INDÍCIOS DA PRODUÇÃO MAIS LIMPA NO PROCESSODE PRODUÇÃO DA CACHAÇA TRIUMPHO: UM ESTUDONO ENGENHO SÃO PEDRO
ERVELYN CRISLAINE FERREIRA DE MELO LIMAUniversidade Federal Rural de [email protected] ÉRICA DAYANY DE SOUZA LIMAUNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE [email protected] TARCIANA CARDOSO FERREIRAUniversidade Federal Rural de [email protected] MARIA JOSÉ DA SILVA FEITOSAUniversidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Serra [email protected]
INDÍCIOS DA PRODUÇÃO MAIS LIMPA NO PROCESSO DE PRODUÇÃO DA
CACHAÇA TRIUMPHO: UM ESTUDO NO ENGENHO SÃO PEDRO
RESUMO
É inegável a importância social, cultural e econômica da cachaça para o Brasil. Contudo,
apesar dos benefícios que gera, o processo produtivo desta bebida pode provocar impactos
ambientais negativos. Visando reduzir estes impactos negativos, as empresas produtoras de
cachaça podem adotar meios que permitam a produção com ganho econômico, alinhado à
preservação ambiental e o bem estar social. Uma alternativa está na Produção Mais Limpa
uma tecnologia limpa que se propõe a produzir mais com menos, a reduzir ao máximo ou, se
possível, eliminar a fonte geradora de resíduos. Uma oportunidade para estudar a Produção
Mais Limpa no processo produtivo da cachaça está no Engenho São Pedro, localizado na
cidade turística serrana de Triunfo, interior do Estado de Pernambuco. Conhecida como o
“Óasis do Sertão”, Triunfo está distante 399 km de Recife. Nesse contexto, o presente estudo
objetiva identificar no processo produtivo da cachaça Triumpho, situado em Triunfo – PE,
ações relacionadas à Produção Mais Limpa. Para tanto, foi realizada uma pesquisa descritiva,
de abordagem qualitativa, conduzida por meio de entrevista, como o gerente da empresa, bem
como observação e pesquisa bibliográfica para a revisão de literatura. Os resultados apontam
para ações, tais como: reaproveitamento da palha da cana-de-açúcar para adubação do solo;
não queima da palha, no intuito de preservar o solo; não uso de agrotóxicos; uso consciente da
água por todos os colaboradores; reaproveitamento do resíduo líquido na fertirrigação;
revitalização das nascentes; preservação das matas; reaproveitamento do bagaço como:
combustível para a caldeira, componente da embalagem da garrafa e adubo; dentre outras.
Palavras-chave: Produção Mais Limpa; Processo de Produção; Cachaça Artesanal.
SIGNS OF CLEANER PRODUCTION IN THE PRODUCTION PROCESS OF THE
CACHAÇA TRIUMPHO: A STUDY IN MILL SÃO PEDRO
ABSTRACT
It is undeniable social, cultural and economic importance of cachaça in Brazil. However,
despite the benefits it generates, the production process of this drink may cause negative
environmental impacts. In order to reduce the negative impacts, the Cachaça's producers
companies may adopt means of production with economic gain, aligned to environmental
preservation and social welfare. An alternative is Cleaner Production in a clean technology
that proposes to produce more with less, as to minimize or, if possible, eliminate the source of
waste. An opportunity to study the Cleaner Production in the cachaça production process is in
mill called San Pedro, located in the mountain resort town of Triunfo, State of Pernambuco.
Known as the “Oasis of the backcountry”, Triunfo is distant 399 km of Recife. In this context,
this study aims to identify in the productive process of cachaça Triumpho actions related to
Cleaner Production. To this end, was performed a descriptive research, of qualitative
approach, conducted through interviews as the manager of the company, as well as
observation and literature search for the review of the literature. The results point to actions
such as: reuse of straw cane sugar for fertilizing the soil; not burning straw, in order to
preserve the soil; no use of pesticides; conscious use of water by all employees; reuse of
liquid waste in fertirrigation; revitalization of the springs; preservation of forests; reuse of
bagasse as fuel for the boiler, the packaging of the bottle component and fertilizer; among
others.
Keywords: Cleaner Production; Production process; Cachaça Artesanal.
1 INTRODUÇÃO
A cachaça, conhecida no Brasil por mais de 500 nomes (“apreciada”, “arrebenta-
peito”, “lapada”, “goró”, por exemplo), e entendida como uma bebida fabricada a partir de um
processo de fermentação do caldo da cana-de-açúcar (Sebrae, 2012), faz parte da identidade
cultural do povo brasileiro (Feitosa, 2005), ou seja, “está incorporada à cultura, à tradição, à
culinária e à própria imagem do país no exterior” (MACCARI, 2013, p.9). Conforme
Rodrigues e Oliveira (2007), a maior produção de cachaça ocorre nos seguintes estados: São
Paulo, Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais.
Com destaque no mercado de bebidas, a cachaça é segundo maior deste mercado no
país, estando atrás apenas da cerveja, e tendo apresentado em 2013 um faturamento de R$5,95
bilhões, conforme o Sistema de Controle da Produção de Bebidas da Receita Federal –
SICOBE citado pela Associação Brasileira de Bebidas – ABRABE (2014).
Nesse mesmo ano (2013), Segundo o Instituto Brasileiro de Cachaça – IBRAC (2013),
a cachaça foi exportada para 59 países, com mais de 60 empresas exportadoras, gerando
receita de US$ 16,59 milhões, um aumento de 10,71% em relação a 2012. Além da
importância econômica, o setor de produção de cachaça é notável no âmbito social, tendo em
vista a geração de emprego e renda (OLIVEIRA et al., 2008).
Assim sendo, constata-se a importância social, cultural e econômica da cachaça para o
Brasil. Contudo, apesar dos benefícios, o processo produtivo desta bebida pode gerar
impactos ambientais negativos. Nessa perspectiva, Silva, Maciel e Freitas (2013) reconhecem
a importância econômica e social da cachaça no cenário brasileiro, mas alertam para o fato de
que a produção dessa bebida pode gerar impactos ambientais negativos notáveis, por
exemplo, danificação do solo (devido ao cultivo da cana em grande escala), escassez dos
recursos hídricos (devido à elevada demanda de água no processo de fabricação) e
contaminação do solo e das águas (em função da quantidade de resíduos gerados).
Visando reduzir estes impactos negativos, as empresas produtoras de cachaça podem
adotar meios que permitam a produção com ganho econômico, alinhado à preservação
ambiental e o bem estar social. Uma alternativa está na Produção Mais Limpa (PML, PmaisL,
P+L), uma tecnologia limpa que se propõe a produzir mais com menos, a reduzir ao máximo
ou, se possível, eliminar a fonte geradora de resíduos.
Assim, a PML, com seu caráter sistêmico, preventivo e proativo, beneficia tanto a
empresa quanto os stakeholders, na medida em que promove uma readequação dos processos
produtivos, no sentido de mitigar ou dirimir a geração de resíduos. Nesse tipo de tecnologia,
não há desperdícios, já que os resíduos são reutilizados ou tratados ao longo do próprio
processo de produção.
Uma oportunidade para estudar a PmaisL no processo produtivo da cachaça está no
Engenho São Pedro, localizado na cidade turística serrana de Triunfo, interior do Estado de
Pernambuco. Conhecida como o “Óasis do Sertão”, Triunfo está distante 399 km de Recife
(capital do Estado).
O Estado de Pernambuco possui uma associação com sete produtores da cachaça
artesanal, da qual o Engenho São Pedro faz parte. O mesmo está localizado na zona rural do
município de Triunfo e é considerado um dos poucos a ter inserido em seu processo produtivo
todas as etapas de produção da cachaça artesanal.
O referido engenho é pioneiro em vários produtos como a cachaça artesanal ou de
alambique, a primeira do Brasil a receber o Certificado de Qualidade do Instituto Nacional de
Metrologia Qualidade e Tecnologia – IMETRO (CACHAÇA TRIUNFHO, 2014).
Ainda conforme o site da empresa, o engenho é também primeiro em produzir licor de
cana de açúcar no Estado de Pernambuco, além de fabricar outros produtos como: sorvete de
rapadura, rapadura com café, rapadura com laranja, mel em pote com licença da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, entre outros.
Nesse contexto, o presente estudo objetiva identificar no processo produtivo da
cachaça Triumpho, situado em Triunfo – PE, ações relacionadas à Produção Mais Limpa.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, conduzida por
meio de entrevista, como o gerente da empresa, bem como observação e pesquisa
bibliográfica para a revisão de literatura.
Além desse conteúdo introdutório, esse trabalho possui um embasamento teórico, no
qual são abordados o processo de produção da cachaça artesanal e a produção mais limpa. Por
conseguinte, são detalhados os procedimentos utilizados na operacionalização da pesquisa, os
quais são seguidos da apresentação e análise dos resultados. Por último, são apresentadas as
considerações finais e, logo em seguida, as referências.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 O Processo de Produção da Cachaça Artesanal
A cachaça é uma bebida fermentada e destilada, produzida a partir da cana-de-açúcar
(OLIVEIRA, 2010). Dependendo da forma como é produzida, a cachaça pode ser
diferenciada em dois tipos, a saber: a cachaça artesanal e a cachaça industrial. Enquanto a
primeira é obtida a partir de destiladores de coluna ou “destiladores contínuos”, a segunda é
gerada por meio de alambiques (SEBRAE, 2008; SILVA; MACIEL; FREITAS, 2013;
VOLPE, 2013). Segundo Oliveira et al. (2003, p.2), “alambiques são pequenas destilarias que
produzem apenas cachaça”.
Complementando Silva, Guimarães e Lima (2005), assumem que é relevante
compreender essa distinção (entre cachaça artesanal e industrial) e explicam que a cachaça
industrial é produzida em grande quantidade, por grandes empresas de destilação, ao passo
que a artesanal é destilada em menor escala, em propriedades rurais e fazendo o uso de
alambiques.
Na produção da cachaça artesanal, a matéria-prima (cana-de-açúcar) é obtida a partir
de plantações próprias, além do que não são utilizados agrotóxicos e a colheita é realizada
manualmente, sem o uso de queimadas, e o processo de fermentação é realizado naturalmente.
Contrariamente, a cachaça industrial tem sua matéria-prima produzida em grandes culturas,
nas quais se utilizam agroquímicos, assim como a colheita é mecanizada, e esporadicamente é
realizada a queima da palha, além do que o processo de fermentação é efetivado a partir da
adição de produtos quimicamente sintetizados (SEBRAE, 2008). Entendidas as principais
diferenças entre as cachaças artesanal e industrial, o presente estudo focará na descrição do
processo produtivo da cachaça artesanal.
Conforme o Sebrae (2012), o processo produtivo da cachaça é realizado em várias
fases, a saber: moagem, filtragem, fermentação, destilação, armazenamento, envelhecimento,
envase e rotulagem. De acordo com a Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de
Qualidade - AMPAQ (2014), a produção da cachaça artesanal se inicia com a moagem. Logo
após o corte, a cana limpa é moída em um prazo de 24 a 36 horas. Nesse processo, o caldo é
separado do bagaço, que é utilizado como combustível na fornalha do alambique. Para Silva,
Maciel e Freitas (2013), o ideal é que a cana seja moída em até 12 horas após o corte, não
podendo ultrapassar 48 horas.
Segundo a AMPAQ (2014) e Silva, Maciel e Freitas (2013), após a moagem, o caldo
da cana passa por um processo de decantação e filtração para, posteriormente, ser alocado
nas dornas para a fermentação. Nesta fase, é misturada ao caldo água potável, no intuito de
regular o teor de açúcar, que varia em função do tipo de cana. O ambiente no qual é realizado
a fermentação deve manter uma temperatura de 25 graus Celsius e as dornas nas quais o
líquido é armazenado podem ser fabricadas com madeira, aço inox ou cimento ou plástico.
Após a fermentação segue a destilação, que é a etapa em que o vinho de cana
produzido durante a fermentação é colocado para ferver no alambique de cobre, onde serão
produzidos vapores que, condensados por resfriamento, apresentam grande quantidade de
álcool etílico (AMPAQ, 2014). O Sebrae (2012) explica que a fervura do líquido é necessária
para ajustar a bebida à concentração alcoólica exigida pela lei (38% a 54% v/v) e que a
destilação permite o surgimento de três frações de cachaça, quais sejam: cabeça, coração e
cauda. Estas denominações são decorrentes da localização da bebida no equipamento
(alambique).
Oliveira et al. (2005) explicam que a cabeça é a primeira fração e contém em torno de
5% a 10% do destilado total. Já o coração é a segunda fração e corresponde a 80% do
destilado total e, por último, a cauda ou água fraca é a terceira fração e são os 10% a 15%
finais do destilado total. Segundo Galinaro et al. (2008, p.1), “estas frações são separadas em
função do grau alcoólico: cabeça (grau alcoólico de 70% a 50% v/v), coração (50% a 38%
v/v) e cauda (38% a 14% v/v), sendo o coração a fração principal (aguardente)”. Conforme
aponta o Sebrae (2012), para fabricação da cachaça, utiliza-se apenas o coração, que
proporciona as características artesanais à cachaça. Já as primeiras (cabeça) e as últimas
(cauda) porções saídas da bica do alambique, devem ser separadas, eliminadas ou recicladas,
por causa das toxinas (AMPAQ, 2014).
Conforme explana a AMPAQ (2014), sendo a etapa final do processo de fabricação
da cachaça, o envelhecimento aperfeiçoa a qualidade sensorial das bebidas nobres. A
estocagem da bebida pode ser feita em barris de madeira neutra como o jequitibá e do
amendoim, ou ainda em madeiras que alteram a cor e o aroma do destilado, por exemplo,
carvalho, a umburana, o cedro e o bálsamo.
Concluído o período de envelhecimento, a cachaça é envasada e rotulada. Conforme
Silva, Maciel e Freitas (2013), no processo de envase geralmente são utilizadas garrafas de
vidro ou cerâmica, com capacidade para 600 ml ou 1 litro, que são vedadas com tampa
metálica, conta-gotas ou rolha. Estes recipientes também recebem um rótulo contendo
informações referentes ao produto.
É imprescindível que o processo produtivo da cachaça artesanal seja realizado
cuidadosamente, reduzindo, ao máximo, os impactos decorrentes da produção, no intuito de
garantir qualidade, agregar valor ao produto e promover o bem estar social e preservação
ambiental. Para tanto, recomenda-se a adoção de mecanismos ou estratégias preventivas,
como é o caso da Produção Mais Limpa.
2.2 Produção Mais Limpa
Repensar sobre os efeitos de suas atividades nas esferas econômica, social e ambiental,
tem sido o desafio para muitas empresas nos dias atuais. A preocupação com os impactos
causados ao meio ambiente e à sociedade, por exemplo, leva as organizações a procurarem
soluções que possam suavizar os efeitos negativos causados por seus processos produtivos.
Uma alternativa utilizada atualmente é a Produção Mais Limpa ou PML.
A PML, sendo um mecanismo de natureza contínua e preventiva, que se propõe a
minimizar a poluição decorrente de determinado processo produtivo (Macêdo; Gadelha;
Souza Filho, 2011), como forma de aumentar a eficiência organizacional, bem como
minimizar riscos de ordem social e ambiental a partir da aplicação de ações preventivas
integradas aos processos, produtos e serviços de uma organização (BOHM, 2011; WERNER
et al., 2009).
Nessa linha de raciocínio, a PMaisL busca reduzir o impacto negativo na origem, ou
seja, procura minimizar a emissão de resíduos na fonte geradora, assim como realiza o estudo
do produto durante todo seu ciclo de vida, isso é, desde seu surgimento até seu descarte (do
“berço ao túmulo”), objetivando descobrir formas que possibilitem dirimir a interferência
negativa que o produto pode causar no meio ambiente e na sociedade (SILVA FILHO et al.,
2007).
Então, prevenção e proatividade são palavras importantes quando o assunto é
produção mais limpa. Corroborando esse entendimento, Maciel e Freitas (2013) assumem que
o diferencial da P+L está justamente na sua proatividade em resposta à reatividade dos
mecanismos de fim de tubo.
Assim, a PML difere das tecnologias voltadas para o controle de resíduos no final do
processo produtivo, conhecidas como de fim-de-tubo (Macêdo; Gadelha; Souza Filho, 2011),
visto que “o “Fim-de-tubo” está preocupado em como dispor a poluição na natureza” (SILVA
FILHO et al., 2007, p. 111). Isso porque o tratamento de fim-de-tubo é aplicado após a
geração do resíduo poluidor e a empresa assume o risco do impacto que poderá causar à
natureza e à sociedade. Portanto, “entender a diferença entre controle e prevenção da poluição
é fundamental para a operacionalização do conceito de PML” (MACÊDO; GADELHA;
SOUZA FILHO, 2011, p.2).
Para Hinz, Valentina e Franco (2006), a aplicação da PmaisL acarreta em considerável
redução dos impactos ambientais negativos, tais como: resíduos, gases tóxicos e efluentes,
além do que proporciona maiores condições de saúde e segurança aos trabalhadores e à
sociedade. Com entendimento similar, Maciel e Freitas (2013) afirmam que a aplicação da
PLM visa, concomitantemente, proteger o meio ambiente, ao consumidor e ao trabalhador, bem
como aprimorar a eficiência industrial e, dessa forma, gerar ganhos econômicos, de imagem e
competitividade para as empresas. Dessa forma, partindo de uma perspectiva sistêmica, a
produção mais limpa está pautada em uma relação do tipo “ganha-ganha”, na qual tanto a
organização quanto os stakeholders são beneficiados.
Para Bhom (2011), a PML beneficia as organizações na medida em que reduz os
desperdícios, eleva a eficiência de maquinas e equipamentos, matérias-primas e processos,
assim como sensibiliza os colaboradores no sentido do desenvolvimento da consciência, a
partir da qual cada qual passa a compreender o quão importante é a sua contribuição na
redução do uso dos insumos e matérias-primas.
Atreladas a estes benefícios, outras vantagens são a minimização dos custos com
tratamento de resíduos, além da aquisição de boa reputação e maior aceitação por parte da
comunidade onde a empresa está instalada (SOARES et al., 2007). Portanto, verifica-se que,
em virtude das melhorias ambientais e econômicas que proporciona, as tecnologias de
PMaisL frequentemente proporcionam mais vantagens que as de fim-de-tubo (FORNDEL;
HORBACH; RENNINGS, 2007).
Nessa perspectiva, a Produção Mais Limpa pode ser considerada uma ferramenta de
gestão, econômica e de qualidade, pois faz com que as atividades ligadas ao empreendimento
sejam repensadas ou reorganizadas, considerando como desperdício os resíduos, efluentes e
outros produtos com valor econômico negativo. De outro modo, a PML está voltada para a
melhoria contínua agregando valores internos e externos à organização. Corroborando este
entendimento, Silva Filho et al. (2007) apontam que, por meio da prevenção, principal
objetivo da PMaisL, as empresas podem adquirir eficiência econômica e ambiental.
Contudo, é necessário mencionar que muitas dificuldades são enfrentadas no processo
de implantação da Produção Mais Limpa. A maioria delas está relacionada à falta de recursos
por parte das empresas, à inexistência de políticas públicas que estimulem a adoção da PML,
às falhas organizacionais e humanas como, por exemplo, resistência e falta a de entendimento
por parte dos colaboradores envolvidos na operacionalização desta tecnologia (PIMENTA,
2008). Essas barreiras são ainda maiores no caso das pequenas e médias empresas (PMEs).
Um estudo realizado por Rossi e Barata (2009), com especialistas e empresários, sobre
os principais entraves na implementação da PML em PMEs do Estado do Rio de Janeiro,
mostrou que as barreiras políticas e de mercado são as que mais impactam as empresas e isso
ocorre porque no Brasil ainda não foi implantada uma política de PmaisL que foque,
concomitantemente, em aspectos legais, educacionais, informacionais e incentivos
econômicos voltados para a produção mais limpa. Conforme estes mesmos autores, os
consumidores se preocupam com o preço e a qualidade, no entanto não pressionam estas
empresas (PMEs) para que elas busquem formas de produção ambientalmente corretas.
Apesar de possuir uma legislação ambiental estadual e federal extensa, o foco desta está em
procedimentos tradicionais de “comando e controle” (ROSSI; BARATA, 2009).
Uma vez apresentadas as principais bases teóricas que fundamentaram o tema, seguem
os meios pelos quais a pesquisa foi operacionalizada.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No intuito de identificar no processo produtivo da cachaça Triumpho, situado em
Triunfo – PE, ações relacionadas à Produção Mais Limpa, foi realizada uma pesquisa
descritiva de abordagem qualitativa, segundo Gil (2008).
Os meios utilizados na coleta de dados foram os seguintes: pesquisa bibliográfica, para
a revisão de literatura, entrevista não estruturada, conforme Richardson (2008). O roteiro de
entrevista contemplou aspectos relativos ao processo produtivo da cachaça artesanal e à
Produção Mais Limpa. Além da entrevista, também foi realizada observação simples (GIL,
2008).
A entrevista foi efetivada em maio de 2014 junto ao gerente do engenho e foi gravada
para a preservação do conteúdo. Após coletados, os dados foram analisados seguindo as
orientações de Miles e Huberman (1994) citados por Gil (2008). Estes autores recomendam
que a análise qualitativa de dados seja realizada em quatro etapas, a saber: redução, exibição e
conclusão/verificação.
Entendidos os procedimentos adotados na efetivação da pesquisa, seguem a
apresentação e a análise dos resultados.
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 Caracterização da Empresa
Com uma área de 400 m², o Engenho São Pedro está localizado na cidade turística
serrana de Triunfo, interior do Estado de Pernambuco. Conhecida como o “Óasis do Sertão”,
Triunfo está distante 399 km de Recife (capital do Estado). Situada a 1.004 metros de altitude,
é caracterizada temperaturas que variam entre 8 ºC no inverno e 28 ºC no verão.
Conforme o entrevistado, as baixas temperaturas de Triunfo são um ponto positivo
para a produção de cachaça, tendo em vista que evita a evaporação, ou seja, a perda de teor
alcoólico da bebida.
O Engenho São Pedro, produtor da cachaça Triumpho, surgiu no início do século
passado e, nos últimos anos, passou por uma restauração, realizada pelo atual proprietário,
para produzir cachaça e rapadura de qualidade obedecendo a preceitos de produtos
ecologicamente corretos (SITE DA EMPRESA, 2014).
Para a cachaça foi tomado o nome da cidade, conservando a grafia antiga, Triumpho.
O Engenho São Pedro faz parte de um complexo rural junto com Águas Parque e a Pousada
Baixa Verde. A cachaça Triumpho é a primeira cachaça do Brasil com Certificado de
Qualidade do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO (SITE
DA EMPRESA, 2014).
A produção da cachaça Triumpho gira em torno de 20.000 mil litros por ano, sendo
comercializada em todo Brasil. Contando com 10 funcionários no período de baixa estação,
na alta temporada este quadro aumenta para 15 funcionários.
Além da produção da cachaça, o engenho conta com a visitação de turistas para
conhecer o processo produtivo e o funcionamento do engenho, são também convidados para
degustar o seu produto final, a cachaça, além de outros produtos associados, como as
rapaduras de vários sabores, o licor de cana-de-açúcar, sorvete de rapadura, alfenim.
É importante ressaltar que o presente estudo restringe-se a identificar ações
relacionadas à Produção Mais no processo produtivo da cachaça. Para tanto, faz-se necessário
compreender como ocorre cada um dos estágios voltados à fabricação deste produto.
4.2 Indícios da Produção Mais Limpa no Processo Produtivo da Cachaça Artesanal
Triumpho
O processo de produção da cachaça Triumpho no Engenho São Pedro segue as
seguintes etapas: corte da cana-de-açúcar, moagem, fermentação, destilação, descanso,
envelhecimento e envasamento.
Antigamente, no engenho, costumava-se cortar a cana e, em seguida, atear fogo no
local para eliminar os vestígios da plantação de cana-de-açúcar (palha, por exemplo).
Contudo, após uma consultoria realizada no Engenho, comprovou-se que esse processo de
queima prejudicava o solo, podendo deixá-lo infértil. A partir desse momento, o engenho foi
direcionado à adoção de práticas sustentáveis. Atualmente, a palha não é queimada, tendo em
vista que a mesma protege o solo e o torna mais sadio, possibilitando o aumento da
produtividade da cana. Além disso, não são utilizados agrotóxicos na plantação. Conforme o
entrevistado,
[...] nós produzimos parte da cana que utilizamos, mas temos também treze
pequenos fornecedores [...]. Todo o pessoal que fornece pra gente também
tem que seguir os preceitos que a gente segue. Aqui, a gente não „toca‟ fogo
na palha da cana [...] de jeito nenhum. [...] Você sabe que tem que preservar
o solo porque toda vez que você „toca‟ fogo na palha, 20% da fertilidade vai
embora. Então, com uns cinco anos essa terra tá péssima, tá infértil. A
queima da palha também dá mal gosto a cachaça e inverte a sacarose. [...] Na
produção da cachaça artesanal você não pode usar nenhum produto químico.
Então, a gente só usa produtos ecologicamente corretos [...], seguindo os
preceitos da agricultura ecologicamente correta.
A segunda etapa no processo produtivo da cachaça Triumpho é a moagem, ou seja, o
processamento da cana para extração do caldo. Antes de iniciar esta fase, as canas são
devidamente higienizadas com auxílio de lavadoras de alta pressão, fazendo uso consciente da
água. Existe um prazo determinado para a moagem da cana, que é de até 24h, para garantir o
aroma característico da cachaça, os padrões exigidos e evitar redução da qualidade do produto
final. Após a moagem, o caldo extraído é devidamente filtrado e decantado, passando para
próxima etapa, ou seja, a fermentação. Já o bagaço, que é a parte sólida que sobra após a
retirada do caldo, é reaproveitado como combustível na caldeira, no intuito de produzir vapor
no processo de produção da cachaça, assim como é utilizado na embalagem da garrafa e como
ingrediente do composto orgânico ou adubo que é utilizado no cultivo da cana. Sobre o uso
consciente da água no processo produtivo e o reaproveitamento do bagaço, o respondente
expressou o seguinte:
[...] hoje é necessário que nós tenhamos bastante cuidado com o uso
consciente da água e essa seca agora foi um exemplo do que a gente não
pode ter desperdício né!? Muito pelo contrário, agora chegou o momento de
se pensar no reuso de água, né!? [...] Nós temos água suficiente pra o nosso
processo mesmo com essa seca que houve aí, mas a preocupação nossa, por
exemplo, é de revitalizar as nascentes [...] pra que a gente tenha água não só
agora, mas sempre. Quanto ao bagaço, [...] esse bagaço mais novo, é tanto
usado na embalagem da garrafa como também é o combustível da caldeira.
Ele é usado para fazer o vapor pra caldeira. [...] A cinza que „cai‟ da caldeira
também é utilizada como adubo para o canavial. [...] O restante do bagaço de
cana que já está mais velho, já está se deteriorando, então a gente junta com
a cinza e faz o composto orgânico e „bota‟ na plantação de cana.
Após a moagem, o caldo segue para a fermentação. Nessa etapa, é acrescentada água
ao caldo no intuito de reduzir o teor de açúcar, que é alto. Em seguida, com o teor de sacarose
controlado, o caldo é inserido nas dornas (recipientes usados na armazenagem do líquido),
onde passa entre 12 e 24 horas para, em seguida, ser destilado. O estágio de fermentação é
acompanhado por um laboratório, que é responsável por certificar a conformidade do
processo. Todo equipamento utilizado na produção é em inox, o que garante a fácil
higienização e evita a oxidação.
O Processo de destilação é realizado em alambique. Esse equipamento, composto por
três partes denominadas cabeça, coração e calda, separa tal líquido em três tipos, dependendo
de sua localização. Apenas o material que fica no coração (parte do meio do alambique) é
transformado em cachaça, pois, segundo o entrevistado, é a parte nobre da cachaça. O
material decorrente das demais partes, considerado resíduo, é redestilado e transformado em
álcool, que por ser forte, é usado na esterilização dos vasilhames utilizados na produção, bem
como é vendido para restaurantes e pousadas utilizarem no rechô.
Outro elemento que sobra no processo de destilação é o vinhoto, ao qual são dadas
duas destinações. Ele pode ser agregado à cinza da caldeira e à parte do bagaço que está em
deterioração e transformado em um composto orgânico utilizado como adubo na plantação,
bem como pode ser misturado com água e utilizado na fertirrigação da cana. De acordo com o
entrevistado,
A cachaça de cabeça, ela é redestilada e transformada em álcool 70. O álcool
então vai ser usado na higienização dos vasilhames e pra consumo interno, e
pra comercializar. A gente usa no processo de sanitização dos vasilhames
[...] todos os vasilhames passam por esse processo.
Quanto ao vinhoto, [...] nós temos uma estação de tratamento onde os
resíduos líquidos são tratados e o vinhoto é colocado num tanque e aí tem
dois caminhos: ou nós adicionamos água de um para dezoito e fazemos o
processo de fertirrigação da cana né!? Ou fazemos o composto orgânico que
usa o vinhoto, a cinza da caldeira e o bagaço da cana para fazer um
composto orgânico e também pra utilizar na cana.
De acordo com o entrevistado, insere-se água ao vinhoto porque este, em sua forma
natural, resultante da destilação, é considerado um resíduo tóxico. Porém, ao ser diluído em
água, perde a toxidade e pode ser utilizado na fertirrigação sem prejudicar o canavial.
Segundo o entrevistado, essa ideia de adicionar água ao vinhoto foi decorrente das
consultorias do Instituto de Tecnologia do Pernambuco – ITEP e das instruções fornecidas
pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – IMETRO para o processo de
destilação.
Após a destilação, a cachaça passa por um período de descanso. A cachaça artesanal
descansa seis meses em barris de freijó, os quais, desenvolvidos pela mão de obra local, são
datados com início e fim de enchimento. Enquanto a cachaça está armazenada não há
alteração de aroma e cor. Segundo o entrevistado “o freijó que é uma madeira neutra não
deixa nem gosto nem cheiro. Essa madeira existia bastante hoje já não, há muito pouco em
Triunfo. [...] Há dez anos atrás nós tivemos que trazer essa madeira do Pará”.
Após os seis meses, a bebida é envasada em garrafas de vidro com capacidade para
960 ml e destinada à comercialização. Tais recipientes são fornecidos por grandes empresas
localizadas em Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Após chegarem ao Engenho, as embalagens
são revestidas com uma resina à base de argila e bagaço de cana, ganhando o seguinte
aspecto, ilustrado na Imagem 01.
Imagem 01: Cachaça Artesanal (Triumpho)
Fonte: Site da empresa (2014)
Já para a produção da cachaça artesanal envelhecida, é empregado o seguinte
procedimento: a cachaça alocada nos barris de freijó é realocada em barris de carvalho, onde
permanece por dois anos e, posteriormente, é envasada em garrafas de 500 ml, também
revestidas com resina à base de argila e bagaço de cana. Conforme o entrevistado “esse é um
produto mais caro [...] a gente diz que é um produto top de linha”.
Como mencionado, para ser envelhecida a bebida é alocada em barris de carvalho,
elaborados com talas dessa madeira. Dessa forma, quando o recipiente, por velhice ou outro
motivo qualquer, apresenta algum defeito, substitui-se apenas a tala danificada, não sendo
necessário descartar todo o barril. Quando questionado se os barris eram reutilizados no
processo de envelhecimento, o entrevistado expressou o seguinte: [...] Usamos sempre o mesmo barril, quanto a isso não tem problema, não
altera a qualidade da cachaça [...]. Quando tem algum problema no barril a
gente repõe algumas talas, ele é todo feito de tala [...] Então, a gente só repõe
aquela „talinha‟[...] Então, ele é todo reaproveitado.
Dessa forma, com o reaproveitamento dos barris, o impacto negativo que a empresa
causa no meio ambiente pode ser reduzido. O entrevistado considera que, a estratégia de
limitar a produção em 20 mil litros anuais contribui para a sustentabilidade dos recursos
naturais na localidade. Aliás, parte da propriedade na qual está o engenho é monitorada pelo
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Segundo o participante da entrevista, Nossa propriedade é pequena, em torno de 40 hectares, e produzimos,
anualmente, 20 mil litros de cachaça. Essa produção não desequilibra o meio
ambiente [...] Nesses 12 anos que a gente produz a cachaça, nós não tivemos
nem nunca se causou impacto ambiental, muito pelo contrário temos
preservado, porque a gente tem procurado é melhorar a nossa propriedade
plantando árvores, fazendo uma compensação, em que temos seis hectares
averbados ao IBAMA [...] É uma área de preservação e, fora isso, a gente
tem é trabalhado pra recuperar as nascentes que estão dentro do nosso sítio.
Segundo o respondente, não é interesse da gestão do Engenho São Pedro comercializar
a cachaça Triumpho como as cachaças industriais, mas promover um produto de qualidade,
com um preço justo, e que gere qualidade de vida para toda comunidade. De acordo com ele, [...] A gente acha que produzindo um produto bom, com o preço justo, é
como eu digo sempre, todo mundo ganha [...] Eu não tenho ambição de
chegar a ter uma cachaça que vende igual às cachaças de industriais, não é
isso! Eu estou aqui, voltei pra Triunfo pra ter qualidade de vida também,
então nisso se insere os nossos produtos: a Pousada, o Parque e o Engenho.
[...] A gente quer não só ter esse produto disponível, mas ter nossa qualidade
de vida e que os funcionários também a tenham, todos que pertencem a essa
comunidade nossa tenha uma qualidade de vida. [...] A gente sempre tá
participando na cidade... A gente sabe que se a cidade vai bem e a empresa
vai bem, todo mundo ganha. Estamos inseridos numa comunidade pequena,
uma comunidade ainda que tá procurando se destacar dentro dessa área de
turismo, principalmente que é uma vocação grande e a gente sempre procura
participar, seja através de patrocínios locais, seja através de outros tipos de
trabalho como: associação comercial, concelho de turismo a gente sempre tá
dentro e procurando também fazer com que a cidade se desenvolva... Pra que
exista equilíbrio, a empresa e cidade têm que se desenvolver conjuntamente
[...].
Então, no intuito também de preservar o meio ambiente e garantir a qualidade do
produto, o Engenho limita a sua produção anual aos vinte mil litros de cachaça, conforme
declarou o entrevistado: [...] nós limitamos a nossa produção porque a gente quer qualidade, não é
quantidade. Então, hoje pra ser uma cachaça artesanal, a produção anual é
em torno de vinte mil litros, não queremos fazer mais isso. Até primeiro por
questões também de sustentabilidade da propriedade aqui, pra não ter muita
interferência na parte de meio ambiente [...]. [...] essa preocupação hoje com
o meio ambiente, a preocupação com o bem estar de todos é a preocupação
da empresa. [...] É preciso lembrar também que pra que a gente consiga ir
longe, a gente tem que pensar nas outras gerações né!? É isso que nos faz
acreditar que o mundo é melhor se nossa empresa também for melhor.
Para promover as diretrizes da sustentabilidade dentro da empresa, o Engenho São
Pedro conta com o apoio de consultores do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI). Segundo o entrevistado, o Engenho busca continuamente oferecer cursos para os
colaboradores, em virtude do aperfeiçoamento de seus processos rumo à sustentabilidade. Se
o processo muda, é necessário capacitar o colaborador. Além disso, a contratação de pessoas
requer esse tipo de ação por parte da empresa. Nas palavras do respondente, [...] A gente tá agora com uma consultora do SENAI [...] nós estamos
„reciclando‟ novamente a turma porque sempre já tem mais gente nova e
muda alguns processos. Então, temos uma preocupação com a
sustentabilidade... O que nós vamos deixar aí pras gerações futuras hoje faz
parte da política de qualquer empresa, porque a gente sabe que hoje cada dia
se valoriza mais isso. Então, nós temos a licença da Agência Estadual de
Meio Ambiente, a licença ambiental a licença de operação. Pra que você
tenha essa licença, você tem que se enquadrar dentro da lei também do uso
dos resíduos líquidos e sólidos. Por isso, nós utilizamos os resíduos líquidos,
nós temos uma estação de tratamento dos resíduos líquidos. [...] A gente
sempre procura estar o mais correto possível porque a gente não vende só
cachaça, a gente vende uma ideia, vende uma imagem. [...] Hoje o mundo tá
cada dia mais preocupado com o meio ambiente. E quando a gente tem uma
boa imagem é lógico que quem nos vê vai valorizar ainda mais nossos
produtos. Então, a gente vai ganhar e todo mundo ganha; é o ganha-ganha.
Ganham os clientes, ganhamos nós também e ganha nosso planeta.
Uma vez descrito o processo produtivo da cachaça Triumpho é possível identificar as
ações do Engenho São Pedro que estão relacionadas ao processo de Produção Mais Limpa.
São elas: reaproveitamento da palha da cana-de-açúcar para adubação do solo; não queima da
palha, no intuito de preservar o solo; não uso de agrotóxicos; uso consciente da água por
todos os colaboradores; reaproveitamento do resíduo líquido na fertirrigação; revitalização
das nascentes; preservação das matas; reaproveitamento do bagaço como: combustível para a
caldeira, componente da embalagem da garrafa e adubo; utilização da cinza da caldeira como
um dos componentes do adubo do solo para cultivo da cana; redestilação das frações da
cabeça e calda do alambique para produção de álcool, utilizado na sanitização dos vasilhames;
reaproveitamento do vinhoto na fertirrigação e como um dos componentes do composto
orgânico utilizado para adubar o solo; substituição apenas das talas dos barris, em detrimento
do descarte de todo vasilhame; contratação de consultores para readequação dos processos;
treinamento dos colaboradores no que tange às alterações nos processos; contribuição para
qualidade de vida e o bem estar dos stakeholders.
Com base nos resultados decorrentes da entrevista e da observação é possível
desenvolver as seguintes considerações fazendo correlações com os preceitos da PML. No
corte da cana os procedimentos relatados condizem com a PML quando desde o seu cultivo,
não havendo utilização de agrotóxicos e nem produtos químicos, até o seu corte, não sendo
realizada a queima. Os vestígios da cana-de-açúcar (a palha) são deixados para serem
incorporados ao solo, servindo com adubo. Antes da moagem fazem uso de uma máquina de
alta pressão para lavar a cana usando eficientemente a água, reduzindo o seu gasto.
Quando a cana está devidamente limpa segue para o processo de moagem, tendo que
ser moída em até 24h do corte para evitar a inversão da sacarose, uma parte dos resíduos
deixados são reaproveitados, servindo de combustível (os bagaços mais recentes) para
caldeira e a outra (o bagaço mais antigo) é misturada com o vinhoto e a cinza da caldeira para
ser utilizada como adubo. Quando filtrada e decantada, em um recipiente do tipo inox para
evitar a oxidação, ela está pronta para a próxima etapa, a fermentação.
Depois da fermentação, que dura em torno de 36h, ela é destilada lentamente,
processada para depois serem descartadas a cabeça e a calda ficando apenas com o coração ou
a parte nobre que já é parte para ser comercializada. A parte descartada é redestilada e
transformada em álcool 70% utilizado no processo de sanitização dos maquinas e garrafa, um
processo que antes era feito a vapor, tendo a organização um custo mais elevado no processo
produtivo. Esse álcool também é comercializado para as pousadas e restaurantes sendo
utilizadas nos rechôs. O vinhoto que sobra da destilação é misturado com outros componentes
como citado anteriormente para produzir o composto orgânico utilizado na própria cana, além
disso, recebe uma quantidade de 70% de água para 30% de vinhoto objetivando baixar a
toxidade, depois disso é utilizado no canavial, por meio da fertirrigação.
As outras etapas como descanso, envelhecimento em envasamento não trazem nenhum
riscos para o meio ambiente, não proporcionando gastos para organização, como se trata de
um produto artesanal elas ficam em espaços que não precisam de luz elétrica. Vale salientar
que a produção de cachaça é sazonal, pois existem períodos de colheita, não havendo plantio
por irrigação, sendo assim uma parte das máquinas ficam algumas temporadas desligadas.
Os colaboradores recebem treinamento no tocante a Boas Práticas de Fabricação,
sendo visível a preocupação do respondente com a sustentabilidade e o valor que a mesma
proporciona para empresa e para a sociedade. O Engenho São Pedro possui licença da
Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A organização investigada age em conformidade com as necessidades que o mercado
exige para que a mesma atue, sempre contratando consultorias que a auxiliem nesse processo
de melhoria. Essas assessorias contribuem com inovações e sugestões referentes ao processo
de produção da cachaça, à prevenção de pragas, à revitalização de nascentes, à arborização da
localidade e ao treinamento de funcionários. Contudo, não foi identificado nenhum tipo de
ação de prevenção ou tratamento das emissões decorrentes da queima do bagaço da cana-de-
açúcar.
No tocante as contribuições do trabalho verifica-se que, apesar das dificuldades, é
possível adotar ações voltadas para a PML em pequenas empresas, a exemplo da estudada
nesse trabalho localizada no sertão de Pernambuco, pode-se observar também as grandes
contribuições que as práticas de PML podem trazer para as empresas, como redução de
custos, reconhecimento da sociedade e do mundo e principalmente a preservação do meio
ambiente.
Dentre as limitações do trabalho estão o não acesso a documentos de controle
ambiental, por não existirem, e o não acesso a planilhas de controle do processo produtivo da
cachaça, o que dificultou precisões das informações. Para futuros trabalhos, sugere-se a
realização da entrevista com colaboradores da empresa e com o povo triunfense no sentido de
verificar se a percepção da comunidade em relação à empresa condiz com os relatos do
participante da pesquisa.
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