CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - ALCAEVENTO: Audiência Pública N°: 0396/04 DATA: 27/4/2004INÍCIO: 15h07min TÉRMINO: 17h36min DURAÇÃO: 02h29minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h48min PÁGINAS: 53 QUARTOS: 30
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
MARCOS DOMAKOSKI - Presidente da Associação Comercial do Estado do Paraná.MARCOS SAWAYA JANK - Presidente do Instituto de Estudos do Comércio e NegociaçõesInternacionais — ICONE.
SUMÁRIO: Debate sobre os impactos no Brasil da implementação da ALCA.
OBSERVAÇÕES
Houve exibição de imagens.Há intervenções fora do microfone. Inaudíveis.Há oradores não identificados.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
1
O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Ezequiel) - Havendo número
regimental, declaro abertos os trabalhos da 9ª reunião da Comissão Especial
destinada ao acompanhamento das negociações da ALCA, a Área de Livre
Comércio das Américas.
Encontram-se sobre as bancadas cópias da ata da 8ª reunião.
O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sr. Presidente, solicito a dispensa da
leitura da ata da reunião anterior.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Ezequiel) - A solicitação de V.Exa.
será atendida, nobre Deputado, desde que não haja objeção. (Pausa.)
Em discussão a ata. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, em votação.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Peço a atenção dos presentes para as normas regimentais estabelecidas
para as reuniões de audiência pública.
O tempo concedido a cada palestrante será de 20 minutos, durante os quais
não poderá ser aparteado. Naturalmente, seremos generosos no cômputo desses 20
minutos. Como todos queremos absorver as informações dos convidados,
obviamente uma certa condescendência será considerada. Os 20 minutos a que me
refiro são o prazo regimental.
Os Deputados interessados em interpelar os convidados poderão se inscrever
junto à Secretaria da Comissão. S.Exas. têm direito a réplica e a tréplica, no mesmo
prazo da resposta dada pelo convidado.
Observo que ausência do Deputado José Thomaz Nonô, Presidente desta
Comissão, se dá por causa de seu deslocamento para uma missão fora desta Casa.
Por sua vez, a Deputada Maninha, nossa Relatora, recebe neste momento uma
delegação de Parlamentares do Canadá.
Dito isso, concedo a palavra ao Sr. Marcos Domakoski, Presidente da
Associação Comercial do Estado do Paraná.
O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Boa-tarde, Exmo. Sr. Presidente, Deputado
Edson Ezequiel, e demais componentes desta Comissão Especial presentes neste
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
2
recinto. Ao saudar a Deputada Dra. Clair, representante do meu Estado neste
plenário, cumprimento todos os Deputados que aqui se encontram.
Agradeço, Sr. Presidente, o privilégio de ser convidado para participar de um
debate genuíno que, ao incluir a sociedade civil, expressa a sensibilidade dos
Parlamentares acerca do ideal democrático de que o Governo não tem mandato
para realizar acordos internacionais que firam a nossa soberania. É muito claro para
nós que o Governo Lula resgatou a idéia de soberania, e a política externa por ele
implementada é reflexo expressivo disso.
No que diz respeito à globalização, o nosso País está entrando pela porta da
frente, quando incomoda os americanos ao conseguir desenvolver tecnologia
própria para o enriquecimento do urânio e não abre mão dos seus segredos
estratégicos; quando, na concorrência para a compra de caças supersônicos para a
FAB, busca fortalecer a indústria nacional, como a EMBRAER, e rejeita
equipamentos que não garantem transferência tecnológica; quando se posiciona
contrariamente à guerra do Iraque; quando, na área espacial, aproxima-se dos
russos e dos ucranianos nos lançamentos da Base de Alcântara e para a construção
de foguetes. Também incomodamos os americanos quando propomos uma ALCA
menos abrangente do que a proposta por Washington.
(Segue-se exibição de imagens.)
Mas o que é a ALCA? Para defini-la, vou me apropriar das palavras de
Ricupero: “Nada é mais difícil do que falar sobre um projeto que poderá nunca sair
do papel”. É diferente quando se analisam entidades já existentes, como a NAFTA
ou o MERCOSUL.
No caso da ALCA, o que temos diante de nós é proposta que originou um
processo de negociação ainda não concluído, de futuro incerto. A proposta de
incentivar o livre comércio entre as nações é tentadora. Porém, falar em livre
comércio no momento em que os Estados Unidos reforçam a sua política
protecionista soa da seguinte maneira: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu
faço”.
É importante, pois, deixar de lado qualquer tipo de romantismo ingênuo e
entender que a ALCA poderá representar um marco jurídico que dará legalidade à
liberdade de ação para as 500 maiores empresas americanas, ou seja, pode
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
3
representar a ampliação do domínio do capital, contrariando os interesses da nossa
economia.
Vários estudos, ao afirmarem que é impossível existir comércio justo entre
países com diferenças tão gritantes, fundamentam estas palavras de Osvaldo
Martínez, Diretor do Centro de Investigações da Economia Mundial: “Numa primeira
aproximação, a ALCA é um projeto de integração entre o tubarão e as sardinhas”.
Os Estados Unidos, sozinhos, na condição de potência hegemônica mundial,
controlam 80% do PIB do continente, enquanto o Brasil detém cerca de 5%. Diante
de tamanha assimetria, a tendência natural é a de que os Estados Unidos engulam a
economia latino-americana, causando falências de empresas, demissões em massa
e aumento da miséria, o que, no nosso entendimento, agravaria os já alarmantes
índices divulgados pelo IBGE acerca de capacidade ociosa, em termos de falência, e
principalmente em relação à miséria.
Entendo que a ALCA cristaliza vários pesadelos, mas acho que não adianta
apenas ficarmos afirmando que o nosso concorrente é perigoso. Considero urgente
construirmos gaiolas apropriadas para pegar tubarões. Penso que a melhor
abordagem do problema seria através da tentativa de diagnóstico.
Pois bem. Vamos à realidade: a ALCA colocaria em confronto direto, ainda
que gradualmente, as megaempresas multinacionais americanas e as empresas
brasileiras, dentro das seguintes condições. (Pausa.)
Peço escusas aos presentes, pois eu gostaria de mostrar uma lâmina que
sintetiza os principais pontos que abordarei neste diagnóstico, o que não será
possível. Tentarei improvisar, lendo o texto e depois discorrendo sobre cada um dos
6 pontos que mencionarei no diagnóstico.
O primeiro deles é uma constatação: o Brasil exibe alto grau de
vulnerabilidade externa, possui estrangulante dívida e sente o recrudescimento de
tensões populares.
Com base nessa afirmação, tecerei alguns comentários. Por exemplo: quanto
ao superávit primário de 4,25%, ainda nesta semana foi anunciado um novo recorde.
Na verdade, tal superávit não permite que o Governo faça investimentos em infra-
estrutura, tão necessários para dar competitividade ao nosso País. Não permite
também eficientes políticas setoriais, industriais e tecnológicas.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
4
O montante de juros da dívida pago em 2003 é de 145 bilhões de reais, o que
equivale a aproximadamente 275 mil reais de juros por minuto.
Os investimentos em setores de infra-estrutura e indústria de base caíram
significativamente no ano passado: foram 50% menores.
A nossa balança comercial, estruturalmente superavitária, na verdade
depende muito mais do crescimento da China do que propriamente do êxito de
políticas adotadas internamente.
E ainda o próprio FMI revela que a taxa de crescimento do Brasil será menor
do que a média mundial nos próximos anos. Para 2004, a instituição projeta para o
País crescimento de 3,5%. No mesmo período, os Estados Unidos devem crescer
4,6%. E nós ficaremos ainda atrás da Argentina, que deverá crescer 5,5%, e da
África, com crescimento de 4,2%.
Talvez valha a pena tentarmos justificar o relatório da ONU, segundo o qual a
grande maioria dos povos sul-americanos prefeririam a ditadura com direitos
assegurados à democracia.
Para entender tal afirmativa, devemos observar que a democracia é
composta, entre outros pilares, pelos direitos civis e sociais, e que um grande
percentual da nossa população não tem assegurados os seus direitos sociais: não
tem trabalho, educação, salário justo. Como esse percentual é muito grande, tal
situação começa a pôr em risco os direitos civis, como o direito à propriedade, o
direito de ir e vir etc. Portanto, à luz da inexistência de direitos civis e sociais, quem
sabe o povo se sinta fracassado com a democracia e tenha saudades dos regimes
de força, desde que tenha assegurados os seus direitos?
Eu acho uma lástima e uma temeridade tal situação, mas é o que pode
ocorrer.
O segundo ponto, dentro do nosso diagnóstico, seria a diferença de níveis de
competitividade entre as empresas brasileiras e as americanas, os quais são hoje,
em média, de 2 a 3 vezes inferiores para as empresas brasileiras. E a
competitividade entre elas é desestimulada para as empresas brasileiras
basicamente pelos entraves sistêmicos que nós conhecemos. O principal deles
certamente é a carga tributária. O Brasil está em quarto lugar no ranking mundial,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
5
com 36,11% do PIB. E há estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
que revelam que neste ano tal índice deve aumentar 1,2%.
Além da carga tributária, há a burocracia e a corrupção, altamente
entrelaçadas e que também nos garantem vergonhosos lugares nos rankings
mundiais. Representam o Custo Brasil oculto, que, por sua própria natureza, ainda
não pôde ser medido. Lembro a V.Exas. que um estudo da Transparência Brasil
mostra que a diminuição de 10% nos índices de corrupção no Brasil poderia elevar a
renda per capita em até 3 mil dólares num horizonte de 20 anos. Nos Estados
Unidos, o Governo respondeu ao escândalo da Enron com rigorosa legislação.
O terceiro ponto do diagnóstico é a ausência de proposta de tratamento
diferenciado entre Brasil e Estados Unidos, cujo PIB é 10 vezes superior ao nosso.
Vamos reviver o que ocorreu na União Européia com a entrada da Grécia, da
Espanha e de Portugal.
O quarto item, nessa seqüência, é a impossibilidade de movimentação de
mão-de-obra no hemisfério.
O quinto item é a não-subscrição dos Estados Unidos ao Protocolo de Kyoto.
O sexto ponto diz respeito ao fato de o Congresso americano não negociar a
legislação sobre produtos agrícolas, para que as empresas brasileiras tenham real
acesso ao mercado americano. Ao contrário disso, mantém fortemente os subsídios
e a legislação antidumping.
Após mencionar esses 6 pontos do diagnóstico, voltarei agora ao tema inicial
da minha exposição.
A ALCA colocaria em confronto direto, ainda que gradualmente, as
megaempresas americanas e as empresas brasileiras. Mesmo que algumas
empresas brasileiras conseguissem sobreviver à competição e até aumentar as suas
exportações, no conjunto, as megaempresas americanas levariam vantagem nos
Estados Unidos, no Brasil e na América do Sul, o que ampliaria a desindustrialização
e aumentaria o nosso déficit.
Inicialmente eu disse a V.Exas. que a ALCA pode representar a interação
entre tubarão e sardinhas. Isso é verdade, mas não adianta apenas criticar o nosso
concorrente; é necessário construir gaiolas para apanhar o tubarão.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
6
Na condição de Presidente da Associação Comercial do Paraná, entidade de
114 anos que congrega mais de 7 mil empresas, e aqui representando também a
Confederação das Associações Comerciais do Brasil — CACB, cujo Presidente é o
nosso amigo alagoano Luiz Otavio Gomes, eu aproveito a privilegiada ocasião para
defender a proteção das compras governamentais como condição de sobrevivência
no mar em que existe tubarão.
As compras públicas movimentam mercado que representa 10% do PIB e
envolvem especialmente pequenas e microempresas, intensivas em mão-de-obra.
No Brasil há quem diga não saber por que o Itamaraty insiste tanto em proteger
compras governamentais. Nos Estados Unidos, por outro lado, o mercado de
compras públicas representa 20% do PIB, sendo que as compras realizadas entre
2.500 e 100 mil dólares devem ser necessariamente realizadas junto aos pequenos
negócios. Por isso, no mercado americano os pequenos negócios representam um
quarto do total das compras do Governo.
Além disso, um conjunto de 3 programas, especialmente a Lei da Pequena
Empresa americana, determina restrições a compras públicas feitas fora do território
americano. No caso de produtos manufaturados, devem as empresas observar o
conteúdo nacional mínimo de 50% dos componentes envolvidos. Nas licitações de
maior valor, as empresas devem apresentar um programa de subcontratação junto a
pequenas empresas.
No nosso entendimento, é urgente a adoção, pelo nosso Governo, de
mecanismos que incentivem a pequena empresa. Tais mecanismos vão desde o
estímulo à formação de redes de cooperação e do apoio ao trabalho do SEBRAE à
preparação da Lei Geral da Microempresa e à adoção de agenda microeconômica
que se imponha principalmente sobre a resistência burocrática.
A simplificação e a redução da carga tributária das pequenas e
microempresas resultaram, no meu Estado, no aumento da arrecadação e no
incremento do PIB estadual. Ao passo que o PIB brasileiro caiu 0,2% em 2003, o do
Paraná cresceu 3,4%, graças à desoneração de pequenas e médias empresas e à
isenção do Cadastro Estadual para praticamente 140 mil empresas de um universo
de 180 mil existentes no Estado.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
7
Concluirei a minha exposição afirmando que, no meu entendimento, qualquer
discussão sobre os efeitos da ALCA tem como pressupostos a resolução de
entraves sistêmicos, tais como o regressivo e cumulativo sistema tributário e
principalmente a retomada do crescimento da economia, não apenas por meio da
mera redução de juros, mas também pela adoção de medidas específicas e sólidas
de apoio à produção e ao investimento, as quais devem, evidentemente, ser
conjugadas com políticas de geração de empregos e renda e de inclusão social.
Essas são, sem dúvida, tarefas árduas, mas, felizmente, nos dias de hoje
parece haver, por parte do Governo, dos empresários, dos trabalhadores e da classe
política em geral, a percepção de que uma nova rodada de liberalização não é
aventura inevitável e intrinsecamente benéfica e, sim, um risco que deve ser
enfrentado não com o simples isolamento internacional, mas com o planejamento e
a execução compartilhada de políticas de desenvolvimento econômico, pressuposto
básico da paz de uma verdadeira democracia.
Eram essas as considerações que tinha a fazer, Sr. Presidente.
Agradeço a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência
agradece ao Dr. Marcos Domakoski a sua participação.
O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sr. Presidente, considerando que o
nosso convidado trouxe por escrito os textos que apresentou e as lâminas, peço a
V.Exa. que providencie a distribuição do material aos Deputados.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Pois não, Deputado.
A Presidência determina à Secretaria que tire cópias do material e as distribua
aos Deputados.
Concedo a palavra ao Deputado Francisco Turra.
O SR. DEPUTADO FRANCISCO TURRA - (Intervenção fora do microfone.
Inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Muito obrigado. V.Exa.
é generoso.
Concedo a palavra ao Deputado Feu Rosa. (Pausa.)
O SR. DEPUTADO FEU ROSA - (Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
8
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Não. V.Exa. sabe que
o espírito generoso do Deputado Ivan Valente não quer para si o monopólio da
sabedoria.
Concedo a palavra ao segundo palestrante de hoje, o Dr. Marcos Sawaya
Jank, Presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais
— ICONE.
O tempo regulamentar de que dispõe V.Sa. é de 20 minutos, mas pode ser
estendido, a critério da Mesa. Fique à vontade. Nós estamos honrados em poder
ouvi-lo.
O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Muito obrigado.
É uma satisfação enorme estar nesta tarde com V.Exas. Esta é a segunda
vez que venho ao Congresso. Na primeira falei sobre agronegócio para a Comissão
de Agricultura e hoje venho aqui para falar sobre ALCA.
Eu tenho longa experiência no acompanhamento dessas negociações, tarefa
a que me dedico desde 1996, quando, morando na Europa, tive a oportunidade de
acompanhar a Rodada do Uruguai. Depois, já de volta ao Brasil, fiz vários estudos
sobre o tema.
Sou Professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo e fiz
vários estudos sobre a integração do MERCOSUL. De 1995 em diante passei a
acompanhar o fantástico movimento que aconteceu com o agronegócio brasileiro e
que resultou hoje numa das agriculturas mais competitivas do mundo. Aliás, há que
se ressaltar que justamente hoje temos uma notícia muito boa a dar: a de que o
Brasil conseguiu avançar os seus pleitos no caso do algodão contra os subsídios
americanos. Acho que se trata de extraordinária notícia — talvez a mais importante
deste ano — na área da política comercial agrícola.
Tenho bastante experiência nisso, pois, na condição de funcionário do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, estive por 3 anos nos Estados Unidos
acompanhando as negociações acerca da ALCA. Acompanhei a linha de frente de
tais tratativas e vi todos os problemas que tem a ALCA. Desde o ano passado estou
presidindo esse novo instituto, hoje mantido por entidades exportadoras brasileiras
da indústria e da agricultura.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
9
Procurarei trazer para V.Exas. a experiência de quem viveu esse processo de
negociações, de quem vive isso há cerca de 15 anos.
(Segue-se exibição de imagens.)
Em primeiro lugar, vou, obviamente, concentrar minha exposição na ALCA;
não vou me concentrar em agricultura apenas. Sempre se lança mão do argumento
de que a agricultura ganha. Todo o mundo está cansado de saber disso. Mas e
quanto ao que ocorre com o resto da economia? Por isso, procurarei falar da
margem que o Brasil tem para fazer as negociações andarem — falo de todas elas,
porque todas se baseiam nos mesmos temas. Na verdade, o que os Estados Unidos
demandam do Brasil é muito parecido com o que a Europa quer de nós e com o que
outros países desenvolvidos virão nos demandar, se nós viermos a negociar com
eles.
Vou apresentar alguns pontos de introdução.
O primeiro deles é algo que está relacionado com o nosso País. Existe uma
obsessão nacional com ALCA — na mídia, entre os empresários, no próprio
Congresso Nacional. Por exemplo, por que existe uma Comissão para tratar da
ALCA e não existe uma para tratar da OMC, já que estamos no meio de uma rodada
da maior importância, com grandes conseqüências sobre o nosso futuro? Por que
não existe uma discussão sobre o MERCOSUL? Por que não existe uma Comissão
sobre o MERCOSUL, que está enfrentando...
(Não identificado) - Existe.
O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Ah, existe? Bom, pelo menos essa!
Por que alguns temas demandam mais atenção do que outros? E não é só
aqui na Câmara e no Congresso que isso ocorre. Na imprensa e no meio
empresarial, por exemplo, se fizermos uma palestra sobre a ALCA, contaremos com
a participação de 100 empresários; se o tema for a Europa, talvez tenhamos muito
menos ouvintes.
Isso ocorre porque existem grandes preocupações com relação à ALCA, as
quais talvez tenham a ver até com razões que extrapolam o que está sendo
negociado e digam respeito a percepções sobre a política americana etc.
Em segundo lugar, há que se considerar a existência de uma sensação de
que, se aderirmos à ALCA ou a qualquer outro processo integrativo, nós estaremos
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
10
concedendo soberania, espaço para as empresas internacionais. Isso é, em grande
parte, falso, porque a legislação brasileira já garante às empresas estrangeiras uma
série de privilégios, inclusive em compras governamentais etc. Muitos benefícios já
estão na legislação, embora não os tenhamos concedido em mesa de negociação.
Há acordos assinados no passado, como o Acordo da Rodada do Uruguai,
que já fazem concessões. A abertura comercial trouxe modificações importantes.
Portanto, muita coisa já está em vigor hoje e garante espaço para concessão.
Quando se diz que não há espaço para desenvolver políticas industriais, por
exemplo, não é verdade, uma vez que a legislação já garante esse espaço hoje. E
eu vou explicar por que isso acontece.
O terceiro ponto é muito relevante: o Brasil comercializa pouco; está atrasado
na corrida de processos integrativos. Nós representamos apenas 1% do comércio
internacional. Exportações e importações juntas somam menos de 20% do nosso
PIB. Esse é um número muito baixo, se comparado com o de outros países. E 1%
do comércio não condiz com a nossa participação, por exemplo, em termos de PIB
mundial: nós somos 3% do PIB mundial; temos 3,5% da população mundial; temos
5,5% das áreas agricultáveis; temos 15,5% da água doce do mundo. Apesar disso,
repito, temos apenas 1% do comércio.
Portanto, estamos muito aquém no que diz respeito a outros índices
importantes. Estamos atrasados na corrida. Até hoje nós só criamos o MERCOSUL.
A ALADI está aí, enfrentando grandes problemas e até mesmo o risco de
desaparecer devido aos acordos bilaterais que estão sendo realizados. Portanto,
nós temos que apressar o nosso processo de integração ao mundo. Temos que
buscar esse caminho.
A China está, neste momento, negociando acordos com 10 países asiáticos; a
Europa já negociou mais de 40; os americanos, nos últimos anos, fizeram diversos.
Há mais de 250 acordos registrados hoje na OMC. E nós participamos de muito
pouco disso tudo. Muito pouco.
O próximo ponto: infelizmente, nós exportamos poucos produtos, os quais são
altamente protegidos no mundo afora, o que nos torna reféns de negociação. A
nossa eficiência em açúcar, laranja, carnes, siderurgia, calçados e têxteis nos torna
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
11
reféns de negociações porque é nesses setores que estão as maiores proteções lá
fora.
Este é um ponto muito relevante. Não existe negociação isolada. Se a
negociação da ALCA desandar, a Europa não vai nos oferecer tanto quanto poderia,
porque a negociação com a União Européia foi muito reativa à realizada com a
ALCA. Ela aconteceu porque num dado momento as empresas européias se
sentiram ameaçadas pela ALCA e propuseram um acordo birregional, entre
MERCOSUL e União Européia. Se uma negociação fracassar, isso pode impactar as
outras.
Por isso, precisamos analisar as negociações no seu conjunto. São várias as
frentes existentes e cabe ao Governo Lula resolver aquilo que eu poderia chamar de
“o maior conjunto de negociações comerciais da história do Brasil”. Nunca houve, na
história brasileira, uma coincidência de negociações da magnitude que são a OMC,
a ALCA e o acordo com a União Européia.
Portanto, hoje estão sendo feitas, simultaneamente, negociações conectadas,
cujo resultado conjunto tem que ser considerado.
Próximo ponto: o impacto da liberalização. Há, no Brasil, um grande temor de
que a liberalização da ALCA afete profundamente a nossa economia. Na realidade,
a maior parte da liberalização já aconteceu durante os anos 90, quando a tarifa de
importação brasileira caiu de 60% para os atuais 12%.
O que existe hoje para ser negociado é muito menos do que o acordado no
passado. Refiro-me a qualquer frente em que estejamos, e não apenas à ALCA. Em
qualquer frente, a liberalização vai ser muito menos importante do que já foi.
Outro ponto muito relevante a ser considerado é que a integração e a
liberalização induzem à correção de políticas públicas. Muita gente diz que nós não
podemos negociar porque temos problemas, tais como o Custo Brasil, impostos
altos etc. Esses problemas existem há muito tempo. A integração é uma forma de
pressionar a sociedade para resolver os seus problemas, a fim de estar apta a
competir com mais eficiência.
As negociações envolvem barganhas. Sempre há barganhas. Sempre
existem trocas. E a política comercial, que é todo esse jogo das negociações, é um
jogo de tipo mercantilista. Os americanos, quando nos impõem a abertura na área
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
12
de serviços ou de investimentos e se fecham no que diz respeito à agricultura, estão
seguindo a mesma regra que nós, pois se trata de regra única, que diz o seguinte:
os países são liberais naquilo em que são eficientes e protecionistas naquilo em que
não o são. Nós pedimos exatamente o contrário: não queremos abrir o setor de
serviços, mas queremos abrir o setor agrícola. E essa é a regra do jogo
mercantilista, conforme a qual se dá a negociação.
Não há como fugir disso. Mas é melhor fazer isso do que simplesmente não
fazer nada, porque, se nós não fizermos nada, outros países farão. Ao fazerem,
poderemos deslocar emprego, investimento e riqueza para outras regiões. Hoje
somos dependentes de negociação porque todo mundo está negociando com todo
mundo, e ficar fora do jogo pode custar mais caro do que participar dele.
Quais são as demandas? Não vou entrar muito na parte técnica, mas
basicamente somos hoje demandados na coluna que está lá. Somos demandados
em abertura dos bens industriais, serviços, investimentos, compras governamentais,
propriedade intelectual. Poderemos ser demandados cada vez mais em questões
trabalhistas e ambientais.
Essa é a nossa agenda em que os outros nos pedem coisas. Tanto faz se são
os Estados Unidos, se é a Europa, se é o Japão. Qualquer país que negociar
conosco no geral vai nos pedir aqui.
O que pedimos aos outros? Essencialmente temos uma agenda composta por
acesso a mercados, principalmente nos produtos que têm tarifas altíssimas, grande
parte deles agrícolas, mas não apenas, também têxteis e outros. Somos
demandantes na área de restrições sanitárias, que nos impedem a exportação; na
área de restrições técnicas; na área de defesa comercial, por causa do famoso
antidumping, que acabamos de sofrer na área de camarões — já sofremos inúmeras
vezes, por exemplo, em aço e outros produtos; e na área de subsídios agrícolas,
onde queremos que os países venham a eliminar suas barreiras.
Vamos analisar agora por que a ALCA e a Europa são tão relevantes. Se
observarmos as exportações totais, em azul mais escuro temos a importância dos
Estados Unidos; em seguida, o MERCOSUL; depois, os outros da América Latina e
das Américas, incluindo o próprio Canadá. Portanto, os 3 azuis juntos somam a
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
13
importância da ALCA nas nossas exportações totais. Depois vem em vermelho a
União Européia; por fim, o resto do mundo.
Se olharmos em termos percentuais, temos hoje mais de 70 bilhões de
dólares em exportação. Veremos ainda que a ALCA representa 50% das
exportações totais do Brasil e a Europa, em torno de 25%. Portanto, se nós não
fizermos a ALCA e ela for implementada em outro formato, sem o Brasil, correremos
um risco não apenas pela questão Brasil/Estados Unidos, mas em virtude de vários
mercados latino-americanos que hoje são compradores de produtos brasileiros. São
mercados importantes, como o MERCOSUL e outros países latino-americanos.
A próxima transparência mostra a importância da ALCA nos produtos
industriais. Aí ela é ainda maior. Quando pegamos nossa pauta de produtos
industriais, a ALCA representa 60% das exportações brasileiras, e os americanos
são nossos grandes compradores de produtos industriais. A Europa é mais um
comprador de produtos agrícolas.
Vejamos a importância da ALCA nos investimentos que entram no Brasil. No
ano 2000, recebemos 30 bilhões de dólares em investimentos diretos estrangeiros.
Isso caiu hoje para algo inferior a 12 bilhões de dólares. Vejamos a importância
relativa das regiões. A ALCA representa 30% desses investimentos; a Europa já
representou uma parcela equivalente a 50%, 60%, e caiu nos últimos anos. A
Europa foi muito importante, principalmente no momento das privatizações, quando
empresas européias, sobretudo espanholas, entraram no Brasil em grande
quantidade.
Se observarmos estes 2 blocos — ALCA e União Européia —, estamos
falando de 70% das exportações industriais brasileiras e pelo menos 50% dos
investimentos que entram no Brasil. Portanto, são regiões de grande importância
para fins de negociação.
O resto do mundo chama a atenção ali. Por que esse valor cresceu? Eu não
quis entrar nesse detalhe, mas aqui chamam a atenção países como Bahamas e
vários outros paraísos fiscais. No fundo, trata-se também de capital americano e
europeu, mas que entra essencialmente por meio de paraísos fiscais. Na realidade,
não há muita coisa no resto do mundo. O que existe são algumas ilhas e coisas
assim, por onde esse investimento flui com mais facilidade.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
14
Vamos observar agora o perfil das ofertas feitas até aqui. Vou fazer uma
palestra muito ligada à negociação, o que acho que interessa a todos. As ofertas
estão muito concentradas hoje no seguinte procedimento. O que chamamos de lista
A tem os produtos a que os países nos oferecem acesso imediato. Na lista B, em
azul claro, acesso até 6 anos. Na lista C, até 10 anos. Na lista D, acima de 10 anos.
Percebemos claramente que nos bens industriais, até aqui, na ALCA, a nossa
foi a pior oferta. A oferta que o MERCOSUL fez conta com mais produtos em lista D,
acima de 10 anos. Isso era esperado, porque de certa forma temos hoje as tarifas
industriais mais altas da ALCA e queremos preservar isso para uma integração o
mais tardiamente possível.
Integração agrícola. O que acontece? Também fizemos até aqui a pior oferta
para a ALCA. Curiosamente, é exatamente isso o que acontece. Por que o Brasil fez
a pior oferta agrícola à ALCA até aqui? Porque foi usado um procedimento em que,
se a Argentina disse que açúcar é sensível, esse produto vai para a última lista. Se o
Paraguai disse que suíno é sensível, esse produto vai para a última lista. Se o
Uruguai disse que etanol ou carne bovina é sensível, o produto também vai para a
última lista. Portanto, a nossa é, até aqui, a pior oferta agrícola feita dentro da ALCA.
Estamos pedindo para liberalizar a agricultura, e até aqui estamos fazendo a pior
oferta exatamente na área da agricultura.
Curiosamente, as melhores oferta de todas, se analisarmos até aqui o que foi
feito, são justamente as do Chile, dos Estados Unidos e do Canadá, que é bastante
abrangente, mas tem poucos produtos excluídos. O Canadá deixou alguns produtos
de fora, basicamente ligados aos setores de leite e de carne de frango. Mas a oferta
agrícola norte-americana até aqui é melhor do que a feita pelo MERCOSUL, por
causa da política que adotamos, de tentar compor com os países do MERCOSUL.
Vamos comparar um pouco nossas tarifas. Qual é o nosso problema quando
negociamos com os Estados Unidos e a União Européia? Nossa média tarifária é um
pouco mais baixa do que a dos Estados Unidos e da União Européia na área
agrícola, mas o grande problema está nesse conjunto de tarifas altíssimas que os
americanos e europeus praticam. Os americanos têm 102 tarifas acima de 30%.
Nossa maior tarifa negociada pelo MERCOSUL está na faixa de 20%. Eles têm 102
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
15
tarifas protegendo pontualmente itens como açúcar, laticínios, fumo, suco de laranja
etc. E os europeus têm 633 tarifas que poderíamos chamar de megatarifas.
Quando negociamos acesso com os Estados Unidos ou a União Européia,
estamos de olho nessas tarifas mais altas. E o que recebemos até aqui dos
americanos? Eles ofereceram um acesso um pouco mais avantajado para os países
caribenhos, e para os demais países um acesso bastante similar. Tanto os países da
América Central, como os andinos e os do MERCOSUL têm acesso muito parecido,
não há diferenciação efetiva. Os produtos que os americanos chamaram de
sensíveis para o MERCOSUL também foram assim chamados para as demais
regiões.
Volto a dizer que a oferta norte-americana é melhor do que a do MERCOSUL
até agora para os produtos que mais nos interessam. Portanto, o acordo da ALCA
nasceu com ofertas bem melhores do que o firmado com a União Européia. A
Europa ainda não nos ofereceu acesso em agricultura, em produtos sensíveis. Os
americanos nos ofereceram esse acesso, e mais do que o Brasil tinha feito.
Basicamente, em bens industriais, a nossa é a pior oferta até o momento. Em
agricultura, também temos a pior oferta, a despeito de dizermos diariamente, pelos
jornais, que queremos acesso aos produtos americanos e aos mercados.
“Investimentos” é um tema de grande sensibilidade. É claro que o Brasil tem
grande interesse em atrair investimentos diretos. Não há evidências de que a
assinatura de um acordo de investimentos por si só influencie o potencial do país de
atrair investimentos. O país atrai investimentos quando ele está bem
macroeconomicamente, quando está com suas políticas em ordem, mais do que o
fato de ele assinar ou não acordos. Portanto, se não precisarmos assinar acordos
será melhor. O problema é que qualquer país rico com o qual venhamos a negociar
vai nos forçar a fazer isso.
Digo aos senhores o seguinte: essencialmente, o que temos de fazer é
conseguir separar aquilo que pode ser concedido daquilo que não pode. E muito
pode ser concedido. Por exemplo, a legislação brasileira concede tratamento não
discriminatório a capital estrangeiro desde 1962, algo que muitos países não fazem.
Portanto, já temos uma legislação que trata o investimento estrangeiro da mesma
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
16
maneira que o nacional. E esse é um dos itens caros em acordos de investimentos.
Temos poucas exceções a isso.
Temos para cada uma das áreas mais sensíveis alguns riscos, mas sempre
temos margens para concessões. E não são pequenas essas margens. Por
exemplo: podemos plenamente oferecer acesso a investimento estrangeiro direto,
mas mexer com mercado de capitais é muito mais complicado. Há certas restrições
hoje que já assinamos em acordos anteriores, como o da OMC, o qual podemos
perfeitamente assumir nesse acordo da ALCA. Há alguns temas mais polêmicos.
Cito como exemplo o da chamada Cláusula Investidor/Estado, que seria aquela idéia
de que haveria um tribunal internacional que julgasse pendências entre uma
empresa estrangeira que sofreu prejuízo por conta da legislação brasileira. O
México, por exemplo, aceitou isso no Capítulo XI do NAFTA. É algo que no Brasil
dificilmente seria aceito. Contudo, podemos tirar essa cláusula. Não há nenhum
problema maior em se buscar isso. É curioso porque os americanos propuseram
essa cláusula no acordo NAFTA imaginando que isso daria mais agilidade às
empresas americanas para que pudessem, por exemplo, eventualmente reaver os
bens perdidos no México. Hoje há empresas mexicanas e canadenses entrando
nesse mesmo tribunal contra os Estados Unidos, coisa que eles não pensavam que
iria acontecer. Hoje existe um grande grupo de lobbies que não considera isso bom,
que não vale a pena porque o feitiço pode se virar contra o feiticeiro.
A questão é balancear o que pode ser concedido e quais os riscos que
existem em cada área.
Conclusão sobre investimentos.
É plenamente possível assinarmos um acordo de investimentos, tentando
restringir, obviamente, a definição a investimento estrangeiro direto, o que mais nos
interessa, utilizando listas positivas, portanto, que nos permitam definir o que vai ser
colocado como investimento, e ir mantendo salvaguardas contra balança de
pagamentos. É o típico acordo que, dentro de certas condições, pode-se plenamente
assinar.
Serviços.
Em relação aos serviços há uma curiosidade. Hoje já somos muito mais
abertos do que o que consolidamos na OMC. Nossa abertura na área de serviço já é
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
17
efetiva. Consolidamos na OMC um País muito mais fechado do que é atualmente.
Portanto, existe espaço para concessão. Há um dilema de política nessa questão.
Obviamente, há setores de serviços que podem sofrer com a integração. Interessa,
porém, a integração para que os serviços ganhem mais eficiência. Um serviço pouco
eficiente custa muito para a indústria e para a agricultura. A agricultura hoje está
pagando preço alto pela ineficiência da infra-estrutura brasileira.
Interessa que se abra ou não? Interessa dentro de certos limites.
O Brasil inclusive tem potencial ofensivo em serviços. As exportações de
nossos serviços saltaram de 3,7 bilhões em 1990 para 8,7 bilhões hoje. Já é uma
rubrica relativamente alta: são 8,7 bilhões de exportação e serviços. O Brasil tem
potencial para exportar em várias áreas: engenharia, construção civil, indústria
televisiva, novelas etc., que já fazem hoje 300 milhões, softwares e vários outros.
Não é uma área puramente defensiva. Ela pode ter interesses ofensivos, mas dentro
de certos limites é possível fazer concessões.
Não vou falar dos aspectos mais técnicos. A conclusão é que temos ampla
margem para concessão na área de serviços. E essa é uma área que tem muito
potencial como moeda de troca. Podemos plenamente fazer a integração nessa área
dentro de listas positivas, ou seja, escolhemos os setores que vão ser ofertados um
a um e dizemos quais não o serão. O Brasil já ofereceu, por exemplo, serviços à
União Européia. Há notícias de que já oferecemos para a União Européia
telecomunicações, serviços financeiros. Portanto, não se devem tratar os Estados
Unidos e a Europa de modo diferente. O que for oferecido para a Europa também
pode ser oferecido para os Estados Unidos.
Propriedade intelectual.
Trata-se de área com legislação antiga e abrangente, mas plenamente
adaptada à OMC. Há muitas críticas se isso deve ou não ser incluído em acordos
regionais. Eu, particularmente, acho que devemos evitar o máximo. Investimento é
algo que podemos aceitar; quanto a serviços, há enorme margem — e a propriedade
intelectual talvez seja a área mais complicada e confusa. Nossa maior preocupação
é o combate à pirataria. Creio que todos sabem disso.
Vamos às conclusões.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
18
Basicamente, temos nessa área margem para concessão e alguns tópicos. O
ideal seria remeter isso lá para a OMC. O Brasil tem alguma margem. Somos
demandantes na área da proteção aos recursos da biodiversidade. O Brasil detém
22% das espécies do mundo e teria interesse em proteger, principalmente, as da
Amazônia. Portanto, não se trata somente de interesses essencialmente defensivos,
pois somos hoje demandantes em proteção a recursos de biodiversidade. Existe
toda uma questão ligada à convenção da biodiversidade. Entretanto, atualmente não
teríamos por que conceder nessa área.
Área de compras governamentais.
Trata-se de área tradicional de autonomia dos Governos.
Temos aqui um dilema de política pública. Por quê? Por razões fiscais seria
interessante que os Governos abrissem esse mercado. Dessa forma, poder-se-ia
comprar mais barato, comprar globalmente. Dessa forma se consegue mais
concorrência, preços mais baixos e melhor qualidade. Interessa também aos
Governos preservar empregos, o que pode justificar a compra restrita a empresas
nacionais.
A Lei de Licitações veda a discriminação entre empresas brasileira e
estrangeira. Apenas em alguns casos se pode fazer a diferenciação. Aliás, em
poucos. Atualmente, a lei brasileira é muito mais abrangente do que a norte-
americana. A lei dos Estados Unidos é muito mais limitante nessa área de compras
governamentais. Portanto, temos margem para concessão. Esse é o ponto
relevante. Conseguimos, dentro da lei atual, negociar varias concessões porque ela
é muito mais abrangente, muito mais aberta do que a norte-americana. Temos
interesses eventualmente em vender produtos em outros mercados latino-
americanos, para outros governos latino-americanos e para os próprios americanos.
O mercado de compras do Brasil é da ordem de 7 bilhões de dólares; dos Estados
Unidos, de 200 bilhões de dólares. Portanto, não podemos apenas olhar sob a ótica
de apenas proteger o nosso mercado. Temos interesse em vender produtos para
outros Governos. Devemos olhar as coisas também por essa ótica.
Vou pular essa parte e passar logo às conclusões para dizer que podemos
restringir plenamente as compras governamentais. No âmbito federal, se utilizamos
listas positivas, podemos dizer que setores devem fazer parte, tudo isso com base
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
19
em reciprocidade. Portanto, abrir um setor qualquer, por exemplo, para compras,
desde que os americanos ou os mexicanos façam o mesmo. Para mim, isso é
totalmente factível.
Podemos também garantir patamares, outro ponto bastante importante.
Podemos dizer, por exemplo, que só vamos abrir compras governamentais para
valores acima de 10 milhões de reais. Tal medida preserva as compras das
pequenas empresas e facilita a concorrência entre grandes empresas, como, por
exemplo, a venda de linhas elétricas para transmissão. Esse tipo de compra pode
ser feito em termos globais — faz sentido, para se comprar mais barato; para
pequenas compras, apenas empresas nacionais.
Portanto, há muita margem de manobra em compras governamentais. E,
muitas vezes, quando a imprensa publica certas matérias, tem-se a impressão de
que não podemos fazer nada em compras, nada em serviços, nada em
investimentos, o que não é verdade. A legislação brasileira, os acordos já assinados
e os nossos interesses, se observados de maneira mais detalhada, mostram que há
muito espaço de atuação em todas essas áreas; temos espaço para concessões.
Hoje, podemos conceder subsídios a pequenas empresas. Tal medida não
fere qualquer acordo assinado pelo Brasil. O que pode vir a ferir acordos
internacionais, ou eventualmente a ALCA e a OMC, é a concessão de subsídios
localizados para determinadas indústrias, para determinadas empresas grandes,
aquelas classificadas como grandes empresas e que tenham relação com
exportação. Agora, em se tratando de pequenas empresas, temos hoje exceções
garantidas.
Portanto, não vejo nenhum sentido em o País não negociar porque tem de
preservar o subsídio para uma grande empresa qualquer. Se já existem mecanismos
de preservação para pequenas empresas e a possibilidade de realizar compras
governamentais respeitando certos critérios, por que não negociar?
Mais ainda, a lei brasileira vigente é muito mais aberta a compras
governamentais do que a norte-americana. A legislação norte-americana impõe
restrições de várias ordens. Portanto, eles têm menos espaço para concessões, se
compararmos as duas legislações.
Os impasses na ALCA.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
20
Aqui, vou resumir um pouco. Durante 10 anos houve — vamos chamar assim
— uma ALCA plena, mais abrangente e que envolvia 9 temas em negociação. Isso
ocorreu durante anos, com muitos conflitos, mas o fato é que num determinado
momento fracassou essa ALCA. Brasil e Estados Unidos se acertaram e, em
conjunto, resolveram propor outro formato, mais leve, para a ALCA — e, claro, por
motivos diferentes. Os norte-americanos dão hoje prioridade a acordos bilaterais. É
muito mais fácil para os Estados Unidos empurrarem sua agenda de negócios pela
via bilateral do que em qualquer outra. Além disso, como há forte pressão
protecionista no Congresso norte-americano, eles escolheram essa via e estão
conseguindo fazer muitos acordos. Na verdade, há uma fila de espera composta de
países da América Central, da América do Sul (Peru e Colômbia); da África
(Marrocos e África do Sul); da Oceania (Austrália). Muitos já assinaram acordos e
outros estão a caminho. Quem sabe até países do MERCOSUL, mais cedo ou mais
tarde, assinarão também acordos com os Estados Unidos.
No Brasil, enfrentamos dificuldades, principalmente porque existe essa
obsessão com a ALCA, o que, a meu ver, é ilógico. Para mim, a União Européia é
tão ou mais perigosa em negociação do que os Estados Unidos. Os pedidos dos
europeus são complicadíssimos. Para eles, a agricultura é setor dos mais sensíveis,
mais do que os norte-americanos. Por outro lado, há mais facilidade para se tratar
com a União Européia do que com os Estados Unidos. O fato é que nós mesmos
esvaziamos o processo ALCA. Assim, a ALCA se tornou mais light, uma ALCA com
menos temas para negociação.
Por fim, acabamos aprovando na última reunião, realizada em Miami, nem
mesmo uma ALCA light, mas, como muitos chamam — e acho que é o nome correto
—, uma ALCA à la carte. Porque numa ALCA light todos estariam de acordo com a
supressão de 5 temas daqueles 9 que faziam parte da agenda inicial. Ou seja,
vamos tratar apenas de 4 temas, bens, serviços e investimentos entre eles. Isto, sim,
seria uma ALCA light. Contudo, a proposta aprovada em Miami foi muito mais
esfacelante: cada um faz o acordo que quiser e com quem quiser, para, depois,
tentar definir um mínimo denominador comum chamado ALCA. Portanto, é uma
ALCA tipo supermercado: cada um pega o que quiser. Vá lá com seu carrinho...
Para fazer um acordo de investimento me junto com esses quatro e pronto.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
21
Qual a conseqüência disso? Houve um desinteresse quase generalizado pela
ALCA. Por isso, a ALCA hoje está nesse impasse. Não se consegue chegar àquele
mínimo denominador comum, porque vários países vêm priorizando outros tipos de
negociação. É o caso de quase toda a América Central e dos países andinos. A que
vamos assistir após esse impasse? O mundo não vai parar, não. Vamos assistir,
sim, a uma explosão de bilateralidade pelas Américas. Hoje, existem 59 acordos
registrados nas Américas. Não duvido que daqui a 10 anos sejam mais de cem. É
esse o nosso objetivo? Queremos que as Américas se transformem num prato de
spaghetti?
É do que trata a próxima transparência: uma junção de países, dois a dois,
três a três, em todas as direções. Não é isso? Imaginem o coitado de um funcionário
de fronteira que tem de lidar com produtos vindos de 10 países diferentes, cada um
com uma regra de origem, cada um com uma desgravação tarifária, cada um com
uma lista de exceção — quer dizer, um inferno burocrático é o que vamos criar.
Infelizmente, isso não acontece apenas aqui; a Ásia segue o mesmo caminho e a
Europa já fez muito disso.
Vale lembrar que sempre fomos multilateristas, mas hoje temos aceitado o
bilateralismo como opção, que, para mim, é desfavorável. Se continuarmos a
caminhar para uma ALCA esfacelada, como temos feito, correremos o risco de ter
de negociar com 10 países e, no final, não conseguirmos alcançar nossos objetivos.
Ficará muito mais difícil negociar. Por quê? Quando formos negociar com países
pequenos, como foi anunciado há pouco, com países da América Central, o que eles
vão nos pedir? Somente a exceção. Eles vão justificar assim: os norte-americanos
nos dão hoje acesso preferencial nisso, nisso e nisso; queremos que o Brasil faça o
mesmo. Os países andinos já fizeram isso, e nós aceitamos. Quer dizer, com os
andinos, na agricultura a integração já não será total. Até no MERCOSUL já se diz
que o Brasil tem de tratar diferencialmente os países menores.
Todos querem fazer acordo com países mais abertos: “Vocês podem entrar
aqui e nós não vamos te pedir nada”. Isso é fácil de fazer. O problema está em
elaborar um acordo mais abrangente, está em fazer a OMC funcionar, bem como a
ALCA, que tinha um projeto ambicioso, o de juntar um PIB de 10 trilhões de dólares
e 300 milhões de consumidores. Esse era o grande objetivo. Acordo pequeno é fácil
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
22
de fazer; difícil é fazer acordo abrangente, que cria comércio, que cria investimento,
que cria emprego. Infelizmente, temos caminhado nessa direção. É a ALCA hoje,
com os seus 59 acordos. Se continuar assim, não conseguiremos nem desenhar o
que serão as Américas daqui a 10 anos, com essa explosão de acordos bilaterais.
Então, concluiria com a seguinte indagação: a ALCA tem futuro? A nosso ver,
em primeiro lugar, na reunião de Miami, contribuímos para adiar o processo de
implantação da ALCA. Não vou dizer que a ALCA não vá acontecer. Existe, sim, a
possibilidade de ela ainda acontecer, não mais este ano, porque teremos eleições
nos Estados Unidos e outros problemas que vão dificultar a negociação. Mas, lá na
frente, ela pode vir a acontecer. Hoje, porém, há grande possibilidade de que a
ALCA não se complete, fato que causará grande impacto sobre as outras
negociações.
Que perguntas chave deveríamos fazer sobre a ALCA? Primeiro, queremos
ou não a ALCA? Aparentemente, vejo que, no Brasil, há uma rejeição em relação à
ALCA. Se não a queremos — segunda pergunta —, qual seria a nossa melhor
alternativa? O que devemos fazer? Porque se a ALCA não acontecer naquele
formato que negociamos durante 10 anos, com mais de quinhentas reuniões e a
participação de 34 países, não será zero a zero, mas bilateral.
Já se formou também o G-14. São 14 países latino-americanos que estão do
lado dos norte-americanos. E eles aceitam assinar os acordos propostos pelos
Estados Unidos. Isso sim poderá gerar desvios no comércio, nos investimentos e
nos empregos em outras regiões. Por isso temos de ter um plano B. O drama do
isolacionismo é não ter um plano B. É jogar fora a ALCA, de repente ver os
investimentos serem destinados para a América Central, ou para o comércio
preferencial criado pela ALADI e que hoje nos garante exportação para Peru,
Colômbia e Argentina, e desaparecerem em função de acordos que esses países
venham a fazer.
Portanto, ao perder comércio, investimento e emprego, qual a alternativa que
restará ao Brasil? Qual será o nosso plano B? O MERCOSUL? O que está sendo
feito para que o MERCOSUL se complete? O MERCOSUL ainda tem diversos
problemas. Não tem tarifa externa comum. O que está sendo feito na América do
Sul? Conseguiremos acompanhar a velocidade dos norte-americanos na
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
23
composição de acordos com nossos vizinhos? Conseguiremos concessões
semelhantes ou não? O que há de concreto sobre outros países, como China e
Índia? A China vai nos abrir o seu mercado agrícola? Acho difícil, ainda mais se
levarmos em conta que 600 milhões de chineses vivem em um ou dois hectares.
Acho muito difícil a China abrir o seu mercado agrícola. Será tão difícil quanto tem
sido com a União Européia. Já abriu bastante, mas pontualmente; não abriu para
tudo. A Índia também é muito fechada. Não sei se vai nos abrir o seu mercado
agrícola.
Portanto, qual o nosso plano B hoje? Daí vem o risco do isolacionismo. Jogar
fora um processo de negociação de 10 anos por motivos muitas vezes emocionais!?
Ainda há espaço para negociação e concessão. Sou um técnico em ALCA e posso
dizer: não sei, mas hoje a ALCA que está aí, ou o que está sendo apresentado, não
é do nosso interesse. Mas temos de continuar negociando para saber, no final, se
vai valer a pena; se jogarmos fora, vamos perder. Temos de manter a negociação
até para conseguir entrar nos mercados de outras regiões. Temos de insistir para
que a ALCA nos abra mercados agrícolas, para que, de fato, a ALCA faça acordos
balanceados etc. O que não podemos é jogar isso fora e apostar em algo mais
incerto, como, por exemplo, uma América do Sul mais integrada e do nosso lado. Os
norte-americanos, não há dúvida, já estão indo nessa direção. Será que nós
conseguiremos atrair esses países e fazer acordos balanceados? Não sei.
Só para concluir, devemos manter as negociações em marcha, ir até o último
dia, insistir naquilo que queremos: acesso em açúcar, em álcool, em calçados, em
têxteis, em qualquer outra coisa. Ou seja, colocar os norte-americanos contra a
parede, porque, hoje, quem está com cara de isolacionista somos nós. Precisamos
inverter esse processo e buscar integrações ambiciosas, sem maniqueísmo, sem
achar que existe o bem e o mal; estamos lidando com o comércio e com um país
que sempre vai defender o seu interesse com aquela velha justificativa: “sou liberal
naquilo que sou eficiente, sou protecionista naquilo que não sou”.
Portanto, vamos ser pragmáticos. Vamos conversar com os Estados Unidos,
com a União Européia, com a China, com a Índia, tentar conversar com todo mundo
ao mesmo tempo, em várias frentes; não simplesmente descartar uma frente tão
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
24
importante como foi a ALCA nesses últimos anos. Esse ainda é o nosso grande
objetivo.
Fico muito contente que o Congresso esteja participando ativamente desse
processo. Vi isso acontecer, e muito, nos Estados Unidos. O Congresso norte-
americano tem presença enorme e muito positiva na política externa daquele país;
claro que sempre há problemas, pois tem de lidar com o lobby agrícola, mas o fato é
que há essa participação. No Brasil, está nas mãos do Executivo e do Congresso
hoje o maior conjunto de negociações da história deste País, a oportunidade de o
Brasil se integrar, seja com a ALCA, seja com a União Européia, seja com outras
frentes. O que não podemos é ficar parados. Não podemos descartar um processo
que vem acontecendo há 10 anos e por motivos, às vezes, não muito claros,
alegando que não há margem para concessões, quando, na verdade, ela existe, e
trocar isso tudo por algo incerto. Não trocaria integrações ambiciosas com países
grandes por integrações não recíprocas e desequilibradas com países pequenos.
Isso não faz sentido. A permanecer dessa forma, não iremos dar o salto dos 70
bilhões de dólares para os 150 bilhões de dólares de exportações como nós
queremos.
Precisamos nos integrar a grandes mercados. É o que fazem a China, o
Japão, que acabou de fazer acordo com o México, os países da Europa e a Índia,
que hoje está hiperativa na área comercial e inclusive na de serviços. Nós hoje
somos defensivos; a Índia está se tornando ofensiva. A Coréia, 10 anos atrás, era
defensiva em investimentos; hoje é ofensiva. Há empresas coreanas hoje pelo
mundo afora querendo proteger seus interesses. Temos de ir nessa mesma direção.
Seria muito ruim se caminhássemos rumo ao isolacionismo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência
agradece aos Srs. Marcos Domakoski e Marcos Sawaya Jank os valorosos
depoimentos.
Foram subscritores dos pedidos de oitiva dos ilustres palestrantes de hoje o
Deputado Max Rosenmann, que se encontra licenciado, e o Deputado Francisco
Turra.
Antes de conceder a palavra ao Deputado Francisco Turra, nos termos
regimentais, desejo fazer uma ponderação. Nossas reuniões são profundamente
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
25
bilaterais. Interessa-nos que a sociedade também saiba o que faz a Câmara dos
Deputados.
Respondendo especificamente à indagação inicial do Dr. Marcos Jank,
gostaria de lembrar que vivemos num país presidencialista. A iniciativa das tratativas
é do Poder Executivo. O Poder Legislativo tem, durante as tratativas, papel
secundário, mas o Congresso Nacional brasileiro — a Câmara dos Deputados,
especificamente — é o único entre os 34 países que discute a ALCA, tem
acompanhado as negociações, o que demonstra, de forma bem clara, sua
preocupação com essas tratativas. Agora, neste momento, a Deputada Maninha
está presidindo uma audiência pública em que explica a posição da missão brasileira
ao Embaixador José Alfredo Graça Lima, chefe da nossa missão junto à
Comunidade Européia. O Congresso brasileiro tem muita clareza da importância
dessas discussões. Aqui, de uma forma plural — somos Deputados de governo e de
oposição —, todos entendemos claramente que no mundo globalizado não há lugar
para o isolacionismo. Aquele que se isolar mais cedo ou mais tarde sucumbirá,
fatalmente.
Portanto, na medida dos poderes que lhe foram constitucionalmente
deferidos, o Congresso tem feito o possível para acompanhar, de forma eficiente,
essas discussões.
A Comissão do MERCOSUL é uma Comissão Permanente da Casa, porque o
MERCOSUL é uma realidade. A ALCA, por ora, é uma expectativa. Mesmo assim,
estamos fazendo o possível e o impossível para prevenir a sociedade, por meio de
um trabalho paralelo do Congresso Nacional — paralelo e prévio —, daquilo que
poderá resultar ou não na Área de Livre Comércio das Américas.
Concedo a palavra ao Deputado Francisco Turra, em seguida ao Deputado
Mendes Thame, primeiro inscrito.
O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Sr. Presidente, antes de o Deputado Turra
iniciar gostaria de saber se há possibilidade de termos uma cópia do que foi dito pelo
Sr. Jank.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência
determina à Secretaria que tire cópias.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
26
O SR. DEPUTADO FRANCISCO TURRA - Meu caro Presidente, ilustres
conferencistas, hoje foi dia de os Marcos fazerem com que efetivamente esta
reunião tivesse muito brilho. Mas quero dirigir-me em particular a Marcos Jank, que
me deixou muito feliz por atender ao nosso pedido para estar aqui conosco. Louvo a
presença de Marcos Jank permanentemente em todas as rodadas, como consultor
independente, apoiando o Ministério da Agricultura, em especial, e o Brasil. Jovem
talentoso, tem despontado como líder inconteste do agronegócio brasileiro. Tive o
prazer de receber uma negativa sua a convite que lhe fiz para ser Secretário de
Política Agrícola do Brasil.
Dito isso, desejo fazer algumas considerações e indagações.
Acredito que vamos chegar a um final feliz. Hoje estamos atrapalhados,
iludidos às vezes, sem definições. Mas graças à luz dos que hoje estão envolvidos
nesse processo acho que vamos chegar a algum lugar.
No dia 1º de maio, próximo sábado, teremos a União Européia engrossada
com a presença de mais 10 países que negociam conosco hoje sem o jugo da União
Européia, muito embora tenham entrado na OTAN há mais tempo.
A União Européia, a partir do movimento de aproximação com a ALCA, não
nos tem oferecido uma abertura maior ou, pelo menos, dado margem a que
possamos nos aproximar, como aconteceu com o Chile, por exemplo. O Chile tem
um acordo. Praticamente é membro da União Européia.
A entrada desses 10 países abre expectativas maiores para o agronegócio
brasileiro ou cria maiores dificuldades? Essa é a questão que gostaria de ver
respondida por S.Sa..
Gostaria também de um depoimento pessoal sobre como S.Sa. vê a postura
do Itamaraty em relação às negociações brasileiras com a ALCA, especialmente as
voltadas para o agronegócio. Peço sua visão como consultor independente.
Estamos em território livre e, portanto, podemos falar disso.
Estamos temerosos da excessiva cautela que há em todos os campos.
Quando se fala em biotecnologia, fala-se em cautela. Precaução, para mim, talvez
por eu não interpretar bem a semântica, às vezes significa atraso.
São as duas perguntas que faço, de maneira sintética, para que todos tenham
oportunidade de ouvi-lo responder.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
27
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a palavra o Dr.
Marcos.
O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Deputado, eu fico muito contente com
essas duas perguntas, embora elas não sejam muito fáceis de responder.
O acordo com a Europa já nasceu light — já falamos muito em ALCA light. A
ALCA nasceu plena, abrangente, ambiciosa; e o acordo com a Europa nasceu light,
por um motivo muito simples: os americanos, quando propuseram a ALCA, e nós
acatamos essa idéia, como todos os demais — foram criados 9 subgrupos —,
disseram coisas do tipo: “vamos criar métodos e modalidades de negociação”;
“vamos adotar o chamado princípio single undertaking”, quer dizer, só vamos
resolver quando estiver tudo negociado; “vamos incluir todo o universo tarifário”.
A oferta agrícola americana é melhor do que a brasileira e, portanto, os
americanos estavam indo na direção de uma ALCA abrangente —todos os produtos
incluídos. É claro que, ao final, eles poderiam dizer que o açúcar não entraria, e nós
já esperávamos isso. Estávamos mesmo pensando em propor que o álcool entrasse
se o açúcar ficasse de fora. Eles iriam precisar do álcool. Do açúcar talvez não,
porque eles não queriam abrir e também porque os países centro-americanos não
queriam que entrássemos no mercado americano, onde eles têm cotas.
O fato é que a ALCA nasceu abrangente e o acordo com a Europa nasceu
light. Isso porque, desde o começo, a Europa afirmou que não nos concederia a
agricultura. A Europa desde o primeiro dia disse que haveria exceção, mas hoje
sinaliza com a possibilidade de nos dar algumas cotas. Portanto, trata-se de um
acordo que vai ter muito pouca criação de comércio e agricultura.
Conhecemos muito bem a história das cotas. O Brasil hoje tem uma cota na
União Européia de 5 mil toneladas de carne de alta qualidade, a chamada hilton
beef. Produzimos hoje 7 milhões de toneladas; exportamos 1,1 milhão; e temos 5
milhões de toneladas de cota. Da mesma forma, produzimos 7 milhões de toneladas
de frango e exportamos quase 2 milhões de toneladas de frango, quase nada.
Temos uma cota de 50 milhões toneladas de açúcar; produzimos 25 milhões; e
exportamos 13 milhões de toneladas.
Que cota resolverá o problema brasileiro? Uma cota de 100 mil toneladas de
carne bovina? Não. Inclusive porque terá de ser dividida pelos 4 países do
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
28
MERCOSUL, e não abriremos mão de tentar pegar o máximo possível da cota de
carne.
Cotas tendem a ser pequenas e são muito complicadas, sob a ótica da
administração. Há uma briga para decidir quem a administrará. O sistema da OMC
dá a cota para o importador, e este compra a carne fazendo barganha. Vende
licença. Hoje, por exemplo, para exportarmos carne para a União Européia pela
chamada cota GATT temos de pagar uma licença de 2 mil euros por tonelada, o que
equivale a aproximadamente 70% do preço da carne. É muito complicado esse
esquema de cotas. E, depois, se acertarmos a cota com a União Européia
poderemos afetar nossa negociação em Genebra, onde estamos brigando contra as
cotas, através do G-20, grande construção brasileira feita no ano passado para
brigar contra Estados Unidos e Europa. Aceitar a cota é abrir mão de uma das
nossas reivindicações junto à OMC: derrubar tarifas e não aceitar a cota.
O esquema de cotas é complicado. Pode ser que venha um número
fantástico, pode ser que não. Os jornais falam em números mais relevantes no caso
do álcool, mas eu não acredito. Mercado para o álcool nem existe ainda na Europa.
Não há mandato, não há subsídio para o álcool. É fácil oferecer cota de álcool num
mercado ainda inexistente. A cota de carnes não deve ser grande coisa.
Não vai ser mais difícil negociar agricultura com a Europa do que com os
Estados Unidos. Os subsídios europeus são mais altos.
Sobre o papel do Itamaraty na negociação da ALCA, acho que o ele é um dos
melhores corpos negociadores do mundo. É uma diplomacia reconhecida como
extremamente competente. Eu presenciei esse fato lá fora inúmeras vezes. Graças
ao Itamaraty, o Brasil consegue ter participação em negociações maiores do que seu
peso específico no comércio — temos 1% apenas do comércio mundial e uma
presença bastante grande nas negociações.
De fato, costumamos ter uma posição essencialmente defensiva em
negociação. Nossa tradição é sermos defensivos. O Brasil durante 50 anos não quis
negociar, porque queria preservar seu modelo de substituição de importações. A
primeira vez que estamos enfrentando uma situação mais ofensiva está sendo
agora, e essa situação está sendo puxada pela agricultura e outros setores
exportadores que pretendem conseguir esse acesso. A agricultura hoje está
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
29
verbalizando isso, e tem legitimidade para tanto, porque representa 44% das
exportações e 30% do PIB. Sabemos que a agricultura vai trazer desenvolvimento e
interiorização.
No caso específico da ALCA, o Brasil tende a querer preservar, a não
avançar, a ter contra essa negociação uma série de precauções pouco racionais, se
comparadas ao que acontece com outras frentes, inclusive com a União Européia.
Acho que temos espaço para ir além no caso da ALCA, e nisso a agricultura tem
dado grandes motivos de felicidade ao Itamaraty. Foi graças à sua organização que
o Brasil montou o G-20 e levou à mesa de negociação o parecer que redundou na
proposta dos países em desenvolvimento contra um documento produzido por
Estados Unidos e Europa. Foi a agricultura que trouxe isso, e hoje ela traz
oportunidades no caso do algodão. O açúcar está vindo aí.
O setor da agricultura é que tem projetado a diplomacia brasileira e hoje pede
que a negociação vá além de uma posição essencialmente defensiva. A agricultura
acredita que existe margem para isso, principalmente na negociação com a ALCA.
Nos outros casos o Brasil já conhece essas margens.
No caso da ALCA, o Brasil tem sido essencialmente defensivo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao
Deputado Antonio Carlos Mendes Thame.
O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS MENDES THAME - Sr. Presidente,
Deputado José Thomaz Nonô, Sras. e Srs. Deputados, senhores palestrantes, há 2
dias todo o País assistiu a uma publicidade do PT, no programa do horário eleitoral
gratuito na televisão, em que se faz comparação expressa entre o Governo anterior
e o atual. É a primeira vez que o Governo Lula vai à televisão e quer ser diferente,
porque, até então, quis ser igual, escondendo as marcantes diferenças existentes
em tudo o que faz hoje em relação ao Governo anterior. Defendia-se dizendo: “Não,
estamos fazendo a mesma coisa, por que vocês estão criticando?” Agora, não. Vem
e diz que está sendo diferente. Não vou dizer que se trata de propaganda enganosa,
porque ele não diz que o que está ocorrendo é graças ao PT. Uma das diferenças
apresentadas é que em 2003 as exportações brasileiras cresceram explosivamente,
muito mais do que no Governo anterior. Hoje, lemos no jornal os primeiros
comentários — e tenho certeza de que amanhã ou depois serão recebidos com
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
30
regozijo — da vitória do Brasil no caso do algodão, no painel contra os Estados
Unidos.
Pois bem, nesses 16 meses, gostaria de saber se é possível identificar algo
que tenha sido feito pelo PT para abrir mercados, baixar tarifas, facilitar as
exportações? Tirou algum papel a fim de desburocratizar as exportações? No que
melhorou para conseguir esse resultado, ou o resultado extraordinário das
exportações crescentes advém do desempenho do setor privado e de uma política
agrícola feita no Governo anterior? Essa é a primeira pergunta. No que o atual
Governo ajudou?
No caso do algodão, não vou perguntar nada, porque seria chover no
molhado. Trata-se de um painel montado no Governo anterior e simplesmente o
resultado saiu agora. Portanto, não há mérito deste Governo que, aliás, em alguns
momentos, tentou enterrar os dois casos, para não agredir os outros países do
Terceiro Mundo: do algodão e do açúcar. Tentou, mas o Ministério da Agricultura
segurou.
Faço uma pergunta final aos palestrantes de hoje, Dr. Marcos e Dr. Jank.
Na OMC, vimos essa movimentação, que todos nós aplaudimos, de tentar
formar um bloco, o G-20, para se contrapor aos dois paquidermes: União Européia e
Estados Unidos. Até agora, não deu qualquer resultado positivo, mas, pelo menos,
serviu para aumentar nosso orgulho nacional nas reuniões da OMC; saímos todos
muito satisfeitos. E escuto Parlamentares do PT e do bloco dizerem: “Tomara que
não saia nada, porque assim nosso discurso é contra os Estados Unidos e contra a
ALCA. Tomara que não saia nada.”
A União Européia tem 633 produtos agrícolas com tarifa superior a 30%. É o
bloco que mais protege sua agricultura. Lá cada agricultor é como tratado como se
fosse um animal de estimação que tem de ser protegido. Uma vaca tem uma renda
per capita de 5 mil dólares, mais do que a renda per capita de um brasileiro, um
subsídio extraordinário. Temos a ilusão de que o acordo MERCOSUL e União
Européia vai proporcionar a abertura de algum mercado? E disse o Dr. Jank que já
nasceu pífia essa negociação com a União Européia.
Pergunto: se na OMC há um impasse, na ALCA, o próprio Governo não quer
que saia nada, com a União Européia já nasceu pequenininha, qual o nosso
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
31
caminho? Vamos ter de continuar com 1% do comércio internacional e patinando no
comércio externo? Como faremos para crescer? Vamos esperar que haja profunda
crise de água na China e na Índia, para exportarmos nossos produtos, atropelando
todas essas restrições, ou vamos continuar passivamente esperando, sem fazer
nada?
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao
Deputado Luiz Carlos Hauly.
O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Sr. Presidente,
lamentavelmente, não pude participar da apresentação dos dois ilustres convidados,
mas devo dizer que já conheço a posição do Dr. Marcos Damakoski, do Paraná.
Farei pequena intervenção apenas para dizer que o Brasil é um País
interessante, mantém acordos bilaterais com quase todos os países do mundo,
acordo multilateral com Uruguai, Paraguai e Argentina, está negociando com os
demais países da América e União Européia. Há outros colóquios regionais em
estudo, mas nosso País não possui uma associação de livre comércio entre os
Estados. Um produto que sai do Paraná para São Paulo vai a 12% de alíquota, e o
retorno de São Paulo vai a 12%. Para o Nordeste é 7% e volta com 12%.
Então, há enorme contradição. Por exemplo, no MERCOSUL, a maioria das
alíquotas é zero. Se eu fosse Governador do Paraná, compraria apenas produtos
em locais onde a alíquota fosse zero. Eu quebraria esse sistema tributário brasileiro
no qual se cobra 12% de alíquota interestadual. Essa observação nos leva a
raciocinar que enquanto o Brasil não proceder à harmonização do seu sistema
tributário com os demais países desenvolvidos do mundo não poderá entrar em
nenhum bloco econômico maior do que o MERCOSUL. Enquanto o País está
brincando de mercado comum no Cone Sul, tudo bem. Tem seus altos e baixos, mas
tem agüentado. Mas no momento em que negociar com blocos maiores que
envolvem economias fortes e sólidas e com sistema tributário completamente
diferente do nosso... Nosso sistema tributário enseja a maior carga tributária e os
piores tributos do mundo. Costumo dizer que, se há vida lá fora, com certeza, o
Brasil será o país com o pior sistema tributário nas galáxias.
(Não identificado) - Passou da Terra.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
32
O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Isso, passou da Terra. É para
deixar claro e evidente o malefício do sistema tributário brasileiro. E não estou nem
citando as taxas de juros, as mais altas do mundo.
O ingrediente básico de uma negociação é a regra. Se a minha regra e a tua
são iguais, posso negociar com você. Aí, vai depender da minha capacidade,
eficiência, produtividade, qualidade do produto. Já entro nesse jogo perdendo, pela
ineficiência do sistema tributário, da taxa de juros e do Custo Brasil geral: estradas,
portos, aeroportos. Tudo é mais caro, tudo é mais difícil.
Li um artigo do Delfim Netto: Por que o Brasil não cresce? Não concordo com
o ponto de vista de S.Exa., porque ele não pegou o foco do problema. O Brasil não
cresce, não prospera enquanto não resolver o problema do sistema tributário.
Depois de harmonizado com os 10, 15 países que estão a nossa frente, aí, sim,
haverá economia de mercado, o que nos proporcionará competitividade, crescimento
e transferência da renda para os trabalhadores.
O sistema mais injusto do planeta é o do Brasil: boa parte da renda — embora
não tenha crescido no ano passado — é transferida para os mais ricos. É também o
País mais injusto do planeta. Injustiça que perpetua a pobreza e a miséria. A grande
massa dos consumidores não tem poder de compra. E grande parte desse poder de
compra, Deputada Luiza Erundina, foi perdido por causa do sistema tributário.
Apresentarei um dado final e encerrarei minha fala.
De 1988 a 2002, a economia brasileira cresceu 32%, média de 2.1%, 2.2% ao
ano. No mesmo período, a arrecadação cresceu 60%. Do total do crescimento da
economia, 55% foi engolido pelos novos tributos, pelo crescimento da receita. Então,
a presença do Estado, que chega a 36% do PIB — e ainda se gasta mais do que se
arrecada —, é tão brutal na vida do cidadão que é a causa do empobrecimento e da
miséria do povo. Falo isso como suporte ao nosso acordo. Feita a reforma tributária,
estabelecidas as novas regras, harmonizado o sistema, podemos entrar em qualquer
competição, porque a maioria das nossas empresas são internacionais, as que
competem internacionalmente.
Sr. Presidente, encerro minha intervenção parabenizando V.Exa. pela
realização de mais este evento.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
33
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao
Dr. Marcos Domakoski.
O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Agradeço à Comissão a oportunidade.
Ao responder a primeira pergunta feita pelo Deputado, quero dizer que, no
nosso entendimento, a boa performance das commodities agrícolas e industriais não
é resultado de uma política industrial voltada a tornar a balança comercial
estruturalmente superavitária. Está, sim, sustentando-se nas conquistas estruturais
de outros países, como a China, por exemplo.
O nosso caminho passa pelas reformas sistêmicas que precisam ser feitas,
porque elas geram enorme impasse no que diz respeito à competitividade.
E aproveito o gancho dado pelo Deputado Luiz Carlos Hauly, que esteve
presente num encontro da Comissão de Reforma Tributária, junto com o Deputado
Mussa Demes, na Associação Comercial do Paraná, e expressou sua insatisfação
com o projeto de reforma tributária que tramitava na Casa e apresentou proposta
alternativa que lamentamos muito não ter prosperado.
Realmente, nobre Deputado, durante nossa apresentação, quando falamos
em competitividade entre Brasil e Estados Unidos, dissemos que a competitividade
do nosso País é duas ou três vezes pior do que a dos Estados Unidos, em função do
sistema tributário, hoje em trinta e seis ponto qualquer coisa, e está previsto
aumento de 1.2% para este ano, o que nos coloca em quarto lugar dentre os países
que mais tributam em relação ao PIB mundial. No nosso entendimento, esse é um
dos grandes obstáculos.
A livre concorrência entre os Estados é assunto da maior relevância.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao
Dr. Marcos Sawaya Jank.
O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Em relação à estratégia do G-20,
realmente acho que foi uma grande estratégia no passado. A agricultura trouxe essa
bandeira de o Brasil ocupar o seu lugar natural, enquanto líder nas exportações
agrícolas, na competitividade e etc.
De fato, conseguimos reverter um processo de acomodação que estava em
andamento na OMC, no qual, se o documento dos Estados Unidos e da Europa
fosse aprovado, preservaria a quase totalidade das políticas usadas por eles, de
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
34
modo que aconteceria novamente o que ocorreu na Rodada do Uruguai com relação
ao acordo agrícola, em que, na verdade, avançamos muito pouco.
Esse talvez tenha sido o principal evento de política comercial do Governo
Lula: a construção do G-20. É o que há de mais sólido até agora. Não sei se vai
durar, mas é muito sólido. E isso foi possibilitado pela organização que a agricultura
tem hoje com relação a essa questão.
Em outras áreas eu acho que nós andamos de maneira muito tímida. A ALCA
— eu já disse isso — e o acordo com a Europa também serão essencialmente
tímidos; trarão muito poucos ganhos. E isso realmente não é muito fácil de se
explicar, porque, de certa forma, conforme eu já mostrei hoje, há espaço para
concessões. A legislação brasileira, os acordos que assinamos no passado, nos
permitem fazer várias concessões e, ainda assim, preservar a política industrial que
está sendo proposta, bem como as políticas tecnológicas existentes. Mas
infelizmente nós estamos andando em velocidade muito lenta.
O Deputado disse que o Brasil tem um problema fiscal, de excesso tributário,
de desequilíbrio de contas públicas. Eu acrescento que nós temos também
problemas relacionados à legislação trabalhista, além de vários outros. Mas o fato é
que, se esperarmos a resolução de todos os problemas para depois iniciarmos um
processo de negociação, demoraremos muito tempo. Acabamos de fazer uma
reforma que não agradou ninguém. Se formos esperar a próxima reforma tributária
para depois começar a negociar, quanto tempo vamos perder? O mundo não vai
ficar parado esperando nós votarmos uma nova reforma tributária. Os nossos
vizinhos já estão fechando acordos. Hoje 70% do comércio do Brasil vai para as
Américas, e as vendas se dão, em grande parte, de produtos industriais, os quais
têm preferências que nós negociamos no passado, na época da ALADI, por causa
do MERCOSUL.
E se isso tudo for engolido por uma ALCA sem o Brasil? Nós vamos continuar
conseguindo exportar automóveis e outros produtos para a Bolívia, o Peru e outros
países? Hoje nós temos preferência nesses mercados, e amanhã poderemos não ter
mais — e amanhã não é daqui a 10 anos, quando for finalmente aprovada a nossa
reforma tributária; é no ano que vem, é daqui a 2 ou 3 anos.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
35
Portanto, nós temos que ser mais pragmáticos. Eu concordo que hoje o Brasil
tem problemas estruturais de competitividade em algumas áreas. Em outras, no
entanto, nós somos líderes mundiais. Hoje nós somos os melhores ou estamos entre
os três melhores do mundo em agricultura. E isso não é pouco, porque, conforme foi
dito aqui, algo maravilhoso que aconteceu nos últimos anos foi a mudança do
pensamento generalizado de que a agricultura é um setor decadente, pois exporta
apenas commodities; que o Brasil só faz produtos básicos.
Hoje está mais do que provado que esse é um dos setores mais dinâmicos da
economia mundial. Por quê? Porque a China resolveu comer direito. Antes ela
consumia 7 quilos de carne por habitante, por ano, e agora vai consumir 8 quilos por
habitante, por ano. Um quilo a mais por chinês, por ano equivale à atual exportação
brasileira de carne. E o Brasil consome quase 40 quilos de carne por habitante, por
ano. Vejam V.Exas. o que representa um quilo a mais por chinês! Equivale a um
Brasil, atualmente o maior exportador mundial de carne bovina!
Portanto, existe espaço hoje para o Brasil crescer exportando comida. E isso
depende de negociação, de uma postura pragmática. O que nós não podemos fazer
é achar que temos que esperar a aprovação da reforma tributária, porque, com ela,
nós vamos competir. Não. Nós temos que usar a negociação, que nos impor a um
longo período de adaptação, como vetor para fazer a reforma ser aprovada mais
rapidamente. E isso é possível. Na minha opinião, é totalmente possível que a
negociação caminhe e seja realmente um elemento para fazer as reformas andarem.
Elas são necessárias; absolutamente necessárias.
O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Desejo fazer apenas uma
ponderação.
A reforma tributária não tem como objetivo tratar de vendas, mas de compras.
Ela cria mecanismos contra o produto que chega ao Brasil. É por isso que eu falo em
harmonização tributária. Eu não tenho medo da exportação, porque o produto que é
vendido sai zerado, mas o problema é a competitividade interna, que nós não temos,
devido ao excesso de incentivos fiscais, de evasão, de elisão.
Há que se considerar que, além dos 36% do PIB arrecadados, há mais 16%
que não o são, devido à evasão, que está dividida um pouco em incentivos, um
pouco em elisão, um pouco em sonegação e outro tanto em corrupção.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
36
A preocupação, portanto, é com o mercado interno brasileiro. É claro que nós
temos unidades industriais que podem vender para qualquer país do mundo.
O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Eu só queria fazer uma observação.
É verdade o que disse V.Exa., Deputado, mas nós temos que lembrar que,
quando fazemos uma negociação como a ALCA ou qualquer outra, damos às
importações o mesmo tratamento fiscal que dispensado aos produtos feitos no
Brasil. Certo? Portanto, se o nosso produtor paga ICMS, COFINS etc., teoricamente,
nós temos todo o espaço para impor ao produto importado o mesmo conjunto de
taxações a que o nosso produtor está sujeito. A diferença que existe é apenas algo
chamado tarifa de importação, a qual hoje já é muito baixa no Brasil.
Ou seja, conforme eu disse no começo da minha intervenção, o grande
impacto da abertura brasileira já ocorreu nos anos 90, quando nós derrubamos a
tarifa de 60% para 12%. E isso foi muito cruel, porque foi feito numa época em que o
câmbio estava subvalorizado e taxas de juros, altíssimas. Portanto, a grande
estruturação da economia já aconteceu. Um processo de adaptação à ALCA hoje
será muito mais lento e suave do que o que já aconteceu àquela época.
Por isso, eu continuo achando que a adesão à ALCA pode ser um elemento
indutor para completar essas reformas, mais do que nós ficarmos parados
esperando uma reforma durante talvez 5 ou 10 anos, para que saia alguma coisa —
e talvez nem saia —, e vendo à nossa volta uma explosão de acordos que poderão
deslocar investimentos e comércio daqui para outros países.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - São 16h50min e, por
isso, a Presidência encarece aos Srs. Deputados que sejam objetivos nas suas
proposições.
Evidentemente nós nos sentimos honrados com as exposições dos nossos
convidados, mas também a eles pedimos que procurem precisar melhor o debate,
para que todos tenham oportunidade de dele participar.
Concedo a palavra ao Deputado Ivan Valente.
O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sr. Presidente, senhores debatedores,
tentarei ser o mais objetivo possível, embora o assunto seja de grande alcance.
Começo dizendo ao debatedor Dr. Marcos Jank que o unilateralismo e o
multilateralismo podem ser adotados de diversas formas. Os Estados Unidos, por
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
37
exemplo, são multilateralistas quando lhes interessa. O Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial são organizações multilaterais — que eles
controlam, porque são sócios majoritários. Quando necessitaram invadir o Iraque, no
entanto, foram unilateralistas e mandaram a ONU às favas.
A China e a Índia, que não dependem do Fundo Monetário Internacional,
apresentam os maiores índices de crescimento econômico da década, conforme
V.Sa. sabe. Cresceram entre 8% e 10% ao ano no período.
Então, veja que isso é uma questão relativa.
A segunda questão que quero abordar — e sobre a qual gostaria de ouvir o
comentário dos nossos debatedores — é o fato de que a decisão de participar da
ALCA não é uma questão técnica. Embora seja necessário o suporte técnico para
tomar a decisão, ela é uma questão política. E é por isso que o Parlamento vai
apreciar a matéria, aprovando ou não o acordo que cria a área de livre comércio.
Não se trata, portanto, de decisão executiva, mas política, que vai levar em conta
todo um conjunto de outras decisões.
Tratarei, agora, de provocar um pouco os dois debatedores.
O Dr. Marcos, da Associação Comercial do Paraná, levantou uma questão de
que o outro debatedor, Dr. Marcos Jank, não tratou: a necessidade de criarmos
gaiolas para apanhar tubarões, uma vez que a luta da ALCA é de tubarões contra
sardinhas. Eu gostaria que V.Sas. debatessem um pouco sobre isso.
Eu acho que se trata de discutir que assimetrias existem entre países com
níveis de desenvolvimento díspares, como os Estados Unidos e outros países da
América Latina, mais particularmente outros países mais atrasados do que o Brasil.
A diferença está aí. Então, por exemplo, eu gostaria que comentassem se qualquer
país que vai negociar com outro — ou outros — não deve levar em conta essas
assimetrias. Aí entra, é óbvio, o problema da proteção e dos tratamentos
diferenciados. Assim não há acordo, mas desvantagem geral sobre as questões. É
claro que num acordo se fazem concessões, mas há as assimetrias que devem ser
levadas em consideração.
Quanto ao quarto ponto que quero abordar, farei uma pergunta. Eu ouvi do
Dr. Marcos Jank, durante a sua exposição, que a ALCA é responsável por 50% do
comércio do Brasil. Mas qual ALCA? A ALCA não existe ainda!
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
38
E eu pergunto o seguinte: se o Brasil é responsável por 5% do PIB latino-
americano e o Estados Unidos são responsáveis, sozinhos, por 80% dele, o NAFTA
é responsável por quanto, se somarmos mais o Canadá e o México?
Para mim não há ALCA sem o Brasil. Desculpe-me, mas não há. O
bilateralismo existe porque a capacidade de atração e de imposição do império
americano é tão grande que não resta outra solução a países do Caribe que não
fazer acordo bilateral. Eles não têm outra solução. Por isso, vendem para os Estados
Unidos banana etc. Mas o Brasil tem formas — e neste ponto eu concordo com
V.Sa. — de viver sem esses acordos. Concordo com V.Sa. que o G-20 talvez tenha
sido um dos maiores avanços conquistados pelo atual Governo.
O sentido de resistência à ALCA que o Governo brasileiro está dando é
correto, absolutamente correto, porque não é tão simples dizer que nós abriremos
nossas compras governamentais, nossos serviços, a propriedade intelectual e eles
farão o mesmo. Eles não farão isso! Com isso eu não quero dizer que a União
Européia fará.
Vejam, a OMC também é um órgão multilateral, mundial, no qual hoje o Brasil
obteve, teoricamente, uma vitória sobre a questão do algodão. E lá também os
grandes se somam naquilo em que não têm divergências. Estados Unidos e União
Européia se somam nos pontos sobre os quais não divergem para fazer pressões
sobre os países que têm menos força, porque isso tudo é um jogo de pressões
políticas e de capacidade comercial.
Então, como o Brasil deve agir? Procurando as janelas, as contradições, a
negociação multilateral, a abertura para países do tipo da China, da Índia e da África
do Sul e também negociando com a União Européia.
A impressão que passam alguns estudiosos do tema é a de que, se a ALCA
não der certo, nós não comerciaremos mais com a América nem com os Estados
Unidos, o que não é verdade. É claro que o comércio continuará!
O que nós não podemos aceitar, me parece, é uma imposição. Eu queria que
comentassem isso. Há ALCA sem Brasil? Há, de verdade? Porque no MERCOSUL,
por mais que haja cisões — como a causada pelo Uruguai, país pequeno, que vacila
—, até agora há unidade entre Brasil e Argentina, e tal unidade diz respeito à
discussão sobre o MERCOSUL e a ALCA. E, se somarmos a Venezuela, que
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
39
também tem posição contrária à criação da ALCA, é evidente será preciso os
Estados Unidos negociarem em outro patamar. Então, não há integração.
Integração é outra coisa — eu volto à discussão. Onde está a liberdade de
circulação das pessoas? Onde está a discussão sobre a unificação — que não
existe nem do MERCOSUL — das questões salariais e do salário mínimo etc.? Isso
não se discute!
O livre comércio e a livre circulação de capitais são algo muito bom, mas para
alguns. Eu quero saber qual é o impacto disso na vida do povo, na nossa
capacidade de competição. Não é só aumentando as exportações que se melhora a
vida do povo. Temos que ver se isso realmente virá em benefício da distribuição de
renda, do crescimento sustentável etc. São esses aspectos que, na minha opinião,
qualificam nosso debate no Parlamento
Infelizmente, não tenho mais tempo, embora tivesse outras perguntas a fazer.
Agradeço a tolerância do Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Muito obrigado,
Deputado Ivan Valente.
Concedo a palavra à Deputada Dra. Clair.
A SRA. DEPUTADA DRA. CLAIR - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
inicialmente, manifesto minha satisfação por ter na Mesa um paranaense, o Dr.
Marcos Domakoski, Presidente da Associação Comercial do Paraná.
Muito me orgulha ver na Mesa V.Sa., que sempre pauta o trabalho da
Associação Comercial por inúmeros debates acerca da economia, bem como de
vários outros temas relacionados com o setor de comércio, com a ALCA, além de
outros assuntos de interesse não só do comércio, mas de toda a nossa Nação.
Pergunto a V.Sa.: que reflexos poderá ter sobre o comércio do nosso País
uma liberalização comercial nos moldes propostos pela ALCA?
Quero, ainda, fazer ao Sr. Marcos Jank uma pergunta a respeito do
desequilíbrio existente entre os diversos países. V.Exa. disse que o PIB dos Estados
Unidos é o equivalente a 80% do de todos os outros países e que o do Brasil
representa 5%. Nos outros países, a representação em termos do comércio mundial
é menor do que a do Brasil. Eu pergunto, portanto, a V.Sa. como nós poderíamos
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
40
possibilitar o equilíbrio entre esses 34 países com a liberalização total das tarifas
entre eles.
Considerando-se que os Estados Unidos têm maior PIB, melhor tecnologia,
produtividade mais acentuada, incentivo à pesquisa, se houver a total liberalização
das tarifas, nos moldes propostos pela ALCA — geral, genérica, abrangente, como
se diz —, ela não prejudicará os outros países, exatamente por causa desse
desequilíbrio?
Nós não teríamos que, como se fez na União Européia, verificar os países
que têm maiores dificuldades em relação aos que têm maior poder e estabelecer
algumas compensações, antes de propormos a criação de uma ALCA tão
abrangente e a implementação dessas tarifas liberalizantes?
Enfim, como nós vamos promover o equilíbrio entre esses diversos países?
Quero acrescentar, ainda, respondendo inclusive ao Deputado Magalhães,
que o Governo Lula, quando assumiu o poder, herdou vários problemas, entre os
quais uma dívida muito pesada e um Risco Brasil muito acentuado. Infelizmente,
está, hoje, tendo que administrar essa herança.
Mas quero também ressaltar que neste ano aumentou sensivelmente o
volume de colocação dos nossos produtos no comércio mundial, ponto bastante
positivo alcançado pelo Governo Lula, apesar da herança maldita que recebeu. Tal
volume passou de 1% para 1,04% ou não sei exatamente quanto — sei que houve
significativo aumento —, apesar das dificuldades que encontramos, a maioria
relacionada ao Governo anterior.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Presumo que a
Deputada Dra. Clair tenha pretendido fazer referência às observações do Deputado
Antonio Carlos Mendes Thame. Digo isso apenas para que o registro taquigráfico
consigne adequadamente, uma vez que não há nenhum Deputado Magalhães
presente.
O Dr. Marcos Domakoski, quando veio colaborar conosco, avisou-nos que
tem um compromisso inadiável, um vôo. Por isso, indago aos 2 Deputados inscritos
se têm alguma pergunta específica para S.Sa., pois, em caso afirmativo, ele as
responderá e em seguida se retirará da reunião.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
41
Concedo a palavra ao Deputado Feu Rosa.
O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Eu tenho, Sr. Presidente.
Eu gostaria de tratar de 2 assuntos.
É claro que eu teria comentários a fazer sobre a questão de nossos tributos,
as reformas, o MERCOSUL, o Paraná, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais,
mas, considerando a premência do tempo, falarei especificamente sobre um ponto.
Em primeiro lugar, agradeço a V.Sa., Dr. Marcos, por ter vindo aqui e feito a
brilhante palestra com que nos brindou. Na sua exposição foram abordados pontos
muito interessantes. Em muitas áreas, ela abriu um pouco mais a minha mente e
enriqueceu sobremaneira a Câmara dos Deputados e esta Comissão.
Dr. Marcos, quando V.Sa. disse que as compras governamentais no Brasil
somam cerca de 7 bilhões de dólares e as compras governamentais nos Estados
Unidos somam 200 bilhões de dólares, V.Sa. se referiu às compras da União, dos
Estados e dos Municípios ou só às da União?
O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Na verdade, é V.Exa. que está
quantificando. O que eu disse é que 10% do PIB brasileiro é destinado às compras
do Governo Federal e que 20% do PIB americano é o que corresponde às compras
federais americanas. Então, os números V.Exa. está obtendo com base nos
percentuais do PIB. Mas foi isso que eu disse.
O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Mas eles se referem apenas às compras do
Governo Federal? Não se refere às de Estados e Municípios também?
O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Não, os 10% se referem apenas ao Governo
Federal.
O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Então, de fato, o número é muito maior do
que esse.
Desejo tratar de outro ponto. Na época em que o Sr. Requião era Presidente
da Comissão do MERCOSUL e eu era Secretário Geral do colegiado, nós fomos ao
México, onde tivemos oportunidade de saber muitas coisas a respeito do NAFTA etc.
Na ocasião, soubemos de algo muito interessante: grande parte das médias,
pequenas e microempresas do México — na época parece que se falava em 30 mil
—, consorciadas ou mesmo sozinhas, levaram seus funcionários todos e saíram do
México rumo ao Estado do Texas, onde mais de 50% da população fala espanhol.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
42
De lá vendiam para o Governo do Texas e para o Governo dos Estados Unidos,
quando podiam, na condição de empresas americanas. Ganhavam as
concorrências, obtinham seu lucro e o remetiam para o México.
Por isso, eu pergunto: existiria algum mecanismo brasileiro — em especial
algum que ligasse o Rio Grande do Sul, o Paraná, Santa Catarina, possivelmente
São Paulo e uma parte de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, Estados em que, pelo
que eu conheço, as associações de médias, pequenas e microempresas são mais
organizadas, mais ativas, mais conflitantes e conseguem maiores benefícios para os
seus associados e são bem mais informadas sobre o assunto — que permitisse que
as empresas brasileiras fizessem o mesmo? Existiria na ALCA algum impedimento
relacionado ao Small Business Act, dos Estados Unidos, a tal iniciativa? Existe a lei
americana que determina que compras de 2.500 a 100 mil dólares só podem ser
feitas pelo Governo de pequenas empresas, o que é uma quantidade imensa de
vendas.
Como nós temos competitividade, em muitas áreas temos mão-de-obra mais
barata e agora dispomos do recurso da Internet, essas associações de
microempresas e de pequenas empresas não poderiam se localizar em algum
Estado americano — mesmo que fosse virtualmente, com pequenos investimentos
—, conhecer a lógica empresarial de pequena empresa nos Estados Unidos e, lá
dentro, fazer parte das empresas que vendem para Governo Federal, o dos Estados
e o dos Municípios americanos?
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - São suas indagações,
nobre Deputado?
Deputado Zarattini, a Mesa já sabe que as questões de V.Exa. são dirigidas
ao Dr. Marcos Jank e, portanto, podemos deixar a intervenção de V.Exa. para o
momento adequado.
Eu quero aproveitar este momento para que todos os Deputados formulem as
perguntas dirigidas ao Dr. Marcos Domakoski, uma vez que S.Sa. vai se retirar da
reunião. (Pausa.)
Concedo a palavra ao Dr. Marcos Domakoski.
O SR. MARCOS DOMAKOSKI - Começarei me dirigindo ao nobre Deputado
Ivan Valente.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
43
Eu concordo com V.Exa. Acho que a questão da criação da ALCA é política.
Demanda embasamento técnico, mas é política. E por isso ressalto a sensibilidade
de V.Exas., Parlamentares, e desta Comissão com relação ao ideal democrático de
que o Governo não tem mandato para realizar sozinho os acordos internacionais
que possam comprometer a nossa soberania.
Acho, portanto, que se trata de questão política, sim.
Quanto à assimetria, acho que pode ser combatida com negociação eficiente
e com a criação de gaiolas, como, por exemplo, a reserva das compras públicas.
V.Exa. se referiu ao Canadá e ao México. O Canadá tem 5% desse montante
todo e o México, 3%. Então, de fato, eu acho que nós, como sardinhas, temos que
criar essas gaiolas e usar a competência do Itamaraty — que, como bem disse o
meu companheiro de Mesa e palestrante, Dr. Marcos Jank, é um dos quadros mais
talentosos do mundo — a nosso favor para criarmos condições que nós dêem ganho
de competitividade. E aí acho que o famoso BRIC , composto por Brasil, Rússia,
Índia e China, pode ser um elemento importante para ser conduzido paralelamente,
até para reforçar o nosso poder de negociação com a União Européia e os Estados
Unidos.
A negociação é política? É política, sim. E eu acho que nós acreditamos
nessa política do Itamaraty para tirar vantagens dessa situação e compensar as
assimetrias.
Com relação à pergunta da nossa amiga Deputada Dra. Clair sobre a
liberalização e os seus reflexos — como as minhas transparências não puderam ser
exibidas, eu vou me valer da transparência do Dr. Marcos Jank —, devo dizer que,
se a proposta original fosse aceita, acho que seria realmente um desastre para o
nosso País, não só em termos de desindustrialização, como de perda de postos de
trabalho. Apenas alguns setores específicos, nos quais o Brasil é altamente
competitivo, sobreviveriam. Não me refiro apenas à agricultura, mas ao setor do
papel e da celulose, por exemplo, que compete em qualquer situação, na medida em
que o eucalipto aqui cresce na metade do tempo necessário no Hemisfério Norte.
Então, segmentos isoladamente teriam condições de competitividade. Mas, se fosse
assumida aquela ALCA geral e irrestrita, eu acho que sacrificaria muito o nosso
desenvolvimento econômico.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
44
Finalmente, nobre Deputado, quanto à possibilidade de as empresas
brasileiras se agruparem e poderem competir no mercado americano, eu não sei se
nós estaríamos preparados para isso, até porque hoje a pequena e a média
empresas brasileiras, principalmente, estão lutando muito para sobreviver. Não
obtiveram lucro nos últimos 3 anos, têm tido seu capital reduzido, não estão
conseguindo gerar crescimento e novos postos de trabalho. Portanto, neste
momento de fragilidade, acho pouco provável uma aventura, digamos, em novos
espaços, em novos mundos etc. Não digo que isso não possa ocorrer. Sim, nós já
fizemos isso em outras partes do mundo. Mas não veria isso como a regra e, talvez,
como a exceção.
Sr. Presidente, eu gostaria, por fim, de agradecer muito a oportunidade de ter
trazido aqui algumas reflexões, na condição de engenheiro que luta com seu
negócio para sobreviver. Para mim e para a entidade que presido foi um privilégio
poder ter participado desta exposição, deste debate, que por certo enriqueceu muito
minha pessoa e minha entidade.
Agradeço, portanto, o privilégio de ter podido participar desta reunião.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Dr. Marcos
Domakoski, tenho certeza de que a Associação Comercial do Estado do Paraná está
honrada com o Presidente que tem. A Comissão de Acompanhamento das
Negociações da Área de Livre Comércio das Américas também se sentiu honrada
pela positiva e rica contribuição dada por V.Sa. na reunião de hoje.
Em caráter excepcional, inclusive como deferência ao valoroso Estado do
Paraná, nós permitimos esse fracionamento do depoimento, até para mostrar que a
Casa é muito mais flexível do que alguns negociadores da ALCA.
A reunião é profundamente gratificante. Lamento que V.Sa. tenha que se
retirar, mas desejo que leve da Casa o agradecimento por sua ponderável
contribuição na tarde de hoje.
Concedo a palavra ao Dr. Marcos Jank.
O SR. MARCOS SAWAYA JANK - Obviamente, vou discordar dessa idéia de
que a liberalização destruiria a empresa brasileira, até porque temos uma
experiência de liberalização unilateral, feita nos anos 90, muito maior do a que está
se falando hoje, e percebemos que a indústria continua presente. As empresas
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
45
desaparecem muito mais por causa de erros de política pública, erros cambiais
crassos, do que efetivamente da liberalização. Para deixar bem claro, estamos
falando de uma tarifa que hoje está em 12% e poderá cair a zero em 20 anos. Tenho
a impressão de que uma economia que não sobreviva a uma queda de tarifa de
importação de 12% em 20 anos, realmente tem de perecer, porque esses ganhos de
produtividade têm de existir. Aliás, na realidade, nossa tarifa efetiva é muito menor
do que 12%. Doze por cento é a tarifa de nação mais favorecida. A tarifa real
brasileira é de 7%. Muitos países hoje gozam de tarifa zero no Brasil, caso dos
países do MERCOSUL. Portanto, não consigo enxergar essa tarifa como um efetivo
meio de garantir competitividade. Talvez fosse há 10 anos. Talvez naquela época se
pudesse dizer que a indústria iria perecer. Hoje, o que pode fazer a indústria perecer
não é a tarifa, e, sim, erros de política pública. Agora, alguém vai sempre dizer que
temos de engolir outras negociações, compras governamentais, investimentos,
serviços, etc., e não apenas tarifa. Claro, é verdade. Mas temos enorme espaço na
legislação brasileira para fazer concessões, e, cedo ou tarde, faremos essas
concessões a alguém. Se não queremos negociar com os americanos, pelas razões
mais diversas, inclusive de cunho ideológico, os europeus vão pedir a mesma coisa.
Se não forem eles, serão os japoneses ou os chineses. Digo que esses temas
voltarão à mesa em qualquer frente de negociação. Só quem não vai pedir isso são
os países pequenos. Mas eles vão pedir compensações. Da mesma maneira como
queremos ser compensados na ALCA, talvez pelos Estados Unidos, tenha certeza
de que se abrirmos a porta da compensação, mais de 20 países da ALCA vão pedir
compensações para o Brasil, porque, perto deles, consideram o País rico.
Aliás, está acontecendo um escalonamento perigoso hoje, uma tentativa de
dividir o Terceiro Mundo em dois grupos, o dos superpobres e dos meio pobres. O
grupo dos superpobres quer que os meio pobres, onde está encaixado o Brasil,
pague uma parte da conta das benesses que têm. Portanto, não é tão simples
assim. A maior parte da África está cooptada com os países ricos contra as
economias mais competitivas. Por que não conseguimos abrir a agricultura? Apenas
porque existe lobby nos Estados Unidos e na União Européia? Essa é uma visão
simplista. É porque mais de 100 países no mundo hoje têm quotinhas, esquemas
preferenciais, subsídios dos países ricos. Existe uma aliança entre os mais pobres e
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
46
os mais ricos contra os mais competitivos na agricultura. Quem não viu isso é
porque realmente nunca analisou a fundo a situação. Temos de tomar cuidado com
essa história de compensação. Claro que seria ótimo se a ALCA fosse uma união
americana como é a União Européia. Também preferiria que caminhássemos nessa
direção. Mas até agora isso não foi oferecido. E nem a Europa fará isso conosco.
Está ocorrendo uma zona de livre comércio, que pode ter um formato hemisférico ou
de 100 acordos bilaterais. Isso é o que vai acontecer. Claro que a ALCA, no seu
sentido inicial, não existe sem o Brasil. Mas, sem o Brasil, existirão 100 acordos de
comércio que poderão desviar nosso interesse.
Volto a dizer: há anos discutimos se queremos ou não a ALCA. Claro que se
trata de problema político. Agora, além de político, o problema é técnico.
Tecnicamente há espaço para o Brasil fazer concessões na ALCA, as mesmas que
terá de fazer para a União Européia ou para qualquer outro bloco. Interessa que o
Brasil não se isole. Se não queremos a ALCA, temos de ter um plano b muito bem
construído. Essa idéia de tubarão versus sardinha não casa. Se fosse assim, por
que o Uruguai faria acordo com o MERCOSUL? Qual o interesse do Uruguai em se
aproximar do Brasil. Quer dizer que foi um péssimo negócio para o Uruguai? Para
Portugal, para a Grécia e, agora, para a República Tcheca e para esses pequenos
países é um péssimo negócio se integrar à Alemanha ou à Inglaterra? Será que é
um péssimo negócio para a América Central se integrar aos Estados Unidos? Então,
por que é que eles querem a integração? Será que estão todos eles equivocados?
Será que quando assinaram acordos com os Estados Unidos estavam tendo um
surto de loucura? Não, eles estão apenas seguindo uma lógica, e essa lógica passa
por esquemas preferenciais com os Estados Unidos. Eles darão essa preferência. A
Colômbia deu porque quer apoio para combate à droga e outras razões mais. O
México também, e o México tem o nosso tamanho. Alguém pode alegar que o
México está ali do lado, tem fronteira. Ora, o Chile e a Austrália também deram, a
Tailândia e a África do Sul darão, e a China também, em algum momento. Não
tenham dúvida disso. Está todo mundo negociando com todo mundo. Acho que não
devemos pensar se somos grandes ou pequenos. A pergunta é outra: conseguimos
ou não conseguimos fazer um acordo balanceado?
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
47
As pessoas acham que eu sou um defensor da ALCA. Não, não sou. Ainda
nem há ALCA hoje para ser julgada. Por isso fui contra o plebiscito que se quis
fazer. Plebiscito sobre o quê? Não havia nada, como hoje ainda não há. Sou sim a
favor da negociação. Acho que a negociação tem de ser feita, com pragmatismo e
também com viés político, é claro. Eventualmente, buscar-se-á este ou aquele
caminho.
Eu entendo que este Governo tem maior dificuldade com a ALCA do que o
Governo anterior, mas precisamos ser pragmáticos. A ALCA seria um caminho até
para conseguirmos um melhor acordo com a Europa. E, se não fizermos acordo com
a Europa, o que vai nos sobrar? China? Índia?
Muito bem. Estou louco para ver o dia em que nos sentaremos com a China e
pediremos a eles pleno acesso ao mercado agrícola. Quero ver o que eles nos dirão.
Tenho absoluta certeza de que eles serão muito mais reticentes do que os
americanos, e por uma razão muito simples: 50%, 60%, se não 70% da população
chinesa está em zona rural, migrando para as cidades em busca de melhores
empregos. Se eles abrirem totalmente seus mercados agrícolas, haverá uma
enchente de pessoas indo para as cidades. Por isso eles querem investir no Brasil.
Eles não vão abrir seus mercados agrícolas com a facilidade que alguns imaginam.
Temos, portanto, de agir com pragmatismo. Há espaço para melhorar nossa
oferta sem ferir o interesse nacional, sem ferir a tal política industrial que queremos
preservar, sem ferir a política tecnológica.
Compras governamentais é um mercado perigoso? Sim, então vamos fazer
um acordo balanceado. Vamos preservar o que o Estado compra das pequenas
empresas, mas vamos abrir a concorrência para grandes empresas. Por que não?
Até o Estado poderá comprar mais barato. E vamos pedir a reciprocidade. Talvez a
gente perca numa concorrência das compras que a PETROBRAS fará de, sei lá,
eventuais plataformas. Mas, por outro lado, pode ser que consigamos vender
produtos para o Governo americano ou outros Governos latino-americanos.
Precisamos tratar esse comércio com pragmatismo. Podemos conseguir
acordos balanceados, em vez de simplesmente rejeitar determinadas frentes de
negociação em troca de algo que até hoje não está claro.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
48
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Tem a palavra o
Deputado Feu Rosa. Em seguida falará o Deputado Zarattini.
O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Dr. Marcos, eu gostaria de elogiar esse seu
posicionamento. Na campanha passada eu era do PSDB. Hoje estou na base
governista, por inúmeras razões. Estou muito preocupado com a ALCA porque,
desde que resolvemos no Brasil promover a substituição de importações para
ampliar nosso desenvolvimento, não vi nada semelhante à ALCA como a
possibilidade de entrarmos num sistema real de comércio global, de comércio
internacional.
O que o senhor disse nesta palestra, que eu julgo extremamente lúcida,
brilhante até, tenho repetido nesta Comissão, na Comissão do MERCOSUL, no
plenário da Câmara dos Deputados. Acho mesmo que não existe hoje, em razão de
uma série de fatores econômicos e financeiros, saída para o Governo Lula que não
seja via ALCA, e uma ALCA bem amplificada.
O Dr. Marcos disse que não sabe qual é o destino da pequena e da média
empresa no Brasil. Pois esse destino depende da abertura do nosso mercado.
Vamos analisar um item apenas: contas governamentais. Para brasileiros ter
essas contas é uma dificuldade enorme. Quando afundou a P-36 nós lutamos muito,
até o Presidente Lula teve de interferir para que, por causa de 6%, a nova
plataforma não fosse produzida em Cingapura. E Rio de Janeiro sofrendo um
tremendo desemprego. A realidade brasileira é essa.
Eu diria que não há saída para o Governo Lula que não seja a ALCA. Só
assim o Brasil se posicionará com tranqüilidade no comércio mundial.
É ridículo, mas hoje em dia o Brasil tem 1% do mercado mundial. Um país
como o Brasil contribuir com 1% para o mercado mundial!? É preciso ter o espírito
muito medíocre para achar que isso tem alguma importância.
Agora vamos passar para o reverso da medalha. Será possível para nós
exportar 300 bilhões de dólares por ano e importar 250 bilhões de dólares por ano?
É claro que não. Então, temos de criar condições de sustentabilidade para a
exportação e a importação possíveis. Imaginem se fôssemos exportar hoje 300
bilhões de dólares! Pararia o Brasil todo, todos os nossos portos. Não temos infra-
estrutura para isso, nem para exportar nem para importar.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
49
Em burocracia nem se fale. Sr. Presidente, para colocar qualquer mercadoria
num caminhão no Espírito Santo e despachá-la para Minas Gerais a papelada é
enorme. E, se esse mesmo caminhão vai voltar para o Espírito Santo, é outra
papelada.
Tarifa externa comum? Que tarifa externa comum do MERCOSUL é essa, se
não há tarifa interna comum?
O Dr. Marcos disse uma coisa brilhante. Vamos esperar a reforma tributária
para o Brasil se desenvolver? Isso é uma piada. E o modelo está aí. ALCA e União
Européia é muito mais complicado. Nós até já discutimos isso na Comissão
anteriormente, Sr. Presidente.
Eu queria fazer uma pergunta.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Deputado Feu Rosa,
desculpe-me interrompê-lo, mas está tendo início a Ordem do Dia. Eu peço a V.Exa.
que conclua, para que possamos encerrar nossos trabalhos.
O SR. DEPUTADO FEU ROSA - Concluirei.
Dr. Marcos, eu acho que existem pessoas do próprio Governo Lula sabotando
o Governo, no Itamaraty, na classe política etc. Quem está tentando impedir o
acordo? Eu fui muito menos votado porque era a favor da ALCA. Eu via minha
fotografia em tudo quanto é igreja com a indicação de que eu era a favor da ALCA.
Em tudo quanto é lugar vi esse tipo de coisa. Acho que o Deputado José Thomaz
Nonô também passou por isso. E ninguém sequer sabia o que era ALCA. Era uma
coisa louca, ideológica, e, no fundo, muito promíscua.
Mas sobrevivemos. Minha pergunta é esta: que interesses estão por trás
desses sabotadores? No meu entender, sabotadores sim, porque não há outra saída
para o Governo Lula. O Governo tem poucos meses para dar a arrancada final para
sua sucessão, e haverá eleições este ano. Quais são os interesses por trás dessa
verdadeira barreira contra a entrada do Brasil no mercado real global? O que é que
está se passando neste País? Será que esse povo está louco, completamente
cego? Estamos com 1% do mercado.
Há 20 anos tínhamos o dobro das exportações da China, hoje não temos nem
a metade. Nossas reservas não chegam a 25 bilhões de dólares, como o senhor
bem sabe, enquanto as da China são de 260 bilhões. Eles armaram uma tecnologia
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
50
para exportar para os Estados Unidos e até para a Europa. Nós temos essa
tecnologia? Estamos exportando por causa do agribusiness, nisso a gente dá show
de bola. Mas as pequenas e médias empresas estão aí, conforme descreveu o Dr.
Marcos, pagando 40% de carga tributária. O que é que está por trás desses que eu
julgo verdadeiros sabotadores do novo modelo de desenvolvimento do Brasil? A
abertura do nosso mercado é que trará investimento direto e indireto para o País,
entrada de divisas, de investimentos e não de créditos, de bancos emprestando para
o Brasil, contra o Governo Lula, que nesse caso agora é contra o Brasil. O que está
impedindo esse Governo de dar essa alavancagem e alcançar 2 a 5% do comércio
mundial? Gostaria que V.Exa., que é um estudioso mais profundo da matéria — e
nós vimos o seu real conhecimento sobre o assunto — respondesse a essa
pergunta.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Dr. Marcos, o
Regimento da Casa obriga que, tendo início a Ordem do Dia, as reuniões sejam
encerradas. Mas, como se trata do último Deputado a inquiri-lo — Deputado Feu
Rosa —, peço a V.Sa. que não apenas responda as indagações, na medida do
possível, mas aduza as suas considerações finais, com os agradecimentos da
Presidência.
O SR. MARCOS SAWAYA JANK - As forças, conhecemos quais são. Há
forças anticomércio, antiintegração. E aqui mesmo, nessa Mesa, nós vimos o
Presidente de uma associação comercial anticomércio. Quer dizer, pelo que entendi
de suas posições, foram essencialmente anticomércio internacional, preservação do
mercado interno. Obviamente, a idéia seria — ou pelo menos eu penso assim — de
que uma associação comercial buscasse incrementar o comércio. Mas não é isso
que acaba acontecendo. Existem setores que entendem que o fechamento, que uma
economia fechada e tal seja uma solução mais adequada. Eu entendo que não.
Por exemplo, se pegarmos as estatísticas, quais são os países que mais
tiveram crescimento de comércio? São países que fizeram integrações ambiciosas,
como o caso do México, do Chile, que tiveram um grande crescimento nos volumes
totais de comércio. As importações e exportações, no México, cresceram nas duas
direções, e a relação entre comércio total e PIB do México aumentou enormemente.
Sempre se poderá dizer: Ah, mas o Norte se beneficiou, o Sul se prejudicou. Isso é
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
51
de se esperar que venha a ocorrer. É claro que o ganho não é para todo mundo;
sempre há ganhadores e perdedores. Mas o fato é que o México conseguiu
incrementar violentamente seu comércio e hoje é muito mais importante do que o
Brasil. Hoje, o México faz, na ida e volta, mais de 300 milhões de dólares. Quais os
outros países que fizeram isso? Países que tiveram ganhos de competitividade,
como a China, ao oferecer produtos baratos, ou tiveram crescimento de renda per
capita, como a China tem tido, e está muito abaixo ainda da renda brasileira.
São esses os grandes exemplos nos quais temos de nos mirar. O Brasil tem
de ganhar competitividade para poder exportar — e para isso tem toda essa história
de Custo Brasil, impostos, infra-estrutura. O que está matando a agricultura hoje?
Não é mais a política agrícola, é o transporte. Hoje o que está matando a agricultura
não é mais um problema agrícola, é um problema de serviços, justamente uma das
negociações que não queremos abrir. Nós não queremos negociar serviços. Mas o
que está matando a agricultura é o setor de serviços — portos, estradas, energia,
comunicações etc. Precisamos atrair investimentos para conseguirmos melhorar a
rede ferroviária e hidroviária, porque estamos transportando mais 40 milhões de
toneladas numa rede mais deteriorada do que estava na época do Ministro
Francisco Turra. Portanto, teríamos de ter uma visão mais pragmática.
A ALCA é uma negociação necessária. Eu não sei se ela será um acordo
atraente para o Brasil, porque até hoje ainda não se chegou a esse acordo. Estamos
ainda muito longe disso. Esta Casa é que avaliará o acordo, mas a negociação tem
de continuar. Quando se pára uma negociação dessa magnitude, as outras
negociações são todas contaminadas. A negociação com a Europa já desandou,
porque a ALCA desandou. E eu não vejo outras opções se concretizando. Falou-se
que a América do Sul iria ser a nossa grande opção. O que há de concreto na
América do Sul? Vamos ser mais diretos: o que há de concreto hoje no
MERCOSUL? O que se está fazendo para resolver os problemas que o MERCOSUL
tem há anos? Eu acho que nós ainda estamos aqui, há muita coisa para ser feita.
Portanto, só para finalizar, eu não vim aqui para defender a ALCA, porque eu
não sei o que ela é. Eu vim aqui para defender que o Brasil seja extremamente pró-
ativo em negociação e, ao fazer isso, que o faça com países grandes, que busque
blocos ambiciosos e não que dê prioridade a países muito pequenos, com os quais
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
52
até a relação política faz todo o sentido, mas que não vão nos trazer grandes
correntes comerciais e de investimentos.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Dr. Marcos, foi um
prazer contar com V.Sa.
Nós temos acompanhado as reuniões, inclusive as do CNC, a última e
inconclusa reunião de Puebla, que ainda ecoa em Buenos Aires e foi, sem dúvida
alguma, um desalento muito grande, porque, se países não conseguem se entender
sequer no elenco dos 9 pontos das tratativas e na discussão de acesso a mercados,
parou aí. Não conseguimos sequer avançar nos outros pontos — propriedade
intelectual, serviços, nada disso —, e evidentemente é uma discussão difícil.
Todos que acompanham de perto a matéria — e V.Sa. é um especialista
nela — sabem que há economias de assimetrias monumentais, com divergências
naturais, democráticas, divisão dentro dos próprios países nacionais, brutal diferença
entre sistemas tributários, sistemas legais de uma maneira geral entre essas
mesmas economias, e o acesso evidentemente preferencial da grande economia
dos Estados Unidos da América, sobretudo na área do CARECON, e outras
economias, sem nenhuma dimensão a ser confrontada com a do mercado norte-
americano. O processo é difícil, mas é válido fazê-lo.
A Presidência manifesta sua aquiescência e júbilo na visão dialética de que a
ALCA, por ora, é um processo. É importante participar do processo. O processo se
vincula, evidentemente, a outros temas e nós só podemos nos sentir enriquecidos
quando ouvimos um especialista como V.Sa. Ouvimos o Governo, Ministros,
autoridades do setor público. É fundamental que entidades autônomas, a exemplo
das associações comerciais, também venham aqui para dar sua visão.
As nossas diferenças de ótica evidentemente são uma decorrência imediata
da visão plural da sociedade brasileira. Mas nós temos esperança, como também
demonstrou V.Sa., que todo esse debate resultará numa posição, no fundo, pró-
Brasil, porque essa é a posição dos empresários, dos estudiosos, dos acadêmicos e,
claro, da sociedade brasileira aqui representada neste Parlamento.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 0396/04 Data: 27/4/2004
53
Antes de encerrar a presente reunião, convoco os Srs. Deputados para a
próxima a realizar-se no dia 4 de maio, às 14h30min, em plenário oportunamente a
ser designado.
Agradeço aos senhores convidados, aos Srs. Parlamentares e aos demais
pela presença.
Declaro encerrada a reunião.