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Sérgio Sampaio À imagem e semelhança
Centro Cultural Popular ConsolaçãoConsolação, 1897, (11) 2592-3317
por Tatiane Klein
ExpedienteEdição, reportagem e diagramação - Lucas Rodrigues de Campos
Ilustrações e diagramação - Chuck Dedo AmareloRevisão de texto e reportagem - Tatiane Klein
Colaboração - Elton Amorim e Rômulo Alexis
O segundo ano dessa empreitada em papel jornal começa agora. Celebramos a insanidade de mantê-la impressa frente ao desinteresse, ao esvaziamento e à desconfiança.Ao menos São Paulo revela alguns momentos sublimes. Que sublimam as perspectivas de falência e desgraça. E na rua o jornal esbarrou na rede. A primeira certeza é expandir o eco das palavras e desenhos que vêm a seguir. Intensificar a produção. De mês em mês a sÓ dará as caras nas ruas, e em noites especiais reunir-se-á em coletivo: as últi-mas sextas-feiras de setembro, outubro e novembro acontecerão em simbióse com o Centro Cultural Popular da Consolação.Convidamos os leitores: frequentar um dos únicos espaços da cidade que mantém som ao vivo todos os dias. Valorizemos a “casa do músico”.Sublinhemos o caráter de resitência e memória pregados por traba-lhos feitos à margem.Os nomes são fácilmente recordáveis, assim como a locação: sÓ, CCPC, Consolação, 1897, SP
Descoberto por Raul Seixas, o maldito Sérgio Sampaio foi pouco compreendido em sua época e hoje causa assombro.
As pernas de Jards Macalé, “Velho Bandido”, tropicavam pelo palco e a platé-ria vibrava ao ouvir a rouquidão de sua voz iniciar o samba desconhecido. “Nas noites de 4 e 5 de julho, Jards entoou quatro canções de um compositor estranho aos espectadores: Sérgio Sampaio. Quinze anos depois de sua morte, Sampaio reviveu entre Zeca Baleiro, Luiz Melodia, Márcia de Castro e Jards Macalé.
Cruel - Uma homenagem à obra e à vida de Sérgio Sampaio tomou corpo no Sesc Pinheiros, em São Paulo. A casa esteve cheia, mas a platéia silenciava quase que por completo, a despeito do samba. Vozes gritadas e murmuradas saíam emergiam na multidão de vez em quando; a maioria dos espectadores ainda estava se estranhando com o rosto assombroso de Sérgio Sampaio a ilustrar o show.
O central é que as pessoas não conheciam o rosto magro de Sérgio Sampaio, seus dedos magros e suas magras canções. As fotografias do artista projetadas ao fundo do palco, pouco a pouco, amarravam-se às canções - entre melancólicas, alegres e amorosas - e teciam uma assemblàge da alma do poeta.
Durante sua apresentação, Zeca Baleiro revelou a existência de uma entrevista concedida em 1988 à Revista Umdegrau, editada pelo músico e alguns amigos em São Luis do Maranhão. Segundo o relato displicente de Zeca, Sérgio Sam-paio foi convidado a ceder uma entrevista à primeira edição da publicação in-dependente, mas demorou tanto para responder que a revista foi lançada sem entrevista. O material, inédito, pode ser lido no endereço http://www.visualmusic.com/sergiosampaio/ . Zeca reservou para si parte das mais dramáticas músicas de Sérgio, como “Eu sou aquele” e “Tem que acontecer”.
A voz potente de Márcia de Castro, que confessou ter sido iniciada em Sampaio pelo amigo Zeca, causou surpresa - tanto pela qualidade da técnica vocal, quanto pela expressividade de suas interpretações. “Odete” e “Cala a boca, Zebedeu” dançaram com a moça: foi no corpo de uma mulher que Sampaio pareceu mais incorporado, mais vivo e cheio de uma loucura muito particular.
Em termos de loucura, no entanto, quem melhor emoldurou as canções de Sam-paio foi Melodia, grande amigo do homenageado. O cantor herdou a companhia do violonista Renato Piau, parceiro musical de Sérgio, e fez uma primorosa inter-pretação de “Que loucura”, canção inspirada no suicídio do poeta Torquatto Neto. Sentado como uma criança no chão, Melodia emendou impressionantes improvisa-ções vocais ao violão bluzeiro de Piau.
Os momentos finais pareciam avessos ao espírito da apresentação: um coro fez o refrão “Eu quero é botar meu bloco na rua...” ecoar alto, enquanto braços dançavam no ar e os artistas no palco se embaraçavam com a letra carnavalesca e de resistência à ditadura do maior sucesso de Sampaio. No fundo, não eram: um samba de pernas cruzadas sob o violão, no dia mais triste do Carnaval. Sérgio Sampaio é quarta-feira de cinzas.
[email protected]ço - Rua Navarro de Andrade, nº 20, ap. 2205418-020, São Paulo, SPTelefones - (11) 7600-5699
autoria de Rômulo Alexis
3000 cópiashttp://so0jornal.wordpress.comhttp://www.ccpc.org.br
“VOZ 2: - Talvez eu devesse esquecer tudo que diz res-peito a você. Talvez eu de-vesse amaldiçoá-lo como teu pai te amaldiçoou. Eu rezo, eu rezo para que sua vida seja um tormento, espero uma carta tua me implorando para ir te en-contrar. Eu cuspirei nela.”
Teatro da USP exalta a qualidade pública da universidade, propõe extensão direta e atrai olhos para as virtudes da leitura
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“Voz 1:-Mais tarde, naquela noite, Riley e eu tomamos juntos uma xícara de chocolate em seus aposentos. Eu gosto de rapazes esbeltos, Riley disse. Es-beltos mas fortes, eu nunca fiz segredo disso, mas eu tive que me conter, eu tive que manter minhas inclinações sob rédeas curtas. Isto porque a minha mais profunda vocação é a religião, eu sempre fui um homem pro-fundamente religioso. Você pode imaginar a tensão espiritual, emocional, psicológica e física. É sufocante a disciplina a que sou obrigado a me im-por. Minha luxúria é inconcebivelmente violenta mas vai contra os meus melhores anseios, que são me conservar ao lado direito de Deus. Eu sou um homem grande, como você vê, eu poderia emagar um ratinho como você até a morte, eu quero dizer a morte que é amor, a morte que enten-do com sendo o amor. Eu escondo estes desejos a 7 chaves. Eu sou bom nesse tipo de coisa porque eu sou policial. Eu sou muito respeitado. Eu sou muito respeitado tanto na corporação como na igreja. O único lugar aonde eu não sou respeitado é aqui. Eu sou um monte de merda para eles.(..)”
“VOZ 2: - Querido. Onde você está? Por que nunca me es-creve? Ninguém sabe do seu paradeiro. Ninguém sabe se está vivo ou morto. Ninguém pode acha-lo. Você mudou seu nome? /- Se você está vivo você é um monstro. No seu leito de morte seu pai te amaldiçoou. Ele me amaldiçoou também, para dizer a verdade. Ele amaldiçoou todos que estavam à sua vista. Com exceção de você que não estava à vista. Eu não te culpo inteira-mente pelo mau humor do seu pai, mas tua ausência e silêncio foram um grade fardo, um desgosto para ele, ele morreu se lamentando e blasfemando. Era isso que você queria? Agora estou sozinha, e se não fosse Millie, que algumas vezes vem de Denver. Ela me serve de algum consolo. Seus olhos se enchem de lágrima quando ela fala de você, os olhos da sua querida irmã se enchem de lágrimas. Ela fez um casamento realmente feliz e tem um garotinho lindo. Quando ele cescer vai querer saber onde está seu tio. O que lhe diremos?/- Que talvez você chegue aqui em um carrão último tipo, um dia de repente, num futuro não tão distante, em um belo terno novo e um abraço?”
“A cada leitura é proposta uma forma de inter-pretação. Como a gente se aproxima do texto de uma maneira nossa?”. Na quinta-feira (16) a participação do público reunido na sala experi-
mastigando rosquinhas e polvilhos, produzia sonidos captados por um microfone sobre a mesa. Assim to-dos foram responsáveis pela cama sonora da peça, criando não apenas sonoplastia, mas dando concre-
mental do Teatro da USP (TUSP) para o Programa de Leituras Públi-cas foi através da produção de ruídos em uma re-união “familiar”, um café da tarde. Orientadora de arte dramática, Dedé Pacheco faz o segundo convite: “fiquem a von-tade pra comer, escrever, desen-har”, sobre os pa-péis distribuídos a cada participante do encontro. Além da comida e dos papéis des-tinados à comentários, anotações e desenhos, cada um dos 14 lugares da mesa oferecia ao convidado o essencial: uma edição de Vozes Fami-liares, de Harold Pinter (com tradução de Beto Marcondes), texto originalmente veiculado na BBC Londrina em janeiro de 1981.
Carregada de certo ineditismo, a seleção desta peça permitiu aos presentes o contato com uma obra de difícil acesso, e somou-se a um breve movimento do teatro paulistano: a valorização do dramaturgo Harold Pinter. Está em cartaz na cidade a peça Celebração com direção de Antônio Abujamra (Teatro Cultura Inglesa) e no início do ano a casa Club Noir apresentou ao público a primeira montagem de Pinter, O quarto. Três anos antes de sua morte, em 2005, o autor foi prêmio Nobel, sendo lau-reado pela Academia Sueca com o veredicto: “em suas obras revela o precipício que se es-conde sob a conversa fiada diária e força sua entrada no âmbito fechado da opressão”.
A idéia do café, “o chá das 16h”, surgiu “afi-nal o autor é inglês” e também constituiu o mé-todo de participação do público que, comendo, batendo a xícara no pires, servindo-se de café,
caráter experimental. Apesar de estar dentro de um teatro os textos são trabalhados sem levar em conta aspectos estritamente estéticos, o que poderia enri-jecer um entendimento aberto sobre o Vozes Famili-
voluntários que demons-traram interesse prévio e constituíram o grupo responsável pelas leituras das peças radiofônicas, tema do primeiro módulo do programa, que já trabalhou Becket, Bre-cht, e Adolf Himmel.
O fim de Vozes Familiares provoca morbidez e impede aplau-sos à experimentação. O falecido está na mesa, e prova estar
tude ao único espaço sensív-el da leitura e da própria dramaturgia: a mesa.
Em Vozes Familiares três são as personagens ativas: filho (voz1), mãe (voz2) e pai (voz3). “Filho e mãe” estavam em uma espécie de cochia na sala de experi-mentação. Uma breve ho-menagem a Harold Pin-ter, brindado à brasileira - ao invés de chá, café. Junto ao brinde a voz 3, uma person-agem falecida e ressentida, sentimento comum à todas vozes familiares.
O programa TUSP de leituras públicas carrega
morto - O-tacílio Ala-cran, o leitor da voz 3, confirma a única certeza oferecida pelo drama narrado, favorecida pela “adequação de es-pacialidades” que o de-ixou na mesa, de corpo presente.
O morto é o pai da personagem voz 1, rapaz na flor da juventude que afasta-se da mãe, per-sonagem lida por quatro vozes distintas e de con-strução arquetípica. A multiplicidade da mãe
cria uma súplica uníssona: “Volte para mim!”, “Eu estou doente!”. Aqui a exploração do texto, surgimento de estratégias e sugestões possíveis dentro da trama. A súplica identifica-se com o veículo ra-diofônico e apro-xima os ouvintes do drama. A mãe em desespero
ares. Em estado bruto esse entendimento vai sendo lapidado a partir de uma co-letânea de diferen-tes apreensões. A criação do campo de leitura revela o “de-sejo de estar junto”, expressado pelo con-senso dos presentes: faz-se então a leitura pública e a extensão universitária encurta a distância entre ci-dadão e arte. Leitu-ras Públicas nadam
sente a fuga da cria e a intensidade do amor passa a acir-rar os ânimos dev-ido à sensação de perda.
A voz 1 instala-se numa cidade dis-tante e maior do que a de sua natali-dade, que por con-seqüência oferece mais perigos, mais balburdia. Relações triviais traçam o co-tidiano a partir da ( in )comunicabili-
contra uma maré que tolhe parte da natureza do homem, a capacidade de ficcionar.
Não há roteiro definido no encontro, e sim uma montagem informal entre os leitores - as falas são ensaiadas e preparadas em dois ensaios - no caso
dade da troca de cartas entre filho e mãe. As únicas localidades do drama são uma casa e uma pensão. Simples na montagem e na proposição do drama cotidiano nota-se no texto de Pinter certa miséria na adequação dos sonhos aos espaços.
PROGRAMA TUSP DE LEITURAS PÚBLICASII CICLO
PEÇAS DE UM ATO DE ANTON P. TCHÉKHOV17/9 A 29/10, QUI., 16H
SALA EXPERIMENTAL DO TUSP – TEATRO DA USP, R. MARIA ANTÔNIA, 294 – CONSOLAÇÃO TEL. 3255 7182 R.4, WWW.USP.BR/TUSP
ATIVIDADE GRATUITA
Centro Cultural Popular ConsolaçãoConsolação, 1897, (11) 2592-3317
publicada também em http://www.usp.br/prc/caminhos
por Tatiane Klein
[email protected]ço - Rua Navarro de Andrade, nº 20, ap. 2205418-020, São Paulo, SPTelefones - (11) 7600-5699
por Lucas Rodrigues de Campos
Rota traçada, destino Ouro Preto. Tentando chegar a tempo de ver algum show dos integrantes do que foi o Clube da Esquina, ou seja, Milton, Lô Borges, Beto Guedes. Havia ainda um boato no ar: diziam, e dizia o além, que o fecha-mento da maratona cultural de inverno das cidades mineiras teria encerramento com a junção dos integrantes da Esquina em um mesmo palco. No meio da es-trada, depois de passar por Três Cora-ções, terra do Rei Pelé, e São Thomé das Letras, terra de reis insandecidos, o que seria uma passagem rápida pela cidade de São João Del-Rey transformou-se em porto seguro. Surgiu a programação das próximas dos shows que aconteceriam na cidade. A saber, o Inverno Cultural de Minas Gerais abrange, além de São João e Ouro Preto, a cidade de Mariana e diversas outras cidades históricas da região. A surpresa não foi pouca ao sa-ber que o velho bruxo Hermeto Paschoal fecharia o Festival no palco montado na
São João Del-Rey na zona de HERMETO PASCHOAL
por Rick Unha Preta
Dentro do panorama de artistas e profission-ais da indústria fonográfica, poucos têm preo-cupação em resgatar, escancarar e encarar a labuta de remasterizar trabalhos do passado – incluem-se aí também clipes, shows etc. Até mesmo os próprios donos desses trabalhos não ligam muito para isso, ou, se ligam, enfrentam restrições impostoas pelas gravadoras, que hoje detêm poder sobre as fitas master (muitas já em estado putrefato ou desaparecidas). Diante desta novela burocrática e deste “muito trabalho para não ganhar nada”, há uma pessoa que se destaca; um amante do vinil e da música: Charles Gavin. Ele, que é o baterista dos Titãs, é o responsável pela maioria dos relançamentos em compact disc de diversos e importantes discos do cenário nacional dos anos 50, 60, 70 e 80. Charles começou essa saga com a já rara edição da Série dois momentos (dois álbuns em um CD), trazendo à luz novamente discos de Walter Fran-co, A Barca do Sol, Novos Baianos, Belchior, Tom Zé, A Cor do Som, entre outros, há pouco mais de dez anos. Desta série foram quatorze CDs, totalizando vinte e oito álbuns. Após os relança-mentos, o único que permanece em catálogo é Secos e Molhados: o primeiro e o segundo disco do grupo, em pouco mais de um ano de relan-çamento, atingiu a marca de quarenta mil cópias vendidas. A próxima tacada foi com Arquivos Warner (an-tiga Continental), relançando discos do Moto Per-pétuo, Bixo da Seda, Rosinha de Valença, entre títulos do samba e da geração rock 80. Desta vez foram trinta e cinco álbuns. Relançou também Eu quero é botar meu bloco na rua, primeiro disco de Sérgio Sampaio, Som, sangue e raça, de Dom Salvador & Abolição, e Som nosso segundo disco do Som Nosso de Cada Dia em projetos com di-versas gravadoras. A investida mais recente foi na gravadora que Gavin mais cobiçava, a Som Livre. Batizados como Som Livre Masters, os relançamentos comemoram os trinta e cinco anos da gravadora. Ele partici-pou da remasterização de vinte e cinco álbuns na primeira leva. Entre eles destacam-se Acabou Chorare, dos Novos Baianos, (em primeira edição “decente”), ... E deixa o relógio andar de Osmar Milito, Vila Sésamo, Molhado de Suor e Vivo, de Alceu Valença, e o raro disco de Sidney Miller
Um incansável CHARLES
por Elton Amorim
avenida principal da cidade. Pitoresca pare-ceu a escolha do jovem de 72 anos para tal tarefa. Apesar do renome e de sua incontes-tável musicalidade, sempre parece estranho um show experimental ser aberto aos mais variados públicos.
Houve, ainda na terra de reis, a participação da Orquestra Popular Livre de São João (OPL) forma-da por jovens músicos dessa cidade mineira. Antes do show com Hermeto, a orquestra apresentou seu repertório popular sinfônico de clara influência mil-toniana – as derivações só são possíveis pois Milton representa a música popular brasileira moderna. Se fôssemos mineiros, bateríamos o pé dizendo que essa é nossa maior estrela: a Rua da Zona, antigo reduto dos cabarés da cidade que tem se converti-do em Zona da Música. Após o concerto sem palco e com duração de quinze minutos, desce pela glote uma aguardente original de Salinas para dar se-qüência à descida em direção à avenida. Avistava-se, em meio às ladeiras, outro ritual musical.
Cinco minutos e qualquer apreensão quanto a receptividade do público frente aos experimen-tos sonoros de Hermeto rolaram pelas ladeiras.
Na maior parte do show, o maestro esteve acom-panhado apenas de sua esposa. Improvisando e brincando, o bruxo agiu como se estivesse entre amigos: fez cantar e vibrar uma platéia que não sabia bem o que esperar da apresentação. To-cou piano, sanfona, água, elogiou a qualidade sonora do palco e fez vibrar desde conhecedores de música até desavisados que ali passavam.
Cada fraseado vinha acompanhado por um pedido, o cantarolar da platéia distribuída em vielas, barracas, casas e bares. Como em um jogo, a dificuldade harmônica aumentava. Her-meto levou todos ao ápice ao fazer uma ave-nida cantar contra-tempos e nonas. Encerrou a apresentação com um emblemático desabafo: “Quem for rico e burro, que vá pro inferno!”. É realmente revigorante ver a juventude tão antiga e incólume debaixo de tantos cabelos brancos.
Ao término da apresentação, Hermeto Pas-choal ainda passou pela Rua da Zona, simples e acessível. Falaria com o Coletivo, mas eram tan-tas pessoas que queriam fotos, ou simplesmente tocá-lo, que essas impressões do acontecido tor-naram-se mais apropriadas. Enquanto isso, al-guns integrantes da OPL ainda improvisavam ao meio da massa que ali se concentrava.
Ao inenarrável e inexistente show do Clube da Esquina, sobram desculpas. A convergência das iniciativas e acasos mais toda a complexa sim-plicidade daquele moleque baixinho de cabelos brancos é em demasia sedutora. E a zona rolou até de manhã.
Línguas de Fogo, de 1974. A lista inclui também discos de bossa-jazz dos selos RGE, Fermata e Som Maior, dos quais a Som Livre detém os di-reitos. Deste trabalho saiu ainda uma segunda leva de dezenove álbuns! No total geral de seus projetos, Gavin relançou mais de 450 discos. Ele, que possui um acervo de 5 mil LPs e dez mil CDs, lançou um livro, curiosamente nas mesmas dimensões da capa de um long play. Publicado no final de 2008, 300 discos importantes da músi-ca brasileira é recheado de textos, fotos e capas de discos, e contou com a colaboração de Tárik de Souza, Carlos Calado, Arthur Dapieve, entre outros. O livro faz um panorama fonográfico do país de 1929 a 2007. Já não bastasse tudo isso, Gavin também apre-senta um programa na Rádio Eldorado FM e outro no Canal Brasil, respectivamente “Quintes-sência” e “O Som do Vinil”, ambos relacionados à música e suas raridades.
Matança de Porco , disco do Som Imaginário de 1973, e Con-fusão Urbana, Suburbana e Rural, de Paulo Moura, 1976, constam no livro “300 discos Importantes da Música Brasileira”. O disco de Paulo Moura tem como músicos acompanhantes Wagner Tiso, Ni-valdo Ornellas, Toninho Horta e Jamil Joanes - nessa época os músi-cos ainda pensavam na carreira de grupo com o Som Imaginário.
O CENTRO C U L T U R A L POPULAR CONSOLAÇÃO E OCOLETIVO sÓ PASSAM A COSTURAR DE FORMA CONJUNTA NOVAS FRENTES PARA SOMAR ÀS FORÇAS CRIATIVAS DOUDIGRUDI.
CONFIRA NESSE ENCARTE UM SATÉLITE DO UNIVERSO MIDIÁTICO QUE SURGE AUTÔNOMO E INDEPENDETE.
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Contar da tensão da época: Fredera descreveu a luta de classes reconhecida por ele, acompanhador de canários, quando Milton despencou em um show - aquele em que Zé Rodrix desgostou da falta de profissionalismo de um Milton Nascimento e deixou o Som Imaginário mesmo, tendo assumido o posto de principal compositor.
A queda do Milton Negro é o episódio épico que engrandece o brado de Fredera.Tavito não quis dizer, não quis falar ou lembrar, não disse. Mas o primeiro capítulo revela tensão.Tavito saiu do palco do Opinião, brasa já rolando. Guitarras e hammond queimando em rima sórdida.Milton, um Milton Negro e sofrido no bar, bebendo.Só ele desenvolvia a opressão de classe. Fredera sabia e bradou.Bradou na queda do Milton, Milton Negro - assim, com nome próprio. Ele caiu na bateria do Roberto Silva, irmão Negro.Fredera. Mulato e comunista. Bradou.Bradou uma, duas, três vezes necessárias. Bradaria dez. Bradou cem. Bradou sem ranço. Bradou por amor. Amor a um país decadente. Amor a um Milton Negro e imaginário.Bradou pela luta de classes. Bradou em oposição ao racismo classificado. Bradou contra o racismo que derrubou um Milton Negro.Quero narrar essa história. Já narro no tempo do grito, um grito definido como Grito-Fredera.
O herói negro caía. Despencava em lágrimas. Milágrimas dos peixes ele mentiu ser. As lágrimas, mentiu. Mil lágrimas sentiu.Leila, Milton bradou, ele também bradou. Bradou e odiou todos os que se deliciavam com o sangue-cor-de-revolução. A Ditadura Militar. Venha, Leila, venha, Leila, Venha-Leila-Venha-ser-feliz.
Os que se deliciavam são os nossos generais. Inimigos claros, sob a luz do massacre. Generais que Milton e Fredera esmagaram com a canção, com a poesia da resistência.O Lixo ocidental foi esganido, exprimido. Alguns passos para trás e ele foi derrotado na breve peleja. Espanto dos jovens, um público. Espanto dos jovens, uma banda. Tese de um dos jovens,
Fredera. Com guitarras, não fez a tropicália, retratou gritos miseráveis na figura de um grito já popular.Não temos a localização: o endereço é a ex-capital, cidade fluminense, imersa em nuvens de tensão. Um bar do centro dessa capital de poder, Rio de Janeiro. Milton foi deslocado nos braços de
um amigo imaginário: Tavito.Ele, Tavito, ergueu-o, Milton. Evocou a força e carregou-o até o camarim. O fôlego de uma geração, a nossa geração.
Chegou. Ainda sozinho e no palco, Milton chamou Lennon e McCartney.Lennon e Maca não apareceram. As preocupações eram diferentes das de Milton. Na valsa esquizofrênica Milton sambou, sapateou. Quebrou caixa e bumbo com tanta emoção.
Mais uma vez o brado. Fredera berra: “Isso é o estado opressor, assassino. Desmancha a figura do negro. Eles querem o Milton. A silhueta desse Milton. Mas não terão. Eu cuspo também. Cuspo na indústria. O Milton está se lichando para toda essa miséria. Isso pra ele é lixo ocidental. Por isso é gênio. Eles, eles os milicos perseguidores, na verdade sabem que esse ‘negrinho’ é revolu-
cionário. Não basta o conservadorismo assassino, eles também urram nas chicotadas. Nosso rock, nossa música não depende disso. O Milton não depende disso. O imaginário não é isso. Nossa resistência e a do Milton está nesse Som Imaginário”.
Este texto é ficcional, mas baseado em fatos reais.A fala de Fredera é livremente inspirada em um depoimento de Tavito.
por Lucas Rodrigues de Campos
FREDERAO mercado musical, amparado por grandes
golpes midiáticos, acompanhava o crescimento econômico desbundante da década de setenta e assim se tornava marca do “milagre brasileiro”. Lê-se golpe midiático o fantástico crescimento da TV Globo, que, como conta a história, sempre teve relacionamentos pouco explicados com o re-gime totalitário da época. Máquina de produzir sucessos para o mercado fonográfico, o Festival Internacional da Canção passou a ser produzido pela emissora carioca, que arcou com 4/5 dos custos da quinta edição do FIC, de 1970, ainda fresco o Ato Institucional nº5.
Nessa época, intensifica-se a produção de tri-lhas sonoras para telenovelas. Tudo aconteceu numa articulação de domínios culturais, o que instaura o mercado fonográfico como símbolo de indústria cultural tupiniquim. As gravadoras cresceram. O consumo de música no Brasil che-gou a níveis estratosféricos.
Venda de Produtos da Indústria Fonográfica: Brasil - 1968-1980, (em milhões de unidades de compactos simples, duplos e LPs)
Ano Unidades1968 14.8181970 17.1021972 25.5911974 31.0981976 48.9261978 59.1061979 64.1041980 57.066
Fonte: ABPD, In: DIAS (2000, p.55)
Mesmo o Som Imaginário figurando entre as a-trações do V FIC, as vendas de discos do grupo não vingaram, assim como qualquer outra atra-ção musical rockeira que esteve no festival da Globo. Isso aconteceu mesmo com os esforços para transformar o rock em marca da emissora - esse êxito só foi conquista em 74 e 75, quando o selo global, Som Livre, prensou grandes obras do rock nacional.
“Feira Moderna”, composição de Lô Borges e Beto Guedes interpretada pelo Som Imaginário, posicionou-se entre as dez melhores do V FIC, foi ao ar nos programas Ensaio (ainda na TV Tupi). À época, o Som Imaginário acompanhava a jo-vem e lisérgica Gal Costa. Estiveram também no Som Livre Exportação, proposta global de alie-nação falha.
Fredera, que aguardava os lançamentos do Jethro Tull, além de ser guitarrista excepcional, pouco laureado pela sujeira e pelo peso da mais
pura técnica, timbres de 1970, construtor da idé-ia que se tem de rock psicodélico, sempre esteve atento às questões trabalhistas de sua profissão. Nota do Jornal de Música e Som (provalmente de 1975): “Transando muito com o pessoal de Minas, entre os quais Milton Nascimento, Toninho Horta, Lô Borges e o pessoal que formaria em 1970 o Som Imaginário, ele assimilaria não só as influências de caráter estritamente musical, como também as idéias de renovação da imagem e postura do músico brasileiro”. Ele, Fredera, discutiu a situação profissional do
músico. Questionou o sucesso financeiro do músico instrumental adquirido somente no acompanha-mento de canários, os cantores croonners de baile ou ídolos tropicalistas como Gal Costa.
TAVITO, IMAGINAÇÃOIMAGINÁRIO E JINGLESInjuriado com os climas de estúdio, onde músi-
cos faziam cara feia e não entendiam a música da mesma forma que ele, Tavito rumou a São Paulo para trabalhar na produção de jingles nos estúdios Prova – passou a ganhar “cinco vezes mais dinheiro” em relação ao que adquiria men-salmente como músico. O ano é 1973, o disco Matança de Porco é gravado e lançado. Clube da Esquina, o disco duplo que criou o paradigma
da música “mineira pop” já estava concluído, e Sá, Rodrix e Guarabyra (SR&G), amigos de Ta-vito já estavam com Passado, Presente e Futuro na praça. Os “rock’s rurais” compostos numa casa do campo, interiorana, leva os pensamentos musicais para o sertão que é Minas, tão louvada pelos regionalistas de Clube da Esquina.
Os três álbuns contaram com participação de Tavito. Como membro do Som Imaginário, es-teve em Matança e Clube. Com SR&G, arranjou a breve e bela “Jurity Butterfly”, transbordo da influência Beatles que transou rockeiros e jovens talentos das boates cariocas.
Os rockeiros eram Beto, Lô Borges e Tavito. Belo Horizonte (BH), meio da década de 60, o sucesso instantâneo de Juscelino Kubischeck. BH passava por uma onda de progresso, o advento econômi-co dava caras à classe média. Os jovens mineiros sabiam e acompanhavam o nascimento do rock pesado. “Duas coisas realmente me tocaram: ‘Chega de Saudade’, em 58, e ‘I want hold your hand’ dos Beatles, em 64”, relembra Tavito.
ZÉ RODRIX, MAIS IMAGINA-ÇÃO, MAIS JINGLES, UM PEN-SADOR BRASILEIRO
Zé Rodrix fez música de protesto. Acompanhou Edu Lobo, o grande nome do gênero, inventado
para dar gás às rixas (saudáveis) da música popular brasileira. Rodrix esteve em “Ponteio”, canção vencedora do Festival Internacional da Canção de 1967, o auge da peleja Tropicália versus MPB. Zé esteve junto de Edu Lobo e Marí-lia Medaglia. O compositor marcado pelo ecle-tismo e talento propício à Broadway, já manjava de rock quando compunha o Momentoquatro. É nesse grupo vocal, base do futuro Boca Livre, que Rodrix desfila seu lado mais MPB. Já no Som Imaginário, ancorando o grupo, se afoga em lisergia.
PROTESTO, GUITARRA.A PELEJA MUSICAL. IMA-GINÁRIA É A QUESTÃO?Em 1967, ocorreu o III Festival da Música Popu-
lar Brasileira, realizado no Teatro Paramount na cidade de São Paulo. Eis a colocação:
1º lugar: “Ponteio” (Edu Lobo e Capinam), com Edu Lobo, Marília Medaglia e Quarteto Novo;
2º lugar: “Domingo no parque” (Gilberto Gil), com Gilberto Gil e Os Mutantes;
3º lugar: “Roda-viva” (Chico Buarque), com Chico Buarque e MPB-4;
4º lugar: “Alegria, alegria” (Caetano Veloso), com Caetano Veloso e Beat Boys;
5º lugar: “Maria, carnaval e cinzas” (Luís Carlos Paraná), com Roberto Carlos e O Grupo;
6º lugar: “Gabriela” (Maranhão), com o MPB-4. Outras premiações: Melhor letra: Sidney Miller (“A estrada e o vio-
leiro”) Melhor intérprete: Elis Regina (“O cantador”)
Melhor arranjo: Rogério Duprat (“Domingo no parque”)
O Festival marcou a história ao propor os slo-gans Tropicália e Música de Protesto. No mesmo ano, “Margarida”, de Gutenberg Guarabyra, ficou em primeiro lugar no II Festival Internacio-nal da Canção Popular, e “Travessia” e “Morro Velho”, de Milton Nascimento e Fernando Brant estiveram no pleito pelo título do mesmo festival.
Os festivais eram os medidores mais fiéis do gosto do público, direcionavam o que estava na rádio e qual seria a tendência dos investidores, os mecenas da época: Shell e Rhodia são ex-emplos. A primeira, do petróleo, e a segunda, da área química, davam força aos músicos. Em contrapartida exploravam suas marcas. É bom lembrar que “Algo Mais”, canção propulsora dos Mutantes, foi tema do combustível da Shell, e Hermeto e Lanny Gordin gravavam em 1969, disco promocional para a Rhodia. O grupo for-mado pelos dois era o mítico Brazilian Octopus.
Wagner Tiso, Robertinho Silva, Luíz Alves e Tavito. Formação que esteve no disco Matança de Porco.
AH...E O SOM IMAGINÁRIO!A cama musical, o grupo, conjunto musical
do que se convencionou chamar de MPB du-rante a década de 70 foi o Som Imaginário. Fugindo de generalizações, o que tem de ser dito é que a sonoridade constituída por Wagner Tiso, Robertinho Silva, Luís Alves, Ta-vito, Zé Rodrix, Fredera, Milton Nascimento - célula inicial do Som Imaginário, e respon-sável pela gravação dos três discos oficiais do grupo, pelo selo Odeon -, mais Novelli, Paulo e Chiquito Braga, Toninho Horta, Nival-do Ornellas (e todos os nomes achados nos discos oficiais de Milton até Minas, de 1975) respondem a uma maturidade das criações populares feitas até os anos de 1968 e 69, data em que os encontros aconteceram. Eles, todos os nomes, entenderam música como coi-sa do povo, como criatividade popular.
A mistura de compassos dos mais variados ritmos brasileiros esteve em sintonia modal com as realizações jazzísticas e um encontro de rótulo seria inevitável. O rock, a guitarra, o 4/4 apenas somaram e ajudaram a cons-truir o seio da musicalidade brasileira da década de 70, o Som Imaginário.
Quando contada, a história do grupo vem como chave, elo que responde à transição musical entre a bossa nova, algo como a primeira marca popular “tipo exportação” - do fim da década de 50 - e a chegada do pop, gênero de consumo notadamente ame-ricano - de meados da década de 60.
Parece nesse meio surgir a assimilação de uma cultura de consumo jovem, que permitiu a gra-vadoras como a Odeon “financiar a criação” dos músicos: mantê-los somente pela garantia de veicular seus hits e parcamente trabalhar a distribuição de seus discos, o que não garan-tia recursos financeiros durante processos de gravações em grupo – como no caso do Som Imaginário. Os músicos se dissipavam em diver-sos trabalhos (ganhar dinheiro com a música foi algo imaginário para a maioria daqueles cita-dos nessa matéria).
NA BOEMIA,À MARGEM DO SUCESSO
Consumia-se muita música na boemia ca-rioca, e lá a ação dos músicos imaginários tomava contato com standards e atualizações do jazz fornecidas pelas execuções intrigantes da bossa-jazz, época da formação dos trios Tamba, Dom Salvador, Eumir Deodato, César Camargo Mariano, Luiz Eça - era dos pianis-
poca política conturbada, amedrontadora. Neste trabalho está a transição da carreira de muitos músicos vindos de bailes, de festivais, músicos de jazz, de samba e rockeiros amantes dos Beatles, já presentes em incontáveis registros sonoros, antes e depois de 72, ano de lançamento do disco que dá ares nostálgicos a turma de Minas. O movi-
tais, de um Milton Nascimento até então com só um registro em 12 polegadas, indo à Eldorado Musical, nos EUA, e com canções na voz de Elis Regina.
No site oficial de Paulo Moura, a página que apresenta sua cronologia traz no tópico “1971” a afirmação: “Estes trabalhos [Quar-
tas, e atualizações com Paulo Moura. Esse é o resumo do primeiro nicho musical habitado por Wagner Tiso. Novelli, Nivaldo e Jamil sempre primaram pela inovação, conhecimento musical sempre atual. Viram o Rio abrir espaços musi-cais pelo sucesso alcançado com o jeito bossa de se viver e depois passaram a habitar estú-dios e cravar nomes em sulcos de vinil.
PAULO MOURA MAESTRO MÃE MUSICAL Ao acompanhar a carreira de Wagner Tiso,
logo se nota a participação de uma pessoa es-sencial para que se tornasse música. O encontro desses músicos marcou a carreira de ambos. Paulo Moura maestro da boemia, distante dos louros da fama concedidos à figurões maestros (não menos especiais) como Duprat – ao provocar o jovem Wagner, incentivou o pianista do W–Boys a se meter na música como arranjador. A chapa dessa fôrma tem incisões de bedelho e percepção apu-rada, transa comum de Paulo e Wagner.
No mês de maio, rememorou-se no, SESC Pinheiros, a amizade de músicos responsáveis pelo redirecionamento dado à música popular desse país. Paulo Moura não foi eleito para figurar na programação.
Clube da Esquina extrapolou e muito o álbum duplo, já merecedor de atenção especial, e pos-suidor de contextualização ímpar sobre uma é-
mento integrava mineiros, cariocas, paulistanos. Enquanto a “turma do rock”, Lô Borges e
Beto Guedes, representava adolescência e rebeldia, juventude imersa no espírito hippie, Novelli, Robertinho Silva, Tavito, Luís Alves, Toninho Horta e Wagner Tiso, e o próprio Milton Nascimento, já haviam passado por experiências profissionais em música, qualifi-cação que os tornou músicos de competência reconhecida durante toda a carreira.
Em 1968, o maestro Paulo Moura, também es-pecialista nos sopros, contava em seu quarteto com Wagner Tiso. Nesse ano, lançou pelo selo Equipe, um LP que apresentava bossa já em mu-tação com rítmos universais. O jazz é claro: algo de Charlie Parker e Canonball Aderley adquirido por experiência internacional, incorporada ante-riormente por Paulo quando esse trabalhava com outro maestro, Moacir Santos, em um trabalho que unia arranjos de sopros e swing. Em Quar-teto e no álbum seguinte, é desenvolvida música que não permite diferenciar o tempero negro do samba e o tempero negro do jazz. Ainda em 68, Paulo Moura Hepteto é lançado; os sete: Wagner Tiso (piano), Paschoal Meirelles (bateria), Darcy Cruz e Cesário Constâncio Gomes (trombone), Luiz Alves (contrabaixo), Oberdan Magalhães (saxofone tenor) e Paulo Moura (saxofone alto). Nesse disco são interpretadas “Travessia”, “Das Tardes Mais Sóis”, “Nem Precisou de Mais um Sol”, “Três Pontas” e “Outubro”, todas instrumen-
teto, Mensagem, Pilantocracia e Fibra] tinham intenção de dar seqüência a um som instrumen-tal da bossa nova, inspirado na sonoridade dos Jazz Messengers e Horace Silver.”
“TEM UM AMIGO MEU QUE VOCÊS PRECISAM VER AS MÚSICAS”José Mynssen, produtor de Som Imaginário
e Milton, aparece como referência no livro de Márcio Borges. José uniu o Som Imaginário à Mil-ton Nascimento e Márcio é idealizador do Museu Clube da Esquina. Márcio tem arquitetado sem pretensão a história desse movimento, ao sentir a necessidade de recolher as memórias de nomes artífices da música que brotou dessa esquina qualquer. Márcio foi peça dessa engenharia complexa. Tavito credita o brilhante legado do “movimento” Clube da Esquina/Som Imaginário ao carinho, a um tratamento humano fiel à ami-zade, envolto em uma solidariedade que é mar-ca de eventos e criações contraculturais, desenho estético que parte da criação coletiva, de encon-tros de tribos, de turmas. Mesas de bar. É movi-mento pelo sentimento jovem, dado por deter-minados elementos guias da época, entre eles, o rock, os Beatles, e toda uma tradição pop que começava a ser digerida pela cultura tupiniquim, sempre antropofágica. Todo sentimento encon-trado na família Borges, que acrescentou mais um sobrenome ao Milton, Nascimento Borges.
Os elementos do que se convencionou conhecer por Tropicália foram desenvolvidos e constituem o produto cultural musical no Brasil. Fato de e-xistência produtiva e experiência produtiva, con-serva a criação laboratorial, próxima dos testes lisérgicos. Assim aconteciam as entradas do Som Imaginário em estúdio, a canção vinha sem en-saio, o improviso era o primeiro pulso, pois no final os discos de estúdio do grupo atingiram o alin-hamento de canções. O primeiro pulso orientava “músicos confiantes”, em composições brilhantes. Todos buscavam um entendimento de mundo que fosse mais fácil e menos conturbado na confecção desse roteiro. Em Os Sonhos Não Envelhecem, de Márcio Borges, registra-se um documento básico para qualquer citação que envolva a leitura da música brasileira como fenômeno de destaque. Um desses responsáveis é o já distante Mynssen, que reaparece nas palavras dos componentes do Som Imaginário.
Gal Costa em show da turnê do disco Índia de 1973, acompanhada de Dom Chacal, Robertinho Silva, Luís Alves, Toninho Horta e Dominguinhos.
ROBERTINHO “Eu, Robertinho Silva, Wagner Tiso, Luís Alves, Tavito, que era um guitarrista de Belo Horizonte, o Zé Rodrix, o Laudir de Oliveira, um percussionista, o Naná Vasconscelos também participou. E assim foi formado o Som Imaginário. A estréia foi numa Sexta-feira da Paixão, abril de 1970. Nasceu aí Milton Nascimento ah!e o Som Imaginário, que foi grande sucesso na época. Primeiro botaram uma fantasia na gente. A gente foi fantasiado de Riponga, vamos dizer assim. As irmãs dele, artistas plásticas e tal, figurinistas, tiraram a roupa da gente e colocaram uma calça colorida, colares. Arrepiaram o cabelo de todo mundo. De-ixaram a gente descalço. Tinha uma coisa até engraçada na época. A gente, eu e o Luís Alves, contrabaixista, tocava com o Milton no Teatro Opinião, cuja estréia foi com esse figurino. Depois a gente ia pra boate Sucata, tocar com o Chico Buarque com um comportamento completamente diferente. Todo abotoado, sapato engraxado, calça vincada. Ai, que alívio, o pé quentinho!
LUÍS Quando eu conheci o Wagner, ele tocava com o Paulo Moura. O Wagner me chamou pra tocar com o quarteto Paulo Moura. Éramos eu, o Pascoal Meireles, o Wagner e o Paulo Moura. Nós fomos tocar com a Maísa e depois que nós voltamos dessa temporada, nós fizemos com o Milton. Ele tinha feito o Festival da Canção e foi quando tudo começou. Foi o Wagner que nos introduziu nos mineiros.
ZÉ “Um dia nós [Zé e Tavito] estávamos na praia, era dezembro, se eu não me engano, dezembro de 1969, nós estávamos os dois deitados na praia, chega um cara chamado José Mynssen e diz assim: ‘Oh, Zé Rodrigues, era você que eu estava procurando aqui. Tavito, pô, que legal. Eu tenho que montar um conjunto para acompanhar o Milton Nascimento, eu já estou com o Teatro Opinião alugado, ele vai fazer um show no Teatro Opinião, vocês topam?’. Eu falei: “Para mim, fechado, vamos embora”. E nos juntamos. Ele falou: “Tem um cara aí que veio dos Estados Unidos, mas vai voltar e temos que aproveitar que ele está aí, que é o Laudir de Oliveira, ele está tocando e vai entrar naquela banda Chicago, e temos que aproveitar para ele ficar aqui, e o Milton mandou buscar o trio do Wagner”.
ROBERTINHO “O primeiro Músico mineiro que eu conheci foi o Wagner Tiso. Foi em 1965, quando o Wagner chegou no Rio de Janeiro. Eu trabalhava numa boate do Cauby Peixoto, em Copacabana, chamada Boate Drink. E um dia apareceu um cidadão, que a gente até confundiu com o garçom novo. E era o Wagner Tiso. Aí nós ficamos muito amigos. O Wagner me ensinou muito o que era música mineira, as harmonias de Minas Gerais.”
LUÍS “Aí, o José Mynsen chamou a gente, fim de 69, pra formar um grupo pra acompanhar o Milton. Ele já estava conhe-cido. Tinha feito sucesso com Travessia, mas ele ficou um pouco parado no tempo. Ele só fez aquele negócio e ficou meio indefinido. Aquela época era uma doideira danada, época da ditadura, uma barra. E foi o José Mynsen quem impulsionou o Milton, que já estava com aquela nova concepção de hippie, do movimento de paz e amor, essas coisas todas.
ROBERTINHO “Um dia apareceu um cidadão [José Miynssen] dizendo pra gente, num bar do Leme, que queria montar um trio, eu, o Wagner Tiso e o Luís Alves, pra tocar música instrumental e acompanhar algum cantor da bossa nova que a gente gostava. Era a música que a gente fazia. Tocava jazz e bossa nova. E esse cidadão chegou pra gente... Estavam montando uma banda pra acompanhar o Milton Nascimento. E a gente não acreditava nele. Ele falou no primeiro dia, falou no segundo, no terceiro. No quarto dia eu falei: “Wagner, acho que isso é verdade”. E foi assim que foi montado o Som Imaginário.
LUÍÍS “Eo José Mynsen deu a idéia da gente fazer uma coisa mais descontraída, com todo mundo sem camisa, com cordão. Aí ele nos apresentou o Tavito, que eu não conhecia. A gente não conhecia o Tavito e o Zé Rodrix, porque a gente era mais Músico de ficar tocando na boate, na noite, e o Zé Rodrix vinha de teatro, tinha uma outra concepção. Ele também tocava piano, tocava aquela ocarinazinha. Ele era muito talentoso. Foi uma fusão legal, que deu certo. Foi um som legal. Na época foi uma coisa até nova. Foi surpreendente. A gente tinha uma concepção pop, moderna, como o Gênesis.”
ZÉ “O Wagner tinha um trio de jazz, que era ele, Luiz Alves e Robertinho Silva, que tocavam no Drink, e disse: ‘Vamos juntar isso aqui e ver, quem sabe a gente faz um conjunto’. E quando juntou essas seis pessoas acabou virando o Som Imaginário, que se chamava Milton Nascimento e o Som Imaginário e esse show estreou na Sexta-feira Santa em 1970. Eu me lembro que foi um escândalo, as pessoas: ‘Meu Deus, como é que pode estrear um show no dia da Paixão de Cristo’. Em 1970 ainda tinha gente que se preocupava com essas coisas. Estreamos e o show foi um alumbramento, eu lembro de a gente ensaiar dezembro, janeiro, fevereiro, março, se eu não me engano, foi em março a Semana Santa nesse ano, mas é fácil checar depois, 1970.
A CONVERSA ACIMA É UMA RECOMPOSIÇÃO DE DEPOIMENTOS SITUADOS EM HTTP://WWW.MUSEUDAPESSOA.NET/CLUBE/. A MONTAGEM NÃO ALTEROU NENHUM FATO, COMO PODE SER VISTO POR QUEM ACESSAR A PÁGINA, MUSEU VIRTUAL QUE TEM COMO METODOLOGIA DE PESQUISA A HISTÓRIA ORAL. DO SITE: “O RESULTADO DESTE REGISTRO ESTÁ DISPONIBILIZADO NAS SEÇÕES ARTISTAS E DISCOS, AMIGOS DO CLUBE E INTERNAUTAS, QUE REÚNEM AS HISTÓRIAS DOS PROTAGONISTAS DO CLUBE, DE SEUS AMIGOS E FAMILIARES, BEM COMO DE INTERNAUTAS QUE ENVIAREM SUAS MEMÓRIAS POR MEIO DESTE ENDEREÇO.”
LUÍS ALVES, ROBERTINHO SILVA E ZÉ RODRIX:UM BATE PAPO DE BAR IMAGINÁRIO