UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE FARMÁCIA
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a
dissacáridos
Mário Miguel Cândido da Silva Grosso
MESTRADO INTEGRADO EM CIÊNCIA FARMACÊUTICAS
2013-2014
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 1
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE FARMÁCIA
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a
dissacáridos
Mário Miguel Cândido da Silva Grosso
Monografia orientada pela Profª. Doutora Maria João Ferreira da Silva
MESTRADO INTEGRADO EM CIÊNCIA FARMACÊUTICAS
2013-2014
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 2
ÍNDICE
Página
Índice ....................................................................................................................................................... 2
Índice de ilustrações ................................................................................................................................ 3
lista de abreviaturas ................................................................................................................................. 4
Resumo .................................................................................................................................................... 5
Abstract ................................................................................................................................................... 6
Introdução ................................................................................................................................................ 7
Métodos ................................................................................................................................................... 8
Dissacáridos ............................................................................................................................................ 9
Maltose .............................................................................................................................................. 10
Sacarose ............................................................................................................................................. 10
Lactose .............................................................................................................................................. 11
Trealose ............................................................................................................................................. 11
Intolerância a dissacáridos ..................................................................................................................... 12
Etiologia ............................................................................................................................................ 13
Sintomatologia .................................................................................................................................. 13
História nutricional ............................................................................................................................ 14
Intolerância à Sacarose-Maltose ............................................................................................................ 15
Intolerância à Lactose ............................................................................................................................ 18
Intolerância à Trealose .......................................................................................................................... 22
Avaliação Laboratorial .......................................................................................................................... 23
Avaliação do pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras .............................................................. 23
Teste oral de tolerância a dissacáridos .............................................................................................. 25
Teste de hidrogénio expirado ............................................................................................................ 26
Avaliação da atividade das dissacaridases ........................................................................................ 28
Estudo do genótipo ............................................................................................................................ 30
Conclusão .............................................................................................................................................. 32
Referências Bibliográficas .................................................................................................................... 33
Potencial conflito de interesses ............................................................................................................. 34
Agradecimentos ..................................................................................................................................... 35
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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Página
Ilustração 1 – Estrutura molecular da maltose. Adaptado de [2] ............................................ 10
Ilustração 2 – Estrutura molecular da sucrose. Adaptado de [2] .............................................. 10
Ilustração 3 – Estrutura molecular da lactose. Adaptado de [2] ............................................... 11
Ilustração 4 – Estrutura molecular da trealose. Adaptado de [2] ............................................. 11
Ilustração 5 – Esquema representativo de sacáridos passíveis de originar intolerâncias
alimentares, ordenados por número de monossacáridos na sua constituição. Adaptado de [6]
.................................................................................................................................................. 12
Ilustração 6 - Esquema reacional do Teste de Benedict, adaptado de [18]. ............................. 24
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 4
LISTA DE ABREVIATURAS
CSID Deficiência congénita de sacarase-isomaltase (congenital sucrase-isomaltase
deficiency
INR Razão normalizada internancional (International normalized ratio)
PCR Reação em cadeia da polimerase (polimerase chain reaction)
RFLP Polimorfismo de longitude de fragmentos de restrição (restriction fragment lenght
polymorphism)
SI Sacarase-isomaltase (sucrase-isomaltase)
USD Dólares dos Estados Unidos (United States Dollars)
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 5
RESUMO
A intolerância a dissacáridos é cada vez mais um problema para a população mundial.
Por um lado, existe o aumento na utilização de dissacáridos como aditivos às refeições e aos
alimentos pré-cozinhados. Por outro, o incentivo do consumo de produtos sem lactose, sem
sacarose e sem outros aditivos.
Esta monografia foi trabalhada com o objetivo de esclarecer as seguintes perguntas:
Qual a fisiopatologia da intolerância aos dissacáridos? E quais os meios laboratorias
atualmente disponíveis e utilizados no diagnóstico dessas intolerâncias?
Com recurso à bibliografia utilizada, foi possível entender que a maltose, a sacarose, a
lactose e a trealose são os quatro dissacáridos mais estudados no sentido de compreender a
fisiopatologia da intolerância a dissacáridos. Habitualmente, estas intolerâncias têm uma
etiologia genética, no entanto podem surgir como consequências secundárias a outras
condições clínicas.
Para o diagnóstico destas condições pode recorrer-se à avaliação do pH fecal, à
pesquisa de substâncias redutoras, ao teste de tolerância oral, à avaliação do hidrogénio
expirado, às biópsias intestinais e à genotipagem.
Foi possível concluir que apesar da fisiopatologia da intolerância a dissacáridos estar
bem esclarecida, o seu diagnóstico carece da mesma fiabilidade.
Palavras-chave: intolerância; dissacáridos; lactose; maltose; sacarose; trealose;
diagnóstico.
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 6
ABSTRACT
Disaccharide intolerance has become a serious issue worldwide. On one hand, there
has been a growth in the use of disaccharides as an additive to pre-cooked food and meals. On
the other hand, there is also an incentive to the consumption of lactose-free and/or sucrose-
free products, amongst other.
This study has the objective of enlightening the following questions: What is the
physiopathology of disaccharide intolerance? And through which currently available methods
can it be diagnosed?
Through bibliographical research, it was possible to understand that the four major
researched and studied physiopathologies of disaccharide intolerances are of maltose, sucrose,
lactose and trehalose. The most prevalent etiology is genetic mutations, although disaccharide
intolerance may result of secondary causes.
For the diagnoses of these conditions, one can use the following methods: fecal pH
measurement; presence of reducing substances; oral tolerance tests; expired hydrogen breath
tests; intestinal biopsies and genotype study.
It was possible to assert that although the physiopathology of disaccharide intolerance
is well known, its diagnoses is less simple and the currently available methods lack in
reliability.
Key-words: intolerance; disaccharide; lactose; maltose; sacarose; trehalose; diagnoses.
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 7
INTRODUÇÃO
A intolerância a dissacáridos tem-se tornado cada vez mais um problema para a
população mundial. Por um lado, existe o aumento na utilização de dissacáridos como
aditivos às mais variadas refeições e alimentos pré-cozinhados. Por outro, o incentivo por
parte das marcas no consumo dos produtos sem lactose, sem sacarose e sem outros aditivos.
Neste sentido, torna-se cada vez mais importante para o farmacêutico, como
profissional de saúde, tomar conhecimento destas condições clínicas, não só por forma a
prestar um bom aconselhamento quando perante estes doentes na farmácia comunitária, como
também em desenvolver novas formas de diagnosticar, tratar e curar estes problemas em todas
as outras áreas da competência farmacêutica.
Esta monografia foi trabalhada com o objetivo de esclarecer as seguintes perguntas:
Qual é a fisiopatologia das intolerâncias aos dissacáridos? E quais os meios laboratorias
actualmente disponíveis e utilizados no diagnóstico dessass intolerâncias?
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 8
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com recurso a artigos internacionais desde o
início do século passado, a páginas Web e a publicações.
Os artigos foram encontrados e selecionados através dos bancos de dados Pubmed e
Google Scholar usando como palavras-chave: intolerância a dissacáridos; sacarose; maltose;
lactose; trealose; diagnóstico. As páginas Web foram encontradas com recurso ao motor de
pesquisa Google. As publicações foram encontradas e acedidas com recurso ao banco de
dados Google Books.
Em seguida, os mesmos foram agrupados por assunto e relevância e utilizados na
construção do corpo da revisão.
No final foram efectivamente utilizados 23 artigos, 2 páginas Web e 2 publicações
selecionados conforme a qualidade e relevância com o tema proposto.
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DISSACÁRIDOS
Os sacáridos, ou mais habitualmente conhecidos por hidratos de carbono, são
moléculas orgânicas constituídas por carbono, hidrogénio e oxigénio. Estes encontram-se
divididos em 4 grupos: monossacáridos, dissacáridos, oligossacáridos e polissacáridos,
dependendo do número de monómeros que entram na sua constituição. [1]
Os monossacáridos são entidades químicas definidas por não poderem ser hidrolisadas
a hidratos de carbono menores. São aldeídos ou cetonas com 2 ou mais grupos hidroxilo e
com uma fórmula geral de Cm(H2O)n, em que m pode ser diferente de n e maior que 2. A
classificação dos monossacáridos vai depender do número de carbonos e do grupo funcional.
Ou seja, um grupo funcional aldeído tem o nome de aldose e uma cetona tem o nome de
cetose. Já em relação ao número de carbonos, um monossacárido com 3 é uma triose, com 4
uma tetrose, com 5 uma pentose e com 6 uma hexose. Estas classificações são então
combinadas formando o nome do monossacárido. Por exemplo, a frutose, uma cetona de 6
carbonos, tem o nome de cetohexose. Outros exemplos de monossacáridos são a glucose, a
galactose, entre outros. [1]
Por sua vez, um dissacárido é um hidrato de carbono resultante da condensação de
dois monossacáridos com perda de uma molécula de água. Assim sendo existe uma variada
diversidade de dissacáridos, dependendo das diferentes combinações de monossacáridos
possíveis e as diferentes formas como estes dois se podem ligar. Alguns exemplos mais
comuns de dissacáridos são a maltose, sacarose, lactose, trealose e a celobiose. [1]
Existem dois tipos de dissacáridos, os redutores, no qual a ligação entre os
monossácaridos mantêm um hidrogénio livre num grupo hemiacetal, e os não-redutores,
ligados por uma ligação glicosídica onde não permanecem grupos hidroxilo anoméricos. [1]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 10
MALTOSE
A maltose (4-o-α-D-glucopiranosil-D-glucose) é um exemplo de um dissacárido
redutor resultante da hidrólise do amido por enzimas, como a amilase, no tracto digestivo. É
constituído por duas moléculas de glucose unidas numa
ligação glicosídica em posição α(14). [2]
Surge mais frequentemente na alimentação na
cerveja, cereais, massa e batatas. Após a ingestão de
amido a α-amilase, produzida no pâncreas, quebra as
ligações interiores α(14) em sacáridos menores, nomeadamente em maltose, mas não as
ligações α(16) presentes nas ramificações da estrutura do amido. A partir da maltose são
obtidas duas moléculas de glucose resultante da ação da maltase pela quebra da ligação
α(14) da maltose.
SACAROSE
A sacarose (β-D-frutofuranosil-α-D-glucopiranosida) é um dissacárido não-redutor
predominante na cana de açúcar. É um dissacárido composto por
uma molécula de glucose ligada no carbono 1 a uma molécula de
frutose no carbono 2. [2]
A sua estabilidade em solução é grande, no entanto, pela
ação da sacarase, encontrada no duodeno, a sacarose é
hidrolisada nos seus monossacáridos. O meio ácido também
favorece a hidrólise do composto, sendo que durante a digestão ácida no estômago já ocorre
decomposição. [3]
Ilustração 1 – Estrutura molecular da
maltose. Adaptado de [2]
Ilustração 2 – Estrutura molecular
da sucrose. Adaptado de [2]
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LACTOSE
A lactose (4-o-β-D-galactopiranosil-D-glucose) é um dissacárido redutor
predominantemente encontrado no leite e nos seus derivados. É constituído por uma molécula
de galactose ligada a uma molécula de glucose através de uma ligação β(14). [2,4]
É metabolizada pela ação da enzima
lactase (β-D-galactosidase) nos seus monómeros
constituintes. A lactase é secretada pelos
enterócitos das microvilosidades do intestino
delgado, sendo a sua actividade maior no jejuno
proximal do que no distal. A sua produção é maior durante o período de amamentação,
diminuindo gradualmente com o aumento da maturidade. No entanto, em algumas populações
os níveis de lactase mantêm-se estáveis durante a idade adulta, uma vez que o leite e os seus
derivados são consumidos regularmente. [4]
TREALOSE
A trealose (α-D-glucopiranosil-α-D-glucopiranosida) é
um dissacárido não-redutor formado pela ligação α,α-1,1
glicosídica entre duas moléculas de α-glucose. [2,5] É encontrada
em micróbios, fungos, como os cogumelos shiitake (Lentinula
edodes) e alguns insectos. Nos animais, ela é predominante nos
camarões, por exemplo.
A hidrólise deste dissacárido ocorre pela ação da
trealase, resultando na libertação de duas moléculas de glucose.
Apesar do dissacárido não estar presente nos mamíferos, a enzima trealase sim, sendo
encontrada na membrana das células do rim, fígado e intestino delgado. [5]
Ilustração 3 – Estrutura molecular da lactose.
Adaptado de [2]
Ilustração 4 – Estrutura molecular
da trealose. Adaptado de [2]
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Ilustração 5 – Esquema representativo de sacáridos passíveis de originar intolerâncias alimentares,
ordenados por número de monossacáridos na sua constituição. Adaptado de [6]
INTOLERÂNCIA A DISSACÁRIDOS
Uma intolerância alimentar é definida como uma resposta alterada do organismo
aquando da ingestão de determinados alimentos, sem que haja uma resposta imunológica a
esta ingestão. [4]
As intolerâncias alimentares surgem mais frequentemente associadas à ingestão de
sacáridos e gorduras, e menos por aminas biogénicas, sendo que grande parte dos doentes que
apresentam efeitos adversos a alimentos são clinicamente diagnosticados como sendo
alérgicos[6]
Em baixo, está representado um esquema onde se encontram organizados alguns
exemplos de sacáridos passíveis de desencadear intolerâncias. Este trabalho irá focar-se
somente nas intolêrancias causadas pela ingestão de dissacáridos, nomeadamente na ingestão
de maltose, sacarose, lactose e trealose. No entanto, também existem intolerâncias alimentares
associadas à ingestão de monossacáridos, oligossacáridos e polissacáridos. [6]
INTOLERÂNCIA A
SACÁRIDOS
Monosacáridos
Galactose
Fructose
Glucose
Di- e trissacáridos
Maltose Sucrose Lactose Trealose
Oligo- e polissacáridos
Amido
Celulose
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ETIOLOGIA
A intolerância a sacáridos surge devido à má absorção gastrointestinal de hidratos de
carbono ou devido a defeitos metabólicos sistémicos (ex: intolerância à lactose), onde ocorre
falta da produção de determinadas enzimas. [6]
Existem duas formas de intolerância a dissacáridos: primárias e secundárias,
caracterizadas conforme a sua etiologia.
As intolerâncias primárias podem ser devidas a defeitos congénitos na produção de
determinadas enzimas ou nos mecanismos de transporte envolvidos na digestão normal. Por
sua vez, também podem resultar de uma cessação fisiologicamente determinada da produção
de uma certa enzima, como é o caso da lactase. [6]
As formas secundárias de intolerância surgem como consequência de determinadas
patologias que afectem alguns órgãos, como a perda de função da mucosa intestinal. Nestes
casos, em vez de haver intolerância a apenas um sacárido, a digestão de vários sacáridos
encontra-se comprometida. Estas intolerâncias podem ser polietiológicas, em casos como a
linfangiectasia intestinal (intestinal lymphangiectasia) e mastocitose; resultantes de doenças
inflamatórias (infeções, doença celíaca, doenças inflamatórias intestinais crónicas); ou podem
ser oriundas de reações adversas a substâncias tóxicas ou tratamentos (consumo crónico de
álcool, quimioterapia, irradiação) [6]
SINTOMATOLOGIA
Os sintomas experienciados pelos doentes resultam duma incompleta digestão e/ou
absorção dos sacáridos no lúmen intestinal. Uma vez que os hidratos de carbono são
osmoticamente activos, ocorre a retenção de fluídos no lúmen, a sua metabolização por
bactérias da flora intestinal e, consequentemente, fezes gasosas e ácidas. [6]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 14
Estes sintomas passam por flatulência, náuseas, meteorismo, diarreia e dor abdominal
inespecífica. Por vezes também obstipação, perda de peso e sintomas extaintestinais
(enxaquecas, entre outros...). [6]
Devido à rápida passagem dos sacáridos pelo trato gastrointestinal, os sintomas podem
surgir logo meia-hora após a ingestão dos alimentos, e persistir por 6 a 9 horas. A
abstenção/retirada desses alimentos da dieta pode melhorar o quadro de sintomas do doente,
evitando assim os desconfortos associados à intolerância. [6]
HISTÓRIA NUTRICIONAL
A avaliação clínica das intolerâncias alimentares deve passar por uma fase de
entrevista sobre o historial nutricional do doente. Este revelará informações acerca da sua
dieta, preferência em alimentos e a presença de sinais de alerta, como disfagia, febre, perda de
peso e sangue, entre outros. É importante transmitir ao doente a necessidade de se auto-avaliar
no sentido de perceber quais são os alimentos que podem estar na origem dos sintomas.
Determinados alimentos são específicos de certas condições de intolerância, sendo que o
doente deve estar ciente e atento a estes alimentos. Será também relevante inquirir acerca do
historial familiar de intolerâncias, pois pode haver uma componente genética na origem dos
sintomas. [6]
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INTOLERÂNCIA À SACAROSE-MALTOSE
Descrita pela primeira vez em 1960, a intolerância a homopolissacáridos, e por
consequência a homodissacáridos de glucose, como a maltose e a sacarose, é derivada da falta
das enzimas sacarase-isomaltase (SI). Este problema pode advir como consequência de
patologias do foro gastrointestinal; de uma deficiência na produção destas enzimas, sendo
neste caso denominada deficiência congénita de sacarase-isomaltase (CSID); ou também
devido a defeitos hormonais, erros nutricionais ou à ingestão incorreta de micronutrientes. [7]
O complexo enzimático SI é composto pela ação hidrolítica da sacarase sobre as
ligações glicosídicas α-1,2- e α-1,4- e pela ação da isomaltase que cliva as ligações α-1,6. A
SI é uma glicoproteína integral da membrana do tipo II expressa exclusivamente nas
microvilosidades intestinais e é composta por 2 subunidades homólogas associadas por fortes
ligações não-covalentes e iónicas. [8]
A intolerância resulta então na incapacidade dos doentes em hidrolisar eficientemente
sacarose, maltose e oligossacáridos de glucose, como o amido. [7]
A CSID é devida à presença de uma mutação, de expressão autossómica recessiva, no
gene responsável pela produção das enzimas SI. Este gene localiza-se no cromossoma 3,
sendo que desde que foi descrito em 1992, foram identificadas mais de 25 mutações génicas
responsáveis pela síntese das SI; essas mutações resultam na alteração do sítio ativo, sendo
estes independentes entre si e podendo ser afetados isoladamente. [7]
Existem 4 mutações comuns que podem originar CSID, sendo elas, por ordem de
frequência: G/A 3218; T/G 1730; T/G 5234 e C/T 3370. Três destas mutações estão
localizadas no domínio da sacarase, e uma no domínio da isomaltase. Tendo em conta as
frequências com que surgem cada uma desta alterações, e segundo o equilíbrio de Hardy-
Weinberg, 83% dos doentes com CSID possui uma, ou mais, destas alterações génicas.
Apenas 17% dos casos com sintomatologia severa de CSID é devido a outras mutações. [9]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 16
Dependendo do tipo de mutação, existem diferentes graus de intolerância, variando
desde a ausência completa de atividade, atividade diminuta, ou até atividade normal de
isomaltase, mas não da sacarase, por exemplo. [7] Para além disso, a quantidade de hidratos
carbonos normalmente ingeridos na dieta, esvaziamento gástrico, trânsito intestinal, grau de
fermentação de hidratos de carbono não absorvidos pela flora do cólon e a capacidade
absortiva do cólon são fatores que podem influenciar a extensão e a gravidade dos sintomas.
[8] É, então, importante estabelecer uma correlação entre a quantidade de maltose e sacarose
ingerida e o desenvolvimento de sintomas por forma a manter os doentes saudáveis.
A CSID manifesta-se mais frequentemente em crianças com apenas alguns meses,
aquando do início da ingestão de alimentos com amido na sua constituição. No entanto,
também podem surgir sintomas em idades mais avançadas. O aparecimento de sintomas,
como por exemplo, flatulência, náuseas, vómitos, diarreia, dificuldade em ganhar peso, ou até
perda de peso, leva à ponderação desta patologia; infeções do trato respiratório superior e
infeções virais são também comuns nesta patologia. [7]
Relativamente à prevalência da CSID em indivíduos de descendência europeia, a
frequência desta patologia varia entre 0,05% a 0,2% e é significativamente maior em
populações da Gronelândia (5%-10%) e nos Inuítes (indígenas esquimós) do Alasca e Canadá
(3%-7%), onde o consumo de hidratos de carbono é menor. [9]
Para além da CSID, existem outras etiologias para o desenvolvimento da intolerância à
sacarose-maltose, como referido anteriormente. A nível hormonal, tanto a tiroxina, como os
corticosteroides parecem induzir o aumento da expressão da SI nos enterócitos. Com níveis
dimínuidos destas hormonas, também a atividade da SI diminui. [7]
É, também, importante destacar que a atividade da SI pode ser induzida
nutricionalmente com o aumento da ingestão de hidratos de carbono na dieta, quando não
existem outros defeitos que possam afetar a atividade da mesma. [7] Mais ainda, a deficiência
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 17
em ferro devida a uma dieta deficiente resulta na diminuição da atividade de dissacaridases no
intestino delgado, sendo que a correção das reservas de ferro levam à reversão da condição. [7]
Assim sendo, em doentes com CSID e com mutações que permitem a manutenção de
alguma atividade residual das SI, estes fatores hormonais e nutricionais podem influenciar a
severidade com que surgem os sintomas. [7]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 18
INTOLERÂNCIA À LACTOSE
A intolerância à lactose, também conhecida por hipolactasia, resulta da incapacidade
do organismo em digerir a lactose. Normalmente, esta incapacidade deriva da inexistência ou
da baixa atividade da enzima lactase, ou β-galactosidade, responsável por hidrolisar a lactose
nos monossacáridos constituintes (glucose e galactose).
Num indivíduo normal, a lactase hidrolisa a lactose a glucose e galactose, tornando
possível a sua absorção intestinal. Esta enzima está presente na mucosa do intestino dos
mamíferos jovens, principalmente nos lactentes, e por norma, vai diminuindo após o
desmame e crescimento do indivíduo. [4] No entanto, o consumo de produtos derivados do
leite ao longo de toda a vida, desencadeou uma resposta evolutiva onde a atividade da lactase
se mantêm durante mais anos. A glucose é depois utilizada no metabolismo do indivíduo ou é
armazenada quando não é necessária. Já a galactose é convertida em glucose no fígado, e
segue o mesmo caminho que a glucose. A que não for convertida é eliminada na urina [4]
Num indivíduo intolerante, a hidrólise da lactose não acontece, não sendo esta
absorvida no intestino e passando rapidamente para o cólon. Assim sendo, a pressão osmótica
no intestino aumenta e uma grande quantidade de água é retida, passando para o cólon
juntamente com a lactose; aí irá ocorre a fermentação da mesma por microrganismos
produtores de gases e água, desencadeando, assim, os sintomas normais de uma intolerância.
A lactose pode também ser convertida em dióxido de carbono, hidrogénio, metano e em
ácidos gordos de cadeia curta, como acetato, butirato e propionato. Esses ácidos gordos são
então absorvidos pela mucosa do cólon; o dióxido de carbono e hidrogénio são expirados
pelos pulmões. [4]
Os sintomas da intolerância à lactose resultam, então, dos mecanismos explicados
anteriormente: fermentação da lactose e consequente formação de gases como o metano,
dióxido de carbono e hidrogénio que, resultam em flatulência, distensão e dores abdominais;
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 19
produção de ácidos gordos voláteis, como o ácido acético, butírico e propiónico que vão
acidificar as fezes, resultando em fezes ácidas; e produção de ácido láctico, que por ser
osmoticamente ativo, origina fezes aquosas e diarreia. Estes sintomas podem agravar-se caso
o indivíduo continue a ingerir lactose, o que pode levar a situações mais graves como
desidratação, acidose metabólica e desnutrição. [4]
É estimado que cerca de 7%-20% da população geral sofra de intolerância à lactose. [6]
No entanto, esta percentagem varia conforme a população em estudo. Por norma, afeta mais
fortemente indivíduos de origem africana ou asiática mas indivíduos de origem latina também
podem ser afectados. Pelo contrário, apenas uma pequena parte dos americanos de origem
caucasiana possuem esta condição. Isto acontece devido ao ambiente em que viviam os
ancestrais de cada povo. Os europeus e americanos viviam em locais propícios para a criação
de gado, o que levou a uma evolução no sentido de manter a atividade da lactose durante mais
tempo. Por sua vez, os asiáticos e africanos não tinham possibilidade de manter a criação de
vacas leiteiras devido ao clima quente da região e às doenças bovinas comuns antes do séc.
XX, e por isso, não desenvolveram os mecanismos necessários para a manutenção da
atividade da lactase após a amamentação. [4]
No que se refere às características genéticas, a lactase é codificada por um gene
localizado no braço longo do cromossoma 2 (2q21). Foram identificados dois polimorfismos,
C/T 13 910 e G/A 22 018, associados ao decréscimo da atividade da enzima. [10]
Assim sendo, a intolerância à lactose parece resultar de uma produção deficiente da
lactase, com uma diminuição concomitante da sua atividade. Foram descritas 4 possíveis
etiologias: [4;10;11]
1- a intolerância deriva de uma alteração no gene codificante da lactase, denominando-
se de hipolactasia primária. É uma doença hereditária, manifesta-se no período neo-natal e
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resulta numa deficiência relativa ou completa da enzima. [4;10;11] É uma condição com
prevalência rara. [10]
2- intolerância adquirida manifestando-se como consequência de uma condição pré-
existente; ou seja, trata-se de uma deficiência secundária de lactase, surgindo, por vezes, em
idades adultas. Algumas condições que podem originar hipolactasia passam por inflamações
ou danos permanentes da mucosa intestinal, como no caso de gastroenterites, doença celíaca,
colite ulcerosa, doença de Crohn, entre outras. Pode também surgir após cirurgias no aparelho
digestivo, como gastrotectomias, ileostomias, colostomias e outras.[10] Esta intolerância pode
ser transitória devido a um dano temporário da mucosa intestinal; assim que o dano é
corrigido e ocorre regeneração da mucosa, a atividade da lactase normaliza. [4;10;11]
3- a condição deriva de uma alteração génica autossómica recessiva, manifestando-se
mais tarde na vida do indivíduo, após o desmame, ou por vezes, durante a adolescência. Ou
seja, durante o período de amamentação os níveis de lactase mantêm-se relativamente
normais, mas com o desmame a atividade da enzima diminui levando a um aparecimento
gradual dos sintomas de intolerância. [10]
4- resulta de uma má absorção temporária de lactose , que compromete a absorção e a
digestão da lactose. Manifesta-se em neonatos devido à amamentação e à grande percentagem
de lactose encontrada no leite materno. [10]
É importante destacar que por vezes os indivíduos, principalmente as crianças, podem
mascarar a intolerância à lactose, ao manifestar desagrado ao sabor no leite, tornando-se num
paciente assintomático; nestas situações, terão de ser os profissionais a desenvolver formas de
apurar quaisquer sintomas interligados com a intolerância à lactose e a ingestão de outros
alimentos derivados do leite. [11]
Relativamente às opções dietéticas para os doentes intolerantes à lactose, estas passam
pela ingestão de leite com lactose previamente hidrolisada, ou a substituição do leite de vaca
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 21
pelo leite à base de soja. Outra alternativa é a utilização de alimentos lácteos fermentados,
como os iogurtes e os queijos sólidos, pois estes apresentam a lactose parcialmente
hidrolisada. [11]
É de extrema importância que o doente não exclua a ingestão de produtos lácteos da
sua dieta, uma vez que pode originar uma situação de hipocalcémia devido à falta de ingestão
de cálcio, aumentando, consequentemente, o risco de desenvolvimentos de fraturas ósseas e
osteoporose. [10] Apesar do leite não ser a única fonte de cálcio, é sem dúvida, a que mais
frequentemente é ingerida, e com a qual existe a maior percentagem de absorção do mineral.
É, então, importante controlar a sua ingestão nestes doentes intolerantes, principalmente, nas
idades em que os níveis de cálcio afetam fortemente o crescimento das crianças. [12] Nos casos
onde as alternativas dietéticas não são a melhor opção, a suplementação dietética deve ser
considerada, nomeadamente suplementação de cálcio e vitamina D [11]. No entanto, o uso de
suplementos deve ser orientado por um profissional a fim de evitar toxicidade. [12]
Outra opção para o controlo da intolerância à lactose passa pelo consumo de produtos
lácteos fermentados enriquecidos ou que contenham probióticos. Por exemplo, o consumo de
iogurtes parece melhorar os sintomas da intolerância devido à presença de lactobacillus,
como o Lactobacillus acidophilus, que devido ao seu mecanismo enzimático, nomeadamente,
a lactase, hidrolisam a lactose. Neste sentido, a produção de β-galactosidade por bactérias
presentes em alguns produtos lácteos fermentados pode ser outra opção para melhorar a
condição do doente e manter a ingestão de cálcio nos níveis diários recomendados. [13]
Assim sendo, a intolerância à lactose é uma condição comum em adultos e crianças e
deve ser rapidamente diagnosticada por forma a melhorar a qualidade de vida dos doentes,
instituindo-lhes o melhor tratamento possível.
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 22
INTOLERÂNCIA À TREALOSE
A trealase é uma enzima expressa nos rins, fígado e na mucosa intestinal [14], sendo
responsável pela hidrólise da trealose, normalmente ingerida em cogumelos, algas e insectos.
Nos indivíduos intolerantes a actividade desta enzima encontra-se diminuída.[15]
À semelhança de outras intolerâncias, esta inactividade enzimática pode derivar da
diminuição ou ausência de expressão génica, nomeadamente do gene TREH. Nestes casos,
julga-se que a deficiência é de transmissão autossómica recessiva, sendo que também pode
derivar de causas secundárias como as referidas noutras intolerâncias. [14]
Apesar da prevalência em caucasianos ser baixa, em indivíduos da Gronelândia a sua
prevalência é de cerca de 8%. [15;16]
Em relação à sintomatologia desta condição, ela assemelha-se aos sintomas da
intolerância à lactose, com diarreia osmótica, dor abdominal, flatulência, entre outros. [15]
Devido à distribuição incomum do dissacárido, os casos de intolerância ainda não são
frequentes, no entanto, podem vir a aumentar com a introdução deste dissacárido na dieta
como adoçante. [14]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 23
AVALIAÇÃO LABORATORIAL
A avaliação laboratorial é um passo importante na confirmação do diagnóstico feito
pelo clínico. Apesar da história nutricional do doente ser bastante importante na avaliação
clínica do doente, por vezes não é suficiente. Deste modo, existem várias opções no que
concerne a testes auxiliares que complementam o diagnóstico.
Os métodos podem ser diretos ou indiretos. Ou seja, os métodos diretos avaliam
directamente a actividade das dissacaridases, enquanto que os métodos indiretos avaliam
fatores resultantes das reações das dissacaridases. Dentro da categoria dos métodos indiretos
surgem os testes orais de tolerância a dissacáridos, o teste de hidrogénio expirado, a avaliação
do pH fecal e a pesquisa de substâncias redutoras na urina. Já os métodos diretos incluem
biópsias intestinais ou o estudo do genótipo do indivíduo.
Ambas as categorias têm as suas vantagens e desvantagens, sendo que a existência de
um gold standard ainda é bastante controversa entre os especialistas da área.
De seguida, irá ser explicado sumariamente os fundamentos, protocolos e outros
pormenores dos testes, presentemente, utilizados para avaliar a intolerância aos dissacáridos.
AVALIAÇÃO DO PH FECAL E PESQUISA DE SUBSTÂNCIAS REDUTORAS
A avaliação do pH fecal baseia-se no fato de que a má absorção/digestão de
dissacáridos diminui o pH das fezes resultante da formação de ácidos gordos voláteis e a
libertação de metano, dióxido de carbono e hidrogénio pelas bactérias da flora intestinal.
Por norma, as fezes têm um pH alcalino, mas no caso de existir uma má absorção
intestinal de dissacáridos existe a produção de fezes ácidas, que com uma simples avaliação
do seu pH permite a confirmação dessa situação. No entanto, esta avaliação não permite
identificar diretamente uma intolerância a dissacáridos resultante de uma diminuição da
atividade das dissacaridases, nem qual o dissacárido responsável pelos sintomas. Há também
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 24
que ter em atenção de que as fezes de um recém-nascido são naturalmente mais ácidas, com o
pH a rondar os 5-5,5, devido a uma dieta mais rica em lactose. [17]
A pesquisa de substância redutoras nas fezes e urina é outro teste indicativo de má
absorção/digestão de dissacáridos. Caso exista uma má absorção, a presença de açúcares
redutores nestas amostras biológicas aumenta, podendo ser avaliados com base numa reação
colorimétrica de oxidação-redução, com recurso, por exemplo, ao reagente de Benedict. O
fundamento desta reação prende-se com o fato dos iões cúpricos (azuis) do sulfato de cobre
do reagente de Benedict, em meio alcalino e a quente, serem reduzidos pelos agentes
redutores presentes na urina e nas fezes a óxido cuproso (precipitado vermelho), segundo a
equação química que se segue: [18]
𝐶𝑢2+ 𝑝𝐻>7, ∆→ 𝐶𝑢+
𝐶𝑢+ + 𝑂𝐻− → 𝐶𝑢𝑂𝐻
𝟐 𝑪𝒖𝑶𝑯 ∆→ 𝑪𝒖𝟐𝑶 (↓ 𝒑𝒑)
Ilustração 6 - Esquema reacional do Teste de Benedict, adaptado de [18].
Os açúcares redutores são a lactose, glucose, frutose e galactose, mas não a sacarose,
e caso estejam presentes em quantidades suficientes nas amostras, irá formar-se um
precipitado avermelhado. [17; 18]
No entanto, este teste é influenciado pela quantidade de açúcares ingeridos na dieta.
Ou seja, se a dieta for muito rica em sacáridos, o nível de açúcares redutores pode estar
aumentado sem que haja uma má absorção dos mesmos, e estaremos perante um falso-
positivo. Pelo contrário, se o indivíduo estiver a ingerir poucos sacáridos na sua dieta, os
valores de açúcares redutores estará normal, mesmo existindo uma má absorção dos mesmo,
sendo que nestes casos estaremos perante um resultado falso-negativo. [17]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 25
Assim sendo, pode depreender-se que uma das desvantagens, tanto do método da
medição do pH fecal como o da avaliação dos açúcares redutores, é a sua baixa sensibilidade
e especificidade, ou seja, a capacidade de distinguir correctamente entre os que têm a doença,
e excluir correctamente aqueles que não a possuem, respetivamente.
Outra desvantagem é o facto de ambos os testes não indicarem qual o açúcar
responsável pela condição. Numa dieta variada, os indivíduos ingerem diferentes sacáridos,
sendo que a análise aos açúcares redutores e ao pH fecal poderá indicar positividade, sem
distinguir qual dos açúcares é mal absorvido/digerido. [17]
Como vantagens, podemos destacar o fato destes testes serem pouco invasivos, as
amostras fáceis de obter por serem facilmente acessíveis, de baixo custo e os resultados são já
indicativos da possibilidade de existência de algum problema [17]
TESTE ORAL DE TOLERÂNCIA A DISSACÁRIDOS
O teste oral de tolerância a dissacáridos é outro método indirecto passível de ser
utilizado pelo clínico na clarificação destas situações. [19]
Este método baseia-se no fato de que com a ingestão de uma quantidade padronizada
de um dissacárido (que apresente glucose na sua estrutura) os níveis de glicémia aumentam ao
fim de algum tempo, se indivíduo possuir dissacaridases com atividade normal. [19]
Neste teste, o paciente ingere uma solução de 50 g do dissacárido em análise
dissolvido em água; são colhidas amostras de sangue capilar 5 minutos antes do início da
ingestão (t= -5), outra no final da ingestão (t=0), e depois são feitas colheitas aos 15, 30, 45 e
60 minutos. Os valores de glucose são determinados após a recolha de cada amostra. É feita a
média dos valores das amostras t= -5 e t=0, sendo esse valor considerado como o valor basal
do indivíduo. Um aumento superior a 25 mg/dL (1,4 mmol/L) em relação ao nível basal é
indicativo de tolerância ao dissacárido, uma vez que demonstra a existência de uma atividade
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 26
da dissacaridase suficiente para aumentar os valores de glicémia. Pelo contrário, se o aumento
for inferior a 25 mg/dl, é indicativo de baixa atividade das dissacaridases. [19]
Como vantagem, este é um teste que é um facilmente acessível, de baixo custo, pouco
invasivo e consegue diferenciar qual o dissacárido responsável pela sintomatologia do doente.
No entanto, obriga o doente a permanecer no local da análise durante o decorrer do teste; por
outro lado, no caso dos indivíduos intolerantes, estes irão desenvolver sintomas muito fortes
devido à sobrecarga ingerida. [19] Existe também a possibilidade de falsos-positivos devido a
uma resposta eficiente da insulina ao aumento da glicémia. [17]
TESTE DE HIDROGÉNIO EXPIRADO
O teste do hidrogénio expirado é considerado como o gold-standard pelo Primeiro
Consenso de Roma para a Metodologia e Indicações de Testes Respiratórios para Doenças
Gastrointestinais. [20] O exame baseia-se na produção de hidrogénio pela fermentação no
colón dos dissacáridos não digeridos, sendo que o hidrogénio entra na circulação venosa
esplénica por difusão pela parede do intestino, é transportado pelo sistema portal para o
fígado e, posteriormente, para a circulação sistémica, sendo expirado pelos pulmões. [21,22]
Na véspera do exame, o doente tem de fazer uma dieta não-fermentativa pobre em
fibras com restrição total do dissacárido em estudo; não fumar, uma vez que o ato aumenta o
hidrogénio expirado. Deve, também, evitar antibióticos um mês antes do exame e o uso de
laxantes, até uma semana antes do exame, visto que a presença da flora gastrointestinal é
essencial para a produção de hidrogénio. O doente não pode também fazer exercício físico,
excepto o estritamente necessário para chegar ao local do exame e tem que se apresentar em
jejum de 10 a 12 horas, podendo, no entanto, ingerir água. [21]
Durante o exame é feita uma primeira colheita de ar expirado antes do início da
ingestão do dissacárido (t=0), sendo este o valor basal. Esta recolha é feita durante 10
segundos de expiração do ar, em instrumento especial para o exame. De seguida, o doente
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 27
ingere 25 g do dissacárido em estudo, diluído em 250 ml de água, por um período de 5
minutos. Posteriormente são feitas recolhas de ar expirado após 30, 60, 90, 120, 150 e 180
minutos da ingestão do dissacárido. A leitura das amostras é feita com recurso a
cromatografia gasosa, com medição dos níveis de hidrogénio. O exame é considerado positivo
quando existe um aumento em 20 ppm (partes por milhão) de hidrogénio expirado em pelo
menos 2 amostras comparado com o valor basal. [21]
É também de rotina, o preenchimento de um inquérito no decorrer do exame, em que o
doente auto-avalia alguns dos sintomas gastrointestinais comuns das intolerâncias a
dissacáridos. [21]
Apesar de ser considerado o gold-standard, este teste também apresenta as suas
vantagens e desvantagens. Como vantagens, temos o fato de ser pouco invasivo, com uma
especificidade de 100% , cada vez mais disponível em diferentes laboratórios e de baixo
custo. No entanto, o exame requer um profisional de saúde presente durante todo o período do
exame, que é bastante longo e a perda, por parte do doente, de um dia de trabalho, pelo
menos. [22] Para além disso, apenas apresenta uma sensibilidade entre os 80%-93%, sendo
afetado por doentes com uma flora do colón pobre em produção de hidrogénio e doentes com
o pH do colón ácido, uma vez que a produção de hidrogénio nestes casos está diminuída. [21]
Outra desvantagem, apresentada por alguns autores refere-se à quantidade de dissacárido
ingerida durante o exame. Se por exemplo, o dissacárido em estudo for a lactose, 25 g
correspondem sensivelmente a 500 ml de leite, o que muitos autores consideram excessivo
visto que até um indivíduo sem intolerância pode desenvolver sintomas resultando numa
produção excessiva de hidrogénio. [23]
Uma forma de diferenciar entre doentes produtores de hidrogénio e os não produtores,
é o recurso à utilização de um teste oral com ingestão de lactulose. A lactulose não é digerida
pelo organismo humano, mas é fermentado pela flora gastrointestinal; assim, se o indivíduo
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 28
não sofrer aumento de produção de hidrogénio com a ingestão de lactulose, é classificado
como não produtor de hidrogénio,o que implica descartar os resultados do teste de hidrogénio
expirado. [24]
Numa abordagem mais recente, foi indicada a adição da medição de níveis de metano
expirado, ao teste do hidrogénio expirado. Isto porque, 30% da população é considerada como
“produtora de metano”, e sendo que a metanogénese consome grandes quantidades de
hidrogénio, a avaliação deste parâmetro em adição à medição do hidrogénio, poderá evitar
alguns falsos-negativos. O teste será positivo se o doente apresentar um aumento de 25 ppm
de hidrogénio e/ou 12 ppm de metano, ou então, se a soma de H2+CH4>15 ppm. No entanto,
ainda existem poucas evidências nos benefícios da medição destes dois parâmetros. [20;24]
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE DAS DISSACARIDASES
A avaliação da atividade das dissacaridases é um método direto de determinar a
capacidade do organismo do doente em digerir os dissacáridos. Inicialmente, era feita com
recurso a biópsias intestinais do jejuno, tendo sido, mais tarde, substituída por biópsias do
duodeno, uma vez que era um teste menos invasivo. No entanto, a atividade das
dissacaradísases é bastante varíavel conforme a região do duodeno analisado. O que significa
que duas amostras obtidas de diferentes locais do duodeno do mesmo indivíduo podem
apresentar atividades diferentes. Por estas razões, a utilização deste método tem caído em
desuso. [25]
Mais recentemente, surgiu no mercado uma nova opção de avaliação da atividade das
dissacaridases que contorna estes problemas, com o nome de Teste Rápido de Intolerância a
Dissacáridos (Quick Disaccharidase Intolerance Test). Neste teste são recolhidas 2 amostras
de 2 mm do segundo terço do duodeno durante um exame endoscópico. Imediatamente após a
recolha das amostras, estas são colocadas em poços, segundo as intruções do fabricante. De
seguida são adicionadas duas gotas (80 μl) de solução do substrato em estudo e incubadas por
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 29
15 minutos. Após este passo, são adicionadas 2 gotas de solução com um cromogénio (10 μl)
em ácido acético e uma gota (80 μl) de uma solução enzimática de sinal, seguidas de uma
incubação de 5 minutos. Esta é uma reação colorimétrica, sendo que no final do tempo de
incubação é avaliada a formação de cor: formação de uma cor azul escura é indicativa de uma
digestão normal de dissacáridos; já uma coloração mais ténue ou até incolor é indicativa de
uma digestão incompleta ou ausente do dissacárido em estudo. [25;26]
Este novo teste possui uma sensibilidade e um valor preditivo negativo de 100% e uma
especificidade e valor preditivo positivo a rondar os 90% e os 95%, respectivamente. Outra
vantagem recai sobre o fato da recolha das amostras poder ser feita durante uma endoscopia
de rotina. Para além disso, como o teste é executado in situ, não há necessidade em lidar com
a logística de enviar as amostras para um centro de análises, nem a necessidade de controlar
as condições de preservação da amostra. [26]
No entanto, a recolha das amostras continua a ser bastante invasiva quando comparado
com outros métodos, e está dependente de fatores endogenos ao doente, como o seu INR,
risco de hemorragias e outras condições clínicas. Para além disso, é bastante sensível ao
tamanho das amostras, uma vez que se forem menores ou maiores que 2 mm, os resultados
dos testes são bastante afetados. Outro ponto a considerar é o fato do teste ter de ser feito logo
após a colheita das amostras, o que significa que a análise tem de ser feita no local do exame
endoscópico com um técnico especializado pronto a executar a análise. Por fim, há que referir
ainda que é um teste pouco disponível e com um valor a rondar os 30 $ (USD) por teste
individual. [26]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 30
ESTUDO DO GENÓTIPO
Por fim, outro método directo de avaliação de intolerância a dissacáridos é através da
genotipagem do doente. No entanto, é muito importante que o clínico já suspeite de um dos
dissacáridos antes de indicar o doente para este tipo de estudo. [27]
Para a execução do estudo, é feita a recolha de uma amostra do doente, quer seja de
saliva com zaragatoa, ou de sangue capilar. Posteriormente, existem 3 opções para o estudo
do genótipo: PCR; PCR-RFLP (PCR-Restriction Fragment Length Polymorphism) e
sequenciação direta. [27]
No caso de uma intolerância à sacarose-maltose, são investigados 4 mutações no gene
da sacarase-isomaltase: T/G 1730; G/A 3218; C/T 3370; T/G 5234. Como foi referido
anteriormente, o estudo destas 4 mutações cobre 83% dos casos de alterações genéticas que
provocam a intolerâncias à sacarose e à maltose. [9]
No caso da intolerância à lactose, existem 2 mutações responsáveis pela condição: C/T
13910 e G/A 22018. Num indívíduo normolactásico, este expresa o genótipo TT, ou seja,
ambos os alelos são normais. Já um indivíduo hipolactásico possui um genótipo CC, ou seja,
ambos os alelos são mutantes. Em relação ao genótipo heterozigótico CT, a maioria dos
indivíduos que expressam este genótipo são normolactásicos, no entanto, têm tendência a uma
diminuição da atividade da lactase com o passar dos anos. Apenas uma pequena percentagem
dos indivíduos heterozigóticos expressam uma intolerância à lactose desde cedo. [27]
Pelos estudos feitos em populações europeias, o estudo do genótipo C/T 13910 está
perfeitamente adaptado para o diagnóstico da intolerância à lactose em populações de
descendência europeia. Não obstante, diferentes descendências expressam diferentes
mutações e por isso há que adaptar a investigação do genótipo à descendência individual do
doente. [27]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 31
Em relação à intolerância à trealose, o estudo do genótipo ainda não é possível, uma
vez que ainda não foram identificadas quais as mutações responsáveis pela condição, e mais
estudos são necessários antes de se poder recorrer a este método de diagnóstico.
Relativamente às vantagens e desvantagens dos diferentes métodos de estudo do
genótipo, o PCR oferece diversas vantagens em relação ao método PCR-RFLP. É menos
laboroso e corre menos risco de contaminação. Para além disso, diversos passos do processo
podem ser automatizados. No entanto, todos estes métodos continuam a ser testes caros e
apenas disponíveis em alguns laboratórios. [27]
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 32
CONCLUSÃO
Os dissacáridos são uma vasta família de hidratos de carbono constítuidos por dois
monossacáridos. Actualmente, os dissacáridos podem ter uma origem natural ou artificial.
Quatro dos dissacáridos mais comuns de origem natural são a sacarose, a maltose, a lactose e
a trealose.
A presença destes dissacáridos nos alimentos consumidos no dia-a-dia levaram ao
surgimento, cada vez mais acentuado, de intolerâncias alimentares. Habitualmente, estas
intolerâncias têm uma etiologia genética, no entanto, podem surgir como consequências
secundárias de outras condições clínicas.
Para o diagnóstico das intolerâncias, o clínico possui um arsenal variado de testes ao
seu dispor por forma a clarificar a causa dos sintomas do seu doente. No entanto, todos estes
testes têm as suas vantagens e desvantagem. Por um lado, existem os métodos diretos que
alcançam resultados fidedignos mas são bastante invasivos. Por outro lado, os métodos
indirectos são menos invasivos, mas podem resultar em conclusões menos fiáveis.
Actualmente, o clínico deve iniciar a sua abordagem com o teste de hidrogénio
expirado, uma vez que este possui a melhor taxa de benefícios/riscos para o doente, e apenas
deve passar para métodos mais invasivos em situações onde o resultado do teste do
hidrogénio expirado não tenha sido claro.
No entanto, a comunidade científica deve continuar o seu trabalho no sentido de
desenvolver novos métodos para um diagnóstico mais claro das intolerâncias a dissacáridos,
como por exemplo, a adição da medição do metano expirado ao teste do hidrogénio expirado.
Assim sendo, apesar da fisiopatologia da intolerância a dissacáridos ser bem conhecida
na maior parte dos casos, o seu diagnóstico ainda sofre de vários problemas no que toca a
resultados claros, fidedignos e vantajosos para o doente.
Fisiopatologia e avaliação laboratorial da intolerância a dissacáridos | 33
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POTENCIAL CONFLITO DE INTERESSES
O autor declara que não houve quaisquer conflitos de interesse.
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a quem me deu a oportunidade de frequentar
este curso e estudar aquilo que me interessava: os meus pais. Foi um voto de confiança que
me permitiu construir boas bases para o meu futuro.
Em segundo, gostaria de agradecer aos meus parceiros de batalha que me
acompanharam nestes últimos cinco anos a estudar em Lisboa e que me ajudaram a
ultrapassar momentos mais complicados e desencorajadores. Sem eles, esta jornada teria sido
muito mais complicada e, certamente, menos agradável.
Em terceiro, gostaria de agradecer a esta instituição de ensino maravilhosa que é a
Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, e a todos os colaboradores que fazem
desta faculdade a melhor faculdade de ciências farmacêuticas. Sem dúvida que tem criado e
continuará a criar excelentes profissionais de saúde!
Gostaria de destacar o trabalho e o empenho da minha excelente orientadora por ter
aceite o desafio de orientar esta monografia e de me ajudar a superar esta última etapa da
minha vida académica. Fico-lhe extremamente agradecido por todo o seu apoio e tempo
dispendido comigo.
Por fim, gostaria também de agradecer a quem me tem acompanhado e ensinado
nestes últimos seis meses de estágio. Fiz, sem dúvida, as melhores escolhas em termos de
locais para estagiar! Excelentes profissionais e ótimas pessoas que me deram as melhores
dicas para ser um bom farmacêutico.
Estes são alguns dos agradecimentos que gostaria de deixar por escrito. Ficam a faltar
muitos outros, mas esses serão dados pessoalmente. Não estão esquecidos!
UM MUITO OBRIGADO A TODOS!