadores de rua.
Somos incapazes de calcular quantos outros estrangeiros e
forasteiros podem ter-se tornado concidadãos dos santos e membros da
família de Deus, pela mesma instrumentalidade. Os romanistas também
são atingidos por este método com mais freqüência do que alguns
suporiam. Poucas vezes é sensato publicar casos de conversão de
papistas, mas a minha observação pessoal leva-me a crer que são muito
mais comuns do que há dez anos, e a obra da graça geralmente começa
com o que se ouve do evangelho nas esquinas de nossas ruas. Os infleis
constantemente se rendem à Palavra do Senhor, assim recuperada para
eles. Demais, o evangelista de rua atrai a atenção daquelas pessoas
excêntricas cuja religião não se pode descrever nem imaginar. Essas
pessoas odeiam até olhar as nossas igrejas e os nossos locais de reunião,
mas ficam no meio de uma multidão para ouvir o que se fala e, muitas
vezes, os que mais dão a aparência de que são hostis são os que ficam
mais impressionados com a mensagem.
Além disso, há numerosas pessoas nas grandes cidades que não
possuem roupas próprias para o culto, de acordo com a idéia corrente de
que roupas deveriam ser. E não poucas pessoas há que, elas mesmas,
como também suas vestimentas, são tão sujas, tão mal-cheirosas, tão
repelentes, que o maior filantropo e o democrata mais igualitário
desejariam ter algum espaço entre si e aquelas "airosas" personalidades.
Há outros que, seja qual for o tipo de vestes que usam, não entrariam
numa capela por nenhuma consideração, pois acham que é uma espécie
de castigo assistir a um culto. Possivelmente recordam os aborrecidos
domingos da sua infância e os áridos sermões que ouviram nas poucas
vezes que entraram numa igreja. Mas o certo é que olham para as
pessoas que freqüentam locais de culto como se vissem nelas gente que
se livra da punição que deveria sofrer no mundo por vir, padecendo-a
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
105
neste mundo em lugar daquele. O jornal de domingo, o cachimbo e a
panela os encantam mais do que todas as arengas de bispos e outros
clérigos, quer da igreja estabelecida, quer dos dissidentes.
O evangelista de praça pública muitas vezes cativa esses membros
do partido do "Nada de Igreja" e, ao fazê-lo, freqüentemente acha
algumas das mais ricas gemas que no final adornarão a coroa do
Redentor; jóias que, em razão de sua rusticidade, podem passar sem ser
notadas por uma classe mais enfadonha de conquistadores de almas. Nas
ruas de Nínive, Jonas foi ouvido por multidões que jamais teriam sabido
da sua existência, se ele tivesse alugado um salão. João Batista, junto ao
Jordão, despertou um interesse que nunca teria surgido, se ele se tivesse
restringido à sinagoga. E aqueles que foram de cidade em cidade
proclamando por toda parte a Palavra do Senhor Jesus, nunca teriam
transtornado o mundo se tivessem achado necessário limitar-se a salas
férreas adornadas com o aviso ortodoxo: "O evangelho da graça de Deus
será pregado aqui, no próximo domingo à norte, se Deus quiser."
Estou inteiramente seguro também de que, se pudéssemos persuadir
os nossos amigos da zona rural a saírem um bom número de vezes por
ano para fazer culto numa campina, ou à sombra de um bosque, ou na
encosta de uma colina, ou num jardim, ou num lugar público qualquer,
seria a melhor coisa para os ouvintes habituais. A simples novidade do
lugar renovaria o seu interesse e os despertaria. A ligeira mudança de
cenário exerceria maravilhoso efeito sobre o mais sonolento. Observem
quão mecanicamente eles se dirigem ao seu lugar de culto costumeiro, e
quão mecanicamente se retiram de lá. Caem nos seus bancos como se
tivessem achado afinal um lugar de repouso. Levantam-se com
espantoso esforço, para cantar, e se deixam cair antes que você tenha
tempo para uma doxologia no final do hino, porque nem notaram que ela
vinha a caminho. Como são molengas alguns ouvintes habituais! Muitos
dormem de olhos abertos. Depois de sentar-se certo número de anos no
lugar de sempre, onde os bancos, o púlpito, as galerias e todas as demais
coisas são sempre as mesmas, exceto que ficam um pouco mais sujas e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
106
manchadas cada semana, onde toda gente ocupa a mesma posição
sempre e para sempre, e o rosto, a voz e a entonação do ministro são as
mesmíssimas de janeiro a dezembro você se põe a sentir a santa quietude
da cena e a ouvir a que ela conduz, como se isso tudo se dirigisse ao
"embotado e frio ouvido da morte." Como o moleiro ouve as rodas do
seu moinho como se não as ouvisse; ou como o foguista mal nota o
barulho da sua máquina depois de suportá-lo por algum tempo; ou como
um habitante de Londres nunca repara no incessante barulho do tráfego,
assim, muitos membros de nossas igrejas tornam-se insensíveis aos mais
fervorosos sermões e os aceitam como uma coisa natural. A pregação e
tudo mais chegam a ser tão habituais que bem podiam deixar de existir
de uma vez.
Daí, uma mudança de lugar poderia ser útil; poderia impedir a
monotonia, sacudir a indiferença, sugerir reflexões, e de mil modos
poderia chamar a atenção e dar nova esperança de boas realizações. Um
grande incêndio que consumisse totalmente algumas das nossas capelas
não seria a maior calamidade ocorrida, se tão-somente fizesse levantar
alguns dos rivais dos sete dorminhocos de Éfeso, que nunca se moverão
enquanto o velho templo e os velhos bancos estiverem juntos. Ademais,
o ar fresco, e este com fartura, é uma grande coisa para todo mortal –
homem, mulher e criança.
Preguei na Escócia duas vezes num domingo em Blairmore, numa
pequena elevação na costa marítima. Depois de discursar com todas as
minhas forças a multidões de ouvintes que somavam milhares, não senti
nem a metade do cansaço que muitas vezes sinto quando me dirijo a
algumas centenas de pessoas num buraco escuro e horrível de Calcutá, a
que dão o nome de capela. Relaciono o meu vigor e a ausência de fadiga
em Blairmore ao fato de não haver ali janelas que pudessem ser fechadas
por pessoas que têm medo de correntes de ar, e ao fato de o teto ser da
altura dos céus. Minha convicção é que um homem pode pregar três ou
quatro vezes ao ar livre no domingo com menor fadiga do que a
ocasionada por um discurso feito numa atmosfera impura, aquecida e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
107
envenenada pela respiração humana, em que se veda cuidadosamente
toda infusão renovadora de ar natural.
As tendas são ruins – indescritivelmente ruins. Muito piores do que
os piores edifícios. Acho que a tenda é a mais objetável cobertura para
um local de culto que já se inventou. Alegra-me ver tendas empregadas
em Londres, pois o pior lugar é melhor do que nenhum, e porque elas
podem ser transferidas facilmente de um lugar para outro, e não sa muito
caras. Mas, ainda assim, se me fosse dado escolher entre não ter nada e
ter uma tenda, preferiria muitíssimo o ar livre. Sob a lona a voz é
amortecida, e o esforço para falar aumenta grandemente. O material age
qual manta molhada para a voz, mata a sua ressonância e impede a sua
trajetória. Com temerário esforço, no opressivo ar gerado numa tenda, é
mais provável que o pregador seja morto do que ouvido.
Vocês devem ten notado mesmo em nossas reuniões na Escola
Bíblica, quando somos apenas uns duzentos, como é difícil ouvir do
extremo de uma tenda, ainda quando os lados são abertos e o ar é puro.
Talvez possam nessas ocasiões atribuir o fato em certa medida à falta de
atenção e de silêncio da parte dessa congregação um tanto eufórica.
Entretanto, mesmo quando se eleva oração e todos estão calados, tenho
observado grande falta de poder de alcance na melhor voz debaixo de
uma grande tenda.
Se forem pregar ao ar livre no campo, talvez possam escolher o
melhor ponto em que pregar. Se não, naturalmente, usarão o que
conseguirem, e deverão com fé aceitá-lo como o melhor. A escolha de
Hobson* – este ou nenhum – simplifica a questão e evita muita contenda.
Não sejam exigentes demais. Se for o caso de existir um bosque perto do
templo da sua igreja, escolham-no, porque será muito conveniente para
voltar para dentro do salão de reuniões se o tempo não for favorável, ou
se quiserem fazer uma reunião de oração depois do sermão. É bom
* Um certo Hobson, de Cambridge, alugava cavalos, mas o freguês tinha que utilizar-se do cavalo
mais próximo da porta na ocasião – ou não levava nenhum. Nota do tradutor.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
108
pregar antes dos trabalhos regulares num ponto qualquer perto do local
de culto, de modo que se possa fazer o povo ir direto para dentro do
edifício antes de saber o que vai acontecer. Meia hora de pregação e de
cânticos ao ar livre antes da hora regular de reunião, com freqüência
servirá para encher uma casa vazia. Ao mesmo tempo, nem sempre se
apeguem a pontos próximos e acessíveis, mas escolham uma localização
por uma razão exatamente oposta, justamente por estar longe de qualquer
local de culto e negligenciada por completo. Pendurem lampiões onde
quer que haja um recanto obscuro; quanto mais escuro, mais luz é
necessária. Paradise Row (Passeio do Paraíso) e Pleasant Place (Local
Aprazível) são geralmente os lugares menos paradisíacos e menos
aprazíveis. Para lá volvam os seus passos. Vejam que os habitantes do
vale da sombra da morte percebam que surgiu a luz para eles.
Algures encontrei a recomendação para que se pregue sempre com
um muro atrás. Contra isso, porém, dou meu aparte. Tenham cuidado
com o que possa haver do outro lado do muro. Um evangelista recebeu
uma lata de água fervendo do alto de um muro, acompanhada desta
amável observação: "Aí vai sopa para os protestantes!" Outro foi
favorecido com sujeiras as mais detestáveis despejadas de uma vasilha,
de cima. Gideon Ouseley começou a pregar em Roscommon de costas
para uma parede triangular de uma indústria beneficiadora de tabaco.
Havia ali uma janela com uma porta de madeira, pela qual a mercadoria
era içada para o balcão interior. É para espantar, mas a janela abriu-se de
repente, e dela baixou um balde cheio de água de tabaco – um líquido
pegajoso, dolorosíssimo nos olhos! Nos anos posteriores, o pregador
soube fazer melhor do que postar-se em tão tentadora posição. Que a
experiência dele nos instrua.
Se me coubesse escolher um declive para pregar, preferiria ficar em
frente de um terreno em aclive, ou num espaço aberto circundado a
alguma distância por um muro. Claro que é preciso espaço suficiente
para permitir que os ouvintes se reúnam entre o púlpito e aquilo que
cerca o terreno em frente, mas eu gosto de ver um limite, e não de atirar
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
109
no espaço ilimitado. Não conheço mais belo lugar para um sermão do
que os terrenos do meu amigo Duncan, em Benmore. Era um extenso e
plano prado à frente de terraços em elevação, cobertos de abetos. As
pessoas podiam ocupar os assentos embaixo, ou acomodar-se nos bancos
de relva, comportando-se melhor por estarem bem acomodadas. E assim
eu tinha parte dos meus ouvintes nas galerias em aclive acima de mim, e
os restantes na área que me circundava. Minha voz subia sem
dificuldade, e imagino que, se o povo estivesse sentado colina acima até
uma distância de meia milha, poderia ouvir-me facilmente. Suponho que
o local favorito de Wesley em Gwennap Pit deve ter sido algo da mesma
ordem. Os anfiteatros e as encostas de morros são sempre os pontos
favoritos dos pregadores nos campos, e vocês verão na ocasião as suas
vantagens.
Uma vez o meu amigo Abraão construiu uma grande catedral em
Oxfordshire. O que resta dela ainda é chamado "Tabernáculo de
Spurgeon", e pode ser visto nas proximidades de Minster Lovell, na
forma de um quadrilátero de carvalhos. Originalmente era o beau ideal –
a excelência ideal – de um local de pregação, pois era uma clareira na
espessa floresta de Witchwood, e era alcançada por estradas abertas
através do mato secundário. Jamais esquecerei aquelas "verdes aléias" e
as verdejantes cercas vivas que as encerravam. Chegando à parte interna
do templo, via-se que ela consistia de uma grande quadra, da qual a mata
baixa e as árvores menores tinham sido cortadas, ao passo que deixaram
um número suficiente de carvalhos novos crescerem até considerável
altura, os quais faziam sombra sobre nós com os seus ramos. Ali estava
uma catedral verdadeiramente magnífica, com arcos e colunas. Um
templo não feito por mãos, do qual realmente se poderia dizer: "Pai, Tua mão ergueu estas colunas veneráveis, e deste verde
teto foste o Tecelão."
Jamais vi, tanto em meu país como no continente, uma arquitetura
que rivalizasse com a minha catedral. "Eis que o ouvimos em Efrata: nós
o encontramos nas clareiras do bosque." O firmamento azul era visível
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
110
através da nossa clarabóia, e da grande janela da extremidade o sol nos
sorria na chegada da noite. Senhores, era de fato grandioso prestar culto
assim, sob a abóbada celeste, distante dos sons do matraquear da cidade,
e onde tudo em derredor favorecia a silente comunhão com Deus.
Aquele local foi desfeito, e agora o local de nossas reuniões foi
escolhido à pequena distância dali. Suas características são quase
idênticas, só que os meus muros de vegetação florestal para delimitação
desapareceram para dar lugar a uma extensão aberta de campos
cultivados. Somente permanecem as colunas e o teto do meu templo,
mas ainda estou alegre como os druidas, por cultuar entre carvalhais.
Este ano uma pomba construiu o seu ninho justamente acima da minha
cabeça, e continuou voando para lá e para cá a fim de alimentar os
filhotes, enquanto prosseguia o sermão. Por que não? Onde ela haveria
de sentir-se mais à vontade do que no lugar em que o Deus de amor e
Príncipe da Paz é adorado? É verdade que a minha catedral, provida de
arcos, não é à prova d'água, e outras chuvas, além das chuvas de bênçãos
da graça divina, descerão sobre o povo congregado. Mas isso tem suas
vantagens, pois nos torna mais agradecidos quando o dia é propicio, e a
própria precariedade do tempo provoca grande quantidade de orações
fervorosas.
Certa vez preguei um sermão ao ar livre no tempo da colheita,
durante uma violenta tempestade de chuva. O texto era: "Ele descerá
sobre nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra", e o certo
é que tivemos a bênção, juntamente com a inconveniência. Eu fiquei
bastante molhado e os meus ouvintes ficaram ensopados, mas
permaneceram ali. Nunca ouvi dizer que algum deles ficasse pior de
saúde, embora, graças a Deus, tenha ouvido contar que almas foram
trazidas a Jesus sob aquele discurso. Uma vez ou outra, e quando há
grande entusiasmo, tais coisas não fazem dano a ninguém. Mas não
devemos esperar milagres, nem aventurar-nos desenfreadamente a um
curso de procedimento que possa matar os enfermos e lançar os
fundamentos da doença nos fortes.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
111
Recordo bem a pregação feita entre os penhascos de Cheddar. Que
nobre localização! Que beleza e sublimidade! Mas havia perigo de
caírem pedras, soltas pelas pessoas sentadas nas partes mais altas do
penhasco. Por isso, não tornaria a escolher aquele local. Devemos evitar
judiciosamente localizações que possibilitem graves acidentes. Uma
cabeça machucada não qualifica ninguém para desfrutar as belezas da
natureza, ou as consolações da graça. Concluindo um discurso no local
acima referido, invoquei aquelas poderosas rochas a darem testemunho
de que tinha pregado o evangelho ao povo, e a serem testemunhas contra
os meus ouvintes no grande dia final, se rejeitassem a mensagem. Só
outro dia fiquei sabendo de uma pessoa a quem aquele apelo foi tornado
útil pelo Espírito Santo.
Olhem bem o terreno que escolherem, que não seja barrento. Jamais
gosto de ver um homem escorregar e cair de joelhos na lama quando
estou pregando. Zonas de junco são com freqüência tão macias e verdes,
que as escolhemos sem notar que tendem a ficar lodosas, e causar pés
encharcados aos nossos ouvintes. Sempre dêem inconveniências a vocês
mesmos, antes que aos seus ouvintes. É como Jesus faria. Mesmo nas
ruas de Londres, a preocupação com a conveniência dos ouvintes é algo
que concilia uma multidão mais que qualquer outra coisa.
Evitem como seu pior inimigo a proximidade de álamos da
Normandia. Estas árvores fazem perpétuo ruído de silvo e rangido, quase
como o barulho do mar. Cada uma das folhas de certas espécies de
álamo está em permanente movimento, como a língua do tagarela. Pode
ser que o ruído não pareça muito alto, mas apaga a melhor voz. "O som
de movimento nas copas dos pés de amora" está bem, mas, tratem de
livrar-se do barulho dos álamos e de algumas outras árvores, ou sofrerão.
Tive penosa experiência com essa coisa irritante. Padecia-me que a velha
serpente silvava para mim daqueles galhos.
Pregadores experimentados cuidam para que o sol não dê
diretamente nos seus rostos. Tampouco desejam que os seus ouvintes
sejam molestados de igual modo. Portanto, eles tomam este item em
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
112
consideração quando planejam um culto. Em Londres não vemos esse
luzeiro bastantes vezes para ficarmos muito preocupados com este ponto.
Não tentem pregar contra o vento, pois será uma vá tentativa.
Poderão lançar a voz a uma curta distância com um esforço espantoso,
mas não poderão ser bem ouvidos nem sequer por poucas pessoas. Não é
freqüente eu adverti-los a considerarem o lado para o qual o vento sopra,
mas nesta ocasião os exorto a fazê-lo, caso contrário trabalharão
inutilmente. Preguem de modo que o vento leve sua voz em direção ao
povo, em vez de soprá-la de volta à sua garganta, ou terão que engolir
suas próprias palavras. Não há como medir quão longe um homem pode
ser ouvido com o vento a seu favor. Em certas atmosferas e climas, como
por exemplo nos da Palestina, as pessoas podem ser ouvidas a algumas
milhas de distância. Frases isoladas de um linguajar bem conhecido na
Inglaterra podem ser reconhecidas bem longe, mas eu tenho sérias
dúvidas sobre alguém que diga que compreendeu uma frase nova a mais
de uma milha de distância. Consta que Whitefield foi ouvido a uma
milha, e me afirmaram que eu mesmo fui ouvido àquela distância, mas
quanto a isso eu sou um tanto cético. Certamente meia milha basta,
mesmo com a ajuda do vento, mas é preciso de que se assegurem de que
serão ouvidos.
No campo deve ser fácil achar um lugar apropriado para pregar.
Uma das primeiras coisas que o ministro deve fazer quando sai da Escola
Bíblica, e se estabelece numa cidade ou vila campestre, é começar a falar
ao ar livre. Geralmente Não terá dificuldade quanto á localização. A terra
está diante dele, e pode escolher segundo o seu desejo. A praça do
mercado será um bom começo. Depois, a parte da frente de um pátio
apinhado de pobres. Em seguida, a esquina favorita dos ociosos da
paróquia. Cheap Jack's Stand – O Ponto do Joãozinho Barateiro dará um
excelente púlpito no domingo à noite, durante a feira do povoado, e uma
carroça servirá bem, no gramado, ou num campo próximo, nas noites dos
dias úteis durante as festas dos camponeses. Ótimo lugar para um
discurso al fresco é o prado onde os velhos olmos, há muito tempo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
113
caídos, jazem ainda ali em reserva, como se destinados a servir de
assentos para os nossos ouvintes. Assim também é o cemitério das casas
de reunião onde "dormem os rudes antepassados da aldeia." Consagrem-
nos aos vivos e deixem que o povo desfrute "Meditações entre os
Túmulos." Depois, nada de escusas, e tratem de trabalhar imediatamente.
Em Londres, ou em qualquer cidade grande, é uma grande coisa
encontrar um lugar vago onde possam obter o direito de fazer trabalhos
religiosos a seu bel prazer. Se puderem descobrir um lote de terreno livre
de construção, e se puderem conseguir do proprietário autorização para
usá-lo enquanto ele não o ocupar, será uma grande aquisição, e vale a
pena fazer o pequeno gasto para cercá-lo, pois o pregador será o reí do
castelo e os perturbadores serão invasores. Suponho que não é fácil obter
um lugar assim, principalmente para quem não tem dinheiro; mas vale a
pena pensar nisso. É grande vantagem quando o local de culto tem ainda
um pequeno espaço externo, como na capela de Surrey, ou nos degraus
do Tabernáculo; pois ali se está fora da interferência da polícia e dos
ébrios. Se não contamos com nenhum desses, temos que achar esquinas
de ruas, logradouros em triângulo, recantos silenciosos, e amplos
espaços onde proclamar o evangelho. Anos atrás preguei a enormes
reuniões na Estrada do Reí Edward, Hackney, que consistia então de
campos abertos, mas agora não resta sequer uma jarda disponível.
Naquelas ocasiões o movimento era perigoso para a vida e para a
integridade física, e inumeráveis eram as multidões. Metade do número
garantiria maior segurança. Aquele espaço livre desapareceu,
acontecendo o mesmo com os campos de Brixton onde, em anos recém-
passados, era deleitável ver as multidões reunidas ouvindo a Palavra.
Sobrecarregado com o extraordinário problema de dirigir tanta gente
junta, fui compelido a abster-me desses trabalhos em Londres, não
porém por ter diminuído para mim o senso da sua importância. Com o
Tabernáculo sempre cheio, tenho em casa tanta gente como desejo e,
portanto, não prego ao ar livre, exceto na zona rural. Mas para aqueles
ministros cuja área coberta é pequena, e cujas reuniões de ouvintes são
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
114
pouco numerosas, o ar livre é o remédio, quer em Londres, quer nas
províncias.
Na promoção de um novo interesse, e nas operações missionárias,
os trabalhos ao ar livre são um dos principais instrumentos. Tratem de
conseguir que as pessoas ouçam lá fora para que, mais dia menos dia,
prestem culto lá dentro. Púlpito não falta. Uma cadeira pode servir, ou a
calçada das vias públicas. Quanto menos formalidade, melhor, e se vocês
começarem conversando simplesmente com os dois ou três que os
rodeiem, sem pretender sermonar, farão bem. Mais benefícios pode ser
feito pela conversação pessoal com um individuo, do que por um
discurso retórico a cinqüenta.
Não queiram interferir nas ocupações de toda gente, mas se se
acumular a multidão, não se apressem a concluir, de puro medo. Logo a
polícia lhes fará saber quando devem terminar. Todavia, vocês são muito
mais necessários onde não corram o perigo de impedir os passos dos
transeuntes, mas vocês mesmos é que estão sujeitos a perigos, Refiro-me
àqueles pátios de cortiços e aos becos de nossas grandes cidades que
jazem fora da rota da decência, e são desconhecidos de toda gente,
menos da polícia; e desta principalmente, devido a desordens e
ferimentos.
Falam da descoberta do interior da África; precisamos de
exploradores para os becos e redutos londrinos. As regiões árticas do
quase tão acessíveis como Dobenson's Rents e Jack Ketch's Warren.
Heróis da cruz – eis aqui para vocês um campo mais glorioso do que os
que El Cid contemplou quando, com sua valorosa destra, bateu os
exércitos de Paynim. "Quem me conduzirá à cidade fortificada? Quem
me guiará até Edom?" Quem nos capacitará a ganhar estes antros e
favelas para Jesus? Quem o fará, senão o Senhor? Os soldados de Cristo
que se aventurarem nessas regiões deverão esperar o avivamento das
práticas dos bons tempos antigos, no que se refere aos cacos de tijolo.
Experimentei certa vez a queda acidental de um vaso de flores de uma
alta janela numa direção notavelmente oblíqua. Contudo, se nascemos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
115
para sermos silenciados, vasos de flores não nos matarão. Sob essa
espécie de tratamento, pode ser reanimador o que Christopher Hopper
escreveu sob condições semelhantes, há mais de cem anos. "Eu não ligava muito para um pouco de sujeira, alguns ovos podres, o
som de uma corneta de chifre de vaca, o barulho de sinos ou algumas bolas de neve na estação própria. Mas às vezes eu era saudado com estouros, pedras, cacos de tijolo e cacetes. Desses eu não gostava muito. Não eram agradáveis, nem à carne, nem ao sangue. Às vezes eu perdia um pouco de pele, e uma vez perdi um pouco de sangue, arrancado da minha testa com uma pedra pontuda. Usei uma bandagem durante alguns dias, e não fiquei envergonhado. Gloriei-me na cruz. E quando os meus pequenos sofrimentos se tornavam abundantes por amor a Cristo, o meu consolo se tornava muito mais abundante. Nunca me senti mais feliz na alma, e mais abençoado nos trabalhos."
Fico um tanto contente quando ocasionalmente ouço contar que um
irmão foi trancafiado pela polícia, pois isto lhe faz bem, e também ao
povo. É bonito ver o ministro do evangelho levado pelo servo da leí!
Desperta simpatia por ele e, em seguida, simpatia por sua mensagem.
Muitos que não se interessavam nem um pouco por ele antes, ficam
ansiosos por ouvi-lo, quando lhe ordenam que parta, e mais ainda
quando é levado ao posto policial. Os mais vis membros da humanidade
respeitam o homem que se mete em problemas a fim de fazer-lhes bem,
e se notam que surge uma oposição injusta, tornam-se mais que zelosos
na defesa desse homem.
Estou persuadido de que quanto mais pregação ao ar livre houver
em Londres, melhor. Se pode vir a ser causa de aborrecimento para
alguns, será uma bênção para outros, desde que dirigida adequadamente.
Se o que se prega é o evangelho, e se o espírito do pregador é de amor e
de veracidade, não pode haver dúvida quanto aos resultados: o pão
lançado sobre as águas será encontrado de novo, após muitos dias.
Contudo, o evangelho deve ser pregado de modo digno de ser ouvido,
pois fazer barulho apenas, faz mais mal que bem. Conheço uma família
que quase ficou fora de si pelo horrível lançamento de exortações
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
116
monótonas, e o rugido de "Salvo nos braços de Jesus" perto de sua porta,
todas as tardes de domingo, o ano inteiro.
São cristãos zelosos, e estariam dispostos a ajudar os seus
atormentadores, se vissem a mais ligeira possibilidade de qualquer
proveito dos violentos berros. Mas, como raramente vêem um ouvinte, e
não acham que o que é proclamado faria qualquer beneficio se fosse
ouvido, lamentam ser forçados a perder suas poucas horas de sossego
porque dois bons homens crêem que têm o dever de fazer um trabalho
ruidoso, mas perfeitamente inútil.
Uma vez vi um homem pregando para nenhum ouvinte, exceto um
cão, que estava sentado sobre a cauda e olhava para cima com muita
reverência enquanto o seu dono discursava. Não havia ninguém nas
janelas, nem transeuntes, mas aquele irmão e o seu cachorro continuaram
no posto, quer o povo ouvisse, quer não. Outra vez passei por um
ardoroso declamador cujo chapéu estava no chão, diante dele, cheio de
papéis, e não havia sequer um cão para ouvi-lo, e ninguém ao alcance da
sua voz. Apesar disso, ele "desperdiçava a sua maviosidade no ar
deserto." Espero que ele tenha recuperado a razão. Realmente deve ser
considerado como parte essencial do sermão que alguém o ouça. O
mundo não pode receber grande beneficio com sermões pregados no
vácuo.
Quanto ao estilo da prédica ao ar livre, certamente deve ser muito
diverso daquilo que prevalece nos recintos fechados e, talvez, se um
orador devesse adquirir um estilo plenamente adaptado a ouvintes na rua,
seria sábio levá-los consigo portas adentro. Grande parte da prática de
fazer sermões pode definir-se como não dizer nada no máximo de
extensão. Mas, portas fora a verbosidade não é admirada. Você tem que
dizer alguma coisa e acabá-la bem, e prosseguir dizendo alguma coisa
mais, se não os ouvintes o farão saber. "E então", grita um crítico de rua,
"desembuche logo, velho companheiro." Ou se faz esta observação:
"Agora, pois, jogue isso fora! É melhor que você vá para casa e aprenda
a sua lição." "Encurte isso, meu velho!", é uma admoestação muito
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
117
comum, e eu gostaria que os presenteadores deste conselho gratuito
fizessem com que ele fosse ouvido no interior de Ebenézer, Zoar e
alguns outros lugares consagrados aos discursos longos. Onde essas
críticas não são empregadas, os ouvintes censuram a prolixidade indo
embora silenciosamente. Coisa muito desagradável esta, ver dispersar-se
o seu grupo de ouvintes; mas é uma clara notificação de que as suas
idéias andam muito dispersas também.
Na rua, a pessoa deve manter-se animada, empregar muitas
ilustrações e casos, e respingar uma observação curiosa aqui e ali.
Demorar muito num ponto nunca funciona. A argumentação deve ser
breve, clara, e concluída logo. O discurso não deve ser elaborado ou
complicado, nem é preciso que a segunda divisão dependa da primeira,
pois os ouvintes variam, e cada ponto deve ser completo em si mesmo. A
cadeia de pensamentos deve ser desmontada, e cada elo deve ser fundido
e transformado em bala. Você não precisa tanto do sabre de Saladino
para picar um lenço de musselina, como o machado de guerra de
Coração de Leão para quebrar uma barra de ferro. Vá ao ponto de uma
vez, e vá com todo o vigor.
Ao ar livre é preciso usar curtas frases de palavras e breves
passagens de pensamento. Longos parágrafos e grandes argumentos é
melhor reservar para outras ocasiões. Nas grandes reuniões feitas no
sossego do campo, há muito poder no silêncio eloqüente introduzido de
vez em quando. Dá ao povo tempo para tomar fôlego, e também para
refletir. Todavia, não tente fazer isso numa rua de Londres. Trate de ir
adiante ou, se não, alguém levará embora os seus ouvintes. Num sermão
pregado normalmente no campo, as pausas são muito eficientes, e úteis
de várias maneiras, tanto para o orador como para os ouvintes. Mas a um
grupo de pessoas que passam e que não estão inclinadas a nada que se
pareça a um culto, é mais adequado um discurso rápido, curto e incisivo.
Nas ruas o pregador deve agir e falar com intensidade, do princípio
ao fim. Por essa mesma razão, deve ser conciso e deve concentrar-se no
pensamento e na alocução. Não dá certo começar dizendo: "Diletos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
118
amigos, o meu texto é uma passagem da Palavra inspirada, que contêm
doutrinas da máxima importância e nos expõe, da maneira mais clara a
mais valiosa instrução prática. Chamo a vossa cuidadosa atenção e o
exercício do vosso mais cândido julgamento enquanto o considerarmos
sob vários aspectos e o colocamos sob diferentes luzes, para podermos
perceber sua posição na analogia da fé. Em sua exegese encontraremos
uma arena para os intelectos cultos e para as sensibilidades refinadas.
Como o sussurrante arroio percorre sinuosamente os prados e fertiliza os
pastos, assim a corrente da verdade sagrada fluí através das
extraordinárias palavras que agora estão diante de nós. Ser-nos-á bom
canalizar a cristalina corrente para o reservatório da nossa meditação, a
fim de sorvermos o cálice da sabedoria com os lábios da satisfação."
Cavalheiros, não é esse o tipo mais comumente usado para tecer o
palavreado? E esta arte não está em voga hoje em dia? Se você for ao
obelisco da estrada de Blackfriars e falar desse jeito, será saudado com :
"Vai-te, velho pára-choque!" ou "Não é que ele é uma beleza? Ai DOS
MEUS OLH OS!" Um jovem bem vulgar gritará: "Que boca para um
trapeiro!" E outro bradará em tom de solenidade zombeteira: "AMÉM!"
Se você lhes der ninharia, alegremente lha lançarão de volta ao peito.
Boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos
darão. As fraudes e as representações teatrais não receberão misericórdia
de gente reunida nas ruas. Mas, tenha alguma coisa para comunicar, olhe
no rosto dos ouvintes, diga o que pretende coloque-o com clareza,
ousadia, ardor e cortesia – e eles o ouvirão. Nunca fale só para preencher
o tempo ou só para escutar a própria voz; caso contrário, receberá
alguma informação sobre a sua aparência pessoal ou quanto ao seu modo
de falar, informação que provavelmente será mais verdadeira do que
agradável.
"Caracóis!" diz alguém. "Ele seria um ótimo dono de funerária! Ele
os faria chorar!" Este foi o cumprimento dado a um melancólico irmão
cujo tom é peculiarmente fúnebre. "Aí, meu velho", disse um crítico
noutra ocasião, "vá molhar a goela. Você deve sentir-se terrivelmente
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
119
seco depois de tagarelar desse jeito a respeito de coisa nenhuma." Isso
também foi muito apropriado a um irmão demasiado duro de agüentar,
de quem eu já tinha dito que daria um bom mártir, pois sem dúvida
queimaria bem, tão seco era. É triste, muito triste, que seja necessário
fazer estas observações, mas há em alguns de nós um veio travesso que
nos faz notar que as observações do vulgo muitas vezes são verdadeiras,
e "valem como se fossem o espelho da natureza." Como uma caricatura
freqüentemente dá uma idéia mais vívida de uma pessoa do que uma
fotografia, assim estes rudes críticos do populacho acertam o orador nos
pontos vitais com as censuras exageradas que fazem. O orador mais
excelente deve estar preparado para partilhar deste espírito da rua, e a
devolvê-lo, se necessário.
Mas, a ostentação, o ar austero, o formalismo, os rodeios infindos
do santarrão, e a ostensiva pretensão de superioridade, realmente
convidam os gracejos ofensivos, e em considerável medida os merecem.
Chadband e Stiggins, vestidos de preto rançoso, com os cabelos
emplastados, com um colarinho enorme – são objetos de irrisão, como o
próprio Sr. Guido Fawkes (conspirador romanista fanático). O homem
que se considere muito grande provocará imediata oposição, e a pretensa
ostentação de santidade sobrenatural terá o mesmo efeito. Quanto menos
você se pareça com um cura de almas, mais probabilidade terá de ser
ouvido. E se sabem que você é ministro, quanto mais você mostrar que é
um ser humano, melhor. "O que você recebe por isso, governador?", é o
que certamente lhe perguntarão se você parecer um clérigo. Neste caso, é
bom dizer-lhes logo que isso é extra, que você está fazendo horas extras,
e que não haverá coleta. Constantemente dizem: "Você faria maior
beneficio se nos desse um pouco de pão ou de cerveja, em lugar de
folhetos." Mas, uma atitude varonil e a declaração franca de que você
não está procurando salário, mas, sim, o bem deles, silenciarão aquela
antiquada objeção.
Os movimentos do pregador de rua devem ser do melhor tipo.
Devem ser puramente naturais e espontâneos. Nenhum orador deve
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
120
postar-se na rua de modo grotesco, pois assim se enfraquecerá e estará
pedindo um ataque. O pregador de rua não deve imitar o seu pastor, pois
os ouvintes logo descobrirão a imitação, se o irmão estiver em algum
ponto próximo de casa. Nem deve assumir atitude como a de menininhos
que dizem: "Meu nome é Norval." A postura rígida e formal, com
movimentos regulares dos braços é mãos para cima e para baixo, é
comumente adotada. E condeno mais ainda a atitude de maníacos
selvagens e desvairados que alguns apreciam, atitude que parece o
cruzamento da de Whitefield com ambos os braços no ar, com a de São
Jorge com ambos os pés violentamente empenhados em pisar no dragão.
Alguns são naturalmente prosaicos, e outros labutam arduamente para
ficar assim. Os londrinos maldosos dizem: "Que cura! " Eu só gostaria
de conhecer uma cura para esse mal.
Evitem-se todos os maneirismos. Agora mesmo observo que não se
faz nada sem uma enorme Bíblia de Bagster, de capa mole. Parece haver
um encanto especial no tamanho grande, conquanto quase seja preciso
um carrinho no qual empurrá-la. Com tal Bíblia cheia de fitas, escolha
uma localização no largo Seven Dials, segundo o modelo de um teólogo
graficamente descrito pelo Sr. McCree. Tire o chapéu, ponha nele a sua
Bíblia e ponha-o no chão. Deixe que o bondoso amigo que se aproxima
de você pela direita segure o seu guarda-chuva. Veja como o caro sujeito
se presta para fazê-lo! Não é agradável isso? Ele lhe garante que nunca
sente tanta felicidade como quando está ajudando homens de bem a
fazerem o bem. Agora, feche os olhos para orar. – Quando suas devoções
terminarem, alguém ter-se-á aproveitado da ocasião. Onde está o seu
afeiçoado amigo que segurava o seu guarda-chuva e o seu hinário? Onde
está aquele bem escovado chapéu, e aquela ortodoxa Bagster? Onde?
Mas, onde? O eco responde: "Onde?"
A catástrofe que desse modo descrevi sugere que um irmão faria
bem em acompanhá-lo nos seus primeiros trabalhos como pregador, para
que um vigie enquanto o outro ora. Se alguns amigos forem com você e
fizerem uma roda em redor, será uma grande aquisição; e se eles
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
121
souberem cantar, a ajuda será maior ainda. O grupo de amigos atrairá
outros, ajudará a manter a ordem, e prestará bom serviço fazendo ressoar
sermões por meio de cânticos.
Será muito desejável falar de modo que seja ouvido, mas não há
vantagem em berrar incessantemente. A melhor prédica de rua não é a
que é feita no ponto mais agudo da sua voz, pois será impossível dar a
ênfase própria às passagens mais convincentes quando no percurso todo
você está gritando com todas as suas forças. Quando não há ouvintes por
perto e, todavia, há pessoas paradas e ouvindo do outro lado da rua, não
seria melhor atravessá-la e economizar um pouco da energia que agora
está sendo gasta? A impressão que se tem é que um estilo sereno,
penetrante, coloquial, é dos mais persuasivos. Os homens não berram
nem gritam quando estão pleiteando algo com a mais profunda
seriedade. Em geral eles têm nessas ocasiões menos vendavais e um
pouco mais de chuva; menos declamação e mais lágrimas. Continue sem
parar com o grito monótono, e desgastará a toda gente, e você mesmo se
desgastará. Portanto, sejam sábios desde já, ó vocês que hão de sair-se
bem na proclamação da mensagem do Senhor entre as multidões, e usem
a voz segundo os ditames do bom senso.
Num folheto publicado por aquela excelente sociedade, "The Open
Air Mission" (Missão ao Ar Livre), noto o seguinte:
QUALIFICAÇÕES DOS QUE PREGAM AO AR LIVRE
1. Boa voz.
2. Naturalidade nos modos.
3. Domínio próprio.
4. Bom conhecimento da Escritura e das coisas comuns.
5. Capacidade de adaptar-se a qualquer grupo de ouvintes.
6. Boa capacidade para ilustrar.
7. Zelo, prudência e bom senso.
8. Coração grande e amoroso.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
122
9. Crença sincera em tudo que diz.
10. Inteira dependência do Espírito Santo para sucesso.
11. Andar em íntima comunhão com Deus pela oração.
12. Comportamento coerente diante dos homens, por um santo viver.
Se alguém tiver todas estas qualificações, seria melhor que a rainha
o fizesse bispo de uma vez, se bem que nenhuma destas qualidades é
dispensável.
É mais que certa a ocorrência de interrupções nas ruas de Londres.
Em certos lugares tudo corre bem durante meses, mas em outros pontos a
luta começa tão logo o orador abre a boca. Há estações de oposição:
diferentes escolas de adversários surgem e caem, e subseqüentemente há
desordem ou tranqüilidade. O melhor tato nem sempre serve para
impedir distúrbios. Quando os homens estão bêbados, não adianta
argumentar com eles, e dos furiosos papistas irlandeses podemos dizer
praticamente a mesma coisa. Com tais pessoas pouco se pode fazer, a
menos que a multidão em torno coopere, como muitas vezes acontece,
removendo o obstrutor. Certos tipos, se percebem que a pregação vai
prosseguir, interrompem-na de qualquer maneira. Vão resolutos e, se são
contestados uma e outra vez, perseveram ainda. Uma regra constante é
ser sempre cortês e manter a calma, pois se você ficar mal humorado e
zangado, estará tudo perdido para você. Outra regra é manter-se no seu
assunto, e nunca desviar-se para questões partidárias.
Pregue a Cristo, ou não pregue nada. Não dispute nem discuta, a
não ser com os olhos postos na cruz. Se se desviar por um momento,
esteja sempre em guarda para retornar ao seu único tópico. Conte-lhes a
velha história e, se não a ouvirem, vá em frente. Todavia, seja esperto, e
pegue-os com algum estratagema. Persiga o mesmo objeto por muitos
caminhos. Um pouco de habilidade materna é por vezes o melhor
recurso e opera maravilhas com uma multidão. Depois da graça, a
bonomia é a melhor coisa em tais ocasiões. Um irmão das minhas
relações silenciou um violento romanista oferecendo-lhe seu lugar e
pedindo-lhe que pregasse. Os companheiros dele, animados pelo aspecto
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
123
divertido da coisa, insistiram com ele que o fizesse, mas, como
declinasse, a fábula do invejoso foi narrada e o perturbador desapareceu.
Se for um verdadeiro cético que o atacar, será prudente evitar o debate
quanto possível, ou devolver-lhe perguntas, pois a sua ocupação não é
discutir, mas proclamar o evangelho.
Diz o Sr. John McGregor: "Os céticos são de muitas espécies. Uns
levantam questões para obter respostas, e outros antepõem dificuldades
para confundir as pessoas. Um cético sincero disse-me numa reunião
pública no Hyde-Park: "Venho tentando crer durante os últimos dez
anos, mas há uma contradição que eu não posso deixar de lado, e é esta:
dizem que a imprensa foi inventada há menos de quinhentos anos e,
contudo, dizem que a Bíblia existe há cinco mil anos e, por minha vida,
não consigo entender como pode ser isto." Não pode ser! – mas a
multidão não riu daquele homem. Bem poucas pessoas numa multidão
sabem muito mais do que ele sobre a Bíblia. Mas quão profundamente os
ouvintes beberam do relato que em meia hora fiz dos manuscritos da
Escritura, sua preservação, suas traduções e versões, sua dispersão e
colheita, seu exame comparativo e sua transmissão, e a dominadora
prova da sua genuína veracidade!
Lembro-me de como um incrédulo de Kennington Common foi
eficazmente sustado. Ele não parava de apregoar as belezas da natureza e
as obras da natureza, até que o pregador perguntou-lhe se ele
bondosamente gostaria de dizer o que era a natureza. Replicou que "todo
mundo sabia o que era a natureza." O pregador respondeu, "bem então
será muito fácil você explicar-nos." "Bem, natureza, - natureza,
engasgou, "natureza é natureza." Naturalmente a multidão deu risada e o
sábio se aquietou.
A ignorância, quando aliada a uma língua grosseira e loquaz, deve
ser enfrentada com o recurso de dar-lhe bastante corda. Um sujeito quis
saber "como Jacó soube que Esaú o odiava." Dessa vez ficou sem
resposta, pois o pregador não lhe deu esclarecimento; do contrário, lhe
teria dado munição para encontros futuros.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
124
Nossa tarefa não é suprir os homens de argumentos, informando-os
sobre as dificuldades. No processo de responder-lhes os ministros têm
posto à mostra os sentimentos dos incrédulos mais amplamente do que
os próprios incrédulos poderiam tê-lo feito. Os incrédulos somente
"recolhem suas lanças sem ponta e as atiram de novo no escudo da
verdade." Nosso objetivo não é vencê-los nas confrontações lógicas, mas
salvar as suas almas. As dificuldades reais devemos esforçar-nos para
enfrentar. Daí é muito desejável ter-se competente conhecimento dos
argumentos comprobatórios. Mas é melhor conversar com os oponentes
sinceros a sós, quando não ficam com vergonha de admitir que estão
errados, e isto não podemos esperar que suceda no meio da multidão.
Cristo deve ser pregado, quer os homens creiam nEle, quer não. A nossa
experiência do Seu poder para salvar é o nosso melhor argumento, e o
fervor, nossa melhor retórica. Freqüentemente a ocasião sugerirá a coisa
mais pertinente para dizer, e também podemos recorrer ao Espírito
Santo, que nos instruirá no momento exato em que tivermos que falar.
A vocação do orador de praça pública é tão honrosa quanto árdua,
tão útil quanto trabalhosa. Somente Deus pode sustentá-lo nela, mas com
Ele ao seu lado não terá nada a temer. Se dez mil rebeldes se pusessem
diante de você, e uma legião de demônios em cada um deles, você não
precisaria tremer. Aquele que está por você é mais do que todos os que
estão contra. "Por toda a hoste do inferno sendo combatidos, a toda a hoste do inferno derrotamos. Vencendo-a pelo sangue de Jesus, vertido, à conquista final ainda vamos."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
125
POSTURA, ATITUDE, GESTOS ETC.
Os assuntos desta preleção serão: "Postura, Gestos e Atitude na
Elocução de Um Sermão." Não tentarei traçar uma rígida e definida linha
divisória entre uns e outros. Seria necessário ter mente com alta
capacidade de discriminação para mantê-los separados. A verdade é que
não é possível fazê-lo, pois eles se fundem naturalmente, uns nos outros.
Como achei impossível, depois de grande esforço, manter sequer
"postura" e "gestos" num estado absolutamente sem mistura em minha
mente, deixei-os andar juntos. Mas espero que não haja confusão
nenhuma no resultado.
O principal é o sermão propriamente dito; seu conteúdo, seu
objetivo e o espírito com o qual é apresentado ao povo, a sagrada unção
do pregador e o poder divino aplicando a verdade ao ouvinte – são
infinitamente mais importantes do que quaisquer pormenores quanto à
maneira de pregar. A postura e a ação são questões relativamente
pequenas e insignificantes. Entretanto, mesmo o sândalo da estátua de
Minerva precisou ser esculpido corretamente e, no serviço de Deus,
mesmo as menores coisas devem ser levadas em consideração com santo
esmero. A vida é feita de pequenos incidentes, e o sucesso muitas vezes
depende da atenção dada aos mínimos pormenores. Pequenas moscas
dão mau cheiro ao ungüento do boticário, e pequenas raposas arruínam
as vinhas. Portanto, as pequenas moscas e raposas devem ser mantidas
fora do nosso ministério. É fora de dúvida que erros, mesmo numa
questão secundária como a da postura, têm prejudicado a mente de
muitos, estragando o sucesso de coisas que, doutro modo, teriam sido
ministérios dos mais aceitáveis. Um homem de talentos acima da média
pode, por atitudes ridículas, ser lançado à última fileira, e ser conservado
lá. Isso é uma grande lástima, mesmo que houvesse somente um caso
desses; mas é de temer que muitos são prejudicados pela mesma causa.
Pequenas excentricidades e disparates na atitude e nos gestos, que
os sensatos se esforçam para não notar, não são deixados de lado pelo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
126
público em geral. De fato, a maior parte dos ouvintes fixa os olhos
principalmente nessas coisas, enquanto que aqueles que comparecem
somente para zombar Não vêem outra coisa. As pessoas ou se desgostam
ou se divertem com as singularidades estranhas de certos pregadores; ou
então buscam escusa para a sua falta de atenção, e saltam para esta,
muito conveniente: Não pode haver razão para que devamos ajudar os
homens a resistir aos nossos esforços em beneficio deles. Nenhum
ministro cultiva voluntariamente um hábito que inutilizaria as suas setas,
ou as desviaria do alvo. Portanto, desde que as questões menores, de
movimentos, postura e gestos, podem ter aquele efeito, vocês devem dar-
lhes imediata atenção.
Prontamente admitimos que os movimentos na pregação são uma
coisa de menor conseqüência; pois alguns que obtiveram êxito no mais
elevado sentido foram excessivamente falhos do ponto de vista do
retórico. No presente momento há em Boston, Estados Unidos da
América, um pregador da mais alta classe de poder, de quem escreve um
crítico: "Nas sentenças introdutórias, um braço ou o outro balança ao seu
lado em desamparo, como se fosse feito de vértebras caudais interligadas
frouxamente. Logo passa a exibir comprometedora falta de jeito,
bamboleando para cá e para lá de um modo que faz pensar que uma
perna é mais curta que a outra, e sacudindo a cabeça e os ombros, dando
ênfase que não convence, Levanta uma sobrancelha de maneira
completamente impossível. Mais ninguém consegue entortar o olho
daquele jeito."
Este é um exemplo da vitória da mente sobre a matéria, e da
excelência do ensino desculpando os defeitos da elocução. Mas seria
melhor que não existissem tais desvantagens. As maçãs de ouro não
ficam mais fascinantes quando colocadas em salvas de prata? Por que o
poderoso ensino deveria estar associado a bamboleios e trejeitos?
Contudo, é evidente que a atitude ao pregar não é essencial ao sucesso,
para dizer o mínimo. Parece que Homero achava que a total ausência de
gestos não prejudica o eminente poder da alocução, pois retrata um dos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
127
maiores heróis repudiando aqueles, embora não sem alguma percepção
de censura da parte dos ouvintes, como se pode notar: "Mas, erguendo-se Ulisses, todo reflexão, os seus olhos modestos fixou sobre o solo. Parecia sem jeito ou mudo, ali de pé. A fronte não ergueu, nem estendeu o cetro. Mas quando fala, como fluí a elocução! Suaves como os flocos da neve ao cair, os tons copiosos caem com arte serena. Caindo, eles se fundem, e a alma penetram! Com espanto o escutamos, e pasmos, surpresos; nosso ouvido refuta a censura dos olhos."
Nem é preciso retornar aos antigos em busca da prova de que uma
atitude excessivamente calma pode estar ligada ao mais alto poder da
eloqüência, pois nos ocorrem diversos exemplos entre os modernos.
Talvez baste um: o nosso Robert Hall, supremamente dotado, não tinha
movimentos oratórios, movendo-se raramente no púlpito, exceto num
ocasional levantar ou ondular da mão direita e, nos seus momentos de
maior calor emotivo, um alternado recuo e avanço.
Não lhes compete tanto adquirir a atitude certa no púlpito, quanto
1ivrar-se das atitudes errôneas. Se vocês pudessem reduzir-se a
manequins imóveis, melhor seria do que serem ativas e mesmo vigorosas
encarnações do grotesco, como alguns dos nossos irmãos têm sido.
Alguns homens gradativamente caem num estilo suicida de pregação, e é
uma coisa muito rara de se ver, um homem escapar depois de ter-se
emaranhado nas malhas de um péssimo maneirismo. Ninguém gosta de
falar-lhes dos seus estranhos tiques. Assim, não têm consciência deles.
Mas é surpreendente que suas esposas não façam mímica deles e não
riam de sua estupidez.
Ouvi falar de um irmão que, em seus primeiros dias, era mais
aceitável, mas, que, mais tarde, ficou muito atrás na carreira porque aos
poucos foi caindo em maus hábitos. Falava com gemidos dissonantes,
assumia as atitudes mais esquisitas e fazia tão extraordinárias caretas,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
128
que o povo não tinha prazer em ouvi-lo. Chegou a ser merecedor de
estima e honra, mas não de ser ouvido. Excelentes cristãos dizem que
não sabiam se deviam rir ou chorar quando o ouviam pregar. Sentiam
que pela inclinação da natureza deviam rir, mas que pelos impulsos da
graça deviam chorar quando viam um pregador tão bom completamente
arruinado por atitudes absurdamente artificiais. Se você não se preocupa
com o cultivo de atitudes apropriadas, pelo menos tenha sabedoria
suficiente para evitar ridicularias e simulações. Há uma grande distância
entre o almofadinha, que ondula e perfuma os cabelos, e aquele que
deixa os cabelos penderem como massas de feixes de forro, como a juba
de um animal selvagem.
Jamais os aconselharemos a praticarem posturas diante do espelho,
nem a imitar grandes teólogos, nem a macaquear finos cavalheiros. Por
outro lado, não é preciso ser vulgar ou absurdo. As posturas e atitudes
são simplesmente uma pequena parte da vestimenta de um discurso, e
não é nas vestes que jaz a substância da matéria. Um homem vestido de
fustão é "homem apesar de tudo"; assim, um sermão pregado de modo
estranho pode ser um bom sermão apesar de tudo. Todavia, como
nenhum de vocês usaria roupa de indigente se pudesse obter melhor
vestuário, assim não devem ser desmazelados a ponto de vestir a verdade
como a um mendigo, quando podem ataviá-la como a uma filha de um
príncipe.
Alguns são por natureza muito desajeitados em suas pessoas e em
seus movimentos. Acho que devemos censurar aquilo a que o camponês
chamava seu "jeitão". O passo do rústico é pesado, e seu andar é
relaxado. Pode-se ver que o habitat natural dele é a roça. No pavimento
ou no tapete, ele desconfia dos seus passos, mas na planície lamacenta,
com uma carga de mula de barro em cada bota, avança com facilidade,
senão com elegância. Há um "que" informe e rústico nos elementos
componentes da constituição de alguns homens. Você não os tornaria
elegantes, mesmo que os moesse junto com o trigo num triturador. O
treinador militar voluntário é da maior utilidade em nossas escolas, e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
129
aqueles país que acham que o exercício militar é perda de tempo, estão
muito enganados. Há uma aparência, uma agilidade, uma propriedade
geral de conformação, que o corpo humano adquire com o adequado
exercício militar, que raramente vem por qualquer outro meio. Esse
exercício corrige a posição dos ombros do sujeito, evita o excessivo
balanceio dos braços, expande o peito, mostra-lhe o que fazer com as
mãos e, numa palavra, ensina o homem a andar direito, e a adequar-se à
uma espécie de posição modelar, sem qualquer esforço consciente para
conseguí-lo – esforço que seria segura revelação da sua rusticidade.
Gente muito espiritual pensa que estou brincando, mas não estou. Espero
o dia em que se considerará parte essencial da educação ensinar o jovem
a se locomover e a fazer movimentos sem se mostrar desajeitado.
Pode acontecer que os gestos desajeitados decorram de uma fraca
elocução, e da nervosa consciência da falta de poder naquela direção.
Certos homens esplêndidos do nosso conhecimento são tão modestos que
chegam a ser tímidos, e daí se tornam hesitantes no falar e desajeitados
nos modos. Talvez não se possa mencionar exemplo mais notável disto
do que o do finado Dr. James Hamilton, tão caro a nós. Era o mais
amável e virtuoso dos pregadores, mas a sua atitude no púlpito era
penosa em grau extremo. Seu biógrafo diz: "Em recursos e aquisições mentais, ele possuía grande riqueza; mas
na capacidade de expor os seus pensamentos, com todas as variações de tons e claves requeridas pela natureza deles, e ainda de molde a serem ouvidos por todos num grande edifício, era muitíssimo menos dotado. Neste aspecto, por conseguinte, ele sempre se sentia angustiado por ter consciência de estar longe do seu próprio ideal. O certo é que a falta de força vocal e de pronto controle da entonação, prejudicaram grandemente o poder e a popularidade da sua pregação. Na delicadeza dos conceitos, na feliz escolha das expressões, no domínio de figuras contundentes e originais, e no calor do fervor evangélico que pervagava tudo, poucos se igualavam a ele. Todavia, estas raras qualidades eram tosadas em metade da sua força, no que concerne à sua pregação pública, pela necessidade sob a qual constantemente estava de esforçar-se extremamente para fazer-se audível, ficando nas pontas dos pés e atirando as palavras a mancheias,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
130
para ver se alcançavam as fileiras mais distantes. Se os músculos do seu peito fossem tais que o capacitassem a ficar solidamente firme em descanso, enquanto os lábios realizassem a tarefa de articulação sem a ajuda de sopros auxiliares dos pulmões exageradamente inflados, James Hamilton por certo teria sido seguido por multidões maiores e teria tornado a sua mensagem acessível a um círculo mais amplo e mais variado. Mas não sabemos que outro mal ter-se-ia intrometido de contra-peso no curso desse êxito externo. Conquanto – com todas as suas orações e sofrimentos – este espinho tenha sido deixado em sua carne, permaneceu a grande compensação: "A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza." Os talentos todos que ao Senhor aprouve dar-lhe, ele desenvolveu a serviço de Quem lhos deu, e se alguns talentos (he foram negados, Aquele que lhos recusou sabe por que. Ele tudo faz bem."
Partilhamos de coração este sentimento, mas lamentaríamos por um
jovem que se submetesse por seu desiderato a um defeito semelhante, e o
atribuísse à mão do Senhor. O Dr. Hamilton não agiu assim. Fez sérios
esforços para vencer as suas desvantagens naturais e, quanto sabemos,
tomou lições de mais de um professor de oratória. Não se refugiou na
desculpa do preguiçoso, mas trabalhou arduamente para dominar a
dificuldade, e só fracassou nisso porque era um defeito físico sem
remédio. Onde quer que vejamos atitudes desajeitadas evidentemente
inevitáveis, demos-lhes pouca ou nenhuma atenção, cuidando de
recomendar ao irmão que faça o melhor que puder nessas circunstâncias,
avaliando como realização de não pequena monta um mestre de doutrina
cobrir com a riqueza do pensamento e a propriedade da linguagem as
condições toscas do homem exterior, fazendo, assim, a alma triunfar
sobre o corpo. Se havemos, porém, de afligir-nos por qualquer falha na
maneira de pregar, decidamo-nos a dominá-la, pois não é tarefa
impossível. Edward Irving é um extraordinário exemplo do poder de
melhorar neste sentido. De inicio, seus modos eram desajeitados,
constrangidos e forçados. Com diligente cultivo, porém, as suas atitudes
e os seus movimentos tornaram-se notáveis auxílios à sua eloqüência.
Os púlpitos têm muito que responder pelas maneiras desajeitadas
dos pregadores. Que horríveis invenções são eles! Se pudéssemos aboli-
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
131
los, poderíamos dizer deles o que Josué disse de Jericó: "Maldito... seja o
homem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó", pois os
púlpitos tradicionais têm sido maior maldição para as igrejas do que à
primeira vista parece. Nenhum advogado usaria um púlpito para
defender uma causa no tribunal. Como poderia esperar sucesso,
enterrado quase até os ombros? O cliente seria arruinado se o causídico
ficasse aprisionado dessa forma. Quão varonil, quão dominadora é a
atitude com a qual Crisóstomo é geralmente representado! Esquecendo
por ora a sua toga, não se pode senão achar que aquela postura natural é
muito mais digna da verdade sublime, do que a de uma pessoa abaixada
sobre uma folha de papel, olhando muito ocasionalmente para cima, e
então mostrando nada mais que a cabeça e os ombros. Em sua obra
Chironomia, Austin diz com muita propriedade: "A liberdade também é
necessária à elegância da ação. Nenhum gesto poderá ser elegante se
estiver limitado por circunstâncias externas ou se for restringido pela
mente. Se um homem fosse obrigado a dirigir-se a uma assembléia
postado numa janela estreita, através da qual não pudesse estender os
braços e a cabeça, ser-lhe--ia vão tentar gestos elegantes. O
confinamento no menor grau sem dúvida será proporcionalmente
prejudicial à elegância. Assim, o tribunal apinhado de gente será nocivo
à ação do advogado, e o púlpito fechado e fixo que muitas vezes elimina
mais da metade do vulto do pregador, é-lhe igualmente nocivo."
O finado Thomas Binney era incapaz de suportar plataformas.
Sabe-se que ele levava becas e outros materiais para pendurar nos gradis
de uma tribuna aberta, se se achasse metido numa delas. Isto só deve ter
brotado da força do hábito, pois não pode haver vantagem real em
encerrar-se num cárcere de madeira. Sem dúvida, este modo de sentir
reterá o púlpito fechado por mais algum tempo, mas futuramente
encontrarão um argumento em prol da divindade da nossa fé pois ela
sobreviveu aos púlpitos.
Os ministros não devem ser censurados por suas posturas e atitudes
desengonçadas quando se pode ver apenas uma pequena parte do seu
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
132
corpo durante o discurso. Se fosse costume pregar como Paulo pregou
em Atenas, os oradores públicos se tornariam modelos de propriedade. A
propósito, é interessante notar que Rafael, em sua representação de Paulo
em Atenas, sem dúvida tinha em mente a declaração do apóstolo:
"Deus... não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é
servido por mãos humanas"; daí o delineia erguendo as mãos. Devo esta
alusão a G.W. Hervey, M.A., que escreveu um "System of Rhetoric"
(Sistema de Retórica) muito eficiente e compreensivo.
Notáveis são as formas que os púlpitos têm assumido de acordo
com os caprichos da fantasia e da tolice humanas. Há vinte anos
alcançaram provavelmente a sua pior forma. Quais poderiam ter sido o
seu propósito e a sua finalidade, seria difícil conjeturar. Um alto púlpito
de madeira, no velho estilo, podia bem lembrar ao ministro a sua
mortalidade, pois não passa de um caixão de defunto posto em pé. Mas,
com que base racional havemos de sepultar vivos os nossos pastores?
Muitas dessas construções assemelham-se a barris; outras são da forma
de tapas para ovos, e copos. Uma terceira categoria evidentemente
seguia o modelo de um paiol sobre quatro pernas. E uma quarta
variedade pode comparar-se a ninhos de andorinha cravados na parede.
Alguns deles são tão altos que fazem rodar as cabeças dos ocupantes,
quando estes se atrevem a olhar para as temíveis profundidades abaixo
deles, e dão torcicolo naqueles que olham durante qualquer espaço de
tempo para o pregador lá no alto. Sinto-me como se estivesse no topo de
um mastro, quando estou empoleirado no alto dessas "torres do
rebanho." Estas abominações são males em si mesmas, e produzem
males.
Falando sobre púlpitos, faço uma digressão e observo, em beneficio
dos diáconos e dos zeladores, que freqüentemente sinto nos púlpitos um
abominável cheiro de gás, que por certo provém de vazamentos nos
canos de gás, e que tende a intoxicar o pregador, ou a fazê-lo adoecer.
Devíamos ser poupados dessa opressão. Também com freqüência
colocam dois grandes lampiões em cada lado da cabeça do ministro, bem
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
133
perto. Assim, comprimem os seus movimentos e o colocam entre dois
fogos. Se há queixas da cabeça quente nos ministros impetuosos, pode-se
explicar prontamente, uma vez que o aparelhamento para produzir
aquele efeito é preparado com grande esmero.
Ainda a outra noite tive o privilégio, quando me sentei ao púlpito,
de sentir como se me tivessem golpeado no cocuruto e, ao olhar para
cima, vi um enorme bico de gás aceso, marca de fabricação Argand, com
um refletor colocado logo acima da minha cabeça, a fim de lançar um
foco de luz sobre a minha Bíblia. Uma invenção atenciosa, sem dúvida,
só que o inventor se esquecera de que os seus queimadores estariam
despejando um calor terrível sobre um cérebro sensível. O pregador não
deseja experimentar uma insolação artificial enquanto prega. Se temos
que padecer tal calamidade, que nos venha durante os nossos feriados, e
que nos venha do sol mesmo. Parece que ninguém, ao construir um
púlpito, considera o pregador como homem de sentimentos e sentidos
iguais aos das outras pessoas. O assento no qual você deve repousar a
intervalos, freqüentemente não passa de uma simples beirada. O puxador
da porta dá em suas costas, enquanto que, quando você se levanta para ir
à frente, geralmente há uma bolsa de guta-percha entre você e o púlpito
propriamente dito. Esta geringonça de borracha visa caridosamente à
assistência de certas pessoas surdas que, espero, são beneficiadas. E
devem ser, pois todo mal há de ter uma influência compensadora. Você
não pode inclinar-se para a frente sem forçar o fechamento dessa
invenção. De minha parte, normalmente deposito sobre ela o meu lenço
de bolso. Isso faz com que os surdos tirem dos ouvidos as pontas do tubo
– e descubram que me ouvem suficientemente bem sem aquilo.
Ninguém conhece o desconforto dos púlpitos, exceto o homem que
esteve em muitos, e viu que cada um é pior do que o anterior.
Geralmente são tão altos, que uma pessoa de baixa estatura como eu mal
pode ver por cima deles, e quando peço algo para subir em cima, trazem-
me um genuflexório. Pensem num ministro do evangelho equilibrando-
se num genuflexório enquanto prega: um Boanerges e um Blondin (o
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
134
equilibrista) numa só pessoa. É esperar demais, que mantenhamos o
equilíbrio das nossas mentes e o dos nossos corpos ao mesmo tempo. Os
esforços para pôr-me nas pontas dos pés, as reviravoltas de tamboretes e
genuflexórios que tenho tido que sofrer nas pregações, perpassam por
minha memória agora, e reavivam as mais penosas sensações.
Seguramente devemos ser poupados dessas pequenas amolações,
porquanto o mal que causam não se limita ao nosso desconforto pessoal.
Se fosse assim, isso não teria importância. Mas, que lástima! Essas
pequenas coisas muitas vezes fazem a nossa mente saltar da engrenagem,
embaralham os nossos pensamentos e perturbam o nosso espírito.
Deveríamos colocar-nos acima dessas bagatelas, mas, embora o espírito
na verdade esteja pronto, a carne é fraca. É espantoso como a mente é
afetada pelas coisas mais insignificantes. Não há por que perpetuar
desnecessárias causas de desconforto.
A historia de Sydney Smith (clérigo inglês, gênio de
intelectualidade, autor de Plymley Letters) mostra que não estamos sos
em nossa tribulação. "Não posso suportar", disse ele, "ficar aprisionado,
à maneira da mais clássica tradição, no meu púlpito, com a cabeça mal
despontando por cima dele. Gosto de olhar para baixo, para os meus
ouvintes – para fazer fogo neles. As pessoas comuns dizem que sou um
pregador valentão, pois gosto de ter os braços livres, e de dar murros no
púlpito. Um singular contratempo aconteceu-me uma vez, quando, para
conseguir isso, mandei o ajudante empilhar alguns genuflexórios para eu
subir neles. O texto do meu sermão era: "Em tudo somos atribulados,
porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos,
porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos." Mal
pronunciara estas palavras, e me preparava para ilustrá-las, quando as
ilustrei praticamente, e de um modo que absolutamente não previra. A
minha estrutura armada com genuflexórios desmoronou-se. Eu caí, e
com dificuldade impedi que fosse precipitado aos braços dos ouvintes
que, é preciso dizer, portaram-se muito bem, recobrando a seriedade
mais depressa do que eu podia esperar."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
135
Mas devo voltar ao nosso assunto, e o farei repetindo a crença em
que púlpitos que parecem caixotes são grandemente responsáveis pelas
posturas estranhas que alguns dos nossos pregadores assumem quando
estão fora das suas jaulas e estão soltos sobre um estrado. Não sabem o
que fazer com as pernas e os braços, sentem-se desajeitados e expostos, e
daí caem em atitudes ridículas. Quando um homem está acostumado a
considerar-se como um "busto animado", sente-se como se tivesse ficado
comprido demais quando o fazem aparecer de corpo inteiro.
Não se pode duvidar de que muitos ficam desajeitados de medo.
Não é sua natureza, nem seu púlpito, mas seu nervosismo que faz dele
um sujeito ridículo. Para alguns é demonstração de grande coragem o só
ficar de pé diante de pessoas reunidas, e falar é na verdade uma penosa
prova. Não admira que a sua atitude seja constrangida, pois se encolhem
e tremem sem parar. Cada nervo está em estado de excitação, e o corpo
todo está trêmulo de medo. Principalmente ficam perplexos sobre o que
fazer com as mãos, e as movem de um lado para outro, de maneira
irrequieta, irregular e sem sentido. Se fossem amarradas pendentes aos
lados do corpo, eles ficariam alegres com essa libertação.
Um clérigo da Igreja Anglicana, defendendo o uso do manuscrito
no púlpito, utiliza o notável argumento de que um homem nervoso, tendo
que virar as folhas do seu discurso, mantêm com isso as mãos ocupadas,
ao passo que, se não tivesse os papéis diante dele, não saberia o que
fazer com elas. É um vento mau que sopra sem trazer benefício a
ninguém; é uma prática má deveras, que não tem nem remotas e
ocasionais vantagens. Porém, para o nervosismo é preciso um tratamento
mais eficiente. O pregador deve tentar vencer o mal, em vez de procurar
um meio de esconder as suas manifestações externas. A prática é um
grande remédio, e um tratamento mais poderoso ainda é a fé em Deus.
Quando o ministro se acostuma com o povo, fica à vontade porque está à
vontade, sente-se em casa, e quanto às suas mãos e pernas ou quaisquer
outras partes do seu corpo, nem pensa. Lança-se ao trabalho de todo o
coração, e assume as posições que num homem fervoroso são as mais
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
136
naturais, e estas são as mais apropriadas. Gestos não estudados, aos quais
você nunca voltou o pensamento nem por um instante, são os melhores.
O mais alto resultado da arte é banir a arte, e deixar o homem tão livre
como o antílope nas montanhas.
Ocasionais excentricidades de postura e gestos podem decorrer da
dificuldade em encontrar a próxima palavra. Há alguns anos, um
observador americano disse: "As vezes é interessante ver os diferentes
modos pelos quais diferentes indivíduos se saem do mesmo dilema. Nem
sempre o Sr. Calhoun se perde por uma palavra mas, ocasionalmente,
uma fica enroscada na garganta dele, na pronunciarão, como o 'Amen' de
Macbeth. Em tal caso, ele dá um ou dois petulantes puxões no colarinho
da camisa, e passa os ossudos dedos pelos cabelos longos e grisalhos, até
endireitar tudo de novo.
Webster, quando descontente com uma palavra, ou enredado numa
sentença, quase invariavelmente esfrega. com cuidado o canto interno do
olho esquerdo, com o dedo médio da mão direita. Falhando isso, coça
ferozmente o nariz. com o nó do polegar dobrado. Como último recurso
curva os joelhos, separando-os, até suas pernas ficarem parecendo uma
elipse. Depois, enfiando as mãos nos bolsos até o fundo, lança com
vivacidade a seção superior do corpo para a frente, e a palavra está
pronta para vir." O homem deve ser perdoado pelo que faz quando está
em agonia, mas seria grande lucro se nunca padecesse desses embaraços,
e assim escapasse das contorções conseqüentes.
Freqüentemente, o hábito também leva os oradores a movimentos
singulares, e a estes ficam tão apegados que não podem falar sem eles.
Mexer num botão do paletó, ou brincar com os dedos, são coisas que se
vêem com freqüência, não como parte da oratória do pregador, mas
como uma espécie de livre acompanhamento dela. Addison, no
Spectator, narra um divertido incidente desse tipo. "Lembro-me de que quando era jovem, e costumava freqüentar o
Westminster Hall (famosa sala de recepções, banquetes e solenidades, em Londres) havia um conselheiro que nunca pleiteava uma causa sem levar na
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
137
mão um pedaço de barbante, que costumava ficar enrolando no polegar ou noutro dedo durante o tempo todo em que falava. Os gaiatos daqueles dias chamavam-lhe o fio do discurso dele, pois não era capaz de dizer uma palavra sem o cordão. Um dos seus clientes, mais brincalhão do que sábio, roubou dele o barbante em pleno discurso, mas seria melhor que o tivesse deixado lá, pois perdeu a causa por causa da brincadeira."
Os que ainda estão livres dessas pequenas peculiaridades, estejam
vigilantes para que não se rendam gradualmente a elas. Mas, enquanto
não passam de insignificâncias que poucos notam e que não prejudicam
os esforços do pregador, não há necessidade de atribuir-lhes muita
importância.
A postura do ministro deve ser natural, mas sua natureza não deve
ser de tipo grosseiro; deve ser uma natureza bem educada e elegante.
Deve evitar especialmente aquelas posições nada naturais num orador,
por obstruírem os órgãos de comunicação e por comprimirem os
pulmões. Deve usar o senso comum e não dificultar o seu falar
inclinando-se para a frente sobre a Bíblia ou sobre o púlpito. Inclinar-se
como se você fosse falar confidencialmente com as pessoas que estão
imediatamente embaixo, pode-se tolerar uma vez ou outra, mas como
posição costumeira é tão prejudicial como deselegante. Quem pensa em
debruçar-se quando fala numa sala de visitas? Que tarefa mortal seria
conduzir uma longa conversação com o aparelho respiratório
pressionado contra a quina de uma mesa! Mantenha-se reto, tome
posição firme, e fale como homem.
Alguns poucos oradores erram na outra direção, e atiram a cabeça
para trás, como se estivessem discursando aos anjos, ou como se
estivessem olhando um manuscrito no teto. Isso também vem do mal e, a
menos que uma ocasional e sublime apóstrofe o requeira, de modo
nenhum deve ser praticado. Bem diz John Wesley: "A cabeça não deve
ser mantida muito para cima, nem comicamente lançada muito para a
frente, nem deve descair e ficar pendendo, por assim dizer, sobre o peito;
nem deve ficar inclinada para um lado ou para o outro; mas deve ser
mantida modesta e decentemente ereta, em seu estado e posição natural.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
138
Demais, não deve permanecer imóvel, como estátua, nem estar
continuamente em movimento e lançando-se para todos os lados. Para
evitar ambos os extremos, deve voltar-se gentilmente, conforme a
ocasião, ora para um lado, ora para outro; noutras ocasiões deve
permanecer, fixa, olhando direto para a frente, para o meio do auditório."
Muitos assumem uma atitude relaxada, refestelando-se e
espreguiçando-se, como se estivessem recostados no parapeito de uma
ponte e tagarelando com alguém embaixo, num barco ou no rio. Não
vamos ao púlpito para relaxar e para parecer que somos livres e
descontraídos; vamos para um serviço muito solene, e a nossa postura
deve combinar com a nossa missão. Não é recostando-se indolentemente
e relaxando descuidadamente que o pregador vai demonstrar um espírito
reverente e zeloso. Dizem que entre os gregos mesmo os lavradores e
vaqueiros tomam atitudes elegantes, sem pensar que estão fazendo isso.
Creio que o mesmo fato se dá com os italianos, pois, onde quer que eu
visse um romano, homem ou mulher – não importa se estavam dormindo
sobre os degraus do Spagna, ou sentados num fragmento dos banheiros
de Caracalla, ou carregando um fardo na cabeça, ou cavalgando uma
mula – pareciam sempre modelos para um artista. No entanto, esta é a
última coisa que poderia passar pela cabeça deles. Aqueles pitorescos
camponeses nunca receberam aulas de calistenia, nem esquentaram a
cabeça sobre como deviam aparecer ao estrangeiro. A natureza pura e
simples, livre de maneirismo, de enfeites artificiais e de ostentação,
molda os seus hábitos dando-lhes elegância. Seríamos tolos se
quiséssemos imitar os gregos e os italianos, a não ser na sua liberdade de
toda imitação, mas seria bom copiar-lhes os movimentos espontâneos e
naturais. Não há uma só razão pela qual o cristão deva ser palhaço, e há
muitíssimas razões pelas quais o ministro não deve ser grosseiro. Como
Rowland Hill disse que não podia entender porque Satanás deveria ter as
melhores melodias, assim eu também não posso entender por que ele há
de ter os mais elegantes oradores!
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
139
Agora, deixando a questão da postura, vamos tratar mais
definidamente dos movimentos na pregação. Também é um ponto
secundário e, contudo, importante. Nossa primeira observação será:
nunca devem ser excessivos. Nesta questão os exercícios físicos são de
pouco proveito. Não podemos julgar prontamente quando a
movimentação é excessiva, pois o que seria excessivo numa pessoa,
pode ser bem pertinente e apropriado noutra. Diferentes raças empregam
diferentes movimentações no falar. Dois ingleses conversam com muita
calma e sobriedade um com o outro, comparados com um par de
franceses. Observem os nossos vizinhos gauleses. Falam o tempo todo,
encolhem os ombros e gesticulam com a maior veemência.
Muito bem, pois; podemos permitir que um pregador francês seja
mais demonstrativo do que um inglês ao pregar, porque é como ele é na
conversação comum. Não estou certo de que um teólogo francês seja
normalmente assim, mas, se for, isso pode ser explicado pelo hábito
nacional. Se eu e vocês puséssemos a conversar à moda parisiense nos
exporíamos ao ridículo e, da mesma forma, se nos tornarmos violentos e
veementes no púlpito, poderemos correr o mesmo risco. Sim, pois, se
Addison for uma autoridade, os oradores ingleses empregam menos
gestos do que os de outros países. Como se dá com as raças, assim com
os indivíduos. Alguns gesticulam naturalmente mais que outros, e se for
de fato natural, vemos pouco erro. Por exemplo, não podemos censurar a
maravilhosa gesticulação e idas e vindas de John Gough, pois ele não
seria Gough sem isso. Pergunto-me quantas milhas não anda ele no
transcurso de uma de suas preleções! Não o vemos escalar as encostas de
um vulcão à procura de uma bolha em erupção? Como ficamos com dó
dele quando o vemos afundar os tornozelos nas cinzas quentes! Depois
ele vai embora, lá para o outro extremo do palco do Exeter Hall,
apostrofando um copo d'água. Mas pára ali só um momento e, em pouco,
já fez outra carreira pisando nos calos dos irmãos da liga da temperança,
sentados na fila da frente. Ora, isso fica bem para John Gough. Mas se
você, John Smith ou John Brown, começar a fazer dessas
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
140
perambulações, logo ficará parecido com o judeu errante, ou com o urso
polar, dos jardins zoológicos, que vai o tempo todo para cá e para lá em
sua cela.
Martinho Lutero costumava dar golpes com o punho de tal forma,
que se exibe em Eisenach uma tampa de mesa creio que de três
polegadas – que ele quebrou quando martelava um texto. A veracidade
da lenda tem sido posta em dúvida, pois se afirma que aquelas delicadas
mãos, que podiam tocar guitarra de maneira tão fascinante, dificilmente
poderiam ter-se dado tão rude tratamento. Mas se a mão for um índice do
caráter do dono, bem podemos acreditar na história, porquanto a força e
a ternura combinavam maravilhosamente em Lutero. A mente dele era
repassada de delicadeza e sensibilidade. Entretanto, estas nunca
diminuíam, antes aumentavam a sua tremenda energia. De modo nenhum
é difícil crer que ele podia despedaçar uma prancha, com o estilo em que
atacava o Papa. E, contudo, podemos imaginar bem que ele podia tocar
as cordas da sua guitarra com mão de donzela. Também Davi podia tocar
harpa habilmente e, no entanto, quebrou com seus braços um arco de
metal.
Conta-se que John Knox uma vez estava tão fraco que, antes de
chegar ao púlpito se esperava que ele caísse desmaiado de fraqueza, mas,
já perante os ouvintes parecia que ia fazer o púlpito em pedaços. Esse era
evidentemente o estilo do período em que os protestantes lutavam por
sua existência, e o papa e os seus sacerdotes, e o diabo e seus anjos maus
eram movidos por extraordinária fúria. Todavia, não creio que
Melancthon achava necessário ser assim tão tremendo, e Calvino não
martelava nem dava golpes daquela maneira. De qualquer forma, você
não precisa estar rebentando tábuas de três polegadas, pois poderia haver
um prego numa delas, nem precisa fazer um púlpito em pedaços, pois,
fazendo-o, poderia ficar sem púlpito nenhum. Dê trancos nas
consciências e procure romper os corações duros pelo poder do Espírito
– mas isso requer poder espiritual. A energia física não é o poder de
Deus para a salvação.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
141
É muito fácil exagerar a coisa a ponto de você parecer ridículo.
Talvez fosse a perspicaz percepção desse perigo que levou o Dr. Johnson
a proibir totalmente movimentos no púlpito, e a recomendar
enfaticamente o exemplo do Dr. Watts, porque "ele não se esforçava
para assessorar a eloqüência com qualquer gesticulação; pois, como
nenhuma ação corporal tem qualquer correspondência com a verdade
teológica, ele não via como esta poderia ser fortalecida por aquela."
A observação do grande lexicógrafo é uma tolice, mas, se houver
pensamento com peso suficiente para reduzir o pregador à inação
absoluta, será melhor do que assumir pospões exageradas. Quando Natã
falou com Davi, suponho que contou a parábola com muita serenidade, e
que quando chegou a hora de dizer: "Tu és o homem", dirigiu-lhe um
olhar profundamente severo. Mas jovens ministros há que imaginam que
o profeta correu a largos passos para o meio da sala e, avançando o pé
direito, apontou o dedo como um revólver entre os olhos reais e, batendo
fortemente o pé no chão, gritou: "TU ÉS O HOMEM." Tivesse
acontecido isso, é de temer que o real véu voltasse os pensamentos de si
para o profeta insano, e chamasse a guarda para limpar a sala.
Natã estava com seriedade muito solene para agir com violência
indecente. E como regra geral podemos anotar aqui que a tendência do
sentimento profundo é suavizar os modos, em vez de torná-los
demasiado enérgicos. Quem golpeia o ar, e berra, e ruge, e bate o pé, não
diz nada. E quanto mais a pessoa comunica o que quer dizer, menos
veemência vulgar haverá. João Wesley, em sua obra, Directions
Concerning Pronunciation and Gesture (Orientações sobre Pronúncia e
Gestos), aperta demais o pregador quando diz: "Nunca deve bater
palmas, nem esmurrar o púlpito. Raramente as mãos devem elevar-se
acima dos olhos"; mas, provavelmente ele tinha em mira algum
deslumbrante caso de extravagância. Todavia, tem razão quando adverte
os seus pregadores no sentido de que "as mãos não devem estar em
perpétuo movimento, pois a isto os antigos chamavam tagarelice das
mãos."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
142
Russell diz com muita sabedoria: "A verdadeira veemência nunca
se degenera transformando-se em violência e vociferação. É a força da
inspiração – não do furor. Não se manifesta nos guinchos, no espumar
frenético, no bater dos pés e nas contorções do excesso vulgar. Em seu
mais intenso entusiasmo, é varonil e nobre; eleva – não degrada. Nunca
se rebaixa ao tom dos gritos, à vulgaridade dos sons guturais, à ênfase
dos berros esganiçados, ao histérico êxtase da entonação, às atitudes de
valentão, e aos punhos cerrados da paixão extravagante."
Quando o seu sermão parecer exigir de você um pouco de ação
imitativa, seja particularmente vigilante para Não ir longe demais, pois
isto poderá acontecer antes que o perceba. Ouvi falar de um jovem
teólogo que, repreendendo os inconversos, exclamou: "Aí vocês fecham
os olhos para a luz (aí fechou os olhos); vocês tapam os ouvidos para a
verdade (aí pós um dedo em cada ouvido); e vocês voltam as costas para
a salvação" (aí virou as costas para o povo). Acaso lhes causa espanto
que, quando os ouvintes viram um homem de pé, com as costas voltadas
para eles e com os dedos nos ouvidos, caíram na risada? Os movimentos
foram pertinentes, mas foram feitos com exagero, e melhor seria que não
fossem feitos. A gesticulação violenta, mesmo quando recomendada por
alguns, irá certamente impressionar a outros por seu lado cômico.
Quando Burke, na Câmara dos Comuns, arremessou a adaga para
mostrar que os ingleses estavam fabricando armas para serem usadas
contra os próprios concidadãos, sua atitude me parece notável e muito
adequada ao fim em vista. Todavia, disse Sheridan: "O cavalheiro nos
trouxe a faca; onde está o garfo?", e Gilray fez uma caricatura maldosa
dele. Os riscos de movimentos demasiado pequenos de modo algum são
grandes, mas você pode ver claramente que há grandes perigos na outra
direção. Portanto, não leve a ação para muito longe, e se você perceber
que há naturalmente muita energia na sua apresentação da mensagem,
reprima um pouco as suas energias. Agite um pouco menos as mãos,
golpeie a Bíblia com um pouco mais de misericórdia e, de modo geral,
tome as coisas com mais calma.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
143
Talvez o homem esteja mais perto do meio termo feliz quando os
seus modos não provocam observações, quer de louvor, quer de censura,
porque estão integrados tão completamente no discurso que
absolutamente não são notados como um item à parte. A movimentação
que recebe atenção exagerada, provavelmente é desproporcional e
excessiva. O Sr. Hall, numa recepção, esteve com a Sra. Hannah More, e
seu julgamento das maneiras daquela senhora bem poderia servir de
crítica aos maneirismos dos ministros. "Nada de extraordinário, senhor,
certamente que não. Suas maneiras são demasiados perfeitamente
próprias para serem extraordinárias. Maneiras extraordinárias são más, a
senhora sabe. Ela é uma perfeita dama, e diligentemente evita aquelas
excentricidades que constituem as maneiras extraordinárias."
Em segundo lugar, os movimentos no púlpito devem ser expressivos
e apropriados. A movimentação expressa menos coisas do que a
linguagem, mas, é possível expressar essas poucas coisas com maior
força ainda. Abrir com indignação uma porta e apontar para ela é uma
ação quase tão enfática como dizer: "Saia da sala!" Negar a mão quando
outro estende a sua é marcante declaração de má vontade, e
provavelmente produzirá amargor mais duradouro do que as palavras
mais severas. Um pedido para fazer silêncio sobre certo assunto pode ser
transmitido muito bem cruzando os lábios com o dedo. Um meneio da
cabeça indica desaprovação de modo marcante. Sobrancelhas erguidas
expressam surpresa em estilo categórico. E cada parte do rosto tem sua
eloqüência, exprimindo prazer ou pesar. Que volumes podem ser
condensados num encolher de ombros, e que lamentáveis danos esse
mesmo encolher tem produzido!
Daí, visto que a gesticulação e a postura podem falar
poderosamente, devemos ter o cuidado de fazê-las falar de modo correto.
Jamais teremos que imitar o famoso grego que gritava, "O céu!", com o
dedo apontando para a terra; nem descrever uma fraqueza mortal com
murros no púlpito. Os oradores nervosos parecem atirar ao acaso com os
seus gestos. Você os vê torcer as mãos enquanto se estendem falando das
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
144
alegrias da fé, ou agarrar-se convulsivamente às bordas do púlpito
quando estão ordenando que, com relação aos bens da terra, tenham mão
aberta. Mesmo quando já não estão mais temerosos, nem sempre os
irmãos manobram os seus gestos fazendo-os ir paralelamente às suas
palavras. Podem-se ver homens denunciando com punhos ameaçadores
as próprias pessoas que eles estão se esforçando para consolar e
fortalecer.
Espero que nenhum irmão dentre vocês seja estúpido a ponto de
cruzar os dedos das mãos enquanto diz: "Não é propósito do evangelho
limitar-se a poucos. Seu espírito é generoso, tendendo a expandir-se
amplamente. Abre os braços para os homens de todas as classes e
nações." Seria igual erro se você abrisse os braços com largueza e
clamasse: "Irmãos, concentrem as suas energias! Reúnam-nas como o
comandante reúne suas tropas junto ao estandarte real no dia da batalha."
Portanto, ponha os gestos no devido lugar e veja como a difusão pode ser
expressa pelas mãos separadas, e a concentração pelas mãos unidas.
Os movimentos e a entonação juntos podem contradizer
absolutamente o significado das palavras. O abade Mullois fala-nos de
um gaiato malicioso que, ao ouvir o pregador pronunciar as terríveis
palavras, "Apartai-vos, malditos", da maneira mais branda, voltou-se
para o companheiro e disse: "Venha cá, meu rapaz, e deixe-me abraçá-
lo; é o que o clérigo acaba de expressar." É uma coisa triste, mas de
modo nenhum rara. Quanta força a linguagem da Escritura pode perder
pela transmissão mal feita pelo pregador! Aquelas palavras que o
pregador francês pronunciou de modo tão ruim são terríveis, e foi como
as senti quando, há pouco tempo, eu as ouvi lançadas entre dentes, com
temível seriedade, por um insano que se julgava profeta enviado para
lançar maldição sobre mim e minha igreja. As palavras, "Apartai-vos,
malditos" vieram dos seus lábios como o ribombar do trovão, e a última
palavra pareceu corroer-me o âmago da alma, quando com olhos
flamejantes e mão estendida o fanático a fez relampejar sobre a
assembléia.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
145
Numerosos pregadores parecem ter recebido aulas de Bendigo, ou
de algum outro mestre da nobre arte da auto-defesa, pois usam os punhos
como se estivessem prontos para um turno de luta. Não é agradável ver
irmãos pregarem o evangelho da paz nesse estilo belicoso. Contudo, de
modo nenhum é raro ouvir um evangelista pregar com os punhos
cerrados um Cristo livre. É divertido ver tais pregadores assumindo certa
atitude, e dizendo: "Vinde a mim" e, depois, com movimentos giratórios
de ambos o punhos, acrescentarem: "e eu vos darei – descanso." Seria
bom que essas idéias ridículas não fossem sugeridas, mas têm sido
sugeridas mais de uma vez por homens que fervorosamente desejam,
acima de todas as coisas, levar os seus ouvintes a pensarem nas melhores
coisas.
Cavalheiros, não me surpreende que riam, mas é infinitamente
melhor que dêem bastante risada desses absurdos aqui, do que o povo
das suas igrejas rir-se de vocês no futuro. Não lhes estou dando um
quadro imaginário, mas um quadro que já vi, e receio que verei de novo.
Aquelas mãos desajeitadas, uma vez trazidas à sujeição, tornam-se os
nossos melhores aliados. Podemos falar com elas quase tão bem como
com a língua, e fazer uma espécie de música silente com elas, que
aumentará o encanto das nossas palavras.
Se ainda não leram Charles Bell sobre The Hand (A Mão),
comprometam-se a fazê-lo, e notem bem o seguinte passo: "Não podemos deixar de falar da mão como instrumento da expressão.
Escreveram-se dissertações formais sobre isso, mas, se fôssemos constrangidos a procurar autoridades, poderíamos tomar os grandes pintores em evidência, desde que pela posição das mãos, conforme a figura, eles expressam toda sorte de sentimentos. Quem, por exemplo, pode negar a eloqüência das mãos nas Madalenas de Guido, e sua expressividade nos desenhos de Rafael ou na "Última Ceia", de Leonardo Da Vinci? Vemos ali expresso tudo que Quintiliano afirma que a mão é capaz de expressar. "Quanto a outras partes do corpo", diz ele, "competem ao orador, mas estas, podemos dizer, falam por si mesmas. Por meio delas pedimos, prometemos, invocamos, despedimos, ameaçamos, rogamos, abjuramos, expressamos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
146
medo, alegria, pesar, nossas dúvidas, nosso assentimento, nosso arrependimento; demonstramos moderação ou prodigalidade; indicamos número e tempo."
O rosto, e principalmente os olhos, desempenham um papel muito
importante em toda movimentação apropriada. É uma verdadeira
infelicidade os ministros não poderem olhar para as pessoas da sua
igreja. É estranho ouvi-los argumentar com pessoas que eles não vêem.
Eles imploram que olhem para Jesus sobre a cruz! Você fica a perguntar
onde estão os pecadores. Os olhos do pregador voltam-se para o seu
livro, ou para o teto, ou para o espaço vazio. Parece-me que você precisa
fixar os olhos nos ouvintes quando exorta. Há partes do sermão em que a
sublimidade da doutrina talvez requeira a elevação do olhar, e há outras
partes que permitem que os olhos vagueiem como você quiser. Mas
quando chega a hora de exortar, é impróprio olhar para qualquer lugar,
senão às pessoas às quais está falando. Irmãos que nunca fazem isso
perdem grande poder.
Quando o Dr. Wayland esteve doente, escreveu: "Se hei de
recuperar a saúde, não sei. Todavia, se me for dado voltar a pregar,
certamente farei tudo que puder para aprender a dirigir-me diretamente
aos ouvintes, olhando-os nos rostos, e não no papel sobre o púlpito."
O homem que quiser aperfeiçoar-se na postura e na gesticulação,
deve regular toda a sua estrutura, pois, num caso, o movimento mais
adequado será o da cabeça, noutro, o das mãos e, num terceiro caso, o do
tronco apenas. Diz Quintiliano: "Os lados devem ter sua parte na
gesticulação. O movimento do corpo todo também contribui muito para
o efeito de comunicação; tanto que Cícero é de opinião que se pode fazer
mais com a gesticulação do corpo do que mesmo com as mãos. Assim
diz ele em sua obra, De Oratore (Do Orador): "Não haverá movimentos
artificiais dos dedos, nem cascatear dos dedos para ajustar-se à cadência
calculada da linguagem; mas ele fará gestos com movimentos de todo o
seu corpo e com varonil inflexão do seu lado."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
147
Poderia multiplicar ilustrações sobre o sentido de ação apropriada,
mas estas devem bastar. Faça a gesticulação condizer com as palavras e
funcionar como uma espécie de consecutivo comentário e exegese de
natureza prática do que você está dizendo.
Aqui devo fazer uma pausa, esperando continuar o assunto em
minha próxima preleção. Mas estou tão consciente de que muitos acham
o meu assunto tão secundário que não tem nenhuma importância, que
encerro dando um exemplo da maneira cuidadosa como os grandes
pintores atentam para as minúcias mínimas, apenas extraindo esta
inferência que, se eles são assim atentos quanto a coisas pequenas, muito
mais o devemos ser. Diz Vigneul Marville: "Quando estive em Roma, muitas vezes vi Claude, que era então
patrocinado pelas pessoas mais eminentes daquela cidade. Com freqüência o encontrava às margens do Tibre, ou vagando pelas cercanias de Roma, em meio às veneráveis relíquias da antigüidade. Já era idoso, e, contudo, vi-o voltar de um passeio com o lenço cheio de musgo, flores, pedras etc., que poderia examinar em casa com aquela infatigável atenção que fez dele tão exato retratista da natureza. Perguntei-lhe um dia por que meios chegara a tão excelente categoria entre os pintores, mesmo da Itália. "Não poupo esforços, seja no que for, mesmo nas mínimas insignificâncias", foi a modesta resposta desse venerável gênio."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
148
POSTURA, ATITUDE, GESTOS ETC. (Segunda Preleção)
Esta preleção começa com o terceiro ponto. Lembram-se de que
falamos que a movimentação não deve ser excessiva e, em segundo
lugar, que ela deve ser apropriada. Agora vem a terceira regra: a
movimentação e os gestos nunca devem ser grotescos. Isso é bastante
evidente, e não insistirei no ponto, exceto dando alguns espécimes do
grotesco para que vocês não somente evitem as situações idênticas, mas
também as que tenham características semelhantes. Parece que em todas
as épocas os gestos absurdos têm sido muito numerosos, pois num velho
autor encontro uma longa lista de excentricidades, algumas das quais é
de esperar que tenham abandonado este mundo, enquanto que outras são
descritas em termos tão violentos que provavelmente não passam de
caricaturas dos fatos reais. O referido escritor diz: "Alguns mantêm a cabeça imóvel e virada para um lado, como se fosse
feita de chifre; outros fitam os olhos de modo horrível, como se tivessem a intenção de assustar toda gente; alguns estão sempre torcendo a boca e mexendo o queixo enquanto falam, como se estivessem mascando nozes o tempo todo; alguns, como o apóstata Juliano, respiram insultos, e exprimem desdém e insolência em seus semblantes. Outros, como se personalizassem os heróis fictícios das tragédias, escancaram tremendamente a boca e esticam os maxilares tão amplamente como se fosse engolir a todos; acima de tudo, quando rugem furiosos, espalham espuma para todo lado e ameaçam com a testa enrugada e com olhos que parecem Saturno. Estes, como se estivessem praticando algum jogo, estão continuamente fazendo movimentos com os dedos e, pelo extraordinário trabalho das mãos, esforçam-se para formar no ar, quase posso dizê-lo, todas as figuras usadas pelos matemáticos; aqueles, ao contrario, têm mãos tão pesadas e tão presas em baixo pelo terror, que poderiam mover mais facilmente vigas de madeira. Muitos labutam tanto com os cotovelos que é evidente que, ou foram outrora sapateiros, ou não viveram em outra sociedade que a dos remendões. Alguns são tão instáveis nos movimentos do corpo que parecem
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
149
estar falando numa canoa; outros ainda são tão pesados e grosseiros em seus movimentos, que você poderia pensar que são sacos de estopa pintados para parecerem homens. Vi alguns que davam saltos na plataforma e pulavam até quase caírem fora; homens que exibiam a dança do forrador, e, como diz o velho poeta, expressavam com os pés a sua aptidão. Mas quem é capaz de, num curto espaço, enumerar todos os defeitos de gesticulação, e todos os absurdos da má elocução?"
Certamente esse catálogo poderia contentar o mais voraz
colecionador a serviço da câmara de horrores, mas não incluí a metade
do que pode ser visto em nossos tempos por alguém capaz de vaguear de
uma igreja a outra. Como as crianças parecem não esgotar nunca as suas
travessuras maldosas, assim os pregadores parecem nunca chegar ao fim
dos seus gestos estranhos. Mesmo os melhores caem neles
ocasionalmente.
A primeira espécie de ação grotesca pode ser denominada, a ação
rígida; e é muito comum. A impressão que se tem é que os homens que
exibem este horror Não têm dobras no corpo e têm as juntas enrijecidas.
Os braços e as pernas se movem como se estivessem presas a gonzos de
ferro, e como se fossem feitos de metal excessivamente duro. Um
boneco anatômico de madeira, como os usados pelos artistas, poderia
representar bem os seus braços e pernas, tão retos e rígidos, mas isto não
mostraria os puxões com que esses braços e pernas são atirados para
cima e para baixo. Não há nada que seja circular nos movimentos desses
irmãos; tudo é angular, agudo, mecânico. Se eu tivesse que expor o que
pretendo colocando-me nas atitudes retangulares deles, poderiam pensar
que eu estava fazendo caricatura de mais um teólogo da região
setentrional, tremendamente hábil, e, tendo o temor disto diante dos
meus olhos, e, ainda mais, tendo o máximo respeito por aqueles irmãos,
não ouso entrar em pormenores muito insignificantes. Contudo, é de
supor que esses bons homens têm ciência de que suas pernas não deviam
apresentar-se como se pertencessem a um cavalo de cânhamo, ou a uma
enorme tenaz, e de que os seus braços não deviam ser absolutamente
rígidos como atiradores.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
150
Já se sugeriu óleo para as juntas, mas parece que falta óleo nos
próprios braços e pernas, que se movem para cima e para baixo como se
pertencessem a uma máquina, e não a um organismo vivo. O certo é que
nenhum exercício poderia curar esse defeito que, em alguns pregadores,
quase chega a ser uma deformidade. No palco do Exeter Hall,
cavalheiros afligidos por rigidez natural não somente fornecem material
para o habilidoso caricaturista, mas também, infelizmente, desviam a
atenção dos seus ouvintes, dos seus admiráveis discursos para os seus
execráveis movimentos.
Em certa ocasião, ouvimos cinco ou seis observações feitas sobre a
grosseria da postura do mestre, e apenas um ou dois elogios ao seu
excelente discurso. "O povo não nota semelhantes insignificâncias",
observa o nosso amigo Philo. Mas o povo nota sim essas
insignificâncias, devessem fazê-lo ou não, e, portanto, é melhor não
exibi-las.
É provável que algumas pessoas excelentes considerem toda esta
preleção como indigna de sua atenção e como tendo humor questionável.
Mas, não posso deixar de fazê-la, pois, embora eu não atribua tanto valor
à movimentação como Demóstenes ao desenvolver o primeiro, o
segundo e o terceiro ponto da oratória, é certo que muito bom discurso
carece de poder por causa do comportamento desajeitado do orador.
Portanto, se eu puder em alguma medida reparar o mal, alegremente
agüentarei a crítica dos meus irmãos mais melancólicos.
Por mais jocosas que as minhas observações pareçam, ajo com
profunda seriedade. A melhor maneira de atacar essas loucuras é com as
leves setas do ridículo, pelo que as emprego, não tendo a mesma opinião
daqueles "Que acham toda a virtude no ar de gravidade, e nos sorrisos vêem sintomas de maldade."
A segunda forma do grotesco não difere propriamente da primeira,
e pode distinguir-se melhor como o tipo mecânico metódico. Neste caso,
os homens se movem como se não fossem seres vivos possuídos de
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
151
vontade e intelecto, mas como autômatos formados para seguirem a
intervalos precisos, movimentos prescritos. Nos fundos do Tabernáculo
um sitiante instalou sobre sua casa uma espécie de cata-vento com forma
de soldadinho, que levanta um braço e depois o outro à menor brisa.
Muitas vezes isso me fez sorrir porque irresistivelmente me recorda
Fulano que alternadamente sacode os braços, ou, se deixa parado um
braço, movimenta o outro para cima e para baixo tão persistentemente
como se o homem fosse acionado pelo vento ou por um maquinismo de
relógio. Para cima e para baixo, para cima e para baixo vai a mão, sem
virar nem para a direita, nem para a esquerda, todo movimento sendo
repudiado, exceto este monótono subir e descer.
Pouco importa quão inquestionável um movimento seja em si
mesmo, virá a ser intolerável se for feito continuadamente, sem variação.
Ludovicus Cresollius, da Bretanha (1620) em seu tratado sobre os
movimentos e a pronúncia do orador, fala um tanto fortemente de um
culto e polido pregador parisiense que o irritara com a enfadonha
monotonia da sua movimentação. "Quando ele se voltava para a
esquerda, falava algumas palavras acompanhadas por um moderado
gesto da mão. Depois, inclinando-se para a direita, desempenhava aquele
mesmo papel. Depois virava para a esquerda, e logo para a direita de
novo. A intervalos medidos e quase iguais, executava o gesto usual e
prosseguia em sua única espécie de movimento. Somente podia
comparar-se aos bois da Babilônia que, com os olhos vendados,
avançavam e retornavam pelo mesmo caminho. Isso me desgostou tanto,
que fechei os olhos, mas mesmo assim não pude eliminar a desagradável
impressão causada pela atitude do orador."
O estilo predominante na Câmara dos Comuns, na medida em que o
tenho visto nas sessões públicas, consiste de um movimento das costas e
da mão para cima e para baixo. O ouvinte parece ver o parlamentar
inclinar-se perante o Presidente e a honorável câmara como um garçom o
faz no restaurante ao receber o pedido de um prato primoroso. "Sim
senhor", "Sim senhor", "Sim senhor", sacudindo o corpo a cada
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
152
exclamação. A divertida trova seguinte, com seus versos curtos, traz
muitos oradores parlamentares à minha memória: "Sr. Parlapatão, Não alise o chapelão; a sua argumentação amassa o chapéu doutro varão."
Isto tem bastante afinidade com o que foi descrito com precisão
como estilo de manejo de bomba. É testemunhado com freqüência, e
consiste de uma longa série de movimentos de braço, visando, talvez, a
aumentar a ênfase, nada conseguindo, porém. Oradores desse tipo
lembram-nos o enigma de Moore: "Por que uma bomba é parecida com o
lorde Castlereagh?" "Porque é coisa de tábua, e bem delgada, que alteia e abaixa o seu braço grosseiro e frio fala, fala, o tempo inteiro, numa eterna torrente, fraca e aguada."
Ocasionalmente se vê um movimento tipo serrote, em que o braço
se estira e se contrai alternadamente. Este movimento é levado à
perfeição quando o orador se inclina sobre o gradil ou sobre a parte da
frente do púlpito, e se dobra para baixo, para o povo, como o serrador em
andaimes, trabalhando em vigamentos. É admirável, quantas vigas o
homem serraria se estivesse de fato trabalhando na madeira, em vez de
estar serrando o ar. Damos graças pela conversão de serradores, mas
confiamos em que se sintam livres para deixar para trás os seus serrotes.
Coisa bem parecida se pode dizer dos numerosos malhadores que
trabalham entre nós, que golpeiam e batem com grande rapidez,
arruinando as Bíblias e espanando os forros dos púlpitos. Os precursores
desses cavalheiros foram celebrados pelas linhas freqüentemente citadas
de Hudibras: "E o púlpito é batido – bombo eclesiástico, Não com baqueta, mas, com o punho do bombástico."
Seu único movimento é malhar, malhar, malhar, sem sentido e sem
motivo, quer o tema seja alegre ou dramático. Pregam com a
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
153
apresentação de provas e com poder, mas a manifestação é sempre a
mesma. Não ousamos afirmar que eles batem com o punho da
impiedade, mas o certo é que batem, e com o maior vigor. Exibem as
doces influências da poesia das Plêiades* e os gentis galanteios do amor
com golpes dos punhos; e se esforçam para fazer com que você sinta a
beleza e a ternura do tema deles por meio de pancadas do seu malho que
não pára nunca.
Alguns deles são tolos, realmente, e nem sequer martelam com real
boa vontade – e então a coisa fica intolerável. A gente gosta de ouvir um
bom ruído, e de ver um homem malhar com veemência, se é que isso
tem que ser feito afinal. Mas o cavalheiro que temos em mente raramente
ou nunca é ardoroso em seu trabalho, e bate simplesmente porque esse é
seu modo de agir. "O malho enorme escuta-se vibrar em cadenciado e lento golpear."
Se o individuo tem que golpear, que o faça com ardor. Mas não é
preciso ficar batendo perpetuamente. Há melhores meios de tornar-se
pregador contundente do que imitar o teólogo a respeito de quem o seu
assessor litúrgico disse que tinha despedaçado as partes internas de uma
Bíblia e já ia indo longe com outra. Em certos sermões latinos que
constam de manuscritos antigos, com notas marginais, recomenda-se ao
pregador que sacuda o crucifixo e malhe o púlpito com ele, como se
malhasse o próprio Satanás! Deste modo poderia reunir os seus
pensamentos. Mas não deve se dar muito valor a pensamentos coligidos
assim. Terão alguns desses nossos amigos visto esses manuscritos,
apaixonando-se por sua orientação? É o que parece.
Agora, os puxões, os movimentos de serrote, de manejo de bomba,
e de bater poderiam ser suportáveis e até apropriados, se fossem
combinados. Mas a repetição de um deles é cansativa e sem sentido. As
* Plêiades. Mitologia: sete filhas de Atlas, foram transformadas em estrelas. Daí o nome da
constelação das Plêiades ou do Sete-estrelo, mencionada em Jó 38:31. Deu-se também o titulo de
Plêiades a sete poetas da antigüidade. Nota do Tradutor.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
154
figuras dos mandarins numa casa de chá, continuamente meneando a
cabeça, e das damas de cera que giram com movimentos uniformes na
vitrina do cabeleireiro, não são bons modelos para homens que têm
diante de si a importante obra de conquistar pecadores para viverem na
esfera da graça e da virtude. Vocês devem ser tão fiéis, tão verdadeiros,
tão profundamente ardorosos, que lhes sejam impossíveis os movimentos
meramente mecânicos, e tudo que lhes diz respeito significará vida,
energia, aptidão concentrada e zelo intenso.
Outro método de grotesco pode ser corretamente denominado,
método dos laboriosos. Certos irmãos nunca falharão no ministério por
falta de esforço. Quando sobem à tribuna sacra tencionam dar duro, e
dentro de pouco tempo estão bufando e resfolegando, como se fossem
operários trabalhando por peça. Entram num sermão com a resolução de
romper caminho através dele, empurrando tudo à sua frente. O reino dos
céus sofre violência da parte deles num sentido diverso daquele que é
visado pela Escritura.
"Como vai indo o seu novo pastor?", perguntou um amigo curioso a
um ouvinte simples. "Ora", respondeu o outro, "claro que vai para a
frente, pois toca o pecado como se estivesse abatendo um boi."
Excelente coisa para se fazer espiritualmente, não porém literalmente.
Quando ocasionalmente ouço contar que um rude irmão tirou o
colarinho e a gravata num dia muito quente, e que chegou a tirar o
paletó, acho que ele estava simplesmente se pondo em condições
favoráveis ao orador de físico vigoroso, pois é evidente que esse tipo de
irmão considera o sermão como uma batalha ou como uma luta de
competição. Um furacão irlandês que conheço quebrou uma cadeira
durante uma declamação contra o papado, e fiquei a tremer pela mesa
também. Um distinguido ator que se converteu e se fez pregador em
avançada idade, costumava golpear a mesa ou o assoalho com a bengala
quando se acalorava no discurso. Fez-me desejar tapar os ouvidos
quando as violentas pancadas do seu cajado se repetiam com rapidez e
força crescente. Qual a utilidade peculiar do barulho não sei dizer, pois
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
155
estávamos todos despertos, e a voz dele era bastante forte. Contudo, não
há porque importar-nos com essa atitude do grande ancião, pois ele se
prestava ao "belo frenesi" do seu dedicado entusiasmo, mas não seria
desejável tal barulho partindo de algum de nós.
A ação laboriosa é freqüentemente uma relíquia herdada da
atividade exercida pelo pregador no passado. Como o velho caçador não
pode esquecer inteiramente os cães de caça, assim o bom homem não
pode livrar-se dos hábitos do estabelecimento em que trabalhava. O
irmão que foi especialista na fabricação de rodas, prega sempre como se
estivesse fazendo rodas. Se você entende da arte de fabricar carros e
rodas, pode perceber a maior parte dos processos ilustrada durante um
dos discursos mais vigorosos dele. Poderá detectar o engenheiro noutro
irmão, o tanoeiro num terceiro, e o merceeiro com sua balança num
quarto irmão. O colega que trabalhou no matadouro certamente nos
mostrará como se abate um boi de corte, quando chegar ao auge da
argumentação. Quando vejo o discurso ir de força em força, e o pregador
acalorar-se em seu trabalho, penso comigo mesmo: "Aí vem o
açougueiro com a sua machadinha, ali vai a gorda vaca, e caí por terra o
boi cativo."
Ora, essas reminiscências das ocupações anteriores nunca são muito
censuráveis e sempre são menos detestáveis do que a falta de jeito por
completo indesculpável dos cavalheiros que viveram nas câmaras do
saber desde a juventude. Às vezes estes labutam muitíssimo, mas com
muito menor semelhança a ocupações úteis. Esmurram o ar e dão duro
no trabalho de não fazer nada. Cavalheiros procedentes das
universidades são, com freqüência, mais abomináveis em suas atitudes
do que as pessoas comuns. Talvez a instrução recebida os tenha privado
da confiança em si, tornando-os nervosos e desajeitados.
Ocorre-me que alguns oradores imaginam que estão batendo
tapetes, ou cortando varetas, ou picando carne para lingüiça, ou passando
manteiga, ou enfiando os dedos nos olhos das pessoas. Ah, se eles
pudessem ver-se a si próprios como os outros os vêem, poderiam parar
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
156
de representar diante do público, economizando os seus exercícios
físicos para outras ocasiões. Afinal, prefiro as demonstrações vigorosas e
laboriosas aos ares mais calmos e pomposos de certos oradores cheios de
si. Um esfrega as mãos muito satisfeito consigo mesmo, "Lavando suas mãos com sabão invisível, em água imperceptível",
e, enquanto isso, proclama as mais típicas trivialidades com ares de
quem sobrepuja Robert Hall ou Chalmers (famosos pregadores). Outro
faz pausa e olha em volta com nobre semblante, como se tivesse
comunicado inestimável informação a um grupo de indivíduos altamente
favorecidos, dos quais razoavelmente se poderia esperar que atingissem
um estado de intenso entusiasmo e expressassem o seu irresistível senso
de obrigação. Nada do que foi dito, foi além da mais simples conversa de
colegiais. Mas o ar de dignidade, a atitude de autoridade, e mesmo a
entonação dada pelo homem – tudo mostra quão completamente
satisfeito está. Esta pregação não é do tipo laborioso, mas me ocorreu
mencioná-la por ser o inverso dela, merecendo muito maior condenação.
Alguns simplórios se iludem, sem dúvida, e imaginam que quando
alguém fala de maneira pomposa, só pode estar dizendo algo grandioso.
Mas os sensatos primeiro se divertem, e depois se aborrecem com o
modo grandiloqüente, "a la grand seigneur" – à grande senhor.
Uma das grandes vantagens do treinamento da nossa Escola Bíblica
é a certeza de que o maneirismo inflado será por certo, destruído pela
amável violência com que todos os nossos estudantes se deleitam em
livrar o irmão desse perigo. Muitas pessoas cheias de vento foram
derrubadas nesta sala, pelo toque gracioso de vocês, para nunca mais
inflar-se retomando as dimensões antigas – espero eu. No ministério de
todas as igrejas há alguns que seriam beneficiados maravilhosamente por
um pouco da franca, senão rude, crítica suportada por florescentes
oradores que caíram em suas mãos. Gostaria que qualquer ministro a
quem tenha faltado esse martírio deveras instrutivo, encontrasse um
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
157
amigo suficientemente sincero para apontar-lhe quaisquer
excentricidades nos modos, em que possa ter caído sem perceber.
Mas aqui é preciso não passar por alto outro orador do tipo
laborioso que temos em mente. Vamos denominá-lo, o pregador moto-
contínuo, que é todo ação, e levanta o dedo, ou agita a mão, ou bate
palmas a cada palavra. Nunca está em repouso, nem por um momento. É
tão ansioso por ser enfático, que na verdade anula o seu objetivo, pois,
quando cada palavra do discurso recebe ênfase mediante um gesto, nada
é enfático. Esse irmão desvia a atenção dos ouvintes, das suas palavras
para os seus movimentos. Os olhos realmente levam os pensamentos
para longe do ouvido e, assim, pela segunda vez, o pregador perde o fim
em vista. Essa movimentação contínua agita alguns ouvintes e irrita os
nervos. E não é de admirar, pois quem agüenta ver esse incessante
afagar, e apontar, e sacudir? Na movimentação, como em tudo mais,
"seja a vossa moderação conhecida de todos os homens."
Mencionei, pois, três espécies do grotesco – o rígido, o mecânico e
o laborioso – dando uma vista de olhos ao indolentemente engrandecido.
Encerrarei a lista mencionando outras duas. Existe o tipo marcial, que
também faz limites com o grotesco a ponto de merecer ser incluído nesta
categoria. Alguns pregadores parecem estar combatendo o bom combate
da fé toda vez que se levantam diante de um grupo de ouvintes.
Assumem atitude belicosa e, ou ficam em guarda contra um inimigo
imaginário, ou então atacam o adversário invisível com inflexível
determinação. Não poderiam ter aparência mais feroz se estivessem à
frente de um regimento de cavalaria, nem pareceriam mais satisfeitos no
fim de cada divisão do discurso, se tivessem combatido numa série de
Waterloos (vencendo outros tantos Napoleões). Curvam a cabeça para
um lado, com ar triunfante, como se prestes a dizer: Derrotei aquele
inimigo, e nunca mais ouviremos falar dele."
A última singularidade de movimentos que colocarei sob este ponto
é a do tipo descompassado. Neste caso, as mãos não estão no mesmo
compasso dos lábios. O bom irmão é um pouco tardio em seus
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
158
movimentos e, daí, toda a operação fica desordenada. No princípio você
não consegue decifrar o homem. Parece socar e tocar sem pé nem
cabeça, mas, por fim, você percebe que os movimentos que ele faz –
agora são próprios para o que ele disse segundos antes. O efeito é
estranho ao extremo. É um enigma incompreensível para os que não têm
a chave para decifrá-lo e, quando plenamente compreendido, não perde
nada da sua esquisitice.
Além destas excentricidades, há um tipo de movimentação que,
para usar a expressão mais branda, deve ser descrita como
completamente feia. Para os deste caso, uma plataforma é "geralmente
necessária", pois ninguém consegue fazer-se tão inteiramente ridículo
quando oculto por um púlpito. Agarrar-se a um gradil e curvar-se cada
vez mais para baixo até quase tocar o piso é o cúmulo do absurdo.
Talvez seja uma posição apropriada como prelúdio de uma proeza de
ginástica de agilidade, mas como acompanhamento da eloqüência, é
monstruosa. Entretanto, eu já vi isso mais de uma vez. Acho difícil
descrever com palavras essa posição fora do comum, mas um retrato
mostraria como é ridícula e tornaria obsoleta a atitude. Um ou dois
irmãos se divertiram na minha tribuna dessa maneira extravagante, e são
bem-vindos para repetirem o ato, para ver se, ao ver-se traçados deste
modo rude, considerem aquela postura imponente e impressionante.
Seria muito melhor para tais atores que se relatasse deles o que se
registrou sobre o grande wesleyano Richard Watson: "Ele ficava
perfeitamente ereto, e quase toda a movimentação que empregava era um
ligeiro movimento da mão direita e um significativo meneio ocasional da
cabeça."
O hábito de encolher os ombros chega a dominar alguns
pregadores. Certo número de homens tem ombros largos por natureza, e
muitos outros mais parecem determinados a dar essa impressão, pois
quando não têm algo de peso para transmitir, apóiam-se, elevando as
costas. Um excelente pregador de Bristol, recentemente falecido, fazia
ressaltar a corcova, primeiro de um ombro e depois do outro, enquanto
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
159
os seus grandiosos pensamentos lutavam para sair e, quando conseguia
expressá-los, parecia um corcunda, até o esforço esvair-se. Que lástima
um hábito desses tornar-se inveterado! Quão desejável evitar a sua
formação!
Diz Quintiliano: "Algumas pessoas levantam os ombros quando
falam, mas isso é um erro na gesticulação. Para curar-se disso,
Demóstenes costumava ficar numa tribuna estreita e praticar a oratória
com uma lança pendurada sobre o ombro de modo que, se no calor da
alocução ele deixasse de evitar aquele defeito, seria corrigido ferindo-se
contra a ponta." Este é um remédio agudo, mas valeria a pena uma ferida
ocasional, se os que destorcem a forma humana fossem curados desse
erro.
Numa reunião pública certa ocasião, um cavalheiro que parecia
muito em casa, falando com elevada dose de superioridade familiar, pôs
as mãos para trás, debaixo da dupla cauda do fraque, e o resultado foi
uma figura muito singular, especialmente para os que o viam de perfil,
estando ao lado da tribuna. À medida que o orador ficava mais animado,
movia as pontas do fraque com maior freqüência, lembrando ao
espectador a rabeta-ferreira (ave de cauda inquieta). É preciso ver para
apreciá-lo, mas uma só exibição será suficiente para convencer qualquer
pessoa sensata de que, por mais gracioso que um fraque seja, de modo
nenhum contribuí para a solenidade da ocasião ver as pontas da cauda
desse traje projetando-se por trás do orador.
Vocês também devem ter visto nas reuniões o cavalheiro que põe as
mãos nos quadris e, ou olha como se desafiasse o mundo, ou como se
estivesse suportando considerável dor. Esta posição lembra muito mais a
Billingsgate e as mulheres que ali gritam anunciado a venda de peixes,
do que a eloqüência sacra. Os braços "akimbo", creio que é como dizem
(descrevendo o movimento de colocação das mãos nas cadeiras, com os
cotovelos voltados para fora), e o próprio som da palavra sugerem o
ridículo, não o sublime. Podemos ceder a isso no momento próprio, mas
fazer um discurso com aquela postura é absurdo. Pior ainda é meter as
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
160
mãos nas calças, como as pessoas que se vêem nas estações ferroviárias
francesas que, provavelmente, enfiam as mãos nos bolsos porque nNão
há nada neles, e a natureza detesta o vácuo. Ninguém será criticado por
colocar um dedo no colete por um instante, mas enfiar as mãos nas
calças é ultrajante. Haverá a sensação de completo desprezo pelos
ouvintes e pelo tema, diante de um homem que chegue a fazer isso.
Cavalheiros, porque vocês são cavalheiros, nunca precisarão ser
advertidos contra essa prática, pois não se rebaixarão a ela. Uma vez ou
outra, perante ouvintes excessivamente delicados e emproados, um
homem pode ser tentado a causar choque à estulta afabilidade deles
adotando liberdade e certo relaxamento, visando ao protesto de uma rude
varonilidade. Ver, porém, um homem pregar com as mãos nos bolsos
não nos lembrará nem um profeta, nem um apóstolo. Há irmãos que
estão sempre fazendo isso, e o fazem confiados no poder da sua
personalidade. Pois são estes mesmos que não deveriam fazer coisa
alguma dessa espécie, porque o seu exemplo é poderoso e eles são um
tanto responsáveis pelos fracotes que os imitam.
Outro estilo indecente é quase ligado ao precedente, embora não
seja tão condenável. Pode-se ver nos jantares públicos da classe comum,
onde os alvos coletes precisam de uma pequena exibição extra, e nas
reuniões de operários, em que um empregador oferece um banquete aos
seus homens, e está respondendo ao brinde da "firma". Ocasionalmente
se exibe em reuniões religiosas, onde o orador é homem de importância
local e se sente monarca sobre todos os que estão sob suas vistas. Neste
caso, os polegares são inseridos nas cavas do colete, e o orador atira para
trás o casaco, pondo a descoberto a parte inferior da camisa. A isto dei o
nome de estilo de pingüim, e não consigo achar comparação melhor.
Para um lacaio ou cocheiro num soirée (sarau), ou para um membro da
Ordem dos Sujeitos Estrambóticos, essa atitude pode ser adequada e
digna; e um venerando senhor numa reunião familiar pode falar aos seus
meninos e meninas naquela posição. Mas, para um orador público, e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
161
muito mais para um ministro, como hábito usual, está tão fora das boas
qualidades requeridas quanto uma postura pode estar.
Companheiro desse modo de agir é o costume de segurar o paletó
perto da gola, como se o orador considerasse necessário manter-se bem
seguro pelas mãos. Alguns agarram firmemente o vestuário nessa parte,
e depois esfregam as mãos para cima e para baixo como se pretendessem
dobrar o paletó em algum ponto, ou alongar a gola. Parecem pender da
parte dianteira do paletó, como um homem agarrado em duas cordas. É
de admirar que a roupa não se rasgue por trás, à altura do pescoço. Esta
prática não acrescenta nada à força ou à clareza do estilo do orador, e sua
provável significação é: "Estou tranqüilo à bessa, e ouvir a minha voz
me deleita grandemente."
Supondo que seria bom eliminar tantas feiúras quantas for possível,
mencionarei mesmo aquelas que são um tanto raras. Lembro-me de um
ministro competente, que estava acostumado a fitar a palma da sua mão
esquerda enquanto, com a direita, parecia ir tirando dali as suas idéias.
Divisões, ilustrações, pontos de exposição, pareciam brotar em sua
palma como outras tantas flores, que ele parecia arrancar
cuidadosamente pela raiz, uma por uma, exibindo-as ao público. Isso
tinha pouca importância, pois o pensamento daquele pregador era da
mais alta ordem de excelência, mas o certo é que aqueles movimentos
não tinham graça nenhuma.
Um pregador de classe nada inferior costumava levantar o punho
até à própria testa e tocar de leve na fronte, como se precisasse bater à
porta da mente para despertar os seus pensamentos. Isso também era
mais peculiar do que eficaz.
Fincar na mão esquerda o indicador da direita, como que abrindo
pequenos buracos na palma, ou usar dito dedo em riste, como se você
estivesse apunhalando o ar, é outra atitude extravagante que não deixa de
ter o seu lado cômico.
Passar a mão pela testa quando o pensamento é profundo e não está
fácil encontrar a palavra exata, é um movimento muito natural, mas
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
162
copar a cabeça não é igualmente aconselhável embora talvez
perfeitamente natural. Vi esta última cena levada a consideráveis
extensões, mas nunca me enamorei dela.
Não posso deixar de mencionar uma ridicularia acidental que é
demasiadamente comum. Alguns irmãos sempre dão ordens com a mão
espalmada, que continuam movendo para cima e para baixo ao ritmo de
cada sentença. Ora, este movimento é excelente a seu modo, se não for
executado de maneira muito monótona, mas infelizmente está sujeito a
acidentes. Se o ardoroso orador continua a mover a mão para cima e para
baixo, corre o grande perigo de apresentar uma aparência com
implicações deploráveis. O objetivo da ação é o simbólico, mas,
infelizmente, o símbolo está um tanto vulgarizado, e tem sido descrito
como "pôr o dedão do despeito no nariz da desfeita." Alguns há que
tolamente cometem esse erro uma série de vezes durante um discurso.
Vocês deram risada destes retratos que procurei esboçar para sua
edificação. Cuidado, que ninguém venha a rir-se de vocês por caírem
nestas atitudes absurdas ou noutras semelhantes.
Devo confessar, porém, que não penso tão mal de qualquer delas,
ou de todas juntas, como penso do estilo superfino, inteiramente
desprezível e abominável. É pior do que o vulgar comum, pois é a
própria essência da vulgaridade, aromatizada com ostentações e ares de
fidalguia. Rowland Hill esboçou a coisa que estou condenando no retrato
que fez do Sr. Taplash. É certo que é uma representação mais correta de
características de cinqüenta anos atrás, do que de agora, mas nos traços
principais ainda é suficientemente exata. "O orador, em sua primeira apresentação, vinha empertigado e vestido
com a mais consumada elegância. Nem um fio de cabelo se achava fora de lugar em seu crânio vazio, no qual o barbeiro estivera exercendo o seu oficio toda a manhã de domingo; e empoado até ficar alvo como a neve. Assim elegantemente decorado, e cheirando como um gato almiscarado, pela abundância de perfume, impregnava o ar de aroma quando passava. Então, com o mais vaidoso saltitar, subiu ao púlpito como se estivesse saindo de uma chapelaria. E ali tinha de exibir Não somente a sua elegante produção
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
163
como também a sua elegância pessoal, sua mão alva e delicada exibindo um anel de diamante, enquanto o seu lenço branco, recendendo a finos aromas, era desdobrado e manuseado com admirável destreza e arte. Seu frasco de sais aromáticos era levado ocasionalmente ao nariz, dando ao dono diversas oportunidades para exibir o cintilante anel. Tendo desse modo ajustado a importante questão do lenço e do frasco de sois, em seguida tirava os óculos, para poder reconhecer a nata do seu auditório, pessoas com as quais talvez tivesse agido galantemente, entretendo-as com sua conversa barata no dia anterior. A estas, tão logo lhes encontrava os olhos, favorecia com um olhar sorridente e com um aceno gentil."
Esta é uma pungente versão de uma resenha publicada por Cooper
sobre certos "mensageiros da graça" que "voltavam a si" quando acabava
o sermão. Pequeninas personalidades, devem ter sido. "Sai o espelho de bolso, e primeiro riscamos a sobrancelha; logo o cabelo aprumamos. Em seguida, com ar graciosamente armado, na poltrona caímos e o braço estendemos e o pousamos gentis no braço da poltrona com o lenço estirado e pendendo da mão. Mais ocupada, a destra oferece ao nariz seu perfume, ou ajuda presta aos olhos gratos com binóculos para ver moventes cenas e olhar a exposição que devagar se esvai. Ora, isto é repugnante, e a mim me ofende mais do que, no homem da igreja, a ociosa negligência e a grosseria rústica."
"Grosseria rústica" é algo reanimador, depois de se estar cansado da
vaidade fútil. Bem fazia Cícero, exortando os oradores a adotarem antes
os gestos do quartel ou da arena, do que os dos dançarinos com suas
finuras efeminadas. Nunca se deve sacrificar a varonilidade à elegância.
Os operários nunca serão levados sequer a pensar na verdade do
evangelho por mestres que são finos almofadinhas. O trabalhador
britânico admira a virilidade e prefere dar ouvidos a alguém que fala
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
164
num estilo natural e sincero. Na verdade, os operários de todas as nações
tendem mais a ser tocados por uma negligência bravia do que por uma
presunçosa atenção à aparência pessoal. A história contada pelo abade
Mullois é – suspeitamos – apenas uma dentre uma série numerosa.
Um operário parisiense convertido, homem de boa disposição mas
franco, cheio de energia e de espírito, que tinha falado muitas vezes com
grande sucesso em agremiações compostas de homens da sua classe, foi
abordado pelo pregador que o levara a Deus. Pediu-lhe que lhe
informasse por qual instrumentalidade ele, que antes fora tão alienado da
religião, chegara a ser restaurado à fé. "Dai-me a informação", disse o
interrogador, "pode ser-me útil nos esforços que faço para recuperar
outros." "Acho que não", replicou o homem, "pois devo dizer-lhe
francamente que o senhor não figura de modo notável no caso." "Não
importa", disse o outro, "Não será a primeira vez que ouço a mesma
observação." "Bem, se quer ouvir, posso contar-lhe em poucas palavras
como se deu o fato. Uma boa senhora me havia importunado, insistindo
que lesse o seu livrinho – perdoe-me a expressão; eu costumava falar
nesse estilo naqueles tempos. Ao ler umas poucas páginas, fiquei tão
impressionado que tive grande desejo de vê-lo.
"Disseram-me que o senhor pregava em certa igreja, e fui ouvi-lo.
Seu sermão acrescentou algum efeito em mim, mas, para falar com
franqueza, muito pouco. Na verdade, comparativamente, nada. O que fez
muito mais por mim foi a sua maneira aberta, simples e descontraída.
Acima de tudo, o seu cabelo mal penteado; pois sempre detestei aqueles
clérigos cujas cabeças lembram a de um cabeleireiro; e disse a mim
mesmo: 'Visto que esse homem se esquece de si próprio em nosso
benefício, devemos, portanto, fazer alguma coisa a favor dele.' Daí
resolvi visitá-lo, e o senhor me embolsou. Foi assim que a coisa começou
e acabou."
Existem tolas senhoritas arrebatadas por algum jovem cujo
principal pensamento é a sua preciosa pessoa. É de esperar que estas
estejam escasseando cada dia que passa. Mas, os homens sensatos, e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
165
especialmente os robustos trabalhadores das nossas grandes cidades,
detestam completamente qualquer sinal de vaidade num ministro. Onde
quer que você encontre ostentação presunçosa, encontrará ao mesmo
tempo uma barreira entre aquele homem e a multidão dotada de bom
senso. Poucos ouvidos se deleitam com a voz do pavão.
É uma lástima não podermos persuadir todos os ministros a serem
homens, pois é difícil ver como doutro modo serão verdadeiros homens
de Deus. É igualmente deplorável que não possamos induzir os
pregadores a falarem e gesticularem como outras pessoas sensatas, pois
lhes será impossível cativar as massas enquanto não o fizerem. Todas as
estranhas questões de atitude, entonação e vestuário do barricadas entre
nós e o povo. Temos que falar como homens, se queremos ganhar
homens. A recente volta ao uso de chapéu na Igreja Anglicana é, por esta
razão, bem como por razões mais graves, um passo na direção errada. Há
cem anos, o vestuário dos clérigos era quase tão distinto como agora,
mas não tinha sentido doutrinário, e não passava de vaidade no vestir, se
se deve crer em Lloyd, quanto ao que diz em sua Súplica Métrica em
Favor dos Eclesiásticos.
Ele ataca os párocos com muita franqueza e, dentre os restantes,
descreve um janota canônico: "Veja o Nugavã, seus enredos e meneios, um fantoche de igreja, nada mais que autômato ordenado. Olhe o seu andar miúdo e tênue. A religião é creme e capa no seu rosto! É todo religião, desde a cabeça aos pés! Os chapeleiros e os barbeiros fazem isto. Emprega a religião imitando o modista; é ortodoxa somente em coisas exteriores: faixas, luvas, anéis, chapéus, batinas, túnicas. Sinal do seu saber é a touca de doutor, e prova a sua bondade – porque a roupa é boa."
Este apego às vestes garbosas levou a uma empertigada nobreza no
púlpito. Chamavam-lhe "dignidade", e se orgulhavam dela. Distinção e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
166
decoro eram sua principal preocupação, e estas se mesclavam com
pompa ou com ostentação tola e risonha, conforme as peculiaridades de
cada criatura, até que os sinceros se cansaram das suas representações
ocas, e partiram para longe daquelas ministrações bombásticas. Os
pregadores também estavam preocupados demais com sua apresentação
à altura para terem qualquer interesse por serem úteis. Não iriam
condescender em utilizar os gestos que tornariam as suas palavras um
pouco mais inteligíveis, pois, que lhes interessava o vulgar? Se as
pessoas de bom gosto ficavam satisfeitas, eles tinham toda a recompensa
que desejavam, e enquanto isso as multidões pereciam por falta de
conhecimento. Deus nos livre do comportamento fino e das maneiras
distintas e gentis, se isto mantém o povo alienado do culto público que a
Deus prestamos.
Em nossos dias essa ostentação doentia é muito mais rara,
esperamos, mas sobrevive ainda. Tivemos a honra de conhecer um
ministro que não podia pregar sem suas luvas de pelica preta. Certa vez,
vendo-se sem elas num certo púlpito, desceu e foi à procura delas no
gabinete pastoral. Infelizmente, um dos oficiais tinha ido acomodar-se
nos bancos levando não só o seu chapéu, como tencionava, mas também
o chapéu e as luvas do pregador, e enquanto se descobria isto, o teólogo
estava em terrível agitação, exclamando: "Nunca prego sem luvas. Não
posso fazê-lo. Não poderei ir ao púlpito enquanto não as achar." Gostaria
que não as tivesse encontrado nunca, pois se daria melhor atrás do balcão
de uma loja de confecções do que numa tribuna sacra. Toda sorte de
desalinho deve ser evitada por um ministro, mas os dotados de
varonilidade caem mais freqüentemente neste erro do que no outro
defeito de tipo efeminado. Portanto, façam o máximo para fugir deste
erro pior.
Cowper diz: "Aborreço de alma toda afetação."
Assim deve ser com todos os homens sensatos. Todos os
estratagemas e efeitos teatrais são insuportáveis quando se deve
transmitir a mensagem do Senhor. É melhor ter vestes rotas e fala tosca,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
167
de modo sincero e sem arte, do que o pedantismo clerical. É melhor
violar todas as regras da elegância do que ser apenas um intérprete
teatral, um ator consumado, um artista num palco. O caricaturista de
vinte anos atrás favoreceu-me com o título de Enxofre, e colocou lado a
lado comigo um declamador pedante a quem chamou Melado. Fiquei
inteiramente satisfeito com a sorte que me tocou, mas não poderia dizer
tanto se fosse representado com o retrato do meu companheiro. Melaços
e outras substâncias açucaradas me fazem adoecer. Um janota no púlpito
faz-me sentir como Jeú quando viu a cabeça enfeitada e o rosto pintado
de Jezabel, e gritou indignado: "Lançai-a daí abaixo."
Eu ficaria muito aborrecido se alguma das minhas observações
sobre as atitudes grotescas levasse um de vocês a ensaiar posturas e
representações. Isto seria fugir do ruim para o pior. Dissemos que o Dr.
Hamilton recebeu aulas de um mestre a fim de livrar-se de sua falta de
firmeza, mas ficou evidenciado que o resultado não foi muito animador,
e temo seriamente que os mestres profissionais produzem mais males do
que curas. Talvez o mesmo resultado decorra da minha tentativa de
amador, mas, pelo menos, quero impedir quanto possível aquela
desventura com minhas severas advertências. Não pensem em como vão
gesticular quando pregarem, mas aprendam a arte de fazer a coisa certa
sem dedicar-lhe um pensamento sequer.
Nossa última regra resume todas as outras: sejam naturais em suas
atitudes. Fujam até da aparência de gestos estudados. A arte é fria;
somente a natureza tem calor. Que a graça os livre de toda falsa
aparência e, em todos os movimentos e em todos os lugares sejam
autênticos, ainda que tenham que ser considerados rudes e incultos. Que
o seu maneirismo seja seu mesmo. Que nunca seja uma polida mentira,
ou o arremedo da amabilidade, o fingimento da paixão, a simulação da
sensibilidade emotiva, ou a imitação do modo alheio de pregar – o que é
na prática uma mentira. "Foge, pois, de qualquer atitude ou olhar, e teatral movimento ante o espelho ensaiados."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
168
Nosso objetivo é remover as excrescências da natureza tosca, não
produzir artificialismo e afetação. Queremos podar a árvore; de modo
nenhum tencionamos aparelhá-la, dando-lhe forma fixa. Queremos que
os nossos estudantes pensem na questão das atitudes no púlpito enquanto
estão conosco na escola, para que nunca mais tenham necessidade de
pensar nisso posteriormente. A matéria é imponderável demais para
fazer parte do seu programa semanal de estudos quando entrarem de fato
na luta da vida ministerial. É preciso que atentem para o assunto agora, e
de modo cabal.
Vocês não são enviados por Deus para pedir sorrisos, mas para
ganhar almas. Seu mestre não é o professor de dança, mas o Espírito
Santo, e a maneira de se conduzirem no púlpito só requer um
pensamento momentâneo, porque pode estorvar o seu bom êxito levando
os ouvintes a fazerem observações sobre o pregador quando o que vocês
querem é que todo o pensamento deles esteja centralizado no assunto da
pregação. Se a melhor atitude tivesse aquele efeito negativo, eu os
exortaria a renegá-la, e se a pior gesticulação impedisse aquele resultado,
eu os aconselharia a praticá-la. Tudo que pretendo é recomendar
movimentos serenos, delicados, espontâneos, porque têm maior
probabilidade de não desviar a atenção.
Toda a questão da entrega da mensagem deve ser una. Tudo deve
estar em harmonia. O pensamento, o espírito, a linguagem, a entonação e
os movimentos devem constituir uma peça só, visando tudo, não à
conquista de honra para nós, mas à glória de Deus e ao bem dos homens.
Se for assim, não há por que temer que vocês violem a norma quanto a
serem naturais, pois não lhes ocorrerá ser doutro modo. Tenho porém um
temor, que é o seguinte: vocês podem cair numa estulta imitação de
algum ministro admirado, e isto em alguma extensão os tirará da trilha
certa. Cada movimento de um homem deve corresponder a ele e brotar
da sua personalidade. O estilo do Dr. Golias, de mais de dois metros de
altura, não se adapta à estatura e à personalidade do nosso amigo
Baixote, que é um Zaqueu entre os pregadores: Tampouco o maneirismo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
169
de um idoso e venerando teólogo serve para o jovem Apolo, mal saído
da adolescência.
Ouvi dizer que durante bom tempo muitos jovens ministros
congregacionais imitaram o pastor que pregava na Capela de Weigh
House, em Londres, e assim havia pequenos Binney por toda parte
copiando o grande Thomas em tudo, menos em sua pregação impregnada
de pensamento. Corre o boato de que há por aí um ou dois jovens
Spurgeon. Se é assim, espero que a referência seja aos meus dois filhos,
que têm direito ao nome por nascimento. Se alguns de vocês vierem a ser
copistas de mim, vou considerá-los espinhos na carne, e os classificarei
entre aqueles que, como Paulo diz, "suportamos alegremente."
Contudo, tem-se dito com sabedoria que todo principiante deve
necessariamente ser imitador por algum tempo. O artista segue o seu
mestre enquanto adquire com simplicidade os rudimentos da arte, e
talvez continue sendo a vida toda um pintor da escola à qual se ligara no
princípio. Mas, conforme vai ganhando proficiência, desenvolve a sua
individualidade, chega a ser um pintor com seu próprio estilo – e lhe foi
melhor, e nem um pouco ruim, que nos seus primeiros dias se
contentasse em sentar-se aos pés de um mestre.
Acontece necessariamente a mesma coisa na oratória. Portanto,
pode ser demasiado dizer: nunca imitem ninguém; mas talvez seja
melhor exortá-los a imitarem a melhor atitude que possam encontrar, a
fim de que o estilo de cada um de vocês, durante a sua formação, seja
modelado corretamente. Corrijam a influência de qualquer pessoa com
aquilo que vejam de excelente em outras. Todavia, tratem de criar o seu
próprio modo de se conduzir. Imitação servil é prática de macaco, mas
seguir outro por onde ele conduz direito, e somente ali, é sabedoria do
homem prudente. Nunca, porém, deixem que a originalidade natural seja
malograda por sua imitação dos melhores modelos da antigüidade ou dos
mais apreciados dentre os modernos.
Em conclusão, não permitam que as minhas críticas a várias
posturas e movimentações grotescas os persigam no púlpito. Seria
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
170
melhor praticá-las todas do que ficar com medo, pois isto os faria
acanhados mentais e desajustados. Lancem-se a isso, quer seja asneira,
quer não. Nesta matéria, poucos erros conterão a metade do mal que
existe no erro do nervosismo. Pode acontecer que, o que seria excêntrico
em outrem, seja muitíssimo apropriado em você. Daí, não tome o dito de
qualquer pessoa como aplicável a todos os casos, nem ao seu mesmo.
Você vê como John Knox é retratado na bem conhecida gravura. Sua
postura é elegante? Talvez não. Todavia, não é exatamente o que devia
ser? Poderá achar algum defeito nela? Não é parecida com Knox, e
repleta de poder? Não se enquadraria bem num homem dentre cada
cinqüenta. Na maioria dos pregadores pareceria forçada, mas no grande
reformador é característica, e combina com a obra que lhe absorveu a
vida. Você deve recordar a pessoa, os tempos e as circunstâncias, e então
o maneirismo passa a ser visto transformado num pregador e herói
enviado para realizar a obra de um Elias e a proclamar as suas
admoestações na presença de uma corte papista que odiava as reformas
que ele exigia.
Seja você mesmo, como Knox foi ele próprio. Ainda que tenha que
ser rude e desajeitado, seja você mesmo. Suas roupas, embora de
confecção caseira, servem-lhe melhor do que as de outro homem, mesmo
que estas sejam feitas da melhor fazenda. Se quiser, poderá seguir a
moda do vestuário do seu preceptor, mas não tome emprestado o casaco
dele. Contente-se com um que seja seu mesmo.
Acima de tudo, seja tão cheio de interesse, fervoroso e gentil, que
os ouvintes liguem pouco para o modo como você veicula a palavra,
pois, se perceberem que ela é recém-chegada do Céu, e a acharem
agradável e abundante, terão em pequena monta o cesto em que lhes é
trazida. Deixe que digam, se lhes aprouver, que a sua presença física é
fraca, mas ore no sentido de que confessem que o seu testemunho tem
peso e poder. Encomende-se à consciência de cada pessoa, à vista de
Deus, e então a simples questão das essências da postura raramente será
levada em conta.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
171
FERVOR: SUA DEFORMAÇÃO E SUA PRESERVAÇÃO
Se me perguntassem: Qual a qualidade deveras essencial de um
ministro cristão que assegura êxito na conquista de almas para Cristo?
Eu responderia: "fervor". E se me fizessem a mesma pergunta uma
segunda e uma terceira vez, não mudaria a minha resposta, pois a
observação pessoal me leva a concluir que, em regra, o verdadeiro
sucesso é proporcional ao grau em que o pregador é ardoroso. Tanto os
grandes homens como os de menor vulto obtêm bom êxito se vivem
inteiramente para Deus, e, se não, falham. Conhecemos homens
eminentes que alcançaram alta reputação, atraem multidões de ouvintes e
são muito admirados, mas, não obstante, estão em baixo grau na escala
dos conquistadores de almas. Isso porque tudo o que fazem naquela
direção poderiam aplicar sendo preletores de anatomia ou oradores
políticos.
Ao mesmo tempo, temos visto seus companheiros de habilidades
sendo tão benéficos à atividade ligada à conversão dos pecadores que,
evidentemente, as suas capacidades adquiridas e os seus dons não lhes
constituem obstáculos, e, sim, o inverso. Sim, porquanto, pelo intenso e
devotado uso das suas capacidades, e pela unção do Espírito Santo,
levaram muitos a volver-se para a justiça. Temos visto irmãos de
habilidades muito limitadas, terríveis carretões na igreja, que se mostram
tão ineficientes em suas esferas de ação como os cegos num
observatório. Por outro lado, porém, homens dotados de potencial
igualmente pequeno, são-nos conhecidos como poderosos caçadores
diante do Senhor, mediante cuja santa energia muitos corações foram
capturados para o Salvador.
Delicia-me a observação de McCheyne: "O que Deus abençoa não é
tanto o grande talento, como a grande semelhança com Cristo."
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
172
Em muitos casos se rastreia e se encontra a explicação quase total
do sucesso ministerial num zelo intenso, numa consumidora paixão pelas
almas e num ardente entusiasmo pela causa de Deus; e cremos que em
cada caso, estando as outras coisas presentes em igual medida, os
homens prosperam no serviço divino na proporção em que os seus
corações estejam inflamados de santo amor: "O deus que responder por
fogo esse será Deus"; e o homem que tiver língua de fogo, esse será
ministro de Deus.
Irmãos, como pregadores, vocês e eu devemos ser sempre
fervorosos com referência ao nosso trabalho de púlpito. Nisto devemos
labutar para atingir de fato o supremo grau de excelência.
Freqüentemente digo a meus irmãos que o púlpito do as Termópilas da
cristandade; ali a batalha será ganha ou perdida. Para nos ministros, a
preservação do nosso poder no púlpito deve ser a nossa grande
preocupação. Temos que ocupar aquela torre de vigia com os nossos
corações e mentes alertados e em pleno vigor. Não nos adiantará sermos
laboriosos pastores se não formos pregadores fervorosos. Receberemos o
perdão de muitos pecados na questão das visitas pastorais, se as almas
forem realmente alimentadas no dia de santo repouso. Mas, alimentadas
é o que devem ser, e nenhuma outra coisa compensará isso. Os fracassos
de muitos ministros que vão água abaixo podem ser explicados pela
ineficácia no púlpito. A principal atividade de um capitão do mar é saber
dirigir o seu navio; nada pode ressarcir a deficiência nisso. Assim os
nossos púlpitos devem receber o nosso maior cuidado, ou tudo andará
torto. Os cães brigam com freqüência porque o suprimento de ossos é
escasso, e freqüentemente os membros das igrejas brigam porque não
recebem alimento espiritual suficiente para mantê-los felizes e pacíficos.
A razão aparente da insatisfação pode parecer alguma outra coisa, mas,
nove vezes em dez a deficiência nas rações é a causa das dissensões que
ocorrem em nossas igrejas. Como todos os outros animais, os homens
sabem quando estão bem alimentados, e geralmente se sentem bem
dispostos depois de uma refeição. Assim, quando os ouvintes vêm à casa
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
173
de Deus e obtêm "alimento conveniente para eles", esquecem muitas
ofensas na alegria da festa, mas se forem mandados embora com fome,
estarão irritadiços como uma ursa cujas crias lhe foram roubadas.
Agora, para sermos aceitáveis, precisamos ser fervorosos quando
aplicados à pregação propriamente dita. Bem disse Cecil que o espírito
e os modos do pregador muitas vezes produzem mais efeito do que o
conteúdo da mensagem. Ir para o púlpito com o ar negligente daqueles
cavalheiros que se refestelam aqui e acolá, e se recostam na almofada
como se tivessem encontrado afinal um tranqüilo lugar de repouso, é,
creio eu, extremamente censurável. Levantar-se diante do povo para
distribuir lugares comuns que não custaram nada ao pregador, como se
qualquer coisa servisse para um sermão, não apenas deprecia a dignidade
do nosso oficio, mas é ofensivo à vista de Deus.
Temos que ser fervorosamente zelosos no púlpito por amor de nós
mesmos, pois não conseguiremos manter por muito tempo a nossa
posição de líderes da igreja de Deus se formos insípidos. Além disso,
temos que ser dinâmicos por amor dos membros da igreja e dos
conversos, pois, se não formos zelosos, nem eles o serão tampouco. Não
é da ordem da natureza que os rios corram morro acima, e não acontece
com freqüência que o zelo suba dos bancos dos ouvintes ao púlpito. O
natural é que flua de nós para os nossos ouvintes. Portanto, o púlpito
deve estar em nível mais alto de ardor, se é que havemos de, sob Deus,
tornar os crentes mais fervorosos, e conservá-los assim. Aqueles que
acompanham o nosso ministério têm muito que fazer durante a semana.
Muitos deles têm provações na família e pesadas cargas pessoais para
transportar, e freqüentemente entram na reunião frios e desligados, com
os pensamentos perambulando para lá e para cá. Compete-nos apanhar
aqueles pensamentos e lançá-los ao formo do nosso zelo fervoroso,
fundi-los mediante contemplação santa e apelos intensos, despejando-os
depois no molde da verdade.
O ferreiro não pode fazer nada depois que se apaga o fogo, e, neste
aspecto, é o tipo do ministro. Se todas as luzes do mundo exterior se
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
174
extinguem, a lâmpada que arde no santuário deve permanecer
chamejante; por este fogo jamais deve repicar o toque de recolher.
Devemos considerar os freqüentadores como a madeira e o sacrifício,
bem embebidos duas ou três vezes pelas preocupações da semana, e
sobre os quais devemos, como o profeta, rogar fogo dos céus. Um
ministro molenga cria um auditório de molengas. Você não pode esperar
que os oficiais e os membros da igreja viajem a vapor se o próprio pastor
que elegeram ainda dirige a velha carroça de rodas grandes. Cada um de
nós devia ser como aquele reformador descrito como, "Vividus vultus,
vividi occuli, vividae manus, denique omnia vivida", que prefiro traduzir
livremente assim: "Figura irradiando vida, olhos e mãos cheios de vida;
em suma, um pregador vívido, totalmente vivo." "A tua alma precisa transbordar, se alcançar a alma de outrem é o que quer. A fim de dar aos lábios bem falar, coração transbordante se requer."
Como a igreja, o mundo também sofrerá, se não formos fervorosos.
Não podemos esperar que um evangelho vazio de fervor exerça poderoso
efeito sobre os inconversos ao nosso redor. Uma das desculpas mais
soporíferas para a consciência de uma gerarão iníqua é a indiferença do
pregador. Se o pecador nota que o pregador está meio dormindo
enquanto fala do juízo vindouro, concluí que esse juízo é algo sobre o
que o pregador está sonhando, e resolve considerar isso tudo como
simples ficção. Todo o mundo exterior é objeto de sério perigo a que o
submete o pregador de coração frio, pois ele deduz a mesma conclusão a
que chega o pecador individual: persevera em sua negligência, dedica
suas energias aos seus bens transitórios, e se considera sábio por agir
assim. Como poderia ser de outro modo? Se o profeta deixa para trás o
coração quando professa falar em nome de Deus, que poderá esperar,
senão que os ímpios ao seu redor fiquem persuadidos de que não há nada
na mensagem dele, e que sua comissão evangélica é uma farsa?
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
175
Ouçam como Whitefield pregava, e nunca mais ousem ser
letárgicos. Winter diz dele que "às vezes chorava copiosamente, e
freqüentemente ficava tão dominado que, por alguns segundos, você
suspeitaria que ele nunca mais se recuperaria; e ao recuperar-se, a
natureza exigia um pouco de tempo para recompor-se. Mal sei se houve
alguma ocasião em que ele foi até o fim do sermão sem chorar pouco ou
muito. Sua voz muitas vezes era interrompida por seus impulsos de
afeto. Eu lhe ouvi dizer no púlpito: "Vocês me censuram por chorar.
Mas, como posso deixar de fazê-lo, quando vocês não choram por si
mesmos, apesar de que as suas almas estão à beira da destruição, e algo
me diz que vocês estão ouvindo um sermão pela última vez e pode ser
que nunca mais tenham oportunidade de receber o oferecimento de
Cristo?"
O fervor no púlpito deve ser real. Não deve ser um arremedo. Nós o
vimos falsificado, mas qualquer pessoa com um pingo de discernimento
podia detectar o embuste. Bater os pés, golpear o púlpito, suar, gritar,
vociferar, citar trechos patéticos de sermões alheios, ou derramar
voluntárias lágrimas de olhos aguacentos, nunca substituirão a
verdadeira agonia de alma e real ternura de espírito. A melhor peça de
representação não passa de representação. Os que só olham as aparências
podem agradar-se dela, mas os que amam a realidade terão desgosto.
Que presunção! Que hipocrisia é, com habilidoso controle da voz, imitar
a paixão que é a obra genuína do Espírito Santo! Tenham cuidado os
meros atores, para não serem achados pecando contra o Espírito Santo
com as suas representações teatrais.
Devemos ser fervorosos no púlpito porque somos fervorosos em
toda parte. Precisamos flamejar em nossos discursos porque estamos
continuadamente inflamados. O zelo que fica armazenado para ser posto
em ação somente nas ocasiões grandiosas é um gás que um dia destruirá
o seu proprietário. Nada senão a verdade pode aparecer na casa do
Senhor. Toda afetação é fogo estranho e provoca a indignação do Deus
da verdade. Seja fervoroso, e parecerá fervoroso. Um coração ardente
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
176
logo achará para si uma língua flamejante. Fingir fervor é um dos mais
desprezíveis artifícios empregados para cortejar a popularidade;
detestemos até o pensar nisso. Pode ir, e seja negligente no púlpito, se é
o que você é no coração. Seja lerdo no falar, arrastado na entonação e
monótono na voz, se é assim que expressa melhor a sua alma. Mesmo
isso seria infinitamente melhor do que fazer do seu ministério uma
mascarada, e de você mesmo um ator.
Entretanto, o nosso zelo durante o ato de pregar deve ser seguido
por intensa solicitude quanto aos resultados posteriores. Se não for
assim, teremos razão para questionar a nossa sinceridade. Deus não
enviará uma colheita de almas aos que nunca vigiam nem regam os
campos que semearam.
Concluído o sermão, só temos que lançar a rede que depois
arrastaremos para a praia mediante a oração e a vigilância. Aqui penso
que não posso fazer melhor do que deixar que um advogado mais hábil
argumente com vocês, e cito as palavras do dr. Watts: "Seja muito
solícito acerca do sucesso dos seus trabalhos no púlpito. Regue a
semente semeada, não somente com oração pública, mas também com
oração em secreto. Rogue a Deus importunamente que Ele não permita
que você trabalhe em vão. Não seja como a estulta avestruz que põe os
ovos na terra e ali os deixa, sem considerar se chegarão à vida ou não (Jó
39:14-17). Deus não deu entendimento àquela ave, mas não permita que
essa insensatez seja o seu caráter ou sua prática. Trabalhe, vigie e ore,
para que os seus sermões e o fruto dos seus estudos se transformem em
palavras de vida divina para as almas.
Uma observação do piedoso Sr. Baxter (que li algures em suas
obras) é que ele jamais conheceu qualquer sucesso considerável dos
talentos mais brilhantes e mais nobres, nem da mais excelente espécie de
pregação, nem mesmo quando os pregadores eram verdadeiramente
religiosos, se não tinham solícito interesse pelo êxito das suas
ministrações. Que o terrível e importante pensamento nas almas salvas
mediante a nossa pregação, ou deixadas a perecer condenadas ao inferno
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
177
por nossa negligência – digo, que esse temível e tremendo pensamento
habite para sempre os nossos espíritos. Fomos feitos atalaias sobre a casa
de Israel, como Ezequiel; e, se não dermos aviso da aproximação do
perigo, as almas de multidões podem perecer devido à nossa negligência;
mas o sangue das almas será terrivelmente requerido das nossas mãos
(Ezequiel 3:17 etc.).
Tais considerações deveriam fazer-nos insistentes a tempo e fora de
tempo, e levar-nos a manter-nos vestidos de zelo o tempo todo, como de
um manto. Devemos estar todos com o ânimo desperto e sempre estar
assim. Uma coluna de luz e de fogo deve ser o emblema próprio do
pregador. O nosso ministério tem que ser enfático, ou nunca influirá
nestes tempos caracterizados pela irreflexão. E para esse fim os nossos
corações precisam estar habitualmente ardendo, e toda a nossa natureza
precisa estar inflamada de consumidora paixão pela glória de Deus e
pelo bem dos homens.
Agora, irmãos, é tristemente certo que, uma vez obtido, o santo
fervor pode ser facilmente levado ao desânimo. E como questão de fato
esfria-se com maior freqüência na solidão de um pastorado de aldeia do
que no meio de uma sociedade composta de cristãos ardorosos de
coração. Adam, autor de Private Thoughts (Pensamentos Privados)
observou uma vez que "um pobre pároco rural, lutando com o diabo em
sua paróquia, tem idéias mais nobres do que as de Alexandre, o Grande,
em toda a sua vida." E acrescentarei que ele precisa de algo mais que o
ardor de Alexandre para capacitar-se a prosseguir vitorioso em sua
guerra santa. Sleepy Hollow e Dormer's Land (A Cova do Dorminhoco e
A Terra do Dormitório) serão demasiadas para nós, a menos que oremos
rogando que Deus nos anime diariamente.
Contudo, a vida da cidade também tem os seus perigos, e o zelo
está sujeito a arder com fogo brando devido a numerosos envolvimentos,
como fogo espalhado, em vez de concentrado numa pilha. Aquelas
incessantes batidas à porta, e as perpétuas visitas de gente ociosa, são
outros tantos baldes de água fria atirados sobre o nosso devotado zelo.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
178
De algum modo precisamos garantir a meditação não interrompida, ou
perderemos poder. Londres é um campo de ação peculiarmente tentador
neste sentido.
O zelo também se restringe mais depressa depois de longos anos de
permanência no mesmo serviço, do que quando a novidade dá encanto
ao trabalho. João Wesley diz, no décimo quinto volume dos seus Diários
e Cartas (Journals and Letters): "Sei que, se eu tivesse que pregar um
ano inteiro num lugar só, tanto o pregador como a maioria dos ouvintes
acabaria adormecido." Que será, então, se se tem que ocupar o mesmo
púlpito durante muitos anos?! Neste caso, não é o passo que mata, mas a
extensão da corrida. Nosso Deus é sempre o mesmo, existindo
perpetuamente, e somente Ele pode capacitar-nos a resistir até o fim.
Aquele que ao final de vinte anos de ministério exercido entre as
mesmas pessoas está mais animado que nunca, é grande devedor ao
Espírito vivificante.
O fervor pode ser diminuído pela negligência nos estudos, e
freqüentemente o é. Se não nos exercitamos na Palavra de Deus, Não
pregaremos com o fervor e o garbo espiritual daquele que se alimenta da
verdade que prega e, portanto, é forte e ardoroso. Segundo algumas
autoridades, o ânimo de um inglês em combate depende de estar ele bem
alimentado; não terá estômago para a batalha, se estiver faminto. Se
formos bem nutridos pelo saudável alimento do evangelho, seremos
vigorosos e cheios de ardor.
Um velho e obtuso comandante em Cadiz é descrito por Selden
como tendo-se dirigido aos seus soldados da seguinte maneira: "Que
vergonha será, vocês ingleses, que se alimentam de boa carne e de
cerveja, deixar-se bater por esses desprezíveis espanhóis que não comem
nada mais que laranjas e limões!" A filosofia dele e a minha concordam:
ele esperava entusiasmo e coragem daqueles que estavam bem
alimentados. Irmãos, nunca negligenciem as suas refeições espirituais,
ou terão falta de vigor e os seus espíritos afundarão. Alimentem-se das
substanciais doutrinas da graça, e sobreviverão e suplantarão em
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
179
produtividade aqueles que se deleitam com os bolos e com as beberagens
de vinho e leite do "pensamento moderno."
Por outro lado, o zelo pode ser amortecido por nossos estudos.
Existe, sem dúvida, algo como alimentar o cérebro às custas do coração,
e muitos, em suas aspirações a serem literatos, qualificam-se mais para
escrever revistas do que para pregar sermões. Um fantástico evangelista
costumava dizer que Cristo foi crucificado embaixo do grego, do latim e
do hebraico. Não devia ser assim, mas acontece muitas vezes que o
estudante juntou lenha na escola, mas perdeu o fogo para fazê-la
inflamar-se. Será para a nossa eterna desgraça, se enterrarmos as nossas
chamas debaixo da lenha reunida para sustentá-las. Se degenerarmos,
transformando-nos em escravos dos livros, será para a satisfação da
antiga serpente, e para a nossa desgraça.
O verdadeiro fervor pode ser grandemente enfraquecido pelas
conversas levianas, e principalmente pelas piadas partilhadas com
colegas de ministério, em cuja companhia freqüentemente tomamos mais
liberdade do que gostaríamos de fazer quando reunidos com outros
cristãos. Há excelentes motivos para sentir-nos em casa quando estamos
com colegas, mas se esta liberdade for levada longe demais, logo
perceberemos que nos sobreveio dano por meio do nosso linguajar fútil.
Jovialidade é uma coisa, frivolidade é outra. É sábio quem, mediante
séria felicidade na conversação, navega entre as negras rochas da
carranca e as areias movediças da leviandade.
Muitas vezes nos vemos em perigo de deteriorar-nos quanto ao zelo
devido aos cristãos frios com quem entramos em contato. Que terríveis
desmancha-prazeres alguns crentes professos são! Suas observações
depois de um sermão bastam para deixar você tonto. Você pensa que
certamente comoveu os corações de pedra mas dolorosamente vê que
aqueles ouvintes não foram influenciados de modo nenhum. Vocês
ferviam, e eles se congelavam. Vocês vinham lutando por uma questão
de vida ou morte, e eles calculavam quantos segundos o sermão ia
demorar, resmungando pelos cinco minutos que acaso foram além da
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
180
hora usual – tempo adicional que o seu fervor os impeliu a ocupar
pelejando em favor das almas humanas.
Se acontecer que esses indivíduos enregelados forem oficiais da
igreja, de quem vocês naturalmente esperam a mais calorosa simpatia, o
resultado será esfriamento ao máximo grau, quanto mais se vocês forem
jovens e inexperientes. É como se um anjo ficasse confinado numa
geleira flutuante. "Não porás o boi e o jumento sob o mesmo jugo", era
um preceito misericordioso. Mas quando um ministro que dá duro como
um boi fica no mesmo jugo com um oficial que não é outro boi, o
trabalho de arar fica difícil. Alguns doutores impertinentes terão muito
que responder a Deus nesta matéria. Um desses, não faz muito tempo, foi
a um jovem e zeloso evangelista que estava fazendo o melhor que podia,
e lhe disse: "Jovem, você chama isso de pregação?" Considerava-se fiel,
mas foi cruel e descortês e, embora o bom irmão tenha sobrevivido ao
golpe, este não foi menos brutal por isso. Tais ofensas contra os
pequeninos do Senhor são muito raras, espero, mas são mortificantes, e
tendem a afastar os nossos jovens esperançosos.
Muitas vezes os ouvintes como um todo tenderão a enfraquecer o
seu zelo. Você pode ver pelo olhar e pela atitude deles, que não estão
apreciando os seus sinceros e calorosos esforços, e ficará desanimado.
Aqueles bancos vazios do uma grave provação também, e se o recinto
for grande e pequeno o número de freqüentadores, a influência será
muito deprimente. Não é todo homem que pode agüentar ser "uma voz
que clama no deserto." Desordem entre os ouvintes também aflige
dolorosamente os oradores sensíveis. O caminhar de uma mulher com
ruidosos saltos de sapatos, o ranger de um par de botas novas, a queda
freqüente de guarda-chuvas e bengalas, o choro de crianças, e
especialmente o atraso da metade dos componentes da reunião – isso
tudo tende a irritar a mente, a desviá-la do seu objetivo e a diminuir o
ardor.
Dificilmente gostamos de confessar que os nossos corações são
logo prejudicados por essas bagatelas, mas é assim, e não há motivo para
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
181
admirar-nos disso. Como os frascos do mais precioso ungüento são mais
freqüentemente corrompidos por moscas mortas do que por camelos
mortos, assim coisas insignificantes destroem o fervor mais depressa do
que as maiores contrariedades. Quando se vê em grande desalento, o
homem impulsiona-se a si próprio sem interrupção, e então se atira a seu
Deus, e recebe força divina; mas quando sofre depressões menores é
possível que ele se aflija, e a picuinha causará irritação e se inflamará,
até acontecerem conseqüências mais graves.
Perdoem-me dizer que vocês devem atentar para as condições dos
seus corpos, especialmente na questão de comer, pois qualquer medida
de excesso pode prejudicar a sua digestão e deixá-los aturdidos quando
deviam estar ardendo de fervor. Das memórias de Duncan Matheson
recolho uma historieta muito pertinente: "Em certo lugar onde se estavam fazendo reuniões evangelísticas, os
pregadores leigos, entre os quais estava o Sr. Matheson, foram tratados suntuosamente na casa de um cavalheiro cristão. Depois do jantar, foram para a reunião, não sem alguma diferença de opinião quanto ao melhor método de dirigir os trabalhos da norte. 'O Espírito foi entristecido; Ele não está aqui, de modo algum; é o que sinto', disse um dos mais jovens, com um gemido que de alguma forma contrastava com o imenso prazer anterior, quando desfrutava as luxúrias da mesa. 'Tolice', replicou Matheson, que detestava toda espiritualidade chorosa e mórbida. 'Não é nada desse tipo. Vocês simplesmente comeram muito na janta, e agora sentem o peso da indigestão.' "
Duncan Matheson estava certo, e um pouco mais do seu bom senso
seria grande ganho para alguns que são ultra-espirituais e atribuem todas
as suas modalidades de disposição de ânimo e de sentimento a alguma
causa sobrenatural, quando a verdadeira razão está muito mais perto, à
mão. Não tem acontecido muitas vezes que a dispepsia é confundida
com apostasia, e a má digestão é repreendida como dureza de coração?
Não digo mais nada; para bom entendedor uma palavra basta.
Muitas causas físicas e mentais podem agir para criar letargia
aparente onde há intenso fervor no coração. Em alguns de nós uma noite
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
182
mal dormida, uma alteração no tempo, ou uma observação indelicada
produzirão o mais lamentável efeito. Mas geralmente aqueles que se
queixam de falta de zelo são os mais zelosos do mundo, e a confissão de
falta de vida é em si mesma um argumento de que a vida existe, e não
sem vigor. Não se poupem, nem se deixem levar pela auto-satisfação;
mas, por outro lado, não se difamem a si próprios, nem se afundem no
desânimo. Sua opinião a respeito de si mesmos não tem muito valor;
peçam ao Senhor que os sonde.
Trabalho realizado continuamente por muito tempo sem sucesso
visível é outro freqüente estrago para o zelo fervoroso, conquanto,
retamente compreendido, devesse constituir incentivo para diligência
sete vezes maior. O original Thomas Fuller observa que "nisto Deus tem
humilhado muitos pastores laboriosos fazendo deles nuvens de chuva,
não sobre a Arábia feliz, mas sobre a Arábia deserta e pedregosa." Se o
insucesso nos humilha, está bem, mas se nos desanima, e especialmente
nos leva a pensamentos amargos sobre os colegas mais prósperos,
devemos olhar em torno de nós com grave preocupação. É possível que
tenhamos sido fiéis, e que tenhamos adotado métodos sábios, e que
estejamos no lugar certo, sem contudo atingir o alvo; provavelmente nos
curvaremos e nos sentiremos incapazes de continuar a obra. Mas, se
tratarmos de arrancar coragem e de aumentar o nosso fervor, teremos um
dia abundante colheita, que nos recompensará além da expectativa por
nossa espera. "O lavrador espera pelos preciosos frutos da terra." E com
a santa paciência gerada pelo zelo devemos esperar, sem jamais duvidar
de que o tempo de Sião ser favorecida ainda chegará.
Também é preciso não esquecer nunca que a carne é fraca e
naturalmente inclinada à sonolência. Necessitamos de constante
renovação do impulso divino que nos iniciou na carreira do serviço
cristão. Não somos como flechas, que acham caminho para o alvo
somente graças à instrumentalidade da força com que partiram do arco.
Nem como os pássaros, que levam dentro de si a sua energia motora.
Temos que ser impelidos para a frente como caravelas no mar, pelo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
183
constante poder dos ventos celestiais, ou não avançaremos. Os
pregadores enviados por Deus não são como caixas de música que, uma
vez acionadas, tocam as melodias programadas; são, porém, como
trombetas, completamente mudas até que o sopro vigoroso os faz emitir
certo som. Lemos sobre alguns que não passam de cães broncos, dados a
cochilar, e seria esse o caráter de todos nós, se não o impedisse a graça
de Deus. Temos necessidade de lutar contra o espírito descuidado e
indiferente. Se não o fizermos, logo seremos mornos como Laodicéia.
Lembrando, pois, diletos irmãos, que devemos ter fervor, que não
podemos usar imitações dele nem achar-lhe substituto, e que é muito
fácil perdê-lo, consideremos por um pouco os modos e meios de
conservar todo o nosso fervor e obter mais. Se havemos de prosseguir, o
nosso fervor deve ser inflamado por uma chama eterna, e só conheço
uma – a chama do amor de Cristo, que mesmo muitas águas não
conseguem apagar. Uma centelha do sol celestial será imorredoura como
a fonte da qual provém. Se a pudermos obter, sim, se a tivermos,
continuaremos cheios de entusiasmo, por mais tempo que vivamos, por
mais que sejamos provados e por mais numerosas sejam as razões para
ficarmos desanimados. Para continuarmos fervorosos no transcurso desta
vida, temos que possuir o fervor da vida celeste com que começar.
Temos esse fogo? É preciso que a verdade arda em nossas almas, ou não
arderá em nossos lábios. Entendemos isto? As doutrinas da graça devem
ser parte integrante de nós, entretecidas com a urdidura e a trama do
nosso ser, e isto somente pode ser efetuado pela mão que originalmente
fez o tecido.
Jamais perderemos o nosso amor a Cristo e o nosso amor às almas,
se foi o Senhor que no-los deu. O Espírito Santo faz que o zelo por Deus
seja um permanente princípio de vida, em vez de uma paixão; será que o
Espírito Santo repousa em nós, ou o nosso presente fervor é um simples
sentimento humano? Sobre este ponto devemos fazer sério exame dos
nossos corações, fazendo-nos a nós mesmos a pergunta: Temos nós o
fogo santo oriundo da verdadeira vocação para o ministério? Se não, por
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
184
que estamos aqui? Se alguém pode viver sem pregar, que viva sem
pregar. Se alguém pode estar satisfeito sem ser um conquistador de
almas – quase ia dizer que seria melhor não tentar fazer esse trabalho,
mas, em vez disso digo – procure ver que a pedra seja tirada do seu
coração, para que possa ter sensibilidade quanto aos que perecem. Antes
disto, na qualidade de ministro, ele pode cometer um engano total,
ocupando o lugar de alguém que poderia ter tido êxito na bendita obra
em que aquele será por certo um fracasso.
O fogo do nosso fervor deve arder no centro vital da fé nas
verdades que pregamos, e da fé no poder que elas têm de abençoar a
humanidade quando o Espírito as aplica ao coração. Aquele que
proclama uma coisa que pode ser verdade ou não, e aquilo que, no todo,
considera bom como qualquer outro tipo de ensino, necessariamente dará
um pregador muito fraco. Como poderá ser zeloso sobre aquilo de que
não está seguro? Se não conhece nada do poder interior da verdade em
seu coração, se nunca provou nem tocou a Palavra da vida, como pode
ser entusiasta? Mas, se o Espírito Santo nos ensinou nos lugares secretos,
e fez a nossa alma compreender no seu íntimo a doutrina que nos cabe
proclamar, então falaremos sempre com língua de fogo.
Irmão, não comece a ensinar outros enquanto o Senhor não o tenha
ensinado. Deve ser um trabalho enfadonho papaguear dogmas que não
interessam ao seu coração nem levam convicção ao seu entendimento.
Eu preferiria catar estopa ou girar manivelas para conseguir o meu café
da manhã, como fazem os mendigos aqui e ali, a ser escravo de um
grupo de freqüentadores de igreja e levar-lhes alimento espiritual que eu
mesmo nunca provei. E depois, que terrível há de ser o fim dessa
carreira! Que temíveis contas deve prestar no final aquele que ensina
publicamente aquilo em que não crê de coração, praticando em nome de
Deus esta detestável hipocrisia!
Irmãos, se o fogo vem do lugar certo para o lugar certo, temos bom
começo; e temos os principais elementos de um final glorioso.
Inflamados por uma brasa viva, trazida do altar aos nossos lábios pelo
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
185
querubim alado, o fogo começou a ser mantido no íntimo do nosso
espírito, e ali manterá vivas as chamas, ainda que o próprio Satanás
labute para apagá-las com os pés.
Mesmo a melhor chama na palavra precisa ser renovada. Ignoro se
os espíritos imortais, como os anjos, bebem do vento e se alimentam de
algum maná superior preparado no céu para eles. Mas o provável é que
nenhum ser criado, embora imortal, esteja completamente livre da
necessidade de receber de fonte externa o sustento de suas forças.
Certamente a chama de zelo no coração renovado, conquanto divina,
precisa ser constantemente alimentada de novo combustível. Mesmo as
lâmpadas do santuário precisavam de azeite. Alimente a chama, meu
irmão, alimente-a freqüentemente. Alimente-a com pensamento santo e
santa contemplação, especialmente com o pensamento sobre a sua obra,
os motivos que o levam a procurar realizá-la, e os grandes resultados
dela, se o Senhor estiver com você. Firme-se no amor de Deus aos
pecadores, na morte de Cristo em favor deles e na obra do Espírito nos
corações humanos. Pense no que tem que ser efetuado no coração dos
homens antes de estes poderem ser salvos. Lembre-se, você não é
enviado para caiar túmulos, mas para abri-los, e esta é uma obra que
homem nenhum pode realizar, a menos que, como fez o Senhor Jesus
junto ao sepulcro de Lázaro, se agite no espírito; e mesmo assim você
não tem poder, sem o Espírito Santo.
Irmãos, meditem com profunda solenidade no destino do pecador
perdido e, como Abraão, quando se levantarem de manhã para ir ao local
de sua comunhão com Deus, dêem uma olhada para os lados de Sodoma
e vejam a fumaça que sobe de lá, como a fumarada de uma fornalha.
Evitem todas as idéias sobre a punição vindoura que a faça parecer
menos terrível e assim embotem a sua ansiedade por salvar seres
imortais do fogo inextinguível. Se os homens são apenas uma espécie
mais nobre de macaco e expiram como os animais irracionais, você pode
muito bem deixá-los perecer sem dó. Se, porém, sua criação à imagem
de Deus incluí a imortalidade, e há algum temor de que por sua
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
186
incredulidade trarão infelicidade sobre si, ponham-se à altura das agonias
desse acontecimento, e envergonhem-se da simples suspeita de
desinteresse. Pensem muito também na bem-aventurança do pecador
salvo, e em como o piedoso Baxter apresenta valiosos argumentos em
favor do zelo fervoroso, derivando-os do "sempiterno repouso dos
santos." Subam aos montes celestiais e recolham lenha lá. Empilhem as
gloriosas achas de madeira do Líbano, e o fogo arderá livremente e dará
um suave perfume quando cada pedaço de cedro seleto rebrilhar nas
chamas. Não haverá por que temer que caiam na letargia, se mantiverem
permanente intimidade com as realidades eternas.
Acima de tudo, alimentem a chama com íntima comunhão com
Cristo. Ninguém que tenha vivido com Jesus nos termos em que viveram
João e Maria jamais foi frio de coração, pois Ele faz arder o coração.
Nunca encontrei um pregador desanimado que estivesse em muita
comunhão com o Senhor Jesus. O zelo da casa de Deus consumia a
nosso Senhor, e quando entramos em contato com Ele, o mesmo zelo
começa a consumir-nos também – e vemos que não podemos senão falar
das coisas que temos visto e ouvido em Sua companhia. Nem podemos
deixar de falar dessas coisas com o fervor que provém da real
familiaridade com elas. Aqueles de nós que têm estado pregando durante
estes vinte cinco anos, às vezes sentem que a mesma obra, o mesmo
assunto, o mesmo povo e o mesmo púlpito, juntos, são capazes de gerar
um sentimento de monotonia, e a monotonia logo pode levar à fadiga.
Mas aí trazemos à memória outra mesmice, que vem a ser a nossa
completa libertação – o Salvador é o mesmo, e podemos ir a Ele do
mesmo modo como o fizemos da primeira vez, visto que "Jesus Cristo é
o mesmo ontem, e hoje, e eternamente." Em Sua presença bebemos
vinho novo e renovamos a nossa mocidade. Ele é a fonte que mana para
sempre a refrescante e restauradora água da vida. Em comunhão com Ele
teremos nossas almas vivificadas para o usufruto de energia perpétua.
Sob o seu sorriso o trabalho de há muito costumeiro é sempre agradável,
e mostra mais encanto do que aquele que a novidade poderia conferir.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
187
Colhemos novo maná para o nosso povo cada manhã, e quando
vamos distribuí-lo, sentimos a unção de novo óleo destilando sobre nós.
"... os que esperam no Senhor renovarão as suas forças, subirão com asas
como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se
fatigarão." Recém-vindos da presença dAquele que anda entre os
candeeiros de ouro, estamos prontos para escrever ou falar no poder que
somente Ele pode dar. Soldados de Cristo, vocês somente poderão ser
dignos do Capitão que os comanda, permanecendo em comunhão com
Ele e ouvindo a Sua voz, como fez Josué quando se pós junto ao Jordão
e indagou : "Que diz meu Senhor a Seu servo?"
Abanem o fogo, além de alimentá-lo. Abanem-no com muitas
súplicas. Não há como sermos demasiado insistentes uns com os outros
neste ponto; nenhuma linguagem pode ser veemente demais quando se
trata de implorar aos ministros que orem. Para nós e para os nossos
colegas há necessidade absoluta de oração. Necessidade! – Não gosto
muito de falar desse modo; prefiro falar da delícia da oração – o
maravilhoso dulçor e a divina felicidade advinda à alma que vive na
atmosfera da oração. John Fox dizia: "O tempo que passamos com Deus
em secreto é o mais ameno e o mais bem aproveitado. Portanto se amas
tua vida, enamora-te da oração." O devoto Sr. Herve, tomou a seguinte
resolução no leito de enfermidade: "Se Deus poupar a minha vida, lerei
menos e orarei mais." John Cooke, de Maidenhead, escreveu: "O
exercício, o prazer, a honra e o beneficio da oração premem meu espírito
com força crescente, todo dia." Um finado pastor, ao se aproximar do
fim, exclamou: "Desejaria ter orado mais." Este desejo muitos de nós
poderíamos exprimir.
Deve haver períodos especiais de devoção, e é bom mantê-los com
regularidade. Mas o espírito de oração é ainda melhor do que o hábito de
orar. Orar sem cessar é melhor do que orar a intervalos. Será uma feliz
circunstância se nos pudermos com freqüência dobrar os joelhos junto
com irmãos consagrados, e creio que deveria ser uma regra para nós
ministros, nunca separar-nos sem uma palavra de oração. Muita
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
188
intercessão mais subiria ao Céu se fizéssemos disso um ponto para
cumprir particularmente quanto àqueles dentre nos que foram colegas de
estudos. Se possível, que a oração e o louvor santifiquem cada encontro
de amigo e amigo.
Uma prática revigorante é ter um minuto ou dois de súplicas ao
Senhor no gabinete pastoral antes da pregação, se vocês puderem reunir
ali três ou quatro diáconos de coração ardente, ou outros irmãos. Isto
sempre me anima para a luta. Mas, com tudo isso, para abanar o seu
fervor até torná-lo uma chama vigorosa vocês devem buscar o espírito de
continua oração, de modo que estejam orando no Espírito Santo, em todo
lugar e sempre: no estudo, no gabinete pastoral e no púlpito. É bom estar
pleiteando o tempo todo com Deus – sentados ao púlpito, de pé para
anunciar um hino, lendo a passagem bíblica, pregando o sermão;
erguendo uma das mãos vazia para Deus a fim de receber, e com a outra
repartindo ao povo o que Deus dá. Na pregação sejam como um tubo de
transmissão entre os eternos e infinitos suprimentos do Céu e as
necessidades humanas, quase ilimitadas. Para fazer isso, vocês precisam
alcançar o Céu e manter a comunicação, sem interrupção. Orem pelas
pessoas enquanto lhes pregam. Falem com Deus a favor delas enquanto
lhes falam a favor de Deus. Só assim poderão esperar, manter-se em
contínuo fervor. Poucas vezes uma pessoa se levantará sem fervor depois
de pôr-se de joelhos; ou, se acontecer isso, o melhor que faz é voltar a
orar até que a chama sagrada desça sobre a sua alma.
Adam Clarke disse uma vez: "Morra de estudar, e então ore para
tornar a viver." É uma sabia sentença. Não tentem a primeira realização
sem a segunda; e não pensem que a segunda pode ser levada a efeito
honestamente sem a primeira. Trabalhem e orem, como também vigiem
e orem. Mas orem sempre.
Agitem o fogo também, mediante freqüentes tentativas para realizar
novos serviços. Sacudam-se para livrar-se da rotina, saindo dos
costumeiros campos de trabalho e exigindo solo virgem. Sugiro-lhes,
como um meio subordinado mas muito útil para manter o coração
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
189
robusto, o freqüente acréscimo de novas obras aos seus compromissos
habituais. Gostaria de dizer aos irmãos que estão prestes a deixar a
escola para estabelecer-se em ambientes onde terão contato com apenas
umas poucas mentes superiores, e talvez estejam quase sozinhos nas
mais altas alamedas da espiritualidade: olhem bem por vocês mesmos,
para que não se tornem rasos, insípidos e inúteis; conservem sua
capacidade de cativar as almas mantendo espírito empreendedor. Terão
boa parte do trabalho para fazer, poucos os ajudarão, e os anos vão
rolando e rolando pesadamente. Estejam vigilantes contra isso, e
empreguem todos os meios possíveis para impedir que se tornem
fastidiosos e sonolentos, e entre os meios usem aquele que a experiência
me induz a impor-lhes.
Acho bom ter sempre à mão algum trabalho novo. Os velhos e
habituais empreendimentos têm que ser mantidos, mas algo deve ser-lhes
acrescentado. Deve dar-se conosco o que se dá com os intrusos que
usurpam terreno público. A cerca do nosso jardim deve avançar meio
metro ou mais, abrangendo um pouco mais do terreno comum cada ano.
Nunca digam: "Já basta", nem aceitem a política de "Repousem e sejam
agradecidos." Façam tudo que puderem, e depois façam um pouco mais.
Não ser por qual processo o cavalheiro que anuncia que pode tornar
baixotes mais altos procura fazer isso, mas imagino que, se se há de
obter algum resultado no sentido de acrescentar um côvado à estatura de
alguém, seria a pessoa erguer-se todas as manhãs o mais alto que
pudesse na ponta dos pés e, tendo feito isso, tentar dia após dia atingir
um ponto um pouco mais alto. Certamente é esta a maneira de crescer
mental e espiritualmente – "avançando para as (coisas) que estão diante
de mim."
Se o antigo vai ficando um tanto gasto, irmão, junte-lhes novos
esforços, e a massa toda será elevada de novo. Prove-o, e logo descobrirá
a virtude de abrir novos terrenos invadindo novas províncias do inimigo
e escalando alturas antes não atingidas para ali hastear o estandarte do
Senhor. Com relação aos expedientes de que temos tratado, este é por
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
190
certo secundário. Contudo, é muito útil e pode beneficiá-lo grandemente.
Numa cidade campestre, digamos de dois mil habitantes, você, depois de
algum tempo, irá pensar: "Bem, agora, fiz quase tudo que podia neste
lugar." Que fazer então? Há um lugarejo a alguns quilômetros. Planeje
abrir ali uma sala. Encontrando-se ocupado um vilarejo, excursione a
outro, espie a terra, e faça do socorro à indigência espiritual exposta
diante de você uma ambição sua. Suprida a primeira localidade, pense
numa segunda. É o seu dever, e será também a sua salvaguarda. Toda
gente sabe do interesse que há por uma obra nova. O jardineiro se
cansará do seu labor, a menos que lhe permitam introduzir novas flores
na estufa de plantas, ou dar nova forma aos canteiros do jardim. Todo
trabalho monótono é antinatural e cansativo para a mente. Portanto, é
sábio dar variedade ao seu labor.
De muito maior peso é este conselho: fiquem perto de Deus, e
fiquem perto dos seus semelhantes aos quais vocês querem comunicar
bênçãos. Habitem à sombra do Onipotente, habitem onde Jesus se
manifesta, e vivam no poder do Espírito Santo. Sua própria vida depende
disso. Whitefield menciona um rapaz que tinha tão vívida consciência da
presença de Deus, que geralmente andava sem chapéu pelas estradas.
Como eu gostaria que sempre fosse essa a nossa maneira de sentir! Neste
caso, não haveria dificuldade nenhuma em manter o fervor.
Cuidem também. para manter-se nos mais amistosos termos com
aqueles de cujas almas vocês têm a responsabilidade de zelar. Fiquem na
corrente e pesquem. Muitos pregadores ignoram completamente como
vive a grande maioria das pessoas. Estão em casa entre os livros, mas em
alto mar entre os homens. Que pensariam vocês de um botânico que
raramente viu flores de verdade, ou de um astrônomo que nunca passou
uma noite observando os astros? Seriam dignos do nome de homens de
ciência? Assim também o ministro do evangelho não passará de um
charlatão, a menos que se misture com os homens e estude pessoalmente
o caráter deles. "Estudos a partir da vida" – cavalheiros; precisamos ter
muitos destes, se havemos de fazer fiel pintura da vida em nossos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
191
sermões. Leiam os homens como lêem os livros, e amem as pessoas
antes que as opiniões, ou, do contrário, serão pregadores inanimados.
Fiquem perto dos que se encontram em estado de ansiedade.
Observem as suas dificuldades, as suas angústias e as suas dores de
consciência. Ajudará a fazê-los fervorosos ver-lhes a avidez com que
buscam paz. Por outro lado, ver quão pouco fervorosos os homens são,
na maioria, pode ajudá-los a ter maior zelo para o despertamento deles.
Regozijem-se com aqueles que estão se encontrando com o Salvador;
este é um importante meio de avivar-lhes a alma. Quando puderem levar
a Jesus uma pessoa que chora a perda de um ente querido, sentir-se-ão
jovens de novo. Será como óleo nos ossos ouvir um pecador arrependido
chorar e exclamar: "Agora vejo tudo! Creio, e minha carga se foi. Estou
salvo!"
Às vezes o arrebatamento das almas recém-nascidas de novo os
eletrizarão levando-os a terem ardor apostólico. Quem não se sentiria
capaz de pregar depois de ver pecadores convertidos? Estejam a postos
quando finalmente a graça prende a ovelha perdida, a fim de que, pela
participação no regozijo do grandioso Pastor, vocês possam renovar a
sua mocidade. Morram de trabalhar em favor dos pecadores, e serão
recompensados por ir após eles em fatigante busca, talvez depois de
seguí-los durante meses e anos. Segurem-nos com os firmes laços do
amor, e digam : "Sim, pela graça de Deus, ganhei realmente estas almas"
– e o seu entusiasmo se inflamará.
Se você tiver que trabalhar numa grande cidade, recomendo-lhe
que, seja onde for o local de culto, procure familiarizar-se com a
pobreza, a ignorância e as condições de alcoolismo do lugar. Se puder,
vá junto com um obreiro que já conheça a parte mais pobre da cidade, e
o que vai ver enchê-lo-á de espanto, e a própria visão da doença irá
torná-lo ansioso para revelar o remédio. Há muitos males para se verem,
mesmo nas melhores ruas das nossas grandes cidades, mas há
indescritível profundidade de horror nas condições dos cortiços e
favelas. Assim como o médico percorre os hospitais, você deve percorrer
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
192
os becos e pátios dos cortiços para ver os danos causados pelo pecado.
Será suficiente para fazer um homem derramar lágrimas de sangue
contemplar as desolações que o pecado tem feito na terra. Um dia junto
com um consagrado missionário seria uma bela maneira de concluir o
seu curso acadêmico, e uma adequada preparação para a obra que terá
que realizar em seu próprio campo.
Observe as massas vivendo em seus pecados, envilecidas pela
bebida e pela quebra do dia do Senhor, entregues aos vícios e
blasfemando. Veja-as morrendo curtidas e empedernidas, ou
aterrorizadas e cheias de desespero. Certamente isto reacenderá o zelo
que fenece, se nada mais puder fazê-lo. O mundo está repleto de pobreza
que oprime e de aflição que esmaga. A vergonha e a morte são a porção
de milhares, e é necessário um grande evangelho para satisfazer as
medonhas necessidades das almas humanas. Verdadeiramente assim é.
Você duvida? Vá e veja com os seus próprio olhos. Assim aprenderá a
pregar uma grandiosa salvação, e a engrandecer o grandioso Salvador,
Não com a boca somente, mas de todo o coração. Deste modo se casará
com o seu trabalho além de toda a possibilidade de abandoná-lo.
Os leitos de morte do grandes escolas para nós. Estão determinados
a agir como tônicos para fazer-nos apegados ao nosso labor. Tenho
voltado dos quartos dos moribundos achando que toda gente é doida, e
eu mais que todos. Tenho lamentado o empenho que os homens dedicam
às coisas terrenas, quase dizendo a mim mesmo: Por que esse homem
corria tanto? Por que aquela mulher se enfeitava daquele jeito? Visto que
todos haveriam de morrer logo, eu achava que nada valia a pena, senão
preparar-se para encontrar-se com o seu Deus. Estar com freqüência
onde os homens morrem ajuda-nos a ensiná-los a morrer e a viver.
McCheyne costumava visitar os seus ouvintes enfermos ou moribundos
sábado à tarde, pois, como contou ao Dr. James Hamilton: "Antes de
pregar, ele gostava de olhar por cima do limite final."
Rogo-lhes, além disso, que meçam o seu trabalho à luz de Deus,
Você é servo de Deus ou Não? Se é, como pode ter coração frio? Você
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
193
foi ou não foi enviado pelo Salvador crucificado, para proclamar o Seu
amor e receber a recompensa das Suas feridas? Se foi, como pode
afrouxar-se? O Espírito de Deus está sobre você? Ungiu-o o Senhor para
pregar boas novas aos pobres? Se não o ungiu, não pretenda fazê-lo. Se o
ungiu, "vai nessa tua força, e o Senhor será a tua força." Sua ocupação
não é comércio ou profissão. Seguramente, se você a avaliar pela medida
do comerciante, é o negocio mais pobre sobre a face da terra. Considere-
a como profissão: quem não preferiria qualquer outra, no que concerne a
lucros monetários ou a honras terrestres? Mas se se trata de vocação
divina, sendo você um operador de milagres, habitando no sobrenatural e
trabalhando, não para o tempo mas para a eternidade, você pertence a
outra associação mais nobre – a uma fraternidade mais elevada do que
qualquer outra que proceda da terra e lide com o tempo.
Olhe bem, e reconhecerá que é grande coisa ser pobre como seu
Senhor, se, como Ele, você puder enriquecer a muitos; verá que é
glorioso ser ignorado e desprezado como o foram os primeiros
seguidores do seu Senhor, porque você está tornando conhecido Aquele
que é a vida eterna. Você ficará satisfeito sendo qualquer coisa, ou nada,
e o pensamento acerca de si próprio não entrará em sua mente, ou
somente a cruzará para ser reconhecido como uma coisa mesquinha que
o homem consagrado não deve tolerar. Este é o ponto. Avalie o seu
trabalho como deve, e não temerei que o seu zelo diminua. Contemple-o
à luz do dia do juízo e tendo em vista as eternas recompensas da
fidelidade. Ah, irmãos, a presente alegria de ter conduzido uma alma à
salvação é sobremodo agradável. Vocês a sentiram, creio, e a conhecem
agora.
Salvar uma alma de cair na perdição traz-nos um pouco do céu,
mas, como há de ser no dia do juízo, encontrar os espíritos redimidos por
Cristo, os quais ouviram dos nossos lábios as novas da sua redenção!
Nosso olhar fita adiante um bem-aventurado céu em comunhão com o
nosso Mestre e Senhor, mas também conheceremos a alegria adicional
de encontrar aqueles amados que levamos a Jesus mediante o nosso
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
194
ministério. Suportemos todas as cruzes, e desprezemos toda a vergonha
pela alegria que Jesus coloca diante de nós – a alegria de ganhar os
nossos semelhantes para Ele.
Mais um pensamento que pode ajudar-nos a manter o nosso zelo
fervoroso: considerem o grande mal que por certo virá sobre nós e
nossos ouvintes se formos negligentes em nosso labor. "Eles perecerão"
– não é esta uma sentença terrível? Para mim é tão terrível como a que se
lhe segue – "mas o seu sangue da tua mão o requererei." Como
descreveremos o destino ruinoso do ministro infiel? E todo ministro
destituído de zelo é infiel. Eu preferiria infinitamente ser entregue a
Tofete como assassino de corpos humanos, a ser condenado como
destruidor de almas humanas. Também não sei de nenhuma condição
que leve o homem a perecer de modo tão fatal e infinito como a do
homem que prega um evangelho em que não crê, e assume o ofício de
pastor sobre um povo cujo bem não deseja intensamente.
Oremos no sentido de que sejamos achados fiéis sempre e para
sempre. Permita Deus que o Espírito Santo nos torne e nos mantenha
assim fiéis.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
195
CEGO DE UM OLHO E SURDO DE UM OUVI DO
Tendo dito muitas vezes nesta sala que o ministro deve ter um olho
cego e um ouvido surdo, provoquei a curiosidade de vários irmãos, que
pediram explicação porque lhes parece, como também a mim, que
quanto mais vivos forem os nossos olhos e quanto mais finos forem os
nossos ouvidos, melhor. Bem, cavalheiros, desde que o texto é um tanto
misterioso, terão uma exegese dele.
Parte do significado foi expresso em linguagem simples por
Salomão no livro de Eclesiastes (7:21): "Não apliques o coração a todas
as palavras que se dizem, para que não venhas a ouvir o teu servo a
amaldiçoar-te." Outra versão diz: "Não dês o coração a todas as palavras
ditas" Não as leves ao coração ou não lhes dê importância, não atentes
para elas, nem procedas como se as tivesse ouvido.
Você não pode deter a língua das pessoas; portanto, a melhor coisa
é deter os seus ouvidos, e não ligar para o que digam. Há um mundo de
falatório ocioso por aí, e aquele que lhe dá atenção tem bastante trabalho.
Verá que mesmo aqueles que convivem com ele não estão sempre a
cantar-lhe loas e que, ao causar desagrado aos seus criados mais fiéis,
eles, num acaloramento momentâneo dos ânimos, dizem palavras cruéis
que lhe seria melhor não escutar. Quem é que, sob irritação passageira,
não diz coisas como essas de alguém, das quais se arrepende mais tarde?
Faz parte da generosidade tratar as palavras ditas com exaltada paixão
como se nunca tivessem sido pronunciadas.
Quando uma pessoa está zangada, é sábio andar longe dela e evitar
briga, em vez de se envolver nela. Se formos compelidos a ouvir
linguajar precipitado, devemos esforçar-nos para apagá-lo da memória,
dizendo com Davi: "Mas eu, como surdo, não ouvia, e como mudo, não
abri a boca. Assim eu sou como homem que não ouve, e em cuja boca
não há reprovação." Tácito descreve o sábio como dizendo a alguém que
o criticou: "Você é senhor da sua língua, mas eu também sou senhor dos
meus ouvidos" – você pode dizer o que lhe agradar, mas ouvirei só o que
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
196
eu escolher. Não podemos fechar os ouvidos como fechamos os olhos,
pois Não temos pálpebras de ouvidos, e, todavia, como lemos daquele
que "cerra os seus ouvidos para não ouvir de sangue", sem dúvida é
possível fechar os portais dos ouvidos de modo que nenhum contrabando
entre.
Diríamos dos mexericos comuns da aldeia e das inadvertidas
palavras de amigos irritados – não as ouçam, ou, se tiverem que ouvi-las,
não se impressionem com elas, pois vocês também falavam com
frivolidade e com raiva em seus dias, e se poriam ainda em posição
difícil, se fossem chamados para explicar cada palavra que tenham dito,
mesmo do seu mais caro amigo. Assim Salomão argumentou ao concluir
a passagem que citamos: "Porque o teu coração também já confessou
muitas vezes que tu amaldiçoaste a outros."
Alargando-me sobre o texto da minha preleção, permitam-me dizer
primeiro – quando iniciarem o seu ministério, façam sua mente começar
com uma folha em branco: sejam surdos e cegos para as velhas
divergências que sobrevivam na igreja. Irmão, tão logo entre no seu
pastorado talvez tenha acolhida por pessoas ansiosas por assegurar a sua
adesão ao lado delas numa rixa de família ou numa controvérsia
eclesiástica. Seja surdo e cego para essa gente, e dê-lhes a certeza de que
o que passou, passou, e de que, como você não herdou o guarda-louça do
seu antecessor, não pretende comer a sua comida fria. Se foi praticada
alguma flagrante injustiça, seja diligente em corrigi-la, mas se for apenas
uma contenda, mande o partido briguento parar com ela, e diga-lhe uma
vez por todas que você não tem nada que ver com isso.
A resposta de Gálio quase lhe serve: "Se houvesse, ó judeus, algum
agravo ou crime enorme, com razão vos sofreria. Mas, se a questão é de
palavras e de nomes, e da leí que entre vós há, vede-o vós mesmos:
porque eu não quero ser juiz dessas coisas." Quando vim para a Capela
da rua New Park como pastor eleito, sendo eu então um jovem
procedente do campo, logo tive entrevista com um bom homem que
tinha abandonado a igreja porque, disse ele, fora "tratado
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
197
vergonhosamente." Mencionou os nomes de meia dúzia de pessoas,
todas elas proeminentes membros da igreja, que tinha agido de maneira
muito anticristã para com ele – com ele, pobre sofredor inocente, modelo
de paciência e santidade.
Fiquei sabendo logo como era o seu caráter pelo que falou dos
outros (modo de julgar que nunca me enganou), e me preparei
mentalmente sobre como agir. Disse-lhe que a igreja estivera num triste
estado de agitação e que o único modo de sair da confusão era cada um
esquecer o passado e ter novo começo. Ele disse que o transcurso de
anos não alteraria os fatos, e eu repliquei que alteraria a maneira como
uma pessoa os encara, se nesse período tivesse ficado mais sábia e
melhor. Contudo, acrescentei, todo o passado se fora com os meus
predecessores, e ele teria que ir atrás deles nos seus novos campos de
trabalho e resolver os problemas com eles, pois, nem usando tenazes eu
tocaria na questão. Ele ficou um tanto acalorado, mas eu deixei que
irradiasse o calor até esfriar-se de novo, e apertamos as mãos e nos
despedimos. Era um bom homem, mas edificado sobre um princípio
molesto, de sorte que, às vezes, atravessava o caminho de outros de
modo grosseiro. Se eu tivesse penetrado a fundo a narrativa dele e
tivesse examinado o caso, a luta não terminaria nunca.
Estou absolutamente certo de que, para o meu sucesso pessoal e
para a prosperidade da igreja, segui o curso mais sábio ao aplicar o meu
olho cego a todas as contendas anteriores á minha chegada. É o cúmulo
da imprudência um jovem recém-formado, ou recém-chegado de outro
campo de trabalho, deixar-se envolver em intrigas por uma facção, e ser
subornado por tratamento amável e por lisonja, para tornar-se partidário
dessa facção, e assim arruinar-se com a metade do povo da sua igreja.
Não queira nada com partidos e facções, mas, seja o pastor do rebanho
todo, cuidando de todos por igual. Bem-aventurados os pacificadores, e
um modo seguro de pacificar é isolar o fogo da contenda. Não o sopre,
nem o agite, nem lhe ponha lenha, mas deixe que se apague sozinho.
Comece o seu ministério, cego de um olho e surdo de um ouvido.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
198
Devo recomendar-lhes o uso da mesma faculdade, ou falta dela,
com relação às finanças, na questão do seu salário. Há algumas
ocasiões, principalmente quando se está formando uma nova igreja, em
que talvez não haja um oficial capaz de dirigir esse departamento, e,
portanto, você pode sentir-se chamado a fazê-lo. Neste caso, não deve
ser censurado; deve até ser elogiado. Muita vez também a obra chegaria
ao fim total se o pregador não agisse como seu próprio oficial, e
encontrasse suprimentos temporais e espirituais por seus próprios
esforços. Quanto a estes casos excepcionais nada tenho que dizer, senão
que admiro o obreiro lutador e tenho profunda simpatia por ele, pois está
sobrecarregado e sujeito a ter menos sucesso como soldado do Senhor
porque está enredado nos negócios desta vida.
Nas igrejas bem estabelecidas que oferecem sustento decente, o
ministro fará bem em supervisionar todas as coisas, mas, não
interferindo em nada. Se os oficiais não merecem fé, não deviam ser
oficiais, mas se são dignos do seu ofício, são dignos da nossa confiança.
Sei que ocorrem casos em que são lamentavelmente incompetentes e,
apesar disso, devem ser mantidos. Num tal estado de coisas, o pastor
deve manter aberto o olho que, doutro modo, deveria ficar fechado.
Antes que a administração dos fundos da igreja se torne um escândalo,
precisamos intervir resolutamente, mas, se não houver necessidade
urgente da nossa interferência, será melhor acreditarmos na divisão do
trabalho e deixar que os oficiais executem o seu serviço. Temos o
mesmo direito dos outros oficiais de lidar com as questões financeiras, se
nos agradar, mas, se outros o fizerem por nos, teremos sabedoria em
deixá-los sós, quanto possível. Quando a carteira está vazia, a esposa
está doente, e os filhos são numerosos, o pregador tem que falar, se a
igreja não o provê adequadamente do necessário; mas, levar
constantemente à igreja pedidos de aumento dos honorários não é sábio.
Quando o ministro é remunerado pobremente, e acha que merece
mais, e que a igreja poderia dar-lhe mais, deve falar primeiro com os
oficiais, com delicadeza, coragem e firmeza. Se eles não derem a devida
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
199
atenção, ele o mencionará aos demais irmãos em termos práticos, como
quem trata de um negocio; não como quem suplica uma caridade, mas
procurando despertar o senso de honra deles com o fato de que "o
trabalhador é digno do seu salário." Que diga diretamente o que pensa,
pois não há de que se envergonhar. Haveria, porém, muito mais motivo
para vergonha se ele se desonrasse, e à causa de Deus, enterrando-se em
dividas. Fale ele, pois, tocando no ponto com espírito apropriado ás
pessoas apropriadas, e ali encerre a questão, sem recorrer a queixas
secretas. A fé em Deus concilia-se com os nossos interesses temporais, e
nos capacita a praticarmos o que pregamos, a saber: "Não andeis pois
inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos
vestiremos?... De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de
todas estas coisas."
Alguns que fingem viver pela fé têm empregado meios astutos para
arrancar donativos, girando um saca-rolhas indireto, mas vocês, ou
pedirão simplesmente, como homens, ou deixarão o caso entregue ao
sentimento cristão dos membros de sua igreja, voltando para os itens e
métodos financeiros da igreja um olho cego e um ouvido surdo.
O olho cego e o ouvido surdo serão extremamente próprios para os
mexericos locais. Toda igreja, e, nesse sentido, toda vila e toda família
estão praguejadas de certas senhoras que bebem chá e despejam ácido
sulfúrico pela conversação. Nunca se aquietam, mas cochicham por todo
lado, para contrariedade dos que são consagrados e práticos. Ninguém
precisa mover-se muito; basta observar-lhes as línguas. Nas reuniões de
chá, nas reuniões de costura e em outros encontros, elas praticam a
vivisseção no caráter dos seus vizinhos, e é claro que ficam ansiosas por
provar o gume das suas facas no ministro, na esposa dele, nos seus
filhos, no chapéu da mulher do ministro, no vestido da filha dele, e em
quantas fitas novas ela usou nos últimos seis meses, e assim por diante,
ad infinitum.
Também há certas pessoas que nunca estão tão felizes como quando
"se angustiam de coração" por terem que contar ao ministro que o Sr. A.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
200
é uma serpente no gramado, que erra muito em ter boa opinião sobre os
Srs. B. e C., e que elas ouviram de muitas bocas que o Sr. D. e sua
esposa estão em péssimas relações. Seguem-se depois fileiras de
observações sobre a Sra. E., que diz que ela e a Sra. F, ouviram
casualmente a Sra. G. dizer à Sra. H. que a Sra. I. devia dizer que o Sr. J.
e a Srta. K. iam sair da capela e ouvir o Sr. L. – e tudo por causa do que
disse o velho M. ao jovem N. a respeito daquela Srta. O.
Jamais dê ouvidos a essa gente. Faça como Nelson fez quando
colocou o seu olho cego no telescópio e declarou que não via o sinal e,
portanto, continuaria a batalha. Os que quiserem murmurar, que
murmurem, mas não os escute, a não ser que murmurem tanto acerca de
uma pessoa que haja a ameaça de que a questão é séria. Neste caso, é
bom fazê-los registrar tudo e falar-lhes com prudente austeridade.
Afirme-lhes que você é obrigado a ter os fatos colocados de forma bem
definida, que a sua memória não é das melhores, que você tem muitas
coisas em que pensar, que você sempre receia cometer enganos nessas
questões, e que, se tivessem a bondade de escrever o que tinham para
dizer, você poderia ter uma visão mais completa do caso e dedicar mais
tempo à sua consideração. A dona Maroca Difama não fará isso; opõe-se
fortemente a fazer afirmações claras e definidas. Prefere falar ao acaso.
Eu gostaria imensamente que, por algum processo, puséssemos fim
aos mexericos, mas suponho que jamais se conseguirá isso, enquanto a
raça humana for o que é, pois Tiago nos diz que "toda natureza, tanto de
bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se
amansa e foi domada pela natureza humana; mas nenhum homem pode
domar a língua, é um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha
mortal." O que não se pode curar, temos que suportar, e a melhor
maneira de suportá-lo é não lhe dar ouvidos. No alto de um dos nossos
velhos castelos, um antigo proprietário inscreveu estas linhas: Eles falam. Falam o quê? Deixe que falem.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
201
Pessoas muito sensíveis deveriam aprender de cor esse lema. Não
vale a pena dar atenção às prosas da aldeia, e você nunca deve interessar-
se por elas, exceto quanto a lamentar a malícia e dureza de coração de
que elas muitas vezes são indicadoras.
Em sua obra, Plain Preaching (Pregação Direta), Mayow diz com
grande energía: "Se você visse uma mulher matar patos e gansos só para
obter uma de suas penas, estaria vendo uma pessoa agir como nós
quando falamos mal de alguém só pelo prazer que sentimos ao falar mal.
Pois o prazer que sentimos não vale nem uma pena, e o pesar que
causamos é maior do que o que sente um homem ao perder os bens que
possui." Encaixe uma observação dessa natureza aqui e ali num sermão,
quando não há no ar nenhum mexerico específico, e talvez seja de algum
beneficio aos mais sensatos; quanto aos demais, não tenho esperança
alguma.
Sobretudo, nunca se junte ao mexeriqueiro, e rogue à sua esposa
que se abstenha disso também. Alguns são tagarelas demais, e me fazem
lembrar o moço que foi enviado a Sócrates para aprender oratória.
Quando foi apresentado ao filósofo, ficou falando sem parar, e tanto que
Sócrates lhe cobrou taxa dupla. "Por que me cobras o dobro?", perguntou
o jovem. "Porque", disse o orador, "preciso ensinar-lhe duas ciências:
uma, como segurar a língua; a outra, como falar." A primeira ciência é a
mais difícil, mas procure alcançar proficiência nela, ou sofrerá muito, e
criará problemas sem fim.
Evite com toda a sua alma aquele espírito de suspeita que azeda a
vida de algumas pessoas, e, para todas as coisas das quais você pode
inferir algo intratável, volte um olho cego e um ouvido surdo. A suspeita
faz do homem um tormento para si próprio e um espião dos demais.
Uma vez que você comece a suspeitar, as causas da desconfiança se
multiplicarão ao seu redor, e o seu próprio espírito de suspeita criará a
maior parte delas. Muitos amigos foram transformados em inimigos por
terem sido objeto de suspeita. Portanto, não fique olhando em volta com
os olhos da desconfiança, nem se ponha à escuta como um abelhudo com
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
202
o apressado ouvido do medo. Ir pelo meio do rebanho cavoucando para
arrancar deslealdade, como um caçador em busca de coelhos, é uma
atividade sórdida, geralmente recompensada do modo mais triste.
O lorde Bacon sabiamente aconselha: "O previdente deixa de
investigar aquilo que detestaria descobrir." Quando não há nada para
descobrir que nos ajude a amar o próximo, é melhor deixar de investigar,
pois poderíamos trazer à luz algo que talvez desse início a anos de
contenda. Não me refiro, é claro, aos casos que requerem disciplina, os
quais precisam ser averiguados completamente e tratados com coragem,
mas tenho em mente apenas as questões pessoais em que o principal
sofredor é você mesmo. Aqui, é sempre melhor não saber, não querer
saber, o que dizem de você, amigos e inimigos. Os que nos elogiam
provavelmente estão tão enganados como os que nos ofendem, e aqueles
podem ser considerados como contrapeso destes, se é que vale a pena
levar em conta o julgamento feito pelos homens. Se temos a aprovação
do nosso Deus, atestada pela consciência em paz, podemos permitir-nos
ser indiferentes às opiniões dos nossos semelhantes, quer nos
recomendem, quer nos condenem. Se não conseguimos atingir este
ponto, somos bebês, e não homens.
Alguns têm o desejo infantil de saber a opinião que seus amigos
têm deles, e, se esta contêm o menor elemento de dissentimento ou
censura, passam logo a considerá-los inimigos. Decerto não somos
papas, e não queremos que os nossos ouvintes nos considerem infalíveis!
Conhecemos homens que ficaram com raiva quando lhes fizeram uma
observação perfeitamente válida e razoável, e que consideram um amigo
sincero como um opositor que tem prazer em achar falha neles. Esta
errônea representação de um lado, logo produziu cólera no outro, e o
resultado foi briga. Quanto melhor é o espírito indulgente! Você deve ser
capaz de agüentar críticas, ou não está apto para estar á frente de uma
igreja. E deve deixar partir o crítico sem incluí-lo entre os seus inimigos
mortais, ou provará que não passa de um fraco. É mais sábio mostrar
dobrada bondade quando você foi severamente sacudido por alguém que
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
203
achava que tinha o dever de fazer isso, pois ele provavelmente é uma
pessoa sincera que vale a pena cativar. Aquele que nos primeiros dias do
seu pastorado duvida que você sirva para ser pastor ali, poderá tornar-se
o seu mais firme defensor, se notar que você cresce na graça e progride
na qualificação para a obra. Portanto, não o considere inimigo por
expressar sinceramente as suas dúvidas. Seu coração não confessa que os
temores dele não eram completamente sem base? Volva o seu ouvido
surdo para aquilo que você julga ser uma áspera crítica feita por ele, e
trate de esforçar-se para pregar melhor.
O gosto por mudanças, o melindre, os gostos avançados, e outras
causas, podem levar as pessoas a ficarem inquietas sob o nosso
ministério, e será bom para nós ignorar isso tudo. Percebendo o perigo, é
preciso não revelar a nossa descoberta, mas, movimentar-nos para
melhorar os nossos sermões, na esperança de que a boa gente seja mais
bem alimentada e esqueça a sua insatisfação. Se forem pessoas realmente
bondosas, o mal incipiente logo passará, e nenhum descontentamento
verdadeiro surgirá – ou, se surgir, não há por que provocá-lo pela
suspeita.
Onde eu soube que havia alguma medida de desafeto para comigo,
não tomei conhecimento, a não ser quando isso me foi imposto à força;
mas, ao contrário, agi para com a pessoa antagônica com o máximo de
cortesia, e de forma a mais amigável – e nunca mais ouvi falar da
questão. Se eu tivesse tratado o bom homem como um opositor, ele teria
feito o melhor que pudesse para interpretar o papel que lhe fora
atribuído, e o executaria para seu próprio prestígio. Mas eu achei que ele
era cristão e tinha direito de não me apreciar, se o julgava justo, e que, se
agiu assim, eu não devia pensar mal dele. Portanto, tratei-o como a um
amigo do meu Senhor, se não meu, incubi-o de fazer algum trabalho que
implicava em confiança nele, coloquei-o à vontade, e aos poucos ganhei
nele um amigo do peito e um companheiro no trabalho.
As melhores pessoas às vezes perdem as estribeiras; nós ficaríamos
contentes se os nossos amigos pudessem esquecer por completo o que
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
204
dissemos quando estávamos mal humorados e raivosos, e seria cristão
agir para com os outros neste assunto como gostaríamos que eles
agissem para conosco. Nunca faça um irmão lembrar que uma vez disse
uma palavra pesada em referência a você. Se o vê com melhor
disposição, não mencione a ocasião mais penosa de antes; se ele for um
homem de espírito reto, no futuro não quererá irritar um pastor que o
tratou tão generosamente, e se for apenas um tipo grosseiro, será uma
lástima sequer argumentar com ele, e, portanto, será melhor deixar o
passado ir à revelia.
Seria melhor ser enganado cem vezes do que viver uma vida de
suspeição. É intolerável. O avarento que passa a noite em claro e ouve
um assaltante em cada folha que caí, não é mais infeliz do que o ministro
que crê que andam armando conspirações contra ele, e que andam
esparramando boatos para prejudicá-lo. Lembro-me de um irmão que
acreditava que o estavam envenenando, e estava persuadido de que até o
assento em que se sentava e as roupas que usava tinham ficado saturados
de morte, graças a alguma química sutil; sua vida era um perpétuo
sobressalto – e é desse jeito a existência – de um pastor quando
desconfia de tudo e de todos que o cercam.
E a suspeita não é apenas fonte de inquietação; é um mal moral, e
prejudica o caráter do homem que a alberga. Nos reis a suspeita produz
tirania, nos maridos ciúme, e nos ministros amargor; e esse amargor de
alma dissolve todos os laços da relação pastoral, comendo como ácido
corrosivo o âmago da própria alma do ofício e fazendo deste uma
maldição em vez de uma bênção. Quando este mal terrível coalha o leite
da bondade humana no coração de um homem, este fica mais apto para
formar nas fileiras dos investigadores da polícia do que para o
ministério. Como uma aranha, põe-se a lançar suas linhas, e forma uma
teia de fios trêmulos, que o envolvem e o advertem do menor toque da
mais diminuta mosca.
Ali está ele sentado ao centro, massa de sensações, todos nervos e
feridas em carne viva, sensível e sensibilizado, um mártir auto-imolado,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
205
arrastando ao redor de si achas de lenha inflamadas, e aparentemente
ansioso para ser queimado. O mais fiel amigo não está seguro em tais
condições, o maior cuidado em evitar causar ofensa não assegurará
imunidade à desconfiança, mas provavelmente será transformado em
astúcia e covardia. A sociedade corre quase tanto perigo com um homem
desconfiado, como com um cachorro louco, pois morde por todos os
lados sem razão, e espalha a torto e a direito a espuma de sua loucura. É
inútil arrazoar com a vítima dessa loucura, pois, com perversa
engenhosidade, desvia todos os argumentos, levando-os por caminhos
errados, e faz do seu pedido de confiança outro motivo para suspeita. É
triste que não possa ver a iniqüidade da censura sem base que faz a
outros, especialmente àqueles que foram os seus melhores amigos e os
mais firmes sustentáculos da causa de Cristo. "Eu não censuraria virtude assim julgada por sombras de dúvida. A indevida suspeita é abjeção mais vil que a culpa suspeitada."
Ninguém deveria ser transformado em ofensor por causa de uma
palavra. Mas, quando a suspeita impera, até o silêncio vira crime.
Irmãos, evitem esse erro renunciando ao amor próprio. Julguem coisa de
pequena importância o que os homens pensem ou digam de vocês, e
cuidem somente do tratamento que dão ao Senhor. Se vocês forem
sensíveis por natureza, não sejam indulgentes para com essa fraqueza,
nem permitam que outros joguem com ela. Não seria grande degradação
do seu ministério se vocês mantivessem por sua conta um exército de
espiões para coligir informações sobre tudo que o povo da sua igreja diz
de vocês? Contudo, quase chega a isso, permitir que certos intrometidos
lhes tragam todos os mexericos do lugar. Mandem embora essas
criaturas. Detestem esses elementos nocivos, que manipulam
murmurações produzindo brigas. Quem traz, leva, e, sem dúvida, os
mexeriqueiros saem da sua casa e divulgam cada observação saída dos
seus lábios, com abundância de enfeites acrescentados por conta deles.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
206
Lembrem-se de que, assim como o receptador é tão mau como o
ladrão, quem dá ouvidos ao escândalo participa da sua culpa. Se não
existissem ouvidos que escutam, não existiriam línguas portadoras de
boatos. Enquanto vocês forem compradores de mercadorias de má
qualidade, a demanda produzirá o suprimento, e as fábricas de falsidade
trabalharão com tempo integral. Ninguém quer ser criador de mentiras, e,
todavia, quem ouve com prazer os maledicentes e prontamente acredita
neles, chocará muita ninhada levando-a à vida ativa.
Salomão diz: "o difamador separa os maiores amigos" (Pv. 16:28).
Lançam-se insinuações, provocam-se invejas, até que "o resultado é a
frieza recíproca, sem que se possa entender o porquê; cada um quer saber
qual teria sido a possível causa. Assim, as ligações mais sólidas, longas,
calorosas e confiantes, as fontes das mais doces alegrias da vida,
rompem-se talvez para sempre", (diz o Dr. Wardlaw comentando
Provérbios.) Esta é obra digna do chefe dos demônios, mas nunca
poderia ser levada a cabo se os homens vivessem fora da atmosfera da
suspeita. Sendo como é, o mundo está cheio de tristeza por essa causa,
tristeza tão aguda quão supérflua a sua causa. Isto é deveras doloroso!
Campbell observa eloqüentemente: "As ruínas de velhas amizades, para
mim são um espetáculo mais melancólico do que as de velhos palácios.
Mostram um coração outrora iluminado pela alegria, já amortecido e
deserto, freqüentado por aquelas aves de mau agouro que fazem os seus
ninhos nas ruínas." Ó suspeita, que desolações tens feito na terra!
Aprendam a descrer dos que não confiam nos seus irmãos em
Cristo. Desconfiem daqueles que querem levá-los a desconfiar dos
outros. Uma resoluta descrença em todos os traficantes de escândalos
fará muito para reprimir as suas energias malévolas.
Em sua Cripplegate Lecture, diz Matthew Poole: "A fama comum perdeu sua reputação há muito tempo, e não sei de
nada que tenha feito em nossos dias para recuperá-la; portanto, não deve merecer crédito. Quão poucos relatos de qualquer espécie há que, bem examinados, vemos que não são falsos! De minha parte, confesso que, se
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
207
de vinte relatos acredito num, faço uma concessão muito liberal. Desconfie particularmente das informações ruins, porque estas se espalham mais depressa, sendo agradáveis a muitas pessoas que supõem que a sua própria reputação nunca estará bem alicerçada como quando construída sobre as ruínas da reputação de outros homens."
Porque as pessoas que gostariam de levá-los a desconfiar dos seus
amigos formam um triste grupo, e porque a suspeita em si mesma é um
vício vil e atormentador, decidam-se a voltar para todo esse negocio o
seu olho cego e o seu ouvido surdo.
Preciso dizer uma ou duas palavras sobre a sabedoria de nunca
ouvir o que não lhes foi destinado. O xereta é um individuo medíocre,
pouco melhor, se tanto, do que o informante comum; e se pode pensar
que aquele que ouviu algo por acaso, ouviu o caso mais do que devia.
Jeremias Taylor observa com sabedoria e justiça: "Nunca fique
escutando atrás da porta ou da janela, pois, além do perigo e da
armadilha que há nisso, é também uma invasão da vida particular do meu
próximo, e uma abertura forçada daquilo que ele fecha para que não se
abra." É pertinente o provérbio que diz que os que vivem à escuta
raramente ouvem falar bem deles, ouvir assim é uma espécie de furto,
mas os bens roubados nunca dão vero prazer ao gatuno. A informação
obtida por meios clandestinos, em todos os casos menos nas situações
extremas, fará mais dano que benefício a uma causa. O magistrado pode
julgá-lo um recurso expedito obter provas por tais meios, mas não posso
imaginar um caso em que o ministro deva proceder assim. A nossa
missão é de graça e paz. Não somos promotores em busca de provas
condenatórias, mas amigos cujo amor pode cobrir multidão de ofensas,
os olhos curiosos de Cão, pai de Canaã, nunca se metam em nosso
trabalho. Preferimos a piedosa delicadeza de Sem e Jafé, que andaram de
costas e cobriram a vergonha que o filho do mal publicara com regozijo.
Como regra geral, volte igualmente o olho cego e o ouvido surdo
para as opiniões e observações a seu respeito. Os homens públicos têm
que esperar crítica pública, e, como não se pode considerar infalível o
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
208
público, os homens públicos podem esperar que os critiquem de modo
nem nobre, nem agradável. Somos obrigados a dar atenção em alguma
medida às observações sinceras e justas, mas, para o cruel veredito do
preconceito, para as críticas frívolas feitas por homens subservientes à
moda, para as tolas afirmações dos ignorantes e para a feroz denúncia
feita pelos adversários, podemos sem risco voltar o ouvido surdo. Não
podemos esperar que nos aprovem aqueles que nós condenamos
mediante o nosso testemunho contra os seus pecados favoritos. Se nos
recomendassem isto mostraria que erramos o nosso alvo.
Naturalmente, esperamos ser aprovados por nosso povo, pelos
membros das nossas igrejas e pelos interessados no evangelho que
freqüentam a igreja. Quando eles fazem observações reveladoras de que
não são grandes admiradores nossos, somos tentados a desanimar-nos,
senão a irritar-nos. Aí jaz uma armadilha. Quando eu estava prestes a
deixar meu cargo no interior para servir em Londres, um dos idosos
varões orou no sentido de que eu ficasse "livre do balido das ovelhas".
Durante a minha vida não pude imaginar o sentido dessa expressão, mas
agora o enigma está claro, e aprendi a fazer eu mesmo aquela oração.
Demasiada consideração dada ao que o nosso povo diz, em louvor ou
depreciação, não nos faz bem. Se habitamos nas alturas com "o grande
Pastor das ovelhas", ligaremos pouco para todos os balidos confusos ao
redor de nós, mas se somos "carnais" e andamos "segundo o homem",
teremos pouco sossego se dermos ouvidos a isto, àquilo e a tudo mais
que cada pobre ovelha possa lançar-nos balindo em volta de nós.
Talvez seja verdade que você estava incomumente cansativo
domingo passado de manhã, mas não havia necessidade alguma de que a
Sra. Sirena fosse contar-lhe que o diácono Jones pensava assim. É mais
que provável que, tendo percorrido a zona rural durante toda a semana
anterior, a sua pregação tenha sido um pouco água com açúcar, mas você
não precisa girar daqui e dali entre as pessoas para verificar se elas
notaram isso ou não. Já não basta que a sua consciência fique intranqüila
sobre esse ponto? Esforce-se para melhorar no futuro, mas não queira
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
209
ouvir tudo o que cada João, José e Maria tenha para dizer sobre isso. Por
outro lado, você cavalgou brioso corcel em seu último sermão, e o
concluiu com floreados de trombetas. Sente-se agora consideravelmente
ansioso para saber que impressão causou. Reprima a sua curiosidade.
Não lhe fará bem inquirir. Se acontecer que os ouvintes concordam com
o seu próprio veredito, servirá somente para alimentar a sua lamentável
vaidade, e se pensarem diferente, a sua pesca de elogios o prejudicará no
conceito deles a seu respeito. Em qualquer caso, tudo girará em torno de
você, e este é um pobre tema para se ficar ansioso por causa dele.
Banque homem, e não se rebaixe procurando cumprimentos como
crianças com roupa nova, que dizem: "Veja só que bonito o meu vestido
novo!" Você não descobriu ainda que a adulação é tão prejudicial como
agradável? Afrouxa a mente e o torna mais sensível à calúnia. Na
proporção em que o elogio o agrada, a censura o faz sofrer.
Além disso, é crime afastar-se do seu grande objetivo de glorificar o
Senhor Jesus por mesquinhas considerações quanto ao seu pequeno ser,
e, se não houvesse outra razão, isto deveria pesar muito para você. O
orgulho é um pecado mortal, e crescerá sem que tome emprestado o
carro de irrigação da paróquia para cultivá-lo. Esqueça as expressões que
fomentem a sua vaidade. Se você se surpreender saboreando manjares
malsãos, confesse o pecado com profunda humildade. Payson mostrou
que era poderoso no Senhor quando escreveu à mãe: "Minha querida mãe, certamente a senhora não deve dizer uma palavra
que sequer pareça uma insinuação de que pensa que estou progredindo na graça. Não posso tolerar isso. Todos daqui, amigos e inimigos, conspiram para arruinar-me. Satanás e o meu próprio coração não deixam de dar sua ajuda. Se a senhora se juntar a eles, temo que toda a água fria que Cristo possa atirar sobre o meu orgulho não impedirá que este irrompa em chamas destruidoras. Na medida em que me adulem e me agradem, meu Pai celestial tem que me apoiar; e por uma indescritível misericórdia é que condescende em fazê-lo. Posso reunir cem razões por que não devo ser orgulhoso, mas o orgulho não atende à razão, nem a nada mais, exceto a
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
210
uma boa sova. Mesmo neste momento sinto-o formigar na ponta dos meus dedos, procurando guiar a minha caneta."
Conhecendo por experiência própria aquelas surras secretas que o
nosso bondoso Pai aplica a Seus servos quando os vê indevidamente
exaltados, cordialmente acrescento as minhas advertências solenes
contra os afagos à carnalidade, afagos que consistem em dar ouvidos aos
elogios dos seus mui gentis amigos. São insensatos, e você precisa ter
cuidado com eles.
Um amigo sensato que não lhe poupe crítica semana após semana,
ser-lhe-á bênção maior do que mil admiradores sem discernimento, se
você tiver suficiente bom senso para agüentar aquele tratamento, e
suficiente graça para ser-lhe agradecido. Quando eu pregava nos Jardins
de Surrey (Surrey Gardens), um censor anônimo dotado de grande
habilidade costumava mandar-me uma lista semanal de meus erros de
pronúncia e outros deslizes na elocução. Nunca apôs o seu nome às
listas, o que foi o único motivo de queixa que tive contra ele, pois me
deixava com uma dívida pela qual eu não podia mostrar o meu
reconhecimento. Aproveito esta oportunidade para confessar as
obrigações que lhe devo, pois, com humor genial, e com evidente desejo
de me beneficiar, anotava implacavelmente tudo que supunha que eu
dissera de modo incorreto. Quanto a algumas dessas correções, ele
estava errado, mas na maior parte estava certo, e suas observações me
capacitaram a perceber e evitar muitos erros. Eu buscava o seu
memorando com muito interesse, e tinha o cuidado de melhorar quanto
às observações que vinham. Se eu tivesse repetido uma sentença dita
dois ou três domingos antes, ele dizia: "Ver a mesma expressão em tal
sermão", mencionando número e página.
Certa ocasião anotou que eu repetia vezes demais o verso: "Nada
trago em minhas mãos", e, acrescentou, "estamos suficientemente
informados da vacuidade das suas mãos." Exigia-me que mostrasse com
que autoridade chamava um homem de "ambicioso" e assim por diante.
É possível que alguns jovens ficassem desanimados, senão zangados,
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
211
com tão severas críticas, mas seriam muito tolos reagindo assim, pois,
ofendendo-se com essa correção estariam jogando fora um valioso
auxilio ao progresso. Nenhum dinheiro pode comprar um julgamento
sincero e franco, e quando o podemos ter por nada, vamos utilizá-lo em
sua máxima extensão. O pior é que dos que oferecem os seus
julgamentos, poucos estão qualificados para formá-los, e seremos
importunados por observações tolas e impertinentes, a menos que lhes
voltemos o olho cego e o ouvido surdo.
No caso das informações falsas a seus respeito, na maior parte use
o ouvido surdo. Infelizmente os mentirosos ainda não são espécimes
extintos, e, como Richard Baxter e John Bunyan, você poderá ser
acusado de crimes que a sua alma aborrece. Não vacile por isso, pois
essa provação sobreveio aos melhores homens, e mesmo o seu Senhor
Não escapou à venenosa língua da falsidade. Em quase todos os casos o
caminho mais sábio a seguir é deixar que essas coisas morram de morte
natural. Uma grande mentira, se despercebida, é como um grande peixe
fora d'água – pula, enterra-se e se esbate, e morre em pouco tempo.
Responder-lhe é supri-la do seu próprio elemento e ajudá-la a ter vida
mais longa. As falsidades geralmente levam consigo a sua própria
refutação e se atormentam a si mesmas até morrer.
Algumas mentiras, em especial, têm um cheiro peculiar, que revela
a sua podridão a todo nariz honesto. Se você fica perturbado com elas, o
objetivo da sua invenção é parcialmente atendido, mas se você agüentar
em silêncio, isto desapontará a malicia e dará a você uma vitória parcial,
e Deus, que o tem sob Seus cuidados, a transformará numa libertação
completa. Sua vida inculpável será sua melhor defesa, e aqueles que a
têm observado não permitirão que você seja condenado tão depressa
como os seus caluniadores esperam. Somente se abstenha de disputar as
suas lutas pessoais e, em nove de dez casos, os seus acusadores não
lucrarão nada com a maledicência deles, a não ser desgosto próprio e
desprezo alheio. Processar o caluniador raramente é sábio.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
212
Lembro-me de um amado servo de Cristo que em sua juventude era
muito sensível e, sendo acusado falsamente, processou a pessoa. Houve
pedido de desculpa em que se retiraram todos os itens da acusação de
forma a mais ampla, mas o bom homem insistiu em que a escusa fosse
publicada nos jornais, e o resultado o convenceu da sua insensatez.
Multidões que de outro modo nunca teriam ficado sabendo da difamação
perguntavam de que se tratava e faziam comentários, concluindo em
geral com a atilada observação de que ele só tinha que ter feito alguma
coisa imprudente para provocar tal acusação. Dizem que lhe ouviram
dizer que nunca mais voltaria a recorrer a esse método, pois viu que a
escusa pública lhe causou mais mal do que a própria calúnia.
Ocupando como ocupamos uma posição que faz de nós excelentes
alvos para o diabo e seus aliados, o melhor curso a seguir é defender a
nossa inocência com o nosso silêncio e deixar com Deus a nossa
reputação. Todavia, há exceções a esta regra geral. Quando se fazem
acusações públicas, definidas e marcantes a um homem, é sua obrigação
dar-lhes resposta, e da maneira mais clara e mais franca. Declinar a toda
investigação num caso desses é praticamente declarar-se culpado, e seja
qual for o modo de colocar a coisa, o grande público normalmente
considera uma recusa a responder como prova de culpa. Quando se trata
de simples importunação e contrariedade, a melhor coisa é a passividade
total, mas quando a questão assume proporções mais serias, e o nosso
acusador nos desafia a defender-nos, somos obrigados a enfrentar as suas
acusações com honesta exposição dos fatos. Em cada caso deve-se
procurar o conselho do Senhor quanto à maneira de lidar com as línguas
difamadoras e no desfecho a inocência será vindicada e a falsidade será
levada à convicção da sua culpa.
Alguns ministros foram quebrantados em seu espírito, expulsos de
sua posição, e até prejudicados em seu caráter por terem dado atenção a
algum escândalo provinciano.
Conheço um fino jovem, para quem eu previra uma carreira
benéfica, que caiu em grande dificuldade porque ele de início admitiu
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
213
que era uma dificuldade, e depois teve que dar duro para fazer com que
assim fosse. Procurou-me queixando-se de que tinha recebido uma
grande ofensa; e era, mas tudo se resumia a algo que meia-dúzia de
mulheres diziam do seu comportamento depois da morte da sua esposa,
originalmente era uma coisa pequena demais para merecer atenção –
uma Sra. Q, tinha dito que não se espantaria se o ministro se casasse com
a empregada que morava na casa dele; outra a representou como tendo
dito que ele devia desposá-la, e uma terceira, com maliciosa habilidade,
encontrou nas palavras um sentido mais profundo, e as elaborou
transformando-as numa acusação, o pior de tudo foi que o caro e sensível
pregador teve que pôr a boca no mundo e acusar uma ou duas vintenas
de pessoas de espalharem calúnias contra ele, chegando a ameaçar
algumas delas com demandas judiciais. Se tivesse orado sobre aquilo em
secreto, ou se tivesse feito ouvidos moucos, nenhum prejuízo teria
resultado daquele palavrório. Mas esse caro irmão não era capaz de tratar
uma calúnia com sabedoria, pois não possuía o que com empenho
recomendo, isto é, um olho cego e um ouvido surdo.
Ainda, meus irmãos, o olho cego e o ouvido surdo ser-lhes-á útil
com relação a outras igrejas e seus pastores. Delicia-me sempre que um
pastor queima os dedos ao meter-se nas atividades de outras pessoas. Por
que não atende a seus próprios interesses, deixando de bancar bispo na
diocese de outro? Muitas vezes membros de outras igrejas me pedem que
me intrometa em suas contendas; mas, a menos que me procurem com a
devida autorização, nomeando-me oficialmente árbitro, recuso-me.
Alexander Cruden deu-se a si próprio o nome de "o Corregedor", e
nunca lhe invejei o título. Uma inspiração peculiar seria necessária para
capacitar um homem a resolver todas as controvérsias; contudo os menos
qualificados são os mais ávidos para tentar fazê-lo. Na maior parte, a
interferência é um fracasso, por mais bem intencionada que seja. As
dissensões internas em nossas igrejas são muito semelhantes às brigas de
marido e mulher; quando o caso chega a um ponto em que eles têm que
ir a vias de fato, quem interferir será vítima da fúria comum dos dois.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
214
Ninguém senão o Sr. Ingênuo Verde interferirá numa batalha doméstica,
pois é claro que o marido não vai gostar disso, e a mulher, ainda que
sofrendo por causa de muitos golpes recebidos, dirá: "Deixe em paz o
meu marido; ele tem direito de me bater, se quiser." Por maior que seja a
animosidade dos cônjuges briguentos, parece que fica esquecida no
ressentimento contra os intrusos.
Assim, entre os muito independentes membros da denominação
batista, a pessoa de fora da igreja que interfira de algum modo, pode
estar certa de que receberá o pior. Irmão, não se considere bispo de todas
as igrejas da vizinhança, mas contente-se em olhar por Listra, Derbe,
Tessalônica, ou qualquer que seja a igreja confiada aos seus cuidados, e
deixe Filipos e Éfeso nas mãos do seus próprios pastores. Não anime as
pessoas desleais que acham defeitos nos seus pastores, ou que lhe trazem
notícias dos males que ocorrem noutras igrejas. Quando se encontrar
com colegas de ministério, não se apresse a dar-lhes conselhos. Eles
sabem qual é o dever deles tanto como você, e o seu juízo do programa
de trabalho deles provavelmente se fundamenta em informação parcial
fornecida por fontes maculadas pelo preconceito. Não ofenda o seu
próximo com alguma intromissão. Temos bastante que fazer em casa, e é
prudente ficar fora de todas as contendas que não nos pertencem.
Um dos provérbios do mundo recomenda-nos que lavemos a nossa
roupa suja em casa, e eu lhe acrescentarei uma linha, advertindo a que
não chamemos os nossos vizinhos enquanto a roupa deles está
ensaboada. Devemos isto aos nossos amigos, e será melhor para
promover a paz. "Quem se mete em questão alheia é como aquele que
toma pelas orelhas um cão que passa" – está sujeito a ser mordido, e
poucos terão pena dele. Bridges sabiamente observa que "o nosso
bendito Senhor transmitiu-nos uma lição de piedosa sabedoria. Ele
sanava as contendas ocorridas em sua família, mas, quando chamado a
interferir numa briga que não Lhe pertencia, respondeu "Quem me fez
juiz ou partidor entre vós?" Os juízes que se constituem tais, ganham
pouco respeito; se fossem mais aptos para censurar estariam menos
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
215
inclinados a fazê-lo. Muita diferença insignificante numa igreja tem sido
soprada até virar um fogaréu por ministros de fora que não tinham idéia
do mal que estavam causando; deram os seus veredictos baseados em
declarações ex parte (de um lado), instigando assim adversários que se
sentiam seguros quando podiam dizer que os pastores das igrejas
próximas concordavam inteiramente com eles.
Meu conselho é que nos juntemos aos "João-Não-Sei-Nada", e que
nunca digamos uma palavra sobre uma questão qualquer enquanto não
ouvirmos ambos os lados; e, além disso, que façamos tudo para evitar
um lado e outro, se a questão não for da nossa conta.
Não basta isto para explicar a minha declaração de que tenho um
olho cego e um ouvido surdo, e de que são eles o melhor olho e o melhor
ouvido que tenho?
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
216
CONVERSÃO COMO O NOSSO OBJETIVO
O fim principal do ministério cristão é a glória de Deus. Quer se
convertam as almas, quer não, se Jesus Cristo é fielmente pregado o
ministro não trabalha em vão, pois é o bom cheiro para Deus, nos que se
perdem e nos que se salvam. Contudo, em regra, Deus nos enviou para
pregar a fim de que, mediante o evangelho, os filhos dos homens se
reconciliem com Ele. Aqui e ali pode acontecer que um pregador da
justiça, como Noé, trabalhe sem conseguir levar ninguém para dentro da
arca da salvação, salvo as pessoas que pertençam ao círculo da sua
família; e que outro, como Jeremias, chore em vão por uma nação
impenitente; mas, na maior parte, a obra de pregação visa a salvar os
ouvintes. Compete-nos semear mesmo em lugares pedregosos, onde
nenhum fruto recompense o nosso labor; mas devemos sempre ter em
vista uma colheita e lamentar se ela não aparecer no tempo devido.
Sendo a glória de Deus o nosso objetivo principal, nós o
alcançaremos procurando a edificação dos santos e a conversão dos
pecadores, É nobre tarefa instruir o povo de Deus e edificá-lo em sua
mui santa fé; de modo nenhum podemos negligenciar este dever. Com
este fim, precisamos fazer claras exposições da doutrina do evangelho,
de experiências vitais, e dos deveres cristãos, jamais deixando de
declarar todo o conselho de Deus. Em muitos casos se mantêm em
recesso sublimes verdades com o pretexto de que não são práticas,
quando o simples fato de que foram reveladas prova que o Senhor as
considera valiosas, e ai de nós se pretendemos ser mais sábios que Ele!
Podemos dizer de toda e qualquer doutrina da Escritura: "É sábio dar-lhe
uma língua o homem."
Se se perder uma nota da harmonia divina da verdade, a música
ficará tristemente desfigurada. O povo da sua igreja poderá enfermar
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
217
com graves moléstias espirituais pela falta de alguma modalidade de
nutrição espiritual, falta que só pode ser suprida pelas doutrinas que você
omitiu. No alimento que comemos há ingredientes que de início não
parecem necessários à vida, mas a experiência mostra que são
indispensáveis para a saúde e para as energias. O fósforo não cria carne,
mas faz falta aos ossos. A mesma descrição cabe a muitas substâncias e
condimentos na devida proporção, a economia humana necessita deles.
Exatamente assim, certas verdades que parecem pouco adequadas à
nutrição espiritual, são, todavia, muito benéficas, suprindo os crentes de
espinha dorsal e de musculatura, e reparando os órgãos avariados da
constituição humana do cristão. Temos que pregar "toda a verdade" para
que o homem de Deus esteja perfeitamente habilitado para todas as boas
obras.
Contudo, o nosso grande objetivo de glorificar a Deus deve ser
atingido principalmente pela conquista de almas. Precisamos ver almas
nascidas para Deus. Se não as virmos, o nosso clamor será o de Raquel :
"Dá-me filhos, ou se não morro." Se não ganharmos almas para Cristo,
lamentaremos como o chefe da família que não vê colheita, como o
pescador que volta para a sua cabana com a rede vazia, ou como o
caçador que andou em vão por vales e montes. O nosso falar seria o de
Isaías, com muitos suspiros e gemidos: "Quem deu crédito à nossa
pregação? e a quem se manifestou o braço do Senhor?" Os embaixadores
da paz não devem parar de chorar amargamente, enquanto os pecadores
não chorarem por seus pecados.
Se temos intenso desejo de ver os nossos ouvintes crerem no
Senhor Jesus, como agir para sermos usados por Deus para a produção
desse resultado? Este é o tema da presente preleção.
Desde que a conversão é obra divina, precisamos ter o cuidado de
depender inteiramente do Espírito de Deus e de buscar dEle poder sobre
a mente dos homens. Como esta observação é repetida com freqüência,
temo que bem poucos sintam a sua força, pois, se fôssemos mais
verdadeiramente sensíveis à nossa necessidade do Espírito de Deus, não
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
218
estudaríamos com maior dependência do Seu ensino? Não oraríamos
importunando-O mais para receber dEle a Sua santa unção? Em nossa
pregação, não daríamos mais ampla liberdade para a Sua operação? Não
fracassamos em muitos dos nossos esforços porque praticamente,
conquanto não doutrinariamente, ignoramos o Espírito Santo? Seu lugar
como Deus é o trono, e em todos os nossos empreendimentos Ele deve
ocupar o principio, o meio e o fim; somos instrumentos nas Suas mãos, e
nada mais.
Admitido isso plenamente, que mais se deve fazer para que se
vejam conversões? Por certo devemos ter o cuidado de pregar com
maior proeminência as verdades que têm mais probabilidade de levar
àquele fim. Que verdades são essas? Respondo que primeiro e acima de
tudo devemos pregar a Cristo, e Este crucificado. Onde Jesus é exaltado,
almas são atraídas. "E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a
mim." A pregação da cruz é para os que se salvam sabedoria de Deus e
poder de Deus. O ministro cristão deve pregar todas as verdades que se
agrupam em torno da pessoa e obra do Senhor Jesus, e, a partir daí, deve
pôr às claras com muito ardor e de modo bem definido o mal do pecado,
de que resulta a necessidade de um Salvador.
Que trate de mostrar que o pecado é quebra da leí, que precisa ser
castigado, e que a ira de Deus se manifesta contra ele. Que nunca trate o
pecado como se fosse coisa de somenos importância, ou um
contratempo, mas que o exponha como extremamente ofensivo a Deus.
Que desça aos pontos particulares, não se restringindo a um superficial
relancear de olhos a grosso modo, mas mencionando pormenorizadamente
vários pecados, mormente os mais comuns na ocasião, como a
devoradora e insaciável hidra do alcoolismo, que devasta a nossa terra; a
mentira que, na forma de difamação, é farta por todo lado; e a
licenciosidade, que deve ser mencionada com santa delicadeza e,
contudo, precisa ser denunciada implacavelmente. Devemos reprovar
especialmente aqueles males em que os nossos ouvintes caíram, ou estão
prestes a cair.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
219
Explique os Dez Mandamentos e obedeça à injunção divina:
"declara a meu povo as suas transgressões, e à casa de Jacó os seus
pecados." Desvende a espiritualidade da leí, como fez o nosso Senhor, e
mostre como ela é transgredida por pensamentos, intenções e
imaginações. Deste modo, muitos pecadores serão aguilhoados no
coração.
O velho Robbie Flochart costumava dizer: "De nada valerá querer
costurar com o fio de seda do evangelho, se não perfurarmos um orifício
para ele com a aguda agulha da leí." A leí vai primeiro, como a agulha, e
puxa o fio do evangelho após si; portanto, pregue sobre o pecado, a
justiça e o juízo por vir. Explique freqüentemente linguagens como a do
Salmo 51; mostre que Deus requer a verdade no íntimo, e que a
purificação com sangue sacrificial é absolutamente necessária. Vise o
coração. Sonde a ferida e toque as veras da alma. Não evite os temas
severos, pois primeiro os homens precisam ser feridos para depois
poderem ser curados, e mortos antes de poderem receber vida. Ninguém
se vestirá com o manto da justiça enquanto não se despir das folhas de
figueira, nem se lavará na fonte da misericórdia enquanto não perceber a
sua imundície. Portanto, meus irmãos, é preciso que não cessemos de
declarar a leí, suas exigências, suas ameaças, e as múltiplas transgressões
que o pecador comete contra a leí.
Ensinem a doutrina da depravação total da natureza humana.
Mostrem aos homens que o pecado não é um acidente, mas o genuíno
produto dos seus corações corruptos. Preguem a doutrina da depravação
natural do homem. É doutrina que está fora de moda, pois hoje em dia
podem-se achar ministros ótimos para falar sobre "a dignidade da
natureza humana." O "lapso estado do homem" – esta é a frase – recebe
alusão às vezes, mas a corrupção da nossa natureza e temas afins são
cuidadosamente evitados. Os etíopes são informados de que podem
embranquecer a sua pele, e se espera que os leopardos removerão as suas
manchas. Irmãos, não caiam nessa ilusão ou, se caírem, podem esperar
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
220
poucas conversões. Vaticinar coisas brandas e atenuar o mal do nosso
estado de perdidos não é o modo de levar homens a Jesus.
Irmãos, a necessidade das operações do divino Espírito Santo
segue-se naturalmente ao ensinamento anterior, pois, necessidade terrível
requer interposição divina. É preciso dizer aos homens que eles estão
mortos, e que somente o Espírito Santo pode vivificá-los; que o Espírito
trabalha de acordo com o Seu bom prazer, e que homem nenhum pode
reivindicar as Suas visitações ou merecer o Seu auxilio. Pensa-se que
este ensino é muito desanimador, e assim é, mas os homens precisam ser
desencorajados quando estão procurando a salvação de maneira errônea.
Livrá-los da presunção de que têm capacidades próprias é um grande
auxilio com vistas a levá-los a olhar para fora de si, para outro –
precisamente para o Senhor Jesus. A doutrina da eleição e outras grandes
verdades que declaram que a salvação decorre totalmente da graça,
sendo, não direito da criatura, mas dádiva do Soberano Senhor, visam
todas a expulsar do homem o orgulho e, assim, a prepará-lo para receber
a misericórdia de Deus.
Também devemos apresentar aos nossos ouvintes a justiça de Deus
e a certeza de que toda transgressão será punida. "Ponha diante deles com ornato terrível a pompa daquele tão tremendo dia em que Jesus Cristo com as nuvens virá."
Façam ressoar nos ouvidos deles a doutrina da segunda vinda de
Cristo, não como curiosidade despertada pela profecia, mas como um
fato solene e prático. É ocioso apresentar o nosso Senhor em termos de
uma ruidosa valentia de um reino terrestre, à moda dos irmãos que crêem
num judaísmo restaurado. Precisamos pregar o Senhor como Aquele que
vem para julgar o mundo com justiça, para convocar as nações à barra do
Seu tribunal, e para separá-las como o pastor aparta as ovelhas dos
cabritos. Paulo pregou sobre a justiça, a temperança e o juízo vindouro, e
fez tremer a Félix; estes temas continuam sendo igualmente poderosos.
Furtaremos do evangelho o seu poder se deixarmos de lado as suas
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
221
ameaças de castigo. É de temer que as opiniões modernas sobre a
aniquilação e a restauração que têm afligido a igreja nestes últimos
tempos levaram muitos ministros a serem indolentes quanto a falar a
respeito do juízo e seus resultados, e, conseqüentemente, os terrores do
Senhor têm exercido pequena influência sobre pregadores e ouvintes. Se
for assim, por mais pesar que sintamos não será suficiente, pois deste
modo é posto de lado o uso de um dos principais meios de conversão.
Diletos irmãos, acima de tudo temos que ser claros sobre a grande
doutrina da salvação das almas – a doutrina da expiação. Precisamos
pregar um real sacrifício substitutivo de bona fide (boa fé), e proclamar o
perdão como seu resultado. Idéias obscuras sobre o sangue expiatório
são em extremo perniciosas. As almas são retidas numa escravidão
desnecessária e se privam os santos da serena confiança da fé porque não
se lhes diz definidamente que "Aquele que não conheceu pecado, (Deus)
o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus."
Temos que pregar a doutrina da substituição honesta e inequivocamente,
pois, se há uma doutrina ensinada com clareza na Escritura é esta – "O
castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras
fomos.sarados."
"Ele próprio, Sua pessoa, levou os nossos pecados no madeira."
Esta verdade dá repouso à consciência mostrando como Deus pode ser
justo e o justificador daquele que crê. Esta é a principal rede do pescador
de homens do evangelho. Os peixes são arrastados ou levados na direção
certa por outras verdades, mas esta é a própria rede.
Se os homens hão de ser salvos, temos que pregar nos mais claros
termos a justificação pela fé como método pelo qual a expiação se torna
efetiva na experiência da alma. Se somos salvos pela obra substitutiva de
Cristo, não se requer de nós mérito nenhum, e tudo que os homens têm
que fazer é aceitar com fé singela o que Cristo já fez. É agradável
descansar na grande verdade de que "este, havendo oferecido um único
sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus"
Oh visão gloriosa! – Cristo assentado no lugar de honra porque Sua obra
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
222
foi realizada. A alma pode muito bem repousar numa obra tão
evidentemente completa.
A justificação pela fé jamais deve ser obscurecida e, todavia, nem
todos são claros sobre ela. Uma vez ouvi um sermão sobre "Os que
semeiam em lágrimas segarão com alegria", cuja transposição para o
vernáculo foi: "Seja bom, muito bom, e, embora tenha que sofrer em
conseqüência disso, Deus o recompensará no final." O pregador, sem
dúvida, cria na justificação pela fé, mas, com toda a nitidez pregou a
doutrina oposta. Muitos fazem isso quando se dirigem a crianças, e noto
que geralmente falam aos pequeninos sobre amar a Jesus, e não sobre
crer nEle. Isto só pode imprimir uma idéia prejudicial na mente dos
jovens e afastá-los do verdadeiro caminho da paz.
Preguem fervorosamente o amor de Deus em Cristo Jesus, e
engrandeçam a abundante misericórdia do Senhor; preguem-no, porém,
sempre em conexão com a Sua justiça. Não enalteçam isoladamente o
atributo do amor segundo o método geralmente seguido, mas considerem
o amor no elevado sentido teológico em que, como um círculo de ouro,
mantêm no seu interior todos os atributos divinos, pois Deus não seria
amor se não fosse justo, e se não odiasse tudo o que não é santo. Nunca
exaltem um atributo às expensas de outro. Façam com que a misericórdia
infinita se veja em calma coerência com a austera justiça e a soberania
ilimitada. O verdadeiro caráter de Deus presta-se para intimidar,
impressionar e humilhar o pecador; tomem cuidado para não falsificar o
seu Senhor.
Todas estas e outras verdades que completam o sistema evangélico
têm em conta levar os homens à fé. Portanto, façam delas a matéria-
prima do seu ensino.
Em segundo lugar, se anelamos intensamente que almas sejam
salvas, devemos não somente pregar as doutrinas que mais
provavelmente levam a esse fim, mas precisamos empregar modos de
manejar aquelas verdades, modos que tenham probabilidade de
conduzir àquele fim. Perguntam quais serão? Primeiro, devem
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
223
empenhar-se muito no emprego da instrução. Os pecadores não são
salvos nas trevas, mas das trevas; "não é bom que a alma fique sem
conhecimento." É preciso ensinar os homens sobre si próprios, seu
pecado, sua queda; sobre o seu Salvador, a redenção, a regeneração etc.
Muitas almas despertas aceitariam alegremente o plano divino de
salvação se tão somente o conhecessem; lembram aqueles de quem o
apóstolo disse: "Agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância." Se
vocês as instruírem, Deus as salvará. Não está escrito: "A exposição das
tuas palavras dá luz"?
Se o Espírito Santo abençoar o seu ensino, elas verão como estavam
erradas e serão levadas ao arrependimento e à fé. Não acredito na
pregação que consiste principalmente em gritar: "Crede! Crede! Crede!"
Por uma questão de justiça comum, vocês têm a obrigação de dizer à
pobre gente aquilo em que deve crer. É necessário haver instrução, ou,
do contrário, a exortação a crer será ridícula e, na prática, frustrará a
frutificação. Receio que alguns irmãos ortodoxos ficaram com
preconceito contra os vivos apelos do evangelho por terem ouvido as
imaturas e indigestas arengas de oradores avivalistas de cabeças mal
ajustadas. A melhor maneira de levar os pecadores a Cristo é anunciar
Cristo aos pecadores. Exortações, rogos, súplicas, não acompanhadas de
instrução sadia, são como tiros de pólvora seca. Podem gritar, chorar e
apelar, mas não conseguirão levar os homens a crerem naquilo de que
não ouviram, nem a receberem a verdade que nunca lhes apresentaram.
"E, quanto mais sábio foi o pregador, tanto mais sabedoria ao povo
ensinou."
Ao darmos instruções é sábio apelar para o entendimento. A
verdadeira religião é tão lógica que, por assim dizer, não é emocional.
Não sou admirador das idéias singulares do Sr. Finney mas não tenho
dúvida de que ele beneficiou a muitos, e seu poder jazia no emprego de
argumentos claros. Muitos que sabiam da fama dele ficavam
decepcionados, a principio, ao ouvi-lo, porque empregava poucos
recursos da arte de falar e era seco e calmo como um livro de Euclides.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
224
Mas, ajustava-se exatamente a certa ordem de intelectos, e estes ficavam
convencidos e convictos com a sua poderosa argumentação. Não se deve
procurar atender às pessoas dotadas de tipo mental lógico? Devemos ser
tudo para todos, e, para esses homens precisamos fazer-nos
argumentativos e apertá-los num canto com deduções claras e inferências
necessárias. Dos argumentos carnais não queremos nenhum, mas, dos
argumentos bons, honestos, que requerem ponderação e consideração,
judiciosos, e que desafiam a mente, quanto mais, melhor.
A classe que exige argumentos lógicos é pequena, comparada com
o número daqueles pelos quais devemos lutar por meio da persuasão
emocional. Requerem não tanto raciocínio, como argumento do coração
– que é a lógica ardendo em chamas. Temos que pleitear com eles como
a mãe o faz com o filho, rogando-lhe que não a magoe, ou como a
amorosa irmã implora ao irmão que volte ao lar paterno e busque
reconciliação; a argumentação tem que ser vitalizada, transformando-se
em persuasão, pelo vivo valor do amor. A lógica fria tem a sua força,
mas, quando a afeição a faz ficar rubra de calor, o poder do argumento
da ternura é inconcebível. O poder que uma mente pode conseguir sobre
outra é enorme, mas, muitas vezes se desenvolve melhor quando a mente
condutora deixou de ter poder sobre si mesma. Quando o zelo
apaixonado arrebata o homem, o seu falar transforma-se numa torrente
irresistível, varrendo tudo diante de si. O homem reconhecidamente
piedoso e devoto, e que é generoso e se sacrifica, tem poder em sua
própria pessoa, e seu conselho e recomendação leva peso por causa do
seu caráter; mas quando se põe a rogar e a persuadir até às lágrimas, sua
influência é maravilhosa, e Deus o Espírito Santo o emparelha sob Seu
jugo para o Seu serviço.
Irmãos, precisamos empenhar-nos com rogos. Súplicas e rogos
devem mesclar-se com as nossas instruções. Todo e qualquer apelo que
atinja a consciência e mova os homens a se lançarem a Jesus temos que
empregar perpetuamente, se por todos os meios havemos de salvar
alguns. Às vezes ouço críticas a ministros que falam de si quando
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
225
apelam, mas a censura não deve ser levada muito a sério, visto que temos
alto precedente no exemplo de Paulo. A uma igreja que o ama é
perfeitamente admissível mencionar o seu pesar pelo fato de que muitos
freqüentadores não são salvos, e o seu veemente desejo e incessante
oração é pela conversão deles. Você age bem quando menciona a sua
experiência pessoal da bondade de Deus em Cristo Jesus e insiste com os
homens que venham e provem o mesmo. Não devemos ser abstrações ou
simples oficiais para a nossa gente, mas devemos empenhar-nos com os
homens como carne e sangue de verdade, se queremos vê-los
convertidos. Quando você pode citar a sua própria pessoa como um
exemplo vivo do que a graça realizou, o apelo é bastante poderoso para
que seja omitido por temor da acusação de egotismo.
Às vezes, também, devemos mudar de tom. Em vez de instruir,
argumentar e persuadir, devemos passar a ameaçar, e a declarar a ira de
Deus sobre as almas impenitentes. Devemos levantar a cortina e fazê-las
ver o futuro. Mostremos o perigo que correm e tratemos de exortá-las a
escapar da ira vindoura. Isto feito, devemos retornar ao convite, e expor
diante da mente despertada as ricas provisões da graça infinita, provisões
oferecidas de graça aos filhos dos homens. Em nome do nosso Senhor
devemos fazer o convite, bradando: "Quem quiser tome de graça a água
da vida." Não se deixem dissuadir disso, meus irmãos, por aqueles
teólogos hiper-calvinistas que dizem: "Vocês podem instruir e exortar os
ímpios, mas não devem convidá-los ou ameaçá-los." E por que Não?
"Por que são pecadores mortos e, portanto, é absurdo convidá-los, visto
que não podem vir." Por que motivo então podemos exortá-los ou
instruí-los?
O argumento é tão forte, se é que tem de fato alguma forca, que
elimina todas as formas de apelo dirigido aos pecadores, de modo que
somente agem com lógica aqueles que, tendo pregado aos santos,
sentam-se, dizendo: "A eleição obteve este resultado; os demais foram
deixados cegos." Com que base devemos afinal dirigir-nos aos ímpios?
Se só devemos ordenar-lhes coisas que do capazes de fazer sem o
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
226
Espírito de Deus, ficamos reduzidos a simples moralistas. Se é absurdo
ordenar ao pecador morto que creia e viva, é igualmente vão ordenar-lhe
que considere o seu estado e reflita sobre o seu destino futuro. Na
verdade seria completamente ocioso, se a verdadeira pregação não fosse
um ato de fé adotado pelo Espírito Santo como meio de operar milagres
espirituais. Se contássemos conosco mesmos e não esperássemos
interferências divinas, deveríamos ter a prudência de manter-nos dentro
dos limites da razão, e de persuadir os homens a fazerem somente aquilo
que vissem que eram capazes de realizar. Deveríamos, então, ordenar aos
vivos que vivam, exortar aos dotados de visão a que vejam, e persuadir
os que querem a querer. A tarefa seria tão fácil, chegando mesmo a ser
supérflua. Certamente não seria necessária nenhuma vocação especial do
Espírito Santo para um empreendimento assim tão simples.
Mas, irmãos, onde está o magnífico poder e a vitória da fé se o
nosso ministério é isso e nada mais? Quem dentre os filhos dos homens
acharia que é uma grande vocação ser enviado a uma sinagoga para dizer
a um homem perfeitamente vigoroso: "Levanta-te e anda", ou a alguém
que tem sadios os membros: "Estende a tua mão"? É um pobre Ezequiel
aquele cujo maior feito é gritar: "Vós, almas que vivem, vivei!"
Coloquem-se lado a lado os dois métodos, quanto a resultados
práticos, e se verá que aqueles que nunca exortam os pecadores
raramente são conquistadores de almas em grande medida, mas mantêm
as suas igrejas com conversos oriundos de outros sistemas. Até já os
ouvir dizer: "Oh, os metodistas e os avivalistas estão sendo batedores
irreprimíveis, mas nós pegamos muitas das aves." Se eu abrigasse um
pensamento baixo assim, teria vergonha de expressá-lo. Um sistema que
não pode tocar no mundo exterior, mas tem que deixar a outros o labor
de despertar e converter, labor que julga errôneo, lavra a sua própria
condenação.
Ainda, irmãos, se queremos ver almas salvas, temos que ser sábios
quanto às ocasiões em que nos dirigimos aos inconversos. Gasta-se
muito pouco bom senso nesta questão. Em certos ministérios, há um
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
227
tempo estabelecido para falar aos pecadores, e este vem tão regularmente
como a chegada da hora do meio-dia. Umas poucas migalhas são
lançadas aos cachorrinhos debaixo da mesa no fim do discurso, e eles
tratam essas migalhas como vocês as tratam, isto é, com indiferença
cortês. Por que a palavra de exortação há de estar sempre no extremo
derradeiro do discurso, quando o mais provável é que os ouvintes
estejam cansados? Por que avisar os homens que se curvem sobre o
arreio, preparando-se para repelir o nosso ataque? Quando o interesse
deles é despertado e eles estão menos na defensiva, façam voar uma seta
aos relapsos, e freqüentemente essa seta única terá mais eficácia do que
toda uma revoada de flechas lançadas de uma vez contra eles quando
estão completamente encaixados em armaduras blindadas. A surpresa é
um grande elemento para obter a atenção e fixar uma observação na
memória, e as ocasiões para dirigir-nos aos indiferentes devem ser
escolhidas tendo-se em mira esse fato. Talvez seja boa a regra de visar à
edificação dos santos no sermão matutino, mas é prudente variar isso, e
deixar que os inconversos às vezes recebam o seu principal trabalho de
preparação e o melhor serviço do dia.
Não concluam um só sermão sem dirigir-se aos descrentes, mas, ao
mesmo tempo, estabeleçam ocasiões para um determinado e contínuo
ataque a eles, e partam com toda a alma para o combate. Nessas ocasiões
tenham como objetivo definido e imediato a conversão de pecadores.
Lutem para remover preconceitos, para esclarecer dúvidas, para
sobrepujar objeções, e para fazer com que o pecador saia de uma vez dos
seus esconderijos. Convoquem os membros da igreja para orações
especiais, roguem-lhes que falem pessoalmente com interessados e com
indiferentes, e vocês mesmos estejam duplamente atentos para falar com
as pessoas individualmente. Vimos que as nossas reuniões de fevereiro,
no Tabernáculo, deram resultados notáveis, sendo que o mês todo foi
dedicado a esforços especiais. Geralmente o inverno é o tempo de
colheita do pregador, porque o povo pode reunir-se melhor nas noites
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
228
longas e fica impedido dos exercícios e diversões ao ar livre. Preparem-
se bem para a estação apropriada em que "os reis saem para a batalha."
Entre os fatores importantes conducentes à conversão há a sua
entonação, o seu temperamento e o seu estilo na pregação. Se você
pregar a verdade num estilo opaco e monótono, Deus poderá abençoá-la,
mas com toda a probabilidade não o fará. De qualquer forma, a tendência
de um estilo assim é, não suscitar a atenção, mas impedi-la. Não muitas
vezes acontece que os pecadores são despertados por ministros que
estão, eles mesmos, dormindo. Deve-se também evitar o modo apático e
pesado de falar; a falta de terno sentimento é lamentável, e repele em vez
de atrair. O espírito de Elias pode fazer tremer, e quando é extremamente
intenso, pode ir longe como preparativo para a recepção do evangelho;
mas, para a verdadeira conversão necessita-se mais de João – o amor é a
força que vence. Devemos amar os pecadores por Jesus. Grande coração
é a principal qualidade do grande pregador, e devemos cultivar os nossos
afetos com esse fim.
Ao mesmo tempo, a nossa maneira de pregar não deve degenerar,
transformando-se no calão macio e açucarado adotado por alguns que
sempre simulam gostar de toda gente, e adulam as pessoas como que
esperando engambelá-las suavemente, atraindo-as assim para a vida
religiosa. Indivíduos varonis sentem-se mal e desconfiam de hipocrisia
quando ouvem um pregador falando melaços. Sejamos ousados e
francos, e nunca falemos aos ouvintes como se lhes estivéssemos
pedindo um favor, ou como se eles estivessem condescendendo com o
Redentor, permitindo-lhe que os salvasse. Temos a obrigação de ser
humildes, mas o nosso oficio de embaixadores deve impedir que sejamos
servis.
Felizes seremos se pregarmos confiantemente, sempre na esperança
de que Deus abençoe a Sua Palavra pregada. Isto nos comunicará serena
confiança que impedirá a petulância, a irreflexão temerária e o desalento.
Se nós mesmos duvidarmos do poder do evangelho, como poderemos
pregá-lo com autoridade? Alimente o sentimento de que é um homem
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
229
favorecido por ter a permissão de proclamar as boas novas, e regozije-se
com o fato de que a sua missão está carregada de benefícios para os que
se acham diante de você. Faça com que as pessoas vejam quão alegre e
confiante o evangelho o tornou, e isto contribuirá em muito para fazê-las
ansiosas para participar das suas benditas influências.
Pregue com muita solenidade, pois esta ocupação é deveras
importante, mas faça com que a matéria de que trata seja vívida e
agradável, pois isto impedirá que a solenidade se corrompa
transformando-se em monotonia. Seja tão completamente solene que
todas as suas faculdades se despertem e se empenhem, e depois, um jato
de bom humor somente acrescentará mais intensa seriedade ao discurso,
exatamente como a centelha de um relâmpago torna a escuridão da meia-
noite muitíssimo mais impressionante. Pregue fixando um ponto,
concentrando todas as energias no objeto visado. É preciso que não haja
rodeios com passatempos, nem introdução de elegâncias oratórias, nem
suspeita de exibição pessoal, do contrário, você fracassará. Os pecadores
são vivos e logo detectam o menor esforço de auto-glorificação.
Renuncie a tudo por amor daqueles que você anela salvar. Seja louco em
prol de Cristo, se isto os conquistar, ou seja um douto erudito, se isto
tiver maior possibilidade de impressioná-los. Não poupe nem labor no
gabinete, nem oração no quarto, nem zelo no púlpito. Se os homens não
acharem que as suas almas valem um pensamento, leve-os a verem que o
ministro deles é de opinião bem diversa.
Tenha em vista conversões, espere por elas e prepare-se para elas.
Resolva que, ou os seus ouvintes se renderão ao seu Senhor, ou ficarão
sem desculpa, e que uma coisa ou outra há de ser o resultado imediato do
sermão que você acaba de começar. Não deixe que os cristãos ao seu
redor fiquem a indagar quando se salvarão almas, mas inste com eles que
creiam no poder não enfraquecido das boas novas, e ensine-os a se
espantarem se nenhum resultado salvador se seguir à transmissão do
testemunho de Jesus. Não permita que os pecadores ouçam sermões
como coisa natural, nem lhes permita jogarem com as afiadas
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
230
ferramentas da Escritura como se fossem simples brinquedos. Mas, uma
e outra vez faça-os lembrar-se de que todo verdadeiro sermão evangélico
os fará piores, se não os fizer melhores. A incredulidade deles é um
pecado repetido todo dia, toda hora. Nunca permita que deduzam do seu
ensino que merecem dó por continuarem fazendo de Deus um mentiroso,
rejeitando o Seu Filho.
Uma vez impressionados pelo senso do perigo que correm, não dê
aos ímpios nenhum descanso em seus pecados. Bata repetidamente à
porta dos seus corações, e bata para a vida ou para a morte. A sua
solicitude, o seu fervor, a sua ansiedade, o seu trabalho de parto por eles,
Deus abençoará com vistas ao despertamento deles. Deus age
poderosamente mediante esta instrumentalidade. Mas a nossa agonia
pelas almas deve ser real, não fingida, e, portanto, os nossos corações
devem ser forjados de molde a terem o mesmo sentimento que Deus tem.
Religiosidade de baixo nível significa pouco poder espiritual. Discursos
extremamente penetrantes podem ser pronunciados por homens cujos
corações não estão em ordem para com o Senhor, mas o resultado deles
só terá que ser pequeno. Há algo no próprio tom do homem que tem
estado com Jesus que tem mais poder de tocar o coração do que a
oratória mais perfeita. Lembre-se disto e mantenha ininterrupto andar
com Deus.
Você precisará de muito trabalho feito em secreto, a desoras, se é
que há de reunir muitas das ovelhas perdidas do seu Senhor. Somente
pela oração e jejum você poderá obter poder para expulsar os piores
demônios. Digam os homens o que quiserem da soberania, Deus liga o
sucesso especial a especiais estados de coração, e se estes faltam, Ele
não realizará muitas obras poderosas.
Em acréscimo à pregação fervorosa, será prudente empregar
outros meios. Se você quer ver resultados dos seus sermões, deve ser
acessível aos interessados em fazer perguntas. Uma entrevista após cada
serviço talvez não seja desejável, mas freqüentes oportunidades para
entrar em contato com as pessoas da sua igreja devem ser procuradas, e
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
231
de algum modo devem ser criadas. É chocante pensar que há ministros
destituídos de método para encontrar-se com os ansiosos, e se
entrevistam um aqui, outro ali, deve-se à coragem de quem anda à busca
disso, e não ao zelo do pastor.
Desde o inicio você deve marcar ocasiões freqüentes e regulares
para ver todos os que estão em busca de Cristo, e você deve convidá-los
constantemente a virem falar-lhe. Demais disso, mantenha numerosas
reuniões com os interessados, reuniões em que as alocuções visem todas
a ajudar os que têm problemas e guiar os perplexos, interpondo-lhes
fervorosas orações pelos indivíduos presentes e breves testemunhos de
pessoas recém-convertidas e outras. Como a confissão pública é
continuamente mencionada em conexão com a fé salvadora, você será
sábio se facilitar aos crentes que ainda seguem Jesus de noite que
venham para a frente e votem sua adesão a Ele.
Não se deve persuadir outros a se decidirem, mas devem ser dadas
todas as oportunidades para que o façam, e não se deve colocar nenhuma
pedra de tropeço no caminho das pessoas esperançosas. Quanto aos que
não estão adiantados o bastante para garantir qualquer idéia de batismo,
você poderá ser-lhes em extremo benéfico mediante trato pessoal, e,
portanto, deve procurar conseguí-lo. Uns poucos momentos de
conversação podem bastar para esclarecer dúvidas, corrigir erros e
eliminar pavores. Conheço casos em que foi dado fim a um infortúnio
que durou a vida inteira, com uma simples explicação que poderia ter
sido dada anos antes. Procure as ovelhas extraviadas, uma por uma, e
quando vir que todos os seus pensamentos são necessários para um único
indivíduo, não reclame do seu trabalho, pois o seu Senhor, em Sua
parábola, retrata o bom pastor trazendo de volta para casa as ovelhas
perdidas, não num bando, mas uma por vez, sobre os Seus ombros, e
regozijando-se ao fazê-lo.
Com tudo o que possa fazer, os seus desejos não se cumprirão, pois
a conquista de almas é uma carreira que toma conta do homem. Quanto
mais recompensado por conversões, mais ávido fica por ver gente em
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
232
maior número nascendo para Deus. Daí, logo você descobrirá que
precisa de auxílio, se é que pretende persuadir a muitos. A rede fica
pesada demais para ser arrastada até a praia por um par de mãos, quando
está repleta de peixes, e você deve fazer sinais aos seus companheiros de
trabalho, chamando-os para lhe prestarem ajuda. Grandes coisas são
realizadas pelo Espírito Santo quando uma igreja inteira se ergue com
santa energia. Neste caso, há centenas de testemunhos, em vez de um só,
e estes se fortalecem uns aos outros; os advogados da causa de Cristo se
sucedem uns aos outros e trabalham ombro a ombro, enquanto as
súplicas ascendem ao céu com a força da importunação unida; assim os
pecadores são cercados por um cordão de severas ameaças, e o próprio
céu é chamado ao campo de batalha.
Parece difícil salvar-se um pecador em certas igrejas, pois seja qual
for o bem que receba do púlpito, fora deste fica enregelado pela
atmosfera ártica circundante. Por outro lado, algumas igrejas tornam
difícil aos homens permanecerem sem converter-se, pois com santo zelo
acossam os indiferentes, levando-os à ansiedade espiritual. Deve
constituir nossa ambição, no poder do Espírito Santo, trabalhar a igreja
toda, dando-lhe excelente condição missionária, fazendo dela um vaso
acumulador tipo Leyden, totalmente carregada de eletricidade divina, de
modo que tudo que entre em contato com ela se encha do seu poder.
Que pode fazer um homem só? Que não pode fazer, com um
exército de entusiastas em torno dele? Medite logo no início na
possibilidade de ter uma igreja de conquistadores de almas. Não
sucumba à idéia generalizada de que só podemos reunir alguns obreiros
prestativos, e que os elementos restantes da comunidade serão
inevitavelmente um peso morto. Possivelmente acontecerá isso, mas não
comece dominado por essa noção, ou do contrário ela se concretizará. O
geral não tem necessidade de ser universal. É possível conseguir coisas
melhores do que qualquer coisa já alcançada. Ponha bem alto o seu
objetivo, e não poupe esforços para atingi-lo. Lute para formar uma
igreja cheia de vida para Jesus, cada membro da igreja com o máximo de
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
233
energia, e todo o conjunto em atividade incessante pela salvação dos
homens. Para atingir-se este fim, é mister haver o melhor tipo de
pregação para alimentar e fortalecer a tropa, constante oração para fazer
descer poder do alto, e o mais heróico exemplo da sua parte para ativar o
fogo ao zelo dos demais. Então, sob a bênção divina, um comando de
bom senso dirigindo o grosso das tropas não poderá deixar de produzir
os mais desejáveis resultados. Qual de vocês pode captar esta idéia e
fazê-la encarnar-se num fato real?
Convidar um colega de vez em quanto para dirigir trabalhos de
evangelização ver-se-á que é prática muito sábia e útil, pois há alguns
peixes que nunca serão apanhados por sua rede, mas que certamente
caberão por sorte a outro pescador. Vozes novas penetram onde o som
costumeiro perdeu o efeito, e tendem a gerar interesse mais profundo
naqueles que já são atentos. Evangelistas firmes e prudentes podem
prestar ajuda até ao pastor mais eficiente, apanhando frutos que aquele
não tem podido alcançar. Seja como for, isto rompe a continuidade dos
serviços regulares e lhes dá menor probabilidade de ficarem monótonos.
Nunca permita que a inveja o estorve nisso. Suponha que o brilho
de outra lâmpada ofusque o da sua. Que importa, desde que traga luz
para aqueles cujo bem-estar você está procurando? Diga com Moisés:
"Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta!" Quem estiver livre da
inveja egoística verá que não haverá ocasião para sugeri-la. Sua gente
bem pode ter ciência de que o seu pastor é sobrepujado por outros quanto
ao talento, mas estará pronta para afirmar que ele não é superado por
ninguém quanto ao amor que vota às suas almas. Um filho amoroso não
tem necessidade de acreditar que seu pai é o homem mais culto da
comunidade. Ama-o pelo que ele é, não porque é superior a outros.
Convide uma vez ou outra um irmão cheio de entusiasmo que more por
perto; utilize os talentos da sua própria igreja; e procure os serviços de
algum eminente conquistador de almas, e isto, nas mãos de Deus, pode
romper para você o chão duro, e trazer-lhe dias de maior esplendor.
Lições aos Meus Alunos (Vol. 1)
234
Terminando, amados irmãos, por quaisquer meios, por todos os
meios, esforcem-se para glorificar a Deus mediante conversões, e não
descansem enquanto não for cumprido o desejo do seu coração.