IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
Canções de Protesto: O avanço da esquerda para e pelas artes
José Fernando Saroba Monteiro1
Resumo: Em inícios da década de 1960 surge no Brasil um tipo de “canção
politicamente engajada”, que viria a ser conhecida como “canção de protesto”.
Originada entre os dissidentes nacionalistas da bossa-nova, entre eles Carlos Lyra,
Nelson Lins e Barros, Sérgio Ricardo e Nara Leão, a “canção de protesto” ganharia
ainda mais fôlego no período pós-golpe de 1964, especialmente através da figura de
Geraldo Vandré. A vertente “canção de protesto” seria ainda impulsionada por suas
apresentações nos Festivais da Canção onde atingiria grandes massas e um novo público
consumidor, agora moderno e de classe média, incluindo a juventude universitária
frequentadora dos festivais, que nesse período já havia formado um parti pris ante o
regime militar vigente. As “canções de protesto” teriam grande aceitação e seriam
inclusive responsáveis pelo surgimento da própria vertente MPB.
Palavras-chave: “canção de protesto”, regime militar, censura, Festivais da Canção,
MPB.
Na década de 1960 surgiu um tipo de “canção politicamente engajada” repleta
de críticas de viés político-social alimentadas ainda mais no período pós-golpe devido
aos embates entre a ala esquerdista e o regime militar vigente, a “canção de protesto”.
As “canções de protesto”, que vinham ao lado dos protest songs norte-americanos e da
nueva canción latino-americana, tinham um caráter de cultura de “resistência” (arte
1 Em 2005 ingressou na Licenciatura Plena em História da Universidade de Pernambuco (UPE), campus
Nazaré da Mata, em 2010 ingressou na Especialização em Teorias da Comunicação e da Imagem da
Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2012 ingressou na Licenciatura em Música da Universidade
Federal do Ceará (UFC), atualmente é mestrando em História do Império Português [e-learning] pela
Universidade Nova de Lisboa (UNL) onde ingressou em 2013. e-mail: [email protected].
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popular revolucionária2, anti-establishment). Para o regime, essa relação interamericana
seria organizada. Um documento do Departamento de Polícia Federal (DPF), de 1973,
ao descrever o I Encuentro de la Canción Protesta, em 1967, fala de “[...] uma
organização cuidadosamente montada para desenvolver, em cada país, a promoção da
canção de protesto. Essa organização funcionava em Havana, Cuba, e iniciou suas
atividades em agosto de 1967 [...]” (Informe 01/73 – DCDP, 27 abr. 1973).
No Brasil, stricto sensu as “canções de protesto” tiveram sua base na música
engajada (participante) de Carlos Lyra e nos ideais do Centro Popular de Cultura
(CPC)3, assim como nos catárticos espetáculos Opinião4, Arena Conta Zumbi, Arena
Canta Bahia e outros. Heloisa Buarque de Hollanda nos explica que
“[...] a produção cultural, largamente controlada pela esquerda, estará
nesse período pré e pós-64 marcada pelos temas do debate político.
Seja ao nível da produção em traços populistas, seja em relação às
vanguardas, os temas da modernização, da democratização, o
nacionalismo e a “fé no povo” estarão no centro das discussões,
informando e delineando a necessidade de uma arte participante,
forjando o mito do alcance revolucionário da palavra poética.”
(HOLLANDA, 2004, p. 21).
Era o avanço da esquerda para e pelas artes.
De acordo com Marcelo Ridenti: “do fim dos anos 1950 ao início dos 1970, nos
meios artísticos e intelectualizados de esquerda, era central o problema da identidade
nacional e política do povo brasileiro” (RIDENTI, 2014, p. 01). Também é Ridenti
2 Ver: Anteprojeto do Manisfesto do Centro popular de Cultura. mar. 1962. In: HOLLANDA, Heloisa
Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/ 70. Rio de Janeiro: Aeroplano,
2004, pp. 135-168. 3 Grupo fundado no Rio de Janeiro em 1962 e ligado a UNE. 4 “Ainda no final de 1964, estreava no Rio de Janeiro o espetáculo Opinião, criado por remanescentes do CPC. Foi
um sucesso, ao juntar no palco uma cantora de classe média (Nara Leão, depois substituída por Maria Bethânea), um
representante do homem do campo (João do Vale, e outro do malandro urbano (Zé Keti).”. (RIDENTI, 2002, p. 124).
“Após o Golpe, os principais protagonistas do CPC ligados PCB [...] organizaram o Show Opinião, que viria a dar
nome ao teatro onde era montado.” (RIDENTI, 2014, p. 106).
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quem nos fala sobre um certo idealismo romântico que ficou indelevelmente associado
ao período sessentista, adjetivo este (romântico), que aparece por vezes em sua obra Em
Busca do Povo Brasileiro, ocorrências sobre as quais ele mesmo nos esclarece:
“Em geral, o termo [romântico] não é empregado [na obra] com um
sentido unívoco, preciso; por vezes é usado com uma conotação
pejorativa, identificada a certa ingenuidade e falta de realismo
político. Contudo, não cabe tomar o romantismo revolucionário com
desdém. [...] Se o uso do termo carece de um sentido único nas várias
falas, por outro elas revelariam certas percepções de uma época, dita
romântica” (RIDENTI, op. cit., p. 08).
De toda forma, a intelligentsia revolucionária mantém uma solidariedade
espiritual com o povo, ela deve encontrar seu lugar ao lado do proletariado, “[...] o lugar
do intelectual na luta de classes só pode ser determinado, ou escolhido, em função de
sua posição no processo produtivo.” (BENJAMIM, 1987, p. 127). Na esfera musical
Carlos Lyra, Nelson Lins e Barros, Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo (que pertencem à
ala esquerda e corrente mais nacionalista da Bossa Nova5), foram os personagens que se
envolveram de corpo e alma nessa clivagem. Outros como Edu Lobo e Vinícius de
Moraes também contribuíram para este quadro.
Segundo Miliandre Garcia de Souza:
“No final dos anos 1950 e início de 1960, acentuar as diferenças, e
não as semelhanças, entre a bossa nova e o jazz tinha como objetivo
resgatar os vínculos com a tradição da música popular brasileira e
precaver-se contra as críticas que a consideravam elitista, sem
conteúdo e voltada para o consumo externo. Nesse contexto, podemos
considerar o diálogo entre tradição e modernidade como uma das
tentativas de politização e popularização da bossa nova por músicos
5 Ver: CASTRO, Ruy. Chega de Saudade. 16ª ed.. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Ver também: GARCIA,
Miliandre. Do teatro militante à música engajada: A experiência do CPC da UNE (1958 – 1964). São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2007.
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que integravam o CPC, a exemplo de Carlos Lyra.” (SOUZA, 2007, p.
60).
De acordo com Ruy Castro,
“Os furúnculos nacionalistas ainda não estavam tão inflamados em
1960 quanto se tornariam dois ou três anos depois. Mas já começavam
a pipocar na sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), na Praia
do Flamengo, onde se reuniam os rapazes que estavam criando o CPC
(Centro Popular de Cultura). Alguns desses rapazes (vá lá) era
Ferreira Gullar, Leon Hirszman, Carlos Estevam, Oduvaldo Viana
Filho e, este sim, o garoto Carlinhos. O CPC vinha para ‘recuperar’ as
‘raízes’ da ‘autêntica’ cultura ‘popular’, ‘sufocadas’ pelos ‘tentáculos’
da General Motors, da Esso Standard Oil, da Coca-Cola, da Metro-
Goldwyn-Mayer e de outras múltis mamutes.” (CASTRO, 2001, p.
81).
José Ramos Tinhorão nos esclarece que
“O primeiro compositor ligado à bossa-nova a demonstrar inquietação
em face do excesso de informação cultural estrangeira no movimento
foi Carlos Lira. [...] Carlos Lira compôs em 1957 um samba em que,
citando nominalmente o bolero, o jazz, o rock e a balada, criticava sua
influência na música brasileira. Essa composição, intitulada
Criticando, ia revelar-se afinal uma antecipação do seu samba
Influência do Jazz, composto dentro do mesmo pensamento crítico em
1961, mas que estava destinado a soar como uma ironia: apontando a
absorvente influência do estilo americano de tocar, a música de
Influência do Jazz indicava ela mesma o quase mimetismo a que chegara a bossa-nova na incorporação de células musicais e recursos
particulares da música norte-americana.” (TINHORÃO, 1974, pp.
227-228).
Segundo Waldenyr Caldas:
“De qualquer forma, a música de Carlos Lyra é uma das mais
expressivas do movimento da bossa nova. Além disso, seu discurso
traduz o pensamento de uma ala política, naquele momento histórico,
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ou seja, o período de maior engajamento político da UNE, a partir de
1961, em que um grupo de jovens talentosos não admitia qualquer
interferência estrangeira em nosso país, em particular em nossa cultura
e no samba.” (CALDAS, 1989, p. 52).
É o próprio Carlos Lyra quem fala sobre esse engajamento,
“Isso acontece no momento em que vou para São Paulo ser o diretor
musical do Teatro de Arena. Eu travei conhecimento com o Vianinha
(Oduvaldo Vianna Filho), com o Guarnieri... Esse pessoal,
posteriormente, veio para o Rio de Janeiro e fundou o Centro Popular
de Cultura. Quando o Centro Popular de Cultura da UNE começou a
se desenvolver, havia evidentemente um engajamento político da
minha parte e da parte dos outros participantes. Aquilo deu uma
reviravolta grande na cabeça das pessoas não somente de forma
política, mas também cultural. A minha presença no CPC fez com que
a minha cabeça musical mudasse. Eu já estava preocupado em fazer
música do tipo da Marcha da quarta-feira de cinzas e não só em criar
canções como Você e eu e Coisa mais linda.” (LYRA apud
CHEDIAK, 1994, p. 23).
É a partir dessa nacionalização da bossa-nova que irá surgir a vertente chamada
“canção de protesto”, através do engajamento político-social de alguns bossanovistas
que passaram a incorporar em suas músicas elementos ligados a tradição popular
brasileira como forma de negação da importação cultural e da influência estrangeira em
nossa cultura. “Podemos igualmente incluir na rubrica do protesto, canções que
denunciavam as condições de vida dos oprimidos da cidade e do campo (como as
canções do show Opinião) [...]” (MIRANDA, 2009, p. 128).
De acordo com Arnaldo Contier:
“A chamada canção de protesto, escrita por dezenas de compositores
durante os anos 60, num primeiro momento, representava uma
possível intervenção política do artista na realidade social do país,
contribuindo assim para a transformação desta numa sociedade mais
justa. [...] O matiz ideológico que representava a brasilidade (moda-
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de-viola; ritmos sincopados) e o seu conteúdo político atingiam um
segmento do público sintonizado com essa proposta política:
estudantes universitários, profissionais liberais dos grandes centros
urbanos. Outros textos, não explicitamente políticos, excessivamente
metafóricos, atingiam todos os tipos de público, incluindo setores
mais conservadores da sociedade.” (CONTIER, 1998, p. 02).
Nelson Barros da Costa nos demostra que nas “canções de protesto” “O sujeito
se dispõe à “formação ideológica” (“conscientização”) pelo coletivo, preparando-se para
ser ele mesmo um formador de consciências” (COSTA, 2001, p. 185). Para o crítico
José Ramos Tinhorão “[...] esse tipo de canção exigia um tom épico, os compositores e
letristas das músicas de protesto [...] passam a cantar as belezas do futuro, com dezenas
de versos dedicados ao dia que virá” (TINHORÃO, op. cit., p. 233). De acordo com
Walnice Nogueira Galvão, O DIA QUE VIRÁ, destaca-se entre os seres imaginários
que compõem a mitologia da MMPB (Moderna Música Popular Brasileira), e tem a
função de “[...] absolver o ouvinte de qualquer responsabilidade no processo histórico.”
(GALVÃO, 1976, p. 95). A expressão O DIA QUE VIRÁ foi cunhada por Walnice
Nogueira Galvão em seu artigo MMPB: Uma análise ideológica, sobre o qual David
Treece traz as seguintes considerações:
“Ao escrever, em 1968, sua critica literária, Walnice Nogueira Galvão
chegou a uma conclusão terrivelmente pessimista em relação à
produção da protest song representada pelo trabalho de Geraldo
Vandré e seus contemporâneos Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto
Gil e Chico Buarque. Para ela, apesar do compromisso da nova canção
com uma ‘realidade cotidiana, presente, aqui e agora’, esta fez pouco
mais que uma substituição evidentemente ideológica do ‘escapismo
complacente’ da bossa nova e sua mitologia ‘de sol, mar e areia’ por
uma nova e igual mitologia tranqüilizante. Seu tema onipresente, ‘o
dia que virá’, imaginou o poder de redenção da própria canção,
substituindo qualquer tipo de ação política concreta, que era sempre
adiada para algum futuro hipotético e utópico. Ao ‘povo’ – destinado
à passividade como ouvintes eximidos de responsabilidades – era,
dessa maneira, negada qualquer atuação na condução da história.”
(TREECE, 2000, p. 127).
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Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos Augusto Gonçalves, no livro Cultura e
participação nos anos 60, nos explicam que:
“Em meados da década [de 1960], o panorama crítico e criativo da
música era dominado pela presença de uma forte corrente nacionalista
e engajada que, com o declínio da Bossa-Nova e a subida ao poder das
forças conservadoras, encontrava um terreno propício para se
desenvolver, especialmente entre o público estudantil, avesso às
formas culturais que pudessem ser relacionadas a uma indesejável
‘invasão cultural imperialista’. [...] Essa espécie de protest song
nacional contava com o apoio de um considerável setor da crítica que
tratava de zelar pela ‘autenticidade de nossas raízes’ e pela adequação
das mensagens propostas pelas canções. [...] Protesto e nacionalismo
faziam, portanto, o coro da MPB.” (HOLLANDA; GONÇALVES,
1987, pp. 53-54).
Desta forma o conteúdo passou a ter mais importância, divergindo da tríade
“flor, amor e dor”, e não mais saudando “o sol, o sal e o sul”, fazendo agora menções
aos mitos do “morro” e do “sertão”.
Na transição entre a bossa-nova e a “canção de protesto”, alguns artistas tiveram
papel de destaque, entre eles Nara Leão, Edu Lobo, e o próprio Carlos Lyra, entre
outros. Até mesmo o tropicalista Gilberto Gil integrou a vertente em seu início de
carreira. Contudo, Geraldo Vandré foi o compositor de maior representatividade na
“canção de protesto”, depois de seu desvinculamento com a bossa-nova, e o que melhor
sintetizou a canção engajada no mercado. Segundo Marcos Napolitano:
“A busca constante de referências musicais e culturais revelava as
vicissitudes de um artista que, mais do que outros, incorporou a tarefa
de criação de uma canção ‘de massa’, engajada e exortativa, dentro
das estruturas do mercado. Essa tarefa era incrementada pela
radicalização do quadro político do país, que parecia impregnar o
trabalho de Vandré mais do que o de outros músicos. A partir de 1967,
tornou-se o músico brasileiro mais identificado com a versão
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brasileira da “canção de protesto”, superando Nara Leão. Essa
mudança de referencial foi causa e efeito da grande popularização da
MPB, entre fins de 1966 e 1968, cuja demanda requeria canções mais
diretas e exortativas, inspiradas nas formas musicais anteriores à bossa
nova.” (NAPOLITANO, 2007, p. 127).
Geraldo Vandré e o Quarteto Novo (NAPOLITANO, 2007, p. 125).
Notamos que alguns autores frequentemente associam a vertente “canção de
protesto”, com a então emergente MPB. Na verdade, essa convergência da bossa-nova
que resultou na “canção de protesto” foi também responsável pelo surgimento da
vertente denominada MPB, pois foi com características nacionalistas, muito próprias do
engajamento que viria a entrar em voga no período em questão, que foi composta a
canção síntese do nascimento do gênero, chamado inicialmente de MMPB, Arrastão
(Edu Lobo/ Vinícius de Moraes), interpretada por Elis Regina no I Festival Nacional de
Música Popular Brasileira da TV Excelsior, em 1965.
Nesse sentido, não podemos esquecer que a “Era dos Festivais”, ocorrida entre
as décadas de 1960 e 1970, foi também responsável por abrigar e difundir as “canções
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de protesto”. Os Festivais da Canção eram compostos por um público de classe média,
em sua maioria pertencente a juventude estudantil, um público universitário, que cada
vez mais se mostrava participativo politicamente e interessado em canções que
correspondessem à esse engajamento. Segundo Hollanda e Gonçalves
“A presença em massa da juventude estudantil, que assumia um papel
de crescente importância na contestação ao regime de 64, envolvia as
apresentações num ambiente de acalorada participação, onde se tornar
adepto desta ou daquela música assumia muitas vezes ares de opinião
política.” (HOLLANDA; GONÇALVES, op. cit., p. 57).
Conforme Marcos Napolitano “[...] o triunfo da MPB nos festivais (ou seja, no
mercado) era, ao mesmo tempo, um triunfo político, termômetro da popularização de
uma cultura de resistência civil ao regime militar.” (NAPOLITANO, 2004, p. 212).
Dentre as “canções de protesto” que mais se destacaram, está a guarânia Pra não
Dizer que não Falei das Flores (Caminhando) ou ainda Sexta Coluna (Geraldo
Vandré), apresentada no III Festival Internacional da Canção da TV Globo, em 1968,
que apesar do título trazia, sem tergiversar, versos como: “Há soldados armados/
Amados ou não/ Quase todos perdidos/ De armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam/
Uma antiga lição:/ De morrer pela pátria/ E viver sem razão.”, que atingiam em cheio o
regime militar, e “Apesar de aclamada pelo público, despertou a ira dos militares.”
(AQUINO, 2012a, p. 39), recebendo inclusive um poema-resposta de autoria de um
capitão do exército, intitulado Carta a Geraldo Vandré, para o qual em informativo do
DOPS era solicitado “[...] a colaboração no sentido de divulgar o poema e daqueles que
possam e o desejam reprodução para distribuição.” (APESP, Prontuário nº 001062 –
DEOPSSANTOS). Não obstante, foi o auge da “canção de protesto”, tornando-se um
hino na luta contra a repressão, uma verdadeira Marselhesa como a descreveu Millôr
Fernandes. Aliás, se a “canção de protesto” se caracterizava pela invocação dO DIA
QUE VIRÁ, Pra não Dizer que não Falei das Flores, tal como a Marselhesa, anunciava
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que o dia já chegou, enquanto uma proferia “Allons, enfants de la patrie/ le jour de
gloire est arrivé.” [Avante, filhos da pátria/ O dia de glória chegou], a outra exclamava
“Vem vamos embora/ que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ não espera
acontecer”:
“Assim, compositores, como Geraldo Vandré ora esperavam o dia da
libertação (em Aroeira: “Vim de longe, vou mais longe,/ Quem tem fé
vai me esperar/ Escrevendo numa conta/ Pra junto a gente cobrar/ No
dia que já vem vindo/.../ E a gente fazendo conta/ pro dia que vai
chegar”), ora enfatizaram o papel ativo dos sujeitos, como na letra já
reproduzida de Para Não dizer que não falei das flores, de Vandré, que
parece uma resposta explícita a críticas como a de Galvão. Trinta anos
depois, Walnice Nogueira Galvão matizaria suas observações no
artigo “Nas asas de 1968: rumos, ritmos e rimas” (1999),
reconhecendo o papel politizado e politizador da MPB e das artes em
geral no combate à ditadura.” (RIDENTI, op. cit., p. 214).
Segundo Treece:
“Como tal, Caminhando representou o resultado lógico de esforços
para politizar uma música que foi acusada, na melhor das hipóteses,
de ter se alienado das lutas sociais anteriores e posteriores à 1964 e, na
pior, de ter endossado o espírito de modernização capitalista do pós-
guerra.” (TREECE, op. cit., p. 127).
Tamanha foi sua repercussão que se acredita ter sido ela o leitmotiv para o
decreto do AI-5 que, entre os emepebistas, “[...] acabou criando uma espécie de ‘frente
ampla’ musical.” (NAPOLITANO, 2002, p. 69). Sobremodo, este decreto ceifaria a
carreira de Vandré. De acordo com Marcelo Ridenti:
“Ambigüidades [sic] da história: a canção de Vandré, Caminhando,
símbolo das lutas de 1968, o chamado à guerrilha, foi regravada
recentemente num versão intimista de Simone, que mais parece um
réquiem, e até políticos conservadores chegaram a cantá-la em
programas televisivos de propaganda eleitoral na década de 80. Não
obstante, há quem tenha entoado a canção de Vandré: nas passeatas
estudantis de 1977, nos enterros de vítimas da ditadura, como o do
jornalista Herzog em 1975 e do operário Santo Dias em 1979, e até
mesmo na campanha das ‘Diretas já!’ em 1984. A força das diversas
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manifestações dos anos 60, simbolizada pela canção, reapareceu em
outras conjunturas e de outras formas, diferentes daquelas dos anos
60, mas que de algum modo buscavam reatar o elo perdido. O uso tão
díspar da mesma canção-símbolo para diferentes fins políticos e
culturais, quase como um Hino Nacional, por um lado, sugere que
aquilo que a todos representa, ao mesmo tempo, não representa
especificamente ninguém. Mas, por outro lado, tal uso revela a
legitimidade das lutas libertárias dos anos 60, encarnadas naquela
canção, legitimidade reconhecida até em meios políticos
conservadores que fazem uso dela para seus próprios fins. De modo
que o espírito das luta sociais da década de 60 incorporou-se em
formas múltiplas à consciência coletiva nacional. Não é à toa que
Millôr Fernandes disse que Caminhando “é o hino nacional perfeito;
nasceu no meio da luta, foi crescendo de baixo para cima, cantado,
cada vez mais espontânea e emocionalmente, por maior número de
pessoas. É a nossa Marselhesa”. (RIDENTI, 1991, pp. 08-09).
De acordo com Adalberto Paranhos:
“Com a entrada em cena, em 1985, da chamada ‘Nova República’ e os
novos ventos que sopraram na vida política nacional, em 1992
‘Caminhando’ embalaria, junto com ‘Alegria, alegria’, de Caetano
Veloso, o movimento dos estudantes caras-pintadas pró-deposição do
presidente Fernando Collor de Mello, símbolo de um governo que se
afundou, de alto a baixo, na corrupção.” (PARANHOS, 2009, p. 06).
Ironicamente Vandré se tornaria posteriormente um admirador das Forças
Armadas, como nos mostra Beatriz Kushnir:
“Em uma reportagem do jornal Correio Brasiliense, de 15/9/1985, lê-
se: “Vandré não é só o último, mas quem sabe, o eterno exilado
brasileiro. Ele exilou-se de si próprio desde sua volta ao Brasil, em 17
de julho de 1973, quando, depois de um mês de depoimentos e
pressões no I Exército, no Rio, foi obrigado a aparecer no Jornal
Nacional, saltando de um Electra da Varig, em Brasília, como se
tivesse acabado de chegar de Santiago do Chile, pondo fim a um
exílio físico e geográfico que começou em dezembro de [19]68, após
o malfadado AI-5”. Tornou-se nacionalmente conhecido graças à
canção Caminhando – Pra não dizer que não falei de flores, um hino
contra a ditadura, que foi censurado no fim dos anos 1960. Em 1994,
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no Memorial da América Latina (SP), em um concerto para o 4º
Comar da FAB, Vandré apresentou “Fabiana”, uma canção feita em
homenagem à FAB. O jornalista Percival de Souza (Autópsia do
medo, op. cit., p. 34), no relato biográfico sobre o delegado Fleury,
menciona que “Vandré, preso, passou por uma conversão no cárcere,
transformando-se em um profundo admirador da Força Aérea
Brasileira”.” (KUSHNIR, 2004, p. 305 – rodapé).
Não obstante, Geraldo Vandré esteve presente na apresentação de Pra Não Dizer
Que Não Falei das Flores pela artista norte-americana Joan Baez, em março de 2014,
em São Paulo, e, embora não tenha cantado, permaneceu no palco, marcando sua volta
após quarenta anos no anonimato.
Dentro dos Festivais da Canção, ainda nas décadas de 1960 e 1970, Geraldo
Vandré, juntamente com Chico Buarque, foram responsáveis pela catalização da
audiência engajada. “Eles sintetizaram a curiosa situação histórica da MPB nascente dos
anos 60, na qual idolatria pop e engajamento político pareciam se combinar.”
(NAPOLITANO, 2004, p. 206.).
A “canção de protesto” viria a ter um período de crise ao fim da década de 1960,
crise essa que “[...] foi geradora de críticas e autocríticas por parte de artistas e
intelectuais do próprio espectro da esquerda.” (NAPOLITANO, 2001, p. 234). No
entanto a “canção de protesto” seguiria sua trajetória durante os “anos de chumbo”, e
depois de terminada a ameaça de Vandré, a censura, elegeria, entre os emepebistas,
Chico Buarque de Hollanda como inimigo número um.
Depois de promover um auto-exílio na Itália, Chico Buarque volta para o Brasil
em um período que marcaria o amadurecimento de sua carreira. Para além da
composição de Apesar de Você (Chico Buarque de Hollanda), com uma mensagem que
tinha como destinatário o próprio presidente-general Emílio Garrastazu Médici, o que
lhe renderia a censura e o recolhimento das 100 mil cópias vendidas, Chico Buarque
escreve a peça Calabar, com Ruy Guerra, que também seria censurada, e compõe a
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canção Cálice (Chico Buarque de Hollanda/ Gilberto Gil), que ao ser apresentada no
festival Phono 73, ao lado de Gilberto Gil, teve os microfones desligados devido
também a sua censura e proibição de execução. Caso curioso é o de Chico Buarque ter
criado o pseudônimo Julinho da Adelaide para tentar driblar a censura, de acordo com o
seu site oficial:
“Julinho da Adelaide nasceu quando Chico Buarque passou a ser
muito conhecido entre os censores do regime militar, na década de 70.
Suas músicas eram proibidas somente porque levavam sua assinatura.
A saída para burlar a censura foi a criação de um heterônimo. E deu
certo. Acorda amor, Jorge maravilha e Milagre brasileiro passaram
pela censura sem maiores problemas. Julinho chegou até a dar uma
entrevista para o jornal Última Hora sobre sua carreira em ascensão.”
(Chico Buarque – site oficial6).
Entretanto a farsa logo foi revelada pela imprensa, o que resultou em regras mais
rígidas por parte da censura.
Muitos como Taiguara, Caetano Veloso, Gilberto Gil, e outros, também
sofreram com ações repressivas. Até mesmo a música brega-popularesca (kitsch) de
Odair José, Waldick Soriano, e da dupla da marcha ufanista Eu te amo meu Brasil
(Dom), Dom e Ravel, sentiriam os efeitos da censura. Sobre esta última questão quem
nos fala é Paulo César de Araújo, que em seu livro Eu não sou Cachorro, Não, nos
adverte:
“Quando relacionam produção musical e regime militar, os críticos,
pesquisadores e historiadores da nossa música são pródigos em
ressaltar a ação de combate e protesto empreendida por diversos
compositores da MPB, que se valiam de metáforas, imagens truncadas
e herméticas, com o objetivo de driblar a censura e manifestar o seu
inconformismo com o quadro político-social vigente. O que estes
analistas nunca ressaltam, ou simplesmente ignoram, é o papel de
resistência desempenhado naquele mesmo período por artistas
6 Disponível em: <http://www.chicobuarque.com.br/sanatorio/abre_julinho.htm> Acesso em: 03 mai.
2014.
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populares como Paulo Sérgio, Odair José, Benito di Paula e, não se
surpreenda, a dupla Dom & Ravel.
Três aspectos chamam a atenção no universo deste grupo de
cantores/ compositores. Em primeiro lugar, a mensagem de suas
canções: grande parte delas traz a denúncia do autoritarismo e da
segregação social existentes no cotidiano brasileiro. O segundo
aspecto é a relação entre esta produção musical e o momento
histórico: a maioria de seus autores e intérpretes alcança o auge do
sucesso entre 1968 e 1978, período de vigência do Ato Institucional nº
5, sendo também proibidos e intimados pelos agentes da repressão do
regime. E o terceiro aspecto, a origem social do público e dos artistas:
ambos oriundos dos baixos estratos da sociedade [...].” (ARAÚJO,
2010, pp. 16-17).
Na década de 1970 muitos outros artistas também passaram pelo crivo da
censura. Segundo Marcos Napolitano:
“Na luta contra a censura e a ditadura, concorreram muitos grupos e
indivíduos. Nos anos 70, por exemplo, artistas populares – sobretudo
aqueles ligados à música, como Chico Buarque de Holanda, Ivan Lins,
Vitor Martins, Gonzaguinha, João Bosco, Aldir Blanc, Milton
Nascimento, Elis Regina, entre outros –, aproveitando-se do próprio
crescimento da indústria cultural no Brasil, tornaram-se porta-vozes
dos valores democráticos e emancipadores, que se contrapunham à
realidade política vigente.” (NAPOLITANO, 1998, p. 45).
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