IV Reunião Equatorial de Antropologia e XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste.
04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE.
Grupo de Trabalho 42: Paisagens, territorialidades e cartografias: elementos para pensar a gestão territorial e ambiental de e em Terras Indígenas
A ferramenta como possibilidade de diálogo: Um curso de Etnomapeamento
Maurice Seiji Tomioka Nilsson1, Genisvan Merquior da Silva André2, e Maurício Tomé Rocha3
1 [email protected], sem filiação atualmente
2 [email protected] Conselho Indígena de Roraima, / UFRR,
3 [email protected] Vice-presidente Hutukara Associação Yanomami.
Resumo Em 2009 o primeiro autor ministrou um módulo de 15 aulas denominado “Etno-mapeamento” para alunos indígenas da CAFI (Centro Amazônico de Formação Indígena). Diante da profusão de conceitos prefixados por “etno-“, optou por não tentar desvendar o conceito no Outro, mas utilizar a parte dele que era de sua competência técnica, o mapeamento. A opção merece justificativa. A ideia de uma “etnografia às avessas” onde indígenas estudam a sociedade não indígena de forma semelhante a uma etnografia é o tom desta comunicação e gera uma pergunta central: como se opera a relação entre mapa e terra? O interesse está na terra, está em mapear conhecimentos territoriais, que, pelo lado indígena põe simetria na relação com a tecnologia do outro. Com mapas, o conflito e marcos no território podem ser explícitos em termos de suas localizações. Não teremos assim um mapa “étnico”, mas de conflitos socioambientais e violações do direito de uso exclusivo. Cabe então conhecer os agentes e atores “do outro lado”, com os quais conflituamos. Os autores reconhecem as limitações da proposta em abordar o “Etno”, mas conseguiram iniciar um diálogo, cuja questão é a terra vivenciada, as ameaças e oportunidades advindas dos contatos interculturais. O modo como vivem atualmente os indígenas participantes do curso aparece nas narrativas sobre os mapas (oriundos da interpretação de imagens de satélite e balizadas pelas vivências dos usos dos seus territórios) e croquis. Apresentaremos material produzido durante o curso e relatos da atuação de dois ex-alunos que exercem atualmente função no Conselho Indígena de Roraima (CIR) e na Hutukara Associação Yanomami (HAY). E como tem se desenvolvido o uso de mapas na defesa de suas terras hoje.
A ferramenta como possibilidade de diálogo: Um curso de Etnomapeamento
Introdução A apropriação de ferramentas conceituais novas por sociedades indígenas
pode significar um empoderamento para enfrentarem desafios postos pela
relação com as sociedades de Estado. Isso tem acontecido com o domínio da
escrita, por exemplo, e também com a linguagem dos mapas, de que trata esse
artigo. Os mapas tem sido uma ferramenta importante para lidar com desafios
de gestão territorial, permitindo compreender melhor e de forma integrada
aquilo que era antes vivenciado, caminhado e apreendido por indivíduos,
sempre de forma parcial. Seu poder está em permitir a visão de uma extensão
muito maior do que seria possível a olho nu, guardando certa analogia com o
papel do microscópio, em revelar dimensões antes impossíveis de serem
observadas, mas em escalas inversas. O seu uso pressupõe o domínio tanto
de sua interpretação, quanto de sua produção. As técnicas digitais de produção
de mapas e de acúmulo de informações espaciais, os sistemas de informação
geográficas podem ser uma ferramenta apropriada para esse desafio, ao
permitir novas leituras sobre a paisagem das terras indígenas. Desde o
reconhecimento do direito de usufruto exclusivo sobre as terras que ocupam, a
delimitação destas pelo Estado Nacional colocou o desafio da gestão territorial
das mesmas, agora como território limitado, e ao mesmo tempo ameaçado por
diversos assédios colocados pelos interesses políticos e econômicos das
sociedades de Estado (Azanha 2004).
As populações indígenas têm atuado como sujeito dessa defesa territorial, e
suas organizações representativas buscam enfrentar os desafios postos pela
relação intercultural (Nilsson 2011). Um exemplo de como isso se opera na
prática está no esforço de qualificação para expoentes das populações
indígenas. O Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI), ligado à
COIAB, oferece cursos de formação com objetivos suficientemente
abrangentes para serem enquadrados nesse esforço (Flores 2009). Foi num
curso desses, em 2009, que os Autores desse artigo se conheceram, tendo
sido o primeiro Autor convidado a ministrar um módulo de etnomapeamento
num curso de gestor ambiental, onde estavam inscritos os dois outros autores,
indígenas, das etnias Macuxi e Yekuana, ambos de Roraima. Nesse trabalho
pretendemos relatar a experiência de formação realizada naquela época e um
pouco do atual desempenho dos dois autores indígenas, tendo como foco a
discussão conceitual que norteou a formação e compreensão atual que liga o
uso de mapas e SIGs aos desafios trabalhados pelos autores no presente.
Diante do convite de ensinar etnomapeamento, o primeiro Autor decidiu
concentrar no ensino da ferramenta, e confiando no poder do mapa de revelar
elementos para uma discussão mais aprofundada sobre o conhecimento
territorial. A escolha pode ser fundamentada pela sua experiência no
indigenismo, em identificar demandas reais dos povos com os quais trabalhou,
de conhecerem a sociedade não indígena, não por almejar abandonar sua
cultura, mas por necessitar desses conhecimentos para se defenderem. O
desafio principal é o de inverter a pesquisa etnográfica de forma a revelar a
organização social não indígena, das sociedades de Estado, permitindo o
trânsito e a apropriação das instâncias que interferem decisivamente no jogo
de forças e decisões políticas que afetam aos povos indígenas. E, também
baseado em sua experiência, tal tarefa se faz essencialmente, mais do que
com discursos explicativos sobre nossa sociedade, ensinando suas
ferramentas conceituais, tais como a escrita, a matemática e, por que não, o
mapa.
Assim, a questão central desse trabalho, liga o conhecimento cartográfico ao
conhecimento da terra, a transposição constante de escalas que fazemos nos
nossos raciocínios, ao passar do “um pra um” da realidade vivida, para o mapa
de nossa terra e para sua inserção na realidade indígena brasileira e
amazônica. Como seria possível o mapa servir exclusivamente ao
conhecimento de um povo sobre seu território sem se dar conta das ameaças
externas a ele? Como não abordar a totalidade dessa realidade indígena no
Brasil, de sociedades sem Estado, sem um poder centralizado, e a relação
dúbia com um Estado Nacional que se propõe a garantir seus direitos, mas
cujos objetivos político-econômicos tendem a enxergar os povos indígenas
como barreira, ou, no mínimo, aqueles que “não seguem a mesma cartilha” (do
desenvolvimento econômico) e ainda mais quando se sabe que este mesmo
Estado Nacional guarda projetos sobre as terras habitadas por esses povos ?
As demandas atuais dos povos indígenas de reflexão sobre seus territórios,
sobre a realidade politico-econômica do país e sobre sua cultura (revelados
muito mais nos mapas ”um pra um”, nos mapas falados) têm no mapa uma
ferramenta que auxilia pragmaticamente a defesa territorial muito mais que a
expressão da realidade vivenciada, embora não sejam excludentes. Se
focarmos nos dois exemplos aqui em questão, de terras de mais de um milhão
de hectares, como o são a Raposa Serra do Sol (TIRSS) e a Terra Indígena
Yanomami (TIY), é essa escala que prevalece nos mapas, mas não
necessariamente na ação. São questões como essas que podem se revelar
frutíferas para se trabalhar paisagem, territorialidade e cartografia no âmbito
das terras indígenas.O ‘etno-‘ compondo o conceito implica não num mapear
terras indígenas ou regiões, mas num ‘como’ se vê e se interpreta tal paisagem
mapeada. Esse modo de ver é que resulta numa paisagem diferenciada.
Almejamos colocar em discussão também o papel de ambos na relação
intercultural entre os profissionais das ciências humanas e da terra e os povos
que estes estudam/ assessoram, que trazem suas demandas para além de
uma formatação cartográfica exigida pelo Estado para se fazer valer e legitimar
o que “vem do outro lado”. Uma reflexão interessante e que corrobora a
proposta pedagógica de “oferecer nossas ferramentas”, Carneiro da Cunha
(2012), embora falando de conhecimentos associados em recursos genéticos,
propõe que as duas agências em contato (num eventual convênio entre
cientistas e populações tradicionais) “devem manter protocolos separados,
reforçando-se uns aos outros pelos seus resultados”, similarmente, num estudo
da paisagem, o que é de competência de um lado, por exemplo a produção
cartográfica, deve guiar a produção de mapas por um lado, e o conhecimento
territorial deve ser norteado por quem o detém. Daí a proposta pedagógica de
ensinar a técnica como possibilidade de diálogo, um diálogo cartografado.
Relato do curso Etnomapeamento
OBJETIVOS
O propósito desse curso é o de oferecer instrumentos conceituais e
ferramentas práticas de mapeamento para que os estudantes possam no futuro
enfrentar melhor esses desafios de gestão territorial.
O curso deve ainda oferecer capacitação em ferramentas de mapeamento
digital, para os estudantes produzirem mapas sobre suas próprias terras.
Sugerir que tais instrumentos favorecem um melhor conhecimento do próprio
território, permitindo uma melhor transmissão/ comunicação desse
conhecimento. O curso pretende reunir conhecimento dos estudantes sobre
sua realidade histórico-geográfica, compartilhando tais experiências com seus
colegas, proporcionando momentos de reflexão crítica sobre tais realidades.
METODOS
O curso consistira de um treinamento/ exercício de se debruçar sobre o espaço
territorial de algumas terras indígenas da Amazônia, representadas por seus
estudantes participantes do curso. Durante esse treinamento, o acesso a
ferramentas de sensoriamento remoto, tais como programas, imagens será
associado ao uso de ferramentas de SIG (Sistema de informação geográficas)
de forma a operar um banco de dados sobre sua própria terra.
Com o uso de tais ferramentas espera-se que haja uma reflexão apurada sobre
tais espaços geográficos já com foco em sua gestão territorial.
O curso se desenvolveu em três semanas, totalizando 14 dias letivos. Na
primeira semana, iniciada no dia 17 de agosto, foi dada uma introdução ao
tema do etnomapeamento enquanto mapeamento cultural sob a ótica de uma
determinada cultura. Foi solicitado aos estudantes que apresentassem um
pequeno croqui (mapa) de suas comunidades, constituídos de dois mapas, um
que apresentasse o espaço da comunidade em si (sítio) e outro que
apresentasse o espaço da comunidade em relação ao entorno, como se faz
para chegar ali, a partir da cidade ou referência mais próxima (situação).
Fomos à sala de informática, e instalamos os programas, e a pasta de mapas.
O programa principal utilizado foi o ArcView 3.1, e os mapas foram compostos
a partir da base disponível pelo IBGE para o Brasil, carta ao milionésimo em
formato digital (.shp). O primeiro passo consistiu em explorar tal base,
sobretudo o tema Terras Indígenas, sua área, nome, localização, aprender a
adicionar outros temas auxiliares na compreensão do espaço, tais como vias
de acesso e hidrografia, já previamente fornecidos na base de dados.
As imagens orbitais foram acessadas gratuitamente mediante registro
(cadastro) no site do Inpe, divisão de geração de imagens (www.dgi.inpe.br).
Aprenderam assim a procurar no mapa do Brasil a localização de suas terras e
assim chegar à órbita /ponto da(s) imagem(ns) que cobre(m) cada terra.
Dedicamo-nos a adquirir, baixar as imagens, ao mesmo tempo que treinamos o
uso do programa de mapeamento. Aprendemos a criar projetos, salva-los,
definindo algumas características da view (vista) colocando a entrada de dados
em formato de graus decimais e as unidades de distancia para metros.
No terceiro dia, já de posse de algumas imagens, aprendemos a extrair de
seus arquivos compactados as três bandas em preto e branco, colocando-as
no programa de tratamento de imagens. melhoramos o seu brilho e contraste e
criamos um novo arquivo de imagem em formato RGB (vermelho-verde-azul),
onde foram inseridas as três bandas para formar uma composição colorida.
Vários aspectos sobre as imagens de satélites foram explicados, como se
comportam visualmente os objetos terrestres, também as limitações do
instrumento, tais como nuvens e tamanho dos objetos, em função da resolução
espacial, da resolução espectral, ainda assim sendo uma boa ferramenta para
captar alterações significativas na paisagem quanto ao uso e supressão da
cobertura do solo.
O trabalho dos estudantes consistia em fazer uma análise e interpretação de
suas terras, indicando problemas internos, ameaças externas, características
da vegetação dos locais de morada e outras características apresentáveis num
mapa. Os estudantes foram ensinados a criar um tema novo a partir de sua
terra, e mapear o que nela existissem criando possíveis legendas do que fosse
significativo. O trabalho de interpretação das imagens de satélites e edição de
temas é demorado. Alguns tinham a sua disposição imagens do Geocover
2000 (zulu.ssc.nasa.gov/mrsid), podendo assim comparar com a situação atual.
Outros tinham apenas as imagens antigas ou apenas as atuais.
A apresentação: terminados os mapas, os estudantes foram convidados a
escreverem um pequeno texto guia, com informações básicas de suas terras,
as características físicas, área em hectares (os mesmos foram ensinados a
calcular a área aproximada de suas terras) e depois a descreverem suas terras
quanto ao tipo de vegetação e características naturais, ocupação, números de
aldeias, ameaças etc.
Para as apresentações todos dispuseram de projetor (datashow) para
apresentar o mapa de sua região e utilizaram o programa ArcView aberto para
apresentar os mapas de suas terras. A primeira apresentação foi de Cleber
Javaé, sobre a Ilha do Bananal, terra dos Javaé e Carajás. Durante a
apresentação de uma hora, pôde discorrer sobre a distribuição das matas e
campos naturais alagáveis da maior ilha fluvial do mundo; também sobre as
origens de seu nome, o fato de já ter sido disputa, no passado, de outros povos
tais como Xavante e Kayapó. Contou sobre o arrendamento para gado que era
feito no passado e sobre o Projeto de irrigação do Rio Formoso, para plantação
de arroz que derrama grande quantidade de agrotóxicos, causando mortalidade
nos peixes da região.
As duas Umutinas, Deusilene e Maryleide, apresentaram juntas sua terra no
Mato Grosso, contando um pouco da história recente de contato de seu povo,
que na década de 1950 possuía 23 sobreviventes, e teve um “reforço” de
outros grupos que passaram a coabitar seu território, tendo que alterar seu
modo de vida, de uma grande mobilidade para uma prática mais sedentária,
Localizada do lado de Barra do Bugres, a terra ocupa a confluência desse
mesmo Rio Bugres com o Rio Paraguai.
Geane apresentou a Terra Camicuan, mas mostrou a interpretação que fez da
terra ao lado, uma vez que sua terra fica em frente ao Município de Boca do
Acre, foi possível localiza-la com maior precisão posteriormente. sua terra é
habitada pelos Apurinã do Alto Purus, numa sequência de terras, margeando
o rio. Segundo ela, sua comunidade é toda evangélica, e seu pai Joãozinho
lhes orientou a não casar com Apurinã. Karison, também Apurinã, interviu e
explicou que há duas metades, dois clãs Apurinã que não se casam entre si.
Genisvan (segundo Autor desse trabalho) apresentou ao final da tarde a Terra
Raposa/Serra do Sol. Apresentou de como recuperaram a terra, antes tomada
por fazendeiros pecuaristas e contou que ainda havia as vilas a serem
retiradas, bem como os arrozeiros.
Delma iniciou a apresentação na segunda feira, contando da Terra Indígena
Andirá, Sateré Maué, como uma área de florestas só acessível por rio, com
mais de cinquenta aldeias ribeirinhas, todas Sateré.
Ezequiel apresentou a Terra Trombetas Mapuera, dos Wai-Wai, e sua
comunidade, Kwanamari, ressaltando que a distância torna a comunidade livre
de problemas que outros relataram. É uma comunidade pequena e a maioria
mora na comunidade de Mapuera
Francinéia apresentou a região do Rio Içana, dentro da Terra Indígena Alto
Rio Negro, dividida por várias etnias, dentre elas os Baniwa. Maria
acompanhou a colega, contando de São Gabriel da Cachoeira e da FOIRN,
entidade que organiza as diversas representações dos povos da região. Rosa
Tariano também contou da Comunidade Açaituba, na região do Alto Rio
Negro, mas ligada a Santa Isabel do Rio Negro.
Françuan Gavião apresentou sua comunidade na Terra Indígena Parque
Aripuanã, em Rondonia, contando que há uma área desmatada e que há
garimpo e extração mineral em parte da Terra Indígena.
Geice contou da Comunidade Canauanim (terra homônima) no Lavrado
Roraimense, que por ser pequena a área demarcada tem desaparecido a caça.
E existe a influência não indígena pela proximidade com a cidade
Isa apresentou a comunidade Karipuna de Ariramba no Alto Rio Uaçá, no
norte do Amapá. Reforçou que em sua região o isolamento faz com que não
hajam problemas de desmatamento, e que há muitas paisagens naquela
região, com áreas naturalmente alagáveis de campos, entremeadas por capões
de mata. Junto a ela apresentou Rafael Galibi, da Comunidade Estrela, na
Terra Indígena Uaçá.
José contou da sua Comunidade na Terra Indígena Arara do Igarapé Humaitá.
Outra terra cujo isolamento garante a conservação das matas e recursos
naturais, que são utilizados pela população.
Karison contou como sua família entre outras migrou da região tradicional dos
Apurinã, no sul do Amazonas, para o sul de Rondônia, onde acabou por
conseguir se assentar na Terra Indígena Roosevelt, dos Cinta Larga.
Marcondy contou um caso distinto dos outros: os Cambebas, povo ao qual
pertence, está se reorganizando agora , não tem terra demarcada e habita a
cidade de São Paulo de Olivença, no Alto Solimões. Os Cambeba são o nome
atual dos Omágua que no passado dominavam a calha principal do Rio
Solimões. Atualmente são majoritários em alguns bairros de São Paulo de
Olivença. Marcondy mapeou os bairros e algumas áreas de uso do outro lado
do rio, incluindo ilhas fluviais.
Maurício (terceiro Autor desse trabalho) contou da Região de Auaris e da TIY
por extensão, contando de diversos problemas de invasão e ameaças que
ocorrem lá
Paulo Mamaindé contou de sua etnia, que habita o Alto Vale do Guaporé,
Terra Indígena Guaporé, Mato Grosso. O Jovem Paulo conta que a escola é
bilíngue, e a língua permanece viva, com boa parte da população falante.
Vaniena Apresentou a Terra Indígena Bacurizinho, Guajajara, no Maranhão,
contando ser essa cercada por fazendeiros e posseiros.
Wiliam Apurinã contou de sua Comunidade Jagunço, na Terra Peneri
Taquaquiri, Sul do Amazonas, que o distanciamento garante um grau reduzido
de ameaças; há porém, locais de caça clandestina; uma fazenda vizinha tentou
abrir uma estrada para o município de Pauiní que cruzaria a terra indígena. E
indicou locais distantes da comunidade utilizados para caça e pesca.
O conjunto dos relatos acabou por reforçar uma consciência solidária pan-
amazônica em relação aos problemas vividos em cada uma das terras. A
discussão sobre o que há de comum dentre os problemas de conflito
socioambiental e suas causas nas relações conflitantes com os não índios e
seus interesses econômicos. Um mapa da Amazônia Brasileira foi desenhado
com giz no chão, respeitando a orientação dos pontos cardeais na própria sala
e ali foram chamados a localizar suas terras. Depois o estudante era chamado
a apontar a direção de sua terra, a partir da localização de Manaus, onde
estavam. Isso reforçou a síntese do conjunto de terras estudadas.
Debatemos sobre como abordar assuntos de conhecimento do povo, onde
procurar as fontes, como conhecer a história oral, e de como traduzir esse
conhecimento histórico em “geografia”, necessitando que o entrevistador e o
entrevistado conheçam as áreas em discussão. Como recurso último, sempre é
interessante visitar os lugares citados pelos mais velhos, indicando o modo de
vida dos antigos, como se deslocavam e ocupavam seu território original que
indica o sentido de um etnomapeamento, no sentido de trazer modos de
pensar o território ao conhecimento e sua transformação em mapa.
Infelizmente não pudemos realizar entrevistas, para desenvolver essa
competência de fazer mapeamento a partir de técnicas de “mapa falado”.
Dedicamo-nos por fim a aprender técnicas de GPS, sistema de posicionamento
global, como forma de se localizar no espaço. Com alguns aparelhos
receptores Garmin, fizemos um pequeno estudo de meio na Cidade de
Manaus, no Parque do Povo, acompanhando o Rio Mindu. Com a ajuda de
Paulo Barni (à época pos graduando do Inpa), dividimos a equipe para que
melhor pudessem operar os aparelhos. Os receptores GPS foram reconhecidos
em suas operações principais, desde o estabelecimento da comunicação com
os satélites, com qual precisão obtemos as coordenadas, como mudar a
“pagina” e verificar as coordenadas, como se faz sua leitura e respectiva
localização no mapa, e como se armazenam pontos, com numeração ou com
nominação.Todos marcaram algumas coordenadas, ensinando-se uns aos
outros, imitando o que seria um trabalho de campo em suas terras.
O material escrito e desenhado pelos estudantes é um bom indicador de que
houve um aproveitamento considerável dos estudantes. De forma geral, ficou
expresso, nas falas, uma reflexão sobre o quão diferentes estão as situações
territoriais dos povos cujos representantes participaram do curso: desde os que
vêem sua situação territorial satisfeita pela terra atualmente demarcada,
aquelas que se encontram ameaçadas, aquelas que são insuficientes para a
expressão cultural e a própria sobrevivência do povo, e ainda aqueles cujas
terras ainda estão por ser reconhecidas. Tais diferenças se expressam na
história contada através do mapa, dando continuidade ao processo de reflexão
sobre o modo de viver e as opções culturais expressas. O roteiro técnico
utilizado durante o curso, todas as operações aprendidas e treinadas, foram
apresentadas num material paradidático de dicas de Arcview, sensoriamento
remoto para cada parte instrumental realizada.
A experiência atual com as demandas das Terras Indígenas de Roraima,
por dois expoentes formados pelo CAFI
As demandas impostas no diálogo interétnico, sobretudo com o Estado
Nacional tem como interlocutores, em geral, um conjunto composto de
lideranças tradicionais (pata thëpë, tuxaua, kajichana) e de alguns expoentes
alfabetizados que se qualificam para desempenhar funções de interlocução
com maior esclarecimento. São, portanto, para as suas sociedades, os
principais interlocutores quando há necessidade de uma mediação técnica
mais detalhada, em geral também pessoas escolhidas por suas comunidades
exatamente para receber os treinamentos em relação ao mundo não indígena.
A sua condição social é a de respeito ao saber dos mais velhos nas decisões
políticas, a quem consideram legítimas lideranças de sua sociedade, sua
condição e status em relação aos saberes externos não os autorizam a
proceder de outra forma (Moreira 2006). Os dois co-autores desse artigo são
jovens expoentes esclarecidos, que permanecem estudando e mantém
atividades em suas respectivas associações. Vamos relatar um pouco dos
trabalhos desenvolvidos atualmente no âmbito das organizações indígenas e
que de alguma forma se utilizam de conhecimentos cartográficos sobre a
paisagem, num contexto de defesa territorial.
A formação e a luta de Mauricio Rocha
Desde a formação, o trabalho na Hutukara Associação Yanomami (HAY)
começou com a comissão de meio ambiente, que cuidava da defesa territorial,
e aproveitava os sobrevôos para identificar os pontos de garimpo que via,
passava informações para identificarem nas imagens de satélite e voltar a
campo com mais informações.
Vamos utilizar o caso do Ajarani no limite leste da TIY, em Roraima como
exemplo de como análises geográficas se aliam às ações práticas de proteção
e vigilância territorial executado pela HAY, com parceiros como o ISA e a
Funai, por meio do Projeto de Gestão Territorial.
A construção da Perimetral Norte fez do Ajarani um lugar onde os Yanomami
sofreram um dos maiores impactos da TIY. A estrada trouxe epidemias levaram ao
óbito centenas de Yanomami (Ramos 1979). Antropólogos que trabalharam na
região na década de 1970 estimam um índice de mortalidade de 80% (Albert 1985),
causando profunda desestruturação social na região e, ainda hoje, 20 anos depois
da homologação da TIY, há fazendeiros que não foram retirados pela Funai.4
O acesso à região do Ajarani é um dos mais fáceis dentro da TIY. Além da Rodovia
Perimetral Norte, que cruza toda a região, no entorno do limite leste da TI, entre os
rios Ajarani e Apiau, existem cinco projetos de assentamento (PAs) do Incra:
Sumaúma, Vila Nova, Apiau, Paredão, Massaranduba e Ajarani. A dinâmica de
4 adaptado de Moreno Saraiva Martins: Expedição à TI Yanomami constata invasões e placas de
delimitação são colocadas de 13 de abril de 2013 : http://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-
socioambientais/expedicao-a-ti-yanomami-constata-invasoes-e-placas-de-delimitacao-sao e Oficina
de construção de canoas apoia produção de castanha do Brasil e vigilância da TI Yanomami 7/7/2011.
http://site-antigo.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3378
ocupação ilegal no entorno desses PAs, descrita por Tourneau (2003) continua até
os dias de hoje: pequenos posseiros e especuladores imobiliários prolongam
ilegalmente as estradas de terra dos PAs, loteando de forma arbitrária terras de
domínio público. Com a ocupação ilegal eles esperam a legalização dos lotes, com
a criação de novos PAs, prática incentivada por atores políticos regionais. Aumenta,
dessa forma, o risco de a TI ser invadida para a retirada ilegal de madeira e
atividades de caça, pesca e coleta.
Em uma reunião com moradores desses assentamentos estaduais mostramos
mapas para demonstrar que aquelas estradas estavam já na TIY. Que
admitiram que não sabiam e que a partir de então iriam respeitar; que a maioria
ali era de fora, migrante de estados do nordeste, Ceará, Maranhão, e não
foram avisados. Isso começou com a Expedição pelos limites (10/2012) , entre
o Ajarani e o Apiau.
A pressão de invasão incide fortemente sobre os limites leste da TIY. Por isso,
a Hutukara tem priorizado o Ajarani em suas ações, onde realizou duas
oficinas de construção de canoas, uma na comunidade Cachoeirinha e outra
em Xikawa, promovendo um intercâmbio entre os Ye’kuana e os Yanomami da
região do Ajarani, também conhecidos como Yawaripë. As embarcações
produzidas, além de apoiar a coleta da castanha da Amazônia, também
servirão para a promoção da vigilância territorial.
Os Ye’kuana, povo de língua Karib, são conhecidos viajantes da Amazônia,
pelas florestas e rios, chegando às cidades, e são hábeis construtores de
canoas, com as quais, desde tempos imemoriais, vêm se deslocando pelos rios
amazônicos. No Brasil hoje habitam quatro comunidades ao longo dos rios
Auaris e Uraricoera, e somam aproximadamente 470 pessoas. A maior parte
de sua população, cerca de 6.500 pessoas, vive na Venezuela.
A construção das canoas5
As canoas foram construídas em um acampamento que fica na margem esquerda
do rio Ajarani, a aproximadamente 18 km de onde a rodovia Perimetral Norte cruza
com este rio. Durante trinta dias os dois oficineiros Ye’kuana e três Yawaribe
ficaram acampados se dedicando à construção das canoas e à coleta de castanha
do Brasil.
5 Idem. Oficina de construção de canoas apoia produção de castanha do Brasil e vigilância da TI
Yanomami 7/7/2011. http://site-antigo.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3378
O primeiro passo é a identificação de uma árvore com madeira propícia. A árvore é
então derrubada e o local em sua volta é limpo para facilitar o trabalho. Numa das
oficinas, com uma única árvore foi possível construir uma canoa de 5 metros e
outra de 9 metros. Após a derrubada inicia-se o cuidadoso e demorado trabalho de
moldar a canoa. Consiste em primeiro cavar o tronco com o auxílio de diversas
ferramentas especializadas e, findo esse processo, a canoa é queimada por dentro
e por fora para que a madeira se torne moldável enquanto está quente e possa ser
aberta. Finalmente é feito o acabamento, com a colocação dos bancos.
A Hutukara apóia o extrativismo indígena de Produtos Florestais Não Madeireiros
(PFNM). A castanha da Amazônia é coletada por poucos homens atualmente em
idade de suportar os esforços físicos necessários. Uma das canoas construídas
durante a oficina transporta o produto dos castanhais situados nas margens do Rio
Ajarani até as distantes vias de escoamento.
O uso das canoas permite o acesso a locais de caça mais distantes e atividades de
pesca. Isso pode ajudar a reduzir a demanda por produtos da cidade.
O terceiro Autor teve participação em expedições pelo RIo Uraricoera, onde
detectando e quebrando garimpos6. Um local preocupante é o Aracaçá, onde
fizeram uma pista para os garimpeiros. Diversos pontos foram detectados,
usando tecnologias, mas efetivamente conhecidos em campo. São os
Yanomami que denunciam as localizações identificadas. Um projeto importante
é a melhoria da comunicação, ampliando a rede de rádios da Hutukara ().
Outro foco é a participação como conselheiro em unidades de conservação
UCs do entorno da Terra Yanomami, já participava em Maracá e agora em
Niquiá e Serra da Mocidade. Nesse diálogo tivemos uma vitória importante, a
Flona Roraima modificou os seus limites e desafetou a TIY, uma reivindicação
antiga dos Yanomami. A criação das Flonas deveu-se à tentativa de redução
dos direitos territoriais dos Yanomami durante o final do período militar e
Governo Sarney (Albert 1991; 1991; Albert and Tourneau 2006).
Relato de Genisvan André
O segundo Autor teve seu primeiro contato com a ferramenta
computacional de geoprocessamento com sistema de informação geográfica
(SIG), foi em um curso em na cidade Manaus oferecido pela Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB no Centro
Amazônico de Formação Indígena – CAFI em 2009 com apoio do Conselho 6 http://www.folhabv.com.br/noticia.php?id=126404 23-3-2012
Indígena de Roraima (CIR). No período do curso a Software utilizado para
formação/ capacitação foi ArcView, ministrado pelo primeiro Autor desse
traballho. Em 2010 foi convidado a trabalhar no CIR no laboratório de SIG. O
CIR trabalhava na época um Software licenciado do ArcGIS versão 9.3.
Durante todo esse período o CIR deu apoio na formação continuada em SIG
para que pudesse desenvolver os trabalhos da organização. Atualmente, alem
de atuar na área de SIG dentro da organização indígena é acadêmico na
Universidade Federal de Roraima no curso de gestão territorial Indígena.
Irei relatar a minha experiência de trabalho com mapas, mas primeiro e
para ter o sentido dos relatos apresento bem breve quem é o CIR, porque é
dessa instituição que vou relatar experiência.
Da organização: O Conselho Indígena de Roraima (CIR) é uma
organização indígena sem fins lucrativos que tem como objetivo a luta pela
garantia dos direitos dos povos indígenas de Roraima. Está formado por oito
conselhos regionais que congregam em torno de 220 comunidades indígenas,
e abrange em sua área de atuação uma população de mais de 50.000
indígenas, das etnias Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Patamona, Sapará,
Taurepang, Wai-Wai, Yanomami e Yekuana, distribuídos em 34 terras
indígenas que alcançam uma área de 10.344.320 hectares, o que representa
46% da superfície do estado de Roraima. O CIR é uma das organizações
indígenas mais ativas no Brasil, com atuação nos níveis local, regional,
nacional e internacional, e é hoje o principal interlocutor das comunidades
indígenas do Estado de Roraima frente às autoridades e órgãos competentes.
(fonte: Conselho Indígena de Roraima).
Nos últimos anos os povos indígenas de Roraima e as organizações
indígenas, em destaque o CIR, estiveram envolvidos no processo de
regularização fundiária dos territórios indígenas. Com reconhecimento dos
direitos indígenas principalmente com demarcação, homologação das terras
indígenas do Estado, surgiram outros desafios voltados para gestão territorial e
ambiental. Nesta linhagem algumas iniciativas já foram desenvolvidas pelo CIR
nas comunidades indígenas como a formação dos agentes territoriais e
ambientais indígenas - ATAI, Estudo de caso e mudanças climáticas,
levantamento socioambiental e o mais recente, o Plano de Gestão territorial e
ambiental das terras indígenas – PGTA.
As construções dos PGTA assim como outros projetos ou atividades já
citado acima, são reivindicações das lideranças indígenas, sendo que
atualmente já foram construídas 04 “PTGA” experimentais. Quanto às
definições das áreas para construção dos PGTA são as lideranças indígenas
que realizam as escolhas em reuniões e assembléias.
Para atender essas demandas, o CIR dispõe de um departamento
ambiental cujo objetivo é apoiar todas atividades voltadas para gestão territorial
e ambiental das terras indígenas. Dentro da estrutura do departamento
ambiental está consolidado um laboratório de SIG, que é um dos elementos
fundamentais nas construções dos mapas das áreas trabalhadas. Atualmente o
laboratório de Sistema de Informação Geográfica (SIG ou GIS - Geographic
Information System) do Conselho de Indígena de Roraima trabalha com
software do ArcGIS 10.1 licenciado que possibilita trabalhar a representação
geográfica das terras indígenas além de facilitar ações voltadas à gestão
territorial e ambiental.
Construção dos etnomapas: o trabalho de etnomapeamento vem
sendo realizado pelo CIR desde o ano de 2001 inicialmente na terra indígena
Raposa Serra do Sol tornando-se uma ferramenta importante no processo da
demarcação e homologação. Atualmente a produção de mapa está ligada à
construção do PGTA de algumas terras indígenas contando com participação
total do técnico indígena em geoprocessamento.
No PGTA a idéia não é produzir qualquer tipo de mapa, mas um mapa
que tenha característica da comunidade, um mapa que valoriza a participação
da coletividade. Pensando nisso que surgiu termo “Etnomapeamento”. Mas
porque utilizar o termo “etno + mapeamento”? Porque se trata de um povo ou
comunidade que tem modo de vida diferenciado e trabalha-se o conhecimento
cultural, tradicional e territorial de um povo e por fim são eles protagonistas os
beneficiados dos seus próprios trabalhos. Em todos os trabalhos somos
questionados com relação a inserção das informações. O fato de produzir ou
elaborar um mapa não quer dizer inserir qualquer informação, neste caso é a
comunidade quem tem toda autonomia de dizer o que pode ou não pode ser
mapeada, pode ate ser mapeado porem não aparece no etnomapeamento
físico, fica restrita a comunidade. Vista disso à utilização o termo
“etnomapeamento” entende-se que mais adequado à realidade da comunidade.
Para construção dos etnomapas foram adotados como metodologias
dois tipos de mapa: o mental e a cartográfica. O objetivo da etnomapa mental é
ver qual é a visão, compreensão da comunidade diante do seu território, se há
alguma estratégia um plano de uso uma vez que são originários daquele
território. Isso é feito por meio de desenho em papel onde é feito
representações de certas informações de uma determinada área. Todo esse
trabalho é levado em consideração no laboratório SIG para uma sistematização
para produto geral. Quanto ao mapa cartográfico é utilizado às bases de dados
oficiais com as informações de Hidrografia, rodovia, limite administrativo,
imagem de satélite e outras informações pertinentes. No final é feito junção das
informações do mapa mental e cartográfico.
Descrevo como é feito os etnomapas utilizando a base cartográfica. O
objetivo da utilização de algumas informações como rodovia, hidrografia e
limite administrativo é somente um ponta-pé inicial para construção do mapa
quer dizer uma orientação básica. Sempre é feita em papel vegetal por ela ser
transparente para ser sobreposta a uma imagem de satélite. Nos nosso
trabalho optamos trabalhar com escala 1:50.000 isso porque o nosso objetivo é
ter mais detalhes de uma área mas também porque existem certos recursos
que a imagem de satélite não mostra e aí é que entra o conhecimento
territorial, cultural e tradicional das comunidades. São divididos por camadas
(Layers) para não sobrecarregar de informações somente em um etnomapa.
Como o nosso trabalho e volta para gestão territorial e ambiental praticamente
é no Maximo 6 camadas por exemplo: camada de hidrografia, vegetação,
localidades, rodovias. Após a conclusão é recolhido todo material e conduzido
até ao laboratório de geoprocessamento.
No laboratório é feito o serviço de plotagem ou escaneamento para
geração de arquivo digital no formato JPG ou TIF, em seguida realiza-se o
georeferenciamento. O georefenciamento é feito a partir de uma imagem de
satélite fazendo que a fotocopia se torne uma imagem georeferenciada/raster,
em seguida é encaminhado para o processo de digitalização. A digitalização é
a parte mais fundamental quando vai trabalhar com um etnomapeamento, por
que é o momento em que feito é transferência das informações em formato
digital “Shp” transformado-as em banco de dados com todas as referencias
geográfica enfim, este o trabalho que é realizado atualmente pelo técnico
indígena em SIG. Assim concluído a digitalização tem ultima etapa é a
montagem dos layers que é o resultado do trabalho. Este material está no
acervo do CIR e disponível para as comunidades indígenas e organizações.
Da importância. Historicamente, sabemos que o mapa era uma
ferramenta de poder somente de governo e militares que tinha acesso ou
construíam o mapa. Hoje a realidade é outra qualquer organização estatal ou
não pode ter seu próprio mapa de acordo seu objetivo.
Por isso o CIR instalou dentro da sua estrutura o laboratório de SIG para
ajudar na gestão territorial e ambiental utilizando essa ferramenta de
geoprocessamento. Atualmente os mapas são construídos com objetivo de
apresentar aos governantes e a sociedade que o povo indígena tem seu plano
de gestão territorial e ambiental, e muito mais, é para servir instrumento,
ferramenta de luta, reivindicação e transformá-la em políticas publicas. Há
muito projetos do governo sendo imposta viola o direito constitucional do povo
indígena contrariando o direito garantido na convenção 169 da OIT de consulta
previa e isso o povo indígena não admite.
Hoje os etnomapeamentos passaram a ter mais credibilidade, porque
antes só se trabalhava com mapa mental agora é um mapa técnico com todas
as referencias geográficas e informações políticas.
Discussão
A partir dos relatos dos autores, vamos proceder uma interpretação das
trajetórias, buscando implicações sobre estudos da paisagem. As escolhas
metodológicas de se concentrar na ferramenta por mais etnocêntrico que isso
possa parecer, resulta, por outro lado, numa apropriação de um instrumento
utilizado para legitimar territórios, e que em certa medida está em disputa
também nesse campo, entre Estado Nacional, direcionado por interesses
geopolíticos e econômicos, e as populações em busca da garantia de seus
direitos (Acselrad and Coli 2008). Por parte do Estado Nacional, um argumento
usual contra a apropriação da técnica pela população está na precisão
cartográfica, talvez daí os mapeamentos comunitários originais terem evoluído
rapidamente para o uso de SIGs. A aquisição de competência nessa área por
expoentes e apoiadores a serviço dos povos indígenas trouxe empoderamento
frente aos debates sobre direitos territoriais, mas hoje enfrenta uma contra-
ofensiva à sua legitimação: causa preocupação o Projeto de Lei 5037/13
(devolvido para revisão) que cria o Código Cartográfico Nacional, por
desconsiderar a cartografia social e acadêmica e pelo inciso II do § 30, que
limita a autorização de cartografia ‘privada’ em faixa de fronteira. A cartografia
tem papel decisivo hoje desde a delimitação e demarcação de uma terra
indígena, passando pela defesa territorial e pelo seu uso. O PNGATI (Lei n°
7747/2012) vem a confirmar esse papel. Em todos eles, o entendimento do
modo de vida de cada povo e o que isso imprime na paisagem toma parte
importante no esforço de mapeamento.
Uma das ferramentas hoje é conhecer as sabedorias tradicionais dos povos
indígenas nas suas regiões que habitam e é visualizado pela ferramenta criada
pelo homem branco. O conhecimento indígena é aprender na prática, conhecer
de perto os lugares mais importantes, lugares sagrados, montanhas, rios,
afluentes e outros, o resultado disso ele desenha na sua mente e marca o
ponto de referência é isso que fica na memória da pessoa chamado mapa
mental. A única diferença que tem nessa ferramenta, ao mesmo tempo você
comparando das duas ferramentas por exemplo, a imagem mostra de cima via
satélite isso na ferramenta do homem branco praticamente é usado para
visualizar através das coordenadas marcadas pelo pessoa com GPS, sem isso,
a pessoa não ia se localizar.
Nos modos indígenas de vivenciar o espaço, a paisagem é entendida de forma
diferente do conhecimento técnico do mapa. Isso coloca, para os interlocutores
dos movimentos indígenas, a demanda de oferecer suas técnicas de mapear,
como ferramentas passíveis de serem utilizadas junto com o conhecimento
territorial vivenciado pelas sociedades indígenas. Das ferramentas disponíveis,
desde o mapa efêmero, desenhado no chão, ao croqui e as geotecnologias
digitais, todas são passíveis de se ensinar. A apropriação da ferramenta é uma
questão a ser problematizada pelos novos usuários, buscando definir bem sua
utilidade e suas limitações (Colchester 2002).
Uma clara utilidade está na vigilância territorial, em perceber também a
“geografia do outro”, como forma de conhecer para se defender. Esse é um
aspecto demonstrado tanto no curso, onde várias exposições versavam sobre
a situação externa, como nas exposições das nossas organizações indígenas,
que têm essa função de defender o direito ao usufruto exclusivo de suas terras.
A paisagem, os lugares sagrados, a serem localizados no mapa, dando-lhes
esse significado, expressam parcialmente o ‘etno-’ que prefixa o ‘mapeamento’.
A paisagem revela um modo de ocupação característico e diferenciado em
relação ao da sociedade envolvente e seus diversos projetos, porque seu modo
de conceber tal realidade é diferente, mas é nas lutas políticas e simbólicas
que as sociedades indígenas podem comunicar e se impor, colocando seu
modo de abordar, garantindo seu direito ao usufruto territorial, muitas vezes
contrapondo-se aos projetos que o Estado Nacional, entre outros atores
sociais, reserva aos índios. A dificuldade em se compreender as reais
necessidades dos povos indígenas se percebe quando os projetos econômicos
a propostos são mera reprodução de modelos da sociedade envolvente, muitas
vezes baseados em produtos únicos, monocultivos (Azanha 2004). Azanha
(2002) define algumas características necessárias para que os projetos
econômicos destinados aos índios sejam satisfatórios, dos quais destacamos
duas: relativa independência do mercado, através da satisfação das
necessidades com recursos próprios, produzidos por internamente, e “pleno
domínio das relações com o Estado e com as agências de governo, a ponto de
as sociedades indígenas definirem o caráter dessa relação”. Trazendo os
exemplos das nossas organizações, temos o projeto das canoas e o Projeto
‘Cruviana’, de aproveitamento eólico, como exemplos de contraposição às
pressões sobre nossas terras, numa visão integrada, ou por associar vigilância
com as necessidades materiais e por criar alternativas à geração hidrelétrica, o
que afetaria um grande patrimônio, a cachoeira do Cotingo. Queremos reforçar
o fato do protagonismo indígena na condução das políticas e iniciativas de
defesa e manejo das terras indígenas, com base num maior esclarecimento
técnico e científico, num conhecimento da sociedade de Estado e de
ferramentas que nos podem ser úteis, como o mapa. Desde muito tempo que
os povos indígenas vem construindo esse saber sobre o outro, para aprender a
lidar com ele, sendo sujeito do que acontece em suas próprias terras.
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