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EIA/RIMA AHE BELO MONTE ESTUDO SOCIOAMBIENTAL
COMPONENTE INDGENA
GRUPO JURUNA DO KM 17
Maria Elisa Guedes Vieira (Coordenadora)
Claudio Emidio Silva
Flvia Pires Nogueira Lima Jaime Ribeiro Carvalho Jr. Noara Modesto Pimentel
Braslia, maro/2009
Grafismo: guas do Xingu Sheila Juruna
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SUMRIO Pg.
5.1 Introduo ........................................................................................................................ 5 5.2 Diagnstico SociambientaL............................................................................................ 8 5.2.1 Aspectos Metodolgicos ............................................................................................. 8
5.2.2 rea Indgena Juruna do Km 17........................................................................ 11 5.2.2.1 Localizao e caracterizao geral ................................................................ 11 5.2.2.2 Histrico da ocupao e situao fundiria.................................................. 13 5.2.2.3 O Entorno da rea Indgena ........................................................................... 15 5.2.3 Os Juruna ............................................................................................................ 18 5.2.3.1 Histrico Juruna .............................................................................................. 18 5.2.3.2 Organizao social, poltica e espacial do grupo Juruna do Km 17........... 24 5.2.3.3 Aspectos culturais e religiosos...................................................................... 28 5.2.3.4 As lideranas do Km 17 e contatos polticos................................................ 33 5.2.3.5 Insero nas Polticas Pblicas ..................................................................... 35
5.2.3.5.1 A Rede de Relaes Institucionais da Comunidade Juruna do Km 17 35 5.2.3.6 As Polticas Pblicas Federais ................................................................... 40
5.2.3.7 Polticas Estaduais Relativas aos Povos Indgenas do Par ...................... 56 5.2.3.8 Polticas pblicas do municpio de Vitria do Xingu ................................... 67 5.2.3.9 Organizaes no Governamentais e Movimentos Sociais ........................ 70 5.2.4 Meio Fsico e Bitico .......................................................................................... 77 5.2.4.1 Geomorfologia ................................................................................................. 77 5.2.4.2 Geologia ........................................................................................................... 80 5.2.4.3 Solos ................................................................................................................. 82 5.2.4.4 Recursos Hdricos ........................................................................................... 85 5.2.4.5 Caracterizao vegetal .................................................................................... 88 5.2.4.5.1 Caracterizao fitofisionmica da regio................................................... 88 5.2.4.5.2 Caracterizao Fitofisionmica da rea Indgena Juruna do Km 17....... 93 5.2.4.6 Fauna ................................................................................................................ 96 5.2.4.7 Ictiofauna.......................................................................................................... 99 5.2.4.8 Tipologias ambientais na viso Juruna....................................................... 104 5.2.4.9 Mapeamento/Unidades de Paisagens.......................................................... 109 5.2.4.10 reas de Preservao Permanente............................................................ 113 5.2.4.11 reas degradadas........................................................................................ 114 5.2.5 Uso dos Recursos Naturais e Subsistncia................................................... 116 5.2.5.1 Atividades de Subsistncia .......................................................................... 116 5.2.5.2 Agricultura Juruna......................................................................................... 120 5.2.5.3 Extrativismo Florestal ................................................................................... 122 5.3 Identificao e Avaliao dos Impactos Socioambientais .............................. 128 5.3.1 Conceitos e Termos Adotados........................................................................ 128
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5.3.2 Avaliao de impactos do AHE Belo Monte pelos Juruna do Km 17 .......... 134 5.3.3 Avaliao tcnica de impactos socioambientais........................................... 146 5.3.3.1 Mobilizao e participao dos Juruna do Km 17 nas discusses sobre os projetos de implantao das usinas hidreltricas do rio Xingu............................ 148 5.3.3.1.1 Fortalecimento da Comunidade Juruna do Km 17 como Grupo tnico 149 5.3.3.2 Expectativa da comunidade em relao construo de barragens no rio Xingu, desinformao e confuso sobre a implementao do empreendimento ..................................................................................................................... 150 5.3.3.3 Insegurana quanto a Oferta de Trabalho, Capacitao Tcnica e Posicionamentos Polticos ....................................................................................... 151 5.3.3.4 Aumento populacional dos municpios de Altamira e Vitria do Xingu... 151 5.3.3.4.1 Intensificao do Preconceito com Relao aos Indgenas................... 152 5.3.3.4.2 Aumento da Invaso da rea Indgena..................................................... 152 5.3.3.4.3 Concorrncia por Vagas nas Escolas....................................................... 153 5.3.3.4.4 Intensificao da Sobreexplorao dos Recursos Naturais na Regio do Entorno da rea Indgena Juruna do Km 17 ........................................................... 153 5.3.3.4.5 Aumento de Doenas e Introduo de outras Endemias ....................... 156 5.3.3.4.6 Dificuldade de Acesso aos Servios de Sade ....................................... 157 5.3.3.4.7 Aumento do Trfego de Veculos e Pessoas na Rodovia PA 415.......... 157 5.3.3.4.8 Aumento do Risco de Violncia ................................................................ 160 5.3.3.4.9 Diminuio da Oferta Protica Oriunda de Peixes, Carnes de Caa e Tracajs ...................................................................................................................... 160
5.4 Plano de Mitigao e Compensao Socioambiental Juruna do Km 17 .......... 161 5.4.1 Programa de Integridade e Segurana Territorial ......................................... 165 5.4.1.1 Projeto de Regularizao Fundiria e Proteo Ambiental ....................... 166 5.4.1.2 Projeto de Segurana Territorial .................................................................. 166 5.4.1.3 Projeto de Preveno e Sinalizao da Rodovia PA 415 ........................ 167
5.4.2 Programa de Fortalecimento da Comunidade Juruna do Km 17......................... 168 5.4.2.1 Projeto de Resgate da Lngua Juruna ................................................................. 169 5.4.2.2 Projeto de Educao para os Juruna .................................................................. 169 5.4.2.3 Projeto de Resgate e Valorizao Cultural Juruna............................................. 170 5.4.3 Programa de Sustentabilidade Econmica da Populao Indgena.................... 171 5.4.3.1 Projeto de Desenvolvimento de Atividades Produtivas .................................... 172 5.4.3.2 Projeto de Capacitao da Populao Indgena para Desenvolvimento de Atividades Produtivas ....................................................................................................... 173 5.4.3.3 Projeto de Recuperao e Reincorporao Produtiva das reas Degradadas174 5.4.4 Programa de Sade Indgena .................................................................................. 174 5.4.4.1 Projeto de Sade dos Juruna do km 17 .............................................................. 175 5.4.5 Programa de Melhoria da Infraestrutura Coletiva da rea Indgena ................... 176 5.4.5.1 Projeto Melhoria de Edificaes e Infraestrutura Coletiva ................................ 177 5.4.5.2 Projeto de Readequao do Sistema de Abastecimento de gua ................... 178 5.4.5.3 Projeto de Esgotamento Sanitrio e Disposio de Resduos ......................... 179 5.4.6 Programa de Interao Social e Comunicao com a Populao Indgena ....... 179
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5.4.6.1 Projeto de Fortalecimento da Associao Indgena dos Juruna ...................... 181 5.4.6.2 Projeto de Educao Ambiental Indgena ........................................................... 181 5.4.6.3 Projeto de Comunicao para a Populao Indgena ........................................ 182 5.5 Bibliografia ................................................................................................................... 184 5.6. Equipe Tcnica ........................................................................................................... 194
ANEXOS I. RVORE GENEALGICA
II. MAPA DE USO DOS RECURSOS NATURAIS E APPs
III. MAPA FALADO
IV. MATRIZ DE AVALIAO DE IMPACTOS JURUNA KM 17
V. MATRIZ DE AVALIAO DE IMPACTOS TCNICA
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5.1 Introduo
Este relatrio tem como objetivo apresentar os Estudos Socioambientais do
Componente Indgena, referentes rea Indgena Juruna do Km 17, conforme
Termo de Referncia elaborado pela Fundao Nacional do ndio Funai,
relacionados aos Estudos de Impacto Ambiental EIA-RIMA, do Projeto de
Aproveitamento Hidreltrico (AHE) Belo Monte.
Este grupo Juruna habita uma rea localizada s margens da rodovia Ernesto
Accioly (PA-415), no municpio de Vitria do Xingu, estado do Par, fazendo parte
da rea de Influncia Direta AID do Meio Socioeconmico, do AHE Belo Monte.
Precedendo o primeiro deslocamento a campo da equipe tcnica responsvel pelos
estudos, em junho de 2008 realizaram-se duas reunies em Braslia para elaborao
do Plano de Trabalho, consoante o Termo de Referncia supramencionado.
Posteriormente, no ms de julho, foram discutidas a metodologia e o planejamento
logstico para o incio dos trabalhos de campo1.
Foram tambm realizadas duas reunies com membros do Ministrio Pblico
Federal, uma em Belm, em outubro/2008, com o procurador Felcio Pontes2 e outra
em Altamira, com o procurador Alan Mansour Silva. Ambas as reunies tiveram o
intuito de apresentar a equipe responsvel por esses estudos, prestar
esclarecimentos sobre o Plano de Trabalho, mtodos de pesquisa e informar
brevemente sobre o incio dos estudos.
Os trabalhos de campo foram realizados nos seguintes perodos: de 26 a 29 de
agosto de 2008; de 13 a 22 de outubro de 2008; de 16 a 20 de novembro; de 06 a
10 de fevereiro de 2009. A equipe responsvel pelos estudos, alm de atividades na
prpria terra indgena, na fase de campo no ms de outubro, fez levantamento de 1 Pontua-se que, inicialmente a equipe tcnica props a realizao do estudo do Componente Indgena, referente aos dois grupos - TI Paquiamba e Km 17 com durao de 10 meses, entretanto, ao longo dos trabalhos foi sinalizada, atravs de relatrio de viagem do primeiro campo e de solicitao via e-mail, a necessidade de ampliao desses prazos, objetivando um tempo mais vivel para a anlise e produo do relatrio final, vindo a possibilitar a apresentao do produto com melhor qualidade. Contudo, em razo dos prazos j estipulados pelo governo federal e rgos relacionados anlise do EIA/RIMA Belo Monte, a prorrogao desses prazos no foi autorizada. 2 Nesta reunio, alm do procurador estavam presentes Maria Elisa, Flvia Lima, Cludio Emdio e Jaime Carvalho.
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dados em Belm, Altamira e Vitria do Xingu, visitando instituies com atividades
relacionadas s terras e populaes indgenas.
Em duas oportunidades, durante o trabalho de campo, foram realizadas reunies
com a comunidade Juruna para prestar esclarecimentos sobre o empreendimento
ora em avaliao. A primeira ocorreu no dia 17 de novembro, para apresentao do
projeto do AHE Belo Monte e respectivas etapas de construo, apontando-se
alguns impactos j identificados pelos tcnicos responsveis pela elaborao do
EIA-RIMA. Estes esclarecimentos foram prestados pelo gelogo Bruno Payolla, da
Eletronorte, e pelo socilogo Maurcio Moreira, da LEME Engenharia. A reunio
contou com a participao da maioria dos membros da comunidade e, em
decorrncia de dvidas e questionamentos suscitados pelos presentes, foi
necessrio discorrer tambm sobre o projeto Karara, esclarecendo que o AHE Belo
Monte no se trata do mesmo empreendimento. A segunda reunio ocorreu no ms
de fevereiro/2009, e foi mais uma vez necessrio dirimir dvidas que ainda restaram
quanto diferena entre o projeto Karara e o AHE Belo Monte, com a presena do
gelogo Bruno Payolla.
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FIGURA 1 - Reunio Km 17 esclarecimentos sobre o AHE Belo Monte - (foto 1 e 2: reunio em
novembro de 2008; Foto 3 e 4: Reunio em fevereiro de 2009).
O presente relatrio ser apresentado em duas partes, a primeira englobando o
Diagnstico Socioambiental e subitens aspectos metodolgicos, rea indgena
Juruna do Km 17, os Juruna, Meio Fsico e Bitico, Usos dos Recursos Naturais e
Subsistncia, e a segunda englobando a Avaliao de Impactos e Medidas
Mitigadoras e Compensatrias. Vale lembrar que, de acordo com entendimento
prvio com a contratante, os itens do Plano de Trabalho referentes aos estudos
sobre a qualidade da gua, bem como a caracterizao dos efeitos de sinergia
decorrentes dos barramentos ao longo da bacia hidrogrfica do rio Xingu, no
ficaram a cargo desta equipe tcnica.
Pontua-se que desde o incio dos estudos a comunidade sinalizou sua posio
contrria construo do AHE Belo Monte. Esta, durante todo o processo, destacou
sua preocupao com relao aos impactos que podero decorrer da
implementao do projeto, os quais acreditam que podero afetar no apenas o seu
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territrio, mas a cidade de Altamira e toda a regio da Volta Grande do Xingu. E que
se consideram mais vulnerveis que os demais grupos afetados, tanto em relao
aos aspectos polticos quanto econmicos. Contudo entendem que esses estudos
tm o objetivo de garantir direitos relacionados populao indgena afetada pelo
empreendimento, caso o Ibama venha a indicar a viabilidade do mesmo e conceder
a Licena Prvia para a realizao do Leilo Pblico. Dentro desta perspectiva a
participao da comunidade foi intensa, tanto na parte de diagnstico quanto na
avaliao de impactos e proposio de medidas mitigadoras e compensatrias.
5.2 Diagnstico Sociambiental 5.2.1 Aspectos Metodolgicos
Inicialmente, com o objetivo de obter a anuncia das comunidades indgenas
diretamente afetadas pelo AHE Belo Monte, com vistas ao incio dos Estudos
Socioambientais, foram realizadas apresentaes das equipes tcnicas3 s
comunidades indgenas, feitas por representante da Coordenao Geral de
Patrimnio Indgena e Meio Ambiente CGPIMA, da Funai sede, contando tambm
com representantes da Administrao Executiva Regional da Funai em Altamira, da
Eletronorte e THEMAG Engenharia. Tais apresentaes ocorreram entre os dias 12
e 14 de agosto de 2008, na comunidade Juruna do Km 174, Terra Indgena Arara da
Volta Grande do Xingu5 e Terra Indgena Paquiamba, respectivamente.
Aps contextualizao sobre as etapas do estudo e do processo de licenciamento
ambiental pela representante da CGPIMA/Funai, todos os membros da equipe se
apresentaram e fizeram uma breve explanao da metodologia e durao dos
estudos. Em todas as apresentaes realizadas, as comunidades presentes deram
suas respectivas anuncias, tanto para a composio da equipe tcnica quanto para
o incio dos estudos. Uma vez finalizadas as apresentaes, a representante da
3 A equipe tcnica responsvel pelos estudos da TI Paquiamba e comunidade Juruna do Km 17 composta por Maria Elisa Guedes Vieira (antroploga/coordenadora); Flvia Pires Nogueira Lima (gegrafa); Cludio Emidio Silva (bilogo), Jaime Ribeiro Carvalho Jr. (pedagogo/etno-ictiologista) e Noara Pimentel (engenheira florestal). 4 Cabe aqui mencionar a presena da imprensa local no caso, a TV Liberal , na reunio de apresentao realizada na comunidade Juruna do Km 17, no dia 12 de agosto. Os jornalistas foram recebidos pela representante da Funai/BSB, que esclareceu a finalidade da reunio e, juntamente com um dos lderes do povo Juruna, no permitiu a realizao de filmagem. 5 Apesar de no fazer parte da equipe tcnica responsvel pelos estudos na TI Arara, fomos tambm apresentados comunidade Arara, para conhecimento, por parte dos indgenas, de todos os tcnicos que estariam realizando pesquisa na regio.
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CGPIMA procedeu entrega, s lideranas indgenas, do Plano de Trabalho que iria
nortear os trabalhos.
FIGURA 2 - Tcnica da Funai entregando o Plano de Trabalho para os lderes da comunidade
(Cndida Juruna e Caboclo Juruna).
O estudo foi essencialmente pautado em pesquisa de campo, com foco na
observao do cotidiano indgena, bem como na participao da comunidade
indgena, adotando-se preferencialmente metodologias participativas, em especial o
Diagnstico Rpido Participativo DRP. Destacaram-se as seguintes ferramentas e
atividades utilizadas pela equipe tcnica: reunies com a comunidade, entrevistas
individuais, roteiro semi-estruturado (memria), censo indgena, mapa social da
aldeia, diagrama de Venn, mapa falado, calendrio sazonal, tnel do tempo, trilha
acompanhada, censo qualitativo de fauna (mamferos, aves e rpteis), pescarias e
coletas acompanhadas, rvore de problemas, chuva de idias e matriz de impacto.
Foi tambm realizado um sobrevo.
Todos os mtodos foram desenvolvidos com a participao intensa da comunidade,
sendo que algumas informaes, como por exemplo a quantificao das frutferas, o
levantamento das espcies de rvores, entre outros, foram coletadas por membros
da comunidade aps uma breve capacitao.
No caso especifico do diagnstico da ictiofauna, houve algumas peculiaridades que
merecem ser esclarecidas. Foi necessrio fazer excurses ao longo do igarap Boa
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Vista, at a regio do rio Ponte Nova, j fora da rea indgena. Outra especificidade
que, para a caracterizao das espcies, foi necessria a realizao de coletas,
entretanto, aps os procedimentos de medio e observao, os membros da
comunidade separavam as espcies de interesse alimentar para sua utilizao e
soltavam o restante dos peixes no mesmo local de coleta. Neste levantamento
tambm foi realizada dinmica de etnobiologia e educao ambiental com os
membros da comunidade.
Com o objetivo de conhecer os locais onde se planeja a construo dos canais e
respectivo reservatrio do AHE Belo Monte e na tentativa de se obter uma melhor
compreenso do empreendimento e das repercusses que adviro caso se delibere
pela sua implementao, foi realizado o deslocamento pelos travesses da
Transamaznica, juntamente com as lideranas indgenas Sheila Juruna e Caboclo
Juruna e um representante da comunidade Juruna de Paquiamba.
Outra atividade de destaque, realizada fora da rea, foi um passeio histrico,
percorrendo desde Altamira at a rea Indgena Juruna do Km 17, que contou com
a participao dos indgenas Maria Cndida Juruna, Virglio Juruna e Antnio
Juruna. Na oportunidade, refez-se o caminho percorrido na dcada de 1950, quando
o grupo indgena chegou regio, visando a favorecer a rememorao de episdios
ocorridos que pudessem contribuir para enriquecer o histrico do grupo.
Subjacente metodologia adotada est o entendimento de que o dilogo com a
comunidade um elemento primordial para o andamento dos estudos, objetivando
adequada descrio e ao entendimento de seu modo de vida. Especialmente no
que se refere relao dos indgenas com seu territrio, ao uso dos recursos
naturais, relao com o entorno (grupos indgenas, ribeirinhos, fazendeiros,
instituies, cidades), bem como ao conhecimento e compreenso dos mesmos
sobre construo e operao do AHE Belo Monte.
Foi tambm realizada pesquisa bibliogrfica, documental e cartogrfica e visitas a
vrias instituies com atuao na questo indgena. Em Belm, foi contatada a
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Coordenao de Proteo dos Direitos dos Povos Indgenas e Populaes
Tradicionais da Secretaria de Estado de Justia e Direitos Humanos do Estado do
Par SEJUDH; a Secretaria de Estado da Agricultura do Estado do Par, mais
especificamente com o Grupo de Trabalho e Estudo Indgena/Quilombola, da
Diretoria de Agricultura Familiar DIAFAM/SAGRI, e a Fundao Curro Velho. Em
Vitria do Xingu, foram feitos contatos com a Prefeitura Municipal, a Secretaria de
Educao, o Ponto no Xingu/Ponto de Cultura6 e Sala Verde7. Em Altamira, os
tcnicos visitaram a Administrao Executiva Regional da Funai, o Distrito Sanitrio
Especial Indgena DSEI/Funasa, a Secretaria de Educao do municpio, o Ibama,
a Procuradoria da Repblica, o Conselho Indigenista Missionrio CIMI/Regio
Norte II e a Fundao Viver, Produzir e Preservar FVPP.
5.2.2 rea Indgena Juruna do Km 17 5.2.2.1 Localizao e caracterizao geral
A rea Indgena Juruna do Km 178, localiza-se no municpio de Vitria do Xingu,
margem da rodovia Ernesto Accioly (PA-415), no seu Km 17, sentido Altamira -
Vitria do Xingu. A rea indgena faz limite com uma fazenda e, apenas na sua
poro leste com a rodovia PA-415. A pequena micro-bacia da rea, denominada
igarap Boa Vista, homnima ao ncleo familiar indgena, contribuinte do igarap
Ponte Nova, afluente do rio Joa, que desgua no rio Xingu.
6 Projeto apoiado pelo Ministrio da Cultura. 7 Projeto apoiado pelo Ministrio do Meio Ambiente. 8
Segundo a classificao adotada no EIA/RIMA para caracterizao da AID do Meio Socioeconmico, a comunidade Juruna do Km 17 localiza-se na Subrea Rural Jusante (Subrea 3), a qual est relacionada com a rea de jusante da Casa de Fora Principal do AHE Belo Monte, abrangendo a poro do municpio de Vitria do Xingu acima da rodovia Transamaznica e parte do municpio de Senador Jos Porfrio (EIA/RIMA AHE Belo Monte, vol. 17, p.28).
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FIGURA 3 - Localizao da rea Indgena Km 17.
Esta rea ainda no passou pelos trmites legais com vistas sua regularizao
fundiria como terra indgena e tambm no possui nenhum tipo de titulao. O
documento que a comunidade possui a Autorizao de Ocupao 4.01.82.1/2758,
expedida no ano de 1974, pelo Instituto Nacional de Reforma Agrria Incra, em
Altamira PA. Nesta autorizao citado que a rea possui aproximadamente 50
hectares.
Nos levantamentos de campo para elaborao deste estudo foi feita medio da
rea atual, utilizando GPS, acompanhando a cerca que delimita o terreno. Com esta
atividade, ficou demonstrado que a rea atualmente tem aproximadamente 36
hectares.
A comunidade habita uma nica aldeia, que possui seis casas dispersas, uma
escola, casa de farinha, um quiosque com cobertura de palha e um campo de
rea Indgena Juruna do km 17
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futebol. A comunidade possui energia eltrica. A instalao da estrutura para
abastecimento de gua foi iniciada pela prefeitura, mas ainda no foi finalizada.
FIGURA 4 - casas e quiosque da comunidade Juruna km 17.
5.2.2.2 Histrico da ocupao e situao fundiria Resgatando o histrico de ocupao, verifica-se que a famlia extensa de Francisca
de Oliveira Lemos Juruna, falecida em 2001, mora neste local desde o ano de 1951.
Anteriormente morava no barraco denominado Iucat, situado no alto Iriri. Sendo
que, devido crise da borracha e a dvidas junto aos regates, migraram para
Altamira e compraram um terreno de 1.500 hectares, onde hoje vive a comunidade
do Km 17.
Neste terreno, viviam da criao de animais e da agricultura. O filho mais velho,
Olimpio Juruna, montou uma serraria e utilizava a madeira do local para a confeco
de tbuas. Aps a morte do marido de Francisca Juruna, em 1957, a maior parte da
terra foi vendida por Olimpio Juruna, sem o conhecimento da famlia, ao mesmo
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tempo em que foi desativada a serraria. Na ocasio, um dos compradores chegou a
avanar um pouco mais pelos fundos (16 tarefas, ou seja, aproximadamente 5
hectares), e a rea, que foi comprada por um fazendeiro, atual proprietrio,
permanecendo com este erro de limite. Assim, a rea Juruna sofreu mais esta
reduo. Uma outra parte foi doada a amigos de D. Francisca, os quais
posteriormente a venderam a terceiros.
Em 1974 foi expedida pelo Incra uma autorizao de ocupao, onde consta que a
rea possui 50 hectares. A famlia afirma que o Incra chegou a demarcar as laterais
do terreno, mas no os fundos.
Um dos membros da comunidade, o Sr. Antnio Juruna, possui um terreno
localizado do outro lado da rodovia, defronte comunidade, medindo 22 hectares,
que utiliza para suas atividades agrcolas. Ele deu entrada ao processo de
regularizao fundiria junto ao Incra, mas ainda no possui a escritura.
A partir do movimento de reivindicao da comunidade por seu reconhecimento
enquanto grupo tnico diferenciado, desde o ano de 2000, foi encaminhada Funai
solicitao de regularizao fundiria da rea Indgena Juruna do Km 17.
Em 2005, a partir de questionamento feito pelo Ministrio Pblico ao rgo
indigenista acerca dos procedimentos visando ao reconhecimento do grupo Juruna,
foi organizada uma visita instituio de 6 ndios Juruna oriundos do Parque
Indgena do Xingu - PIX, com o objetivo de confirmarem a descendncia Juruna do
grupo habitante do Km 17. Aps este encontro, os representantes Juruna do PIX encaminharam Administrao Executiva Regional em Altamira e sede da Funai
um documento confirmando a identidade indgena do grupo Juruna do Km 17 e
tambm solicitando a regularizao fundiria de sua terra. Entretanto at a presente
data o rgo indigenista no respondeu a esta demanda.
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5.2.2.3 O Entorno da rea Indgena No entorno da rea Indgena Juruna do Km 17 predominam grandes fazendas de
criao de gado e pastos. No municpio de Vitria do Xingu, a atividade pecuria
praticada principalmente em mdios e grandes estabelecimentos, enquanto que a
produo de mandioca predomina nos pequenos estabelecimentos. A mo-de-obra
utilizada para a lavoura , em grande medida, a familiar. No entanto, quando se faz
necessria a utilizao de mo-de-obra extra, so contratados trabalhadores para a
limpeza da terra e plantio, com pagamento de dirias no valor de cerca de R$15,009.
FIGURA 5 - Paisagem do entorno da comunidade Juruna do Km17.
A rea rodeada por uma fazenda, cuja principal atividade a pecuria. Esta
propriedade possui um fragmento de floresta, ao longo do igarap Boa Vista, que se
conecta com o remanescente florestal do lote da comunidade Juruna.
O igarap Boa Vista, que nasce na terra dos Juruna do Km 17, foi barrado para
formao de uma aude, que terminou por alagar uma poro da terra Juruna. No
tendo os Juruna em momento algum sido consultados sobre a construo deste
aude. Por relao de amizade e respeito, os ndios no o utilizam para as suas
atividades de sobrevivncia, somente eventualmente para lazer. Em termos gerais,
observa-se uma boa relao de vizinhana com o proprietrio da fazenda vizinha,
Sr. Maurcio Bastazin, no entanto, reclamam da cerca eletrificada colocada, bem
como de proibies e restries relacionadas caa no fragmento florestal e
pesca no aude.
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EIA/RIMA AHE Belo Monte, vol. 17, p.163.
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A rodovia Ernesto Accioly (PA-415), localizada no limite leste da rea indgena, liga
a cidade de Altamira de Vitria do Xingu, e interliga-se Rodovia Transamaznica
(BR-230), na regio que os Juruna denominam Lama Preta. Pela rodovia os
passageiros e cargas da regio chegam ao Porto de Vitria do Xingu, que o nico
acesso comunidade Juruna. Recentemente foi pavimentada, sendo integrante do
Programa Caminhos das Parcerias, por meio do qual recebeu um investimento de
R$25 milhes, via financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico
e Social BNDES. As obras de pavimentao duraram cerca de seis meses,
segundo informado pelos Juruna, e foram concludas em abril de 2008.
Figura 6 - Rodovia PA-415 Figura 7 - Placa informativa da pavimentao
da rodovia PA-415
A pavimentao da rodovia PA-415 trouxe alguns benefcios para os Juruna do Km
17, pois tornou o acesso melhor e mais rpido s cidades de Altamira e Vitria do
Xingu, alm de ter reduzido a poeira que era levantada com o trnsito de veculos.
Por outro lado, o trfego e o nmero de acidentes de trnsito foram intensificados, a
velocidade dos veculos aumentou e a comunidade est se sentindo mais exposta,
pois vive beira da estrada, vulnervel entrada de estranhos.
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Figura 8 - Trfego da rodovia PA-415. Figura 9 - Riscos de acidentes na rodovia PA-415.
Em virtude da proximidade, da oferta de servios e da grande quantidade de
parentes, so realizados freqentes deslocamentos para a cidade de Altamira. A
comunidade est a 17 Km da cidade de Altamira e a cerca de 30 km de Vitria do
Xingu.
Ao longo da rodovia PA-415 localizam-se vrias estradas vicinais, que so
denominadas de ramais, tais como o Ramal do Cco, o Ramal da Floresta, o Ramal
do Bananal, o Ramal Boa Vista. Alm de pastagens - algumas com gado, outras
abandonadas existem alguns stios e sedes de fazendas. Tambm h dois ncleos
populacionais, sendo um deles o de Michila, localizado no km 13, com escola,
campo de futebol, algumas casas, um bar e uma pequena capela. O outro ncleo
localiza-se no km 20 da rodovia, contando-se a partir da cidade de Vitria do Xingu,
onde as crianas residentes na comunidade frequentam as aulas. Na PA-415, no
municpio de Altamira, e tambm no de Michila, h um frigorfico na altura do km 11.
Figura 10 - Entrada para o Ramal do Bananal. Figura 11 - Localidade do Michila, km13 da rodovia
PA-415.
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5.2.3 Os Juruna 5.2.3.1 Histrico Juruna O nome Juruna provm da lngua geral, e seu significado boca preta (yuru
boca, una preta) refere-se a uma tatuagem facial, de cor preta, que os Juruna
usavam at meados de 1843. Ela consiste de uma linha vertical preta, de 2 a 4 cm
de largura, que descia do centro do rosto, a partir da raiz dos cabelos, passando
pelo nariz, contornando a boca e terminando no queixo (Nimuendaju, 1948;
Adalberto da Prssia, 1977). Juruna , portanto, o termo empregado por outros
ndios e pelos brancos. A autodenominao do grupo, ou seja, o nome com que os
prprios Juruna se identificam, Yudj. Termo este que, segundo pesquisa
realizada pela lingista Fargetti (1997), significa dono do rio, refletindo a imagem
de exmios canoeiros e excelentes pescadores.
Segundo dados da historiografia Juruna, a primeira notcia de sua localizao data
de 1625, nas proximidades da foz do rio Xingu, feita por Bento Maciel Parente.
Apesar dos escassos registros desses indgenas, no sculo XVII so expressas
idias e tentativas de subordinao e agrupamentos forados, pelas entradas
paulistas, expedies lusas e/ou por missionrios (cf. Oliveira, 1970:16). Por volta
de 1750, o padre alemo Roque Hunderptfundt, da Companhia de Jesus, informa
que subindo da boca deste rio Xingu acima em distncia de trinta lguas, est a
nao dos ndios Juruna, situada em quatro pequenas aldeias que tem nas ilhas do
mesmo rio (cf. Oliveira, 1970:22).
No sculo seguinte, e segundo dados de viagem do prncipe Adalberto da Prssia,
que explorou a regio em 1842, h meno de que os Juruna viviam acima da Volta
Grande do Xingu, onde os jesutas haviam estabelecido a misso chamada
Tavaqura, Tauaquara ou Tauaqura10. poca, a populao Juruna foi estimada
em cerca de 2.000 ndios, espalhados por nove aldeias, situadas entre Tavaqura e
um local distante uma hora de Piranhaqura, rio acima (cf. Adalbert, 1977). No ano
de 1859, foi calculado em 235 o nmero de indgenas Juruna, distribudos em 3
aldeias, enquanto que, em 1863, h referncia no sentido de que um total de 250
10 Regio onde hoje se encontra a cidade de Altamira.
19
ndios Juruna habitavam as ilhas acima das cachoeiras do Xingu11, como estratgia
de defesa aos ataques de ndios inimigos (cf. Brusque, 1863, apud Oliveira,
1970:28). Neste caso, especialmente os Kayap, os Asurini, os Arara, os Peapaia e
os Tacunyap so citados como grupos em constante conflito com os Juruna,
enquanto que com os Munduruku, Kuruya e Xipya haveria relaes mais
amistosas.
Os Xipya so mencionados como grupo com o qual os Juruna teriam vivido
alternadamente em paz e em guerra, e com os quais em certo momento teria sido
realizada uma aliana mais duradoura. Narrativa do informante e chefe Bibina
Juruna, em estudo da antroploga Adlia de Oliveira, entre 1965-1967, no Parque
Indgena do Xingu - PIX, vem confirmar o intercmbio de mulheres entre os dois
grupos: Um chefe Juruna muito duro pediu para Juruna no brigar mais com
Xipya. Xipya era igual Juruna, era melhor no brigar. A tudo ficou amigo. Juruna
casou mulher Xipaya e Xipaya casou mulher Juruna (Oliveira, 1970:23). Sabe-se
ainda que estes dois grupos compartilham a mesma famlia lingstica, havendo
grande semelhana entre as duas lnguas.
Em 1896, Henri Coudreau, viajante francs que, partindo de Belm em
direo ao rio Xingu, percorreu a foz deste rio at a Pedra Seca regio no alto
Xingu, com seus escritos despretensiosos vem tambm contribuir para a etnografia
Juruna, de forma bem pontual:
11 No especificam quais cachoeiras seriam estas, mas deduz-se que se referem regio acima das cachoeiras do Jurucu.
20
Os Jurunas estendem-se da Praia Grande Pedra Seca. Foram outrora numerosos. H uns vinte anos distribuam-se por pelo menos umas 18 malocas, cujos tuxauas eram Damaso, Muratu12, Nunes, Curamb, Canc, Tariend, Tababacu, Acad, Turi, Paxaricu. Seu nmero hoje reduziu-se: pode-se avali-los em no mximo uns 150, entre mansos, civilizados e errantes (Coudreau, 1977: 37).
Figura 12 - ndios Juruna encontrados por Coudreau em 1896.
Destes tuxauas mencionados por Coudreau, Muratu faz parte da memria dos
Juruna que hoje vivem na Volta Grande do Xingu, na rea Indgena do Km 17 e
mesmo dos Juruna habitantes da cidade de Altamira. Cndida Juruna e Joaquina
Juruna, ambas contadoras de histrias de seu povo, confirmam a descendncia de
Clotilde Juruna, sua av e tia, respectivamente, como do grupo de Muratu, o ltimo
grande chefe Juruna da Volta Grande do Xingu, muito embora no soubessem
precisar se Muratu fora tio ou primo de Clotilde Juruna. Impreciso que se deve,
provavelmente, ao longo tempo transcorrido desde que a famlia de Clotilde Juruna
se separou do grupo de Muratu e migrou para o alto Iriri.
12
Alterao indgena da palavra portuguesa mulato, que para os ndios tanto se pode aplicar a um verdadeiro mulato quanto a algum ndio de cor escura (N. do T., cf Coudreau, 1977: 121).
21
Ademais, Nimuendaju (1993:151), numa de suas Cartas de Belm, datada de julho
de 1920, enviada ao diretor do antigo SPI, tambm menciona Muratu como
referncia da etnia Juruna habitante da Volta Grande do Xingu: Um outro
bandozinho, a famlia do tuxaua Murat, umas 12 pessoas, conservou-se, protegido
pelas terrveis cachoeiras da Volta do Xingu, no Salto Jurucu, pouco abaixo da
boca do Pacaj13.
Em funo dos sucessivos contatos intertnicos, parte desses ndios abandonou
suas aldeias e, na tentativa de se proteger, foi em direo s cabeceiras do Xingu. O
grupo que continuou em direo rio acima se refugiou, no incio do sculo XX, entre
a cachoeira Von Martius e o rio Manitsau14, no alto curso do Xingu e,
posteriormente, na dcada de 60, foi incorporado populao do Parque Indgena
do Xingu. Como resultado desta estratgia de fuga, conseguiu preservar sua cultura
e sua lngua, totalizando hoje cerca de 362 falantes da lngua Juruna15 (cf. Oliveira,
1970).
Quanto aos que permaneceram no baixo e mdio Xingu, dispersaram-se,
principalmente pela Volta Grande do Xingu, tendo se miscigenado com ndios de
outras etnias e tambm com no-ndios. Ressalta-se a regio do baixo e mdio
Xingu, desde o incio do sculo XX, caracterizada por ser uma rea comumente
invadida por frentes extrativistas, que inicialmente se dedicaram explorao da
borracha e da castanha, com maior intensidade na dcada de 40. Chegando aos
dias atuais, com a explorao desenfreada da madeira, de metais preciosos,
especialmente o ouro, e com a descoberta do valor comercial internacional da pesca
ornamental. Desde ento considerada uma das mais violentas reas de conflito
entre ndios e frentes de penetrao nacional, situao agravada por interesses do
setor agropecurio, com o aumento do nmero de fazendas, e ainda por projetos
governamentais de assentamentos agrcolas, construes de estradas e
hidreltricas.
13 Esta a se referindo no ao rio Pacaja e sim ao rio Bacaja, em razo da localizao indicada acima da cachoeira do Jurucu. 14 Afluente da margem esquerda do Xingu. 15 Lngua Juruna, que pertence ao Tronco Tupi.
22
Ou seja, toda populao indgena desta regio herdeira do processo de
colonizao da Amaznia, com enfoque na economia seringalista, quando as
famlias indgenas dispersas pelos beirades e ilhas do rio Xingu, e especificamente
da Volta Grande do Xingu, foram inseridas como mo-de-obra barata na coleta do
ltex da seringueira. Ao mesmo tempo, houve o processo de contato de vrios
grupos indgenas que at ento estavam intocados, isolados pelas cabeceiras dos
rios e igaraps afluentes do rio Xingu. Para isso, foram utilizados os prstimos dos
ndios j contatados, que atuavam como mateiros e pegadores dos ndios brabos,
visando a limpar o terreno e excluir o que se considerava como sendo empecilhos
para a expanso dos seringais.
Especialmente a famlia de Clodilde Juruna, que hoje habita o Km 17 (PA - 415),
viveu toda esta histria de insero na economia nacional, atuando seus membros
como extrativistas, em um primeiro momento, com foco na explorao da seringa e
castanha, e depois como caadores de gato e garimpeiros em perodo posterior.
Neste contexto, desde o tempo da gerao de Clotilde Juruna, j no havia
educao na lngua e acerca das tradies Juruna. A filha, Francisca Juruna,
algumas netas e a sobrinha de Clotilde16 chegaram a ouvi-la falar utilizando a lngua
materna, e inclusive recordam-se de algumas palavras e frases curtas. Contudo isso
no foi o bastante para que mantivessem a fluncia na lngua e pudessem
posteriormente vir a transmitir esse conhecimento aos seus filhos e netos.
Clotilde Juruna, bem como sua filha, Francisca Juruna, casaram-se com
seringueiros e viveram na regio do mdio Xingu, alto Iriri, denominada Lucat. Na
realidade, conforme memria de Cndida Juruna, seu pai, Placido Machado,
maranhense, era dono dos ento chamados barraces, locais onde se armazenava
toda a borracha coletada pelos seringueiros da regio para em seguida ser
comercializada e enviada aos grandes centros.
Cndida e seus irmos mais velhos cresceram nesta localidade e contam sobre o
cotidiano do barraco e da necessidade da figura do segurana, denominado
16 As netas: Candida Juruna e Geraldina Juruna, e a sobrinha, Joaquina Juruna.
23
barraqueiro, em razo dos constantes ataques e saques dos chamados ndios
brabos da regio. Norberto Alfredo Arara, originrio da Volta Grande do Xingu e
parente de Lencio Arara (da Terra Indgena Arara da Volta Grande do Xingu), era o
homem de confiana e barraqueiro de Placido.
No incio da dcada de 1950, prossegue o relato, a famlia de Francisca Juruna teria
percebido que no mais poderia viver em Lucat, tendo em vista a falncia do
barraco, em razo da queda da demanda pela borracha na economia nacional e de
dvidas junto aos regates. Assim, toda a famlia, incluindo Norberto Arara, mudou-
se para Altamira, adquirindo um terreno s margens da estrada Altamira - Vitria do
Xingu. Alguns anos depois, em 1957, Placido veio a falecer e, passados trs anos
de sua morte, Francisca Juruna casou-se com Norberto Arara, com quem teve mais
3 filhos.
De acordo com as informaes prestadas por Virglio Juruna, Antnio Juruna e
Cndida Juruna, os filho mais velhos de Francisca Juruna, na dcada de 1950 teve
incio a construo da estrada Altamira - Vitria do Xingu, em outro local da cidade,
uma vez que, ao invs de se atravessar o igarap Altamira, atravessou-se o igarap
Amb, seguindo o caminho a cavalo em torno das matas onde hoje se encontra o
quartel do Exrcito, deste ponto prosseguindo at o terreno do km 17. Afirmam que esta regio era totalmente coberta de vegetao, havendo apenas duas aberturas,
que seriam a localidade do Michila e de Ponte Nova.
Figura 13 - Estrada Altamira - Vitria do Xingu (dcada de 50).
O terreno do km 17, que nesta poca era maior, e um outro terreno, localizado onde
hoje se encontra o stio Capixaba, situado no km 11, e que tambm foi comprado
24
pela famlia, foram a terceira e quarta aberturas desta estrada. Hoje em dia
percebido o desmatamento em praticamente toda a rea localizada entre as
margens esquerda e direita da estrada Altamira - Vitria do Xingu, assim como se
nota a existncia de um povoamento no-indgena s margens da mesma,
composto majoritariamente por fazendas de gado.
5.2.3.2 Organizao social, poltica e espacial do grupo Juruna do Km 17
A rea em que vive o grupo Juruna do Km 17 da aldeia Boa Vista localiza-se no km
17 da rodovia PA - 415 - estrada Ernesto Acioly, sentido Altamira - Vitria do Xingu,
no municpio de Vitria do Xingu.
A aldeia Boa Vista formada por seis casas dispersas, sendo que duas delas se
encontram fechadas17. H uma escola construda pela prefeitura de Vitria do Xingu,
um quiosque aberto com cobertura de palha e um campo de futebol que ficam
prximos margem da rodovia. A casa de farinha e outras moradias se localizam
mais ao fundo do terreno e so rodeadas por rvores frutferas e criaes de
animais domsticos.
A comunidade possui energia eltrica, fornecida pela Centrais Eltricas do Par S.A.
Celpa, e viabilizada pelo Programa Razes, nos dois grupos familiares de Antnio
Juruna e Francisco Bernardino. No ncleo familiar de Virglio Juruna, a energia
puxada do fazendeiro vizinho. Foram iniciados a construo de poo artesiano e o
provimento de servio de gua encanada para as moradias, viabilizados por aquela
prefeitura e financiados pela Funasa, contudo, encontram-se ainda inacabadas. As
moradias no possuem banheiro e so construdas utilizando-se madeira e pau-a-
pique, telhado de cavaco ou telha de amianto.
Apesar de a rea indgena se localizar no municpio de Vitria do Xingu, os
deslocamentos feitos pelos indgenas so direcionados, na maior parte das vezes,
ao municpio de Altamira, em virtude da sua proximidade, estando a apenas 17 km 17 As moradias fechadas pertencem s famlias que atualmente no moram no KM 17, mas que visitam frequentemente a comunidade. Uma se refere a casa de Oswaldina (filha de Francisca Juruna), atualmente vivendo no garimpo do Itata, na Volta Grande do Xingu. A outra se refere a casa de Rosangela (filha de Antonio Juruna), que vive na fazenda vizinha em funo de seu marido ser funcionrio do fazendeiro.
25
da mesma, enquanto que a distncia com relao a Vitria do Xingu de
praticamente o dobro 30 km.
Assim, caracterstico dessa populao um movimento constante para a cidade de
Altamira, seja para estudos, trabalho, tratamento de sade, compras de
mercadorias, servios bancrios, reunies e visitas aos parentes.
Percebe-se, ainda, o fluxo constante de parentes que visitam a comunidade, alguns
dos quais chegam e retornam no mesmo dia, enquanto outros pernoitam na
comunidade por alguns dias ou semanas. A genealogia deste grupo permite apontar
que so inmeras as famlias moradoras dos arredores e que continuam mantendo
laos de parentesco e relaes de amizade entre si.
O grupo, descendente da matriarca Francisca Juruna, na realidade bem maior.
Levando em conta outros membros da comunidade que vivem em um movimento
pendular entre as cidades prximas (especialmente Altamira e Vitria do Xingu), o
entorno (travesses, ramais da Transamaznica, Volta Grande do Xingu e fazendas
da regio) e a comunidade, amplia-se consideravelmente a populao relacionada a
este povo.
Figura 14 - A matriarca, Francisca Juruna, falecida em 2002.
Pode-se, assim, considerar um total aproximado de 226 pessoas formadoras da
famlia extensa de Clotilde Juruna. Deste numero, 188 indgenas moram fora do km
26
17, dispersos entre Altamira, Vitoria do Xingu, ramal Boa Vista, Rurpolis/PA,
Medicilndia/PA, garimpo Itat/VGX, fazendas do entorno, Goinia/GO, Natal/RN,
Belo Horizonte/MG, Boa Vista/RR e Curitiba/PR. Este levantamento das famlias
dispersas foi feito no ano 2000, pelo Movimento das Famlias Indgenas Moradores
da Cidade de Altamira, com a participao de Cndida Juruna.
A famlia extensa o elemento central na organizao social, poltica e econmica
dos Juruna, tendo a famlia nuclear como foco principal no desenrolar da dinmica
social do grupo, o espao de definies das atividades cotidianas e controle dos
espaos polticos e territoriais.
O crescimento desta famlia extensa se deu a partir dos casamentos intertnicos,
majoritariamente entre ndios Juruna com no-ndios. O segundo marido de
Francisca Juruna era Arara (Norberto Arara, que era filho de Arara com no-ndio),
com parentesco com o grupo Arara da Volta Grande do Xingu. Deste casamento
nasceram trs filhos, que por sua vez so Juruna-Arara. Contudo, a relao
existente entre esses dois grupos demonstrou ser mais poltica, intensificando-se
com a questo Belo Monte e menos por laos de parentesco.
Recentemente, a partir da visita de alguns ndios Juruna do PIX, foi selado um
parentesco entre os dois grupos, com o nascimento de Kaire, filho de Sheila Juruna
e Tamarik Juruna, da aldeia Tuba-Tuba do PIX, ao mesmo tempo em que Sheila
Juruna recebeu um outro nome indgena Iakarepi Juruna
.
27
Figura 15 - rvore genealgica (para melhor visualizao ver o ANEXO I
27
Os quadros a seguir apresentam as famlias nucleares do grupo Juruna do Km 17
por casa, sexo, idade, data de nascimento, parentesco e etnia. Totalizam 04 casas
residenciais, 10 famlias nucleares e uma populao de 38 indivduos.
Populao Juruna do Km 17 2008 Casa 1
Nome Sexo Idade Data de Nascimento
Parentesco Etnia
Francisco Bernardino Oliveira de Paula Juruna
M 49 30/12/58 ego18 Juruna-Arara
Maria Cndida Juruna F 64 13/03/1944 Irm Juruna Sheila Juruna F 34 26/05/1974 sobrinha Juruna Bernardina Ferreira Machado Juruna
F 54 23/01/54 Irm Juruna
Amanda Thamara Machado F 16 18/04/92 sobrinha Juruna Rodrigo M 14 05/03/1994 irmo
adotivo No ndio
Cndida Juruna e Sheila Juruna, pela intensidade da freqncia de visitas comunidade, esto sendo consideradas como moradoras do Km 17, apesar de permanecerem parte da semana em Altamira. Os dois filhos de Sheila Juruna esto indicados na rvore genealgica como moradores de Altamira, por freqentarem a escola deste municpio. Casa 2 Nome Sexo Idade Data de
NascimentoParentesco Etnia
Antonio Ferreira Machado Juruna
M 59 23/03/1949 Ego Juruna
Zuleide Matos da Silva F 49 12/03/1959 Esposa No ndia Rosalia Silva Machado Juruna
F 30 24/06/1978 Filha Juruna
Rosilda S.M. Juruna F 28 24/08/1980 Filha Juruna Geovani Matos Machado Juruna
M 19 09/07/1989 Filho Juruna
Leandro M.M. Juruna M 17 13/10/1991 Filho Juruna rika F 17 1991 Nora No ndia Genilda M. M. Juurna F 18 20/09/1990 Filha Juruna Danilo M. M. Juruna M 15 29/01/1993 Filho Juruna Jason M. M. Juruna M 12 14/03/1996 Filho Juruna Andressa F 14 29/06/1994 Filha Juruna Murilo M 11 24/08/1997 Neto Juruna Mauricio M 10 04/06/1998 Neto Juruna Ana Carla F 08 07/08/2000 Neta Juruna
18 Ego o eu a partir do qual se estabelece a rede de parentesco.
28
Casa 3 Nome Sexo Idade Data da
NascimentoParentesco Etnia
Virglio M 68 26/06/1940 Ego Juruna Oswaldina F 54 21/07/1954 Esposa Juruna Marlene F 22 20/11/1986 Filha Juruna Elivelton M - Genro No ndio Lvia F 13/07/2006 Neta Juruna Guilherme M 14/05/2008 Neto Juruna Francisca F 28 07/08/1980 Filha Juruna Marcelo M - Genro No ndio Inara Camila F 1998 Neta Juruna Maria Eduarda F Neta Juruna Larissa F 09/02/2004 Neta Juruna Polianna F 17 16/08/1991 Filha Juruna Paulo Henrique F 28/01/2007 Neto Juruna Virglio Junior M Filho Juruna Casa 4 Nome Sexo Idade Data da
NascimentoParentesco Etnia
Simeo M 26 01/12/1981 Ego Juruna Walquiria F 26/07/1984 Esposa No ndia Vitria F 28/07/2008 Filha Juruna Catarino M Agregado No ndio
5.2.3.3 Aspectos culturais e religiosos A famlia extensa de Francisca Juruna apresenta-se como uma famlia que segue a
religio catlica, herdeira das expedies dos missionrios que visitaram a regio
desde o sculo XVIII. comum entre os ndios mais velhos de Altamira lembrar do
tempo em que eram considerados bichos caso no fossem batizados, ao mesmo
tempo em que eram impedidos de falar a lngua materna, praticar seus rituais e
realizar as festas tradicionais, uma vez que representavam elementos de uma
cultura considerada inferior.
29
Hoje, ao contrrio, percebem a importncia de resgatar a lngua materna, bem como
os cantos e danas Juruna, que venham a simbolizar aspectos da cultura de seus
ancestrais e a confirmar a particularidade deste grupo tnico.
Em diversos momentos em que ocorrem encontros do grupo, tais como festas
familiares, reunies polticas, recepes para visitantes e mesmo durante a missa
celebrada na comunidade, membros do grupo cantam e danam o Kari.
Significando festa na lngua Juruna, vem sendo representado como o ponto alto da
identidade indgena mostrada ao pblico. Cantam msicas tanto em portugus como
em Juruna, e a cada dia o repertrio vem aumentando, seja com msicas e letras
tradicionais, seja com aquelas criadas por Cndida Juruna. Os cantos Juruna foram
repassados por Francisca Juruna e por alguns ndios Juruna do PIX que visitaram a
comunidade em 2005 e 2008.
Figura 16 - Kari Juruna abrindo reunio do componente indgena.
Nestas apresentaes os indgenas utilizam-se tambm de alguns adereos
indgenas saias, colares, cocares, alm de se pintarem com jenipapo. A pintora
oficial Sheila Juruna, que vem resgatando diversos grafismos indgenas, como por
exemplo, a pintura das ondas das guas, o rabo da preguia, entre outros.
30
Figura 17 - Grafismo Juruna pintado por Sheila Juruna.
Tambm, h mais de 20 anos, ocorre anualmente uma festa no dia 04 de outubro,
dia de So Francisco de Assis, na casa de Virgilio Juruna, quando se comemora a
graa recebida referente cura de uma doena que acometia o filho mais velho, que
j estava desenganado pelos mdicos. H expressiva participao de parentes e
regionais, com momentos de celebrao de missa, dana do Kari e forr. O
anfitrio oferece a comida, geralmente churrasco de gado abatido para este fim.
A identidade Juruna tambm reafirmada em algumas falas e poesias,
especialmente de Maria Cndida Juruna e Joaquina Juruna, que trazem a
cosmologia Juruna a partir dos versos de cordel, partes destes j registrados em um
folhetim editado pelo CIMI em 2003. Neste folhetim narrada parte da trajetria de
vida da famlia de Cndida Juruna19 e mitos deste povo20 que trazem na memria.
Alguns desses registros e outros versos de autoria de Cndida Juruna sero
publicados em abril de 2009 pela Fundao Curro Velho/PA.
Desta forma, vo passando sua verso do passado Juruna, percepes do presente
e perspectivas de futuro. De acordo com os estudos em questo, levando em
considerao a possibilidade da construo do AHE Belo Monte, focamos neste
momento nos sentimentos e mensagens do grupo com relao importncia das
guas e do rio Xingu na vida dos Juruna.
19 Por exemplo os registros Histria do povo Juruna; Como vivemos hoje; Biografia do meu pai; Biografia da matriarca e biografia da autora. 20 Como o caso de: Entre eles; Como surgiram as frutas?; Como nasceu o fogo; Mito da Me Dgua; O Acari encantado, O lagarto encantado; O jacar fofoqueiro, entre outros.
31
Em uma das reunies realizadas pelos tcnicos com a comunidade, em fevereiro de
2009, Sheila Juruna, filha de Cndida Juruna, fez afirmao no sentido de que um
dos pontos positivos da expectativa quanto construo do AHE Belo Monte foi a
percepo da necessidade de se defender o rio Xingu, em prol da continuidade das
crenas de seu povo e de toda populao regional que tem como referncia de vida
as guas do Xingu.
Uma das referncias da cosmologia Juruna a Me Dgua, que habita as guas do
rio Xingu e enriquece o imaginrio indgena e sua relao com as profundezas
desse rio. Por ocasio de uma das conversas da equipe tcnica com Joaquina
Juruna, os tcnicos foram questionados quanto a j terem visto a Me Dgua.
Diante da resposta negativa, afirma j ter tido esta experincia e repete a narrativa
publicada no folhetim editado pelo CIMI: Eu, Joaquina, morava numa ilha de serra muito bonita. Tinha muito cco babau. Dunga era minha vizinha, ndia Juruna, minha amiga e parente. Ns andvamos juntas. Assvamos nosso peixe para comer juntas e tudo que arrumava, partilhvamos uma com a outra.
A ndia Dunga veio na minha casa buscar sabo e prosamos, comendo cane assada e tomando caxiri. Nisso, passou o dia e quando deu quatro horas da tarde, Dunga lembrou de ir embora. Samos para a beira do rio, uma na frente, outra atrs. Quando chegou na beira do rio ela se despediu e colocou o p direito na proa da canoa, pisou bem forte que a canoa baixou, e debaixo da canoa saiu uma linda mulher, que deixou-nos espantada. Ela era morena clara, os cabels eram longos, pretos que cobriam at os ps. E saa da gua em direo ao meio. Dunga ficou com medo de voltar de tarde pra casa, at que virou a ilha e foi embora. E foi embora at sua casa. Eu voltei pra casa espantada, no contei pra ningum. Vrias pessoas viram tambm, acreditamos que era a me dgua (Joaquina, fevereiro/2003).
Joaquina termina afirmando que a Me Dgua uma mulher muito bonita, protetora
do rio, mas que sentiu medo ao v-la. Percebe-se que, apesar de o grupo Juruna do
Km 17 no viver s margens do rio Xingu, toda sua referncia, origem, identidade e
expectativa de vida est ligada a este rio. Conforme j registrado por Saraiva (2007),
evidente a associao da identidade Juruna com a questo da preservao do rio
Xingu e sua paisagem, confirmada tambm nos versos de cordel de Cndida
Juruna:
Oh! Meu querido rio Xingu, esta homenagem que te presto
32
Lamento no poder ajudar Querem acabar tua beleza onde banhei vrias vezes Juntamente com meus pais Com tuas guas potveis me saciaste, bastante s tu o baluarte do paraense importante Quem quer lhe destruir talvez no lhe d valor Vo deixar os teus filhos na orfandade e na dor Vais deixar os xinguanos com bastante saudade Porm Jesus Cristo vai julgar essa impunidade Oh! Coraes maldosos! Dessa gente desalmada Que querem acabar com teus leitos e tuas guas Abenoadas Meu querido rio Xingu, eu queria ter poder ia fazer De tudo para voc no morrer so lgrimas Derramadas de uma ndia guerreira Essa que te conhece desde a margem s cachoeiras bonito Essa tal Eletronorte no quer v Ningum em paz querem acabar com seus rios Causando danos ambientais Fao esses versos aqui recordando triste cena Fica essa homenagem ao nosso saudoso Dema, pois com tuas guas potveis me saciaste, bastante porque se o Xingu falasse tinha muito a reclamar pediria a essa gente pra eles no lhe matar Vai-se carne e a matria sua voz ficou gravada Morreste por defender nossa terra abenoada Descanse em paz meu amigo, fique cercado por Deus. Tiraram sua vida mas no os talentos teus Trabalhei muito na vida agradeo a me amada hoje Eu sou invlida uma ndia aposentada Desculpe esses versos mal rimados, so feitos Com carinho, falando do passado, aqui quem lhe descreve Cndida Juruna Machado.
Os Juruna do Km 17, particularmente pelas vozes de Cndida Juruna, Sheila Juruna
e Caboclo Juruna, lderes que tm participao ativa nos encontros indgenas, vm
afirmando a importncia da conservao do rio Xingu. Assim como expressam o
desacordo quanto posio do governo, representado nos versos acima pela
Eletronorte, o qual julgam querer destruir a paisagem xinguana e modificar de forma
drstica esse corpo hdrico.
33
5.2.3.4 As lideranas do Km 17 e contatos polticos
Francisco Bernardino, mais conhecido por Caboclo, reconhecido como o cacique
da aldeia Boa Vista do Km 17. Contudo, Maria Cndida Juruna considerada a
grande lder da comunidade, sendo a responsvel pela luta visando ao
reconhecimento oficial do grupo como indgena e pela busca de apoio poltico para a
melhoria de qualidade de vida deste. Ao mesmo tempo, sua filha, Sheila Juruna,
vem se destacando como outra forte lder indgena de Altamira, e tambm em
mbito nacional, pois hoje protagonista nos encontros indgenas.
Entre outras representaes ocupadas por Sheila, h a de membro indgena do
estado do Par na Comisso de Avaliao de Projetos da Carteira Indgena, um
programa desenvolvido pelo Ministrio do Meio Ambiente e financiado pelo
Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. Ela , ainda, a
representante da regio do Xingu no Frum dos Povos Indgenas do Estado do Par
e tambm est representando o Par no Fundo Global do Meio Ambiente GEF
Indgena.
A partir das entrevistas individuais e ao utilizar a metodologia do diagrama de Venn,
foram mapeadas as instituies e outros grupos indgenas que se relacionam com o
grupo Juruna do Km 17. constatada a crescente articulao poltica que a
comunidade vem realizando desde 2000, ano em que se afirma como grupo tnico
diferenciado junto ao rgo indigenista, instituies no-governamentais, bem como
populao regional. Desde ento, em diversas situaes, vem se articulando com
rgos como a Funai, Funasa, CIMI, FVPP, prefeituras de Altamira e Vitria do
Xingu, governo estadual SEJUDH, Fundao Curro Velho, Programa Razes (hoje
extinto), entre outros.
Neste contexto de organizao poltica do grupo Juruna do Km 17, foi criada a
Associao dos Povos Indgenas Juruna do Xingu KM 17 APIJUX, em 25 de
novembro de 2000, com a orientao de tcnicos do Programa Razes e o apoio
financeiro para a regularizao da associao em cartrio. Essa associao conta
34
com Maria Cndida Juruna como presidente, Francisco Bernardino Juruna
Caboclo, como vice-presidente e Antnio Ferreira Machado como tesoureiro.
Vm ocorrendo tambm dilogos com outros grupos indgenas, especialmente os da
regio de Altamira Kayap, Arara de Cachoeira Seca, Arara da Volta Grande do
Xingu, Juruna de Paquiamba, Asurin, Xipya, Kuruya, Parakan e Xikrin de
Trincheira Bacaj, por meio de encontros para discusso sobre o empreendimento
do AHE Belo Monte.
Por ocasio do terceiro trabalho de campo, ocorrido em fevereiro de 2009, indgenas
do Km 17 foram com a equipe tcnica participar das primeiras reunies na aldeia
Paquiamba. Esta visita deu-se em funo dos prprios indgenas de Paquiamba
terem solicitado a presena dos primeiros nas discusses realizadas nessa etapa
dos estudos.
Figura 18 - Apresentao do Kari na visita a TI Paquiamba.
Este encontro, alm de possibilitar algumas discusses relacionadas ao
empreendimento, foi permeado por apresentaes do Kari feitas pelo grupo do Km
17, com cantos na lngua Juruna, vindo a estimular a participao de alguns
indgenas de Paquiamba. Ao mesmo tempo, indgenas do Km 17 se colocaram
disposio para o ensino dos cantos e da dana apresentados, o que vem fortalecer
as relaes sociais e o intercmbio entre os dois grupos. Na oportunidade, Sheila
Juruna, Virglio Juruna, Antonio Juruna, Giovany Juruna e Fernando Juruna
conheceram o stio Pimental onde ser construda a barragem, e a regio da
cachoeira do Jurucu, local onde estavam localizadas as antigas aldeias Juruna.
35
5.2.3.5 Insero nas Polticas Pblicas
Neste item so abordadas as polticas pblicas com interface com a comunidade
Juruna do Km 17. Para a identificao das instituies e polticas, indigenistas ou
no, com aes afetas ao grupo indgena Juruna, bem como sua relao de
proximidade, foram construdos o diagrama de Venn e a linha do tempo, e esto
contidos na primeira parte do captulo.
Em seguida so apresentadas as principais polticas pblicas federais, estaduais,
e municipais , muitas delas mencionadas pelos Juruna ao longo das atividades de
campo. Em muitas situaes, apesar de alguns integrantes do grupo indgena
participarem da discusso, formulao e implementao da poltica indigenista e de
desenvolvimento sustentvel, ela no se reflete na insero da comunidade Juruna
do Km 17 como pblico-alvo da sua implantao.
5.2.3.5.1 A Rede de Relaes Institucionais da Comunidade Juruna do Km 17
O diagrama de Venn elaborado com a comunidade Juruna do Km17 apresenta as
diversas instituies responsveis pela implementao das polticas pblicas,
municipais, estaduais e federais, indigenistas ou no, relacionadas ao grupo e
facilita a compreenso da rede de relaes institucionais da comunidade.
36
rea indgena Juruna Km-17
FUNAI
Frum dos Povos Indgenas do
Estado do Par
Ministrio Pblico Federal (Belm e
Altamira)
Pontos de Cultura (MinC)
MMA / Diretoria de Extrativismo
Deputado Estadual Domingos Juvenil
Fundao Curro Velho
FUNASA
UFPA
Eletronorte
Bolsa Famlia / MDS
Coordenadoria Indgena
Carteira Indgena (MDS/MMA)
Prefeitura Municipal de Vitria do Xingu
Figura 19 - Diagrama de Venn da comunidade Juruna do Km 17.
Elas foram identificadas por D. Cndida, Sheila e Caboclo, que tm sido os
principais articuladores na busca da melhoria das condies de vida da comunidade
Juruna do Km 17 e tambm dos demais povos indgenas da regio.
37
Figura 20 - Construo do diagrama de Venn Juruna Km 17.
As instituies mais prximas dos Juruna do Km 17, inseridas no centro do
diagrama, so Funai, Ministrio Pblico Federal (em Belm e Altamira), Fundao
Curro Velho (ligada ao governo do estado do Par), Programa Ponto de Cultura, do
Ministrio da Cultura MinC, e Ministrio do Meio Ambiente MMA. A descrio da
atuao dessas instituies, articulada com as polticas pblicas, planos e
programas, realizada ao longo do captulo.
O contato com a Funai comeou em 2000, quando os Juruna do Km 17 solicitaram o
reconhecimento do local onde vive a comunidade como rea indgena. Em 2003, a
Funai reconheceu a referida comunidade como grupo indgena, ou seja, como grupo
tnico diferenciado. No entanto, at o presente momento, ainda no houve a
identificao da rea Indgena Juruna do Km 17 como terra indgena. Os Juruna
ainda esto aguardando que este processo seja iniciado pelo rgo indigenista.
Desde o reconhecimento, em 2003, os Juruna esto em contato com representantes
da Administrao Executiva Regional de Altamira. No escritrio regional possvel
contatar e mobilizar os outros povos indgenas e as instituies. Isto representa uma
forma de apoiar a articulao poltica dos ndios Juruna, principalmente D. Cndida e
38
Sheila, com os demais atores sociais. A relao com a Administrao Executiva
Regional de Altamira veio se modificando ao longo do tempo, e hoje eles tm um
bom acesso a esta unidade. Mas ainda no so includos nas polticas pblicas que
vm sendo implementadas pela instituio, tendo em vista que rea indgena ainda
no foi regularizada.
Em 2004, a comunidade teve o seu primeiro contato com representante do Ministrio
Pblico Federal MPF, por meio do Procurador da Repblica, Sr. Felcio Pontes,
que j vinha acompanhando o debate acerca das usinas hidreltricas planejadas no
rio Xingu. O MPF vem dando suporte comunidade com relao ao pleito de
identificao de sua rea como territrio indgena. D. Cndida Juruna tem muita
confiana no Sr. Felcio Pontes, e em diversos momentos ela tem solicitado apoio do
MPF para a resoluo de vrios problemas da comunidade, como por exemplo,
aqueles relacionados ao abastecimento de gua.
Foi mencionado tambm o Deputado Estadual Domingos Juvenil, que integra
atualmente a Assemblia Legislativa do Estado do Par, e est bem prximo dos
Juruna do Km 17. O Deputado est envolvido com as discusses em torno do
ordenamento territorial, gesto ambiental e promoo do desenvolvimento
sustentvel no Par, tais como Plano Amaznia Sustentvel, Plano BR-163
Sustentvel, ZEE-BR 163, Plano de Desenvolvimento Sustentvel da Regio do
Xingu.
No 2 nvel de proximidade da comunidade Juruna do Km 17 esto a UFPA
(Campus Altamira), Funasa e Eletronorte. A relao da comunidade Juruna do Km
17 com a UFPA atualmente est focada na constituio de um curso de
etnodesenvolvimento voltado para os povos indgenas da regio do Xingu.
J o contato dos Juruna com a Funasa comeou em 2002, quando se iniciou a
articulao para a instalao do sistema de saneamento na rea indgena. Sendo
que, uma vez que a rea onde vive a comunidade Juruna do Km 17 no foi
identificada como terra indgena, a mesma no poderia ser atendida pela
DSEI/Funasa. A soluo encontrada para que o sistema de abastecimento de gua
pudesse ser instalado foi a realizao de um convnio entre a Funasa e a Prefeitura
39
de Vitria do Xingu, que veio a executar as obras de instalao, em 2003. Como o
sistema de abastecimento de gua no funciona corretamente at hoje, a
comunidade matem permanentement contato com a Funasa, buscando solucionar o
problema.
A Eletronorte foi mencionada em razo do apoio prestado, no mbito das aes de
responsabilidade social desenvolvidas pelo escritrio de Altamira.
No 3 nvel de proximidade foi mencionado o Programa Bolsa Famlia, do Ministrio
do Desenvolvimento Social e Combate Fome - MDS, j que a famlia do Sr.
Antnio beneficiria. No item do presente diagnstico que trata sobre polticas
pblicas federais, a seguir, detalha-se um pouco mais a implantao deste programa
na comunidade Juruna do Km 17.
O novo rgo criado pelo governo do estado do Par com vistas a responder pela
questo indgena nesse estado, Coordenao de Proteo dos Direitos dos Povos
Indgenas e Populaes Tradicionais, mesmo com sua localizao em Belm,
representantes da comunidade Juruna do Km 17 Juruna tm participado de diversas
etapas da construo das polticas indigenistas traadas por esta instituio.
Exemplo disso que Sheila Juruna vem acompanhando a discusso realizada no
mbito do Frum Estadual Indgena. Na comunidade foi realizada, em julho de 2008,
a reunio preparatria da regio do Xingu, da Conferncia Estadual. E, ainda,
diversos membros da comunidade participaram da I Conferncia Estadual de Povos
Indgenas, ocorrida em agosto de 2008, em Belm. Informaes sobre a
Coordenao Indgena e a Conferncia so apresentadas com mais detalhes no
item que trata das polticas pblicas estaduais.
Em seguida, no prximo nvel do diagrama de Venn, foi listada a Carteira Indgena,
poltica pblica indigenista que desde 2003 vem sendo implementada pelo MDS e
MMA. Todavia, a comunidade no est muito prxima da Carteira Indgena, apesar
de Sheila Juruna integrar a representao indgena na coordenao do projeto.
A Prefeitura Municipal de Vitria do Xingu, segundo os Juruna, a instituio que
est mais distante da comunidade do Km 17 no diagrama de Venn. Quase no h
relao dos Juruna do Km 17 com a sede municipal de Vitria do Xingu, que, alm
40
de estar mais distante, tem uma oferta bem menor de servios do que a cidade de
Altamira. No item referente a polticas pblicas municipais, a relao dos Juruna do
Km 17 com o municpio de Vitria do Xingu abordada com mais detalhes.
5.2.3.6 As Polticas Pblicas Federais
Plano Amaznia Sustentvel
O Plano Amaznia Sustentvel PAS, tem como objetivo principal a promoo do
desenvolvimento sustentvel da Amaznia brasileira, mediante a implantao de um
novo modelo, pautado na valorizao do enorme patrimnio natural contido neste
bioma e no aporte de investimentos em tecnologia e infraestrutura. Investimentos
estes que devero ser voltados para a viabilizao de atividades econmicas
dinmicas e inovadoras, com a gerao de emprego e renda, compatvel com o uso
sustentvel dos recursos naturais e a preservao dos biomas, visando ainda
elevao do nvel de vida da populao.
No PAS, o governo federal apresenta as diretrizes estratgicas para promoo do
desenvolvimento da Amaznia brasileira, que esto organizadas em quatro eixos
temticos. So eles: (i) Ordenamento Territorial e Gesto Ambiental, (ii) Produo
Sustentvel com Inovao e Competitividade, (iii) Infraestrutura para o
Desenvolvimento e (iv) Incluso Social e Cidadania.
Com relao s terras indgenas, considerando os direitos constitucionais dos povos
indgenas e as funes essenciais de seus territrios para a conservao ambiental,
essas constituem parte integrante da estratgia de ordenamento territorial e gesto
ambiental do PAS, e as principais diretrizes so:
A regularizao das terras indgenas, com ateno especial para aquelas
localizadas em reas sob presses de obras de infra-estrutura, de
movimentos demogrficos e da expanso de atividades econmicas na
fronteira amaznica;
Promover a elaborao dos planos de gesto territorial das terras
indgenas, com forte protagonismo das populaes indgenas, visando
41
valorizao cultural, conservao dos recursos naturais e melhoria na
qualidade de vida das mesmas;
Fortalecer a capacidade institucional da Funai e de organizaes
comunitrias indgenas para o exerccio de suas respectivas funes na
gesto das terras indgenas.
O PAS foi lanado pelo governo federal em maio de 2008, e a sua implementao foi
delegada, pelo Presidente da Repblica, Secretaria de Assuntos Estratgicos da
Presidncia, sob a coordenao do Ministro Roberto Mangabeira Unger.
O PAS no um plano operacional, trata-se de um plano estratgico, contendo um
elenco de diretrizes gerais e as estratgias recomendveis para a sua
implementao. Quanto s aes especficas, devem se materializar mediante
planos operacionais sub-regionais, alguns inclusive j elaborados ou em processo
de elaborao, como o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentvel para a rea
de Influncia da Rodovia BR-163 (Cuiab Santarm), o Plano de Desenvolvimento
Territorial Sustentvel para o Arquiplago do Maraj e o Plano de Desenvolvimento
Regional Sustentvel do Xingu.
O Ministro Mangabeira Unger vem promovendo a articulao entre o governo
federal, os governos estaduais e municipais visando implantao do PAS. Neste
mbito, foi realizada, em agosto de 2008, na cidade de Altamira, reunio para
lanamento e apresentao do Plano Amaznia Sustentvel, com a presena do
Ministro Roberto Mangabeira Unger, da Governadora Ana Jlia Carepa e do
Deputado Estadual Domingos Juvenil. D. Cndida Juruna participou deste frum de
discusso de polticas de promoo do desenvolvimento sustentvel da Amaznia.
42
Figura 21 - Cartaz de agradecimento pelo PAS (Altamira agosto/08).
Plano BR 163 Sustentvel
O objetivo geral do Plano BR-163 Sustentvel o de implantar um novo modelo de
desenvolvimento e organizar a ao de governo na sua rea de abrangncia, com
base na valorizao do patrimnio sociocultural e natural, na viabilizao de
atividades econmicas dinmicas e inovadoras e no uso sustentvel dos recursos
naturais. Todos esses vetores conjugados so capazes de propiciar a melhoria da
qualidade de vida das populaes da regio e sua maior articulao ao contexto
socioeconmico nacional. O Plano BR-163 Sustentvel cobre ampla rea que
sofrer impactos diretos e indiretos da pavimentao da rodovia, buscando impedir
que a obra produza uma forte degradao ambiental da regio.
A estratgia do Plano baseia-se na ampliao da presena do Estado, em todas as
suas instncias e com base numa agenda variada de aes, garantindo maior
governabilidade na regio. A elaborao e implantao do Plano fruto de uma
articulao de diversos setores do governo federal, com os governos dos estados do
Par, Mato Grosso e Amazonas, movimentos sociais, sociedade civil organizada e
algumas prefeituras municipais.
O Plano BR163 est divido em trs mesorregies, que so subdividas em sete
subreas. O municpio de Vitria do Xingu localiza-se na Subrea Transamaznica
43
Oriental, que tem a cidade de Altamira como plo, e totaliza nove municpios21, com
diversas terras e povos indgenas inseridos.
As terras indgenas constituem parte integrante da estratgia de gesto territorial e
de conservao ambiental do Plano BR-163 Sustentvel, e principalmente para a
Subrea Transamaznica Oriental. Nesse sentido, sero apoiadas aes prioritrias de identificao, demarcao e homologao de terras indgenas na rea de
abrangncia do Plano. Como aes complementares, deve apoiar a realizao de
levantamentos etnoecolgicos, a elaborao de planos de gesto territorial das
terras indgenas e o fortalecimento da capacidade da Funai e comunidades para
exercem a vigilncia e proteo das reas. Alm disso, o Plano deve apoiar
iniciativas de gesto dos recursos naturais em reas de entorno das reas indgenas
(por exemplo, proteo e recuperao de matas ciliares), inclusive por meio de
campanhas educativas.
Os Juruna do Km 17 no participaram do processo de elaborao do Plano BR163
Sustentvel, que realizou duas rodadas de consultas pblicas na regio, a primeira
em 2004 e a segunda em 2005, na cidade de Altamira. Tambm no tem participado
das discusses e do projeto desenvolvido pelos movimentos sociais da regio de
apoio ao fortalecimento da sociedade civil e do controle social no monitoramento da
implementao das aes do Plano, cuja atuao tem se centrado mais nos
municpios localizados ao longo da rodovia BR-163, entre eles Santarm, Itaituba,
Novo Progresso, Lucas do Rio Verde.
Poltica Nacional de Recursos Hdricos
As guas brasileiras encontram-se repartidas entre as que integram o domnio da
Unio e as que pertencem aos estados e ao Distrito Federal. A Unio tem a
competncia privativa para legislar sobre guas, cabendo aos estados legislar em
matria de seu poder - dever de zelar pelas guas do seu domnio, assim como a
competncia comum, juntamente com a Unio, o Distrito Federal e os municpios,
21 Altamira, Senador Jos Porfrio, Vitria do Xingu, Porto de Moz, Anapu, Brasil Novo, Medicilndia, Placas e Uruar - sendo todos situados no eixo ou sob a influncia da BR-230 (Transamaznica). Sua rea territorial soma 97 mil km e esto excludos desta subrea o extremo sudoeste do municpio de Altamira (localidade de Castelo de Sonhos) e o restante do centro e sul do municpio, incluindo a chamada Terra do Meio e as terras indgenas do limite sul.
44
para registrar, acompanhar e fiscalizar a explorao de recursos hdricos em seus
territrios.
A Lei Federal n. 9433/97 instituiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos,
baseando-se no reconhecimento da finitude da gua. A gua um recurso natural
limitado, dotado de valor econmico (Art. 1). Tem como principais objetivos:
Assegurar atual e s futuras geraes a necessria disponibilidade de
gua, em padres de qualidade adequados aos respectivos usos;
Promover a utilizao racional e integrada dos recursos hdricos, incluindo
o transporte aquavirio, com vistas ao desenvolvimento sustentvel; e
Efetivar a preveno e a defesa contra eventos hidrolgicos crticos de
origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos hdricos.
So instrumentos da Poltica Nacional de Recursos Hdricos: a) Planos de recursos
hdricos; b) Enquadramento dos corpos de gua; c) Outorga do direito de uso dos
recursos hdricos; e d) Cobrana pelo uso de recursos hdricos.
Os planos de recursos hdricos visam a fundamentar e a orientar sua implementao
e o gerenciamento desses recursos. Os planos de recursos hdricos devem ser
elaborados em trs nveis: i. Nacional - Plano Nacional de Recursos Hdricos; ii.
Estadual - Plano Estadual de Recursos Hdricos; e iii. Regional/Bacias Hidrogrficas
- Plano de Bacia Hidrogrfica. O propsito principal do Plano Nacional de Recursos
Hdricos PNRH, a construo e implementao conjuntas com a sociedade.
O enquadramento dos corpos de gua indica as metas de qualidade das guas a
serem alcanadas em uma bacia hidrogrfica, em determinado perodo temporal, a
classe que os corpos de gua devem atingir ou em que classe de qualidade de gua
devero permanecer para atender s necessidades de uso definidas pela sociedade.
Esse instrumento j vem sendo utilizado no Brasil desde 1986, quando o Conama,
por intermdio de sua Resoluo n. 2022, identificou as classes de uso em que os
corpos de gua podem ser enquadrados, com correspondentes parmetros de
qualidade.
22 Atual Resoluo Conama n. 357/2005.
45
O enquadramento dos corpos de gua ocorrer de acordo com as normas e
procedimentos definidos pelo CNRH e Conselhos Estaduais de Recursos Hdricos e
ser definido pelos usos preponderantes mais restritivos da gua, atuais ou
pretendidos. Destaca-se que o rio Xingu no possui enquadramento definido,
portanto, classificado como classe 02, de acordo com o artigo 42 da Resoluo
Conama n. 357/05, a saber: [...] enquanto no aprovados os respectivos
enquadramentos, as guas doces sero consideradas classe 2.
A outorga do direito de uso dos recursos hdricos assegura o controle quantitativo e
qualitativo dos usos da gua, superficiais ou subterrneas, e o efetivo exerccio dos
direitos de acesso gua. o ato administrativo pelo qual o poder outorgante
concede ao outorgado o direito de uso do recurso hdrico por prazo determinado e
conforme os termos e as condies expressas no ato.
No caso da implantao de usinas hidreltricas consideradas de significativo
impacto ambiental, a outorga preventiva ou a declarao de disponibilidade hdrica
deve ser apresentada ao rgo ambiental licenciador para obteno da LP23. O
Ibama estabeleceu em seus procedimentos para o licenciamento que a declarao
de disponibilidade de gua para a utilizao dos recursos hdricos dever ser
apresentada24 durante a anlise de viabilidade ambiental do empreendimento, fase
que antecede a concesso de LP. A ANEEL deve apresentar ao IBAMA a outorga
preventiva ou declarao de disponibilidade hdrica do rio Xingu, para o AHE Belo
Monte, com a finalidade de subsidiar a concesso da LP do empreendimento.
A outorga definitiva de direito de uso de recursos hdricos dever ser apresentada no
momento do envio do Projeto Bsico Ambiental, e dever subsidiar a concesso da
LI do empreendimento25.
A cobrana pelo uso de recursos hdricos tem como objetivo reconhecer a gua
como bem econmico, incentivar a racionalizao de seu uso e obter recursos
financeiros para financiamento dos programas e intervenes contemplados nos
23 Art. 4 da Resoluo CNRH n. 65/06. 24 Art. 18 e 19 da In IBAMA n. 65/05. 25 Art. 18 e 19 da In IBAMA n. 65/05.
46
planos de recursos hdricos. Sero cobrados os usos de recursos hdricos que forem
sujeitos outorga, dentre os quais est previsto o aproveitamento dos potenciais
hidreltricos.
A bacia hidrogrfica foi estabelecida como unidade territorial para implantao da
poltica e atuao do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos. A
gesto dos recursos hdricos dever ser descentralizada e contar com a participao
de todos poder pblico, setores usurios e sociedade civil.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos foi criado com os
seguintes objetivos:
I - Coordenar a gesto integrada das guas;
II - Arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos
hdricos;
III - Implementar a Poltica Nacional de Recursos Hdricos;
IV - Planejar, regular e controlar o uso, a preservao e a recuperao dos
recursos hdricos;
V - Promover a cobrana pelo uso de recursos hdricos.
Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos (Art. 33, Lei
9433/97): o Conselho Nacional de Recursos Hdricos CNRH; a Agncia Nacional
de guas; os Conselhos de Recursos Hdricos dos Estados e do Distrito Federal; os
Comits de Bacia Hidrogrfica; os rgos dos poderes pblicos federal, estaduais,
do Distrito Federal e municipais cujas competncias se relacionem com a gesto de
recursos hdricos; e as Agncias de gua.
O CNRH responsvel por estabelecer as diretrizes complementares para
implementao da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, aplicao de seus
instrumentos e atuao do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hdricos, entre outras atribuies. Ele composto por representantes dos Ministrios
e Secretarias da Presidncia da Repblica com atuao no gerenciamento ou no
uso de recursos hdricos; representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de
47
Recursos Hdricos; representantes dos usurios dos recursos hdricos; e
representantes das organizaes civis de recursos hdricos.
O CNRH instituiu a Diviso Hidrogrfica Nacional26, com a finalidade de orientar,
fundamentar e implantar o PNRH. O rio Xingu foi classificado como uma das bacias
hidrogrficas que compem a Regio Hidrogrfica Amaznica.
Os Comits de Bacia Hidrogrfica constituem-se na base do Sistema de
Gerenciamento, e sua criao formal depende de autorizao do CNRH. Compete
aos Comits (Art. 38):
Promover o debate das questes relacionadas a recursos hdricos e
articular a atuao das entidades intervenientes;
Arbitrar, em primeira instncia administrativa, os conflitos relacionados aos
recursos hdricos;
Aprovar o Plano de Recursos Hdricos da bacia;
Estabelecer os mecanismos de cobrana pelo uso de recursos hdricos e
sugerir os valores a serem cobrados.
Os Comits de Bacia Hidrogrfica tero como rea de atuao a totalidade de uma
bacia hidrogrfica, a sub-bacia hidrogrfica de tributrio do curso dgua principal ou
grupo de bacias ou sub-bacias hidrogrficas contguas. Os Comits so rgos
colegiados que contam com a participao dos usurios, da sociedade civil
organizada, de representantes de governos municipais, estaduais e federal. No caso
de Comits cujos territrios abranjam terras indgenas, devem ser includos
representantes da Funai, como parte da representao da Unio, assim como das
comunidades indgenas ali residentes ou com interesses na bacia (Art. 39, 3 da Lei
Federal n. 9.433/97).
A instituio de Comits de Bacia Hidrogrfica em rios de domnio da Unio
efetivada por ato do Presidente da Repblica, aps aprovao do CNRH. O rio
Xingu, classificado como um rio de domnio federal, no conta com Comit de Bacia
Hidrogrfica institudo.
26 Resoluo n. 32, de 15 de outubro de 2003.
48
Conferncia Nacional do Meio Ambiente
A Conferncia Nacional do Meio Ambiente tem por finalidade construir um espao de
convergncia social para a formulao de uma agenda nacional do meio ambiente,
por intermdio da mobilizao, educao e ampliao da participao popular, com
vistas ao estabelecimento de uma poltica de desenvolvimento sustentvel para o
Pas.
A CNMA um instrumento de democracia participativa e de educao ambiental
orientado pelas quatro diretrizes bsicas do MMA: desenvolvimento sustentvel;
transversalidade; fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente Sisnama;
e controle e participao social. Todos os segmentos da sociedade podem deliberar
de forma participativa, com direito a voz e voto sobre a construo de polticas
pblicas de meio ambiente. Assim, sempre com vistas ao desenvolvimento
sustentvel, e sob o lema Vamos Cuidar do Brasil, a conferncia convida a
sociedade ao debate sobre diversos temas estratgicos para o pas.
Instituda por meio do Decreto Presidencial de 5 de junho de 2003, a CNMA ocorre a
cada dois anos. Nas duas primeiras edies, realizadas nos anos de 2003 e 2005,
os temas em debate foram, respectivam