CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
CPI - TRÁFICO DE ORGÃOS HUMANOSEVENTO: Audiência Pública N°: 0505B/04 DATA: 6/5/2004INÍCIO: 10h42min TÉRMINO: 13h23min DURAÇÃO: 02h41minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h41min PÁGINAS: 64 QUARTOS: 32
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOVOLNEI GARRAFA - Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Bioética daUniversidade de Brasília.
SUMÁRIO: Tomada de depoimento. Deliberação de requerimentos.
OBSERVAÇÕESHá orador não identificado.Há intervenções inaudíveis.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Havendo número
regimental, declaro abertos os trabalhos da 8ª reunião ordinária da Comissão
Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a atuação de organizações atuantes
no tráfico de órgãos humanos. Informo aos Srs. Parlamentares que foi distribuída a
cópia da ata da 7º reunião. Sendo assim, indago se há necessidade da sua leitura.
(Pausa.) Dispensada a leitura, coloco a ata em discussão. (Pausa.) Não havendo
quem queira discuti-la, coloco-a em votação. Os Srs. Deputados que a aprovam
permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovada a ata. Comunico a V.Exas.
que esta Comissão realizará nos próximos dias 13 e 14 de maio diligência no
Município de Recife, Estado de Pernambuco, para oitiva de várias testemunhas.
Solicito aos nobres Parlamentares que queiram participar dessa diligência entrarem
em contato, o mais rápido possível, com a Secretaria desta Comissão, a fim de que
sejam tomadas as providências necessárias para a aquisição de passagem e
hospedagem junto à direção desta Casa. Lembro aos Parlamentares que esta
reunião foi convocada para a realização de audiência pública para tomada de
depoimento do Prof. Volnei Garrafa, Coordenador do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Bioética, da Universidade de Brasília, e ainda para deliberação de
requerimentos. Quero, nesta oportunidade, convidar o Prof. Volnei Garrafa a tomar
assento nesta Mesa. (Pausa.) Antes de passar a palavra ao depoente, peço a
atenção dos senhores presentes para as normas estabelecidas no Regimento
Interno da Casa. O tempo concedido ao depoente será de até 20 minutos,
prorrogáveis a juízo da Comissão. Durante esse período de explanação dos fatos,
ele não poderá ser aparteado, vai ter o tempo para fazer sua explanação. Os
Deputados interessados em interpelá-lo deverão inscrever-se previamente junto à
Secretaria da Comissão. Cada Deputado inscrito terá o prazo de até 3 minutos para
fazer suas indagações, dispondo o depoente de igual tempo para resposta, facultada
a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo. Sr. Volnei Garrafa, nosso convidado,
também é Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e faz parte do Conselho
Diretor, Presidente da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da UNESCO.
É uma pessoa com bastante experiência nessa área. Está aqui o requerimento
apresentado pelo Deputado Pastor Frankembergen, dado o seu conhecimento, e a
importância dessas explicações, dessas explanações, desses conhecimentos que,
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com certeza, vão enriquecer muito os Parlamentares desta Comissão no
desenvolvimento do seu trabalho. Com a palavra, neste momento, o Prof. Volnei
Garrafa.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Em primeiro lugar, eu queria manifestar a grande
honra que é poder colaborar com esta Casa, a Casa do povo brasileiro. É uma
obrigação de todo brasileiro poder contribuir para a melhoria do desenvolvimento da
nossa sociedade e das condições de vida da população do País. Queria agradecer a
confiança da Comissão e de todos os seus membros, principalmente o Deputado
Pastor Frankembergen, que fez o primeiro contato comigo. Em meu nome pessoal,
em nome do Núcleo de Bioética da Universidade de Brasília e da Sociedade
Brasileira de Bioética, que tenho a honra de presidir, ficamos muito honrados.
Estamos sempre à disposição para esse tipo de apoio, de auxílio e contribuição. Eu
tenho uma experiência de aproximadamente 13 anos nesse campo do mercado
humano. Em 1991, viajei à Itália com uma bolsa do Governo brasileiro, Ministério da
Educação, para fazer um projeto de pesquisa de pós-doutoramento exatamente na
área do mercado humano. Eu trabalhei exaustivamente durante 4 anos com o então
Senador italiano Giovanni Berlinguer, uma das maiores autoridades vivas no mundo,
tanto na área de saúde pública quanto na área de bioética. Esse projeto de
pesquisa, compartido Brasil/Itália, deu origem a este livro, que está na segunda
edição, na Itália, e na segunda edição, no Brasil. Chama-se: O Mercado Humano —
Um Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo. Ele não é um estudo
jornalístico, não é um estudo sensacionalista, é um estudo acadêmico. Quer dizer,
as referência bibliográficas aqui colocadas são todas absolutamente fidedignas. E
esse trabalho foi apresentado por mim, pelo Prof. Berlinguer, no secular prédio da
Enciclopédia Italiana, na Itália, discutido por 2 Prêmios Nobel. Uma deles, a Rita
Levi-Montalcini, que muita gente conhece, e o outro falecido recentemente, que não
é Prêmio Nobel, mas o grande cientista político Norberto Bobbio. Vou deixar este
livro com a Comissão. Trouxe alguns documentos. São textos, artigos que temos
publicados, artigos recentes da Gazeta Mercantil: Mercado de Transplantes Renais,
Legislação Dá Oportunidade à Compra e Venda de Órgãos, Comércio de Rins e
Legislação, Pesquisadores levantam informações preocupantes. São pesquisas que
nós fizemos, aqui, na Universidade de Brasília, publicadas na Revista da Associação
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Médica Brasileira. São pesquisas de denúncias, realmente. Vou deixar essa
pesquisa também com a Comissão. Eu acho que são dados importantes. Um artigo
que nós publicamos em 1993, ou seja, 11 anos atrás, na Revista do Conselho
Federal de Medicina, chamado O Mercado de Estruturas Humanas (A Soft Human
Market), que é um dado que eu vou deixar também com a Comissão, que eu acho
que é importante. Hoje está havendo no mundo, infelizmente, o encaminhamento de
certas situações para a legalização e a aceitação moral da mercantilização de
órgãos no mundo, em alguns países, a partir da visão anglo-saxônica de que as
pessoas são autônomas. E se elas são autônomas, o corpo é de propriedade delas
e elas têm direito de vender o que é delas. A posição minha e a do Prof. Berlinguer
neste livro é absolutamente oposta. Apesar de o Prof. Berlinguer ser uma antigo
comunista, um homem ateu, mas um dos homens mais íntegros e mais humanos
que, certamente, muitas pessoas desta sala conhecem, sabem e podem constatar,
nós ficamos com uma posição muito próxima à posição, por exemplo, do Vaticano,
às posições evangélicas sobre a questão da mercantilização. A nossa posição,
realmente, é contrária. Tem um outro texto, publicado na Revista Humanidades, da
Universidade de Brasília, chamado A Última Mercadoria. Na realidade, para as
pessoas pobres e vulneráveis, é a mercadoria final. Em italiano o idioma fica mais
forte. Chama-se: La Merce Finale, ou seja, a mercadoria derradeira. É a última coisa
que o sujeito tem para vender. Ele tem um filho com leucemia, ele tem uma casa
hipotecada, ele acaba tendo oportunidade de vender um rim, uma partida de sangue
ou de medula. Então, ele, pela vulnerabilidade, acaba caindo nessa tentação. Tem
um outro texto publicado aqui no Brasil, na revista Saúde em Debate, do Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde, que chama-se: Usos e Abusos do Corpo Humano,
que é também capítulo de um livro de um Senador italiano, Stefano Rodotà, que é
Diretor da Faculdade de Direito da Universidade La Sapienza di Roma. E um
capítulo de um livro, publicado aqui no Brasil por um grupo da ABTO (Associação
Brasileira de Transplantes de Órgãos), sobre transplantes de órgãos e tecidos. É o
capítulo sobre a questão da bioética dentro desse campo. E por último, eu só queria
também referir, para que os Deputados possam ver como essa coisa está se
encaminhando para o lado da mercantilização, textos, como este aqui, publicado,
por exemplo, nos arquivos internacionais de medicina: Incentivos financeiros para a
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procura de órgãos. São textos acadêmicos, onde a questão a ser colocada, hoje, é
que deve se fazer incentivos financeiros para a procura de órgãos. Quer dizer que é
uma coisa para nós, para a nossa visão latina, para a nossa cultura humanística e
cristã, inaceitável. Então, prezados Deputados, eu vou fazer a minha apresentação,
basicamente, em duas partes, que, acho, é o que eu posso dar de contribuição para
esta importante CPI. Na primeira parte, eu vou resumir o esforço do Prof. Berlinguer
e meu na classificação que nós fizemos desse tema do mercado humano. Acho que
isso pode ajudar no sentido mais conceitual de sustentação para, se for útil, a CPI,
obviamente. E na segunda parte, exatamente, essa pesquisa que nós publicamos,
onde a gente acaba constatando que a legislação brasileira para a doação de
órgãos é ineficiente e ela possibilita a compra, a venda principalmente de rins a
partir do doador vivo não-parente. A lei brasileira, de 1997 para cá, possibilitou o
não-parente — principalmente depois de modificações de 1999 —, doar. A lei antiga
só dizia que o parente ia até o primeiro grau, marido e mulher, pai e filha, mãe e
filha, e agora abriu para todas as pessoas a possibilidade de doar. Só que havia na
lei, há na lei, um elemento legal, que seria um impeditivo. Mas, com essa pesquisa,
nós comprovamos que esse elemento impeditivo é de uma fragilidade absoluta.
Então, a lei, ao invés de proteger os vulneráveis, ela vulnerabilizou os vulneráveis.
Quer dizer, no Brasil, depois que essa lei entrou em vigência — e eu vou mostrar
esses dados aqui da ABTO e do Ministério da Saúde —, o número maior de
transplantes renais no Brasil era com doador cadáver, que é o melhor doador. Hoje,
as questões clínicas são muito similares. O seguimento dos pacientes, o sucesso
terapêutico entre o doador cadáver e doador vivo são muito próximos. A diferença é
1%, 1% a 2%. Então, a idéia, realmente, é nós termos bom sistema de capitação. E
no Brasil não faltam cadáveres. Com tanta briga nos morros, com tanto acidente de
trânsito, com as nossas estradas ruins, não faltam, então, cadáveres para doação.
Então, o problema de falta de órgãos para transplantes no Brasil não é de ausência
de órgão. É de problema de falta de capitação, de mecanismo de capitação. E como
a lei, agora, possibilita aos vivos não-parentes doarem, o que aconteceu de 1999
para cá? Aumentou. Hoje, nós temos um número muito superior de doadores vivos
para transplantes renais em comparação com doador cadáver. Isso, aí, é uma
excrescência, no sentido universal, porque no mundo inteiro os transplantes renais
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são, aproximadamente, dois terços provenientes de cadáver e um terço de vivo. No
Brasil, estamos caminhando para dois terços de vivo e um terço de cadáver. Isso
mostra, então, que, quando a lei entrou, começou a haver muito mais estímulo a
doação inter vivos. Isso além de ter desestimulado a capitação de órgãos de
cadáver, que é a melhor, estimulou também a questão da mercantilização: pessoas
pobres tendo que vender, acabam vendendo, e protegidos pela lei, o que é pior.
Então, eu acho que se esta CPI tomar essa corajosa decisão — e eu vou deixar
esses documentos como acadêmico, como pesquisador para dar sustentação às
propostas do senhores —, eu acho que é de bom tom, neste momento, o País fazer
uma revisão na lei brasileira das doações de órgãos. E esta CPI poderia ter um
papel extraordinariamente importante nesse aspecto. Eu estou falando hoje aqui, na
Casa do povo, e falei exatamente isso há duas semanas aqui, na Academia de
Tênis de Brasília. Eu tive a honra de ser convidado para dar conferência de abertura
do Congresso Brasileiro de Capitação de Órgãos, onde o Ministro fez a abertura, e
falei, exatamente, essas mesmas coisas. Eles ficaram muito preocupados. Então,
vejam, eu acho que o papel desta CPI pode ser muito importante nesse sentido para
melhorar as coisas. Eu vou, então, fazer uma projeção, vou projetar transparências,
porque vai ficar mais fácil. (Segue-se exibição de imagens.) Eu vou dividir a
apresentação em duas partes: a primeira parte exatamente essa tentativa de
classificação para a questão da mercantilização humana. O Mercado Humano
- Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo. É esse livro do Giovanni
Berlinguer e meu, editado pela Editora UnB, na 2ª edição, em 2001, e pela Baldini
Castoldi, que é uma importante editora italiana, de Milão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Professor, eu queria só
pedir que apagassem as luzes para que facilitasse aqui. Já fui atendido.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Obrigado, Deputado. Então, nesse estudo, nós
fizemos uma viagem do mercado primitivo ao mercado tecnológico. A coisa não
mudou, essencialmente. Antigamente, as pessoas eram vendidas inteiras, os
escravos. Então, nós, infelizmente, “avançamos” — entre aspas — ao mercado
tecnológico da compra e venda de partes separadas do corpo. Nós propomos que
esses usos e, principalmente, os abusos do corpo humano têm 4 razões
fundamentais: a primeira razão dessa mercantilização humana é a razão
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socioeconômica, a fragilidade econômico-social das pessoas que são obrigadas a
vender. Tem um caso típico na literatura internacional que aconteceu na Inglaterra,
com o maior transplantador de rins da Inglaterra, o Dr. Raymond Crockett. Ele fez
transplantes renais com doação a partir de 4 cidadãos turcos. Isso foi publicado pela
British Medical Journal, que é uma das revistas mais importantes do mundo
médicas. O Dr. Crockett foi para a cadeia e teve o diploma dele cassado, apesar da
alta qualidade acadêmica dele, por ter, exatamente, comprado esses rins de
cidadãos turcos, que eram cidadãos vulneráveis. Um desses cidadãos turcos teve
que vender o rim, porque uma filhinha dele, de 7 anos de idade, estava com
leucemia e ele precisava de dinheiro para pagar o tratamento. Quer dizer, essa
vulnerabilidade das pessoas. Então, a razão socioeconômica é a primeira; razões
socioculturais é a segunda. Por exemplo, os japoneses, os budistas têm dificuldade
em doar órgãos; os muçulmanos também, com a questão que se o corpo não entrar
íntegro no paraíso, Alá não recebe o corpo. Então, têm razões socioculturais que
entram nessa questão também. Estruturas públicas inadequadas, certamente, são
um aspecto fundamental, porque aqui entra a questão da legislação, que tem que
ser bem aprimorada de acordo com a moralidade de cada país e, principalmente, as
estruturas de capitação, de controle de listas únicas de pacientes, etc. Então, as
estruturas públicas têm de funcionar bem. Se elas forem inadequadas, elas
possibilitam os abusos com o corpo humano. E os limites indefinidos entre a ciência
e a ética. Eu vou passar meio rápido para não me estender demais e não prejudicar
no tempo. Então, as classificações possíveis que nós propomos para o mercado
humano: primeiro, com base nas condições do corpo, se o corpo está vivo ou se o
corpo está morto. Têm pessoas que vendem o corpo, hoje, em vida. Existem
empresas norte-americanas. Isso, aí, é o país do mercado, quer dizer, tudo se
compra, tudo se vende. Às pessoas vulneráveis é oferecido: “Nós pagamos 10
dólares, se você assinar um documento que, quando você morrer, os seus órgãos
são da nossa empresa.” E essa empresa lucra 200, 300.000 dólares. Eu vou mostrar
como é que isso se dá: com base na vontade autônoma do indivíduo — e esses
países são anglo-saxônicos, que dão um superdimensionamento ao princípio da
autonomia, as pessoas são autônomas, e elas sendo autônomas têm direito sobre
seu próprio corpo. Eu vou colocar uma tese em contrário a partir do filósofo
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Immanuel Kant e com base nas bases e funções do corpo. O corpo tem partes
regeneráveis, como o sangue, como o fígado, como a medula. E começa a haver
alguns abusos no campo hepático, porque o fígado se regenera. Mas é complexo
você retirar uma parte de fígado para fazer um transplante de fígado. É uma coisa
que já tem que ser feita com mais cuidado, mas o sangue é menos complexo. E a
medula, hoje, tem ajudado muito em caso de leucemia e outros. Então, essa é uma
parte de doação. E começa, também, a haver, de certa forma, o mercado nessa
compra e venda de medula. E nas partes não regeneráveis, nas duplas, como os
rins. Os rins não são regeneráveis, mas são duplos. Então, a pessoa acaba doando
ou vendendo um rim. Na Revista Bioética, do Conselho Federal de Medicina — e eu
queria registrar a presença aqui do Dr. José Eduardo de Siqueira, um eminente
cardiologista de Londrina, no Paraná, e que é Vice-Presidente da Sociedade
Brasileira de Bioética, ele lembra desse número da Revista Bioética, do CFM —, um
dos casos clínicos que nós discutimos há alguns anos — eu era um dos editores,
nessa época — é o de um senhor, um lavrador do interior do Ceará, que teve um
problema renal, foi para o hospital de Fortaleza e, radiograficamente, foi constatado
que esse homem só tinha um rim. Ele tinha doado o outro rim para o filho do patrão,
que era o dono da fazenda, que teve a necessidade. E ele ganhou uma casa com
isso. Então, vejam como há essas coisas de vulnerabilidade. Isso está na Revista
Bioética, do CFM, e acho que pode ser incorporado. A revista é facilmente
encontrada pela biblioteca da Casa. Então, as partes não-regeneráveis são os rins,
que criam problemas, não é? E as partes únicas, essenciais, como o coração e o
pâncreas, essas aí, realmente, só depois de morto. Então, é uma classificação que
eu acho que é importante para as pessoas leigas entenderem todas essas questões.
O catálogo de mercadorias. Então, nesse livro, já que é mercado, é mercadoria,
compra e venda. Então, em primeiro lugar, a escravidão e a servidão. Servidão, nós
sabemos que infelizmente em alguns Estados brasileiros ainda resiste em áreas
rurais, em áreas de desmatamento. Adoções pagas: crianças adotadas sob
pagamento, sejam crianças nascidas ou sejam fetos. O Correio Braziliense, por
intermédio da Deputada, perdão, da jornalista Beatriz Magno, ganhou um prêmio,
alguns anos atrás. Fez uma denúncia: a de que na cidade de Palhoça, em Santa
Catarina — esse material do Correio Braziliense também pode ser facilmente
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adquirido pela Comissão, não é? —, eram contratadas mulheres grávidas por
empresas, e o casal de estrangeiros ficava esperando em Florianópolis. Quando o
bebê nascia — tudo mancomunado com médicos, com cartórios —, o casal já
tomava a criança, pagava para a mulher, ia ao cartório e registrava o bebê como
filho legítimo. Então, vejam que existiam mecanismos mais sutis. Quer dizer, é uma
compra e venda. É uma adoção, que, na realidade, não é adoção, é a compra de um
feto, não é? Então, as formas são as mais variadas e criativas possíveis dentro
desse macabro mercado humano. A venda de uso. A vendo de uso nós
classificamos para quê? A venda de uso do corpo. Por exemplo, a prostituição. A
mulher está vendendo o seu corpo. Isso é uma forma de mercantilização do corpo.
Exploração do trabalho assalariado: o trabalhador que está despendendo a sua
energia por um salário muito aquém do que ele teria direito. Isso também é uma
venda de uso do corpo. Uma pessoa que trabalha em computadores 10, 12 horas
por dia, que depois vai ter uma doença irreversível. E os aluguéis de útero. O
aluguel de útero também é uma forma de venda de uso. A mulher vende o uso do
seu útero por 6, 7, 8, 9, 10 meses, não é? Quarta classificação: as cobaias humanas
remuneradas para pesquisa. Isso, felizmente, no Brasil é proibido. Eu estive há 15
dias na Itália, e um sobrinho meu, que está morando em Milão, me disse: “Olha, um
amigo meu que está morando em Londres ficou internado no hospital lá 15 dias. Ele
se submeteu a uma pesquisa de um novo antiinflamatório e ganhou mil libras”.
Então, vejam que nos países capitalistas essas coisas são possíveis. Nos Estados
Unidos existem bancos privados de sangue, de esperma, de óvulos. Felizmente,
nós, no Brasil, depois da Constituição de 1988, não temos mais isso, não é? Isso é
obrigatoriamente público. Então, as cobaias humanas remuneradas para pesquisa.
Mas é importante a gente relatar, porque no Brasil não está havendo, não existe
denúncia. Quer dizer, provavelmente não está havendo. E essa, que eu acho que é
parte importante para esta CPI, que é a compra e venda de partes separadas
— sangue e medula, esperma, óvulos e órgãos reprodutivos, placenta, embriões e
fetos. Placenta, por exemplo. A placenta era considerada juridicamente, há muitos
anos, como res nullius — do latim, restos que não têm mais finalidade, que são
jogados fora. Hoje em dia, nada mais deixa de ser aproveitado. Tudo é aproveitado.
A placenta, para a confecção de cosméticos; o cordão umbilical, para células-tronco
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embrionárias. Quer dizer, tudo tem uso e tem valor: placenta, embriões, fetos, DNA e
células — entre elas, as células-tronco embrionárias, que são objeto de uma
discussão aqui nesta Casa, na questão da Lei de Biossegurança — e tecidos e
órgãos para transplantes. Então, vejam que o catálogo de mercadorias é muito
grande, não é? Nós estamos aqui neste último, mas acho que é importante
contextualizar toda a situação. Mas certamente o objeto deste nosso trabalho foi
mais centralizado na questão de órgão. Eu queria colocar 2 exemplos históricos da
literatura sobre a questão da mercantilização, para mostrar como isso não é novo.
Na imortal obra Os Miseráveis, de Victor Hugo, a heroína do livro é uma mulher
chamada Fantine. E a Fantine, no século XVIII, é uma mulher que fica mãe solteira e
é discriminada pela sociedade. Sendo discriminada pela sociedade, ela teve que
encontrar todas as formas para sustentar a sua filhinha Cosette. E Victor Hugo conta
que, para Fantine sustentar Cosette, ela teve que inicialmente vender os seus belos
cabelos louros, por 10 francos, na época. Depois teve que vender os seus 2
incisivos centrais para a confecção de próteses — porque as pessoas não pegavam
dentes de cadáveres —, por 2 napoleões de ouro. E depois, arremata Victor Hugo,
Fantine se prostituiu, vendeu o seu corpo. Aí ele arremata: “A miséria oferece e a
sociedade compra”. Quer dizer, no mercado de rins é a mesma coisa que acontece
hoje no século XXI. Então, vejam que nós não avançamos muito. O segundo
exemplo é o de O Mercador de Veneza, que William Shakespeare escreveu em
1500, no qual um judeu, um agiota chamado Shylock, emprestou dinheiro para um
italiano, um veneziano chamado Bassanio. O Bassanio estava muito apertado, com
problemas econômicos seriíssimos. O Bassanio teve que encontrar um avalista e
pegou, como avalista, o seu amigo Antonio. Mas o Antonio também não tinha
posses. Então Shylock disse o seguinte: “Não, você não precisa ter posses para ser
avalista. Você vai fazer o seguinte: nós vamos fazer um contrato em cartório e você
vai colocar no contrato que, se vocês não me pagarem, eu tenho o direito de tirar
uma libra da sua preciosa carne cristã”. E o Antonio assinou como avalista: ”Está
bom. Nós vamos pagar e, se nós não pagarmos, você vai poder tirar uma libra da
minha carne”. Eles não conseguiram pagar. Aí Shylock, como era um agiota muito
perverso, disse assim: “Eu agora quero retirar a libra de carne que está no contrato”.
E foi feita uma sessão pública em Veneza e foi dada uma navalha para o Shylock
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retirar a libra de carne de Antonio. Aí surge uma mulher que era muito apaixonada
pelo Antonio — e que não queria vê-lo morrer, esvaindo-se em sangue —, chamada
Porzia, disfarçada de jurista. E Porzia disse o seguinte — veja que coisa
extraordinária de Shakespeare: “O Sr. Shylock poderá retirar 1 libra de carne,
porque isso está no contrato, mas terá que ser exatamente 1 libra: não pode ser
nem 1 grama a mais nem 1 grama a menos. Em segundo lugar, para o senhor
retirar essa libra de carne, não está previsto no contrato que o senhor retirará
qualquer gota de sangue. Então, se, na sua retirada da libra de carne, verter 1 gota
sequer de sangue cristão de Antonio, todos os seus bens serão confiscados pelas
leis de Veneza”. Então, vejam, é um exemplo extraordinário da história e da
literatura de como essa questão da mercantilização já estava embutida na nossa
literatura com 2 grandes autores, que são Victor Hugo e William Shakespeare. A
próxima, por favor. Para que também os Deputados vejam como essa coisa está
evoluindo para o lado macabro, o lado da defesa da mercantilização, vários
bioeticistas... A bioética trabalha com valores pluralistas. Então, um valor defendido
é a autonomia dos sujeitos sociais. Esse senhor, A. S. Daar, é um grande
transplantista. Ele é membro da Comissão de Ética da Transplantation Society, a
Associação Internacional de Transplantes. Em 1992, ele propôs essa classificação
para aquisição de órgãos — tenho essa referência bibliográfica aqui no livro:
primeira forma de doação, doação entre parentes vivos; segunda, doação de
pessoas emocionalmente relacionadas com o receptor; terceira, doações
altruísticas, de outras pessoas; quarta, ele já coloca aqui essas duas categorias
mercantilistas, a rewarded donors, que significa doações com incentivos — você dá
um incentivo financeiro e a pessoa doa. Veja, é sutil. Isso aí é a diplomacia da
terminologia. Usam termos sofisticados para encobrir que, na realidade, o que existe
é mercado mesmo; é um pobre vendendo e uma pessoa com poder de compra
comprando. Agora, essa aqui é pior: rewarded gifting. Gift, em inglês, é presente.
Uma criança ganha um gift, um presente de aniversário. Então, o rewarded gifting é
doação recompensada. Eu te dou um rim e você me dá um presente em dinheiro de
volta. Quer dizer, isso aqui já está embutido no léxico internacional de transplantes,
infelizmente. Não no nosso País! E acho que esta CPI é uma forma de obstruir isso
aí. Como a quinta ele coloca o comércio desmedido, essa compra e venda que
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houve, por exemplo, lá no Pernambuco — e que os senhores vão investigar,
certamente, com profundidade e com toda a força. E a última é a pior: doação por
coerção criminosa. Ele até separa isso do comércio desmedido. Coerção criminosa é
seqüestrar ou assassinar pessoas para retirar órgãos. Essa é uma classificação que
está colocada em revistas acadêmicas. Vocês vejam como essa coisa não é uma
coisa utópica de maneira alguma. Quando escrevemos esse livro, em 1992, muita
gente disse assim: “Mas que título horrível, O Mercado Humano”. O título era muito
agressivo. Hoje parece que isso é tão normal, como as formas sutis de incentivos a
doações de órgãos. Isso, nos Estados Unidos. Existem esse rewarded donors e
esse rewarded gifting, que eu já expliquei, doador pago e doador recompensado.
Essa aqui é extraordinária: cash death benefit . Cash é pagamento a vista; death é
morte, e benefício. Um benefício para o pagamento à vista. Quer dizer, parece que
morrer é um grande negócio, porque você faz um contrato com uma financiadora
anteriormente. Parece que é vantajoso morrer. O pagamento é antecipado e pode
ajudar nas despesas do funeral. O sujeito morre, os órgãos dele são retirados por
essa empresa, que os revende, e o dinheiro ajuda a família no funeral, enfim, nessas
coisas. Esse outro aqui é o ganho em dinheiro por vincular o consenso à doação.
Algumas vezes o sujeito morre e a família não permite que os órgãos sejam
retirados. Então, esse contrato aqui dá mais força; impede a família de alterar o
contrato. A família se nega a cumprir o compromisso de entregar os órgãos que
ficaram acertados com o morto ainda em vida. Essa modalidade envolve todos os
interessados, mortos e vivos, na manutenção de um compromisso, e passa a ser
inalienável, porque o contrato é feito em cartório. Para terminar esta primeira parte,
eu queria colocar essa questão do Kant. É uma frase de Immanuel Kant, um dos
grandes filósofos, o grande filósofo da ética, não é? Hoje não é mais... No livro dele,
Lições sobre Ética, que ele escreveu na Universidade de Koenigsberg, entre 1778 e
1780, eu acho que o Kant resolve essa questão. E eu vou deixar essa frase de Kant,
que é uma frase fundamental da academia, da filosofia e da ciência, que pode ajudar
a CPI. “O corpo constitui a condição absoluta da vida, a tal ponto que nós não
podemos ter uma idéia de uma outra vida, senão mediante o nosso corpo. E não nos
é possível usar de nossa liberdade, senão servindo-nos do nosso corpo”. A
liberdade do ir e vir. O nosso corpo é que nos dá essa liberdade de nós estarmos
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aqui hoje, segundo Kant. “O homem não é propriedade de si mesmo, visto que isso
seria contraditório”. Isto aqui é extraordinário. “É contraditório o homem ser
propriedade de si mesmo, na medida em que, de fato, ele é uma pessoa, ele é um
indivíduo, ao qual pode pertencer a propriedade de outras coisas. Se, ao contrário,
fosse uma propriedade de si mesmo, ele seria uma coisa, e é impossível uma
pessoa ser pessoa e coisa ao mesmo tempo”, segundo Kant. Eu acho isso
extraordinário. É muito simples, mas extraordinário. Então, a partir daí, com base
nisso, não lhe é permitido vender sequer um dente ou qualquer parte de si mesmo
— na época, em 1778, vendiam-se dentes, não é? Eu acho que essa frase do Kant,
de 220 anos atrás, é extremamente atual, filosoficamente, para dar sustentação às
posições desta CPI. Eu termino, então, esta primeira parte, com a conclusão desse
livro meu e do Prof. Berlinguer: “Dom de Deus” — para aqueles que acreditam na
sacralidade da vida humana; que Deus deu a vida e Deus somente que a pode tirar
—, “dom da natureza” — para aqueles que acreditam que a vida humana é um
produto de um processo natural de desenvolvimento —, “a vida humana não tem
preço. Jamais poderá ou deverá ser objeto de compra e venda, em qualquer
circunstância” — mesmo que seja circunstância de vulnerabilidade para o doador.
Eu, agora, na segunda parte da minha exposição, rapidamente vou apresentar uma
pesquisa desenvolvida sob minha orientação por duas alunas da Universidade de
Brasília, que foi publicada recentemente na revista da Associação Médica Brasileira.
A revista da Associação Médica Brasileira é classificada pela CAPES e pelo
Ministério da Educação como uma revista Qualis “A”, ou seja, de primeira qualidade,
dentro das publicações acadêmicas brasileiras. O tema é Estudo Bioético dos
Transplantes Renais com Doadores Vivos Não-Parentes no Brasil. Nós tínhamos a
suspeita de que estava existindo muita comercialização aqui. Está publicado, então,
no nº 49 (4), de 2003. Lúcia Eugênia Velloso Passarinho e Maura Pedroso
Gonçalves foram as 2 pesquisadoras, alunas nossas, que eu orientei. Para que os
Deputados tenham uma idéia, esse quadro é da Associação Brasileira de
Transplantes de Órgãos — ABTO: Transplante renal, por tipo de doador, no período
de 1995 a 1997 e no período de 1998 a 2000. Por tipo de doador: doador vivo ou
doador cadáver. De 95 a 97, os doadores vivos eram 51%. Em 98, quando mudou a
lei, passaram a ser 57%. Aumentou o percentual de doadores vivos no País, depois
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da lei. Doador cadáver, que era de 49%, caiu significativamente, para 43%. Então,
nós temos uma diferença de 14% aqui, quando nos países desenvolvidos é de 2%
de cadáver para 1% de vivo. É preferível usar órgãos de cadáver aos de pessoas
vivas, que vão doar um rim e vão ficar somente com um. Então, a predominância,
que era de 2%, subiu para 14% — o que é muito significativo — depois da mudança
da lei. Este aqui é mais claro, eu acho, porque mostra, em gráfico, como essa coisa
se deu. Em 1995, nós tínhamos doador vivo e doador cadáver. Em 95, tinha mais
doador cadáver do que vivo. Em 96 já começou a mudar. Em 97, 98, 99 e, vejam
aqui, em 2000 — o dado mais recente que eu tenho —, o número de doadores vivos
é muito maior do que o de cadáveres. Quer dizer, a lei estimulou a doação entre
pessoas vivas e desestimulou a captação de órgãos de cadáveres, coisa muito ruim,
sob o ponto de vista técnico e ético. E aqui, mostrando alguns Estados — são dados
também da ABTO. Por exemplo, Alagoas teve um aumento de 325%; Bahia, 85%;
Goiás, 203%, e assim vai. Santa Catarina, 219%; São Paulo é alto, 76%. Enfim, com
a lei, começou a haver muito mais transplante renal a partir de doadores vivos. E aí
eu comecei perguntar: desses doadores vivos, eu quero saber o percentual dos
parentes e dos não-parentes. Essa é uma questão fundamental. E, entre os
não-parentes, a segunda pergunta: a percentagem de pessoas com renda de menos
de 5 salários mínimos mensais, ou seja, o percentual de pobres entre os doadores
não-parentes. Esses dados até hoje não nos são fornecidos. Nós não temos esses
elementos. Então, nós resolvemos fazer esse projeto de pesquisa para.... Esse aqui
pode passar, por favor — é a mesma coisa —, para ser mais rápido, porque eu não
quero tomar muito tempo. Então, esse trabalho teve o seguinte objetivo: nós
pegamos a opinião de 5 diferentes segmentos sociais, aqui de Brasília: promotores
públicos, que são pessoas públicas; magistrados, juízes; população em geral,
pacientes que estavam na lista de espera para receber transplante renal aqui em
Brasília e profissionais da área de transplantes. Pegamos 5 grupos de pessoas para
entrevistar a respeito da lei que regulamenta a doação de órgãos para transplantes,
particularizando a doação de rim por doador vivo não-parente, agora com sua nova
redação, dada pela Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001, especificamente no seu
art. 9º. Então, vamos ver o resultado da pesquisa. Foram entrevistadas 100 pessoas.
O questionário foi aplicado no final de 2001. Cem pessoas foram pesquisadas, na
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cidade de Brasília, pertencentes a 5 grupos distintos: 20 promotores públicos, 20
juízes de Direito, 20 pessoas da população em geral — nós pegamos aí na
rodoviária —, 20 pacientes renais crônicos em lista de espera para transplante renal
e 20 profissionais da equipe técnica de transplante renal da Universidade de
Brasília. Os senhores vão ver que é surpreendente a diferença das respostas em
alguns quesitos entre os 2 primeiros grupos — juízes e promotores — e o dos
profissionais da equipe de transplantes, sobre o tema. A primeira pergunta era sobre
as pessoas favoráveis ou desfavoráveis à doação de rins. Nós perguntamos: ”Vocês
são favoráveis à doação entre pessoas não aparentadas?” Os promotores públicos,
totalmente favoráveis. Os 20 foram favoráveis. Os juízes, 18 favoráveis e 2
desfavoráveis. A equipe técnica, 12 contrários e 8 favoráveis. Então, a posição da
equipe técnica é completamente diferente da de juízes, promotores, da população
em geral e dos próprios pacientes. Quer dizer, a equipe que conhece essa questão é
preocupada. Para os senhores verem, esse trabalho de pesquisa foi feito por duas
alunas do nosso curso de especialização. Nós temos, na UNB, um curso de
especialização em Bioética. Já estamos no 6º ano. Neste ano estamos com 33
alunos. Vários alunos estão aqui presentes, e também algumas autoridades — como
o Dr. Armando Raggio, o homem que introduziu no Brasil a questão de cidades
saudáveis, foi Presidente do CONASS, Secretário de Saúde do Paraná. Esse curso
já está no sexto ano, e esses são projetos de pesquisa que saem desses cursos.
Quer dizer, é a Universidade produzindo conhecimento para ajudar o nosso
Legislativo, o Executivo. A segunda pergunta foi sobre se as pessoas aceitariam a
possibilidade de pagar ou não por um rim. Eu pergunto aos Srs. Deputados e às
pessoas aqui presentes: se tiverem um filho doente — espero que não tenham —,
que precise desesperadamente de um rim, vocês tentam salvar seu filho, ou a
pessoa querida, ou a esposa, enfim? Então, as pessoas responderam à pergunta:
“Aceitariam a possibilidade de pagar por um rim?” Quatorze em 20 promotores
pagariam; 17 juízes em 20 pagariam; 17 pessoas da população pagariam.
Surpreendentemente, os pacientes da lista de espera têm uma noção pública muito
forte: não pagariam; a maioria não pagaria. E, das pessoas da equipe técnica, 17
não pagariam. Dos médicos, nenhum pagaria — eram médicos, enfermeiros,
psicólogos, enfim. Esse já foi um dado diferencial. Agora, pessoas que acreditam ou
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não em doação solidária isenta de pagamento. “Você acreditaria que um
não-parente doaria um rim sem pagamento?” Os promotores públicos acreditam; os
juízes também acreditam; a população também acredita. Quem não acredita é a
equipe técnica. A equipe técnica desconfia dessa doação isenta de interesses. E
essa eu acho que é a última questão. Depois a gente tem as conclusões. Esta é aqui
é a pergunta mais importante do projeto: pessoas que acham que a lei brasileira
proporciona ou não a possibilidade de comércio. “A lei proporciona a possibilidade
de comércio ou ela a obstaculiza?” Vejam, Srs. Deputados, 17 promotores dizem
que a lei não proporciona a possibilidade, e os juízes também. Perdão, os juízes e
promotores acham que a lei proporciona a possibilidade de comércio. Quer dizer, a
lei é vulnerável. A lei proporciona a todos eles. Da equipe técnica, 100% acha que a
lei proporciona o comércio. Doze juízes em 20 acham que a lei proporciona o
comércio, a maioria, 60%; e 17 promotores em 20 acham que a lei proporciona.
Quer dizer, a nossa lei tem que ser revista. Eu queria deixar esse apelo para os
senhores. Eu acho que nós temos que acabar com a doação de doador vivo
não-parente no Brasil. Doador vivo, só o aparentado de 1º grau — pai e filho, mãe e
filha —, como era na lei anterior. Essa era a questão-chave. É um dos problemas. E
o outro problema da doação — pode passar para a próxima, por favor — eu acho
que é uma questão, que ainda continua na lei, da doação presumida. E aqui eu
queria fazer um depoimento. A Câmara teve uma papel extraordinariamente
importante, através da Comissão de Seguridade Social e da Família, em 1997, que
fez uma audiência pública para discutir a lei da doação de órgãos. E a Câmara
decidiu por maioria, foram 14 votos a zero — eu fui uma das pessoas que depus
naquela audiência pública —, a favor da doação explicitada, ou seja, que os
documentos brasileiros contivessem a expressão: “Eu quero ser doador” ou “Sim,
sou doador”. A proposta da Câmara, correta, foi para o Senado, e o Senado
inverteu. E passou a imperar, no Brasil, o silêncio do consenso, ou seja, as pessoas
que não se manifestarem passam a ser doadoras, a partir do pressuposto de que o
corpo está morto, de que salvar uma vida é um bem maior. Só que não adianta
querer fazer lei avançada. Essa é uma lei avançada. A Áustria e a Bélgica têm esse
tipo de lei. Mas a moralidade da nossa sociedade é diferente. E o que aconteceu?
Aconteceu que essa lei atrasou 10 anos o processo de doação de órgãos no Brasil,
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por culpa do Senado, que não fez audiência pública e que, arrogantemente, não
levou em consideração o que a Câmara tinha encaminhado para lá. Foi uma votação
muito rápida. O Senador Darcy Ribeiro — uma grande figura, meu amigo, fundador
da minha universidade — estava já no final da sua vida e se envolveu muito com a
questão da doação presumida. Então, foi uma votação muito emocional no Senado.
Mas a lei trouxe prejuízos muito grandes. Hoje, por exemplo, se eu doar em vida um
rim meu e, quando eu morrer, um filho meu disser que não aceita a doação, a lei
permite. Quer dizer, é uma lei paternalista. Eu, em vida, quero ser doador, eu não
quero que nenhum filho meu, ou mulher, ou mãe, que ninguém mude a minha
decisão em vida. A lei brasileira permite que essa decisão seja mudada. Quer dizer,
é uma lei paternalista. Eu acho que a vontade em vida, autônoma, livre, tem que ser
mantida, depois de determinada. Eu acho que, nos casos de dúvida, sim, a família
tem que ser consultada. Esse é outro aspecto importante, que eu gostaria de deixar
para a CPI. E eu acho também que deveria definitivamente a doação ser afirmativa.
Já está isso, mas através de medida provisória, de emenda. Acho que ela devia ser
refeita e isso ficar claro: no documento do doador vai que ele é doador e pronto, e
ponto final. Essa é a conclusão. Agora vamos ver o que a gente conclui desse
trabalho, para terminar. “A metodologia aplicada na presente pesquisa permitiu
revelar tendências indicativas de que coexistem vários impulsos motivadores, que,
somados, sugerem o encaminhamento para a lógica individualista, capitalista” — ou
seja, de compra e venda —, “ao se tratar do tema relativo à necessidade de órgãos
para transplante”. A próxima. Eu já estou terminando. Apesar desses artigos que
mostrei e de a Transplantation Society querer colocar essa questão da possibilidade
de compra e venda de órgãos, há um consenso majoritário internacionalmente nos
meios acadêmicos de rejeição ao mercado de órgãos. Felizmente, nós temos um
consenso majoritário no sentido da rejeição, definindo que uma pessoa não pode
vender parte do seu corpo, mesmo em situação de extrema necessidade terapêutica
de transplante. “Entretanto, os resultados obtidos na presente pesquisa, em que alta
porcentagem de promotores públicos, juízes e população em geral se mostram
dispostos a comprar um rim para transplante por necessidade própria ou de algum
ente querido, conduzem à reflexão sobre o grande aumento das doações em vida,
de rim para transplante, constatado nos 3 últimos anos no Brasil.” Quer dizer, como
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eu mostrei, aumentou muito a doação em vida. Então, provavelmente está havendo
uma comercialização aí. “Ao mesmo tempo, é necessário mencionar a ineficácia
histórica do sistema de captação de órgãos de doadores cadáveres.” Eu sei de um
caso, aqui de Brasília, em que morreu o irmão de um Ministro, no Rio de Janeiro, há
alguns anos, e a família queria doar os órgãos. O Hospital de Base, aqui de Brasília,
na Capital da República, situado a 2 quilômetros daqui, não conseguiu captar os
órgãos do irmão de um Ministro de Estado. Então, vejam que o sistema realmente
tem uma ineficácia muito grande. O Ministério da Saúde, com esse Congresso que
houve há duas semanas, está tentando recompor essa questão dos sistemas de
captação. Eu acho que o tema da morte encefálica tem que ser levado a fundo por
esta Comissão. A morte encefálica eu acho que é um diagnóstico seguro. Acontece
que a maioria dos hospitais brasileiros não tem condições técnicas de dar segurança
para um diagnóstico adequado de morte encefálica. Então, isso tem que ser visto
com mais rigor também. Então, não é que ele seja ruim; ele bom, sim. Eu até vou
aproveitar para mencionar um exemplo que o Prof. Siqueira sempre cita: o primeiro
transplante cardíaco ocorrido no mundo foi em 1967. Christian Barnard, lembram?
Não? Transplante de coração na África no Sul. Naquela época, Deputados, não
havia ainda o diagnóstico de morte encefálica. O diagnóstico era de morte
cardiorrespiratória. Morte era quando o pulmão parava de funcionar e o coração
parava de funcionar. Ora, se o pulmão e o coração param de funcionar, não podem
ser transplantados, porque o órgão já não serve para transplante. Como é que o
Christian Barnard tirou o coração de uma pessoa para transplantar em outra? Ele
tirou de um negro africano vivo para transplantar num branco africano, que foi
beneficiado. Vejam como essas coisas são escabrosas na história. Por isso que
Christian Barnard era contrário ao controle externo sobre a pesquisa e sobre essas
coisas. Eu vou terminando. “As tímidas e quase inexistentes campanhas
incentivadoras de doações de órgãos são desprovidas de sistematização e
continuidade.” Não deveriam ser campanhas horizontais casuísticas; deveriam ser
programas verticais, horizontais e continuados. Vale citar os seguintes dados
estatísticos: enquanto que no Brasil a taxa de doares de órgãos encontra-se em
torno de 4 a 5 doadores por milhão de habitantes, na Itália são 13, na Inglaterra são
16, nos Estados Unidos da América são 21, na Espanha já chega a quase 40. Eu
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estou com os dados atrasados. O país com índice mais alto de doação de órgãos no
mundo é a Espanha. A próxima, por favor. Então, nós temos que estimular muito a
doação altruística e generosa, que é a melhor forma, então, de a gente evitar o
mercado. “O descrédito entre os sujeitos da atual pesquisa em relação à eficiência
da lei brasileira em coibir a prática da doação remunerada de órgãos foi evidente.
Todos os grupos entrevistados, incluindo os operadores do Direito — juízes e
promotores públicos —, foram enfáticos no sentido de que a exigência de
autorização judicial para a realização de transplante com doador vivo não-parente do
receptor não representa óbice” — ou seja, obstrução — “à comercialização de
órgãos.” Essa foi uma conclusão dos próprios promotores e juízes de Direito. Ou
seja, a lei, realmente, ao invés de proteger os vulneráveis, “vulnerabilizou-os”.
“Conclui-se ser imperioso o aperfeiçoamento da legislação” — e esta CPI pode ter
um papel extraordinário e concreto nisso; isso é possível; eu acho que é bem-vindo,
inclusive para as próprias entidades de transplantes; isso é bem-vindo para o
Ministério da Saúde — “que regulamenta a doação de órgãos entre vivos
não-parentes, como forma de intervenção do Estado no interesse maior da
coletividade, protegendo a ética, a moral e a saúde, para que situações angustiantes
não precipitem decisões irreversíveis, antiéticas e até ilegais, lesivas aos cidadãos,
notadamente aos de menor poder aquisitivo e de menor grau de instrução.” Uma das
respostas de um juiz foi dramática. Ele disse: “Mas eu, apesar de saber que é
errado, se tivesse um filho necessitando de um rim, compraria”. São situações
dramáticas. Então, o Estado tem que prover formas de que isso não se torne
necessário. “Sugerem-se à Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, ao
Ministério da Saúde” — e a esta Casa — “esforços no sentido de verificar os
percentuais nacionais e estaduais acerca da utilização de rim de doadores vivos em
transplantes, com dados estatísticos de doadores parentes e não-parentes.” Este
dado nós não temos: dos doadores vivos, quantos por cento são parentes e quantos
são não-parentes; dos não-parentes, qual é a percentagem de pobres. Entre os
não-parentes deve ser realizada pesquisa socioeconômica para que se verifique
eventualmente o comércio ilegal de órgãos entre aqueles que recebem
mensalmente até 5 salários mínimos, ou seja, os mais vulneráveis economicamente,
que são obrigados a vender para quitar a hipoteca de uma casa ou para salvar a
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vida de um filho. Propõe-se, ainda — um fato importante —, que seja efetuado o
seguimento dos doadores em vida, porque o sujeito doa, o pessoal se preocupa com
o receptor e não se preocupa com o doador. A nova lei deveria obrigar o seguimento
do doador em vida, com critérios bem definidos de avaliação do seu estado de
saúde e acompanhamento por determinado período após a doação. Eu acho que
terminou. Então, eram essas as palavras e a mensagem que eu gostaria de deixar,
agradecendo mais uma vez esta muito honrosa oportunidade. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Nós é que agradecemos,
Prof. Volnei Garrafa, esse belíssimo depoimento, que nos trouxe, na verdade, muito
esclarecimento e nos despertou para algumas indagações que, acredito, sejam
importantes por parte dos membros desta Comissão Parlamentar de Inquérito. A
Comissão Parlamentar de Inquérito de Tráfico de Órgãos Humanos no Brasil foi
proposta nesta Casa para que justamente pudéssemos colaborar principalmente
com o sistema de transplantes do Brasil. Algumas dúvidas que inclusive foram
levantadas e algumas afirmações que foram feitas pelo Dr. Volnei Garrafa são
alguns dos princípios que nós estamos defendendo dento desta Comissão
Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar o Tráfico de Órgãos Humanos no
Brasil. Sabemos que essa contribuição foi muito grande. Vamos, neste momento,
passar a palavra aos Parlamentares. Pela preferência, vamos passar a palavra ao
Relator, Deputado Pastor Pedro Ribeiro, e, logo em seguida, ao Deputado Zico
Bronzeado.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Prof. Volnei, quero registrar
o quanto me agradou, o quanto me deixou satisfeito ouvi-lo. Certamente isso
aconteceu com todos os que o ouviram dissertar sobre esses importantes dados que
o senhor nos traz. Quero, já, de antemão, como Relator, agradecer os volumes, ou o
volume, dos muitos materiais que o senhor trouxe. Eu quero iniciar fazendo uma
pergunta: as sugestões que o senhor apresentou no fechamento estão também
aqui?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu deixei com a Taquigrafia todo o material, para
facilitar o trabalho. Está tudo aqui.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Muito bem. Na verdade,
acho que é de grande valia termos em mãos...
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O SR. VOLNEI GARRAFA - Vou deixar o livro também, que pode ser útil,
porque tem uma bibliografia farta sobre casos de mercantilização no mundo
constatados cientificamente.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Excelente. Certamente
estaremos lendo, observando, consultando. Eu fiquei... Me chamou a atenção —
parece-me que depois terei de V.Sa. uma resposta muito farta sobre isso, completa
—, mas me chamou a atenção o caso daquele professor, daquele médico que
realizou uns transplantes — parece que era turco — e foi cassado. Era um homem
famoso, e a sua licença foi cassada. Em qual país ele realizou essa intervenção
cirúrgica?
O SR. VOLNEI GARRAFA - O cirurgião era inglês, Deputado, e foi Raymond
Crockett. Está no livro, e há a referência à revista científica em que isso saiu. Foi em
1989. O cirurgião era inglês, e foi feito na Inglaterra. A Justiça inglesa é que o julgou
como culpado, e a entidade médica responsável pelo controle da atividade médica
na Inglaterra cassou o diploma desse médico, que era o principal pesquisador e
transplantador da Inglaterra. Os doadores é que eram turcos.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Então, as leis da nação não
permitem que seja feito o transplante.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Não permitem.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - O senhor iniciou falando
sobre essa ética que está existindo, que facilita muitíssimo a mercantilização. A
visão anglo-saxônica, embora a Inglaterra seja da área, é uma visão dessa abertura
de mercantilização ou a tendência é para que seja mais vigiada, tenha mais ética, de
fato, nisso aí? Qual é a situação, hoje, dos países anglo-saxônicos?
O SR. VOLNEI GARRAFA - É muito importante e oportuna a sua pergunta,
Deputado. A cultura anglo-saxônica estimula a questão da autonomia, a
individualidade, o individualismo de Calvino. Fui orientador de uma dissertação de
mestrado de um pastor presbiteriano do Paraná, Jean Selleti, sobre as raízes
protestantes da autonomia. E a teoria principal, dentro do campo da bioética, em que
eu trabalho, é a chamada Teoria Principialista, que tem 4 princípios: o princípio da
autonomia, o da beneficência — fazer o bem para o outro, respeitar a autonomia,
não causar mal —, o da não-maleficência e o da justiça. Acontece que, nessa Teoria
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Principialista, que é anglo-saxônica, de essência, há uma maximização do eu, da
autonomia, e o nós, que é o lado da justiça, fica muito apagado, muito escondido.
Então, não é que os países tenham assumido isso, mas, dentro da teoria bioética,
essa visão do respeito à autonomia passa a ser maximizada, dando, inclusive, a
justificativa para que algumas pessoas sejam donas do seu corpo e que
autonomamente possam vendê-lo. Mas, mesmo assim, os países não estão
aceitando essa questão. Agora, nos Estados Unidos, que também é um país
anglo-saxônico, como o senhor vê, começam empresas a oferecer dinheiro, a
estimular — eles chamam de estímulos. Isso começa a fazer parte natural da
coexistência entre a ciência e esse campo.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Pelas suas observações e
pelos muitos estudos feitos no âmbito das nações, o senhor verifica com qual
sentimento ou qual é de fato hoje o grau de tendência das nações a absorverem
essa autonomia, esse eu que prevalece, esse ser dono de si, que facilita a
mercantilização e o tráfico que estamos vendo?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, eu acho, creio e desejo que isso aí
não vá em frente. Eu tenho a impressão...
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Mas há tendência hoje,
professor.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que não. Dentro dos meios acadêmicos,
há pessoas mais agressivas, que colocam essa questão como legal. A Índia, por
exemplo, que é um país, hoje, com 1 bilhão e 100 milhões de habitantes, foi um
mercado florescente de rins nos anos 80 e 90. Pacotes turísticos eram vendidos por
18 mil dólares na Itália — eu fui a uma agência dessas em Milão — e incluíam a
viagem para a Índia — Bombaim, Nova Deli —, incluíam o transplante, o
medicamento, a ciclosporina, e mil dólares para o doador, que era um jovem indiano.
Isso aí na Índia começou, nos anos 80 e 90, a ficar uma coisa praticamente normal.
O país começou a assumir isso aí, mas, de repente, houve uma reviravolta, através
do Congresso Nacional da Índia. O Congresso estabeleceu uma imposição
contrária, e isso hoje está sendo coibido. Então, existem, eu acho, no mundo de
hoje, fatos marginais acontecendo. Tem gente escrevendo nas melhores revistas do
mundo, defendendo essa questão em nome da autonomia. E temos nós, do outro
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lado, resistindo. A maioria, eu acho, dos cientistas é de fundamentação humanista, e
eu quero crer que essa coisa não vá muito para frente. Mas tem alguns países que
são mais liberais nesse sentido do que outros e alguns países são mais frágeis do
que outros. A América Latina, por exemplo, é um continente frágil nesse sentido.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - O senhor falou com muita
veemência, há poucos minutos, da ação do Senado, quando mudou o projeto que
saiu da Câmara, liberando para que não só os parentes doassem, e praticamente
fez um apelo para que, na hora em que estamos caminhando com esta CPI,
víssemos com muito zelo, com muito cuidado isso aí. A que grau o senhor acha e a
que nível o senhor pensa que esteja — ou tem observado, tem estudado — hoje a
tendência no Brasil para essa liberalidade, para essa mercantilização, a partir dos
casos reais de que temos tido conhecimento? Quer dizer, o senhor vê que, a partir
desta CPI, com um trabalho feito com seriedade, a gente alcance, ou possa dar um
freio, ou que comece a se estabelecer na Nação com referência a essa ética?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, eu acho a CPI da maior importância e
da maior oportunidade, porque nós estamos cansados de ouvir muitos rumores,
como aquelas histórias de crianças seqüestradas de quem tiraram os órgãos. Eu fui
atrás de muitos casos em Anápolis, em São Paulo, juntamente com o Centro de
Estudos de Violência da USP. Mas nós não somos policiais, somos cientistas, e
acabamos não encontrando esses casos. Eu quero crer que esses casos hediondos
de retirada de órgãos de crianças sejam todos crendices. Mas existe muito rumor no
País e existem casos concretos, como esse de Recife, por exemplo, e outros que os
senhores certamente levantarão. Então, uma CPI desse tipo é fundamental para dar
um basta completo e clarear definitivamente essa questão no Brasil, no sentido que
este País é de origem latina, um País cristão, para o qual a mercantilização humana
é inaceitável. Eu acho que essa é a questão e essa CPI acho que pode ter uma
força extraordinária em ser — digamos — um divisor de águas para acabar com
essa boataria, que surge muito na imprensa e que, muitas vezes, a gente tem
dificuldade de desfazer. E essa boataria na imprensa é muito contraproducente no
sentido da doação de órgãos, porque as pessoas vão ficando atemorizadas e não
doam. E a doação de órgãos é uma questão generosa, altruística, cristã, de
bondade mesmo. Então, eu acho que o papel da CPI é fundamental e pode ser
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realmente um referencial, antes e depois, para essa temática, acabar com essa
história. Eu gostaria de não ter precisado escrever esse livro, sinceramente.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - O senhor participou há
poucos dias do Congresso Brasileiro de Captação de Órgãos. O senhor pôde sentir,
absorver, verificar, participar de preocupações com essas tendências, com esses
fatos reais que estamos vendo hoje nessa problemática da captação de órgãos, para
que não haja essas discrepâncias, esses desleixos? A matéria era relevante? Eram
matérias relevantes? Podemos ter acesso a elas?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que sim. O Setor de Transplantes do
Ministério da Saúde tem toda essa documentação. Eles vão fazer os Anais. Acho
que certamente é só a CPI requerer. O Ministério, obrigatoriamente, tem que ceder e
certamente vai ceder com muita propriedade, com muita agilidade. Quando a gente
conversa com médicos que trabalham com transplantes, vê que são todos contrários
à questão da mercantilização. Mas eu queria deixar uma outra sugestão também
para a CPI: eu acho que o Conselho Federal de Medicina deveria tomar uma
posição mais firme com relação aos médicos que fazem transplantes, por exemplo,
renais, com doador vivo, não-parente, e que tem a suspeita de estar havendo uma
mercantilização. Uma vez, um transplantador, em Curitiba, no Paraná, me disse isso:
“Olha — era um senhor de origem árabe —, chegou um patrício meu aqui com um
doador lá do interior do Mato Grosso. Isso não é papel meu. Eu sou um médico. Eu
fiz a cirurgia”. Eu disse a ele: “Olha, eu acho que você tinha um papel”. Então, eu
acho que, nesses casos, o Conselho Federal de Medicina — e a CPI poderia dar
uma sugestão nesse sentido — deveria ser mais firme, no sentido de os médicos
transplantadores não realizarem transplantes renais com doador vivo, não-parente,
quando existir qualquer suspeita de uma pessoa muito pobre, que não tem nada a
ver com o receptor e que se constata com facilidade que há um interesse financeiro
no meio.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Prof. Volnei, eu não sou
médico. Então, não sei tratar do físico. Eu sou médico de almas; sou pregador do
Evangelho, e o meu esforço é para que as almas sejam salvas. Então, por isso, não
estou muito afeito ainda a muitas terminologias. A morte encefálica, que é
fundamental para o médico dizer que a pessoa está pronta para ser manipulada,
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para ser operada como doador de órgãos, é fundamental para essa decisão. O
senhor falou que é esse o exame. Todavia, muitos hospitais não estão prontos para
diagnosticar com segurança a morte encefálica. Quais os exames essenciais para a
caracterização da morte encefálica que os hospitais não estão bem preparados?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu participei no segundo semestre do ano
passado, em audiências públicas feitas pela Assembléia Legislativa do Rio Grande
do Sul, sobre a questão de transplantes, doação. Chegou lá um pesquisador da
Escola Paulista de Medicina, a UNIFESP — Universidade Federal de São Paulo, um
pesquisador gaúcho. Não me lembro o nome dele, acho que é... Cícero Galli
Coimbra, exatamente. Ele tem pesquisas dizendo que você usando crioterapia, ou
seja, baixando a temperatura de animais com morte encefálica, esses animais
retornam à vida. O irmão desse Dr. Cícero, que é um advogado importante, muito
agressivo, uma pessoa muito agressiva, truculento, eu diria — não me lembro o
nome dele, é uma pessoa desprezível —, esse senhor, o outro Galli, advogado, foi
extremamente descortês, porque o primeiro deles fez uma apresentação nesse
encontro em Porto Alegre, foi na Assembléia Legislativa. E eu fiz somente uma
pergunta, porque que as famílias das pessoas que estão na lista de espera ficaram
apavoradas, porque se realmente essa questão existe de que pessoas com morte
encefálica poderiam voltar à vida, essas pessoas não estão mortas. Isso aí é de uma
responsabilidade extraordinária. Ele disse que isso é feito em animais, dá alguns
exemplos em literatura e tal, mas a literatura médica internacional não reconhece
isso. Eu fiz uma pergunta para ele. Eles ficaram muito incomodados com essa minha
pergunta. Disse assim: “Doutor, nos Estados Unidos da América do Norte, que é um
país extremamente rigoroso com essas coisas, tem um órgão de controle que se
chama Food and Drugs Administration, que é similar à nossa Vigilância Sanitária
aqui no Brasil, que é muito rigorosa, e o conceito de morte encefálica existe nos
Estados Unidos há muitos anos, desde 1968. Eu quero perguntar para o senhor:
quantos processos judiciais existem contra médicos, ou contra entidades médicas,
que adotaram o conceito de morte encefálica?” Ele enrolou, enrolou, enrolou e não
respondeu. Eu disse: o senhor não me respondeu. O senhor, por favor, me responda
à pergunta. Ele baixou a cabeça assim: “Nenhum”. Ora, se essa questão de morte
encefálica é assimilada num país como os Estados Unidos, que é tão rigoroso
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nesses aspectos, e não tem nenhum processo judicial até hoje nesse sentido, isso
me dá uma segurança de que realmente isso aí seja uma coisa cientificamente
inconstatada. Então, acho que se desfaz essa dúvida. Segunda questão — e eu
relatei isso aqui: os hospitais brasileiros, infelizmente, não estão capacitados para
fazer diagnóstico de morte cerebral. Tem que ser feita uma radiografia cerebral com
contraste para ver se está havendo ou não circulação de sangue no cérebro. A
morte encefálica significa o quê? Que não está havendo circulação sangüínea
cerebral. Então, para o hospital dar o diagnóstico de morte encefálica ele tem que ter
condições técnicas para com absoluta segurança — não é 99, é 100% de segurança
— que realmente aquela pessoa esteja em estado de morte encefálica para que
seus órgãos serem retirados.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Então, estaria havendo
negligência na liberação de licenças de muitos hospitais que fazem transplantes,
que têm que usar metodologia de diagnosticar morte encefálica?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu não sei, mas eu acho que esta CPI deveria
certamente chamar o Ministério da Saúde, as pessoas responsáveis e a Associação
Brasileira de Transplantes de Órgãos para dar essas respostas aqui aos senhores.
Eu sou um professor de Bioética, não sou um médico transplantador, mas eu tenho
essa preocupação, como cidadão e como pesquisador na área de ética. Então, eu
tenho impressão de que o Brasil terá que se aparelhar melhor. Eu acho que uma
legislação mais rigorosa nesse sentido de exigência de funcionamento, e eu dei um
exemplo aqui. O Hospital de Base da Capital não conseguiu captar órgãos de um
irmão de um Ministro de Estado. Quer dizer, então, isso é complexo.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - E nós conhecemos o caso
de um garoto chamado Marcos também de 6 anos de idade. Doutor, em que se
pode aperfeiçoar o sistema de captação no País?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que em vez de campanhas esporádicas,
verticais, episódicas — mês de outubro é o mês da campanha, nem sei qual é o mês
da campanha —, que o Brasil transformasse isso em programas horizontais
continuados de esclarecimento. Eu acho que se a lei mudar, se o Congresso
Nacional fizer uma programação positiva, afirmativa para a sociedade brasileira,
Deputado, a sociedade brasileira é generosa, na grande maioria é cristã, é
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humanista, o brasileiro, sendo generoso, vai ser um doador em potencial. Então,
essa que é a questão. Acho que isso tem que ser embutido no cotidiano nosso, tem
que estimular não a nossa memória de fixação, que é uma memória de vida curta,
de uma campanha, mas uma memória de conservação. Eu posso ajudar o outro
através de, se um dia eu morrer, eu doar. Uma boa lei, um bom sistema, um bom
programa horizontal e continuado de estímulo à doação e obviamente de captação e
de controle — aqui fundamental —, controle social, controle público das listas de
espera para transplantes. O controle não pode ficar na mão de médico, o controle
tem que ser da sociedade, entidades de pacientes, parentes de pacientes, os
Parlamentares, enfim, o Estado também.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Eu me sinto estimulado a
fazer outras perguntas, mas respeito os demais Deputados que precisam participar.
Quem sabe, se essas perguntas que eu tenho não forem contempladas, eu as faça
no final. Agradeço as respostas prontas e importantes do senhor.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Com a palavra o
Deputado Zico Bronzeado, do PT do Acre.
O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Sr. Presidente, Sr. Relator, Prof.
Volnei, Deputados e Deputadas e público presente, primeiro, acho que foi de
fundamental importância a vinda do Prof. Volnei a esta Comissão. A gente passou a
ter uma noção geral do problema abordado por esta CPI. Pudemos, na verdade, ter
uma aula de ética a respeito das doações ou não doações. E eu também não sou
um especialista na área; na verdade, um pouco, porque eu sou acadêmico de um
curso de educação física no meu Estado, interrompido pelo mandato. E comecei a
também estudar o corpo. Mas tenho aqui uns 3 questionamentos, na verdade, uma
pergunta para nós e para o Ministério da Saúde. Acho que o professor também vai
nos ajudar a regulamentar, na verdade, essa lei. E temos que ter convicção de que a
maioria das leis aprovadas nesta Casa nunca estão acabadas. Nós somos
testemunhas de que todos os dias companheiros entram com emendas à
Constituição de 1988, muitas e muitas emendas à Constituição. Então, são claras as
fragilidades e as leis inacabadas, e essa, de doações, é uma clareza. E na verdade
essa pergunta, professor, pode ser respondida como pode ser ouvida por todos nós:
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como a lei vai poder diferenciar doação solidária do comércio? A segunda: onde se
deveria intensificar o controle público, no doador, no receptor ou no hospital? E a
terceira, para encerrar: proibir a transferência de órgãos entre vivos é um caminho?
Então, na verdade, para que a gente possa refletir, para que o nosso Relator possa
também, no relatório final, depois de ouvirmos autoridades dessa área, ouvir o
Ministério da Saúde, ouvir os que venderam, os que doaram de graça, as famílias
que tiveram perdas de parentes e que autorizaram a doação de órgãos. E eu queria
aqui dizer que eu sou um dos que defendem a doação tanto dos vivos, dentro de
uma regulamentação, quanto dos mortos. Inclusive na minha carteira de identidade,
quando fiz, na primeira tinha assim: “doador de órgãos”. Eu achava muito
interessante. Na segunda houve um erro, não tem “doador de órgãos”. Até fiquei
preocupado. Sou um defensor da vida. Então, acho que para que os vivos
continuem vivos é necessário explorar tudo aquilo que é possível para manter vivos
os vivos. Então, seria essa minha reflexão. Agradeço, mais uma vez, a vinda do
professor. Acho que vamos estar cada dia mais fortalecidos na nossa idéia de
contribuir com o Governo para regulamentar essa lei que, na visão de todos, está
muito fragilizada com os últimos acontecimentos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Com a palavra o Prof.
Volnei Garrafa.
O SR. VOLNEI GARRAFA - O Ministério da Saúde agora está com um novo
coordenador da área de transplantes, era o antigo coordenador de transplante no
Rio Grande do Sul, uma pessoa extremamente capaz, é um técnico, é da área. Acho
que é um momento importante. Só queria reforçar, Deputado, essa questão do
doador vivo. Não conheço nenhum caso de um rico que tivesse doado um rim para
um pobre. Eu conheço centenas de casos de pobres que “doaram”, entre aspas, rins
para ricos. Então, o problema da lei é não fragilizar, não oportunizar a que os
vulneráveis, os mais frágeis tenham que vender pedaços de seu corpo, essa compra
e venda. Mas tenho certeza de que a sabedoria desta Casa saberá refletir isso muito
melhor do que eu.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Outro Deputado inscrito,
Deputado Dr. Francisco, tem a palavra neste momento.
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O SR. DEPUTADO DR. FRANCISCO GONÇALVES - Sr. Presidente
Neucimar Fraga, Pastor Pedro Ribeiro, caro Prof. Volnei Garrafa, é um prazer muito
grande recebê-lo nesta Comissão para falarmos um pouco sobre transplante de
órgãos. Primeiramente, eu estava aqui no início da apresentação, queria saber se
sua formação é médica.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Por incrível que pareça, sou cirurgião-dentista de
formação. Eu me especializei em câncer bucal, trabalhei muitos anos em
Estomatologia, doença de boca, fui residente no Hospital do Câncer, em São Paulo,
andei pelo campo da saúde pública e acabei na bioética, onde espero ficar para
sempre.
O SR. DEPUTADO DR. FRANCISCO GONÇALVES - Quando a gente estuda
o capítulo sobre o estudo da morte, a gente sabe que a morte não é um fenômeno
isolado, os tecidos morrem em tempos diferentes. E temos debatido nesta Comissão
muitas vezes essa oportunidade de estudar mais profundamente. Tenho a formação
que considera a morte como a parada cardiorrespiratória e a morte encefálica, além
dos exames de arteriografia cerebral, também o eletroencefalograma, quando ele
está na faixa isoelétrica. Queria fazer uma pergunta ao senhor: o senhor acredita
que uma equipe médica, formada para transplante, que normalmente são 6, 7, 8, 10,
12 profissionais da área da medicina, seriam capazes, todos eles, de efetuar um
transplante com a pessoa viva? Segunda coisa: o senhor acredita que o Conselho
Regional de Medicina e o Conselho Federal de Medicina, como órgãos que julgam a
ética médica, podem ser os órgãos de representação não apenas médica, mas de
representação de toda uma população que pode reclamar junto a esses órgãos
competentes para julgar os médicos? Faço isso porque trabalhei durante 8 anos no
Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e tive oportunidade de debater com
os colegas. Normalmente são 40 conselheiros do Conselho Regional de Medicina,
sendo 20 titulares e 20 suplentes, todos eles com oportunidade de votos em
igualdade de condições. Então, eu considero que os órgãos Conselho Regional de
Medicina e o Conselho Federal de Medicina não são órgãos corporativistas. E a
terceira preocupação que tenho é que já vi serviços instalados de alta capacidade
tecnológica de transplante de órgão serem dizimados justamente por acusações
infundadas e que levam, às vezes, as pessoas a fazerem acusações contra toda
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: CPI - Tráfico de Orgãos HumanosCPI - Tráfico de Orgãos HumanosNúmero: 0505B/04 Data: 6/5/2004
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uma equipe de médicos, prejudicando o serviço. De modo que hoje posso garantir
para você que, após a assinatura desse indivíduo que proporcionou a doação de
órgãos, pode acabar com o serviço que, com muito custo, foi instalado. Você sabe
das dificuldades, dos trâmites que existem já no Congresso Nacional, no Ministério
da Saúde para que se possa instalar um serviço de transplantes, e esse serviço
terminar prejudicando toda uma população. Então, eu tenho uma grande
preocupação para que sejamos bastante lúcidos. Estão aqui o nosso Presidente,
Neucimar Fraga, o nosso Relator, Pastor Pedro Ribeiro, que tenho uma convivência
maior, são pessoas de bem. Que possamos ter a lucidez de mostrar ao Brasil
realmente os maus atos relacionados ao transplante, mas nunca prejudicar a
evolução da medicina e a oportunidade de vida que podemos ter através dos
transplantes de órgãos. Sobre a lei você já falou aí, paternalista, eu não quero fazer
nenhum questionamento. Muito obrigado.
O SR. VOLNEI GARRAFA - São duas perguntas, não é, Deputado? Se uma
equipe de 8 médicos faria um transplante. Eu acredito que não. Se isso
acontecesse, seria uma coisa de polícia e não uma coisa de ciência. Eu acredito que
não. Agora, se faria ou não faria eu não posso responder. Eu não faria, jamais.
Sobre os Conselhos, a história dos Conselhos vem do positivismo francês, grupos
tiveram que se auto-organizar no sentido de se proteger. E eu acho que inclusive é
natural que exista um esprit de corps entre as categorias profissionais. E existe. Na
minha área, de odontologia, eu lhe confesso que se eu pudesse acabar com o
Conselho Federal de Odontologia eu acabaria. Eu acho que ele é extremamente
corporativista, eu não gosto dele, sempre fui contrário. Posso dar exemplos aqui, se
V.Exas. quiserem, de decisões bem unilaterais, que não têm contribuído. O
Conselho Federal de Medicina já tem uma postura bastante diferente. Tive a honra
de ser editor, associado da revista do Conselho Federal de Medicina por 5 anos,
junto com outros 2 colegas. Realmente não posso falar, é uma categoria que não é a
minha. Agora, uma opinião pessoal — acho que minha opinião pessoal não tem
grande valor, porque sou apenas um cidadão nesse aspecto —, acho que o controle
dessas questões deveria ficar com a Justiça e não com as categorias profissionais.
Eu sou favorável ao que existe na maioria dos países do mundo, em que não
existem conselhos de classe que, por exemplo, julgam os pares. Os julgamentos são
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feitos via pública, pela Justiça. E acho que no futuro o Brasil deveria caminhar para
esse campo, seja advogado, médico, fisioterapeuta, psicólogo, o que for. Há conflito
de interesse de uma própria categoria analisar. Tem um caso de odontologia, no
Rio Grande do Sul, vou relatar para reforçar meu argumento. Um rapaz de 18 anos
tinha quatro terceiros molares, dentes do ciso incluso. Não é indicado, para um
rapaz jovem de 18 anos, fazer uma extração de cisos inclusos com anestesia geral,
a anestesia geral sempre traz riscos. O rapaz foi submetido à anestesia geral, em
consultório odontológico. A anestesista, a atendente. A atendente se sentiu mal
durante a cirurgia, é uma cirurgia cruenta, difícil, muito sangue, intra-óssea. O
anestesista teve que ajudar a instrumentar, deu uma queda de oxigênio e esse está
tetraplégico até hoje. O cirurgião-dentista foi absolvido pelos seus pares no
Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul. Ele cometeu um erro,
porque uma técnica anestésica que pode trazer problemas ela é indicada para uma
criança excepcional, agora não para um jovem de 18 anos que poderia ter sido
submetido a uma anestesia local, com muito menos risco. Então, se isso fosse para
a Justiça Comum, certamente teria outro desdobramento. É erro profissional, sim,
existe muito erro profissional nas classes profissionais, e normalmente são
resolvidos ao interno das classes. Não estou aqui fazendo uma ode de ataque, de
maneira nenhuma, ao contrário, acho que o CFM tem tido um trabalho extraordinário
nesses anos. Quando a Constituição de 1988 teve a sua elaboração no capítulo da
área de saúde, o CFM teve um papel extraordinariamente importante, avançado, eu
diria. Então, quero deixar essa observação pessoal minha. Acho que temos que
avançar no futuro para controle público do Estado para todas essas questões.
O SR. DEPUTADO DR. FRANCISCO GONÇALVES - O senhor é odontólogo,
como o senhor mesmo mencionou. Vejo os profissionais da minha região, sempre
quando têm que submeter um paciente, principalmente deficientes mentais ou
físicos, à anestesia geral, eles encaminham para o hospital, nunca dentro do
consultório odontológico, porque não tem essa condição. E outra coisa importante.
Se fosse só a Justiça Comum... Os médicos, os cientistas têm dificuldades às vezes,
por causa das várias especialidades médicas. Se levar para um juiz uma
especialidade médica, ele não tem a noção exata do conhecimento médico. Por
exemplo, nós temos ginecologia, ortopedia, oncologia, anestesiologista. Dificultaria
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mais. Por isso que falo sempre do Conselho Federal de Medicina, porque a pessoa
não pode ser especialista em todas as áreas. Muito obrigado.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Só acho, Deputado, que a Justiça pediria
pareceres técnicos dos Conselhos Regionais, que seriam a peça principal desses
processos. Essa que é a minha convicção, considerando certamente...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Com a palavra o nobre
Deputado Rafael Guerra.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, nobre Relator, nosso convidado, Prof. Volnei, não ia fazer nenhum
questionamento, mas realmente, depois de certas afirmações, eu queria confirmar
algumas coisas que eu acho que até não estou acreditando muito que o senhor
disse. Mas, em relação aos Conselhos, o Conselho Federal de Medicina foi criado,
não sei a data da lei, mas aproximadamente há uns 50 anos. É um órgão público,
uma autarquia, tem legislação específica, assim como outros Conselhos que foram
criados posteriormente, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil, que reúne
as entidades da área do Direito em uma só. Temos Associação Médica Brasileira,
Federação Nacional dos Médicos, etc. O órgão da ética, autarquia pública, legal,
constituída por lei, é o Conselho. A OAB acumula todas as atividades: as científicas,
as corporativas e as éticas. O Conselho é um órgão voltado para a fiscalização do
exercício profissional, a ética e a vigilância da ética. Então, pergunto ao senhor
realmente, porque acho que isso é preciso ficar bem registrado: o senhor acha que
os Conselhos deveriam acabar? O senhor acha que são órgãos que não têm
finalidade nenhuma social? O senhor responde no final. Essa a primeira pergunta.
Se isso for verdade, acho até que as outras perguntas perdem o sentido, mas, de
toda forma, acho que essa é a primeira questão. Segundo, o senhor disse aqui que
os hospitais brasileiros não têm condições de fazer um diagnóstico correto de morte
encefálica. Queria que o senhor reafirmasse isso, porque fica gravado, fica em notas
taquigráficas, porque isso é da maior gravidade. Professor, se aceitarmos essa
afirmação do senhor, acaba o transplante no Brasil. Eu, por exemplo, não poderia
ser doador, não aceitaria que nenhum amigo, ninguém da minha família pudesse vir
a ser doador, porque seria obrigado a aceitar que em caso de um acidente, em caso
de um traumatismo, o diagnóstico de morte nunca será correto, nunca será
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adequado. Se for assim, acabamos com o transplante no Brasil, porque hoje o Brasil
é o segundo país transplantador do mundo e o Serviço Brasileiro de Transplante de
Rim, que vai ser homenageado aqui, na Câmara, na semana que vem, vai receber
uma homenagem em Londres como o maior serviço de transplante de rim do
mundo. Então, se não temos como diagnosticar a morte corretamente, se os
hospitais não têm condições, então, o transplante cardíaco acabou, o transplante de
pulmão acabou, o transplante hepático acabou. O transplante de rim só se for numa
correria: parar o coração para o médico assinar o atestado de óbito, aquela correria,
porque logo, logo, o órgão morre também, o rim não fica vivo 24 horas esperando
achar um transplante, achar um doador, arrumar um avião para levar. Fui Secretário
de Saúde do Estado de Minas Gerais. Durante o meu tempo, o Governo do Estado,
que tem aeronaves próprias para uso do Governador, para uso de outras coisas, de
outras autoridades, o serviço de transporte aéreo do Governo do Estado sempre
tinha um plantão caso fosse necessário para o MG Transplantes enviar uma equipe
para retirar órgão, trazer esse órgão em tempo hábil para que a gente não perdesse
o órgão. Então, queria saber se o senhor reconhece os critérios de morte que estão
na legislação, tanto do Ministério, como do ponto de vista científico, do Conselho
Federal de Medicina, e se os hospitais podem ou não podem, na opinião do senhor?
Terceiro, em nenhuma hipótese, a ação dos Conselhos — essa não é uma pergunta,
é uma observação, mas o senhor pode comentar, se quiser —, a ação de qualquer
Conselho profissional confronta ou impede a ação da Justiça Comum. Ao contrário,
o que a gente tem visto sempre é subsidiar científica e eticamente a Justiça Comum.
O Conselho não invalida a ação judicial, não invalida a Justiça. Em todos os casos, o
cidadão tem direito de recorrer, de acionar judicialmente. Agora, a Justiça pode ter a
perícia própria, os peritos próprios, designados, ou pode utilizar ou credenciar outros
peritos. E uma decisão ética ou disciplinar de um conselho de órgão pode ser um
subsídio para a Justiça. Mas, basicamente, era em relação aos conselhos, aos
critérios de morte e ao aparelhamento dos hospitais brasileiros.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Perfeito. Em primeiro lugar, me surpreende a sua
preocupação em defender os Conselhos. Eu estou aqui para defender o povo
brasileiro, as pessoas, e não os Conselhos. Acho que os médicos são objetos dentro
desse processo, e o sujeito é o cidadão. Então, o final da questão é o cidadão. Os
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Conselhos deveriam acabar? Eu não disse que os Conselhos deveriam acabar.
Acho que deveria mudar o seu perfil. Os Conselhos são policialescos. Eu acho que
há conflito de interesse, onde pares julgam pares, e esse papel deveria ser
assumido pelo Estado, pela Justiça, como na maioria dos países desenvolvidos isso
acontece. A maioria dos países não tem OAB, como o Brasil tem, não tem os
conselhos ligados, como autarquias públicas, como o Brasil tem. O Estado se
responsabiliza, as Prefeituras, a Justiça, essa coisa toda. Essa é uma visão
internacional e pessoal. Em segundo lugar: os hospitais brasileiros não têm
condições de dar diagnóstico provisório. Claro que muitos têm, doutor. Eu orientei
teses na Paulista de Medicina, nesse hospital a que o senhor está se referindo. A
chefe do serviço de captação foi minha aluna. Então, é claro, eu conheço o Hospital
do Rio. O Dr. Medina é meu amigo pessoal, estamos escrevendo o capítulo de um
livro. Eu não sou contra os transplantes, sou a favor dos transplantes bem feitos,
com segurança. O senhor sabe disso, o senhor foi Secretário de Saúde de um...
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Todos somos, todos somos.
Representante do povo também sou.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Pois é. Claro, certamente.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Estou aqui para defender o cidadão
brasileiro.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Certamente. O senhor foi Secretário de Saúde
de um dos maiores Estados do País.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Pois é, mas o senhor deu a
entender que o senhor está aqui para defender o povo, e eu estou aqui para
defender médico.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Não.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Estou aqui, eleito pelo povo, para
defender o cidadão brasileiro. Gostaria que o senhor se ativesse às respostas e não
fizesse comentários desse nível.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Pois não. Então, há hospitais que, sim, têm
condições, e hospitais que não têm. O Hospital de Base, aqui de Brasília, chegou o
momento em que todos os jornais estavam dizendo que não tinha medicamento, não
tinha gaze. Um hospital que não tem gaze, Deputado, não tem condições de dar um
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diagnóstico de morte encefálica. O senhor sabe, por falta absoluta de equipamento,
de medicamento, etc. Então, tem hospitais que têm e hospitais que não têm.
Durante anos, fui Presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, há 15 anos,
o CEBES. É um órgão democrático do setor sanitário brasileiro. O Brasil é um dos
países que menos aplica o seu percentual de PIB em saúde. Hoje, é menos de 4%.
Os Estados Unidos estão gastando 14% do PIB em saúde; a Holanda, 11%; a Itália,
9,5%; a França, 9,5%; o Brasil, 4%. Então, nós temos pouco, gastamos pouco e
temos que aproveitar para gastar da melhor forma possível. Então, realmente, é um
problema, um país que tem que se preocupar com alimentação infantil, com
vacinações, com tantas coisas, e os transplantes são caros. Então, essa que é a
questão. Eu acho que os hospitais, para serem credenciados, deveria haver um rigor
maior no credenciamento. Os que são credenciados, realmente, que funcionem.
Então, não é uma questão de desconfiança. Dizer que não funciona; não, tem
muitos. Minas Gerais tem ótimos hospitais, o Rio Grande do Sul tem ótimos
hospitais, São Paulo, Paraná, etc. etc. Mas, infelizmente, nós temos grandes
deficiências no setor sanitário brasileiro. Então, uma lei que seja mais rigorosa, com
um Estado que funcione, vai preservar a qualidade do atendimento. Então, essa é a
questão. Acho que tinha mais uma: o critério de morte encefálica. Acho o critério de
morte encefálica absolutamente seguro, Deputado. Tenho convicção disso. Mas,
desde que ele seja realmente feito com condições técnicas. Gostaria de dar esse
depoimento, aqui, também, para os senhores e senhoras. O mundo evolui sob o
ponto de vista de moralidade. A moralidade não é uma coisa parada, a moralidade
evolui. Hoje, tem que haver um respeito ao pluralismo moral. Mas é impressionante
como algumas idéias novas nos chocam. A conferência de abertura do II Congresso
Mundial de Bioética, que já faz 10 anos, foi em Buenos Aires, foi dada por um
grande filósofo australiano, Peter Singer, que defendeu o avanço do conceito de
morte encefálica para o conceito de morte cortical. A córtex é a parte do cérebro que
nos dá noção de ir e vir, de espaço, de tempo etc. O que esses filósofos querem
defender? Que existem certos animais que têm determinado tipo de comunicação e
linguagem que seriam mais humanos do que alguns humanos que não têm mais
nenhuma capacidade e que esses humanos já não teriam serventia. Veja o senhor
como são chocantes, e são conceitos que vêm da Filosofia. Se um conceito como
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esse de morte cortical para o futuro evoluir para conceito de morte, significa que
algumas pessoas de idade, tetraplégicas não seriam mais consideradas como
pessoas vivas. Veja o senhor que são embates terríveis nesse campo. E nós somos
do campo humanístico, do campo hispânico, do campo latino. Acho que nós todos
estamos dentro desse grande campo, mas essas opiniões vêm com muita força.
Semana passada eu dei uma entrevista para a revista Veja sobre uma tentativa nova
no Canadá de ser restaurada a eugenia, por exemplo. E os alemães já estão
assustadíssimos. Então, todo dia nós somos atropelados por essas coisas. Acho
que nós temos que trabalhar no sentido de que realmente os hospitais, que o
sistema público funcionem com segurança. Eu queria reforçar o conceito de morte
encefálica. Eu acho que aqueles 2 pesquisadores, o Galli Coimbra, estão fazendo
um estardalhaço tremendo e causando uma insegurança muito grande no País.
Acho até importante a CPI escutá-los e depois escutar especialistas para
exatamente confrontar porque isso aí está trazendo muita intranqüilidade entre os
doadores e as famílias de pessoas que estão na lista de espera.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Sr. Presidente, fico satisfeito porque
acho que fica mais claro o depoimento do Prof. Volnei. Quer dizer, os hospitais
brasileiros, credenciados corretamente pelo Ministério da Saúde, têm condições de
fazer um diagnóstico de morte encefálica, na opinião do depoente. O
credenciamento pode vir a ser revisto. Acho que nós devíamos até ouvir o Ministério
nesse aspecto, para que essas normas sejam revisadas. É uma contribuição que
devemos dar, é uma forma até de contribuirmos. Então, os hospitais credenciados,
em tese, podemos rever o credenciamento, mas em tese, têm condições. Quer dizer,
a medicina brasileira tem condições de fazer um diagnóstico de morte encefálica.
O SR. VOLNEI GARRAFA - O senhor me permite, Deputado? Esse exemplo
que eu dei do Hospital de Base, quando começaram, ele foi descredenciado.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Eu compreendo perfeitamente.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Ele foi descredenciado pelo Ministério e agora
está voltando a ser credenciado.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Nisso aí nós estamos plenamente
de acordo. E há outro ponto aqui, os critérios de morte adotados no Brasil — de
morte encefálica —, na legislação, são na opinião de V.Sa. corretos. Eu queria só
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acrescentar que — aí vem a questão do Hospital de Base e de outros hospitais do
Brasil —, essa questão não se refere aos transplantes ou diagnósticos de morte
encefálica apenas, se refere à falência no financiamento do SUS. Reforçar o que
senhor disse, quer dizer, o nosso País é dos países que menos investe, menos
aplica percentual do PIB em saúde. Só para que todos aqui, a audiência e os
Parlamentares, enfim, todos os que estão aqui presentes saibam, o País hoje, neste
ano de 2004, está aplicando 1,9% do PIB em saúde apenas. O nosso depoente citou
vários países com 9, 11 etc., 1,9%. A Frente Parlamentar da Saúde, eu não tenho
aqui em mão, mas vai chegar ao conhecimento da Nação, divulgou ontem um
manifesto denunciando as dificuldades do setor, o baixo financiamento. E nós
estamos trabalhando, para os senhores verem ainda como estamos, como a
economia reflete na saúde. Nós estamos trabalhando num projeto de lei para elevar
o percentual do PIB em saúde no Brasil para 2,5%. E vamos ter que brigar muito
para conseguir 2,5%. Então, essa realidade dos hospitais é uma realidade do SUS.
Por isso que o Ministério tem que credenciar corretamente quem está aparelhado,
tanto para fazer o tipo de diagnóstico quanto para fazer o transplante. Era isso que
eu queria. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, Deputado
Rafael Guerra. Acredito que essa intervenção foi importante, as respostas também
foram dadas. O Dr. Volnei ratificou novamente que alguns hospitais estão bem
preparados, nem todos têm o mesmo preparo, mas alguns têm um preparo
realmente para dar as condições técnicas, para dar um diagnóstico de morte
encefálica. Dr. Volnei, o senhor fez algumas afirmações que nós, inclusive, de
acordo com alguns dados que nós também temos, vieram se encontrar, quando o
senhor disse, durante a fase preliminar, que no Brasil não faltam órgãos nem
doadores, mas o sistema é que não tem capacidade para absorver todos os órgãos
disponíveis para o transplante. É isso mesmo?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, o sistema não tem tido agilidade para
captar os órgãos disponíveis. Então, o problema de órgãos no Brasil não é de falta
de órgãos, é problema de agilidade e de infra-estrutura para a captação desses
órgãos.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Diante dessas afirmações,
e a CPI também tem documentos que comprovam que não faltam doadores e não
faltam órgãos no Brasil, o que falta é realmente capacidade de gerenciamento para
absorver todos esses órgãos, se com os órgãos já disponíveis, com os doadores
que já existem disponíveis no Brasil, o sistema não consegue funcionar e aproveitar
todos os órgãos, se o Ministério amplia a campanha de doações de órgãos no Brasil,
para aonde vão esses órgãos? Se com os que estão disponíveis o sistema não
consegue absorver todos e aproveitar todos, se aumentarem os doadores, aonde
vão para esses órgãos, se ele não consegue dar conta nem dos que estão
disponíveis no momento?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Isso é um problema seriíssimo. Acho que o
Deputado Rafael Guerra levantou com muita propriedade a questão orçamentária.
Por exemplo, fígados no Estado de São Paulo, de acordo com a disponibilidade
orçamentária do SUS, os fígados não são totalmente aproveitados pelos sistema
público, acabam indo para o sistema privado, por quê? Porque o orçamento público
do SUS para os transplantes hepáticos chega até um certo teto e depois não é mais
suficiente. Então, eu acho que a questão orçamentária tem que ser discutida dentro
desse contexto, porque não adianta ter uma quantidade extraordinária de órgãos,
digamos, para atender a todas as milhares de pessoas que estão nas listas se não
há condições de financiamento para essas cirurgias, que nós sabemos que são
caras.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, o SUS, o Ministério
da Saúde, ao intensificar as campanhas de doações de órgãos, e ele não dando
suporte para que os órgãos disponíveis, a partir desse aumento do processo de
doação, sejam aproveitados, está praticamente sendo parceiro do sistema particular
de transplante, porque esses órgãos estariam indo para o sistema particular de
transplante da rede privada no Brasil?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que essa questão tem que ser
pesquisada, Deputado. O número de transplantes feitos no Brasil tem aumentado,
principalmente os transplantes renais, mas há Estados onde eles diminuíram. No
Distrito Federal, por exemplo, diminuiu nos últimos anos por problemas conjunturais.
Agora tem uma outra questão. Por exemplo, no caso de transplante renal, as
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diálises renais também são muito caras. Então, de repente, é um bom investimento
para o Estado utilizar todos esses órgãos e realizar os transplantes e ficar somente
no controle do paciente e não ter mais os gastos com diálises renais. Então, são
questões que são orçamentárias, são financeiras e são questões que têm que ser
discutida a priorização sob o ponto de vista econômico e sob o ponto de vista ético,
mas faz parte realmente de todo esse contexto que os senhores estão aqui
discutindo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O Ministro da Justiça, em
recentes audiências e congressos, sempre que tem a oportunidade de usar a
palavra, tem dito que a CPI do Tráfico de Órgãos vai prestar um desserviço ao
Brasil. O senhor concorda com essa frase?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, não concordo, não concordo. Eu acho
que... Como eu disse, eu estou me dedicando há anos a pesquisar essa questão do
mercado humano. E a gente ouve muitos murmúrios, muitos boatos, são sempre
assustadores. E eu até hoje não consegui nenhum caso, realmente, por exemplo, de
uma criança que tenha sido morta... Aquela história: no Barra Shopping no Rio de
Janeiro uma criança desapareceu e apareceu uma semana depois com uma cicatriz
renal. Uma vez o Correio Braziliense deu uma notícia desse tipo. Eu fui com a
jornalista: “Escuta, sigilosamente, nos dê o endereço, nós vamos atrás, eu levo
alguém das entidades médicas, nós vamos radiografar. Se essa criança tem
realmente somente um rim, é porque realmente tiraram o rim dela para transplante,
não tiraram para comer.” Aí, vai dar o endereço, você não acha o endereço. Então,
são boatos. Existe muito boato. E isso na população causa muita apreensão, isso
vem no sentido inverso do espírito generoso da doação. Então, eu queria reforçar:
eu acho uma CPI desse tipo extremamente séria, e ela pode ser um balizador em
antes e depois dessa questão, dessa boataria, desses comentários para deixar a
sociedade mais tranqüila.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É comum em alguns
Estado brasileiros, aonde a gente vai, encontrar uma pessoa que disse que ouviu
história de um jovem que foi numa boate, encontrou uma mulher bonita, ela
colocou...
O SR. VOLNEI GARRAFA - Na bebida.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - ...na bebida um remédio,
levou para um quarto, um motel ou para um apartamento. No outro dia essa pessoa
amanheceu dentro de uma banheira cheia de gelo, com um corte no corpo. É
comum. E em quase em todos os Estados que a gente vai, as pessoas dizem que
aconteceu naquele Estado. Mas o senhor não acha também que tanto esse fato
como esse fato dessas supostas crianças que teriam sido seqüestradas e levadas
para algum lugar e retirado um órgão podem estar sendo usados por organizações
criminosas que realmente praticam algum tipo de crime em relação a esse assunto e
usam essas supostas estorinhas para tentar dissuadir a opinião pública de que isso
é tudo ilusão e lenda urbana também?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Olha, Deputado, eu, nesses anos todos que eu
estou me dedicando a isso, e numa ocasião eu trabalhei junto com o Prof. Paulo
Sérgio Pinheiro, do Centro de Estudos de Violência da USP, em todos os casos que
nós fomos atrás, nós chegamos a nada. Quer dizer, o boato... Teve o caso de uma
senhora em Anápolis, por exemplo, que teriam retirado os olhos da filha para tirar a
córnea. Nós fomos lá na casa, a casa não existia, o número não existia. A nível
internacional, houve uma grande denúncia de um senhor alemão, era um conde
alemão, que tinha uma empresa, ele se chamava Rovenborg — está no livro aí, tem
a referência bibliográfica. Esse senhor tinha uma empresa com sede na Holanda,
nos anos 80, e ele vendia 3 coisas, olha que coisa macabra. Ele vendia crianças
para adoção, órgãos para transplantes e mercenários para a guerra. Ele tinha 2.500
mercenários cadastrados para a guerra de uma hora para outra e vendia também
órgãos. Esse sujeito foi preso na França depois. Mas aqui no Brasil, eu queria lhe
dizer... Eu diria com segurança, pelo menos com toda a informação: nesses anos de
pesquisa séria que a gente tem feito, juntamente com o Centro de Estudos de
Violência, eu já depus também na Subprocuradoria-Geral da República, uma
ocasião, sobre esse tema, eu nunca tive nenhum caso desse tipo. Eu reforço os
casos do doador vivo não-parente, onde acaba tendo um comércio, uma compra,
uma doação às vezes para o ganho de uma casa, essa questão de Pernambuco que
surge agora, que eu acho que é importantíssima de ver se houve mercado
realmente. Esse mercado triangular com a África do Sul era o que era feito nos anos
80 com a Índia. Italianos e franceses iam para a Índia, só que como a Índia proibiu,
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então, começaram a buscar formas alternativas. Então, eu acho que realmente esse
tipo de coisa não existe no Brasil. Uma antropóloga norte-americana escreveu um
artigo muito violento, muito violento. E eu agora, na Itália, quando estive há 15 dias
atrás, uma editora de uma revista italiana disse assim: “Nós recebemos esse artigo e
não aceitamos sua publicação.” E, particularmente com o Brasil, essa antropóloga
fala de crianças de que foram retirados órgãos em Pernambuco. Acho esse trabalho
de uma fragilidade extraordinária. Essa pesquisadora andou pela UNICAMP, é uma
antropóloga, mas também eu infelizmente não me lembro do nome dela, mas é um
trabalho sem nenhuma base científica, ele é assustador. Então, eu queria colocar
minha certeza, pelo menos a minha segurança, certeza não, porque é difícil, mas a
segurança desses casos todos que nós procuramos, que isso não existe, Deputado.
Existe comércio, sim, nessas formas a que eu me referi, mas não esse comércio
violento, rampante, em nosso País, eu não tenho realmente evidência.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Só para corrigir, eu falei
na pergunta que eu fiz ao senhor anteriormente, no Ministro da Justiça, mas é
Ministro da Saúde, Humberto Costa, que tem feito as afirmações, e não o Ministro
da Justiça, de que a CPI vai prestar um desserviço ao País.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Acho que não.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É comum, Dr. Volnei, e a
gente tem acompanhado alguns casos sobre denúncias de irregularidade no sistema
de transplante, retirada de órgão de paciente sem autorização da família, retirada de
órgão, venda de cadáveres para as faculdades. O senhor acredita nessa
possibilidade de pessoas que vendem cadáveres para as faculdades, contrariando a
legislação do transplante?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Olha, na Colômbia houve um saco macabro, em
Cali, há alguns anos atrás. Os professores de Anatomia e o reitor estavam
envolvidos. Os mendigos da cidade eram mortos, isso aí saiu na imprensa
internacional, está também aí nesse livro com a bibliografia. E aqui no Brasil na
cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. O jornal Zero Hora denunciou.
Realmente eram funcionários do serviço de anatomia com o serviço de autópsia do
Instituto Médico Legal que estavam vendendo órgãos de cadáveres para Faculdades
de Medicina privadas que compravam para estudo. Esse caso também foi
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constatado alguns anos atrás no Rio Grande do Sul. A referência também está aí no
livro.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O senhor conhece o caso
de Franco da Rocha, agora em 2001, o médico que foi preso?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Não.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Foi preso, responde
inquérito policial por retirada de órgãos de 13 cadáveres e venda de 15 cadáveres
para as faculdades particulares de São Paulo e Minas Gerais?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, esse mais recente eu não sabia, não.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pois é, existe um
processo aberto na cidade de Franco da Rocha. O médico foi preso. Quando o
senhor falou que o Conselho Federal de Medicina devia ser mais duro, esse médico,
que foi preso em 2001, coincidentemente, é o mesmo médico que foi denunciado em
1988, na cidade de Taubaté, pelo Diretor do Hospital Universitário de Taubaté, Dr.
Roosevelt Kalume. Ele foi denunciado juntamente com mais 3 médicos daquele
hospital por retirada de órgão de paciente. E foi comprovado, através de inquérito
policial feito pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, foi denunciado e foi julgado
pela Justiça local, foi indiciado, e eles vão a júri popular. Então, esse médico foi
preso em 2001, Diretor do Instituto Médico Legal da cidade de Franco da Rocha,
São Paulo. Ele coincidentemente é o mesmo médico que fazia parte de uma equipe
médica do Hospital Universitário de Taubaté, que foi denunciado pelo diretor do
hospital também, que é médico. E aí o diretor, o Conselho Regional de Medicina de
São Paulo, ao invés de punir os médicos, tentaram cassar o diploma do Diretor, que
é médico, porque disse que ele faltou com a ética ao denunciar os colegas.
Coincidentemente, esse médico foi preso agora, em 2001, responde inquérito.
Temos em posse da CPI toda a documentação de inquérito policial que comprova
essa prática criminosa, inclusive com o depoimento do delegado que investigou e
apurou o caso desse médico.
O SR. VOLNEI GARRAFA - O caso de Taubaté eu acompanhei pela
imprensa, tenho um livro, foi publicado um livro sobre isso, me foi enviado, mas
realmente a informação que eu tenho é desse livro. O caso de Poços de Caldas
também parece que houve um depoimento aqui há algumas semanas atrás, eu
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também conheço pela imprensa e não tenho nenhuma, não tenho experiência,
enfim, não tive nenhum contato com o caso.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Só para lembrar aos
membros da CPI que esse médico foi denunciado em Taubaté, que foi indiciado, que
já perdeu em duas instâncias e agora perdeu na Justiça de São Paulo, os
desembargadores também julgaram procedentes as denúncias e os 4 médicos vão a
júri popular. Quando ele foi denunciado e indiciado em Taubaté, ele foi transferido
para Franco da Rocha, na função de médico novamente, e agora ele foi preso em
Franco da Rocha, responde a inquérito, ele foi transferido, agora está em Guarulhos
exercendo a medicina como se nada tivesse acontecido. Quando o senhor disse que
os Conselhos às vezes deveriam ser mais duros com alguns maus profissionais,
sabemos que existem, como existem no Parlamento, maus Parlamentares, como
existe na Polícia, como existe na Justiça, os próprios juízes que foram denunciados,
existe em toda categoria, existem na igreja falsos pastores, falsos padres, no
Ministério Público, pessoas também que não condizem com a ética. Nenhuma
instituição do Brasil está isenta de ter nos seus quadros pessoas que não condizem
com a ética, com a lisura e com a idoneidade que é a instituição, que deveriam
também ser punidos. Mas só fiz esse relato aqui para aqueles que acompanham
essa sessão saber que existe. O senhor relatou alguns casos, e eu estou citando
outros casos, com depoimento de delegado, promotor e juiz que fizeram
investigação, indiciaram e processaram alguns dos elementos, mas que infelizmente
eles ainda não foram punidos pelo Conselho Federal de Medicina, que é o órgão da
instância superior, que está superior até aos Conselhos Regionais. Pode até existir
algum corporativismo pela questão de coleguismo, da amizade. O Conselho deveria
ser um órgão mais realmente independente e agir com mais transparência e mais
independência em relação a este assunto. Agora, vamos falar de um assunto, eu
também acho que é um assunto importante, quando o senhor falou da questão da
morte encefálica. o senhor disse que alguns hospitais brasileiros, muitos estão bem
preparados, têm equipe técnica preparada, capacitada, mas alguns têm dificuldade
em dar realmente um diagnóstico, um conceito de morte encefálica, que é um dos
exames exigidos pela legislação, tanto pela Lei nº 9.434 como pela Lei nº 10.211,
com exames que realmente podem diagnosticar a morte. A partir daquele momento,
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o paciente, através da autorização da família, pode fazer a doação de todos os seus
órgãos. Mas a questão da morte encefálica, já vi algumas matérias de médicos
brasileiros, de médicos ingleses, de médicos japoneses também discutindo o mesmo
conceito. Alguns dizem que morte encefálica foi um método inventado para facilitar
transplante no mundo. E eu estive conversando recentemente com uma autoridade
no assunto e depois estive conversando com algumas pessoas. Eu queria só dizer
da necessidade da reformulação realmente da Lei de Transplante no Brasil. No
Brasil, a eutanásia é crime. Então, nenhuma pessoa, mesmo que queira, pode pedir
a um juiz uma autorização para um médico desligar um aparelho de um ente querido
seu que está há 120 dias respirando só por aparelhos, está com diagnóstico de
morte cerebral ou coisa assim. No Brasil, a eutanásia é crime, ninguém pode
autorizar que o médico desligue um aparelho para que a família enterre o corpo. É
isso?
O SR. VOLNEI GARRAFA - No segundo semestre do ano passado, a Folha
de S. Paulo, na página 3, que tem a página TENDÊNCIAS/DEBATES, fez a
seguinte pergunta: “Você é a favor ou contra a eutanásia?” Um amigo nosso de São
Paulo, Padre Leo Pessini, foi contra, eu fui a favor, mas quero...aqui vamos dividir.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas a legislação brasileira
proíbe?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Proíbe. Existe a eutanásia passiva e a eutanásia
ativa. Obviamente eu sou absolutamente contra a eutanásia ativa, a eutanásia que
existe na Holanda, que a Austrália está querendo. Agora, a eutanásia passiva, eu
queria discorrer dois minutos sobre isso.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas eu queria fazer uma
pergunta só antes do senhor discorrer sobre essa questão da eutanásia, porque o
Código Penal proíbe a eutanásia. É um crime você desligar o aparelho de uma
pessoa que está no hospital mesmo com o diagnóstico de estar respirando só por
aparelho, o corpo está vegetando. Mas eu quero perguntar o seguinte: A lei de
transplante permite, a partir da autorização da família, que os médicos
transplantistas — a partir da autorização da família, que os médicos transplantistas
— retirem órgãos vitais de um ser humano, mesmo com ele respirando apenas por
aparelhos, um conceito que está com morte cerebral. Pergunto: qual a diferença que
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existem, cientificamente, entre desligar o aparelho de uma pessoa que está com
morte cerebral e tirar o coração dela?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Desculpe.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Qual a diferença que
existe entre a eutanásia, desligar o aparelho para que o corpo seja liberado para o
enterro e tirar um coração da pessoa? A legislação, o Código Penal proíbe desligar o
aparelho, mas a legislação de transplante permite a retirada do coração.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, o sistema fica no sistema de
coração-pulmão artificial para que os órgãos sejam mantidos, para que seja possível
tecnicamente o transplante. Agora, Deputado, veja, o Código Penal Brasileiro é de
1940 para essa questão, mal a penicilina havia sido descoberta, tivemos tantas
descobertas de lá para cá. Sim, sim, está em vigor. Aqui na Câmara um aluno meu
fez um levantamento de projetos na área de bioética que tramitaram na Casa e para
nossa surpresa dividimos em 5 grupos: aborto, eutanásia, técnicas reprodutivas,
engenharia genética e transplantes. Eutanásia tinha 4 projetos, 3 era do mesmo
Parlamentar, um é Senador do Amapá, se não me engano. Nenhum projeto
conseguiu sequer Relator nas Casas, porque é um tema muito espinhoso realmente.
Mas eu queria lembrar o seguinte: vamos ser muito claros, hoje, no Brasil — eu falei
isso em vários lugares, então não tenho temor de falar aqui —, a quantidade de
mortes compassivas, por paixão, por caridade, feitas de norte a sul, de leste a oeste,
todos os dias, é muito grande, médicos maravilhosos, generosos, paciente
canceroso terminal, com dores terríveis, descontrole de esfíncter, de repente tem
uma infecção secundária de pulmão, pela lei brasileira o médico é obrigado a entrar
com antibiótico para dar quem sabe mais 8, mais 10, mais 15 dias de vida. E
médicos com maior capacidade, autoridade, dignidade e moral, dizem que assim
não dá mais, conversam com o paciente e com a família, são mortes caridosas. O
próprio papa João Paulo, perdão, Pio XI falava sobre isso. A questão das pessoas
morrerem na hora certa, nós temos uma hora para nascer, uma hora para viver, uma
hora para morrer. Hoje em dia, com tanta tecnologia, nós podemos postergar isso aí,
por muitos dias, por meses, talvez, é a chamada de distanásia. Os americanos
chamam a distanásia de futilidade terapêutica, futility, futilidade. Os espanhóis são
mais duros, chamam de encarniçamento terapêutico. Acho que esse é um tema para
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o Congresso também começar a refletir, nós temos tanta tecnologia, eu acho,
porque realmente está acontecendo eutanásia passiva, ou seja, deixar morrer, veja,
não ficar investindo mais, porque nós temos condições com medicamentos, com
tecnologias, com equipamentos etc. Agora, a sua pergunta eu acho que, eu quero
reforçar a minha segurança sobre o conceito de morte encefálica. Acho que o
ex-Presidente, que é um homem que admiro, Itamar Franco, foi muito corajoso
quando aceitou a sugestão do Conselho Federal de Medicina para avançar no
conceito brasileiro de que até 93 era de morte cardiorrespiratória para morte
encefálica e o Brasil entrou no contexto internacional. Esse é um consenso
internacional. Então, você tem o conceito de morte encefálica na China comunista,
nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, não é uma novidade, não é colocar a roda
em pé. Inclusive morte encefálica é um conceito hoje internacionalmente aceito.
Agora como ele depende de tecnologia sofisticada, ele tem que ter uma aparatologia
que dê suporte e segurança para tudo isso. Acho que essa é a questão-chave e,
obviamente, como é uma aparatologia sofisticada e é cara, tem que haver recursos
para que seja bem controlada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O senhor, como estudioso
da área, Sr. Pedro Ribeiro...
(Intervenção inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Quando fiz uso da
palavra, nobre Parlamentar, não tinha mais ninguém inscrito, quando eu estava
falando V.Exa. estava se inscrevendo.
(Intervenção inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Não. V.Exa. ficou o tempo
todo aqui no plenário e a lista foi passada 3 vezes por V.Exa. e V.Exa. não assinou a
lista. Quando eu peguei a palavra para interpelar, V.Exa. pediu ao Secretário para ir
até a mesa levar a lista para o senhor, foi isso?
(Intervenção inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pediu para levar, e
quando o senhor foi lá eu comecei a interpelar. V.Exa. ficou o tempo todo e a lista foi
passada 3 vezes pela Secretaria. V.Exa. está aqui desde o início da reunião e não
assinou. Dr. Francisco chegou e assinou, Zico Bronzeado chegou e assinou. Eu
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estou fazendo uso da palavra agora. Eu também, além de ser Presidente, sou
Parlamentar, tenho o mesmo direito que V.Exa. Vou fazer minha última pergunta e
depois vou passar a palavra para o próximo inscrito. O próximo inscrito aqui é
Geraldo Resende, depois Carlos Mota.
O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Sr. Presidente, estou dizendo
que me inscrevi antes de V.Exa. começar com a pauta.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Isso não é verdade.
O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Em segundo lugar, o mesmo
direito que tem V.Exa., mesmo V.Exa. estando presidindo a Casa, tenho eu também.
Aqui não tem diferença de Deputado, mesmo que um Deputado esteja ocupando a
Presidência. Mas eu gostaria — porque eu logicamente vou ter que me retirar — de
dizer que me senti prejudicado na medida em que V.Exa. está tomando todo um
tempo que poderia ter dado a outros Parlamentares.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Quero dizer ao nobre
Deputado Geraldo Resende que estamos conduzindo esta Comissão com bastante
parcialidade. Eu perguntei 3 vezes à Secretaria da Mesa, só tinha 2 inscritos: Zico
Bronzeado e Dr. Francisco. Depois, o Deputado Rafael Guerra pediu a palavra, a
lista foi a ele e ele usou a palavra. Eu, até o momento, não havia feito interpelação.
Eu aguardei por último, deixei todos falarem e pedi para a lista passar, e passou 3
vezes e V.Exa. não assinou a lista. Quando não tinha mais ninguém inscrito, e eu ia
interpelar, V.Exa. pediu para falar. Eu pedi para levar a lista para o senhor, para
V.Exa. A lista foi, o senhor já assinou e vai ser...
O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Eu acho que já estamos tomando
mais tempo. Tudo bem, continue a sua interpelação e eu vou ter que...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Se V.Exa. tivesse
explicado a situação e tivesse pedido, eu até abriria mão.
O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - A qualquer momento, nós
podemos fazer a inscrição agora.
O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Sr. Presidente, só uma questão de
ordem para facilitar esse debate, por que não adotamos, acho que está burocrático o
sistema de inscrição para falar. Na CCJ, basta que a gente levante a mão, alguém
da Mesa, porque, às vezes, é no tempo que você quer perguntar. E nesse meio
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tempo, até que alguém levante daí, venha aqui, assine, a CCJ não adota o sistema
de, eu pelo menos me lembro, a Seguridade Social também, para falar basta um
sinal e a própria Mesa coloca lá na ordem quem levantou o dedo primeiro, quem
manifestou, só para facilitar, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então V.Exa. fazendo a
proposta, nós podemos acatar a partir da próxima reunião esse procedimento, mas o
procedimento adotado até o momento foi esse, até porque foi avisado no roteiro da
audiência pública qual seria o procedimento de inscrição. Pois não, Deputado.
O SR. DEPUTADO ANDRÉ DE PAULA - Se V.Exa. me permitir, eu queria
fazer a V.Exa. uma sugestão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pois não.
O SR. DEPUTADO ANDRÉ DE PAULA - Eu percebo que o nobre Deputado
Geraldo Resende está angustiado com a questão de tempo e V.Exa.,
institucionalmente, como Presidente, tem uma angústia menor. Talvez, até como
gesto de delicadeza, de gentileza, V.Exa. pudesse abrir mão para que ele fizesse a
pergunta e pudesse sair e V.Exa. voltasse a argüir e fizesse então a sua última ou
últimas perguntas, é por uma questão só de gentileza, como sugestão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Eu perfeitamente atendo
ao apelo de V.Exa., e se o Deputado tivesse feito da mesma forma eu cederia a
palavra, só que não achei justo ele dizer que eu o prejudiquei, porque quando eu
comecei a falar ele não estava inscrito ainda. Se S.Exa. quiser fazer uso da palavra
neste momento, eu concedo a palavra.
O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Vou esperar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas eu até, com esse
episódio, tirou aqui minha linha de raciocínio para fazer a pergunta ao Dr. Volnei.
Então, diante desse fato, vou passar a palavra a V.Exa.
O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Primeiro, quero agradecer a
presença ao Dr. Volnei. Desde o início — tive também outra atividade paralela aqui,
e aqui isso é comum — não acompanhei no total a sua intervenção, mas tenho o
livro, tenho lido vários artigos de S.Sa. e sei da sua capacidade e do seu
reconhecimento na comunidade científica como uma das pessoas que é expert na
área de bioética no nosso País. E acho também que o Dr. Rafael Guerra, Presidente
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da Frente Parlamentar da Saúde, em algumas questões nos pareceu até mal
compreendido. Mas, logo depois, no debate que houve, as questões foram
colocadas no seu devido eixo. Acho que deu uma clareada nas posições de S.Exa.
acerca de algumas questões que não são muito caras. O ano passado mesmo, a
questão do financiamento da área de saúde, tivemos uma luta histórica aqui para
que não fosse subtraído do Orçamento da saúde um montante de recursos de quase
4 bilhões, que certamente iria prejudicar a saúde de um modo geral, não só na
questão dos transplantes. Foi uma luta que o nosso Presidente Rafael Guerra e com
a participação de todos os Parlamentares, de todas as entidades hoje que
representam o setor de saúde estiveram mobilizados. E agora mesmo com a
questão da pré-falência do sistema de saúde hoje no País, estamos também
mobilizados, estamos também já programando para os próximos dias algumas
outras atividades, no tocante de melhorar cada vez mais o aporte de recursos para o
Sistema Único de Saúde. Mas gostaria de poder pedir ao Presidente, e com a
generosidade dele, que demonstrou há pouco, que a gente pudesse, eu entrei com
requerimento hoje, para convidar o Coordenador Nacional do Sistema Nacional de
Transplante do nosso País. Seria importante que a gente o ouvisse. E aí é uma
sugestão que estou dando ao Presidente e que ele tem de submeter logicamente
aos nobres Pares, que nós temos várias convocações, vários requerimentos, mas
que pudéssemos antecipar o depoimento do Presidente para que muitas dúvidas,
muitos questionamentos que estão havendo, a gente já tivesse esses dados e,
inclusive, pudéssemos, após a explanação do Coordenador Nacional, inclusive para
subsidiar nossos trabalhos doravante. A questão de alguns elementos que foram
enfocados hoje aqui, a construção do Sistema Nacional de Transplante do País,
como está hoje a Unidade da Federação com unidades acerca dos transplantes,
quantos hospitais estão credenciados hoje para fazer transplante, quantos hospitais
hoje estão credenciados para fazer captação de órgãos no País, a questão dos
parâmetros que norteiam a retirada de órgãos, essa questão da morte encefálica,
que hoje é um consenso mundial e que há questionamento de alguns companheiros,
alguns Parlamentares da própria Comissão, para poder ter todos os parâmetros
elucidados, para poder ver como podemos contribuir para a gente criar normativas
que possam, inclusive, fazer com que os credenciamentos que o próprio Ministério
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da Saúde faz hoje possam ser melhorados no aspecto de a gente melhorar o
sistema de transplante no nosso País. Enfim, e poder, inclusive, enumerar número
por número, todos os transplantes havidos e acerca de transplante de rim,
transplante hepático, transplante de córnea, transplante de coração, que estão hoje
no nosso País, inclusive para a gente poder verificar quais as Unidades da
Federação, a exemplo do Distrito Federal, que tenho lido nos jornais, que está tendo
descompasso com esse evoluir que estamos tendo hoje no nosso País acerca disso.
Por isso gostaria de fazer isso, pedir a V.Exa., inclusive ouvindo os Parlamentares
que estão aqui, que a gente possa antecipar o depoimento, porque esse número vai
nos dar subsídios importantes. E aqui temos ex-Secretário de Saúde, fui Secretário,
tem aqui a presença do meu amigo Armando Raggio, que também foi Secretário de
Saúde do Estado do Paraná, para que a gente... nosso amigo e nosso companheiro,
importante também que a gente não aponte também, e deve ser um resultado da
CPI, duas vias, ou seja, a via de a gente procurar melhorar o sistema de transplante
do País, mas sem esquecer que a gente tem de fazer e a gente tem de exigir do
Ministério a prevenção para que a gente diminua as longas filas de espera que está
tendo em todos os transplantes no nosso País, ou seja, que a gente aponte, criando
uma sistemática para a gente evitar transplante de rins, que poderia ser evitado
tranqüilamente se a gente enfrentasse a questão das infecções renais, a questão do
diabetes, a questão da hipertensão arterial, que, consequentemente, vamos apontar
em duas vias para isso, ou seja, melhorar o sistema de transplante do País e ao
mesmo tempo fazer com que haja, de fato, prevenção para que a gente não tenha
que estar gastando recursos que são importantíssimos, que poderiam ser
canalizados para outras áreas da saúde pública. Era isso, Sr. Presidente, que eu
gostaria, porque eu também estou angustiado porque a gente sabe muito bem que
hoje a gente tem de retornar às bases e a gente tem horário de avião marcado e
muitas vezes algumas localidades que somos oriundos há poucos vôos e a gente
poderia perder também o nosso vôo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Agradeço ao nobre
Deputado Geraldo Resende, queria, inclusive, ressaltar que a sua participação nesta
Comissão, que está sempre presente, participando, discutindo, apresentando
convocação, requerimento. Inclusive temos em mão requerimento de S.Exa.
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solicitando convocação do Coordenador do Sistema Nacional de Transplante, Dr.
Roberto Soares. Fizemos um acordo aqui, na Secretaria, se tivesse possibilidade de
fazer votação ainda hoje extrapauta, mas tem de ser nominal e não temos quorum e
vamos colocar em votação na terça-feira, mas já vamos fazer contato com o
Coordenador a possibilidade de ele vir na quarta-feira. Então, vamos já convidá-lo
para quarta e na terça a gente vota o requerimento e a gente já pode ouvi-lo na
quarta-feira já com o devido requerimento aprovado, requerimento de S.Exa., já
estamos fazendo esse acordo. Concedo a palavra ao nobre Deputado Carlos Mota.
O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
gostaria de fazer uma observação. Não conheço e não tive ainda o prazer, o
privilégio de conhecer a obra do Prof. Volnei Garrafa, bem assim não pude
comparecer aqui no decorrer de toda fala do professor, mas lembrar que por volta de
1997, 1998, desses boatos que surgiram que foram relatados aqui, na minha região
houve preocupação muito grande com adoção de crianças. Sou de uma região muito
carente, que é o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e houve uma
preocupação muito grande, primeiro, com adoções de crianças feitas por europeus,
por italianos, alemães, que iam a minha cidade e procuravam crianças e adotavam
essas crianças. Na época, o Município preocupou-se com isso e tentou rastrear
essas crianças no exterior. Conseguiu praticamente verificar o paradeiro de quase
todas elas, recebeu fotos das famílias, mas isso criou um transtorno, porque
avacalhou, diria assim, o sistema de adoção que de alguma forma era vantajoso
para algumas famílias extremamente carentes da minha região. Em seguida,
começou pedidos de crianças a pessoas residentes em Campinas e uma assistente
social, de Campinas, não sei se anonimamente, avisou à cidade de Minas Novas,
que tinha dúvida quanto aos verdadeiros motivos que essas famílias, esses casais
de Campinas estavam demonstrando em relação a essas crianças do meu
Município. O Município então começou a fazer quase um veto, quando aparecia
alguém que queria adotar criança da região, sem que houvesse um procedimento
legal. Mas a mera suspeita fez com que desestimulasse essas adoções. Gostaria de
saber de V.Sa. se nesses estudos se o senhor já deparou com algo ou suspeito ou
já intuiu sobre a possibilidade do sistema de adoção ser um banco de órgãos e se
haveria necessidade de nós criarmos na legislação, que trata da adoção, uma
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espécie de rastreamento permanente e um recenseamento, até diria, porque você
adotar o filho nem sempre os vínculos afetivos são estabelecidos ali e nessa
capacidade humana de chegar a absurdos, que são inimagináveis, sempre carreguei
comigo essa preocupação, se não haveria necessidade, até para que o instituto da
adoção que eu defendo, sou de uma região pobre, possa realmente funcionar. Hoje
há uma dúvida na minha região, pessoas extremamente carentes que deixam os
filhos, às vezes até no abandono, e são desestimuladas a aceitar a questão da
adoção, sobretudo por receio do futuro, do destino dessa criança. É o que eu
gostaria de ouvir de V.Sa.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, fico muito contente de o senhor
levantar essa questão. Esse é um tema que me preocupou durante muitos anos.
Quando a Procuradoria Geral da República, há uns 3 anos atrás me chamou, o tema
era esse. Na época, fizemos a seguinte sugestão. E essa opinião também é
compartilhada com o professor italiano, nós fizemos esse livro juntos. É claro e eu
também sou favorável às adoções. É muito melhor que uma criança que esteja na
rua, sofrendo, que ela fique num cálido lar no estrangeiro do que na rua aqui no
Brasil. Agora, acho que o Brasil tinha que criar um rigor. Estou de acordo
inteiramente com o senhor no sentido de, em caso de adoção para estrangeiros, os
nossos consulados no exterior deveriam seguir essa criança pelo menos num
espaço de 3 a 5 anos, para saber como é que elas estão. Ter um acompanhamento,
sabe? Porque hoje em dia é tanta coisa, essas questões de pedofilia em países
como Bélgica e outros. Então são coisas tão escusas. Eu resisto, sabe, como
pessoa, como ser humano, como cristão, eu resisto a pensar nessa possibilidade de
adotar uma criança para retirada de órgão.
O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Eu gostaria de introduzir uma
observação, professor, se o Presidente permite, que havia certas atitudes que ou
causavam um sentimento de crença absoluta em valores elevadores e valores
humanos ou então gerava desconfiança, porque, às vezes, os casais — o que não é
habitual —, adotam crianças, às vezes, deficientes, crianças deficientes físicos, um
casal na Europa ou lá em Campinas... Claro que poderia ser realmente esse casal
movido por um sentimento altruístico. Mas, pela lógica das coisas, de modo que eu
acho que talvez esta Comissão pudesse, dentro disso — foi bom ouvir e saber que o
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senhor compartilha dessa preocupação —, um grande serviço que a Comissão
prestar seria instituir ou indicar ou formular uma modificação na nossa lei,
principalmente na lei civil que trata de adoção, estabelecendo, talvez, essa sugestão
de obrigar o Poder Público a rastrear, por algum tempo, com contatos, com visitas,
com atestado de vida e residência, criando um dispositivo que possa... Eu acho que
uma norma dessas iria inibir eventuais adoções feitas com o propósito de retirada,
de assassinato, não é, de crianças, de jovens, para o abastecimento do mercado de
órgãos. Um dia vi na revista e fiquei espantado com um cidadão que fez uma
estimativa de quanto vale um ser humano se fossem doados todos os seus órgãos.
Saiu numa revista dessa aí, Superinteressante, se não me engano.
(Não identificado) - Trezentos mil dólares?
O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Trezentos milhões de dólares. É coisa
espantosa. Essa era a observação que gostaria de fazer, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, nobre
Deputado Carlos Mota. Concedo a palavra ao nobre Deputado Rafael Guerra.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Sr. Presidente, depois do entrevero,
nosso convidado acabou ficando sem responder a algumas questões que V.Exa.
tinha feito. Acho que era importante. Gostaria que o senhor esclarecesse bem a
questão relativa à eutanásia, à morte encefálica e o que o senhor disse de morte
caridosa, alguma coisa assim, porque isso, para um leigo, é uma coisa muito
complicada. Acho até que o senhor, como especialista, tem condições de esclarecer
até muito melhor do que eu. Eu sou cirurgião, não sou especialista em morte e
diagnóstico de morte. A gente procura salvar. Fiquei preocupado, porque, a
eutanásia, no meu modo de entender — se eu estiver errado, o senhor me corrija —,
se houver um diagnóstico de morte acefálica, não se trata de eutanásia. Morte
encefálica é morte. Quer dizer, hoje há meios artificiais na Medicina. O doente que
está com morte encefálica, com a pressão arterial muito baixa, há condições de se
manter a circulação, elevar a pressão, fazer com que o rim continue produzindo
urina. Isso não quer dizer que a pessoa está viva, porque se a pressão cair abaixo
de 7, 6 ou 5, pressão arterial máxima, o rim pára de filtrar. O rim não morre junto
com cérebro. O rim pode morrer 12 horas depois. Não sei quantas horas. Isso é que
não consigo definir bem. O que eu entendo é isso — se eu estiver errado, o senhor
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me corrija —: morte encefálica é morte. No caso da morte encefálica, quando está
se tirando o órgão, quer dizer, o que se considera no País, na Medicina e na lei é
que a morte encefálica é morte. A eutanásia não é permitida no País em hipótese
nenhuma. Também não se confunde com o que o nosso convidado estava dizendo
em relação a não dar antibiótico a uma pessoa que está grave. Não é a mesma
coisa, há uma diferença. Por exemplo, um doente terminal de câncer que já está
com falência de múltiplos órgãos, que está com uma série de problemas, de um
jovem de 18 a 20 anos atropelado. Esse jovem a gente faz todo o possível, por
exemplo, para recuperar um rim, para manter o seu coração batendo para ver se dá
tempo de o cérebro diminuir o edema. Agora, um paciente que está em fase terminal
de câncer, não tem nenhum sentido procurar fazer o rim dele funcionar para ele
sofrer mais. Acho que o senhor falou em morte caridosa nesse sentido. Quer dizer, o
paciente está em fase terminal, então não há sentido fazê-lo sofrer mais, fazer seus
familiares sofrerem mais, porque a ciência não tem como salvá-lo. Então, o senhor
veja um outro exemplo: um paciente que tenha uma outra doença grave, pode ser
em fase terminal de câncer mesmo, isso está consumindo as células do sangue do
paciente. Não tem sentido ficar dando uma transfusão de sangue dia sim, dia não,
para que ele fique mais tempo com câncer. O que entendo é isso, que a ética
profissional, a ética médica não obriga a usar meios extraordinários ou artificiais
para manter a vida de uma pessoa que não tem condições de sobreviver. Entendo
dessa forma. E separo a questão da eutanásia, que é proibida, e que eu não
defendo. Aí tenho uma posição diferente da do professor, talvez até pela própria
origem religiosa também. Eu sou católico e na nossa Igreja, para os cristãos em
geral, a eutanásia é rejeitada. Então a minha formação, não é simplesmente pelo
fato de ser católico, a minha formação, desde os 5 anos de idade, me leva nesse
caminho. Isso é outra coisa. Então a eutanásia, não se faz a eutanásia no Brasil.
Não é permitida. Não tem nada a ver com a morte encefálica. E não usar meios
extraordinários não é eutanásia, é não prolongar o sofrimento da pessoa. O senhor
estava perguntando nesse caminho sobre a eutanásia. Aí houve o entrevero e o
senhor acabou não respondendo. Gostaria que nos orientasse também como
professor de Bioética.
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O SR. VOLNEI GARRAFA - Obrigado, Deputado. Até estava preocupado,
porque esse é um tema muito delicado e se a gente deixar ele meio solto parece que
a gente disse certas coisas... Até lhe agradeceria, mais uma vez. As perguntas
anteriores que o senhor me fez me permitiram esclarecer certas coisas que a gente,
às vezes, de repente, solta, não com rigor. Mas, enfim, acho que ficaram claras. E
eu lhe agradeço. Sim, mas eu devo lhe dizer que, dentro do nosso campo da
bioética. — o Prof. Siqueira está aqui presente —, o primeiro Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Bioética é um padre. É o Padre Leo Pessini, que é uma
figura extraordinária, nosso amigo pessoal. Eu presidi o Congresso Mundial de
Bioética, há 2 anos atrás. Foi aqui em Brasília. Ele foi o Vice-Presidente. Foi a
pessoa que... Somos realmente muito ligados. O Leo defendeu a tese de doutorado
dele — uma tese maravilhosa, exatamente sobre a distanásia. A palavra “distanásia”
é uma palavra inclusive de origem da Igreja católica. Distanásia é o prolongamento
artificial da vida sem necessidade. Então, o Leo trabalha, com muita propriedade,
essas coisas. Quando a gente fala pessoalmente: “Leo, e a questão da eutanásia
mesmo?” A Colômbia, Deputado, já aprovou, e o Uruguai, surpreendentente, tem
isso aprovado desde 1930. E o que eu queria me referir — aí eu lhe agradeço
porque esse espaço permite esclarecer — é ao tema da despenalização da
eutanásia passiva. É complicada a despenalização da eutanásia passiva. Quer
dizer, pela lei brasileira, pelo Código Penal de 40, se alguma família entra na Justiça
contra um médico que, de repente, poderia ter prolongado por mais 15 dias a vida,
pode dar problemas para esse médico. Ninguém entra, felizmente, ninguém entra.
Não é? Porque o médico tem o bom senso de deixar essa coisa acontecer. Mas, há
alguns anos atrás, um colega nosso de São Paulo — que é um dos grandes
infectologistas deste País, o Caio Rosenthal —, o Caio escreveu um artigo na Folha
de S. Paulo dizendo: “Olha, eu deixei meu pai morrer, porque eu não agüentava
mais”. O Caio tem essa opinião parecida com a minha. Um Promotor lá do interior de
Pernambuco processou ele. Ele se chateou 6 anos por causa dessa história. (Risos.)
E sabe? É um negócio terrível. E ele tinha sido generoso com o pai dele, porque ele
não agüentava mais ver o pai dele sofrer. Quer dizer, ele não investiu mais. É isso
que o senhor está dizendo. Mas há uma sutileza nessa terminologia que é
importante, não é? Isso que eu acho... Eu só aproveitei o espaço, a partir da
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pergunta do Presidente, mas é que eu acho que seria importante o Congresso,
quem sabe, discutir. Eu não sei se nós estamos moralmente preparados para que
isso avance; mas, de qualquer maneira, discutir. A gente tem que discutir. É a
moralidade que vai cambiando com os tempos, não é? Na Colômbia, foi
surpreendente: o Congresso colombiano discutiu isso, em 98, e acabou aprovando
inesperadamente a despenalização da eutanásia passiva, porque ela era passiva de
crimes lá, como aqui no Brasil é também. Agora, eu acho importante a sua
intervenção e dizer o seguinte: não tem nada a ver eutanásia com morte encefálica.
(Risos.) Morte é morte, não é? Morto é...Eutanásia é você deixar levar uma pessoa
para aquele caminho. Então, acho que fica claro isso aí. Estou à disposição, se
alguma dúvida mais pairar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Concedo a palavra ao
nobre Deputado Pastor Pedro Ribeiro.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Dr. Volnei Ribeiro, tivemos
no decorrer de todo o processo de conversação e de diálogo informações profundas
e importantíssimas. Estas aí, por exemplo, que ficaram muito claras. Eu diria que é o
“projeto do lindo” (risos), porque aí temos que lançar esse projeto. Mas eu quero
fazer perguntas pontuais para embasamento do nosso relatório. Como o senhor
define tráfico de órgãos humanos? Eu vou fazer logo todos, depois o senhor... Quais
as modalidades de tráficos de órgãos existentes? Existem pactos internacionais que
proíbam o comércio de órgãos? Pactos internacionais.
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Não, pactos entre nações,
que o tratado pode ser individual, não é? Pactos. Tem conhecimento, doutor, de
uma legislação, de algum País que permita a comercialização de órgãos? E quais os
pontos da Lei do Transplante do Brasil que favorecem ou favoreceram o comércio
de órgãos? Quais os pontos da Lei do Transplante do Brasil que favorecem ou
favoreceram ou permanecem favorecendo o comércio de órgãos humanos? São
esses pontos.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Definição de tráfico de órgão, eu acho que é
quando existe o usufruto de alguém com perda, com abuso para o outro. Quando
existe também trocas monetárias, no meio dessa questão. Eu acho que esse tráfico
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pode ser interno no País ou para o exterior. Existem casos pontuais. Então, o que
nós conseguimos levantar nesses — realmente anos — olha, eu fiquei muito tempo
dentro de biblioteca para fazer esse livrinho aí. (Risos.)
O SR DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Imagino.
O SR. VOLNEI GARRAFA - É muita revisão. (Risos.) Então, o que nós
conseguimos foi isso aí. Foi isso aí. Foi bem recebido na Itália. As pessoas ficaram
chocadas um pouco, porque elas se deram conta de que essa coisa parecia que era
muito marginal e só de imprensa sensacionalista. De repente, nós encontramos
muitos casos mencionados na literatura, como esse do Sr. Giovanni Berlinguer e
assim como muitos outros, mas sempre marginais. Então, a definição acho que é
isso aí: quando há troca, quando há benefício de um e sofrimento ou perda de outro
e há ganhos materiais, enfim. Sobre a questão das modalidades de tráfico. Acho que
coloquei na minha apresentação mais ou menos, e estou deixando aqui, a
classificação que a gente fez, que algumas pessoas dão e o que nós entendemos, a
nossa posição, que é absolutamente contrária à questão de qualquer forma de
mercantilização, mesmo que exista uma dificuldade. É por isso que o Estado tem
que prevenir; se antecipar, para que uma pessoa vulnerável não tenha que chegar a
esse ponto, a essa tristeza de uma situação desse tipo. Se existem pactos entre
nações contra o tráfico, não conheço. Sei que a Índia tomou realmente uma decisão
bastante dura, porque estava havendo realmente uma corrida muito forte para
transplantes renais serem feitos na Índia.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Na sua visão, seria bom,
quem sabe a partir desse nosso trabalho, se se levantasse essa visão de um pacto
internacional contra isso? Porque, veja bem o caso de Pernambuco e o senhor citou
a Índia. O caso de Pernambuco — agora ficou claro que havia um desrespeito.
Quem sabe, se lá para eles não pesa, porque não conhecemos a legislação — por
sinal, já temos aqui o nosso cooperador, o médico que nos ajuda, já levantando isso
aí —, mas para nós não vale nada, vamos buscar no Brasil. Se houvesse, quem
sabe, um trabalho em torno desse pacto, haveria mais respeito às leis. Talvez se
coibisse essa expansão, essa intenção de eles entrarem nos outros países para
fazer isso aí.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, acho que prevenir nunca é mal.
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O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - É verdade.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Se um pacto desse tipo pode ser preventivo,
acho que mal ele não vai fazer, já que ele vem exclusivamente para o bem.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Mas é oportuno?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Acho que é oportuno. Se, por exemplo, a
Comunidade Européia, que sabe que existe alguma ... O Prof. Berlinguer agora é
candidato — inclusive está com 80 anos; estive com ele, quando estive na Itália,
alguns dias atrás — a eurodeputado. Ele certamente seria uma pessoa que seria o
interlocutor numa questão dessas, digamos, a nível de Comunidade Européia,
exatamente para proteger os vulneráveis. Acho que, nesse sentido, seria uma coisa
afirmativa. Tendo dito, Deputado, que assim como nós — nós, espécie humana
— construímos em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com tanta
tecnologia agora que está vindo, com células-tronco, essa coisa toda, acho que está
na hora de a comunidade internacional das nações elaborar uma espécie de
estatuto da vida, onde coisas como essa passem a ser contempladas no sentido de
prevenção, porque certamente não vai ter o poder de lei, mas tem poder moral muito
grande sobre as nações e sobre as pessoas. Acho que essas coisas... O lado
negativo disso aí tem que ser realmente denunciado, tem que ser definido o que não
se quer e se é possível estabelecer mecanismos para que isso seja evitado,
prevenido, acho que é importante. É importante também, nisso tudo... Certamente,
isso que vou dizer é chover no molhado. A importância desta CPI acho
extraordinária, mas é importante... A responsabilidade de todos os senhores é
extremamente grande. Porque é muito importante que as coisas saiam muito bem
dosadas daqui, para que isso não se transforme em temor para a população e que
não venhamos, com a melhor das intenções, atrapalhar esse campo promissor, que
é generoso, que, enfim, ajuda tantas famílias e tantas pessoas a diminuir o seu
sofrimento, que é o campo dos transplantes de órgãos. As pessoas não podem
entender que isso é uma questão que vai contra isso. Não é. Vai a favor, e tenho a
certeza de que os senhores têm isso muito claro. Quando falo sobre esse tema,
tomo muito cuidado porque sou meio empolgado e, às vezes, conforme quem
escuta, acha que eu sou contra transplante de órgão. E não é. Então, acho que a
gente tem de ter muito cuidado porque, de repente, você quer fazer um bem e está
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causando pânico nas pessoas. Isso aí eu acho complexo. Legislações que
permitam... Não, eu acho que não existe. O problema é que os grupos que fazem
esse tipo de comércio procuram furos nas legislações. O senhor sabe que sempre
tem. Essa questão do doador vivo não-parente no Brasil acho que é pela fragilidade
da sociedade brasileira, onde um terço da população não tem acesso aos bens de
consumo mais básicos e acaba tendo que vender. Dentro da nossa realidade... Uso
muito esse exemplo com os meus alunos: a diferença entre ética e moral. A ética é
do grego ethikós, que significa modo de ser, modo de proceder das pessoas. Os
romanos, que vieram um pouquinho depois e criaram o Direito romano, quando
resolveram criar as primeiras leis tomaram a seguinte decisão. “Bom, qual é a lei
boa? A lei boa é aquela que exprima aquilo que a maioria pensa.” Como eles não
tinham o ethikós, do grego, usaram o mores, do latim, que é moral. Alguns autores,
alguns filósofos consideram ética e moral como sinônimos. Ethikós é o modo de ser,
o modo de proceder e mores é hábito, costume, aquilo que é costumeiro, aquilo que
é habitual. São mais ou menos iguais. Agora, os hábitos e os costumes vão
mudando com o tempo e não adianta a lei querer avançar além dos hábitos e dos
costumes de uma nação. O problema da doação presumida de órgãos não deu certo
por isso. A idéia era muito boa, mas não estávamos preparados para isso. Então,
essa questão da doação, por exemplo, inter vivos não-parentes num país como o
Brasil, com tanta fragilidade social... Acho que essa é a razão que não deveria
constar da lei. Não é que seja ruim. Se todos fossem pessoas autônomas...
Certamente uma pessoa com todas essas posses não iria doar um rim para uma
pessoa que ele nunca viu na vida. Poderia até, eventualmente... Quando o
Deputado, que saiu, lembrou o caso de pessoas que adotavam crianças
paraplégicas, por exemplo...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Ele está ali.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Desculpe, Deputado. Mudou de lugar, não é? O
senhor sabe que isso é uma coisa que me preocupou muito. Tive notícia e constatei
que alguns casais europeus estavam adotando... Depois tive um exemplo concreto.
Aquele jogador de futebol, o Roberto Carlos, tem um filho adotivo paraplégico — e
Down, inclusive. Tem pessoas que tem uma... Acho que não chegaria a tanto nível
de generosidade, mas tem pessoas que têm esse nível de generosidade. Acho que
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a gente tem que pensar um pouco afirmativamente. Essa questão da moralidade é
fundamental. Não é que a lei brasileira do doador vivo não-parente seja ruim; acho
que ela não é compatível com nosso momento de desenvolvimento sociopolítico,
cultural e principalmente econômico, porque vulnerabiliza os mais fracos. Essa é a
questão. Não conheço legislações que permitam isso; não conheço, realmente. Mas
acho que as pessoas mal-intencionadas aproveitam os furos da lei e usam isso aí.
Pontos da lei que favorecem o mercado. Como a este aqui já me referi, quero
reforçar talvez essa questão do doador vivo não-parente e, em segundo lugar, acho
que a lei deve ser bastante rigorosa. Ela é, mas essas coisas às vezes têm que ir
para a prática. É a questão que o Deputado Rafael Guerra levantou do controle da
morte encefálica nos bons hospitais. Isso aí acho que tem de ser rigoroso. E a
questão do controle das listas. Numa ocasião, fui convidado para dar uma
conferência em Rio Preto pelo Dr. Agenor Spallini Ferraz, um grande brasileiro,
quando o programa de Ribeirão Preto, que se chama Interior Transplantes,
completou 10 anos. Isso foi em 1998 — já faz alguns anos. Fiquei extremamente
impressionado com o que eles fizeram lá. Até recomendo o nome desse homem —
Agenor Spallini Ferraz. Ele foi quem implantou o sistema de transplante no Estado
de São Paulo. Acho que foi dois Governos anteriores. Ele tem uma experiência
prática muito concreta em Ribeirão Preto. Eles começaram o sistema da lista única.
No sistema de Ribeirão, cada pessoa tem uma pontuação. Cada caso tem uma
pontuação: a idade do paciente, a distância de onde ele mora para o centro, as
questões imunológicas. E, dentro dessa pontuação, tem um número, e aquele
número vai dar o lugar para ele na lista. Todos são anônimos e não há maneira de
furar a lista. E o controle é um controle social, que está na mão das famílias, etc.,
etc. Vejam que é possível a gente colocar essas coisas com correção se a lei é
levada a sério, se ela for bem aprimorada. Então, deixaria como última palavra as
suas questões. E, se ficou alguma coisa pendente, o senhor, por gentileza, me
argua. Acho que seria um bom momento de uma revisão na legislação e não no
sentido de destruição. A legislação brasileira não é ruim; ela é boa. Diria até mais:
ela é muito boa, mas precisa de alguns ajustes. E, na medida em que alguns anos
passarem e que experiências novas venham sendo acumuladas, ela pode ser
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ajustada no sentido de melhorar essas pequenas distorções que eventualmente
tenham ocorrido.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Até diria, Prof. Volnei, que
além de a lei ser boa, apesar dos ajustes que necessita, o principal é o controle.
Como em todas as coisas no Brasil, temos boas leis. Elas não acontecem porque
ninguém controla, ninguém respeita.
O SR. VOLNEI GARRAFA - A priorização econômica para o setor sanitário...
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Daí vêm essas coisas
todas. Quero agradecer a sua contribuição inestimável, importantíssima. Queria até
pedir a esta relatoria, solicitar disponibilidade para que em algumas questões, quem
sabe pontuais ou genéricas sobre essa área, que em nosso relatório o senhor
pudesse estar ao nosso alcance para que pudéssemos gozar, mais uma vez, do seu
conhecimento, da bagagem que o senhor nos traz. Esta relatoria se sente muito
satisfeita com sua participação.
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu é que agradeço. Fico muito honrado de estar
aqui, nesta Casa — mais uma vez reforço isso — absolutamente à disposição. E
mais: em nome da Sociedade Brasileira de Bioética... Várias pessoas estão aqui
presentes, como o Prof. Siqueira, que é um grande cardiologista... A sociedade está
à disposição: o Padre Leo Pessini, pastores, rabinos. A nossa sociedade é
absolutamente pluralista: temos pecadores, santos, ateus, cristãos, enfim, e
convivemos pacificamente, nos toleramos, nos respeitamos. A sociedade está à
disposição. Temos um corpo, hoje, de mais de 600 associados e, se for necessário,
qualquer colega nosso, facilitaremos todo o possível para estar à disposição desse
importante trabalho. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Saindo do campo da
ética, da Justiça, e entrando no campo bíblico, a Bíblia diz, professor, que não há um
justo sequer; todos pecaram. Então, não tem pecadores e santos. Todos nós
carecemos da graça de Deus. Nós agradecemos...
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Só uma observação, Presidente,
antes de terminar. Queria cumprimentar o nosso convidado e dizer que a
contribuição dele foi importantíssima. Estabelecemos aqui um debate bem aberto,
bem franco, que esclareceu pontos que acho fundamentais. A pergunta que V.Exa.
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fez a ele — o que é tráfico? Tráfico é o comércio proibido. O tráfico de drogas... É
comprar e vender coisa que não pode no Brasil. Devemos, reforçando o que o
professor disse, aperfeiçoar a lei de transplantes, a normatização, a lista única, que
está funcionando bem melhor do que quatro, cinco anos atrás, e discutirmos... Esta
é a contribuição que a nossa CPI pode dar ao País: discutir a questão do comércio.
Estava perguntando a algumas pessoas que talvez entendam mais do que eu e não
existe lei que proíba isso no Brasil — o comércio de órgão. Primeiro, hoje seria
possível córnea e rim, porque o resto, morre — fígado, coração...
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - É difícil. Ah, medula óssea. Está
certo. Nesses 3 casos, exatamente. Nos outros casos, não é nem tráfico nem
comércio, é assassinato — roubo, seqüestro ou assassinato. Se for usar o coração
de alguém, é assassinato. O tráfico é o comércio proibido. Temos de discutir a
criação de uma legislação que impeça o comércio. Não quer dizer que, com isso,
vamos conseguir impedir, mas pelo menos vamos ter um instrumento legal. Nesse
sentido, Presidente, a preocupação que o professor também manifestou, e que
talvez o Ministro tenha dito, que a CPI pudesse prejudicar o transplante... Confesso
que até eu cheguei a pensar nisso dessa forma no começo da questão. Em seguida,
surgiram os fatos de Pernambuco e passei a avaliar que era importante que a gente
estivesse trabalhando para mostrar que a nossa Casa está atuando, para poder
melhorar a legislação e para contribuir. Nesse sentido, se a gente souber fazer esse
tipo de trabalho, com contribuição como a que o professor deu aqui hoje, acho que a
gente não vai prejudicar em nada o transplante de órgãos — a gente vai tranqüilizar
o cidadão brasileiro de que há uma legislação, que há uma norma, que há
segurança. É nesse sentido que estarei aqui sempre contribuindo para que esta CPI
possa contribuir para o nosso País. Defendo um pouquinho, embora não seja nem
do partido do Ministro, o que ele disse. Porque essa preocupação poderia haver
realmente, se o nosso trabalho não estivesse sendo conduzido da forma como
V.Exa., o Relator e os nossos convidados estão conduzindo. Acho que não vai haver
nenhum problema. Vamos melhorar e contribuir. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, nobre
Deputado Rafael Guerra. O Pastor Frankembergen tem a palavra.
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O SR. DEPUTADO PASTOR FRANKEMBERGEN - Sr. Presidente, gostaria
até de pedir desculpas porque tive que sair. Começamos aqui na audiência, mas
tivemos de sair para participar de uma reunião conjunta no Senado, importante para
o nosso Estado. Quero aqui pedir minhas desculpas, já que deveria permanecer
aqui na Casa, já que fui o autor do requerimento convidando o Prof. Volnei. Mas
quero aqui somente agradecer a presença do professor. Com certeza, não pude
assistir e participar da audiência como um todo. Mas, pelas declarações dos nobres
pares, com certeza foi de grande contribuição para esta Comissão. E não será
somente hoje, como o nobre Relator, Pastor Pedro Ribeiro, solicitou que em outra
oportunidade V.Sa., juntamente com a sua equipe, poderão contribuir para que o
relatório desta Comissão seja um relatório que venha realmente contribuir para a
nossa Nação, principalmente com relação a essa questão do transplante. Então, eu
quero agradecer. E muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Queremos agradecer ao
Prof. Volnei e a toda sua equipe que se faz presente aqui nesta audiência pública;
dizermos da satisfação de tê-lo aqui conosco, a sua colaboração, o material que
está disponibilizando para a Comissão Parlamentar de Inquérito que, com certeza,
vai enriquecer muito o relatório e vai servir de base para que os nobres
Parlamentares possam se aperfeiçoar sobre o assunto, para que nós possamos,
através dos serviços prestados por esta Comissão Parlamentar de Inquérito, no final
dos trabalhos, realmente oferecermos uma proposta séria, contundente para o
Sistema Nacional de Transplantes que venha beneficiar principalmente aqueles que
estão nas filas dos transplantes durante todo esse tempo. Eu... na verdade, aquela
hora em que houve o problema, o impasse, eu ia fazer uma pergunta ao professor, e
não sei se ele tem a resposta para me dar, mas eu queria... Não sei se o senhor tem
o dado, como estudioso do assunto — só para encerrar também essa parte aqui,
professor —, o Brasil é o segundo país maior transplantista do mundo. O primeiro
são os Estados Unidos. Qual é o tempo de... o senhor sabe, através de estudo, qual
o tempo médio, na fila de espera, de uma pessoa nos Estados Unidos?
O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu não sei. Mas eles têm dificuldades também.
Eu conheço, por exemplo, um artigo científico feito em Los Angeles que a doação
era muito baixa. E, por exemplo, em comunidades negras, em comunidades
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hispânicas, havia muita rejeição à doação. Então, eles começaram a fazer
programas públicos de incentivo, e tal. Eles estavam com 13, 14, conseguiram pular
para 20 e poucos. Mas tem fila. É claro que é um tempo menor do que o nosso.
Quem está, realmente... o país que é exemplar na questão da doação, da rapidez,
da captação, é a Espanha. Realmente, é o país que... eles têm quase o dobro de
índice de captação do que nos Estados Unidos, por incrível que pareça.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, Prof. Volnei,
pela participação, pela colaboração aos membros desta CPI. Muito obrigado. Que
Deus possa abençoá-lo e continuar inspirando, por meio do estudo, juntamente com
a equipe, sobre o assunto. Nós temos alguns requerimentos em pauta,
requerimentos do Pastor Pedro Ribeiro. São 3 requerimentos. E nós vamos até pedir
aos nobres Parlamentares... fazer a proposta que esses requerimentos sejam
votados em bloco. Requerimentos nºs 27, 28 e 29, do Deputado Pastor Pedro
Ribeiro. (Pausa.) Não havendo quem queira se opor à proposta, então vamos
colocar em votação os Requerimentos nºs 27, 28 e 29, do Deputado Pastor Pedro
Ribeiro: Requerimento nº 27/04, do Sr. Pastor Pedro Ribeiro, que "solicita a oitiva do
Dr. Sérgio Raimundini Cavechio, Coordenador da Central de Notificação, Captação
e Distribuição de Órgãos e Tecidos do DF”; Requerimento nº 28/04, do Sr. Pastor
Pedro Ribeiro, que "solicita a oitiva do Dr. Helcio Luiz Miziara, Chefe do Núcleo de
Anatomia Patológica do Hospital de Base de Brasília”, e Requerimento nº 29, do Sr.
Pastor Pedro Ribeiro, que "solicita a oitiva do Diretor do Hospital de Base de
Brasília, Dr. Aloísio Toscano França”. Para encaminhamento da matéria, o nobre
Deputado Pastor Pedro Ribeiro.
O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Sr. Presidente, realmente
sendo prático, em razão até de estarmos observando os 3 juntos — e V.Exa. já leu a
ementa —, e eu vejo que há plena concordância, então são estes os requerimentos
que apresento. E agradeço pelo apoiamento.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Deputado Rafael Guerra.
O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Eu ia dispensar a justificativa, até
porque está aprovado, não há nenhuma dúvida.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Em discussão a matéria.
Não havendo quem queira discuti-la, coloco em votação. Os Deputados que a
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aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovada. Não havendo mais
quem queira fazer uso da palavra, esgotados todos os assuntos e tratados,
agradeço a presença de todos e declaro encerrada esta reunião.