José de Souza MartinsBiblioteca M~-PUC/5P
11111 II~ I II100141164
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
1. Classes sociais 2. Marginalidade social 3. Migraçãointerna 4. Pobreza 5. Sociologia rural 6. Trabalho e classestrabalhadoras L Título.
Martins. José de SouzaA sociedade vista do abismo : novos estudos sobre
exclusão, pobreza e classes sociais / José de Souza Martins. Petrópolis, RJ : Vozes, 2002.
l" ISBN 85.326.2719-b
Ih EDITORAY VOZES
Petrópolis2003
2'"" Edição
Novos estudos sobre exclusão,pobreza e classes sociais
A socleôaôe vista ôo abismoI!II
J,II
CDD-301
Índices para catálogo sistemático:1. Problemas sociais: Sociologia 30 I
02-1696
I
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SITUAÇÕES DIFERENCIAISDE CLASSE SOCIAL
Operários e camponeses
Exponho aqui um exercício pedagógico de ensino direto na relação com pessoas envolvidas em propostas de promoção humanajunto a populações pobres nas regiões sertanejas do país.
Na década de setenta, no interior do Brasil, especialmente na Amazônia, através da'Comissão Pastoral da Terra,comecei a dar cursos para agentes de pastoral das igrejaspreocupadas com as questões sociais, para organizadores desindicatos e dirigentes sindicais, trabalhadores e outros militantes da causa dos direitos humanos e dos direitos sociais.Esse foi um trabalho educativQ que se estendeu até meadosdos anos noventa. Fazia parte do que na minha universidade, a Universidade de São Paulo, se chama de prestação deserviços à comunidade, modo de fazer chegar a diferentessetoles da sociedade, de diferentes mocios, o conhecimentoque na universidade se produz.
Essas pessoas se defromavam com a missão de difundiros valores da civilização e da sociedade moderna no ambiente antagônico e violento da ditadura militar. Um. tempode acentuadas e rápidas transfonnações econômicas com am-
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sltllnções di/mnc/ais...
pIas conseqüências sociais negativas. Sobretudo na violaçãode direitos, tanto os consagrados na lei e nos tratados,quanto, sobretudo, o direito costumeiro, tão significativo ainda na vida das populações rurais.
Essas pessoas agiam, especialmente, em remotas regiõesdo país, onde mais vulneráveis são os valores e mais fácil é aviolaç~o da lei e do costume, muito além do arbítrio própriodo regtme de exceção. Viviam sob o risco diário da repressão poli~i~l e da violência privada dos grandes proprietáriose ,dos gnlelros de terra e seus pistoleiros. Justamente porquedIvulgavam nas populações locais o que a própria lei e ostratado~ internacionais, de que o Brasil era e é signatário, reconhectam como direitos, os direitos humanos os direitos. . ,SOCiaiS e os direitos políticos.
Algumas dessas pessoas haviam sido educadas na tradição da doutrina social da Igreja, habituadas a ver as vítimasdas condições adversas de vida na perspectiva genérica dacategoria de "pobre" e seu mundo, a pobreza. Outras haviamsido ide~logic:ment~formadas nas tradições de uma esquerda que V1a e ve a SOCIedade como uma estrutura formal e rígida ~e_classes sociais. E que nela não reconhecia a condiçãode sUjeito do processo histórico senão na classe operária. Out~as, ai~d~, estavam identificadas com as concepções ideológtcas diSSidentes, maoístas, de que aos camponeses é queestava reservado o papel de timoneiros da História. Semc~mtarque, com exceção de católicos e protestantes, não havIa nesses esquematismos lugar para as populações indígenas~ se,m dúvida as maiores vítimas da expansão territorialcapitalIsta das décadas de setenta e oitenta.
Os bispos e os agentes de pastoral das igrejas convidavam-me a falar e debater, e convidavam outras pessoas, preocupados em fundar sua prática no conhecimento sociológico e antropológico. Defrontavam-se com desencontros ed,esco~ecimentos que decorriam das perspectivas que menCIOneI e de sua formação urbana, não raro sulistd, ou estran-
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Iff'..!
geira, ou, sob:e~u.do,das limitações das identificações ideológicas e partldanas dos agentes de pastoral.
Havia, e já não há, uma vantagem pedagógica clara nessa demanda que reunia motivações não raro muito discrepantes: a vantagem da dúvida e da incerteza, ~ recon~eci
menta do desconhecimento. Da parte da Igreja Cat6hca eda Igreja Luterana havia a opção de romper de vez com atradição secular da pastoral da desobriga, o missionarismode pronto-socorro, ocasional e difuso, praticado nas fazendas ao abrigo dos grandes donos de terra1.
Multidões de explorados, recrutados sobretudo no Nordeste e no Centro-Oeste, chegavam diariamente aos povoados da chamada Amazônia Legal para derrubar a mata como peGes escravizados sob a chibata dos capatazes e pistoleiros, para não raro morrer de malária sem assistência e sem direitos. O latifúndio queria a bênção da Igreja para sua obrade difusão do progresso, o progresso predatório, violento eviolador da devastdção ambiental desregrada, do parasitismo dos incentivos fiscais, da incorporação forçada ao cená'rio do chamado progresso de grande número de tribos indígenas até desconhecidas, da exploração impiedosa dos trabalhadores, da expulsão dos posseiros da terra que ocupavam, habitavam e cultivavam, muitas vezes há gerações.
Na Amazônia, uma história de séculos de expansão territorial violenta era reassumida e resumida em graqde esca-
'la no átimo histórico de uns poucos anos, que recolocava napassividade de uma história inevitável, de um destino incontornável, centenas de milhares de pessoas e, de certomodo, o país inteiro. Era como se o Brasil todo estivessesendo convocado para o último episódio de uma história
1. Um documento exemplar e um testemunho dessa ruprura e dessa opção é a carta pastOral de investidura de Dom Pedro CasaIcLíliga como bispo de São Félix, noMato Grosso (cC Casaldáliga, Pedro. Unw Igreja da AmazÔtlia em (onjlitorom a !alijUndia e a marginalização social. São Féli.'C do Araguaia (MT), 1971.
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s/tlUlÇlies diferwcú1is.. ,
repetitiva de genocídio e violação de direitos. Nosso passado explodia de repente na cara de todos, como o presentelúgubre de uma história trágica.
Mas, esse passado se alçava diante de um presente decontradições e diversidades, de inquietações éticas e incertezas políticas, dos grupos sociais que já nâo tinham compromisso com o latifUndio e suas seqüelas, Grupos que viam comindignação e espanto essa ressurgência visual daquilo que estivera estruturalmente ocultado na história recente do paíspelos muitos e eficientes mascaramentos e dissimulações queesta sociedade desenvolveu para constituir a sua modernidade anômala e ingressar no mundo moderno.
Na Igreja, na universidade, no sindicato, nos diferentesgrupos sociais não havia lugar suficientemente amplo para aindiferença e a cooptação. A Igreja, em particular, inquietou-se, muito mais do que a universidade e os próprios sindicatos. Reconheceu imediatamente que o Estado militarpunha esta sociedade no limite da condição humana. Sobretudo, porque definia valores desumanos e desumanizadores para o seu desenvolvimento econâmico e para afirmação de um poder político ditatorial que limitava o reconhecimento da condição humana unicamente aos dóceis,aos omissos, aos indiferentes, aos reacionários, aos que seconformassem à sua lógica coisificante, aos integrados.
·A nova pastoral social que se difundiu na década de setenta era amplamente inspirada pela defesa dos direitos humanos, muitíssimo mais do que por qualquer preocupaçãocom visões políticas de classe ou por uma efetiva orientaçãopela conscientização política e a partidarização dos pobres edas vítimas da adversidade. Nisso, aliás, estava seu grandemérito, o da identificação com os valores universais relativos à condição humana e não com os particularismos declasse e de partido que depois tomaram conta da ação pastoral e a imobilizaram na perda de criatividade.
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Essas pessoas se defrontavam com as lin~l.Ítações recoecidas da categoria "pobre", e da generalIdade de ~ma
nh d b obreza que era a herança conceituaiepção e po re e p . .coIle, d "d de cri'stã Nas situações-hmlte da pasto-mente a carl a· . . fi'nU fi . "pobre" era uma categona pobre, lnsu lCI-t da rontelra, l' h .ra disso os bispos estavam conscientes. Porque a I aVIaente, e. 'd d d "pobres" que se encaixavam mal nessa
a dlversl a e e, dum . emida' havia os índios procedentes e tantos ecategonaespr· .' dd'versificados universos cult~rais; h~vla posselro~~eta.r a-;. s de um processo histónco reSidual e len~o, aVI~ os
uno lonas dos núcleos de colonização públicos e prlV~nOVOS co . " " I tifi' ndlOd
E havia a sua contrapartida: haVIa o novO a uos. . I' gregavam aos seus
das grandes empresas caplta Istas que a. . ha-, trUmentos de poder e riqueza a propned.ade da ter~a:~: os pistoleiros; havia o Estado que patrocmava e ~e~lt1mava o matrimônio contraditório da terra com o caplta .
Com reender a diversidade, relativizar as cat~gorias. so-.' mPliar o conhecimento da realidade SOCial,. acel~r,
clalS, a P .~ 'la era um interlocutor necessárIO, fOI oenfim, que a Clene , . '} _, I vou à procura de cientistas SOCiaiS, antr~po ogos e soq?e e d' 'logo pedagóo1co que amphasse o enten-clólogos, para o la t>"
dimento da situação e do momento. .
Brin uei algumas vezes com os poucos de nós eu,:,olvIq . -o educativa dizendo que estávamos cnando
dos nessa missa , . N s sa-"universidade popular e itinerante", a U mpop. o:sa
~as de aula eram salões de igreja, galp?~s, ranchos, arv~~:~frondosas. Nossos alunos, padres, religIOsas, p~t~~es, hopos leigos, professores rurais, trabalhador~s.e 10 110S,. d~
, mulheres jovens e velhos. Nosso salano, a a egn~:~~~cimento c~mpartilhado, do n?sso pr6J:>rio aprbendlza
. h também multO a ensmar 50 re estedo com quem tm a,' I vipaís sobre diferentes grupos humanos, sua cu turah~u: . _ 'de mundo sua concepção de esperança. sua lstona,:~~ língua, no;sa lín~a p~ortuguesaainda tão preservada e
tão bela nos ermos e nncoes.
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SiÚ!1lções dijemlcillls...
A dificuldade maior de muitos de nossos "alunos" era ade sua visão urbana da realidade social. Sua consciência social e política dominada pelo reconhecimento de que ape":'nas a classe operária é uma classe que luta por transformações sociais, uma classe dotada do mandato histórico das~~danças ou uma classe reveladora das. contradições soCIaIS. Quem não pensava através da categoria "classe operária", pensa:va através da categoria "pobre", como a categoriados escolhIdos, dos portadores da verdade profética da História e da renovação do homem e da sociedade (e da Igreja!).
. -As limitações desses entendimentos do que é a sociedadede hoje eram reconhecidas pelos presentes nos muitos encontros de estudo de que participei. Por isso mesmo, pessoascomo eu eram convidadas para ouvir as narrativas de problemas, tensões, conflitos, concepções, mentalidades, dificuldades culturais de diálogo, interpretá-los, situá-los e explicá-lossociologicamente.
Na diversidade de situações sociais presentes nas inquietações dos que compareciam a esses encontros, escolhi acategoria de "~lasse social" para desenvolver uma reflexãocomparativa entre "operários" (em relação aos quais havia"teorias" conhecidas) e "camponeses" (os desconhecidos eportadores do desafio ao entendimento). Era um modo detratar de uma característica fundamental da sociedade contemporâne~,que é a da diversificação social, não só a das gradaçQes de nqueza e pobreza, mas também diversificação dasinserções sociais, das situações sociais, das mentalidades, daspossibilidades e limites de atuação social e histórica das diferentes classes e categorias.
No geral, havia nos agentes de pastoral e nos militantesp.olíticos a propensão de estender aos camponeses o conheCImento que se tinha sobre os operários, especialmente noque se refere ao entendimento doutrinário e ideológico. Oudoe cobrar d.~s ~abalhad~res rurais comportamentos operános e conscIen~Ia operána. Em outras palavras, os agentes tinham expectatIvas de que os trabalhadores rurais "existis-
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sem" e se comportassem como classe social, no padrão próprio de conduta da classe trabalhadora gestada na fábrica, naempresa capitalista.
Caminhava-se em direção a um rótulo abrangente,uma categoria geral de classificação e defini.ç~o de um s~
posto sujeito histórico como se fosse um sUjeito substantIVO a categoria vaga e genérica de "trabalhador". Isso era forçado, projetava ideologias relativas à classe operária e confundia sobretudo os agentes de pastoral, que em sua experiência recolhiam a todo momento evidências de severasdiscrepâncias em relação a essa caracterização sumária. Elespróprios iam descobrindo que havia trabalhad?res e ~ra.?~
lhadores, com diferentes visões de mundo, proJetos hlstor~
cos e vivências, dependentes da experiência concreta de VIda e da respectiva situaçã0 social e de classe.
Mesmo nas universidades, houve notórios empenhosem seminários, cursos e congressos para forçar o enquadramento do campesinato atual nas categorias e doutrinas ~e1a
tivas à classe operária, Chegou-se a pensar numa espéCIe deoperário indireto porque seria o.camp?nês tamb.én:. um trabalhador para o capital. EsquecIa-se aI das.medlaç.oes e d.asparticularidades, aquilo que de?ne a 9~ahdade ~Ifere.nçIal
dos diferentes grupos e categonas SOCIaiS. Uma SImplIficação anti-sociológica que persiste ?,OS s~tores da ação. pastoral e da ação política que foram mvadldos, contamma?o;,aparelhados e parasitados por ideólogos e ag~ntes partldarios, no geral sem formação acadêmica específica e sem competência teórica apropriada.
Meu empenho foi sempre no sentido de enfatizar .asmediações, a diferenciação e a especificidade das categorIassociais. Se queremos entendê-las como sujeitos de vontadesocial e política e sujeitos de possibilidades históricas, éjus~mente necessário reconhecer-lhes as singularidades, aqUiloque as diferencia e não aquilo que as dilui em cate~rias .abrangentes e genéricas. A força numérica das categonas dereferência de militâncias políticas assim fundamentadas tem
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Sítllilçiits diju(IJCÚlf5•.. -sua contrapartida na sua fraqueza social e histórica. Importa
aquilo que expressa suas possibilidades e limites de situa
ção, compreensão e atuação histórica,
Foi sempre nessa direção que encaminhei a pedagogia
de minhas propostas de educação popular. Isso me trouxe
não poucos problemas. Agentes ideológicos de partidos
clandestinos, das chamadas tendências, no geral presentes
nesses encontros, tinham barreiras claras àaceitação de uma
pedagogia aberta à indagação, à reflexão crítica e a um reco
nhecimento da importância auxiliar da antropologia nessa
r~f]exão. Eram as barreiras doutrinárias, apoiadas em rea
lidades sociais, históricas e políticas muito diferentes das nos
sas, próprias de outras sociedades (como a Rússia, a China,
Cuba), e não raro desantalizadas historicamente, que nos che
gavam através da literatura de vulgarização do marxismo. Es
quemas fechados, sistêmicos, de grande pobreza teórica, in
terferiam freqüentemente no atendimento das solicitaçõesde ensino e diálogo que recebia.
Os agentes de pastoral eram mais abertos à compreen
são sociológica das realidades sociais com que lidavam. Ti
nham uma imensa sensibilidade antropológica, capazes de
precisas etnografias de grande valor científico, coisa que os
agentes e militantes partidários eram incapazes de fazer e
reconhecer. Um colega de grande competência científica e
notável talento como educador, Carlos Rodrigues Brandão,
numa avaliação final e posterior de um desses encontros de
que 'também participei, em Goiás Velho, teve sua atuação
pedagógica questionada porque entendera que os presentes
precisavam de um curso de antropologia cultural e o deu.
Eles preferiam, como disseram depois, um curso centrado
no privilegiamemo da mudança política e não uni curso pa
ra entender e decifrar a realidade social. Achavam desneces
sário conhecê-la para mudá-la, "já que queriam mudá-la"'
Uma atitude própria do voluntarismo político que acabaria
se disseminando pelas pastorais sociais e peJo que se pode
ria definir como "esquerda popular", nos chamados movi
mentos populares, cuja despolitização fica evidente em ati-
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"
"
d como essa2 Justamente, a atitude que pede o trabalhotU es .pedagógico do educador popular,
2. <?urr? :iS6:i~~~o;t~:;;;:n%n:~~e~:c~b~r~~~~~:a ~~~se::sC:ld~~~o~~~pcn~nc~m_:C ;s ~gentesde pastoral da pouca receptividade, ~or parte do~ tr:J
QueIXa , sua militância e :lO seu empenho cm transforma-los numa orça
ba\~~dO~~~~iZ:l.da,Sugeri que os trabalhadores fossem ouvidos. Para is::o, pro
po mca fossem convidados representantes de todos os lugares da regIao para
pus que '_ Gol'~nl'a de que participei Propus aos trabalhadores que elesma reunJ:lo em .. , . , _ ri-
u . es uisa para descobnr quem eram, que concepçao ,própnos fizcs~edmduma p pqroblcrnas se tinham e qual era sua identidade. HaVla
ham de sua VI a cseus, bl
n tre eles tr.tbalh;dores analfabetos e isso foi ~pOlJtado ~o:nl~ um pro e~a~~:en , ão da es uisa uma investigação SImples e facI e execu~. asl.,.
a reah:uç da trabal~dor'deveria visitar um certo número de seus amigos e VIZI
mente, ca ntas sobre essas questões, através de um bate-pap~.nhos e fazer algumastergu e levasse um filho ou um amigo alf3beu-
~~~~~ã~S~~~s~s~eu~:a~~cr~~e;~~~ a outr~ pessoa dissera e ambo~c~nfcr~~=' d anota ões. Todos devenam trazer para uma pr Xlma r ,
amJunlosGo ~:o~ as "rclaÇt6n'o" de suas descobertas. Estive presente também
'-o em olama um d 1 enJ;J. • , '. .. d resa dos 3gentes e pastora, qu
~;J.~~~~~:~:~~i~~a~t~:;~~~~~;r~~~ci~6;J.~~;~~:;:do:r~r;~:i~~ev:~~~l~e~~~~;ecd~~!;~~Sdiferen~esmolli<Íades de arividade,. q~e para
qe~s definiam diferentes "identidades" de trabalha~or; ~oIaram mais . c~~:. omar que mcluuam na categona
~~~~~~~~::~a:~~~:~o:~i~r~~~;~~e~uerda não incluiria, como a de;s:~~" 'd fites de pastoral buscavam era apenas ICr-
~ar. Ist~c~' ~al~~a~~::n:df~~~~~e, cujo rnbalhador ~ral n~o exi~ria e o q~~~~~~~~entc deveria existir não se reconheci.a nessa des~~~ç~o, FOI emd::~da pedido que os tr;J.balhadores construísscmJ~n~.s um~;: ~~~:::~m pelo
descobertas, uma "cartilha" como gostavam e Izer~ ai ém escrever ou fa-
mei~ que pusd;~~~~:~~~i~~~=c~nta~~~~r;i dad~um prazo para que
zen o verso f: ' razo foi cumprido, Porém, os meses se passavam e os
o fizessem e de ato? p . b'l" ída da "cartilha" que seria distribuídates de pastor.tl nao Vla 1 lzavanl a sa 'l" AI
agen " b Ihadores, Várias vezes falei com eles por tdelone,. . egaentre os prop.rlos tr.õl a _ ue talvez fosse o caso de corngI-los;vam que haVia mUItos erros de redaçao, q A ti I "cartilha" saiu
I d - bom nem esclarecedor, etc. o ma, aque o resu ta o n~o e~ título dado pelos próprios agentes de pastoral: Uma lu/il
com e.~te s~):~~~ ~~es manifestaram no título seu des~or:tentamento com a
:c~~~liê~~i~'c a prática dos trabalhadores que quer.i:m :cdlmlr'~~af~~: :~;r~:=~ão do ~pitali~~d~:;~~~;~~en~~~~:ri~:;~c~f~~~~:~r:Sse ~édia" dâ:ses
ores. ma m, o,...., estavam viv:unente empenhados na formaçao de·sm lca-grupos que n3 ep...., '.tos de tr.tb3lhõldores ruraIs na regIao.
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sillUlções tiifereJlcílliS...
Aqui reproduzo, adaptada agora à forma de texto, umadas aulas que dei num encontro de estudo em São Félix doAraguaia (Mato Grosso) na primeira semana de julho de1978. Fi-lo a convite de Dom Pedro Casaldáliga, um persistente e paciente pioneiro na proposição e valorização do estudo entre os agentes do trabalho de base da Igreja Católica.Montei essa linha de interpretação comparativa lá mesmo,na ocasião, em face das dificuldades e das necessidades decompreensão da realidade do campo que os participantesind~~aram nos primeiros dias do encontro. Carlos Rodri~es Brandão também participou desse encontro de estudofazendo exposições e análises antropológicas.
Repeti essa exposição, adaptando-a e ampliando-a, emoutros lugares do interior do país, em diferentes ocasiões.Utilizei a concepção sociológica de sÍluafão de classe social para indicar coincidências e diferenças entre operários e camponeses. Sobretudo para indicar as limitações do conceitode classe social ou de uma teoria das classes sociais para analisar e compreender a situação, a realidade e as esperançasde populações claramente à margem da estrutura de classes.De modo que os ouvintes pudessem desenvolver um entendimento crítico do conhecimento que tinham a respeitodas classes sociais e das características sociais próprias douni~erso em que estavam atuando.
Suas dúvidas sugeriam a necessidade de compreender oque é a diferenâafão social na sociedade contemporânea, paracompreender o que é a estrutura social de classes. Para compreender, também, as singularidades sociais e culturais daspopulações com as quais conviviam e de cuja emancipação elibertação queriam ser coadjuvantes. Para compreender, sobretudo, as promessas de transformação social contidas na situação das populações camponesas, cuja realização é altamente
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'.
-d endente de mediações sociais e políticas que não estão di
ep ente enraizadas na situação dos trabalhadores rurais3.retarn
Fiz exatamente O que está exposto a partir da página se-. te' l'ndico um tema relevante na caracterização da classe
gU 1n . ., . e ao lado indico como esse tema se caractenza naoperarIa , '
. -o do campesinato. De modo que se possa compreen-Slcuaça .. , . d .der as diferenças SOCiaIS e estruturais entre as uas cat~gon-
sociais. Sem prejuízo, evidentemente, do reconheclmenas d "diferenciação interna" de cada "classe" social. - Lem-to a . J
bro ao leitor que o texto das colunas se~precontmua na pa-gina seguinte; é assim que devem ser lidas.
Esta exposição decorria de uma explan~çã?inicial sob~estrutura e a dinâmica da sociedade capitalIsta, as condl
a;es da diferenciação social nessa sociedade, os diferentes~elacionamentossociais com o núcleo do processo reprodutivo do capital e da sociabilidade que lhe ~orresponde.por isso, o ponto de partida é,a exposição das dlfer::nças nosvínculos sociais fundamentais, aquilo que é radicalmentediverso numa situação de classe e noutra.
3. Em conferência relativamente recente, no Rio de Janei~o, o,s~ci6Iogomexicano Armando Bartra nos oferece um quadro interpretativo I.UCldo c bem-humorado das transformações na situação e na ação do campesma~ode seu p:ís,que se aplica largamente ao campesinato de diferentes parses e às mterprctaçoes
I I · cr Bartra Armando. Sobrroiviente5 - Historias en lajremlera. Traba-a e e re aUvaS.. • .lho apresentado no Seminário sobre "Reforma~áriae DemocraCIa: a perspec-tiva cbs sociedades civis", Rio de Janeiro, 4 de mala de 1998 [http//ww;N.datatcr-
ra.org.br/seminario!bartra.html·
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SítUJlções difermcÍ1!f5 ... --
4. As referências teóricas par:l compreensão da situação de classe c da consciência real e possível dO,operário, nesta análise, são principalmente as de Marx,KarL EI :aI!ilal- Crítica ~e la economía Política [trad. de Wenceslao Roces}, 3 tomos, MCXlco-Buenos Aires, Fondo de CultUr:l Económica, 1959. Marx, Karl.Elemmtosfundamentales para la crílita de la economía política (Borrador), 1857-1858,3tomos [trad. Pedro Scaron), Buenos Aires, Sigloveinteuno, 1971-1976. Cf.,tam~m, L~kacs, ,?corg'lf~tojre et cOl1science de classe [trad. Kosta5 Axelos & Jacqueime BOIS}. Pans, Lcs Edltions de Minuit, 1960,
Na relação com a terra e apropriedade da terra, há distintosmodos de ter acesso a ela e depoder usá-la. O mod? mais característico do relaCIonamentoentre o nossO camponês e a terraé o da propriedade. É na condição de proprietário que ele assegura o caráter independente deseu trabalho. Mas, há, também,distintos modos de ser inquilinodo proprietário da terra, de ser oque de modo mais apropriado sechama de arrendatário.
O arrendamento pode ser feito mediante pagamento da rendaem trabalho. Em rroca da permissão para usar a terra em sU,a 'pró~pria produção, o arrendata~o daao proprietário um certo num~
ro de dias de trabalho nos cultlvos dele proprietário; o camponês trabalha, então, uma,partedo tempo em roça alheia. E umaforma primitiva e antiquada depagamento da renda da terra.Na fonua, ela institui uma relação entre o camponê: e o proprietário muito parecida ~om arelação que havia na SOCiedadefeudal entre o senhor e o servo.A diferença é que lá o camponêsera uma espécie de cc- proprietário enquanto membro da comunidade camponesa de quefazia parte. Na sociedade capitalista, não há esses direitos decc-propriedade.
Uma segunda modalidadede renda é a renda em espécie pa-
. baseado na coação física esenaoral e na dignidade.rn ,
O operário é livre e j~aL E
1, e porque livre dos meiOS deXVI" d "ddução, deles estltul o e sepa-pro d' - dn.do. É livre porque não ISpoe e
U de nada além de sua. força dese balho, de sua capacidade de tra:har. A emergência histórica do
Pitalismo se di quando o traba-ca . d
lhador é separado de seuS meios eprodução. É nesse sentido material que ele se toma livre.
Sua liberdade é, pois, a condição de sua sujeição: ele é .,socialmente livre, mas economicamente dependente, uma vez quedeve vender sua força de trabalhoa quem dispõe dos meios de produção para que se possa trab~lhar. Quem deles dispõe é o capitalista. Sua pessoa é livre, mas seutrabalho é dependente, é um trabalho subordinado ao capital.
Sua liberdade social, sua independência em relaçã~ aos meios de produção, na SOCiedade capitalista, se reveste da forma deliberdade jurídica. Desse modo,o operário é juridicamente i~alao capitalista, mas não é m~ter.la~mente igual a ele. Por ser Jundlcamente igual é que pode contratar com aquele a venda de suaforça de trabalho, a troca de capacidade de trabalho por dinheiro,por salário. E porque é juridic:mente igual é que sua relaçaocom ele não está, ao menos não
Caponeses
1. O vínculo do camponêscom o capital não é estabelecidoatravés da venda de sua força detrabalho ao capitalista. Diversamente do que acontece com ooperário, cujo trabalho é diretamente dependente do capital, otrabalho do camponês é um trabalho independente. O que o camponês vende não é sua força detrabalho e sim o fruto de seutrabalho, que nasce como suapropriedade.
Isso porque ele ainda dispõe dos instrumentos de produção. Desses instrumentos, omais importante é a terra. Mesmo que ela não seja sua, que elea alugue de um proprietário,que pague uma renda da terra,ainda assim, durante o períodode vigência do aluguel dela,usará como se fosse sua. Naverdade, ele alugou O meio deprodução, como poderia alugaras ferramentas, as máquinas, acasa. Em princípio, é ele quemdecide o que fazer na terra.
Operários
1. O vínculo do operário como capital e o capitalista é estabelecido quando aquele vende a estea sua força de trabalho em tTOcade salário, isto é, de pagamentoem dinheiro. O trabalho do operário é, pois, trabalho assalariado.O fruto de seu trabalho já nascecomo propriedade do capitalistaque lhe paga o salário e não comosua. p'ropriedade. Essa modalidade de relação de trabalho só podese dar quando não só o capitalistaé um homem livre, mas tambémo trabalhador é livre.
A relação salarial não podeser baseada na coação física. Elase baseia na livre vontade do trabalhador de vender sua força detrabalho e na livre vontade do capitalista de comprá-Ia. Para queessa modalidade d~ relacionamento social se estabeleça entre os doisé necessário que ambos sejam livres e iguais4. É necessário quese estabeleça entre eles um vínculo {on!.ratual e não um v{nculo dedomina§ão, caso em que o vínculo
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SitllJ1ÇÕ(S dijmllcfllÍ5..•-----~-----------
está predominantemente, subordinada à vontade daquele. do patrão.do capitalista, ou da sua própria.
Quando há um desacordoentre o vendedor de força de trabalno, o operário, e o compradorde força de trabalho, o capitalista,o patrão, quem deve decidir deque lado está a razão, quem estásendo prejudicado, é um tercei'ro, uma pessoa que em nome deUl11a .instituição que nada tem aver diretamente com a relaçãoentre os dois, que decide de quelado está a razão. Esse terceiro éu~ juiz, com base nas regras legals em que o contrato entre ooperário e o capitalista foi estabelecido. Na relação entre os doisnão deve predominar a vontadepessoal de cada um, caso em queessa relação social seria impossível. Deve predominar a vontade'impessoal da justiça e da lei pormeio da pessoa do juiz.
Essa característica do operário e seu trabalho implica em queele se constitua em indivíduo parater relaCionamentos contratuais.•Mesmo que faça com seu patrãoum contrato coletivo, ao mesmotempo ejuntamente com os outros trabalhadores de sua categoria, a base dessa contratação coletiva está em seus direitos individuais, que não podem ser reduzidos ou eliminados pelo caráter conjunto da ação contratual.Isso quer dizer que a sua liberdadepessoal e seus direitos pessoais
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ga diretamente com uma parteda produção do camponês. Eletem mais liberdade do que ocamponês que paga renda emtrabalho, porque pode usar aparcela de terra como se fossesua enquanto durar o arrendamento. No Brasil, o arrendamento em espécie se concretiza basicamente na figura do parceiro, aqueleque paga o aluguel da terra entregando ao proprietário uma partede sua produção. No entanto,essa parceria esconde distintosvínculos econômicos. Uma forma de parceria que foi muito comum entre nós até há poucosanos era a da entrega de metadeda colheita ao dono da terra. É achamada meação e o camponês énesse caso chamado de medro.Isso depende muito do produtocultivado e repartido: pode sermais ou pode ser menos. Depende, também, do modo comoa terra é entregue ao camponês.Se é terra bruta, ainda cobertade matas, o arranjo entre ele e oproprietário é mais benevolente. Se é terra arada, pronta para O
cultivo, implica em renda maior.
Essas relações evoluem comfacilidade para arrendammto emdinheiro, uma característica forma de aluguel em que o camponês é de fato um inquilino. É aforma mais moderna de arrendamento da terra, difundida sobretudo entre não-camponeses,entre grandes capitalistas da agri-
n;io podem ser eliminados, reduzidos ou atenuados por grupos deque eventualmente faça parte.
Mesmo fazendo parte de umafamília, o contrato de trabalho nãoé com sua fanu1ia; é ape~as com
I A família não tem direitOS neme e.obrigações nesse caso. Do mesmomodo, ainda que eventualmenteoriginário de algum grupo c~~_u
nicirio - de vizinhança, de rehgtao,de nacionalidade, etc. - o contratode trabalho entre ele e o capitalistaenvolve uma relação solitária, nosentido de que não é um contratoentre o capital e algum grupo rporalo religioso ou étnico. Nessa relação ele está sozinho com seu contratador, com o agente dos interesses opostos aos seus.
cultura. Estes podem preferirnão dispender capital na comprade terra. Preferem alugá-la, o queimplica dispêndios financeirosmuito menores, de retomo maisrápido. É o arrendamento em dinheiro a forma típica de expansão do capital na agricultura. Issonão exclui que pequenos agricultores também optem por essetipo de vínculo com o proprietário de terra.
Diferente do operário, ocamponês não trabalha sozinho.O característico camponês trabalha com sua família. portanto,seu trabalho não é um trabalhosolicino, não é trabalho de indivíduo. Além disso, O característicocamponês não é patrão, não compra força de trabal,ho de outrem,não paga salário. E evidente ~u.e .em certos momentos especlaLSou excepcionais do processo deprodução, como na colheita, ocamponês pode precisar de braços adicionais com urgência, parae";tar, por exemplo, que a ch,!vamolhe e destrua a colheita. E o.caso do algodão, do feijão, quepodem apodrecer se molhados.
Tradicionalmente, esse trabalho excepcional era feito pelos vizinhos, no chamado mutirão, uma forma de ajuda mútua.Embora o mutirão ainda sejapraticado, a demanda excepcional de força de trabalho emcircunstâncias como essa tende a
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~.
JP"
2. Sendo o operáriojuridicamente igual a seu patrão e economicamente desigual, é preciso conhecer em que radica eSsa Contradição. Ser igual é a fonna assumida pela condição de livre. A igualdade, condição do caráter contratual dos relacionamentos é abase'de uma certa perda da liberdade, própria do capitalismo, pois é a igualdade que mascara a desigual~ade..A igualdade é aquiuma VlrtualIdade da liberdade.
Ele vende sua força de trabaIho'porque não dispõe dos meiosde produção para usá-Ia. Vende aquem deles dispõe. Vende-a porque esse é o único modo de obterseus m.eios de vida, aquilo de quenecessita para sobreviver, isto é odinheiro, o salário, com que p~_derá comprar os meios de vida.
Não é para fazer-lhe um favorque o capitalista compra sua força
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s~r coberta com trabalho assalanado temporário. Isso ainda não .compromete radicalmente o caráter camponês do trabalho naparcela agrícola. Não comprome_te, mas altera de modo mais oumenos significativo a relação queo camponês tem consigo mesmoe com os outros.
Embora ele seja socialmentede~endente,porque não trabalhas.ozmho, porque é trabalho fami- "har, seu trabalho é independente étrabalhofamiliar independente. )
2. Se, para a definição socialdo ,operir,io, a igualdade jurídica e condIção fundamental, para o camponês a relevância éoutra. Para ele, o fundamental é~er livre e não necessariamenteIgual. O camponês é livre na~edida em que é dono de seusInstrumentos de trabalho' ouno mínimo, dono de sua vonta~de quanto ao que produzir, como produzir e para quem vender. Na medida em que é livredono de seu próprio trabalho.As detenninações do merçadonão estão imediatamente presen~es no processo de trabalho.A lIberdade na situação socialdo camponês está no meio docaminho entre a dependênciapessoal e a igualdade.
Na sua inserção no mercado e, por meio dele, no processo de reprodução do capital, oque o camponês vende não é a
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-
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de trabalho. O capitalista a compra porqu.e ele tam~én; está nu~asituação smgular: dlspoe de melaS
----de produção concentrados em suasmãos, mas sozinho não pode fazêlos funcionar, coisa que só a forçade trabalho pode realizar. PortantO, se o operário para obter seusmeios de vida tem como única alternativa trabalhar para quem temos meios de produção, também ocapitalista para dar utilidade a seus
- meios de produção tem comoúnica alternativa comprar a forçade trabalho do operário.
O operário trabalha para. viver, para obter seus meios de vida.O capitalista compra força de trabalho para poder usar seus meiosde produção, caso contrário seriaminúteÍs. Ora, a utilidade que os meios de produção têm para o capitalista é diversa da utilidade que têm,como bens alheios, para o operário.Assim como o operário quer umresultado de seu trabalho, o salário,o capitalista quer um resultado dosmeios de produção que cede paraque o trabalhador trabalhe. Para ocapitalista esse resultado é o lucro.Ao menos esse é o resultado queele, capitalista, pode ver e utilizar.
a ganho do capitalista vemda produção que ultrapassa osmeios de vida necessários à sobrevivência do operário. O ganho do capitalista vem daquiloque excede o necessário à reprodução do operário: sua alimenta-
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sua força de trabalho. Para ele, otrabalho não pode aparecer como coisa em si, separada do produto que dele resulta. Essa separação não pode ocorrer porque ele ainda é dono dos instrumentos, dos meios utilizados naprodução. Ao final do processode trabalho ele se vê dono dascoisas, dos produtos, geradospelo trabalho. a produto do trabalho aparece como coisa acabada em suas próprias mãos. Oque ele vende é produto e nãoisoladamente o trabalho contido no produto. É ele mesmoquem deve vender o produtopara que o produto se transforme em dinheiro.
Na sociedade capitalista, ocamponês deve ter algum VÍnculo com o mercado, com o dinheirQ e, portanto, com o capital. Mas, ao mesmo tempo, aonão ser empregado, assalariado,de outrem, aparece como a pessoa que trabalha para si mesma,com sua famma. O seu trabalhoé independente, mas sua vida está residualmente articulada coma trama de relações do mercado.
Seu trabalho não ganha vida própria fundamentalmenteporque ele produz diretamenteseus meios de vida. Em princípio, nas situações camponesascaracterísticas, os meios de vidanão são adquiridos diretamenteno mercado. Mesmo quando é
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a sobra; é o produto de um cálculo feito com regras próprias.Esse cálculo é dominado pelaprecedência dos meios de vidana reprodução da família camponesa. Ao contrário do queocorre com o operário, a sobrevivência do camponês não é, emtese e em princípio, mediada pelo mercado. Embora, de fato, devários modos, acabe sendo.
Se a existência do operáriose define pelo trabalho excedente,a do camponês se define peloproduto excedente em relação aosmeios de vida produzidos diretamente por ele.
Essa situação característicatem, no entanto, um certo número de variações. É que na vida das populações camponesashá uma tendência crescente,embora oscilante ·e lenta, nosentido de maior influência domercado e do capital.
A pressão crescente do mercado pode mesmo aparecer como se fosse uma busca crescentedo mercado por parte do camponês. São muitos és fatores quepodem levar a isso. Uma enfermidade demorada ou a morte dealguém na faroilia pode forçar atransformação de produtos separados para a própria subsistência,ou para semente, em mercadoria esua venda ao comerciante. Essavenda acarreta um desequilibriona subsistência da farru1ia, que for-
alh adia ser severamente pu-b ap fi'nida com castigos ISICOS.
Já não J=lode ser_ assim. ~u~a- . ~ed de eUlas reIaçoes SOCiaIS saosoei a ~ . ldbaseadas na liberdade e na 19ua a-
d' 'dI'ca de seus membros. IssoeJun '
po-e diante do problema danos . . tis. tifjcativa para que o caplta ta
~aproprie de p~e ~a p~oduçã.odo trabalhador. AJusttficauva m~s
. simples e lógica é a de que o capItalista tem o direito d~ fazê-lo por-
.-.-.- e é o dono dos melaS de produ-qu . . _ção. Mas isso amda pona em p~n-
go o seu lucro. Sempre havena orisca de que o trabalhador descobrisse que o lucro do capitalista é aparte do va1o~que ele .trabalhad9rcriou e que nao lhe fOI paga.
O caráter contratual da relação social entre o operário e o ~a
pitalista se encarrega de revesti-Iade significado que recobre e encobre o caráter de relação de exploração que ela efetivarnente tem.Isso se dá porque o que o trabalhador vende não é o que o capitalista compra. O trabalhadorvende-lhe força de trabalho, capacidade de fazer funcionar os meiosde produção. Ele lhe vende, porexemplo, um dia de trabalho. Recebe em troca o seu salário. Portanto, ele é induzido a crer que osalário é o pagamento por aquiloque efetivamente vendeu, quepara ele é o necessário à aquisiçãode seus meios de vida.
necessário comprar, como de fato é, o que se compra é com dinheiro recebido por algo quetem a mesma qualidade materialdaquilo que foi vendido pelo camponês. Em situações muito à margem da circulação do dinheiro eda mercadoria, muitaS vezes o dinheiro comparece de forma apenas nominal numa relação que ébasicamente de troca.
Nas situações características, o camponês vende aquiloque excede suas próprias necessidades de sobrevivência, suas ede sua família. É como excedente que ganha forma seu trabalhoexcedente. Assim como o operário tem um critério lógico para calcular o valor de sua forçade trabalho e o montante de seusalário, com base nos meios devida de que necessita, assim também o camponês tem um critério lógico para produzir diretamente seus meios de vida.
Quando faz a colheita doque produz, elejá tem uma idéiade quanto deve reter para subsistência e semente destinada ao próximo plantio. Tem por isso,já noinício, uma idéia de quanto podevender daquilo que colheu. Nãotem que esperar o próximo anoagrícola para vender ao comerciante, ao intermediário, aquiloque eventualmente tenha sobrado. Portanto, o que ele vende, o que ele comercializa, não é
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ção, sUa moradia, seu vestuário,seu lazer, isto é, seu salário. Etambém o que é necessário paraque sua existência se prolonguealém da morte, de modo que eledeixe substitutos para que o capitalista possa continuar dando utilidade a seus meios de produção.
O que o operário precisa para sobreviver vem do trabalho necessário a essa sobrevivência. Ele,porém, é capaz de trabalhar maistempo do que o necessário à obtenção de seus meios de vida. Eleé capaz de criar mais riqueza,mais valor do que aquele sem oqual não sobreviveria. Esse valor amais, essa mais-valia, é o que excede a suas necessidades. Assim,além do trabalho necessário à continuidade de sua vida, ele produztambém trabalho excedente.
O trabalho excedente é aquele de que o capitalista se apropria.Assim, a utilidade da concentração dos meios de produção emsuas mãos está no fato de que é omeio de produzir e reter trabalhoexc.edente, sob a forma de valorque excede o qué é necessário àsobrevivência do trabalhador, soba forma de mais-valia.
Nas relações de produçãopré-capitalistaS, a apropriação desse excedente não precisava ser disfarçada. No caso do escravo, o senhor não precisava de justificativas morais para ficar com a produção de seu cativo. A recusa do tra-
SitUAÇões diferellcíllÍ5...
si/lUlfÕt:S dífmncÍ1lis ... ------~-------------------
o que o capitalista comprou,no entanto, foi outra coisa: elecomprou força de trabalho, cujacaracterística é a de produzir maisvalor do que ela própria contém.Isto é, o valor da força de trabalhoé determinado pelos meios de vida necessários à reprodução dequem trabalha, do operário. É esse valor que se converte em salário. Mas, a força de trabalho podecriar mais do que esse valor. Oque"o capitalista compra do trabalhador é sempre um período de trabalho que vai além daquele que énecessário para repor os meios devida do operário, o seu salário. Ocapitalista paga, pois, salário e, naverdade, compra mais-valia. Oumelhor, ao pagar o salário se quali6ca para 6car, sem pagamento,com o tempo de trabalho excedente, o que excede,ao que é necessário ao salário e à sobrevivência do trabalhador.
Em suma, o que o operário produz é trabalho excedente, tempo detrabalho que excede o tempo empre~do na produção de seu salário: É isso que ele oferece ao capitalista, sem saber, em troca do salário. É essa coisa imaterial e absrrataque interessa ao capitalista.
No mundo do operário, o trabalho se toma separado do produto dotrabalho. É como se ele tivesse umaexistência própria., como se ele fosse a própria coisa, não sendo, ao mesmo tempo, coisa pr6pria de q~em atem. A força de trabalho é que
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çará o camponês, antes do início do novO ano agrícola, acomprar a crédito do vendeiroaquilo que necessitar para viver,para pagar com o produto da safra seguinte.
Essa dependência pode estender o desequilíbrio por muito tempo, às vezes de maneirairremediável e definitiva. Issoforçará o camponês a dar prioridade aos produtos que interessam ao comerciante e não aosprodutos próprios de sua dieta.De certo modo, o camponês éalcançado pela divisão do trabalho, que obriga cada um a umacerta especialização em funçãodo mercado.
Outros fatores podem alcançar o equilíbrio que organiza o trabalho da família camponesa em termos de quais os frutos que são convertidos emmeios de vida e quais os que sãoconvertidos em excedentes. Atendência é a da pressão no sentido de aumentar o excedente,quase sempre às custas da diminuição do tempo e do espaço deterra destinados aos pr6priosmeios de vida.
A redução progressiva dafertilidade do solo, conseqüênciada agriculrura de roça, de derrubada e queima para cultivo, como fazem habitualmente os camponeses de várias regiões, inclusive no Brasil, é um [atar de desagregação de sua economia ca-
parece como mercadoria, indeaeodente da coisa fisica em que
"~e materializa o trabalho.
raeterística. À medida em que setoma cada vez mais difkil encontrar terras virgens ou descansadaspropícias para a agricultura de roça, a tendência, durante um certoperíodo, é a do aumento da importância do excedente comerculiz.ável e a diminuição da produção direta dos meios de vida naeconomia camponesa.
Às vezes o aumento da proporção do excedente é sinal demaior integração no mercado, demaior participação no consumo ede mudança e melhora nos níveisde vida da população camponesa.Mas, o que parece ser o mesmofenômeno do pomo de vista quantitativo pode ser outro do pontode vista da qualidade de vida doscamponeses. A redução da prod ução direta dos m~ios de vidapode ser indício de uma reduçãoaté grave nas condições de vidada família camponesa, sobrerudono que se refere à alimentação.Nesse caso é apenas momento dedesintegração da economia camponesa, da dispersão da família,da migração para aglomeradosurbanos, às vezes distantes, e daproletarização.
Mudanças no balanço dadistribuição do trabalho camponês entre a produção direta dosmeios de vida e a produção de excedentes podem ocorrer quandoos filhos casam ou saem da casados pais. Esse balanço dependeessencialmente do caráter fami-
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5. Cf. Gnaccarini,José César A uOrganiz.ação do trabalho c da famnia em gruposmarginais rurais do Estado de São Paulo", in Revista de administração de empresas,vaI. II, n. 1, São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, março 1971, p. 75-93. O recurso ao casamento por rapto, como forma de evitar as despesas do casamento civil,já havia sido registrado por Antonio Candido em esrudo de 1954. Cf. Candido,Antonio. Os parceiros do Rio Bonito (Estudo $Obre o caipira paulista e a Iransjôrmação dosseus meios de vida). Rio de Janeiro,José Olyrnpio, 1964, p. 186.
SítlUlfões dijmllcÍIl15...
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liar e grupal da mão-de- obra neleenvolvida. Deve--se considerar quenormalmente as próprias criançasjá estão envolvidas na produçãoagrícola. A saída dosjovens e o envelhecimento dos pais repercutemdireumente no modo como essaagricultura é organizada e funciona. Decadências fàmiliares não significam, por isso, declínio e exUn~o do mundo camponês, não significam necessariamente uma tendência histórica. São apenas expressões de uma oscilação cíclicaprópria desse mundo, embora nessa oscilação, em riono mais lento,possa estar contida uma tendênciahistórica.
Obrigações cerimoniais podem afetar esse equilíbrio e produzir conseqüências irremediáveis: um casamento, um funeral, um batizado podem comprometer esse equilíbrio por longo tempo. Às vezes, há adaptações sociais, mudanças nos costumes para ajustar a sociabilidadeàquilo que comporta a economiacamp0l}esa. Em algumas áreasdo Alto Paraíba, em São Paulo, omutirão, que existiu até há pou_'cos anos, foi perdendo sua importância social. O ônus de organizá-lo implica em cuidadosobalanço de possibilidades e da existência de recursos que vão alémdo que seria a mera remuneraçãod~ fo~ça de trabalho. Na região dePlraclCaba,josé César Gnaccarini
3. O operano se situa nomundo através do seu trabalho. Seutrabalho não se oculta no produto,pois é por ele vendido especificamente como trabalho. As relaçõesde trabalho são suas relações primárias e fundantes. São as relaçõesque ele tem em primeiro lugar, nosentido de que sem elas ele nãopoderia existir como operário. Evidentemente, a vida social do operário não se esgota no trabalho e nosrelacionamentos que ele estabelecea partir do trabalho; primeiramente com o capital, que lhe compra aforça de trabalho.•
observou o aparecimento e a disseminação do casamento por rapto, geralmente rapto consentido,como fonna de evitar as onerosascelebrações nupciais. É uma forma de invocar alegações de honrapara evitar a desonra da festa em casamento que não resulta da obediência do código de honra, casamento em que a moça foi roubadae, presumivelmente, desonrada.Com isso, a tradição é protegida eseu custo é evitadoS.
3. O camponês se situa nomundo através do seu produto. Seutrabalho se oculta no seu produto.Seu trabalho não aparece comouma relação de trabalho, emborade fato a seja. É uma relação invisível com o mercado de produtos e,por meio dele, com o capital.
Embora essa relação invisível seja, em graus variáveis, fundante de sua existêncía comopessoa e consciência, suas relações sociais imediatas são outras. São as relações de famma.Diferente do operário, cuja família é essencialmente a família
SihUlfiit$ difemrctil ís ...
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7. Cf Candido, Antonio, oh. cit., p. 56.
No caso das populações camponesas, o mercado e o dinheiro éque atravessam suas relações sociais, não raro de modo desagregador, como anomalia. Provavelmente, por isso, no imagináriocamponês, o dinheiro e a mercadoria tendem a aparecer comoexpressões de forças maléficas,dotadas de um poder próprio,como um perigo, fora do controle das pessoas.
N um movimento milenarista ocorrido entre os índiosKrahô, de Goiás, há algumas décadas, numa fase ainda de contato incipiente com os brancos dafrente de expansão, o sonho milenário invertia a relação entrebrancos e índiosS. Estes passavama ser os dominadores daqueles,trazendo do céu carros carregadosde mercadorias. Na literatura decordel não é dificil encontrar textos em que o inferno parece umsupermercado, um lugar cheio demercadorias. E certa vez um tra-
diferentes lugares do país, emque os casamentos cndogâmicostêm efeitos biológicos visíveis, como a proliferação de anões ou aocorrência de casos de hermafroditismo, como fiquei sabendo de.uma comunidade no Piauí.
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que lentame~te:às rela,ç~es próprias da condlçao operana.
Nas regiões industrializadase altamente urbanizadas, quandose compara o padrão de organização da mesma família e~ dua.s outrêS gerações, nota-se Imediatamente uma redução no númeromédio de filhos da família que setomOU família operária. Quandoa família é de origem rural, essaredução pode estar relacionadacom a transformação da família deunidade de produção em unidadede consumo.
Na economia organizada embases estritamente capitalis~, especialmente na fábrica, a unidadede produção é o trabalhador isolado. Mesmo que pais e fIlhos venham a trabalhar na mesma empresa, o contrato de compra de suaforça de trabalho é com cada um,isoladamente, sem que haja entreeles, no interior eh empresa, relações outras que não estejam mediadas pelo capital, como ocorre comtodos os outros trabalhadores.
No interior da fábrica, nãoprevalece entre eles, membros deuma mesma fàrru1ia, sua vontadepessoal, ou, por exemplo, a relaçãode autoridade que há entre pai e filho. Na fábrica, onde as relações
8. Cf Melatei, Julio Cczar. O messianismo KraM, São Paulo, HerdcrlEdusp,1972. Cunha, Manuela Carneiro da. "Logique du mythe e de l'action (Lc mouvemem messianique Canela de 1963)", ln L'Hol1lme - Revue françaised'anthropologie, torne XIII, n. 4, Paris-La Hayc, Mouron & Co., Occobre-décembre 1973.
nuclear, no campo e para o camponês é quase sempre a famíliaextensa, constituída por váriasgerações, que vivem muitas vezes próximas, no mesmo espaço. São, também, as relações devizinhança, a comunidade, nobairro rural, no povoado, no patrimônio, na corrutela, na "rua".
Não é incomum que essassociabilidades vicinais expressem, na verdade, uma teia derelações parentais7• Às vezes,em comunidades mais antigas,todos são parentes de todos, parentescos construídos ao longode muitos anos e até de séculos.Há casos extremos e raros, em
Há outras relações sociais queatravessam o seu mundo que completam e complicam os seus relacionamentos. É um engano suporque as relações sociais que fazemparte da vida do operário são apenas desdobramentos secundáriosdas relações primárias estabelecidas através do trabalho. Em suavida há relações sociais de outrasépocas, que não nascem no ato donascimento da relação entre o capital e o trabalh06• As relações defamília, por exemplo, são anteriores às relações sociais de produção que engendraram a figura dooperário. Éverdade que essas relações de família se adaptam, ainda
6. "O trabalhador brasileiro ainda se acha dominado pelo estado de espírito dequem perdeu a segurança material c não sabe como conquistá-Ia sob outras formas. As suas vinculações recentes com o mundo rural comunitário não ° deixam perceber que a liberdade relativa que a nova ordem lhe propicia é a únicavia por meio da qual ele pode lutar e reconquistar a segurança material. "Emparte, é na procedência hererogênea e recente do proletariado brasileiro que seencontram os motivos da sua lenta aquisição de uma consciência de classe orientada segundo os seus interesses imediatos c mediatos" (cC. Ianni, Ocravio,Industn'alizJJção e desenvolvimento social no Brasil. Rio de]aneiro, Civilização Brasíleira, f963, p. 105-106). "Na definição da situação e das relações do oper5riocom a fábrica, a máquina, o capataz, o gerente, etc, persistem elementos vívidos,de tipo comunitário, que se interpõem entre as pessoas e as coisas. Por isso, adefinição de outro não é política, segundo a conotação para a qual tendem as relações entre comprador e vendedor de força de trabalho. "[ ... ] Corno a consciência de classe produz-se numa situação em que as experiências vividas impregnam o presen~e, muitas vezes de modo decisivo, a consciência do proletariado na fase de sua Incorporação ao universo capitalista está repassada de padrócse perspectivas de car:íter inautêntico. O passado c o futuro biográficos pesam naconsciência dessas pessoas" (cf. Ianni, Octavio. Estado e capitalismo - Estrutura sodai e industrialização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileir;,1965, p. 159).
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pessoa, O ser inteiro ainda quemediado pela coisificação damercadoria.
A consciência do operárioexpressa a consciência do indivíduo vinculado aos seus iguaispelo contrato de trabalho e pelas relações de interesse de suaclasse. Vínculo contratual quese estende com intensidades variáveis às outras relações sociais:a contratualidade dos relacionamentos está presente em tudo,do casamento ao trabalho, da família à classe social.
A consciência do camponêsexpressa a consciência da pessoa,que é extensão da família e dacomunidade e dos laços comunitários. É mais uma consciênciaafetiva de pertencimento a umsujeito coletivo real, um corponatural de que se faz parte desdesempre, desde o nascimento.
Já o operário é parte do corpo coletNo estritamente por força do vínculo de trabal ho, umcorpo abstrato, contratual, que sedissolve na própria consci~ncia
operária a partir da mera situaçãode desemprego. É a produçãoque faz do operário um membrode sua classe e não o nascimentoe o pertencimenta natural.
Por isso, nas comunidadescamponesas tradicionais, no li~
mite, o trabalho e a festa semesclam nos mutirões, nas fesus celebrativas do fim da colheita, como a Festa do Divino, ou
7Cí
-dar um caráter religioso
~n~r • 1-smo mágico a sua re açao
oU me 'máquinas e ferramentas. E·com •
--0'-que se pode ver, as J:,e~es,
ando uma imagem re Iglosaqu uma efigie religiosa é coloca~~perto da máquina ou do localde trabalho. .
Isso apenas sugere q uç relações sociais de o~igens .diferentes e datas hist6ncas dIferentespodem se adaptar. reciprocamen-
- _..._.. te sem grande dlficuldade,.sem. q~e uma se reduza n:c~en
te à outra. Isso, porem, nao querdizer que não haja influências recíprocas entre essas relaçõ~s; como vimos no caso da famílIa.
A lógica de uma modalidadede relação social tende a submergir na lógica daquela que domina, no caso a relação capitalista deprodução. E como vimos no casoda religião, nesse caso a tendênciaé atenuar e até mesmo suprimirum certo misticismo próprio derelações outras, como as do camponês com sua terra.
Poderíamos, ainda, falar deoutras relações sociais, como asde lazer, as de vizinhança, etc.,que têm suas peculiaridades, seupróprio ritmo e encerram concepções e justificativas específicas, até porque têm outras origens. Essa diversidade de relacionamentos se mantém ou se modifica em função do modo comoneles influi, limitando-os ou não
'..
balhador rural explicou-me quesomando o valor nominal inscrito no elenco das notas do dinheiro então em circulação o resultado seria 666, o número daBesta-Fera.
Essas concepções indicamuma aguda percepção, e uma modalidade camponesa de consciência, da coisificação das pessoasatravés dessas mediações. Elas nosmostram que a coisa produzidapelo trabalho humano dele se torn~u independente, com vida pr6pna, como coisa estranha e adversaao produtor. A consciência camponesa faz um Contorno "por fora" da realidade imediata para perceber o poder alienador da mercadoria e do dinheiro, seu equivalente geral. Por isso, ela express~ de modo mais completo a crítIca do capitalismo e da modernidade. Mas, por isso também, elaeJ<Pressa deformadamente, de modo místico e milenário, pré- politiC?9, a alienação no mundo capi~hsta e a diversidade antropológtca dessa alienação.
Er:quanto no operário o quese marufesta é o indivíduo, o fragmento a que ele foi reduzido pelac??tratualidade das relações soCIaIS, no camponês manifesta-se a
SillUlções dtftmecÍJ!íL.
sã? formais e contratuais, podeate ocorrer do pai ser um subordinado do filho, devendo-lheobediência e acatamento. No lin: ite, ~m função da própria racIonalIdade do capital na produção, pode acontecer do filho terque demitir o pai para substituí-lo por outro trabalhador. Porque, na verdade, esse filho-chefena empresa cumpre uma vontade qu~ não é sua, mas do capital,da COIsa que o usa, que dele sevale como seu instrumento parafaze: com que o processo de produçao de que ambos são parteproduza a única coisa que interessa, o lucro.
Os que estão vinculados a alguma instituição religiosa estãotambém, por esse vínculo, situados num tempo que é diverso daquele que define a relação de; trabalho do operário. Esta relação éformal e contratual. Nela não int~rferem as concepções religiosasdIre.ta~e~te. Isso não quer dizerque nao Interfiram de vários modos até mesmo no processo de~rodução.Os operários cuja.vidae regrada peja ética protestantepr~va:,e~mentese ajustam melhora dISCIplina fabril, incorporada co~c:> se fosse um dever moral e relIgtoso. Outros operários podem
9. Sobre o cerna dos movi e . . . .cia pré-polftica, cf. Hobsb~~to~s~:>clals pré-polJ.tJc~.s e da respectiva consciêna,.caicas de I " .' ncj.Rebeldespmm(llIos-Estudíosob,.eIasjo,.mas
os mOlllmll:nlns soclales en los siglos XIX .xx [d .Maura], Barcelona, Ariel, 1968. y tra . ] oaquln Romero
F"-.. 'd'
SítlUlfiirs dilmllcÍIlls...
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10. C( Araújo, Alceu Maynard. Poranduba Paulista, São Paulo, Escola de Sociologia e Polírica de São Paulo, 1958, csp. 7-79. Brancüo, Carlos Rodrigues. ODivino, o santo e a senhora_ Rio de Jaqciro, Ministério da Educação e Cultura _FUNARTE, 1978, p. 68. - Os CaipirM de São Pauw, São Paulo, Brasiliense,1983, esp. p. 485_
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às relações fundantes, que sãoaquelas acima mencionadas, próprias e definidoras da condiçãooperária.
portanto, o vínculo com asociedade não é, no caso do operário, substantivamente, um vínculo pessoal e direto. É um vínculo mediatizado, pelas coisas visíveis e invisíveis, que se interpõementre ele e os outros e, até, entreele e -ele- mesmo.
Isso tem uma razão de ser. Éque, embora o vínculo do operário com o capital seja um vínculocontratual, que exige a sua individualização, que exige que vista amáscara de indivíduo só e isolado,de fato é uma relação de trabalhoem que o seu trabalho se dilui namassa de trabalho de todos. Ele éindividualmente produtor de trabalho s'aciaL Seu trabalho é fragmemo, é atividade que se junta ese dá simult:meamente às atividades dos outros operários.
Mas ele é sobretudo agente detrabalh9 social porque a dMsão dotrabalho que o anexa à linha deprodução faz com que ele se tomeapenas um membro do corpo coletivo que produz a riqueza. Seutrabalho é social, ainda, porque
nas festas propiciat6rias que antecedem o novo plantio, como aFesta de São joão'o. O trabalho éaí substancialmente diverso dotrabalho fabril e operário que ocapital reduziu a mera quantidade materiaL
Entre nós, ainda persistemas Festas do Divino, há séculosdeslocadas do calendário litúrgico para o calendário agrícola, paraindicar,justamente, a gratidão peJa colheita, a sacralidade do trabalho. São festas da fanura_ São também festas da generosidade comunitária, da partilha, da comunhão e da refeição comunitárianos vários dias da sua ocorrência.Numa escala menor, em outromomento do calendário religiosoe agrícola, as Folias de Reis, osReisados, do tempo da pamonhae do milho verde.
O vínculo do camponês coma sociedade é um vínculo pessoal;a pessoa inteira se põe nele, e nãoapenas aquilo que diz respeito aotrabalho. É, também, um vínculomediado pelo caráter de merçadaria, que seus produtos, real oupotencialmente, têm. Mas essamediação não lhe aparece comomediação primária e fundamental, embora ela seja, sem dúvida ",
seu salárío é a fração dinheiro queresultou da conversão do produtoem dinheiro no mercado.
O preço do produto que eleproduziu para .0 ~apitalist~ quelhe paga o saláno e determmadopelo mer~ado.' longe d;lS vontades indivlduals de trabalhadorese capitalistas. Em princípio, o preço pago pelo produto que es~ sendo vendido é a contrapartIda dovalor que o produto tem, istO é,do tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. Issoquer dizer que não é exatlmenteo tempo gasto de fato na pr,?dução daquele artigo, daquele bem,que determina o seu preço.
Um produto pode ser o resultado de um processo de trabalho atrasado, lento, em que é necessário muito tempo para produzir uma coisa determinada. Nossetares e~ que o processo de trabalho é mais rápido, em que é necessário menos tempo de trabalhopara produzir uma determinaehcoisa, a mercadoria conterá menos tempo de trabalho e, portanto, menos valor. Essa mercadoriaproduzida mais rapidamente afetará e determinará quanto vale,qual é o seu valor, qual é o tempode trabalho socialmente necessário de produção que ela e a outracontém. Aquela que foi produzida mais lentamente terá mais valor do que a outra, porque há nelamais tempo de trabalho. Mas, o
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causa de problemas, desagregações, mudanças e sofrimentosou alegrias. Mas, é sempre umamediação irreconhecível, que semanifesta no caráter problemático e reconhecidamente misterioso e mágico do dinheiro e damercadoria.
Justamente nesse mistérioestá o caráter social do seu trabalho, que aparece à sua consciência como trabalho pessoal e ehfamília. Mesmo que sua situaçãosocial não lhe permita clara eampla consciência do que é O
mundo das mercadorias e do dinheiro, mesmo que com elemantenha uma relação residualatravés dos excedentes que comercializa, O camponês tem suaexistência mediada e constituídapor essa forma peculiar e marginai da mercadoria que produz.
Nas situações de maior integração no mercado, em que parteponderável do tempo do camponês e de sua família é dedicada àprodução de mercadorias, ainehassiJTI têm elas um certo caráterde excedente. Porque, no geral, oagricultor familiar mesmo especializado na produção de fumo,milho, feijão, suínos, soja, mandioca, frutas ou o que for, tende aproduzir diretamente seus meiosde vida, aquilo que se destina aoconsumo diário da pr6pria família.
Nesse sentido, os problemas que o mercado e o dinheiro
sItuações difmllclitis...
79
11. Sobre o paroquialismo camponês, c( Sereni, Emilio. II Capitalismo nellecampagne. Torino, Piccola Biblioteca Einaudi, 1968, pa.ssim.
mercado, na troca de mercadorias, é que dirá que a mercadoriade produção mais lenta terá defato o mesmo valor da produzida mais rapidamente, quandouma for considerada equivalente da outra. O valor a mais deuma não poderá ser realizado.
Isso tudo para dizer que nãoé a vontade nem a necessidade dotrabalhador que lhe dirá quantoefetivamente vale o seu trabalho.Ele não poderá visualizar aquiloque interfere tão poderosamenteem sua vida, de modo invisível.Seu vínculo com o mundo é através do trabalho socializado.
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podem trazer e trazem para ointerior dessa produção mercantil simples podem ser atenuados pela produção direta departe ou de tudo aquilo que énecessário à sobrevivência. Situação diferente da do operário,que pode ser integralmente alcançado por qualquer crise económica, no desemprego, na redução dos salários, no aumentodo custo de vida, etc.
Quando o agricultor familiarmergulha plenamente na divisãodo trabalho social e se torna umprodutor especializado, mergulhatambém nas incertezas e nos mistérios do mercado, expressões deurna vontade que IÚO é a sua. Apossibilidade de ganhos altos coma produção da soja., anos depoisdesta exposição, levou muitos pequenos agricultores do sul à ruínae à miséria., pois não tinham a sobrevivência assegurada por suaprópria produção de gêneros desubsistência. Toda a terra disponível fora ocupada pela soja. Bastou os consórcios americanosd~ejarem no mercado a sojaacumulada., para que os preçosdespencassem e a soja produzidapelos pequenos agricultores dosul tivesse que ser vendida pormenos do que "valia".
Essa característica do capesinato adiciona elementos de conservadorismo na mentalidade eno modo de vida do camponês.
4. Independentemente de suavont:lde pessoal, o operário estávoltado para "fora", para o mundoda mercadoria e dos relacionamentos sociais deia derivados, para a sociedade inteira, mesmo que não tenha expressa consciência disso.
Seu modo de inserção no processo do capital, através do trabalho,demarca o âmbito de sua consciência possível. Ainda que no dia-a-diasua consciência. social seja uma consciência cori~ ~ circu~ci~
de seu viver e de seu agir abrem-lheapossibilidade de ganhar uma compreensão, no limite, totalizadora darealidade em que vive e que constrói com seu trabalho.
Quando se sente motivado a lutar "contra o capitalismo", sualuta é uma luta residual, decorrente de um vínculo residualcom o mercado e o capital e deuma consciência residual e parcial de sua situação social.
Seu vínculo com o mundoé esse, residual, que é tambémseu limite de compreensão desse mundo e de sua ação sobreesse mundo. É o vínculo de umsolitário, confinado à sociabilidade imediata da família, da comunidade e da paróquia!!. Nãoé o vínculo de alguém mergulhado diretamente no mundoque o capital criou.
4. Independentemente de suaefetiva inserção no mundo damercadoria, o camponês está voltado para "dentro", para o pequeno mundo concreto que conhece e identifica, como a família e obairro, isto é, a vizinhança e a comunidade.
Mesmo que cada vez maisalcançado pela dispersão e pelasmigrações que a pobreza e o caráter dclico da produção combinados viabilizam e induzem,a família e a comunidade continuam sendo grupos sociais dereferência do trabalhador rural.Mesmo definitivamente na cidade e fora da agricultura, quem
81
1.1. Cf. Ianní, Octavio. lndustrializafão e desenvolCJinunto social no Brasíl. Cit., pas
sim.
r.r"SillUlÇiic5 diferellclllí.s...
Mesmo que, evidentemente, esteja inserido em relações defamília, a família é aqui, geralmente, uma unidade social de referência mínima, reduzida à chamada família nuclear, constituídapelo casal e pelos filhos. Filhosque um dia, também, se deslocarão segundo as regras e conveniências do mercado de trabalho.O que agrupa não é, primaria~ente, o afeto e o parentesco esIm. a .produção. As pessoas nãosão de um lugar, mas de um emprego transitório e temporário. Avizinhança é basicamente umavizinhança passageira, continuamente dilacerada pelas mudançasde casa e de bairro, pelas migrações, pelo não voltar a ver-se. Nolimite, nos prédios populares deapartamento, mais sociabilidadede vizinhança têm as crianças doque o~ pais, que geralmente malconhecem seus vizinhos de porta, a conversação e a convivênciano limite reduzidos a um mero eocasional cumprimento.
Quando o operário se envolve ~m atividades e lutas "comunitárias", envolve-se invariavelmente em relações de interesse .e, . portanto, já não podeconstitUIr e manter verdadeirasrelações de comunidade. Isto ésão relações racionais com rela~ção a fins, mesmo que os fins sejam sociais e não estritamentepessoais. A figura desses relacio?amentos é o indivíduo e seusInteresses. Suas relações sociais
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saiu do mundo rural continuapor longo período ainda mantendo essas referências sociais.Nas grandes cidades brasileirasisso pode ser constatado nas es~tações rodoviárias: linhas de ônibus regulares para remotos lugares do sertão, literalmente mantidas por esses migrantes no retorno peri?dico ao lugar de origem.A condIção operária não cria essevínculo de pertencimento por~ue.suas relações sociais são qualitativamente diferentes e outras.
As atividades e lutas sociaistendem a ser lutas verdadeiramente comunitárias, motivadaspelo sentimento do dever emrelação ao outro, pelo elementar motivo de que o próprio cam~onês é membro do corpo coletlvo do "n6s", de que o outrofaz parte. São relações de reCipr?cidade, motivadas por umaonentação social básica que temO outro como referência.
Quando deslocado de seum~ndo comunitário para o intenor de relações contratuais demercado e de trabalho, o camponês tende a se confundir. Nãoé raro que atribua ao patrão virtudes patriarcais pr6prias de seumundo de origem e que interprete como relações paternalistas as relações que de fato sãocontratuais. Essa mentalidadetende a se projetar intensamentepara fora das relações de trabalho,
.'
I
·1I-1I
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são relações orientadas para o "eu",ern que o "outro" entra no geralcorno um associado ocasional porurn interesse comum apenas circunstancial. A classe social pode assumir formas e características corporativas, mas de fato não pode assumir características verdadeiramente comunitárias.
S. O mundo do operário e aidentidade do operário são constituídos pelo antagonismo de classe.Esse antagonismo oscila entre ornero antagonismo de interessesentre O empregado e o patrão (umquerendo ganhar mais e outroquerendo pagar menos) e o efetivo antagonismo de classe social,dominado pela consciência deque o que separa o mundo de ume de outro é a contradição entre ocapital e o trabalho. Contradiçãoque opõe, na sociedade capitalista, o trabalho social à apropriaçãoprivada dos resultados do trabalho. Portanto, contradição queanuncia, ao mesmo tempo, umapossibilidade social do trabalho eo bloqueio a que essa possibilidade se realize.
É o trabalho social e sua espedfica competência para criar ariqueza modema que anuncia oque é socialmente possível e queestá objetivamente negado nasprivações de quem trabalha. Essa
como se viu no demorado fenômeno do populismo político '2 .
5. O mundo do camponêse a identidade do camponês miosão necessária ou.fUndamentalmenteconstituúJos por antagonismos internos à sua situação social. Eles sãodestrnfdos pelos antagonismos sociais. Se eventualmente houverantagonismos entre o camponês e o proprietário da terra, oque é menos comum na situação brasileira, esse é um antagonismo que vem de "fora" da situação camponesa.
·Mesmo que objetivamentepossamos dizer que de algummodo o camponês é um trabalhador para o capital, como muitos fazem, a possibilidade dessapercepção por parte do própriocamponês é remota, quase sempre"postiça consciência introduzida por agentes de fora da realidade camponesa.
Sociologicamente, porém,o que importa é saber quais sãoas condições de compreensão daestrutura de relações sociais em
13. "[ ... ] é o proletariado que fornece aos membr~s das o~n:s c!asses.as ~oss~bilidades de compreensão das condições c tendênCias de e;.aste~cla.socla~.E a SItuação típica da classe operária que abre possibilidades à conSCiênCIa sOCIal, tan,to dos próprios membros como de elementos de OUtTólS classes" (cf. lanm,
Octavio. Gp, dt., p. 172).
SitWIÇ&S dYaeflcÍAís...
contradição não propõe apenas esimplesmente o conflito de interesses, como é comum nos quefazem o discurso sindical, ou omero discurso humanitário emfavor dos pobres.
Independentemente da vontade subjetiva do próprio trabalhador, demarcada por sua ineviúívelalienaçio, e independentemente dovoluntarismo partidário dos quefal~rnemnome dos pobres, a contradição propõe a sua inevitável superaçiúJ. Uma superação, porém,que precisa ser construída, que depende de superações progressivasda própria alienação, de progressiva descoberta desse possível proposto na própria situação de classe.
Para compreender o historicamente possfvel que se anuncia epropõe na situação de classe dooperário e, portanto, a crítica queele encerra ao capitalismo e a prática que viabiliza, é preciso ter emconra a questão do tempo socialcontido na situação da classe operma. Um tempo que não é maisdo que ínruído na consciência cotidiana do operário e que só tem seviabilizado como alternativa deação na socialização das possibilidades que ele contém. Isto é, namedida em que essa percepção sedifunde nas diversas classes e categorias sociais que, de algum modo, possam compreendê-la e elaborá-Ia interpretativamente. A experiência operária, o vivido, não é emsi esma, imediatamente, consciên-
que o camponês está inserido,compreensão por parte do próprio camponês, como virtualidade de sua situação social.
Mesmo que submetido amecanismos de exploração porparte do capital, é exploração inteiramente diversa da exploraçãoque sofre o operário. Não é umaexploração cotidiana, presente emcada momento do processo detrabalho. É exploração que se torna evidente na consumação davenda dos produtos do trabalho ena contrapartida daquilo cujacompra essa venda possibilita.
Como, no limite, o camponês pode sobreviver de seus próprios meios de vida, seus antagonismos mercantis não se tomamevidentes senão em condições ecircunstâncias especiais. Isto é,'sua reprodução social não é significativamente atravessada e ameaçada pela presença imediata daoutra classe social, a classe que oexplora.
Quando a exploração se tor.na evidente e seu mundo comunitário ganha visibilidade comoclasse social, como meio que ocapital utiliza para ampliar osganhos propriamente capitalistas, suas demandas e lutas se tornam, no geral, lutas anticapitalistas. Isto é, não são lutas parasuperar e transformar o capitalismo, para resolver sua contradição fundamental que está naprodução social e na apropriação
1,
. perária e projeto histórico,ela o r ~ ,fundamento e relerenCla
mas h' " dde compreensão da Istona o
presente.Diferente do que ocorre com
o camponês, o operário vivenciao processo social. co~o, ser fr~
. ntário, como mdlvíduo e naome d' ~ dcomo pessoa. Sua con lçao e
essoa está oculta e só se chega.a~Ia por mediações i:'"terpre~~
as quando o própno operano:e ~ompreende como vítima de
rocessOS alienadores e como serp d' -de contra lçoes. .
Diferente do que ocorre <.:omo camponês, a vivência do operárioé a vivência do processo de trabalho. Isto é, o operário percebe e sepercebe imedia:unente no_proce:so de reproduçao das relaçoes SOCI
ais, como agente de um processode conúnua recriação do mesmo,de conÚIlua repetição de gestos, procedimentos e entendimentos,
Esse processo se rompe longe dos olhos do operário e longede sua co~preensão imediata. Aruptura se dá na acumulação decapital. É a acumulação que pedeou recomenda inovaçóes tecno-
privada dos resultados dessa modalidade de produção.
São lutas antagônicas, freqüentemente demoniz.adoras depessoas e negadoras de todas ascaraCterísticas constitutivas da 50
cieda.de capitalista, mesmo aquelas que já representam a realização das possibilidades sociaisabertas e viabilizadas pelo capital.
Por isso, as lutas camponesas tendem a essa característica,tendem a ser lutas pré-políticas.Quando politizadas, é uma politização postiça e pobre, insuficiente, dependente de referência a outras classes sociais, emparticular a classe operária. Sóem circunstâncias muito peculiares e limitadas essas lutas podem se juntar às lutas operáriasno sentido de uma transfonnaçáo social profunda13.
Muito mais facilmente doque a classe operária, o campesinato em seu protesto pode evidenciar alguns dos aspectos maisdesumanos do processo do capital, geralmente aspectos imperceptíveis para a classe operária. É que, historicamente, com odesenvolvimento do capitalis-
82 83
85
14. Um estudo sociológico clássico sobre esse tema é o de Mannheim, Karl. "Elpcnsamiento conservador". Ensayos sobre 50âologfa YPS;'OÚJgía social [tr.t~. Fiorentina M. Tomer]. México-Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1963,
p.84-183.
raso Embora não o sejam necessariamente, são elas componentesda sitUação social em que usualmente floresce o pensamento conserv.ldor, no sentido clássico doconceito14• É na situação do camponês que estão presentes os elementos hist6ricos que propõemuma visão totalizadora do processo social e da pessoa. A totalizaçãose expressa nela completamente,sem necessidade de mediações decunho metodológico. A tradiçáoconservadora se funda no privile-gíamento das referências de totalidade na compreensão do processo social.
6. Os conflitos sociais quetêm o camponês corno protagonista, como classe social que sedefronta com o capital, quandonão são apenas conflitos de interesse em torno de preços, tendem a ser conflitos externos, estranhos ao que se possa considerar efetivamente capitalismo.Esse é, certamente, um dos fatores que levam muitos pesquisadores nas ciências sociais a dedicar um tempo enorme à discussão sobre "modo de produção" ou sobre "fonnação social"para decidir se as lutaS campone-
b lho pelo capital, o tempo da críti-Ira a d· I'(a ílLtema do capital e o cap~ta umo.
O operário nã~ te~ cond~ções sociais, culturaiS e ldeológl-
de adotar uma ideologia cam-caS .ponesa como se fosse um projetohistórico. Embora poss~, culturalmente, se beneficiar da críticatotalizadora do capitalism? .q.ue avivência camponesa pOSSlblhta eque gan?a corpo e visibilidadenoS movimentos camponeses, no
-protesto camponês. Nessas lutas,aspectoS fundamentais do capi~-lismo são íluminados, esclareCIdos e revelados à consciência .social, coisa que o operário e a lutaoperária náo podem lograr.
6. Os conflitos sociais quetêm o operário como protagonista, como classe social que se opõeao capital; são, também, conflitosintemos, próprios e constitutivosdo processo sociaI na sociedadecapitalista. São conflitos que propõem a inovação social, as transformações sociais, no próprio interior do processo de reproduçãodas relações sociais e de reprodução do capital. Isto é, que propõem as mudanças a partir dascontradições internas do capital e,portanto, do processo que, ao mesmO tempo, propõe a reprodução
--
\\I\
-1
mo, o camponês é condenado aodesaparecimento, à proletarização, à transformação em operá~
rio. Na relação com o camponês,o que o capital faz é tentar separá-lo dos meios de produção, convertê-lo em força de trabalho para o capital. É o que se chama deacumulação primitiva.
As rupturas históricas, parao camponês, se dão de maneiravisível, diretamente em sua vidado dia-a-dia, sem nenhuma ocultação possível que possa ser remetida causalmente ao própriocapital. Embora as causas não fiquem evidentes, na percepçãodas mudanças está presente quasesempre uma substantiva intuiçãode causas, do capital e do dinheiro como fatores de transformaçãosocial negativa para o camponês.
Por isso, as lutas camponesasgeralmente não são lutas pela transformação social. São lutas contrao perecimento, são lutas pela preservação da condição camponesa,são lutas contra a conversão da terra em instrumento direto ou indireto do capital. São lutas de reconhecimento do caráter transformador da acumulação de capital no seucontrário, na desttUição social quea acumulação também promove.
O tempo que elas encerramsão o tempo do pretérito, o tempo daresistênâa às traniformações, de crítkaexterna do capital. Com freqüênciase diz que as lutas camponesassão tradiçionalista5 e conservado-
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lógicas, transformações no processo de trabalho, mudanças quemudam o que é o trabalho e, nãoraro, tornam o próprio trabalhador supérfluo e descartável. Asinovações produtivas e sociaisestão divorciadas do caráter reprodutivo do processo de trabalho. Por isso, não raro, no limite,o operário s6 descobre o possíveldo capital no impossível do trabalho, no desemprego, na condição de operário em busca de trabalho e não na condição de opedrio no trabalho.
Portanto, a ruptura se dá noâmbito da acumulação de capitale não no âmbito do trabalho. Nomais das vezes, as transformaçõescapitalistas não são percebidas como rupturas ou catástrofes. Diversamente do que acontece como camponês, são rupturas inte-,grativas, que tendem a reincluir otrabalhador no processo de trabalho como trabalhador para o capital. Diferente do que se dá com ocamponês em face do capital, queo capital exclui ou transforma emoper!rio, o destino do operário'está no interior do processo dereprodução do capital. Mesmo aconsciência de classe que questiona o capitalismo só pode emergir no interior do processo, comoconsciência das contradições en~
tre o capital e o trabalho.
O tempo que essas rupturasencerram é o tempo do possível, otempo da superação da exploração do
SftwlÇj;~5 difame/nu...
SílJlAfiies dijeretlcÍ1IÍJ...
86
15. C[ Lefebvre, Henri. La survie du capitalisme - La re-production des rapports deproduction. Paris, Anthropos, 1973, esp. p. 57-126.
87
ceiros de que o grande capital seapropnou.
Além disso, a situação docamponês é peculiar, porque seuprincipal instrumento de produção é a terra. A terra, porém, queainda é a base fisica da produçãoagrícola, é um instrumento nãocapitalista de produção, pois elaprópria não é produto do capital,como ocorre com os outros meios de produção. Ela não é, senãocontabilisticamente, capital constante. Para que a agricultura entreno circuito capitalista de produção é necessário fazer investimentos de capital, não só o capital constante representado pormáquinas e ferramentas, sementes e insumos, mas também emcapital variável, o pagamento dotrabalho de quem trabalha, o salário. Ou o capital variável do salário oculto de quem trabalha emlavoura própria.
A terra representa, portanto, uma irracionalidade quandoconvertida em equivalente decapital, quando é preciso pagarpor ela. Essa irracionalidade é arenda da terra capitalizada, opreço da terra. A renda territorial representa uma dedução do
'aI O camponês que aindaSoCI . .duz diretamente seus meIos
Pdro
'da mesmo que produzindoe VI , . d' .térias-primas para a 10 ustna,
:~ra na divisão social do trabalho de outrO modo.
O caráter social de seu trabalho se oculta no produto, na medida em que esse prod.utojá é produto que pode se realizar no consumo. Coisa que não acontece comos produtoS fragmentários do trabalho do operário ou com os gestoS fragmentários do trabalhadorcoletivo na linha de produção.
Além do mais, como tendência geral, o operáriojá não dominao integral conhecimento envol~
do naquilo que produz. O capItalse apropriou do velho e sofIsticado conhecimento dos velhos artesãos e dos trabalhadores da manufatura. E o decompõs para recompô-lo, elaborado e desenvolvido,num operário coletivo que é, nogeral, a línha de produção.
A sujeição do trabalho ao capital tornou-se sujeição real: Otrabalhador já não tem como trabalhar sem se sujeitar ao capital;ele se tomou mera extensão damáquinae de um processo de trabalho que já contém em si mesmo o saber que o alimenta l6•
16. Marx distinguc dois níveis históricos de realização ~~ ~odo capitalista de produção; o modo de produção capitalista, ccntr:ld? n..a sUJclçaojõrmal d~ c.r:balho aocapital, e o modo de produção espe(ijUamente cap~~IISta, centr.l;do na sUJelÇ30 real dotrabalho ao capital A distinção entre classe oper.ma e campesm~to dep~nde de qu,cse considere essa concepção fundamental. Cf. Marx, Karl. El capItal - Llbro I - CapItulo VI (Inédito). [Trad Pedro Searan], Buenos Aires, Signos, 1971, csp. p. 56-63.
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sas são pré-capitalistas e "antifeudais" ou se o campesinato é efetivamente uma classe social dasociedade capitalista.
Convém ter em conta que,em sua expansão, o capital nãose apropria apenas da força detrabalho, destituindo completamente o artesão e o camponêsdos meios de produção necessários à preservação de Sua autonomia como produtor. Comoconvém ter em conta que o capitalismo não é formalmente omesmo em todas as partes.
O capital precisa se apropriardo trabalho para se apropriar dosfrutos do trabalho, isto é, da riqueza adicional que o trabalhopode criar em relação aos custosde reprodução da força de trabalho. Apropriar-se dos meios deprodução foi o meio históricoque o capital préexistente descobriu para se apropriar da mais-valia. Mas, uma vez constituído osistema capitalista, o capital teve etem tido condições de se apropriar da mais-valia, mesmo dostrabalhadores que ainda não foram separados de seus meios deprodução. É o caso dos camponeses que para comercializar seusprodutos tornaram-se dependentes dos setores comerciais intermediários e dos setores finan-
das relações sociais e a produçãode relações sociais novas l5. Essa éa forma característica da transformação possibilitada a partir dasituação social da classe operária.
Os conflitos operários sãoconflitos latentes, inscritos naspróprias contradições que reúnem o capital e o trabalho no processo de valorização do capital.Independentemente da vontadesu~je~vado operário, sua relaçãocom O capital é conflitiva. A lutapelo salário é apenas uma luta deinteresses, mas ela indica o desencontro entre o que o operáriorecebe e o que o operário produz.Indica, portanto, essa interioridade do conflito. Indica, também, adimensão social da contradiçãoque une e opõe trabalhadores ecapitalistas. Indica, ainda, a dimensão oculta do modo de criação e apropriação da riqueza pormeio do trabalho.
Diferente do camponês, ooperário não luta, a não ser porequívoco, pela máquina em quetrabalha, como o camponês lutapela (erra, por sua terra de trabalho. Até porque, para o operário,seu trabalho e sua máquina sãoapenas fragmentos do processode trabalho e do processo de criação da riqueza. A divisão do trabalho faz de seu trabalho, desdeo ato de trabalhar, um trabalho
SitUilÇÚCS d1jmflcIIlÜ...
Não é estranho, portanto,que em mamemos de crise dotrabalho, crises de desemprego,seus conflitos de interesse sejamatenuados e sua luta pelo trabalho se tome, na verdade, luta pelo emprego. Isso quer dizer que,na impossibilidade de uma apropriação social do capital, a lutaoperária pode refluir para umaluta pela preservação do capital epela preservação das relações capitálistas como forma do operário preservar-se como operáriopara o capital, como operário empregado. As lutas operárias só têmsentido como lutas no interior doprocesso capitalista de reproduçáo do capital.
(
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capital disponível para fazer oempreendimento agricola funcionar como empreendimento capitalista. Essa é a razão pela qual ogrande capital prefere não se tornar proprietário de terra, para poder amar como agente efetivamente capitalista. Essa é a razão,também, pela qual o grande capital prefere, muitas vezes, assegurar que o camponês sobreviva,obrigando-o a modernizar-se, isto é, a tornar-se um capitalista pequeno ou um trabalhador que vive como trabalhador, mas queproduz como pequeno capitalistapara o capital.
Seu conflito com o capitalpode se abrir em duas frentes.Ou a luta pela terra quando sedefronta com o especulador imobiliário que há no capitalista docapitalismo renrista, como o nosso, diferente do capitalismo clássico, europeu e americano. O capitalista cujo ganho, além do lucro, inclui a renda da terra. Ou aluta pela elevação de preços oupela redução de juros, um característico conflito de interesses,próprio da sociedade capitalista enão estranho a ela, que não representa, de fato, nenhuma possibilidade de superaçáo do capitalismo.
O mais importante dessesconflitos, do ponto de vista histórico, é a luta pela terra. Na ver<hde, uma luta pelo capitalismomoderno contra o capitalismorentista, o capitalismo do capita-
.~.
lista que vive de lucro e renda daterra, que tenta suprimir a irracionalidade da renda territorialsem suprimir o latifúndio, tornando-se ele próprio capital latifundista.
A luta pela terra difere completamente da luta entre o capitale o trabalho. Ela não propõe a superação do capitalismo, mas a suahumanização, o estabelecimentode freios ao concentracionismona propriedade da riqueza sociale à sua privatização sem limites.Ela propõe o confronto entre apropriedade privada e a propriedade capitalista. E proclama a superioridade social e moral da agricultura familiar, que na propriedade privada se apóia.
Mesmo que os trabalhadores rurais adotem formas comunitárias de apropriação daterra, porque inseridas na lógicado capital, essas formas tendema ser variantes sociais ricas e criativas da propriedade privada,verdadeiros condomínios. Anunciam, sem dúvida, a possibilidade de sujeição da propriedade àsua função social e nesse sentido indicam a presença contraditória de uma transformação e deum tempo que é futuro, umacerta utopia.
Mas, ao mesmo tempo, a luta pela terra põe em questão o direito de propriedade e o regimeem que ele se funda, o da propriedade privada como fundamento
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17. Numa linha de interpretação mais claramente sociológica do que a do csquematism~do Manifrsw Comunista, escrito porM~ e Engels, o tem.a das. relações c desencontros entre a situação de classe SOCial e a complexa d1V~rsJdadc
dos elementos constitutivos da consciência de classe está rratado, a partir de umacontecimento histórico. em M.arx, Karl. "O 18 Brumário de Luís Bona~arten,
iII Marx, Karl & Engels, Frederic. Obras Escolhidas. Rio dcJaneiro. Vitóna, v. I,1956,p.199-285,esp.p.276-277.
1.::::-, SIfUllções tlífU(JlclJlíL.
da propriedade capitalista. É nessesentido que a luta pela terra questiona o sistema em seu conjunto epropõe, no fundo, que o sistemaseja reinventado. Tentativas de fàzer História revendo o passado,mais do que antecipando o futuro, resultam diretamente dessacircunstância estrutural, dessa referência inevitável.
É nesse sentido que a lutapela terra questiona ocapitalismo, questionando umafimna de capitalismo.É nesse sentido que ela, querendo ou não, propõe uma visãototalizadora e crítica do que é ocapital, de seus efeitos socialmente desagregadores.
Uma certa consciência doque é o capital como antagonismo existe no camponês também, porque, mesmo como trabalhador para o capital, integrado no processo de reproduçãoampliada do capital, sua sujeição tende a permanecer comosujeição formal. Isco é, ele se sujeita formalmente, mas não realmente, aO' capital, pois preserva integralmente o conhecimento, o saber, necessário à produção, além de que seu produtoé produto acabado, mesmo quedestinado a ser matéria-prima deprocesso de produção mais extenso, na indústria.
7. A consciência operária éermanentemente mediada pelo
P . . d tconflito constitutivO a est~ u-de classes. Isso não quer dizerra .A' , • •
ue a consClencla operana sejaq. dnecessanamente, to o o tempo,uma consciência da luta de classes. Quer dizer, no entanto, quemesmo não tendo as classes sociais objetivamente visibilidadeconstante como tais, os elementoS próprios dessa conflitividadese manifestam todo o tempo dediversos modos, sob diversas formas. As classes sociais são classesem sí, independentemente da v~mtade de seus membros, o que nãoas torna necessariamente classespara Si 17 .
De fato, sociologicamente, acondição de classe se manifestaapenas em situações e circunstâncias específicas. No mais dasvezes, a consciência operária tende a ser uma consciência de classediluída, esfumada, penneada pormediações estranhas à situação declasse, na relação com a existênciaobjetiva da classe operária e as contradições que nela se expressam.
7. A consciência camponesa não é permanentemente mediada pelo conflito constitutivoda estrutura de classes. Porqueo conflito propriamente de classes não se instaura de modo constante e cotidiano na sua situaçãosocial. Isso não quer dizer que nãohaja conflitos de interesses cadavez mais presentes na vida das populações camponesas, disputas emtomo de preços, empréstirnos,juros.
O agricultor familiar, que,ainda que modernizado, é o nosso característico camponês, é dono dos meios de produção, é umprodutor autónomo. Sua relaçãocom o capital não se dá por meioda exploração direta de seu trabalho pelo capitalista... A exploraçãode seu trabalho aparece ocultadana extração de renda fundiária,aparece sob a forma de pagamento de renda da terra.
Isso não quer dizer que nãoexista no campo o operário agrícola, o assalariado que, esse sim,se defronta diretamente com ocapital que utiliza e explora seutrabalho.
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18. Cf.• cm particular, o Terceiro Manuscrito, de Marx, Karl. Manuscrits de: 1844(trad. Émile Botrigclli], Paris, Édirions Sociales. 1962, p. 79-149.
SHllJl fões dijerCllciIlÚ...
Convém sempre lembrar quea consciência que o operário temde sua classe é atravessada neces~
sariamente por mecanismos ideológicos alienadores, ilusões edeformações, cuja função social éa de torná-lo acima de tudo agente ativo da reprodução da sociedade e não agente ativo de suatransformação.
No próprio processo de produ~ão capitalista, que é o processo de sua exploração e, pOrtanto,o processo de extração da riquezanão paga, há mecanismos ilusórios dele constitutivos, que impedem a percepção do que efetivamente está sendo produzido: ovalor que ultrapassa a reproduçãoda própria força de trabalho como propriedade de quem exploraO trabalho.
Do mesmo modo' que ooperário percebe sua assimilaçãopelo processo do capital comointegração e não como exploração e privação, percebe ilusoriamente sua presença em outrosâmbiCos da realidade social. Essaassimilação o torna produtor demercadorias, de coisas.
Sua inserção no mundo social se dá, portanto, indiretamente, através de mediações, por meiodas coisas que produz. Ao produzir coisas e ao ver-se como produtor de coisas e produtor de relações sociais que não existem semo por meio das coisas, das mer-
o conOito de classes, no mundo camponês, está essencialmente na posse da terra. Em nosso país, é a terra que pode estar nocentro do corúlito de classes dosamponês, do agricultor familiar.E, portanto, um corúlito que nãoatinge toda a classe nem mesmo asua maioria.. O conflito se instauraquando há disputa pela posse daterra ou disputa em tomo da renda da terra.
N um extremo, temos tido ocaso dos posseiros, ocupantes deterra que não dispõem de títulode propriedade ou cujo título estásujeito a litígio. No outro extremo, os trabalhadores em terraalheia que pagam uma renda fundiária em trabalho, espécie ou dinheiro para ter acesso à terra detrabalho. Neste último caso ocorúlito de classes é o conflito ~mtorno da renda, em tomo do instrumento de produção, da condição da produção, e não primariamente em tomo da apropriaçãodos resultados da produção.
A renda constitui um tributo que o produtor paga ao donoda terra, uma dedução de seuspróprios ganhos. Essa é uma relação invertida quando comparada com a relação operária: ooperário também sofre uma dedução na riqueza que produz,re~ebe menos do que o valor quecnou. A dedução, porém, é disfarçada pela equivalência aparente entre o salário recebido eas horas trabalhadas.
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cadorias, é a relação social coisificada que o socializa, que se propõe como alteridade na sua constituição como ser social. Ele setoma, pois, socialmente produtoda coisificação dessa relação social mediada pela coisa, pela mercadoria. Ele se desumaniza nessarelação e nessa socialização. Ele setoma produto do seu produto18•
Ele se vê ao contrário do que efetivamente é - produtor de coisase de relações sociais, de idéias e deinterpretações.
Sua consciência se move comdificuldade na relação com s.ua situação social de classe. No entanto, a conflitividade dessa situação"está lá", latente e subjacente à.sua consciência e à sua sociabilidade operária. Ela se manifesta nosmomentos de -crise das mediaçõesque impedem que a sitUação declasse se manifeste como consciência de classe. São OS momentos emque a reprodução das relações sociais entra em crise, o imaginárioda reprodução se debilita, as ilusões da integração são confrontadas com a realidade crua dos salários insuficientes, do emprego inexistente, dos sonhos impossíveis.
São os momentos em que aacumulação capitalista, Para se preservar, se propõe como prioritáriaem relação àcondição humana; em
A dedução do camponêsaparece como pagamento de umtributo cujo direito decorre deum monopólio de classe sobreum pedaço do planeta, comodizia Marx. O operário deixa de serpago numa parte de sua jornadade trabalho. O camponês paga para cumprir suajornada de trabalho. O operário recebe um salárioincompleto. O camponês pagaum tributo excessivo, a renda daterra, mesmo quando é proprietário dela, porque deve pagarpor ela para ter o direito de nelatrabalhar.
Uma forma peculiar de conflito em nossa sociedade decorre, portanto, da luta pela terra,da luta contra o monopólio declasse da terra. Esse fenômenofoi e ainda é muito intenso emvárias regiões do país, especialmente na Amazônia. Lá, a lutaentre posseiros e grileiros é lutapeIa terra e luta por uma concepção de direito à terra. Conflitos desse tipo houve no Paraná e em outros estados até anosrecentes.
O conflito se configura pelo confronto entre proprietáriosreais ou supostos e os ocupantesde terra. Os proprietários reaisquerem extrair de sua terra umarenda territorial. Os proprietários supostos, senhores, não ra-
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19. A excepcional relevância da prática da grilagcm de terras no país está demonstrada .num.d~cu~entoofiCial recente. Cf. Livro Branco da Crilagem de Terras no Bras~l,. ~mls[é,:o do Desenvolvimento Agrário, Brasflia, 2000. Numav~rr~dura ln;clal relativa ~ est3?elecimcntos com mais de lQ,OOOha de tcrras,dUVidas recalram sobre a titularIdade de 93 milhões de hectares. Convocados oss.upostos proprietários a apresentarem as provas da legalidade de seus títulos ostitulares de pouco mais de 60 milhões de hectares não conseguiram fazê-lo:
Diferente do contido no modelo teórico clássico de desenvolvimento do capitalismo n.a agri_cultura, não tivemos aqui, ao menos de maneira significativa, entreo capital e a terra, o conflito político entre os capitalistas e os proprietários de terra em tomo d.a questão d.a renda fundiária, conm uns,a favor outros.
Aqui, o capital se tomouproprietário de terra e ampliou eacelerou sua expansão territorialespecialmente durante o regimemilitar. Pode-se falar em acumulação primitiva justamente porque por trás da figura do proprietário de terra estava a figura doempresário capiulista. Neste caso, porém, uma acumulação primitiva diversa do modelo clássico, pois o objetivo não era separaro trabalhador de seus meios deprodução para convertê-lo emtrabalhador para o capital. Concretamente, o que a expansao territorial do capital pretendeu foi seapossar da terra para se apossar darenda territorial viabilizad.a pelapolítica de incentivos fiscais,meio de usar a renda fundiáriacomo meio de acumulação nãocapitalista de capital.
Essa busca de renda territorial, como forma de ampliaçãodos rendimentos do capital, nãotem se limitado às regiões defronteira, onde o direito de propriedade é instável e incerto. Elase estende ao país inteiro.
temente a consciência confonnista determinada pelo processo dereprodução das relações de produção e de reproduçã':. das :elaç&:ssociais. Porque ela nao está refenda a um mundo fechado e autárquico como tende a ser o mundocamponês. Ela está referida à contradição entre o caráter social dotrabalho e o caráter privado d.aapropriação dos resultados do trabalho. Essa contradição mediatizatodo o tempo, cotidianamente,mesmo que de modo invisíve~
tanto a situação de classe do operário quanto a consciência ope~a.
É a referência dessa contradição que traz para a possibilidade de consciência do operário otempo da sociedade nova e futura, a sociedade que supera e transforma as relações sociais do presente. Enquanto o tempo novodo camponês está no passado idealizado, o tempo novo do operário está no futuro, numa sociedade que ainda não existe a não sercomo possibilidade.
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ro, de títUlos obtidos na grilagem de terras, querem receber o tributo indevido poraquilo que de fato não lhespertence 19•
Os lavradores que chegam ase envolver na luta pela terra sãoaqueles que não reconhecem esse direito e, não raro, não escloem condições de pagar essa renda fundiária, seja mediante compra da terra, seja mediante pagamento de aluguel, a renda.
Entre nós, a expropriaçãoterritorial dos trabalhadores assumiu características de acumulação primitiva. IstO é, foi formade promover a separação do trabalhador rural de seu meio fundamental de prodUção, a terra.Essa separação se deu tanto nasupressão de arrendamentos, especialmente-em trabalho (comono caso do colonato das regiõesde café ou da moradia das regiões de cana de açúcar) ou emespécie (nos casos em que a utilização da terra se dá mediante aparceria ou a meação), quanto sedeu, de marteira violenta, na expulsão de posseiros em várias regiões do país.
SítUJIfões dijermciaú...
que a coisa, o capital, se proclamahumano e revela a redução doshumanos a meras coisas, mercadorias, trabalhadores como vendedores de força de trabalho oucomo seres descartáveis.
A consciência operária dizrespeito ao caráter alienado do trabalho, dominada pelas abstraçõese ficções que tomam possível o .trabalho as:>:alariado. É uma consciência.abstrata porque dominadapelo princípio da equivalência geral, da igualdade fictícia que esconde as desiguald.ades e contradições próprias da mercadoria.
Ao se socializar pela mediação das coisas que circulam, istoé, que são trocadas porque reduzidas a quantidades e equivalências, o operário se constitui emexpressão dessas equivalênciasquantitativas, próprias das coisasproduzidas de modo capitalista.Sua consciência expressa esse seumodo de ser e expressa o modocomo o capital invade e dominasua vida, por meio da exploraçãodo trabalho.
Sua consciência, porém, nãoé necessariamente nem permanen-
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SillUlfões difer",clill5...
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Aos jovens camponeses quese tornam adultos, aos que procedem da tradição e da experiência da agricultura familiar, inviabiliza o acesso à terra, a sua permanência na agricultura familiar. Faz da renda da terra umairracionalidade social e política,mais do que uma irracionalidadeeconômica. que é o que ocorreno capitalismo clássico.
Quadro que se agrava numsistema econâmico que vem fechando rapidamente a possibilidade de acesso às ocupações industriais em conseqüência datransformação da estrutura produtiva. É nesse quadro de tensões que a legitimidade do direito de propriedade entra em crise, que a concepção do direito àterra se desborda sobre os limites estreitos de um direito queas circunstâncias sociais tomaram obsoleto.
A conflitividade na vida docamponês não vem da expLoraçãodo trabaLho, mas sim da expropriação territoriaL, da privação de acesso à terra como meio de trabalho. Sem dúvida, seu conflito éconflito de classes, mas um conflito escamoteado pelo fato deque, embora conflito com o capital, não o é com ° capital personificado pelo capitalista, porque não é conflito entre o capitale o trabalho na situação de trabalho, e sim capital personificadopelo proprietário da terra.
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A disputa é pela mesma coisa - a terra - entre os que não atêm e querem tê-la e os que a tême não querem abrir mão deIa. Entre nós sequer chega a haver umdebate sólido sobre o que de fatopoderia configurar uma disputade classes - o regime jurídico dapropriedade fundiária e sua obsolescência.
Nesse sentido, quando seinstaura, é esse um conflito tempariria, episódico. Ele dura otempo da expulsão do trabalhador da terra ou da efecivação deseus direitos territoriais, peIaforça ou por via judicial. Podelevar dias, semanas. ou, não raro,longos anos. Mesmo em relaçãoàs novas características da lutapela terra, envolvendo terras daqual os que lutam não foram expulsos, a lpta tem um ritmo próprio e se esgota na consumaçãodo acesso à terra.
Trata-se mais de um intervalo cOqjuntural na história decamponeses individuais ou grupos particulares do que de u:nape-rmanêr'l.cia estrutural ~a V1dade todos os camponeses. B, portanto, uma conflitividade opostaà conflicividade própria das relações entre o capital e o trabalho,que é cotidiana e pennanente.
Enquanto o capital invade edomina a vida do operário, integrando-o ao sistema capitalis~.ocapital, sob a forma de prop~e
tmo de terra, expulsa e exclUI o
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r""'''.'''.
SflJi/lções illjemrcÍIlú ...
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camponês da terra, transfonna-oem excedente populacional.
Por isso, a consciência camponesa tende a ser uma consciência dessa expulsão, uma consciência de fim de era, de fim dos tempos, porque de fato expressa episódios de supressão da condiçãocamponesa. Não é incomum quea consciência dessa finitude assuma a dimensão de uma consciência de catístrofe, de um "fim final", de apocalipse dos trabalhadores da tert<L De furo é isso que, individualmente, tende a aoom:ecer.
Essa é a razão pela qual nemsempre a consciência camponesaé uma consciência política. Elatende a ser uma consciência prépolítica. Enquanto a consciênciapolítica descobre no conflito opossível, as indicações de saída, aconsdênda pré- poLítica não conseguedescobrir nada em re1a{ão ao futuro,porque para o camponês o futuroé o final, o perecimento de suaclasse e de sua condição. A consciência camponesa com maisfacilidadese abre em relação ao passado, embusca das evidências dos temposidealizados da fartura e da alegria.
Não raro, ela explica os fatos e desastres por meio da culpa coletiva, de modo propriamente apocalíptico, como castigo que pede expiação, castigo,sacrificio e demonjzação, próprios ou de terceiros. Mesmoquando a consciência se alarga,como ocorre nas novas fonnasde lUta, o vocabulário que sus-
tenta essa consciência é um vocabulário apocalíptico, demonizador e punitivo20 •
Diferente da esperança operária, que é a esperança fundadana superação das contradições emque a exploração do trabalho sefunda, a esperança camponesa éuma esperança milenarista., a expectativa no advento de um tempo novo em que a realidade punitiva do presente será invertida, será transformada no seu contrário.
Muitas vezes, há aí a expectação do retomo do messias queinstituirá o reino da abundância, a festa pennanente, a conversão dos velhos em jovens,dos tristes em alegres, dos famintos em fartos. As contradições serão resolvidas na utopiada reversão e da paralisação daHistória21,.
20. Um dirigente de uma organização político-partidária de luta pela terra,falando no programa "Roda Viva", da TV Cultura de São Paulo, usou estasignificativa expressão para justificar a peleja dos trabalhadores rurais: "... puniro latifúndio" (grifo meu).
21. Cf Queiroz, Maria Isaura Pereira de. lA ''guerre soin/e" ou Br6il: Le moullt'menr messianique du "Con/estado n
• São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências eutras da Universidade de São Paulo, 1957. Queiroz, Mauricio Vinhas de.Messianismo e confliJo social (Aguerro sert4neja do Conteswdo: 1912-1916). Rio deJaneiro, Editora Civilização Brasileira, 1966. Monteiro, Duglas Teixeira. 05errantes do novo século. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1974.
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SílJlIlçôes dYerellcíllÍs ...
8. Como verdadeira classesocial, o operariado não s6 é classeem si, mas contém a permanentepossibilidade de se tornar classe para si. O tornar-se classe para si depende de circunstâncias hist6ricas, de conjunturas crfticas, demomentOs em que a dimensão reprodutiva e legitimadora da exploração do trabalho se dilacera. Momentos em que o auto-engano jánão. é possível.
No geral, essa ruptura nãoocorre no próprio processo de trabalho e de valorização do capital.O desemprego é uma ruptura noprocesso de trabalho. No entanto,ele não tem sido um fator deconsciência de classe e de manifestação das virtualidades da classeoperária enquanto classe para si.Ao contrário, o desemprego fragiliza a classe operária, !an:ça trabalhadores desempregados contratrabalhadores empregados na competição pelas oponunidades de trabalho. Atenua o poder de reivindicação do operariado, diminui suasresistêhcias à exploração, sua solidariedade de classe e sua intolerânciacom a injustiça e a exploração.
Mesmo que o desempregorevele à consciência do trabalhador uma das mais perversas manifestações da exploração capitalista do trabalho, não revela aomesmo tempo a classe social.Antes, expõe fatores de negaçãoda classe no sentimento de exclu-
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8. Como classe social, O
campesinato é classe em si, quenessa condição pode ser observada objetivamente. Ela se manifestacomo classe de um ponto de vistapuramente externo, a partir desuas formas convergentes de produzir e de se relacionar com seuprincipal instrumento de produção, a terra. Como classe em si,pode ser observada sociologicamente e pode ser compreendidapoliticamente, na sua contraditória inserção no processo social ehistórico. Ela se manifesta comoclasse, também, por sua capacidade de questionamento histórico e político implícito da expansão capitalista, especialmente suaex:pansão territorial.
Embora sua vivência dramática, e não raro trágica, permita aos membros dessa classeuma aguda consciência crítica doque a expansão territorial do capitalismo representa para os camponeses e o que é, de fato, comofenômeno histórico, o campesinato, em princípio, niio rem como seconstituir em classe para si. Isto é,classe social dotada de consciência de classe. Não tem, porque suaexistência social não é constitutivamente mediada pelas abstrações próprias da igualdade fonnaldo mundo da mercadoria, emque a força de trabalho tenha sidoconvertida, ela própria, em mercadoria. A não separação entre oprodutor e o produto no mundocamponês não libera o trabalho
são e de privação. Nem mesmooS mecanismos de formalizaçãoe aglutinação da c~asse social sãosuficientes e efiCIentes na preservação de uma identidade declasse em condições de adversidade, como essa. No mais das vezes, essas circunstâncias revelamuma face da condição operária quenão a afirma nem confirma necessariamente como classe, a dimensão burocrática, formal e institUcional das lideranças.
No limite da sua plena manifestação como classe social, aclasse operária existe como çlasse para si quando tem condiçõesde expor e efetivar o seu projetode classe, o seu projeto social ehist6rico. Isto é, o projeto de superação da exploração do trabalho pelo capital. Nesse momento,
.a classe operária se afinna e se nega. ao mesmo tempo, como classe. Ao tomar consciência de queseu destino hist6rico é o destinoda superação da sujeição do trabalho pelo capital, a classe operária torna reais as suas vinualida-
.des de classe e torna visível parasi e para a sociedade a universalidade libertadora de sua práxis, desua luta.
Isso não quer dizer que todosos operários ou que mesmo a maioria dos operários tenha essa nitidez de consciência. Ou que só osoperários possam tê-la. Quer dizerapenas que a condição operária, aoconter potencialmente a possibi-
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daquilo que produz e não lhedã, portanto, as caraCterísticaspróprias de uma coisa em si,que possa se tornar equivalentede mercadoria, de coisa.
Isso não impede que o campesinato tenha consciência, alguma consciência de suas dificuldades, de seus problemas e,sobretudo, de sua finitude, como finitUde imposta pelo assédio do capital e pela expropriação territorial que se impõe especialmente nos momentos eepis6dios, muitas vezes longos edemorados, da acumulação primitiva. Mas, não é consciênciaque venha de um antagonismointerior e constitutivo, reprodutilIO. O antagonismo com o capitalé "externo", mesmo quandovem da circulação dos produtosdo trabalho rural e camponês.Não é reprodutivo, é destrntilJO.Por isso, as lutas camponesastendem a ser típicas lutas de resistência à expansão capitalista eresistência à sua destruição pelocapital. Por isso, também, a consciência camponesa tende a sermarcadamente uma consciênciaconservadora, embora o conservadorismo camponês não deixede carregar consigo, no seu radicalismo inevitável (porque dizrespeito à raiz existencial do camponês) as contradições de umaoposição ao capital e àquilo queo capital representa como destruição de um modo de vida.
22. Sobre a concepção de necessidades radicais, cf LefebVTc, Henri. La procltl.matiotl de la commune. Paris, Gallimard, 1965, p. 20. Heller, Agnes. La théorie desBesoim Chez Marx. Paris, Union Générale d'Editions, 1978, esp. p. 107-135.
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SltllJ!fões diferenciais...
lidade dessa clareza, abre umaperspectiva de consciência quepode afetar toda a sociedade.
Sua exteriorização, porém,depende do momento histórico,depende de que as comradiçõessociais se tornem insuportáveis.Depende de que as necessidadessociais, que são as necessidadesque movem a História, se tornem necessidades radicais22• Istoé, depende de que as necessidades sociais não possam ser satisfeitas sem transformações sociaisradicais, que interfiram na raizda constituição da sociedade.
Nesse momemo as relaçõessociais entram em processo dereordenamento, reconfiguraçãoe redefinição. Elas ganham outrosentido na consciência social. Nesse momento, a classe operária sedescobre não como classe em si,como corporação de interesses,mas como classe portadora daconsciência da História. Não sedescobre como classe de produtores de mais-valia e menos ainda como classe de produtores decoisas. Mas, como classe de produtores de possibilidades históricas para toda a sociedade.
A classe para si depende dessa negação no interior da classeoperária para que o caráter uni-
É essa contradição, justamente, que traz as lutas camponesas para o mundo moderno.Ao pretender afirmar os valorese o modo de vida consagradosna concepção conservadora quelhe é própria e, ao mesmo tempo, ao fazê-lo em oposição aocapital e à expansão capitalista, ocampesinato se toma inevitavelmente protagonista de uma utopia anticapitalista. Uma utopiaque só pode se resolver na humanização do processo do capital, no estabelecimento de condições e limites à expansão capitalista. Essa contestação tem suaeficácia justamente porque faz acrítiCa do capitalismo na própriaação desde o exterior do processo do capital, uma crítica "externa", por isso dotada de uma certaobjetividade histórica.
Mas nem por isso as lutascamponesas têm ou podem teras características e as qualidadespróprias das lutas operárias. Oscamponeses se encontram comos operários no desencontro desuas formas de consciência, deseu modo de compreender o queé o capital e o que é o capitalismo. Essas consciências externa einterna do prOcesso do capital sóse encontram no trabalho intelectual e interpretativo e, eventualmente, quase sempre mal, nos
..:
versaI e libertador contido na suasituação de classe se socialize, setorne um dom de toda a sociedade, de todos os que têm carecimentoS de mudança, de transformação social, de todos os quenão podem ser saciados nos limites estabelecidos da exploraçã.o do trabalho e da rentabilidade do capital.
Nesse sentido, há desencontrOS entre a classe operária real, aclasse dos que estão mergulhadosno processo de trabalho industrial,e suas virtualidades filosóficas esociológicas. O poder transfortnador da classe operária está nesseplano virtual. Sua experiência se:cia! de classe nos fala das contradIções do processo do capital, quesão contradições radicais da História. Tais contradiçQes se manifestam através de múltiplas mediações na concreta experiênciasocial da classe. Esse é o plano daconsciência real, sempre desencontrado com a consciência possível. Só em momentos excepcionais do processo histórico na s0
ciedade contemporânea é que aconsciência real e a consciênciapossível se encontram.
Henri Lefebvre distinguiu osplanos desencontrados da consciência e da prática de uma maneira esclarecedora e definitiva. Elesugere que reconheçamos as diferenças entre o vivido, o percebido e ocoruebido. O vivido é o plano da vi-
programas políticos em favor detransformações sociais.
A exterioridade da consciência camponesa, em relação ao desenvolvimento capitalista, tendease expressar em movimentos sociais pré-políticos, pré-capitalistas, além do mais. Isto é, a consciência camponesa ganha consistência nos movimentos sociais decunho totalizador, marcados porum antagonismo absoluto em relação ao mundo não-camponês,não raro sob fonna de guerra santae de demonização do capital e detodos aqueles que são seus agentes, na gestão e no trabalho, todosos que estão, de algum modo,condenados à condição de agentes de reprodução das relaçõessociais da sociedade capitalista.
Por essa razão, mesmo emsituações de capitalismo avançado, ou de adiantado desenvolvimento capitalista, nos nichos residuais da sobrevivência camponesa, os efeitos destrutivos da di~
nâmica do capital tendem a gerarmovimentos camponeses de cunho milenarista ou de cunho messiânico. São movimentos queanunciam e procuram realizaruma inversão do mundo e dasrelações sociais que o caracterizam, uma anulação de relações,situações e mesmo pessoas e grupos sociais demonizados pela auibuição a eles da responsabilidadepeIo advento do apocalipse, daera da Besta e do Maligno, pela
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24. C( Hobsbawm, Eric J. Rebeldes primitivos - Estudio sobre las formas arcaiCtls de105 movjmientos socia/es r:n los siglos XIX. yXX [trad. JoaquCn Romero Maura], Barcelona, Ariel, 1968.
expressa como classe "para si" ofaz pela mediação interpretativade outros grupos sociais, comoos grupos de militância políticados setores radicais da classe média. É o outro que vê o campesinato como classe, o trata comoclasse e o dirige como classe, como se vê na interferência e naação de igrejas, de sindicatos, deentidades humanitárias, partidos, que interferem e, mesmosem querer, acabam impondodireção e ideologia política às lutas camponesas.
Justamente aí surgem freqüentes problemas. Não sendo enão podendo ser de fato classepara si, as características desagregadoras de sua situação social ede classe tendem a se manifestarna fragmentação da classe emmovimentos sociais nem sempreconvergentes e grupos de interesse discordantes.
Mesmo quando um grupo,a partir da experiência de classede uma fração do campesinato,.tenra impor sua hegemonia aoconjunto do campesinato, só pode fazê-lo através de grupos demediação. Esses grupos podemser até expressão da diferenciação social do campesinato, queem muitos lugares gera até mesmo sua própria intelectualidade,como é o caso de religiosos e religiosas, professores rurais, técnicos agrícolas. Mas, a experiência social de classe desses grupos
lOS
do capital sublinhou a importân-'a daquilo que no processo de
C1 d'dtrabalho pode ser compreen 1 oilusoriamente como sendo a ~e~'"
lidade da relação entre o operarIae o capital, estava nos falando daceno-alidade ordenadora do percebido nas relações sociais da sociedade capitalista. O operáriovende ao capitalista a sua força detrabalho. Em troca recebe o salário. O salário aparece, portanto,como o equivalente do, valor desua força de trabalho. E equivalente porque ele cobre o custo dereprodução da força de trab~ho,
custo de reposição do que o trabalhador, enquanto operário e enquanto reprodutor da c1ass~ operárU, portanto, enquanto paI, marido e mantenedor da casa, precisapara retomar diariamente à fábricae ao trabalho.
Se o que o operário vende éa sua força de trabalho, o que ocapitalista compra já não o é. Ocapitalista compra a outra face daforça de trabalho, que é sua capacidade de produzir mais valor doque O valor contido no operário,do que o valor consumido na suareprodução. Isto é, o que o capitalista compra é a capacidade dooperário produzir mais-valia, riqueza excedente à. que foi empregada para tornar o processocapitalista de produção possível.
Portanto, o percebido é umpercebido concreto, é o percebido necessário e real a que a rela-
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insuuração do tempo da perdição, o tempo purificador da separação entre bodes e ovelhas;do expurgo dos condenados àperdição e da instauração do reino dos salvos e escolhidos.
Ou, quando não tem essas características escatológicas, ou nemmesmo se configuram em movimentos sociais, as situações adversas gestam os bandidos sociais, osjusticeiros, como mostrou Hobsbawrn, os que tiram dos ricos paradar aos pobres24 •
Mesmo que se tomem protagonistas de movimentos sociais, as populações camponesasnão se expressam como classepara si, como classe social. Suasreivindicações tendem a ser reivindicações tópicas, o que também pode acontecer com a clasSe operária. Quando as lutas camponesas se tomam mais abrangentes e radicais tendem, poroutro lado, a se manifestar nãocomo classe para si e sim comohumanidade em face de umacrise final e não em face de ummomento de transformação. Ou,ainda, quando supostamente se
23. C( Lefcbvre, Henri. La prodllction de l'espace. Paris, Anthropos; 1974,passim. - "Entrevista", jn Michel Antoine Burnier (cd.). Conversaciones com los radicales [trad.]. Luis López). Barcelona, Kairós, 1975, esp. p. 108. - Sociologje deMarx. Paris, Presses Universiuires de France, 1966, csp. p. 20-48.
vência, da práxis ao mesmo tempo repetitiva e inovadora, da realidade social do dia-a- dia, dotrabalho, da casa e do trânsitoentre um lugar e outro. É a vida,se poderia dizer. É a vida cotidiana,se poderia dizer melhor23 •
O vivido encerra mais do queo percebido. Porque nem tudo oque é criado e nem tudo o que resulta da vivência no trabalho, naru~ e-rn asa, pode ser percebidopelas pessoas, mesmo pelos operários. No vivido tudo parece repetir-se, a mesma lógica, os mesmos gestos, os mesmos procedimentos, as mesmas palavras, osdias e as noites, os encontros. Ovivido parece expressar-se na rotina, na mesmice. É no plano desse"parece", do que parece ser ou doque aparece e se deixa ver, que seestabelece o percebido.
O percebido está no planoda consciência cotidiana do processo social. Ele tende a limitar-se ao que confirma a legitimidade das relações sociais estabelecidas. Quando Marx, na análise da distinção entre pro.ceSso detrabalho e processo de valorização
SítlUlfiies diferwcltlls...
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O engano não se faz necessário no interior do próprio processo de trabalho do camponês.Ele tende a. aparecer na relaçãocom o mercado. Nessa relação,não há separação, num caso como o nosso caso brasileiro, entreterra, trabalho e capital. Os três"fatores" da produção não se autonomizam para cobrar, cadaum por si mesmo, a parte alíquou que lhe cabe na produçãoda riqueza e, mesmo, da produção da mais-valia.
Nesse sentido, o engano nãodepende de uma modernizaçãodas relações de trabalho, revestindo-as de um caráter contratual. O engano depende da preservação de relações tradicionais,ainda não alcançadas pela desagregação dos fatores de produção. O manterjuncos terra, trabalhoe capiCll, como um único agente deprodução e um único agente a reivindicar sua parte no conjunto dariqueza produzida, faz com que otrabalhador rural, o camponês,nunca saiba exatamente onde estásendo lesado, de onde está saindosua contribuição como produtorde mais-valia.
isto é, o conjunto de relações sodais, de coisas, de riqueza, de concepções, de criações sociais e estéticas que se levantam como umpesadelo ou como estranha criatura diante de quem produz a riqueza e todas essas possibilidades.
É a compreensão do enganoque nos fala do concebido. Elanos fala do que justamente acabade ser exposto, de que a produção capitalisu é ao mesmo tempo produção de um engano queoculta uma verdade, averdade daacumulação capitalista. O concebido está na concepção científica do processo social, na compreensão abrangente e totalizadora do que aparece e do que nele se oculta.
É no concebido que a compreensão do possível se antecipaàs circunstâncias históricas reveladoras das possibilidades da práxis. Sobretudo, é no concebidoque o cientista compreende, também, a eficácia social do engano eseu lugar no processo de re-produção das relações sociais,·de contenção do processo histórico, deretardamento do real em relaçãoao possível.
O concebido está no planoda criação e da criatividade emface do desvendamento do possível, do historicamente possível. O concebido se situa no momento da práxis inovadora, dapráxis revolucionária, como opróprio Lefebvre interpreta.
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deixa de ser a de sua classe de origem para ser a do seu novo grupode pertencimento, a classe médiade que fazem parte. Isso não impede que de algum modo mantenham sua lealdade à categoria social de origem, mas uma lealdademediada por uma visão de mundo que é a da classe média.
Portanto, nesses casos, o campesinato como classe para si só p0
de sê-Io desvinculado de si mesmo,desfigurado por uma experiência de classe social que não é a sua.
Nesse plano, o campesinatopode se conceber e perceber como classe unicamente na medidaem que se nega como classe, porque se afirIlla e afirma sua identidade através do outro, da mediação do outro. Diferente da classeoperária que é sua própria referência. Aí o concebido só podeser formulado fora da situação declasse, como teoria ou como ideologia. E o percebido, que é tlm
bém um percebido mutilado eenganoso, não tem na situação docampesinato . nenhuma funçãosocial estruturante. Não há nadaque deva ou possa ser ocultado narealidade social do camponês queseja essencial a que continuecumprindo sua função históricana relação com o capital e com asociedade. Ao contrário, o quecumpre a função integrativa, longe de ser o engano, é a clareza e acerteza de que o trabalho pertence ao próprio trabalhador.
Sí!JUlções dij,mICfJús.•.
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ção social se efetive, a que a exploração do trabalho pelo capiulse concretize. Se o percebido nãoescamoteasse a essência do vivido, não resulusse de um ocultamenta socialmente necessário, arelação capitalista não seria possívele o capitalismo seria igualmenteimpossível. O auto-engano é, nesse caso, instrumental, constitutivoda própria relação social.
.Ao expor as funções históricas do percebido, Marx, ao mesmo tempo, mostra que o percebido esconde o possível ao esconder a realidade essencial darelação capitalista. O percebidoesconde o modo como é extraídaa riqueza social no capitalismo.Ele é momento constitutivo dochamado modo de produção capitalista, que é essencialmenteum modo de produção de mais-valia, um modo de produção do engano essencial a que a mais- valiase corporifique em coisas que nãoparecem produzidas pelo trabalho gue as produziu. Porque sónesse engano é que se pode com-opreender o que é esse modo socialde produção de relações sociais.
É a equivalência acessível aopercebido que viabiliza a construção da relação capitalista. Aomesmo tempo, essa análise deixaclaro que o que escapa ao percebido se realiza longe dos olhosde quem percebe e produz o quenão se percebe. Esse é o produto,
si!U/lriics difmncÍIlÍS...
o possível se propõe no plano da realização e da distribuiçãoda mais-valia, embora engendrado no mOmento de sua produção. Por isso, o possível socializao que a produção criou e viabilizou. É nesse plano, justamente,que o trabalhador aparece comosendo efetivamente o que é, como trabalhador coletivo e o seutrabalho como trabalho social:
M. f
. Ultas pessoas que não es-tão direumente envolvidas naprodução material, na fábrica, sãomembros desse trabalhador coletivo. Como o professor, que ensina e prepara quadros para que areprodução social se dê, para quese dissemine o conhecimento semo qual o trabalhojá não é possível.
9. A classe operária é, teoruamente, uma classe transfomladora,istO é, urna classe cuja situaçãosocial contém a possibilidade datransformação social. Mesmo alienado, como não pode deixar deser para que cumpra sua funçãohistórica no processo de reproduçã0 das relações sociais da sociedade capitalista, o operádo está mergul hado numa prática queenvolve a delicada combinaçãodos contrários: a produção sociale a apropriação privada dos resultados da produção social, acobertada pela igualdadejurídica e realizaga na desigualdade econômica. E essa contradição que anuncia urna certa inevitabilidade do
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9. O campesinato, enquanto classe dispersa e fragmentária, é, teoricamente, uma classeconservadora, de consciência social conservadora, no geral norteada pelos valores e concepçõescentrados na família, na terra, nareligião, na comunidade e notrabalho.
A visão conservador:a do mundo, da vida e do trabalho que éprópria do carnpesinato, é, maisdo que gestada, reafirmada na expansão do opitalismo. Porque nessa expansão o capital ameaça em primeiro lugar a autonomia e o modode vida das populações camponesas,seu acesso à terra, sua liberdade, suavisão de mundo.
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possível: a apropriação social dosresultados da produção social, asuperação da apropriação privadados resultadOS da produção social.
Quando se fala em inevitabilidade, fala-se na tendência geral do processo histórico, mas faIa-se também na necessídade deconhecer a diversidade de formaspossíveis dessa superação. A sociedade contemporânea não estácondenada a uma única forma desuperação de seus dilemas, seusdesencontros, suas contradições.Muitos fatores interferem no modo como essa superação se dá: aestrutura de classes, a organizaçãodo poder, a cultura, a eficácia dosmecanismos de reprodução dasrelações sociais, as condições históricas, polfticas, sociais e económicas da superação. As vezes a estrutura social é mais rígida, maiseficaz na reprOOução das relaçõessociais. Às vezes, e em cerus conjunturas, é mais frágil ou mais flexível, mais "competente" para realizar a possibilidade do novo e dainovação social.
O operário pode compreender essa contradição de um modo alienado e tentar resolvê-Iaalienadamente por meio da busca da ascensão social. Nesse sen':'tido, ele procura escapar da armadilha da exploração individual eisoladamente, com base nas regrasda reprodução da sociedade capitalista, sem questioná-la, sem superar de fato as contradições queo alcançam.
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A expansão do capital ameaça, em primeiro lugar, a visãoordenada e integral do mundoque é própria do camponês, suaconcepção totalizadora da vida.O capital a ameaça porque impõe a separação entre o trabalhador e seus meios de vida, porquecoisifica as relações sociais, porque acoberta a solidariedade entre situação social e consciênciasocial, porque impõe o descompasso entre a compreensão e aação, porque fragmenta a vida e acompreensão do viver, porqueimpõe o estranhamento do homem em relação a si mesmo e aoseu mundo.
Por isso, diferente do operário, o camponês, em face da expansão do capital, pode facilmente reconhecer que seu mundo está ameaçado de destruição, que O
capital de fato é adverso e adversário. É o que faz com que as lutas camponesas tenham, no maisdas vezes, a dimensão de resistência à expansão capitalista naquiloque ela tem de destrutivo e, também, de transformador das relações sociais para impor relaçõescapitalistas de produção, modo capitalista de apropriação dos meiosde produção.
Do ponto de vista histórico,a expansão capitalista pode representar de fato um progresso,um avanço nas relações sociais,uma modernização do mundosocial. Ela remove os obstáculosa que cada homem, e, portanto,
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Por isso, do ponto de vistasocial e imediato, das pessoas queo vivenciam, o processo de expansão capitalista difunde sofrimento, pobreza e humilhação. difunde um certo sentimento de privação, de perda, de expropriação.
Ai reside uma certa ambigüidade da situação camponesa.Ambigüidade porque condenado ao perecimento, em termoshistóricos. Ambigüidade, também, porque condenado a viverurna transição histórica que nãotermina, mergulhado numa agonia lenta, obrigado a viver a recriação constante, ainda que parcial, das relações sociais que aconsciência contemporânea jádefiniu como rebções do passado, embora não sejam.
Vive, portanto, mergulhado numa situação sociaJ que perdura. Diante dele não se abre umpossível histórico similar ao quese abre diante do operário. Porque sua contradição com o capital é externa e localizada, não éconstitutiva do seu relacionamento, senão indiretamente ou,ao menos, sob outra forma quenão a do operário.
Quando urna certa consciência da superação a ele sepropõe, propõe-se como retrocesso, como reversão do processo histórico. Daí os messianismos e milenarismos tão próprios da cultura camponesa. Asuperação é buscada numa am-
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são e a lógica própria da reproduçáO dessa sociedade, seus mecanismos autodefensivos do capi-
. ulis01o.
também os camponeses, sejamlibertados dos laços patriarcaisque o prendem ao outro. Laçosque o tornam sujeito da domi-.. _ ........nação pessoal e de uma economia limitada e limitante, dominada pela autonomia de produzir diretamente os meios de vida e de produzir excedentes comercializáveis ou dominada pela autonomia aparente de ser odono do trabalho e dos meiosde trabalho, a terra e o capital.
DUIdIlte muito tempo, as esquerdas entenderam que todos ostrabalhadores deveriam passar poresse processo, deveriam libertar-se das subjugações que os impedem de entrar plenamente nomundo do contrato social.
Porém, estamos no mundoda divisão social do trabalho. Diferentes momentos do processode produção estão distribuídospor uma escala desigual de desenvolvimento técnico e de desenvolvimento social. Ao contrário da suposição ideol6gicamais fácil, os diferentes setoresda produção não se desenvolvem de modo igual. Cada umtem seu próprio tempo e seu~r6prio riono. Justamente porISSO, o campesinato se preserva,recriado pelo próprio capital,numa espécie de relação colonialdas relações mais avançadas edesenvolvidas com as relaçõesmais atrasadas.
SitJuJções dIjmllc!aIJ...
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Mas, na situação de classe dooperariado a contradição é social.Para de fato agir diretamente sobre o núcleo dessa contradição, ooperário não pode se libertar, nãopode superá-la, sem libertar a sociedade inteira. Quando tenta escapar pela ascensão social que oinduz, age sozinho, voltado para simesmo. Porém, quando a contradição de fato se revela a ele, suaação tende a ser uma ação coletiva, uma ação de classe, isto é, práxis social, práxis inovadora. Nessesentido, ele age como personificação do trabalho social, que é a forma do trabalho no capitalismo. E énesse sentido, também, que suaação s6 tem sentido como ação declasse, como protagonista coletivoda possibilidade de superação dascontradições que alcançam sua situação e sua vivência.
Insisto neste ponto: a situação de classe e suas contradiçõesapenas indicam uma possibilidade de ação e um projeto social ehistórico possível. Não quer dizer que o operário vá agir necessariarriente desse modo e nessadireção. Porque o trabalho nasociedade capitalista é trabalhoalienado, isto é, trabalho dominado pelos mecanismos da reprodução das relações sociais constitutivas dessa sociechde. À possibilidade da produção do novo,das novas relações sociais, da nova sociedade, antepõem-se opõese os mecanismos, a compreen-
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pIa reversão da História, na tentativa de voltar a um passadoidealizado, fantasioso.
Mesmo que numerosas, taisreações dificilmente alcançam oconjunto da classe ao mesmotempo. Quando se vê ações emque os camponeses parecem numerosos, como hoje no Brasilisso se deve ao poder dos grupo~de mediação, geralmente gruposde classe média, de igrejas, de sindic~dos, de organizações partidánas, etc., náo de fato à realização política da situação de classepotencial do campesinato.
No entanto, embora mergulhado no mundo do conservadorismo, o camponês é, também,um ser mergulhado no mundo~ l.iminaridade, do limite, seja o]~mlte do tempo histórico, seja ol~mite de uma classe pré-capitalIsta que foi revitalizada e recriada no mundo do capital. Essa liminaridade dá ao camponês umavisão crítica do processo de expansão do capital que o operáriogeralmente não pode ter. Porque ele pode ver "de fora paradentro", em perspectiva, de maneira radical, a partir da raiz. Daíque as lutas camponesas tendamao radicalismo e à revolta, mesmo que sob inspiração da críticaconservadora, que fundamentaseu protesto.
Suas lutas não propõem asuperafão do capitalismo, mas a resistência ao capitalisnuJ. Daí que, fre-
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q.üemen:ente, o discurso operáno e o discurso camponês se encontrem em sociedades em queessas classes coexistem. Eles seencontram no anticapitalismode ambas. No entanto, o doscamponeses é substantivamentedistinto do dos operários.
A falta dessa compreensãonão raro produz equívoCOS graves na ação política dos chamados partidos sociais ou dos partidos de esquerda. Porque o conservadorismo camponês só setoma positivamente anticapitalist<l, isto é, só engrossa açõespolíticas de superação do capitalismo quando encontra mediações que sejam capazes dearticular um projeto social quefaça da resistência camponesauma força auxiliar da superaçãodo capitalismo ou de sua transformação. Porque, do própriomundo camponês, estruturalmente falando, não pode emergir uma prática de superação docapitalismo, que seja mais doque uma prática de contestaçãoe de resistência aO capitalismo.
A concepção social e do social das populações camponesas,diferente da dos operários, nãoestá diretamente contida na contradição de sua existência social.Ela está contida na sua cultura eno modo como se organiza seumundo comunitário e, em grande parte, em suas relações face-
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sItJUlções dijerrllcÍJtÍ5.•.
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a-face. Ela está contida na éticado pequeno mundo em que vive.
Além do vivido e do visível,para ele, está o estranho e o estranhamento, o que não faz parte donós senão de modo postiço e frágil, o que inclui todos aqueles quese pensam seus aliados, que querem ajudá-lo ou apoiá-lo. O nósdo operário, diversamente, é dado pela situação de classe e na trama abstrata de suas relações sociais, que se toma visível nos grandes e massivos encontros e demonstrações de pessoas, na maioria, desconhecidas, que se encontram porque assumem a legitimidade dessa abstração e da invisibilidade dos relacionamentos tecidos pela mercadoria e pela acumulação do capital.
Mesmo acolhidos, como épróprio do mundo camponês,os estranhos permanecem numa espécie de sala da rua ou doterreiro, coisa que se nota naprópria estrutura da casa camponesa e no modo como nesseespaço ritual são recebidos osque merecem ultrapassar a soleira da porta, mas muitíssimo raramente o vestíbulo do acesso àintimidade da casa. Essa espacialidade da consciência está sempre muito presente na vida daspopulações rurais, em seus ritosinterativos e na quase semprerigorosa observância do decorono trato de quem é estranho ou
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de quem, quando muito. é recebido no limiar da intimidade.
A rigor, camponeses e operários se distinguem até pelo espaço e pela concepção de espaçoem que se manifestam como classes. O espaço da manifestaçãopolítica da classe operária não é,evidentemente, a fábrica e sim arua, a praça, o espaço público ?acidade em que mora e transItacotidianamente.
Já o campesinato não dispõede um espaço próprio de manifestação política no lugar ondemora. Porque, no mais das vezes, ele mora onde trabalha, onde sofre as privações e os medosque o mundo roral ameaçado lheimpõe. O campesinato não vivenem transita cotidianamente pelos lugares de encontro próprioda sociedade moderna. O lugardo seu viver é o lugar do isolamento e do desencontro.
Seus encontros sociais nãose dão na espacialidade ampla domundo da política. Ocorrem aperias nas estruturas da viziumnça edo parentesco, cujas funções nãose desdobram numa espacialidadepolftica. Quando se manifesta politicamente, o faz num espaço quenão lhe é próprio nem familiar,que é o espaço da cidlde, um espaço que faz dele um estranho eum estrangeiro.
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rega consigo a possibilidade. ~esuperação das relações SOCiaiSdominantes e nem mesmo derestauração de suas relações sociais fundantes. Nestas últi~as,
subsumidas pelo capital de diferentes modos, já não existe a autonomia suposta nas suas onenuçóes utópicas. Des~re~~ ~sgrandes valores telatlvos a dlgrudade e à condição humana e, emsua resistência, a importância revolucionária desses valores no estabelecimento de limites éticos àexpansão capitalista.
10. O alcance político e histórico dos conflitos camponesesse define pela mediação dos outros conflitos sociais, em parti.,.cular a dos conflitos de alcancehistórico, como é a luta operá_ria. Justamente por isso, o alcance das lutas camponesas pode oscilar e muito de acordo coma conjuntura histórica e as cir- .:cunstâncias de sua ocorrência, _'~ _ ._
A inserção do campesinato na ".modernidade e nas lutas pelas~__ ..transformações sociais é vicária, ._~__ ....
d:pe~dentede dinamismos que ...~:'nao sao os seus. ,'.,
.'.,. ~ .., ,Ele pode flutuar entre extre-
mos discrepantes. Mesmo um j"'"conflito grave, como não poucos .:~que temos tido ao longo da histó-ria republicana, po~e aPI~r~cler tcomo mera ocorrênCia po tCla esem nenhum alcance histérico epolítico.
Como, em outras circunstâncias, pode dar a impressão deter grande impacto político e,mesmo, grande alcance histórico, como neste momento em queé em grande parte instrumentodas inquietações e descontentamentos de certos setores daclasse média ou de certos partidos políticos. Mas raramenteultrapassam seu limite históricoque é o de pôr em questão a or-dem social e política que se ali-cerça sobre o capital.
Porque, de fato, a práxis camponesa que conhecemos não car-
10. o alcance político e histórico das lutas operárias é amplo e abrangente porque são lutas da classe social cuja situaçãose abre para o possível, para auniversalidade possível do homem, como afirmação do humano contra a coisificação que oassedia e aprisiona. Porque é pormeio da existência e da atividadeda classe operária que se tomaconsistente e constitutivo O queé p~oRriamente social, como qualidade nova e diferente dos relacionamentos humanos. Porqueé por meio dela que a historicidade do homem pode ser desvendadOl como uma lei e, portanto, como uma possibilidade.
É verdade que isso não querdizer que toda luta operária éuma luta transformadora. Nemquer dizer que todo operário éum revolucionário. Sua situaçãode classe é revolucionária, mashá grande distância entre ela e asua consciência e sua ação.
Vencer essa distância é quedefine o que é propriamente práxis política como contfmu e renovada descoberta do possível e contínua transformação conscientedas relações sociais que impedema emancipção do homem de suascarências e necessidades. É esse oespaço da construção conscienteda sociedade nova e possível, dastransformações que desbloqueiem o acesso de todos ao que é detodos, que democratizem efetivamente a sociedade.
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