Compreensão dos problemas de aprendizagem na formação docente: uma questão em aberto.1
Joice Estacheski 2
Marjorie Bittencourt Emílio Mendes3
RESUMO
Este artigo visa refletir a respeito de uma questão essencial dos cursos de formação de docentes: como tem se dado a compreensão por parte dos futuros educadores a respeito das dificuldades apresentadas pelos alunos nas salas de aula, da primeira etapa do Ensino Fundamental. Percebendo que esta deve ser uma preocupação presente em tais núcleos formadores, abordamos questões fundamentais sobre o Estágio Supervisionado, que deve estar comprometido efetivamente com a articulação entre teoria e prática, as concepções que devem se fazer presentes nesses espaços, a realidade da escola pública em termos de clientela, as quais irão exigir dos professores comprometimento e compreensão frente às suas dificuldades e diferentes visões. Frente a esta problemática, apontamos as contribuições da psicopedagogia, que fundamentarão o trabalho docente na superação das dificuldades encontradas em sala de aula de forma científica.
Palavras chave: Dificuldades de aprendizagem. Formação de professores.
ABSTRACT
This article report aims to reflect about an essential question of the courses of teacher’s improvement: how is being the understanding on the part of the future educators regarding the difficulties presented by the students in the classrooms, of the first stage of Basic Grade. Perceiving that this must be a present concern in such formation nucleus, we approach basic questions on the Supervised Training, that must be engaged effectively with the union between theory and practice, the conceptions that must be in these spaces, the public school’s reality in clientele terms, which will demand of the teachers engagement and understanding in front of its difficulties and different sights. In Front of this problem , we point the psycopedagogy contributions, that will base the teaching work on the overcoming of the difficulties found in classroom of scientific form.
Key words: Difficulties of learning. Teacher’s training
1 Artigo apresentado como trabalho de conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional
– PDE - Promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – 2008.
2 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do Paraná – SEED e participante do
Programa de Desenvolvimento Educacional PDE 2008. Especialista e Psicopedagogia Clínica e
Institucional. Professora Colaboradora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da
Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Contato: [email protected]
3 Professora orientadora da produção do artigo. Professora na Universidade Estadual de Ponta
Grossa no Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino. Mestre em Educação. Coordenadora do
colegiado do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Contato: [email protected]
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INTRODUÇÃO:
Atualmente existe uma preocupação muito grande com a qualidade
de ensino nas nossas escolas, principalmente no que tange à primeira etapa
da, educação básica, ou seja, no que diz respeito aos anos iniciais. Não
podemos esquecer que os principais agentes de mediação conhecimento-
aprendizado nesse processo de escolarização são os professores. Sendo
assim, nossa preocupação maior é refleti,r através do presente trabalho, a
respeito da necessidade em explicitarmos tal discussão no curso de formação
de professores em nível médio.
Sara Pain (1987) nos fornece algumas contribuições para que o
futuro professor compreenda as problemáticas relacionadas à construção do
conhecimento quando salienta a necessidade de se pensar a aprendizagem,
não só como um processo, mas também como uma função, que vai além da
aprendizagem escolar que envolve tanto um sujeito que aprende, como um
outro que ensina. Portanto, aquele que ensina deve se comprometer em
transmitir o conhecimento para que o sujeito possa transformá-lo, não sendo
outra função da aprendizagem. Há que se considerar, porém, para que essa
relação se processe, existir confiança naquele que ensina, uma vez que o
aprendente precisa reconhecer o ensinante e autorizá-lo, para que haja de fato
a construção do conhecimento.
Sabe-se que o ensino é centrado num processo transferência, na
idealização que se presentifica numa suposição de saber, tendo, portanto, o
educador um papel psicopedagógico importante a desenvolver no cotidiano de
suas práticas; no dia a dia com seus alunos. Trata-se de trabalhar a
transferência, compreendendo que o que se revela na queixa relacionada a um
não-saber, ou seja, o que se atualiza nesse sintoma é a representação da
angústia de castração. Assim, ao vincular-se transferencialmente ao professor,
o aluno procede uma idealização, condição necessária fundamental para que
se dê, segundo Lacan, citado por Parga (2001), o início de qualquer
possibilidade terapêutica. Tal se caracteriza pelo crédito ao outro, de um saber
específico, fundando a possibilidade de estabelecer um vínculo transferencial
positivo, que se fundamenta na atribuição ao professor do lugar do sujeito do
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suposto saber. No entanto, dialeticamente, o que se constitui como uma
possibilidade, ao mesmo tempo, pode representar um impasse, na medida em
que, muitas vezes, ao encarnar o lugar fálico do saber, o professor reforça, por
identificação, a impossibilidade do aluno de aprender.
Márcia Parga (2001) coloca-nos que o caminho terapêutico na
prática pedagógica reside no oferecimento ao aluno na possibilidade de
descobrir que, de fato, esse saber do professor é só suposto, para que, assim,
este possa desmistificar o lugar imaginário da completude. Objetiva-se,
portanto, fazer o aluno superar essa identificação para que possa ter um
modelo próprio. Nesse sentido, o ponto de partida de ajuda às crianças com
problemas de aprendizagem reside numa orientação aos professores e futuros
professores para que possam aceitar o seu próprio não-saber. Trata-se da
possibilidade de se oferecer, enquanto educador, como um espelho, onde o
outro, a partir da imagem refletida, pode suportar, de uma forma tranqüila, a dor
da falta, assim como ratifica Madalena Freire (1992), nesse pensamento:
“Educar a falta é a fonte do desejo de aprender” (p.11).
Com vistas a desenvolver ações que propiciem a superação dos
problemas de aprendizagem, o educador deve contribuir para que a criança
integre seu passado, vivenciando o presente e projetando o futuro, elaborando
seus lutos e a partir da recordação devem ressignificar suas perdas. De outro
lado, o educador deve ajudar a família a desmistificar o problema de seus
filhos, reintegrando a imagem que se tem deles. É, portanto, de primordial
importância saber o porquê em reforçar os aspectos positivos que a criança
possui, não centralizando na problemática, mas, ao contrário, apontando seus
recursos disponíveis, caracterizando de forma clara uma aliança com as futuras
possibilidades. O educador deve, portanto, ser uma testemunha da
possibilidade do conhecimento.
É tarefa do educador ainda, fazer com que a criança construa a
possibilidade de se auto-avaliar, para que se aproprie de seu potencial e
busque o sinal interno da satisfação lógica, condição essencial no “processo de
metacognição” (Parga, 2001). Sob essa ótica, um olhar psicopedagógico do
processo educativo deve se comprometer com o desenvolvimento da
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satisfação interna da criança na realização de tarefas, buscando a construção e
o desenvolvimento da autonomia, objetivando que esta realize uma passagem
de um funcionamento desorganizado, para uma organização; superando a
simbiose na direção da independência; ultrapassando a diferenciação para se
diferenciar; caminhando da dissociação para a síntese e do realismo à
representação.
A relação professor-aluno se constitui numa possibilidade para que a
criança se recoloque e, a partir do outro, ressignifique suas posições e
dificuldades. Nesse sentido, o professor deve se preocupar com o
desenvolvimento integral da criança, propiciando a aproximação escola-família,
vinculando sempre o aluno ao prazer de aprender, permitindo, assim um
mecanismo de identificação desta com o processo de aprendizagem. No
entanto o professor deve ter consciência plena desta função bem como deve
rever o seu próprio gozo ao aprender.
O professor deve funcionar como o indivíduo que nutre, alimenta,
aceita ataques e possibilita a reparação, coloca limites e, principalmente, se
conscientiza tranqüilamente de seus próprios erros e falhas, se descartando do
discurso militante, onde se finca como um porta-bandeira do saber.
Qualquer que seja a interferência psicopedagógica dentro de um
caráter institucional e preventivo deve incluir permanentemente a necessidade
de submeter o docente a um processo corretor de sua própria aprendizagem,
para que possa internalizar e concluir que para aprender é preciso não saber.
Entendemos que, tais concepções são fundamentais no Curso de
Formação, visto que é nesse espaço que o professor deverá desenvolver as
análises do fazer pedagógico e da reconstrução da prática, conscientizando de
que precisa encontrar diferentes formas de garantir o conhecimento a todos os
seus alunos.
O professor poderá desenvolver sua prática de forma mais completa
se possuir conhecimentos que se voltem às dificuldades de aprendizagem, pois
será somente assim que saberá da necessidade em ser um construtor de
vínculos positivos, o que lhe fornecerá um olhar diferente para sua prática.
Através de vínculos positivos, poderá perceber, por meio das sinalizações dos
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alunos, como o fenômeno da comunicação está acontecendo em sala de aula.
Pichon Rivière, grande colaborador da psicopedagogia e citado por
Soares (2003), com sua teoria do vínculo, dá uma contribuição notável para a
educação que permite analisar a relação professor-aluno em três dimensões:
corpo, mente e mundo exterior. Tais dimensões se integram dialeticamente,
levando em consideração a dimensão mais importante: a humana. Estudam,
portanto, o ser humano na sua totalidade, configurando uma Gestalt própria
para cada sujeito.
Assim, a teoria do vínculo e Pichon Rivière nos permite perceber a complexidade de ações e reações que põem acontecer numa sala de aula. Se o professor não tiver conhecimento para lidar com tais situações, poderá contribuir, sem desejar, para a construção de vínculos negativos com ele, com a matéria. (Soares, 2003:17).
São imensas as contribuições da psicopedagogia para a prática de
sala de aula, sendo que o olhar, o ver o ouvir e escutar, somados com o pensar
sem julgar e sentir para agir, configuram uma atuação suficientemente boa do
professor que almeja construir uma prática psicopedagógica preventiva.
Mas, voltando ao binômio pensar sem julgar, o que queremos dizer
com isso? Quando estamos vendo, ouvindo e escutando uma criança,
conseguimos perceber como este ser está pensando, e às vezes podemos nos
deparar com uma situação imprópria, como a de uma criança de 8 anos de
idade que atua mentalmente como uma de 5 anos. O que fazer? Julgar?
Cobrar da criança uma conduta adequada? Ou seria melhor rotulá-la?
Borges (1994) assinala que o grande salto para o trabalho efetivo,
eficiente e eficaz é o professor descentrar, ou seja, sair de si mesmo para
entender e agir com a lógica do outro e, a partir disso, reconstruir a história do
sujeito, respeitando a sua singularidade; é perceber em que movimentos este
ser está (indiferenciado, diferenciado, separado ou integrado) frente do
conhecimento para o início do resgate. A parceria ideal seria: pensar x
cooperar.
E as teoria? Seriam bons indicadores? Várias delas são trabalhadas
nos Cursos de Formação de Docentes, porém não apontam os enfoques
psicopedagógicos.
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O construtivismo interacionista é um excelente indicador. Tal
abordagem, apesar de trabalhosa pelo professor (requer muito estudo), é muito
saudável para as crianças, porque respeita o seu funcionamento mental, sua
lógica operatória, e permite a construção de novas aprendizagens por meio do
lúdico – configurando um espaço de prazer e busca do conhecimento.
Soares (2003) apresenta uma leitura psicopedagógica da escola, do
aluno e do professor, onde pontua indicadores que permearam toda a ação
educativa o professor. Eis a síntese da história:
Uma professora solicita aos alunos que tragam para a escola algo
que gostem. Nesse momento, o indicador é a observação. Ela quer observar o
que a s crianças trarão para, posteriormente, construir uma ação docente,
abrindo um espaço de respeito e criação para as crianças. O segundo
indicador foram os princípios ligados ao ato de aprender (atividade,
criatividade, autoridade e liberdade), os quais, devido ao convite feito pela
professora, puderam transitar e espiralar nas crianças. Outro indicador foi a
escuta psicopedagógica da professora, quando percebeu o interesse da turma
pela biologia, propondo então uma pesquisa e proporcionando novas
mobilizações frente ao conhecimento. Esses indicadores foram presentes e
fundamentais no desenrolar da aula, na construção de vínculos positivos com o
conhecimento e na relação vincular com a professora.
Assim, a observação, os vínculos, os princípios ligados ao ato de
aprender, a lógica operatória dos alunos, os movimentos frente ao novo, as
teorias que fundamentam a nossa prática, a escuta psicopedagógica, os
nossos objetivos educacionais como ensinantes (promover sujeitos
socioculturais), os níveis de aprendizagem - organismo, corpo, inteligência,
desejo – que as crianças puderam acionar nas atividades propostas, a
avaliação processual e a auto-avaliação constante do professor se constituíram
em exemplos de indicadores retirados da história, que funcionaram na
construção de uma prática psicopedagógica do professor.
Essa aula ficou rica de oportunidades, tanto para as crianças como
para o professor. A participação do conhecimento sobre biologia reforçou a
auto-estima dos alunos e do professor.
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Através desta experiência, percebemos claramente que os
conhecimentos psicopedagógicos auxiliam inclusive a organização do
planejamento. Através dos mesmos, a possibilidade de prever as ações
pedagógicas, bem como os encaminhamentos a serem dados tornam-se
constantes, visto que propicia ao professor estabelecer vínculos de
aprendizagem coerentes ao processo, e conseqüentemente atingindo os
objetivos que se propõe. Normalmente a ação de planejar é vista como uma
mera atividade burocrática a ser cumprida devido à exigência administrativa e
não como uma referência, tanto para a ação no cotidiano como também para a
avaliação dessas ações.
Nos Cursos de Formação de Docentes a preocupação pelo processo
de escolarização dos alunos é constante. O estudo dos diferentes projetos
existentes ilustra isso: Plano Escolar, Projeto Político Pedagógico, bem como
elaboração de diferentes projetos nas escolas campo de estágio envolvendo os
temas transversais e diferentes disciplinas.
No contato com os alunos do Curso de Formação de Docentes, em
geral, seus discursos condizem com as propostas, no entanto no momento de
executá-las possuem uma dificuldade muito grande em colocá-las em prática.
Daí surgem as questões relativas à dicotomia entre teoria e prática, o que
fortalece a divisão artificial entre o que se considera como conhecimento
teórico ou teórico demais e conhecimentos que se poderiam aplicar à prática,
com sucesso.
Isto me leva a pensar sobre a formação dada em tais cursos, no sentido de que se aquilo que se ensina, se discute, visando a “preparação” ou “aperfeiçoamento pedagógico”, acaba sendo mero adorno, algo inútil e inadequado. (Shirahige, 2004: 96).
A falta de fundamentação teórica que norteia o trabalho do educador
ocorre com freqüência, embora o conhecimento deva ser o alicerce de sua
formação para que haja compreensão do ato de ensinar e do ato de aprender.
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A REALIDADE DO CURSO DE FORMAÇÃO DE DOCENTES EM NÍVEL
MÉDIO: DA FUNÇÃO À REALIDADE.
Análise da função docente
A docência é uma profissão cada vez mais complexa, orientada por
finalidades que, além de nem sempre serem claras, são muitas vezes também
retóricas: “formação integral do indivíduo”, “desenvolvimento das capacidades
básicas”, “transmissão do conhecimento”, “ensino de conhecimentos”,
“atitudes”, “valores”, “habilidades”. De maneira geral, existe uma resistência em
introduzir na definição o fator institucional que redefine e com certeza delimita a
profissão docente: a formação integral do indivíduo (aceitando a definição mais
genérica) não se reduz à relação professor-aluno. É uma atividade que se
realiza em grupo, no contexto de uma instituição escolar de interesse nacional,
que define desde os grandes objetivos da relação até o uso cotidiano do tempo
e do espaço escolares.
Segundo Ibarrola (1998, p. 72), esta conceitualização leva-nos a
encarar a docência de um ângulo pouco analisado, que permite vê-la como
uma profissão que deve articular, de forma consistente e congruente, para
grupos heterogêneos de alunos, uma grande quantidade de lógicas, que nem
sempre coincidem e muitas vezes se contradizem, por meio de decisões
concretas reiteradas em tempos e espaços delimitados institucionalmente.
a) A lógica do conhecimento. Organizado por disciplinas como a
melhor forma de propiciar o conhecimento e o desenvolvimento
do saber, deve focalizar o ensino em outras lógicas: a da
pertinência e a da relevância para os alunos, ou a da relação
entre diferentes grupos de conhecimento.
b) A lógica da aprendizagem, que por seu lado não está nem
teórica nem metodologicamente resolvida e propõe novas
formas de olhar. Para mencionar os extremos, o determinismo
ou a psicologia genética.
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c) A lógica do ensino que responde, da mesma forma, a
diferentes teorias, a distintas focalizações. Novamente, só para
mencionar alguns, a tecnologia educativa e a didática crítica.
d) A lógica dos recursos disponíveis para o ensino, quase sempre
reduzidos e inferiores aos necessários.
e) A lógica da organização institucional, as normas semelhantes
para todo o país, o uso do tempo, o tamanho dos grupos, a
administração oportuna dos recursos, a direção e supervisão
do trabalho docente.
f) Por último, a lógica da avaliação e da certificação do
conhecimento. Esta última, regularmente descuidada ao se
programar mudanças educacionais, acaba por ser
determinante da atividade cotidiana das atividades dos
professores.
Todas essas observações se dão na moldura das definições
implícitas ou explícitas dos valores que a escola deve promover e que se
enfrentam continuamente com tudo aquilo que os alunos e professores vivem
no dia a dia.
O ensino como atividade profissional fundamental é uma síntese
complexa: incorpora no ato de ensinar, num pequeno e aparente
microcosmos, toda a vida política, econômica, social, local, nacional e
internacional.
Mas não é to somente uma atividade profissional complexa. Possui
também uma forte identidade histórica, que em cada país tem diferentes
razões.
Não há dúvida de que o trabalho docente oferece importantes
motivos de satisfação intrínseca. Os professores costumam defender o seu
trabalho como eminentemente criativo, o que se tornaria um traço a mais da
sua identidade profissional.
Nas décadas mais recentes, especialmente na última, esta tríplice
identidade pareceu perder tanto a sua eficiência histórica quanto, e em
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particular, a sua eficiência cultural. Os problemas de aprendizagem de
numerosos grupos de população, aparentemente não resolvidos pelos
professores – e certamente não pelo sistema escolar -, e a falta da presença
institucional expressa na ausência dos professores – pelas péssimas condições
salariais e de trabalho que lhes impôs o sistema -, traduziram-se na
desvalorização dos professores, que foram em grande medida
responsabilizados pela baixa qualidade da educação nacional. A
desvalorização aconteceu de fato no aspecto salarial, na atenção dada às suas
condições de trabalho, de formação e de atualização. Perderam não só a
criatividade, mas também a profissionalização mais elementar, ao se
converterem muitas vezes em meras correntes de transmissão de normas,
planos e programas elaborados em outros lugares e sujeitos as
regulamentações cada vez mais burocráticas. Esta última talvez tenha sido a
maior desvalorização causada a profissionalização docente nas últimas
décadas. Por fim, a docência é também uma vocação básica e é certamente
esta dimensão de vocação que explica que, apesar de todas as dificuldades
pelas que passou o magistério na última década, ainda existam tantas pessoas
interessadas em tornarem-se educadoras.
Muitas mudanças caracterizam hoje a ação docente e
conseqüentemente surgem novas exigências à profissão docente, refletindo
também alguns problemas decorrentes.
Podemos afirmar que a revolução tecnológica que vivemos, a
globalização da economia, o fim das fronteiras causado pelo avanço do setor
das telecomunicações mudaram radicalmente a razão e o conteúdo dos
conteúdos das demandas sociais da educação e das disciplinas básicas do
ensino: a alfabetização, para dar um exemplo, exige a compreensão de
diferentes formas de linguagem – a dos computadores, a da televisão – além
da escrita. Cada vez mais se fala de uma necessária alfabetização científica e
tecnológica, que por sua vez, só será possível quando os professores
estiverem sendo preparados de forma consciente deste novo papel.
Os sistemas educacionais, lugar em que se realiza a profissão
docente, passaram por três grandes mudanças que são impossíveis ignorar.
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“Massificaram-se’ por causa do crescimento das matrículas a números
extraordinários, mas utilizando as mesmas práticas de gestão pedagógica e
acadêmica; converteram-se em sistemas claramente heterogêneos, dada a
heterogeneidade cultural, étnica, socioeconômica de alunos e professores;
empobreceram-se porque, paradoxalmente, o crescimento dos sistemas fez-se
acompanhar de uma diminuição do orçamento destinado à educação.
Como conseqüência destas tendências contrárias, da dinâmica
crescente da matrícula à diminuição do financiamento, não só a questão da
abrangência insuficiente que se destaca entre os resultados da educação.
Dados que têm sido enfatizados pela pesquisa educacional referem-se a
problemas de evasão e, em especial, de reprovação. Por um lado, a população
escolar vai à escola durante muitos mais anos de escolaridade do que seria
necessário pra obter uma certificação; por outro, a população com maior
certificação escolar não demonstra domínio do conhecimento certificado. Estes
resultados deficientes são tidos como de responsabilidade do professor,
ignorando-se a influência determinante da organização institucional que está
neles implícita bem como os déficits na formação do professor.
Outra mudança crucial, diz respeito ao avanço do conhecimento, a
complexidade do desenvolvimento mundial, as transformações do sistema
escolar que conduziram à perda da hegemonia da pedagogia e da didática
como focalizações capazes de explicar o que ocorria e encarar de forma
profissional a educação necessária. Assim, as ciências da educação vêm a
campo explicando a “massificação”, a heterogeneidade, o empobrecimento.
Trazem enfoques explicativos decisivos para os estudos da educação – como a
teoria da reprodução – e deslocam a pedagogia e até mesmo a didática. Mas
quando é hora de trabalhar diante do grupo, dentro de sala de aula, na escola,
esgotam a sua capacidade explicativa, perdem a sua capacidade de encarar o
problema e, sobretudo, de oferecer linhas de solução e de ação. Estamos
também numa difícil crise de unidade e síntese dos conhecimentos específicos
para tornar a docência uma profissão socialmente eficiente, buscando
desenvolver mecanismos que venham a superar as dificuldades emergentes no
interior de nossas salas de aula.
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A partir destas mudanças, é possível afirmarmos que as estratégias
institucionais para a formação dos docentes são bastante complexas. De
maneira geral, a docência exige uma formação especializada, apesar da
quantidade de professores que não cumprem este requisito.
A maioria dos alunos reconhece que só terão verdadeira formação
quando iniciarem a vida profissional propriamente dita, quando começarem a
ter a experiência direta, a observar, a comparar-se com outros colegas, quando
trocarem idéias e experiências nas instituições, quando encontrarem um
professor para dar-lhes apoio, ânimo, ensino.
Mas se analisarmos quais são as condições de trabalho no ensino
fundamental, perguntar-nos-emos em que momento pode haver uma atenção
ao desenvolvimento profissional dos professores que estão encarregados dos
centros escolares.
Não podemos deixar de centralizar a formação no período em que
se dá especificamente, pois não temos garantia do aprendizado posterior de
forma comprometida com a prática social que caracteriza a profissão de
docente.
Devemos garantir critérios na formação docente que estarão
colaborando para a atualização e aprimoramento do magistério. Devemos
focalizar a formação docente no domínio do trabalho diante do grupo e propor
como objetivo evitar o fracasso escolar. Para isso, colocamo-nos diante de dois
problemas, como aponta Ibarrola (1998. p. 82):
a) Revisão substancial dos programas e planos de
estudo, que não parecem atender à diversidade da
população e insistem que as crianças vão aprender
em seis anos o que ali está dito, enquanto a evidência
nos indica que a maioria requer um ou dois anos a
mais para acabar e que muitos, durante anos, não
conseguem aprender;
b) Análise do processo de evasão de uma criança do
ponto de vista do processo de resistência em ficar na
escola anos e anos até que finalmente a
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escola consegue mandá-la embora sem compreender
as suas necessidades concretas de aprendizado.
Faz-se pertinente também, ampliar o domínio de diferentes métodos,
técnicas e estratégias, com base na premissa de que a necessidade de um
grupo escolar concreto não está impressa em nenhum manual e a seleção dos
que correspondem ao momento específico dos alunos depende da capacidade
profissional do professor de grupo.
Além disso, parece pertinente oferecer uma grande variedade de
materiais de apoio. O professor parece ser o único profissional obrigado a
trabalhar sem instrumental “profissional” básico.
É necessário, ainda, integrar a formação de conteúdo e método
como coisas ligadas e articuladas de maneira muito próximas. A mudança nos
campos do conhecimento – as matemáticas, a geografia, a história, o civismo -
torna evidente que a didática geral neste momento volta a ser insuficiente,
embora em alguma época o avanço conceitual mais importante tenha sido
passar as didáticas específicas à didática geral. Nestes tempos, a situação do
conhecimento coloca mais uma vez a necessidade de acoplamento de
diferente didáticas , relacionando sempre o conteúdo com a sua forma
específica de ensino.
Por outro lado, aquele slogan que diz que é preciso partir das
necessidades dos professores, já soa antigo, embora toda prática institucional
de formação de docentes pareça ter se distanciado enquanto propunha cursos
genéricos que pudessem replicar-se, multiplicar-se, generalizar-se,
esquecendo as necessidades de cada escola. Não foi pensado que a
massificação, a heterogeneidade, o empobrecimento do sistema exigiriam
novas formulações concretas desse princípio e, sobretudo, novas estratégias
de aproximação dos professores. Mas acaba por ser também indispensável
articular e unificar a capacitação em torno do trabalho cotidiano, ou seja, fazer
da escola também o ponto de chegada da capacitação.
Além disso, é preciso que se propiciem aos professores as mesmas
formas profissionais de profissionais de atualização e capacitação de outras
profissões, especialmente a profissão acadêmica: encontros com especialistas,
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com acadêmicos de outros níveis do sistema educacional e de outras áreas do
conhecimento, congressos, etc.
Fica claro que as mudanças de atualização e superação do
magistério não requerem só novos programas, novos conteúdos, lógicas
diferentes de articulação do conhecimento, priorizar em métodos em vez de
disciplinas científicas, mas exigem uma reorganização do trabalho na escola,
uma reorganização dos programa de atualização e aprimoramento e um bom
financiamento.
A realidade do curso de formação de docentes em nível médio
Tendo em vista a preocupação de que há uma necessidade emergente
na compreensão das dificuldades de aprendizagem por parte dos futuros
professores, desenvolvemos uma pesquisa para investigar como essa questão
vem sendo debatida, analisada e encaminhada no Curso de Formação de
Docentes, e quais são as expectativas dos futuros professores com relação à
sua prática profissional.
Embora a amostra da pesquisa fosse pequena, os resultados
confirmaram nossa suspeita de que tais profissionais acabam por concluírem o
curso sem os devidos conhecimentos de como identificar as dificuldades de
aprendizagem e, menos ainda, de como proceder assim que sejam detectadas.
O profissional não possui, portanto, condições de auxiliar na superação dessas
dificuldades apresentadas por seus alunos.
Ao longo de nossa experiência de pesquisa, vínhamos nos deparando
com aspectos relativos à formação e à prática dos professores, tangenciais à
questão do trato com as dificuldades de aprendizagem e de certa forma
convergindo para um estudo mais sistemático dessa questão. O Curso de
Formação de Docentes propicia a compreensão suficiente sobre as
dificuldades de aprendizagem? Qual o entendimento por parte das alunas
sobre o tema “dificuldades de aprendizagem”? No entendimento das alunas o
que se consideram problemas de aprendizagem? Qual ou quais as disciplinas
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que propiciam melhores reflexões sobre o assunto? O futuro professor sente-se
seguro para atuar em sala de aula com pleno conhecimento das dificuldades
de aprendizagem que irá deparar-se? Quais as experiências sobre as quais
houve reflexão e discussão para estabelecimento de um determinado
encaminhamento?
Atentando para essa série de interrogações, propusemos nosso estudo
sobre o conhecimento das dificuldades por parte dos futuros professores em
uma etapa básica, contemplando nossas indagações. Aplicamos um
questionário com as indagações apresentadas, estabelecendo sempre a
justificativa de cada resposta e percebemos claramente que as alunas têm
consciência de que o curso deveria ir muito mais além.
A escola não pode limitar-se à função de ensinar. Exige-se-lhe, cada vez mais, a função de ensinar e a ocupação educativa dos tempos livres com ações pedagógicas. A escola deve estar cada vez mais próxima da realidade. Muitos dos problemas enfrentados por ela relacionam-se com a crescente diversidade cultural e social dos alunos. (Veiga 2002:68).
A concepção de escola é outra. É preciso refletir sobre o processo de
formação para colocar à disposição de todos os alunos o acesso aos bens
culturais. O aprimoramento do processo de formação requer muita ousadia e
criatividade. Dada a importância do trabalho do professor para a melhoria do
atendimento escolar, fica evidenciada a necessidade de investir na qualidade
de formação profissional para o magistério e no aperfeiçoamento das
condições de trabalho nas escolas.
A amostra da pesquisa demonstra a consciência das alunas quanto ao
déficit com relação à sua formação, considerando-a deficitária e não
contemplativa à compreensão a respeito das dificuldades de aprendizagem que
poderão vir a enfrentar em sua atuação profissional. Vejamos algumas
declarações com relação à questão sobre a suficiente compreensão a respeito
das dificuldades de aprendizagem:
“O assunto não é tratado com a devida importância.”
“Não existe uma matéria específica e os professores das outras matérias
acabam não nos orientando com relação a essas questões.”
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“Os professores colocam o futuro como perfeito, deixando a realidade de
fora. Muitos professores deixam a desejar.”
“Em nenhum momento da formação o curso se volta para as
dificuldades de aprendizagem.”
Através destes exemplos percebemos que as alunas sentem uma
lacuna na formação e detectam inclusive onde estão as falhas.
Algumas simplesmente não conseguem explicar o que são as
dificuldades de aprendizagem, incapazes ainda de citar algumas que
porventura pudessem ter ouvido comentários a respeito. Eis algumas respostas
quanto à definição de problemas de aprendizagem e respectivamente alguns
exemplos:
“Dificuldade de aprendizagem pra mim é o descomprometimento das
pessoas que trabalham na área da educação.” A mesma aluna cita como
exemplos de dificuldades de aprendizagem: “Com certeza são: trabalhar por
dinheiro, descaso, falta de criatividade, acomodação e principalmente falta de
amor pelo que faz.”
Percebemos que a aluna desconhece os problemas específicos
apresentados pelo aluno em sala de aula, acreditando que o professor é capaz
de evitar todo e qualquer problema, o que não é verdade, pois muitas
dificuldades de aprendizagem não são de cunho metodológico e pedagógico,
necessitando o professor deter conhecimentos para identificá-los para uma
possível superação.
A maioria das alunas apresenta entendimento do que sejam as
dificuldades de aprendizagem, porém não têm clareza de como identificá-las e
até que ponto deixa de ser simplesmente um problema metodológico para
tornar-se um problema orgânico que merece a atenção de outros profissionais.
“Dificuldades de aprendizagem são as dificuldades em aprender,
podendo ocorrer por diversas razões (falta de maturidade, atraso no seu
desenvolvimento, ou devido às condições em que a relação de ensino é
produzida. Segundo a abordagem maturacionista as dificuldades de
aprendizagem se dão pela imaturidade ou atraso no desenvolvimento, já a
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histórico-cultural defende a relação com as condições deficientes do ensino”. A
mesma aluna responde da seguinte a forma a questão para cite e comente as
dificuldades de aprendizagem que tem conhecimento: “Na maioria dos casos é
detectado que o aluno não acompanha o desenvolvimento da aula devido ás
falhas nas metodologias aplicadas pelo educador.”
Ou seja, a visão de que a metodologia é na maioria dos casos o
fantasma das dificuldades de aprendizagem. Muita vezes é isso mesmo que
acontece, porém não são casos exclusivos e nossa preocupação recai sobre o
fato de que, tal aluna quando profissional, estará preocupada em diagnosticar
falhas em sua metodologia, única e exclusivamente desconhecendo as
dificuldades de aprendizagem que envolvem o trabalho conjunto com outros
profissionais. Esta mesma aluna não considera-se suficientemente preparada
para encarar o problema.
Algumas alunas afirmam que “O curso propicia a compreensão
suficiente sobre as dificuldades de aprendizagem, pois temos mestres
competentes e a aprendizagem é ótima.” Porém quando indagada a respeito
de que entende ser as dificuldades de aprendizagem, quais suas causas e para
citá-las e comentá-las, a resposta é a seguinte: “Dificuldade pode ser falta de
conhecimento. As causas podem ser falta de leitura, de estudo de assistir o
jornal, de ler revistas. As dificuldades podem ser na oratória, a timidez, a voz.”
Embora a aluna afirme que se garante o domínio das dificuldades de
aprendizagem, a mesma não tem o mínimo de entendimento o que realmente
são e quais são estas dificuldades.
É o que afirma uma outra questionada: “Não recebemos as informações
suficientes sobre as dificuldades de aprendizagem. Os conteúdos são
passados muito rápido. Quando terminado o conteúdo o assunto passa
desapercebido ou até nem é explicado a seu tempo. As próprias alunas têm
grandes dificuldades de aprendizagem. Os professores faltam muito e assim
dão o conteúdo incompleto ou sem planejamento correto.”
O que percebemos é que dificilmente se coloca às alunas a realidade
com a qual irão se deparar enquanto profissionais.
[...] algumas das mais sérias dificuldades enfrentadas na educação brasileira estão
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diretamente relacionadas ao fracasso das INSTITUIÇÕES FORMADORAS em educar e preparar professores para “realidades” e “culturas” com as quais deverão lidar, cujo caráter é essencialmente dinâmico, e que não lhes são desveladas ao longo de sua formação profissional.” (Feldens,1998:129).
Ao não preparar as alunas para a realidade na qual precisarão
reconhecer as dificuldades de seus alunos, bem como as formas possíveis de
auxiliá-los na superação das mesmas, corre-se o risco de estarmos preparando
profissionais para um “mundo do trabalho”, no qual suas habilidades e
compreensões são inadequadas, tendo em vista as complexas, múltiplas e
variáveis tarefas nas quais devem se engajar e pelas quais terão
responsabilidades.
Assim, a ausência do respeito e atenção efetivos ao “mundo real das coisas escolares” e sociais, característica dos programas de formação de educadores, tem tido como resultado um professor despreparado, desarmado para lidar e trabalhar com a irredutível heterogeneidade das classes, a diversidade de estágios de desenvolvimento, de atitudes, personalidades, de herança e vivências culturais, de relações com a linguagem e o saber dos alunos e suas comunidades. (Feldens, 1998:130).
O Curso de Formação de Docentes em nível médio, deveria oferecer
aos futuros professores a oportunidade de compreender alguma coisa diferente
daquilo que professores nas escolas podem oferecer: uma perspectiva que
revele e desvele a conscientização nas escolas e salas de aula e que permita
aos estudantes “aprendizes” conhecer e experienciar uma variedade de
referenciais que dêem significado ao que se passa no cotidiano escolar tanto
do ponto de vista da formação teórica como prática. Como podemos esperar e
buscar nos professores e futuros professores uma postura crítica com relação
às dificuldades de aprendizagem sem que tenham vivenciado experiências
nessa área?
As alunas colocam situações como:
“Poucas disciplinas levantaram questões sobre as dificuldades de
aprendizagem. Entre elas a que mais enfocou o problema foi o Estágio
Supervisionado”
“O Estágio Supervisionado colaborou para que observássemos algumas
dificuldades dos alunos. Mas era assim, víamos na escola o problema,
comentávamos na aula de estágio e pronto. Nunca houve um trabalho para que
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compreendêssemos essas dificuldades.”
“O Estágio Supervisionado proporcionou reflexões em condições reais
de ensino, no campo de atuação. As metodologias colaboraram vagamente
pois os estudos foram dirigidos pelos colegas de turma, que realizavam os
trabalhos apenas para serem avaliados, gerando assim uma grande
deficiência.”
“Não poderia citar nenhuma disciplina que tenha efetivamente
colaborado para a compreensão das dificuldades normalmente detectadas em
nossa escolas, uma vez que todas as mencionaram superficialmente sem
enumerá-las e menos ainda sem efetivar um levantamento dos procedimentos
para as possíveis soluções.”
A pesquisa mostrou ainda que 94% das futuras professoras não
sentem-se preparadas para a atuação em sala de aula quando o assunto
reporta-se às dificuldades de aprendizagem. Como dito anteriormente, embora
a amostra seja pequena, o percentual apontado é bastante preocupante,
havendo necessidade urgente de repensarmos o problema dentro dos Cursos
de Formação em nível médio.
Se nossa intenção é autêntica no que diz respeito à necessidade de que escolas públicas eduquem, encorajem e ampliem os horizontes das crianças que, pelo menos, a elas têm acesso, temos que nos conscientizar de que é admissível que as instituições formadoras de educadores estejam a restringir ou mesmo retardar o crescimento ou desenvolvimento das aprendizagens de competências percebidas e assumidas como pertinentes para profissionais da área no contexto da educação escolar contemporânea. (Feldens, 1998:130).
A falta de preparo dos educadores, bem como propostas sem nenhuma
sistematização (pensar sistematização como possibilidades e não como
amarras) pode recair em outro engodo educacional, a falta de conhecimentos
básicos que permitam ao sujeito trilhar seu próprio caminho.
Como podemos perceber, não é um caminho fácil compatibilizar os
percursos pessoais à formação efetiva dos sujeitos sem recair em um
esvaziamento dos conhecimentos, é algo a ser criado, que não tem regras
claras, mas exige sobretudo um grande preparo por parte dos futuros
educadores.
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Estes devem rever a sua formação profissional, adquirindo também
novas habilidades e saberes menos ortodoxos e sobretudo aprender a
trabalhar em equipe, algo muito falado mas pouco efetivo nos espaços
escolares em geral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O TEMPO DA ESCOLA E O TEMPO DA SOCIEDADE
Atualmente aponta-se que o tempo da escola e o tempo da sociedade
são conceitualmente distintos, que o grande desafio para a educação é pôr em
prática hoje o que servirá para o amanhã, que sua lentidão em se transformar,
em se adaptar às necessidades da sociedade moderna e assim fazer ante os
desafios do futuro e que a escola funciona na sociedade de hoje com efeitos na
sociedade do futuro.
Discordamos de tais considerações e entendemos que a maior
dificuldade da escola é garantir a apropriação do saber para que os indivíduos
tenham a consciência da transformação coletiva, que dominem os
conhecimentos historicamente acumulados em prol do bem comum: a
superação das desigualdades.
Assim sendo, percebemos que a educação enfrenta em geral grandes
problemas. O problema mais crítico se refere ao professor, sob vários
aspectos. Embora reconhecendo que o salário e a condição social são
preliminares para que se possa atacar o essencial, que é a sua formação
profissional.
As grandes dificuldades da educação são centradas na formação
inadequada do professor. Essa inadequação reside sobretudo em dois setores:
falta de capacitação para conhecer o aluno e obsolescência dos conteúdos
adquiridos nos Cursos de Formação de Docentes em nível médio.
Conhecer os alunos vai muito além daquilo que é proporcionado pela
disciplina de Psicologia de Aprendizagem e do Desenvolvimento, ou ainda pelo
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contato rápido com as crianças em campo de estágio. Há uma distância
enorme entre aquilo que se considera fronteira em cognição e aquilo que se
ensina na formação de professores.
É inadmissível que os Cursos de Formação de Professores em nível
médio estejam ministrando conteúdos fundamentados em uma ciência
acabada, morta e desatualizada focada na mecanicidade do processo docente.
Será cada vez mais difícil motivar professores, e conseqüentemente alunos, a
estudar uma ciência que nasceu com o intuito de manter a desigualdade e o
status quo. Argumentos com base em práticas ultrapassadas, que apóiam a
natureza linear do conhecimento, amparadas numa história distorcida, com
argumentações para justificá-la, não bastam para apontar a necessidade de
programas com uma dinamicidade crítica.
O perfil do bom professor mudou, não deve ser mais em função do lado
do quadro que inicia suas observações, tampouco como apaga o quadro de
giz. O professor hoje deve saber como garantir os conhecimentos a TODOS os
seus alunos e como agir para que isso se efetive. Deve ter pleno conhecimento
das dificuldades de aprendizagem e as formas de superá-las.
Para tanto, os Cursos de Formação de Docentes em nível médio
deverão reformular seus currículos, reorientando-o para que seus alunos
sejam formados como pesquisadores. O aluno investiga e se revela na medida
em que o curso vai se desenvolvendo. Assim, como sujeito de pesquisa, tendo
como fundamentá-la, é não menos que essencial para que um professor possa
dizer que conhece seu aluno e isso só ocorrerá quando o professor, como
pesquisador, efetivamente pesquisar seu aluno. Não se conhecem alunos sem
que se criem condições de contato/comunicação aluno-professor, com todos
equivalentes e derivados da etnografia, e isso só se dá a partir da aula.
Qualquer outra tentativa é falsificadora e abstrata.
O professor- pesquisador é a solução para conhecer a classe, seus
problemas e dificuldades, ou seja, sua heterogeneidade. A necessidade de
investigar cada dificuldade, de dar aos alunos um tratamento diferenciado –
questões de diferentes graus de dificuldade, leituras variadas e recurso a
experiências de natureza distinta – exige do professor uma formação com
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outras características.
O conhecimento sem dúvida é essencial. O futuro professor deverá
receber uma dose de conhecimentos básicos essenciais, enormemente
reduzida ao que se faz atualmente. A maioria do que se ensina não é básico e
está no currículo única e exclusivamente por tradição (ou muitas vezes nem
está, mas os professores continuam a reproduzir práticas passadas).
Além dos conhecimentos básicos, o professor dos anos iniciais tem que
ser competente como pesquisador. O curso deve prepará-lo a um buscar
constante para que perceba onde, quando e como deverá utilizar-se dos
conhecimentos construídos. O que acontece normalmente é algo semelhante
ao seguinte poema divulgado por René Thom:
Havia um homem
Que aprendeu a matar dragões
E deu tudo que possuía
Para se aperfeiçoar na arte.
Depois de três anos
Ele se achava perfeitamente preparado mas,
Que frustração, não encontrou oportunidade
de praticar sua habilidade.
Como resultado ele resolveu
ensinar como matar dragões.
O que queremos ilustrar com tal exemplo? Que muitos dos
conhecimentos trabalhados no interior dos cursos de formação de professores
não terão utilidade alguma, e o que realmente é necessário acaba passando
desapercebido, não recebendo a devida atenção ou nem mesmo sendo
cogitado, como é o caso das dificuldades de aprendizagem.
Os alunos dos Cursos de Formação de Docentes em nível médio,
necessitam de um mínimo de conhecimento básico e devem ser expostos à
pesquisa, devem ser capazes de produzir alguma coisa, por modesta que seja
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com relação à aprendizagem dos alunos e às dificuldades decorrentes.
Nenhum curso é capaz de preparar o professor para ensinar bem o
conhecimento científico moderno, aquilo que está em construção. A evolução é
tão rápida que em pouco tempo o conhecimento tornar-se-á obsoleto. Mas os
Cursos de Formação poderão dar a ele a capacidade de acesso ao
conhecimento, ao questionar constante e ao buscar respostas à suas
indagações e, conseqüentemente, por qual ou quais motivos seus alunos não
aprendem.
Faz-se necessário dar um basta na manutenção do status-quo, na
tentativa de se enganar e enganar o povo, ao investir no velho e no
ultrapassado. Ao construir um número de salas de aula com apenas quadro de
escrever e giz, e enviar para lecionar nessas escolas professores recebendo
um péssimo salário, após ter recebido uma formação deficitária, o governo
estará apenas enganando a toda população.
Os próprios professores dos futuros professores devem assumir-se
como protagonistas do seu trabalho exigindo até mesmo das instituições em
que atuam condições de preparar e formar conscientemente seus alunos. É
preciso desenvolver a competência pela investigação do processo de
aprendizagem e também da não-aprendizagem.
Devemos entender que os professores de todos os níveis são sujeitos
de seu tempo, mas também contra esse tempo. Na medida em que transgride
as normas abre novos espaços de expressão se estes forem acolhidos como
caminho, os que não forem desaparecem da mesma forma que surgiram. Só
se mantêm, mesmo que contrariando a maioria das tendências
contemporâneas, as propostas a que forem deferidos valores em si.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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