UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
ESPECIALIZAÇÃO EM GEOGRAFIA DO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO
EDUARDO GABRIEL ALVES PALMA
GESTÃO DO TERRITÓRIO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: O CASO DA APA DO LAGO DE
PEDRA DO CAVALO
Monografia elaborada por Eduardo Gabriel Alves Palma sob a orientação da
professora Ms. Raquel Matos Cardoso do Vale, apresentada como trabalho final
para a obtenção do grau de Especialista em Geografia do Semi-árido Brasileiro
para obtenção do título de especialista em Geografia.
FEIRA DE SANTANA – BAHIA FEVEREIRO/2003
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
ESPECIALIZAÇÃO EM GEOGRAFIA DO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO
EDUARDO GABRIEL ALVES PALMA
GESTÃO DO TERRITÓRIO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: O CASO DA APA DO LAGO DE
PEDRA DO CAVALO
Aprovado:
Ass. _____________________________
Ass. _____________________________
Ass. _____________________________
Data da aprovação: ____/_____/______
Banca Examinadora:
Prof. Ms.
Prof. Ms.
Prof. Ms.
Grau conferido em: ____/_____/______
FEIRA DE SANTANA – BAHIA
FEVEREIRO/2003
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por me permitir estar vivo.
A meu pai, José Palma, minha avó, Dinorah Palma, e minha irmã, Bernardete.
A Raquel Vale, minha orientadora, pelo carinho, amizade, paciência e contribuição
decisiva.
Em especial, à Universidade Estadual de Feira de Santana que me acolheu e me
proporcionou a realização deste trabalho.
Às minhas amigas Liamara Carelli, Nacelice Freitas e Eulina Alves Ribeiro, pelo
apoio nos momentos mais difíceis pelos quais passei nessa caminhada.
A Débora Miriam, companheira, amiga, pelas palavras de sabedoria e fé.
Aos amigos do CRA, DDF, e da Escola Noêmia Rego.
Aos colegas de curso, que nos momentos de angústia souberam contornar os
conflitos.
Aos moradores de Pedra do Cavalo, que muito contribuíram com sua luta e
resistência.
6
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................................... 07
LISTA DE FOTOS ............................................................................................................................ 08
LISTA DE QUADROS ..................................................................................................................... 09
RELAÇÃO DE ANEXOS ................................................................................................................. 10
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 11
2. METODOLOGIA ................................................................................................................ 14
3. REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL ...................................................................... 17
4. GESTÃO DO TERRITÓRIO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ................................. 26
4.1. O Meio Ambiente e a Ação do Estado ...................................................................................... 26
4.2. A Evolução dos Mecanismos de Gestão dos Recursos Naturais no Brasil ............................ 28
4.3. Os Espaço Territorialmente Protegidos ................................................................................... 32
4.4. APA – Unidade de Conservação de Uso Sustentável .............................................................. 35
5. APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO: UM MODELO DE GESTÃO EM
CONSTRUÇÃO ................................................................................................................................
37
5.1. Mecanismos de Gestão da APA: Políticas Públicas e Participação Popular ........................ 45
5.2. Conflitos Ambientais na APA ................................................................................................... 51
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 62
ANEXOS ............................................................................................................................................ 66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 72
7
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: DIAGRAMA 1 – LEI DO SNUC ................................................................................... 34
FIGURA 2 – COMPLEXO DE PEDRA DO CAVALO .................................................................... 39
FIGURA 3 – MAPA DA APA DE PEDRA DO CAVALO ............................................................... 40
FIGURA 4: DIAGRAMA 2 – GESTÃO DA APA E SEUS ATORES, MODELO IDEAL ............. 46
FIGURA 5: DIAGRAMA 3 – GESTÃO DA APA E SEUS ATORES, MODELO
ATUAL................................................................................................................................................
57
FIGURA 6: DIAGRAMA 4 – PASSOS DA GESTÃO DE UMA APA ........................................... 49
FIGURA 7: GRÁFICO 1 – ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIOS –
1999/2002 ..........................................................................................................................................
54
FIGURA 8: GRÁFICO 2 – MULTAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIOS –
1999/2002.............................................. .............................................................................................
57
8
LISTA DE FOTOS
FOTO 1: CASA TÍPICA DE NÚCLEO DE REASSENTAMENTO DA DESENVALE NO
MUNICÍPIO DE ANTÔNIO CARDOSO ..........................................................................................
44
FOTO 2 – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO MUNICÍPIO DE GOVERNADOR
MANGABEIRA ............................................................. ....................................................................
57
FOTO 3 – FAMÍLIA DE PEQUENOS AGRICULTORES ÀS MARGENS DO LAGO DE
PEDRA DO CAVALO/ANTÔNIO CARDOSO ................................................................................
59
FOTO 4: DISTRITO DE GEOLÂNDIA/CABACEIRAS DO PARAGUAÇÚ ................................. 60
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA – 1999/2002 ........................................ 52
QUADRO 2 - ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/1999 ...................... 52
QUADRO 3 - ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/2000 ...................... 53
QUADRO 4 - ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/2001 ...................... 53
QUADRO 5 - ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/2002 ...................... 53
QUADRO 6 - MULTAS EMITIDAS PÉLO CRA – 1999/2002 ...................................................... 55
QUADRO 7 - MULTAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/1999 .................................... 55
QUADRO 8 - MULTAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/2000 .................................... 55
QUADRO 9 - MULTAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/2001 .................................... 56
QUADRO 10 - MULTAS EMITIDAS PELO CRA POR MUNICÍPIO/2002 .................................. 56
10
RELAÇÃO DE ANEXOS
ANEXO 1 - RESUMO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL .............................................................. 67
ANEXO 2 - MAPA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA ............ 68
ANEXO 3 - TABELA DE NÚCLEOS DE REASSENTAMENTO DA DESENVALE E
QUANTIDADE DE FAMÍLIAS REASSENTADAS ......................................................................
69
ANEXO 4 – MAPA DE QUALIDADE E USO DAS ÁGUAS (RECÔNCAVO BAIANO) ............ 70
ANEXO 5 – MAPA DE ASSENTAMENTO INDUSTRIAL E POTENCIAL POLUIDOR DAS
INDÚSTRIAS (RECÔNCAVO BAIANO) ........................................................................................
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1. INTRODUÇÃO
A APA do Lago de Pedra do Cavalo é uma Unidade de Conservação de uso sustentável,
definida pela legislação ambiental federal e estadual. Criada através do Decreto Estadual
6.548 de 18/07/1947 visa garantir a qualidade do manancial hídrico do lago de Pedra do
Cavalo, lago este formado a partir do barramento dos rios Paraguaçu e Jacuípe na altura dos
municípios de Cachoeira e Governador Mangabeira. O lago se estende por mais oito
municípios, perfazendo uma área total de 186 quilômetros quadrados.
Embora a área de proteção tenha sido criada em 1997, o lago de Pedra do Cavalo já
havia sido formado no início da década de 80 quando ainda havia investimentos estatais nos
grandes empreendimentos do período do regime militar. Nesta fase de construção da
barragem, do preenchimento do lago e das obras de captação, tratamento e distribuição das
águas do mesmo, várias decisões equivocadas foram sendo tomadas pelo governo estadual
neste espaço. Problemas como deslocamento tardio das famílias ribeirinhas, demora na
elaboração de um plano de reassentamento que contemplasse essas famílias, pagamento de
indenizações aos proprietários de terras abaixo do valor de mercado e falta de atenção quanto
à legislação ambiental pertinente, entre outros equívocos, contribuíram para que Pedra do
Cavalo se constituísse em um espaço de lutas entre os moradores, sindicatos de trabalhadores
rurais, fazendeiros, prefeituras e o governo estadual.
Durante muitos anos esses problemas foram sendo protelados e não solucionados. A
partir de 1997, com a criação da Área de Proteção Ambiental que margeia o lago, todos esses
problemas ganharam visibilidade, uma vez que a constituição de uma APA em determinado
território requer uma gestão diferenciada dos recursos humanos e naturais, pois a criação de
determinada unidade de conservação se justifica, em muitos casos, pela importância ambiental
que essas áreas possuem para a gestão pública. No caso em estudo, o lago de Pedra do Cavalo
possui importância para o abastecimento da região metropolitana de Salvador, Feira de
Santana, região fumageira, além de outros municípios, beneficiando com água potável algo
em torno de 4 milhões de pessoas.
A grande contribuição deste trabalho é questionar se a gestão da Área de Proteção
Ambiental de Pedra do Cavalo poderá ser implantada, seguindo o modelo proposto pela
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legislação federal e estadual, tendo em vista problemas não solucionados, de natureza social,
cultural e ambiental que serão evidenciados no decorrer desta pesquisa.
Para tanto, faremos uma abordagem teórico-conceitual que analise os conceitos de
espaço geográfico, território e suas variações (desterritorialização e territorialização) e os
conceitos de horizontalidade e verticalidade. Analisando o espaço geográfico poderemos
perceber a sua aplicação na geografia quando autores como Milton Santos aproxima o
conceito do cotidiano, aplicando-o em vários estudos num verdadeiro “desvendar conceitual”.
Com isso queremos dizer que o conceito de espaço tornado geográfico visa, sobretudo,
evidenciar como as forças produtivas que o autor chama de sistemas de objetos e as relações
sociais concebidas como sistemas de ações fazem parte de um mesmo espaço, ou seja, através
da dinâmica entre as relações de produção e as forças produtivas, resultam no espaço
geográfico de Pedra do Cavalo.
Outro conceito analisado é o de território, mencionado por Santos, Rafesttin e
Haesbaert. Este se alicerça no conceito de espaço quando aqueles que produzem o território
estão inseridos na dinâmica espacial; dessa forma a produção do espaço geográfico acaba se
tornando, também, uma espécie de territorialização, já que o território é fruto do trabalho
engendrado por aqueles que constituem o espaço que, em Pedra do Cavalo, são os moradores,
fazendeiros, os órgãos estaduais, as prefeituras municipais, a iniciativa privada, os sindicatos e
as ONG’s.
Entretanto, a produção do espaço, conseqüentemente a sua territorialização, vai
depender de como esse território é apropriado e controlado e quais atores participam desse
processo. Para isso, aplicamos os conceitos de horizontalidade e verticalidade com vistas a
mostrar a forma pela qual cada ator se apropria do espaço, ou seja, quais serão os atores
hegemônicos, portanto, que possuem maior controle do território e quais serão os atores
marginalizados nesse processo, ou seja, os que possuem pouco poder de controle.
O ponto que esclarece a forma diferenciada de apropriação do território por parte dos
atores é mostrado a partir do momento em que esta pesquisa passa a analisar as legislações
ambientais que utilizam as unidades de conservação como objeto, ou seja, a forma pela qual o
território é apropriado diferenciadamente pelos atores presentes no território da APA de Pedra
do Cavalo é consubstanciada pela própria legislação pertinente quando esta, tanto a nível
federal quanto estadual, delega um poder consultivo às comunidades. Dessa forma, a
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participação popular é limitada pela própria legislação que, em outras palavras, reforça a
diferenciação entre os atores presentes no território e a forma pela qual cada um deles utiliza
esse espaço.
Apesar de haver essa diferenciação na apropriação do território, existe um esforço
embrionário dos mecanismos de gestão pública desses espaços especialmente protegidos, pois
se levarmos em consideração que o Brasil atravessou uma fase de regime ditatorial controlado
pelos militares, onde a participação popular era inexistente e reprimida pela força, estamos
caminhando para uma maior abertura na gestão do território. Podemos analisar esse ponto
quando percebemos que, apesar da legislação contemplar as comunidades apenas com poder
consultivo, esse já é um ponto positivo para a gestão dessas áreas, uma vez que mecanismos
como o Conselho Gestor, o Zoneamento Ecológico-econômico e o Plano de Gestão das
APA’s deverão ter ampla participação popular.
A partir dessa análise, este trabalho questiona se a Área de Proteção Ambiental do Lago
de Pedra do Cavalo terá a sua gestão implementada nos moldes da legislação pertinente,
baseando-se nas seguintes questões:
1- Como convencer a população deste espaço a participar da gestão da APA se o
próprio Estado possui, nesta área, um passivo social de natureza complexa,
tendo em vista o histórico do empreendimento Pedra do Cavalo e seu
rebatimento no espaço?
2- Como garantir que as decisões tomadas em órgãos colegiados, como o
Conselho Gestor da APA, serão respeitados uma vez que a própria legislação
confere apenas poder consultivo a essas pessoas?
3- Como garantir que os grandes infratores sejam punidos em casos extremos de
violação da legislação ambiental em Pedra do Cavalo?
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2. METODOLOGIA
Falar sobre a gestão de uma Unidade de Conservação não é uma tarefa fácil tendo em
vista a grande complexidade de elementos que necessitam de análise. Primeiro, por que
devemos ter a compreensão do que vem a ser a temática ambiental e sua ascensão no mundo, e
em particular no Brasil. Para isso foi necessário fazer uma revisão da bibliografia que tratasse
de tal temática, numa perspectiva de evolução, isto é, de como surgiu e como se desenvolveu a
discussão envolvendo a temática ambiental.
Essa revisão bibliográfica nos garantiu a compreensão de como as diversas
manifestações da sociedade organizada, principalmente de Organizações Não-
Governamentais e setores da educação superior, puderam contribuir de forma decisiva nas
tomadas de decisão dos diversos países e, em especial da Organização das Nações Unidas
frente à questão ambiental. Autores como Marcel Bursztyn e Wagner da Costa Ribeiro, foram
fundamentais para desenvolver um raciocínio lógico, que evidenciasse de forma clara e
objetiva o desenvolvimento da discussão ambiental, através da ascensão de mecanismos
jurídicos, de conferências internacionais além de outras ações de igual importância sobre o
tema.
Posterior ao momento da revisão bibliográfica, foi necessário conhecer e compreender
quais são os mecanismos jurídicos mais importantes que contribuem no auxílio à gestão
ambiental. Nesse ponto, foi pertinente compreender como os aparatos jurídicos (leis, decretos
e resoluções) são concebidos e para que fins são criados. Baseamos a nossa primeira
observação na Constituição do Brasil, já que todas as leis devem seguir as suas
recomendações, para nortear a nossa análise. Em seguida, essas observações foram orientadas
para a Constituição do Estado da Bahia, uma vez que o objeto dessa pesquisa se insere no
território baiano.
Posteriormente, a análise passou a ser orientada para as leis que tinham uma certa
coerência com a pesquisa como a lei federal de Unidades de Conservação (SNUC), o Código
Florestal, as Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), a lei de
Crimes Ambientais, entre outras. Depois passamos a analisar a legislação estadual,
principalmente a lei florestal e ambiental estadual e os decretos que as regulamentam, as
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resoluções do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM) e, também, os instrumentos
jurídicos legais municipais, como o Código de Meio Ambiente da cidade de Feira de Santana.
A observação e análise do aparato jurídico, foram de fundamental importância para a
articulação das idéias e o desenvolvimento do trabalho, uma vez que o objeto da pesquisa
(APA do Lago de Pedra do Cavalo), possui inúmeros elementos que justificam a aplicação de
tal aparato, além de ser uma Unidade de Conservação, que, por esse mesmo aparato legal,
deve ter uma gestão diferenciada das demais áreas contidas em territórios estaduais e
municipais.
De posse das elaborações acerca do argumento jurídico, passamos a analisar a
bibliografia pertinente a APA do Lago de Pedra do Cavalo, como relatórios de órgãos do
governo estadual como a extinta DESENVALE (Companhia de Desenvolvimento do Vale do
Paraguaçu), o CRA (Centro de Recursos Ambientais), D.D.F. (Diretoria de Desenvolvimento
Florestal), CAR (Companhia de Ação Regional), relatórios feitos por outras empresas como é
o caso do Diagnóstico Ambiental da APA do Lago de Pedra do Cavalo, feito pela empresa
Geoexperts, a tese de doutoramento da professora Guiomar Ignez Germaine, da Universidade
de Barcelona, relatórios de estudos ambientais para a viabilidade de implantação de uma
usina hidroelétrica na barragem de Pedra do Cavalo, do Grupo espanhol Iberdrola , além de
outros documentos.
Em conjunto, essa bibliografia nos deu a dimensão dos problemas encontrados na APA
do Lago de Pedra do Cavalo, bem como suas dimensões institucionais, jurídicas e sobretudo
sociais. O desenvolvimento da pesquisa passa a ganhar corpo nesse momento, quando
passamos a pré-diagnosticar a situação dos diversos atores envolvidos no processo de gestão
desta Unidade de Conservação. Esse pré-diagnóstico foi um verdadeiro despertar quanto aos
problemas, sobretudos aqueles relacionados aos pequenos agricultores e reassentados que
vivem na APA.
Após essa fase de levantamento de dados secundários, passamos a fazer o levantamento
de dados primários in loco, isto é, coletar dados nos diversos pontos que fazem parte da gestão
da APA Lago de Pedra do Cavalo. Essa fase foi a mais extensa e a mais complexa.
Inicialmente, acompanhamos algumas visitas do CRA a comunidades reassentadas e
não-reassentadas presentes na APA, e pudemos constatar o grau de complexidade que se tem
na gestão desta Unidade de Conservação quando o assunto é a presença ou o convívio do
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CRA nestes lugares. Devido aos históricos de relação não muito amistosa entre os moradores
e o governo do estado, há uma certa resistência por parte dessas comunidades quanto à gestão
da APA, que teremos oportunidade de explicitar no desenvolver do trabalho. Outra questão é
o não comprometimento de setores estatais em relação a essas pessoas, o que dificulta mais
ainda a relação.
Realizamos, entrevistas a alguns sindicatos de trabalhadores rurais, sobretudo o de
Santo Estevão e Feira de Santana, que nos foi de fundamental importância para o trabalho,
pois passamos a compreender como o governo do estado da Bahia atuou (e atua) nas
localidades rurais próximas ao empreendimento Pedra do Cavalo, o impacto que isso causou
na vida e no cotidiano dessas pessoas e como isto tem rebatimentos no espaço geográfico,
conseqüentemente, no território.
Através de entrevistas a técnicos do CRA em Feira de Santana e Salvador
compreendemos qual a posição do órgão gestor da APA. Coletamos dados sobre advertências
e multas emitidas durante a gestão, no período de 1999 (ano inicial da administração) a 2002 e
avaliamos o material cartográfico e bibliográfico do CRA.
Em paralelo, foram feitas visitas a campo nas áreas mais problemáticas da APA ,
principalmente aquelas onde ocorrem as maiores infrações, ou seja, áreas próximas a Feira de
Santana, São Gonçalo dos Campos, Cabaceiras do Paraguaçu, Conceição da Feira e Santo
Estevão.
De posse de todos esses dados e através das mais diversas incursões ao CRA e na área
da pesquisa, obtivemos as informações necessárias para nos basearmos no desenvolvimento
desta pesquisa.
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3. REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL
O tema abordado refere-se à gestão de um território específico, o território de uma Área
de Proteção Ambiental. Esse território possui, no Brasil, uma legislação específica, o que lhe
confere certas singularidades em relação as demais áreas do espaço brasileiro. Dessa forma,
fazer considerações sobre esse território que possui singularidades, não é tarefa das mais
fáceis, devido aos diversos elementos de análise que compõem este espaço.
Então, para melhor compreensão do que estamos tratando é necessário, antes de tudo,
uma reflexão teórica que nos permita discutir da melhor forma possível, a questão central
desse trabalho qual seja, a gestão de um território que se diferencia dos demais, por pesar
sobre ele, uma política ambiental. Assim, podemos então considerar aqui, o conceito de
Espaço Geográfico. Este conceito vem sido abordado por diversos autores na Geografia e em
outras áreas do conhecimento, pois trata do meio natural e artificial (embora valorize mais o
artificial), dos atores que os compõem e suas dinâmicas.
O autor, que talvez melhor exprime o significado geográfico de Espaço, sem dúvida é
Milton Santos. Em diversos momentos de sua extensa obra, o autor afirma que:
(...) A palavra espaço é uma dessas que abrigam uma multiplicidade de sentidos. Nosso desacordo aparente e nosso quase desespero fundamental vêm menos do fato de cada qual dizer e impor uma definição do nosso objeto de trabalho – o espaço habitado – e, muito mais que freqüente, dele não tenhamos nenhuma definição. (...) SANTOS (1994, p.89).
Ora, se um espaço possui essa multiplicidade de sentidos, foi necessário aos geógrafos
desenvolverem uma discussão em torno do conceito, para incorpora-lo à discussão geográfica.
Daí surge cada vez mais a urgência desta “geografização” do conceito de Espaço. É assim que
em outro momento o mesmo autor define:
(...) Nossa proposta atual de definição da Geografia considera que a essa disciplina cabe estudar o conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação que formam o espaço. Não se trata de sistemas de objetos, nem sistemas de ações tomados separadamente. (...) O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. (...) SANTOS (1996, pg. 51).
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A partir desta definição, percebemos que o conceito de espaço ganha corpo e ao se
“geografizar”, nos convida as reflexões pertinentes. Já que o espaço abarca objetos e ações,
qual é o papel do geógrafo na identificação desses elementos no campo teórico e mesmo na
aplicação deste conceito? Muitas vezes, a teoria se distancia da vida e do cotidiano daqueles
que irão habitar esse espaço do qual fala Milton Santos, por isso é necessário um esforço
intelectual para tornar o conceito mais próximo dessa realidade. Assim, ainda é muito
pertinente a contribuição do autor ao explicar quem faz parte do espaço numa perspectiva de
elucidação do conceito:
(...) No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico. O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes. (...) SANTOS (1996, pg. 51).
Esse esforço no sentido de elucidar o conceito, o torna mais operacional, menos rígido e
portanto mais acessível.
Para elucidar, portanto, o que vem a ser o sistema de objetos e sistemas de ações ,
Santos ainda argumenta:
(...) Copiando de forma simplória o que está escrito em Marx, teríamos um sistema de objetos sinônimo de um conjunto de forças produtivas e um sistema de ações que nos dariam um conjunto de relações sociais de produção (...) SANTOS (1996, pg. 52).
Para nós, o conceito de espaço é fundamental para a nossa discussão, já que trataremos
das transformações ocorridas em um determinado espaço, que possui todas essas variáveis,
contidas na conceituação de espaço geográfico, proposta por Santos em suas elaborações
intelectuais.
Já que tratamos do espaço, como categoria conceitual e básica à nossa discussão,
vamos agora dissertar acerca de um outro conceito, que para nós é o mais importante nessa
discussão; o conceito de território.
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Muitas vezes espaço e território são confundidos por geógrafos menos atentos e
desavisados quanto à questão conceitual. Como vimos anteriormente o espaço geográfico
proposto por Santos, é fruto da união de sistemas de objetos (forças produtivas) e sistemas de
ações (relações sociais), mas não fala de território como unidade de análise, já que a
perspectiva nesse caso é a técnica como elemento catalisador das transformações do espaço.
O território possui um outro sentido conceitual, embora incorpore em sua conceituação
elementos do conceito de espaço geográfico. Claude Raffestin no livro Geografia do Poder,
dedica algumas páginas à discussão de território e enfatiza:
(...) É essencial compreender bem, que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço (...) Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço. (...) RAFFESTIN (1993, pg. 143).
Assim, passamos então ao entendimento que espaço e território são conceitos
diferentes, e mais, são duas categorias de análise da Geografia e que portanto, merecem
elaborações intelectuais distintas, porém não excludentes. Para nós, assim como o espaço
possui extrema relevância no desenvolvimento das argumentações acerca do trabalho a ser
desenvolvido, o território possui ainda maior destaque, já que este conceito se refere ao
trabalho realizado no espaço, como argumenta Raffestin:
(...) A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto-estradas e rotas aéreas, etc. . O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a prisão que os homens constroem para si (...) RAFFESTIN (1993, pg. 143 e 144).
Portanto, o território é fruto do trabalho realizado no espaço e dinamizado pelas
relações sociais, através do poder. Se o território é definido pelas relações sociais através do
trabalho realizado no espaço, logo a noção de território está associada a idéia de controle e
apropriação de um dado espaço , para que dele se realize trabalho.
No caso em estudo (APA do Lago de Pedra do Cavalo), existem diversos atores que
influenciam na apropriação desse espaço e, portanto, nas relações de poder que aí se
engendram. Ora é o estado que possui interesse, ora são as prefeituras, ora a comunidade,
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enfim, cada ator tentando, de um jeito ou de outro, se “territorializar” neste espaço. Cada ator
tem o seu interesse para com este espaço e, por mais que cada um exerça seus argumentos,
justificando suas ações, é interessante que exista um momento, ou um espaço de
intermediação dos interesses individuais e coletivos.
Dentro desta perspectiva, traremos mais uma vez a contribuição de Milton Santos
quanto à definição de território como categoria conceitual de análise:
(...) O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi. Quando se fala de território deve-se, pois, de logo, entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dada população. Um faz o outro, à maneira da célebre frase de Churchill: primeiro fazemos nossas casa, depois elas nos fazem... A idéia de tribo, povo, nação e, depois, de estado nacional decorre dessa relação profunda. (...) SANTOS (2000, pg. 96 e 97).
Por isso, em momentos posteriores, questionaremos sobre a atuação dos diversos atores
sociais no território e indagaremos por que as regras de convivência do território não são
construídas coletivamente, mas apenas por alguns poucos atores (aparato legal). Já que o
território possui esse sentido de pertencimento ao espaço em que se vive, por que não há uma
convergência de interesses no mesmo?
O espaço a que nós estamos nos referindo é a Área de Proteção Ambiental do Lago de
Pedra do Cavalo. O lago, criado pelo barramento dos rios Paraguaçu e Jacuípe, possui função
estratégica no abastecimento da região metropolitana de Salvador, Feira de Santana e região
fumageira (Cachoeira, São Felix, Muritiba, Governador Mangabeira, Santo Amaro entre
outras localidades). O empreendimento Pedra do Cavalo, consiste em barragem, sistemas de
adutoras, estações de tratamento de água e rede de distribuição. Essa função “estratégica” que
o empreendimento possui, alterou substancialmente o cotidiano das pessoas que viviam às
margens do rio Paraguaçu e do Jacuípe, forçando-as a se inserir num circuito de relações
outras e novas, ainda que de forma marginal a esse processo.
Quanto a esta questão, podemos argumentar que, se o território se constitui do resultado
do trabalho realizado em um espaço, portanto, quem realiza trabalho está se territorializando
em um determinado espaço. Logo, o barramento de Pedra do Cavalo também foi um processo
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de territorialização de atores que são exteriores aquele lugar. Então questionamos - aqueles
que foram relocados de suas áreas para viabilizar o empreendimento, que tipo de processo
territorial sofreram? Poderíamos então utilizar o termo (des)territorialização para estas
pessoas, uma vez que realizaram trabalho, imprimiram seu modo de vida naquele espaço, e
pior, foram vitimadas por um processo exterior à sua vivência e relações. Nesse sentido,
podemos buscar auxílio às elaborações de Rogério Haesbaert, quando explica o que seria um
processo de des-territorialização e suas implicações no espaço:
(...) A des-territorialização deve ser tratada sobretudo no que se refere à dimensão espacial da sociedade que, (...) corresponde à “luta dos homens contra a distância”, distância que ao mesmo tempo separa as sociedades e é um princípio de organização de sua vida interior (...) Se tomarmos a abordagem que eu denominaria de “funcional-estratégica” de território, temos este como um espaço sobre o qual se exerce um domínio político, e como tal, um controle de acesso. (...) HAESBAERT (2000, pg. 168).
A distância aqui tratada pelo autor nos remete principalmente à questão da perda do
lugar de origem, de um distanciamento da área a qual pertencia determinado grupo. Quanto à
questão de domínio, vale salientar, que após o represamento e conseqüentemente o
preenchimento do lago, o acesso à água, a terras próximas às margens, e mesmo o tipo de
padrão construtivo permitido nestas áreas, sofreram uma alteração, sendo agora definidos por
instrumentos legais como leis e decretos, num claro controle político deste território. Ainda
nos reportando a Haesbaert, podemos consubstanciar nossa discussão:
(...) Dentro de uma dinâmica de territorialização é muito importante diferenciar aquilo que LEFÈBVRE (1986) e HARVEY (1992) denominam domínio e apropriação do espaço. Segundo Harvey, “o domínio do espaço reflete o modo como indivíduos ou grupos poderosos dominam a organização e a produção do espaço mediante recursos legais ou extralegais, a fim de exercerem um maior grau de controle (...)” (1992:202). Já para Lefèbvre, em que Harvey se inspira, “o espaço dominado é geralmente fechado, esterilizado, esvaziado. Seu conceito não adquire seu sentido a não ser por oposição ao conceito inseparável de apropriação” (1986:191). “Sobre um espaço natural modificado para servir às necessidades e às possibilidades de um grupo, pode-se dizer que este grupo se apropria. (...) Um espaço apropriado aproxima-se de uma obra de arte sem que ele seja seu simulacro” (p.192). Relacionada ao espaço de vivência cotidiana, “a apropriação não pode ser compreendida sem o tempo, os ritmos de vida (p.193) (...) HAESBAERT (2000, p168 e 169).
Nesse caso, podemos perceber que à luz das concepções teóricas, a questão da
territorialidade relaciona-se também com a apropriação do espaço, ou no caso, de um recurso
22
natural. Em Pedra do Cavalo isto nos parece pertinente, já que muitos dos atores envolvidos
na gestão deste território que abrange dez municípios, possuem necessidades e interesses
distintos, mas o mesmo sentimento de controle e posse.
Segundo Haesbaert, é necessário definir a que dimensão estamos tratando o conceito de
des-territorialização, se de uma forma política, portanto mais concreta; ou cultural, nesse caso
mais simbólica. Ao nosso ver, a dimensão aqui tratada é mais concreta, conseqüentemente,
adquire-se na análise uma dimensão política, mas não menosprezamos a dimensão cultural,
embora ela apareça de forma mais sutil no desenvolvimento do trabalho. Entretanto se
levarmos em consideração o relocamento das famílias reassentadas neste espaço, ainda assim,
podemos nos referir à questão mais subjetiva da idéia de pertencimento, de identidade com o
espaço vivido.
Nesse sentido podemos utilizar o argumento de Haesbaert num outro momento, quando
este evidencia:
(...) Num espaço destituído de sua história, “sem memória”, transformado de repente numa espécie de não-lugar – espaços não-históricos, não-relacionais e não-identitários, (...) uma expressiva parcela dos novos atores hegemônicos tenta reconstruir à sua maneira uma geografia perdida que às vezes chega a constituir “espaços fora do lugar” representativos de uma identidade territorial que ali acaba por se tornar anômala e aparentemente sem sentido. (...) HAESBAERT (1996, PG380,381).
Dessa forma, podemos nos reportar aos núcleos de reassentamento instituídos pelo
governo do estado para a viabilização do empreendimento Pedra do Cavalo, como estes não-
lugares, sem memória e sem identidade, dos quais fala o autor. Esses espaços sem identidade,
são a expressão máxima da des-territorialidade, isto é, são espaços constituídos para justificar
os interesses dos atores hegemônicos em um dado momento, um dado instante. Esse ator
hegemônico, no momento da viabilidade do empreendimento, foi sem sombra de dúvida o
próprio estado. Atualmente podemos identificar novos atores hegemônicos nesse território,
como é o caso do grupo Votorantin, que está em fase de viabilização de um empreendimento
hidroelétrico em Pedra do Cavalo, o que irá causar mais conflitos, pois a apropriação do
território mais uma vez está sendo realizada por quem é exterior ao lugar.
Daí questionamos como será a gestão da área de Proteção Ambiental do Lago de Pedra
do Cavalo, se apenas os atores hegemônicos, portanto, exteriores ao lugar, possuem poder de
decisão e de intervenção sobre este território? Não seria ideal que todos aqueles que estão
23
envolvidos na gestão pudessem, de uma certa forma, ter voz nas decisões tomadas nas esferas
do poder?
Embora saibamos que essa não é uma tarefa fácil, ainda assim, poderíamos, através dos
meios legais, tentar legitimar a participação da comunidade nas tomadas de decisão neste
território. Isso nos parece o mais adequado, pois estamos tratando da gestão de um território
que foi definido pela sua importância estratégica para o abastecimento de água, de algo em
torno de 4 milhões de pessoas. Na verdade não é só o território que está sendo apropriado e
gerido, mas o recurso hídrico que justificou a criação deste território de APA.
A água é o recurso natural mais discutido na atualidade e, sua gestão (que passa pela
apropriação, uso, distribuição e cobrança) é de competência do estado, entretanto, em Pedra
do Cavalo esta gestão está pulverizada entre alguns atores, quais sejam: Empresa Baiana de
Águas e Saneamento (Embasa), Centro de Recursos Ambientais (CRA), e mais recentemente
o Grupo Votorantin. Bem, se existem tantos gestores deste recurso natural, nos questionamos
agora, onde está ou onde se insere o papel das comunidades locais e das prefeituras nesta
gestão?
Em Geografia existem dois conceitos que podem definir o papel de cada um desses
atores, e como atuam no território. Estes dois conceitos fazem menção como cada ator age no
território, imprimindo sua marca no espaço e produzindo trabalho, territorializando de forma
distinta, seus interesses, são as Horizontalidades e Verticalidades, que Milton Santos trata em
três de suas obras:
(...) Horizontalidades e Verticalidades se criam paralelamente. As horizontalidades são o alicerce de todos os cotidianos, isto é, do cotidiano de todos (indivíduos, coletividades, firmas, instituições). São cimentadas pela similitude das ações (atividades agrícolas modernas, certas atividades urbanas) ou por sua associação e complementaridade (vida urbana, relações cidade-campo). As verticalidades agrupam áreas ou pontos, ao serviço de atores hegemônicos não raros distantes. (...) SANTOS (1994, pg. 54)
Essa definição de horizontalidade e verticalidade nos parece apropriada para a
discussão. Ora, se temos em um território como o da APA de Pedra do Cavalo atores diversos
mas, apenas aqueles que estão fora do cotidiano são os que determinam os destinos das
comunidades, através de decisões tomadas fora daquele circuito, então teremos o que o autor
chama de verticalidade. Não obstante, podemos inclusive questionar se a gestão da área de
24
Proteção Ambiental será realmente implantada, uma vez que não há uma “horizontalização”
das decisões em torno deste território. Porém, como dito anteriormente, é o recurso hídrico em
Pedra do Cavalo que está sendo cooptado, e cooptado para servir a interesses de grupos
exteriores ao lugar, como é o caso do grupo Votorantin. Quanto a essa questão, em um outro
momento, Milton Santos adverte sobre a atuação desses atores que são exteriores ao local:
(...) A tendência atual é no sentido de uma união vertical dos lugares. Créditos internacionais são postos à disposição dos países e das regiões mais pobres, para permitir que as redes se estabeleçam ao serviço do grande capital. Nessa união vertical, os vetores de modernização são entrópicos. Eles trazem desordem aos subespaços em que se instalam e a ordem que criam é em seu próprio benefício. E a união vertical – seria melhor falar de unificação – está sempre sendo posta em jogo e não sobrevive senão à custa de normas rígidas. Mas os lugares também se podem refortalecer horizontalmente, reconstruindo, a partir das ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo. (...) SANTOS (1996, pg.228)
Para nós é claro a participação coletiva na gestão do território da APA, uma vez que
existem muitos interesses, não é apenas o recurso hídrico, o espaço, mas principalmente a vida
daqueles que habitam este espaço, territorializados de forma assimétrica devido às decisões
equivocadas de atores hegemônicos, como o próprio governo do estado, que não levaram em
consideração uma série de elementos que tratam da vida e do vivido destas pessoas. Ainda
nesta perspectiva, Milton Santos em obra recente, volta a tecer considerações sobre as
horizontalidades e verticalidades:
(...) Ao contrário das verticalidades, regidas por um relógio único, implacável, nas horizontalidades assim particularizadas funcionam, ao mesmo tempo, vários relógios, realizando-se, paralelamente, diversas temporalidades. Trata-se de um espaço à vocação solidária, sustento de uma organização em segundo nível, enquanto sobre ele se exerce uma vontade permanente de desorganização, ao serviço dos atores hegemônicos. Esse processo dialético impede que o poder, sempre crescente e cada vez mais invasor, dos atores hegemônicos, fundados nos espaços de fluxos, seja capaz de eliminar o espaço banal, que é permanentemente reconstituído segundo uma nova definição. (...) nos espaços banais se recria a idéia e o fato da Política, cujo exercício se torna indispensável (...) SANTOS (2000, pg.111)
É interessante perceber que toda a discussão teórica de horizontalidade gira em torno
dos atores não-hegemônicos, logo, aqueles que estão no território, e não exterior a ele, aqueles
25
que de fato vivem no território. Esse processo das horizontalidades se ajusta à proposta de
uma gestão participativa na APA do Lago de Pedra do Cavalo, se de fato, esta fosse a
proposta mais unânime, entretanto não parece que esse seja o interesse dos atores
hegemônicos neste território, pois a horizontalização das tomadas de decisões, tornaria o
controle de acesso, a apropriação do recurso natural mais universalizada. E se a
horizontalização de fato acontecesse, o rebatimento no território seria completamente
diferente como nos mostra Santos:
(...) O processo acima descrito é também aquele pelo qual uma sociedade e um território estão sempre à busca de um sentido e exercem, por isso, uma vida reflexiva. Neste caso, o território não é apenas o lugar de uma ação pragmática e seu exercício comporta, também, um aporte da vida, uma parcela da emoção, que permite aos valores representar um papel. O território se metamorfoseia em algo mais do que um simples recurso e, para utilizar uma expressão, que é também de Jean Gottmann, constitui um abrigo. (...) SANTOS (2000, pg.112).
Embora saibamos que o ideal para a gestão de um território seja o envolvimento de todos
aqueles que vivem neste espaço, percebemos que cada vez mais os atores hegemônicos
utilizam seu poder para se apropriarem do espaço e dos recursos que o mesmo contém, a
própria natureza e o homem, como instrumento de produção. Esta apropriação ocorre através
de estratégias políticas e econômicas e o papel que cabe a nós é contribuir para a
universalização da apropriação do território, através da prática política, que é ou deve ser
inerente ao cidadão.
26
4. GESTÃO DO TERRITÓRIO EM UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO
A questão ambiental no Brasil é algo extremamente recente, se compararmos com outras
questões; sobretudo, por que esta discussão também é recente no resto do mundo. Falar sobre o
meio ambiente hoje é algo valorizado, apesar de uma série de contradições que permeiam o
discurso oficial e a prática na gestão dos recursos naturais. Isto se deve ao fato de que a
discussão ambiental, como dito anteriormente é algo novo, muitos países ainda procuram
definir um parâmetro para lidar com tal temática, e aqueles que já possuem uma certa estrutura,
como o Brasil e os EUA, buscam aprofundar e otimizar a gestão dos recursos, através de
mecanismos jurídicos, que legitimem a ação do Estado.
4.1. O Meio Ambiente e a Ação do Estado
Embora o papel do Estado esteja sendo revisto, é notório que este assume uma relevante
importância quanto às questões ambientais, sobretudo nos últimos trinta anos, quando
assistimos no Brasil, um aumento gradual da ação do Estado em relação ao meio ambiente
(BURSZTYN, 1994). O território brasileiro é um dos mais complexos do mundo do ponto de
vista ambiental, basta considerarmos a grande diversidade de ambientes e sua magnitude, como
a imensa mancha verde equatorial (Amazônia), o semi-árido nordestino (Caatinga), o ambiente
tropical do centro do país (Cerrado), a grande planície inundada do oeste (Pantanal), o
ambiente de serras (Chapada Diamantina, Espinhaço, o complexo de serras do Sudeste), além
de uma série de feições litorâneas (dunas, mangues, restingas, deltas).
Nesse sentido, é mister conhecer bem o território para nele agir. É necessário conhecer
para gerir, não só o recurso natural, mas também aqueles que nele vivem. O geógrafo Milton
Santos (1996), ao propor o espaço geográfico como uma união indissociável de sistemas de
objetos e ações, nos mostra que tanto o meio natural (rochas, rios, florestas) quanto o meio
antrópico (casas, vilas, cidades), fazem parte de um mesmo sistema que é comandado pela vida
social e cultural de cada território, isto é, os mecanismos de gestão passam pelo conhecimento,
27
e também pela ação das instituições, dos grupos econômicos, dos grupos sociais e culturais que
vivem e interagem neste lugar, no sentido de legitimar a posse e o uso dos recursos naturais por
parte daqueles que estão no Espaço Geográfico (Estado, empresas, ONG’s, comunidades,
grupos culturais). Hoje a ação do Estado em relação ao território deve permear todos os
interesses que estão em jogo, devido ao fato de já se reconhecer, inclusive juridicamente, o
valor subjetivo que determinados elementos presentes no território possuem para os mais
diversos atores, sobretudo as comunidades locais (que estão representadas pelas mais diversas
formas de organização como, por exemplo, associações culturais como a irmandade da Boa
Morte no município de Cachoeira, reconhecida como patrimônio histórico e cultural daquele
lugar, além de promoverem o resgate cultural de suas populações; cooperativas de
trabalhadores rurais, que buscam a participação e organização de seus cooperados, a fim de
atuarem com mais independência em questões ligadas à produção, acesso ao crédito, e
comercialização de produtos).
Se o território possui instituições que o administram através de mecanismos jurídicos,
então todo o recurso natural é de propriedade daqueles que fazem parte deste território (aqui
entendido como território usado, ou seja, território resultado de um processo histórico, com
uma base material e social organizada pelo Estado). Entretanto, gerir um espaço tão grande e
tão complexo como o Brasil, necessita um bom aprofundamento do potencial dos recursos
existentes em cada um dos ambientes. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
através de pesquisas de campo, relatórios anuais, fotografias aéreas, imagens de satélite,
produção de mapas e suas interpretações, historicamente tem assumido o papel de
reconhecimento desses espaços, principalmente para legitimar, através de uma política de
expansão da ação do Estado sobre o território, com o objetivo de “integrar” os espaços mais
distantes do país (passando pela apropriação dos recursos naturais), ao sistema sócio-
econômico vigente, propondo, dessa forma, divisões regionais que tomam por base uma forte
influência do meio natural. Mas isso não é tudo, primeiro por que a divisão regional, não
particulariza determinadas áreas que possuem endemismos de espécies animais e vegetais,
disponibilidade de recursos hídricos e seu manejo, beleza cênica de complexos de serras,
pesquisa do patrimônio genético presente em ambientes diversos, ou mesmo variação de um
bioma para outro, as chamadas zonas de contato.
28
Também a questão da finitude dos recursos naturais não foi levada em consideração
nesta regionalização, uma vez que o Estado brasileiro promoveu nas últimas décadas, uma
verdadeira corrida aos espaços mais distantes dos centros urbanos, criando, conseqüentemente,
situações de agressão ambiental cada vez maiores, como derrubada das matas para
empreendimentos agroindustriais, extrativismo vegetal, extrativismo mineral, que não
atentaram para a questão da Preservação-Conservação. O resultado de tudo isso, são problemas
oriundos de uma má gestão, de uma ausência de debate político e de um projeto que leve em
consideração o desenvolvimento, porém com a conservação dos recursos naturais.
Outro ponto que consideramos fundamental a essa discussão é sem dúvida, os
mecanismos jurídicos. Estes possuem um papel fundamental no esclarecimento e
recomendações quanto à forma pela qual, Estado, empresas, comunidades, ONG´s devem
organizar e disciplinar a apropriação e o uso dos recursos naturais, já que num passado recente,
os mecanismos jurídicos (entendidos aqui como a legislação e a estrutura institucional do poder
judiciário) não atentavam para os problemas relacionados com o meio ambiente, da forma
como a vemos atualmente. Isso se deve ao fato de não haver uma participação popular efetiva
na construção dos mecanismos jurídicos, explicando, portanto, o desinteresse e a
desinformação, por parte da população, sobre as leis relacionadas à questão ambiental. Esses
mecanismos jurídicos são, em conjunto com a participação popular, atualmente, as ferramentas
mais importantes na gestão do território e de seus recursos, sendo então, indispensáveis para
aqueles que trabalham diretamente com a questão ambiental.
4.2. A Evolução dos Mecanismos de Gestão dos Recursos Naturais no Brasil
Na década de 60 e principalmente na década de 70, os problemas ambientais passam a
ganhar maior destaque na imprensa e nas discussões, pois, nesse período o contexto mundial já
apontava para mudanças na gestão dos recursos ambientais, principalmente após a Conferência
de Estocolmo, em 1972. Desastres relacionados a derrame de petróleo nos oceanos e
queimadas de grandes florestas, foram responsáveis pelo início de movimentos de proteção ao
meio ambiente. A partir desse momento a opinião pública mundial passa a questionar as
conseqüências do modelo industrial adotado por muitos países, que visa, sobretudo, a
29
exploração indiscriminada dos recursos naturais em nome de um consumo exacerbado de
produtos, pela população dos países mais industrializados, para garantir certas “mordomias”
em detrimento da qualidade de vida do planeta (principalmente da qualidade ambiental, ou
seja, aquela decorrente do clima, da cobertura vegetal, da água, do solo e outros elementos que
constituem o meio natural).
Devido ao fato de se perceber que muitos problemas relacionados ao ambiente se
tornaram cada vez mais evidentes, como a poluição atmosférica dos grandes centros urbanos e
industriais, contaminação de rios nas principais regiões de produção industrial, poluição de
mares nas principais áreas de produção e comercialização de petróleo, extinção de espécies
animais e vegetais numa velocidade nunca vista anteriormente, foram, e continuam sendo,
situações que aparecem cada vez mais na mídia, evidenciadas principalmente pela denúncia de
grupos de proteção ao meio ambiente como o Greenpeace e o WWF, que aquela altura, já se
organizavam para chamar a atenção da população mundial sobre a questão da exploração
indiscriminada dos recursos naturais. A partir desse momento, muitos países passaram a adotar
medidas jurídicas e institucionais, a fim de amenizar os efeitos devastadores que grandes
desastres ambientais já haviam proporcionado.
Nesse intuito, o Estado passa a agregar à sua função, a gestão dos recursos naturais, no
sentido de “disciplinar” a sua apropriação e o seu uso. Assim, os EUA estruturam uma série de
mecanismos (jurídicos, institucionais, tributários) para lhe servir de suporte nessa nova
atribuição, já que era, e ainda hoje continua sendo, o Estado americano e as empresas
industriais deste país, aqueles que mais se apropriam, exploram e consomem os recursos
naturais em nome de um modelo de industrialização pautado no consumo elevado de produtos
industrializados em seu país, visando cada vez mais o lucro dos grandes grupos empresariais
do sistema capitalista americano, apesar e revelia das populações dos países pobres, sobretudo
aqueles que possuem abundância de recursos naturais.
O Brasil segue o modelo americano e, no final da década de 70 e início dos anos 80,
estrutura algo semelhante; leis são criadas, órgãos e ministérios passam a se reestruturar,
recursos são alocados, enfim toda uma estrutura estatal é “montada” (mesmo que de forma
econômica, não política e não técnica) para dar ao Estado brasileiro o suporte necessário para a
gestão do território, dos recursos naturais. O favorecimento do Estado brasileiro a grandes
grupos empresariais nacionais e estrangeiros, resultou em alguns casos, na devastação de
30
reservas florestais, sobretudo no norte e centro-oeste do país, para satisfazer a cobiça e o
interesse desses grupos empresariais, sobretudo os grupos estrangeiros.
Diante de tal contexto, consideramos três aspectos importantes para a gestão de um
território e consequentemente de seus habitantes e recursos naturais:
1- Os mecanismos jurídicos - (Conjunto de leis e instituições que legitimam a
ação do Estado, no sentido de disciplinar a apropriação e o uso dos recursos no
território). Entretanto, os conjuntos de leis relacionados ao meio ambiente no
Brasil, não possuem um caráter de participação popular, uma vez que os
legisladores brasileiros, em muitos casos, pertencem aos grandes grupos
empresariais, ou estão ao seu serviço, legislando, portanto, em causa própria,
sem a participação da população, que dificilmente é levada em consideração
nas regras estabelecidas na legislação ambiental e em outras legislações, o que
evidencia o completo desinteresse e não aplicabilidade destas leis de fato
(legitimidade);
2- As instituições Estatais - (através de atribuições delegadas pelos conjuntos de
leis, para regular e regulamentar as ações relacionadas ao ambiente e seus
recursos). Como os conjuntos de leis não possuem legitimidade perante a
população, as ações de organismos estatais, sofrem com o descrédito e o
desrespeito por parte da população e de grandes grupos empresariais que
utilizam seu “trânsito” pelas esferas do poder para conseguir todo tipo de
benesses (anistias, financiamentos, perdão de dívidas e multas, isenção fiscal
entre outros);
3- A participação da sociedade (tornando cada vez mais incorporada ao
cotidiano das pessoas, a preocupação com as questões ambientais). Embora
esta participação não seja homogênea, tem havido uma gradual participação da
sociedade nas questões ligadas ao meio ambiente, sobretudo nas grandes
cidades brasileiras, por que tratam da qualidade de vida das pessoas. Porém,
quando se registra essa participação, percebemos que há um predomínio de
31
setores ligados à educação superior, à instituições de fomento a pesquisa e à
grupos ambientalistas.
Embora as preocupações com a questão ambiental tenham se intensificado nos anos 70,
só foi no meio da década de 80 que no Brasil há uma verdadeira pressão por parte da
sociedade sobre essa temática, apesar de já existirem alguns instrumentos jurídicos como o
Código Florestal, Lei Federal 4771 de 15 de setembro de 1965 e a Lei Federal 6938 de 31 de
agosto de 1981, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente. É a partir de 1988, com a
Constituição, que o meio ambiente ganha uma maior relevância, pois nesse estatuto, o
Capítulo 225 é destinado somente a essa temática. Neste capítulo, se fala em proteção da
fauna, flora, do patrimônio genético, da educação ambiental, e, o que aqui nos interessa, a
destinação de espaços territoriais para fins de preservação-conservação.
A partir daí, há uma verdadeira estruturação do aparelho estatal brasileiro em função da
questão ambiental, em todas as esferas, federal, estadual e municipal. É lógico que com todos
os problemas políticos, econômicos e financeiros que o Estado brasileiro passou na década de
80, houve um retardamento da ação desse aparelho, que tem na esfera federal sua expressão
máxima. O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis), criado entre 1985 e 1986 com a fusão de diversos órgãos federais ligados à
questão ambiental, extrativismo mineral, vegetal e animal, passa a ser o órgão responsável
pela execução da Política Nacional de Meio Ambiente.
Em alguns estados da federação, também se inicia a estruturação de mecanismos de
política ambiental. É o caso da Bahia, que já na década de 70 institui um conselho estadual de
meio ambiente, com poder consultivo e deliberativo, reunindo-se uma vez por mês para tal
fim, conhecido como CEPRAM, e em 1983 criando o CRA (Centro de Recursos
Ambientais), que é o órgão responsável pela execução da Política Estadual de Meio
Ambiente. Os órgãos executores têm o objetivo de implementar as políticas ambientais,
através da aplicação do aparato legal como leis, decretos, resoluções, que entre outras coisas,
definem os parâmetros de licenciamento, fiscalização, de controle de poluição, de gestão das
Unidades de Conservação, entre outros atributos.
Na década de 90, as questões ambientais ganham uma maior dimensão, a ponto de no
início desta década, se realizar uma conferência mundial sobre o meio ambiente, nos moldes
da reunião de Estocolmo - 72, desta vez na cidade do Rio de Janeiro. Nessa reunião se discute
32
oficialmente a responsabilidade que cada país tem sobre os problemas ambientais. Muita
polêmica foi causada, pois muitos grupos ambientalistas e pesquisadores, defendiam a
mudança do modelo industrial, sobretudo dos países ricos, de exploração exaustiva dos
recursos naturais, para garantir o lucro dos grandes grupos empresariais. Nesse momento, a
questão da preservação ganha maior visibilidade, colocando como um dos pontos de pauta, a
criação de espaços territorialmente protegidos, a fim de preservar-conservar a flora, a fauna e
mesmo a diversidade cultural, que passa ganhar status na discussão ambiental, uma vez que as
populações tradicionais como as indígenas, estão inseridas nos ecossistemas e têm o seu papel
ecológico e cultural no equilíbrio e sustentabilidade de determinados ambientes. Também as
populações dos grandes centros urbanos, que modificam substancialmente o ambiente,
principalmente no entorno da urbe, modificações estas que são catalisadas pela pobreza e pela
miséria, onde, no Brasil assumem diversas feições como falta de infra-estrutura das moradias
(palafitas, favelas, invasões), falta de saneamento básico. Conseqüentemente córregos, rios,
riachos e praias, são degradados e, para além desses graves problemas ambientais e sociais, o
eixo urbano tornou-se um dos maiores desafios do século XXI. Nesse contexto, Parques
Nacionais são criados (embora já houvesse alguns parques nacionais em atividade no Brasil e
em outros países), reservas florestais, reservas particulares, e áreas de proteção ambiental.
4.3. Os Espaços Territorialmente Protegidos
Desde o século XIX que no Brasil, existem espaços territorialmente protegidos com
finalidades distintas. Esses espaços foram criados, principalmente para garantir aos habitantes
de grandes cidades, um lugar aprazível, onde fossem celebrados encontros e manifestações,
como é o caso do Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Com o passar do tempo, esses espaços
passaram a ter outra conotação, sobretudo a de conservação de espécies vegetais nativas.
Estes, foram sendo criados por decretos presidenciais, estaduais e municipais ao longo do
século XX, sobretudo, após a década de 30, quando surgem as primeiras universidades
brasileiras, como a Universidade de São Paulo e a Universidade da Bahia, que passaram a
atribuir para si a orientação de pesquisas acadêmicas nas mais diferentes áreas do
conhecimento.
33
Com o passar dos anos, e com o envolvimento cada vez maior de setores ligados ao
ensino superior e pesquisa, vão surgindo mais espaços protegidos, que possuem diversas
nomenclaturas e finalidades. Parque Nacional, Parque Estadual, Parque Municipal, Reserva
Biológica, Área de Proteção Ambiental dentre outras, são denominações para esses espaços
protegidos. Embora o objetivo maior de justificar o surgimento desses espaços fosse a questão
Preservação-Conservação, era evidente que não havia um parâmetro institucional ou jurídico
que garantisse o surgimento de mais espaços ou a permanência dos já criados. Com isso, era
necessário estabelecer regras que garantissem a manutenção dos já criados e o surgimento de
novos, amparados por uma legislação específica.
Nesse sentido, em 1981 através da Lei Federal nº 6938 de 31 de Agosto de 1981, que
institui a Política Nacional de Meio Ambiente, surge o embrião jurídico de regulamentação da
gestão dos espaços territorialmente protegidos. Após esta lei, o Conselho Nacional de Meio
Ambiente, CONAMA, é instituído. A este, por sua vez, é delegada a responsabilidade de
discutir e deliberar, através de reuniões ordinárias, os assuntos relacionados ao meio
ambiente. Nestas reuniões, o presidente do Conselho, pode instituir, por meio de resoluções,
parâmetros ambientais que serão seguidos por todos os órgãos que fazem parte do Sistema
Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA).
Assim, quanto à questão dos espaços territorialmente protegidos, o CONAMA aprovou
diversas resoluções que estabelecem parâmetros que definem com mais clareza esta questão,
como, por exemplo, a resolução CONAMA 010 de 14 de dezembro de 1988, que define
parâmetros para o zoneamento ecológico-econômico das áreas de proteção ambiental em todo
o território nacional . Estes parâmetros serviram e servem de base para auxiliar o poder
público, seja ele federal, estadual ou municipal, na gestão dos espaços já definidos.
Entretanto, estas resoluções tratam apenas das APA’s (Áreas de Proteção Ambiental), ficando
as outras categorias, como parques e reservas, sem parâmetro jurídico nenhum.
É a partir da Lei Federal 9.985, de 18 de julho de 2000, que fica instituído o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Nesta lei, são criados parâmetros para
diferenciar cada espaço territorialmente protegido. Estes são classificados em duas categorias,
as de Proteção Integral e as de Uso Sustentável. Nas categorias de Proteção Integral, os
espaços são, em geral, destinados a preservação, isto é, é vetada sua utilização para qualquer
outro fim que não a proteção integral de seus recursos naturais (bióticos e abióticos), exceto
34
para a pesquisa científica. Já a categoria de Uso Sustentável, permite a utilização dos recursos
naturais (bióticos e abióticos) com certo grau de conservação. Com isso podemos dizer que na
categoria de Proteção integral é resguardada a Preservação dos recursos naturais, enquanto
que, na categoria de Uso Sustentável a questão da Conservação é discutida e aplicada, embora
saibamos da dificuldade de se administrar um território com interesses distintos em jogo.
A seguir, esboçamos um diagrama que tenta explicar de forma esquemática a dinâmica
do SNUC (Fig.1).
(Figura 1)
Diagrama 1
Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Sistema Nacional de Unidades de Conservação
S. N. U. C.
CATEGORIA DE PRESERVAÇÃO
CATEGORIA DE CONSERVAÇÃO
Não permite o usodireto
Permite o uso diretocom restrições
Unidades de Conservação Parque Nacional
Reserva Biológica
Unidades de Conservação Área de Proteção Ambiental
Reserva extrativista
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A partir desse ponto, verticalizaremos a discussão do modelo de gestão em uma Unidade
de Conservação de Uso Sustentável denominada APA (Área de Proteção Ambiental), objeto
de nossa pesquisa.
4.4. APA – Unidade de Conservação de Uso Sustentável
A partir da Lei Federal 9.985, de 18 de julho de 2000, os espaços territorialmente
protegidos ganham nova dimensão, pois através desse instrumento jurídico, as definições
sobre as Unidades de Conservação ganharam mais clareza e objetividade, uma vez que nesta
Lei são definidos critérios de gestão.
Nesse sentido, a APA, que se constitui em Unidade de Conservação de Uso Sustentável,
passa a ser regulamentada mais uma vez, já que algumas resoluções CONAMA, já definiam
em linhas gerais os critérios de gestão em APA’s. A preocupação em se definir parâmetros
de gestão para as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, como a APA, por exemplo,
se justifica mediante a possibilidade de utilização desses espaços por qualquer cidadão,
bastando ter o interesse de empreender qualquer atividade nesta Unidade de Conservação.
Muito embora existam parâmetros de gestão nas APA’s baseados nas legislações, nem
sempre o cuidado com a conservação dos recursos naturais são levados em consideração.
Ausência de amadurecimento da sociedade para atentar sobre a importância da conservação
dos recursos naturais para a sobrevivência de todos, perpetuando a qualidade dos ambientes e
da vida para as gerações futuras e também falta, de engajamento político, apesar das
legislações existentes explicam, pró-parte, a situação de descaso ou descuido com o ambiente.
O engajamento por parte da população, somente se processará quando a questão da
conservação dos recursos naturais se tornar significante para as pessoas. Atualmente, nos
parece que o maior objetivo da sociedade é se reproduzir, utilizando os recursos naturais de
forma a assegurar esta reprodução. Daí para muitos empreendedores e para boa parte da
sociedade, a questão da conservação fica relegada a segundo plano, haja vista que não houve,
e não há um debate político contundente na sociedade sobre a questão aqui abordada. Nos
parece pertinente as idéias de Brandão (1990) sobre a participação popular na construção
36
coletiva de uma sociedade, onde as instituições possuem um papel mediador importante: “(...)
no momento em que se tem um tipo de envolvimento agente-povo configurado e em processo
e no momento em que se tem uma associação de prática popular + prática de mediação (o
trabalho direto das comunidades e grupos populares com a participação e assessoria de
instituições e grupos de agentes comprometidos (...)”. Cabe ao Estado através de seus
mecanismos institucionais, como as secretarias e órgãos ligados à fiscalização e licenciamento
ambiental, as secretarias de educação dos estados e municípios, as instituições de ensino
superior e ao poder judiciário, promover este debate, propondo e agindo, a fim de tornar cada
vez mais socializada esta discussão.
37
5. APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO: UM MODELO
DE GESTÃO EM CONSTRUÇÃO
A lei do SNUC estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das
unidades de conservação no território federal, indicando seus usos preponderantes. Também
classificam as unidades de conservação em duas categorias, de Proteção Integral e de Uso
Sustentável. Nesse caso, nos interessam as unidades de uso sustentável, especificamente as
APA’s, que possuem um certo grau de ocupação humana, fazendo-se necessária a
participação da comunidade na sua gestão, pois é a comunidade, segundo a legislação
ambiental do Estado da Bahia, a co-responsável pela gestão das APA´s (muito embora a sua
participação seja meramente consultiva e não deliberativa).
O estado da Bahia possui posição suigeneris na questão ambiental no Brasil. Foi um dos
primeiros estados a constituir um Conselho para discutir a questão ordinariamente. Conhecido
inicialmente como Conselho Estadual de Proteção Ambiental (CEPRAM), este foi instituído
ainda no início da década de 1970, onde ainda era incipiente em todo o país a discussão
ambiental. No início da década de 1980, também é instituído um órgão estadual de
fiscalização e licenciamento ambiental conhecido como Centro de Recursos Ambientais
(CRA). Também este estado passou a criar leis que garantissem a ação dos órgãos ligados à
questão ambiental.
Quanto às Unidades de Conservação, o estado da Bahia conta hoje com
aproximadamente 100 unidades de Conservação, distribuídas pelas duas categorias de
classificação da lei federal de Unidades de Conservação. Estas unidades são de diversas
modalidades, geridas por órgãos federais, estaduais, municipais e pela iniciativa privada. As
primeiras Unidades de Conservação nos moldes estabelecidos pela legislação na Bahia foram
instituídas na década de 1980 embora, anterior a este período, já houvessem espaços
protegidos.
As APA’s estaduais foram criadas nesse período (meados de 1980), mas o processo de
criação destas Unidades de Conservação passou a ser mais intenso na década de 1990.
Atualmente existem 26 áreas de proteção ambiental, além de uma série de parques e reservas,
que territorialmente se concentram no litoral do estado, e em alguns pontos da Chapada
Diamantina. A concentração dessas APA´s no litoral, segundo Ignez Vidigal Lopes (1996), se
38
deve ao fato de que o governo do Estado da Bahia tem a intenção de barrar a ocupação
desordenada das áreas nobres do litoral e da Chapada Diamantina, considerados locais de
grande fluxo turístico do Estado. A propaganda oficial do governo utiliza essas áreas para
atrair investimentos no turismo, daí a preocupação em “conserva-los”. Na verdade, essas
frações do território baiano são consideradas “Unidades de Negócio”, já que são áreas que
possuem beleza cênica natural, motivando a atração de investimentos no turismo, justificando
assim a criação de tantas APA’s, em tão pouco tempo.
A conservação dos recursos naturais é tida como basilar para justificar a criação das
APA’s, porém, se levarmos em consideração toda a discussão anterior sobre a participação
popular nos mecanismos de gestão desses espaços territorialmente protegidos, veremos que
mesmo com toda preocupação, o governo poderá não conseguir implementar, de fato, a
política estadual de meio ambiente, já que o critério de criação dessas unidades de
conservação possui um viés econômico, não ambiental. Exceto algumas poucas APA’s como
a do rio Joanes e do rio Ipitanga, da Bacia do Cobre e a do Lago de Pedra do Cavalo, que
possuem claro objetivo de conservar os recursos hídricos que abastecem a região
metropolitana de Salvador, além de Feira de Santana e região, quase todas as outras 23
APA’s, possuem forte e clara conotação turística, econômica, evidenciando uma política
ambiental pautada no empreendedorismo do território, que é cada vez mais utilizado como
oportunidade de negócio.
Nesse caso, percebemos que o território é apropriado de forma verticalizada, isto é,
aquele que possui o poder econômico acaba ditando as regras para a apropriação e uso dos
recursos naturais, evidenciando que a intenção deliberada “é visualizar” o território como
oportunidade de negócio, não como locais que, por sua natureza ambiental relevante,
necessitam de um cuidado especial.
Em 1997, através da assinatura do Decreto Estadual 6.548 de 18 de julho daquele ano, o
governo do estado da Bahia, cria a APA Lago de Pedra do Cavalo como mostra a figura 2 e
figura 3. Este lago foi criado para abastecer de água potável, a região metropolitana de
Salvador e a região de Feira de Santana, através do barramento do rio Paraguaçu (e seu
principal tributário, o rio Jacuípe), no seu médio-baixo curso, beneficiando algo em torno de 4
milhões de pessoas. A barragem entrou em operação em 1985 e o sistema de abastecimento
de água dois anos depois.
41
O sistema Pedra do Cavalo de abastecimento de água, surge no período dos grandes
investimentos estatais no Brasil, sobretudo na segunda metade da década de 1970 (Germaine,
1993). Assim como outros grandes empreendimentos ligados à questão energética, a
barragem de Pedra do Cavalo foi projetada e pensada para múltiplos usos, isto é
abastecimento, geração de energia elétrica, pesca, irrigação e turismo na área circundante ao
lago. Muitos empreendimentos similares foram realizados no mesmo período (Itaipu,
Sobradinho, Itaparica), que possuíam, segundo relatórios da época, o objetivo de estimular o
progresso do país.
No caso de Pedra do Cavalo, após a operação do sistema de abastecimento de água,
muitas pessoas passaram a adquirir áreas no entorno do lago formado, se utilizando deste
objeto geográfico para fins de lazer, o que Roberto Lobato Correa (1989) chama de lugares de
amenidades, já que parte do lago localiza-se junto à segunda maior cidade do Estado da
Bahia, Feira de Santana, que possui pouquíssimas áreas aprazíveis de interesse para a
especulação imobiliária. O objetivo maior de se criar esta APA, foi garantir a qualidade da
água deste grande manancial que se estende por 10 municípios (Feira de Santana, São
Gonçalo dos Campos, Conceição da Feira, Cachoeira, São Felix, Muritiba, Governador
Mangabeira, Cabaceiras do Paraguaçu, Santo Estevão e Antônio Cardoso). Essa APA possui
30 000ha de área, margeando todo o lago que tem uma área inundada de 186 km2. O CRA é o
órgão responsável pela gestão deste espaço, embora existam outros co-gestores como a
Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), responsável pela captação e distribuição
da água do lago; os municípios que margeiam o lago através de seus representantes, já que
boa parte do território da APA se encontra nestes lugares; o grupo Votorantin que ganhou a
concorrência pública para a exploração da barragem para geração de energia elétrica; e a
própria sociedade local, que foi “ convocada” a participar da gestão da APA, mesmo sem a
sua prévia consulta.
Esse lago foi projetado inicialmente para ter múltiplos usos como dito anteriormente. O
governo do Estado criou uma instituição específica para o empreendimento, a DESENVALE
(Companhia de Desenvolvimento do Vale do Paraguaçu) que tinha o objetivo de estimular e
promover o desenvolvimento do vale do rio Paraguaçu. Quando da sua formação, as áreas que
margeiam o lago ainda não tinham sido definidas como área de proteção ambiental (APA),
42
embora ficasse implícita a questão da conservação do manancial hídrico para abastecimento
da população.
O grande desafio da gestão desta APA, é sem sombra de dúvidas, a participação da
comunidade, pois no período de formação do lago, muitas famílias foram relocadas de suas
propriedades, através de um processo de desapropriação de terras. Algumas áreas
desapropriadas, pertenciam a grandes fazendeiros da região, que viam na desapropriação uma
forma de conseguir bons dividendos pelas suas terras. Outras pertenciam a pequenos
agricultores e moradores ribeirinhos ao rio Paraguaçu e Jacuípe (principal afluente do
Paraguaçu), que tiveram que se organizar através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para
conseguir do governo estadual da época, um processo de reassentamento que garantisse às
famílias ribeirinhas a terra para dela sobreviver.
O fato que se discute hoje é que muitas famílias perderam terras para que o Estado
promovesse seu interesse na área, entretanto esse processo não aconteceu de uma forma tão
pacífica, uma série de reuniões foram travadas entre os ribeirinhos e o governo do estado,
para garantir a sobrevivência das pessoas. Uma série de decisões tomadas arbitrariamente, na
época do enchimento do lago, por pouco não causou a morte de pessoas, fato recordado por
dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão, nas reuniões realizadas
pelo CRA em parceria com a Universidade Estadual de Feira de Santana nas comunidades
hoje reassentadas; nos órgãos estaduais que atuam na área como EBDA e CAR; e em
entrevista com a ex-assessora do presidente da extinta DESENVALE.
Assim, percebemos que o empreendimento Pedra do Cavalo também trouxe muitos
problemas, principalmente aqueles que ali moravam antes da barragem, e que tinham um
sentimento de pertencimento ao lugar, o que a geografia através de vários autores como
Santos e Haesbert, define como Territorialidade. Ao passo que essas pessoas vão sendo
retiradas do seu local de origem, passam pelo processo de Desterritorialidade, isto é, as
pessoas de um determinado lugar são forçadas a sair daquele lugar onde constituíram suas
vidas por uma força maior, que nesse caso é o próprio Estado, que utiliza seu poder
institucional, jurídico e econômico para modificar uma situação já estabelecida.
Mesmo depois de muitos anos, muitas famílias ainda esperam por parte do governo, uma
resolução quanto à questão dos reassentamentos, já que a situação de muitas pessoas ainda
não foi regularizada. Atualmente, existem problemas relacionados ao reassentamento desses
43
moradores, de todas as ordens, e que dificultam a gestão da Área de Proteção Ambiental,
vejamos as principais:
1- Famílias que receberam a terra, o título e a casa (os reassentados de fato);
2- Famílias que receberam a terra, a casa, mas não o título (estas não conseguem
nenhum tipo de empréstimo para financiar a agricultura familiar pois não estão
legalmente regularizadas);
3- Famílias que não receberam terra, casa ou título (estas famílias foram marginalizadas
desse processo. Concentram-se no Município de Antonio Cardoso). (Foto 1).
Quanto à forma como foi realizado o processo de reassentamento, Germaine (1993) nos
esclarece, através do capítulo IX de sua tese do doutoramento intitulado “Los proyectos de
reasentamiento de población”, alguns critérios utilizados pelo governo estadual para definir
como as famílias seriam reassentadas:
(...) Mientras tanto la DESENVALE definía los criterios para el plan de reasentamiento. La población debería ser reasentada en sus municipios de origen(...). Cuando el proyecto tuviese menos de cuarenta familias seria considerado de “relocalización” y no contaría con infraestructura comunitaria. Cuando fuera de más de cuarenta familias seria considerado proyecto de “reasentamiento” y seria construida toda la infraestructura comunal. Formaban parte del programa de reasentamiento o de relocalización las familias de posseiros, aparceros, renteros o de pequeños propietarios con área total o parcialmente afectada y que perdieron también sus casas. (...) Germaine (1993, pg. 601)
Ainda segundo Germaine haviam 1660 famílias cadastradas, das quais 700 estavam
cadastradas na primeira etapa, 230 na segunda e as 730 restantes seriam indenizadas por
constituírem-se de médios ou grandes proprietários. Quanto à estrutura dos lotes, casas e
núcleos de reassentamento, Germaine explica que:
(...) Los proyectos estarían divididos en unidades familiares y a cada familia correspondería una parcela de 10 tarefas (4,34 ha) . El sindicato protestó contra esta medida dado que el módulo rural establecido por el Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), teniendo en cuenta las especificidades de la región, era de 72 tarefas (31,30 ha) (...) En algún momento la empresa intentó que el INCRA asumiese los trabajos pero esta alternativa no fue adoptada(...) (...) En este clima se realizó la primera etapa del reasentamiento de la población: 700 familias que totalizan 3535 personas, distribuidas en quince núcleos situados en las márgenes del embalse o en sus proximidades. De ellos catorce son rurales y uno, el Distrito João Durval
44
Carneiro, es un núcleo urbano. Restaba las 230 familias que fueron seleccionadas para la segunda etapa (...) (...)Las casas que encontraron eran superiores a las que tenían en el área inundada. El modelo era único: un depósito, dos cuartos, sala, comedor, cocina, sanitario y terraza. Las casas estaban ubicadas en las parcelas y tenían cercado. En un primero momento, la comparación de las casas nuevas con las antiguas construidas de tapia sirvió como propaganda del proyecto. (...) Germaine (1993, pg. 603 e 604).
A respeito do total de famílias reassentadas nas duas etapas, segue em anexo um
quadro contendo estas informações.
(Foto 1) – Casa
típica de um núcleo de Reassentamento no município de Antônio Cardoso, às margens do Lago de
Pedra do Cavalo.
Por isso, nos três pilares da gestão de um território, mencionados anteriormente, a
participação da sociedade deve ser perseguida, até mesmo priorizada, devido ao fato de
tentarmos compartilhar com estas pessoas a responsabilidade da conservação de um recurso
natural, embora tenhamos a clareza que, para ocorrer uma gestão plena de uma APA, seja
necessário que seus atores estejam afinados com a proposta, que isto possua significância para
eles, que de fato, isto esteja ligado ao cotidiano destas pessoas. Entretanto, quando
identificamos esse histórico de lutas por parte da população local, percebemos que essa não é
uma tarefa fácil, nem tão pouco, pacífica.
45
5.1. Mecanismos de Gestão da APA: Políticas Públicas e Participação
Popular.
Face ao exposto anteriormente, cabe aqui uma reflexão sobre políticas públicas voltadas
para a gestão das Unidades de Conservação, em especial as APA’s. A primeira observação
gira em torno do papel do Estado, que ao longo dos últimos 30 anos incorpora aos seus
mecanismos de intervenção a “preocupação” com o meio ambiente (Preservação,
Conservação, Fiscalização, Licenciamento e Educação Ambiental), mudando aos poucos a
rotina de gestão do território, ao coordenar novos procedimentos às intervenções no espaço. A
segunda observação diz respeito a ascensão, em um espaço de tempo mais curto (vinte anos),
de mecanismos jurídicos que balizam e norteiam as ações estatais, sobretudo após a
promulgação da Constituição de 1988 e da CNUMAD (Conferência da Nações Unidas para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento), onde uma série de Leis, Decretos, Resoluções,
amparados pela Constituição, foram criados, afim de assegurar um maior controle sobre a
utilização dos recursos naturais.
Essas duas observações anteriores nos garantem afirmar que, de fato, há uma adoção
clara de política pública para o meio ambiente (embora isso não signifique que esses
mecanismos sejam aplicados corretamente). Essa adoção se processa principalmente, quando
percebemos que hoje, ao se propor qualquer projeto de pequeno, médio, grande ou
excepcional impacto ambiental, é, pelo menos, levado em consideração alguns preceitos
jurídicos, e o papel de instituições como o Ministério Público e ONG’s são fundamentais para
a fiscalização da aplicação desses mecanismos de gestão.
Quanto à gestão desses mecanismos em uma APA, e em especial a APA foco desta
pesquisa (Lago de Pedra do Cavalo), podemos propor, baseado nos documentos jurídicos
(Leis, Decretos e Resoluções), na ação dos órgãos responsáveis pela gestão e, acima de tudo
na participação popular, um tripé de gestão que pode ser representado por um diagrama
(Fig.4) que indica a complementaridade dos papéis de cada ator envolvido no processo, de
forma a assegurar um equilíbrio eqüitativo de forças na gestão da APA, que são:
46
(Figura 4)
Diagrama 2
Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Embora o diagrama represente um equilíbrio de forças, com setas que indicam fluxos de
ações que se complementam, afim de que possa garantir a legitimidade da gestão da APA Lago
de Pedra do Cavalo a todos os envolvidos, esta segue orientação do órgão executor da Política
Estadual de Meio Ambiente (CRA). Este, através de uma política de gestão das Unidades de
Conservação – APA, definida majoritariamente pelo estado, desequilibra o poder de
participação ou intervenção dos segmentos subordinados. Isto se deve ao fato de que a própria
legislação estadual de meio ambiente, delega à comunidade apenas participação passiva, isto é,
nos termos jurídicos, consultiva. Logo, a equação de forças resultará sempre em uma
imposição do poder do Estado sobre as questões mais delicadas na gestão da APA, como por
exemplo a liberação de empreendimentos que causem grandes impactos ambientais. Dessa
forma, representamos, em um outro diagrama, a atual composição de forças na gestão da APA:
INSTITUIÇÕES(DDF,UEFS,EBDA)
MECANISMOS JURÍDICOS
(Leis,Decretos, Resoluções)
PARTICIPAÇÃO POPULAR
(Comunidades, Cooperativas)
GESTÃO DA APA
LAGO DE PEDRA DO CAVALO
(CRA) Coordenador
47
(Figura 5)
Diagrama 3
Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Assim podemos utilizar alguns termos de pensadores geógrafos para ajudar na
interpretação dessas questões. O primeiro é Rogério Haesbaert quando discute sobre a questão
da territorialidade. O autor ao utilizar o termo, evidencia que a territorialidade é um processo
de identificação de um povo ao lugar onde se vive, criando laços de afetividade e idéia de
pertencimento a este lugar. Logo, em uma APA, que possui um histórico de intervenções
estatais onde a população local sempre é convidada a participar das decisões apenas no
momento que esta já foi tomada, fica difícil a garantia de uma gestão legítima e,
conseqüentemente participativa, já que não são respeitados elementos da subjetividade deste
povo, que cria laços afetivos com este lugar (como o sentimento de pertencimento), que
poderiam ser aproveitados para auxiliar esta gestão se, na política estadual ambiental, esta
participação de fato ocorresse de forma a garantir voz a estas comunidades, nas tomadas de
decisão.
Ainda sobre esta questão, também podemos levar em consideração o pensamento do
geógrafo Milton Santos (1994, 1996), quando discute sobre os conceitos de horizontalidade e
verticalidade. Estes, segundo o referido autor, tratam das questões de intervenção no território,
isto é, como o território é pensado e apropriado segundo estes dois conceitos. O conceito de
Horizontalidade leva em consideração a idéia de tomada de decisão a partir dos elementos mais
GESTÃO DA APA LAGO DE PEDRA DO
CAVALO (CRA)
Coordenador
INSTITUIÇÕES (DDF,UEFS,EBDA)
PARTICIPAÇÃO POPULAR
(Comunidades, Cooperativas)
MECANISMOS JURÍDICOS
(Leis,Decretos, Resoluções)
48
próximos do território, isto é, dos atores locais, dos recursos naturais disponíveis no local,
dinâmica e circulação dos fluxos, sejam eles de qualquer natureza, no local, além da relação
afetiva existente entre a população e este território (lugar das emoções, da afetividade, do
vivido). Ainda neste conceito, os benefícios serão mais bem distribuídos no território, quanto
maior for a capacidade dos atores locais de se organizarem e promoverem a circulação
horizontal dos fluxos (aqui associados às tomadas de decisões, idéias, recursos financeiros,
materiais e culturais). Já a verticalidade, será o oposto. O conceito de verticalidade se associa
ao que vem de cima, isto é, de um lugar exterior ao território, onde o que se produz no lugar
não fica naquele mesmo lugar, mas é transferido para uma realidade que não é aquela, ficando
o território desprovido de fluxos que garantam a sua auto-sustentação. O território é, assim,
utilizado como suporte para outros desígnios que não o desenvolvimento local, não garantindo
a reprodução social no lugar.
Dessa forma, nos parece que a gestão do território nas APA`s do estado da Bahia, passa
pela lógica das verticalidades e não das horizontalidades, pois se, como dito anteriormente, o
território em APA é visto como oportunidade de negócio, ainda que se tenham propostas de
desenvolvimento local, as tomadas de decisão serão sempre exteriores ao lugar, já que a
legislação não garante poder de decisão e voz ao atores locais desses espaços, ou seja, as
comunidades. Estas podem ser representadas através dos sindicatos de trabalhadores rurais, de
pescadores, associações, cooperativas, entre outras formas de organização. Cada vez mais, o
território baiano é retalhado desses espaços especialmente protegidos com o objetivo de
estimular o desenvolvimento, porém nenhum instrumento jurídico ou institucional garante a
efetiva participação dos atores locais no processo de gestão dessas áreas.
Como ocorre então a delimitação e criação desses espaços especialmente protegidos?
Segundo a Lei Estadual Nº 7.799, de 07 de Fevereiro de 2001, para que uma gestão de
APA seja efetivada é necessário que esta passe pelas seguintes etapas:
1- Criação da APA – Delimitação do espaço territorial ambientalmente relevante,
através de decreto governamental;
2- Diagnóstico Ambiental – Estudo interdisciplinar que tem o objetivo de evidenciar a
situação de qualidade ambiental da APA (recursos naturais, fauna, flora, grau de
ocupação humana, indicadores sócio-econômicos) e seus principais conflitos;
49
3- Conselho Gestor – Conselho com caráter consultivo, constituído de membros do
CRA, prefeituras, comunidades, empresas, ONG’s, universidades, com intuito de
discutir os passos da gestão da APA;
4- Zoneamento Ecológico-Econômico – Definição de setores na APA onde podem ser
realizadas atividades ou não, indicando áreas de Preservação Integral ou Áreas de
Uso Sustentável, estabelecidas pela legislação federal , estadual e municipal;
5- Plano de Gestão – Plano discutido e aprovado por todos os interessados na gestão da
APA, como aqueles já citados no conselho gestor. Este plano tem o papel de definir
cenários futuros para a gestão, muito embora essa gestão não possua um caráter de
legitimidade com os atores locais, ou seja, a gestão é da autonomia do estado.
Esboçamos um diagrama que sintetiza os passos da gestão da APA:
(Figura 6)
Diagrama 4
Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Delimitação do Espaço territorial
Diagnóstico Ambiental
Formação do Conselho Gestor
Zoneamento Ecológico-Econômico
Plano de Gestão
50
Essas etapas que toda gestão de APA deve seguir baseadas na legislação federal e
estadual e municipal, se constituem de um verdadeiro aprendizado para aqueles que lidam
com a temática, pois esta é uma clara definição de política pública para a gestão das áreas de
proteção e seus recursos naturais, políticas essas que seguem uma tendência que vem se
firmando a partir da Constituição de 1988, onde a participação dos municípios e da sociedade,
é uma premissa básica, porém, em algumas leis essa participação é apenas de caráter
consultivo como dito anteriormente. Se de fato a participação da sociedade fosse levada em
consideração como rege a Constituição de 1988, a gestão ambiental e especialmente a de
Unidades de Conservação (que restringe em muitos aspectos, a utilização dos recursos naturais,
já que, muitas vezes o critério de criação dessas UC´s leva em consideração as características
naturais do lugar e sua importância) teria um caráter eminentemente participativo, coisa que
estamos questionando neste trabalho.
No caso da APA Lago de Pedra do Cavalo, o recurso natural mais importante é a água,
pois esse foi fator decisivo para que se criasse tal Unidade de Conservação. A qualidade e as
condições de potabilidade devem estar satisfatórias com o que se prevê em legislação, daí a
necessidade de sensibilizar a comunidade circundante ao lago. Mas diante do exposto, é muito
difícil assegurar a participação da comunidade, já que a mesma é apenas informada das
mudanças quando estas já ocorreram e sua capacidade de reversão das decisões é praticamente
inexistente, ressalvando, neste caso, quando da organização dessa mesma comunidade para
reivindicar e questionar determinadas deliberações governamentais.
Para além dessa discussão, podemos também considerar uma falha na gestão da APA de
Pedra do Cavalo que diz respeito à delimitação do território da mesma pois, não se levou em
consideração a posição de nascentes, a bacia hidrográfica, e também um plano de
monitoramento que agregasse as APA`s de Marimbus-Iraquara na Chapada Diamantina, à
montante da APA do Lago de Pedra do Cavalo, e a APA Baía de Todos os Santos, que fica à
jusante, o que constitui um erro já que o objetivo de se criar esta APA é garantir a qualidade
das águas.
A APA Marimbus-Iraquara é extremamente importante para a conservação e
preservação do Lago de Pedra do Cavalo, já que a maior parte das nascentes do rio Paraguaçu
estão localizadas nesta APA, entretanto, percebemos que não existe nenhum tipo de plano ou
projeto que pudesse fazer uma gestão mais integrada nestas APA´s, solicitando, por exemplo,
51
maior ação de outros órgãos como IBAMA, D.D.F. e S.R.H., nas áreas que não
compreendessem os territórios das respectivas APA`s. Daí chega-se a conclusão que a área
territorial da APA poderia ser ampliada para que nascentes e tributários estratégicos pudessem
ser incorporados à mesma, ou que houvesse uma maior discussão entre os atores envolvidos
para se tentar fazer uma gestão dos recursos hídricos mais eficaz, já que estamos tratando de
uma APA criada com objetivo de garantir a qualidade das águas para abastecimento da
população.
5.2. Conflitos Ambientais na APA
Sem dúvida, o maior problema da gestão da APA do Lago de Pedra do Cavalo, não está
somente ligado à questão da contaminação do manancial hídrico nem tão pouco ao volume do
lago, mas principalmente ao cenário social que encontramos, cenário esse que foi construído
por uma série de equívocos realizados pelo governo do estado, quais sejam:
1- Desapropriação compulsória para viabilidade do empreendimento;
2- Relocação das famílias ribeirinhas, sem um claro e objetivo plano de reassentamento
que garantisse às famílias relocadas um processo tranqüilo e sem muitos conflitos;
3- A não delimitação, através de marcos, da cota de inundação do lago para facilitar a
identificação do mesmo, evitando construções ilegais; invasão de áreas de
preservação permanente previstas em lei federal; e elaboração de projetos que
viabilizassem o plantio da mata ciliar;
4- A instalação dos núcleos de reassentamento nas áreas previstas em lei como sendo de
preservação permanente;
5- A não conclusão do processo de reassentamento;
6- A demora na entrega dos títulos de terra aos reassentados, dificultando o
desenvolvimento da agricultura familiar, onde o produtor necessita de documentação
do imóvel averbada em cartório para garantir financiamento por parte de instituições
financeiras.
52
Em conjunto, esses problemas catalisam a dificuldade de gerir este território, já que a
gestão do mesmo necessita de engajamento da comunidade. Além disso, o lago fica próximo a
segunda maior cidade do estado da Bahia (Feira de Santana) e suas águas têm servido
principalmente para o lazer das famílias de renda média a elevada da cidade, que constróem
suas casas até a cota de inundação do lago, 124 metros, e na área prevista em legislação como
de proteção permanente (faixa horizontal de 100 metros a partir da cota máxima de inundação
do lago).
Em entrevista à administradora da APA, ligada ao CRA, fomos informados que no início
da gestão muitas pessoas foram advertidas por construírem suas casas na beira do lago,
principalmente da classe média alta de Feira de Santana e região, entretanto, muitos utilizam
sua influência política para permanecer com suas casas de alto padrão construtivo até a
margem. A situação das advertências emitidas pelo CRA na APA do Lago de Pedra do Cavalo
desde o início da administração desta Unidade de Conservação é a seguinte:
Quadro 1 ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA NA APA
DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO Ano Quantidade 1999 2000 2001 2002
131 13 4 0
Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma Quadro 2
ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO
POR MUNICÍPIOS - 1999 Município Quantidade
1. Antônio Cardoso 2. Cabaceiras do Paraguaçu 3. Cachoeira 4. Conceição da Feira 5. Feira de Santana 6. Governador Mangabeira 7. Muritiba 8. Santo Estevão 9. São Felix 10. São Gonçalo dos Campos
2 24 0 0
62 1 0
17 0
25
Total 131 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
53
Quadro 3
ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO
POR MUNICÍPIOS - 2000 Município Quantidade
1. Antônio Cardoso 2. Cabaceiras do Paraguaçu 3. Cachoeira 4. Conceição da Feira 5. Feira de Santana 6. Governador Mangabeira 7. Muritiba 8. Santo Estevão 9. São Felix 10. São Gonçalo dos Campos
0 1 0 1 4 1 2 1 1 2
Total 13 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma Quadro 4
ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO
POR MUNICÍPIOS - 2001 Município Quantidade
1. Antônio Cardoso 2. Cabaceiras do Paraguaçu 3. Cachoeira 4. Conceição da Feira 5. Feira de Santana 6. Governador Mangabeira 7. Muritiba 8. Santo Estevão 9. São Felix 10. São Gonçalo dos Campos
0 0 1 0 1 0 0 1 0 1
Total 4 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Quadro 5 ADVERTÊNCIAS EMITIDAS PELO CRA
NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO POR MUNICÍPIOS - 2002
Município Quantidade 1. Antônio Cardoso 2. Cabaceiras do Paraguaçu 3. Cachoeira 4. Conceição da Feira 5. Feira de Santana 6. Governador Mangabeira 7. Muritiba 8. Santo Estevão 9. São Felix 10. São Gonçalo dos Campos
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 0 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
54
Diante dos números dos quadros e do gráfico acima, podemos tecer algumas
considerações:
A maior parte das advertências foram emitidas no ano de 1999, seguidas do ano 2000 e
2001. No primeiro ano de implementação da gestão, através de uma sede administrativa e um
técnico do CRA, foram identificadas inúmeras irregularidades, principalmente na cidade de
Feira de Santana, constituindo-se de um verdadeiro levantamento dos problemas nessa
Unidade de Conservação. Isto indica que antes da administração realizada pelo CRA na APA,
não havia um monitoramento freqüente dos problemas ambientais no lago, ainda que, o CRA
dispusesse de um escritório de fiscalização regional em Feira de Santana. Isto se deve ao fato
de que o modelo de gestão de APA não havia sido implantado em Pedra do Cavalo, embora o
decreto de criação desta Unidade de Conservação seja de 1997.
Nos anos seguintes, os infratores foram sendo visitados, afim de que cumprissem com o
que determina a legislação. Apesar dos esforços, muitos não seguiram as recomendações da
legislação ambiental. No ano de 2001, quando a nova lei ambiental estadual passou a vigorar,
transfere para o setor de fiscalização do CRA na sede do órgão em Salvador, a aplicação de
advertências e multas, ficando o técnico responsável pela administração da APA, a cargo de
estabelecer contatos e realizar parcerias com as prefeituras, órgãos estaduais, universidades,
ONG´s e comunidades para melhor legitimar a ação do CRA nas APA´s.
Figura 7 Gráfico 1
Advertências emitidas pelo CRA por Municípios 1999/2002 APA Lago de Pedra do Cavalo
010203040506070
A. Card
oso
Cacho
eira
Conc.
da Feir
a
F. de S
antan
a
G. Man
gabe
ira
Muritib
a
1999200020012002
55
Daí, para os anos de 2001 e 2002, haver uma queda abrupta dos valores de advertências e
multas emitidos pela sede administrativa da APA em Feira de Santana. Algumas destas
advertências resultaram em multas como veremos nos quadros a seguir:
Quadro 6 MULTAS EMITIDAS PELO CRA NA APA
DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO Ano Quantidade 1999 2000 2001 2002
0 5 1 0
Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Quadro 7 MULTAS EMITIDAS PELO CRA
NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO POR MUNICÍPIOS - 1999
Município Quantidade
1. Antônio Cardoso 2. Cabaceiras do Paraguaçu 3. Cachoeira 4. Conceição da Feira 5. Feira de Santana 6. Governador Mangabeira 7. Muritiba 8. Santo Estevão 9. São Felix 10. São Gonçalo dos Campos
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 0 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Quadro 8 MULTAS EMITIDAS PELO CRA
NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO POR MUNICÍPIOS - 2000
Município Quantidade
1. Antônio Cardoso 2. Cabaceiras do Paraguaçu 3. Cachoeira 4. Conceição da Feira 5. Feira de Santana 6. Governador Mangabeira 7. Muritiba 8. Santo Estevão 9. São Felix 10. São Gonçalo dos Campos
0 0 0 1 4 0 0 0 0 0
Total 5 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
56
Quadro 9 MULTAS EMITIDAS PELO CRA
NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO POR MUNICÍPIOS - 2001
Município Quantidade
11. Antônio Cardoso 12. Cabaceiras do Paraguaçu 13. Cachoeira 14. Conceição da Feira 15. Feira de Santana 16. Governador Mangabeira 17. Muritiba 18. Santo Estevão 19. São Felix 20. São Gonçalo dos Campos
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Total 1 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
Quadro 10
MULTAS EMITIDAS PELO CRA NA APA DO LAGO DE PEDRA DO CAVALO
POR MUNICÍPIOS - 2002 Município Quantidade
1. Antônio Cardoso 2. Cabaceiras do Paraguaçu 3. Cachoeira 4. Conceição da Feira 5. Feira de Santana 6. Governador Mangabeira 7. Muritiba 8. Santo Estevão 9. São Felix 10. São Gonçalo dos Campos
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 0 Fonte: Centro de Recursos Ambientais Elaborado por Eduardo Gabriel Palma
As multas emitidas pelo CRA, resultam de reincidências dos infratores, principalmente,
daqueles que possuem empreendimentos as margens do lago, o que contraria a lei federal
4771/65 e estadual 6569/97, que tratam das áreas de preservação permanente nas margens de
rios e lagos, proibindo qualquer construção nessas áreas tidas como de extrema importância
para a preservação dos mananciais (foto2).
57
(Foto 2) – Área de
preservação permanente no trecho do rio Paraguaçu na altura do município de Governador Mangabeira.
Diante dos números podemos tecer algumas considerações, mediante os contatos
mantidos com o CRA em Feira de Santana e Salvador: Primeiro, no início da administração da
APA, o técnico responsável pela U.C. em Feira de Santana, fazia os seguintes procedimentos:
Figura 8Gráfico 2
Multas emitidas pelo CRA por Municípios 1999/2002 APA do Lago Pedra do Cavalo
0123456789
10
A. Card
oso
Cacho
eira
Conc.
da Feir
a
F. de S
antan
a
G. Man
gabe
ira
Muritib
a
1999200020012002
58
fiscalização ambiental, licenciamento ambiental, recebimento de denúncias, atendimento ao
público, contato com as comunidades, com outros órgãos e instituições.
Atualmente a fiscalização (que gera processos de advertências e multas) e o
licenciamento são feitos por coordenações específicas na sede do CRA em Salvador, enquanto
que a administração local da APA, em Feira de Santana, orienta e encaminha esses
procedimentos para a sede do CRA. Essa nova orientação foi positiva para a gestão da APA,
pois o tempo para manter contatos com a comunidade e outros órgãos e instituições foi
dilatado, facilitando uma maior penetração das ações nos municípios que fazem parte da APA.
Porém, mesmo com esta maior penetração, o problema mais comum na APA de Pedra do
Cavalo é a quantidade de famílias que foram reassentadas, pelo próprio estado, na década de
80, em área de preservação permanente. Germaine (1993), trata dessa questão quando afirma
que muitas das empresas ou o próprio Estado, a fim de amenizar os efeitos do deslocamento
compulsório das pessoas nas áreas inundadas, procuraram reassenta-las próximas as margens
desses lagos, como em Sobradinho e Pedra do Cavalo (Foto 3). Essa foi uma estratégia
encontrada, pelo governo, para amenizar o impacto causado às famílias ribeirinhas, que a essa
época moravam na beira dos rios Paraguaçu e Jacuípe, como forma de “compensar” suas
perdas (casa, terra, plantações, história, afetividade com o lugar). Estas pessoas, segundo a
legislação florestal, deveriam estar fora dessas áreas, uma vez que estas ocupam áreas de
preservação permanente. Entretanto, administrar esse passivo não é tarefa muito fácil, é
necessário que o Estado negocie alternativas inteligentes para atrair a comunidade para dentro
da gestão da APA como parceira. Mas diante do exposto, não nos parece que tenha sido essa a
intenção. A receptividade dessas pessoas em relação à questão ambiental é quase nenhuma,
pois para além de todos esses problemas, já receberam advertências por parte do órgão
ambiental para saírem dessas áreas, embora, o próprio estado não tenha se atentado para a
questão legal e também para a questão subjetiva, que incorpora o sentimento de pertencimento
de pessoas aos locais de sua origem, a partir da construção de suas vidas, na produção do
espaço e também na afetividade, portanto se territorializando.
59
(Foto 3) – Famílias de pequenos
agricultores as margens do lago de Pedra do Cavalo, na área definida em legislação como de preservação permanente no município de Antônio Cardoso.
Para além da ocupação em áreas de preservação permanente, há também o problema de
contaminação causado pelo despejo de efluentes industriais e residenciais no lago oriundos de
Feira de Santana, Antônio Cardoso, São Gonçalo dos Campos, Cabaceiras do Paraguaçu, Santo
Estevão e Conceição da Feira. Feira de Santana, que atualmente conta com uma população
aproximada de 500 mil pessoas, não possui um sistema de tratamento de esgotos eficiente. A
cidade está situada num interflúvio de três bacias hidrográficas, rios Pojuca, Subaé e Jacuípe.
Por não possuir um sistema de tratamento eficiente, as águas das três bacias acabam sendo
contaminadas por efluentes de origem doméstica e também industrial, principalmente os dos
rios Subaé e o Jacuípe.
Esse problema de contaminação entra em conflito com o que determina a legislação
ambiental, uma vez que os mananciais que servem ao abastecimento, não devem receber
nenhum tipo de efluentes, mesmo tratados. Em Pedra do Cavalo a situação é preocupante, uma
vez que as cidades citadas anteriormente não tratam seus efluentes, que são despejados in
natura no lago. Além das sedes municipais, existem também os distritos que têm uma
população significativa às margens de Pedra do Cavalo como Capoeiruçú que pertence a
Cachoeira e, Geolândia, distrito de Cabaceiras do Paraguaçu, como mostra a foto4.
60
(Foto 4) – Distrito de
Geolândia em Cabaceiras do
Paraguaçu, as margens do lago
de Pedra do Cavalo.
Outro problema que atinge Pedra do Cavalo é o destino de resíduos sólidos produzidos
pelas cidades e seus distritos. Quase todos os municípios que estão na APA não possuem aterro
sanitário, exceto Muritiba, Gov. Mangabeira, Cachoeira e São Felix, que através do governo
estadual possuem um aterro consorciado, entretanto existem problemas quanto ao tratamento
do chorume, manejo de resíduos especiais (hospitalar, borracha sintética, entre outros), além de
ficar próximo ao lago. Feira de Santana possui um grande depósito de lixo na área de
influência da APA, estando este numa situação topográfica não muito favorável, já que está
localizado na parte superior do tabuleiro, drenando todo o material produzido (chorume) para o
manancial de Pedra do Cavalo. A prefeitura recentemente fez algumas melhorias no depósito
de lixo no sentido de disciplinar o destino dos resíduos sólidos, contudo, a impermeabilização
necessária para garantir a não-contaminação do lençol freático, não foi realizada. Outros
municípios menores como Antônio Cardoso, São Gonçalo dos Campos, Cabaceiras do
Paraguaçu, Conceição da Feira e Santo Estevão, não possuem também, um manejo adequado
dos seus resíduos sólidos, o que agrava a situação de contaminação em Pedra do Cavalo.
(Anexos 4 e 5).
O Centro Industrial do Subaé, terceiro maior distrito industrial do estado, também lança
seus efluentes no lago de Pedra do Cavalo. Muitas empresas possuem sistema de tratamento de
efluentes, mas não se sabe até que ponto este tratamento é eficiente, além das empresas que
não dispõem deste serviço, o que preocupa, uma vez que o manancial serve para abastecer de
água, algo em torno de 4 milhões de pessoas. Então questionamos como fazer para conciliar
tantos interesses, buscar soluções para tantos problemas? Será que a gestão da APA deve ser
61
feita apenas pelo órgão executor da política estadual de meio ambiente (CRA)? Ou essa gestão
deva ser cada vez mais participativa, aglutinando cada vez mais atores dos diversos segmentos
da sociedade, a fim de que se possa encontrar alternativas que contemplem os interesses, sem
prejudicar a conservação dos recursos naturais encontrados na APA.
Esse ponto talvez seja o de maior importância para aqueles que lidam com a gestão
ambiental. Como conciliar conservação-preservação com as atividades do homem? Como
podemos encontrar um ponto de equilíbrio entre todos os segmentos da sociedade (poder
público, empresários, sociedade civil), para melhor gerir nossos recursos naturais? Ao nosso
ver, esta tarefa irá depender da melhoria das condições de vida da população, principalmente a
população mais carente, mas também de educação, de envolvimento dos setores produtivos
(agrícola, industrial, serviços), da atuação do poder público com total autonomia e isenção, do
envolvimento de ONG´s, de instituições de ensino superior, que promovam cada vez mais o
debate sobre essa questão, no sentido de potencializar as ações do Estado na promoção de
melhorias nas condições de vida da população. O ideal de modelo participativo na gestão, não
só das Unidades de Conservação, mas de todos o ambiente, só será aceitável quando todos
aqueles que fazem parte da sociedade se comprometerem com a questão, por que também é
uma questão de sobrevivência de todos; solo, água, floresta, clima, são elementos da natureza
que são essenciais à sobrevivência da espécie humana.
62
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas públicas relacionadas com o meio ambiente têm ganhado expressão na
atualidade. Enquanto muitos discutem o papel do Estado na participação da economia do país,
recomendando revisão do papel deste em alguns setores, nas questões ligadas ao meio
ambiente, o Estado tem uma presença cada vez mais ativa, seja na estruturação dos órgãos em
todos os níveis da administração do território (Federal, Estadual e Municipal); na estruturação
de mecanismos jurídicos que disciplinem a apropriação e o uso dos recursos naturais
(constituições federal e estadual, lei de crimes ambientais, SNUC, etc.); na clara adoção de
modelos de gestão dos recursos naturais (constituindo-se em políticas públicas); e na educação
ambiental, cada vez mais presente nas escolas e universidades de todo o país, mas como dito
anteriormente, os legisladores brasileiros não participam à sociedade de seus projetos de lei,
que acabam por beneficiar grupos empresariais e políticos, tornando a gestão ambiental, que
possui um caráter relevante na conservação dos recursos naturais, cada vez mais difícil .
Essa questão seguramente é a de maior preocupação, já que a participação popular na
elaboração das regras de convivência (leis) é quase inexistente. Não há uma prática de
transparência e participação nas decisões tomadas pelas esferas do poder público, o que
dificulta a aplicação dessas mesmas regras, uma vez que as pessoas as desconhecem. O papel
do poder público, que está ali constituído por causa da população, é o de esclarecer, de
recomendar, de educar. Não é o povo a razão de existir do Estado? É necessário rever todas as
formas de administração do território, onde aí estão incluídos a população (seus hábitos,
costumes), os recursos naturais (com suas potencialidades e fragilidades) e o espaço geográfico
(que se constitui na união indissociável das forças produtivas e das relações de produção no
território).
Porém, é importante salientar que há um esforço da sociedade brasileira, nestas duas
últimas décadas, de realizar mudanças no comportamento coletivo frente às questões
ambientais, para que, de uma forma cada vez mais segura, tal temática seja tratada com
seriedade. Assim, podemos considerar a questão legal, que embora contestada neste trabalho,
emerge de forma a garantir um aparato ao poder público, a fim de que, este, através dos órgãos
executores e colegiados, se ampare numa legislação que cumpra o papel de recomendar,
orientar e, em casos mais extremos, punir aqueles que violarem as leis. Dessa forma, queremos
63
dizer que é muito positivo para um país estabelecer dentro do seu território, regras necessárias
para garantir a apropriação adequada dos recursos naturais, bem como sua correta utilização,
pois disso depende a sobrevivência de todos aqueles que vivem e realizam trabalho no espaço
geográfico, portanto, se territorializando. E para que haja uma territorialização que contemple
os anseios de todos aqueles que vivem neste espaço, é cada vez mais importante, a adesão da
população, mas uma adesão legítima, uma adesão construída coletivamente, uma adesão que
seja de fato a vontade de todos aqueles que fazem o território.
Também devemos considerar que as políticas públicas que estão sendo adotadas por boa
parte dos estados, fazem referência a Constituição brasileira. Estas, são uma clara evidência de
como o meio ambiente tem transformado, se não totalmente, parcialmente, o cotidiano de
empresas (estatais e privadas), do próprio poder público em todas as esferas, da sociedade, das
ONG´s. Isso é muito positivo, uma vez que neste debate, toda a sociedade está sendo
convidada a dar a sua contribuição, seja de forma espontânea (através de pesquisas, estudos),
seja de forma compulsória (através de embates entre o poder público, empresas, sociedade).
Dentro deste embate, surgem as idéias, as resoluções, os parâmetros a serem adotados por
todos.
A constituição de órgãos ambientais (federal, estadual e municipal), vem demonstrar
como as políticas podem ser aplicadas, através de educação, normatização e controle. São os
órgãos ambientais em todo o país, que de uma forma ou de outra, têm dado visibilidade às
questões ambientais. Por causa da presença deles, muitas práticas já foram incorporadas pela
sociedade em geral, como a questão da fiscalização ambiental, licenciamento e de forma
incipiente a educação ambiental. Hoje podemos assegurar que já há um verdadeiro “exército”
ambiental, composto pelos órgãos públicos, pelos institutos de ensino superior, pelas ONG´s
espalhadas pelo país, pelo poder judiciário, pelo ministério público, e principalmente, pela
opinião pública nacional, que cada vez mais se incorpora ao debate ambiental, garantindo uma
maior participação e fiscalização na atuação dos órgãos públicos.
Na Bahia, a presença do Estado se faz através da ação do seu órgão ambiental (CRA),
que possui uma política ambiental pautada na lei ambiental estadual. O CRA, como órgão
executor da política ambiental, tem poder de polícia em casos extremos de poluição e
contaminação (encaminhando o infrator em casos de reincidência ou não, para os cuidados da
polícia ou justiça), aplicando advertências e multas quando necessárias, mas também possui o
64
papel de mediador e de parceiro das diversas instâncias da sociedade através da gestão
participativa das APA’s que o mesmo administra. Porém, as fórmulas encontradas para garantir
benesses aos grandes empreendedores e agressores, não têm auxiliado a imagem do órgão e do
Estado, que em uma série de decisões equivocadas, catalisou os conflitos encontrados nestes
territórios. Mas também é mister afirmar que a atuação de um órgão de meio ambiente já tem
demonstrado que muitas coisas mudaram nesses 20 anos de existência. O CRA tem atuado de
maneira a uniformizar os procedimentos de licenciamento ambiental no estado, o que já se
configura num grande passo para a gestão ambiental. Também tem buscado auxílio em muitos
órgãos afins, como a Diretoria de Desenvolvimento Florestal (DDF), a Superintendência de
Recursos Hídricos (SRH), além do IBAMA, Ministério Público, Companhia de Polícia
Ambiental e ONG´s, que já participam em parceria com a administração de algumas APA´s no
sul do estado.
Esse esforço do CRA vem demonstrando que cada vez mais é importante para a gestão
ambiental, a participação da comunidade na gestão desses recursos, não como forma de dividir
responsabilidades apenas, mas como forma de disseminar o conhecimento, a informação,
fazendo com que as pessoas se sintam participantes do processo, se sintam cidadãos. É com
este intuito que há um consenso entre aqueles que trabalham com estas unidades de
conservação, da necessidade cada vez maior de envolver a sociedade, seja a comunidade
ribeirinha, seja a prefeitura, seja a universidade. Enfim, caminhamos para uma gestão
participativa, e isto implica em troca de conhecimento, em crescimento, devido à participação e
à adesão dos atores envolvidos no processo, mas é bom deixar claro que essa não é uma tarefa
fácil, nem tampouco segura e pacífica, devido ao jogo de influências que ocorrem nas tomadas
de decisões do Estado.
Esse talvez seja o ponto mais delicado na gestão, a transparência das decisões tomadas
pelo Estado. Acreditamos que quando a população brasileira possuir um nível maior de
esclarecimento, o que implica em educação de boa qualidade, poderemos ter uma maior
participação, e conseqüentemente, uma maior cobrança por parte da população nas decisões do
Estado, que muitas vezes não representa os anseios da população, mas de grupos políticos ou
empresariais. A gestão dos recursos ambientais não deve possuir esse jogo de influências, pois
estamos tratando da sobrevivência da espécie humana. Daí ser importante a existência de um
órgão ambiental, em todas as esferas da administração pública (federal, estadual e municipal),
65
de órgãos colegiados, que discutam e estabeleçam regras de convivência mais adequadas às
realidades, como o CONAMA a nível federal, e o CEPRAM a nível estadual.
É cada vez mais importante a atuação de todos, para que a gestão ambiental seja
incorporada ao cotidiano das pessoas, pois o meio ambiente está em toda parte, no trabalho, na
rua, na escola, na universidade, em casa, na floresta, nos rios, nos mares. É pensando dessa
forma que podemos melhorar substancialmente o ambiente em que vivemos e também, as
nossas próprias vidas.
72
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