UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR
Ciências da Saúde
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
Adriana Carones Esteves
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Medicina
(ciclo de estudos integrado)
Orientador: Doutor Manuel de Carvalho Rodrigues
Covilhã, março de 2018
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
ii
Dedicatória
À minha família, pelo amor incondicional, apoio e dedicação desde sempre. Ao meu pai,
pela liberdade que sempre me deu para tomar as minhas opções e pela confiança que sempre
depositou em mim. À minha mãe, pelo carinho, motivação e compreensão que demonstrou em
todo e qualquer momento. Aos meus irmãos, Nuno, Hugo, Ana e Cristina pela força, empenho
e alegria.
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
iii
Agradecimentos
Começo por agradecer ao meu orientador, Doutor Manuel de Carvalho Rodrigues, pelo apoio,
orientação, simpatia, paciência e disponibilidade dedicada à elaboração desta dissertação, tão
importante para a conclusão do Ciclo de Estudos Integrado do Mestrado em Medicina.
Um enorme obrigada aos meus queridos pais, José e Margarida e aos meus irmãos Nuno, Hugo,
Ana e Cristina, pelo carinho, amor incondicional, tolerância, motivação e dedicação desde
sempre.
A todos, o mais sincero OBRIGADA!
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
iv
Resumo
O consumo de álcool é um hábito muito difundido nas mais diferentes sociedades e
culturas. O efeito do seu consumo na saúde cardiovascular depende tanto do padrão como da
quantidade consumida. Apesar do consumo excessivo ser frequentemente associado a outcomes
clínicos negativos, como doenças cardiovasculares e hipertensão arterial, verifica-se que o seu
consumo moderado se traduz em benefícios para a saúde cardiovascular.
A miocardiopatia dilatada é a miocardiopatia mais prevalente em todo o mundo, sendo
a causa mais frequente de transplante cardíaco e a terceira maior causa de insuficiência
cardíaca. A miocardiopatia alcoólica é um tipo específico de miocardiopatia dilatada que ocorre
perante um consumo crónico excessivo de álcool. Assim como a miocardiopatia dilatada, a
miocardiopatia alcoólica é caracterizada por uma dilatação e disfunção sistólica do ventrículo
esquerdo.
Habitualmente esta patologia apresenta-se em homens, mais frequentemente, entre
os 35 e 60 anos de idade. O seu diagnóstico depende da história de consumo crónico excessivo
de álcool em associação a uma série de alterações celulares, histológicas e estruturais do
miocárdio.
A presente monografia compreende uma revisão bibliográfica sobre o efeito do
consumo do álcool na mortalidade global e cardiovascular, hipertensão arterial e insuficiência
cardíaca. É explorada a relação entre o consumo de álcool e o surgimento da miocardiopatia
alcoólica, assim como uma descrição dos seus aspetos epidemiológicos, mecanismos associados
à lesão do miocárdio, clínica, diagnóstico e tratamento.
Palavras-chave
Consumo de álcool; Miocardiopatia; Miocardiopatia alcoólica
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
v
Abstract
Alcohol consumption is a widespread habit in many different societies and cultures.
The effect of its consumption on cardiovascular health depends on both the consumption
pattern and the amount consumed. Although excessive consumption is often associated with
negative clinical outcomes, such as cardiovascular diseases and arterial hypertension, it’s
observed that moderate consumption turns out to be benefic for cardiovascular health.
Dilated cardiomyopathy is the most prevalent cardiomyopathy in the world, being the
most frequent cause of cardiac transplantation and the third largest cause of heart failure.
Alcoholic cardiomyopathy is a specific type of dilated cardiomyopathy that occurs with
excessive chronic alcohol consumption. Like dilated cardiomyopathies, alcoholic
cardiomyopathy is characterized by dilation and systolic dysfunction of the left ventricle.
Usually this pathology occurs in men, most often between 35 and 60 years of age. Its
diagnosis depends on the history of excessive chronic alcohol consumption in association with
a series of cellular, histological and structural changes of the myocardium.
The present monograph is a literature review on the effect of alcohol consumption on
cardiovascular and global mortality, arterial hypertension and heart failure. The relationship
between alcohol consumption and the onset of alcoholic cardiomyopathy is explored, as well
as a description of its epidemiological aspects, mechanisms associated with myocardial injury,
clinical diagnosis and treatment.
Keywords
Alcohol consumption; Cardiomyopathy; Alcoholic cardiomyopathy
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
vi
Índice
Dedicatória ......................................................................................................ii
Agradecimentos ............................................................................................... iii
Lista de figuras .............................................................................................. viii
Lista de tabelas ............................................................................................... ix
Lista de Acrónimos e Abreviaturas .......................................................................... x
1. Introdução ................................................................................................. 1
2. Metodologia ............................................................................................... 3
3. Classificação das Miocardiopatias ..................................................................... 4
4. Bebida padrão ............................................................................................ 7
5. Álcool e o Sistema Cardiovascular .................................................................... 9
5.1 Aspetos Epidemiológicos ............................................................................ 10
5.2 Efeito na Mortalidade ............................................................................... 12
5.3 Efeito na Hipertensão Arterial ..................................................................... 13
5.4 Paradoxo Francês .................................................................................... 15
5.5 Efeito na Insuficiência cardíaca ................................................................... 16
6. Miocardiopatia Dilatada............................................................................... 18
6.1 Etiologia alcoólica da Miocardiopatia Dilatada ................................................. 19
6.2 Miocardiopatia alcoólica ............................................................................ 19
6.2.1 Aspetos epidemiológicos ...................................................................... 20
6.2.2 Mecanismos de lesão do miocárdio pelo consumo de álcool ............................ 21
6.2.2.1 Deficiências nutricionais ................................................................. 21
6.2.2.2 Intoxicação pelo cobalto ................................................................ 21
6.2.2.3 Mecanismos de lesão relacionados com o acetaldeído ............................. 21
6.2.2.4 Mecanismos de lesão não relacionados com o acetaldeído ........................ 24
6.2.2.5 Vulnerabilidade genética ................................................................ 24
6.3 Clínica e alterações electrocardiográficas ...................................................... 25
6.4 Diagnóstico ............................................................................................ 26
6.4.1 Diagnóstico ecocardiográfico ................................................................. 26
6.4.2 Diagnóstico histológico ........................................................................ 27
6.4.3 Balanço hídrico e distúrbios eletrolíticos................................................... 27
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
vii
6.4.4 Biomarcadores para o consumo de álcool .................................................. 28
6.5 Tratamento ............................................................................................ 29
7. Avaliação do Consumo de Álcool .................................................................... 31
8. Conclusão ................................................................................................ 33
9. Bibliografia .............................................................................................. 36
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
viii
Lista de figuras
Figura 1 - Modelo de classificação das miocardiopatias proposto pela AHA 5
Figura 2 - Modelo de classificação das miocardiopatias proposto pela ESC 5
Figura 3 - O mesmo genótipo pode estar associado a diferentes expressões fenotípicas 6
Figura 4 - Copos usados nas diferentes bebidas alcoólicas contêm aproximadamente a mesma
quantidade de álcool 8
Figura 5 - Estimativa global do consumo de álcool per capita, com 15 ou mais anos de idade,
em 2010 10
Figura 6 - Distribuição das mortes atribuídas ao álcool pelas diferentes causas 11
Figura 7 - Estimativa global da percentagem de óbitos atribuídos ao álcool por todas as causas 11
Figura 8 - Pressão arterial sistólica e diastólica média, entre homens e mulheres, de raça
branca e negra e asiáticos, em função dos hábitos alcoólicos
14
Figura 9 - Metabolismo oxidativo do álcool 22
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
ix
Lista de tabelas
Tabela 1 - Efeito dos diferentes tipos de bebidas alcoólicas no sistema cardiovascular 16
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
x
Lista de Acrónimos e Abreviaturas
ACA Acetaldeído
ADH Álcool desidrogenase
ADN Àcido desoxirribonucleico
AHA American Heart Association
ALDH2 Aldeído desidrogenase 2
ALT Alanina aminotransferase
Ang II Angiotensina II
AST Aspartato Aminotransferase
AVC Acidente Vascular Cerebral
DAC Doença Arterial Coronária
DALYs Anos de vida ajustados por incapacidade
DCV Doença Cardiovascular
DGS Direção-Geral de Saúde
ECA Enzima de Conversão da Angiotensina
EROs Espécies reativas de oxigénio
ESC European Society of Cardiology
EUA Estados Unidos da América
FA Fibrilhação Auricular
FE Fração de ejeção
FEVE Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo
GABA Ácido gama-aminobutírico
GGT Gamaglutamiltransferase
HAD Hormona antidiurética
HDL High Density Lipoprotein
VIH Vírus da imunodeficiência humana
HTA Hipertensão arterial
IC Insuficiência Cardíaca
ICC Insuficiência Cardíaca Congestiva
MAVD/DAVD Miocardiopatia arritmogénica do ventrículo direito/displasia arritmogénica do
ventrículo direito
MCA Miocardiopatia alcoólica
MCD Miocardiopatia dilatada
MCH Miocardiopatia hipertrófica
MCNC Miocardiopatia não classificada
MCR Miocardiopatia restritiva
NAD+ Dinucleótido de nicotinamida e adenina oxidado
NADH Dinucleótido de nicotinamida e adenina reduzido
NADPH Fosfato de dinucleótido de nicotinamida e adenina
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
xi
OMS Organização Mundial de Saúde
PA Pressão arterial
TM Taxa de mortalidade
TNM Sistema de classificação de tumores malignos que descreve a sua extensão
anatómica com base na avaliação de três componentes: T-Extensão do tumor;
N-Metástases em linfonodos regionais; M- Metástases à distância
VCM Volume corpuscular médio
VE Ventrículo Esquerdo
1
1. Introdução
Globalmente o consumo de álcool resulta em aproximadamente 3,3 milhões de mortes a cada
ano, sendo que mais da metade destas mortes é atribuída às doenças cardiovasculares. Neste
cenário, a Europa destaca-se ao apresentar uma proporção de óbitos atribuídos ao álcool de 13,3%,
com Portugal a apresentar uma proporção de 5,8% (1).
As recomendações relativas ao consumo diário de álcool não são globais e variam em função
do que é definido como uma bebida padrão. Em Portugal, por exemplo, uma bebida padrão é
definida como o volume de bebida alcoólica contendo 10g de álcool puro, estando recomendado
para os homens entre os 18 e 64 anos um consumo diário que não ultrapasse as duas bebidas
padrão, ao passo que para as mulheres está descrito um limite de até uma bebida padrão (2).
Contudo, apesar destas recomendações, aproximadamente um milhão e setecentos mil
portugueses apresentam um consumo excessivo de álcool e são doentes alcoólicos crónicos,
colocando Portugal numa posição de destaque no que respeita ao consumo de álcool (3).
Os efeitos do consumo de álcool na mortalidade por doenças cardiovasculares, pressão arterial
(PA) e insuficiência cardíaca (IC) dependem da quantidade e padrão de consumo, pelo que nesta
dissertação estão exemplificados alguns dos estudos que procuraram descrever estas mesmas
relações. Neste seguimento, surge a relevância da definição do termo “paradoxo francês” e a
introdução da ação benéfica dos polifenóis na redução do risco cardiovascular.
Cerca de um terço dos indivíduos com consumo crónico excessivo de álcool apresentam
miocardiopatia alcoólica (MCA), um tipo específico de miocardiopatia dilatada (MCD) (4). As
propostas de classificação da American Heart Association (AHA) incluem a MCA no grupo das
miocardiopatias secundárias, ao passo que a European Society of Cardiology (ESC) apresenta uma
outra proposta de classificação das miocardiopatias onde inclui a MCA dentro do grupo da MCD não
familiar (5, 6). Estas e outras propostas de classificações publicadas estão descritas nesta
dissertação e permitem verificar a evolução que as mesmas sofreram ao longo do tempo.
De um modo geral, estima-se que sejam precisos, no mínimo,10 anos de consumo excessivo
até ao surgimento da IC. No entanto, há indivíduos que mesmo com um consumo excessivo de
álcool nunca chegam a desenvolver MCA, ao passo que outros, com consumos moderados podem
estar em risco de a desenvolver (7). Neste contexto, serão descritos com detalhe alguns dos fatores
que estão na base desta variabilidade.
Apesar do metabolismo oxidativo do álcool ocorrer primariamente no fígado, outros órgãos,
incluindo o coração, podem participar neste metabolismo para formar acetaldeído (ACA) (8, 9).
Estudos sugerem que níveis elevados de ACA comprometem a função ventricular, desempenhando
por isso um papel chave na fisiopatologia da MCA (9). Apesar do maior destaque para o ACA, outros
mecanismos não relacionados com o metabolismo oxidativo podem contribuir para a lesão do
miocárdio.
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
2
Na história natural das MCA são reconhecidas duas fases distintas, uma fase inicial pré-
clínica/assintomática e uma segunda fase clínica, com sinais e sintomas de IC (10, 11). Para o
diagnóstico da MCA a presença de uma história de consumo crónico excessivo de álcool é
fundamental, ao que se associa uma série de alterações celulares, histológicas e estruturais do
miocárdio (12). Descrevem-se nesta sequência os parâmetros ecocardiográficos frequentemente
presentes. A deteção precoce dos mesmos é importante uma vez que numa fase pré-
clínica/assintomática a cessação precoce do consumo de álcool pode reverter a disfunção do
ventrículo esquerdo (VE) (13). Os achados histológicos da MCA são realmente inespecíficos pelo
que é difícil diferenciar esta das ademais etiologias de MCD (14).
No que respeita ao tratamento do individuo com MCA deve-se ter em consideração dois grandes
objetivos: prevenir lesões adicionais ao miocárdio, através da interrupção do consumo de álcool,
e reduzir a dilatação cardíaca. Uma abstinência total é necessária, sendo que, adicionalmente
deve-se fazer a promoção de adequados hábitos nutricionais, cessação tabágica, entre outras
práticas saudáveis (15). O papel da abstinência nestes doentes é discutível perante alguns estudos
que apresento nesta dissertação, os quais traduzem um igual benefício para consumos moderados.
Dada a prevalência e o impacto do potencial abuso de álcool, é importante que os médicos
reconheçam e avaliem o consumo dos seus pacientes ainda mais, sendo Portugal um dos países
membros da União Europeia com um dos maiores consumos de bebidas alcoólicas e maior
prevalência de distúrbios relacionados com o álcool (3, 16).
Diferentemente de outras recomendações descritas, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
refere que não há consumo de álcool seguro, apesar de existir, obviamente, consumo de baixo
risco. Segundo a mesma fonte o ideal para a saúde é precisamente abster-se do consumo, dado
que para quase todas as patologias há uma relação dose-resposta: quanto maior o consumo, maior
o risco (17).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
3
2. Metodologia
O presente trabalho surge de uma pesquisa bibliográfica realizada em bases de dados como a
Pubmed e Science Direct. Recorreu-se ainda a bases de dados como a Direção-Geral de Saúde e
Organização Mundial de Saúde.
Foram selecionados, entre julho a setembro de 2017, artigos de língua portuguesa e inglesa,
sem restrições quanto à data de publicação. Foram usadas as seguintes palavras chave: “Alcoholic
Myocardiopathy”; “Alcohol Consumption”; “Dilated Cardiomyopathy”; “Alcohol and Heart
Failure”; “French Paradox”; ”Standard Drink”; ” Moderate Consumption of Alcohol” e
“Epidemiology”.
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
4
3. Classificação das Miocardiopatias
Em 1980, a OMS definiu as miocardiopatias enquanto doenças do músculo cardíaco de causa
desconhecida e classificou-as em função da sua fisiopatologia em dilatadas, hipertróficas ou
restritivas. Por outro lado, as doenças do miocárdio de causa conhecida ou provocadas por
disfunção de outros sistemas eram consideradas doenças específicas do músculo cardíaco. Excluiu-
se desta última categoria os distúrbios causados pela hipertensão arterial (HTA), hipertensão
pulmonar, doença arterial coronária (DAC), valvulopatias ou cardiopatias congénitas (18).
Com a crescente compreensão da etiologia e fisiopatologia a diferença entre
miocardiopatia e doença específica do músculo cardíaco tornou-se indistinta, pelo que, em 1995
a World Health Organization/International Society and Federation of Cardiology (WHO/ISFC)
complementa a anterior classificação ao englobar no conceito de miocardiopatias todas as doenças
do miocárdio associadas a disfunção cardíaca. As miocardiopatias foram classificadas, de acordo
com a sua morfologia, em MCD, miocardiopatia hipertrófica (MCH), miocardiopatia restritiva
(MCR), miocardiopatia arritmogénica ventricular direita/displasia (MAVD/DAVD) e miocardiopatia
não classificada (MCNC). As miocardiopatias específicas causadas por patologias cardíacas ou
sistémicas específicas, como por exemplo, valvulopatias e HTA respetivamente, podem apresentar
qualquer uma das morfologias acima descritas (19).
Mais recentemente, em 2006, a AHA definiu as miocardiopatias como um grupo
heterogéneo de doenças do miocárdio associadas a disfunção mecânica e/ou elétrica que
normalmente (mas não invariavelmente) exibem hipertrofia ventricular ou dilatação inadequada
e que são devidas a uma variedade de causas, frequentemente genéticas. Segundo a AHA as
miocardiopatias são divididas em dois grandes grupos com base no envolvimento predominante de
órgãos. As miocardiopatias primárias (genéticas, adquiridas ou mistas) são aquelas que estão
unicamente ou predominantemente confinadas ao músculo cardíaco. As miocardiopatias
secundárias apresentam comprometimento patológico do miocárdio como parte de um grande
número e variedade de distúrbios sistémicos generalizados. A figura 1 retrata o modelo de
classificação das miocardiopatias proposto pela AHA. A inclusão das canalopatias iónicas enquanto
causa genética de miocardiopatia primária, mesmo na ausência de anormalidades estruturais
evidentes na imagiologia, biópsia ou autópsia do miocárdio, é um dos pontos de destaque desta
classificação (5). Em 2008, a ESC definiu as miocardiopatias como doenças do miocárdio em que o
músculo está estrutural e funcionalmente anormal, na ausência de DAC, HTA, valvulopatia e
cardiopatia congénita suficiente para causar a disfunção do miocárdio observada. No modelo de
classificação proposto pela ESC cada fenótipo morfológico (MCD, MCH,MCR, MAVD/DAVD, MCNC) é
sub classificado em formas familiares e não familiares, tal como está exemplificado na figura 2
(6).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
5
Figura 1 – Modelo de classificação das miocardiopatias proposto pela AHA. Adaptado de (5).
Figura 2 - Modelo de classificação das miocardiopatias proposto pela ESC. Adaptado de (6).
Em 2013, uma nova proposta de classificação holística das miocardiopatias apoiada pela
World Heart Federation (WHF), a classificação MOGE(S), contempla os novos conhecimentos
decorrentes dos avanços no diagnóstico genético. Verificou-se, por exemplo, que numa única
família a mesma mutação no gene TNNI3 p.(Leu144Gln) poderia estar associada a vários fenótipos:
MCH, MCR e a uma combinação dos dois (MCH/MCR) (figura 3), e que doenças fenotipicamente
idênticas podem ser causadas por mutações completamente diferentes, com padrões de
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
6
hereditariedade também diferentes. A classificação MOGE(S), inspirada no sistema de classificação
TNM, significa: M- fenótipo morfofuncional; O- órgãos envolvidos; G- genética; E- etiologia e S-
estado funcional e assenta no principio que mesmo para uma miocardiopatia esporádica, uma
apresentação familiar deve ser equacionada, pelo que o diagnóstico familiar através do rastreio e
realização do genograma deve ser considerado, oferecendo às famílias as mesmas oportunidades
que seriam oferecidas em caso de doença familiar evidente. Este sistema de classificação pode ser
útil para o diagnóstico, gestão e tratamento das miocardiopatias de modo semelhante ao que
acontece para os tumores malignos e facilita ainda uma melhor compreensão e comunicação das
mesmas entre todos os envolvidos (20).
Figura 3 – O mesmo genótipo pode estar associado a diferentes expressões fenotípicas. Adaptado de (20).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
7
4. Bebida padrão
A bebida padrão é um conceito importante para transmitir informações sobre a ingestão
de álcool, medir a sua ingestão nos diferentes estudos e para estimar e comunicar os riscos ou
benefícios em função das medidas adotadas. Pode ser expressa em onças, mililitros e/ou em outras
medidas dependendo do país em questão, mas a sua expressão em gramas (g) de álcool torna-se
útil, particularmente para o público científico, ao tornar esta medição mais facilmente comparável
(21).
Num estudo que englobou 75 países, concluiu-se que grande parte não tinha uma definição
concreta de bebida padrão. Entre os 37 países que apresentavam uma definição de bebida padrão
verificou-se uma grande variação no seu valor, com variações entre as 8g e as 20g. O mesmo
sucedeu para o consumo de baixo risco. A definição de consumo de baixo risco varia muito em
diferentes países do mundo, variando de 10g por dia a 42g por dia para mulheres e 14g por dia
para 56g por dia para homens (22).
De acordo com as Dietary Guidelines for American 2015-2020, nos Estados Unidos da
América (EUA) uma bebida padrão pode ser definida como o volume de bebida alcoólica contendo
14 gramas de álcool puro. Em caso de consumo de álcool recomenda-se um total de até 1 bebida
padrão por dia para as mulheres e de até 2 bebidas por dia para os homens, o que equivale a uma
quantidade máxima diária de 14g de álcool puro para mulheres e 28g de álcool puro para os
homens. Um consumo excessivo corresponde ao consumo de 15 ou mais bebidas padrão para os
homens e 8 ou mais bebidas padrão para as mulheres, por semana (23).
Já no Reino Unido uma bebida padrão é definida como o volume de bebida alcoólica
contendo 8 gramas de álcool puro (22). De acordo com, UK Chief Medical Officers’ Low Risk
Drinking Guidelines, para que o consumo de álcool seja de baixo risco é aconselhado que o mesmo
não ultrapasse as 14 unidades por semana, o que equivale a 2 unidades dia (16g de álcool puro),
tanto para homens como para mulheres (24).
Em Portugal, de acordo com a Direção-Geral de Saúde (DGS), uma bebida padrão é definida
como o volume de bebida alcoólica contendo 10g de álcool puro. No homem entre os 18 e os 64
anos a quantidade máxima diária recomendada são duas bebidas padrão ou 20g de álcool puro.
Após os 65 anos, a quantidade máxima diária recomendada reduz-se para uma bebida padrão ou
10g de álcool puro. Na mulher a quantidade máxima diária recomendada é uma bebida padrão ou
10g de álcool puro em qualquer idade. Nas grávidas e adolescentes, na presença de certas
patologias, dependência ou toma de alguns fármacos, o consumo de álcool está contraindicado,
não se preconizando para estes casos um consumo recomendado (2).
Na figura 4 estão representados alguns dos copos mais frequentemente utilizados para
servir bebidas alcoólicas. Apesar do volume de bebida alcoólica contida ser diferente entre os
copos, a quantidade de álcool é semelhante entre si, variando entre 12 a 16g (3).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
8
Figura 4 – Copos usados nas diferentes bebidas alcoólicas contém aproximadamente a mesma quantidade de
álcool. Adaptado de (3).
A discrepância na definição de consumo recomendado de álcool entre os vários países
repercute-se nos mais diferentes estudos, observando-se, entre estes, critérios pouco rígidos para
a definição de consumo ligeiro, moderado e excessivo. A título de exemplo apresento a definição
de Cooper e seus colaboradores cujo consumo ligeiro a moderado foi definido como o consumo de
até 14 bebidas padrão/semana (≤ 196g) e o consumo excessivo como o consumo superior a 14
bebidas padrão/semana (> 196g), tanto para homens como para mulheres (25). Por outro lado,
Walsh e os seus colaboradores assumiram que os homens que com um consumo igual ou superior a
195g de álcool por semana (≥15 bebidas padrão) e as mulheres com um consumo igual ou superior
a 104g por semana (≥8 bebidas padrão) eram consumidores pesados. Os autores definiram para
este estudo que uma bebida padrão continha 13g de álcool (26).
Um consumo episódico excessivo, também designado por “binge drinking”, é considerado
pela DGS como o consumo igual ou superior a 6 bebidas padrão no homem (60g de álcool) e 5
bebidas padrão na mulher (50g de álcool), numa só ocasião, no espaço de duas horas (2).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
9
5. Álcool e o Sistema Cardiovascular
Os efeitos do consumo de álcool na saúde dependem da quantidade de álcool consumida
e do padrão de consumo. A maioria dos estudos são concordantes ao relatar uma associação entre
o consumo de álcool e os outcomes negativos para a saúde numa curva em forma de J. Deste modo,
os consumidores leves a moderados têm um menor risco de outcomes negativos para a sua saúde,
como doenças cardiovasculares (DCV), diabetes, HTA, insuficiência cardíaca congestiva (ICC),
acidente vascular cerebral (AVC), demência e mortalidade por todas as causas, do que aqueles
que se abstêm. Os possíveis benefícios para a saúde cardiovascular associados ao consumo leve a
moderado de álcool parecem ser os efeitos mais importantes relacionados com o álcool, com a
maioria dos estudos a mostrar reduções no risco de DAC na ordem dos 30% a 35% (27).
Aproximadamente 50% do efeito protetor do álcool contra a DAC deve-se ao facto do consumo
moderado de álcool aumentar os níveis séricos de colesterol HDL (High Density Lipoprotein) (26).
O HDL remove o colesterol das paredes arteriais e facilita o seu transporte de volta ao fígado
através transferência do mesmo para lipoproteínas ricas em apo B. Outros efeitos protetores do
álcool devem-se às alterações que causa na coagulação e que se relaciona com o aumento da
proporção prostaciclina/tromboxano, diminuição da agregação plaquetária, libertação aumentada
de ativador de plasminogénio e diminuição do fibrinogénio (28).
Nas doenças cardiovasculares, a resistência à insulina leva à alteração do metabolismo dos
lípidos e da glicose, resultando numa produção aumentada de aldeídos, incluindo metilglioxal. Os
aldeídos reagem de forma não enzimática com grupos amina presentes nas proteínas formando
produtos finais de glicação avançada, com consequente alteração das estrutura e função proteica.
Estas alterações causam disfunção endotelial com aumento da resistência vascular periférica e da
PA. Os produtos finais de glicação avançada produzem efeitos aterogénicos, incluindo stress
oxidativo, adesão plaquetária, inflamação, proliferação celular do músculo liso e modificação das
lipoproteínas. Aparentemente, um baixo nível de consumo de álcool consegue aumentar a
atividade antioxidante do organismo, diminuir a resistência à insulina e reduzir os produtos finais
de glicação avançada, contribuindo para o atraso no desenvolvimento de HTA e doença
ateroesclerótica. Para consumos ligeiros, o etanol é metabolizado de forma muito eficiente pela
enzima álcool desidrogenase (ADH) em ACA e depois pela aldeído desidrogenase 2 (ALDH2) em
acetato, produzindo dinucleótido de nicotinamida e adenina reduzido (NADH) em ambas as
reações. O NADH tem uma grande influência sobre a capacidade antioxidante do organismo,
reduzindo o stress oxidativo e a produção secundária de aldeídos, através do aumento de cisteína
nos tecidos. A cisteína é um precursor da glutationa, um antioxidante endógeno muito importante
(29).
Por outro lado, o uso indevido do álcool a longo prazo ou o seu consumo excessivo não só
não apresenta os mesmos benefícios para a saúde como também aumenta o risco destes outcomes
negativos (27).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
10
Na avaliação do impacto que o álcool tem sobre a saúde e bem-estar das pessoas é
importante avaliar não só a quantidade consumida mas também o seu padrão de consumo. Neste
sentido, a OMS criou um score de avaliação do padrão de consumo que engloba parâmetros como
a quantidade de álcool consumida por ocasião, o consumo em ocasiões festivas, a proporção de
ocasiões festivas em que os consumidores ficam embriagados, a proporção de consumidores que
bebem diariamente, o consumo às refeições e em espaços públicos. Assim numa escala que vai de
1 a 5 é possível caraterizar o modo como a população mundial consume álcool, verificando-se que
o padrão de consumo varia entre países, com padrões de consumo de baixo risco nos países mais
desenvolvidos (1).
5.1 Aspetos Epidemiológicos
Há muito tempo que as bebidas alcoólicas são consumidas nas mais diversificadas
sociedades e culturas, sendo um hábito social muito difundido (10).
Em 2010, de acordo com a OMS, o consumo mundial de álcool puro per capita com 15 ou
mais anos de idade foi de 6,2L, o que se traduz em 13,5g de álcool puro por dia. No entanto, ao
longo de todo o mundo há uma grande variação no consumo total de álcool encontrando-se os
níveis de consumo mais elevados nas regiões mais desenvolvidas, em particular na Europa e
América. Em Portugal, no mesmo ano, o consumo total estimado per capita com 15 ou mais anos
de idade foi de 12,9L, o que corresponde, aproximadamente, ao dobro da quantidade média de
consumo a nível mundial, e o consumo para homens e mulheres foi, respetivamente, 18,7L e 7,6L.
Ao considerarmos apenas os indivíduos, com 15 ou mais anos, que de fato consomem álcool está
média de consumo sobe para os 27,1L e 16,4L nos homens e mulheres, respetivamente (figura 5)
(1). Dados mais recentes da OMS, respetivos ao ano de 2016, revelam um consumo mundial de 6,4L
por pessoa com 15 ou mais anos de idade (30).
Figura 5 – Estimativa global do consumo de álcool per capita, com 15 ou mais anos de idade, em 2010.
Adaptado de (1).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
11
Globalmente o consumo de álcool resulta em aproximadamente 3,3 milhões de mortes a
cada ano. Desta forma, quase 6% de todas as mortes a nível global são atribuídas ao consumo de
álcool, o que representa uma proporção de óbitos superior àquela que é causada pelo vírus da
imunodeficiência humana (VIH) (2,8%), violência (0,9%) ou tuberculose (1,7%). Mais da metade
destas mortes resultam de DCV (33,4%), doenças gastrointestinais, incluindo cirrose hepática
(16,2%) e tumores malignos (12,5%) (figura 6). A Europa volta a se destacar com uma proporção de
óbitos atribuídos ao álcool de 13,3%, com Portugal a apresentar uma proporção de 5,8% (figura 7)
(1).
Figura 6 – Distribuição das mortes atribuídas ao álcool pelas diferentes causas. Adaptado de (1).
Figura 7 – Estimativa global da percentagem de óbitos atribuídos ao álcool por todas as causas. Adaptado de
(1).
Aproximadamente 5,1% da carga global de doenças, medida em anos de vida ajustados por
incapacidade (DALYs), é atribuída ao consumo de álcool. As DCV, tumores malignos e doenças
gastrointestinais (em grande parte devido à cirrose hepática) são responsáveis por mais de um
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
12
terço (37,7%) dos casos. Isoladamente, os distúrbios neuropsiquiátricos são responsáveis por quase
um quarto dos DALYs atribuídos ao consumo de álcool (1).
5.2 Efeito na Mortalidade
Vários estudos encontraram uma relação benéfica entre um consumo ligeiro a moderado
de álcool e uma redução da mortalidade. Pelo contrário, o consumo excessivo de álcool acarreta
um aumenta da mortalidade. As principais causas de mortalidade, nos indivíduos que apresentam
distúrbios relacionados com o álcool (abuso e dependência), foram identificadas numa meta
análise que englobou 17 estudos. Nos indivíduos do sexo masculino a causa de morte mais
prevalente foram as DCV, com 1442 mortes, seguida do trauma e tumores malignos. Já nos
indivíduos do sexo feminino a causa mais prevalente foi o trauma, seguido das DCV, com 197 mortes
e doenças gastrointestinais. É importante ainda referir que estes indivíduos, com distúrbios
relacionados com o consumo de álcool têm um risco de mortalidade por DCV duas vezes superior
ao da população geral (31).
Num estudo prospetivo, que englobou 490 000 homens e mulheres, consumidores de álcool
e tabaco, as causas cardiovasculares foram responsáveis por 45% e 37% dos óbitos nos homens e
mulheres, respetivamente, durante os 9 anos de seguimento. Verificou-se que perante o consumo
de uma bebida por dia (12g de álcool/dia), a taxa de mortalidade (TM) por DCV foi 30% a 40% mais
baixa comparativamente à dos que se abstinham. De modo semelhante, a TM por todas as causas
foi menor para um consumo de uma bebida por dia, com uma redução em cerca de 20%,
aumentando para consumos superiores (32).
Um outro estudo prospetivo: “Physicians Health Study”, que seguiu 21 537 participantes
do sexo masculino sem doenças crónicas prévias, durante 12 anos, verificou que,
comparativamente com aqueles que raramente ou que nunca consomem álcool, o risco de morte
súbita de origem cardíaca foi reduzido em 79% entre aqueles cujo consumo era de 5 a 6
bebidas/semana. De modo semelhante, aqueles que consomem 2 a 4 bebidas/semana
apresentaram também uma diminuição do risco em 60%. Desta forma, em relação aos que se
abstém, o consumo ligeiro a moderado de 2 a 6 bebidas por semana reduz o risco de morte súbita
cardíaca. Contudo, esta redução já não se verifica para um consumo de ≥2 bebidas/dia, para o
qual o risco de morte súbita se assemelha ao risco dos que raramente ou nunca ingerem álcool,
representando um padrão de curva em forma de U. Em contraste, a relação entre o consumo e o
risco de morte por DAC não súbita parece ser inversamente mais linear com um padrão de curva
em forma de L (33). Os resultados deste último estudo, realizado com participantes do sexo
masculino, são congruentes com os do estudo conduzido por Chiuve et al que englobou 85 067
participantes do sexo feminino, sem patologia crónica de base. As mulheres com um consumo
ligeiro a moderado (5,0 a 14,9g/dia de álcool, aproximadamente 1/2 a 1 bebida por dia) tiveram
um risco 36% menor de morte súbita cardíaca comparativamente com as que se abstinham. Tal
como descrito para os homens, no Phisicians Health Study, também aqui se evidencia uma relação
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
13
entre o consumo de álcool e o risco de morte súbita consistente com um padrão de curva em forma
de U, assim como uma associação entre o álcool e a mortalidade por eventos cardiovasculares não
súbitos mais linear, com um risco significativamente mais baixo para altos níveis de consumo (34).
Apesar da quantidade de álcool consumida ser um determinante importante da
mortalidade, verifica-se que também o padrão de consumo é importante nesta associação entre o
consumo e mortalidade. Tal conclusão pode ver evidenciado no estudo levado a cabo por Tolstrup
e os seus colaboradores, onde participaram 26 909 homens e 20 626 mulheres com idades
compreendidas entre os 55 e 65 anos. Neste estudo constatou-se que o risco de mortalidade,
independentemente da quantidade consumida, era superior para aqueles cuja frequência de
consumo era inferior a duas vezes por semana. Estimou-se ainda que para os homens e mulheres
a mortalidade era mais baixa para consumos de 7 a 13 bebidas/semana e de 1 a 6 bebidas/semana
distribuídos em 5 ou 6 dias por semana, respetivamente (35).
Os estudos parecem também mostrar um efeito benéfico associado ao consumo ligeiro a
moderado de álcool entre os indivíduos com DCV prévia. Em 4 dos 5 estudos de coorte que
compararam o efeito do consumo moderado de álcool versus consumo ausente ou muito pouco
frequente, em doentes com DCV prévia, encontrou-se uma redução estatisticamente significativa
da mortalidade, entre 15% a 35%, por todas as causas para um consumo moderado (36).
5.3 Efeito na Hipertensão Arterial
Estima-se que o número de pessoas com HTA aumentou de 600 milhões em 1980 para quase
1 bilhão (109) em 2008, sendo que a nível global, no mesmo ano, aproximadamente 40% dos adultos
com 25 ou mais anos apresentavam HTA (37).
A HTA é o mais importante fator de risco modificável para as doenças do aparelho
circulatório, que são a principal causa de morte em Portugal. Estudos recentes concluem que a
prevalência de HTA em Portugal permanece alta, uma vez que afeta cerca de 42% da população
adulta portuguesa (38). No caso do consumo do álcool, o aumento da PA ocorre para consumos
acima das 2 bebidas/dia e de forma dependente da dose. O consumo excessivo de álcool é uma
das causas reversíveis mais comuns de HTA (27). Evidências sugerem que o consumo moderado a
excessivo de álcool é o segundo fator de risco mais importante no desenvolvimento da HTA, sendo
responsável por 10% dos casos de HTA no mundo ocidental (39). Klatsky e os seus colaboradores
estudaram a relação entre a PA e os hábitos alcoólicos em 83 947 homens e mulheres de diferentes
etnias. Comparando a PA daqueles que não consomem álcool, com os consumidores de até 2
bebidas/dia, verifica-se que não há diferenças significativas. Para consumos iguais ou superiores a
3 bebidas/dia observa-se elevação da PA sistólica e diastólica, com um aumento substancial da
prevalência de pressões ≥ 160/95 mmHg (figura 8) (40). Portanto, nos consumidores de até 2
bebidas padrão/dia (12g de álcool por bebida), uma redução na ingestão não está associada a uma
redução significativa da PA, sugerindo que, de fato, um consumo de ≤2bebidas/dia não aumenta
a PA, o que é de fato coincidente com as conclusões de Klatsky e os seus colaboradores. No
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
14
entanto, nos consumidores de pelo ≥3 bebidas/dia, uma redução do consumo de álcool para perto
da abstinência foi associada a uma redução da PA. As reduções na PA sistólica e diastólica foram
maiores nos participantes que bebiam 6 ou mais bebidas/dia e para uma redução de 50% na
ingestão de álcool (41).
Figura 8 – Pressão arterial sistólica e diastólica média, entre homens e mulheres, de raça branca e negra e
asiáticos, em função dos hábitos alcoólicos. Adaptado de (40).
Com o objetivo de se investigar a relação entre o consumo de álcool, HTA e risco de AVC
e DAC, foi desenvolvido um estudo prospetivo: “The Suita Study” com 2236 homens, 1626 dos quais
com HTA prévia, durante 13 anos. De um modo geral, o risco de DCV (AVC e DAC) foi maior para
os hipertensos do que para os não hipertensos, independentemente do nível de consumo de álcool.
No grupo dos indivíduos com HTA devem ser evitados consumos excessivos pelo elevado risco de
AVC, contudo um consumo moderado de 3 a 4 bebidas/dia parece ser protetor de DAC e AVC
isquémico. Assim pode-se inferir que mesmo em indivíduos hipertensos, o álcool mantem o seu
efeito cardioprotetor para consumos moderados (42). Estas conclusões foram também observadas
numa meta análise que incluiu 9 estudos. De fato, o consumo ligeiro a moderado de álcool em
doentes hipertensos é inversamente associado ao risco de DCV e de mortalidade por todas as causas
(43).
No que respeita à relação entre o padrão de consumo e HTA, um estudo desenvolvido em
2609 indivíduos, com idades compreendidas entre os 35 e 80 anos e sem DCV prévia concluiu que,
de fato, alguns aspetos do padrão de consumo podem afetar o risco de HTA. Verificou-se em
particular que aqueles que bebem álcool fora das refeições apresentam um aumento significativo
no risco de HTA, em comparação com os que se abstém e com os que bebem preferencialmente
às refeições. Em relação à frequência, os consumidores diários mostram um risco
significativamente maior de HTA do que aqueles que se abstêm e um risco menor do que os
consumidores semanais. Contudo, mais importante que a frequência do consumo no risco de HTA
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
15
é o volume médio consumido, pelo que uma vez mais é evidenciado que um consumo ≥2 bebidas
padrão/dia está associado a um risco aumentado de HTA (44).
5.4 Paradoxo Francês
O termo “paradoxo francês” foi criado em 1992 com base nos dados epidemiológicos da
população francesa, que apresentava carateristicamente uma baixa incidência de DAC, apesar da
dieta rica em gorduras saturadas. Esta observação conduziu os investigadores Renauld e Lorgeril a
propor uma associação benéfica entre o consumo moderado de vinho, a longo prazo, e uma redução
do risco cardiovascular em 40% (45).
Esta redução do risco pode ser justificada pelos polifenóis presentes no vinho, cuja
quantidade é estimada entre 150 a 400 mg/L em vinhos brancos e em 900 a 1400 mg/L em vinho
tinto. A ação dos polifenóis no nosso organismo depende largamente da sua biodisponibilidade,
absorção e metabolismo e os seus efeitos benéficos podem ser locais, durante a sua passagem no
trato gastro intestinal, ou sistémicos, após serem absorvidos. A este nível os polifenóis
desempenham um potencial efeito cardio e neuroprotetor, assim como uma ação benéfica na
prevenção de alguns tipos de neoplasias, diabetes, doenças inflamatórias e distúrbios metabólicos,
devido ao seu efeito anti oxidante, anti aterogénico e anti trombótico (46, 47).
O efeito benéfico cardioprotetor dos polifenóis é observado em diferentes estudos. Quando
comparado com o consumo de cerveja, o consumo de vinho tinto parece, de fato, estar associado
a um perfil lípido mais favorável com concentrações maiores de HDL e menores de triglicerídeos e
fibrinogénio (48). Esta conclusão é congruente com os 26 estudos englobados numa meta análise,
onde uma relação inversa entre o consumo ligeiro a moderado (≤150ml/dia), de vinho tinto e o
risco cardiovascular foi bem estabelecida. Uma associação semelhante, mas mais fraca, foi
observada para o consumo de cerveja (49). Em 2013, Blanch e os seus colaboradores fizeram uma
revisão dos mecanismos através dos quais os diferentes tipos de bebidas alcoólicas, com e sem
polifenóis (vinho, cerveja e bebidas destiladas) exercem o seu efeito no sistema cardiovascular.
Os benefícios do vinho tinto estão sumarizados na tabela 1 e parecem ser superiores aos benefícios
da cerveja e das bebidas destiladas, provavelmente devido ao seu maior conteúdo em polifenóis
(50).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
16
Tabela 1 – Efeito dos diferentes tipos de bebidas alcoólicas no sistema cardiovascular. Adaptado de (50).
5.5 Efeito na Insuficiência cardíaca
Apesar do consumo ligeiro a moderado de álcool ser protetor da IC, o mesmo não sucede
quando se trata de consumos crónicos excessivos (12). A ingestão excessiva de álcool é um grande
problema de saúde nos países desenvolvidos e pode ocasionar disfunção cardíaca e MCA (39).
Relativamente ao seu efeito protetor, Abramson e os seus colaboradores concluíram num
estudo prospetivo com 2235 idosos, sem IC prévia, que o consumo moderado de álcool estava
associado a uma diminuição do risco de IC (51). Estas conclusões foram semelhantes às do estudo
Framingham Heart Study, onde se constatou que nos homens, o risco de ICC era menor para todos
os níveis de consumo, comparativamente com aqueles que apresentavam um consumo ≤1
bebida/semana (26). Um dos efeitos mais importantes do consumo de álcool relaciona-se com o
aumento do HDL. Numa meta análise desenvolvida por Rimm e os seus colaboradores estimou-se
que o consumo de 30g de álcool/dia (aproximadamente 2 bebidas padrão) aumentava os níveis de
HDL em 3,99mg/dl. Este aumento nos níveis de HDL traduz-se numa diminuição do risco de DAC
em 16,8%. No entanto, este mesmo consumo diário aumenta em 5,69mg/dl os triglicerídeos, o que
se traduz num aumento de até 4,6% no risco de DAC. Em conjunto estes dois efeitos (o aumento
do HDL e o aumento dos triglicerídeos) parecem, contudo, favorecer a prevenção da DAC. A meta
análise também detetou importantes efeitos sobre os fatores de coagulação, nomeadamente a
redução dos níveis de fibrinogénio em até 7,5mg/dl, o que se traduz numa redução do risco de
DAC de 12,5%. Globalmente, estas alterações nos níveis de HDL, triglicerídeos e fibrinogénio
parecem resultar numa redução de 24,7% no risco de DAC. Esta diminuição do risco de DAC é muito
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
17
provavelmente subestimada uma vez que estamos a ignorar as alterações das concentrações de
plasminogénio, lipoproteína (a), insulina, agregação plaquetária, fator VII e fator de von
willebrand, causadas pelo consumo diário de 30g/dia de álcool (52). Aparentemente um consumo
ligeiro a moderado de álcool (1 a 14 bebidas/semana) reduz o risco de hospitalização por IC em
pacientes com disfunção isquémica do ventrículo esquerdo (VE). Entre aqueles com disfunção não-
isquémica do VE, embora tenha sido observada uma discreta tendência em relação ao aumento do
risco de hospitalização por IC, não houve aumento no risco de mortalidade. Em conjunto, estes
resultados sugerem que o consumo de álcool leve a moderado não piora significativamente a
disfunção do VE pré existente. Para este estudo foram excluídos os pacientes com diagnóstico de
MCA (25).
Diferentemente do consumo moderado, o uso crónico e excessivo de álcool pode complicar
com o desenvolvimento da MCA. Apesar de não estar ainda determinada uma relação específica
entre a dose, tempo de consumo e o início das mudanças estruturais e funcionais do miocárdio,
algumas conclusões gerais podem ser feitas com base nos resultados de estudos prospetivos em
indivíduos com história de consumo, nomeadamente a associação entre um consumo de 90 a 120
g/dia de álcool (aproximadamente 7-15 bebidas padrão/dia) durante um período de 5 a 15 anos
(12). De um modo geral, estima-se que um mínimo de 10 anos de consumo excessivo de álcool leve
ao início da IC (7). O consumo excessivo de álcool é mais prevalente entre os indivíduos com MCD,
com uma média de consumo ao longo da vida de 31 200 unidades, o que traduz um consumo quatro
vezes superior ao da população geral (53).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
18
6. Miocardiopatia Dilatada
A MCD é caracterizada pela presença de dilatação e disfunção sistólica do VE na ausência
de HTA, doença valvular ou DAC suficiente para causar comprometimento sistólico global. A
dilatação e a disfunção ventricular direita podem estar presentes mas não são necessárias para o
diagnóstico (6). ARTIGO 3. Com uma prevalência estimada de 1:2500 é a miocardiopatia mais
prevalente em todo o mundo. Globalmente, a MCD é ainda a causa mais frequente de transplante
cardíaco e a terceira maior causa de IC (5).
Esta patologia desenvolve-se em qualquer idade, em ambos os sexos e em todas as etnias.
Nas crianças, a incidência anual é de 0,57 casos por 100 000 por ano, sendo a incidência maior nos
rapazes, nos indivíduos de raça negra e nas crianças com menos de 1 ano de idade. Nos adultos, a
MCD surge também mais comumente em homens do que em mulheres, com uma incidência de 7
casos por 100 000 por ano (54).
A contribuição da genética na MCD é ainda subestimada. Apenas 20% a 35% dos pacientes
com esta doença apresentam formas familiares de MCD, com mutações atualmente identificadas
em mais de 50 genes que codificam proteínas estruturais e proteínas envolvidas nas vias celulares.
Algumas das mutações conhecidas estão associadas a um mau prognóstico, como aquelas nos genes
das proteínas sarcoméricas troponina C e T, ou no gene da proteína estrutural da distrofina. A
correlação genótipo-fenótipo é difícil, senão praticamente impossível, pela penetrância
incompleta do genótipo e pela variedade de apresentações clínicas associadas a mutações
semelhantes. O modo predominante de hereditariedade é autossómico dominante (5, 55).
Quando não há dados na história que apontem para a MCD familiar ou para etiologias
secundárias de MCD o individuo é diagnosticado com MCD idiopática. Contudo, num estudo
realizado em 1230 pacientes com diagnóstico de miocardiopatia inexplicada submetidos a uma
biópsia endomiocárdica, como parte da avaliação da sua IC, encontrou-se uma causa específica
em 614 dos 1230 pacientes. Os restantes 616 (cerca de 50%) pacientes foram classificados como
tendo MCD idiopática. Com bases nestes resultados os pacientes foram então agrupados em
categorias em função da etiologia da miocardiopatia: miocardiopatia idiopática (616 pacientes),
miocardiopatia periparto (51 pacientes), miocardite (111 pacientes), doença cardíaca isquémica
(91 pacientes), miocardiopatia infiltrativa (59 pacientes), HTA (49 pacientes), miocardiopatia
associada a infeção pelo VIH (45 pacientes), doença do tecido conjuntivo (39 pacientes), abuso de
substâncias, como o álcool (37 pacientes), terapia com agentes quimioterápicos, como a
doxorrubicina (15 pacientes) e outras causas (117 pacientes) (56). Quando analisámos os familiares
dos pacientes com MCD idiopática verifica-se que em mais de 20% dos casos há uma apresentação
familiar da doença, pelo que mesmo sem história familiar evidente deve-se ter sempre em conta
a possibilidade de doença familiar (57).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
19
6.1 Etiologia alcoólica da Miocardiopatia Dilatada
A etiologia alcoólica é responsável por 20 a 30% do número de novos casos de
miocardiopatia, enfatizando a necessidade em reconhecer o risco e a contribuição do álcool nos
pacientes com IC (7). Quase 33% dos indivíduos com consumo crónico de álcool apresentam
disfunção cardíaca, caracterizada pela presença de um tipo específico de MCD, denominada por
MCA (4).
Apesar de estimar-se um mínimo de 10 anos de consumo excessivo de álcool para o início
da IC, alguns consumidores pesados nunca chegam a desenvolver MCA, ao passo outros
consumidores moderados de álcool podem estar em risco de a desenvolver (7). O consumo de
tabaco, HTA e desnutrição concomitantes, assim como, uma suscetibilidade genética aumentada
à lesão do miocárdio, induzida pelo álcool, parecem estar altamente associados ao aumento do
risco de desenvolver MCA (7, 58). Por outro lado, o próprio consumo de álcool relaciona-se
diretamente com o uso de tabaco e HTA, tanto em homens como em mulheres (32-34). De um
modo geral, os efeitos do álcool no coração parecem ser dose dependentes mas não lineares (11).
6.2 Miocardiopatia alcoólica
Segundo a AHA, a MCA é uma miocardiopatia secundária, ou seja, é uma miocardiopatia
que mostra envolvimento patológico do miocárdio como parte de um grande número e variedade
de distúrbios sistémicos generalizados (5). De acordo com a ESC, a MCA engloba-se dentro do grupo
da MCD não familiar (6). De modo semelhante à miocardiopatia dilatada é caracterizada por
dilatação e disfunção sistólica do VE. Uma MCA já estabelecida é caracterizada por uma dilatação
diastólica do VE, espessura da parede do VE normal ou reduzida, aumento da massa do VE e nas
fases mais avançadas por uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida ( <40%)
(12).
A interação do álcool com o coração é complexa, pelo que, se em doses baixas a
moderadas, o benefício cardiovascular supera o risco potencial, em doses altas por longos períodos
de tempo, o álcool pode ter um risco cardiovascular inaceitável (7). O consumo crónico e excessivo
de álcool pode conduzir a uma disfunção cardíaca progressiva e MCA. Durante a progressão da
disfunção cardíaca alguns sinais de anormalidade podem ser identificados antes que a mesma se
torne clinicamente evidente. Esta deteção é importante uma vez que nesta fase pré-
clínica/assintomática a cessação precoce do consumo pode reverter a disfunção do VE. Em
pacientes alcoólicos assintomáticos, em função do tempo de consumo, podem ser evidenciados os
seguintes achados ecocardiográficos: entre os 5 a 9 anos de consumo um aumento do volume do
VE e prolongamento do tempo de relaxamento isovolumétrico; entre os 10 a 15 anos de consumo
há um aumento da massa do VE e um prolongamento do tempo de desaceleração. Por fim, entre
os 16 a 28 anos de consumo um pico da velocidade da onda A aumentado e uma relação entre o
pico da onda E e onda A diminuído (13). Outros estudos são congruentes ao apresentar mais
comumente achados ecocardiográficos de disfunção diastólica em doentes assintomáticos (59).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
20
Entretanto, Urbano-Márquez e os seus colaboradores conduziram um estudo em que
pacientes alcoólicos assintomáticos, com um consumo médio diário de 243±13g de álcool ao longo
de 16 anos, foram comparados a um grupo controle saudável. Constatou-se que os pacientes
alcoólicos apresentavam uma menor FE, uma menor fração de encurtamento, um maior diâmetro
diastólico final e um aumento da massa do VE. Estes resultados indicam-nos parâmetros
eletrocardiográficos distintos dos anteriores na identificação precoce do consumo crónico de
álcool, tratando-se de alterações precoces da função sistólica (60).
6.2.1 Aspetos epidemiológicos
Portugal continua a ocupar uma posição de destaque no que respeita ao consumo de álcool.
Aproximadamente um milhão e setecentos mil portugueses apresentam um consumo excessivo de
álcool e são doentes alcoólicos crónicos. O aumento da mortalidade ligada ao álcool é evidenciado
pela redução da esperança de vida, pelo que um indivíduo com 20 anos terá a sua esperança de
vida encurtada em 65% se for um consumidor excessivo (3).
A exata prevalência da MCA permanece por determinar (12). Contudo, a MCA é responsável
por 21 a 36% dos casos de MCD não isquémica na sociedade ocidental e sem abstinência do consumo
de álcool apresenta uma mortalidade a 4 anos de aproximadamente 50% (16). Nos EUA, a MCA é a
causa mais frequente de MCD não isquémica, representando 3,8% do total das miocardiopatias
(61).
As mulheres consomem menos álcool que os homens, pelo que apresentam menor
prevalência de problemas relacionados com o álcool (1, 62). De fato, o consumo de álcool nas
mulheres é cerca de 60% da quantidade total de álcool consumida pelos homens (63). Contudo,
para um determinado nível de consumo as mulheres são mais vulneráveis a ter problemas
relacionados com o álcool. Por outras palavras, evidências biológicas sugerem que a mulher é mais
sensível que o homem aos efeitos fisiológicos do álcool, o que pode ser demonstrado pela maior
concentração de álcool no sangue destas após a ingestão de uma dada quantidade de álcool (62).
Num estudo conduzido por Fernandéz-Solá e seus colaboradores, em homens e mulheres com MCA,
para uma dada FEVE os homens apresentavam uma dose total de álcool consumido superior à das
mulheres, evidenciando, uma vez mais, a maior sensibilidade das mulheres aos efeitos tóxicos do
álcool (63).
Alguns mecanismos que explicam esta diferença entre os dois géneros, nomeadamente o
fato das mulheres apresentarem uma menor atividade da ADH gástrica, um esvaziamento gástrico
do álcool mais lento, taxas de metabolismo hepático do álcool mais elevadas e interação da ADH
com as hormonas sexuais femininas (62, 64). Entretanto, a menor percentagem de água corporal
nas mulheres proporciona um menor volume de distribuição para álcool, pelo que este será um dos
mecanismos que mais contribui para a maior concentração de álcool verificada nestas após o
consumo (62).
Uma vez que as mulheres apresentam uma ingestão de álcool significativamente menor a
incidência de MCA é maior nos homens e entre os 35 e 60 anos de idade (63, 65).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
21
6.2.2 Mecanismos de lesão do miocárdio pelo consumo de álcool
6.2.2.1 Deficiências nutricionais
Durante alguns anos houve resistência em aceitar que o consumo crónico excessivo de
álcool podia, por si só, causar lesão do miocárdio de modo independente das carências nutricionais
associadas. Neste seguimento, os alcoólicos crónicos com miocardiopatia foram consistentemente
diagnosticados com beribéri húmido, ou seja, deficiência de tiamina (vitamina B1) com
envolvimento cardíaco. Apesar de muitos dos pacientes alcoólicos com miocardiopatia
responderem de fato à administração da tiamina, tal não sucedia para todos, pelo que ficou claro
que o álcool é um fator etiológico independente de toxicidade cardíaca. Contudo não devemos de
desconsiderar que a deficiência de tiamina pode de fato agravar uma IC subjacente, intensificando
os efeitos nocivos do álcool no coração (15).
Para além do alcoolismo vários outros mecanismos são também responsáveis pela
deficiência de tiamina em doentes com IC, nomeadamente o hipertiroidismo, deficiência de
magnésio, diuréticos da ansa, diarreia, dieta inadequada, entre outros. Na ausência de tiamina
pirofosfato, que é a sua forma biologicamente ativa, há compromisso da fosforilação oxidativa,
aumento dos níveis de piruvato, por inibição do complexo enzimático piruvato desidrogenase e há
inibição da via das pentoses fosfato. Deste modo, tanto a produção de riboses, necessárias à
síntese de ácidos nucleicos, como a produção de energia fica comprometida. De modo diferente
da MCA, o envolvimento cardíaco na doença de beribéri (insuficiência cardíaca de alto débito)
manifesta-se inicialmente com um aumento do débito cardíaco, secundário à vasodilatação
periférica, ao que se segue depressão do miocárdio com evolução para um estado de baixo débito
cardíaco, retenção de água e sódio. A sua resolução acontece com a administração de tiamina
(66).
6.2.2.2 Intoxicação pelo cobalto
Em meados da década de 60, nos EUA, Canadá e Bélgica, entre os consumidores pesados
de cerveja ocorreu o desenvolvimento de uma síndrome que consistia em ICC, derrame pericárdico
e aumento da hemoglobina. Esta síndrome foi na altura atribuída às pequenas quantidades de
cobalto adicionadas às bebidas alcoólicas, como a cerveja, pelo que devido à toxicidade deste
oligoelemento, o aditivo foi proibido posteriormente (7, 10).
6.2.2.3 Mecanismos de lesão relacionados com o acetaldeído
Entre 95% a 98% do álcool absorvido é eliminado através do seu metabolismo, sendo o
restante eliminado, sem alterações, através da respiração, suor e urina (8). Apesar do metabolismo
oxidativo do álcool ocorrer primariamente no fígado, outros órgãos, incluindo o coração, podem
participar nesse metabolismo para formar ACA. As enzimas responsáveis pelo metabolismo do
álcool são as seguintes: ADH, o citocromo P450 2E1 (CYP2E1) e a catalase. A enzima ADH, presente
no citosol, converte o álcool em ACA. Esta reação envolve um transportador intermediário de
eletrões, dinucleótido de nicotinamida adenina oxidado (NAD+), que é reduzido para formar
dinucleótido de nicotinamida e adenina reduzido (NADH). Se há oxidação de grandes quantidades
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
22
de etanol ocorre um aumento da relação NADH/NAD+, inibindo a metabolização de ácidos gordos,
gliconeogénese, a síntese de proteínas e aumentando a peroxidação lipídica e formação de radicais
livres. Nos consumidores crónicos de álcool, uma segunda via de oxidação, o sistema microsomal
hepático, que funciona no retículo endoplasmático liso, ajuda a eliminar do corpo os compostos
tóxicos através da CYP2E1, que tal como ADH, converte álcool em ACA. Além de ACA esta reação
produz radicais livres, o que aumenta o risco de lesão tecidular. De fato, com a ingestão crónica
de grandes quantidades de álcool há inibição da enzima ALDH2, com consequente diminuição da
capacidade das mitocôndrias oxidarem o ACA, e há indução do sistema microssomal. O sistema
microssomal metaboliza o etanol em ACA sem produzir NADH, que tem uma grande influência
sobre a capacidade antioxidante do nosso organismo. Pelo contrário, esta via de metabolização
usa o fosfato de dinucleótido de nicotinamida e adenina (NADPH), produzindo assim um ambiente
oxidativo. Em condições normais esta enzima representa menos de 10% no metabolismo do álcool.
Uma terceira via do metabolismo, a catalase, localizada nos peroxissomas é capaz de oxidar uma
reduzida quantidade de álcool (2%) na presença de um sistema gerador de peróxido de hidrogénio.
Todas estas vias culminam, assim, na produção do ACA, que é posteriormente metabolizado pela
ALDH2 mitocondrial para formar acetato e NADH (figura 9) (8, 9, 29). Quando a ALDH2 atinge um
ponto de saturação, o ACA é libertado para a corrente sanguínea e provoca alterações em
biomoléculas como os lipídios, proteínas e ácidos nucleicos, resultando nos efeitos colaterais
tóxicos associados ao consumo de álcool (8).
Figura 9 – Metabolismo oxidativo do álcool. Adaptado de (8).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
23
Estudos sugerem que níveis elevados de ACA comprometem a função ventricular na MCA,
desempenhando como tal um papel chave na sua fisiopatologia (4). Vários são os mecanismos
envolvidos nos efeitos deletérios que o ACA provoca no sistema cardiovascular. O ACA provoca
disfunção mitocondrial comprometendo o seu próprio metabolismo, com consequente acumulação
do mesmo e início de um ciclo vicioso (9). O aumento do ACA causa lesão dos complexos
enzimáticos da cadeia transportadora de eletrões, levando a uma sobreprodução de espécies
reativas de oxigénio (EROs), que por sua vez afeta a produção de adenosina trifosfato (ATP), tanto
pela cadeia transportadora de eletrões como pela fosforilação oxidativa. Também o ácido
desoxirribonucleico (ADN) mitocondrial é altamente suscetível à lesão pelas EROs, não só pela
proximidade com a sua produção, mas também porque não apresenta histonas nem os mesmos
mecanismos de reparação que o ADN nuclear possui (8, 12). O stress oxidativo resultante afeta a
permeabilidade das membranas mitocondriais promovendo a abertura do poro de transição de
permeabilidade e favorecendo a translocação do fator pró-apoptótico Bax para o espaço
intramitocondrial. Quando a permeabilidade mitocondrial é elevada há edema, libertação do
citocromo c para o citoplasma, ativação da caspase e, por último, fragmentação do ADN, o que
leva à apoptose (8).
O desenvolvimento do stress oxidativo ocorre diretamente através do metabolismo
oxidativo e não oxidativo do álcool, e indiretamente através da ativação de outros sistemas
hormonais como a angiotensina II (Ang II) (12). Na verdade, Kajstura e os seus colaboradores
observaram uma percentagem aumentada de cardiomiócitos em apoptose após tratamento com
Ang II (0,9%), comparativamente com as células do grupo controlo (0,2%). Este efeito mediado
pelos recetores AT1 da Ang II retrata o benefício dos inibidores da enzima de conversão da
angiotensina (ECA) ou dos bloqueadores dos recetores AT1 na IC, ao promoverem a inibição da
apoptose (67). Apesar de se verificar que o aumento da ECA no plasma surge 4 meses após o início
da miocardiopatia, sugerindo que a Ang II é mais uma consequência do que propriamente uma
causa, o sistema renina-angiotensina tem sido implicado no desenvolvimento da MCA (67, 68).
O ACA exerce um efeito ionotrópico negativo sobre o miocárdio, não só pela indução da
apoptose, mas também porque diminui a entrada de cálcio através dos canais dependentes de
voltagem e inibe a libertação de cálcio do retículo sarcoplasmático (4, 9). De fato, a ingestão de
álcool reduz significativamente a expressão intracelular da ATPase transportadora de cálcio
(SERCA2a), do trocador Na+/Ca2+ e da proteína citosólica fosfolamban (9). Adicionalmente pode
ainda atuar como ativador dos recetores rianodínicos RYR2, com aumento consequente do cálcio
citosólico (4, 9). A alteração da homeostasia do cálcio intracelular deprime a amplitude contráctil
do miocárdio, aumenta o tempo de relaxamento muscular e reduz a velocidade máxima de
contração/relaxamento (4).
Para além de diminuir a expressão e síntese proteica, o ACA acelera a sua degradação,
com destaque para as proteínas miofibrilares, alfa-miosina e actina. O exame histopatológico do
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
24
miocárdio de indivíduos com MCA revela perda, fragmentação e desordem das proteínas contráteis
(12).
A capacidade dos aldeídos se ligarem a proteínas, lípidos e ADN permite a formação de
aductos, com consequente alteração das propriedades físico-químicas destas moléculas. Alguns
dos alvos preferenciais incluem as proteínas membranares dos eritrócitos, a albumina, as
lipoproteínas, a hemoglobina, o colagénio, a tubulina e enzimas do citocromo. Estes aductos são
imunogénicos, ativando tanto o sistema imunológico humoral como o mediado por células. A
ligação do ACA ao ADN é um mecanismo promotor da carcinogénese nos indivíduos dependentes
de álcool (4).
O ACA também parece predispor a arritmias, provavelmente através do aumento das
catecolaminas, tanto sistémicas como no miocárdio (69).
6.2.2.4 Mecanismos de lesão não relacionados com o acetaldeído
Uma outra via de metabolismo do álcool não oxidativa resulta na formação dos estéres
etílicos de ácidos gordos a partir da esterificação do álcool com ácidos gordos (12). Este metabólito
interfere com a função fisiológica do coração de modo independente do ACA, causando disfunção
mitocondrial, ineficiente produção de energia e stress oxidativo (4, 9).
6.2.2.5 Vulnerabilidade genética
Como nem todos os indivíduos com consumo crónico de álcool desenvolvem MCA, foi
sugerido a possibilidade de haver uma vulnerabilidade individual para a patologia.
Os polimorfismos deleção (D)/inserção(I) de sequências de pares de bases do gene da ECA
têm sido implicados na predisposição individual para o desenvolvimento de MCA. Num estudo
levado a cabo por Fernàndez-Solà e seus colaboradores conclui-se que aqueles com genótipo
homozigótico DD apresentavam um risco 16,4 vezes superior de desenvolver miocardiopatia que
aqueles com um alelo I. Nestes indivíduos, a elevada atividade cardíaca da ECA pode resultar em
níveis aumentados de Ang II, e este pode ser um mecanismo subjacente à associação relatada entre
o polimorfismo de deleção de ECA e o risco aumentado de várias DCV. Ao longo de um seguimento
de 5,4 anos de indivíduos com IC não isquémica verificou-se que o genótipo DD relaciona-se ainda
com um pior perfil de parâmetros ecocardiográficos (58, 70, 71).
Aproximadamente 40% da população do leste asiático expressa um polimorfismo da enzima
ALDH2, que não é mais que uma variante menos ativa da enzima, com consequente acumulação
do ACA. Os portadores deste polimorfismo experienciam uma reação do tipo dissulfiram aquando
do consumo de álcool, com flushing syndrome, náuseas e taquicardia, o que condiciona um menor
risco de alcoolismo nesta população, pela aversão associada ao consumo de álcool. Apesar de este
polimorfismo estar associado a um menor risco de dependência alcoólica, o mesmo reduz a eficácia
da nitroglicerina no tratamento da angina, aumenta a morbilidade após enfarte agudo do
miocárdio, aumenta em cerca de 100 vezes o risco de cancro do esófago e aumenta o risco de
doença de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas (72). Não deixa de ser importante
referir que, para além dos fatores comportamentais, sociais e relacionados com estilo de vida, há
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
25
também uma vulnerabilidade individual para os distúrbios relacionados com o álcool, responsável
por 40% desse risco. Em 2011, um estudo identificou uma associação entre o consumo de álcool e
o gene AUTS2, o mesmo gene que foi primariamente identificado no contexto do autismo e atraso
mental (73).
6.3 Clínica e alterações electrocardiográficas
Na MCA são reconhecidas duas fases distintas na sua história natural da doença, uma fase
inicial pré-clínica/assintomática, caracterizada por dilatação do VE, associada ou não a disfunção
diastólica e uma segunda fase clínica, com sintomas clássicos de IC como a dispneia, ortopneia,
edema, noctúria e taquicardia. Os sintomas da IC podem ser devidos à disfunção diastólica inicial
ou à disfunção sistólica posterior. Nos estádios posteriores, devido à fibrilhação auricular (FA) há
possibilidade de formação de trombos nas aurículas dilatadas (10, 11).
Há evidências credíveis na literatura de uma forte associação entre consumo de álcool e
arritmias, sendo especialmente verdadeiro para as arritmias supraventriculares, particularmente
a fibrilhação auricular (FA) (74).
No consumo episódico excessivo de álcool podem identificar-se algumas alterações
eletrocardiográficas. Apesar destas serem mais frequentes e prognosticamente mais significativas
em alcoólicos crónicos, doentes com MCA, doença cardíaca isquémica ou com outras patologias
cardíacas, as alterações electrocardiográficas podem também estar presentes em indivíduos
jovens e saudáveis. Nos casos em que não há evidência clínica de doença cardíaca a ocorrência de
arritmias após um consumo abusivo de álcool, mais frequentemente a FA, é descrita como
“síndrome do coração de férias” ou “the holiday heart syndrome”, um conceito desenvolvido pela
primeira vez por Ettinger et al em 1978. Na maioria dos casos de consumo episódico excessivo as
alterações electrocardiográficas devem-se a distúrbios da frequência cardíaca, tanto por
anomalias na geração dos impulsos elétricos como por anomalias da sua condução, sendo a FA a
taquiarritmia mais comumente observada (65, 75). Além dos distúrbios da frequência cardíaca, o
traçado do eletrocardiograma traduz mudanças inespecíficas na repolarização, em grande parte
influenciadas pela hipotermia, hipoglicemia e desequilíbrios eletrolíticos associados à intoxicação
aguda por álcool. Alterações semelhantes podem ser encontradas na síndrome da abstinência
aguda, especialmente no delirium tremens (75). Embora o consumo excessivo de álcool tenha uma
associação clara com a FA, os resultados do estudo realizado por Djoussé et al indicam uma fraca
associação entre um consumo moderado e o risco de desenvolver FA, mas com o risco a aumentar
significativamente entre aqueles cujo consumo é superior a 36g/dia, o equivalente a 3 bebidas/dia
(76).
Nos consumidores crónicos pesados de álcool as arritmias podem fazer parte do quadro de
manifestações clínicas, pelo que a avaliação da função cardíaca é obrigatória. Esta questão é
crucial, principalmente em relação ao risco de morte súbita cardíaca, que pode ocorrer em
pacientes com MCA (74). O risco de taquicardia ventricular e morte súbita cardíaca estão
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
26
aumentados nos indivíduos com ingestão excessiva de álcool, com vários estudos a sugerir que esse
mesmo risco parece ser menor em indivíduos com baixa ingestão de álcool (2-6 bebidas/semana)
em comparação com aqueles que se abstém ou que raramente consomem (69, 77). As arritmias
ventriculares malignas são mais frequentes na MCA (13%) do que são na MCD idiopática (11%) (77).
Um dos aspetos importantes da ação arritmogénica do álcool, nomeadamente a respeito das
arritmias ventriculares e risco de morte súbita, passam pelo prolongamento do intervalo QT,
causado pela desregulação do balanço autonómico simpático/parassimpático. Adicionalmente, os
alcoólatras tendem a apresentar uma maior incidência de morbilidades psiquiátricas que exigem,
em alguns casos, fármacos que causam o prolongamento do QT, como por exemplo os
antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos de recaptação de serotonina e lítio (74, 78). A
hipomagnesémia é um distúrbio electrolitico comum nos consumidores de álcool, com uma
prevalência de 30% e tem sido apresentada uma correlação entre consumo de álcool,
hipomagnesémia e prolongamento do intervalo QT, ao que se segue o surgimento de uma forma
de taquicardia ventricular polimórfica: torsade de points (79).
6.4 Diagnóstico
Um fator chave na identificação da MCA é a presença de uma história de consumo crónico
excessivo de álcool em associação a uma série de alterações celulares, histológicas e estruturais
do miocárdio que podem ser encontradas nestes indivíduos (12).
6.4.1 Diagnóstico ecocardiográfico
Na prática clínica a ecocardiografia é o principal exame imagiológico utilizado para
monitorizar a função cardíaca. Tradicionalmente, as decisões relativas à MCA dependem da FEVE.
No entanto, a FEVE não é sensível para disfunção miocárdica subtil ou detioração miocárdica
alcoólica assintomática. A deteção precoce de outros sinais ecocardiográficos, indicadores de
anormalidade cardíaca, pode levar à antecipação do tratamento e, consequentemente, a um
melhor prognóstico (80).
De um modo geral, os estudos são congruentes ao apresentar alterações precoces cardíacas
mais frequentemente na função diastólica do que na função sistólica do VE em doentes
assintomáticos.
A título de exemplo, temos o estudo já retratado e desenvolvido por Lazarevic et al cujos
achados ecocardiográficos precoces evidenciam uma dilatação do VE e aumento do tempo de
relaxamento isovolumétrico (13). Também Kupari e os seus colaboradores evidenciaram como
primeiro sinal funcional da miocardiopatia pré-clínica um comprometimento do enchimento
precoce do VE compatível com uma perturbação do relaxamento ventricular (59). Adicionalmente,
Askanas e os seus colaboradores concluíram que os achados ecocardiográficos precoces eram o
aumento precoce da massa do VE, espessura do septo interventricular e parede posterior do VE
com índices de contractilidade cardíaca normais, evidenciando-se aqui a diminuição da compliance
do VE como principal mecanismo de disfunção diastólica (81).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
27
Parâmetros eletrocardiográficos inerentes a alterações precoces da função sistólica foram
relatados por Urbano-Marquez e os seus colaboradores. Constatou-se que os pacientes alcoólicos
assintomáticos apresentavam uma menor fração de ejeção e de encurtamento, um maior diâmetro
diastólico final e um aumento da massa do VE (60).
6.4.2 Diagnóstico histológico
A biópsia endomiocárdica continua a ser o gold standard no diagnóstico de muitas
condições cardíacas, tanto primárias como secundárias. Contudo, embora existam realmente
patologias como amiloidose e sarcoidose cardíaca que podem ser definitivamente diagnosticadas
por biópsia cardíaca, outras etiologias mostram características histopatológicas menos específicas,
pelo que o seu diagnóstico definitivo não é um diagnóstico histológico (82).
Os achados histológicos da MCA são realmente inespecíficos com fibrose, hipertrofia das
fibras musculares cardíacas e alterações nucleares, pelo que é difícil diferenciar esta das ademais
etiologias de MCD, a não ser pela história de consumo de álcool (14).
Em biópsias do miocárdio de indivíduos alcoólicos, realizadas pos mortem, foram
encontradas evidências microscópicas de disfunção mitocondrial que englobavam degeneração das
cristas com aumento e desorganização mitocondrial. Nos pacientes com diagnóstico clínico de
MCA, foi relatado um aumento significativo do tamanho basal das mitocôndrias com cristas
praticamente ausentes ou deformadas e dissolução de miofilamentos (12).
6.4.3 Balanço hídrico e distúrbios eletrolíticos
Uma adequada hidratação envolve a ingestão de aproximadamente 3 litros de água por
dia, tanto através do consumo de água, como de outras bebidas e alimentos. Em Portugal, mais
de metade da população parece obter o aporte hídrico necessário através de outras bebidas que
não água, perfazendo um total de 9.6% aqueles que o obtém através do consumo de bebidas
alcoólicas (83).
Estudos identificaram mudanças na estrutura e função renal relacionadas com o consumo
de álcool, com comprometimento da capacidade de regulação do volume, composição dos fluidos
e eletrólitos corporais. Pacientes alcoólicos crónicos podem experienciar baixas concentrações
sanguíneas de eletrólitos, bem como alterações potencialmente graves no equilíbrio ácido-base.
O álcool pode ainda interromper os mecanismos de controlo hormonal que regulam a função renal
(84).
A ingestão aguda de álcool pode induzir a diurese através da inibição direta da libertação
da hormona antidiurética (HAD), também designada de vasopressina, pela hipófise. Nas primeiras
quatro horas após o consumo excessivo de álcool há indução da excreção renal de água mas
diminuição da excreção de eletrólitos, com consequente aumento da concentração sanguínea de
eletrólitos. Contudo, o aumento dos eletrólitos ativa a HAD e o balanço hídrico é restaurado.
Então, nas horas seguintes à diurese inicial, pequenas quantidades de urina são produzidas mesmo
durante o consumo contínuo de álcool. Um aumento adicional do nível de álcool no sangue
interrompe esta resposta regulatória, suprimindo a secreção de HAD. Uma vez que a ingestão de
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
28
álcool é interrompida, a água retida e os eletrólitos geralmente são excretados dentro de 3 a 6
dias (84, 85).
Distúrbios eletrolíticos são comuns entre os consumidores crónicos de álcool.
Comparativamente com os indivíduos que não ingerem álcool, os pacientes alcoólicos crónicos têm
concentrações séricas mais baixas de potássio, magnésio, bicarbonato, cálcio e fosfato, bem como
um menor valor de pH arterial. A hipomagnesémia é o distúrbio eletrolítico mais comum nos
alcoólicos. Os mecanismos de depleção de magnésio nestes indivíduos ocorrem por transferência
do magnésio do líquido extracelular para o intracelular na sequência da alcalose respiratória,
síndrome de abstinência alcoólica e perdas gastrointestinais. O aumento da excreção renal de
magnésio, na sequência da hipofosfatémia e acidémia, a intoxicação alcoólica aguda e diminuição
da ingestão ou absorção intestinal são outros mecanismos prováveis de hipomagnesémica (85, 86).
Um exemplo de um distúrbio ácido-base relaciona-se com os baixos níveis de fosfato que
ocorrem na sequência da alcalose respiratória, induzida pela hiperventilação durante a abstinência
do álcool. Em oposição, quando ocorre uma intoxicação grave por álcool há depressão do sistema
nervoso central, com diminuição da frequência respiratória e da sensibilidade do centro
respiratório ao nível do dióxido de carbono. Contudo, a acidemia nos pacientes alcoólicos mais
frequentemente resulta da elevação dos produtos do metabolismo da glicose, por exemplo, o
lactato. Uma outra condição potencialmente grave conhecida como cetoacidose alcoólica é uma
desordem ligada ao consumo de álcool e caracterizada por uma anormal acumulação de corpos
cetónicos. Normalmente, a cetoacidose alcoólica ocorre em consumidores crónicos de álcool após
uma ingestão excessiva de bebidas alcoólicas ao longo de alguns dias (84).
6.4.4 Biomarcadores para o consumo de álcool
Perante uma intoxicação alcoólica aguda, a determinação da taxa de alcoolémia pode ser
efetuada diretamente no sangue, no ar expirado, onde a concentração do álcool é
aproximadamente 2000 vezes inferior à da circulação sanguínea, e ainda na urina. Na intoxicação
alcoólica crónica são utilizados exames laboratoriais que apresentam maior capacidade de traduzir
a situação biológica do consumidor: os biomarcadores (3).
Os biomarcadores são substâncias bioquímicas presentes no nosso corpo que podem indicar
a presença e progressão de uma condição ou até mesmo uma predisposição genética para a mesma.
Existem dois tipos de biomarcadores, os de estado e os de traço. Os biomarcadores de estado
informam-nos acerca do padrão de consumo recente do indivíduo ao passo que os biomarcadores
de traço revelam uma predisposição para o desenvolvimento de um consumo abusivo de álcool. Os
biomarcadores de estado comumente usados refletem a atividade de certas enzimas hepáticas,
como por exemplo a gamaglutamiltransferase (GGT), aspartato aminotransferase (AST), alanina
aminotransferase (ALT) e transferrina carboidrato deficiente. Outros biomarcadores como a N-
acetil-beta-hexosaminidase e volume corpuscular médio (VCM) dos eritrócitos podem ser
utilizados. Por outro lado, o reconhecimento de quem está em risco ajuda a evitar problemas
relacionados com o álcool e permite um tratamento precoce, residindo aqui a grande utilidade dos
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
29
biomarcadores de traço. Estes marcadores devem satisfazer pelo menos três critérios: serem
transmitidos dos pais para os filhos (hereditários), devem estar associados à doença em questão
na maioria da população e devem ser independentes do estado clínico da doença. Os
biomarcadores disponíveis são a atividade da adenil-ciclase, o ácido gama-aminobutírico (GABA),
a dopamina, a beta-endorfina e a serotonina (87).
6.5 Tratamento No tratamento do individuo com MCA deve-se ter em consideração dois grandes objetivos:
prevenir lesões adicionais ao músculo cardíaco, através da interrupção do consumo de álcool, e
reduzir a dilatação cardíaca. Uma abstinência total de álcool é necessária, sendo que,
adicionalmente deve-se fazer a promoção de adequados hábitos nutricionais, cessação tabágica,
entre outras práticas saudáveis (15). Observou-se que a abstinência do consumo de álcool melhorou
o risco de morte súbita de origem cardíaca, o que se relaciona com a melhoria da função do VE
(74). Contudo, durante quatro anos de follow-up, apenas 1/3 dos pacientes alcoólicos com
disfunção cardíaca foi capaz de manter a sua abstinência. A maioria deles, mas não todos,
demonstrou melhorias ou manutenção da sua condição cardíaca (65). Assim sendo, a abstinência
não garante sempre uma melhora clínica e a lesão do miocárdio pode manter a sua progressão
(53).
Apesar de se preconizar uma abstinência total do consumo de álcool no tratamento da
MCA, num estudo desenvolvido por Guzzo-Merello et al não se encontraram diferenças nos
outcomes clínicos entre os indivíduos com MCA que se abstiveram e aqueles que tiveram uma
ingestão moderada de álcool (88). Num outro estudo aplicado em 55 homens com MCA verificou-
se que a abstinência melhorava efetivamente a FEVE, sendo que ao fim de um ano a mesma
aumentou de 39,4±3,5% para 52,5±6,8%. Entretanto verificou-se que a diminuição do consumo de
álcool para valores entre os 20 a 40g/dia era igualmente eficaz na melhoria da FEVE, pelo que ao
fim de um ano a mesma aumentou de 37,4±12,7% para 49,9±10,7% (89).
Embora os efeitos agudos melhorem rapidamente à medida que o nível de alcoolémia
diminui, a reversão dos efeitos que o álcool provoca a longo prazo, no músculo cardíaco, é menos
preditiva (7). No sentido de ajudar o individuo a manter a abstinência, pesquisas recentes sugerem
efeitos benéficos em utilizar tratamentos farmacológicos adjuvantes, como por exemplo a
naltrexona, um antagonista do recetor de opióides, o acamprosato, derivado acetilado da
homotaurina, e o disulfiram, um inibidor da ALDH que provoca, perante um novo consumo de
álcool, acumulação de ACA e sintomas como náuseas, rubor, sudação e taquicardia, ou através dos
inibidores seletivos da recaptação de serotonina. As benzodiazepinas são desaconselháveis em
dose de manutenção ou como hipnóticas, podendo ser substituídas por ansiolíticos simples do tipo
buspirona. Para tratar o problema do álcool, uma abordagem combinada que compreende terapia
farmacológica e psicossocial, envolvendo grupos de auto-ajuda, é essencial (3, 10).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
30
Os efeitos negativos do álcool no organismo, incluindo no coração, estão bem
documentados e, como já referido, o seu abuso crónico pode contribuir para o início e a progressão
da IC (16). Deste modo, o tratamento da MCA segue o regime padronizado de tratamento da IC,
com inibidores da ECA, bloqueadores beta adrenérgicos, diuréticos e digitálicos na FA,
conjuntamente com anticoagulantes, sempre que for apropriado. Os indivíduos com MCA que
apresentam sinais e sintomas de IC com FE diminuída devem receber um inibidor da ECA ou um
antagonista do recetor da Ang II com um bloqueador beta adrenérgico. Dependendo de outros
sinais e sintomas, o tratamento com diuréticos ou digitálicos pode ser prescrito. Além disso,
recomendações abrangentes acerca de estilos de vida, incorporadas nos programas de reabilitação
cardíaca e que incluem dietas para controle de peso e diretrizes de exercícios, são geralmente
recomendadas. Por outro lado, na IC com FE preservada não há recomendações para tratamento
específico, tais como inibidores da ECA, pelo que o tratamento deve ser direcionado ao controlo
de potenciais fatores de risco como HTA e à presença de outras co morbilidades como FA e diabetes
(12).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
31
7. Avaliação do Consumo de Álcool
Dada a prevalência e o impacto do potencial abuso de álcool é importante que os médicos
reconheçam e avaliem o consumo deste nos seus pacientes (16). Aproximadamente 20 a 30% dos
pacientes internados num hospital são consumidores abusivos de álcool, pelo que, na prática
médica corrente é essencial que os níveis de consumo dos pacientes sejam conhecidos, sob risco
de potenciar reações adversas no decurso dos cuidados médicos administrados por rotina (90).
Estima-se que os distúrbios relacionados com o álcool (dependência e abuso) afetem 3,6%
da população mundial entre os 15 e os 64 anos (31). Portugal é dos países membros da União
Europeia com um dos maiores consumos de bebidas alcoólicas e com maior prevalência de
distúrbios relacionados com o álcool, que englobam várias consequências negativas, não só ao nível
particular, mas também ao nível familiar (3).
De acordo com as Dietary Guidelines for Americans 2010-2015, se álcool for consumido,
deve ser com moderação, isto é, até uma bebida por dia para as mulheres (14g/dia) e até duas
bebidas por dia para os homens (28g/dia) e apenas por adultos com idade legal para beber.
Contudo, não se recomenda que os indivíduos que não bebem álcool comecem a consumir ou que
se aumente o consumo (23). Segundo a OMS não há consumo de álcool seguro, apesar de existir,
obviamente, consumo de baixo risco. O ideal para a saúde é precisamente abster-se do consumo,
dado que para quase todas as patologias há uma relação dose-resposta, pelo quanto maior o
consumo, maior o risco (17).
Uma discussão sobre a ingestão de álcool deve fazer parte do aconselhamento preventivo
de rotina em pacientes com patologia cardíaca. Nestes pacientes devemos ser cautelosos sobre as
recomendações no que concerne ao consumo de álcool devido ao potencial risco de abuso e
promoção de consumos excessivos (7). Pode ser mais apropriado sugerir outros agentes que atuem
de forma semelhante e que possam fornecer os mesmos efeitos benéficos sem a complicação da
possível dependência (29).
A avaliação da ingestão de álcool é, particularmente nos alcoólatras, uma tarefa difícil. O
conhecido questionário CAGE têm uma sensibilidade de até 91% e uma especificidade de até 89%
para discriminar entre pacientes alcoólicos e não alcoólicos. O valor preditivo negativo do
questionário CAGE na deteção de consumo excessivo e alcoolismo é de 98%. Esse resultado se
compara favoravelmente ao valor preditivo negativo dos marcadores bioquímicos GGT e VCM, que
são 86% e 84%, respetivamente (53). O questionário CAGE é caracterizado pela sua brevidade e
simplicidade, contemplando apenas quatro questões que visam os sintomas nucleares da
dependência alcoólica (Cut, Annoyed, Guilty e Eye-opener) (3). O Alcohol Use Disorders
Identification Test (AUDIT) é outro método de deteção precoce de transtornos por consumo de
álcool, desenvolvido e recomendado pela OMS a partir do ano 1989. É composto por dez perguntas,
das quais três são dirigidas ao consumo (frequência e quantidade), três à dependência e quatro a
problemas causados pelo consumo. O estudo de validação original do AUDIT apresentou uma
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
32
sensibilidade de 92% e uma especificidade de 94% para um ponto de corte de 8 pontos na deteção
de consumos de risco e nocivo atuais. O AUDIT-C, uma versão reduzida do AUDIT que contempla
apenas as primeiras três primeiras questões, foi testado no sentido de tonar o questionário mais
breve e rastrear pessoas com consumo excessivo de álcool (2, 3).
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
33
8. Conclusão O consumo crónico excessivo de álcool revela outcomes clínicos negativos para a saúde
cardiovascular, ao passo que o seu consumo moderado tem efeitos positivos. A verdadeira questão
consiste, no entanto, em distinguir quantitativamente um consumo moderado de um consumo
excessivo. Como descrito, os estudos apresentam critérios pouco rígidos nas suas definições
quantitativas de consumo ligeiro, moderado e excessivo e por isso mesmo as conclusões não podem
ser generalizadas. Para estudos desenvolvidos num mesmo país são feitas várias adaptações da sua
definição de standard drink, o que torna ainda mais difícil comparar e generalizar resultados. Por
outro lado, fatores de vulnerabilidade individual não permitem prever o efeito que um
determinado consumo de álcool possa vir a ter naquele indivíduo. Por isso mesmo, e
diferentemente de outras recomendações, a OMS refere que não há consumo de álcool seguro,
dado que para quase todas as patologias há um efeito dose dependente.
Cerca de um milhão e setecentos mil portugueses apresentam um consumo excessivo de álcool.
No ano de 2010, o consumo total estimado per capita para a população com 15 ou mais anos de
idade foi de 12,9L, o que corresponde aproximadamente ao dobro da quantidade média de
consumo a nível mundial. Por tal, Portugal ocupa uma posição preocupante no que respeita ao
consumo de álcool (1, 3). Neste contexto, é preciso ter especial atenção às recomendações
prestadas no que respeita ao consumo de álcool, até porque a linha que separa os seus efeitos
benéficos dos seus efeitos prejudiciais é facilmente ultrapassada correndo o risco de promovermos
consumos excessivos, abuso e dependência.
O consumo crónico e excessivo de álcool pode conduzir a uma disfunção cardíaca progressiva
e miocardiopatia alcoólica (13). Na verdade, a etiologia alcoólica é responsável por 20 a 30% do
número de novos casos de miocardiopatia, sendo que quase um terço dos indivíduos com consumo
crónico de álcool apresenta disfunção cardíaca, caracterizada pela presença de um tipo específico
de miocardiopatia dilatada, designada por miocardiopatia alcoólica (4, 7). Apesar de estimar-se
um mínimo de 10 anos de consumo excessivo para o início da insuficiência cardíaca, alguns
consumidores pesados de álcool nunca chegam a desenvolver miocardiopatia alcoólica, ao passo
que outros consumidores moderados podem estar em risco de a desenvolver (7). Fatores genéticos
podem determinar uma predisposição individual, tanto para o desenvolvimento da miocardiopatia
alcoólica como para o desenvolvimento de distúrbios relacionados com o álcool, como abuso e
dependência. Por outro lado, co morbilidades concomitantes como consumo de tabaco,
hipertensão arterial e desnutrição aumentam o risco de desenvolver miocardiopatia alcoólica. No
conjunto, vários fatores, além da quantidade e tempo de consumo, determinam o desenvolvimento
da patologia.
A exata prevalência da miocardiopatia alcoólica permanece por determinar (12). Verifica-se
por exemplo que alguns casos diagnosticados como miocardiopatia dilatada idiopática têm na
verdade uma etiologia específica, onde se inclui o consumo de álcool (56). Habitualmente a
miocardiopatia alcoólica apresenta-se mais frequentemente em homens entre os 35 e 60 anos de
Álcool e Miocardiopatia Dilatada
34
idade (63, 65). Entretanto verifica-se que as mulheres desenvolvem miocardiopatia alcoólica para
níveis de consumo mais baixos que os homens, o que indica que há uma maior suscetibilidade aos
efeitos do álcool por parte destas.
Vários mecanismos relacionados com o metabolismo oxidativo do álcool estão subjacentes ao
desenvolvimento desta patologia, nomeadamente a disfunção mitocondrial e sarcoplasmática,
alterações na homeostasia do cálcio, alteração na expressão e síntese proteica com fragmentação
e desordem das proteínas contractéis, formação de aductos pela ligação dos aldeídos aos lípidos,
proteínas e ADN, stress oxidativo, ativação do sistema renina-angiotensina e apoptose dos miócitos
com consequente disfunção ventricular. A deficiência de tiamina pode contribuir para os efeitos
nocivos do álcool no miocárdio, mas está estabelecido que a lesão do miocárdio pode ocorrer de
modo independente das carências nutricionais. Aditivos como o cobalto foram já proibidos dada a
toxicidade deste oligoelemento, o pelo que já não representam atualmente uma causa comum de
lesão do miocárdio.
Na miocardiopatia alcoólica são reconhecidas duas fases distintas na sua história natural da
doença, uma fase inicial pré-clinica/assintomática, caracterizada por dilatação do ventrículo
esquerdo, associada ou não a disfunção diastólica e uma segunda fase clínica, com sintomas e
sinais clássicos de insuficiência cardíaca. A deteção precoce dos sinais ecocardiográficos
indicadores de anormalidades cardíacas pode levar à antecipação do tratamento, reversão da
disfunção do ventrículo esquerdo e consequentemente, a um melhor prognóstico (80). Mais
consistentemente detetam-se achados ecocardiográficos que remetem para uma disfunção
diastólica precoce em doentes assintomáticos. Entretanto Urbano-Marquez et al evidenciam no
seu estudo alterações que apontam para disfunção sistólica precoce.
Há ainda uma forte associação entre consumo de álcool e arritmias, sendo especialmente
verdadeiro para as arritmias supraventriculares, particularmente a fibrilhação auricular (74). É
sobretudo relevante o risco aumentado de taquicardia ventricular e morte súbita cardíaca nos
indivíduos com ingestão excessiva de álcool, em provável associação com a hipomagnesémia e
prolongamento do QT. A hipomagnesémia é o distúrbio eletrolítico mais comum nos consumidores
de álcool, com uma prevalência de 30% (79).
No que respeita ao tratamento do individuo com miocardiopatia alcoólica deve-se ter em
consideração dois grandes objetivos: prevenir lesões adicionais ao miocárdio, através da
interrupção do consumo de álcool, e reduzir a dilatação cardíaca (15). O papel da abstinência
nestes indivíduos é discutível. Se por um lado apenas um terço dos pacientes alcoólicos é capaz
de manter a abstinência ao fim de 4 anos, por outro, há estudos que referem igual benefício para
consumos moderados, com aumentos igualmente importantes da fração de ejeção do ventrículo
esquerdo. No sentido de ajudar o individuo a manter a abstinência, pesquisas recentes sugerem
efeitos benéficos em utilizar tratamentos farmacológicos adjuvantes.
Aproximadamente 20 a 30% dos pacientes internados num hospital são consumidores abusivos
de álcool, pelo que, na prática médica corrente é essencial que os níveis de consumo dos pacientes
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35
sejam conhecidos, sob risco de potenciar reações adversas no decurso dos cuidados médicos
administrados por rotina (90). Uma discussão sobre a ingestão de álcool deve fazer parte do
aconselhamento preventivo de rotina em pacientes com patologia cardíaca (7). Sugerimos que a
baixa ingestão de álcool oferece efeitos cardiovasculares benéficos, no entanto, é preciso cautela
sobre as recomendações no que concerne ao consumo de álcool devido ao potencial risco de abuso
e promoção de consumos excessivos, o que a longo prazo se pode traduzir no desenvolvimento da
miocardiopatia alcoólica.
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