Farmácia Januário
«Remar contra os moinhos de vento»
A vida não está fácil para a Farmácia Januário. Por um lado,vítima das várias alterações que têm ocorrido no setor;por outro, inserida numa freguesia caracterizada por umapopulação, visivelmente, envelhecida. No entanto, FernandoJanuário não cruzou os braços. Para além de ter implementadouma série de serviços, a sua postura empreendedora levou-o acriar um polo de saúde em torno da sua farmácia.
Entrouna faculdade para ser médico,
mas saiu farmacêutico. Fernando Janu-ário, diretor-técnico da Farmácia Janu-
ário, em Moçafaneira, freguesia de Ventosa,concelho de Torres Vedras, conta que foi
precisamente no ano que ingressou no Ensi-no Superior, logo a seguir ao 25 de Abril, quefoi estabelecido o numerus clausus. Até àqueladata, «ninguém estudava para a nota porqueentrava-se sempre». E estabelecido o numerus
clausus, «a minha média dava para entrar emMedicina, em Coimbra e no Porto, mas nãoem Lisboa, por dois décimos». Apesar destacircunstância, o farmacêutico ainda começoua frequentar o curso de Medicina, em Lisboa,conjuntamente com mais 500 alunos, «masapós quatro meses de aulas a par de um pro-cesso de luta com o Ministério da Educação,entre as várias alternativas propostas aos alu-nos, que não tinham média suficiente paracontinuar a frequentar aquele curso, comoVeterinária ou Ciências, acabámos por optarpor Farmácia».
Dali a abrir a Januário foi um "pulinho",sendo que tinha apenas o bacharelato quan-do o fez. «Casei-me cedo e fui logo pai», daí
que trabalhava de dia na farmácia e à noite
frequentava as aulas, em Lisboa, para termi-
nar a licenciatura.
Mas por que razão, sendo de Lisboa,Fernando Januário decidiu criar a sua far-
mácia, há 32 anos, na freguesia de Ventosa?
«Fiz uma pesquisa pelos distritos de Lisboa eSantarém das farmácias que tinham associa-
das uma extensão de um centro de saúde e
foram-me dados a escolher três sítios: dois
no concelho de Torres Vedras (aqui e em Dois
Portos) e um no concelho de Mafra (Póvoada Galega). Acabei por escolher esta porquena altura era a maior freguesia». O distrito de
Santarém acabou por ser "rejeitado" pelo far-
macêutico, uma vez que «as freguesias eram
muito pequenas». Contudo, apesar de a rea-lidade ser promissora há 30 anos, em termos
demográficos, o certo é que «a populaçãoestá a diminuir. Antigamente os meus utentes
eram pessoas com oito ou nove filhos e hojetêm apenas um ou dois». Na verdade, presen-temente, a maioria dos utentes da Januário
tem 65 anos ou mais. «São pessoas que vivem
das suas reformas. Estamos numa aldeia e
aqui não são criadas condições para os mais
jovens ficarem e, por isso, acabam por ir viver
para as cidades e as populações estão cada
vez mais envelhecidas».
Uma das melhores do mundo
Contudo, há mais de 30 anos, não era só
o futuro da Januário que parecia ser promis-
sor, mas o de toda a Farmácia Comunitária.
Depois do 25 de Abril, esta começava a orga-nizar-se e a seguir novos rumos: «a Farmácia
portuguesa viveu uns anos difíceis, mas de-
pois estabilizou e, na minha opinião, tornou-
se numa das melhores do mundo», indica Fer-
nando Januário. Não obstante, esta realidade
desapareceu «com a chegada ao poder de
alguns governantes, como um famoso minis-
tro da Saúde que desregulou completamenteo setor e permitiu que chegassem cá pessoas
que não eram de Farmácia, ou seja, o podereconómico substituiu a deontologia e a ética
e hoje sinto-me bastante desiludido com o
rumo que a Farmácia está a levar», confessa.
O facto de o poder económico se sobreporaos valores morais levam o diretor-técnico aacreditar que a propriedade da Farmácia de-veria continuar, exclusivamente, na mão do
farmacêutico, «não porque estejamos pre-destinados a termos farmácias, mas porque omodelo uma farmácia/um farmacêutico temfuncionado bem, de tal modo que estes esta-
belecimentos de saúde estão bem equipados,
pagam bem aos funcionários e são pequenas
empresas que pagavam os impostos a tempoe horas, o que neste momento já não acon-tece».
Não obstante, a "doença" da Farmácia Co-
munitária não afeta apenas a propriedade,
pois, neste momento, já estendeu os seusten-táculos a outras áreas, nomeadamente à ven-da de medicamentos não sujeitos a receitamédica (MNSRM), que já há algum tempo sãotambém vendidos fora das farmácias. Foi umadecisão que «não trouxe vantagens à popula-ção, mas apenas às grandes superfícies, visto
que todas as outras parafarmácias - criadaspara, teoricamente, melhorar o acesso da po-pulação ao medicamento - fecharam». Parao farmacêutico, o único resultado desta açãofoi tornar as farmácias mais apetecíveis aos
grandes grupos, «se bem que neste momen-
to, por outro lado, não sei se ainda o são, poisno estado em que se encontram, acho que osúnicos interessados são os farmacêuticos queainda tentam remar contra os "moinhos de
vento"».
Estar num grupo
E porquê pertencer a um grupo, neste caso, Holon? Em termos de vantagens, refere o
diretor-técnico, sobressai o facto de ser «uma defesa da farmácia em relação às possíveis
agressões exteriores, de multinacionais, por exemplo». Além disso, «temos também umaidentidade própria, em que a Farmácia Holon é diferente das outras, e temos também umavariedade de serviços de uma forma mais organizada». Não é assim de estranhar que refira
que «a imagem que o Grupo transmite é positiva. Sentimo-nos confortáveis». Mas, toda amedalha tem o seu reverso e há também algo que se "perde". Neste caso, Fernando Januárioafirma que pode existir uma perda da «individualidade da farmácia. Pelo menos no meu
tempo, em que criávamos a farmácia à nossa imagem». Alguma dificuldade em gerir stocks
de campanhas, «nomeadamente numa farmácia de aldeia», como é o caso, é apontado tam-
bém como um lado menos bom. Mas, afirma o responsável, o balanço é claramente positivo.
Inserida num polo de saúde
Precisamente, na tentativa de contrariar a
situação de declínio, o diretor-técnico já pôsvárias ações em marcha, nomeadamente a
entrega gratuita de medicamentos ao domi-
cílio: «fomos das primeiras farmácias a fazê-lo». Mas não só. «Estamos inseridos no Grupo
Holon e com isto conseguimos uma melhoria
ao nível dos serviços, nomeadamente passa-mos a disponibilizar o aconselhamento de
nutrição, podologia e consulta farmacêuti-
ca», sendo que «os utentes têm aderido mui-
to bem». E, pouco a pouco, os serviços vão
compensando a redução das margens das
farmácias, que «todos os meses regridem,
enquanto os custos fixos sobem». E nestecontexto é preciso encontrar ainda mais alter-nativas «que atraiam o maior número possívelde utentes, só assim se consegue manter os
postos de trabalho atuais». Fernando Januá-rio não esconde que a farmácia atravessa difi-
culdades, «como tantas outras pelo país fora».
Mas, apesar da aposta nos serviços, a ati-tude mais inovadora e empreendedora foi
a criação de um polo de saúde. «Esta farmá-cia está inserida num edifício que se chama
Vento Saúde, onde tentamos, eu e o meu filho
Pedro, criar um polo de saúde nesta zona oci-dental do concelho. Para além da farmácia,
engloba um centro veterinário, dois postosde colheitas de análises e brevemente abri-rá uma clínica e um centro de reabilitação e
fisioterapia». Uma iniciativa que é vista, pelapopulação, «como uma mais-valia, dado queno mesmo sítio se pode usufruir de vários
serviços, sem necessidade de deslocação àcidade».
Se os utentes mostram contentamentocom este aglomerado de serviços, quandochegam à farmácia, às vezes, a história é ou-tra. No que toca ao preço dos medicamentos,
«os utentes não reagem bem às alterações porque chegam aqui a pen-sar que estão mais baratos, devido à informação falaciosa veiculada peloEstado, e depois constatam que pagam mais», conta Fernando Januário,
explicando que isto acontece porque «o Estado omite que, para além
dos preços, as compartições também baixam». Aliás, «só em Portugaltemos um preço marcado na embalagem e cobra-se outro». Esta é ape-nas uma das situações que servem de mote a reflexões mais profundas
que deixam transparecer as preocupações do farmacêutico: «há uma
instabilidade no setor da Saúde, noto que está a ser conduzido sem vi-
são de futuro e este "sobe e desce" vai obrigar a Farmácia a diminuir a
sua qualidade. Neste momento tenho dois farmacêuticos, que tendo eu
uma "farmácia de aldeia", são difíceis de manter». Mais uma vez, uma
situação que ecoa por muitas farmácias do país e que vai originar «quese voltem novamente a dar preferência aos técnicos de farmácia na hora
de contratar, quando nos últimos anos tem havido uma preferência pela
contratação de farmacêuticos. Todavia, sem recursos financeiros, não se
consegue pagar a licenciados», i
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