Universidade Federal de Juiz de Fora
Programa de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
JULIANA GOMES DE OLIVEIRA
UM MINOTAURO NA AMÉRICA: EL ARGOS DE BUENOS AIRES LÊ O BRASIL (1821-1825)
Juiz de Fora
2019
JULIANA GOMES DE OLIVEIRA
UM MINOTAURO NA AMÉRICA: EL ARGOS DE BUENOS AIRES LÊ O BRASIL (1821-1825)
JUIZ DE FORA
2019
JULIANA GOMES DE OLIVEIRA
UM MINOTAURO NA AMÉRICA: EL ARGOS DE BUENOS AIRES LÊ O
BRASIL (1821-1825)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História, da Universidade Federal de
Juiz de Fora, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em História.
Orientadora: Prof. Drª. Silvana Mota Barbosa
JUIZ DE FORA
2019
JULIANA GOMES DE OLIVEIRA
UM MINOTAURO NA AMÉRICA: EL ARGOS DE BUENOS AIRES LÊ O BRASIL
(1821-1825)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- Graduação em História, da
Universidade Federal de Juiz de Fora,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em História.
Juiz de Fora, 22/02/2019
Banca Examinadoraa
Profª. Drª. Silvana Mota Barbosa (UFJF)- Orientadora
Prof. Dr. Alexandre Mansur Barata (UFJF)
Prof. Dr. Horacio Luján Martinez (PUC- PR)
Para meus pais, a quem devo tudo que
tenho e que sou.
Para minhas irmãs e sobrinhos, com toda
loucura e amor
Para o “ Bem”, meu melhor amigo de
outros carnavais.
AGRADECIMENTOS
“Finalmente, levantadas as mesas, ergueu
D. Quixote a voz e disse com grande
pausa: Entre os pecados que os homens
cometem, ainda que afirmam alguns que o
maior de todos é a soberba, sustento eu
que é a ingratidão, baseando-me no que se
costuma dizer, que de mal agradecidos
está o inferno cheio. Sempre procurei
evitar este pecado, tanto quanto me tem
sido possível, desde que tive uso de razão,
e se não posso pagar as boas obras que
me fazem, com outras, ponho em seu lugar
o desejo de as fazer; e quando isso não
basta, publico-as, porque aquele que
publica os favores que recebe, também os
recompensaria com outros, se pudesse;
que, pela maior parte, os que recebem são
inferiores aos que dão.”
(Miguel de Cervantes)
Agradeço, primeiramente, a Deus pela possibilidade de estar em uma família
indubitavelmente incrível. Seu amor para comigo, sem dúvidas, não tem preço.
Agradeço à minha família, por me apoiar sempre. Sem vocês minha vida estaria
incompleta. Minha gratidão é eterna.
À minha mãe, a dama do Xadrez. Espero que descubra às vezes que estive
ausente. Não conheço sensação mais linda ou melhor do que o teu amor. Meu amor
por você é incontestável.
Ao meu pai. Meu “paitrocinador”. Meu amor. Meu apoiador. Meu herói. Desde
que me lembro por gente, é a pessoa que sempre esteve por perto. É um pai
incomparável e nada no mundo mudaria o carinho que temos um pelo outro. Se eu
pudesse, nunca te diria “adeus”. O meu amor por você é insubstituível.
À minha irmã Luciana, minha segunda mãe. Queria achar palavras para
conseguir dizer o quanto é importante para mim. Você é uma companheira para toda
a vida.
À minha irmã Carolina. Apesar de estar ausente por diversas vezes, ainda sim
“grudo no pé, dou bandeira, fico de bobeira só pra te ver passar”.
Aos meus sobrinhos, Gabriela, Gustavo e Isabela. Não imagino minha vida
sem as chatices de vocês. Saibam que sempre amarei vocês e que sempre estarei
com vocês para apoiá-los.
Minha gratidão também vai para um amigo e companheiro que veio a se tornar,
também, meu namorado, Rafael. Você continua sendo minha prateleira de doces do
supermercado. Obrigada por me apoiar mesmo quando não preciso de apoio. Pelo
companheirismo que parece não ter fim.
Uma dissertação e dois anos de mestrado não são feitos sozinhos. Aqui meus
agradecimentos a quem faz parte dessa caminhada. À minha orientadora Silvana
Barbosa por acreditar no meu trabalho e confiar em mim. Minha gratidão será como
forma de exemplo.
Aos professores Alexandre Barata e Horacio Martinez, pela composição da
banca de qualificação e pelas valiosas questões que ofereceram, ajudando a
pesquisa chegar ao formato atual.
Aos companheiros que fiz ao longo do mestrado Cris, Paulo e Thomaz.
Obrigado por me “adotarem” no tempo que estive em Juíz de Fora. Sem dúvidas,
ofereceram a mim mais do que eu para com vocês.
Agradeço também, de uma forma mais geral, ao LETHIS, e ao professor Julio
Bentivoglio, pela inserção de forma carinhosa nas dinâmicas do Laboratório. Vocês
fazem parte dessa jornada.
Ao Pablo, por ser quem ele é: me faz raiva mas ta sempre aqui. Entramos e
estamos nessa juntos. Lembre-se que nas quartas usamos rosa.
Ao Jorge Vianna, quase um tutor que sempre terei apreço. Você merece
minha gratidão.
Aos amigos que fiz ao longo da graduação, Julianna e Vinicius. Pela
caminhada que começamos e continuamos. Pelas conversas, pelos momentos
que tivemos e que ainda teremos.
Agradeço ao Leonardo Veloso. Que mesmo de longe contribuiu para a
aprovação no doutorado, e por me fazer descobrir a América, ainda na graduação.
À Lorenza, que até “hoje” me cobra presença no espanhol, nos churrascos
e na acadêmia.
Por fim, agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), pelo financiamento a desta pesquisa, por meio da
concessão de bolsa de estudos– o que viabilizou este trabalho.
Sou a pessoa mais grata do mundo. Meu muito obrigada!
“Tudo, aliás, é a ponta de um mistério.
Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles.
Dúvidas? Quando nada acontece, há um
milagre que não estamos vendo.”
(Guimarães Rosa )
RESUMO
O presente trabalho se propõe a observar e analisar os encontros entre o Brasil e Buenos Aires perante as publicações do periódico portenho El Argos de Buenos Aires durante os anos de sua existência (1821-1822), entendendo que, por meio desses encontros, ambos trocaram experiências políticas em meio a uma mesma unidade histórica. Os espaços americanos escolhidos foram estudados a partir da leitura do mundo lusoamericano na imprensa periódica do grupo liderado pelo ministro Bernardino Rivadavia. Assim, buscamos compreender os pontos de contato político, entre o Brasil e Buenos Aires, em meio à crise do Antigo Regime no mundo ocidental.
Palavras-chave: Experiência Histórica; El Argos de Buenos Aires; Imprensa
periódica; Brasil; Século XIX.
RESUMEN
El presente trabajo se propone observar y analizar los encuentros entre Brasil y Buenos Aires ante las publicaciones del periodico porteño El Argos de Buenos Aires durante los años de su existencia (1821-1822), entendiendo que, por medio de esos encuentros, ambos intercambiaron experiencias políticas en medio de una misma unidad históricamente. Los espacios americanos elegidos se estudiaron a partir de la lectura del mundo lusoamericano en la prensa periodica del grupo liderado por el ministro Bernardino Rivadavia. Así, buscamos comprender los puntos de contacto poltico, entre Brasil y Buenos Aires, en medio de la crisis del Antiguo Régimen en el mundo occidental.
Palabras-llave: Experiencia Histórica; El Argos de Buenos Aires; Prensa periódica;
Brazil; Siglo XIX.
Sumário 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 14
2 DAS FORMAS DE SE ENTENDER A AMÉRICA ..................................................... 21
2.1 Tempo, espaço e experiência politica: alguns referênciais históricos e analíticos
........................................................................................................................................... 21
2.2 A temporariedade oitocentista na América Ibérica: a Imprensa e o advento da
Opinião Pública na América Ibérica Oitocentista ...................................................... 41
2.3 A nação no pensamento moderno americano no XIX: referênciais históricos e
analíticos .......................................................................................................................... 47
2.4 As experiências políticas: o século XIX em perspectiva........................................... 52
3 O ESPAÇO POLÍTICO DOS PORTENHOS .............................................................. 61
3.1 Buenos Aires e os rivadavianos ................................................................................... 61
3.2 Buenos Aires: a busca da concretização de um projeto político vencedor ........... 63
3.3 Uma Elite, um periódico e um Projeto: os Rivadavianos e El Argos de Buenos Aires
........................................................................................................................................... 66
3. 4 El Argos de Buenos Aires: o periódico dos rivadavianos ........................................ 70
3.5 El Argos de Buenos Aires e a Sociedad Literaria ..................................................... 75
3.6 El Argos e a Política ....................................................................................................... 83
4 EL ARGOS LÊ O BRASIL: OS ANOS DE UMA FUNDAMENTAL CONJUNTURA
EXTERNA (1821-1825) ................................................................................................. 92
4.1 O grande Império na América ....................................................................................... 92
4.2 O Brasil no seio das Independências Americanas .................................................. 102
4.3 Uma futura irmandade: Bonifácio e os rivadavianos ............................................... 113
4.4 El Argos de Buenos Aires e a quão sonhada Independência brasileira .............. 126
4.5 Quem quer ser americano no Brasil? Os anos de 1824......................................... 138
4.6 O prelúdio da Guerra: o ano de 1825 ........................................................................ 143
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 158
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 162
14
1 INTRODUÇÃO
Durante um longo tempo, tratou-se dos processos independentistas ibero-
americanos, no seio do século XIX, com destaque aos distintos fins, ou seja, levando-
se em conta o resultado dos Estados Nacionais. Na historiografia, uma clivagem
básica geralmente se apresentou: de um lado, o Brasil e seu discurso de
excepcionalidade da América Ibérica, com sua conservação territorial, manutenção do
governo monárquico e escravidão; de outro, a América hispânica, com sua
fragmentação e seu republicanismo1.
No século XIX, as narrativas históricas iniciais sobre as independências
americanas, principalmente no que tange à comparação, foram vistas como
meramente impróprias, tal qual um discurso de afastamento do Brasil enquanto parte
da América. Além disso, o caso norte-americano carrega para si, em suas narrativas
históricas, a posição de detentor do ser americano2. Essa distinção se enraizou nas
historiografias do século XX e estes processos foram vistos separadamente.
No final desse século, tornaram-se evidentes, para os historiadores que estudam a
América, os processos de independência mais como um ponto de partida para essa
construção do que como um ponto de chegada. Para nós, isso significa que, se a
nação não estava previamente concebida no momento das independências,
tampouco estaria modelo político adotado por esses corpos políticos. A partir desses
olhares, a história política-americana salienta três momentos fundamentais para o
entendimento desses processos: a Independência, as guerras civis e a consolidação
dos novos Estados nacionais.
1 Destacamos que há uma série de estudos visando abordar uma perspectiva integrada e debatendo esses novos tipos de abordagens, cf. PIMENTA, João Paulo G. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c.1780-c.1830), São Paulo, FFLCH-USP, Tese de Livre Docência, 2012.; GRAHAM, Richard. Independence in Latin America: a Comparative Approach, 2a.ed. McGraw-Hill, 1994.; DONGHI, Tulio Halperín. Reforma y disolución de los imperios ibéricos (1750-1850), Madrid: Alianza, 1985; LANGLEY, Lester D. The Americas in the Age of Revolution 1750-1850, New Haven/London, Yale University Press, 1996; MCFARLANE, Anthony. Independências americanas na era das revoluções: conexões, contextos, comparações, in: Jurandir Malerba (org.), A Independência brasileira: novas dimensões, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006, p.387-417; RODRIGUEZ, Jaime E. Rodríguez. La independência de La América española, México, FCE, Colmex, FHA, 2005; François-Xavier Guerra, Modernidad e independencias: ensayos sobre las revolucines hispanicas, 3º Ed., México, FCE, MAPFRE, 2000. 2 WOODWARD, C. Vann. The Comparability of American History. In:_______(org.) A Comparative Approach to American History. New York. Oxford University Press, 1996.
15
As interpretações historiográficas mais recentes veem a compreensão do
mundo contemporâneo impulsionado ao entendimento das consequências da
articulação vivenciada entre a Europa e América, principalmente entre os séculos
XVIII e XIX. Os espaços americanos tornaram-se protagonistas, especialmente no
recorte, após o último quartel do século XVIII e a primeira metade do século XIX, de
processos revolucionários que dissolveram os antigos impérios coloniais e deram
origem a um novo estado de organização política que, em linhas gerais, perdura até
os dias de hoje.
O esclarecimento de aspectos de um dos fenômenos mais importantes da
história moderna, que continua a mobilizar a atenção dos estudiosos, trata-se do
surgimento do Brasil como um Estado nacional a partir da ruptura entre metrópoles e
colônias nos espaços americanos independentes3.
Esta pesquisa propõe uma contribuição a esse conjunto de estudos, buscando,
em consonância com a atual historiografia, a compreensão de como a elite portenha
― conhecida como os rivadavianos, liderada pelo ministro de governo Bernardino
Rivadavia — buscou, por meio do periódico El Argos de Buenos Aires, inserir sua
leitura sobre o Brasil no seio da marcha do pensamento moderno americano de
liberdade. Essa leitura ocorreu durante a conjuntura de ambos os cenários, os da
Pronvincias Unidas do Rio da Prata e do Brasil, os quais viviam um momento de
reorganização de sua forma de fazer política juntamente com o restante do continente,
inserido em um contexto revolucionário de dimensões ocidentais.
A delimitação de nosso espaço de análise implica uma consideração. Embora
nos concentremos no cenário político rivadaviano, compreendemos, no campo
teórico, importantes contribuições para melhor entendermos o contexto construído ao
3 COSTA, Wilma Peres. Entre tempos e mundos: Chateaubriand e a outra América. In: Almanack Brasiliense (Online), n. 11, São Paulo, 2010, p. 5-10. ARMITAGE, David. La primera Crisis Atlántica: la Revolución Americana. 20/10 El Mundo Atlántico y la Modernidad Iberoamericana (Online), n. 10, 2012. RODRÍGUEZ O., Jaime E. La independencia de la América española. México: FCE/ Colmex/ FHA, 2005. RINKE, Stefan. Las Revoluciones en América Latina. Las vías a la independencia. 1760-1830. México: El Colegio de México: Colegio Internacional de Graduados, 2011. JANCSÓ, István. A construção dos Estados Nacionais na América Latina – apontamentos para o estudo do Império como Projeto. In: História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Edusp, 2002. Do mesmo autor, (org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec/ Ed. Unijui/ Fapesp, 2003. CHIARAMONTE, José Carlos. Fundamentos intelectuales y políticos de las independencias. Notas para una nueva historia intelectual de Iberoamérica. Buenos Aires: Teseo, 2010. FRASQUET, Ivana (ed.). Bastillas, cetros y blasones. La independencia en Iberoamérica. Madrid: Mapfre, 2006. WASSERMAN, Fabio. El concepto de nación y las transformaciones políticas en Iberoamérica (1750-1850). Disponível em : http://foroiberoideas.cervantesvirtual.com/foro/threads.jsp?idparent=0. Acesso em: 30/01/2019.
16
longo das primeiras décadas do Oitocentos. Assim, neste trabalho, por exemplo,
consideram-se discussões historiográficas sobre essas conjunturas em
desenvolvimento, pois concordamos, a partir dessas leituras, que a experiência da
história e do tempo só pode ser parte de um contexto de maior amplitude.
O ano de 1808 pode ser compreendido como o início de um processo de
transformações que envolvem os espaços americanos, relacionando-se diretamente
com a desintegração das monarquias europeias. Nesse sentido, esse processo é
exteriorizado por uma era de grandes modificações, que atingiram desde a política
estatal até as esferas mínimas da vida social, alterando substancialmente o cotidiano
em uma transformação identificada por Reinhart Koselleck como o advento da
Modernidade no mundo ocidental4.
A perspectiva de politização da vida social e a aceleração das perspectivas dos
tempos surgiram, nesse cenário, como fenômenos entrelaçados que influenciaram
uma nova concepção de tempo, de vocabulário, de discursos e da própria política. Em
meio a essa transformação, a política passou a ocupar espaço em muitos dos
aspectos da vida social, dando origem a uma série de novas soluções para gestão
dessas sociedades5.
Assim, posicionamo-nos em entender que, na América-ibérica, nos anos entre
1808 e 183, presenciaram-se processos pertencentes a uma mesma unidade
histórica. Afinal, foi nesse intervalo de tempo que desapareceram os impérios
coloniais estabelecidos nesses espaços. Na maioria dos países americanos, a
proclamação oficial das independências transformou-se no mito fundacional das
nações, o que impediu, por muito tempo, a realização de uma análise histórica mais
crítica de acontecimentos, visto sob outra perspectiva. Dessa forma, grande parte das
discussões historiográficas mais recentes procura elucidar outros aspectos dos
processos revolucionários americanos, favorecendo um olhar para as conexões
estabelecidas entre eles, pois se entende que, por mais que esses projetos fossem
4 KOSELLECK, Reinhart. “'Espaço de experiência' e 'horizonte de expectativa': duas categorias históricas”, Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, Rio de Janeiro, Contraponto, Ed. PUC-Rio, 2006. 5 FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Revolucionarios y Liberales. Conceptos e identidades políticas en El mundo atlántico. In: CALDERÓN, Maria Teresa e THIBAUD, Clément (eds.) Las revoluciones en el mundo atlántico. Bogotá: Universidad Externado de Colombia/Taurus. 2006. PALTI, Elías José. El tiempo de la política. El siglo XIX reconsiderado. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007. CHUST, Manuel e SERRANO, José Antonio (eds.). Debates sobre las independencias iberoamericanas. Madrid: AHILA, Vervuert, 2007
17
múltiplos, advieram de um mesmo ponto de partida6. Nas páginas deste trabalho,
pretendemos demostrar aspectos tanto dessa historiografia como parte dessa
conexão.
Nossa reflexão é fruto, essencialmente, de uma verificação das publicações da
elite rivadaviana por meio do periódico portenho El Argos de Buenos Aires sobre o
Brasil no período compreendido entre 1821 e 1825. Assim, ao longo deste
trabalho, procuramos evidenciar, no decorrer das publicações do periódico, as
articulações políticas que, majoritariamente, a elite Rivadaviana buscava no Brasil ao
inserir suas críticas e análises da conjuntura luso-americana ao El Argos, tendo como
pano de fundo a finalidade por vantagens e obtenção (ou a própria manutenção) do
poder.
Ao longo do primeiro capítulo, procuramos nos posicionar com o trabalho de
muitos historiadores que buscaram explicar os fenômenos no tocante ao processo de
ruptura das colônias americanas, com suas respectivas metrópoles europeias, além
do surgimento e consolidação dos Estados nacionais resultados dessa ruptura. Com
espacialidades e temporalidades distintas, muitas vezes de formas mais amplas, o
cenário da historiografia atual observa uma explosão quantitativa de estudos sobre as
independências da América, apresentando-lhes um aumento das pesquisas que
relacionam espaços coloniais americanos uns com os outros. Além disso, damos
especial atenção ao papel dos espaços públicos, afirmando sua fundamental
importância no primeiro quartel do Oitocentos no tocante à construção dos Estados
Nacionais. Pensamos nesses espaços como um legítimo meio de fazer politica no
cenário que há de ser construído nas disputas de projetos políticos.
É notório que a imprensa periódica foi e ainda permanece utilizada por
pesquisadores e historiadores para construir trabalhos sobre o pensamento político e
a cena pública do período estudado. Porém, em relação a esses estudos, os temas
são tratados majoritariamente por vertentes comparativas conceituais. Assim, este
estudo insere-se, justamente, em uma lacuna na historiografia, pois poucos são os
6 JANCSÓ, István e PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico: apontamentos para o estudo da unidade nacional brasileira. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta. A Experiência Brasileira (1500-2000). Formação: histórias. São Paulo: Senac, 2000. ÁVILA, Alfredo e PÉREZ HERRERO, Pedro (comp.). Las experiencias de 1808 en Iberoamérica. México: UNAM/ Universidad de Alcalá, 2008. CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, Províncias, Estados: origens da nação argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009.
18
estudos que abordam, através do espaço da opinião pública, a construção de um olhar
sobre a conjuntura independentista de países vizinhos.
No segundo capítulo, analisa-se o cenário que ocorria por trás do periódico El
Argos de Buenos Aires, sobretudo, destacando a proposta do intelectual Bernardino
Rivadavia, um liberal ilustrado e centralista, nomeado como ministro de governo
(1821). Esse período ficou caracterizado como “feliz experiência”. Liderando o Partido
da Ordem, Rivadavia, com a elite dirigente de Buenos Aires a seu favor, pretendia,
com o objetivo em comum, a modernização em todos os aspectos dessa sociedade.
As reformas rivadavianas foram caracterizadas com a expansão da imprensa
periódica, possibilitando então a ampliação do debate público e a ressignificação do
espaço público portenho. Nesse sentido, El Argos de Buenos Aires, cuja duração
ocorreu de 1821-1825, esteve fortemente ligado ao projeto rivadaviano, com um papel
fundamental enquanto o principal meio difusor de ideias dessa elite ilustrada que
buscava legitimar-se tanto no contexto interno quanto no contexto externo ao país.
Defendemos, assim, que a leitura política dos rivadavianos sobre o Brasil, por
meio do periódico, posiciona-se e se retroalimenta de uma visão de um espaço de
experiência revolucionário moderno e americano, o qual vinha se formado de uma
nova dinâmica histórica observada por eles no seio de suas dinâmicas políticas.
No terceiro capítulo, analisam-se o processo e as articulações pós
Independência do Brasil através de discursos veiculados no periódico El Argos de
Buenos Aires. Trata-se de analisar, majoritariamente, aquelas leituras que ensejavam
alterações fundamentais nas estruturas temporais da experiência da história, bem
como a construção de uma visão de conjunto sobre os demais processos
revolucionários ocorridos no tocante ao continente Americano, perfazendo, de fato,
uma mesma experiência histórica.
Nesse sentido, percebemos que esse tema, ainda pouco explorado pela
historiografia da nossa Independência, causou um posicionamento com a
necessidade de circunscrevê-lo em um aspecto mais geral deste trabalho, na direção
da perspectiva historiográfica que visa problematizar o consagrado enfoque da
singularidade do caso brasileiro perante as demais experiências de separação política
entre colônias e metrópoles no espaço americano do início do século XIX. Em síntese,
essas abordagens sublinharam excessivamente ora um aspecto, ora outro aspecto,
muitas vezes ambos, de uma independência do Brasil fundada em um caráter
“ordeiro”, que se concretizou pela “manutenção territorial” e adotou um regime
19
monárquico constitucional com base em uma opção política, contrastante com a
“anarquia” dos conflitos políticos hispânicos que resultaram ao “esfacelamento” e à
“fragmentação” dos territórios da América espanhola. O que resultou ao surgimento
de várias repúblicas. Ainda que essas interpretações não neguem a existência de
vínculos e proximidades entre as trajetórias políticas do início do século XIX, pode ser
observado que “muito pouco tem sido feito, contudo, para elucidar a complexidade
das feições e da dinâmica da inter-relação entre elas”7, como bem argumenta João
Paulo Garrido Pimenta.
Nesse sentido, explorando o campo das publicações disponíveis do periódico
sobre como o cenário do Brasil havia sendo projetado, fundamenta-se o terceiro
capítulo também em documentação de correspondências diplomáticas entre
Bernardino Rivadavia e José Bonífácio de Andrada e Silva e suas interlocuções. A
escolha dessas correspondências justifica-se por ter se constituído como uma das
ligações de intensa politização da necessidade diplomática, especialmente para tratar
do tema da região da Independência e da Cisplatina. Bonifácio aparece, para os
rivadavianos, como o grande homem americano em oposição à leitura que será
desenvolvida em torno do Imperador D. Pedro I. Após a saída de Bonifácio, o
surgimento de visões antagônicas sobre as leituras do Brasil aparece exposto em
torno do Imperador do Brasil. Assim, a figura de Bonifácio, para os rivadavianos,
acabou-se tornando uma espécie de articulação e defesa de interesses americanos
de influência decisiva na construção de acordos ou desencadeamento de conflitos
com Brasil.
Nesse sentido, buscamos contribuir para a compreensão dos processos
vivenciados pelo Brasil nas publicações do periódico El Argos nas décadas iniciais do
século XIX: a primeira, mais ampla, relaciona-se ao olhar dos agentes históricos
rivadavianos para a situação vivenciada pelo Brasil na inserção do Estado no seio da
luta da América de modo geral, o que permitiu a criação de uma leitura mais
abrangente, que aproximou as partes da América umas das outras ― o que será
tratado ao longo do trabalho. A segunda, mais circunscrita, é a identificação da elite
rivadaviana com o contexto brasileiro, no qual se encontraram os processos de
independência, cujas críticas possuem um tom pedagógico sobre o exemplo que o
7 João Paulo G. Pimenta, O Brasil e a América espanhola (1808-1822), São Paulo, Universidade de São Paulo, (Tese de doutorado), 2003, p. 14
20
Brasil deveria ter a partir do que foi vivenciado anteriormente pelos seus irmãos
continentais portenhos. Assim, o que aqui se pretendeu foi analisar como as notícias,
artigos, ideias, textos e boatos cruzaram o território americano, estabelecendo
relações entre as ocorrências desse espaço americano revolucionário. Além das
trocas decorrentes desse cruzamento, observamos como essas múltiplas informações
foram relacionadas e recriadas, ou seja, as intervenções que sofreram a partir da
política. Formulamos, então, uma questão que ficará mais clara ao longo do último
capítulo: por que, nesse contexto histórico, os rivadavianos estabeleceram leituras
diferentes sobre o Brasil como parte de uma América? O questionamento se impõe
porque é evidente uma mudança de tal conexão, uma vez que a figura do território no
continente aparece marcada como parte de um dualismo interpretativo sobre a luta
pela liberdade dos americanos.
21
2 DAS FORMAS DE SE ENTENDER A AMÉRICA
“Daí nasceram todas as quimeras dos novos
humanismos, todas as facilidades de uma
“antropologia", entendida como reflexão
geral, meio positiva, meio filosófica, sobre o
homem. Contudo, é um reconforto e um
profundo apaziguamento pensar que o
homem não passa de uma invenção recente,
uma figura que não tem dois séculos, uma
simples dobra de nosso saber, e que
desaparecerá desde que este houver
encontrado uma forma nova”
(Michel Foucault - As palavras e as coisas)
2.1 Tempo, espaço e experiência politica: alguns referênciais históricos e
analíticos
O que nos torna americanos? Como se determina quem o é ou não? Quem
utiliza esse adjetivo e como é sua apropriação em diferentes momentos? O que se
considera como artificio para ser detentor desse adjetivo nas primeiras décadas do
século XIX?
A essas indagações, a História Intelectual responde ao indicar suas fraquezas
teórico-metodológicas. Os historiadores das ideias políticas devem ter pleno
discernimento que seus objetos conceitualmente construídos são analisados a partir
dos textos disponíveis, gerando definições cujos resultados são provenientes de um
trabalho de análise contextual. Assim, seja qual for a definição proposta, de certa
maneira, ela se revelará demasiada vaga e restrita.8 Quando nos referimos à definição
como vaga, fazemo-no por não ser possível englobar um conteúdo que se insira com
perfeição ao objeto de análise, podendo demonstrar que tudo aquilo produzido lhe
8 Cf. PALTI, Elías José. El momento romântico: nación, historia y lenguajes políticos em la Argentina del siglo XIX. Buenos Aires: Eudeba, 2009, p. 154.
22
corresponderia propriamente sem atribuições ideológicas posteriores ou como
consequências das circunstâncias9.
Investigar a apropriação do conceito durante as independências íbero-
americanas salienta duas problemáticas. A primeira tem como enfoque aspectos de
uma ordem teórica e a segunda está relacionada ao que tange à ordem historiográfica.
Essa primeira análise, de ordem teórica, é o que se entende por América. Ainda
nessa abordagem existem duas opções analíticas. Há análises que enfocam o
conceito de América a partir de 1830 como parte do Romantismo10. Portanto, os
trabalhos dos especialistas que se debruçaram sobre o tema ou a sua reflexão acerca
da dimensão histórica do Americano abordam as ideias subsequentes ao período
estudado que nos foi proposto, isto é, o período de 1820. A outra opção seria uma
análise de América que perpassa nossa abordagem, preocupada com a
representação de Modernidade, presente ao pensamento americanao, cujo foco recai
sobre a segunda década do oitocentos11.
A outra problemática, de ordem historiográfica, corresponde aos estudos sobre
o conceito de América nas independências, ou seja, o embate sobre o ser americano
fragmenta a América, tangenciando principalmente à perspectiva norte-americana
como provedora e patriótica dessa representação. O outros países do continente,
devido aos desenvolvimentos do processo independentista, são analisados como
impróprios de uma representação puramente americana., Em relação ao Brasil como
parte de uma mesma América, por exemplo, ainda há pouco estudado sobre o tema
tratado.12.
9 Cumpre lembrar o trabalho de Leonardo Grão Velloso Damato Oliveira. Seu estudo aborda esse incômodo e contribuiu para perceber que o mesmo estava presente nesse trabalho. Oliveira levantou essa problemática quando buscou estabelecer os possíveis contextos e sentidos que geraram conflitos, engendrando análises de um momento no qual o federalismo se constituiu como opção política no Brasil. Cf. OLIVEIRA, Leonardo Grão Velloso Damato. Momento Federalista: projetos políticos no Alvorecer do Império Brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFES. Vitória, 2013. 10 Para mais informações sobre esses trabalhos que foram de suma importância para a nossa referência. Cf. RAMOS, Júlio. (2008) Desencontros da Modernidade na América Latina: literatura e política no século XIX. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008; RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a ideia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004 (coleção temas brasileiros). 11 Ao longo do Capítulo essas referências ficaram explícitas. Para mais detalhes, Cf. ANNINO, Antonio y GUERRA, François-Xavier (coordinadores). Inventando la Nación – Iberoamérica siglo XIX. México: FCE, 2003; PALTI, Elías. La nación como problema. México: FCE, 2003; PIMENTA, João Paulo Garrido. O Brasil e a América espanhola (1808-1822). Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2004; SEBÁSTIAN, Javier Fernández (dir.). Diccionario político y social del mundo iberoamericano. Fundación Carolina. Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009. 12 Se optarmos por ver que a noção de pertencimento carrega em si uma construção Histórica, o Brasil ainda precisa firmar-se nesse “sentimento”. Como aponta Maria Ligia Prado: “Termino com uma certeza
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Buscamos salientar, para além do conceito de América, os sentidos que esta
assume nas primeiras décadas do XIX, não em termos de dimensão ― a qual se
desenvolveu após 1830 na relação centro-periferia do romantismo —, mas optamos
por uma análise das ideias e das linguagens políticas, bem como dos ideais veiculados
em diferentes momentos. Mais precisamente, buscamos entender a interpretação que
o periódico portenho El Argos de Buenos Aires detinha sobre o Brasil no cenário que
estava se desenvolvendo pós-Independência brasileira. Seu principal expoente foi a
elite rivadaviana, encabeçada por Bernardino Rivadavia, ministro de governo de
Buenos Aires. Suas interpretações abriram um leque de possibilidade da inserção ou
exclusão do Brasil no seio da marcha americana de liberdade da modernidade. Em
alguns momentos, inserem o Brasil como irmão continental em toda sua luta contra o
depostimo europeu; e, em outros momentos, mostram a exclusão do Brasil do seio da
grande marcha por sua forma de governo.
Isso, de certa forma, implicou em abarcarmos e em entendermos uma narrativa
de América conjunta, mesmo com suas distintas formas de governo13. Para tanto,
debruçar-nos-emos sobre a tentativa de compreender que algumas etapas não
poderão ser isoladas em si. Devido a isso, procuramos os estudos de América Ibérica,
mesmo que a princípio eles se separem dos de América Anglo-Saxônica, para melhor
aprofundamento da percepção de Modernidade na conjuntura que havia se formando.
Para isso, em linhas gerais, buscando o entendimento desta pesquisa, inserem-se,
por um lado, a história das ideias e, por outro, as práticas discursivas14 e das
e uma dúvida. A primeira se refere à constatação de como é difícil pensar a América Latina a partir do Brasil, onde não existe uma tradição de estudos latino-americanos. [..] a indagação que continuo a fazer refere-se às concretas possibilidades do despertar de uma nova visão brasileira com relação a essa outra América, tão próxima e, ao mesmo tempo, tão distante.” PRADO, Maria Ligia Coelho. O Brasil e a distante América do Sul. Revista de História, n. 145, p. 127-149, 2001. p. 147. 13 No campo retórico, muitas vezes se separou a América, como um ideal em comum, por se tratar de diferentes formas de governo, ou seja, República versus Monarquia. Para compreender esse contexto linguístico, busquei a natureza dos enunciados que dialogava com um ideal americano. José Murilo de Carvalho ressaltou que a retórica fez parte do campo de estudo filosófico bem presente entre os homens do XIX. Entender a depreciação de um tipo de governo, não necessariamente significa uma crítica a América. Assim, ao dissertar os escritos dessa época, não se pode, de certo modo, levar as afirmações que proferiram sem considerar essa característica como parte integrante das argumentações que faziam parte das enunciações de homens da época. As citações e a retórica, constituíam os argumentos para que esses atores defendessem suas ideias, para possivelmente validá-las dentro do debate político. Cf. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. In: Topoi, Rio de Janeiro, n. 1, 2000, p. 123-152. 14 “História dos discursos”, expressão vinculada a J. G. A. Pocock. Entendemos, a partir de sua abordagem que, se as fontes primárias analisadas tratam de textos, o objeto de estudo será compreender linguagens políticas que por elas são veiculadas. Cf. POCOCK, J. G. A. Linguagens do ideário político. São Paulo: EDUSP, 2003
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linguagens políticas por elas veiculadas.
Assim, acreditamos que, ao optarmos por esse tipo de leitura, sob nossa
percepção, ela nos serve de amparo para o entendimento de que, por mais que a
apropriação do discurso de ser americano como parte de identificação na conjuntura
não acontecera de maneiras idênticas, isso não exclui sua evocação. Esse diálogo,
por sua vez, deve propiciar interação sem anulá-las à sua forma.
Esse olhar inclui pensar nesse ser americano com diferentes abordagens na
historiografia que dedicou em pensar contra um elemento tributário que foi firmado
sobre a modernidade americana, como reflexo do europeu. Sem negar as
particularidades que cada cenário vivenciou, queremos dialogar com o novo olhar
sobre a formação nacional na América. A essa Historiografia, por vezes criticada por
passar uma visão de comparações forçadas, que não evidenciam os
desenvolvimentos diferentes, reformulou sua própria ótica.
Para tanto, debates foram desenvolvidos e essa historiografia, a que nos
referimos acima, passou a refletir sobre um novo olhar para América. Assim,
buscamos refletir também sobre as aproximações desses processos que ocorreram
no novo mundo e seus desvios ocorridos ao longo dessa conjuntura histórica. Esse
tipo de abordagem nos oferece uma possibilidade de expandir o estudo da história da
América, de entender os próprios confrontos desenvolvidos na modernidade
americana ― como essas ideias ora foram vinculadas e reproduzidas, ou na própria
desvinculação do Brasil, como parte de uma América, por sua opção monárquica
conflitante com a grande ideologia da América, o republicanismo.
As diferenças e semelhanças entre esses usos ― sejam nos periódicos ou
cartas que contêm informações de cada conjuntura — permitem estabelecer uma
perspectiva mais abrangente sobre o novo mundo em construção. Esse tipo de análise
nos proporciona, enfatizando questões em comuns, uma discussão quanto a uma
possível existência de uma opção política que foi perceptível na América.
Nesse sentido, fica estabelecido que não estamos tratando de uma História
comparada. A comparação é muito mais expressiva que um método. Lançar mão de
uma História comparada é compreender outras questões. Sobre esse assunto, apesar
de defender o estudo comparativo, Marc Bloch
propunha mais um modo de pensar do que um método; o uso da comparação era uma maneira de alcançar diferentes perspectivas no campo da pesquisa. Constitui-se em modelo que prescinde da elaboração de estruturas formais e
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que se apresenta mais como uma forma de pensar. 15
Trata-se, assim, de refletir sobre ideias existentes por trás ou diretamente das
apropriações que se desenvolveramna modernidade. Esse ser imaginado americano
― que foi desenvolvido, gradualmente, no tocante à criação de uma nação e de um
Estado — pode ser perceptível nas independências Americanas16.
Desse modo, ao optarmos pelo estudo de contextos linguísticos17, temos como
objetivo propor, dispensavelmente, o encontro nas relações entre os textos estudados
e os contextos em que foram produzidos, entrelaçando as ideias veiculadas a um
período determinado e aos prováveis enunciados que as poderiam ter influenciado,
entre os atores e a retórica discursiva que ofereceram os meios para que duas ideias
pudessem ser produzidas.18 A busca pela comparação de discursos em diferentes
níveis de fala estabelece a possibilidade de uma prática discursiva na modernidade
americana como detendora de um ideal em comum. Esse discurso é possível dentro
de um texto e um contexto, daí a necessidade de inserção, através da cultura escrita,
da análise dos discursos que nos norteiam na empreitada de entender as pistas
necessárias à compreensão das representações sociais e políticas presentes.
Essa busca induz o historiador a debruçar-se sobre o contexto das
argumentações oferecidas para só assim poder estabelecer o quão propriamente a
elocução se conecta com as demais. Por conseguinte, não se devem investigar
apenas os textos, devem-se também verificar os contextos com os quais eles
pretenderam dialogar e possivelmente criar, confirmar, criticar ou mesmo alterar. Em
suma, dentro do próprio estudo dos contextos linguísticos também está a preocupação
da dimensão retórica da linguagem. Compreender o tempo e o contexto da formulação
de um ator histórico traz atenção à utilização da linguagem e a como as ferramentas
vocabulares a ele estavam disponíveis19.
Para refletir acerca da problemática dos contextos, pautamos a perspectiva da
15 PRADO, Maria Ligia Coelho, op. cit. p. 19. A autora utiliza por base para essa discussão: GREW, Raymond, “The case for comparing histories”, in The American Historical Review, vol. 85, nº. 4, 1980. 16 Trataremos desta definição mais adiante. 17 Para uma revisão sobre o contextualismo linguístico, cf. CLARK, Elizabeth A. History, Theory, Text: historians and the linguistic turn. Cambridge: Harvard University, 2004. 18 Para a nossa metodologia, as principais obras utilizadas foram: POCOCK, J. G. A. Linguagens do ideário político. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003; ______. Political thought and history: essays on theory and method. Cambridge: Cambridge University, 2009; SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 19 Na perspectiva de Pocock (2013), a “história dos discursos políticos” preocupa-se com a efetivação dos discursos. Dessa maneira, dedica-se a análise das linguagens em que a anunciações foram proferidas como parte integrante do contexto e não apenas como um texto. POCOCK, 2003, p. 30-67.
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compreensão própria de que “algo” aconteceu, seja ele em seu sentido histórico, seja
ele em sua dimensão política, tanto na sua interpretação quanto na sua escrita.
Se “algo” aconteceu, ele deverá ser parte das relações políticas e sociais, ou
seja, esse “algo” tornou-se fundamental para a construção de uma nova ordem. Uma
das maiores referências para se conceber e compreender o marco de um pensamento
moderno introduzido por uma nova ordem e vocabulário sócio-político são as
Independências americanas20. Essas emancipações abriram um campo de
experiências políticas que não necessariamente foram desenvolvidas de maneiras
semelhantes, senão no campo dos ideários emancipacionistas. Para a compreensão
desse trabalho se propõe inicialmente perceber a separação de representação e
aplicabilidade sobre o pensamento moderno. Por isso, nosso embasamento
compreende a modernidade mais como uma representação do que propriamente a
realidade.
No final do século XVIII, com a Declaração de Independência das Colônias
Inglesas e após a Revolução Francesa, frequentemente, começou a emergir-se no
vocabulário político a expressão Soberania Popular.21 Cumpre ressaltar que essa
percepção foi regulada pelas relações entre governante e governado, sob as quais o
20 Ao tratar de Independências americanas, tratamos tanto do norte quanto do sul. Contudo, tomamos como referências precursoras, dois momentos. Um deles é a Revolução de Independência das Treze Colônias da América do Norte. Essa pode ser compreendida como o modelo de ruptura metrópole-colônia. A outra precursora é a Revolução dos escravos em Saint-Domingue. Está aboliu a escravatura em 1793 e posteriormente em 1804 criou a República do Haiti. Cumpre lembrar que as proclamações oficiais das independências americanas foram vistas, em sua grande maioria, como fundação de uma nação. Em suma, por conta disso, a realização de uma análise crítica sobre esse marco foi modesta. A abordagem de cujo foco eram de líderes individuais, só foram rompidas em meados do século XX, já que a mesma começou a ser questionada para dar lugar a análises cujo enfoque priorize as transformações processuais que foram vivenciadas na sociedade. Em estudos mais recentes, as discussões historiográficas procuram evidenciar aspectos revolucionários americanos, visto sobre um olhar de conexões. Cf. Ver nota 11, Cf. também, FERNANDES, Ana Cláudia. Revolução em pauta: o debate Correo del Orinoco - Correio Braziliense (1817-1820). Dissertação de mestrado. São Paulo, 2010; NEVES, Maria Júlia Manão Pires. O Peru lê o Brasil: o mundo luso-americano na imprensa e na política peruana 1808-1822. Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2014; ALVES, Camilla Farah Ferreira. Na América, dois impérios: os encontros entre o Brasil e o México na imprensa periódica (1808-1822). Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2014 21 Ao analisar a Modernidade pós-efeitos de 1789, Reinhart Koselleck apontou três bases essenciais na passagem entre súdito-cidadão: a consciência, a crítica e a crise política. Em suma, diante da transição para o Oitocentos, nesse horizonte de expectativa, transpôs uma consciência do homem como possuidor de direitos e deveres. Para mais detalhes, Cf. KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Contaponto,1999. Para o debate sobre o efeito que a Revolução Norte-americana produziu através de seus intelectuais e atores políticos no liberalismo do século XIX e na percepção de liberdade, cf. FONER, Eric J. The story of american freedom. Nova York: W. W. Norton & Company, 1999. Para um panorama mais abrangente, Cf. SAGNAC, Phillippe. La fin de l’ancien regime et La Révolution Americaine (1763-1789). Paris: Presses Universitaires de France, 1952
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governado escolhe o governante. De forma geral, essa modernidade, como ápice de
um pensamento moderno ocidental, gerou a noção de que a fonte de legitimidade
deixa de ser transcendental, ou seja, o Ancien Régime entra em atrito com as novas
ideias iluministas modernas22. Em outras palavras, com essa nova concepção,
mostra-se que a modernidade infundiu um espírito no qual consiste:
separação consciente entre espaço de experiência e horizonte de expectativa é o indicador de temporalidade que está contido na tensão, antropologicamente preexistente, entre experiência e expectativa nos proporciona um parâmetro que permite ver nos conceitos constitucionais o nascimento da Modernidade.23
Não por acaso, outra referência fundamental para se analisar a modernidade,
no tanger da América Ibérica, são as invasões napoleônicas, que foram cruciais para
as modificações de aspectos políticos e sociais do Velho Mundo, contribuindo
diretamente para as mudanças de percepções que ocorreriam no novo continente. Em
suma, as monarquias europeias, tais como as ibéricas, foram as matrizes do
pensamento político de suas colônias24. Após a invasão das tropas napoleônicas em
territórios ibéricos – apesar de posicionamentos diferentes perante esse novo cenário
europeu – seus desdobramentos afetariam ambas as partes, modificando as relações
entre metrópoles e colônias25.
22 Refere-se aqui à concepção de Contrato Civil, para qual a vontade dos governados é a única forma legítima do poder do governante, pressente na obra de John Locke (1632-1704). De acordo com o filósofo, o consentimento dos homens em um pacto social, ou seja, a voluntariedade da sujeição civil pressupõe uma relação social, a qual baseia-se na confiança, que legitima e sustenta o vínculo entre governantes e governados. Locke foi um dos principais filósofos do século XVII, exerceu grande influência no pensamento iluminista do século XVIII. Suas obras obtiveram um grande eco nas bases do contratualismo e da filosofia política em geral. Cf. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. Vozes, 2006. 23 Cf. KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro, Contraponto, 2006. p. 324. O recorte cronológico proposto por Koselleck, foi discutido por outros estudos, que sugeriram uma leitura sobre as transformações em um recorte mais lento e acumulativo. Para essa crítica, o advento da modernidade pode ser compreendido para um passado mais “esticado. Para esse debate, cf. PALTI, Elías José. Koselleck y La idea de Sattelzeit. Un debate sobre modernidad y temporalidad. In: Ayer, nº. 53, Historia de los conceptos, 2004, pp. 63-74. 24 Cf. GARRIGA, Carlos; SLEMIAN, Andréa. Em trajes brasileiros: justiça e constituição na América ibérica (C. 1750-1850). Revista de História, n. 169, p. 181-221, 2013. Também, cf. DOMINGUES, Beatriz Helena. O medieval e o moderno no mundo ibérico e ibero-americano. Revista Estudos Históricos, v. 10, n. 20, p. 195-216, 1997. 25 É importante sublinhar que essa análise de modificações perceptíveis a partir dessa nova dinâmica Atlântica Ibérica correlaciona-se com a ideia de que essas conjunturas externas influenciaram diretamente nos desdobramentos Ibéricos, não anulando os cenários construídos e discutidos entre colônias e metrópoles anteriormente. Pelo contrário, Elías Palti aponta que “em definitivo, o efeito explicativo [..], só é possível, novamente, na medida em que colocamos por baixo dos acontecimentos históricos um sujeito que estes podem predicar – a isso que permanece sob as mudanças de modo que estas se lhe impõem”. Sendo assim, “No decurso dessas reconfigurações sucessivas serão abertos horizontes impensáveis no ponto de partida. Longe de responder a alguma lógica de desenvolvimento
28
No caso espanhol, as invasões geraram resistências26 com a própria noção de
legitimidade do poder napoleônico, pois não o reconheceram como fonte legítima do
poder que a governava. Essas resistências gradualmente modificaram a própria noção
de soberania do povo27. No Império lusitano, ocorreu um processo suis generis: a
transmigração da corte,28 evento que também modificou as percepções de ambos os
portugueses, nascidos na América ou na Europa29. A inversão colonial conduziu a
uma nova condição política para a sua colônia da América Portuguesa, o que elevou
o status político americano e gerou uma condição especifica: a formação do Estado
Monárquico Brasileiro30. Se na Historiografia a percepção da conjuntura de 1808-1810
linear, elas suporão uma reversão permanente sobre si para minar aqueles mesmos pressupostos que haviam posto em movimento esta série de transformações.” Para uma introdução dessa discursão, cf. PALTI, Elías. Entre a Natureza e o Artifício: a Concepção de Nação nos Tempos da Independência. Lua Nova, n. 81, 2010. 26 Cabe ressaltar a importância da noção do direito de resistência para a sociedade civil perante o poder ilegítimo e tirano difundido na filosofia Lockeana. Não se trata de um ato irracional, ou de desordem. Trata-se de um ato racional contra um poder ilegítimo. Argumento que sustenta a teoria da resistência evidenciando o direito por parte dos detentores do poder: o povo. Cf. LOCKE, 2006. p. 35. 27 Segundo Elías Palti, a percepção de Soberania percorre antes mesmo antes do último quartel do século XVIII. Contudo “[..] até finais do século XVIII diferentes autores poderão proclamar publicamente uma ideia que apenas meio século antes teria sido simplesmente impensável para os contemporâneos. Ou qual encarnaria um tipo de autoridade puramente convencional, ou seja, torna-se então imaginável, para eles, a oposição entre, por um lado, uma sociedade natural que existe com independência da investidura real e, por outro, esta última, a qual encarnaria um tipo de autoridade puramente convencional.” Não que as percepções antigas ainda não tivessem presentes, mas sim que esse novo cenário “havia entrado no universo do concebível.” Cf. PALTI, 2010. Ver também sobre essas influências, cf. GUERRA, François-Xavier. Modernidad y Independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispânicas. Madri: Mapfre, 1992. pp.19-50. 28 MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das letras, 2000. 29 Para entender a transferência da Corte como referência fulcral da crise do Antigo Regime português, abrindo uma inédita aceleração histórica no mundo luso-americano, cf. PIMENTA, João Paulo G. & ARAUJO, Valdei Lopes de. In: FERES JÚNIOR, João. (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009,p. 597. 30 Destaca-se e utiliza-se aqui a Historiografia que vincula a transferência da Corte em 1808 como desenvolvimento de condições que possibilitaram a emancipação do reino luso americano. A colônia americana do Império Português, a partir do século XVIII, principalmente com a transferência da Corte no XIX, progressivamente, desenvolve-se cultural, economica e politicamente mais que sua metrópole, gerando assim desdobramentos desiguais, tanto no que compete à política quanto à economia. Em traços gerais, esse apontamento não determina que o Brasil estava fadado a se tornar independente. Sobre essa Historiografia, cf. DIAS, Maria Odila da Silva. “A interiorização da metrópole (1808-1853)”. In MOTA, Carlos G. (org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, pp.160-184.; MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808 a 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.; SLEMIAN, Andréa & PIMENTA, João Paulo G. A Corte e o mundo: uma história do ano em que a família real portuguesa chegou ao Brasil. São Paulo: Alameda, 2008. Existe uma certa ratificação de percepção na Historiografia sobre a consequência da vinda da família real para o Brasil. Não será o objetivo deste trabalho abordá-las minuciosamente. Autores de maiores relevâncias, na Historiografia, que apresentam outra leitura sobre esse marco, são José Murilo de Carvalho e Lúcia Maria Bastos da Neves. Na análise de Carvalho, há uma crítica sobre a leitura “determinante” da Corte no Brasil, na qual aponta que a Independência viria com ou sem a presença régia, não possível concebê-la por uma visão fatalista, pois sua presença apenas reforça a opção monárquica. O seio da questão em Carvalho é a Independência como fruto de uma opção política pela elite formada em Coimbra: ordeira, monárquica e centralizadora. Neves, ao analisar a Independência,
29
tornou-se uma consonância de interpretações, a qual contempla o papel dos
desdobramentos ocorridos no mundo hispânico como fundamental para entender as
suas independências31, o caso da transfiguração da Corte foi vista como chave de
leitura de maneira diversificada. Contudo, pode se considerar que, em ambas as
análises, a linha interpretativa insere que, lusos ou hispânicas, sejam elas como
resistências ou como transferência da corte, a princípio, não significaram
propriamente rupturas ou antagonismos entre metrópole versus colônia, mas é
perceptível a crise do Antigo Regime e a aceleração do tempo vivido representado32.
De maneira geral, cremos que mesmo que essas resistências ou a locomoção
da Corte não geraram antagonismo e rupturas. O panorama que sucedeu esse
cenário ibérico disseminou em suas colônias americanas espaços de representativi-
dade que foram cruciais para o desenvolvimento de um pensamento moderno
difundido no seio dessa conjuntura ocidental33. Essa caraterística relevante é
aborda que a leitura chave para a compreensão desse processo é entender a Cultura Política: suas origens advindas de Coimbra, seus mecanismos de difusão potencializados através da imprensa e seus atores políticos divididos entre grupos de intelectuais e políticos. Sobre essa Historiografia, cf. CARVALHO, José Murilo de. A construção da Ordem: A elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan, FAPERJ, 2003. Enfim, discordamos que essas duas questões sejam necessariamente vistas sobre o prisma de um paralelismo Historiográfico. Isso porque, mesmo que a interiorização da metrópole demonstre perspectivas diferentes na conjuntura americana, pelo seu acirramento realizado, através da economia de privilégios, não anula o papel decisivo da elite Coimbra. Para além disso, é possível entender essas duas vertentes de maneira complementares, mesmo que elas confluem por caminhos distintos em sua conclusão. O que importa para esse trabalho é notar que esse cenário de transmigração da Corte possibilitou algo bem próximo do que Elías Palti abordou como o “universo do concebível”. Cf. PALTI, 2010. Também, cf. BARMAN, Roderick J. Brazil: the forging of a nation 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988. 31. GUERRA, 1992; CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, Províncias, Estados: origens da nação argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009. PALTI, Elías José. El tiempo de la política. El siglo XIX reconsiderado. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007. CHUST, Manuel e SERRANO, José Antonio (eds.). Debates sobre las independências iberoamericanas. Madrid: AHILA, Vervuert, 2007. ZERMEÑO PADILLA, Guillermo. Apropiación del pasado, escritura de la historia y construcción de la nación en México. In: PALACIOS, Guillermo (coord.) La Nación y su Historia. Independencias, Relato Historiográfico y Debates sobre la Nación: América Latina, siglo XIX. México: El Colegio de México, Centro de Estudios Históricos, 2009.p.81-112. 32 ARAUJO; PIMENTA, 2009. 33 Parte-se da ideia proposta por Françóis-Xavier Guerra. Sua análise gira em torno dos desdobramentos que as invasões napoleônicas culminaram. Em suma, essa abordagem elucida o desenvolvimento de uma politização no que tange aos questionamentos de uma nova percepção de representação política como consequência dessa tomada napoleônica no mundo ibérico. Sua chave de leitura interpretativa vê nesse processo um novo formato desenvolvido com base de uma considerável alteração na forma política. A organização das Juntas de Governo, a convocação da Corte de Cádiz e, posteriormente, a Constituição de Cádiz ganham forças representativas, tanto na colônia como na metrópole. O impacto ocorrido por essa série de acontecimentos desenvolveu uma linguagem moderna liberal, não que essa linguagem já não fosse percebida anteriormente, mas sim que esses “años cruciales” a diferenciaram. Para mais detalhes, cf. GUERRA, 1992. Tratando-se dessa nova linguagem política liberal, cf. FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. “La crisis de 1808 y el advenimiento
30
amplamente questionada em estudos sobre a Modernidade na América Ibérica.
Primeiramente, entender a narrativa de um pensamento moderno é abarcar uma
Cultura Política que permeou a sociedade,34 pois é necessário debruçar-se na
tentativa de entender que a prática, seja ela real/representativa ou na própria retórica,
não pode ser desenraizada do seu contexto vivido. A Modernidade, seja uma
representação e/ou uma linguagem política, está relacionada com seu contexto,
possuindo, de certa forma, limites estabelecidos para as próprias ideias políticas e,
por conseguinte, as próprias ações dos sujeitos históricos.
de un nuebo lenguaje político. ¿Una revolución conceptual?”, in: Alfredo Ávila y Pedro Pérez Herrero (eds.), Las experiências de 1808 en Iberoamérica. México: UNAM-Universidad de Alcalá, 2008. No caso da colônia portuguesa, apesar do desenvolvimento de uma politização ser majoritariamente tratado pós-1820, com o desenvolvimento dos espaços públicos, adota-se aqui a perspectiva de Guerra ao notar o desenvolvimento de uma nova concepção política. Em 1808, com a inauguração da Imprensa na Corte do Rio de Janeiro, já se percebe uma crescente politização com o periódico Correio Brasiliense. Editado em Londres, por Hipólito José da Costa, tornou-se um dos principais expoentes da imprensa de opinião nos espaços de sociabilidade luso-brasileiro. Além disso, essa politização – antes de 1820 – pode ser percebida nos espaços de sociabilidade. Alexandre Mansur Barata expõe o caráter que “[..] a sociabilidade proporcionada pelas lojas maçônicas contribuiu para construção e mobilização das diversas forças sociais, não só como canal de divulgação do ideário liberal, mas, sobretudo, como espaço de uma construção de uma cultura política marcada pela pratica do debate [..], constituindo-se, portanto, em esteio para a criação de uma esfera pública civil, fundamental dentro do contexto social do mundo luso-brasileiro”. Sobre esse papel exercido pela maçonaria, cf. BARATA, Alexandre Mansur. Sociabilidade Ilustrada e Independecia do Brasil (1790-18220). Juiz de Fora: Ed. UFJF; São Paulo: Annablume, 2006. Nessa perspectiva, é possível apontar sobre uma conjuntura histórica dos desdobramentos das invasões napoleônicas para o arranjo do pensamento moderno na América Ibérica. Os estudos de João Paulo Garrida Pimenta têm sido de grande valia para perceber esse cenário de uma maneira mais ampla, vinculando uma ideia de experiências cruzadas. Cf. PIMENTA, 2004; PIMENTA, João Paulo G.Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c.1780-c.1830), São Paulo, FFLCH-USP, Tese de Livre Docência, 2012; PIMENTA, João Paulo G. A política hispano-americana e o império português (1810-1817): vocabulário político e conjuntura. JANCSÓ, I. (org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec/Fapesp/Editora Unijuí, 2003, p.123-139. 34 Para adentrar nesse conceito, utilizo a definição desenvolvida por dois autores: Giacomo Sani e Keith Michael Baker. Sani refere-se à Cultura Política como um conjunto de conhecimentos, baseando a mesma em modelos e até mesmo em formas de como se praticam e representam fenômenos políticos em um determinado meio social. Sendo assim, as práticas recorrem as próprias representações da realidade política que envolvem essa sociedade. Para Keith Baker Cultura Politica, de acordo com o novo panorama político pós-revolução francesa, deve ser, por conseguinte, entendida como uma construção histórica que se molda e se transforma em sintonia tanto com os acontecimentos, como também com as atitudes dos indivíduos e grupos. Porventura, se a política pode ser considerada como uma atividade em um sentido mais amplo, por intermédio do qual os indivíduos e grupos de uma sociedade se articulam, negociam, implementam e reforçam suas reivindicações, a cultura política deverá ser vista como um conjunto de discursos e práticas que caracterizarão as atividades políticas de uma sociedade. Dessa maneira, a Cultura Política em uma sociedade compõe-se não somente de conhecimentos e crenças que fundamentam as práticas possíveis no interior do sistema político, ela abrange ainda as posturas que asseguram as identidades e delimitam as fronteiras de comunidades a quem pertencem os grupos e os indivíduos, podendo até mesmo qualificar ou desqualificar suas reivindicações de acordo com a estrutura vigente. Para melhor detalhamento do conceito, cf. SANI, Giacomo. Cultura Política. In: Dicionário de política. 13 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010, p. 306; BAKER, Keith Michael. Introduction. In: BAKER, Keith Michael (org.). The French Revolution and The Creation of Modern Political Culture. Oxford: Pergamon Press, 1987. v. 1, pp. XI-XIVII.
31
Reinhart Kosseleck anota que a modernidade e o moderno se inserem em um
processo assinalado por grandes modificações na esfera social e política de uma
sociedade, alterando precipuamente o cotidiano35.
No mundo ibero-americano, François Xavier-Guerra expõe uma significativa
relevância para o entendimento de Modernidade não separada da Tradição,
assinalando que ambiguidades irão pautar o comportamento dos homens e que
nenhuma mudança influiu nos padrões mentais de uma sociedade de forma abrupta
ou completa. Antigas e novas ideias foram canalizadas pelo pensamento social,
coexistindo e disputando maior ingerência nas decisões. Aponta-se, então, um
hibridismo de ideias, que ora apresenta resquícios similares ao de uma sociedade do
Ancien Regimé, ora partiam de apropriações mais inovadoras, marcadas pelos efeitos
pós-revolucionário36. As contribuições de Guerra do autor acerca das ambiguidades
políticas fazem-se necessárias para entender que velhos e novos aspectos políticos
coexistiram durante todo o processo de formação dos Estados nacionais
independentes, explicando muitas vezes o contraste nas práticas e no pensamento
dos agentes sociais do cenário americano.
Cremos que no debate historiográfico sobre modernidade, a concretização da
representação do hibridismo de ideias torna-se fucral para o nossa pesquisa. Afinal,
essa hibridização nos tornauma particularidade, da qual faz parte o novo mundo.
Mesmo assim, além desse debate, criou-se uma série de perguntas relacionadas a
esse tipo de mondernidade que fora construido na América.
Em seu ápice, está a problemática do reflexo do pensamento moderno
americano frente ao europeu. Devido a este aspecto, pautamos que ambas as
concepções políticas, apesar de se concretizarem de diferentes maneiras, foram
adaptadas aos moldes americanos, pois a América Ibérica concebeu críticos dos
problemas políticos, mas nenhum com a envergadura ao ponto de desenvolver um
pensamento ou uma filosofia original na América. Consequentemente, a História das
Ideias Políticas na América Ibéricafoi considerada de maneira imprória diversas vezes
como mero reflexo da Europa e não como uma releitura adaptável à realidade
americana.
Cumpre salientar um problema ao analisar a História Política da América com
35 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. 36 Cf. GUERRA, 1992.
32
leituras estritamente relacionadas a análises de contextos estrangeiros. A
problemática gira no seio da transferência automática que essas leituras
proporcionam de contextos e completudes de outras realidades frente, principalmente,
à América Ibérica. As formas anteriores de “experiências” não devem ser pautadas
como homogeneizadas ou generalizadas como “antigas”, visto que os historiadores,
ao fazerem esse tipo de análise classificatória, têm de apresentar todo o conseguinte
de “moderno”, sob a ótica de um progresso que busca inserir, dentre esses aspectos,
um jogo cuja análise universaliza desenvolvimentos particulares que não alcançaram
tal progresso. Daí a necessidade da leitura em tópicos não classificatórios de
desenvolvimento.
O grande problema desse jogo, além de outras questões, no caso da América-
Ibérica, e consequentemente no Brasil, está na dinâmica de tentar buscar uma
linearidade para a modernidade, ora percebida como atraso, ora como em
consonâncias com etapas europeias. Contudo, esse jogo incorre-se em prejúizo de
leitura, haja vista que há já foi criticado, a exemplo dos estudos sobre a economia e a
sociedade do Brasil oitocentista. Esses estudos viam na permanência do escravismo
da sociedae brasileiro do século XIX a imagem do atraso e não uma dinâmica peculiar
de inserção na modernidade econômica do sistema atlântico.
No campo das ideias políticas, um embate historiográfico começou a ser
desenvolvido a partir dos estudos de Roberto Schwarz com a emblemática
caracterização, na década de 70, de “As ideias fora do lugar” 37, incitando do que
chama “lugar-comum em nossa historiografia” ao analisar os “efeitos” da “disparidade”
entre ideias europeias no Brasil. “Partimos da observação comum, quase uma
sensação de que, no Brasil, as ideias estavam fora de centro, em relação ao seu uso
37Discussão essa sobre ideias no lugar versus fora do lugar já foi questionada e reavaliada por vários intelectuais. Tal expressão tornou-se amplamente debatida até mesmo pelo pressuposto teórico-metodológico que está sendo aplicada. De maneira geral, Roberto Schwarz, ao analisar o Liberalismo no Brasil no século XIX, percebe que o mesmo era uma ideologia da Europa, assim, nos trópicos, ao tentar ser aplicadas, se converteria a uma ideologia de segundo grau. Uma das críticas mais discutidas e contundentes sobre esse pressuposto teórico-metodológico foi formulada por Maria Sylvia de Carvalho Franco, no qual aponta que não só o ideário liberal estava no lugar no Brasil do século XIX, mas como suas compreensões e dimensões de suas particularidades requer o estudo no que tange as dimensões que articularam essas práticas políticas, representação e o próprio desenvolvimento das relações sociais. Para entender a linha interpretativa de Schwarz, cf. SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. Editora 34, 2000. Para conferir o debate de Franco, cf. CARVALHO FRANCO, M. S. de. 1976. As idéias estão em seu lugar. Cadernos de Debate, nº 1. Mais sobre o tema, cf. RICUPERO, Bernardo. Da formação à forma. Ainda as “idéias fora do lugar”. Lua Nova, v. 73, p. 59-69, 2008; SCHWARCZ, Lília; BOTELHO, André. Ao vencedor as batatas 30 anos: crítica da cultura e processo social: entrevista com Roberto Schwarz. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 67, 2008.
33
europeu” 38. Para Schwarz, mesmo que essas ideias brasileiras não estivessem fora
do lugar, apenas sua existência e divulgação já produziram alteração da realidade,
justamente pelo motivo de não terem encontrado respaldo adequado. Ao contrário do
que pensou Schwarz, o que se pode discutir é que, quando essas ideias são
apropriadas, sejam elas europeias ou americanas, tendem a ser praticadas em
âmbitos diferenciados, podendo ser até mesmo restritos. Não significando, em outras
palavras, que elas estejam "limitadas” ou “fora do lugar”. Angela Alonso aponta que
não são ideias que buscam um lugar, e sim o lugar que requisita, demarca e explica
as ideias de acordo com seus próprios interesses e necessidades, muitas vezes
incumbindo características originais e próprias ao seu contexto de produção39.
Complementando bem essa análise, salienta Noberto Bobbio o “intercâmbio entre o
ser e o dever ser é uma ambiguidade característica do discurso político” 40.
Se as ideias não estão fora do lugar, como se compreender o pensamento
moderno Americano com suas particularidades? Pensa-se aqui na proposta de
Richard Morse, sendo possível analisar outras modernidades sem, contudo,
hierarquizá-las ou torná-las excludentes entre si41. Uma das diretrizes fundamentais
38 Cf. SCHWARZ, 2000, p.30. Cabe ressaltar que apesar de Schwartz abordar a sociedade brasileira, sua linha interpretativa pode ser questionada para toda América Ibérica/Latina. 39Cf. ALONSO, Angela. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p.339. Angela Alonso, em sua tese de doutorado, analisa o movimento intelectual da chamada “geração 1870” e seu papel na crise do Império. Apesar de se distanciar do período proposto, a abordagem se faz necessária, no que tange a percepção da autora sobre as ideias, já que, enfatiza o enraizamento das ideias em seu contexto de circulação e produção. As ideias e representações, entretanto, não podem ser consideradas como descoladas ou fora do seu contexto de produção e circulação, deve-se levar em consideração que “idéias nunca são totalmente separáveis de seu enraizamento em instituições, práticas e relações sociais”. Assim, repertórios “funcionam como ‘caixas de ferramentas’ às quais os agentes recorrem seletivamente, conforme sua necessidade de compreender certas situações e definir linhas de ação” (grifos da autora) Mais, Cf. ALONSO, 2002, p. 35-40. 40 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Edunesp, 1997. p.131 41 Cf. MORSE, Richard M. O espelho de Próspero: cultura e ideia nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. A interpretação de Morse suscitou muitos debates no campo Historiográfico. Sua abordagem apresenta uma análise que, ao invés de colocar culpa do atraso Ibérico frente à modernidade europeia e anglo-saxônica, nega, de certa forma, o modelo baseado unicamente na percepção pura da lógica europeia. Uma das principais discussões no tocante dessa linha interpretativa se deu entre Richard Morse e Simon Schwartzman, na Revista Novos Estudos CEBRAP. Esse debate foi consequentemente dicotomizado entre Iberista versus americanista. Na primeira vertente, encontra-se Morse, apontando sobre outro tipo de modernização presente na América Ibérica, enquanto a segunda, como Schwartzman, interpreta a herança ibérica como um tipo de causa do atraso que deve ser superado. Para mais detalhes sobre esses debates, cf. SCHWARTZMAN, Simon. O Espelho de Morse. Novos Estudos CEBRAP, 22, outubro, 1988; MORSE, Richard. A Miopia de Schwartzman. Novos Estudos CEBRAP, 24, julho, 1989; SCHWARTZMAN, Simon. O gato de Cortázar. Novos Estudos CEBRAP, 25, outubro, 1989. Para ver a caracterização do dualismo entre americanistas e iberistas, respectivamente, cf. VIANNA, Luiz Werneck. Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos. Dados, v. 34, n. 2,1991, p. 145-90. Cabe salientar que a contribuição do
34
que compõem este trabalho pode ser encontrada na obra de Morse, quando o autor
caracteriza os momentos de Modernidade Ibérica e Modernidade Anglo-Saxônica. O
que é peculiar nesses estudos é sua formulação partir de estágios da modernidade.
Defendendo uma peculiaridade, Morse desconstrói as concepções básicas da
dicotomia erguida entre a América Ibérica e seu traço arcaico e América Anglo-
saxônica e seu traço moderno42. Essa desconstrução não se limitaria apenas a
emocionar a relação entre iberismo/tradicional e anglo-saxão/moderno, mas
consegue abarcar também a recusa da existência de um modelo ibérico e de um
modelo anglo-saxão de desenvolvimento sócio-político puros. Precisamente, essa
fórmula traz bastantes contribuições para a nossa pesquisa, pois, se não é possível
distinguir corpos teóricos específicos para essa América fragmentada, não é possível,
portanto, associar a forma tradicional e o moderno a qualquer uma destas duas
correntes. Ademais, a lógica anterior ainda correspondea que é menos possível
qualquer associação de inadequação entre as correntes modernas de pensamento e
a dinâmica sócio-política dos países da América Ibérica43. Afirmava Morse:
[...] O caso ibérico era complexo. Mesmo que aceitássemos [..] que a independência da América hispânica foi um assunto de família espanhol e não influenciado por ideologias estrangeiras, que tinha raízes profundamente espanholas e medievais [..] faltaria ainda examinar a coexistência desta tradição com correntes ideológicas oriundas do Ocidente “moderno” que seguia perto da emancipação. Algumas das novas tendências ideológicas pareciam de fato, compatíveis com a tradição ibérica [...]. 44
Portanto, se a separação de Américas, a níveis de opções, sejam elas no
campo político ou cultural moderno, podem servir para destacar suas particularidades,
não se pode constatar uma separação ou hierarquização a nível categórico da
modernidade. Luiz Werneck Vianna assevere, em consonância com Morse, que:
Assim, cada ser moderno, no novo território em que se trava a disputa entre eles, não somente define sua agenda em oposição ao outro em nome de questões contemporâneas, como também em relação àqueles
autor nos cabe no empreendimento que nos foi proposto, no intuito de estabelecer a reflexão sobre o que nos foi conferido ao modo de não hierarquizar a categoria de Modernidade. 42 Esses momentos são discutidos na obra de Morse. Em suma, sua análise parte em defesa da ideia de que as Américas compartilham de um mesmo troco civilizacional, sendo esse o Ocidente. Contudo, conclui que essas Américas, em determinados momentos históricos, desempenharam opções políticas diferentes. Nesse sentido, sua conclusão aponta que a América Ibérica, vista majoritariamente como atrasada, não pode ser compreendida meramente como um projeto de civilização frustrado, pauta-se em entender que essa modernidade parte de uma opção própria. Para mais detalhes, cf. MORSE, 1988. 43 MORSE, 1988. 44 MORSE, 1988, p. 75
35
que dizem respeito à sua própria história. Não mais um modelo de importação, [...] não se trata moderno negar o atraso, mas de interpretá-lo e conduzi-lo sem anular a identidade deste [...]. 45
Como atestado por Vianna, discorre-se que a formação do pensamento político
ibero-americano, ante a sua complexidade de opções, percorreu caminhos que
puderam ser mostrados no campo das ideias modernas. Ainda que essas ideias não
tenham se concretizado à maneira europeia ou anglo-saxônica, as inclinações de
projeto de modernidade e de organização puderam coexistir, mesmo que em
diferentes níveis, dentro da construção dos novos Estados Nacionais ainda em
desenvolvimento46. Para além da análise de Vianna, José Murilo de Carvalho (2007)
45 VIANNA, Luiz Werneck. Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos. Dados, v. 34, n. 2, 1991. P. 181-182. Para investigar o processo de modernização no Estado moderno brasileiro, Luiz Werneck Vianna analisou as características desse processo como a passagem de uma sociedade tradicional, colonialista, monárquica e escravista para a sociedade moderna, independente, republicana e democrática. Segundo Vianna, esta passagem foi realizada através de um processo revolucionário de caráter passivo, em contraposição à maioria dos outros processos de modernização que foram realizados por revoluções ativas. Em geral, o que se quer sublinhar é que esse processo é fruto de uma opção política. Para mais detalhes dessa análise, cf. VIANNA, Luiz Werneck. Caminhos e Descaminhos da Revolução Passiva à Brasileira. Dados, v. 38, nº. 1, 1996. 46 É fulcral salientar o nosso entendimento sobre o que apontamos como, por exemplo, diferentes níveis de desenvolvimento. Em síntese, o que queremos mostrar é evidentemente uma referência clara a análise de François-Xavier Guerra, no qual apontou para a presença da Modernidade Alternativa, nas colônias hispânicas. Se entendermos Modernidade como uma categoria complexa que foi subidamente analisada sob a ótica de atraso versus progresso, caímos em uma simplificação de cunho impróprio, pois, a mesma insere em considerá-la como processo de desenvolvimento único, no qual parte da ideia de que quaisquer Sociedades/ Governos/ Estados são analisadas em referência a outras como mais “desenvolvidas” ou outras mais “atrasadas”. O que se pretende abordar com esses momentos diferentes é que, tratando-se dessa categoria, não podemos simplificá-la como uma forma congelada ou fixa. Não nos cabe aqui desenvolver detalhadamente essa discussão. Em contrapartida, buscamos desenvolver uma reflexão que toca os diferentes níveis de desenvolvimento, sem cair em um anacronismo histórico desses processos ou até mesmo de identificá-los como desfavoráveis a outras referências. Faz-se necessário, porém, pensar diante essa reflexão em algumas considerações sobre essa Modernidade Alternativa exposta por Xavier Guerra. Se refletirmos esta Modernidade Alternativa como dimensão da própria modernidade, podemos remeter que, embora ela não seja vista como plenamente realizada, suas características foram averiguadas na América. Guerra (1992) aponta que as “sociabilidades políticas” que o Iluminismo projetou fora visto nas colônias espanholas. Assim, segundo o autor, simultaneamente e gradualmente ao avanço da modernidade política do absolutismo, manifestou-se a “modernidade alternativa” mediada na “percepção” do indivíduo em desenvolvimento e representação com as “novas formas de sociabilidade” e da difusão das luzes, o que foi gradualmente se impondo na “nova sociedade”. Essa dimensão pode ser vista como inseparável do processo de modernização política. Em contrapartida, não se deve esgotar a totalidade desse processo nessa dimensão. É importante perceber esse desenvolvimento em ambas partes da América. Para mais detalhes sobre a diferenciação de Modernidade Absolutista e Modernidade Alternativa, cf. GUERRA, 1992. Acreditamos que, ao dissertar sobre a realização não “plena” da modernidade alternativa, ou anglo-saxã, que não foi alcançada nos países de origens Ibéricas, pretendemos, mais uma vez, apontar que se trata mais de uma escolha do que atraso, como supostamente é visto. Percebemos assim, que a aceleração e o desenvolvimento da produção da modernização política, no contexto da América Ibérica, não deve ser visto como um simples desenvolvimento linear de ideias e sociabilidades. Para uma análise da modernização política no Brasil que se baseia nessa tendência exposta por Xavier Guerra, cf. MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: HUCITEC, 2005. Para mais detalhes sobre
36
averigua as ambíguas posições das elites políticas brasileiras no Império47. Carvalho
sustenta que os brasileiros conviveram e coexistiram com dilemas teóricos e políticos,
mesmo que pautados em influências intelectuais conflituosas, a priori, aos discursos
brasileiros— abordagem que nos cabe também no cenário ibero-americano. Em
contrapartida, não se deve reduzir essa análise histórica como meramente imprópria,
pois se configuraram, à sua maneira, as opções de construção do Estado48. Esse
conflito de cunho ideológico, proporcionado pela discordância de tais opções, não se
cristalizou por demagogia ou mesmo porque acreditam que essas ideias serviam
apenas no âmbito do discurso. Ao contrário, elasconcretizaram-se por não haver
possibilidade de uma simetria perfeita entre o plano ideológico e o da realidade política
vivida.
Portanto, essas ideias contituíram-se na percepção da própria modernidade à
sua maneira, levando-se em conta a constituição histórica e como os eventos
vivenciados foram, para cada cenário, recorridos para explicar as suas tomadas de
posições próprias da representação de um pensamento moderno. Compreender a
categoria americana é entender que parte do ideal moderno americano foi jogar-se
em um labirinto de um indubitável presente, afirmando-se ou negando-se em outras
genealogias; foi passar por e coexistir em lugares de outras ordens.
A América moderna conviveu contra ela mesma em sua extremidade, e decidiu
ser ela própria com suas particularidades diversas, que se confundiram ou
assimilaram-se com sua sombra. A experiência e a narrativa do pensamento moderno
constituíram o argumento do ideal dos americanos na modernidade com base nas
autonomias. Em suma, nosso pressuposto foi de encontro à análise de João Feres Jr
e Maria Elisa Mäder, os quais propõem que:
a essa unidade geográfica é associada uma finalidade política comum que é
a criação desse tipo de sociabilidade no espaço público, na Europa cf. KOSELLECK, Reinhardt. Crítica e crise. Rio de Janeiro: UERJ/Contraponto, 1999; HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 47 Cf. CARVALHO, José Murilo de. A construção da Ordem: A elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 48 CARVALHO, 2007, p. 234. Miriam Dolhnikoff também observa esses dilemas vividos. A autora aponta que a história da construção do Estado brasileiro na primeira metade do século XIX foi marcada pela tensão entre a unidade pregada pela Corte no Rio e autonomia requerida pelas elites políticas de outras províncias. Houve embates durante a construção de projetos políticos na emancipação do Brasil. Uma série de questionamentos surgiu referindo-se ao “futuro” do Império. Os mais visíveis, em linhas explicativas, estavam relacionados com: república ou monarquia, Estado unitário centralizado ou “Federação” e unidade ou fragmentação. Esses conflitos de projetos ocorridos são fundamentais para se perceber que esses atores da elite política tiveram que optar por uma das alternativas. Cf. DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Globo, 2005.
37
a da conquista da liberdade frente à Europa. A associação da América como o valor da liberdade tornou-se comum a partir da primeira década do século XIX, ao mesmo tempo que a depreciação das experiências políticas das novas repúblicas da América espanhola rapidamente se converteu em tropo retórico daqueles que não desejavam o governo republicano no Brasil. 49
Embora a retórica sobre a experiência da América espanhola apareça, por
vezes, depreciativa, ela não se exclui da idealização americana. Ou seja, apesar
dessa prerrogativa, entender o ideal americano é perpassar a forma de governo, é
compreender que América está inserida na narrativa de um pensamento moderno.
Isso não forma oposição às retóricas, inicialmente, sobre as experiências em sua
forma de governo. Ou além, essa dicotomia da retórica não significa um surgimento
delimitado de uma nação puramente americana ou signifique rompimento na dialética
colônia americana versus metrópole europeia. Faz-se jus ao apontamento de Maria
Odila Dias, no qual salienta que a:
preocupação, por si, evidentemente, justificada de nossos historiadores em integrar o processo de emancipação política com as pressões do cenário internacional, envolve no entanto alguns inconvenientes ao vincular demais os acontecimentos da época a um plano muito geral; contribuiu decisivamente para o apego à imagem da colônia em luta contra a metrópole, deixando em esquecimento o processo interno de ajustamento às mesmas pressões que é o de enraizamento de interesses portugueses e sobretudo o processo de interiorização da metrópole no Centro-Sul da Colônia. O fato é que a consumação formal da separação política foi provocada pelas dissidências internas de Portugal, expressas no programa dos revolucionários liberais do Porto e não afetaria o processo brasileiro já desencadeado com a vinda da Corte em 1808. 50
Não se quer criar esse binômio, muito menos tentar diminuir os acontecimentos
internos; pelo contrário, é necessário colocar a modernidade e seus desdobramentos
como parte dessa categoria nas primeiras décadas, sem, contudo, negar todas essas
particularidades, todos esses embates vividos dentro de uma América no sentido
geográfico51.
49FERES JUNIOR, João & MADER, Maria Elisa. América/americanos. In: FERES JUNIOR, João (org.) Léxico da História dos Conceitos Públicos do Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009. P. 25-42. 50 Cf. DIAS, M. O. da S. A interiorização da metrópole. In: MOTTA, C. G. (Org.) 1822 :Dimensões. São Paulo, 1972. p.165. 51Partimos aqui, novamente da análise proposta por João Paulo Garrida Pimenta, no qual aponta para uma existência de uma conjuntura histórica que é possível ser analisada a partir das variadas interpretações, em maiores ou menores escalas, dos eventos de um mesmo cenário ligados por uma experiência ampla coexistindo em diferentes realidades e vivências. Essa abordagem parte para a qual Pimenta chama de espaço de experiencia revolucionário moderno, permitindo assim uma análise sincrônica das experiências modernas. Em geral, esse quadro referencial de experiências americanas, concebeu uma “sensação” do compartilhamento de uma mesma experiência histórica, esse cenário foi permeado de diversas leituras, intepretações e ate mesmo apropriações relativas a essas concepções.
38
Assim, parte-se do que foi exposto até aqui. Ao relacionar a Modernidade como
parte de um ideal americano, buscar-se-á conectar a América a esse ideal o qual,
apesar das multiplicidades de experiências políticas do continente , advém do prisma
da representação do pensamento moderno americano de autonomias e liberdade.
Reintegrando também o Brasil como parte conjunta dessa idealização, destacamos
que o emblemático viés América Anglo-Saxônica com seu ideal americano puro e bem
sucedido versus América Ibérica com suas ideias não aplicadas e ainda a
fragmentação da América Ibérica — como Hispânica/ Guerra/ República versus
Portuguesa/ Acordo político/ Monarquia — não anula a perspectiva conjunta.
Interessante notar, nesse pressuposto, o crescimento no número de estudos
que tratam dos processos de independências ibero-americanas, consequentemente
como parte de um mesmo cenário52. Discutiremos esse assunto mais adiante, mas já
nos posicionamos em relação à própria historiografia norte-americana que, ao tratar
seu processo de independência, questiona o discurso de ser americano durante a sua
grande Revolução. Ou seja, esse binômio criado de Metrópole versus Colônia não
fora aplicado nem na própria Independência norte-americana. O que nos importa,
nesse momento, é entender que muitas vezes relacionou-se a Revolução Americana
como parte de um ideal já pertencente ao colono.53 Em contrapartida, nas
Cf. PIMENTA, João Paulo G. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c.1780- c.1830). Tese de Livre Docência. São Paulo, 2012 52 Sobre essas experiências ibero-americanas, cumpre ressaltar a vasta bibliografia existente que vem sendo produzida principalmente no contexto das comemorações do Bicentenário da Independência americana. Além das já citadas ao longo deste Capítulo, tornam-se fulcrais as referências dos debates que, apesar de serem recentes, tornaram-se clássicos sob a leitura aqui desenvolvida, cf. LYNCH, John. Las revoluciones hispano-americanas, 1808-1826. 11a edição, Barcelona; Ariel, 2008; o ANNINNO, Antonio; GUERRA François-Xavier (coords.). Inventando la nación. Iberoamérica, Siglo XIX. México: Fondo de Cultura Económica, 2003. RODRÍGUEZ, Jaime E. (coord.). Revolución, independencia y las nuevas naciones de América. Madrid: Fundación Mapfre Tavera, 2005.CHUST, Manuel (coord.). 1808. La eclosión juntera em el mundo hispano. México: FCE; Colmex, 2007. PAMPLONA, Marco A. MÄDER, Maria Elisa.(orgs.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas. 4 vols., São Paulo: Paz e Terra, 2008-2010. SABATO, Hilda. (coord.). Ciudadanía política y formación de las naciones: Perspectivas históricas de América Latina. México: FCE; COLMEX; FHA, 1999. CHUST, Manuel (ed.). Las independências iberoamericana sem su labirinto: controversias, cuestiones, interpretaciones. Valéncia: Universitat de València, 2010. ÁVILA, Alfredo; ESCAMILLA, Juan Ortiz; ORTEGA, José Antonio S. Actores y escenarios de la independencia. Guerra, pensamiento y instituciones, 1808-1825. México: FCE; Museo Sumaya; Fundación Carlos Slim, 2010. ANNINO, Antonio; TERNAVASIO, Marcela (coords.). El laboratório constitucional iberoamericano: 1807/1808-1830. Madrid: Iberoamericana; Frankfurt: Vervuert, 2012. BERBEL, Márcia; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. (orgs.). A experiência constitucional de Cádis: Espanha, Portugal e Brasil. São Paulo: Alameda, 2012. BREÑA, Roberto. El imperio de las circunstancias: las independencias hispano-americanas y la revolución liberal española. Madrid; México: Macial Pons; El Colegio de Mexico, 2013. 53Ressaltamos aqui a utilização do termo colono não com uma perspectiva ideológica fixa. Desenvolveremos isso ao longo do segundo Capítulo deste trabalho ao tratar os espaços de
39
independências ibéricas, o mesmo não pode ser observado. A nosso ver, o que pode
ser questionado é como esse discurso de pertencimento americano é aplicado em
diferentes momentos e como ele foi aplicado. Ou seja, como, ao se entender
americano, esses colonos em diferentes momentos se representaram, ou mais, como
se justificaram.
Cremo fazer necessário salientar que, nessa análise, os processos de
independência e da formação nacional, tanto na América-Ibérica como na Saxônica,
a leitura não se delimitou para si nenhuma fonte de nacionalidade: como língua,
cultura ou etnicidade54. Não nos adiantaremos nessa explicação; contudo, tomaremos
as considerações sobre a referência de Benedict Anderson como um ponto de partida
para entendermos essa afirmação.55
A proposta clássica de Anderson propõe que entender uma nação é
compreender que a mesma é “uma comunidade política imaginada, limitada e
soberana”. Podemos abordar que o ponto mais evidenciado pela historiografia
encontra-se no primeiro termo da leitura de Anderson. Essa leitura tornou-se
fundamental para tratar sobre as independências, a nação, o Estado e outras
temáticas referentes a esses processos. Em contrapartida, embates ocorreram ora de
cunho de aceitação, ora de cunho de críticas sobre a ideia de a nação ser como
abordou Benedict Anderson, ou seja, uma “comunidade política imaginada”.
Se, por um lado, a ênfase cultural proposta por Anderson tornou-se consenso
e de maneira óbvia, por outro lado, tornam-se bem menos óbvias as interpretações
representatividades. Porém, o que queremos retratar ao utilizar “colono” é que estamos bem próximos de propor um sinônimo de americanos nesse cenário. Em suma, embora as independências estivessem, em cada conjuntura ainda em desenvolvimento, há um discurso diferente dos colonos como súditos da coroa em busca de representação política frente aos súditos situados nas metrópoles, ou como no caso brasileiro, Portugal. O que queremos abordar é que foi dado ao colono norte-americano um sentimento já pertencente ao embate contra sua metrópole. A historiografia buscou criticar essa abordagem. Marco Pamplona e Don Doyle (2008) ressaltam essa análise apontando que, em geral, as independências americanas não se apoiaram na reivindicação de uma identidade puramente americana versus a metrópole. Em consonância com essa análise, encontra-se T.H. S. Breen (Inserir ano da obra) apontando que nenhuma ideologia política, nessa conjuntura Norte-americana, pode ser considerada dominante, uma vez que seu pensamento político refletia as condições do desenvolvimento desse cenário. Consideramos essas leituras, para compreender esse processo na América, ou seja, é fulcral entendermos esse desenvolvimento da categoria americana em seu tempo e lugar. Cf, DOYLE, Don H. & PAMPLONA (organizadores). Nacionalismo no novo mundo. A formação dos Estados-nação no século XIX. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Record, 2008. 54 Para detalhes sobre essa referência obrigatória nos trabalhos sobre nação e nacionalismo na América, cf. ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexão sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Cia das Letras, 2008. 55 ANDERSON, 2008.
40
esquecidas da “política” por tanger mais precisamente à dimensão “imaginada”. Ora,
se compreendemos o discurso de ser americano como apropriação política de cada
cenário no continente, não é possível associá-los com níveis qualificadores. De forma
geral, dado nosso objetivo, o que podemos concluir, com Benedict Anderson, é a
defesa de que a possibilidade de se pensar a nação ocorreu essencialmente a partir
de uma mudança ocorrida na forma de apreensão do mundo e a modernidade torna-
se chave de leitura nos processos americanos.
De fato, é importante a representação do pensamento moderno, visto que nos
uniria mais do que nos separaria. Assim, ao ligar-se à história da América como um
todo é entender suas completudes, mas também é perceber outras perspectivas sobre
essa América, imbricando importantes análises tangentes à modernidade americana
no campo teórico-metodológico. Por isso, é importante pensar o moderno mais como
um discurso do que propriamente como realidade, a partir das experiências históricas
de cada território, o discurso sobre o americano, fórum comum nos processos de
Independência da América Ibérica e Anglo- Saxônica. Pensar o discurso do moderno
não significa excluir posições adversas ao longo de sua existência.
Essa perspectiva nos permite assinalar que, na crise do Antigo Regime, as
percepções que ocorreram no novo mundo possibilitavam diluir as exceções, por meio
não da homogeneização do pensamento moderno, gerando uma percepção própria
de autonomia, mas que, em seus múltiplos e convergentes olhares e aplicabilidades,
coexistiram-se em tratar de entender o discurso americano, sem que com isso se
percam de vista as particularidades.
Assim, é nesse fio, que podemos chamar de condutor, que o trabalho insere-
se: entender que os processos de construções dos Estados nacionais não foram de
maneira alguma sem particularidades. Entretanto, é necessário repensar o discurso
de América presente nesses cenários, cujas experiências se tornaram referências.
Repensar esse processo, tendo em vista seus desenvolvimentos é compreender que
o sentimento de pertencimento americano merece ser visto como “político imaginado”.
Essas experiências políticas das independências ibero-americanas merecem ser
compreendidas. Essas narrativas de americanos são heterogêneas, não há uma
narrativa de América: são várias, numerosas e que se modificaram com o tempo.
41
2.2 A temporariedade oitocentista na América Ibérica: a Imprensa e o advento
da Opinião Pública na América Ibérica Oitocentista
O período entre os anos de 1808 e 1822 representa um marco temporal de
maior importância para a história ibero-americana. A sua relevância se deve ao fato
de que, durante esses anos, Espanha e Portugal passaram por uma série de
transformações que contribuíram para a configuração de um aspecto moderno a suas
monarquias. Essa conjuntura histórica se insere concomitantemente ao processo de
reconfiguração dos espaços públicos americanos; além disso, também culminou no
desenvolvimento do pensamento moderno, que, por sua vez, foi difundido através de
espaços de discussões. Houve uma intensificação no surgimento desses espaços
devido às crises de representatividade coloniais – levantes e questionamentos que,
anos mais tarde, atentariam para as guerras de independência americana.
O surgimento de Estados Nacionais americanos independentes é pensado a
partir do desenvolvimento possível propulsionado pelos sujeitos históricos, em grande
medida, no seio de uma dinâmica sociopolítica que obteve respaldo através da
Modernidade. Tal respaldo correspondeu ao fato de que se compartilhava um mesmo
espaço de discussão política, sendo concebido — conforme assinalado no capítulo
anterior ― a partir de uma percepção de que a Independência, em solo americano,
era possível56.
Isto posto, compreende-se que, para abordar o tema das independências
americanas, é fundamental discorrer acerca desses dois eixos que foram amplamente
discutidos na historiografia oitocentista: a formação dos espaços públicos e o advento
da opinião pública.
Se o objetivo do primeiro capítulo era engendrar discussões que levassem a
observação de pontos de conexões entre uma Categoria Americana, fruto da
Modernidade, à compreensão de como seu desenvolvimento foi atestado nos
processos de independência da América-Ibérica, torna-se imprescindível
compreender esses dois conceitos que, indubitavelmente, estavam vinculados à
multiplicidade de projetos, debates e alternativas que foram desenvolvidos e
56 Cf. COSTA, Wilma Peres. Entre tempos e mundos: Chateaubriand e a outra América. In: Almanack
Brasiliense , n. 11, São Paulo, 2010, p. 5. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/alb/article/view/
11734/13509>. Acesso em: 24 jan. 2019; PIMENTA, João Paulo Garrido. De Raynal a De Pradt: apontamentos para um estudo da ideia de emancipação da América e sua leitura no Brasil. Almanack Brasiliense , n. 11, São Paulo, 2010. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/alb/article/view/11740/13516>. Aceso em: 24 jan. 2019.
42
discutidos ao longo desses processos de independências. Em vista disso, cabem
alguns questionamentos específicos: no início do século XIX, na América-ibérica,
como a Categoria Americana foi entendida através dos processos de independências?
Qual o impacto que as Independências em desenvolvimento criaram através de seus
prognósticos na opinião pública desses espaços de sociabilidade?
Para entender mais precisamente esses conceitos, propomos, de maneira
sucinta, levantar algumas análises que se tornaram essenciais para sua
compreensão. Jürgen Habermas, estudioso que se dedicou a estabelecer uma
definição de público e privado, compreende que há dificuldade de estabelecer um
conceito fixo devido à multiplicidade semântica dos conceitos de público (öffentlich) e
de esfera pública (öfflentlichkeit)57. A esfera pública, de acordo com a formulação
habermasiana, relaciona-se a como um conjunto de pessoas privadas não subjugadas
à influência do Estado e que se agregam em um público para debaterem assuntos de
interesses comuns; esses indivíduos que reivindicam a regulamentação da esfera pela
autoridade também a utilizam para criticar a autoridade, aproximando-se, assim, da
filosofia lockeana58. Por conseguinte, foi em uma esfera que se propunha pública que,
de acordo com seus interesses de reivindicações em comum, a burguesia se
distanciou do Estado e do povo, o qual não possuía um debate crítico.
Essa discussão política introduz uma nova característica inerente à esfera
pública: a racionalização política59. O sujeito que integra essa esfera pública possui
uma opinião pública, ou seja, “o público enquanto o portador da opinião pública”60.
Dessa maneira, a esfera pública moderna burguesa exige, de certa forma, condições
para a participação de indivíduos: as discussões estabelecidas devem
invariavelmente ser baseadas na racionalidade e o indivíduo, ao participar dessa
esfera, deveria deixar de lado sua posição social para manter-se em posição de
igualdade dentre os demais dessa esfera, em uma permanente briga pelo melhor
argumento. Tal esfera se disseminou tornando-se a própria mediadora entre a
57 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução: Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 58 Em síntese, é na filosofia lockeana que se dá uma expansão à importância atribuída à opinião pública. Pressupõe-se que é por meio da lei moral que as opiniões dos cidadãos são manifestadas, tornadas públicas, agindo assim através da pressão praticada pela opinião pública. É por meio do desenvolvimento dessa opinião pública que as leis e os julgamentos dos cidadãos passam a afrontar as leis do Estado (KOSELLECK, 1999, p.13). 59 KOSELLECK, ibid., p.42. 60 KOSELLECK, ibid., p.14.
43
sociedade burguesa e o poder estatal, sendo apropriada por um público que, através
de suas críticas, se opunham ao Estado61.
Sob esse prisma, encontra-se a importância da imprensa como meio de
formação da opinião pública e do desenvolvimento da própria esfera pública. Em vista
disso, a relação da esfera pública com a imprensa desenvolverá um pilar essencial do
espaço público político, originada pelo espaço literário, cujos assuntos seriam
publicados, criticados e debatidos, formulando-se e desenvolvendo-se a opinião
pública62.
Entender o conceito de esfera pública na Ibero-américa é estar diante de um
frutífero debate, já que os modelos interpretativos estão em constante mudança por
conta de novas perspectivas de próprias reavaliações63. Consequentemente, o
deslocamento para essas novas interpretações está cada vez mais próximo de não
fixar um modelo enquanto único. As mudanças políticas no seio das independências,
por exemplo, foram entendidas, cada vez mais, como mudanças não apenas restritas
ao campo político, isto é, outros encaixes foram reavaliados, conferindo cada vez mais
ênfase às experiências, aos sujeitos, aos cenários e à própria dinâmica sociocultural.
O conceito de esfera pública é frutífero por compreender o caráter histórico e
seu próprio significado tanto no cenário político de culturas, identidades ou até mesmo
por propiciar outras roupagens à própria noção do cultural e do sociopolítico64. Ao
delinear a discussão específica sobre o elo entre o significado, a representação e a
política, a interpretação da esfera pública mostra cada vez mais sua capacidade de
gestar críticas, além de novas interpretações de pesquisas com prioridades no campo
cultural e político65.
O período conflituoso das primeiras décadas do século XIX na América-Ibérica
61 KOSELLECK, ibid., p.193. 62 HABERMAS, 2003, p.46-64. 63 A perspectiva aqui adotada aproxima-se e dialoga com estudos de Marco Morel, Guerra e Hilda Sábato, os quais relacionam a diferença de espaços públicos e seus desdobramentos no novo mundo ibérico perante os moldes europeus. Cf. MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidade na cidade imperial (1820- 1840). São Paulo: Hucitec, 2005; GUERRA, 1992; SÁBATO, Hilda. Pueblo y Política: La construcción de la república. Vol. 40. Capital Intelectual SA, 2005.pp. 87-95. 64 Em seu artigo, Pablo Piccato desenvolve sua preocupação acerca da implicação teórica e metodológica em que o conceito de esfera pública foi utilizado pela historiografia latina, cf. PICCATO, Pablo. Public sphere in Latin America: a map of the historiography. Social History, v. 35, n. 2, p. 165-192, 2010. 65 Para mais detalhes sobre esse tipo de questionamento, cf. PICCATO, Pablo. Introducción: ¿Modelo para armar? Hacia un acercamiento crítico a la teoría de la esfera pública. In: SACRISTÁN, Cristina; PICCATO, Pablo (eds.). Actores, espacios, y debates en la historia de la esfera pública en la ciudad de México. México DF: Instituto Mora, 2005.
44
foi marcado pelo desenvolvimento de uma esfera pública, interpretada como um novo
espaço próprio a debates políticos, afinal, com a autoridade real ausente – no caso
hispânico –, a concepção da nova soberania, essa desenvolvida pelo pensamento
moderno, passava a ser a nação, a qual poderia ser disputada continuamente66.
François Xavier-Guerra e Annick Lempérière fazem ressalvas sobre essa
esfera pública na América hispânica67: para os autores, a proposta habermasiana não
consegue abarcar a pluralidade que é o mundo ibero-americano. Assim, apontam para
uma nova reformulação: “Por eso hemos preferido, frente al monismo de la ― esfera
pública, la pluralidad de los ― espacios públicos”. Nesse sentido, enquanto a esfera
pública abarca um espaço abstrato, na América Ibérica ocorre o contrário, uma vez
que sua pluralidade de locais alcançou “aspectos más palpables: los impresos, su
difusión y su recepción, las prácticas. La mayor parte de los espacios públicos que
encontramos aquí son muy concretos: la calle y la plaza, el Congreso y el palacio, el
café y la imprenta”. Assim, Guerra e Lempérière defendem que “el abstracto espacio
público moderno es todavía uno más de los espacios — muy reducido en muchos
casos — en los que se congregan, comunican y actúan los hombres”68.
66 O pactismo espanhol defendia: “Na ausência do rei, a soberania retorna aos povos”. Baseando nessa concepção mais tradicional, os pueblos poderiam ser as províncias ou a pátria chica, sendo assim a nação poderia ser desfeita. Já na concepção mais liberal, esses pueblos tornaram-se a própria nação. Como analisa Jaime Rodríguez (2016, p. 60, tradução nossa): “Inspirados pela revolução intelectual do fim do século XVIII e pelas tradições legais da monarquia, todos concordavam que, na ausência do rei, a soberania voltava ao povo, os quais agora possuíam a autoridade e a responsabilidade de defender a nação”. Cf. RODRÍGUEZ, Jaime E. La independencia de la América española. Fondo de Cultura Económica, 2016. p. 60. 67 François-Xavier Guerra é referência nos estudos de esfera pública no caso hispânico. Em suma, a noção desse autor é baseada na teoria de Habermas: “O radicalmente novo é a criação de uma cena pública quando este novo sistema de referência deixa círculos privados que até então tinha sido realizada, a explodir em plena luz” (GUERRA, 1992, p. 13, tradução nossa). . Habermas aponta: “O processo ao longo do qual o público constituído pelos indivíduos conscientizados se apropria da esfera pública controlada pela autoridade e a transforma numa esfera em que a crítica se exerce contra o poder do Estado realiza-se como refuncionalização (Umfunktionierung) da esfera pública literária, que já era dotada de um público possuidor de suas próprias instituições e plataformas de discussão” (HABERMAS, 2003, p. 68.), ou seja, ocorre também um movimento do particular para o público. Cabe aqui apontar que, se Guerra usou a teoria de esfera pública, sua noção de referências baseava-se na Mudança estrutural da esfera pública, sua inspiração historiográfica mais nítida vinha da história expandida “do político”, de acordo com as propostas de François Furet. Nesse sentido, embora seu “alvo” de análises seja mais amplo, Guerra segue Furet ao realçar que é a revolução cultural que pode possibilitar a criação da nova política. Na análise de Palti, no uso que Guerra faz da teoria habermesiana, faltava uma crítica mais presente do modelo de esfera pública e também falhou-se em não reconhecer o trabalho de Reinhart Koselleck como um antecedente de algumas discussões necessárias. Cf. PALTI, Elías José. Guerra y Habermas: ilusiones y realidad de la esfera pública Latinoamericana. In: PANI, Erika; SALMERÓN, Alicia (eds.). Conceptualizar lo que se ve: François-Xavier Guerra historiador, homenaje. México DF: Instituto Mora, 2004, p. 466. 68 GUERRA, François-Xavier; LEMPÉRIÉRE, Annick. Los Espacios Públicos en Iberoamerica: Ambiguidades y problemas. Siglos XVII-XIX. México: FCE-Centro Francés de Estudios Mexicanos y Centroamericanos, 1998, p.10.
45
É necessário destacar também que é nas revoluções de independências que
esses espaços públicos, no sentido moderno, no mundo Ibero-americano, são
desenvolvidos69. Compreender a ação da imprensa é crucial para analisar a criação
da modernidade ideológica que se desenvolveu nas primeiras décadas do século XIX.
Nessa perspectiva, exemplos de um feitio da sociabilidade moderna, é impossivel
desassociar as discussões e debates políticos com os espaços públicos motivados
pelas publicações de textos e ideias que se formavam através de sua ação multiforme,
a qual reconfigurou o desenvolvimento do pensamento moderno. Assim, a partir desse
momento, engendrou-se um fenômeno que pode ser observado principalmente pelas
discussões sobre livros e textos publicados, bem como as ideias que criavam formas
e discursos que ora vizavam legitimá-las i ora descaracterizá-las por meio da ação
que os espaços públicos fomentavam. As mensagens transmitidas, para além de ser
uma interpretação, correspondiam, assim, a uma interpretação direcionada70.
Algumas similaridades devem ser concebidas com as análises de Habermas e
Guerra acerca de um processo gradual de politização da sociedade, publicização de
críticas e opiniões contrárias ao poder estatal. Segundo Guerra, a grande
reformulação que a modernidade hispânica viveu era propriamente a publicização de
valores antes discutidos apenas nas esferas particulares71. Nesse evento de
desenvolvimento de espaços públicos que acirraram as discussões políticas, a
imprensa ocupou uma posição protagonista através de periódicos e panfletos. Esse
protagonismo da imprensa no espaço público, em suma para os liberais, era a maneira
de se consolidar a soberania da nascente opinião pública. A opinião pública passou a
ser uma matriz principal, “o que diz ou quer o povo ou a nação” 72, assim, a opinião
pública fomentou-se como a expressão da nação soberana, reservando-se para os
ilustrados o papel de guia73.
É possível interpretar que nos impérios ibéricos as invasões napoleônicas
foram cruciais para o surgimento dos espaços públicos. A ausência do rei espanhol e
a transmigração da Corte para a América modificaram o equilíbrio colônia-metrópole
e súdito-monarca, proporcionando o surgimento de espaços para críticas e discussões
69 GUERRA; LEMPÉRIÉRE, ibid., p.14. 70 GUERRA, 1992, p. 115-148, 227-274. 71 GUERRA, ibid., p. 13. 72 GUERRA, François-Xavier, ibid.,, 1992, p. 276, tradução nossa. 73 Além de Guerra, para estudos sobre história do periodismo, nesse período, cf. FERNÁNDEZ, Javier S.; FUENTES, Francisco. Historia del Periodismo Español. Madrid: Síntesis, 1998. p. 51.
46
sobre a conjuntura. Além disso, no caso da colônia portuguesa, a transferência
modificou a relação de colônia para metrópole, já que a Corte estava fixada na
América74. Diante desses fatos, a partir de 1810, na América Ibérica iniciou-se um
processo de desenvolvimento de um espaço de discussão sobre temas políticos, o
que promoveu também o próprio desenvolvimento da nascente opinião pública75.
Assim, é também no período das independências que a imprensa pode se perceber
como tendo um papel decisivo, cujo resultado foi o crescimento de espaços de
liberdade de expressão, que se tornaram espaços de crítica, os quais alocavam para
os debates a difusão de ideias que se associavam ao desenvolvimento da opinião
pública76. Seu protagonismo fomentou o surgimento de novas concepções não só
sobre o corpo social, mas também proporcionou uma nova maneira de se pensar e
fazer política no tocante às discussões sobre a soberania e a representação77.
74 Para maior detalhamento do panorama de legitimidade hispânico durante os processos de resistências, cf. GUERRA, 1992. No caso da colônia portuguesa, cf. Dias, 2005. 75 Contudo, é preciso destacar que algumas análises que reinterpretam uma origem do período anterior sobre a opinião pública. Gabriel Torres Puga aponta que essa já estava se desenvolvendo na dinâmica sociopolítica da nova sociedade hispânica do século XVIII, salientando que o mesmo foi possível ser apresentado no momento em que a classe burguesa teria se diferenciado da Corte e o restante da sociedade, por meio da grande evocação de ideias contrapostas às reformas e sua gestão. Puga identifica uma origem através das contestações sobre as formas políticas e administrativas do Estado absolutista espanhol que ocorreram na segunda metade do século XVIII. Em suma, essas reformas foram decorrentes da ascensão dos Bourbons, principalmente de Carlos III, tocando em um crescimento de discussões sobre autonomias: da Igreja, dos cabildos e do próprio vice-rei. Essas análises se baseiam no fato de que nos Vice-Reinos, as reformas bourbônicas fomentaram a economia e procuraram expandir o território e a urbanização de cidades concebidas como importantes. Consequentemente, estimulou-se o aumento da dominação colonial. Apesar da prosperidade que as reformas puderam evidenciar, criaram, simultaneamente a esse espaço, o processo social de crescimento da população criolla e mestiça, o que desencadeou gradativamente uma intensa sensibilidade bem próxima de um sentido patriótico. No último quartel do XVIII, pode-se perceber que os setores da elite da nova hispânica se consideravam parte de uma região ilustrada— esse processo, então, assinalaria a existência de uma opinião pública. Contudo, entendemos que se, o século XVIII pode vivenciar as discussões políticas, no que tange às reformas, elas ficaram restritas a lugares de sociabilidade privilegiados, ocorrendo através de relações e correspondências privadas, que não obtiveram respaldo no discurso da opinião pública. A nosso ver, assim como Guerra, compreendemos esse momento observado no século XVIII como um espaço público literário, bem como aponta Benedict Anderson, que no século XIX foi modificado pelo espaço público político, no qual as crises das monarquias absolutistas intensificaram e tornaram-se múltiplas as formas de sociabilização. Em consonância, no século XIX, a esfera particular sobre temas ainda se manteve, mas essa nova esfera pública ou espaços públicos encontrou respaldo na opinião pública, modificando as discussões e formando a circulação dos textos, ideias escritas. Sobre essa análise e discussão do tema, cf. PUGA, Gabriel T. Opinión pública y censura en Nueva España. Indicios de un silencio imposible, 1767-1794. México: El Colegio de México, 2010; FLORESCANO, Enrique; ROJAS, Rafael. El ocaso de la Nueva España. In: ZERÓN-MEDINA, Fausto (coord.). La Antorcha Escendida. Vol. 1. México: Clío, 1996. p. 8. GUERRA, 1992;1998. 76 GUERRA. Modernidad y Independencias.., cit.; Anderson. Comunidades Imaginadas.., cit. FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, J. Revolucionarios y Liberales.., cit. In: CALDERÓN, M. e THIBAUD, C. (eds.) Las revoluciones en el mundo atlántico…, cit. PALTI, E. El tiempo de la política…, cit. 77 GUERRA, François-Xavier e LEMPÉRIÈRE, Annick; et al. Los espacios públicos en Iberoamérica. Ambigüedades y problemas. Siglos XVIII-XIX. FCE: México, 1998. p. 06.
47
No mundo ibero-americano, essa nova conjuntura e dinâmica de fazer política
impulsionou debates, cujos discursos cada vez mais foram observados por olhares
menos localistas, cujas percepções de espaços foram ampliadas proporcionando uma
amplitude em vista da conjuntura dos acontecimentos relacionados à América e a
suas metrópoles europeias. Alguns debates ou até mesmo ideias foram proibidas,
mas não deixaram de circular; mesmo em periódicos proibidos essa censura não
impediu a difusão de tais ideias: algumas eram debatidas e expostas até mesmo por
viajantes e estrangeiros78.
Nesse sentido, pode-se perceber a importância dos espaços públicos, os quais,
no cenário americano, serão um dos mais importantes meios para as vinculações de
ideias entre as elites, as quais buscavam legitimar seus projetos, seus ideais e suas
práticas políticas como elementos e ações pautadas em uma opinião pública. Logo,
posiciona-se como um próprio sujeito histórico que, ao longo do século XIX, será
fundamental para entender o próprio ambiente político que se articulava não somente
entre si, mas também em escaladas diferentes, com processos de uma conjuntura
histórica por parte da América e até mesmo da Europa, tornando-se um conjunto de
experiências que podem ser vistas como cruzadas e até mesmo refletidas79. Nesse
momento, as experiências tornaram-se cada vez mais presentes nos debates de
projetos políticos, que consequentemente propagaram e legitimaram suas próprias
representações de Estado e Nação80.
2.3 A nação no pensamento moderno americano no XIX: referênciais históricos
e analíticos
Como parâmetro conceitual do nosso trabalho, que visa à compreensão dos
discursos políticos deste período, recorreremos à discussão do conceito de Nação por
entendermos sua referência obrigatória nas análises das modernas construções
78 AGUIRRE, Manuel E. El abate de Pradt en la emancipación hispanoamericana (1800- 1830). Caracas: Universidad Catolica Andres Bello, 1983. PIMENTA, João Paulo G. De Raynal a De Pradt: apontamentos para um estudo da ideia de emancipação da América e sua leitura no Brasil. Almanack Brasiliense, n. 11, São Paulo, 2010. 79 Ver cap 1. PIMENTA, João Paulo Garrido. O Brasil e a América Espanhola (1808 – 1822). Tese de Doutorado. São Paulo, 2003 80 Cf. GUERRA, 1992.
48
políticas. Não procuramos desenvolver um amplo debate historiográfico sobre o
conceito. Todavia, interassa-nos evidenciar o entendimento de como uma categoria
foi representada em um universo comum de referências discursivas em que se
encontravam os personagens desses momentos, malgrado a existência da
particularidade de cada processo independentista ocorrido na América Ibérica.
Inúmeros autores tratam da questão nacional para o contexto específico da
América Ibérica, mas essas perspectivas estão longe de entrarem em um consenso
nos enfoques historiográfico. Em suma, no que tange à aceitação de uma ideia
consensual historiográfica, baseia-se em entender que não existiu um nacionalismo
pré-existente ao período das independências na América-Ibérica81. Essa afirmação
advém de críticas às leituras que apontam ao esquema “nacionalístico” sobre a
formação do Estado-Nação:
Esta versão tão evidente e familiar apresenta problemas consideráveis. O primeiro é a ausência de todo movimento nacionalista antes da independên-cia; curiosas nacionalidades estas nacionalidades mudas. O segundo concerne ao conteúdo mesmo desta nacionalidade, que em geral remete a uma comunidade dotada de uma especificidade linguística e cultural, religiosa e étnica. 82
A análise de François Xavier Guerra expõe a ideia que encontra respaldo em
diversos outros estudos, atestando a não existência de múltiplas nacionalidades no
território americano antes das independências. Basicamente, nessa análise, a
nacionalidade é entendida apenas como parte de uma nacionalidade nesse período,
isto é, a hispânica, que foi compartilhada por ambas as concepções do lado Atlântico
do Império Espanhol, ou seja, tanto americana como europeia.
No tocante à trajetória por uma história nacional que, de certa maneira
correspondesse a um sentido à própria existência política, no decorrer do século XIX,
foi praticamente comum a todos os Estados novos independentes pensar na sua
nação como uma construção histórica que interligasse os novos vínculos identitários.
Assim, as nações, na formulação clássica de Benedict Anderson, são “comunidades
imaginadas” 83; dessa forma, sendo necessário adentrar em “uma perspectiva que
visa despojar o conceito de nação e de nacionalidade de seu suposto caráter natural
81 Quando falamos de um consenso estamos apontando algumas das principais vertentes, das quais utilizamos nesse trabalho. Autores como François Xavier- Guerra, Elias Palti, João Paulo Pimenta, e José Carlos Chiaramonte são um dos maiores colaboradores dessa perspectiva historiográfica. 82 GUERRA, François-Xavier. A nação na América espanhola: a questão das origens. Revista Maracanan. Ano I, N 1, 1999/2000. p.10. 83 ANDERSON, 2008, p. 37
49
[...] para fixar-se no critério de sua artificialidade, ou seja, de ser efeito de uma
construção histórica, ou invenção” 84. Nesse sentido, é necessário compreender de
que forma as escritas de histórias nacionais contribuíram como um intenso argumento
de construção de um passado comum, moldando-se conforme uma ligação entre os
habitantes pela sensação mútua de pertencimento85.
O trabalho de Benedict Anderson é extremamente influente e levou uma
geração da historiografia a analisar e, além disso, a problematizar o conteúdo e os
processos da imaginação nacional. A concepção sobre nação apresentada por
Anderson para destacar a necessidade histórica de pertencer a uma identidade
coletiva possibilita que os indivíduos de uma determinada sociedade sintam-se e
imaginem-se pertencentes a essa comunidade criada. Essa ideia tornou-se fulcral
para fortalecer e desenvolver o argumento modernista com um olhar à narrativa de
pertencimento e do texto como formas importantes e predominantes para a narrativa
nacional e para a difusão de uma identidade nacional86. Nesse sentido, a tríade
modernidade, Estado e nação tornou-se indissociável. Logo, através dessa leitura
sobre o conceito de nação só é possível conceber que, ainda que por mais que se
aborde o tema de nações antes da modernidade, o seu significado não era o mesmo
do significado moderno.
Cabe salientar que, desse processo histórico historiográfico de desconstrução
dos “mitos de origem” 87, destacamos dois importantes pontos a nosso ver. O primeiro,
o da reformulação visando romper com análises que até então eram escritas. Estas,
típicas do século XIX, ficaram presentes em quaisquer análises de países americanos.
Elas enfatizavam a constituição de nacionalidades a partir da eleição de determinados
elementos externos. Essas análises, no século XX, deixaram marcas enraizadas na
Historiografia, das quais podemos ainda encontrar alguns resquícios de tais
reformulações. O que nos interessa, no entanto, é apontar que algumas dessas
84 CHIARAMONTE, José Carlos. Metamorfoses do conceito de nação durante os séculos XVII e XVIII. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: HUCITEC, 2003, p. 63. 85 Aqui se aborda a perspectiva de uma discussão historiográfica acerca do caminho percorrido entre o mito de uma nação e suas problemáticas históricas. Sendo assim, nos pautamos em entender que a escrita da história nacional, além de ser produtores, também foi um produto de ligação que aproximavam os sujeitos históricos em identidades em comum. Para mais sobre essa perspectiva, cf. PALTI, Elías. La nación como problema: los historiadores y la “cuestión nacional”. Buenos Aires: Fonde de Cultura Económica, 2003. Também, cf. PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e Nação no fim dos Impérios Ibéricos no Prata. São Paulo: HUCITEC; FAPESP, 2002. 86 ANDERSON, 2008, p.32-34 87 Um dos principais expoentes é José Carlos Chiaramonte.
50
análises colocam em discussão pontos cada vez mais profundos da utilização de
modelos historiográficos que, em determinadas leituras, não serviam ao contexto
americano. Conforme colocado no primeiro capítulo, algumas análises se mitificaram
como impróprias por não encontrarem respaldo em uma historiografia.
Assim, Antonio Annino apresenta que
[…] temos que reconhecer que na maioria do mundo ocidental e seus arredores, a nação foi inventada em condições totalmente diferentes daquelas que ocorreram nos países que a historiografia usa como modelos para a interpretação dominante. 88
O que queremos apresentar é que a questão centra-se muitas vezes na
impossibilidade de utilizarmos modelos únicos explicativos para o caso americano,
pois em quase toda sua totalidade, os modelos foram pensados para analisar
explicações de surgimento de nação a partir de um referencial político e cultural
distante da América Ibérica. Por conseguinte, ainda existem alguns pontos a serem
resolvidos na caracterização de se entender uma categoria americana.
Nosso pressuposto caminha bem próximo aos autores supracitados, ou
seja, da impossibilidade de movimentos nacionalistas para o caso americano. Em
contrapartida, não queremos negar uma categoria americana existente na
conjuntura das primeiras décadas do XIX. Elias Paltí imprime o que queremos
dizer que: “O fato de ainda não haver um conceito de nacionalidade não significa que
um certo sentido de nação não tenha surgido [...]. Se não, a ideia de independência
teria sido simplesmente inconcebível”89. Em contrapartida, assumimos que apesar de
não estar presente um sentimento nacional, consideramos que a categoria americana
esteve presente no tocante a essas três primeiras décadas. Obviamente, não
trataremos como uma vinculação única e linear as críticas coloniais e a formação dos
movimentos de independências. Trata-se, para nós, de procurarmos o discurso
Americano fruto da modernidade e entendermos que esse ponto não era tão claro
para alguns sujeitos históricos, pois “a mera invocação do princípio da
autodeterminação dos povos não foi suficiente para legitimar sua secessão da
metrópole” 90.
Nosso fio condutor é refletir esse processo a partir de uma dimensão conectada
88 ANNINO, Antonio. Epilogo. In. ANNINO, Antonio y GUERRA, François- Xavier (coords). Inventando la Nación – Iberoamérica siglo XIX. México: FCE, 2003. p. 684, tradução nossa. “ 89 PALTI, Elias. La nación como problema. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002. p. 133, tradução nossa. 90 Palti, 2002, p. 134.tradução nossa.
51
das experiências históricas que, desde o século XVIII, foram comuns à América. A
comparação nos permite interpretar alguns problemas e processos comuns a todas
essas novas nações91. Inserir a América Ibérica dentre um contexto mais amplo, o da
crise do Antigo Regime, de um pensamento moderno, de formação de espaços de
sociabilidades possibilita diluir as exceções por meio da comparação. Apesar disso,
não buscamos inequivocamente acreditar que não houve particularidades,
Naturalmente, não existem duas revoluções iguais; a espera por isso seria absurda, mas é igualmente absurdo considerar que elas não possam ter absolutamente nada em comum. Padrões podem ser encontrados no estudo das revoluções que possam explicar eventos ou chamar a atenção para eventos desviantes que demandam explicações especiais. 92
Também se faz necessário romper com as narrativas teleológicas que
vislumbraram sinais inequívocos de uma divindade nacional durante ou mesmo antes
do processo de independência. Nossa abordagem aponta que cada vez mais surge
a necessidade de entender que possivelmente a Revolução americana, assim como
as Ibéricas, não objetaram um “proto-nacionalismo”, assim:
[…] se partirmos da base de que as nações, como acordos coletivos, sempre exigiram uma história comum, é evidente que não houve nação, muito menos um sentimento nacional estendido antes de 1789, data em que o dilema constitucional foi resolvido. 93
Jack Greene94 destaca uma importante simultaneidade, também apresentada
por Xavier- Guerra, de uma noção de continuidade, mais propriamente que de ruptura
na independência norte-americana. Em sua análise, Greene aponta que no tocante a
muitos aspectos, a independência norte-americana teria sido antes uma revolução
inglesa de afirmação do caráter britânico e dos direitos britânicos aos quais os próprios
súditos americanos estariam submetidos do que uma concepção visando a criar uma
91 HUTCHINSON, William T. Unite to Divide; Divide to Unite: The Shaping of American Federalism In: The Mississippi Valley Historical Review, Vol. 46, No. 1 (Jun., 1959),p.3. 92 DANIELS, Robert V. Apud. HUGINS, Walter. American History in Comparative Perspective Source: Journal of American Studies, Vol. 11, No. 1 (Apr., 1977), p. 29, tradução nossa. 93 PURCELL, Fernando. La revolución norteamericana y las tensiones interpretativas en su historiografía reciente. In: Revista de Historia Iberoamericana. Semestral. Año 2008. Vol.1. N1.03, p.57, tradução nossa . A visão fortemente construída de que os norte americanos, após a declaração de independência em 1776, tenham como que automaticamente se tornado uma grande e forte nação, politicamente resolvida e consolidada, torna-se equivocada. 94 GREENE, Jack. P. The American Revolution. In: The American Historical Review, Vol. 105, No. 1 (Feb., 2000), p. 93-102.
52
nova nacionalidade95.
Em consonância com essa perspectiva, encontra-se a de Marco Pamplona e
Don Doyle, os quais ressaltam que, em geral, as independências americanas não se
firmaram na reivindicação de uma identidade americana (no sentido puro e nacional)
versus metrópole, mas “ressaltavam suas queixas contra o domínio imperial e suas
aspirações por um governo autônomo em vez de diferenças essenciais entre, de um
lado, o povo e a cultura da colônia e, do outro, os da metrópole”.96 E, de Breen, o qual
salienta que não pode ser considerado, na América, nenhum tipo de ideologia política
dominante, sendo assim o pensamento político só pode ser percebido na reflexão das
condições sociais que estavam em decurso e nos recursos culturais que poderiam ser
percebidos.97 Essas abordagens nos levam a retornar a dois elementos: o primeiro é
o fato de que o discurso americano, nas épocas das independências, torna-se
essencialmente político; o segundo diz respeito a outro elemento que nos mostra
entender os processos de formação nacional na América: o posicionamento dos
atores históricos em seu tempo, lugar e suas experiências compartilhadas98.
2.4 As experiências políticas: o século XIX em perspectiva
Interpretar a política da experiência ibero-americana do século XIX insere-se
em problemáticas na própria forma narrativa: em primeiro lugar, a criação da
soberania do Estado-nação de que os territórios inseriam-se e o fortalecimento da
unidade de uma organização suprema com base na participação dos cidadãos; a
95 E é por esse mesmo direito que os colonos americanos vão lutar durante a guerra de independência. Um sentimento de pertencimento a uma comunidade mais ampla, metrópole versus colônia não tem respaldo se analisado no tocante anterior às independências. As considerações que devem ser feitas são de como o sentimento de pertencimento foi discutido. Cf. BREEN, T. H. “Interpretando o Nacionalismo no Novo Mundo”. In: DOYLE, Don H. & PAMPLONA (organizadores). Nacionalismo no novo mundo. A formação dos Estados-nação no século XIX. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 75-76. 96 GREENE, Jack P. Identidades dos estados e identidade nacional à época da Revolução Americana. In: DOYLE, Don H. & PAMPLONA (org). Nacionalismo no novo mundo. A formação dos Estados-nação no século XIX. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Record, 2008.p. 24. Para Greene, é neste tipo de análise que pode ser colocado em dúvida o caráter revolucionário desse movimento e das suas consequências no tocante do Estado independente, cf. GREENE, 2000. 97 BREEN, T. H. “Interpretando o Nacionalismo no Novo Mundo”. In: DOYLE, Don H. & PAMPLONA (organizadores). Nacionalismo no novo mundo. A formação dos Estados-nação no século XIX. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Record, 2008.p, 75. 98 PIMENTA, João Paulo Garrido. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c.1780-c.1830). Tese de livre docência. São Paulo: USP, 2012.
53
outra, a adoção de uma forma de governo Repúblicano — pela parte da América
espanhola ― e Monárquico no Brasil; o desenvolvimento de uma sociedade civil que,
nos meados dos séculos XVIII e XIX, supôs o desenvolvimento de uma economia e
sociedade como chave para acessar o programa civilizador ou "de progresso".
Essa empreitada, com seus momentos complexos, acabou se resolvendo de
maneira simultânea, de modo que sua própria complexidade estruturou agendas
férteis de pesquisa. Essas pesquisas se destinaram a restituir, provar e argumentar a
especificidade das formas políticas testadas para o efeito singular e deixar de
identificar os obstáculos ou desvios de um determinado modelo político, mas como
um fértil campo exploratório de complexidades, das construções desses estados em
desenvolvimento e os fundamentos contemporâneos do poder político em escala
ampliada.
Esse enfoque percebido na política do século XIX abriu novas perspectivas e
ajudou, embora ainda tendo como abordagens nacionais, novas interpretações que
se distanciariam das narrativas nacionalistas clássicas a se tornarem individualmente
problemáticas, combinar metodologias e não abandonar um dos aspectos mais
fundamentais do historiador, ou seja, a difícil e fascinante inserção intelectual e teórica
de usar fontes para restaurar e narrar um dos possíveis passados.
O que gostaríamos de dizer é que essas novas abordagens contribuíram e
determinaram o bem próximo retorno da política99, o qual pode ser observado com
enorme fluidez nas historiografias Atlânticas. Esse político observado compreendeu
pela historiografia que a insatisfação entre o que historiadores e cientistas sociais vêm
ao longo da década debatendo100, bem como as interpretações em quedas das
pesquisas protegidas por modelos estruturais, pois questionaram o improviso
explicativo em detrimento da narrativa e a necessidade de resgatar a ação social ou
humana (individual ou coletiva) como fator explicativo da mudança social e histórica.
Carlos Altamirano contribuiu com a compreensão das chaves de leitura da
história política, que não se deve excluir sua visão social e econômica, além de não
procurar intervir nas histórias ou visões totalizantes com as quais pretendiam romper
99 FERREIRA, Marieta Morais. A nova ‘velha história’: o retorno da história política. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, (n. 10, 1992): 265-271. 100 BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Agenda brasileira: temas de uma sociedade em mudança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
54
o substrato das histórias nacionais101. Decerto, a convicção de que fornecer
evidências empíricas sofisticadas sobre o peso da economia e da sociedade no
desenvolvimento das nações ibero-americanas nos permitiria melhorar a
compreensão do passado.
Em umas das mais evidentes propostas, J. G. A. Pocock havia despertado no
campo da história das ideias três questões essenciais para esse entendimento: a
reivindicação da narrativa como técnica apropriada para a explicação de eventos e
processos históricos; a defesa da especificidade da política com a consequente
recusa em considerá-la meramente derivativa da evolução econômica e social; e,
finalmente, a preocupação em analisar os fenômenos do passado em seus próprios
termos, evitando extrapolações geradas por preocupações atuais102.
Em torno disso, os trabalhos de Tulio Halperin Donghi se tornaram capitais no
foco de hipóteses e interpretações alternativas às prevalecentes em torno da
associação entre a crise da ordem monárquica, o desenvolvimento da opinião pública
e a formação institucional na invenção da política revolucionária. É de suma valia
trazer luz para o tema clássico que Tulio Halperin semeou para trabalhos como, anos
mais tarde, a famosa interpretação de François Xavier-Guerra se concretizaria103. Era
essencial para a renovação das historiografias o debate sobre a transição entre o
antigo regime e a conformação republicana das nacionalidades. Não nos parece
necessário dar conta do impacto, o qual ainda podemos apreciar, para os
historiadores dedicados a explorar os caminhos políticos que emanaram do colapso
imperial. É interessante notar, além dos diálogos explícitos ou implícitos, que há um
fato que é inquestionável: nos últimos anos, a história política mudou; ela não aspira
à totalidade. Ela associa ou vincula o evento a estruturas de longo prazo, coexistindo
com outras abordagens e abordagens que reivindicam autonomia, além de apostar
firmemente na dimensão das narrativas diversificadas, as documentações bem
conhecidas ou pouco exploradas.
101 ALTAMIRANO, Carlos. Ideias para um programa de história intelectual. Tempo social, v. 19, n. 1, p. 9-17, 2007. 102 POCOCK, John Greville Agard. Linguagens do Ideário Político. Edusp, 2003. 103 Donghi conta com uma vasta bibliografia. Para nós, interessam principalmente dois trabalhos: cf. HALPERÍN DONGHI, Túlio. Revolución y Guerra. Formación de una Elite Dirigente en La Argentina Criolla. Siglo Veintiuno. Buenos Aires, 1979. Também, cf. HALPERIN DONGHI, Tulio. Reforma y disolución de los imperios ibéricos, 1750-1850. Madrid, Alianza, p. 17-113, 1985. A clássica e conhecida obra de Xavier-Guerra, cf. GUERRA, François-Xavier. Modernidad y Independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispânicas. Madri: Mapfre, 1992
55
Hilda Sabato notou que a história política recente mostra que o interesse por
questões nacionais gerou um espaço ampliado do diálogo e debate em nível regional
e interregional, a partir de um diálogo comum sobre os problemas que suscitaram a
reflexão. Isto é, uma tendência não apenas de incluir uma perspectiva comparativa e
de estabelecer um diálogo intenso a nível regional, mas pensar em questões nacionais
como parte de um conjunto que incluiria uma leitura mais abrangente. Dentro da
pluralidade de objetos e escalas de análise adotadas, a preocupação com a
restauração de processos de unificações nacionais após o ciclo de independência, as
formas institucionais testadas e os caminhos do governo representativo dispostos a
limitar o poder e gerir o novo princípio da legitimidade política constituíram linhas de
investigação, todas ou a maior parte das quais supostamente suspendem qualquer
pressuposto genealógico ou teleológico da nação e de suas instituições dirigentes. Na
contramão de tais perspectivas, exploram suas modulações específicas com base em
algumas pressuposições básicas: por um lado, a indeterminação das entidades
políticas decorrentes da crise e dissolução do império Ibérico; por outro, as formas
institucionais dispostas a levar a pluralidade de soberanias territoriais a um centro
comum de poder e, finalmente, a atenção dada às situações locais como um campo
de resolução adequada para visualizar o papel dos líderes e da opinião pública na
condução do discurso político ajudou a construir o edifício próprio do século XIX104.
Essa questão nacional tinha uma longa tradição literária, pois havia sido o
núcleo das historiografias do século XX e das versões revisionistas que prevaleciam
no mesmo século, ao passo que revisita ao processo de formação e consolidação do
Estado-nação aprova a invenção ou construção feita pelos historiadores memoráveis,
em grande parte na Europa. Essa desafiadora reviravolta interpretativa não apenas
pagaria por um rico campo de estratégias de pesquisa providas principalmente de
exercícios empíricos e inquisitivos, com o objetivo de detectar e testar, no nível das
narrativas, os pontos de contato entre as práticas dos atores e os contextos mutáveis
da institucionalização do poder nos centros e periferias.
Consequentemente, desvelar essa montagem orientaria as investigações para
analisar com maior rigor as formas e a transformação das elites locais e das alianças
que amalgamavam as trocas e as solidariedades políticas em torno do consenso
104 SÁBATO, Hilda. Ciudadanía política y formación de las naciones: perspectivas históricas de América Latina. Fondo de Cultura Económica, 1997.
56
liberal. Desse processo histórico denso, seria um distinto político apontar para um
ponto de partida adequado para se considerar um entrave problemático que políticas
de centralização e descentralização que contribuíram para forjar os sistemas políticos
nos quais os Estados ibero-americanos foram construídos. Referimo-nos ao que
revelou aos dirigentes revolucionários, isto é, que as independências não trouxeram
nenhuma forma de governo determinado nem poderiam resolver, em curto prazo,
estabelecer um princípio de autoridade estável nos territórios livres de sua antiga
metrópole Imperial105.
Surge a excepcionalidade do Brasil, em que a independência, longe de
pulverizar a unidade fundada pela migração atlântica dos Braganças em 1808, fez
dela a base da continuidade institucional, contribuindo para preservar a integração
territorial e propocionar condições favoráveis para a montagem do arsenal de
instituições que teriam que gravitar na invenção republicana. O curso das nações
emergentes das antigas Índias espanholas mostrou caminhos muito diferentes em
termos da engenharia monárquica imaginada do México ao Peru, que incluía o
revolucionário Rio de Prata, estavam longe de prosperar.
A recente historiografia política — como também a clássica ― não deixou de
sublinhar os detalhes de uma genealogia que começou com a mesma crise dinâmica
e que ligaria as pretensões de associar independência a fórmulas monarcas
constitucionais, as quais antes e depois do Congresso de Viena restabeleceram o
absolutismo como um antídoto restaurativo aos movimentos revolucionários que
tinham corroído as hierarquias sociais do antigo regime106. Essa genealogia permite
estabelecer pontos de contato entre as maquinações dos carlotistas nas províncias
do Peru e de Buenos Aires, as negociações dos rio– platenses com diplomatas
europeus a pedido do Congresso. Esse Congresso declarou a independência das
Províncias Unidas, em 1816, o império fugaz de Iturbide no México independente e as
decisões tomadas pelo protetorado — liderado por José de San Martín — que
depositaram confiança na vinda de um príncipe europeu como instrumento de
governança do edifício institucional do Peru, cujo dever era não só parar a
fragmentação das unidades administrativas disparadas com as independências, mas
105 GUERRA, François-Xavier. A nação na América espanhola: a questão das origens. Revista Maracanan. Ano I, N 1, 1999/2000. 106 CHUST, Manuel (ed). Las independências iberoamericana sem su labirinto: controversias, cuestiones, interpretaciones. Valéncia: Universitat de ValÉncia, 2010.
57
também o fator das forças localistas, visto sob um olhar de perigo para Bolívar;
também seria destinada a domar as rivalidades entre iguais. A grande novidade que
o trono vazio havia levado aos americanos-espanhóis a um novo destino tornaria a
imputação da soberania nacional um foco duradouro de controvérsia. Como
consequência, engendra-se a fórmula confederativa, isto é, a pretensão de refundar a
antiga unidade imperial através de laços entre soberanias independentes para
consolidar a América e torná-la respeitável107.
Diante desse conturbado contexto internacional, a primeira confederação a ser
construída significou a eventual proteção britânica e propôs como base de convivência
a sobrevivência da monarquia e da república em um mesmo território americano. Esta
leitura cuidadosa da experiência européia, que exaltou o modelo inglês em detrimento
da tradição francesa, não difere muito da ideia e da disposição do encontro promovido
por Bolívar em sua famosa carta da Jamaica em 1815.108
O problema em torno do príncipe, nos pilares americanos, não fez senão
revelar a urgência de fundar as bases da nova ordem para que, se nesse horizonte a
“ilusão monárquica” fosse enterrada em quase todo o continente em benefício dos
variados republicanismos, as formas políticas que os líderes ibero-americanos iriam
colocar à prova no longo século XIX exibiriam características comuns e contrastes
relevantes para domesticar o poder territorial, administrar a rivalidade entre os partidos
e construir um governo geral.
Tal variedade institucional, isto é, a cadência dos formatos testados em cada
parte do mapa político da América-Ibérica para construir e limitar o poder do Estado
(peça-chave da tradição liberal), constituiu o motor das clássicas histórias
constitucionais e renovação própria de estudos no campo da história política, que
fertilizou um campo de análise extremamente fértil e rico. Por um lado, a sobrevivência
sempre atrativa de localizar filiações e tocar tão logo a experiência ibero-
americana dialogasse com as ilustres tradições jurídicas, políticas constitucionais e
européias, ou logo que se parecessem ou se distanciassem do caso norte-americano,
que chamou a atenção da maioria dos publicistas e juristas hispano-americanos,
tornando-se um modelo legal constitucional. Por outro lado, as implicações que as
107 NEVES, Maria Júlia Manão Pires. O Peru lê o Brasil: o mundo luso-americano na imprensa e na política peruana 1808-1822. Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2014 108 FREDRIGO, Fabiana de Souza. As guerras de independência, as práticas sociais e o código de elite na América do século XIX: leituras da correspondência bolivariana, 2007, p. 47.
58
novas abordagens e chaves de leitura infligiram aos estudos sobre o desenho político
em sentido estrito e a incidência de que a atenção colocada nas práticas políticas
melhorou a compreensão do caráter histórico da política ibero-americana do século
XIX109.
O interesse em colocar a experiência da América iberica como um laboratório
para análise do liberalismo e do constitucionalismo em geral, ao mesmo tempo em
que lança evidências substanciais sobre misturar modelos originais, e adaptações e
interpretações próprias, deram origem a uma linguagem constitucional, ou vocabulário
político híbrido marcado pela fusão do transnacional e do local, e não pela adoção
passiva de um ou outro modelo. A ênfase colocada na análise de relações entre a
dimensão constitucional, e as práticas dos atores, teria que contribuir decididamente
para melhorar instrumentos analíticos e interpretações sobre as formas concebidas
pelos políticos práticos latino-americanos para traduzir a divisão do poder no
continente.
Nesse contexto, o exame das experiências federais ganhou um impulso
renovado que, embora revitalizasse o estado de conhecimento sobre Brasil e
Argentina, não deixou de participar de experimentos que antecipavam os formatos de
unidades adotados. Na maior parte, o sistema federal ou a federação era entendido
enquanto um artefato de unidade, como uma solução transacional em face da
incapacidade do governo central ou geral para funcionar tal qual um árbitro. Ademais,
também se entendia esse sistema como uma resolução prática do conflito ou
rivalidade entre regiões, estados ou províncias, cuja importância não diminui diante
das ameaças externas que sedimentaram identidades nacionais precipitadas pelas
guerras de independência convertidas em um húmus de nacionalismo territorial110.
Essa experiência federal do século XIX causava um profundo acordo de
mudanças na dualidade institucional envolvida, ou seja, a coexistência de duas
esferas de governo e duas soberanias, correspondentes ao governo federal, de modo
que os estados ou as províncias governam diferentemente. Essa dupla esfera
governamental supõe tensões entre soberania exclusiva e compartilhada. Além
disso, ela exige uma constante negociação sujeita a regras formais, normativas ou
109 ANNINO, Antonio; TERNAVASIO, Marcela (coords.). El Laboratorio constitucional Iberoamericano: 1807/1808-1830. Iberoamericana-Estudios AHILA, Madrid, 2012. p. 22 110 COSER, Ivo. Federal/federalismo. Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil, v. 2, p. 79-101, 2009.
59
constitucionais, bem como às informais.
Uma caracterização rigorosa das trajetórias do federalismo do século XIX
destaca algumas características proeminentes: de um lado, o abandono parcial das
interpretações que fizeram a análise de seu desempenho gira em torno do grau de
proximidade e/ou desvio com o influente modelo norte-americano; da mesma forma,
a ênfase dada à “análise de relacionamento” entre os diferentes níveis de governo liga
o marco constitucional à formação e ao funcionamento dos governos locais, cujo
tratamento deveria dar conta da própria dinâmica em diferentes esferas, muito
especialmente, do lugar que cada um ocupa no esquema de poder nacional. As
especificidades dessas relações constituíram valiosos vetores analíticos para detectar
assimetrias, rivalidades e coalizões que arbitravam o funcionamento do sistema
federal, bem como suas variações ao longo do tempo. Consequentemente, a
continuidade na mudança institucional e política permitiu distinguir e documentar
melhor três fenômenos simultâneos, embora com cronologias diferentes que até a
véspera desse momento não foram atendidas suficientemente: o processo de
unificação nacional, o grau de centralização, descentralização dos mesmos e o tipo
de regime federal concebido ou praticado111.
Em suma, uma compreensão mais refinada das situações locais tornou
possível contextualizar melhor o impacto concreto de concepções ou ideias sobre o
modo de ver que esses Estados nações em desenvolvimento detinham para cada
sistema diferente112. Essas referências condensam claramente o núcleo conceitual e
político inscrito na trajetória revolucionária diversificada que estruturou não só a
agenda da independência, mas também a que colocou a construção do governo
representativo na esteira dos regimes liberais que estruturaram a vida política ao longo
século XIX. Entendemos que essas referências vieram refutar ou dificultar as imagens
consagradas na cultura política ibero-americana que fizeram instabilidade político-
institucional113.
Em sua substituição, as preocupações dos historiadores levaram à combinação
de abordagens e registros analíticos e heurísticos, a fim de desvendar a especificidade
111 PALTI, Elías José. El tiempo de la política. El siglo XIX reconsiderado. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007. 112 PIMENTA, João Paulo G. A política hispano-americana e o império português (1810-1817): vocabulário político e conjuntura. In: JANCSÓ, I. (org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec/Fapesp/Editora Unijuí, 2003. 113 ANNINO, Antonio. Epilogo. In. ANNINO, Antonio y GUERRA, François- Xavier (coords). Inventando la Nación – Iberoamérica siglo XIX. México: FCE, 2003, p. 684.
60
das formas de pensar e administrar o poder e a política. Isso tradruz uma melhor
compreensão da natureza e do funcionamento do sistema político abandonando
algum esquema prescritivo ao examiná-lo, não como uma anomalia ou desvio de
algum desenvolvimento institucional preconcebido, mas como traços intrínsecos da
versão vernacular dos regimes liberais representativos do século XIX. Sem dúvida, as
instituições e as práticas do governo representativo constituíam uma das janelas mais
visitadas. Nelas, a opinião pública ganhara vigor em relação às demais. Em torno
disso, o rico repertório de estudos sobre a imprensa colocava em questão os
pressupostos que haviam sido considerados como um mero dispositivo das elites
políticas e estatais para preservar o controle das fontes de poder114.
O objetivo de analisar a tensão sempre existente entre as narrativas, em
sentido estrito, também revelou a conveniência de rever também as sucessivas
reformas da representação e da legitimação política. Em particular, na maneira pela
qual certos debates afetaram o comportamento político dos atores e o modo elas
operaram no processo de construção do poder central, o que possibilitou a melhora
da compreensão do processo histórico.
Essas narrativas são certamente muito mais complexas e épicas do que
aquelas que vêm de qualquer matriz romântica ou militante que gravitaram em favor
de uma melhor abordagem ao estudo das nações e sua organização institucional, que
deve estabelecer sua legitimidade não apenas contra as narrativas românticas
clássicas, mas também as histórias militantes que tendem a manter validez. Além
disso, a conveniência de conectar o momento revolucionário ao processo de
unificação nacional permitiu reposicionar a dinâmica política das sociedades
americanas a partir da era da independência.
114 CHIARAMONTE, José Carlos. Fundamentos intelectuales y políticos de las independencias. Notas para una nueva historia intelectual de Iberoamérica. Buenos Aires: Teseo, 2010.p.83-84.
61
3 O ESPAÇO POLÍTICO DOS PORTENHOS
3.1 Buenos Aires e os rivadavianos
Para abarcarmos a complexidade de narrativas produzidas no seio das
discussões políticas, é necessário obedecer a certas cronologias, essas que são
observadas nas próprias narrativas de desenvolvimento e construção dos Estados
Nacionais independentistas. Assim, o Vice-reinado do Rio da Prata, cuja capital era a
cidade de Buenos Aires, merece um apontamento mais objetivo no palco acéfalo que
ocorreu da monarquia espanhola, tendo em vista que sua visão autônoma perante o
poder espanhol teve atritos antes da própria invasão napoleônica. Os resultados
dessa divergência seriam essenciais para se entender o desdobramento liberal rio-
platense, sua evolução política e seus posicionamentos críticos com o pacto colonial.
Entre 1806 e 1807, houve duas “invasões inglesas” no território do Vice-reinado
do Rio da Prata. Essas produziram frente à ordem colonial uma gradual crise de
legitimidade em relação à monarquia espanhola115 e, além disso, manifestaram frente
às lutas um desenvolvimento autônomo político dos Cabildos baseados pela opinião
pública crioula. Em resumo, além do contato com o liberalismo inglês que possibilitou
uma nova dinâmica às ideias vigentes, um posicionamento político decorrente de uma
crise de legitimidade começou a ser engendrado, principalmente em Buenos Aires,
gerando assim um esvaziamento da noção de representatividade espanhola devido à
incapacidade do trono europeu de proteger e governar o vice-reinado116.
Após a invasão napoleônica, Buenos Aires criou também uma junta de governo
denominada Junta patriótica, em 1810, que buscava, enquanto o monarca ainda
estivesse capturado, uma ação própria de governo, na tentativa de se autogovernar
perante essa conjuntura espanhola117. A partir desse desdobramento portenho,
começaram a se formular apontamentos para a emancipação do Vice-reinado do
Prata, sendo Buenos Aires o ponto de partida desses projetos que obtiveram maior
115 SHUMWAY, Nicolas. A invenção da Argentina: História de uma ideia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília: Editora UnB, 2008. p.40-46 116 SHUMWAY, ibid., p. 42-44. 117 SHUMWAY, ibid., p.51-68
62
força pelas ideias republicanas118.
Apesar das observações ressaltadas sobre a capital Buenos Aires, cabe
salientar que as duas primeiras décadas pós-independência na região rio-platense
foram marcadas por profundas complexidades de ideias e projetos políticos, que, em
sua grande maioria, advinham de elites locais que não constituíam um projeto
homogêneo para esse Estado Moderno independente denominado Províncias Unidas
do Rio da Prata. A contribuição dos autores como François-Xavier Guerra119, Jorge
Myres120, José Carlos Chiaramonte121 e João Paulo Garrido Pimenta122 são
fundamentais para entender que esses projetos em sua essência foram propostos
pelas elites criollas, e, apesar de se conflitarem, tiveram que coexistir em um mesmo
espaço de experiência muitas vezes se assimilando ou destituindo-se.
Como dito anteriormente, a Independência da região do Prata não se esvazia
em um único momento. Ela precisou conviver com guerras civis ao longo das próximas
décadas buscando legitimidade para um projeto vencedor e, ao mesmo tempo,
precisou da concretização de um projeto que se tornasse legítimo perante a nascente
opinião pública. Em suma, os apontamentos desses autores foram de grande valia
para o entendimento das elites locais e as pluralidades dos projetos que essa região
presenciou até a consolidação desse novo Estado nacional que, posteriormente, será
denominado República Argentina.
Após inúmeras tentativas, ao longo dessas duas décadas, para a construção
de um novo Estado dotado de uma constituição nacional, ocorreu uma série de
embates e lutas civis para legitimação de projetos propostos: centralistas e
confederados em um mesmo embate com o objetivo em comum de definir o futuro
regime político portenho. Depois da derrota de Buenos Aires perante essas lutas
118 Para mais detalhes sobre o predomínio das ideias repúblicanas na América Hispânica vide: AGUILAR, José Antonio; ROJAS, Rafael (coords.). El repúblicanismo en Hispanoamérica: ensayos de historia intelectual y política. México: FCE, 2002. 119 GUERRA, François- Xavier, 1992. 120 MYRES, Jorge. "Identidades porteñas. El discurso ilustrado en torno a la nación y el rol de la prensa: El Argos de Buenos Aires, 1821-1825.". ALONSO, Paula (compiladora). Construccones impressas: panfletos, diarios y revistas en la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: F.C.E, 2004. Myres aborda, no terceiro capítulo, a Independência e origem do nacionalismo no caso argentino. Cf. PAMPLONA, Marco A. e MÄDER, Maria E. (org.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas: Região do Prata e Chile. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007. 121 CHIARAMONTE, José Carlos; MARICHAL, Carlos; GARCÍA, Aimer Granados. (comp.). Crear la nación: los nombres de los países de América Latina. Editorial Sudamericana, 2008. Sobre o caso argentino. Cf. CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, províncias, Estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997. 122 PIMENTA, João Paulo G. Estado e Nação no Fim dos Impérios Ibéricos no Prata: 1808-1828. São Paulo: Hucitec, 2006.
63
provinciais, uma elite de essência ilustrada e heterogênea, cuja formação visava a um
objetivo partilhado perante a crise, almejava promover a ordem perante o “caos”
dessas experiências fatídicas123 e que eram de suma importância para a capital.
3.2 Buenos Aires: a busca da concretização de um projeto político vencedor
Ao adentramos na segunda década de projetos nas Províncias Unidas do Rio
da Prata, torna-se importante entender a especificidade política que ocorreu na região
na época da independência. José Carlos Chiaramonte aponta que a emancipação
política pós-independência não significou a fundação de uma nação. Ela deu início a
um conturbado processo de percepções das novas soberanias profundamente
marcado por um conjunto de divergências e lutas tanto no âmbito das ideias quanto
no campo bélico. Assim, diante esse contexto, percebe-se,
Por un lado, quienes entendían que las decisiones a tomar deberían partir del conjunto de los pueblos soberanos, los que en términos del Derecho de Gentes eran personas morales en condiciones de igualdad, independientemente de su poderío y tamaño, y cuyo consentimiento, según el mismo Derecho, ninguna decisión que les concerniera poseía legitimidad. [...] Y, por otro, quienes consideraban necesario organizar de inmediato un nuevo Estado, a cuya cabeza debia figurar la “antigua capital del Reino”, en este caso, Buenos Aires y frente a la cual los demás pueblos eran subordinados124.
Pode-se assinalar que, durante esse processo, Buenos Aires já estava
despontando com projetos centralizadores. Contudo, as primeiras tentativas de
unificação territorial a partir de Buenos Aires fracassaram. Em contrapartida, as
soberanias de algumas das principais cidades da época colonial passaram a envolver
a representatividade de um território mais amplo em torno delas. Chiaramonte
sustenta que, apesar desse momento resultar a uma série de divergências políticas,
posteriormente foi necessário o rompimento das análises que concebem a abordagem
de que as lutas provinciais significaram uma bagunça, “anarquia” ou que dificultaram
a consolidação de um Estado Nacional organizado. Assim, segundo o autor,
La perspectiva de considerar las tendencias autonomistas de las provincias sólo como “demoras” en la producción de la amalgama social necesaria para
123 MYRES, 2003, p. 79-82. 124 CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, provincias, Estados: orígenes de la Nación Argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997, p. 128.
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el surgimiento del Estado nacional, ha sido una de las alternativas más atractivas para la historiografía latinoamericana. Sin embargo, si persistiésemos en ella, correríamos el riesgo de perder no sólo parte de la historia de los estados emergentes del colapso del dominio ibérico, sino también el sentido de los conflictos interregionales del período, que, en buena medida, estaban condicionados por el hecho de que cada uno de estos estados autónomos provinciales eran otros tantos conatos de construcción de naciones, a veces apenas esbozados, otras con mayores pretenciones, pero finalmente fracasados125.
Assim, na região do Rio da Prata pós-independência, foram frequentes os
debates sobre sua nova condição política. As divisões de projetos conflitavam-se
políticamente para a criação do futuro território do país austral. Um grupo defendia
uma ordem “moderna” e o outro representava uma tradição “arcaica”. Este embate
entre duas vertentes políticas favoreceu as explicações esquemáticas sobre unitários
versus federalistas126, mas, na prática, as divergências eram mais complexas127.
Diferentemente do que ocorria no Brasil, que após sua independência deu
continuidade ao regime monárquico, entre 1810 e 1820, no Rio da Prata, ocorreram
seis governos revolucionários: a Primeira Junta (maio a dezembro de 1810), a Junta
Grande (janeiro a setembro de 1811), a Junta Conservadora (setembro a novembro
de 1811), o Primeiro Triunvirato (novembro de 1811 a outubro de 1812), o Segundo
Triunvirato (outubro de 1812 a janeiro de 1814) e o Diretório (janeiro de 1814 a
fevereiro de 1820). Em suma, alcançada a independência da Espanha, em 1816, o
poder político, majoritariamente, concentrou-se em Buenos Aires128. Contudo, havia
na região do Prata outras províncias dispostas a exercer um poder político desde que
não abrangesse apenas Buenos Aires como centralizadora das discussões
políticas129.
125CHIARAMONTE, José Carlos. El problema de los orígenes de los estados hispanoamericanos en la historiografía reciente y el caso del Rio de la Plata. Anos 90. Revista do curso de pós-graduação em História. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 1, p. 49-83; 1993, p.60. 126 Em suma, a título de explicação, Unitários buscavam a centralização política a partir de Buenos Aires e o Federalistas buscavam a descentralização política com autonomia para as províncias. 127Para a discussão sobre as identidades políticas, cf. CHIARAMONTE, José Carlos. Formas de identidad en el Río de la Plata luego de 1810. Boletín del Instituto de História Argentina e Americana Dr. Emilio Ravignani, 3a. série, n. 1, 1989, p.71-91; Myers, Jorge. Identidades porteñas. El discurso ilustrado en torno a la nación y el rol de la prensa: El Argos de Buenos Aires, 1821-1825. In: ALONSO, Paula (compiladora). Construccones impressas: panfletos, diarios y revistas en la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: F.C.E, 2004, 39-63. 128 Buenos Aires argumentava que seu governo se diferenciava, pois alcançava todos os habitantes do território e não só os seus integrantes. Cabendo assim a essa província— devido às suas lutas ainda enquanto era um vice-reinado, contra a metrópole espanhola— o papel de administrar e promover o “bem comum”. Cf. LEMPÉRIÉRE, Annick. República y publicidad a finales del Antiguo Régimen (Nueva España). In: GUERRA; LEMPÉRIÉRE, 1998. 129 SHUMWAY, 2008.
65
Assim, o Diretório desenvolveu um plano de organização política nacional que
foi expresso por meio da Constituição de 1819130. Essa Carta propunha um governo
centralizado que não reconhecia as autonomias provinciais. As autoridades locais
provincianas decidiram então negar o plano de organização. Diante da imposição do
plano de Buenos Aires, levantaram-se líderes locais dispostos a combater essa
política centralista. A derrota de Buenos Aires promoveu a queda do sistema político
do Diretório, em fevereiro de 1820131.
A perda de controle político de Buenos Aires diante do resto das províncias
interiores conduziu uma crise de representatividade frente aos poderes provinciais,
gerando assim uma situação crítica perante a autonomia política portenha. Não
obstante, ao mesmo tempo em que as autonomias provinciais conseguiram entrar na
cena pública, desenvolveu-se, em Buenos Aires, uma elite dirigente que pretendia
resolver e conduzir os problemas portenhos132. Nesse processo, manifestaram-se
distintas e simultâneas mobilizações internas com um objetivo em comum de obter
para Buenos Aires o controle político diante do território rio-platense133.
A capital Buenos Aires, consciente que estava sem representatividade,
começou a reformular-se, abandonou o projeto político que havia representado na
época do Diretório e preparou uma campanha que se pautava na organização das
próprias estruturas institucionais vigentes. Assim, frente à crise, projetou-se o
surgimento de um projeto político interno134.
Diante das divergências políticas externas a Buenos Aires, o grupo governante
portenho buscou identificar-se e associar-se com o objetivo de transpor-se a um
projeto maior. Logo, Buenos Aires se fechava a organizar-se internamente e, assim,
desenvolveu um novo horizonte político baseado na ordem social e na prosperidade
econômica135. Pertencente a essa elite, encontra-se o intelectual Bernardino
130 Sobre a constituição de 1819 aos olhos da elite portenha, cf. TERNAVASIO, Marcela. Construir poder y dividir poderes. Buenos Aires durante la Feliz Experiencia Rivadaviana." Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani.n 26. 2004. 131 DI PASQUALE, Mariano. Entre la experimentación política y la circulación de saberes: la gestión de Bernardino Rivadavia en Buenos Aires, 1821-1827. Secuencia, n. 87, 2013, p 51-65 132 Cf. DONGHI, Tulio Halperin. De la revolución de independencia a la confederación rosista. Paidós,2000. E, DE SÁ, 2014. 133 MEGLIO, Gabriel di, "La consolidación de un actor político: los miembros de la plebe porteña y los conflictos de 1820" In: SABATO, Hilda; LETTIERI, Alberto (comps.). La vida política en la Argentina del siglo XIX, Armas, votos y voces, FCE, Buenos Aires, 2003, p. 173-189. 134 SALAS, Rubén Darío. Las elites rioplatenses y su representación de la categoria gobierno despótico (1820-1829). História Constitucional, n. 1. 2000, p. 209-228. Cf. também, DONGHI, 2000. 135 DE SÁ, 2014.
66
Rivadavia que, com a ajuda da elite de Buenos Aires, conseguiu manter um projeto
unitário. Vinculado ao periódico El Argos de Buenos Aires, esse intelectual sustentou,
com a ajuda do periódico, um governo centralista conhecido como “la feliz
experiencia”.
Cabe salientar que as novas práticas políticas desenvolvidas tanto em Buenos
Aires como nas demais províncias nasceram como respostas ao Estado de tensão
social e política no cenário rioplatense. Em suma, as articulações dos projetos
começaram a converter-se em acontecimentos decisivos para a consolidação do
Estado Nacional ainda em construção. Dessa forma, a confluência de projetos não
conseguia abarcar nem os aspectos mais gerais da sociedade e nem alcançar as
orientações mais pragmáticas e positivas que se propunham como ideal nesse
momento político. Com isso, consideramos que esta sensação de instabilidade
projetou-se, provavelmente, nos anos anteriores na mudança radical de ordem
colonial para o processo revolucionário136.
3.3 Uma Elite, um periódico e um Projeto: os Rivadavianos e El Argos de Buenos
Aires
Para compreendermos o periódico El Argos de Buenos Aires, será necessário
abordar Bernardino Rivadavia e seu grupo, uma elite de Buenos Aires que ficou
conhecida por sua união no período de 1820-1825. Com a queda do poder central,
em 1820, essa elite portenha, encarregada de dar uma nova ordem política à
província, além de discutir as bases novas de sua legitimidade, preocupou-se em
debater o problema da distribuição do poder entre as diferentes autoridades e os
órgãos criados no transcorrer da crise da década anterior. Abandonou sua vocação
“monárquica” de governar alguns de seus membros, convencidos entre si em relação
à inevitabilidade da aplicação de um variado modelo de governo republicano. Estes
personagens empreenderam a tarefa de construir um regime político para a região de
Buenos Aires, com objetivo de eliminar os últimos resquícios coloniais e promover os
princípios modernos de organização137.
136 DONGHI, 2000. 137 Cf. MYRES, Jorge. Identidades porteñas. El discurso ilustrado en torno a la nación y el rol de la prensa: El Argos de Buenos Aires, 1821-1825. In: ALONSO, Paula (compiladora). Construccones impressas: panfletos, diarios y revistas en la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: F.C.E, 2004, p. 39-63. Também, TERNAVASIO. E, SOLER, Marcelo Martínez. La
67
A partir daí, a questão da divisão de poderes ― com as suas respectivas
atribuições, seus limites e funções — ocupa um lugar central tanto no debate político
quanto no plano ideológico, debate desdobrado por políticos e periodistas portenhos
como uma prática que constituiu esse regime e que muitas vezes remeteu o vazio
causado pela ausência de uma constituição escrita a nível provincial138.
Os contemporâneos usaram o nome de “feliz experiência” de Buenos Aires
para destacar o clima de paz e progresso que nasceu como resultado da
implementação das reformas rivadavianas139. A elite dominante elaboradora do
programa reformista, também destinado a consumar uma série de novas práticas civis
e políticos, procurou consolidar o novo regime político por intermédio da publicação
dos debates, da diversificação da imprensa política e da controvérsia e da
multiplicação das áreas de sociabilidade140.
O grupo que dirigiu a administração provincial, nesse contexto, foi conhecido
pelo nome de partido da ordem, cuja figura mais proeminente era o ministro
Bernardino Rivadavia. De acordo com Jorge Myers, este grupo não escapou de formar
um círculo ou facção, sendo composto por membros da nova legislatura, ministros e
governadores. Entre seus principais nomes encontravam-se Martin Rodriguez, B.
Rivadavia, Julian Segundo Aguero, Ignacio Nunez, Valentin Gomez, entre outros141.
No entanto, Myers argumenta que os rivadavianos tiveram amplo consenso entre a
elite econômica de Buenos Aires, o que lhes permitiu operar uma renovação cultural,
artística e intelectual em na região. Para explicar a questão, o autor usou a
conceituação de Raymond Williams sobre a formação cultural:
[...] el movimiento rivadaviano llegó a interpelar a amplios sectores que podían compartir los propósitos de sus programas de reformas o al menos los presupuestos en que se apoyaba, sin por ello coincidir con este grupo en
feliz experiencia”. Instituciones y ciudadanía en Buenos Aires entre 1820 y 1826. Historia Constitucional 2, 2001.p. 135-159. 138 TERNAVASIO Marcela. Las reformas rivadavianas en Buenos Aires Y el Congreso General Constituyente (1820-1827). In: GOLDMAN, Noemí. Nueva Historia Argentina. Revolución República y Confederación (1806-1852). Buenos Aires: Sudamericana, 1998, p. 163. 139 ROMERO, Luis Alberto. La feliz experiencia Buenos Aires, La Bastilla, 1976, p.88. 140Cf. MYRES, 2003; MYERS, Jorge. La cultura literaria del período rivadaviano: saber ilustrado y discurso repúblicano In: ALIATA, Fernando, y MUNILLA LACASA María Lía (org.). Carlo Zucchi y el Neoclasicismo en el Río de la Plata. Buenos Aires: Eudeba e Instituto Italiano de cultura de Buenos Aires, 1998, p. 131-148. 141 Martin Rodriguez foi governador de Buenos Aires que nomeou Bernardino Rivadavia como ministro de seu governo. Julian Segundo Aguero foi um sacerdote e político que apoiou e participou do Partido dos Unitários. Ignacio Nunez foi um político e historiador. Bernardino Rivadavia o nomeou com o maior cargo de seu ministério. Valentin Gomez foi um dos principais defensores do Partido dos Unitários.
68
cuanto a su alineación partidaria o facción. 142
Além disso, Myers aponta outra característica do grupo de Rivadavia: esses
indivíduos tinham participado da vida política no período pré-revolucionário, providos
de um sentimento de pertencimento local que vinha sendo estruturado na província
de Buenos Aires143.
Quando nos referimos ao periódico El Argos de Buenos Aires, é possível
associarmos o periódico ao político Bernardino Rivadavia e ao seu grupo, pois, nas
páginas de El Argos, nota-se a existência de um ideário político próximo ao que
sustentava o discurso do grupo, com uma linguagem republicana e centralizadora,
apresentada a partir de uma retórica destinada a promover o bem da nação por meio
da centralização de Buenos Aires.
No dia 12 de maio de 1821, chegou o primeiro número do El Argos de Buenos
Aires nas ruas portenhas, periódico de caráter político, literário e de notícias, que
circulou até 1825 com objetivo de “ilustrar o povo” da província144.
Após o primeiro ano de publicação, a responsabilidade de editar El Argos foi da
Sociedade Literária, entre 1822-1823. Seus editores, em 1822, fizeram rodízio entre
os membros da Companhia para a publicação, enquanto no próximo ano, 1823, a
escrita do periódico estava no comando de um homem que recebeu uma remuneração
para esta tarefa do grupo rivadaviano: Dean Gregório Funes145. Em linhas gerais,
podemos identificar a publicação de notícias de todo o mundo, divididas
geograficamente: publicavam-se comumente não apenas notícias “de fora”― Europa,
Ásia, África, Campanhas de San Martín e Bolívar pela América do Sul, Estados Unidos
e Brasil —, mas também internas, como das Províncias do Rio da Prata e de Buenos
Aires, informações que abarcavam desde as sessões da legislatura até resenhas de
obras teatrais. Além disso, ao final de cada publicação, constavam os avisos privados
e as informações portuárias146.
Em 1823, a Sociedade Literária, em conjunto com o grupo político rivadaviano,
142 MYERS, Jorge. La Paradojas de la opinión. El discurso político rivadaviano y sus dos polos: el ‘gobierno de las luces y ‘la opinión pública, reina del mundo’. In: SABATO, Hilda y LETTIERI, Alberto (Comp.). La vida política en la Argentina del siglo XIX. Armas, votos y voces. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2003, p. 78. 143 SABATO, 2003, p.78. 144 SABATO, 2003, p.80. 145 Foi um eclesiástico e político, reitor da Universidade de Córdoba, participou ativamente da Independência das Províncias Unidas do Rio da Prata. 146 Cf. MYRES, 2003, p.52.
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expôs, no periódico, as instruções que um redator permanente deveria estabelecer:
1° Que abra opiniones sobre los negocios públicos de mayor importancia que refieran, censurándolos o aplaudiéndolos según su juicio. 2° Que en la censura tenga parte estos dos principios: 1° no separarse de la decencia y la circunspección; 2° ilustrar con ellas a las autoridades y enseñar el modo práctico de hacerlos sin tocar en los términos anárquico. (…) 4° Que como la censura, a pesar de hacerse con arreglo a estas bases, pueda dar lugar a acusaciones antela ley, el editor jamás la haga sin estar perfectamente cerciorado de los hechos. 147
Dessa maneira, percebe-se a relação direta tanto entre a Sociedade Literária e
o Governo, como entre o grupo rivadaviano e o periódico El Argos de Buenos Aires.
Sem dúvida, nota-se que a elite portenha buscava centralizar seus projetos
modernizadores tendo como seu principal difusor de ideias o periódico El Argos de
Buenos Aires, que contava com redatores diretamente ligados ao governo. Os
membros da Sociedade Literária executaram um interno meio de sociabilidade por
meio da imprensa com intenções de sustentar um projeto ilustrado em um espaço
político e cultural transformado pela revolução e pelas crises148.
As formas públicas e jornalísticas tornaram-se objetos de investigação
histórica, como resultado do crescimento de estudos sobre os espaços públicos e
sobre a opinião pública. Essas obras reconstruíram suas condições de produção e
seus espaços de circulação, bem como o lugar que ocuparam nos diferentes debates
políticos inaugurados pela crise do império colonial espanhol. Como já salientamos no
primeiro capítulo, a imprensa passou a ser considerada não apenas como um espaço
que reproduzia as discussões da época, mas como um próprio ator que intervinha
neles, de que participava em direção à política e à representação.
Desta perspectiva, posicionamo-nos tomando a imprensa como esse ator
político surgido da crise e da dissolução do império colonial espanhol. Durante a
década revolucionária, os jornais surgiram com o objetivo de disseminar e debater
novos princípios políticos. Eles também foram se desenvolvendo como uma forma
inovadora na construção e legitimação do novo princípio soberano, dando um novo
significado à "opinião pública", como um próprio mediador entre o “povo” e o governo.
O papel desempenhado pela imprensa foi estimulado pelo decreto da liberdade
de imprensa149, que permitia aos homens publicar livremente suas ideias sem uma
prévia censura. Ademais, os decretos estabeleceram a criação de um Conselho de
147 El Argos de Buenos Aires, nº 22, 12 de fevereiro de 1823. 148 Cf, MYRES, 2003. Ver também, TERNAVASIO, 2004. 149 Decretos de 20 de abril de 1811 e 26 de outubro de 1811.
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Liberdade de Impressão para conter os abusos que poderiam ser cometidos e
mantidos em vista de assuntos religiosos. Mais tarde, na década seguinte, a imprensa
ampliou seu papel de notoriedade como ator político, acentuando seu caráter de
dispositivo com um forte teor pedagógico na formação da cidadania.
Assim, a opinião pública tornou-se um dos maiores impulsos da vida política da
elite rivadaviana, cabendo à imprensa garantir o papel de desenvolvimento da
ilustração dos novos pensamentos nas cidades. Esse papel gerou também
importantes debates na sociedade e espaços de poder sobre suas ações e os abusos
cometidos por outros contextos.
3. 4 El Argos de Buenos Aires: o periódico dos rivadavianos
O nome do periódico El Argos de Buenos Aires refere-se a um personagem
muito conhecido na mitologia grega. El Argos de muitos olhos tornou-se conhecido,
pois tinha a capacidade de ver tudo. Em algumas versões, ele tinha quatro olhos—
dois que olhavam para frente e dois para trás. Mas segundo ele, tinha cem olhos dos
quais 50 estavam acordados, enquanto os outros 50 dormiam, observando assim tudo
o que acontecia. A metáfora do nome referia-se, então, ao papel que o jornal devia
cumprir na sociedade portenha, marcando seu caráter jornalístico, como indica:
Pero lo que importa sobre manera es, ya que V. ha tomado el arduo oficio de Argos, no consienta que lo adormescan, para que logremos que sus cien ojos, y con las mil lenguas que tiene la prensa penetre y sepamos todo cuanto suceda y pase. 150
As referências historiográficas sobre El Argos de Buenos Aires destacam, sem
dúvidas, o papel crucial que o periódico obteve na cena política e pública ao longo da
segunda década do oitocentos na região, assim como sua ligação direta com o
ministro Bernardino Rivadavia151. El Argos tornou-se um periódico de suma
importância para o período e para se entender os rivadavianos e o cenário platino,
150 El Argos de Buenos Aires, nº 2, 19 de maio de 1821. 151 TERNAVASIO, Marcela. Las reformas rivadavianas en Buenos Aires Y el Congreso General Constituyente (1820-1827). In: GOLDMAN, Noemí. Nueva Historia Argentina. Revolución República y Confederación (1806-1852). Buenos Aires: Sudamericana, 1998; Jorge. La Paradojas de la opinión. El discurso político rivadaviano y sus dos polos: el ‘gobierno de las luces y ‘la opinión pública, reina del mundo’. In: SABATO, Hilda y LETTIERI, Alberto (Comp.). La vida política en la Argentina del siglo XIX. Armas, votos y voces. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2003.
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sendo retomado enquanto alvo de pesquisa por diversas vezes por aqueles que
estudam o período e pelo seu papel na história do jornalismo argentino. Assim, os
trabalhos sobre a importância do El Argos de Buenos Aires obtiveram um papel dúbio:
algumas percorreram suas páginas em busca de dados, informações e curiosidades
que pudessem fazer uma espécie de mapas temporais para o período, utilizando-o
como parte de um próprio contexto para compilar informações. Enquanto a história do
jornalismo viu no periódico uma referência jornalística de sua época, assim vista como
parte fundamental da história da imprensa152. Em suma, tanto uma vertente quanto a
outra se preocuparam, na história do século XIX, em fazer uma antologia dos trabalhos
publicados a partir da Revolução de Maio: tempo de publicação, número de números
editados, impressão no comando, editores e principal preocupação de suas páginas
etc. Embora estejamos cientes em entender a importância do fluxo informativo ao
máximo detalhe, encontramo-nos com uma análise muito breve quando pretendemos
ir além de suas descrições. Nesse sentido, El Argos de Buenos Aires é pouco
estudado em um contexto internacional. Quando afirmamos isso, estamos nos
referindo ao fato de que, apesar de El Argos ter uma coluna própria de notícias de fora
e ser visto como um periódico capaz de compilar, opinar sobre contextos
internacionais, é incomum que essas formas fossem e sejam estudadas como objetivo
de pesquisa a contextos exteriores.
O consenso historiográfico sobre a história do jornalismo aponta o surto na
publicação de jornais impressos durante a década de 1820. Isto posto, a reforma do
grupo Rivadaviano foi seguida, apoiada ou criticada, podendo até mesmo ocorrer
esses três aspectos ao mesmo tempo, pela imprensa periódica, onde encontramos
tanto seus seguidores, comentadores quanto seus detratores. Entre os principais
trabalhos publicados no período podemos destacar: La Abeja, El Patriota, El Nacional,
El Argentino. O desenvolvimento e ampliação desse surto do espaço público e a
importância da circulação dos jornais foi visto como uma obsessão da elite
Rivadaviana. Assim, El Argos, em consonância com essas ideias, usou sua influência
para sustentar o caráter positivo dessa ampliação:
Este ramo va abundando en Buenos Aires, y en término que hacen un grande honor al país sirviéndole también de sumo provecho. Semanalmente se dan tres periódicos distintos. Uno puramente oficial con el título registro: otro mixto que se titula Espíritu, y el presente que es el Argos del cual en lugar de los dos números que se dan en la semana, pronto empezarán á públicarse tres.
152 DE MARCO, Miguel Ángel. Historia del periodismo argentino: desde los orígenes hasta el centenario de Mayo. Editorial de la Universidad Católica Argentina, 2006.
72
Hay también tres periódicos mensuales. El uno denominado Registro estadistico á expensas de los fondos públicos, con tres y á veces cuatro pliegos de material. El otro La Abeja Argentina sostenido por la sociedad literaria con cinco pliegos; y el tercero cuyo primer número se ha repartido el 5 del corriente, y tiene de título – el Ambigú de Buenos Aires, por una sociedad de Amigos del País. 153
Nota-se que os editores, ao classificar os documentos que circulavam em
Buenos Aires em 1822, diferenciam-nos de acordo com sua periodicidade— mensal
e semanal. Além disso, classifica-se também sua origem de sociedade civil, estado
ou misto.
A amplitude de publicações circulantes da cidade foi reconhecida e admirada
com entusiasmo, quando o governo portenho implementava as medidas tendentes a
criar e consolidar um espaço público, bem como moldar as práticas da sociedade.
Ademais, em relação aos números de periódicos que foram publicados na década de
1820, os próprios atores reconheceram sua baixa circulação e produção na própria
Buenos Aires. Meses antes da citação que fizemos, anteriormente, no início de 1822,
El Argos expôs:
Convencido de la necesidad en que se halla nuestro pueblo de un periódico nuevo para llenar el vacío que dejan los 2 papeles que se redactan, se han propuesto los empresarios de él [...] Sin embargo, quieren anticipar por medio de este aviso, ciertas observaciones al caso, que juzgan servirán como garante inequívoco, en el compromiso que aparecerá ya contraído con el público ilustrado. 154
Ao passar pelas páginas do El Argos, encontramos certa preocupação
veemente de seus editores com a de outros periódicos. Essa repetição, aos nossos
olhos, não pode simplesmente ser reduzida ao número de jornais publicados como
uma febre editorial na década rivadaviana. Devemos pensar o apelo que os jornais
tiveram que cumprir. Como já mencionamos acima, El Argos de Buenos Aires foi um
jornal de caráter político e noticioso. Seus iniciadores foram Ignacio Núñez e Santiago
Wilde. Em seu primeiro ano de publicação, a responsabilidade ficou com a Sociedade
Literária, em 1822, e os editores alternaram entre os membros da associação,
enquanto no ano seguinte o redator do periódico, Déan Gregorio Funes, recebeu
recompensa por essa tarefa. .
Com o término da Sociedade Literária, em 1824, Ignacio voltou a ser
responsável pelo periódico e estendeu seu nome: El Argos de Buenos Aires y Avisador
Universal – nesse momento, algumas modificações foram feitas, inclusive a
153 El argos de Buenos Aires, nº 50, 10 de julho de 1822. 154 El argos de Buenos Aires, s/n, 19 de janeiro de 1822.
73
separação de informações dos anúncios. No seu último ano existência, o periódico
passou a chamar-se apenas El Argos e foi editado por Domingo Olivera. As
publicação de El Argos chegam ao fim em 3 de dezembro de 1825, devido aos
conflitos que surgiram entre o editor do periódico e o governador de Buenos Aires,
Gregorio Las Heras.
Optamos por fazer essa breve descrição de sua vida temporal de publicação,
pois nos permite interpretar que é quase impossível considerar El Argos de Buenos
Aires como um periódico homogêneo. Primeiro pela sua afinidade e aproximação
constante entre os editores e o ministro Bernardino Rivadavia; segundo que cada um
dos editores, que participaram e produziram o periódico, sinalizou suas preocupações
e opiniões em demasiadas formas. Além disso, o periódico mudou sua perspectiva
dependendo, por vezes, de um trabalho grupal ou de um trabalho individual.
A historiografia sobre El Argos analisa o periódico como dois períodos distintos,
um, de 1821, e o outro, com o restante da edição. Contudo, aqui propomos certa
fragmentação apresentada dentre esses dois momentos na própria coleção: as
mudanças de editores que especificamos acima. Entendemos a importância de listar
os diferentes editores e o papel específico que o periódico desempenhou sobre os
diferentes momentos nos espaços públicos. Ao longo da década revolucionária, os
editores experimentaram uma imensa transformação radical de suas tarefas, porque
eles tiveram que deixar de ser advogados/funcionários, para ficarem encarregados de
fazer parte do grupo rivadaviano e de trazer as luzes para a sociedade, para se
tornarem líderes e representantes de uma elite dominante que havia se desenvolvido
em Buenos Aires, em um estado independente que tinha que legitimar suas decisões
perante o soberano, o povo. O formato e o conteúdo que o El Argos adquiriu foram de
certa regularidade ao longo dos anos, embora nem sempre tenham compartilhado o
mesmo diagrama.
Em geral, como já identificamos acima, a publicação de notícias de todo o
mundo foi divida geograficamente. A divisão não foi mantida ao longo dos cinco anos:
em 1824, foram publicadas notícias na seção "Europa e América", onde as notícias
sobre o reconhecimento das independências americanas tinham um papel de
destaque no periódico, assim como as relações estabelecidas e críticas entre as
antigas metrópoles e as novas nações. Em 1825, pode ser observada uma seção
específica, que anteriormente não tinha uma separação concreta, qual seja, opinião
dos editores sobre algum tópico do que estaria acontecendo a nível internaciona ou
74
do próprio território, que apareceu pela primeira vez sob o nome de Argos com o título
Los Editores.
Nessa seção, observamos a ocorrência de duas formas de conteúdos que
preenchiam as publicações; na primeira parte foram publicadas as notícias reais, que
continham os últimos eventos das Guerras de Independências e/ ou arranjos, ou seja,
as disposições do que ocorria, inclusive sobre as próprias metrópoles. El Argos, por
exemplo, utilizava e reatava as notícias geralmente de outros periódicos que
circulavam no período, podendo até mesmo ser de periódicos de outras regiões e
Estados. O periódico, então, agradece a disponibilização que é oferecida por outros
editores pela utilização dos periódicos: “Los editores del El Argos rinden las gracias
por haberse servido ofrecer y franquearles las gacetas.[...] Se las devolverán, despues
de extractar de ellas los artículos que parezcan de mayor interés”155. Além disso, um
dos aspectos interessantes são notícias extraídas de cartas particulares e a
reprodução da documentação oficial de alguns registros, assim como encontramos
rumores que chegaram aos ouvidos dos editores fazendo dos mesmos uma
publicação. “Se ignora los fundamentos de esta noticia” 156. As características das
publicações desse tipo de edição nos sugerem que para obter notícias e preencher as
páginas do periódico, os editores do El Argos contavam com uma tarefa cuidadosa e,
de certa maneira, tendenciosa de ser realizada.
Na segunda parte, por outro lado, encontram-se comentários e análises de
situações conhecidas que eram misturadas com outros tipos de notícias. Isso se
tornou constante. No último ano, somente a publicação do jornal começou com a
edição de uma seção estável e independente do resto do conteúdo publicado.
Contudo, quando a novidade de contextos de fora não chegou, os espaços vazios
foram preenchidos com poemas, às vezes com sátiras, como pode ser observado
sobre a ocupação lusitana na Banda Oriental:
La Banda Oriental es la otra preocupación de la hora. Se fatiga la imaginación averiguando el mañana. Llueven las cartas de Montevideo. Se há sembrado y se debe recoger. El tiempo se crispa de impaciencias; urge allende el Plata. Los vientos de la historia soplan sin cesar. No haya cuidado ahora de que se apague el fuego sacro. La sátira y la burla contra el português Pedro echan acorrer adelante como avanzadas alegres de una guerra sin miedo. Oigase por ejemplo el comienzo de este diálogo bilingue en que conversan dos gauchos orientales con un paisano brasileño que cae de noche, entre el
155 El Argos cita uma serie de editores utilizados. El Argos de Buenos Aires, n° 8, 23 de fevereiro de 1822. 156Esse tipo de citação, as vezes com alguma modificação, ocorre em outros números ao longo do periódico. El Argos de Buenos Aires, n° 4, 4 de fevereiro de 1823.
75
ladrido de los perros, a golpear el rancho de los criollos: “—¿Quién es? “—Antonio Joaquín Manoel Prieto Pinto Correira Melo de Peixoto.. “— No abra, compadre, que parecen ser muchos y quién sa bequé intenciones traen. 157
Voltaremos mais adiante para uma discussão sobre a visão do El Argos sobre
o Brasil. O que nos interessa, por enquanto, é apontar o tipo de espaço vazio que era
preenchido em alguns momentos no periódico. Em outro número, os editores expõem
sua decisão de publicar meia folha apenas, pois estavam sem material até a presente
publicação, capaz de interessar aos seus leitores, já que poucos são os navios que
desembarcaram com outros periódicos no período, com documentos importantes ou
com alguma correspondência. Dessa forma, cabia aos editores a justiça de não se
publicar uma folha inteira com a esperança da chegada de notícias exteriores158.
Toda a preocupação e a edição nos levam a questionar sobre as dificuldades
e a compilação que os redatores encontraram para realizar suas atividades, pois uma
das principais diferenças entre o El Argos e os demais jornais contemporâneos era
justamente a publicação de notícias de fora, ou seja, do cenário exterior. Outros
periódicos que publicaram na década apontavam apenas com comentários e notícias
sem um teor analítico e de opinião própria dos editores. Além disso, muitos deles
relatavam somente os aspectos gerais dos contextos de fora159. Isso nos leva a outro
ponto importante: a necessidade de prestar mais atenção no manuseio das
informações, porque as notícias teriam certa demanda de chegar todas juntas e, para
isso, era necessário saber como administrá-las até a próxima chegada, por parte dos
editores. Devemos então perceber um elo de condições de notícias exteriores,
gerando assim a condição material, com a capacidade dos responsáveis fazer o papel
com o tempo e notícias necessárias para executar a tarefa dos comentários e análises
editoriais.
3.5 El Argos de Buenos Aires e a Sociedad Literaria
Como apontamos anteriormente, a Sociedade Literária ficou encarregada da
157 El Argos de Buenos Aires, [nº ílegivel], 3 de junho de 1823 158 El Argos de Buenos Aires, nº 6, 12 de fevereiro de 1823. 159 MYERS, Jorge. Identidades porteñas. El discurso ilustrado en torno a la nación y el rol de la prensa: El Argos de Buenos Aires, 1821-1825 In: ALONSO, Paula (compiladora). Construccones impressas: panfletos, diarios y revistas en la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: F.C.E, 2004
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publicação do El Argos em 1822 e 1823. Afirmamos também que esse momento pode
ser visto com certa diferença do restante das publicações. Devido a isso, devem-se
destacar a reconstrução do que estava acontecendo por trás da edição do periódico
e o entendimento maior sobre a dinâmica do seu funcionamento durante esse
período.
Nasce em Buenos Aires, por iniciativa de Ignacio Núñez, alto funcionário do
secretariado do governo, uma Sociedade Literária. Com data de 29 de dezembro de
1821, Núñez envia um convite aos homens mais ilustres da província anunciando:
Con el consentimiento del Sr representante Don Julián Segundo de Aguero, debe tenerse el día primero del mes entrante una reunión de amigos de la Provincia en casa de dicho señor, para convenir en los mejores medios de adelantar la ilustración del país. Siendo este objeto de tanta consideración, se espera que el ciudadano quien esta se dirige se dignará hacerle un lugar con su concurencia a las doce del día preindicado.160
Fundada, oficialmente, em janeiro de 1822, a Sociedade Literária de Buenos
Aires esteve evidentemente ligada à proposta reformista adquirida pela província na
segunda década do oitocentos, em Buenos Aires. As reformas alimentaram a
experiência das associações, dos espaços públicos de discussões que a precederam
durante a década revolucionária. Estes, teoricamente, foram espaços de encontro de
homens esclarecidos com o objetivo de influenciar o país com seu progresso e
concebiam a imprensa como o meio ideal para disseminar o conhecimento e seus
projetos políticos161.
Com essas premissas, a Sociedade Literária, a partir de 1822, encarregou-se
da publicação do periódico El Argos com o objetivo de ilustrar a sociedade de Buenos
Aires, cumprindo um papel de difusor de ideias e de notícias, já alcançado pelo
periódico anteriormente. No primeiro encontro, em suas atas já propunham:
Que esta reunión tenía por objetivo proponer a dichos señores el
establecimiento de en sociedad de amigos de la Provincia, que volviese por el crédito
160 Enviada para Dr. Esteban Luca, Dr. Vicente López y Planes, Dr. Antonio Sáenz, Dr. Felipe Senillosa, Dr. Juan Antonio Fernández, Fraile Juan Antonio Acevedo, Dr. Manuel Moreno, Dr. José Severo Malabia, Dr. Cosme Argerich y Don Julián Segundo de Aguero. AGN, Archivo López, Sala VII, 21-1-6. 161Com data de 12 de janeiro, passou a enumerar os sócios em forma de números. Foram 12 socios os fundadores: 1° Antonio Sáenz, 2° Cosme Argerich, 3° Esteban de Luca, 4° Felipe Semillosa, 5° Ignacio Núñez, 6° Julián Segundo Aguero, 7° Juan Antonio Fernández, 8° José Severo Malabia, 9° Juan de Bernave y Madero, 10° Manuel Moreno, 11° Santiago Wilde, 12° Vicente López. No dia 28 de agosto de 1822 era incorporado o 13°: Gregorio Funes. No dia 10 de outubro foi Juan Cruz Varela. E por ultimo, no dia 3 de janeiro de 1823 Valentín Gómez apareceria como 14º. C.f. GONZÁLEZ, Pilar. B. Q. Sociabilidad y opinión pública en Buenos Aires (1821-1852) en Debate y Perspectivas. Cuadernos de Historia y Ciencias Sociales, Nº. 3, 2003.
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de esta, harto comprometido, a causa de no existir y de no públicarse ningún periódico,
que diese a las naciones extranjeras, un conocimiento del estado del País y sus
adelantamientos, y que fomentase la ilustración, organizase la opinión, satisfaciendo
en interés que justamente desplegaban todos los ciudadanos, por que se crease un
periódico instructivo y noticioso en Buenos Aires.162
A Sociedade, projetada para "promover a ilustração do país", não ficou
responsável somente pelo El Argos. Ela também pressupôs a edição de mais dois
jornais: La Abeja Argentina e El Precio Corriente163. Por ora, nosso interesse e análise
ficaram estreitos somente ao periódico El Argos de Buenos Aires.
A autonomia deste grupo em relação ao governo é, no entanto, reduzida se for
contar com a atuação deles em prol do ministro Rivadavia, devido à proximidade com
este, com quem partilharam o processo independentista e do primeiro estágio da
criação da Universidade de Buenos Aires164. A iniciativa de formar um círculo social
havia emergido de dois indivíduos já engajados com a política do governo: Ignacio
Núzez e Julián S. de Aguero; o último, um dos mais fervorosos defensores da reforma
proposta por Rivadavia. Outra figura central deste grupo é Gregorio Funes. Em
correspondência com seu irmão Ambrosio, confessa que sua integração na Sociedade
foi promovida por Rivadavia, que esperava assegurar o apoio frutífero nas reformas e
opiniões. Não é surpreendente, então, ver que a Sociedade Literária tornou-se um
círculo de opinião favorável para a política reformista de Rivadavia. A estreita relação
deste grupo com o governo parece não ser alheia ao sucesso do periódico e das
posições políticas tomadas por Rivadavia. Foi, desse modo, discutida a conveniência
de continuar com a vinculação positiva entre o governo e o periódico. O deputado
Aguero pensou que, para aumentar suas vendas, era necessário
dar un lugar de preeferencia a las cuestiones prácticas que presentaban los sucesos políticos en este país y de los otros gobiernos de toda América, porque estas materias encontraban entre nosotros mayor número de lectores que las de ciencia y arte.165
162 RODRÍGUEZ, Gregorio. Diario de Reuniones de la Sociedad Literaria: contribución histórica y documental. Buenos Aires: Peuser, 1921. v.1, p.289. 163 GONZÁLEZ, Pilar. B. Q. Sociabilidad y opinión pública en Buenos Aires (1821-1852) en Debate y Perspectivas. Cuadernos de Historia y Ciencias Sociales, Nº. 3, 2003.p. 48. 164 Myers, Jorge. Identidades porteñas. El discurso ilustrado en torno a la nación y el rol de la prensa: El Argos de Buenos Aires, 1821-1825 In: ALONSO, Paula (compiladora). Construccones impressas: panfletos, diarios y revistas en la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: F.C.E, 2004. 165 Archivo Museo Mitre, Sociedad Valaper, Libro de Actas, reunión del 2/1/1823. Sobre essa reunião, cf. RODRÍGUEZ, Gregorio. Diario de Reuniones de la Sociedad Literaria: contribución histórica y documental. Buenos Aires: Peuser, 1921. v.1, p.320.
78
O grupo então decidiu colocar mais notícias exteriores ao contexto platino. Isso
nos mostra o papel fundamental que Bernardino Rivadavia e seu grupo procuravam
em suas realações diplomáticas e representativas com o restante dos governos
americanos. Assim, podemos perceber e vincular o motivo pelo qual, pós ano de 1822,
El Argos apostou em colunas bem mais abrangentes, noticiosas e analíticas sobre o
cenário americano. Apesar desta tentativa nada recatada de conciliação da figura de
uma opinião pública a contextos exteriores, a fim de construir um consenso em torno
da política do governo, acabar com a possibilidade de fazer do jornal uma instância
onde a crítica de outros grupos poderia manifestar uma opinião, poucos espaços
foram colocados no periódico com esse intuito.
A Sociedade, que é assim identificada com o programa Rivadaviano, funciona
no final como um círculo de propaganda da política do governo e de suas
representações sobre o contexto externo, mais precisamente ao cenário que vinha
sendo vivido na América. E isso não só por causa do papel desempenhado pelo
governo nesta iniciativa, mas também devido à falta de um público leitor que
restringisse a autonomia destes homens da imprensa, cuja subsistência dependeu
diretamente do governo. É isso que informa Funes ao seu próprio irmão quando ele
reconhece que foi Rivadavia que sustentou a Sociedade Literária166.
Um adendo merece destaque: a experiência e a atuação da Sociedade Literária
mostraram a complexidade do campo político-cultural em que as práticas inscritas
supostamente estão associadas aos novos princípios republicanos. Em primeiro lugar,
deve-se notar que a opinião cumpre uma série de funções que estão longe de
corresponder ao modelo habermasiano, aproximando-se bem mais ao espaço público
reformulado por François Xavier Guerra167. Enquanto as novas formas de
sociabilidade eram associadas como instituições do espaço público, o papel a que
estão atribuídas não se isentam de ambiguidades. Nesse sentido, por um lado, a
opinião é invocada como instância legitimadora. As práticas associadas a ela
inscrevem-na em uma dinâmica cultural típica da política dos governos esclarecidos,
em que a iniciativa vem também do Estado e não da sociedade civil168.
166 SHUMWAY, 2008. p. 68. 167 Tema discutido no primeiro capítulo. 168 Sobre tal abordagem, concordamos com Myers, apontando que as práticas políticas Rivadavianas estão inscritas em uma dinâmica "neo-Bourbonica". O autor analisa que experiência da Sociedade Literária mostrou, no entanto, a potencialidade de uma prática que é definida como um objetivo à discussão de assuntos literários, a partir dos quais um novo público, identificado à nova vida cultural da cidade, que a criação da universidade irá promover. Paradoxalmente, é durante conservador
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Voltemos ao palco de atuação do periódico com a Sociedade. El Argos de
Buenos Aires iniciou seu segundo ano de publicação sob o comando editorial da
Sociedade Literária. Os sócios concordaram em publicar duas vezes por semana um
periódico que deveria formar um verdadeiro meio de difusão de notícias169. Em 1822,
a redação do jornal ficou aos encargos de três de seus associados, que foram
divididos em: um com notícias de fora, o outro com notícias internas e o restante com
coordenação e correção. Tudo deveria ser supervisionado por uma comissão da
Sociedade, que parece nunca ter funcionado, já que aparece nas atas e em relato de
Funes mudanças repentinas de divisão. Os primeiros membros responsáveis da
comissão revisora foram Manuel Moreno, Esteban De Luca ― substituindo Semillosa,
que pediu para não aceitar o emprego — e Ignacio Núñez. No entanto, meses depois,
eles reclamaram que não haviam sido removidos de seus múltiplos cargos, conforme
exigido pelos regulamentos, pois essa era uma tarefa muito difícil de suportar170.
Todavia, até o final do ano, os problemas com a escrita do jornal aumentaram.
Vicente López expressou sua insatisfação por ser o único membro da sociedade que
serviu como editor e não poderia continuar mais nessa posição. Por outro lado,
argumentou que o El Argos havia começado a publicar, porque não existiam outros
jornais na época de sua fundação. Entretanto, como agora a situação havia mudado,
ele pensou que a publicação do El Argos pudesse ser suspendida.
Esta exposição provocou um grande debate entre os membros da associação,
onde surgiram várias propostas: que fosse reduzido a um único número semanal e
que todos os membros se comprometessem a participar, conforme indicado nos
regulamentos, para continuar com os dois números semanais, mas que estivesse a
cargo de um editor permanente que iria receber um adicional monetário. Decidiu-se
que no ano seguinte a El Argos seria elaborada por um editor permanente, que deveria
pertencer à sociedade. Dessa forma, a responsabilidade recaiu sobre Gregorio Funes.
Da mesma forma, é noticiado, e de maneira forçosa, que todos os membros deveriam
governo de Juan M. de Rosas, identificado com cancelamento de todas as liberdades cívicas, em que essas práticas se tornam espaços em que uma opinião crítica pode criar raízes separadas do Estado. Cf. Jorge. La Paradojas de la opinión. El discurso político rivadaviano y sus dos polos: el gobierno de las luces y la opinión pública, reina del mundo. In: SABATO, Hilda y LETTIERI, Alberto (Comp.). La vida política en la Argentina del siglo XIX. Armas, votos y voces. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2003. 169 MYERS, 2004. 170 RODRÍGUEZ, Gregorio. Diario de Reuniones de la Sociedad Literaria: contribución histórica y documental. Buenos Aires: Peuser, 1921. v.1, p.380.
80
ajudar o editor com notícias ou qualquer outro tipo de trabalho171. Isso, de certa
maneira, marcou a dificuldade de obter e gerenciar o conteúdo a ser publicado, dada
a característica do El Argos de conter informações e notícias mais abrangentes e
ainda seus editores participarem do grupo de Rivadavia.
Em contrapartida, devemos levar em consideração que o periódico não sofreu
quedas de publicação em 1822, ficando materialmente mantido com o ano anterior. A
impressão era feita para a conta e fundos da Sociedade. Estes fundos surgiram das
contribuições que os próprios membros tinham que fazer de 600 pesos como capital
inicial. O governo foi convidado também a contribuir monetariamente e, apesar de não
aparecer diretamente, a contribuição do mesmo, e como já foi assinalado, ocorria
diretamente com a Sociedade, a qual repassaria para o próprio periódico172.
Outro fato interessante é que o governo de Buenos Aires assinou o jornal por
50 exemplares de 1822 a novembro de 1825. No entanto, foi impossível, por não haver
informações, saber se o governo recebeu a comercialização dessas publicações, se
por algum momento, entre 1822-1823, foram repassadas para a Sociedade ou se
foram repassadas até mesmo para o periódico.
Nas atas da Sociedade Literária, noticiado pelo El Argos, ficou estabelecido que
uma parte dos lucros deveria ser distribuída entre seus editores e aqueles que
participam de alguma forma nos comunicados; o resto, quando atingiam um valor
maior, iria ser usado para comprar uma impressora em Londres173. O objetivo da
Sociedade em comprar uma impressora de Londres seria, afinal, fazer sua própria
imprensa tipográfica, já que para a Sociedade era importante o objetivo de estar ligada
tanto ao ideal esclarecido de missão pedagógica à sociedade, quanto às dificuldades
que no contexto eram associadas às imprensas portenhas, como assinalaria o
segundo ponto: "debe procurar recursos para habilitarse de una Imprenta propia por
medio de las cual pudiese hacer dar los periódicos en la mitad del valor que el uso
fijado del país y de la sociedad174.
Se a Sociedade Literária estava diretamente ligada ao ministro Bernardino
Rivadavia, não sem duvidas também estava ligada ao governo de Martín Rodríguez.
Como já foi dito, seus membros participaram da atividade independentista e seus
171 RODRÍGUEZ, Gregorio. Diario de Reuniones de la Sociedad Literaria: contribución histórica y documental. Buenos Aires: Peuser, 1921. v.1. 172 RODRÍGUEZ, 1921. p. 328 173 El Argos de Buenos Aires, nº1, 19 de janeiro de 1822. 174 El Argos de Buenos Aires, nº 1, 19 de janeiro de 1822.
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objetivos eram claros ao ponto que nos permitem argumentar que a Sociedade
Literária fazia parte do programa de reforma promovido pelo governo para criar um
espaço público e a propagação de ideias do governo. Contudo, suas relações
começariam, em algum momento, a ficar abaladas. No final de março de 1822, a
Sociedade recebeu um comunicado do Ministério do Governo, o qual estabeleceu
uma série de prêmios anuais, cuja execução ficaria sob sua responsabilidade175. A
associação aceitou a distinção e rapidamente se pôs a trabalhar para realizar a tarefa.
Desta forma, em abril de 1822, publicou suas comunicações com o governo e
estabeleceu para publicações relacionadas ao ministério e suas atribuições: "¿Cuáles
son las causas que detiene los progresos en esta provincia, y cuáles los medios de
removerlas?”176. No entanto, em meados de julho de 1823, a Sociedade recebeu outra
proposta do ministério, mas desta vez decidiu não aceitá-la: "que se aumente un
número más del 'El Argos', en cada semana con el objeto de que se tratara seriamente
sobre la cuestión de la ocupación violenta de la Banda Oriental por la nación
vecina"177.
Essa posição do governo levaria a Sociedade a repensar seu relacionamento
com o mesmo, já que, de acordo com suas perspectivas, acabaria sendo prejudicial
aos próprios interesses de alguns membros da sociedade178. Finalmente, em resposta
ao ministério entre alguns membros da Sociedade, estes trouxeram o assunto para as
atas, não podendo encarregar-se de desenhar mais três números semanais no intuito
de adentrar nessa discussão da Banda Oriental. Em vez disso, convidaram o governo
a fornecer-lhe documentos sobre suas ideias do contexto externo, para suas duas
publicações semanais, pedido que nos lembra novamente da dificuldade de preencher
as folhas com notícias, este foi precisamente o argumento de recusa a noticiar sobre
a Banda Oriental179.
Novamente, quando foram discutidos os regulamentos para a publicação do El
Argos em meados 1823, a necessidade de definir quais seriam novamente as relações
das publicações com os pedidos do governo reapareceu. Logo, as instruções a serem
observadas pelo editor permanente do El Argos em 1823 estabeleceram:
1° Que abra opiniones sobre los negocios públicos de mayor importancia que refieran, censurándolos o aplaudiéndolos según su juicio.
175 RODRÍGUEZ, 1921. p. 332. 176 El Argos, de Buenos Aires s/n, 22 de abril de 1822. 177 El Argos de Buenos Aires , nº 100, 18 de junho de 1823. 178 RODRÍGUEZ, 1921.p.335. 179 RODRÍGUEZ, 1921. p.336.
82
2° Que en la censura tenga parte estos dos principios: 1° no separarse de la decencia y la circunspección; 2° ilustrar con ellas a las autoridades y enseñar el modo práctico de hacerlos sin tocar en los términos anárquico. 3° Que como la censura, a pesar de hacerse con arreglo a estas bases, pueda dar lugar a acusaciones ante la ley, el editor jamás la haga sin estar perfectamente cerciorado de los hechos.180
Já foi mais que salientado que as relações entre os membros da Sociedade
Literária e o governo de Buenos Aires eram próximas e diretas. No entanto, começa-
se a perceber que a Sociedade Literária começaria a tentar ser independente do
governo. Consequentemente, podemos argumentar que os membros da Sociedade
Literária executaram uma tentativa de sociabilidade e impressão com intenções
próprias do desenvolvimento da opinião pública, convencidos por certa experiência
que haviam adquirido, cujos males que sofreram no curso da independência eram o
princípio da falta de ilustração da própria opinião pública181. Ao que tudo indica,
portanto, a Sociedade Literária começava a se preocupar com a prerrogativa de
obediência ao próprio Estado. Nesse sentido, a preocupação ficaria exposta à
dependência de fornecer apenas notícias com intenções do Estado, assim como era
na época anterior à independência.
Paula Lescano aponta que esse tipo de preocupação ficava cada vez mais
notória na Sociedade Literária, já que os membros ocupavam posições ao mesmo
tempo na administração do Estado e nos espaços da sociedade civil com a intenção
evidente de espalhar as luzes, como se fossem os próprios messias do legado colonial
para uma nova ordem . No entanto, a incerteza começava a se fazer presente, pois
não estavam conseguindo distinguir o que era própria da especificidade de suas
formas de pensar, agir e interpretar as relações de poder do período pós-
revolucionário, com o que era próprio do Estado então em construção.
Se a possibilidade de desenvolver uma cultura letrada e iluminada incorporada
em um sistema de instituições, como na era colonial, com o monopólio das atividades
de impressão já não era mais possível, pois a revolução e a liberdade de imprensa
com essa atuação começavam a mudar seus interesses. A insatisfação era que, após
a independência, não caberia mais esse aspecto nos espaços públicos, já que agora
eles estavam a serviço da ordem estabelecida, que divulgaram, neste caso, as
180 Essa instrução saiu tanto nas atas da Sociedade, quanto no periódico. RODRÍGUEZ, 1921. p.355. El Argos de Buenos Aires, s/n, 18 de março de 1823. 181 TERNAVASIO, Marcela. Construir poder y dividir poderes. Buenos Aires durante la Feliz Experiencia Rivadaviana. Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani, nº 26. 2004.
83
reformas— perante o novo soberano, o povo182.
Assim, percebe-se que o grupo de Rivadavia, principalmente na gestão da
Sociedade Literária vinculada ao periódico El Argos, não conseguiu visualizar e
introduzir essa “nova ordem” do pensamento moderno com os vínculos do próprio
governo separando de suas atividades como escritores públicos. A revolução
independentista transformou homens em publicistas, doutrinários ou críticos. Estes
últimos fizeram sua aparição ainda nos movimentos da independência. As
manifestações dessa crítica, mesmo no interior da Sociedade Literária, levaram a
embates que não poderiam coexistir dentro da Sociedade Literária. O resultado não
seria diferente, ou seja, não poderia sobreviver por muito mais tempo e, no início de
1824, a Sociedade foi desmantelada sem nenhum aviso da ocorrência. Desde então,
os membros da Sociedade estiveram em círculos muito opostos da cena política,
afetando muito El Argos e o próprio Rivadavia.183 Mais precisamente, a partir de 1824,
El Argos não só se tornou um forte crítico da gestão do novo governador Gregorio Las
Heras, mas também abandonou seu caráter coletivo e passou a ser editado individual
e exclusivamente por Ignacio Núñez. Isso nos posiciona a entender a própria saída
de cena da elite rivadaviana nos anos que sucedera, como veremos mais adiante.
3.6 El Argos e a Política
A publicação de artigos e opiniões do El Argos de Buenos Aires pode ser
encontrada em diversos periódicos na América. Isso porque El Argos, durante sua
existência, fez críticas e análises a contextos próprios da América. Apesar de a
historiografia tratar o período Rivadaviano como uma conduta, ou uma espécie de
enaltecimento da Europa, El Argos de Buenos Aires, mesmo fazendo referências
grandiosas à Inglaterra, inseriu uma amplitude de discussões sobre o cenário
americano, que, além de se inserir nele, também visava construir o elo do novo
mundo. Assim, encontramos reproduções do El Argos em outros periódicos
americanos. El Argos os reproduzia como uma própria forma de exaltação de
condutas iluminadas. O Diario de Governo de Río de Janeiro sobre o periódico
comenta:
182 LESCANO, Mariana Paula. La prensa durante el período rivadaviano: El Argos de Buenos Aires (1821-1825). Almanack, n. 9, 2015. 183 SHUMWAY, 2005, p. 102.
84
Lendo o N° 7 do El Argos de Buenos Ayres de 22 de Janeiro de anno corrente enchi– me á vista do artigo Buenos Ayres, que passo a extractar [...] nós o ofrecemos aos nossos leitore no próprio idioma originai, seguros de que não folgaram menos de verem assim, [...] que o El Argos forceja, por semear e enredar os negocios daquela importante parte [...].184
Sabe-se, como já foi discutido, que El Argos de Buenos Aires tentou inserir a
província, no auge das ideias do século, no universo político e cultural do espaço
atlântico. Este espaço entrelaçou, de uma costa a outra, contatos políticos, culturais,
pessoais e comerciais. As trocas através desta rede atlântica permitiram a circulação
não só de livros, jornais ou panfletos, mas também os estadistas— neste momento,
os primeiros cônsules estrangeiros chegaram por toda a América do Sul— e negócios
com seus interesses específicos. Assim, a imprensa ocupou um lugar privilegiado e
mediador nessa conexão, fornecendo críticas e análises, permitindo o trânsito de
informações185. Em 1823, escreveriam sobre El Argos:
Acabo de leer con una alegría inexplicable el artículo inserto ayer en el Journal des Debats, que, sin embargo, no es, en general muy amigo de las ideas liberales y de la libertad. Da un resumen muy sumario, según mi parecer, pero satisfactorio de lo que ha recogido en algunos números de vuestro Argus (sic) y de vuestro Registro Oficial ó Boletín de las leyes. 186
Logo, El Argos inseria-se entre dois ambientes: os editores do El Argos forjaram
as representações da ordem política estabelecida e sua intenção de inserir o Rio da
Prata no cenário americano, como também nas publicações das notícias europeias
condescendentes com a atual Buenos Aires. Contudo, essa tentativa de vincular El
Argos a dois ambientes iria se desvinculando. A mudança dada às primeiras edições
de 1821, e depois no ano de 1822, parecem ocorrer nas proporções de notícias
americanas. Isto é, no ano de 1821, poucas foram as notícias. Já no pós-1822, é
possível perceber uma mudança radical referente aos números. Parece-nos que
essas notícias obtinham mais propriamente o interesse dos editores de colocar a
província e a administração rivadaviana em harmonia com as ideias do século,
representadas pelas ideias europeias, do que inserir El Argos em um ambiente
europeu. No entanto, a partir de 1823, essa preponderância de notícias europeias
começou a ser matizada, quando as notícias do contexto interior começaram a ganhar
184 El Argos de Buenos Aires, nº 18, maio de 1823. 185 CHUST, Manuel e SERRANO, José Antonio (eds.). Debates sobre las independências iberoamericanas. Madrid: AHILA, Vervuert, 2007. 186 PICCIRILLI, Ricardo. Rivadavia y su tiempo . Buenos Aires: Peuser, 1960. p.456. Cf. BAILYN, Bernard. Atlantic History: Concept and contours. Cambridge, Massachussetts: Harvard University Prees, 2005.
85
espaço, especialmente com a publicação de notícias ligadas às eleições e sobre o
Congresso Constituinte, ademais, as notícias do Brasil e a Guerra da Cisplatina187.
Voltemos a pensar no impacto que El Argos teve em Buenos Aires, com a
inserção da amplitude de notícias e análises vindas de fora e do cenário interno.
Tratava-se de um periódico que, no contexto vivido, era crucial para interpretar o
mundo americano. Os cafés foram os lugares onde os homens da república das letras
se reuniam para socializar: ler e comentar jornais, jogar cartas e conversar. Nestes
espaços, El Argos foi amplamente lido, escutado e comentado188. Poderíamos dizer
que o El Argos circulou, foi lido e comentado nos espaços de sociabilidade da elite de
Buenos Aires. Em várias ocasiões, os editores listavam, através das publicações do
periódico, assinantes, listas nas quais apareceram os personagens mais destacados
do ambiente de Buenos Aires. No entanto, por não conter estudos sobre o tema, não
podemos garantir muito mais sobre a amplitude da recepção de El Argos em outros
espaços.
Se, por um lado, uma característica comum dos jornais da época é a amplitude
da recepção, por outro, encontra-se outra característica: o suposto anonimato.
Tratando-se do El Argos, não foi muito difícil estabelecer, tanto para os
contemporâneos como para nós, quem eram os responsáveis, dentro da elite
rivadaviana, pelas edições, já que assinavam como um conjunto. Contudo, às vezes
os próprios editores de jornais posavam como leitores. Santiago Wilde fingiu ser um
correspondente propondo enaltecer a reforma urbana. Na publicação, ele argumenta
como se fosse uma terceira pessoa escrevendo para o El Argos, tendo o propósito da
vinculação na edição entre o público e o anonimato. Alegando ao meu querido amigo
El Argos, quais as propostas os editores estavam pensando189.
A menção à citação aqui se faz necessária não pelo seu conteúdo, e sim pela
sua forma. De certa maneira, podemos entender diferentes hipóteses em relação ao
anonimato: pode ser simplesmente uma expressão de esgotamento político entre o
grupo rivadaviano; ou talvez uma questão de credibilidade da publicação e evitar
tornar públicos os conflitos entre diferentes personalidades e/ou facções. Em relação
a essa ultima possibilidade, a partir da leitura do El Argos, podemos entender o que
já estava em curso na década rivadaviana:
187 Mais adiante, trataremos desta temática. 188 SHUMWAY, 2005, p. 128. 189 El Argos de Buenos Aires, s/n, 26 de maio de 1823.
86
las cuestiones entre los escritores públicos, son entre nosotros más sangrientas que las del campo de batalla: se hacen personales, y el El Argos, huira de ellas, tanto por esta razón, como porque su atención distraería, y al tiempo porque es necesario complacer á los lectores.190
No Regulamento da Sociedade Literária, do qual já apontamos alguns artigos,
existe um especifico sobre essa questão: “6° – Queda absolutamente prohibido el
comunicar a persona alguna fuera de la Sociedad, el nombre de ninguno de los
redactores"191.
Essa lógica do anonimato e suas vinculações nos levam a questionar
novamente sobre esses escritores públicos e quais eram as funções que eles
cumpriam na sociedade. Na leitura baseada no contexto de Buenos Aires e no
periódico El Argos de Buenos Aires, postulamos, ao longo do capítulo, que seus
editores, durante os anos de publicação, agiram seguindo uma ação pedagógica: eles
encarnaram um projeto de imprensa ilustrado como filósofos que disseminaram as
luzes entre os membros da sociedade, sem cristalizar que eles eram homens a serviço
de uma política com a ampliação dos espaços públicos e da opinião pública.
Contudo, no final de 1823, a concorrência pelo El Argos, por parte do governo
e dos próprios desentendimentos internos, tomaram uma magnitude que, em suma,
pode ser observada com a quebra de um consenso da elite, resultando no surgimento
de novos personagens na cena política192. Nesta conjuntura, fica cada vez mais
evidente que o espírito de luzes por trás do El Argos de Buenos Aires não corresponde
puramente ao discurso iluminado, como os próprios visualizavam, e sim com
narrativas a serviço de uma política da facção rivadaviana. Em 1824, o El Argos
tornou-se uma empresa individual, que começou a cumprir um novo papel, agora
convertido em uma função publicitária de uma opção política, inclusive até do governo,
e a sua função era fornecer ao público leitor uma explicação clara e válida das ações
políticas.
Do primeiro número publicado pelo El Argos de Buenos Aires, em 1821, até os
últimos de 1825, pode se perceber uma grande diferença. Seu conteúdo, forma,
interesses e preocupações foram transformados com o passar dos anos. Conforme
190 El Argos de Buenos Aires, nº 13, 24 de julho de 1821. 191 RODRÍGUEZ, 1921. p. 357. 192 O chamado partido popular entrava em cena, e também, além disso, continha seus próprios jornais propragandisticos: El repúblicano e o El teatro de la Opinión. Cf. SÁBATO, Hilda. Pueblo y Política: La construcción de la república. Vol. 40. Capital Intelectual SA, 2005. p. 212.
87
salientamos, todos aqueles que participaram em algum momento da redação do jornal
ocuparam El Argos no governo.
No final de 1823, assim como o desmoronamento da Sociedade Literária com
suas divergências, a facção rivadaviana que governou a província de Buenos Aires,
desde 1820, perdeu o consenso que desfrutou no início da década. As primeiras vozes
de crítica às medidas do governo foram ouvidas no ultimo quartel do ano de 1823.
Também surgiram setores da elite que disputavam seu lugar nas posições de governo.
Quando se aproxima a substituição das autoridades provinciais, o predomínio da
facção rivadaviana foi diluído na presença desses novos setores da elite que o
disputavam e que, a curto prazo, conquistaram seu lugar como representantes do
povo de Buenos Aires. Pela primeira vez, desde a criação da Sala de Representantes,
o grupo rivadaviano perdeu o controle da instituição de Buenos Aires e o General Juan
Gregorio Las Heras foi eleito como o novo governador provincial. Enquanto isso,
Rivadavia entrou em ostracismo voluntário na Grã-Bretanha193. Já o periódico El
Argos, pelo menos na sua narrativa, não via maiores problemas entre a saída do
mesmo e, com grande entusiasmo, aponta:
El recibimiento del nuevo Gobierno en este dia hecho en el órden establecido por la ley, es el primer acto de su género que se presencia en esta capital después de la revolucion, y la primera prueba práctica que este es tambien el medio para lograr que la separacion de un Gobierno se haga sin causar ni el descredito del país, ni la ruina de su fortuna, ni las desgracias ó las alarmas de las familias.194
Não obstante a esse posicionamento, e em paralelo a essa troca de governo,
as Províncias foram chamadas a participar do novo Congresso Constituinte. Sob
essas circunstâncias, El Argos começou a se posicionar com muito mais atenção às
questões internas. Como já foi apontado, não se pode interpretar El Argos de Buenos
Aires como um periódico de características imutáveis ao longo dos seus quase 5 anos
de publicação. No final de 1823, gradualmente, podemos dizer que pouco a pouco ele
estava perdendo seu caráter propagandístico dos rivadavianos. A mudança de
orientação pode ser ligada, além do desentendimento interno da Sociedade Literária,
como já dito anteriormente, à modificação do projeto da facção rivadaviana: perdendo
193 HALPERÍN DONGHI, Túlio. (1979). Revolución y Guerra. Formación de una Elite Dirigente en La Argentina Criolla. Siglo Veintiuno. Buenos Aires. p. 204. 194 Contudo, o periódico informava cada passo do mesmo, inclusive compublicar publicação de relatos do periódico inglês The Sun, que informava a ida de Rivadavia a Londres. Sempre enaltecendo o que o ex-ministro tinha feito em Buenos Aires. Uma das notícias mais enaltecedoras foi no dia 15 de dezembro de 1824.
88
o controle da política providencial pela organização nacional no Congresso
Constituinte195, El Argos começou, assim, a evidenciar essa nova administração.
Consequentemente, a partir de 1824, nas páginas do periódico, começaram a surgir
as primeiras perguntas e questionamentos ao governo de Buenos Aires, tanto a
Câmara dos Representantes quanto o novo governador. Notamos que esse tipo de
questionamento não era comum anteriormente. El Argos questionou o trabalho
legislativo, formado por aqueles que anteriormente eram opositores:
sin que ahora nos entretengamos á demostrar, que ni aun en los puntos que abrazan las mociones ni en ningunos otros de los demás ramos que comprenden el servicio público, la cuarta legislatura ha producido cosa alguna sustancial. 196
Ao longo de 1825, houve mudança na conjuntura portenha dada pela dupla
institucionalidade: o Congresso Constituinte e o governo da província de Buenos Aires
que, por sua vez, foi responsável pela implementação das leis desenvolvidas pelo
primeiro. No Congresso, predominava a facção rivadaviana, enquanto no segundo, na
Sala de representantes, os adversários rivadavianos detinham os poderes, o partido
popular.
Perto do início das sessões do Congresso, em dezembro de 1824, dois novos
periódicos nasceram em Buenos Aires e foram apontados por El Argos: El Argentino
e El Nacional. O primeiro expressou em suas páginas as ideias do chamado partido
popular, encabeçado por Manuel Dorrego. El Nacional, por outro lado, apresentou as
ideias políticas dos rivadavianos, assim como El Argos. Esse momento ficou
caracterizado como uma motivação entre os portenhos com um mesmo objetivo:
enfrentar a apatia da sociedade civil frente a questões de interesse público e
padronizar a opinião197. Essa motivação não chegou a considerar o papel público
como um negócio, ou seja, ninguém poderia resolver-se economicamente através
desta atividade, nem criaria um campo autônomo, pelo menos nesse momento, mas
considerou o papel desempenhado pela imprensa, ligada à necessidade de divulgar
195 Sobre o Congresso Constituinte C.f HALPERÍN DONGHI, Túlio. Revolución y Guerra. Formación de una Elite Dirigente en La Argentina Criolla. Siglo Veintiuno. Buenos Aires, 1979. O Congresso Constituinte foi convocado em 1824 e teve como objetivo a organização nacional. Foram convocados todos os territórios que haviam formado o Vice- Reinado do Rio da Prata. Sua causa imedita também pode ser obseravada com os assuntos do Brasil e com a prerrogativa de desenvolver um acordp com a Inglaterra. 196 El Argos de Buenos Aires y Avisador Universal, n.34, 12 de maio de 1824. 197 MYERS, Jorge. Identidades porteñas. El discurso ilustrado en torno a la nación y el rol de la prensa: El Argos de Buenos Aires, 1821-1825 In: ALONSO, Paula (compiladora). Construccones impressas: panfletos, diarios y revistas en la formación de los Estados nacionales en América Latina, 1820-1920. México: F.C.E, 2004
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uma opinião particular em um contexto em que disputas políticas em constante
crescimento começariam a entrar com um rigor evidente.
A este cenário, devemos acrescentar o conflito com o Império do Brasil, este
que marcaria o xeque final do desmoronamento do grupo rivadaviano, para os
territórios localizados a leste do Rio da Prata. Neste conflito, o editor do El Argos
apereceu como publicitário convicto do governo nacional, diferentemente da
Sociedade Literária. Para o editor, o trabalho do poder público, frente a esse conflito,
era cada vez mais importante e "la necesidad ya urgente de organizar ya un
estado"198. Isso estava ligado às críticas às ações dos ministros de Buenos Aires
encarregados do poder executivo nacional. Duas questões principais estavam ligadas
a essas criticas: estar no comando do poder executivo nacional, mas não cumprir as
leis sancionadas pelo Congresso ― em particular o fortalecimento da linha do Uruguai
e a formação de um Exército Nacional — e tentaram renunciar, em várias ocasiões,
desse poder199. El Argos começaria a acusar diretamente o governo de Buenos Aires
de dar um passo do qual não estava preparado nacionalmente:
un paso que hacia retroceder á Buenos Ayres hasta las épocas en que se ha dicho que no prevalecía en los ministerios la razon pública sino tambien acomodamiento personal engendrado y nutrido por la desmoralización.200
Em seguida, El Argos, com a posição do Congresso Constituinte, afirma que o
tom das autoridades, crítica às políticas portenhas, apontava:
que si á algunos pocos no puede agradar; complacerá indudablemente á muchos que quisieran ver desterrado el misterio y la falta de legalidad del lugar donde debe reinar un sistema por el cual hemos hecho sacrificios de todo género201.
El Argos de Buenos Aires definitivamente separado do governo provincial
acusava o atual governo com duras críticas. Mas isso pode ser percebido com a nova
conjuntura que estava sendo experimentada por Buenos Aires: a necessidade do El
Argos, da facção Rivadaviana, de incorporar uma tarefa de maior alcance, de caráter
nacional, de tentar se inserir novamente no jogo político e a incorporação de ideias
que estavam perdendo seu espaço na sociedade.
Se El Argos perdeu seu espaço político, ou seja, seu "ministerialismo", foi
apenas parcialmente, pois sua tarefa agora era oferecer ao público explicações e
198 El Argos de Buenos Aires y Avisador Universal, s/n, 4 de setembro de 1824. 199 MYERS, 2004. p. 128. 200 El Argos de Buenos Aires y El Avisador Universal, nº 90, 15 de outubro de 1824. 201 El Argos de Buenos Aires, nº 202, 5 de novembro de 1825.
90
decisões tomadas no Congresso Constituinte. Nessas circunstâncias, o jornal colidiu
com uma série de armadilhas que complicaram sua publicação e circulação na praça
de Buenos Aires. Sobre ele mesmo, já salientava:
debe notarse mas defectuoso en la redacción, en la corrección, y tambien en la hora de reparto. Pero esto mismo nos impone respecto en ninguna manera penden de los editores del El Argos, sino que son la consecuencia inmediata de una sistema adoptado exprofeso para entorpecer la emisión, y conducirle gradualmente al cesse. 202
E em seu último número publicou:
Por fin El El Argos ha cesado de imprimirse en la Imprenta del Estado [antigua Imprenta Expósito} por resolución terminante del gefe de ella, y no por la voluntad de los editores, que estaba decidida á permanecer en una imprenta de que se han servido algunos años. Esto ha sido capaz por sí solo de interrumpir la emisión de un papel que no puede darse en una imprenta comun, y mucho mas cuando todas las imprentas en Buenos Aires están sobrecargadas de trabajo; pero esforzará por lograr que se hagan algunos sacrificios en favor de su continuación [...]. 203
Devemos notar na série de desencadeamentos: o fechamento de El Argos
vincula-se à situação portenha, o desentendimento da Sociedade Literária de
vinculação com o governo, gerando assim, por consequência a perda de espaço
político pela facção rivadaviana, bem como a atuação do Congresso Constituinte, a
declaração de guerra com o Brasil — do qual falaremos no tópico adiante — e briga
interna das provinciais referentes à organização política. Quando finalizou a
publicação, os setores de novos líderes nacionais do projeto não viram necessidade
de continuar com este jornal, além da intenção expressa de sua edição, já
mencionada, concordamos com Jorge Myres em assumir que a empresa, no sentido
de periodística própria rivadaviana, apontou em outra direção: a questão americana
de ideia nacional e suas vinculações política204. Este fim do El Argos nos permite fazer
uma nova reflexão sobre as características da imprensa periódica nesse cenário. O
periódico El Argos não conseguiria, a seus modos de amplitude internacional,
sobreviver sem a ajuda de uma elite majoritária no espaço político e do governo. Os
jornais do Rio da Prata tiveram uma característica muito comum ao início do oitocentos
na América. Na sua maior parte, desempenharam um papel difusor, ligados aos
projetos políticos, espalhando notícias, informação, ideias etc. Isso poderia responder
ou não a uma instituição governamental. Se esse tipo de suporte não estivesse
202 El Argos de Buenos Aires, nº 202, 3 de novembro de 1825. 203 El Argos de Buenos Aires, nº 204, 5 de novembro de 1825. 204 MYERS, 2004.
91
disponível, a permanência de um trabalho público era limitada, porque nem os
anúncios, nem o preço de venda aos assinantes poderiam resolver sua autonomia.
Assim, podemos apontar que o El Argos de Buenos Aires foi um jornal
informativo e político que foi estabelecido durante a primeira metade da década de
1820 com o objetivo de promover, a partir da imprensa periódica, a gestão
governamental de Martin Rodríguez, que enfocava principalmente as reformas
promovidas pelo ministro do governo Bernardino Rivadavia, com a ajuda da elite
Rivadaviana205. Nosso obejtivo, ao tratar o palco interno do períodico, foi estabelecer
o vínculo, entre o períodico e a elite rivadaviana, para entender sua posição de interp
Em quase cinco anos de sua publicação, El Argos foi um periódico que seria citado
por todo continente americano, como um periódico noticioso, mas sempre foi o
instrumento propagandístico de uma facção da elite de Buenos Aires e de Bernardino
Rivadavia.
205 MYERS, 2004.
92
4 EL ARGOS LÊ O BRASIL: OS ANOS DE UMA FUNDAMENTAL CONJUNTURA
EXTERNA (1821-1825)
4.1 O grande Império na América
Julgamos necessário salientar o palco interno do periódico El Argos de Buenos
Aires e seu posicionamento frente ao governo rivadaviano para entendermos sua
mudança de narrativa ao longo do periódico. Essa conjuntura influenciaria seu modo
de defender-se, enxergar-se e posicionar-se frente aos acontecimentos externos que
o periódico fazia questão de interpretar. Tratando-se do cenário do Império do Brasi,
também não poderia ser diferentel, sobretudo, do país com Buenos e com Bernadino
Rivadavia.
A Banda Oriental do Rio da Prata foi, historicamente, um espaço territorial
disputado pelos impérios ibéricos. No entanto, desde meados do século XVIII,
Espanha e Portugal chegaram a um acordo sobre esse espaço, que se tornou parte
do vice-reinado do Rio da Prata206. Iniciado o processo revolucionário em Buenos
Aires, a partir da Costa Oriental, emergiu-se um palco de críticas e divergências em
relação às novas autoridades e seus projetos políticos, embora fossem reconhecidos
como parte do mesmo corpo político. Aproveitando-se da conjuntura política no antigo
vice-reinado, da complexidade dos projetos e brigas políticas com o novo
mapeamento político, a coroa portuguesa, já no Rio de Janeiro desde 1808, decidiu
invadir duas vezes o território oriental: em 1811 e em 1816, quando se estabeleceram
na capital do país à época.
Consequentemente, a situação da Banda Oriental marcaria as interpretações
que seriam realizadas sobre a independência do Brasil e sobre o próprio país no
periódico El Argos de Buenos Aires. No entanto, essas leituras estavam em mutação
conforme se passaram os anos, devido às mudanças na situação portenha à política
de Buenos Aires, especificamente do grupo rivadaviano, cujos projetos políticos El
Argos representaria..
Quando a publicação do El Argos de Buenos Aires começou em 1821, a
monarquia portuguesa movia-se pela revolução liberal iniciada na cidade Porto há um
206PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e Nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo, Hucitec/Fapesp, 2002. P. 38
93
ano. Inspirado pelo constitucionalismo de Cadiz, formou-se um governo provisório em
Lisboa, o qual exigia que o rei D. João VI voltasse a sua metrópole. Convocou-se a
reunião das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituinte em Lisboa, que seria
responsável pela elaboração de uma constituição. Quando as notícias desse evento
chegaram ao novo mundo, os Conselhos Governamentais Provisórios foram formados
e encarregados de supervisionar a eleição dos deputados que tiveram de viajar para
Lisboa. No desdobramento desse cenário, ocorreu a sugestão do rei voltar a Portugal
deixando o príncipe, D. Pedro I, como regente no território do Brasil207.
No ano de 1821, El Argos de Buenos Aires iniciava sua vida pública nas ruas
portenhas. Nessa mesma conjuntura, a ocupação da Banda Oriental começou a se
consolidar. O periódico, preocupado com essa circunstância, em suas primeiras
aparições, já demonstrou:
Las alteraciones políticas de aquel reino no deben ser tampoco un objeto indiferente á la provincia de Buenos– Ayres: por lo mismo nos comprometemos igualmente à, insertar en 3 nuestros números las relaciones que adquiranios, bien sea por medio de papeles públicos ó por cartas particulares.208
Em sua primeira edição, também se iniciou uma análise histórica das relações
entre as coroas espanhola e portuguesa nos territórios americanos, pois seus editores
consideraram que o problema na Banda Oriental com a Corte portuguesa fazia parte
da herança colonial. A ênfase dada ao El Argos virá sempre acompanhada de uma
briga não entre territórios americanos, e sim de interesses próprios do passado
colonial. Trabalharemos esse ponto mais adiante. O que nos preocupa agora é
apontar para o espaço reservado para explicar aos leitores sobre as aspirações da
coroa portuguesa para os territórios americanos. A observação histórica apareceu
com o nome: “Exámen de la conducta que el gabinete del Brasil ha guardado respecto
de la banda oriental del Rio de la Plata, Buenos Ayres, y otros puntos de esta de la
América”209. Uma longa citação aqui se faz necessária:
Mucho tiempo antes que la América sacudiese el yugo de la España, lanacion vecina habia ensayado agregar a sus estados del Brasil toda la banda oriental hasta el rio del Uruguay, para que al menos entretanto que mejoraba desuerte, aquel hiciese limites á sus dominios por este lado. En el año de 1797 puso en ejecucion una parte de este proyecto, apoderandose de cinco pueblos considerables de inisiones, y de una gran extension de tereno,
207 BERBEL, Márcia Regina. Os sentidos de Cádis em Portugal e no Brasil de 1820 a 1823. in: ANNINO, Antonio/TERNAVASIO, Marcela (coords.). El Laboratorio constitucional Iberoamericano: 1807/1808-1830. Iberoamericana-Estudios AHILA, Madrid, 2012, p. 219-235. 208 El Argos de Buenos Aires, n° 1, 12 de maio de 1821. 209 El Argos de Buenos Aires, n° 1, 12 de maio de 1821
94
que fueron reclamados sin efecto por los indolentes enviados del principe de la paz. En 1808 cuando en el Janeyro se creyó que la España habia desucumbir enteramente al poder del emperador de los franceses, el ministro de la guerra, y relaciones exteriores, se declaró jefe de una revolucion contra estas provincias: movió el ánimo del gobernador de Montevideo D. Xavier Elío, contra el jefe snpremo, y por medio de un enviado pidió al virey liniers entregase à su amo el príncipe regente nada menos que la banda septentrional de este rio. Trasladada la corte de Portugal al rio Janeyro bajo la im mediata proteccion de la Bran Gretaña, se le descubrió una perspectiva en estos dominios que lisonjeaba plenamente su antigua aspiracion: y la declaracion de S. M. B. de que su aliada pasaba al nuevo mundo para establecer en él suimperio con mas explendor, al mismo tiempo que se disponia para escoltarle una expedicion de quince mil ingleses, le daba fun dados motivos para creer que lo que veia en perspectiva, pronto le perteneceria en propiedad; pero la guerra de España contra Napoleon, y consiguientemente la paz entre aquella y la Inglaterra, destruyó las miras del gabinete del Brasil, ó loque esmas cierto las sofocó solo por entonces. Burlada la corte vecina en sus esperanzas de verse prontamente en posesion del grande objeto de sus aspiraciones, por lo mudanza de conducta en el gobierno británico, apuró sus astucias y habituales artificios para llenar el vacío que esta circunstancia causaba en sus mal combinados intereses. La señora Doña Carlota sedirigió á todos los jefes de estas pro vincias exigiendoles la admitiesen para regentar en ellas como hermana de Feruando VII, y succesora de la corona de España. Lo jefes le contestaron negativamente, y con imperio: pero llegó á tanto extremo el descaro, que mantenia en Buenos– Ayres um agente que abogaba por las pretensiones de su patrona con tanta publicidad, que hasta el virey Cisneros e vió obligado á hacerle desaparecer precipitadamente de esta capital.210
A longa história começa a ser exposta pela elite rivadaviana no periódico, cuja
contestação afirmativa se faria necessária devido ao reconhecimento perante a
opinião pública portenha. Ao longo dessa coluna, o periódico examinou a atuação do
Tribunal Português no Rio da Plata aparecendo continuamente em seus primeiros seis
números, apesar de logo haver uma mudança de posicionamento, perceptível e
repensado acerca das relações com o mundo lusitano.
No dia 23 de junho de 1821, o número sete do periódico chegaria às ruas
portenhas. El Argos publicou a notícia de que o rei de Portugal, antes de embarcar
para o velho continente, reconheceu a independência das Províncias Unidas, mas, ao
mesmo tempo, convocou um congresso na Banda Oriental para decidir a escolha do
território a pertencer ao Reino do Brasil, a encontrar-se com as Províncias Unidas ou
a conformar-se como um estado independente. As autoridades provinciais e a
imprensa de Buenos Aires rejeitaram essa autonomia do rei de reconhecimento por
considerá-lo indigno ao associar a formação do Congresso na Banda Oriental a esse
ato. Como pode se atestar:
210 El Argos de Buenos Aires, n° 1, 12 de maio de 1821.
95
A los habitantes de esta provincia, pues, importa poco que el congreso decida
la incorporacion al Brasil, ó la separacion, porque ya he dicho que esto pende de otros
sucesos que no estãn en su mano; peró no puede presindirse facilinente de um justo
elojoné indignacion, al ver que se les trata como à bestias de carga en un tiempo en
que todo el m undo proclama las ideas liberales, que Portugal sacude el yugo de la
arbitrariedad, y que el Brasil ande ya en gueras civiles por conseguirlo.211
Um ponto importante merece ser destacado. Após essa notícia, o periódico
não noticiou mais nada sobre o tema. Paula Lescando aponta que esse assunto foi
ocultado, ou seja, não falaram mais sobre isso, de tal forma que até a historiografia
esqueceu essa temática212. Ignacio Núñez, anos mais tarde, em 1824, escreveria em
nome da Woodbine Parish, permitindo-nos conhecer um dos motivos da obnubilação:
El resultado fue, como en los nuevos principios de Gobierno de mi pais no podia entrar á admitir un acto de distinción á cambio de otro de igual grado deshonroso é injusto, la mision del Gobierno Portuguez se consideró no hecha, quedando sin agradecer el reconocimiento de nuestra independência.213
Essa retomada do conteúdo por Ignacio Nunez pode ser interpretada com
questionamentos. O esquecimento do tema pode ser uma possível ação diplomática,
por parte da elite portenha rivadaviana, nos anos de 1821-1823, a fim de não criar
desentendimento com o Brasil? É possível que a visão diplomática estivesse abalada
ao ponto de esse assunto vir a lume novamente? Essas perguntas, possivelmente,
estarão entrelaçadas, já que El Argos mostraria uma postura diferente ao tratar do
Brasil ao longo das publicações.
De volta ao tema do território em questão, o periódico manteria o olhar expondo
que caberia ao congresso decidir o destino da Banda Oriental. Percebemos como o
tópico da Banda Oriental apareceu de forma latente em relação ao mundo lusitano.
Essas questões foram importantes para os portenhos, principalmente sobre o
Congresso: tratava-se de um jogo político de reconhecimento porque, para eles, os
territórios orientais faziam parte as Províncias Unidas. Portanto, os orientais não
aceitariam livremente juntar-se às intenções da corte portuguesa conforme os
caprichos do rei.
211 El Argos de Buenos Aires, N° 7, 23 de junho de 1821. 212 LESCANO, 2015. 213 NÚÑEZ, I. De las causas de la Revolución de las Provincias Unidas del Río de la Plata, el carácter y el curso de ella, y de la organización social con que ha terminado. Trabajos Literarios del Señor D. Ignacio Núñez. Revista Política. Buenos Aires: Imprenta de Mayo, 1857. p. 25
96
A intenção da corte portuguesa, no momento em que pensou sua chamada
para o Congresso, foi eliminar uma das principais críticas levantadas em Portugal
sobre o comportamento do Tribunal instalado no Rio de Janeiro214. El Argos, então,
faria um posicionamento referente a isso:
La mente de la corte es explorar la voluntad de los pueblos legal y francamente representados; si estos quieren ser portugueses, no necesita sus tropas para conservarlos; si no quieren serlo el rey no quiere empeñarse en guardarlos con sus tropas que le hacen falta en otra parte. Este es el espíritu de la real orden.215
Uma crítica logo em seguida é feita ao Barão de Laguna, que se tornou
autoridade máxima lusitana na Banda Oriental. Na crítica, El Argos justificava a
contrariedade do Barão ao Tribunal. Na edição, a resposta do motivo dessa situação
ocorreria por conta expressamente de interesses próprios do Barão:
Los intereses de general son mantenerse aquí à toda costa porque tiene 25000 pesos de sueldo, y porque aqui es mas que el rey cuando en Portugal ó Brasil no serià nada; para este fin reune un congreso á su modo y peladar enpuesto ó de hombres vendidos à él, ó de hombres nulos, y en fin de algunos que aunque cnozcan sus verdaderos intereses sepan sostenerlos, son arrastrados del mayor núnero [...] lo que realmente no es otra cosa que tratar a los habitantes como à bestias.216
O periódico tendia a associar a posição do Barão ao da Coroa Portuguesa.
Mas, em alguns momentos, apontou por interesses próprios do Barão, no qual
demonstrava a existência de ações opostas entre as autoridades lusitanas. Após a
decisão do Congresso de incorporação da Banda Oriental do Rio da Prata ao reino do
Brasil, essa passou a ser chamada de Província Cisplatina. Contudo, em nenhum
momento, ao longo dos cinco anos, o periódico portenho chamava-a de Cisplatina.
Até a sua ultima publicação permaneceu como Banda Oriental.
Em notícia, El Argos parece aceitar essa decisão, embora houvesse
maneirado o tom da crítica nessa posição. O periódico alegou que esse reino,
governado por um europeu, por ora, era formado por territórios cobertos entre os dois
grandes rios puramente americanos: Rio Amazonas e Rio da Prata217. Outra crítica
viria em seguida:
Nosotros no escribimos entre los antípodas, ni nuestras aserciones se apoyan em ningunos datos que no bayan pasado por nuestra propia vista. Somos testigos de la conducta de Portugal para con estos paises antes y despues de su separacion de la España, como tambien indeferencia á una multitud de actos con que aquel gabinete ha mancillado nuestro honor, há fomentado
214 BERBEL, 2012. 215 El Argos de Buenos Aires, n° 15, 31de junho de 1821. 216 El Argos de Buenos Aires, n° 15, 31 de junho de 1821. 217 El Argos de Buenos Aires, n° 18, 3 de agosto de 1821.
97
nuestra ruina, y ha entorpecido varias veces la marcha magestuosa que há andado la causa general americano. Hemos de hacer sin embargo cuando lo somos de nuestra sea tiempo la justicia que se merece el directorio, que posteriormente à aquella época concibió el glorioso pensamiento de despedazar los proyectos del gabinete, y de hacerle conocer que si para la libertad delos pueblos de toda la América, era un obstáculo su inmediacion al despotismo lucitano, para la existencia de ese, mismo despotismo lo era insuperable la reso lucion firme y enérgica de estos pueblos de ser libres y jamas arrastrar un ignominioso yuge.218
A crítica era nítida: a decisão de ter a Cisplatina era vista como um despotismo
europeu. Além disso, o mundo lusitano começa a ser visto como atraso à gloriosa
vontade geral que havia se instaurado no novo mundo. O periódico, com intuito de
deslegitimar o governo português, começou a desenvolver os desacordos internos
entre Brasil e Portugal— esta seria uma das principais representações positivas em
torno do Brasil. El Argos de Buenos Aires mostrou uma imagem do Brasil dividida em
facções porque isso simbolizava a dissolução do sistema político, além do problema
interno e do estigma de uma possível rebelião escrava, fazendo ressonar o temível
paradigma haitiano.
Os editores do periódico El Argos começaram, então, a considerar que este
território, o Brasil, estaria em um estado de convulsão semelhante à vivida pelos
americanos em toda parte do continente, incluse a própria Buenos Aires:
El 15 del corriente debe echarse el fallo sobre la suerte futura de la plaza oriental, así como el 5 de junio [partida de Juan VI hacia Europa] en Brasil se ha decidido que la orte lucitana corra en 1821 la misma suerte que Buenos Aires en 1820. Los pacificadores llevan mas revoluciones que meses de ideas liberales.Los pacificadores llevan mas revoluciones que meses de ideas liberales. Aun ignoramos cuantos son, cual es el blanco, y en que se fundan los diferentes partidos. Se asegura que existe uno puramente europeo y otro, naturalmente, americano: pero es superior à todos. A juzgar por los sucesos, la córte es una guinea: y esto damotivo para creer que la anarquia serà la que levante bandera . Viva la America.219
Aqui, notamos uma nova interpretação: a narrativa de que o Brasil estava
pronto ou, em grande medida, queria uma revolução assim como a América, e
consequentemente Buenos Aires. Logo, revoluções seriam peças-chave para El argos
inserir o Brasil no contexto americano. Waserrman interpretou que, para a sociedade
da época ou para uma grande parcela de homens, a representação de Revolução
perpassaria por dois processos bem próximos a uma denotação de etapas
revolucionárias: a Revolução irreversível, isto é, de caráter providencial, bem
218 El Argos de Buenos Aires, n° 18, 3 de agosto de 1821. 219 El Argos de Buenos Aires, n° 18, 3 de agosto de 1821.
98
característico do século XIX, com a ideia de “revolução gloriosa”; a esse processo,
consequentemente, segue-se o “estado revolucionário”, que, por conta de uma
consequência de falta de liberdade e de falta de costume com esse processo em
exercício, tenderia a ser marcada pelas paixões, das quais decorria uma espécie de
anarquia, própria também do grandioso século XIX220.
O significado — ou melhor, a narrativa que os editores do El Argos mostravam
― é de que o território do Brasil estava passando pela concretização do primeiro
estado, já que o segundo estado estaria bem próximo, por isso não poderiam cumprir
o argumento de estabelecer a paz e a tranquilidade desejadas no território da Banda
Oriental. Por isso, era admirável que o governo passasse pelos mesmos momentos,
tornando-se possível, assim, conservar a paz nesse momento de turbulações221.
Ocorre que, para o periódico e, por vias, para a elite rivadaviana, em Buenos
Aires, essas etapas foram consideradas superadas, desde o estabelecimento de uma
ordem institucional na província e divulgação do respeito pela lei como instrumento
central para o exercício de governo. Nesse sentido, podemos compreender que os
rivadavianos analisavam os eventos lusitanos a partir da experiência de ter vivido,
sobrevivido à revolução e estariam em um momento de glória, ou seja, o momento de
“feliz experiência”. Aqui se fazem necessárias duas citações que mostram claramente
o posicionamento que o periódico faz em relação a esse palco vivido por eles. El
Argos, em sua coluna sobre a América, reproduziria uma carta com o pseudônimo de
“Portugues constitucional Reformado”:
Ya que de presente el estado de la administracion de la provincia es el mas glorioso, que hemos conocido en el largo periódo de la revolucion; que se establecen y practican los principios liberales: que empezanos à ver practicamente los elementos deque se compone un gobierno representativo y parlamentario: que los mi nistros desplegan suzelo en el arreglo de todos los ramos, y enextirar los grandes abusos de que adolecen; créo Sr. El Argos que debo denunciar um hecho, que si como lo espero, esatendido y remediado por los deposita rios del poder, reiteraré otros de igual, 6 semejante caracter, que comprueban el abandono ô corrupcion em que han descansado los anteriores, gobiernos. [...] Quiera vd., señor El Argos, dar lugar en sus lineas à este comunicado que con la mejor intencion.— Hum Portugues constitucional Reformado.222
Mais adiante, abordaremos uma carta com um posicionamento bem próximo
do Correa da Camara, em sua missão diplomática, para Bonifácio. Contudo, não
220 WASERRMAN, F. Revolución. In: GOLDMAN, N. (ed.), Lenguaje y revolución: conceptos políticos claves en el Río de la Plata, 1780-1850. 1 ed. Buenos Aires: Prometeo Libros. 2008. 221 El Argos de Buenos Aires, n° 63, 11 julho de 1822. 222 El Argos de Buenos Aires, n° 15, de 30 de julio 1822
99
conseguimos encontrar evidências concretas de que se trata de uma correspondência
entre Correa e algum editor do El Argos exposta no periódico. Em relação à
reprodução da carta, El Argos faria uma reflexão sobre o pedido dessa carta e a
posição que Buenos Aires deveria tomar em relação à conjuntura lusitana no novo
mundo:
El Argos cree que es llegada la ocación en que los unos y los otros seamos los mismos. Dejemonos de impertinencias: dejemos las predilecciones y bamos todos a la obra grande– a la obra grande que es necesario emprehender para ser felices, y para que lo sean todos. Nuestra madre, BUENOS AYRES, jamás ha tenido hijos ni los tendrá jamás que hagan un mercado de su libertad y de su independencia: esta bien. Pero falta mucho más, es menester que sus hijos seamos prudentes, y escuchemos la clamorosa voz de la razón que pide– PAZ INTERIOR Y LA justicia en la América.223
El Argos e a elite rivadaviana construíram ao longo de suas publicações uma
imagem de Buenos Aires que a associavam à ordem e à tranquilidade — em oposição
à década anterior de estabilidade por qual eles já passaram, ou seja, a instabilidade
pós-anos da revolução — em que a implementação de um conjunto de reformas
propostas e adiquiridas, graças à sincronia da famosa elite encabeçada por Rivadavia,
foi o eixo central do progresso da província224. Ao mesmo tempo, uma espécie de
pedagogia cívica acompanhava este processo de institucionalização, modernização e
progresso da província, o qual implantava-se em suas páginas, como era o grandioso
desejo dessa elite rivadaviana. Mas o periódico não só procurou, com suas
publicações, acompanhar e ampliar o trabalho de reforma da elite dominante, mas
também para posicionar a província na chamada rede atlântica, como já apontamos.
Por meio deste olhar atlântico, conceberam-se representações da ordem política e a
inserção do Rio da Prata no cerne das nações americanas: apontando a região com
os valores políticos das sociedades mais avançadas.
Consequentemente, El Argos tentou inscrever a marcha dos eventos de
Buenos Aires no contexto da política atlântica, principalmente no contexto americano
das independências. Nas páginas do periódico, a etapa revolucionária de instabilidade
foi considerada encerrada. Quando, em 1822, instalou-se e operou-se o regime
representativo, sancionou-se a lei do esquecimento, da qual surgiu a notícia de que
os Estados Unidos reconheciam a independência da província. Podemos, então,
pensar a preocupação do periódico e seus editores em colocar Buenos Aires como
223 El Argos de Buenos Aires, n° 15, de 30 de julio 1822 224 DONGHI, 1979.
100
um dos espaços de experiência bem sucidido da revolução, com institucionalização
de ordem e reconhecimento internacional:
La ante-víspera del 25 llegaron las primeras notícias oficiales del reconocimiento de la independência. Este mayo en fin, ha dado al país una ley de olvido tras la cual se dice– En mayo de 810 se abrió la revolución, y se cerró en mayo de 822– – – – – – – – – A los 12 años.225
Números depois, o periódico reproduziria sobre o contexto americano, em um
sentido positivo, especificamente na edição supracitada. Nesta, em vez de “América”,
intitula-se “América de Todos”. Nessa publicação, El Argos reproduziria um extrato do
famoso discurso de John Quincy Adams, secretário de governo dos Estados Unidos
da América, no dia de comemoração da independência americana. O periódico aponta
com admiração tal discurso, enaltecendo seus pensamentos e eloquência.
[...] los sabios y protundos filosofos del mundo antiguo esos observadores de los nudos y aberraciones, esos descubridores del ether y de planetas invisilies quisiesen todavia pregutar que ha hecho la America par el bien del género humano, les responde remos que la América con lamisma voz, con que se proclamó nacion manifestó al mundo los derechos imprescriptibles del lotubre, y las bases verdaderas de gobierno. La América, en La asamblea de las naciones, desde que fue admitida eutle ellas, les ha extendido a todas lamano de la buena amistad, aunque alguns veres sin fruto; la de lalibertad y de la reciprocidad generosa. Aunque á veces no se le ha escuchado ú atendido, ella siempre há hablado por La libertad, por La justicia, y por a igualdad de derechos. Por el trans curso casi de medio siglo, ha respetado sin excepcion alguna, la independencia de las demas naciones al mismo tiempo de asegurar y mantener la suya. Se ha abstenido de mezclarse en los negocios de otros aun cuando las disputas que se versaban tocaban ácerca de principios que ella ama conmo à su sangre misma—En cualquiera parte donde hayan enarbolado, y en lo su cesivo enarbolasen, el estandarte de la libertad é independencia alli estarà su corazon, sus bendiciones, y sus votos. Pero ella no ha salido à fuera, en busca de monstuos que destruir. Ama la ¿"¿ la independencia detodos; “pelea solo endefensa de la suya propia. Ella recomendará la buena causa, por medio de supersuasion, y el benigno influjo de su ejemplo.226
El Argos tentaria utilizar um espaço de experiência de que era próprio da
América, isto é, as independências. Ao longo de suas publicações — ademais
considerando Buenos Aires como uma experiência já concretizada —, era possível,
naquele momento, analisarem os eventos ocorridos pelo restante da América. A
noção de que se vivia, na América, uma experiência americana era compatível com
todos os eventos que estavam se formando nessa porção, pois, para El Argos,
consequentemente para rivadavianos, essa vivência era necessária se evidenciada
como uma espécie de etapa.
225 El Argos de Buenos Aires, nº 37, 25 de abril 1822. 226 El Argos de Buenos Aires, (numero não visível), 2 de agosto, 1822.
101
Estados Unidos e Buenos Aires, assim, já estavam com etapas finalizadas de
progressos. Cabia-lhes, então, a missão pedagógica para o restante da América. Isso
exigia a construção de interpretações sobre as transformações desses cenários em
desenvolvimento, especialmente no preciso momento da ruptura política, como
veremos no próximo capítulo com sua interpertação sobre o Brasil.
É evidente que intepretações não pairam no ar, mas atendem aos interesses
de grupos em conflito na disputa pela construção da direção. E a historiografia sobre
o período é profícua na análise desses grupos e na identificação de seus membros,
como é o caso do grupo encabeçado por Bernardino Rivadavia, especialmente por se
tratar de um grupo que vivenciou e compartilhou a experiência independentista,
forjando uma espécie de perspectiva americana.
Essa elite dominante, por meio do periódico, usava das notícias sobre o
reconhecimento da independência e de um clima de progresso para acrescentar uma
vantagem de legitimidade aos seus oponentes — internos ou externos — e assim
justificava que Buenos Aires estava inserida nos projetos das luzes do século. Essa
narrativa sobre ser americano ganhava forte representatividade para a elite portenha.
Para o periódico, a superação e a exaltação da experiência revolucionária americana
permitiam aos editores da El Argos analisarem os eventos relacionados à agitação
política no Brasil:
Los mismos celos y animosidad que iguales causas produjeron en otras partes de la América, reinan con un calor notable en toda la extensión del Brasil: los brasileros y europeos que residen allí, solo se contienen por causa accidentales de no tratarse abiertamente como enemigos. El descontento general de todas las provincias del Brasil se habia aumentado especialmente. Un gran partido secreto y poderoso formaban los Masones, aunque en otras partes profesaban estos el no mezclarse en la política. En fin, ha llegado el dia de decir que desde el Cabo de San Roque hasta el Cabo de San Antonio lo mas tranquilo es Buenos Aires.227
Os prognósticos que destacavam a inevitabilidade de causas iguais a porções
americanas, posteriormente, fortaleceriam uma concepção progressista e a leitura da
um conjunto unitário a abarcar toda América em um ritmo acelerado de
transformações. No Brasil, dessa forma, a publicação de El Argos provocava a
necessidade de inclusão do Brasil naquele grande hemisfério ideológico.
A tônica geral da inevitabilidade da insastifação americana fazia parte de um
227 El Argos de Buenos Aires, nº 49, 4 de agosto de 1822.
102
quadro geral que se entendia como “história da liberdade” 228. É um tom marcado por
uma interpretação histórica fortemente política, na qual o resultado dos embates
depende fortemente do movimento das ideias e da ação dos governos. Em relação a
Buenos Aires, nada era mais sereno que eles para assegurar o clima pacífico, seguido
por sua interpretação a contextos externos americanos.
4.2 O Brasil no seio das Independências Americanas
El Argos de Buenos Aires resconstruiu os eventos que desencadearam a
independência do Brasil, os editores analisaram as notícias que chegavam do Brasil
como uma consequência natural das ideias do século. Porém, também as viam como
um processo revolucionário onde paixões, desordens e caos poderiam assumiram seu
papel de destaque, visto que etapas do processo revolucionário ainda estavam em
consoância. Dessa forma, agiam como se fossem detentores de uma interpretação
legítima sobre o contexto. Devido a isso, , perante a causa política do Brasil e da
experiência que Buenos Aires apresentava como vitoriosa, nas publicações do
periódico, foram apresentandos conselhos sobres os males a evitar em cada etapa
dos processos revolucionários. Além disso, se de um lado os editores apoiavam e
incentivam a independência do Brasil, por outro lado, tendiam a não gerar rejeição a
uma forma de governo monárquica, à qual daria continuidade o herdeiro do trono de
Portugual, porque creram no Brasil como uma nação livre que devolveria o território
usurpado pelos interesses europeus nas Províncias Unidas.
A partir dessa perspectiva, o El Argos reproduz uma longa sequência de
publicações que fazem referências ao Brasil ou a outros elementos da história
americana para afirmação de pontos de vista do periódico. Assim, essas publicações
mostram um diálogo entre as perspectivas que viemos aqui discutindo e aquelas que,
voltadas para a América como um todo, aproximavam o Brasil de uma etapa inevitável
oferecida pelo novo mundo. Produzem, assim, um único corpo que buscava interpretar
a lógica dos eventos recentes para abarcar toda a América no conjunto da civilização.
Nesse jogo político, para a elite dominante, nas publicações do periódico, o
228 PIMENTA, João Paulo. Portugueses, americanos, brasileiros: identidades políticas na crise do Antigo Regime luso-americano. Almanack braziliense, 3, 2006.
103
inimigo era quem se acreditava ter direitos legítimos de possuir a Banda Oriental: até
1822 era Portugal, mas isso foi modificado ao longo deste ano. Os protagonistas do
processo de independência brasileira foram: as Cortes de Lisboa (e suas decisões
sobre o Brasil), o príncipe governante (que, fracionado entre europeus e americanos,
entra apenas como um canalizador do descontentamento dos americanos) e a Grã-
Bretanha, que assume uma posição secundária. Mas uma figura girou no seio da
Independência como seu grande líder, José Bonifácio de Andrada e Silva, mas com o
tempo isso se tornará mais relevante para o trabalho229. Além disso, Bonifácio teria
um papel de destaque para a imprensa portenha.
Os eventos sobre a independência começaram a ser publicados em 1822,
passando por cada conjuntura em que o Brasil se inseria: em primeiro lugar, analisou
os Tribunais de Lisboa. Na publicação, a notícia viria a ser acompanhada de crítica,
pois começaram a “reunirse sin llegar a diputados americanos”, ou seja, os deputados
do Brasil, e tomavam decisões sem a presença de interesses americanos, apontando
que haveria certa subordinação dos governos provinciais do Brasil diretamente para
Portugal. Assim, El Argos interpretava que os deputados europeus queriam
determinada subordinação dos americanos a Portugal, essas ações eram percebidas
como a tentativa de Portugal de retornar o Brasil ao status de colônia. Para o
periódico, isso era um sentimento comum entre europeu x americano. O europeu
sempre queria levar vantagem sobre os gloriosos homens americanos230.
Se no cenário rivadaviano a intepretação sobre o Brasil começava a ganhar
tons no intuito de inseri-lo na lógica americana, no cenário do Reino Português, a
interpretação por parte de deputados brasileiros começa a ganhar contornos. Assim,
além de ponderadas críticas referentes ao Tribunal de Lisboa, uma das medidas que
mais desagradou-lhes foi a resolução que ordenou ao príncipe regente que voltasse
à sua metrópole no velho mundo. D. Pedro I agiu de acordo com as pressões que
ocorriam. O apoio que ele recebeu de várias regiões do Brasil, de elites regionais,
deram-lhe artifícios para enfrentar as decisões que vinham de Lisboa. Nestes
primeiros momentos de embates, não procuraram romper relações com Portugal; mas
buscaram uma organização capaz de ordenar o Brasil de forma autônoma, com leis
229 PIMENTA, João Paulo Garrido. O Brasil e a América espanhola (1808-1822). Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2004. 230 El Argos de Buenos Aires, [data e número não legíveis], fevereiro de 1822.
104
que pudessem priveligiá-los231. Por conseguinte a esse cenário, naqueles primeiros
meses de 1822, as proclamações do regente foram aclamadas pelo clima de que tudo
pudesse acertar-se sem maiores divergências entre Portugueses da Europa e os
portugueses da América.
Não obstante, à medida que avançavam as sessões nas Cortes, como
consequência das decisões tomadas em Lisboa— por exemplo, a abolição dos
tribunais superiores no Rio de Janerio—, os deputados brasileiros (vistos como
americanos) radicalizaram suas posições como consequência das decisões tomadas
em Lisboa232. El Argos, por sua vez, comentou sobre essa notícia, como se esses
fatos fossem uma espécie de previsão de algo que já estaria em rumo histórico.
Embora o período não pudesse prever o que aconteceria, a experiência das
revoluções americanas indicava a transcendência sobre o horizonte histórico:
Los anteriores documentos bastan í demostrar que el Brasil, junto con las demás partes de la monarquía portuguesa, ha entrado ya en estado de una perfecta convulsión, cuyos fines ninguna prudencia humana es capaz de pronosticas distintamente. Nosotros vemos los principios de ciertas cosas; y la experiencia nos puede indicar mas ó menos cuales serán los resultados. La edad presente ha sido tan fecunda en acontecimientos de esta clase, que muy escaso del talento de observacion debe ser aquel que no pueda anticipar las consecuencias. Se engañan mucho los que piensen hallar tranquilidad en el seno de una nacion que recien empieza á moverse, y á rclexionar sobre si misma. No es buena para habitar aquella casa que recien se está edificando. Tambien se engaña el principe si piensa que puede halagar las aspiraciones de sus subditos hasta un grado determinado, y hacerlas despues parar en el punto que á él le parezca. Sed constitucionales: no penseis en separacion, les dice á los habitantes del Janeyro. Sus facultades tienen limites, y él se las fija aun mas estrechas en el circulo que fija á las pretenciones del pueblo. Si le viesemos adoptar el idioma de un liberalismo extremado, y todavia lo reputariamos mas cerca del precipicio en que se encuentra; y con el título de egalité de que usaba el duque de Orleans, diriamos ya que su salud no tenia remedio. Siempre naufragará el saber humano en los proyectos que chocan con la naturaleza de las cosas; y en verdad que y muy ventajoso para los gobiernos que se han establecido en las Américas la liberdad.233
Em princípio, os editores do El Argos acolheram de bom grado o que para eles
contornava-se como o início da independência da colônia portuguesa na América. Na
defesa de seus posicionamentos, em diversos momentos, o periódico apelou à história
e a eventos contemporâneos como forma de embasar argumentos, solidificar posturas
distintas em momentos que exigiam certa maleabilidade conceitual, haja vista a
231 PIMENTA, 2004, p. 184. 232 Pimenta, 2004, p. 202. 233 El Argos de Buenos Aires, N° 10, 20 de fevereiro de 1822.
105
rapidez das transformações a exigir constantes reposicionamentos políticos. Nesses
apelos à interpretação do Brasil, progressivamente, ganham-se não só uma trajetória
própria da América, mas também uma interpretação geral da História Americana como
o desenvolvimento da liberdade em disputa contra o despotismo e a escravidão de
alguns países europeus. Esses percurssos provocam as mudanças e os eventos
marcantes desse desenvolvimento, ademais, são distinguidos pelo periódico como
forma de se pensar a inserção do Brasil nesse quadro mais geral de desenvolvimento.
As ideias de progresso e liberdade americana são centrais.
É interessante notar a intepretação do periódico como uma parte de um mesmo
processo a ser concretizado na América. Isto é, se ele previa que possíveis embates
aconteceriam, a liberdade americana não era um fator de possibilidade, era como se
fosse quase um processo certo que estava sendo aguardado por todo um continente.
O processo de Independência do Brasil, inserido na lógica mais ampla da Crise do
Antigo Sistema Colonial e da Era das Revoluções, fez parte daquilo que David
Armitage chamou de “epidemia de soberania”, que teria sido, na visão de Armitage,
desencadeada especialmente após a Revolução Americana, em 1776. Nesse sentido,
a proliferação de Estados nascidos dos antigos Impérios significava a transição da
sujeição para a independência, simultaneamente, seria indicativo de sintomas e
diagnósticos dessa epidemia nos dois séculos seguintes à independência das treze
colônias234.
Essa crise aparecia não como resultado direto de um declínio, mas de
processos que acometiam Europa e América em um movimento amplo e integrado. A
Revolução Americana inaugura a era das emancipações na América; a Revolução
Francesa produzia a crise derradeira do Antigo Regime; a Revolução Haitiana
esticava, ao máximo, os limites das novas realidades que se constituiriam ao produzir
impactos objetivos e subjetivos nas sociedades do século XIX.
Contudo, há ainda o que ser explicado. Ocorre não acharmos em nenhuma
publicação do periódico a referência ou a intepretação de nenhum tipo de animosidade
em seus escritos em rejeição à forma monárquica no momento do processo
independentista. Isto é, não houve, por parte do periódico portenho, nenhum rumor de
que a independência estaria sob a fórmula de uma monarquia ou de uma república.
234 ARMITAGE, David. Declaração de Independência: Uma História Global. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 89-90.
106
Nesse emblemático viés, o Brasil estava caminhando para a liberdade como todas as
nações americanas, de maneira “natural” da América. Em contrapartida, pouco
importava se sua forma era monárquica ou republicana.
Habiendo llegado al punto en que se halla igual en hecho y en derecho á todas las naciones existentes, y queriendo vivir amigablemente con todos los pueblos, la América solo debe hacerse reconocer por la gran familia de que es parte y á la cual su asociación no presentar grandes ventajas. el gobierno americano es libre.235
O que acabamos de expor deve ser considerado por conta de possíveis três
razões que percebemos ao longo das publicações do ano de 1822 no periódico: a
primeira é que deve ser levado em consideração que para o El Argos e a elite
portenha, a forma do Império do Brasil estava em treinamento, ou seja, não poderia
ser visto como um projeto consolidado totalmente. A segunda é que o Brasil não era
a única região americana que se tornou independente sob um regime imperial. No
México, o projeto imperial de Iturbide ainda estava sobrevivendo. A terceira gira em
torno de José Bonifácio como detentor do espírito americano no Brasil. Então, por
volta de 1822, não ficou claro que o novo mundo deveria ser estabelecido como
regimes republicanos e que esta deveria ser a regra com a qual se identificava sua
independência. Portanto, independentemente dos elementos que compunham suas
concepções de Brasil e de império, não houve, em 1822, uma oposição entre Buenos
Aires e Brasil baseada em seu regime político, nem muito menos críticas à forma
monárquica do cenário do Brasil. Pelo contrário, a lógica inserida é a de que
compartilharam dessa experiência histórica de liberdade.
A causa natural americana estaria em percurso. O Brasil está, nesse momento,
próximo de introduzir-se no grande momento das luzes. El Argos, vendo isso de
maneira positiva, passa, em 1822, cada vez mais a publicar sobre os desdobramentos
do Brasil. Cremos em uma relação dúbia para esse entendimento: vimos,
anteriormente, que El Argos interpreta que o processo independista requer estágios,
nos quais se estabelecem uma forma de desordem. No caso do Brasil, não seria
diferente. Contudo, a Sociedad Literaria que, nesse ano, estaria responsável pelas
publicações do periódico, estabeleceu uma série de elogios referentes a Bonifácio no
palco desse grande processo. Ora, ao mesmo tempo em que vê o Brasil como uma
possível desordem, vê na figura de Bonifácio a grande preciosidade do Brasil. Mais
235 El Argos de Buenos Aires, nº 15, 1 de março de 1822.
107
uma vez, ela nos mostra que, mais do que o tipo de governo era importante na
América, tornava-se crucial ter homens com espírito americano. Em uma publicação,
isso ficou bem evidente:
BRASIL—Cartas del Rio Janeiro aseguran sin reserva que el partido por separar enteramente el Brasil de la Madre Patria se habia engrosado tanto que ya no se toma el trabajo de disiumular, sus intenciones. Segun relaciones el repullicanismo no forma parte de su objeto, que es la ereccion de una monarquía bajo el cetro independiente del Príncipe Real, quien se afirma no tiene repugnancia para asumir la soberanía. Si este pensamiento fue cierto, al menos no se ha verificado. Por decreto nombrado el Príncipe Regente al consejero José Bonifácio de Andrade y Silva para secretario de Estado de los negocios del reino y extrangeros, uma perfecta elección para el espíritu americano. Un hombre constante en sus principios, y firme y sincero, asegurará la gloria y estabilidad de aquel trono que tan noblemente do llamado por V. M. el protector de la libertad pública.236
A publicação não poderia ser mais direta. Estava claro que houve certa
animosidade em relação a José Bonifácio. Além disso, a figura de D. Pedro era poucas
vezes citada como primordial, não que isso não ocorresse, mas a grande novidade
girava em torno da figura desse homem que asseguraria a glória e a estabilidade do
trono.
Na publicação seguinte, ocorria certa raridade: durante todo ano de 1822, era
raro ver a Sociedad Literaria publicando com seu nome nas páginas. Essas ocorriam
quando correpondências chegavam aos membros da Sociedad e, com entusiamos,
publicaram sobre os assuntos que estavam interpretando. Na publicação de março de
1822, a Sociedad Literaria diria que detinha uma boa notícia com um título de grandes
felicidades para Bonifácio:
La Sociedade Literária tiene en su poder una nuy buena con una carta a el José Bonifácio de Andrade. Muchos motivos de complacencia ha ofrecido esto acto luminoso á lo amigo del pais, y de él esperan justamente grandes y multiplicados beneficios. Ellos los descubrirá el tiempo sim duda, asi como este sabrá avalorar los esfuerzos de los que salvando barreras difíciles de superar, no ban parado hasta erigir de firme este gran templo á la sabiduría en la América. Los miembros de la Sociedad Literaria de Buenos Aires, que se han congratulado por él á la par de los amigos del pais, han tenido en este respetable dia un doble motivo para bendecirlo y para tributarle el reconocimjento mas puro. Desde él es que marcan la era de su existência.237
Era claro que a figura de Bonifácio causava uma comoção positiva no periódico
El Argos de Buenos Aires, especialmente aos membros da Sociedad Literaria. Não
conseguimos encontrar essa carta. Contudo, El Argos se mostra bem à vontade em
reproduzi-la para os leitores portenhos. Isso nos leva a interpretar que a figura de José
236 El Argos de Buenos Aires, [numero ilegível], 9 março de 1822. 237 El Argos de Buenos Aires, nº 18, 24 de março de 1822.
108
Bonifácio, para a elite rivadaviana, além de toda narrativa sobre ser americano, é uma
espécie de freio para uma possível guerra entre os dois territórios. Em decorrência
disso, Bonifácio seria o ápice do Governo brasileiro que estava florencendo no novo
mundo. Não se trata, obviamente, de reduzir o processo revolucionário à figura de
Bonifácio. Trata-se, sim, de inseri-lo como uma figura com ideais modernos do novo
mundo em oposição ao velho.
Em outra publicação no periódico El Argos, aparece um rumor sobre a
separação entre Brasil e Portugal: mais uma vez, o periódico tensionaria a briga entre
americanos versus europeus.
Nada es mas comun entre los oficiales europeos que el llamar ignorantes, bajos, indecentes á los oficiales y jefes de América; y el huir constantemente de alternar con ellos en sociedades públicas y privadas. [...] esto es lo que saben los americanos.238
Nesse cenário marcado por interpretações sobre liberdade e despotismo, não
é sem ponderação que essas associações espalham-se sobre as páginas do
periódico. O jogo de associação e críticas entre Brasil e Portugal era complexo demais
para reduzir-se ao dualismo “colônia” x “metrópole”. Era necessário manter a narrativa
sobre o caráter positivo da separação, sem, contudo, misturá-la às críticas mais
genéricas, feitas a Portugal, nem às específicas, dirigidas às Cortes.
Não obstante toda essa narrativa de americano, fato é que El Argos de Buenos
Aires reproduziu, ao longo de 1822, uma série de interpretações sobre o contexto
brasileiro como uma espécie de empoderamento a essas causas. Como se estivesse
ajudando na construção dessa possível nova nação:
Siendo odioso à Portugal el estado de colonia, piede por ventura ser agradable al Brasil ? El brasilero en la esfera de inteligencia en que se halla, conoce sus derrechos, y no ignora las razones que lo sostienen para no dejarse alucinar (en el caso siempre negado que Portugal lo intentase) con un nombre vano (l), con una voz sin sentido, con el título de Reino dado al Pais que habita, cuando este se viere realmente reducido al estado de co lonia. La justicia era administrada desde el Brasil á pueblos fieles de la Europa, esto es desde la distancia de dos mil leguas, con excesivos gastos y demoras, y cuando lapa ciencia de los vasallos estaba ya fatigada y exhausta con fastidiosas y tal vez inicuas formalidades. Hallandose establecido que Portugal es el centro de la monarquía, y residencia del poder, ¿acaso será la justicia administrada al Brasil desde mas corta distancia ? Si Portugal con todos los Tribunales en egercicio, con una Regencia de amplísimos poderes, tan amargamente se queja, ¿cuanta mayor razon tendrán de lamentarse no digo los habitantes de las provincias marítimas del Brasil, sino los infelices que viven en las extremidades de este reino, se parados cientos de leguas de los puertos de mar, y por obstáculos de la naturaleza misma, que igualan, ó tal vez son mayores que el Océano ? Muchas veces se desviaron de los ojos y la atencines del rey al arbitrio de los ministros y validos, las
238 El Argos de Buenos Aires, nº 21, 3 de abril de 1822.
109
representaciones que se dirigian al trono, y que no podian ser al menos acompañadas de las importunidades y la grimas de los pretendientes.” Quiero suponer que la constitucion no es obra de hombres, sino de inteligencias angelicas: en cuanto su egecucion esté cometida á los primeros, aparecerá siempre la distribucion de justicia con los visos de nuestra flaqueza. La malicia, excitando las pasiones de los ministros, sabrá lisougear la vanidad de algunos, y dar pasto á las venganzas, venalidad, y concupisencia de los otros.239
A interpretação invertia a presunção que se tornava dominante no seio das
leituras do velho mundo: se Portugal se entendia como ser rebaixado a uma espécie
de decadência perante todo o contexto, a “invesão colonial” produzia a narrativa de
que isso já não fosse possível para os brasileiros. Toda essa narrativa direcionava-se
à avaliação sobre o estado de adiantamento do Brasil a um nível que, com as luzes
do século, projetava-se para o futuro. Conhecendo bem seus direitos, afirmam os
redatores, o Brasil não cairia no jogo de ser somente parte do “Reino” se, na prática,
se visse reduzido de fato “ao estado de colônia” 240. Ninguém poderia negar a qualquer
nação e à constituição liberal o direito que se tinha, tampouco poderia a Europa negar
ao Brasil suas luzes e socorros para os fins de liberdade. O desejo de manutenção
dos laços, os benefícios advindos do adiantamento do Brasil, antes favoráveis tanto
ao Velho Reino quanto ao Novo, agora seriam direcionados exclusivamente ao
segundo.
É a partir da edição de junho de 1822 que podemos observar a transformação
com mais clareza da exaltação do Brasil no seio de uma narrativa americana por meio
do periódico. O El Argos de Buenos Aires publica então extratos, associando o
momento do Brasil como parte de uma América que sofreu perseguição e despostimo
da Europa, indicando essa mudança de postura referente ao Brasil. Diz-se que olham
para a questão entre Portugal e Brasil como uma briga entre liberdade e despostimo,
considerando que os desejos de uma separação eram de todos os americanos e que
ele devesse ter lugar pela ordem das coisas241. Além disso, o períodico, mais uma
vez, assecevera que, em Portugal, não se deve haver quem pensasse em desunião,
já que a união seria benéfica especialmente para o país europeu, assim como
aconteceu com os espanhóis europeus. Mas dizem que se enganaram e que, dessa
forma, melhor seria se Portugal já declarasse o Brasil independente de uma vez, para
não causar um processo revolucionário que deixasse marcas na América
239 El Argos de Buenos Aires, nº 23, 10 de abril de 1822. 240 El Argos de Buenos Aires, nº 46, 4 junho de 1822. 241 El Argos de Buenos Aires, nº 46, 4 junho de 1822.
110
Espanhola242.
Aparentemente, era tarde demais para pensar o Brasil, mesmo com uma
possível monarquia como uma extensão europeia. A necessidade de inserir o Brasil
no seio americano cada vez mais ficava evidente. Na publicação de julho, El Argos
traduziria e publicaria uma carta entre José Bonifácio e D. Lucas José Obes no dia 22
de maio de 1822. D. Lucas José Obes foi um político e advogado que participou da
administração de Carlos Fredico Lecor, chefe das forças lusitanas na Banda Oriental.
No cenário da emancipação do Brasil, Lucas Obes demonstrou fidelidade a D. Pedro
I, defendendo a sua permanência no território brasilerio.
Além disso, Obes teria contato direto com Nuñes e Rivadavia, tendo participado
deiretamente da Revolução de maio e do espaço de experiência da elite
rivadaviana243.
Ilustrísimo y exemo, señor. - La provincía cisplatina me ordena, que felicite á S. A. R. el príncipe regente por la magnánima resolucion de permanecer entre estos sus amados pueblos del Brasil, y preservarlos de los males que sin duda les habís reservado la política europea; para completar la segunda década de una guerra desoladora: juzgue V. E. cual será mo satisfaccion en desempeñar un deber tan honroso por los testimonios ya notorios de mi profundo respeto, y sincera adhesion al muy augusto príncipe regente defensor del Brasil: y cuanto á los sentimientos del estado cisplatino no dude V. E. asegurar, cuando S. A. R. asi lo requiera, que son los de un pueblo, agradecido, generoso, consecuente, y resuelto á pagar con lo mas estimable de su exístencia lo que nunca tuvo precio para los hijos de la América: libertad é independência. - Dios guarde á V. E. muchos años.244
A correspondência nas mãos da Sociedade Literária não nos deixa claro como
se chegou até a mesma, se sua cópia, ou mesmo a original, foi encaminhada por
Bonifácio ou por Obes. Contudo, fica claro que haveria um vínculo e que não se
importaria em demonstrar o mesmo. Tratando-se da publicação, a marcha americana
era a marcha inevitável da liberdade x despotismo, patente na lógica histórica das
revoluções do século XIX, como visto anteriormente. O Brasil inseria-se agora
plenamente nessa marcha, não mais como parte da unidade portuguesa, mas como
singularidade que se desenhava junto às irmãs da América. Mais uma vez, o tipo de
governo pouco importava. Não existe menção negativa pelo periódico e pela elite
portenha sobre a monarquia. O que importava é a inserção do Brasil nessa marcha,
capitaneada pelos Estados Unidos e inserida no caldeirão das ex-colônias
espanholas. A marcha da liberdade do Brasil deixava de produzir e caminhar junto a
242 El Argos de Buenos Aires, nº 46, 4 de junho de 1822. 243 DONGHI, 1929, p. 202. 244 El Argos de Buenos Aires, nº 52, 17 de julho de 1822.
111
Portugal para traçar sua direção de forma autônoma. A opinião pública de Buenos
Aires se encarregaria de dar sustentação a essa interpretação.
As transformações do cenário aceleravam-se e a narrativa seguia essa
sensação. Nas interpretações dos redatores do El Argos, de 1822, já se indicava a
sensação independentista, misturando-se elementos políticos para abranger a
inserção do Brasil nesse cenário. Contudo, essa marcha não acontecia de modo
homogêneo, mas ganhava ritmos distintos de acordo com o espaço onde era
produzida. Assim, a América passava por mudanças próprias de si.
Duas transformações eram produzidas e colocavam o Brasil no seio da
dinâmica americana, para essa sensação pronunciada de “liberdade é
independência”. Em primeiro lugar, dá-se quanto ao estado do Brasil. Se, por um lado,
a importância da lógica histórica do El Argos, que tornava inevitável a emancipação
americana, acertava-se, por outro, a própria acusação de que a etapa do processo
revolucionário ainda não estava acabada em si, o que não constituiria um mal
insuperável para o jovem Brasil. Mas tudo isso não era só um aspecto negativo, pelo
contrário: poderia ser uma vantagem comparativa. Caberia ao El Argos mostrar,
pedagogicamente, como esse período poderia ser vivido a partir da experiência que o
contexto portenho vivia e viveu. Ou seja, eles, enquanto detendores desse processo
já experenciado, poderiam ensinar o jovem Brasil em seu caminhar, valorizando a
ideia de que o país, apesar de estar no rumo certo, ainda necessitava de ajuda no seu
percurso. Em segundo lugar, conforme indicava evidenciar-se, existia uma
necessidade americana de ser livre em relação ao despostimo, fruto dos europeus
contra a enxurrada das luzes do século. Essa necessidade ganha contorno
especialmente na América.
A necessidade de o Brasil se ver como América ganha cada vez mais
destaque. Por ora, em sua interpretação, El Argos aponta que vê esse sentimento
americano com certa difilcudade. Apesar de a independência ser quase certa, o Brasil
ainda teria certos dilemas para entender-se nesse seio americano.
BRASIL. Sugetos respetables en Buenos-Ayres han recibido en estos dias cartas con el anuncio de que D. Pedro el infante que quedó con el gobierno provisorio en clase de lugar teniente del rey al retirarse S. M. F. para Europa, debia coronarse en el Brasil con independência de su padre. Los corresponsales dEl Argos no se han dignado aun comunicar los detalles de este suceso tan previsto por muchos en Buenos-Ayres, pero tan distantes de calcularlo tan inmediato. Por lo mismo es aventurado todo juicio. [...] Establecida ya la independência de D. Juan, se calcula que ninguna consideracion se interpondrà para establecerla de D. Pedro; y resultado una corriendo los demas riesgos llegará a ser libre totalmente la Amèrica
112
portuguesa. Como la dificultad de los hombres para no uniformarse con el sentinmiento de América; en el avance para tocarse de la cenflagracion universal.245
O jogo narrativo ao longo desse processo de ruptura política com Portugal não
se baseava somente em inserir o Brasil na América: tal jogo constituía somente um
primeiro passo, mas estava longe de esgotar o que era necessário. Criado
determinado consenso ao redor da ideia de emancipação e separação política, o
passo seguinte consistiria na produção do novo Estado Nacional, incluindo seu
arcabouço simbólico de sentimento americano por parte dos brasileiros. Como já dito,
pouco importa para eles a forma de governo na conjuntura americana. Era “distante
de ser calculado tão imeditado”, o que importava, nesse momento, era apenas em
inserir o Brasil no seio independentista americano.
Isso nos leva à interpretação de que nessa produção de simbolismo, os
acontecimentos no restante da América permitem articular um “espaço de experiência
revolucionário moderno”, a incluir a América Portuguesa, como João Paulo Pimenta
articulou. Isso quer dizer que, para Pimenta, a experiência hispano-americana
contribuiu para que seus revolucionários, pela sua relevância, em termos de efeitos,
pudessem interpretar e até mesmo opinar sobre o “processo político do qual resultou
a independência da América portuguesa e a subseqüente formação do Estado
nacional brasileiro”. Essa interpretação tinha um significado especial em relação aos
acontecimentos passados, os quais haviam vivenciado e “que ainda se faziam
presentes‟ no mundo português. Assim, um espaço de experiência americano haveria
ser formado, no sentido de Koselleck, que indicava uma manifestação singular no
conjunto de uma realidade comum que abarcava os séculos XVIII e XIX246. Nesse
sentido, a questão é que os agentes da construção narrativa do período da
Independência do Brasil, no caso El Argos, enxergavam as relações da América
portuguesa com o restante do continente em transformação. O encaixe da América, e
agora o Brasil, na narrativa de história da liberdade era a palavra chave de progresso
americano e a elite rivadaviana, juntamento com Bernardino Rivadavia, estaria
pedagogicamente ápta a ensinar o progresso.
245 El Argos de Buenos Aires, s/n, 26 de setembro de 1822. 246 PIMENTA, João Paulo Garrido. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c.1780-c.1830). Tese de livre docência. São Paulo: USP, 2012, p. 57.
113
4.3 Uma futura irmandade: Bonifácio e os rivadavianos
O ano de 1822 ficaria marcado para o novo mundo com um novo Estado
Independente e, juntamente com esse evento, José Bonifácio de Andrada e Silva
passou a ser um dos homens mais aclamados e respeitados em todo continente
americano247. Antes, porém, traçaremos uma síntese cronológica de alguns eventos
importantes.
Em janeiro de 1822, poucos dias após D. Pedro I ter anunciado que não voltaria a
Portugal – o “Dia do Fico” –, José Bonifácio, em companhia de outros representantes da
Junta provisória de São Paulo, desembarcam no Rio para conversar com o príncipe
regente. A delegação entregou a ele uma representação da Junta estimulando D. Pedro I
a desobedecer às ordens da Corte. Líder da comitiva paulista, Bonifácio discursa e
D.Pedro I o convida para o cargo de destaque de ministro do Reino e Negócios
Exteriores, indicando “sua disposição de se aliar à elite local na defesa de um governo
autônomo dirigido por ele na América” 248. José Bonifácio de Andrada e Silva assume e,
assim, passa a ter um papel central nos acontecimentos que estarão por vir.
Após a nomeação de Bonifácio como ministro, gradativamente é desenvolvido
o projeto de emancipação brasileira. Contudo, apesar de os deputados brasileiros
ainda participarem das Cortes em Lisboa e não haver uma declaração formal de
ruptura, o governo do Brasil passa a assumir uma postura autônoma. Em maio de
1822, Bonifácio, enquanto ministro, nomeia um substituto brasileiro para embaixador
português em Buenos Aires, ato esse que deveria ser de responsabilidade de e
cabível a Portugal. Isso demonstra que José Bonifácio chama para o Brasil a
autoridade dessa responsabilidade e inicia suas articulações para o estabelecimento
de uma política externa brasileira que defendesse os interesses econômicos e
políticos do país249. Bonifácio, dessa forma, abriria um espaço diplomático para
angariar apoio ao reconhecimento da independência, assim que estivesse
247 ROSSI, Fernanda da Silva Rodrigues. Planejando Estados, construindo nações: os projetos políticos de Francisco de Miranda, Bernardo Monteagudo e José Bonifácio. 2013. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. 248 DOLHNIKOFF, Miriam. José Bonifácio de Andrada e Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 132. 249 João Alfredo dos Anjos analisa toda a política externa de Bonifácio. Seu trabalho defende uma série de interpretações sobre a figura do Chanceler no estabelecimento das primeiras relações. ANJOS, João Alfredo dos. José Bonifácio, primeiro Chanceler do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.
114
concretizada.
Paralelamente a todo esse cenário diplomático externo, o ministro também
busca equilibrar os conflitos internos, reunindo forças em torno do governo para que
o projeto lograsse. Seu objetivo era manter a unidade do território correspondente à
colônia portuguesa na América, sob um Executivo forte, encabeçado por D. Pedro I
como o príncipe vigente. Esse desejo gerou grandes divergências entre as capitanias,
disputas locais de poder e conflitos entre diversas facções políticas. Após negociões
internas, que envolveriam até mesmo disputas dentro da maçonaria250, a
determinação e a instauração de uma Assembleia Constituinte para o Brasil foi
convocada em junho de 1822.
No dia 6 de agosto do ano vigente, D. Pedro I publica um “manifesto às nações
amigas”, cuja autoria era de José Bonifácio. O manisfesto foi, praticamente, uma
declaração de que a independência brasileira estava mais que evidente. O dia 7 de
setembro de 1822 ficaria conhecido como o famoso “grito do Ipiranga”. A proclamação
da Independência finalmente aconteceria. No dia 12 de outrubro do mesmo ano, D.
Pedro I era aclamado Imperador Constitucional e Defensor do Brasil. A forma
monárquica haveria de ser uma “escolha política” da elite coimbrã, como bem analisa
José Murilo de Carvalho251.
O ano de 1822 também seria o ano marcado pelas relações entre Brasil e
Buenos Aires. Em Buenos Aires, após os conflitantes embates entre Santa Fé e Entre
Ríos, em 1820, o Governo do General Martín Rodríguez mostraria certa instabilidade
com um período de paz e desenvolvimento. Rodríguez, que participou ativamente da
luta contra a invasão inglesa, em 1806-1807, foi considerado na historiografia como
um conciliador. Parafraseando Nicolas Shumway, Rodríguez foi, à frente do Governo
de Buenos Aires, um governador meramente titular de funções que na realidade não
teve o prestígio. A “alma” e a grande “figura” do seu Gabinete foi o Ministro de Governo
e, para as Relações Exteriores, Bernardino Rivadavia, que participou juntamente com
250 Leslie Bethell afirma que o conflito entre José Bonifácio e alguns políticos da época, entre eles Joaquim Alves Ledo, converteu-se em uma disputa entre as lojas maçônicas do Apostolado e do Grande Oriente pela influência sobre o príncipe. BETHELL, Leslie. A independência do Brasil. In: (org.). História da América Latina: da Independência até 1870. v. 3. São Paulo: Edusp, Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004, p. 218. Sobre o papel da maçonaria no momento da independência do Brasil, Cf.: DOLHNIKOFF, 2012; BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e Independência do Brasil (1790- 1822). Juiz de Fora: Ed. da UFJF; São Paulo: Annablume, 2006 251 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.
115
Rodríguez na resistência à invasão britânica, considerado como um liberal que flertava
com a solução monárquica para as ex-colônias sul-americanas. Como já dito
anteriormente, no governo que ficou conhecido como “la feliz experiencia”, buscaram
ambos a consolidação e o restabelecimento da elite portenha nos projetos e na cena
política platina. Bernardino Rivadavia, considerado um ministro todo-poderoso e
exemplo de governante ilustrado, foi o responsável pelo resgate e organização interna
de Buenos Aires252.
Já no Brasil, após as primeiras medidas de política interna, José Bonifácio inicia,
pelo Prata em 1822, a ação externa convocando Antônio Manuel Corrêa da Câmara para
representar o país em Buenos Aires. Corrêa da Câmara marcaria sua passagem em
Buenos Aires com relações diretas com Bernardino Rivadavia. Em cartas a Bonifácio,
o enaltecimento à figura rivadaviana era recorrente. Em sua carta, avaliou Rivadavia
como um político “prudente”, que muito sofria com os insultos e intrigas dos federalistas
provinciais, que chamou de “República de loucos” 253
.
Já mencionamos que Bonifácio nomearia, em 1822, um substituto brasileiro do
governo em Buenos Aires. Isso ocorre porque o representante nomeado por D. João VI
no dia 28 de julho de 1821, João Manuel de Figueiredo, veio a falecer subitamente
menos de um mês depois da sua nomeação. Figueiredo levava consigo instruções de
D. João VI, de 16 de abril, para reconhecer o Governo portenho e propor como solução
para a questão da Cisplatina a realização de “Cortes gerais de todo o território oriental”,
a fim de decidir sua sorte, governando-se com independência de todo outro governo ou
submetidos ao que considerassem mais conveniente.
A política joanina é considerada para o Prata, em particular, e para a América
espanhola, em geral, como de aproximação254, especialmente após a instalação da Corte
no Rio na consolidação dos movimentos de independência. O Governo do Rio discutia
o modo como deveria lidar com o movimento de independência das colônias espanholas.
Argumentou-se que a sua independência não era motivo para a hostilidade do Brasil,
“pelo contrário [...] os aliados natos do Brasil hão de ser sempre os Americanos do Sul
e mesmo os do Norte”.255 E até surgiu, à época, uma espécie de idéia de formação de
252 SHUMWAY, 2008, p. 85- 87. 253HEITOR, Lyra. Corrêa da Câmara no Prata. In: Arquivo Diplomático de Independência, volume V, p. V. 254 PIMENTA, 2012. 255 PIMENTA, João Paulo Garrido. Portugueses, americanos, brasileiros: identidades políticas na crise do Antigo Regime luso-americano. Almanack braziliense, n. 3, p. 69-80, 2006, p. 77.
116
uma
Liga Americana [...] composta dos Estados Unidos, do Reino ou Estado independente do México, do Brasil, do Reino Americano Meridional e de outros Estados soberanos, porém menores, conforme convier à vista da Carta geográfica, a que devem ser os interpostos dos Reinos, e Estados maiores.256
Após a ida de D. João para a Europa, a missão dada a Corrêa da Câmara, por
sua vez, foi em outros moldes. Bonifácio, ao indicá-lo para representar o Brasil em
Buenos Aires, instruíra-o a manter a sua posição mesmo se encontrasse aí o novo
representante de Portugal, já que iria para região platina enquanto condição de
representante do Reino do Brasil.
O Decreto de nomeação de Corrêa da Câmara, de 24 de maio de 1822, estava
entre os primeiros assinados por Bonifácio após a separação das Secretarias dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra. No Decreto, indicava-se que a nomeação era feita
em relação à assistência de “sucessivas e fervorosas representações dos
Negociantes desta Praça do Rio de Janeiro”, pois se alegava que não estava, desde a
morte de João Manuel de Figueiredo, quem os representasse no porto de Buenos Aires,
sendo obrigados a “confiarem as suas reclamações e negócios a estrangeiros” 257.
No dia 25 de maio, Bonifácio dirigia carta a Carlos Frederico Lecor, Barão da Laguna.
Na carta, ele informa acerca da missão de Corrêa da Câmara e destaca a necessidade
de defesa dos interesses comerciais dos “súditos” em Buenos Aires. A carta credencial
de Corrêa da Câmara seria válida não apenas para Buenos Aires, mas também para
“qualquer limítrofe” 258.
Diante de sua missão, Câmara dirigiu a Bonifácio uma carta, de 28 de maio, com
“quesitos” ou dúvidas sobre os procedimentos a adotar, caso a Corte Portguesa
questionasse sua missão. Bonifácio lhe respondeu de maneira direta, no dia 30 de maio,
que, caso se apresentasse em Buenos Aires um Cônsul português, Corrêa da Câmara
deveria manter-se no exercício de suas funções na qualidade de “Cônsul para o Reino do
Brasil”. Asseverara, também, que poderia enviar ao Rio alguma “folha extraordinária do
periódico rivadaviano ou outro qualquer impresso importante”, com as despesas por
conta do Tesouro e que receberia os periódicos do Rio e de Lisboa, “quando os houver”
256 Arquivo Histórico do Itamaraty, Documentos avulsos, apud PIMENTA, João Paulo Garrido. Portugueses, americanos, brasileiros: identidades políticas na crise do Antigo Regime luso-americano. Almanack braziliense, n. 3, p. 69-80, 2006, p. 77. 257 BRASIL, MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Arquivo Diplomático da Independência. 6 vols. Rio de Janeiro, Fluminense, 1922-1925, volume V, p. 233. 258 Arquivo Diplomático da Independência, volume V, p. 233.
117
.259
Na carta de 30 de maio, Câmara recebia as instruções para sua missão a
Buenos Aires e “mais Partes adjacentes”. Deveria ele apresentar-se em Buenos Aires
ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, “o patriota”, Bernardino Rivadavia, tornando
público que sua missão era preencher o lugar de Cônsul, “vago pelo óbito de João
Manuel de Figueiredo”. Assim, promoviam-se os interesses “do nosso país”. Além
disso, deveria-se comunicar a Rivadavia que, ainda se quisessem, deveriam reiterar
o interesse do Príncipe em receber, no Rio de Janeiro, o Cônsul que representasse
os interesses de Buenos Aires, estabelecendo-se assim plena reciprocidade no
tratamento político. Não sem dúvida, mais do que comercial, o interesse da missão
dada a Corrêa da Câmara era político260. Bonifácio instruía Corrêa a aproximar-se “por
meios indiretos” do Governo de Buenos Aires. O representante brasileiro deveria
“exaltar” as qualidades e o potencial do Brasil, seja do ponto de vista econômico, seja
do ponto de vista político, uma vez que teria “preponderância” entre os demais
Estados da América. Na correspondência entre os dois, Bonifácio fazia uma instrução
clara de aproximação:
[...] V. Mce. não se esquecerá de exaltar em suas conversações a grandeza e recursos do Brasil, o interesse que as nações comerciantes da Europa têm em apoiá-lo, e a preponderância de [sic] que ele vai jogar sobre os outros Estados da América, sendo por isso de muita conveniência aos povos limítrofes o obterem a sua poderosa aliança.261 V. Mce. lhes demonstrará que é um impossível ser o Brasil recolonizado, mas se fora crível que se visse retalhado por internas divisões, este exemplo seria fatal ao resto da América e os outros Estados que a compõem se arrependeriam debalde por não o terem coadjuvado, porém que uma vez consolidada a reunião e independência do Brasil, então a Europa perderá, de uma vez, toda a esperança de restabelecer o antigo domínio sobre as suas colônias. Depois que V. Mce. [os] tiver habilmente persuadido que os interesses deste reino são os mesmos que os dos outros Estados deste hemisfério e da parte que eles devem tomar nos nossos destinos, lhes prometerá, da parte de S. A. R., o reconhecimento solene da independência política desses governos e lhes exporá as utilidades incalculáveis que podem resultar de fazerem uma confederação ou tratado ofensivo e defensivo com o Brasil, para se oporem, com os outros governos da América espanhola, aos cerebrinos manejos da política européia; demonstrando-lhes finalmente que nenhum desses governos poderá ganhar amigo mais leal e pronto do que o governo brasiliense; além das grandes vantagens que lhes há de provir das relações comerciais que poderão ter reciprocamente com este reino. Será um ponto preliminar, e principal, o alcançar a boa vontade, o dissipar as desconfianças que podiam haver sobre a boa-fé deste governo, o que será fácil conseguir, fazendo ver que, na porfiosa luta em que o Brasil se acha empenhado, não pode este deixar de fraternizar-se sinceramente com os seus vizinhos. V. Mce. terá muita vigilância em perceber se as suas aberturas
259 Arquivo Diplomático da Independência, volume V, p. 234- 235. 260 Arquivo Diplomático da Independência, volume V, p. 234. 261 Arquivo Diplomático da Independência, v. V, p. 238-240.
118
e proposições são acolhidas com interesse, ou se esse governo evita contrair empenhos, usando de contemporizações e promessas vagas; e para de algum modo os ligar, fará todos os possíveis esforços para que esses governos mandem para o Rio de Janeiro os seus agentes, para que a amizade mais se consolide, dando-lhes a entender que este passo será logo retribuído da parte de S. A. R., que só por isto espera para dar toda a latitude aos seus projetos liberais.262
Câmara devia fazer ver a Buenos Aires que aquele era o momento de apoiar o
Brasil, pois, uma vez “consolidada a sua Reunião e Independência”, a Europa
naturalmente entenderia ser impossível restabelecer seu domínio colonial e de
recolonização sobre ele e sobre as demais colônias americanas. Vencia-se primeira
etapa da missão, isto é, convencer os seus interlocutores de que os interesses do
Brasil são os mesmos dos demais Estados deste hemisfério.
O que nos cabe, por ora, é a interpretação da aproximação que Bonifácio
buscava com o governo de Buenos Aires. Além disso, Bonifácio, não sem hesitações,
inseria a narrativa de que as nações americanas estavam em uma mesma
temporariedade. As citações das cartas nos mostram que o ministro tinha plena
consciência de que a proposta apenas encontraria credibilidade se fossem superadas
as “desconfianças” em relação ao Governo brasileiro no continente americano.
Isso era mesmo o que argumentava o ministro a Corrêa da Câmara,
recomendando que ele fizesse Rivadavia ver que um país como o Brasil, que se
empenhava em “porfiosa” luta pela Independência, não poderia deixar de “fraternizar-
se” com seus “vizinhos continentais”. A delicadeza da missão atribuída a Corrêa da
Câmara perpassa em toda uma política externa que Bonifácio buscava em Buenos
Aires. O despacho de instruções do Chanceler brasileiro demonstra que Buenos Aires
era, sem dúvida, um espaço importante para o governo brasileiro.
As cartas dirigidas de José Bonifácio a Bernardino Rivadavia mostrariam
determinado tom de proximidade, ou pelo menos uma tentativa. Além disso, é com a
data posterior a essas cartas que a Sociedade Literária, juntamente com o períodico
El Argos, começaria a tecer elogios à figura do Bonifácio. Na primeira, datada do 31
de maio, indica para Rivadavia que Corrêa da Câmara seria o agente consular. O
Chanceler aponta à necessidade de ocupar o lugar vago de “Cônsul português em
Buenos Aires”. Reiterando que o Príncipe Regente, “à imitação d’El Rei Seu Augusto
Pai”, tencionava com a designação de Corrêa da Câmara “demonstrar a esse Governo
262 Arquivo Diplomático da Independência, v. V, 255.
119
os sentimentos de boa vizinhança e amizade recíproca entre Buenos Aires e o Reino
do Brasil”. Assegurava ainda mais a Rivadavia sobre a boa-fé do Brasil e que os
agentes portenhos seriam recebidos no Rio de Janeiro “com todas as honras e
privilégios que o Direito das Gentes outorga aos correspondentes Diplomáticos dos
Supremos Governos dos Povos” 263.
Na segunda carta, correspondida com data posterior à convocação da
Assembléia Constituinte no Rio, que aconteceu no dia 3 de junho, Bonifácio designava
Câmara como “agente político”. Ainda nessa carata, ele escreve para Bernadino
Rivadavia o fortalecimento de uma “Política Liberal” no novo mundo por D. Pedro I.
[...] o mesmo Senhor [Príncipe D. Pedro], como Regente do Brasil, não deseja nem pode adotar outro sistema que não seja o Americano, e está convencido de que os interesses de todos os Governos da América sejam quais forem, se devem considerar homogêneos, e derivados todos do mesmo princípio; ou seja: uma justa e firme repulsa contra as imperiosas pretensões da Europa.264
Ainda nessa correspondência, avisava que novo mundo inseria-se em uma
nova logica e que os “[...] novos eventos políticos que demandam pronta decisão” 265.
Assim, Bonifácio incita o papel que desempenhava o Príncipe Regente para o
estabelecimento de uma “Política Liberal” nesse novo cenário. D. Pedro estaria em
melhores condições do que seu pai D. João para desenvolver tal política, como se podia
perceber diante dos “novos eventos políticos que demandam pronta decisão”. Para
tanto, seria necessário fazer-se conhecer da fraternidade continental. Assim, Bonifácio,
como representante de D. Pedro, não hesitari em considerar que o príncipe deveria ser
“o primeiro a dar este passo” de aproximação por meio do envio de Corrêa a Buenos
Aires, na figura não apenas de um consular e comercial, mas também como um político.
Bonifácio refere-se, ainda, ao compromisso do Brasil com a independência e
prosperidade dos povos americanos. Além disso, assegura a Rivadavia que o Príncipe
Regente defendia o que chamou de “Sistema Americano” 266.
É perceptível a tentativa de Bonifácio de inserir o Brasil no seio da América para
a elite Rivadaviana. O intuito era deixar clara sua posição frente a esse cenário
263 Arquivo Diplomático da Independência, v. V, p. 238-240. 264 Arquivo Histórico do Itamaraty, 268-4-6 (Missões diplomáticas e consulados diversos) e Arquivo Diplomático da Independência, v. V, p. 239. 265 Arquivo Histórico do Itamaraty, 268-4-6 (Missões diplomáticas e consulados diversos) e Arquivo Diplomático da Independência, v. V, p. 239. 266 Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos aponta que esse termo “sistema americano” era utilizado no início do século XIX para designar a união dos povos americanos que “de uma maneira ou de outra [...] estavam unidos por uma relação especial que os diferenciava do resto do mundo”. C.f. SANTOS, Luís Cláudio Villafañe Gomes. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo: (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). Unesp, 2004, p. 58,
120
idependentista:
O sentido comum, a política, a razão que nela se funda, e a crítica situação da América nos estão dizendo, e ensinando — a todos os que têm ouvidos, para ouvir e olhos para ver —, que uma liga defensiva e ofensiva de quantos Estados ocupam este vastíssimo continente, é necessário para que todos e cada um deles possa conservar intactas sua liberdade e independência
profundamente ameaçadas.267
Bonifácio tentaria convencer-lhes de que os interesses dos governos da
América, “quaisquer que eles sejam”, deveriam ser considerados como “homogêneos”
e derivados de um mesmo princípio: a “justa e firme repulsão contra as imperiosas
pretensões da Europa” 268. Dessa forma, a questão americana, como conduta de
proximidade, além de geográfica, seria política. Essa questão deveria unir Buenos
Aires e o Brasil, defendia Bonifácio, à necessidade de uma conveniência e de se
estabelecer:
[...] o ligamento de uma fraternal política, com uma conduta a convencionar e tratar com esse Governo tudo quanto for vantajoso e a bem dos dois países sem a menor reserva garatindo a segurança recíproca dos Estados.269
A essa narrativa de proximidade, não sem hesitações, verificam-se duas
interpretações: a primeira é que o passo dado por José Bonifácio foi efetivamente um
marco histórico para a diplomacia brasileira, sul-americana e hemisférica. Se
pensarmos que um ano e meio antes do famoso discurso de Monroe, o Brasil fazia
não um discurso, mas uma proposta concreta de ação conjunta e política de
aproximidade na América do Sul. A outra interpretação é que a visão estratégica do
primeiro Chanceler brasileiro dava bases da Política Externa ao continente americano.
O que pode nos parecer óbvio na comtemporaniedade não o era em 1822, já que,
mesmo em um continente americano, a sociedade do Reino do Brasil era voltada,
havia séculos, para a Europa, comandada especialmente por certa ignorância com os
cenários que se desenvolviam internamente no continente.
O que nos ocorre é que se torna possivel observar que de todas as
manifestações por parte do Império brasileiro em relação à situação do próprio e dos
267 No dia 13 de outubro de 1822, José Bonifácio, ciente de notícias de organização de forças conjuntas de Portugal e Espanha para julgar o Brasil aponta a necessidade de uma “federação com o Governo de Buenos Aires para conjurar as ameaças europeias” (Arquivo Diplomático da Independência v. V, p. 244-245). 268 Arquivo Histórico do Itamaraty, 268-4-6 (Missões diplomáticas e consulados diversos) e Arquivo Diplomático da Independência, v. V, p. 238 -240. 269 Arquivo Histórico do Itamaraty, 268-4-6 (Missões diplomáticas e consulados diversos). e Arquivo Diplomático da Independência, v. V, p. 238 -240.
121
seus vizinhos, apesar de serem correspondências diplomáticas, houve preocupações
principalmente sobre riscos que os novos Estados americanos corriam em relação a
suas independências. A preocupação mais incisiva foi a de José Bonifácio de Andrada
e Silva270. O Ministro de Negócios Estrangeiros do Império via que o futuro do Brasil
estava ligado ao futuro da América. O projeto dos países das Américas deveria ser
não apenas respeitado, mas homogêneo. E, nesse sentido, homogêneo não seria
uma alusão à forma de governo, mas sim à de liberdade para com a Europa. O que
nos leva a crer que esse é um dos motivos no qual tanto a elite rivadaviana e o
periódico El Argos de Buenos Aires, ao longo de 1822, mostrarão a exaltação de um
homem americano em Bonifácio. Essa animosidade perante Rivadavia estará
presente, fazendo-se perceptível ao longo das publicações de 1822 e início de 1823.
Além disso, a Sociedad Literaria, nesse período, estava em uma harmonia.
Isso nos permite perceber que as publicações sobre o Brasil estariam em perfeita
consonância com a política Rivadavia. Ademais, se o Brasil agora estava entrando
no “palco americano”, Bonifácio era um dos maiores responsáveis por isso.
Voltando ao cenário diplomático, Corrêa da Câmara enviaria uma carta a
Bonifácio no dia 10 de agosto de 1822, na qual exaltava o governo rivadaviano: “Tudo
aqui trabalha com a maior atividade; o gênio criador de Rivadavia preside de todas as
repartições e as faz marchar. Ainda não encontrei um só funcionário ocioso, ou
repousado” 271.
Outra carta também endereçada a Bonifácio:
Ilmo. e Exmo. Sr., Alterei expressamente a ordem descritiva dos acontecimentos nos meus números anteriores, para que não tivesse deles inteiro conhecimento o curioso, que os houvesse maliciosamente à mão. Procurando falar pela primeira vez ao sr. Rivadavia (refiro-me à minha relação n. 17), tive de demorar-me cinco minutos sentado no do oficial e mayor da Secretaria, donde este me conduziu ao gabinete do ministro a quem achei levantando-se para receber-me, e despedir à certa personagem com quem tratava, e da qual até hoje ignoro o caráter e nome. Figure-se Vossa Excelência um homem de pouco mais de 47 anos de idade; cor alguma coisa carregada, bem fornido de membros; espáduas grandes e deslizadas; fisionomia aberta, e generosa; frente levantada; tendo-se perfeitamente perpendicular sobre os seus pés; vestindo com simplicidade e com decência; inspirando em seu porte e movimentos [majestogismo] fingido ou estudado; e terá V. Exa. concebido o justo ponto de vista que oferece aos que pela primeira vez observam o senhor d. Bernardino Rivadavia. Três coisas chamam principalmente a atenção daqueles que têm ocasião de vê-lo e de falar-lhe: o volume do seu ventre um tanto maior do que o permite a harmonia,
270 DOS ANJOS, João Alfredo. José Bonifácio, primeiro chanceler do Brasil. Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. 271 Cadernos do CHDD/ Fundação Alexandre de Gusmão. Centro de História e Documentação Diplomática. – ano 16, n.31- Brasília, DF: A Fundação, 2002, p. 352
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que este membro deveria guardar com os demais; a grandeza de seus olhos cheios de penetração e gravidade; o som de sua voz firme, sério e demorado. Fez-me sentar à sua esquerda, e tão próximos um do outro, que as nossas cadeiras se tocavam. Informou-se com interesse do estado da minha saúde. Ele pôde notar nos meus olhos, fala, e a tosse, que por intervalos me oprimia, claros vestígios do meu incômodo resfriado: significou-me a satisfação que lhe causava a escolha que se havia feito de meu indivíduo, e apenas lhe agradeci o cumprimento, ergui-me, para oferecer-lhe as credenciais que recebeu levantado. Reparei, que ao ler o sobrescrito da do barão da Laguna exprimia o seu semblante um certo ar de desagrado. Viu ao contrário, naturalmente, o que cobria a que V. Exa. lhe enviava. Creio poderei dar a V. Exa. uma explicação deste reparo, logo que a ordem das minhas narrações me dê lugar. Perguntou-me, imediatamente ao depois, se além da minha missão consular trazia outra de diferente caráter: foi tal o modo com que me fez esta questão, que me não deixou conhecer se ela fora produzida pelo desejo de me ver representar um caráter mais distinto, se para forçar-me a uma explicação, para que me não julgasse preparado. Custa-me, todavia, a crer houvesse intentado surpreender-me, um político cheio, como o considero, de franqueza e lealdade. Disse-lhe com uma calma, e naturalidade imperturbável, que S. E. coligiria facilmente pela simples inspeção das minhas credenciais quanto parecia desejar, e que esta era toda a resposta, que eu tinha no momento para dar-lhe Guardamos um certo silêncio, que eu interrompi; para pedir-lhe vênia de retirar-me. Ofereceu-me os seus bons ofícios, afeição e cordialidade. Pareceu consultar a minha opinião oferecendo anunciar-me ao corpo diplomático: uma inclinação de cabeça que se tomando pela afirmativa, se confundia igualmente com o ar mesurado de quem se despedia, foi a minha resposta neste caso. Finalmente chegados à porta do gabinete, para onde insensivelmente nos encaminhávamos, ele marchando sobre a sua frente; eu, sem dar-lhe as costas, para a minha retaguarda fez um ligeiro movimento [de mão] como quem m’a apresentava: avancei a minha com respeito sem tocar-lhe. Fui acompanhado pelo meu introdutor ao tope da escada. As demonstrações que me foram feitas nesta visita, o estilo diplomático das notas, que se me têm dirigido, o pé em que fui posto de uma perfeita igualdade com os ministros estrangeiros me determinaram a procurar alguns esclarecimentos pela n[ota] n[úmero] 6 inclusa à V. Exa. na minha correspondência de 8 do corrente mês, de que foi portador o m[estr]e do bergantim Triumpho das Nações. Eu tenho a honra de ser com a maior submissão e o mais profundo respeito. De Vossa Excelência o mais humilde e obediente criado.272
Não encontramos a correpondência com a resposta do estadista brasileiro. O
que nos interessa é exaltação da figura de Rivadavia por parte do Corrêa da Camara
para com José Bonifácio.
No mesmo dia 7 de novembro, o representante brasileiro comunicava que o
periódico El Argos publicara a mudança da bandeira e das armas nacionais
brasileiras. A reação pública à notícia foi relatada ao Chanceler brasileiro em uma
carta do dia 8 de novembro. Segundo escrevera Câmara, “muitos pobres de espírito
esperavam ainda não sei por que santo que unisse o Brasil a Portugal de qualquer
modo que fosse; hoje muitos deles tiraram a máscara e não duvidam atacar a nossa
272 Cadernos do CHDD/ Fundação Alexandre de Gusmão. Centro de História e Documentação Diplomática. – ano 16, n.31 - Brasília, DF: A Fundação, 2002, p. 358.
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independência [...]”. No mesmo dia 8, por uma nota, informava da aclamação de D.
Pedro como primeiro Imperador constitucional do Império brasileiro. Câmara, nessa
nota, aproveita para lançar formalmente um projeto de imediato para a perfeita
inteligência entre os povos independetes da América. Será por parte do continente,
“em sua nova forma política, observador religioso da amizade e da boa inteligência
felizmente estabelecidas” com o Supremo Governo de Buenos Aires e do Brasil273.
Ao que tudo parece, a relação entre Brasil e Buenos Aires centrava-se na figura
de Bonifácio e Rivadavia. No dia 11 de novembro, Rivadavia receberia Corrêa da
Câmara. Após os cumprimentos da independência, tocaria em um assunto que,
então, não havia sido tocado— ao menos não encontramos vestígios de tal discussão:
o reclamar contra a ocupação da província de Montevidéu; que o governo de Buenos Aires faltaria ao seu decoro e deveres se guardasse um silêncio perigoso em assunto tão delicado; que se admirava de que o Brasil dispusesse de uma província que fazia parte da União, sem que se tivesse a menor atenção com as demais; que era um engano supor-se tanta debilidade nas províncias, cujos meios eram sobejos para reivindicar os seus direitos por meio da força que lhes não faltava; que o governo de Buenos Aires, congruente com os princípios recebidos em política, tinha obstado até aqui a um rompimento ao qual não acederia, antes do que precedessem as reclamações em prática ou em uso entre povos civilizados; que me convidava finalmente, em nome da humanidade e da bem entendida filosofia, a unir os meus aos seus esforços para evitar qualquer desinteligência, cujos resultados fossem a efusão de sangue, e a guerra, que em tais circunstâncias viria a ser indispensável. O senhor Rivadavia apoiou as suas últimas razões com o tom e acento da firmeza própria do seu caráter. O senhor Rivadavia reparou finalmente em que lhe não fosse comunicada notícia de tanta importância, qual era a ereção do novo Império, diretamente pela parte do governo do Brasil, acrescentando que a América em geral não poderia deixar de reconhecer sem ser ingrata, os grandes serviços que lhe tinha feito Sua Majestade Imperial abraçando a sua [causa]. Respondi ao senhor Rivadavia que sentia [infinito] não poder dar-lhe pessoalmente uma resposta [ilegível] sobre a reclamação que acaba de cometer-me, por me faltar o caráter necessário, inconveniente, que de nenhum modo se devia atribuir ao meu governo, que bastante para este ofício se tinha antecipado; que eu estava persuadido de que a conduta da corte do Brasil a respeito de Montevidéu tinha a seu favor, motivos da maior gravidade; e que o que parecia ambição era unicamente um efeito da forçosa necessidade, que eu tinha bastante.274
De acordo com Oscar Bastiani Pinto, Rivadavia, sobre a ocasião, teria
expressado que “com satisfação tinha se instruído, ao ver expostos com tanta solidez
e luzimento os princípios da política americana”. E, no mesmo dia, além de ter
admitido que “é publicado Decreto reconhecendo a bandeira e o escudo de armas do
novo Estado”, El Argos de Buenos Aires também reconheceu a bandeira. Como afirma
273 Arquivo Diplomático da Independência, I, p. 270-275. 274Arquivo Diplomático da Independência, I, p. 275.
124
o autor, sobre a ocsião: Buenos Aires reconhecia Brasil como independente275.
Nesse sentido, pode-se considerar que a relação diplomática americana em
construção ainda passava por uma série de questões ainda não tocadas entre
Rivadavia e Bonifácio. Isto é, a questão da Cisplatina era um tema a ser tratado. Mas,
sem dúvidas, a relação com Rivadavia era marcada com deteriminado entusiasmo por
parte de Câmara Corrêa, além de haver reciprocidade por parte dos rivadavianos em
relação a Bonifácio.
Fica-nos evidente que Bonifácio tentou objetivar apoio portenho, mesmo se isso
significasse não tocar na questão de Montevidéu. Fica também evidente ao nosso
entendimento que, além de uma visão diplomática, ao mesmo tempo, ocorre um
pensamento americanista por parte de Bonifácio, que acarretaria a uma narrativa do
ser americano, assim como efetivas propostas de ação conjunta contra a Europa,
muito antes do famoso discurso feito James Monroe, em dezembro de 1823, nos
Estados Unidos da América.
Para o ministro brasileiro, um dos grandes aliados nesse momento para o Brasil
deveria ser Buenos Aires, sobretudo Bernardino Rivadavia, uma vez que dispunham
de interesses que poderiam ter o Rio de Janeiro e Buenos Aires naquela conjuntura.
Toda essa relação diplomática não seria concretizada sem os esforços de
Bonifácio. Seja como for, a figura de Corrêa da Câmara é vista na historiografia com
um tom de instabilidade276. Contudo, nossa interpretação não gira em torno dela e,
sim, da relação entre Bonifácio e Rivadavia. Corrêa foi chamado ao Rio em 30 de
janeiro de 1823. Nesse ínterim, deveria abster-se em Buenos Aires de qualquer ato
público que não fosse “puramente consular”. O modo que este estava se
desempenhando em Buenos Aires não estava agradando ao Rio de Janeiro,
especialmente no que dizia respeito à questão da Província Cisplatina277.
Tratando-se de Bernardino Rivadavia, começou a enfrentar dificuldades com
relação a Buenos Aires na confederação de províncias criada em 1822, com o Acordo
Quadripartite. Gregorio Funes, que em meados de 1823 começa a ser editor
responsável pelo periódico El Argos, com a saída da Sociedad Literaria, vê o Império
brasileiro como uma ameaça, mais precisamente na figura de D. Pedro e,
275 PINTO, Oscar Bastiani. José Bonifácio, propugnador da União das Nações Americanas. In: Anais do IV Congresso de História Nacional. Volume XIII, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1950. 276Sobre tal historiografia, cf. FERREIRA, Paula Botafogo Caricchio. Negócios, impressos e política: a trajetória pública de João Soares Lisboa (1800-1824). Tese de doutorado – Campinas, SP, 2017. 277 Arquivo Diplomático da Independência, v. V, p. 283.
125
inevitavelmente, buscaria expandir suas fronteiras à custa dos seus vizinhos. A nosso
ver, isso ficaria mais evidente na posteridade. A saída de Bonifácio do ministério
estremesse a relação diplomatica. Além disso, é a partir do ano de 1823 que o
periódico El Argos, cujo revisor era Gergorio Nunes, veria o Brasil, em todos esses
dois anos de funcionamento, de maneira diferenciada.
Na política portenha, Funes pressionava Rivadavia para enviar auxílio a Bolívar
no Peru, com o objetivo de unir as forças do sul e do norte e enfrentar a suposta
expansão brasileira por parte de D. Pedro I, um europeu. Rivadavia, ainda, recusava-
se a entrar em uma guerra que para ele era a guerra de Bolívar e não das Províncias
Unidas do Rio da Prata. Embora Bolívar e Rivadavia compartilhassem, em certa
medida, do ideal independetista, a opinião do segundo era o temor do fortalecimento
do militarismo dos caudilhos na América do Sul, o que dificultaria o estabelecimento
de sociedades baseadas nos princípios liberais e civis que ele pregava278.
Nessas condições, podemos descartar mais uma vez o eventual entendimento
entre Rivadavia e Bonifácio para manter a paz e a tranquilidade de um acordo
fraternal. Malgrado o intento, quando Valentín Gómez, enviado diplomático portenho,
chegou ao Rio de Janeiro, o Ministério de Bonifácio havia acabado279.
A partir desse momento, toda relação diplomática seria modificada. Contudo, o
que nos interessa aqui é a mudança narrativa por parte do El Argos de Buenos Aires
a partir de julho de 1823, que será mostrada posteriomente.
Deve-se considerar, ademais, a influência de Bonifácio na narrativa do
periódico e da elite portenha sobre o Brasil de maneira positiva no cenário do mundo.
Seja por sua correspondência direta, seja por publicações no periódico, os
rivadavianos receberam e atribuíram a independência americana, majoritariamente na
figura de Bonifácio. O mesmo criou não só um possível clima favorável mais do que
diplomático entre ele e Rivadavia, mas também aos negócios entre o Rio de Janeiro
e Buenos Aires. Após 1823, a figura do Brasil inseria-se em uma narrativa de recusa
ao ser americano.
278DONGHI, 1979, p. 242. 279 DOLHNIKOFF, 2012, p. 219.
126
4.4 El Argos de Buenos Aires e a quão sonhada Independência brasileira
Voltaremos agora novamente para o periódico, uma vez que a conjuntura
diplomática estaria evidente. Os eventos da conteporaneidade não deixavam dúvida
para o periódico El Argos como uma aproximação continental, haja vista que não se
tratava de aspectos de uma colonização ou de forma de governo que os conectavam,
mas, sim elementos da ruptura, da libertação, da luta contra a opressão. De certo
modo, era também uma maneira de sintetizar uma espécie de união narrativa.
As diversas colonizações em um mesmo processo, que, na lógica da história,
era a história da liberdade, significavam, fundamentalmente, que toda colonização era
opressiva, despótica e o exercício da natural liberdade presente no coração dos
homens, neste particular, era a luta que unia todas as regiões coloniais da América
contra a dominação da Europa. Na publicação de outubro, El Argos esboça que:
Las relaciones estrangeras de los estados de Sud América, en todos tiempos han sido de importancia para los nuevos gobiernos, sin embargo de su distancia del teatro continental, y de estar lejos de la residencia de nuestros políticos. Estas relaciones cada dia aumentarán en importancia, y los ministros extrangeros necesitarán de ideas lu minosas, de cálculos atrevidos y de prevision distinguida. Los ministros Bonifácio e Rivadavia son hombres de profunda literatura, hábiles y exàcto estadistas, ilustradospatriotas. Desde que el estandarte de la independência fue enarbolado en los nuevos estados, ha continuado con firmeza y constancia en la causa de la libertad, fiando en la justicia de los principios por los cuales han combatido los revolucionários, y conservando la firme persuacion que la energía moral del espíritu humano, cuando una vez sedeclara con tra las formas del poder despótico, ha de triunfar finalmente al traves de todos los obstáculos. Reveses, desgracias, malos sucesos y horrores podrán venir bajo mil aspectos; em pero el fin será venturoso. Que los estados de la Amèrica del Sud se libertarán aun de la mas pequeña parte ó resto de sugecion estrangera; que serán soberanos é independientes; que la civilizacion y la finura se extenderán por sus inmensas regiones; que el sistema representativo se establecerá fácilmente; y que su importancia mercantil se sentirá por todas las partes marítimas del mundo, no tenemos la menor duda. Que los patriotas que han abierto el drama revolucionário, y dirigido la contienda hasta el presente, serán en lo futuro recordados como nuestros grandes caudillos en la guerra de la revolucion, tambien lo creemos.280
A citação longa se faz necessária. Mais uma vez El Argos narrava o Brasil, com
ênfase na lógica americana. Além disso, na citação exposta, ainda fazia reflexões
acerca da diplomacia e relações entre os Estados do Sul. Na coroação de D. Pedro I,
em 1º de dezembro de 1822, aparece mais uma vez a assinatura da Sociedade
Literária. Em destaque, faz-se uma menção honrosa à proclamação de D. Pedro I:
Portugueses: Toda la fuerza es insuficiente contra la voluntad de un pueblo
280 El Argos de Buenos Aires, nº 62, 18 de outubro de 1822.
127
que no quiere vivir esclavo. La historia del mundo confirma esta verdad, y confirman tambien los grandes acontecimientos que tuvieron lugar en este vasto imperio, imbuido al principio por las lisongeras promesas del congreso de Lisboa; convencido después de la falsedad de ellas; traicionado por último en sus derechos los mas sagrados y en sus mas claros intereses; no ha presentado lo futuro otra perspectiva, sino la recolonización, ó la del despotismo legal, mil veces mas tiranico que las arbitrariedades de un solo despota [...] En tan criticas circunstancias, el heroico pueblo del Brasil, viendo rechasados todos los medios de concilacion, usó de un derecho que nadie puede disputarle, aclamándome en el dia doce del presente mes, emperador constitucional, y proclamado su independência.281
Juntamente com essa proclamação, chega também a Buenos Aires a notícia
das últimas disposições das Cortes de Lisboa sobre a Província Cisplatina, que
começaria a levar os editores de El Argos a mudar alguns aspectos de sua posição
sobre a emancipação brasileira.
O Tribunal de Lisboa anulou as disposições tomadas no Congresso da
Cisplatina e recomendou a imediata evacuação da Banda Oriental, tendo que devolver
as tropas portuguesas para o velho continente282. O fato aqui começava a ter
desdobramentos internos sobre a questão do Brasil. Isso se deve ao fato de o Brasil
ter reconhecido como válida a incorporação da Banda Oriental ao território do Império
ocorrido no Congresso Oriental.
Então, este processo, que dentro do mundo lusitano criou atritos, não sem
dúvidas, também teve sua faceta entre os rivadavianos, levando os editores do El
Argos a mudar sua concepção a quem eram dirigidas as críticas públicas. Esse
detalhe também pode ser observado na reunião entre Corrêa da Câmara e Rivadavia,
já que era a primeira vez que tocavam em um tema tão cauteloso.
O inimigo era quem eles consideravam ter direitos legítimos de possuir a região
leste do Rio de la Plata. Assim, a partir de 1823, sobre o comoando de Gregório Funes,
os editores do El Argos voltaram os olhos para Portugal, apontando que os mesmos
estavam dispostos— para além das suas verdadeiras intenções— a desocupar a
Banda Oriental. Mas o Barão de Laguna não concordou com essa posição e se
declarou a favor da independência do Brasil, consolidando a ocupação imperial nos
territórios orientais. Isso levou a uma interpretação de que os princípios liberais
indiscutíveis, proclamados em 1820, eram questionados por essa atitude do governo
brasileiro. Por outro lado, o Império brasileiro, reconhecendo a Banda Oriental como
281 El Argos de Buenos Aires, n°1, 1 de enero de 1823 282 PEREIRA, Aline Pinto. A Monarquia Constitucional representativa e o Locus da soberania no Primeiro Reinado: Executivo versus Legislativo no contexto da Guerra da Cisplatina e na formação do Estado do Brasil. Tese de Doutorado em História. Niterói: UFF/PPGH, 2012, p. 112.
128
parte de seu território, contradizia a luta por sua liberdade americana, pois propunha
manter uma parte do território por meio da força militar283.
O editor do periódico começou a fazer longas reflexões da jornada sociopolítica
do então independente território. Esses comentários críticos ocorriam sempre após a
reprodução de páginas inteiras do jornal brasileiro Diário do Governo — o jornal oficial
do império. Para o editor, o jornal imperial começava a associar o republicanismo, em
contraposição ao monarquismo. Essa publicação do Diário do Governo causou
determinado alvoroço, já que El Argos utilizou uma página inteira como resposta para
expôr seus argumentos.
JANEIRO - Contestacion al artícul del diario brasilero. En el presente estado de cosas nada debien desar mas los estados qe se van levantando en la América, como llegar á descubrir la forma de gobierno á que está afecta su felicidad, y que por un favor mui señalado de la naturaleza una sola llenase los destinos de todos ellos. La fuerza victoriosa de la evidencia pondría entonces silencio á las pasiones, y la unidad de sentimientos haria de diversos estados uno solo, donde reinase el amor mútuo y la cooperacion activa que exigiesen. Pero ¿cómo gozar estas ventajas entre las dudas inseparables de un estado nuevo y en medio de las diversas modificaciones con que se reviste del continente para llenar sus propias leyes? Apesar de esto vemos, que la América entera, á excepcion de Méjico, y del Brasil, llevada como por un instinto irresistible, se halla decidida á las formas republicanas, en contraposicion de las monarquás, si acaso hai contrariedad en ellas. El editor del artículo, que tenemos en consideracion, la cree descarriada del verdadero rumbo; y se ensaya en persuadirnos, que la monarquia constitucional es la única compatible con un sistema continental, donde puedan estrechar sus relaciones los estados americanos, y gozando todos los frutos consiguientes á la armonia social, ponerse en estado de perfecta seguridad. Sin que pretendamos nosostros engolfarnos en la cuestion vaga de cual es la mejor forma de gobierno, pero ni aun si llamar á examen de propósito se la eleccion de los estado americanos ha sido ó no la mas acertada, nos apartamos de la opinion del editor, y estamos convencidos de que, sin que al republicanismo le haga ventajas el monarquismo, hai eu él todos los elementos de un sistema continental capaz de asegurar á los estados americanos sus relaciones mútuas, suunion, sus derechos, su paz y su tranquilidad. Creemos que no nos equivocamos en decir, que si el editor del articulo habiese fijado el verdadero sentido de los términoc, habiera acaso tenido menos confianza en su opinion. Observamos por uns parte que en su dialecto vienen á ser sinónimos el republicanismo y la democracia, y por otra que el gobierno republicano está en oposicion al monarquico. Lo primero no es cierto, porque, aunque toda democracia tenga el caracter de república, no toda república tiene el de democracia. A ser así no estariamos distantes de opinar, que habiendo abraado entonces los estados de América un sistema tumultuario, era mas á propóstio la monarquia para que pudiesen gozar un sistema de union continental. Pero ¿por qué desnaturalizar las nociones mas simples, y dar á los gobiernos republicanos de América un ser de que carecen? Es cierto qie en su organizacion social algo tienen de democracia; pero no lo es menos que tambien participan de la aristocracia alectiva, y aun de la monarquía constitucional. -Tumpoco es cierto lo segundo, esto es que el republicanismo tenga una oposicion directa al monasquismo.284
283 LESCANO, 2015. 284 El Argos de Buenos Aires, nº 40, 17 de maio de 1823.
129
A publicação não poderia ser mais direta. Nas palavras do editor, fica claro que
quem optaria por fazer uma distinção entre governos americanos é o próprio editor do
periódico brasileiro. Para o El Argos, nada poderia ser tão equivocado, já que na
América eram possíveis governos sem distinção. Além disso, é visível a postura do
periódico em tentar interpretar esse artigo como um equívoco para a própria marcha
americana.
Ainda nessa publicação, El Argos assume a postura de ensinar a classificação
dos termos para o Brasil:
[...] La palabra republicano, dice, es mui vaga..A mas de esto la clasificacion de republicano no es propia para indicar oposicion con la de monarquico; porque las provincias unidas de Holanda, y los Estados Unidos de la América tienen un gefe únio, y se miran sin embargo como unas repúblicas, y siempre ha sido incierto si deberia decirse el reino, ó la república de Polonia. La palabra monárquico significa propiamente un gobierno en que el poder ejecutivo reside en las manos de una sola persona; pero esto no es mas que una circunstancia que puede hallarse reunida con otras muchas mui diversas, y no caracteriza la esencia de la organizacion social. "Si pues el republicanismo de los estados americanos no es esa democracia turbulenta, cuya máquina complicada puesta en manos de las pasiones, está espuesta á violentos sacudimientos, ni menos carece de lo que recomienda la monarquía ¿como será incapaz de amoldarse á un sistema continental que pueda producir los mas felices efectos? No tenemos egemplos, nos dice el autor del artículo, de un tal sistema compuesto de gobiernos republicanos; le falta sancion del tiempo; abrazarlo es prevarse de las luces de la historia, y la política de las naciones contemporaneas. Nada mas suerficial, nada mas vago, nada mas debil. No tenemos [ilegível] de un tal sistema. Su política, es verdad, poco avanzada (segun observan muchos sábios) no llegó á llenar todo su obgeto; mas con todo, estas repúblicas florecieron mucho tiempo; con ellas los romanos, por servirnos de la expresion de un gran político, atacaron el universo, y por ellas el universo se defendió de sus garras hasta que la corrupcion debilitó su energia.[...] Posteriormente el poder absoluto y tiranico se sostituyó al de la libertad; pero al fin amuneció la luz, y llegó su acaso [...]. Se ve par este rasgo que el autor del artíento está mui infatuado con su modo de pensar. Su opinion le hizo olvidarse que sin temeridad pudieron los Estados Unidos de Norte América no seguir las huellas trilladas de la Europa, ni las de su propia nacion: y si en esto se escedieron, deberá confesar que hau atrevimientos mui felices, y dignos de imitar. Dudamos si el editor del artículo envolverá en su censura al sábio Necker. Si asi lo hace, este sí que es un estupendo atrevimiento puede opinarse, de lo sistema de las repúblicas federativas.285
O embate em torno de república versus monarquia começava a ganhar tons
não vistos antes. Se a forma de governo não era importante, para a marcha americana
e a inserção do Brasil nela, ao que tudo indica, a partir da publicação do periódico
brasileiro, El Argos não vê com olhos positivos a crítica feita em torno do governo e
de um sistema continental baseado nesses preceitos. Além disso, a saída de Bonifácio
285 El Argos de Buenos Aires, nº 40, 17 de maio de 1823.
130
não agradaria a elite rivadaviana. El Argos se posiciona: “Merecerá el amor y la
confianza de la nación, quien recela de las personas cuyos sentimientos no le son
bien conocidos”286.
O que nos parece é que, após a saída de Bonifácio, fica evidente o
descontentamento da elite rivadaviana. E é nesta situação que a figura de D. Pedro,
e, consequentemente, do Brasil, ganhava contornos diferentes por parte do periódico.
Se, em um primeiro momento, El Argos via o Brasil no grande seio da dinâmica
americana, ao que tudo indica, a narrativa começaria a ser modificada. Entendemos
que o clima de pacificação começaria a ser posto de lado, além da própria visão de
Funes. É a saída de Bonifácio que intensifica o clima de oposição. Na verdade, não
podemos considerar a citação do editor imperial em relação a El Argos, que debateria,
a partir dessa publicação, tentando posicionar o Brasil fora da dinâmica americana.
Mas se deve considerar que estava com intenção de fortalecer o projeto imperial
dentro de seu próprio Brasil. Por outro lado, é possível interpretar que o periódico
começaria a criticar o posicionamento político deste. Vale notar que, n’O Diário do
Governo, o conceito de América é analisado dividindo o continente em duas partes:
as “incivilizadas” — dominadas pelas lutas faccionais republicanas; por outra parte, o
Brasil e os EUA seriam diferenciados pela civilização, onde reina a estabilidade
política287.
Não encontramos diferentes conceituações do termo América. Esse conceito,
no periódico portenho, remeteria a uma nova condição de liberdade, um sentimento.
Contudo, entedemos que, no Brasil, o nome do continente não experimentou um
processo de politização como na América hispânica. No Brasil, o conceito americano
continuou associado à promessa de prosperidade, mas também à imaturidade, à
instabilidade e à incapacidade de levar uma vida civilizada; o uso do nome americano
era raro, em vez dos termos dominados: brasileiro, pernambucano, etc. À diferença
da América hispânica, na qual o conceito se tornou politizado e associado à
experiência republicana288. Então, os EUA poderiam expressar uma tensão entre o
valor positivo da liberdade e a negatividade de seu abuso ou excesso. Como já
citamos, na resposta ao Diário do Governo, El Argos apontaria em relação à
286 El Argos de Buenos Aires, nº (ilegível), 3 de junho de 1823. 287 PIMENTA, 2012, p. 238. 288 FERES JUNIOR, João & MADER, Maria Elisa. América/americanos. In: FERES JUNIOR, João (org.) Léxico da História dos Conceitos Públicos do Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009, p. 25-42
131
experiência republicana concretizada:
¿Por qué lado confrontamos con el imperio el Brasil para que este pueda entrar en líneal de aquel que promete tanta estabilidad y tanta firmeza? Sus riquezas están por venir, su tranquilidad, si hay alguna es la de los sepulcros, su industria y su cultura no ha salido de la cuna, su constitucion esta entregada a los partidos, en fin amenazado por un enemigo en guerra abierta, el nuevo trono aun banbolea.289
Duas menções merecem ser feitas. A primeira tange à diferenciação do
cenário brasileiro sobre instabilidade. Vemos que ao longo de 1821 e 1822, nas
publicações do periódico, a “instabilidade” do processo de independência faria parte
de uma das etapas do processo revolucionário na grande América. Até aquele
momento, a narrativa de instabilidade não era vista sobre o prisma de negatividade.
A partir de 1823, a instabilidade torna-se, então, uma narrativa de oposição a algo
concreto. Ou seja, o Brasil era visto de forma negativa por sua instabilidade. A outra
menção gira em torno de Monarquia versus República. Ao que tudo indica, é a partir
de 1823 que esse embate ganha contorno, como já apontamos anteriormente. Se
antes era visto apenas como uma escolha, o tipo de governo agora ganharia menções
políticas. Vemos, assim, como das diferentes concepções do termo América/América
vai constituir-se uma oposição entre Buenos Aires e Brasil, inexistente a princípio:
pois, embora no Brasil o termo América fosse associado à liberdade e às ideias do
século, aos olhos dos hispânicos, o Império não preenche todas as condições para
ser considerado "verdadeiramente" Americano, posto que se tornou uma monarquia
constitucional e anti-republicana.
Cada vez mais o clima ficaria acirrado entre os dois territórios. Em julho de
1823, Valentín Gómez partiu ao Rio de Janeiro para começar negociações
diplomáticas na corte do Imperador. Dois eram seus objetivos: conseguir a evacuação
da Banda Oriental, que reconhecia como parte integrante das Províncias Unidas, e
estabelecer uma série de normas para as relações diplomáticas entre os dois órgãos
políticos. Com dificuldade em ser recebido pela Corte do Rio de Janeiro, permaneceria
na capital imperial até fevereiro do ano seguinte. Porém, antes do ano de 1824, o
periódico portenho já dava indícios de que essas tentativas de aproximação
diplomática novamente seriam difíceis, já que todo o ar de ceticismo voltava a pairar
sobre a política brasileira. El Argos narra o episódio em que deputados de Lisboa
desembarcaram no Brasil e alerta:
289 El Argos de Buenos Aires, n° 102, 25 de junho de 1823.
132
Se conjetura que el objeto de la misión era persuadir al emperador y á los brasileros, que habiendo ya quedado disueltas las cortes de Portugal, había también cesado el motivo de la separación de aquella metrópoli, y era lhegado el tiempo de que volviesen las cosas á su estado primitivo. La suspicacia de algunos políticos los lleva á persuadirse que la oposición entre el rey D. Juan y su hijo el emperador no pasa de un juego de gabinete, y que caminando bajo el plan oculto de conservar la integridad de la monarquía, solo se espera el momento de romper con seguridad el velo que lo cubre. Se ha perfeccionado tanto en los gabinetes el arte de estas maniobras subterráneas, que, aunque no damos mucha importancia á esta conjetura, no la despreciamos del todo. Tenemos muy presente lo que sobre esto mismo produjimos en uno de los números de este periódico.290
Além disso, mobilizaram a opinião pública a entender esse ato como alerta.
Nesse aspecto, o ano de 1823 seria marcado por desconfiaças quanto ao Imperador
e suas reais intenções. Buenos Aires usaria toda essa narrativa ainda para reivindicar
ao Império a Banda Oriental. Em primeiro lugar, o argumento principal era de que a
Banda Oriental nunca rompeu os laços que a uniam às outras Províncias; porque,
quando o vínculo que unia as províncias a sua metrópole se desfez, surgiu
imediatamente uma nova aliança:
Ellas se encontraban esencialmente constituidas en una Nación en el momento mismo que se sacudieron el yugo de la antigua Metrópolis (…) Sus diferencias com Buenos Aires solo han podido considerarse, como dispersiones domesticas y parciales.291
Logo, El Argos passaria a denunciar o Imperador D. Pedro com intuitos
europeus. Já que esse embate não era uma briga entre americanos, e, sim, com o
próprio interesse de ação lusitana. Aparecia, então, no periódico mais do que uma
acusação a D. Pedro I. Apontava-se um tom de acusação contra a própria América.
El Argos publicaria um panfleto de atenção ao povo de Montevideu:
Montevideo seguirá el sentimiento general del estado Cisplatino cuando muden las circunstancias que los rodean. I Dice usted muy bien; ¿y cuando será eso? Después que es público y constante, que San José, Canelones, y Maldonado han reconocido al Emperador por las bayonetas ; cuando la expresión de todos ellos, que usted dice retardada en favor de su amo y Sr., es la misma que significa con entusiasmo Montevideo, se imagina usted que vuelvan las cosas á su antiguo estado ? acaso ¿aquel vaticinio político, se apoya en las fuerzas que espera su señoría del Brasil? pues permítanos un poco su ateocion previsora, y veremos el resultado. Es ya demasiado conocido el crítico estado del nuevo imperio ; no dejamos de saber por aquí que las respetables Provincias de Minas y San Pablo, miran con recelo todo lo que dimana del solio imperial, y acaso las autoridades y aun los mismos habitantes resisten en su opinión una forma de gobierno tan detestable— Del disgusto de los pueblos, no hai mas que un paso á sostener con la fuerza sus derechos. Ademas, una divergencia de opiniones es la que reina en el dia en
290 El Argos de Buenos Aires, nº 105, 3 julho de 1823. 291 REGISTRO OFICIAL de la República Argentina, (1822), Buenos Aires. Argentina Documentos expedidos desde 1810 hasta Buenos Aires: Impr. Especial de obras de "La República”. Tomo II, pág. 53-54
133
el Brasil, ellas se fomentan rápidamente, y aglomeran los elementos para una grande explocion ; no hai duda pues, que él sufrirá los terribles sacudimientos que nosotros hemos experimentado, y que experimentan á su vez todos los Estados nuevos. Es probable, que el Brasil sufrirá otro cambio distinto al que llena los deseos y las esperanzas de los dignatarios y caballeros de la orden del Cruceiro. A vista de esto, calculen y todos los demás traidores á su patria cual es la suerte que les espera, y ¡ cual el partido que les resta que tomar. La presencia de Lecor, y sus tropas en el Brasil no tardará en hacerse necesaria. Poco importará á él la desgracia de los que; ahora llama sus mejores amigos ; obedecerá á las órdens de su emperador, y demasiado hará con llevárselos en su compaña si quieren correr este albur. ¡ Mas cuan triste y dedegradante será esta escena para sos Compañeros americanos ; para estos desgraciados que mas de una vez habrán jurado en los artos públicos la independência de la América y de su Pais de toda dominación extrangera!; Montevideanos! detestad á vuestros opressores, pero no les neguéis vuestra amistad, si algún dia conocen su error y se arrepienten ! Acaso este es el partido que les queda ; son vuestros compatriotas, y al fin han de cooperar por vuestra libertad é independência, asi que cáiga la máscara que cubre al nuevo Emperador y sus satélites.292
Várias interpretações poderiam ser tiradas dessa publicação. Contudo, iremos
salientar o que nos interessa. Nela, são perceptíveis as críticas feitas à figura de D.
Pedro I. El Argos, após julho 1823, debateria diretamente com Imperador. Esse
debate centraria em torno de seus reais interesses no solo americano. Vale notar que,
na publicação, El Argos não vê o Brasil como seu futuro inimigo ou desgosto. Pelo
contrário, além de falar de Minas e São Paulo, o periódico não assimila o território
brasileiro com D. Pedro. Trata-se de colocar na figura do Imperador o maior de todos
os males, além de salientar o perigo que América corre com esse imperador, pois lhe
trará desgraças. Soma-se a essa acusação o alerta a Montevidéu a enxergar a
natureza de D. Pedro, que vitimiza seus compatriotas enganando-os por uma máscara
que lhe encobre.
Em suma, toda publicação gira em torno de todo um cenário anterior: Portugal
tinha reconhecido a ocupação do território oriental como temporária e, no armistício
de 1812, havia demarcado que essas terras faziam parte das Províncias Unidas. Esse
reconhecimento passou ao Congresso Cisplatino considerado tão ilegal como as
abdicações de Bayona; portanto, nulo em sua origem, arbitrário, injusto e violento ao
incorporado, então a província da Cisplatina para o Reino do Brasil.
Os tribunais de Lisboa apontaram a nulidade do dito Congresso. Nesse
contexto, Montevidéu teria expressado oposição à incorporação ao Império; então,
todas as províncias da união tinham o direito de reivindicar a reincorporação da Banda
292 El Argos de Buenos Aires, nº 122, 8 de agosto de 1823.
134
Oriental ao território nacional293. Um território que era a porta de entrada para o rio
que banhava suas costas, muito importante para comunicações e comércio. Por fim,
acabou por sentenciar o Brasil em seu comportamento contra os outros estados
americanos:
Los nuevos estados americanos al constituirse han apelado al juicio imparcial de las naciones civilizadas sobre las violencias y usurpaciones de sus antiguas metrópolis, y están en estrecha obligación de no debilitar con iguales procedimientos la fuerza de sus razones y la justicia de sus quejas. (…) El Brasil insistiendo en sus pretensiones sobre la Banda Oriental se separa de esta línea de conducta tan honorable y conveniente a sus propios interesses americanos.294
Toda essa conjuntura mostra que, para o Imperador e sua política, era
impraticável o direito de reintegrar Montevidéu à Província de Buenos Aires. Em suma,
as negociações acabaram por ser um fracasso e Valentín Gómez voltou a Buenos
Aires com as más notícias. No final de 1823 e no início de 1824, a elite de Buenos
Aires, ou seja, os rivadavianos, além de desentendimentos internos, estavam
perdendo parte do consenso tácito que haviam alcançado no início da década.
As primeiras vozes de crítica às medidas do governo foram ouvidas e, em
março de 1823, uma revolta encabeçada por Gregorio Tagle temperou as fundações
das instituições instauradas na província por parte do projeto reformista de
Rivadavia295. Outros setores da elite também disputavam seu lugar nos postos do
governo, o chamado partido popular encabeçado por Dorrego que, nesse período,
também estava acompanhado por uma imprensa assimilar ao que fazia El Argos com
Rivadavia— El Republicano—, marcando sua performance pública.
Um novo cenário começava a se fazer presente em Buenos Aires. Logo que a
substituição das autoridades provinciais foram realizadas, a predominância da facção
rivadaviana começou a ser diluída na presença de novos setores da elite que
disputavam seu lugar como representante da cidade de Buenos Aires296, conquistado
a curto prazo
Em suma, essas mudanças não foram muito drásticas, mas a força notória
rivadaviana na província de Buenos Aires começa a desaparecer. Finalmente, o setor
293 JUNQUEIRA, Lucas de Farias. A Bahia e o Prata no Primeiro Reinado: comércio, recrutamento e guerra Cisplatina (1822-1831). Dissertação de Mestrado. UFBA, 2005, p. 112 294REGISTRO OFICIAL de la República Argentina, (1822), Buenos Aires. Argentina Documentos expedidos desde 1810 hasta Buenos Aires: Impr. Especial de obras de "La República”. Tomo II, pág. 55. 295 DONGHI, 1979, p. 282. 296 DONGHI, 1979, p. 284.
135
mais próximo de Rivadavia foi derrotado nas eleições legislativas. Gregorio Las Heras
era nomeado governador provincial, o que selou a saída de Rivadavia no seio da
administração portenha297.
Tratando-se do periódico El Argos de Buenos Aires, o ano de 1823 mostrava-
se um ano em que as relações diplomáticas fraternais mais giravam em torno do papel
conciliador de Bonifácio e de sua aceitação como um homem americano, por parte da
elite portenha. Sua saída mostra um clima que destricharia outro tipo de discussão
que antes não era salientada: o tipo de governo que era melhor para o continente
americano. Além disso, o ano de 1823 daria destaque à figura de D. Pedro como um
Imperador que necessita de ser vigiado.
Já vinhamos, ao longo do trabalho, abordando repetidas vezes que para
conseguirmos interpretar o periódico El Argos de Buenos Aires era necessário
entender, além de sua dinâmica com a política rivadaviana, que se trata de um
periódico com caraterísticas mutáveis ao longo de seus anos de publicação. Além
da troca de editores, a sua característica de ministerialismo a favor em torno da figura
de Rivadavia perdia, gradualmente, espaço.
Nas publicações de 1824, isso ficou perceptível. A mudança foi ligada à
modificação do projeto da facção rivadaviana: perdendo o espaço na província e a
partir do desenrolar que acontecia no Congresso Constituinte, El Argos evidenciara
essas transformações de uma maneira diferenciada. Com a transfiguração do
contexto interno portenho, as notícias relacionadas às províncias do interior, nas
publicações do periódico em relação à província oriental, tornaram-se mais relevantes;
bem como o desenrolar do Congresso Constituinte e da própria mudança de
governador província de Buenos Aires. Parece-nos que o periódico amadaruce com a
cena política portenha e seus editores parecem tornar-se mais noticiosos. A militância
a favor de Buenos Aires e do projeto rivadaviano deixa de ser assunto fervoroso nas
páginas, como ocorrera nos primeiros anos, associada a grandes ideias das luzes do
século XIX.
Apesar de toda sua compostura, entraves e embates internos, El Argos de
Buenos Aires pode ser percebido como um periódico de referência, por seus longos
anos e continuidade constante. Contudo, quando se trata de interpretações sobre
contextos externos, tal qual o do Brasil, o periódico não deixa de tomar seu
297 DONGHI, 1979, p. 285-292.
136
posicionamento crítico. Obviamente, trantado sobre o Brasil, a questão da
independência deixava de ganhar espaço para ser tratado o combate próprio da
Banda Oriental. Porém, não queremos dizer que o Brasil e os conflitos em torno de
seu processo de independência desapareceram de suas publicações. Dois motivos
podem ser observados: de um lado, as tropas portuguesas que ocuparam parte do
território brasileiro foram derrotadas ao longo de 1823— entre elas, a que ocupou a
Banda Oriental. Logo, as publicações centrariam no tema dessa derrota, mas sem
grandes exaltações. Uma publicação se torna de extrema importância. Bernardino
Rivadavia apareceria com uma publicação no ano de 1823. Vale notar que, ao longo
de seu governo, raras foram as vezes em que publicaria com seu nome. Ao tratar
sobre um contexto externo, só encontramos esta publicação:
La emancipación del Brasil ha completado la independência de nuestro continente ; pero las ideas que desgraciadamente parecen dominar en el gabinete del Janeiro sin Andrada, con respecto á la provincia de Montevideo, ponen obstáculos á la buena y cordial amistad que debiera existir entre naciones, que, siendo vecinas, están empeñadas igualmente en la causa de su independência.[...] De todos modos, la libertad de la provincia de Montevideo, tanto de la violencia extraogera, como.de la tiranía doméstica, será siempre un objeto de atención preferente ; pero él demanda al mismo tiempo grande prudencia y circunspección.298
Ao mesmo tempo, ao que tudo indica, Riavadavia parecia estar saindo da cena
política. Na mesma publicação, Bernardivo Rivadavia explicava que Buenos Aires
nunca tinha experimentado tamanho progresso e que estava feliz por isso. Contudo,
novos acontecimentos estariam sendo experimentados e caberia ao novo governo
manter esse grandioso progresso. Além disso, o papel do governo também era
garantir um ideal mais amplo:
La paz exterior es por tanto de primera importancia á la felicidad da nuestra patria, y el gobierno la aceptará, á donde quiera que se ofrezca, acompañada de condiciones honolables y dignes de un pueblo libre é independiente.299
Para nós, a questão do Brasil parecia de suma importância, tanto para
Rivadavia quanto para elite, que o apoiava, do qual fazia parte. De um lado, parece-
nos que Rivadavia ainda era esperançoso de uma possível aproximação com o Brasil.
Por outro lado, parece que a saída de Bonifácio de mediador diplomático atrapalhou
esse processo.
Após as negociações encabeçadas por Valentín Gómez não terem o efeito
esperado no Tribunal de Justiça, não havia mais expectativas de poder resolver o
298 El Argos de Buenos Aires, s/n, 3 de outubro de 1823. 299 El Argos de Buenos Aires, s/n, 3 de outubro de 1823.
137
conflito pacificamente. Uma possível guerra estaria iminente. A diplomacia já não era
mais possível. Além de D. Pedro I ser visto como o grande tutor da ameaça e causador
do conflito americano, a interpretação de guerra com o território do Brasil já estava
evidente. Então, o Congresso Nacional estaria encarregado de resolver o conflito. A
questão poderia aparecer inativa, mas não em suspenso.
No Brasil, as atitudes imperativas tomadas por D. Pedro I — como dissolver a
Assembleia Constituinte em 1823, reprimir todos aqueles que se manifestassem
contrariamente aos seus atos, conforme o fez em relação à imprensa — contribuíram
para El Argos mostrar mais ainda a figura de D. Pedro como tirano. Não pairam
dúvidas, para o periódico, de que muitas das medidas adotadas por D. Pedro I foram
macadas por interesses próprios. O final do ano de 1823 mostrava que El Argos, sem
esperança de uma reconciliação diplomática, ainda não via problemas com o Brasil, e
sim com D. Pedro I.
BRASIL. — Aunque en los números antecedentes hemos lado noticia de los sucesos del Brasil y en especial de la disolución del congreso. [...] ¡Que fatalidad brasileros! ¿Viven entre nosotros estos monstruos y viven para devorarnos? Dios! Es crimen amar al Brasil, haber nacido en él y pelear por su independência y por sus leyes? Aun viven, y aun soportamos on nuestro seno semejantes monstruos?300
Nos últimos números, a esperança parecia esgotar-se:
Sabemos que el gobierno ha recibido correspondência de su enviado el Sr. Gómez cerca de S. M. el emperador del Brasil. Hasta ahora nada se ha traslucido al público. La. grave importancia del asunto que tavo por objeto esta mi sión, pone á los hombres en la ocasión de aventurar sus juicios. Nosotros nos abstenemos de dar el nuestro en on negocio tan delicado y tan obscuro.301
Na última publicação do ano de 1823, El Argos parecia fazer um manifesto aos
povos americanos:
Los Pueblos americanos desconocen esas rivalidades de las naciones del viejo mundo. Los hijos de América son todos amigos y hermanos, sus enemigos y rivales solo les vienen de Europa. Opóngase en hora buena la objeción de que están aun muchos estados americanos entregados á las facciones anárquicas, sería absurdo contar con ellos. Hagamos justicia al corazón humano. Si un Pueblo dividido en partidos tiene el orgullo de no ceder á alguno de ellos, todavía la conciencia de su propia seguridad lo obliga á entregarse á la mediación é influencia de un Pueblo extraño, y bien constituido. Tampoco faltan grandes genios capaces no solo de concebir, y perfecionar sino también de poner en acción este grandioso proyecto. Aun viven los Andradas, los Adams, los Bolívares, y los Rivadavias que pueden dar á la Europa asombrada el expectáeulo de una Dieta propiamente Santa, que tanta honra hará á la humanidad, aun cuando se di solviese sin conseguir los fines propuestos. La América encierra en su seno personas dignas de esta
300 El Argos de Buenos Aires, nº 152, 5 de dezembro de 1823. 301 El Argos de Buenos Aires, nº 158, 20 de dezembro de 1823.
138
empresa, y ja historia ya los aputa: mas ¡ ó desgracia ! ui si quiera los gobiernos donde existen esos grandes hombres se corresponden, y comunican ! ¡ Todavía las moribundas hachas de la política europea tienen bastante calor para dividir pueblos hermanos ! ¡ Aun el filósofo patriota ve con indiferencia que los pueblos americanos parecen vivir aislados, y desconocidos enter sí en su propio hemisfério.302
A citação longa se faz necessária, porque El Argos mais uma vez emfatiza uma
narrativa de América em conjunto para deslegitimar a figura de D. Pedro como o
grande problema americano. Nota-se que o imperador aparece como todos os males
possíveis para esse grande hemisfério, já que ele está fazendo um povo irmão se
tornar inimigo. Issos ocorre porque D. Pedro é europeu e, na narrativa do periódico, é
a Europa que instaura isso. Além do mais, mais uma vez, o periódico enaltece a figura
de Bonifácio. Agora, apontando-o como tutor do grande ideal americano, juntamente
com outros grandes políticos de todo o hemisfério. A guerra viria, mas a culpa não
seria dos brasileiros, e sim, do grande imperador. A narrativa nos parece mostrar que,
nesse momento, o Brasil deixaria de ser visto como irmão americano para se tornar o
inimigo.
4.5 Quem quer ser americano no Brasil? Os anos de 1824
A conjuntura interna portenha também não seria positiva para a elite
rivadaviana. Cada vez mais, ela iria perdendo o espaço portenho. Ao longo de 1824,
os embates começaram a se tonar mais evidentes. Uma vitória da facção rivadaviana
no Congresso Constituinte daria um ar de continuidade a seus projetos, mas sem
dúvidas não com a mesma vitalidade dos anos áureos do começo de 1820.
No ano de 1824, El Argos manteria sua postura com as mesmas motivações e
objetivos: confrontar a apatia da sociedade diante de questões de interesse público e
padronizar a opinião, mas não com o mesmo vigor político ligado ao projeto
rivadaviano. Agora com o nome El Argos de Buenos Aires y Avisador Universal, o
periódico, no ano de 1824, mostraria que as leituras sobre o Brasil seriam renovadas,
considerando-o como a França da América e associando-o à Santa Aliança. El Argos
mostrava que o Brasil não estava em consoância com o restante da América. Isso se
deveu à sua forma de governo: imperial, monárquico, conforme os princípios que a
302 El Argos de Buenos Aires, nº 158, 20 de dezembro de 1823.
139
Europa mantinha:
Ya hemos dejado entrever nuestra opinion en resistencia de la doctrina de esta confederacion de estados; pero desde que la vemos apoyada en un estado que aunque americano por su posición geográfica, se levanta subordinado en todos los respectos á los principios que hacen la vergüenza de la Europa, nos parece que á mas de disentir, debemos llamar la atencion al mayor peligro de tal confederacion recomen dada en el Brasil al presente, é introducida en ella una Santa Espia, como lo sería aquel estado regido bajo
el amparo de los mayores tiranos del mundo.303
A forma imperial de governo foi transformada pouco a pouco no que era fora
de sintonia com o grande hemisfério do novo mundo, sobretudo, a partir do El Argos,
o século XIX era considerado o século da liberdade, quando a forma monárquica de
governo recordava a dominação europeia. Se de um lado agora o Brasil aparecia em
diferença com a América por conta de seu imperador tirano europeu, por outro, na
narrativa do periódico, o país estava agora sozinho na sua forma de governo, ou seja,
era isolado como resultado da queda do império mexicano de Iturbide.
Nosotros fundados no solamente en la razon sino en la experiencia creémos que el Emperador resistiendo un impulso tan respetable en el continente americano, no hará mas que prolongar las desgracias del Brasil, y acortar la existencia de su cetro; perdiendo la oportunidad importante que se le presenta de registrar su nombre entre el número de los emperadores fugitivos del siglo diez y nueve.304
O imperador D. Pedro I, herdeiro do trono de Portugal, era considerado sem
nenhuma função, além de ser aliado dos soberanos europeus, “Sin Bonifácio el Brasil
no es americano. El Emperador está de acuerdo con la Santa Alianza, con la Francia,
y con sus principios”305, sentenciava El Argos. A França parecia estar encarregada de
selar o fim dos governos constitucionais na península ibérica. Nota-se que Portugal,
aos poucos, no ano de 1823 e mais concretamente em 1824, deixa de ser o inimigo
para concretizar o Brasil, e agora a França, como ameaça constitucional.
Na edição de março, o periódico se perguntava se o Brasil, juntamente com a
França, poderia arrastar seus princípios para o novo mundo. Nesse caso, o Brasil era
o único aliado com quem a França poderia contar na América: “uno de los hechos que
alegamos para justificar las siniestras intenciones del gobierno de Francia ácia los
Estados Republicanos del Nuevo Mundo, fue las distinciones que había dispensado
al Brasil en su carácter de Imperio”306.
No entanto, estamos de acordo com que esta abordagem estava mais para
303 El Argos de Buenos Aires y el Avisador Universal, N° 5, 31 de janeiro de 1824. 304 El Argos de Buenos Aires y el Avisador Universal, N° 8, 10 de fevereiro de 1824 305 El Argos de Buenos Aires y el Avisador Universal, N° 13, 3 de março de 1824 306 El Argos de Buenos Aires y el Avisador Universal, N° 13, 3 de março de 1824
140
uma narrativa simbólica do que propriamente uma ação ou plano concreto, dado que
tanto a França como todas as coroas europeias declararam que não tinham intenção
de colaborar com os países ibéricos para recuperar suas ex-colônias. O próprio El
Argos, em um número posterior à publicação da carta do consul francês, argumenta
sobre tal menção:
Circulan, hace algun tiempo, espécies, relativas á las pretendidas disposiciones que se dicen manifestadas por la Francia á conceder socorros á las potencias de la Península, para ayudarlas á reconquistar sus antiguas colonias. Estas espécies, bien que absolutamente opuestas á laverdad, siendo con todo denaturaleza capaz de inquietará algunas personas, deperjudicar al comercio, y álos vasallos franceses establecidos en esta província; es de mi deber declarará V.E. que la Francia, desea por el contrario estrechar cada vez mas las relaciones que han principiado ya áestablecerse entre ambos países, y dará las comerciales una extension recíprocamente.307
No entanto, El Argos parecia pouco se importar com a postura francesa.
Obviamente, era uma postura importante, mas o que girava em torno da narrativa
portenha era, ao mostrar a relação com França, incitar o antagonismo entre as
repúblicas e o império na América. El Argos tentava refutar a ideia de grandezas
físicas e morais do Brasil, graças à sobrevivência da fórmula monárquica, com a qual
se acreditava que o Império havia nascido no país308.
Se o antagonismo começou a ganhar tom em 1823, em 1824 parecia ter se
concretizado: o tipo de governo agora fazia toda diferença na narrativa portenha.
Assim, como já destacamos, se a segunda metade de 1823 se demostrava fervorosa
— pois o jovem Imperador tomava medidas arbitrárias com a saída de Bonifácio e
com o fechamento da Assembleia Constituinte —, o ano de 1824 ganhava cada vez
mais força, sobretudo com a outorga da Constituição. Nesse ínterim, além de legimitar
sua posição perante a opinião pública, El Argos mostrava a necessidade de minar a
figura do monarca por dentro do sistema constitucional. Assim, a s críticas em torno
de seu próprio comportamento arbitrário valeriam como munição.
O antagonismo entre os conceitos de Monarquia/República aparecia de
maneira evidente, mas agora dentro do Brasil. O republicanismo apresentava-se,
assim, como ideologia americana, uma coluna dentro do próprio império, o que causou
entusiamos no periódico. As notícias sobre a nova rebelião em Pernambuco foram
anunciadas.
El Argos informara que Pernambuco proclamava independência a D. Pedro I.
307 El Argos de Buenos Aires y el Avisador Universal, N° 14, 6 de março de 1824 308 El Argos de Buenos Aires y el Avisador Universal, N° 14, 6 de março de 1824
141
Nesse contexto, vale elucidar que a Independência era contra D. Pedro, e não uma
separação contra o Brasil. Mais uma vez, El Argos de Buenos Aires y El Avisador
Universal manteria os olhos fixos neste. A partir de maio, uma coluna própria de
Pernambuco aparecia no periódico portenho. O intuito era deixar a opinião pública
americana inteirada dos acontecimentos. Nas publicações, houve exaltações aos
próprios Pernambucanos:
Por mas que los papeles públicos del Janeiro se empeñan en suavizar para con sus lectores el estado de fermentacion en que están todas las Provincias del Norte, cartas particulares de la mayor respetabilidad anuncian desde la Bahía que Pernambuco que es el pueblo mas enérgico y mas libre de la América portuguesa, conducido por los ciudadanos mas hábiles y de mayor crédito se mantienen con heroicidad en República con independência absoluta del emperador.309
Como já apontamos, nota-se que a crítica era contra o imperador, mas
Pernambuco agora inseria o Brasil na ideologia americana republicana. Caberia a
esses “mais qualificados homens” o papel da indepência absoluta do Imperador.
PERNAMBUCO.—Este pueblo bravo, y el que mas sacrificios ha hecho por la causa de la libertad en la américa portuguesa, ha vuelto otra vez á oponer da frente una fuerte resistencia al sistema establecido en el Janeiro por lo que allí se llama el Emperador absoluto. Empezó por rechazar el nuevo Presidente enviado a aquella provincia por el ministerio imperial, y por ratificar la eleccion popular anteriormente hecha para el mismo destino; este acto trajo el bloqueo de Pernambuco, establecido é intimado á todos Cónsules extrangeros en el nombre del Emperador: e [ilegível], residente legítimo reunió tambien á la distancia de la capital alguna fuerza: por ambas partes se adoptaron medi das rigorosas, y todo tomó el aspecto de una guerra encarnizada. En este estado el Presidente Paes de Andrade que es el que la provincia ha elegido, ha dirigido con fecha 1º de Mayo de este año um Manifiesto á las Provincias del Norte del Imperio del Brasil, el cual contiene un detall de todos los extravios en que ha incurrido el ministerio del Janeiro, la preponderancia que en esta corte han adquirido los portugueses, lamarcha despótica del Emperador hácia todos los pueblos, especialmente contra el de Pernanmbuco; y la revelacion de que D. Pedro está coligado con D. Juan y con los tirarios de la Europa para dar en tierra con la in ependencia y con la libertad del Brasil y la América; concluyendo del modo tuas enérgico por invitar á todo el Norte á tomar las armas para sostener el principio de que ningun gobierno y ninguna constitucion debe reconocérse que no emane de la voluntad de los pueblos expresada por medio de sus representantes reunidos en Cortes Nacionales. Este manifiesto existe en nuestro poder; su mérito es distinguido tanto por el modo decoroso y sólido en que está concebido, como por que no respirando sino nuestros mismos sentimientos de li bertad é indepeudencia, acredita que tiende á completar como conviene la emancipacion de América; pero su extension no nos permite, como deseáramos, insertarlo em nuestras columnas- él estará, sin embargo, en la imprenta á la disposicion del que quisiere leerlo. Estamos seguros, que cual quiera, sin pretender tener derecho á ingerirse en los asuntos interiores de un Estado independiente, se sentiría como nosotros nos sentinos, leyendo el manifiesto y recordando los constantes esfuerzos que los Pernambucanos
309 El Argos de Buenos Aires y el Avisador Universal n° 31, 22 de maio 1824
142
han hecho por la libertad, inclinados á rogar por el mejor exito de su causa americana.310
A Confederação do Equador pautava-se no primeiro movimento de grande
porte a contestar, de maneira contundente, o poder do novo Imperador do Brasil. O
governo imperial promoveu uma forte repressão ao movimento, após alguns meses
de guerra. Conseguia dispersar os insurgentes e prender seus principais líderes.
Entretanto, o movimento, para o periódico, fez surgir um receio dos liberais pelas
atitudes autoritárias de D. Pedro I. Em uma publicação, El Argos assevera:
No se busquen fuera del Brasil causas extrañas y motivos de susto; precúrense en las reiteradas correspondências del diario de su gobierno: procúrense en los activos manejos que ahora se hacen protuoviéndose la sospecha é indisponiendo partidos: procúrense en la tolerancia de los abusos de la administracion de justicia, desprecio de la ley é impunes arbitrariedades; y no se pierda de vista que la mayor parte ó casi todos los gobiernos de las provincias del Norte están de hecho procediendo como estados independientes [...] los pueblos mudan los gobiernos como y cuando ler parece, ó quieren, y todo esto sin consultar la coluntad de gobierno de la corte, cuyas órdenes no cumplen cuando se persuaden que no les conviene y es de temerze que á la menor señal de absolutismo que dé la corte declaren como de derecho lo que de hecho estan practicando y no solo se desunan de la capital del imperio, se no que establezcan un ejemplo capaz de recorrer el Brasil con la rapidez y hacer que el imperio quede en poco tiempo reducido á
la ciudad capital del Rio Janeiro. Estas y otras muchas consideraciones que son tan obvias como deben ser evidentes las consecuencias de verdades de hecho, no pueden escapar á la perspicacia de S. M. I., que tiene el mayor y mas inmediato interes en el sosten del imperio dependiente de la reunion de las provincias. Agrégase que la influencia del ejemplo de Portugal deberia haber aparecido obstruyendo, ó totalmente embarazando los trabajos de la soberana asamblea, lo que no se ha verificado, no hai sospechas de que se verifique. Sr. Bonifácio fue cuerpo el termómetro de las estabilidad del impero, y, segun nuertro modo de ver las cosas, en el momento en que se pertuben sus libres trabajos, ó ella delibere con desacierto, principia irremisiblemente la desolacion de los representantes, y representados. Concluimos de lo expuesto que son infundados todos los recelos de la imitacion de ejemplos por S. M. I. Este de no es capaz de serguirlos en cosas de pequeña entidad, cuanto mas en esta, que parece traer consigo la nulidad de su al empleo: el derramamiento de mucha sangre, y Dios sabe tambien la de su inocente augusta familia, pues que rotos los diques al respeto no hai ley que domine la furia de las pasiones, de los odios, y de las venganzas que son efectos necesarios de las revoluciones manejadas por entregas de caprichosos partidos. ¿Y dejerá S. M. I. de evitar estos males en cuanto está de su parte? No creemos que se descuide. Es prudencia preveer el mal, pero es peligroso darle mayor bulto del que parece tener, esto es dar existencia á lo que á penas es posible existir. Tal vez que nuestro raciocinio sea defectuoso, y tambiem erroneo, pero hacemos uso de nuestras facultades mantales con la capacidad que nos dió la naturaleza, y no dejaremos de reconocer y confesar nuestro error de entendimiento luego que se nos haya mostrado: no pretendemos pasar por sábio, y menos ser tenido en cuenta do profeta ú oráculo.311
310 El Argos de Buenos Aires, nº 56, 3 julho de 1824. 311 El Argos de Buenos Aires, nº 74, 9 de agosto de 1824.
143
Pernambuco parece entrar no seio da vontade de ser liberta das arbitrariedades
do Imperador. Este marcado como uma figura de interesses próprios. Ademais,
considerava-se que o grande detentor da instabilidade do Império era José Bonifácio.
A elite rivadaviana, juntamente com o periódico, tentava mostrar os males que D.
Pedro iria causar ao Brasil, embora desejasse estar errada acerca do diagnótico sobre
o país, conforme apresentava.
O imperador, por sua repressão, conseguiu malograr o movimento de
Pernambuco. Porém, reanimariam-se os ânimos em torno das províncias do Império
em aderir à república, embora não seja observado como um projeto separatista. Sobre
isso, as publicações do El Argos foram além de especulações. Para o editor, os
brasileiros, como americanos, só poderiam desejar mais do que a queda do sistema
imperial. O periódico ressaltava não que Pernambuco deveria se separar do Brasil,
mas que as ideias americanas estivessem difundidas no seio das vontades contra o
imperador, que as tolhia. A diferença que ecoava entre o imperador e os brasileiros
fizera-se sentir já em Pernambuco. Ao longo de 1824, o editor do periódico mostrava
um Brasil dominado pela anarquia, cujo Imperador era a causa de todos os males,
embora o império estivesse se consolidando efetivamente como uma monarquia
constitucional.
4.6 O prelúdio da Guerra: o ano de 1825
No final do ano de 1824, em todos os cantos do império, incluindo a província
Cisplatina, a constituição jurava eliminar qualquer perigo de revolta interna.
Entretanto, graças à ruína de Portugal e à intervenção britânica, iniciaram-se
negociações para o reconhecimento da sua existência como Estado soberano e
independente. Paralelo a esse cenário, em Buenos Aires, a facção rivadaviana perdia
o controle institucional da província, mas o projeto nacional estava sendo
desenvolvido. Em dezembro, a Assembleia Constituinte dar início a suas sessões e o
conflito contra o Império foi pauta central312.
É preciso recuperar que, mais do que refletir sobre as motivações que levaram
312 DONGHI, 1979, p. 301.
144
Brasil e Buenos Aires a chegarem a medidas extremas para disputar o controle da
Província Cisplatina, interessa-nos pensar como o periódico interpretou o Brasil. A
participação brasileira diplomática na cena externa foi vinculada à construção do
Estado Imperial e às tensões internas no Brasi, que demonstra ser pacificado no
momento em que era imperativo garantir sua coesão territorial e política sob os
auspícios da Coroa. É dessa maneira que defendemos a interpretação de que a visão
negativa sobre o Brasil estava vinculada à figura de D. Pedro I, tendo a saída de
Bonifácio um momento decisivo para a estopim da Guerra da Cisplatina, na medida
em que também influenciou o debate da ordem constitucional no novo mundo e sobre
a implantação do sistema representativo do Brasil. Percebemos, também, que uma
das consequências dos embates que o periódico El Argos demonstrou obteve
respaldo da elite rivadaviana. A contenda no Prata contribuiu para o cerne dos debates
na Assembleia Geral sobre a soberania, a qual divergiu em relação ao papel do
Imperador e, consequentemente, sobre o “lugar” que deveria ocupar na política
brasileira313.
Por parte da historiografia, algumas interpretações mais recentes ainda não
romperam com o entendimento de alguns dos representantes de autores clássicos,
no que tange ao marco cronológico para se pensar a Política Externa Brasileira do
passado monárquico. Embora se dediquem a pensar a política internacional do Brasil
durante o Império, ainda não romperam com certos paradigmas tradicionalistas. As
abordagens de José Luiz Werneck da Silva e Williams Gonçalves apontam que a
política externa do Primeiro Reinado iniciou-se não em 1822, mas sim em 1831,
justificando que, até a abdicação, qualquer tentativa diplomática “pertenceu à história
de Portugal e não à história do Brasil, pois, esteve ligada aos interesses
fundamentalmente dos Bragança e dos segmentos sociais a eles acoplados” 314. Em
suma, concordamos parcialmente com essa assertiva uma vez que a ambiguidade
existiu no discurso e na própria prática política no primeiro Reinado, por parte de D.
Pedro, pois estava vinculada aos países europeus, sobretudo quando tratava a
república das recém- fundadas nações como anárquicas. Para os representantes do
Velho Continente, vendia-se a imagem de monarquia forte e constitucional que resistia
à “anarquia” das novas repúblicas. No Hemisfério Sul do novo mundo, o fato de o
313 Para ver detalhes sobre essa questão, cf. PEREIRA, 2012. 314 GONÇALVES, Willians e SILVA, Jose Luis Werneck (orgs). Relações Exteriores do Brasil: 1808- 1930): a política externa do sistema agro-exportador. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 40.
145
Brasil ser uma monarquia era flexibilizado por agentes como José Bonifácio, que foi
um dos primeiros representantes a pensar em uma diplomacia fraternal entre
americanos.
Cremos em que, no geral, associar a imagem, negativa que Buenos Aires
construiu em tão pouco tempo sobre o Brasil, ao desenrolar da Guerra da Cisplatina
permaneça pouco estudada na historiografia contemporânea por conta de duas
interpretações, principalmente: em um primeiro estágio, a Guerra foi associada a uma
herança da política joanina no Rio da Prata, como anteriormente indicamos. Aline
Pinto Pereira mostra que, para muitos representantes da historiografia clássica, a
política externa do Primeiro Reinado e o tema não merecem a atenção apropriada por
se tratar apenas de um desdobramento dos eventos anteriores. O segundo estágio
seria que, em grande parcela, pouco se estuda sobre as interpertações do Brasil
durante os primeiros anos pós-independência, principalmente por ser a figura de D.
Pedro vista por uma outra vertente, que não seja a dos periódicos brasileiros.
Entendemos que as disputas no Prata, em relação às intervenções de D. João
e à guerra estampada por Pedro I, representam limites de aproximações e distinções.
Tratando-se do elemento comum, salientamos a conjuntura revolucionária e o desejo
de dominar uma região que era a “artéria essencial à articulação da América”315.
Acerca de interpretações sobre o Brasil, salientamos ainda a figura de José
Bonifácio, pois ela continha o sentimento antimonárquico que pulsava nos países
vizinhos, o que permitia, portanto, uma aproximação em estabelecer uma expressiva
atuação diplomática, sem que o tipo de governo influenciasse.
Ao longo das publicações de El Argos, entendemos que o periódico, respaldado
pela elite rivadaviana, interpretou o tema do território do Prata com duas vertentes: a
primeira até 1823 e a segunda nos dois anos consecutivos. Na primeira,
compreendemos uma diferença veemente sobre os interesses do Brasil em se tornar
independente. No geral, sua interpretação é que D. João, enquanto representação de
Portugal, consequentemente, das ideais europeus, agia com interesses puramente
expansionistas, com o intuito de ampliar seus domínios na América. Assim, a
independência americana e a inserção do Brasil seriam o momento no qual foi pautada
a liberdade do novo mundo, bem como os interesses americanos destacados sobre a
315 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Expansionismo Brasileiro e a Formação dos Estados na Bacia do Prata – da Colonização à Guerra da Tríplice Aliança. 3ª Edição. Rio de Janeiro / Brasília: Revan / UnB, 1998, p. 55
146
Banda Oriental, os quais seriam discutidos, dessa forma,, entre essa nova ordem da
liberdade americana. No entanto, El Argos mostrou que a diplomacia e os interesses
americanos pareciam estar centrados nos pilares de Bonifácio. É nesse momento
(1823) que entra uma nova interpreção do períódico sobre o Brasil, pois enquanto
Bonifácio, como uma das personagens mais fervorosas da causa americana, saía de
cena, a figura de D. Pedro I começava aparecer com ações, inclusive ao território da
Cisplatina, de defender interesses europeus de sua própria ordem pessoal. O
períodico vincula a figura do jovem imperador como arbitrária contra a América. Se
olharmos a política externa do Brasil pela ótica do Imperador, veremos que seu
interesse era costurar a união do território, que ainda não estava completamente
pacificado316. Além disso, é necessário entender que, diante do dinamismo de um
cotidiano de incertezas e de alianças que se desfaziam ao vento, Bonifácio parece ter
sustentado uma atitude pacificadora entre os dois territórios. Não sabemos,
obviamente, qual seria o resultado se ele estivesse como ministro nos anos
conseguintes. Mas tudo indica que a guerra, pelo menos enquanto a elite rivadaviana
permanecesse no poder, parecia não estourar.
Entendemos que há dificuldade de dissociar a ação de Pedro I da política
europeia, sobretudo se tratando da política de D. João na Cisplatina. Não há como
analisarmos a guerra de 1825 sem entendermos o processo anterior. Talvez uma
interpretação menos cerrada fosse mais adequada , embora as ações de Bonifácio e
D. Pedro— inclusive, neste caso, as ações do próprio D. João anteriormente—
estejam inseridas na mesma conjuntura revolucionária. Cada ator teve motivações
diferenciadas para conduzir a sua participação no Prata.
Obviamente, se olharmos para o Imperador, vemos que D. Pedro tinha
consciência da importância da Cisplatina por suas potencialidades políticas e
econômicas. Além disso, a própria conjuntura pós-1822 tornou-se fucral para não
demonstrar fraqueza em um cenário marcado por projetos e turbulências políticas
internas. No entando, se olharmos para a interpretação de El Argos, parece-nos que
as mudanças na relação política entre Brasil e Buenos Aires aconteceram contra o
que eles denominavam de interesses do próprio Imperador, ainda que não fossede
forma surpresa, após a sáida de José Bonifácio, o que consequentemente
transformou a relação à ação dos dois Estados.
316 PEREIRA, 2012, p. 95.
147
Se tomarmos a guerra como um elemento inerente às condições da política,
veremos o conflito da Cisplatina enquanto solução extrema para a pacificação do
Brasil e consolidação de um projeto de Império, que tivera seus objetivos frustrados.
Semelhante leitura pode ser vista sobre o prisma da elite rivadaviana. Ou seja, tanto
o imperador quando Rivadavia prentendiam, com o território, vincular uma imagem
vencedora para seus “rivais” internos.
Parece, com menos intensidade, que o conflito no Prata, nas palavras de
Gustavo Barroso, era o “Minotauro na América”317. E a culpa caíria sobre a figura do
imperador. Se até naquele monenta a forma de governo não era importante para
América nos anos iniciais, uma vez que o Brasil estava no cerne do novo mundo, a
clara alusão à figura do monarca como o entrave para os americanos, a partir de 1824,
tornou-se concreta. A imagem do Brasil fora de sincronia com a América parece se
concretizar posteriormente.
Em 1825, a situação local e internacional era mais favorável para Buenos Aires
do que em 1821. A reunião do Congresso Constituinte Geral levou à suposição de que
os problemas jurisdicionais logo seriam superados entre os territórios que compunham
o Vice-Reino do Rio da Prata. Da mesma forma, a Espanha foi completamente
derrotada na América e suas ex-colônias foram organizadas como estados
independentes, sob a fórmula republicana, inclusive, os projetos estavam circulando
para formar uma união continental mais ampla. Além disso, a independência política
das nações americanas foi reconhecida pelos Estados Unidos da América e, no
decorrer de 1825, eles passariam pela Grã-Bretanha.
Um importante adendo merece ser exposto. Antônio Carlos Lessa mostra que
o interesse dos ingleses frente a toda essa conjuntura já era um desenrolar de anos
anteriores. De acordo com o autor, a diplomacia inglesa foi muito competente em
relação ao processo de independência ibero-americana. A sua presença no Novo
Mundo tinha como intuito obter negociações comerciais por meio de tratados e outras
prerrogativas que lhes agregassem vantagens econômicas318. Lessa expõe que os
ingleses, além de visarem ao Prata— já que era o solo fértil para a expansão da
economia britânica, como explicitaram com a própria invasão inglesa no antigo vice
317 BARROSO, Gustavo. História Secreta do Brasil. Volume 2. Rio Grande do Sul: Revisão Editora Ltda, 1993.p 77 318 LESSA, Antonio Carlos. História das Relações Internacionais. A Pax Britanica e o mundo do século XIX. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, p. 81.
148
reinado— tinham interesses com a Coroa Portuguesa. Como a invasão hostil não
obteve sucesso esperado, os europeus reavaliaram a estratégia de aproximação do
Novo Mundo, reconhecendo, sem delongas, as independências das ex-colônias da
dinastia dos Bourbon. Em relação ao Brasil, o propósito inglês sobre as
potencialidades do continente americano manisfestou-se na própria transmigração da
Corte, medida considerada uma salvaguarda à monarquia dos Bragança em meio à
conjuntura revolucionária do novo mundo319.
Voltando ao periódico El Argos de Buenos Aires, é possível perceber que sua
característica de ilustrar, ao longo dos anos, dava lugar ao caráter noticioso. A atuação
propagandística do ministerialismo rivadaviano, dos anos iniciais, cedia lugar para as
notícias que visavam o contexto interno e externo. Tratando-se do Brasil, o caminho
foi, sem dúvida, marcado por interesses portenhos. No entanto, ao que nos parece,
por mais que o periódico estivesse minimamente ligado à elite portenha— isto é,
permaneceria uma parte da elite sem depender dos próprios receios para a publicação
do periódico— a narrativa sobre o Brasil aparece como primordial para a futura nação,
não mais somente com os rivadavianos. Desde a primeira edição, publicada em 1821,
até as ultimas páginas de 1825, ocorrem diferenças que puderam ser observadas
ativamente: seu conteúdo, forma, interesses e preocupações eram diferentes. No
último ano, os editoriais apareciam somente na capa; nas páginas restantes, as
notícias sobre questões atuais ficavam por conta do editor e sua expressão de posição
própria.
Nessa transformação, o periódico, porém, manteve uma característica que
pareceu inerente aos periódicos do século XIX: legitimar suas posições perante a
opinião pública. Nesse sentido, El Argos de Buenos Aires mostrou acompanhar, mais
do que os líderes do próprio Estado independente acompanharam, as lideranças dos
processos independistas americanos, a fim de legitimar seu posicionamento de luzes
perante o novo soberano do século XIX, o povo.
Como salientamos em vários pontos, os editores que passaram pelo El Argos,
em algum momento, participaram da redação do periódico, também ocuparam cargos
nas instituições provinciais. Devido a isso, tanto para eles, como também para nós,
foi, e ainda o é, difícil separar essas duas atividades. À medida que as interpretações
319 LESSA, Antonio Carlos. História das Relações Internacionais. A Pax Britanica e o mundo do século XIX. Rio de Janeiro: Vozes, 2005, p. 81.
149
sobre as conjunturas internas se inseriam em uma militância de governo própria da
facção rivadaviana, tratava-sede narrativas que eram para a elite rivadaviana ou para
os portenhos? Ou, ademais, para as Províncias Unidas do Rio da Prata? Nesse
mesmo viés, quando destacamos sobre a dificuldade de distinção para eles, aborda-
se que a imprensa lhes era um espaço onde instituições provinciais militavam.
Portanto, a imprensa seria o espaço político da própria política.
Quanto ao Brasil, ao tema que temos explorado, notaram-se dois eixos fulcrais:
com a chegada do reconhecimento de que Portugal e os ingleses fizeram da
Independência do Brasil, c findava-se a ameça de recolonização dos europeus para
com os americanos. Isso, de certo modo, desafiava cada vez mais as interpretações
do periódico quanto às pretensões de Portugal de reapresentar a porção lusitana da
América. A independência concretizada abriria um novo leque para El Argos de
Buenos Aires. Em suma, o conflito era que o Imperador, conforme seus caprichos,
tinha escolhido arbitrariamente quais territórios eram seu império, já que anexou a
Banda Oriental sem ao menos entender os interesses americanos. Segundo o editor
do periódico, essa atitude de D. Pedro I levaria os ideais americanos a ser postos de
lado. Ele conseguiu provocar uma guerra com as Províncias Unidas.
Sin embargo de estos pretextos las Provincias Unidas de la usurpacion que quiera hacer de su territorio, y de haber propuesto medios de conciliación pacifica, aun el emperador parece insistir en un propósito de no reconocer su injusticia, incitándonos á una guerra, que quizá le produzca males irreparables; por que este será el único medio de hacer valer nuestros derechos, si se empeña en desconocer para nosotros los principios sancionados por todas las naciones y acogidas por él mismo.320
Ao longo dos meses de 1825, pouco a pouco, tornava-se clara a tensão que se
concentrava na iminência do conflito armado, provocada pelo litígio sobre a Banda
Oriental. Uma longa citação se faz necessário:
AL PUEBLO. Brasilenes: la fuerza del, despotismo solo consiste en la debilidad con que se le resiste. Rompase el yugo de la tiranía, y enarbolese el pabellon de la libertad: ya está probado que un pueblo es libre en el momento que quiere serlo ¿qué nos detiene? ¿Seremos tan cobardes, tan poco nobles, que trepidemos resistir á quien nos teme ? ¿ El lujo de la corte, su depravacion, sus vicios, nos habrán enbrutecido en tanto extremo que seamos indiferentes al bien ó al mal de la patria- sus gemidos nos penetrarán nuestros corazones ? Brasileros: los americanos no soportan monstruos coronados, asesinos, que perjurando cuanto juran, nada quiere a que no sea un absoluto poder, el mando supremo, des conociendo la soberanía nacional, para imponernos el yugo de sus caprichos. Sultanes en América! ¡Nosotros musulmanes ! ¡nuestra religion abandonada! nuestras hijas y mugeres prostituidas en el serrallo de un turco! Nosotros esclavos de un tirano, sin religion, sin ley, sin moral, sin honra ! A las armas brasileros: á las armas fulminenses: muera - el tirano que traidor al Brasil ha sembrado los inmundos
320 El Argos de Buenos Aires N° 36, 2 de abril de 1825.
150
- calabozos de brasileros distinguidos y de honrados militares!!! ¿Sabeis cuales son sus crímenes? ¿Horrorizaos: no son otros que el sospechar que promovian la libertad de la patria: entre ellos hay algunos que ha poco representaban á la nacion brasilera, y que yacen privados de la luz del dia, sumidos en hórridas cabernas, donde la desesperacion les arranca las fuerzas y la vida !!![...] Execrables sereis ante el Brasil todo, si ven diende la patria á un tirano, dejais á los pueblos el esclavitud !!!—No—es ya tiempo de adquirir renombre, honor y gloria: tomad las armas, y defendednos contra el fiere yugo de la tiranía. Si esos malvados portugueses se opusieren, desconociendo nuestra razon, nuestra justicia, ne serán hombres, sino excresencias de la espécie humana que avergüenzan: una despreciable muerte será su prémio; pero aquellos que nos siguieren, serán brasileros nuestros amigos, y sus fortunas como sus vidas se unirán á las nuestras para la defensa de la libertad americana -.,, Brasileros, nuera el tirano, y salvése la América de la esclavitud”.321
A citação longa é encontrada duas vezes ao longo das publicações do
periódico. A primeira é referente a 1824 e a segunda, a 1825. Na primeira, El Argos
se refere a um artigo publicado no número anterior com uma carta que recebia em
suas mãos. Sem maiores detalhes da carta, El Argos publicava sobre a situação de
Pernambuco. Na segunda publicação, o extrato citado aparece referente à guerra
iminente. O que nos parece interessante é o fato de que o periódico parece tratar a
Guerra não contra o Brasil, assim como o conflito de Pernambuco. Ou seja, em 1824,
usava da citação para dar o tom de que Pernambuco não queria se separar do Brasil.
Tratava-se de uma briga política por conta do Imperador. No ano de 1825, a mesma
menção é feita, agora para alegar que as Províncias Unidas do Rio da Prata não
queriam separar o Brasil da América Era uma guerra contra o Imperador. Em sua
narrativa, aparece a necessidade de salvar a América da tirania, contando com a ajuda
dos brasileiros.
O entrave da Guerra ressaltou a figura de D. Pedro, em um primeiro momento.
A questão da Independência era vista como mero coadjuvante do grande Bonifácio.
Posterior à saída do ministro, associou-se a D. Pedro I, no plano externo e interno, a
imagem de tirano europeu. El Argos de Buenos Aires criticava a postura do Brasil,
afirmando ainda a mecessidade de que seus habitantes se unissem a “la defensa de
la libertad americana”322.
O que podemos perceber é que El Argos buscou, como já bem o enfatizamos,
classificar o conflito como uma questão entre a causa da América contra a tirania,
polarizando, no ano de 1824 e 1825, a guerra entre os ideais monárquicos e os
321 El Argos de Buenos Aires, nº 44, 4 de maio de 1825. 322 El Argos de Buenos Aires, nº 46, 8 de maio de 1822.
151
republicanos. O Brasil, no grande século das luzes, inseria-se como o único país que
contava com o governo de um tirano ambicioso, que se intitulara imperador
constitucional, embora só se concretizasse aos olhos dos americanos brasileiros. El
Argos publicou um artigo escrito pelos “LOS CONSTITUCIONALES PRACTICOS”.
En nuestro siglo que puede llamarse por antonomasia el siglo de las constituciones, se han visto sobre este renglon, tanto en Europa como en América, sucesos singulares. Allí unas veces los tronos apurados por falta de recursos han capitulado con los pueblos y ofrecidoles, al menos, el nombre de coustitucion para sofocar las reacciones que amagaban. Aquí esta misma oferta ha sido uno de los resortes que los gobiernos han jugado, pero, para calmar las pretenciones de una convulsion popular des pues de hecha. En Europa los libertadores han forcegea do en favor de los constitucionales, acaso por aprovechar instantes, que allí tarde, mal, ó nunca vuelven ; y de facto, varias han sido sancionadas. En América el interés de figurar con un rango distinguido en el órbe político ha impulsado muchas veces á dictarlas; y se cuentan por docenas las que han conocido teoricamente. Allí como las constituciones han sido obra de momento ó de instantes, los legisladores no han cuidado de poner en acuerdo el espíritu de las leyes nuevas con el antiguo espíritu de los pueblos. Aquí, despues de consultar el primer objeto, el del rango, como las constituciones han sido sancionadas en medio de grandes choques demésticos, el estado de incertidumbre en que por lo tanto han estado los le gisladores, les ha inhabilitado para hacer leyes que com placiesen á la mayoria. En Europa el poder real, y su satélite la aristocrasia, habiendose puesto en campaña, se han tragado las constituciones. En América el poder republicano con su satélite la dermocracia ha hecho desa parecer cuantas se han sancionado. Allí las que existen, si pueden llamarse tales, son meramente la voluntad in dubitable de los tiranos. Aquí en la realidad todavía no existe una, cuyo origen muestre síntomas de estabilidad. Algunas en ambas partes se han mandado á las llamas, y las que hoy han sido recomendadas como artículo de fé al dia siguiente han sido proscriptas como aborto del infierno; de manera que en América y en Europa, [ilegivel] de haberse invocado tanto en este siglo el nombre de constitucion, ápesar dehaberse derramado tanta sangre por lo que este nombre quiere decir, puede asegurarse que solo existe en la primera la de los Estados Unidos, y en la segunda la de Inglaterra que traen su origen de un tienpo mas lejano. Pero despues de todos estos sucesos notables y deotros muchos que han acontecido en el ramo de constituciones, tanto en Europa como en América, acaba de ofrecerse á ambos mundos uno del género mas singular: hablamos del Brasil. El emperador disuelve la asamblea y anula la constitucion que ella dictó, ofreciendo S. M. presentar por sí á sus vasallos otra mas liberal que aquella. Sale la constitucion del emperador: el cabildo del Janeiro la lee; y sin ningun otro requisito publica un edicto en el cual, despues de declarar que la constitucion del emperador tan justa como era, satisfacia plenamente el interés por la seguridad de los derechos sociales; y que era una lástima que esta constitucion se sugetase al examen de una asamblea que solo traería la anarquía, llama á cada habitante del Janeiro para que libremente uno por uno vote sobre si la constitucion del emperador debía ya ser proclamada como ley fundamental, ó si ella debía reservarse al examen de un cuerpo representativo; y reuniendo en un libro dos, ó tres mil firmas en favor del primer extremo, en una poblacion de 150 mil habitantes, el cabildo se dirige al emperador pidiendole proclame su constitucion como ley fundamental del Brasil sancionada por el voto público. En tal caso Sr. Argos, querémos preguntarle que rango ocupará la constitucion del emperador en el naufragio general de las constituciones? Sus servidores.323
323 El Argos de Buenos Aires, nº46, 10 de maio de 1825.
152
Chamam-nos atenção dois fatos: primeiro, qual seria o motivo do periódico
publicar tal comunicado? O segundo é o fato de o periódico ter deixado claro que
Buenos Aires e suas lideranças nada tinham contra os habitantes do Brasil, imputando
todas as consequências ao Imperador. El Argos complementou:
Nuestros deseos por la independência y la prosperidad del pueblo de I Brasil como unestado americano, no se oponen á que nuestros sentimientos pugnen abiertamente con los principios europeos que dominan á su gobierno, y en los cuales se está educando con plan y con empeño á los brasileros. Reconocemos en esta marcha un germnen de corrupcion en el continente americano, y aun la creemos directamente hostil á las libertades que en este continente se proclaman: entretanto que todas las apariencias muestran muy claro que en quel gobierno montado á la europea si está cabando un sepulcro profundo en que ahogar la libertad del Brasil.324
A publicação traz à luz de que a briga não era com os brasileiros, era contra o
imperador e suas atitudes que iriam contra todos os princípios americanos. Estava
claro que, aos olhares do periódico, o Brasil não estava livre.
Uma resposta à nossa pergunta anterior poderia ser pensada se entendermos
que o El Argos de Buenos Aires buscava conquistar a simpatia dos habitantes do
Brasil, aos quais considerava oprimidos diante do tirano imperador. Já que dizia que
liberdade era a causa que unia todos os americanos, era necessário não tornar o
brasileiro um inimigo.
Já no contexto político portenho, o que acontecia era que os representantes
das províncias unidas pensavam em enfrentar uma guerra de caráter nacional. Assim,
o fundamento de sua existência estava no funcionamento do próprio Congresso
Constituinte, agora não apenas como parte dos anseios portenhos. Vale notar que o
território tornou-se o elemento aglutinador e organizador da Nação que viria a se tornar
a Argentina325. Além disso, dada a declaração de guerra, tornou-se necessário
reforça-la contra quem e por que a sua necessidade: o imperador, o grande tirano do
Brasil, sendo o Minotauro de uma América livre.
Falava-se em tirano não só pelas suas atitudes arbitrárias. Agora, o império
não estaria em sincronia com a grande ideologia republicana americana326. A
representação sobre o Brasil nas publicações do El Argos de Buenos Aires, em 1825,
arrastava elementos cujas mudanças temos compreendido ao longo deste trabalho,
as quais ocasionaram em sua narrativa para justificar a guerra.
324 El Argos de Buenos Aires, nº (ilegível), 15 de maio de 1825. 325 DONGHI, 1979, p. 312. 326 El Argos de Buenos Aires, N° 52, 1 dejunho de 1825.
153
O grande imperador do Brasil era associado ao “sultán” 327. Logo, caberia a um
povo com ilustração lutar contra as opressões e levantar mais do que a causa
nacional, uma causa americana. Segundo a pespectiva do periódico, esse tirano trazia
para América um governo não civilizado: primeiro, não era correto aos moldes
constitucionais, era arbitrário e nem garantias provia a seu povo. A força e a
arbitrariedade era a única lei dos tiranos: “La fuerza que es la ley de los tiranos, solo
con la fuerza se puede repeler: la razon no los desastres, y solo rodeados de deviles
esclavos están en su centro. Nosotros hemos jurado no serlo mas que nuestras
leyes”328. Essa era a diferença de um governo civilizado para outro que não detinha
esse preceito. Bernardino Rivadavia, juntamente com sua facção, havia elevado a lei
como característica universalizante, como impessoal e transparente; a opinião pública
se mostraria como a grande soberana e representante do povo. A guerra se encaixa
nesse sentido para o próprio periódico portenho como um dever universal.
No segundo semestre de 1825, El Argos publicou a necessidade de cumprir as
leis sancionadas no Congresso sobre a criação do exército nacional e a cota de
homens que cada província deveria enviar. Parece ser cada vez mais urgente, perante
a opinião pública, reforçar a Guerra para se proteger do Império do Brasil.
Em abril de 1825, um grupo desembarcava na Banda Oriental com a intenção
de provocar uma revolta contra o invasor lusitano. Sem dar maiores detalhes sobre a
atuação, El Argos publicou:
los beneméritos patriotas que hoy se hallan luchando gloriosamente en la Banda Oriental contra sus opresores, desembarcaron en sus costas, seguros de obtener la cooperacion de los orientales, y la de todos sus compatriotas.329
O desenrolar dessa disputa não apereceu nos números seguintes, tão pouco
referências sobre o Brasil. A próxima publicação que apareceria é datada do dia 3 de
setembro, referente ao Congresso da Flórida:
de hecho y de derecho libre, é independiente de rey de Portugal, de emperador de Brasil y de cualquier otro del universo. Que su voto general, constante, solemne y decidido es, y debe ser, por la unidad con las provincias Argentinas, á que siempre perteneció, por los vínculos mas sagrados, que refereel mundo conoce.330
No dia 12 de outubro, os militares orientais na batalha de Sarandí garantiram o
327 El Argos de Buenos Aires, n° 60, 20 de junho de 1825. 328 El Argos de Buenos Aires, n° 60, 20 de junho de 1825. 329 El Argos de Buenos Aires, n° 62,22 de junho de 1825. 330 El Argos de Buenos Aires, n° 184, 3 de setembro de 1825.
154
triunfo sobre as tropas brasileiras. Assim, consolidava-se o controle de Lavalleja sobre
a província, deixando apenas as cidades de Montevidéu e Colônia nas mãos dos
brasileiros. Em síntese, esse último triunfo foi um estopim para uma situação latente
e já previsível: a guerra entre as Províncias Unidas e o Brasil aconteceria sem
nenhuma dúvida. Depois dessa vitória, o Congresso anunciou mais uma vez a
necessidade de apoiar a urgência de dar um caráter nacional à guerra iniciada pelas
tropas dos orientais:
que el juvilo de sus triunfos se acribará con la conciederacion de los resultados que son de temerse si los orientales consuman sus victorias sin intervension de las demas provincias si derraman su sangre, si hacen esfuerzos mas heroicos, y observan que las provincias hermanas, el gobierno y el congreso nacional, son fríos espectadores de su lucha, ó tratan de entretener sus esperanzas con palabras dulces, ó aucilios mesquinos; por que á la verdad, ninguno es mas importante y preciso que el dar un caracter nacional á la guerra ; pues ninguna otra cosa puede contentarlos y satisfacer sus deseos.331
Votada em 25 de outubro de 1825, a lei de incorporação da Província Oriental
à Republica das Províncias do Rio da Prata, sob o comando do Poder Executico
Nacional, provisoriamente no Poder Executivo de Buenos Aires, parecia uma vitória
dos portenhos sobre o Império. Além disso, ficava encarregado de garantir a defesa
desse território332. Em 4 de novembro, o Poder Executivo Nacional informou ao
tribunal brasileiro a decisão tomada no Congresso e, no dia 10, o deputado do Leste,
Tomás Gomenzoro, ingressou no Congresso Constituinte.
A vitória de Sarandí pode ser observada mais do que uma vitória sob o território.
Ela mudava completamente as opiniões em Buenos Aires, sendo o gatilho para o
Congresso mudar sua atitude em relação à questão oriental. Tratando-se de El Argos,
o periódico teria ainda mais ânimo para expor seus argumentos sobre a necessidade
de fazer Guerra com o Brasil. Mesmo após a lei de incorporação do território, o
periódico ainda falava de uma guerra contra o Imperador. “Era indispensable hacer la
guerra a Brasil”333.
Em uma publicação de novembro de 1825, justificaria a guerra ao argumento
de que a afirmação da guerra contra o Império era por justiça, precaução e por
vingança americana334. Observando que o conflito indicaria a máscara de D. Pedro e
todo despotismo que trouxe à América. Relembrava também que a Guerra contra o
331 Sesão reservada de 20 de outubro de 1825. Libro de Sesiones Reservadas, p. 219. 332 Junqueira, 2005, p. 18. 333 El Argos de Buenos Aires,n° 113, 12 de outubro de 1825 334 El Argos de Buenos Aires, nº 128, 2 de novembro de 1825.
155
Imperador, além de sua figura, era uma guerra “justa”, já que D. Pedro I era um
herdeiro direto de Carlota Joaquina e, portanto, um Bourbon nas Américas. Para a El
Argos de Buenos Aires, seria como se o Imperador estivesse fora de sincronia
americana, pois o lugar dele seria na Europa e não no novo mundo. A guerra assim,
independente do confronto do território, mostrava-se como uma guerra “justa”. Justa
para as Províncias Unidas, uma vez que recuperavam um território, já que Montevideu
mostrou seus sentimentos contrários ao Brasil. Justa também por tratar-se de
vingança, por causa de um Imperador arbitrário que rejeitou a conciliação entre
estados americanos. A guerra contra o Império, então, era a única maneria da
concretização dos ideais americanos335.
Além disso, para o periódico, todo poder arbitrário do Imperador não se voltava
para os brasileiros, voltava-se para si próprio336. A única coisa que importava a D.
Pedro I, nesse cenário, eram seus próprios interesses e o Brasil cultivava a cobiça de
seu grande tirano.
Nas últimas publicações, El Argos de Buenos Aires mostrava, como já
apontamos, inserir o Brasil no seio dos Estados Americanos. Mas deixou-se levar
pelos interesses do próprio tirano. El Argos, então, apontará que essa postura do
Brasil irá contra o processo revolucionário americano. Pois, “Sin haber derramado una
sola gota de sangre, sin sudores y sin gastos, se encuentra independiente, formando
un Estado que se compone de casi la mitad de la América Meridional”337.
Para El Argos, o orgulho pacífico dessa independência só seria entendido se
não houvesse um tirano os representando, embora esse desejo não fosse
correspondido na realidade. Assim, a cautela do processo independentista só nutria o
orgulho do imperador europeu, por isso a necessidade de enfraquecê-lo com a guerra.
O que o imperador teria feito ao Brasil? Apenas o afastou do contato político
republicano. El Argos ainda elucidava que o país não tinha motivos para vingar-se das
províncias, pois, por mais que o ideias americanos não concordassem com a postura
do Imperador, nunca interviram em seus conflitos internos, nem com Pernambuco338.
Em suma, nenhum novo argumento apareceu nos últimos números. A guerra
contra o Imperador na América era catalisadora para todos os tópicos que haviam
335 El Argos de Buenos Aires, nº 128, 2 de novembro de 1825. 336 El Argos de Buenos Aires, nº 128, 2 de novembro de 1825. 337 El Argos de Buenos Aires, n° 143, 28 de novembro de 1825 338 El Argos de Buenos Aires, n° 143, 28 de novembro de 1825.
156
desenvolvido então:
La Libertad no tiene garantías, á la inmediación de un tirano, y ningun tirano debe profanar el suelo á que se acoge el IMPERIO DE LA LEY vejado y perseguido por los barravaces de la arbitrariedad. Asi, un tirano ufano en el Brasil es un monstruo insoportable: estendiendo su influencia fuera de su circulo es un infierno: pero contrariando el espíritu universal de América, es lícito conspirar y debe conspirarse contra él hasta sepultarlo en las cabernas
de Pluton, ó arrojarlo del otro lado del océano339.
Diante da necessidade de consolidação do Estado, o território é um dos
principais elementos de coesão que emana a força política. Nesse momento, El Argos
buscou discutir os rumos do Brasil no grande continente americano. Assim, não nos
interessa a Guerra, oficialmente enunciada. Bernardio Rivadavia voltaria para a
América em 1826, sendo o primeiro presidente da Argentina. Sem a ajuda da grande
propaganda do periódico e sem grande parte de sua facção, durou pouco tempo no
governo, contando com as críticas diretas à guerra que o político enfrentava. El Argos
e a elite rivadaviana, como já anunciamos, caminharam rumo à política juntos. Sem
embargo, a falta de Rivadavia, quanto da sua elite, influenciou a queda de publicações
do periódico. Conforme a própria Historiografia aponta, Rivadavia também não
poderia se sustentar sem sua elite e sem seu periódico propagandístico.
Assim, enquanto El Argos discutia os rumos políticos da Guerra contra o Brasil,
a questão da Cisplatina, em face da delicada relação entre os países vizinhos no
Hemisfério Sul, foi tomada como um fator atrelado à preservação de interesses
americanos. Os argumentos contra o Brasil centravam-se na figura do Imperador. As
edições de 1825 mostram à opinião pública o que era necessário para a defesa da
América: abalar a honra de D. Pedro I frente aos americanos, inclusive aos brasileiros.
Grande parcela do periódico portenho dedicava-se a fazer com que o confronto fosse
percebido com críticas ao Imperador e não com o Brasil. Não nos cabe, neste trabalho,
avançar sobre os embates posteriores, nem sobre a declaração formal da Guerra em
toda sua estrutura, tampouco recuperar as reflexões sobre os primeiros anos do
governo de Bernardino Rivadavia como presidente da Argentina. Se valermos de uma
interpretação a longo prazo, podemos perceber que a narrativa que o periódico criou
no Brasil tomou uma amplitude maior. Aline Pereira Pinto ainda aponta que, nesse
contexto, as atitudes arbitrárias de D. Pedro começam a ser evidenciadas nos anos
de 1826 e 1827. Parece-nos que a grande narrativa do El Argos, sobre a arbitarriedade
339 El Argos de Buenos Aires, n° 156, 4 de dezembro de 1825.
157
do tirano, fazia-se sentir. Se as críticas não se relizavam diretetamente, pelo menos
indiretamente, faziam-se latentes nos anos posteriores, pois os anos que sucederam
à Guerra e sobre a Guerra faziam sentir a “insatisfação de setores importantes para o
jogo da política em relação às atitudes do Imperador, que, contrastavam com os
interesses de setores influentes na Câmara dos Deputados”340.
340 Pereira, 2012, p. 94
158
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao chegar ao final desta pesquisa, esperamos ter contribuído com uma visão
do cenario do Brasil visto sob o olhar do periódico portenho El Argos de Buenos Aires.
Essa construção visa a um panorama político mais amplo num sistema conjuntural
histórico que, dentre tantos outros aspectos, passava também por uma alteração nas
suas formas de experiência do tempo vivenciada. Procurou-se demonstrar que as
performances discursivas da elite rivadaviana, por meio do periódico e encabeçada
pelo ministro Bernardino Rivadavia, ensejavam estabelecer o olhar sobre o Brasil a
partir de suas políticas e experiências temporais. Além disso, aspiravam a justificar
que sua “feliz experiência” era capaz de ensinar os demais processos revolucionários
ocorridos no continente Americano, perfazendo, assim, de fato, uma mesma
experiência histórica. 341
Iniciamos o trabalho indicando os aspectos gerais e teóricos da questão
levantada, bem como os debates estabelecidos pela atual historiografia em torno da
configuração presente no seio dessas conexões de maneiras mais abrangentes.
Perscrutamos alguns termos do vocabulário político que, a nosso ver, constituem-se
como o cerne de uma nova ordem política que se construía no último quartel do século
XVIII: modernidade, nação e espaços públicos. Em nossa perspectiva, esses conceitos
trazem à luz o momento de reviravoltas das conjunturas políticas, dando impulso aos
discursos sob o pano de fundo dessas conjunturas. Ou seja, anseiam construir um
conjunto de certas noções, concepções e representações do tempo histórico, que
foram afetados pela sensação generalização e aceleração do ritmo das mudanças
políticas.
Torna-se fucral o papel do periódico na primeira metade da década de 1820,
no contexto da formação dos espaços públicos de Buenos Aires, que acompanhava o
341 Nos posicionamos, novamente, como no inicio do trabalho, sobre essas abordagens que estabeleceram, nessa pesquisa, um sentido de confirmação. cf. PIMENTA, João Paulo G. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c.1780-c.1830), São Paulo, FFLCH-USP, Tese de Livre Docência, 2012.; GRAHAM, Richard. Independence in Latin America: a Comparative Approach, 2a.ed. McGraw-Hill, 1994.; DONGHI, Tulio Halperín. Reforma y disolución de los imperios ibéricos (1750-1850), Madrid: Alianza, 1985; LANGLEY, Lester D. The Americas in the Age of Revolution 1750-1850, New Haven/London, Yale University Press, 1996; MCFARLANE, Anthony. Independências americanas na era das revoluções: conexões, contextos, comparações, in: Jurandir Malerba (org.), A Independência brasileira: novas dimensões, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006, p.387-417; RODRIGUEZ, Jaime E. Rodríguez. La independência de La América española, México, FCE, Colmex, FHA, 2005; François-Xavier Guerra, Modernidad e independencias: ensayos sobre las revolucines hispanicas, 3º Ed., México, FCE, MAPFRE, 2000.
159
processo político da pronvincia liderado pelo grupo rivadaviano da elite dominante
associada ao ministro do governo Bernardino Rivadavia. Tanto o jornal quanto o
governo de Buenos Aires procuraram inserir a província no “seio das nações
americanas”. Daí seu desejo de contato — seja econômico, diplomático e / ou cultural
― e a necessidade de seu reconhecimento internacional como Estado livre e
soberano. El Argos, ao longo dos seus anos, acompanhou a elite dirigente tanto em
seu projeto politico de modernização portenho, como no projeto de unificação nacional
iniciado em 1824. Diante destas conjunturas específicas, os editores fizeram, em suas
publicações, um apoio explícito às propostas de Rivadavia, mesmo que, em maior ou
menor medida, fosse a maioria dos editores participantes ativos como funcionários do
governo. Um dos pontos centrais das discusões do periódico refere-se às publicações
em torno da inserção do Brasil à marcha americana pela Liberdade.
A “marcha americana” se configuraria exatamente como um prognóstico do
novo mundo. Nesse sentido, julgava-se necessária a inserção do Brasil a essa
dinâmica, sem quaisquer menções de antagonismo, a princípio, entre modelos
políticos a serem adotados nessa conjuntura continental. Assim, o Brasil inseria-se
nas prublicações a partir de seus primeiros números e permanecia, por diferentes
razões, ao longo dos cinco anos ali.
Chamou-se atenção para a mudança de postura nas publicações ao longo
desses anos em que o periódico circulava. No entanto, observamos que as leituras
sobre o Brasil, no seio da marcha de Liberdade do novo mundo, ainda giravam em
torno das pretenções políticas de Buenos Aires e propiciaram a atribuição de feições
específicas ao Brasil, as quais potencializaram as futuras visões antagônicas sobre
os modelos políticos adotados, levando ao esgarçamento das relações entre “irmãos
continentais”.
Observou-se que, em torno das publições do períodico, o Brasil passou a ser
relacionado como um dos principais assuntos da elite Rivadaviana. Além disso,
destacava-se uma das mais instigantes formas de legitimação da “emancipação”
americana política do Brasil, a qual era operada pela figura de José Bonifácio de
Andrada e Silva— personagem que gozava de respeito e elogios dos rivadavianos,
como o homem com ideias americanas. Bonifácio foi atribuído como o grande fio
condutor do Brasil ao novo mundo, principalmente nas relações sobre a Pronvincia da
Cisplatina. O periódico tratou de demonstrar a interconexão entre os processos de
independência no continente americano e o movimento político no Brasil visto sob o
160
olhar de uma irmandade continental, que visava à Liberdade frente ao despostimo
europeu.
Os redatores do El Argos, apesar das mudanças de perspectiva ao longo das
publicaçãos do periódico, identificaram a “emancipação” do Brasil como um movimento
de semelhanças e especificidades na comparação com os movimentos
revolucionários desdobrados no resto do continente. Essa leitura sugere a percepção
por parte daqueles sujeitos da ocorrência de um cenário histórico de transição, no qual
o desenvolvimento da América seria impossível de ser contido pela força das antigas
metrópoles coloniais.
Em oportunidades, os editores revelaram a percepção de que, assim como os
demais territórios da América, a América portuguesa estava diante de uma mesma
crise e que, portanto, seus destinos estavam interligados. Contudo, a desconfiança
sobre a inserção do Brasil à “marcha de Liberdade” do novo mundo se estabeleceria
em torno da figura de D. Pedro I, empenhado em manter afastados de seu território
― se possível fosse, de toda a América — os ideais revolucionários de luzes que a
América tanto almejava.
Assim, a presença de D. Pedro I, na vizinha América dos rivadavianos, foi
interpretada em duas maneiras: no primeiro momento, foi vista sem maiores
problemas, uma vez que permitia a expressão de um desejo compartilhado de
independância perante metrópol; no segundo momento, após a saída de Bonifácio,
com a dificuldade diplomática que Rivadavia enfrentava para tratar do territorio
Cisplatino, foi interpretada como incômodo tanto na forma de governo monárquico,
quanto de manter-se ligada aos ideais europeus em oposição aos americanos.
A imagem do Brasil difundida pelo periódico sofreu variações. Tal imagem seria
construída com base em relações estabelecidas nos interesses do território da
Cisplatina.
A frágil legitimidade de D. Pedro I, como participante efetivo de luta pela
Liberdade, foi amplamente questionada por tratarem a questão da Cisplatina como
um assunto entre “americanos”, com qual D. Pedro envocava a guerra para si e do
qual não fazia parte. Assim, após 1823, o Brasil inspiraria desconfiança aos olhos do
rivadavianos; entretanto, as críticas seriam amenizadas, pelo menos no campo dos
discursos, pois recairiam sobre a figura de D. Pedro I considerado a mentor dessas
ações.
Assim, a leitura do cenário brasileiro era marcados pela ocupação do território
161
da Cisplatina. Em princípio, analisavam como um problema herdado de dominação
colonial, mas com processo de independência do Brasil as publicações dos editores
migraram para conotações de interesses americanos.
Concluímos, com este trabalho, algumas questões as quais sublinhamos:
podemos encontrar três momentos diferentes de leituras feitas nas páginas do El
Argos de Buenos Aires entre 1821 e 1825. Primeiro: o processo revolucionário e a
independência do Brasil foram recebidos com entusiasmo, mas com um tom
pedagógico baseado na experiência revolucionária do Rio da Prata, iniciada em
Buenos Aires em 1810; a segundo questão diz respeito à inviabilidade do projeto
imperial na América, que somente ganhou contornos de alteridade frente a “marcha
americana”, quando o império incorporou a província Cisplatina, tentando demarcar
as diferenças com as instituições republicanas e monárquicas na América; por último,
a inevitabilidade da guerra por conta marjoritariamente de D. Pedro I, no contexto da
convocação e funcionamento do Congresso Constituinte, a qual se torna referência
para defender as ideias americanas.
A partir disso, a lógica foi a de identificar o Brasil como inimigo, uma vez que
no país subsistia a característica de Império, despotismo, arbitrariedade, monarquia,
“um Minotauro na América”. Essas leituras serviriam para a construção de um
discurso sobre o medo que fortaleceria retoricamente a sustentação da monarquia ao
redor de Dom Pedro I. A imagem desse último momento, no qual se configurou a
guerra, foi a que persistiu durante muitos anos no imaginário portenho.
162
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