20 Horizonte Geográfico
Cortina de
Texto | Natália Martino Fotos | João Ripper
Carvoeiros
Acompanhe nesta reportagem especial os meios usados para “esquentar” o carvão ilegal, extraído dos remanescentes de Mata Atlântica do norte de Minas Gerais
fumaça
A fumaça, o calor e o cheiro forte incomodam, mas já fazem parte da rotina dos carvoeiros,
como este, em Riacho dos Machados (MG): ação do MInistério Público iniciou cerco aos ilegais
22 Horizonte Geográfico
T udo o que se vê é preto ou marrom.
Mesmo as árvores mais frondosas
se escondem debaixo desses tons
melancólicos: ou se tornam amarronzadas
diante da poeira onipresente ou enegrecidas
depois de queimar nas carvoarias. Bastam
alguns minutos entre os fornos para as pes-
soas também acabarem assim, cobertas por
cores que só não são mais tristes do que a
realidade de degradação ambiental e huma-
na por trás da ilegalidade do comércio de
carvão vegetal. Camuflado entre a paisagem
monótona, Filomeno Guimarães joga gran-
des toras de madeiras em fornos de tijolo e
barro. É o que ele tem feito nos últimos 25
anos dos seus 37 de vida. “Minha família é
toda carvoeira, desde os 12 anos faço isso”,
conta. Trabalho infantil é comum nas carvoa-
rias do norte de Minas Gerais. A que emprega
Filomeno localiza-se entre os municípios de
Montes Claros e Coração de Jesus, em uma
das clareira aberta em meio à Mata Atlântica.
Para chegar até lá foi preciso dirigir por
uma empoeirada estrada de terra e seguir em
direção à coluna de fumaça que sai dos seus
fornos. Nesses iglus de barro que se espa-
lham pela região queimaram boa parte dos
mais de 12 mil hectares de Mata Atlântica,
área equivalente à de duas cidades do Rio de
Janeiro, que fizeram de Minas Gerais o estado
campeão de desmatamento desse bioma en-
tre os anos de 2008 e 2010, de acordo com o
Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata
Atlântica. O documento, elaborado pela SOS
Mata Atlântica e pelo Inpe (Instituto Nacio-
nal de Pesquisas Espaciais), mostra que os
três municípios campeões de desmatamento
estão nessa região: Ponto dos Volantes, Je-
quitinhonha e Pedra Azul. Grandes áreas de
cerrado também tiveram o mesmo destino
(veja mapa na pág. 22).
Filomeno não é culpado. É vítima. Acorda
com as primeiras luzes do dia e trabalha até o
anoitecer, ora alimentando os fornos, ora reti-
rando deles o carvão. Como se não bastasse o
sol implacável dessa região, ele tem também
a companhia constante da fumaça quente e
nada agradável aos olhos e ao olfato, e traba-
lha sem nenhum equipamento de proteção.
E não pode parar. Quando descansa, não re-
cebe pagamento, pois ele é proporcional à
produção, algo entre R$ 20 e R$ 25 nos dias
de trabalho intenso. Direitos trabalhistas?
Nunca ouviu falar. Férias? Nunca teve. Quem
o conheceu há um ano conheceu um homem
que nem mesmo existia, pelo menos para
efeitos legais. Filomeno conseguiu seus do-
cumentos civis aos 36 anos. Antes disso, nem
nas estatísticas oficiais de desempregados
constava. Ele vive ao lado da Rodovia Federal
BR-135, que liga o Maranhão a Minas Gerais,
A jornalista Natália
Martino contou
com o apoio e
informações do
Ministério Público
de Minas Gerais e
da Receita Estadual
de Minas Gerais
para a realização
desta reportagem
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nientes, como a escassez de jazidas no país.
“Outro fator é que, produzido corretamente,
em florestas plantadas licenciadas, o carvão
vegetal é menos agressivo ao meio ambien-
te”, diz Fausto Varela, presidente do Sindifer
(Sindicato das Indústrias de Ferro-Gusa). O
problema é que nem sempre a produção se-
gue esse padrão sustentável.
Minas Gerais é o maior consumidor de
carvão vegetal do país, graças ao polo si-
derúrgico localizado na região central do
estado. Só no município de Sete Lagoas
estão 16 das 36 empresas que receberam
carvão de origem ilegal entre 2007 e 2010.
uma das estradas mais movimentadas do
país. Por essa rota transitam diariamente
dezenas de caminhões carregados do carvão.
Carvão ilegal, compras reaisO destino final do carvão, seja legal ou
não, são as siderúrgicas, nas quais cumpre
duas funções na produção: é combustível
para os autofornos das usinas e reagem com
o minério de ferro para transformá-lo em
ferro-gusa, uma liga metálica composta de
ferro e carbono. No Brasil, a maior parte das
indústrias, cerca de 70%, utiliza o carvão mi-
neral nesse processo, mas existem inconve-
Carvoeiro
se protege
como pode
da poeira em
Grão Mogol,
norte de Minas
Gerais, o maior
consumidor de
carvão vegetal
do país
24 Horizonte Geográfico
Para lá seguiram 55% da brasa que sobrou
das matas nativas. Uma única empresa da
cidade, a Sidermin Siderúrgica Mineira Ltda.,
consumiu 21% do carvão ilegal produzido no
período. Outros 9,5% foram para os fornos
da Cosimat, localizada em Matozinhos. Jun-
tas, elas queimaram mais de 150 mil metros
cúbicos de carvão ilegal. O levantamento foi
realizado pela Operação Corcel Negro 2, ação
conjunta dos Ministérios Públicos estaduais
da Bahia e de Minas Gerais, da Polícia Rodo-
viária Federal, do Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente (Ibama), das polícias Civil e Militar
e das secretarias de Segurança Pública e de
Meio Ambiente, que resultou na prisão de
39 pessoas e no embargo de quatro usinas
siderúrgicas em julho de 2011.
Redução das carvoariasTrês semanas depois dessa operação, já
não era mais tão simples encontrar carvoa-
rias em funcionamento. Foram necessárias
horas nas estradas para vislumbrar a fu-
maça, sinal inegável do trabalho dos fornos.
Com o embargo de muitas siderúrgicas que
compravam o produto, falta mercado con-
sumidor. Algumas horas de estrada, porém,
comprovaram que a produção de carvão ile-
gal se encontra apenas adormecida. A carvoa-
ria onde Filomeno trabalha (e mora) é um
exemplo. A poucos passos dos fornos está
sua casa. Pequena, algo em torno de quatro
metros quadrados, com paredes de lona e
duas camas improvisadas com madeira. Ele
divide o cômodo com Marcelo Sena, carvo-
eiro há oito anos. Sentado entre as roupas
sujas de carvão penduradas sobre as camas,
Marcelo conta que não tem o que reclamar
do trabalho: “Eles pagam todo fim de mês
e a gente pode descansar aos domingos”.
Na acomodação sem banheiro e sem água,
ele toma um copo de café frio e explica que
nem sempre os donos das carvoarias pagam
o que combinaram – a situação é comum e
ele já passou por ela duas vezes.
O caminho até as siderúrgicas é longo e
os atravessadores são os primeiros elos da
corrente. Como a produção dos fornos ilegais
é, em geral, pequena, é preciso passar em vá-
rias carvoarias até completar a carga de um
O trabalho
pesado nas
carvoarias,
mesmo
naquelas
legalizadas,
fica patente
no rosto deste
carvoeiro em
Ribas do Rio
Pardo (MS)
Fontes: SOS Mata Atlântica e Inpe, 2011
Mata Atlântica sofre mais onde existem carvoeiros
O Atlas dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados do Bioma Mata Atlântica é produzido desde 1990 e monitora os desmatamentos desse bioma. Sua última versão, lançada em 2011, compilou as informações levantadas em 98% do território coberto pela Mata Atlântica. Os resultados apontaram Minas Gerais como o estado que mais desmatou e a devastação se concentrou principalmente no norte do estado. A produção ilegal do carvão está diretamente associada ao problema, já que é nessa área que ela acontece.
Área original de Mata Atlântica
Sete LagoasMatozinhos
Montes ClarosPonto dos Volantes
Jequitinhonha
Pedra AzulJanuária
Remanescentes florestais
Áreas desmatadas entre 2008 e 2010Divisão de estados
Belo Horizonte
GOIÁS
DISTRITO FEDERAL
MINASGERAIS
SÃO PAULO
25Horizonte Geográfico
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caminhão, que carrega cerca de 70 metros de
carvão (um metro de carvão equivale a 1,2
metro cúbico). Esses atravessadores pagam
entre R$ 30 e R$ 60 pelo metro do produto,
preço variável de acordo com a boa e velha
lei da oferta e da procura. Em um ou dois
dias de viagem, o mesmo carvão pode até
triplicar de preço, já que ao fim da cadeia
será vendido para as usinas por valores que
vão de R$ 120 a R$ 200 o metro.
Transporte de carvão ilegalNas estradas, porém, eles precisam
garantir que a carga não será apreendida
por eventuais fiscalizações. Afinal, não há
nada de certo nesse transporte; da sonega-
ção de impostos aos crimes ambientais e,
na maioria dos casos, também se observa
excesso de peso no transporte. Para impedir
o prosseguimento dessas ilegalidades, repre-
sentantes do Ibama, da Polícia Rodoviária
Federal e da Receita Estadual do Estado de
Minas Gerais deixaram Montes Claros em
seus respectivos carros oficiais antes de os
relógios marcarem 8 da manhã. A primeira
parada foi o Posto Miguelzinho, na BR-135,
em um entroncamento próximo à cidade de
Bocaiúva. “Lá é um dos pontos tradicionais
onde os caminhões param para esperar as
notas e os documentos frios antes de segui-
rem viagem”, conta Paulo Wanderley, auditor
fiscal da Receita Estadual, que participou da
Operação Corcel Negro 2, para explicar as
razões da escolha do local. De acordo com
os fiscais, há um mês eles encontrariam pelo
menos uma dezena de caminhões carvoeiros
ali. Naquele dia, apenas um estava estacio-
nado – consequência da operação.
A primeira providência foi verificar a
legalidade da carga do caminhão solitário.
Nenhuma licença ambiental emitida para
o veículo, era hora de abordar o motorista.
Ao lado da cabine do caminhão, um homem
de camisa preta e bermuda jeans. “Não, não
sou o motorista não”, ele garante, mas não
escapa de apresentar os documentos para
Silvana dos Anjos Pereira, policial rodoviária
federal. Não demora muito e ela descobre
que Dayve da Silva, o homem que estava ao
lado do caminhão, já levou quatro multas
enquanto o dirigia. Os fiscais não se surpre-
endem. “Sempre que podem, os motoristas
negam. Às vezes fazemos uma barreira de
fiscalização e quando eles nos avistam, pa-
ram o caminhão, descem e fogem para o
mato”, explica Wanderley, da Receita. “Aí não
podemos fazer nada”, conta.
Naquele dia quente de agosto, porém,
eles podiam fazer muita coisa, graças ao
raro trabalho conjunto de representantes
das três instituições. Quando a fiscalização
27Horizonte Geográfico
Carvão segue
rumo à
siderúrgica:
carbono
emitido na
queima é
essencial para
se produzir
o ferro-gusa,
usado no aço
o foco das investigações foi nas transações
com Documento de Origem Florestal (DOF),
que não é exigido quando o carvão é produ-
zido em Minas Gerais, onde o documento
equivalente é a Guia de Controle Ambiental
(GCA), emitida pelo IEF (Instituto Estadual de
Florestas), que ainda não aderiu ao sistema
unificado do DOF, controlado pelo Ibama.
Os fiscais parecem ter certeza de que
o carvão daquele caminhão foi produzido
na Bahia ilegalmente e “esquentado” com
documentos de áreas florestais de Minas
Gerais (veja como funciona o esquema nas pró-
ximas páginas).
é só da Polícia Rodoviária, não há como sa-
ber se a carga tem autorização dos órgãos
ambientais. Quando é só da Receita Estadual
ou do Ibama, não há como fazer apreensão,
que é competência da polícia. Se os desafios
para driblar a legalidade parecem grandes,
os obstáculos para garanti-la também o são.
O caminhão foi apreendido e os fiscais
seguiram pela BR-135. Mais adiante, a força-
tarefa avistou um caminhão de Feira da
Mata, na Bahia, com um motorista também
baiano, carregando carvão mineiro. Segundo
Silvana, essa situação tornou-se comum de-
pois da Operação Corcel Negro 2. Isso porque
28 Horizonte Geográfico
Florestas plantadasEm Minas Gerais, além dos documentos que provam a propriedade das terras, o interessado em explorar florestas plantadas (eucalipto) precisa apresentar uma Declaração de Corte e Colheita (DCC), na qual ele diz a quantidade de eucalipto disponível
em sua propriedade. Não há vistoria no local. Assim, com a licença, ele gera créditos no sistema para negociar madeira.
Matas nativasDepois de realizados estudos sobre a vegetação de uma propriedade, o órgão ambiental pode fornecer uma licença para exploração da madeira disponível, desde que respeitados limites de reservas legais e áreas de proteção permanente. Isso gera “créditos” no sistema para que o produtor negocie produtos madeireiros dentro do limite de volume estipulado no sistema.
LEGAIS: Em geral, possuem centenas de fornos, alimentados por madeiras, de floresta nativa ou plantada, retiradas com a devida autorização e com respeito aos limites ambientais. Os funcionários recebem equipamentos de proteção, moram em alojamentos da empresa e recebem todos os benefícios previstos na legislação trabalhista.
ILEGAIS: São pequenas, com cerca de dez fornos, e o mais comum é que explorem florestas nativas. Os trabalhadores vivem em barracões sem nenhuma infraestrutura, nem mesmo água tratada. A jornada de trabalho é exaustiva, excedendo 12 horas, e realizada sem nenhum equipamento de proteção. Cada trabalhador recebe entre R$ 20 e R$ 25 por dia, dependendo da sua produção.
ILEGAIS: Atravessadores compram as pequenas produções das carvoarias, por preços que variam entre R$ 30 e R$ 60 por metro cúbico de carvão, até completarem a carga de um caminhão, que transporta entre 60 e 75 metros cúbicos do produto. Como essas carvoarias não possuem licença para exploração de madeira, elas não têm crédito ambiental para obter GCA ou DOF e os atravessadores precisam “esquentar” esse carvão, com notas fiscais e documentos ambientais falsos, para passar na fiscalização.
FISCALIZAÇÃO: Em geral, a fiscalização resume-se a conferir a validade dos documentos que acompanham o transporte, sem análise da correspondência do que está no papel e o que está no caminhão. O ideal seria, por exemplo, verificar, por meio de perícia, se o carvão é nativo ou plantado.
Caminho legal
Caminho ilegal
O ciclo do carvão vegetal
Carvoarias
LEGAIS: Só saem em direção ao seu destino final, as siderúrgicas, munidos de todos os documentos – nota fiscal e Guia de Controle Ambiental (GCA), para as carvoarias de Minas Gerais, ou Documento de Origem Florestal (DOF), para as localizadas em outros estados. Esses dois documentos (GCA e DOF) controlam os créditos dos sistemas ambientais – um proprietário licenciado transfere parte do crédito de madeira para quem está comprando a carga.
Transportadores
O caminho percorrido pelo carvão desde as florestas até as siderúrgicas e as sinuosas trilhas da ilegalidade
FISCALIZAÇÃO: Pequenas e dispersas, as carvoarias se escondem em clareiras, não são encontradas com facilidade. Atualmente, um sistema de imagens de satélite ajuda a identificar, mês a mês, os pontos de desmatamento, que são encaminhados à polícia ambiental para fiscalização no local. Se forem encontradas ilegalidades, são aplicadas multas ao dono da carvoaria.
29Horizonte GeográficoFonte: Ministério Público do Estado de Minas Gerais e Receita Estadual de Minas Gerais
ILEGAIS: O proprietário de uma terra consegue as licenças ambientais necessárias para produzir carvão – a partir de eucalipto ou de floresta nativa. Só que, no lugar de produzir, ele vende seus créditos, por cerca de R$ 2 mil, para “esquentar” a produção das carvoarias ilegais, localizadas longe da área licenciada.
FISCALIZAÇÃO: Os “vendedores de créditos ambientais” são os que correm menores riscos na cadeia. Não produzem efetivamente carvão e nem o transportam, ou seja, não podem incorrer em erros nos pontos em que podem ser fiscalizados. Também não têm gastos, apenas lucros.
ILEGAIS: É chamado assim o carvão ilegal que atravessa as estradas mineiras com documentação que indica sua origem em carvoarias de lugares tão distantes quanto Piauí, Tocantins e Pará. Só os créditos ambientais fazem a viagem, o carvão é produzido com as florestas mineiras – nativas em sua maioria.
FISCALIZAÇÃO: A Operação Corcel Negro 2 concentrou seus esforços nessa forma de “esquentar” o carvão ilegal. Com o horário de emissão do Documento de Origem Florestal (DOF) e o horário de recebimento da carga nas siderúrgicas, que precisam ser registrados no sistema, foram encontradas incompatibilidades – cargas que saem do Piauí e chegam em uma hora em Minas Gerais, por exemplo. As pessoas envolvidas nessas transações foram investigadas e muitas acabaram presas.ILEGAIS: Em muitos casos, as terras têm autorização, mas nem mesmo plantam
eucalipto e muito menos produzem carvão – ou o fazem em uma pequena parte da propriedade para servir de álibi em caso de uma eventual fiscalização. É comum também alegar que a terra é capaz de produzir muito mais carvão do que pode realmente, já que a licença é concedida apenas com a declaração do dono, sem vistoria no local. O proprietário de uma mesma terra na zona rural de São João Paraíso (MG), por exemplo, tentou obter autorização para produzir mais de 100 mil metros de carvão em 2008. Depois da Operação SOS Cerrado, o engenheiro Rubens Vargas Filho, contratado pelo proprietário, estimou novamente a produção, dessa vez para 45 metros, a rentabilidade real da área. O excedente para venda de nota poderia ajudar a legalizar mais de mil caminhões de carvão.
FISCALIZAÇÃO: Alguns técnicos do Ibama são habilitados para classificar o carvão como produzido a partir de florestas plantadas ou mata nativa. Se identificada a incompatibilidade da carga com a documentação, o carvão é apreendido. O problema é que, em todo o norte de Minas Gerais, há apenas um técnico do Ibama habilitado para acompanhar as fiscalizações e emitir esse laudo. Sabendo disso, os motoristas viajam à noite ou nos fins de semana, quando não há plantão no Ibama.
“Esquentando” o carvão
Carvão viajante
Siderúrgicas Destino final da maior parte do carvão vegetal produzido no Brasil, algumas possuem florestas plantadas licenciadas e são autossuficientes no recurso, outras compram de diferentes fornecedores. Como evidenciado pela Operação Corcel Negro 2, algumas são coniventes com a compra de carvão ilegal, vendido a preços mais baixos do que o legal.
Carvão plantado
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cos
au
rél
io/e
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dio
ma
ng
a
30 Horizonte Geográfico
Para comprovar a suspeita dos policiais,
bastaria examinar o tacógrafo, equipamen-
to de uso obrigatório nos caminhões que
marca distância percorrida e velocidade.
O equipamento estava quebrado. Isso rende
ao motorista uma multa de R$ 120 e 5 pontos
na carteira. Infração de trânsito com sanções
bem mais leves do que crimes ambientais.
Por isso, uma das propostas do Ministério Pú-
blico de Minas Gerais e da Receita Estadual,
para ajudar a combater a ilegalidade nesse
comércio, é transformar o tacógrafo em do-
cumento ambiental. Assim, ele deveria ser
exigido pelas siderúrgicas, em conjunto com
o DOF ou a GCA, e facilitaria a fiscalização
pelos órgãos competentes. Bastam alguns
telefonemas para a policial rodoviária Silva-
na descobrir que aquele mesmo caminhão
já havia tido cargas de carvão apreendidas
nove vezes antes. Mas, dessa vez, não foi
possível comprovar irregularidades. Geraldo
Araújo Pimenta, o motorista, seguiu viagem
apenas com a multa de trânsito.
Foram abordados outros três caminhões
e apenas um levava carga legalizada. Duran-
te o trabalho, o dono do primeiro veículo,
apreendido no Posto Miguelzinho, foi ao en-
contro do grupo para mostrar os documen-
tos do produto que transportava. Era 12h10
quando ele entregou uma GCA emitida às
12 horas. O documento é eletrônico e não é
possível ter sua data manipulada.
Histórico da fiscalizaçãoAs ilegalidades da cadeia do carvão não
são novas. Já foram alvo de várias operações.
Diamante Negro, em 2006, SOS Cerrado, em
2009, Máfia Verde, em 2010, Corcel Negro,
em 2011. Em comum, todas apontam para
o envolvimento de pessoas de siderúrgicas
e dos governos. Em 2010, a cúpula do IEF
(Instituto Estadual de Florestas de Minas
Gerais) foi afastada, incluindo o então pre-
sidente da instituição. “O Estado fiscaliza,
sempre encontra irregularidades e nada é
feito para mudar a situação. Cada vez mais
tenho certeza de que falta interesse para
resolver o problema”, avalia Maria Dalce Ri-
cas, superintendente da Amda (Associação
Mineira de Defesa do Meio Ambiente).
Diante da ineficiência em acabar com a
ilegalidade na cadeia do carvão, o sistema de
fiscalização está prestes a ser modificado. De
acordo com Marília Melo, subsecretária de
Controle e Fiscalização Ambiental Integrada
da Secretaria Estadual de Meio Ambiente
de Minas Gerais, um novo plano estratégico
para fiscalizar toda a cadeia do carvão está
sendo discutido pelo governo estadual. Entre
as propostas estão, além do uso do tacógrafo
como documento ambiental, a vistoria por
31Horizonte Geográfico
Caminhão
carvoeiro em
Castanhal
do Ubá (PA):
maioria
da carga
seguirá para a
fabricação do
ferro-gusa em
siderúrgicas
calor e carbono, elemento essencial para a
criação da liga que formará o ferro-gusa. Os
carvoeiros, por sua vez, vão levando a vida
entre a fumaça que sobra da mata nativa. De
forma geral, eles se conformam com a situ-
ação. “Não dá para viver bem, mas dá para
remediar”, diz Filomeno, que desde os 12
anos “vai levando” a situação. Ele só se exalta
quando o assunto é a filha recém-nascida.
“Não, ela não vai levar a vida assim, não”,
diz. Que profissão ela vai seguir? “Qualquer
uma, menos a de carvoeira”, afirma, com o
tom de voz de quem torce muito, mas não
tem convicção da vitória.
amostragem das propriedades que plantam
eucalipto e a instalação de postos de fisca-
lização. “Outra questão é o pacto setorial
com as siderúrgicas, para que elas se tornem
parceiras no combate à ilegalidade”, explica
Marília. Fausto Varela, do Sindifer, tem par-
ticipado das negociações para esse pacto e
garante que há interesse por parte das side-
rúrgicas. “Toda vez que alguma empresa se
utiliza de irregularidades para diminuir os
custos da sua produção, as empresas que
seguem a legislação são prejudicadas”, diz.
Enquanto nada disso acontece, aroeiras,
sucupiras e pequizeiros estão virando cinza,