ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E SUA EVOLUÇÃO NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE
ENSINO SUPERIOR
Jovina Maria de Barros Bruno1
Rita de Cassia Santos Freitas2
Resumo Este trabalho apresenta e analisa aspectos da evolução da política de Assistência Estudantil desenvolvida nas Instituições Federais de Ensino Superior, tece avaliações acerca do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação traçado a partir das pesquisas realizadas pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis, e do Programa Nacional de Assistência Estudantil implementado a partir de 2008. A assistência estudantil se encontra em processo de construção que demanda continuidade, aperfeiçoamento e qualificação, de modo a responder à diversidade das questões estudantis e contribuir efetivamente para que o ensino superior seja de fato um direito de todos. . Palavras chave: ensino superior; assistência estudantil; direito social
Abstract This work presents and analyzes aspects of the evolution of Student Assistance policy developed in Federal Institutions of Higher Education and weaves assessments of the socio-economic and cultural profile of undergraduate students drawn from the research carried out by the National Forum of Pro - Rectors of Community and Student Affairs, and the National Program of Student Assistance, implemented since 2008. The student assistance is currently under construction process that demands continuity, improvement and qualification, in order to respond to the diversity of student issues and contribute effectively to that higher education is actually a right of everyone. Keywords: higher education; student assistance; social law
1 Doutora em Humanidades e Artes com Menção em Ciências da Educação pela Universidad
Nacional de Rosario. Assistente Social da Universidade Federal Fluminense. Membro do Núcleo de Pesquisa Histórica sobre Proteção Social. E-mail: [email protected] 2 Mestre e Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Doutora pelo
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Assistente Social. Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Histórica sobre Proteção Social. E-mail: [email protected]
I. INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta e analisa aspectos da evolução da política de
Assistência Estudantil desenvolvida nas Instituições Federais de Ensino Superior - IFES na
perspectiva do acesso e permanência de estudantes de baixa condição socioeconômica e
cultural no ensino superior. Para uma melhor compreensão do tema, o trabalho se inicia
com um breve relato sobre a assistência estudantil desenvolvida na perspectiva da inclusão
social e se estrutura em três itens: o primeiro item traz questões sobre o perfil dos
estudantes das IFES brasileiras, traçado a partir das pesquisas realizadas pelo Fórum
Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis - FONAPRACE nos anos
de 1997, 2004, 2010 e 2014; o segundo item refere-se ao Plano Nacional de Assistência
Estudantil elaborado a partir dos resultados das duas primeiras pesquisas realizadas pelo
FONAPRACE e que subsidiou a criação do Programa Nacional de Assistência Estudantil –
PNAES, considerado o marco histórico na trajetória da assistência estudantil nas IFES; o
terceiro item aborda questões sobre as ações e programas de assistência estudantil e sobre
a participação do FONAPRACE na formulação de políticas e diretrizes para a efetivação da
assistência estudantil e, finalmente, as considerações finais.
Nas últimas décadas muito se tem falado sobre o processo de democratização
do sistema educacional brasileiro, especialmente sobre as universidades públicas.
Democratizar esse acesso passa necessariamente pela incorporação de estudantes de
baixa condição socioeconômica e cultural. Entretanto, não basta assegurar-lhes o acesso à
educação superior pública; é necessário considerar que o compromisso efetivo com a
democratização deste ensino pressupõe a criação de condições concretas de permanência
do estudante até a conclusão do curso.
Inserida na expansão do ensino superior brasileiro, a assistência estudantil é
caracterizada por ações voltadas a garantir a equidade social. A principal condição para a
consolidação da democratização do acesso passa pelo atendimento de camadas da
população mais desprovidas de capital econômico, social e cultural. Nascimento (2010, p.1)
destaca que:
Assistência Estudantil é compreendida como sendo uma modalidade da Assistência Social, que envolve a discussão sobre o acesso e a permanência do estudante no ensino superior, uma vez que é interpretada sob o olhar do direito à Educação Superior e à Assistência Social.
Assis et al. (2013, p. 3) caracterizam a assistência estudantil “como uma ação
assistencial que busca atender às necessidades sociais básicas da população e está
inserida no campo das políticas públicas”. De acordo com os autores esta recebe o nome de
“política” por estar estruturada com base em um conjunto de princípios e diretrizes que
norteiam a implementação de ações no campo das Instituições de Ensino Superior.
Dessa forma, a assistência estudantil como política operacionalizada no âmbito
das IFES pode contribuir para o cumprimento do compromisso social destas instituições em
garantir o acesso e a permanência do estudante no ensino superior, viabilizando as
condições necessárias à sua formação acadêmica e profissional. As políticas públicas
desenvolvidas na perspectiva da expansão da educação superior no Brasil nas últimas
décadas e da democratização no acesso ao ensino superior público federal tem demandado
grandes desafios às IFES.
II. DESENVOLVIMENTO
A assistência estudantil desenvolvida nas Instituições Federais de Ensino
Superior – IFES tem por objetivo promover ações de modo a contribuir para superação de
obstáculos que impeçam ou dificultam o desenvolvimento acadêmico dos estudantes. Ações
estas que proporcionem os recursos para o atendimento de suas necessidades que vão
desde a moradia, alimentação, transporte, saúde, lazer, até os instrumentos pedagógicos
necessários à sua formação acadêmica e cultural.
De acordo com Araujo,
A discussão sobre a assistência estudantil é de grande relevância, o Brasil é um dos países em que se verificam as maiores taxas de desigualdade social, fato visível dentro da própria universidade, onde um grande número de alunos que venceram a difícil barreira do vestibular já ingressou em situação desfavorável frente aos demais, sem ter as mínimas condições socioeconômicas de iniciar ou de permanecer nos cursos escolhidos. Além do que, percebemos que a assistência estudantil pode ser trabalhada sob diferentes perspectivas: de um lado como direito, e de outro, como investimento. (ARAUJO, 2003, pag. 99)
Conhecer as reais necessidades dos estudantes é de importância estratégica,
enquanto orientadores de prioridades, atendimentos de demandas e/ou consolidação de
modelos de sucesso.
O perfil socioeconômico e cultural dos estudantes das IFES brasileiras
O processo de democratização do acesso ao ensino superior realizado através
da implementação de ações de assistência estudantil tem alterado o perfil dos estudantes
das universidades federais brasileiras. Os dados levantados em pesquisas realizadas pelo
FONAPRACE nos anos de 1997, 2004, 2010 e 2014 para traçar o perfil socioeconômico e
cultural dos estudantes de graduação das IFES brasileiras trazem questões sobre a
realidade socioeconômica e cultural dos estudantes e demonstram os principais indicadores
sociais: moradia, alimentação, manutenção e trabalho, transporte, saúde, acesso à
biblioteca, acesso à cultura, esporte e lazer, conhecimento básico e informática, domínio de
língua estrangeira e participação de movimentos sociais. Constatou-se nas duas primeiras
pesquisas que, respectivamente, 44,29% e 42,8% dos estudantes pertenciam as classes C,
D e E, estabelecidas de acordo com o critério ABIPEME3. Na terceira pesquisa constatou-se
que 43,7% dos estudantes pertenciam as classes C, D e E, estabelecidas de acordo com o
critério da ABEP4. Na quarta pesquisa utilizando o critério de renda familiar mensal per
capita média5 constatou-se que 51,43% dos estudantes possuem renda familiar de até 3
salários mínimos.
Comparando os dados levantados nas quatro pesquisas contata-se que a
maioria dos estudantes é jovem, com um universo de 75% na faixa etária de até 25 anos e
um contínuo acréscimo no percentual de mulheres de 51,4%, 53,0% e 53,5%,
respectivamente, até a pesquisa de 2010, pois nos dados levantados na pesquisa de 2014
observa-se um decréscimo no percentual de jovens na faixa etária de até 25 anos para
66,86% e de mulheres para o percentual de 52,37%. As mudanças em termos de cor ou
raça somente foram observadas a partir da segunda pesquisa. O percentual de estudantes
pretos e pardos aumentou da pesquisa de 2004 para 2014 - de 34,2% passou para 40,8%
em 2010 e para 47.57% em 2014. As universidades ainda se caracterizam por estudantes
brancos, mas esta nova configuração apresenta modificações - provavelmente resultantes
das políticas de inclusão, das políticas de ações afirmativas e do programa de expansão das
IFES.
O indicador moradia sinaliza que na primeira pesquisa 28,7% dos estudantes
não residiam com os pais, em 2004 o percentual teve um decréscimo passando para 27,9%,
em 2010 observa-se uma elevação passando para 28,5% e em 2014 um aumento
expressivo para 53,22% - que se deve, possivelmente, a conjuntura de crise que atravessa
3 O critério ABIPEME desenvolvido pela Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado
com a finalidade de dividir a população em categorias segundo padrões ou potenciais de consumo. Este critério cria uma escala ou classificação socioeconômica por intermédio da atribuição de pesos a um conjunto de itens de conforto doméstico (máquina de lavar roupa, geladeira, aspirador de pó e aparelho de videocassete, televisão em cores, rádio, automóvel, banheiro, empregada mensalista) e do nível de escolaridade do chefe da família. Dessa forma, a classificação socioeconômica da população é apresentada por meio de cinco classes, denominadas A, B, C, D e E, correspondendo a uma maior pontuação a classe A e em um escala decrescente, a de menor pontuação a classe E. 4 O critério ABEP desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa enfatiza sua
função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas. A divisão de mercado definida é de classes econômicas, estabelecidas por faixas considerando a renda familiar a partir de pontuação de itens de conforto doméstico (máquina de lavar roupa, geladeira, freezer, aspirador de pó e aparelho de videocassete e/ou DVD, televisão em cores, rádio, automóvel, banheiro, empregada mensalista) e do nível de escolaridade do chefe da família. 5 Para obter uma estimativa da renda familiar per capita média foram apresentadas 12 categorias de
faixa de renda familiar mensal em termos de salários mínimos (1 SM = R$724,00), além de uma opção “não tem renda”. Para o cálculo da renda per capita foi utilizado o ponto médio correspondente da categoria de renda em Reais, como referência da renda mensal do grupo familiar. Em seguida, esta renda mediana da categoria foi dividida pelo número de indivíduos da família.
o país. Observa-se em 2014 um aumento no percentual de estudantes residentes em
repúblicas, moradias universitárias, pensionatos ou com cônjuge. Os dados de 2014
reforçam que no indicador referente ao principal mantenedor da família permanece o pai
(43,74%).
Quanto ao indicador alimentação, 19,10% dos estudantes em 1997 se
beneficiavam dos programas de alimentação, em 2004 esse percentual subiu para 24,7%,
em 2010 caiu para 15% e em 2014 tornou a subir, chegando a 44,22% - novamente pode-se
ver aqui um grande crescimento que enfatiza ainda mais a importância das ações de
assistência estudantil, principalmente em momentos de crise. Uma outra maneira de ver
essa estatística pode ser vendo-a como um indicativo da entrada de indivíduos oriundos de
camadas sociais mais vulnerabilizadas e que, portanto, necessitam mais de assistência
estudantil. Nas pesquisas realizadas constatou-se que o Restaurante Universitário (RU) se
constitui em um importante instrumento de satisfação de uma necessidade básica do
estudante e ainda, de um espaço educativo, de ação social e de convivência universitária. A
redução no percentual referente ao ano de 2010 foi observada pelo FONAPRACE, mas não
foi aferida na pesquisa. No indicador transporte observa-se que o transporte coletivo é
utilizado pela maioria dos estudantes para deslocar-se de casa para a universidade e vice-
versa. No entanto, observa-se uma constante queda no percentual de estudantes que
utilizam transporte coletivo, de 60,6% em 1997 passou para 59,9% em 2004, 56,5% em
2010 e 53,78% em 2014. O indicador trabalho demonstra que 42,0% dos estudantes em
1997 exerciam atividade remunerada não acadêmica, em 2004 esse percentual cai para
35,4%, em 2010 volta a subir para 37,6% e em 2014 o percentual reduz para 32,94%.
Quanto à escolaridade dos pais, os dados levantados na pesquisa de 1997 demonstravam
que 70,5% dos pais possuíam pelo menos o ensino médio, em 2004 a pesquisa não
considerou esse indicador, e em 2010 voltou a considerá-lo, demonstrando uma pequena
elevação deste percentual para 71,6% e em 2014 esse percentual recua para 66,60% -
reforçando o entendimento de que existe uma maior democratização e a entrada de
universitários de outras camadas sociais. Estes resultados expressam o capital cultural das
famílias dos estudantes e podem informar que jovens cujos pais não cursaram o nível
superior tem uma tendência maior para continuarem fora da universidade, dando
continuidade a um círculo vicioso. Neste sentido, a opção por ações de assistência
estudantil, juntamente a outras políticas de inclusão, em relação a esse público tem um
grande potencial para evitar a continuidade desse círculo.
Os dados das pesquisas revelam que 45% dos estudantes em 1997 eram
oriundos de escola pública, este percentual passou em 2004 para 46,2%, em 2010 chegou a
50,4% e em 2014 a 60,16%. Na primeira pesquisa 46,3% dos estudantes, para cuidar de
sua saúde utilizavam convênios tipo seguro-saúde, em 2004 constata-se uma redução deste
percentual (36,7%) e um aumento na utilização dos serviços públicos de saúde (32,7%), e
em 2010 essa tendência se confirma com a queda do percentual de 31,4% para os
convênios tipo seguro-saúde e com a elevação de 41,7% para os serviços públicos de
saúde, em 2014 esse percentual sobe para 51,73%. Esses dados apontam para um
aumento progressivo dos custos com convênio tipo seguro-saúde direcionando os
estudantes para utilização dos serviços públicos de saúde.
As pesquisas realizadas levantaram aspectos relevantes acerca da vida dos
estudantes, dentre outros, atividades extraclasses, fontes de informação, conhecimento de
línguas estrangeiras, participação no movimento estudantil, atividades físicas, etc. Os
resultados apresentados nas pesquisas demonstraram um expressivo contingente de
estudantes que apresentam demandas potenciais por ações de assistência estudantil. A
metodologia estabelecida nas pesquisas realizadas possibilitou que cada IFES além de
contribuir com dados nacionais para traçar o perfil dos estudantes das IFES brasileiras,
pudesse também traçar o perfil do seu alunado, subsidiando seus processos de tomada de
decisões e planejamento de programas e ações de assistência estudantil.
A Assistência Estudantil e seu marco legal
Os resultados das duas primeiras pesquisas realizadas pelo FONAPRACE em
1997 e 2004 e os debates ocorridos no âmbito desse Fórum fundamentaram a formulação e
elaboração do Plano Nacional de Assistência Estudantil entregue e aprovado pela
Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior - ANDIFES em julho
de 2007. O Plano, no sentido de nortear a atuação das IFES, estabeleceu quatro áreas
estratégicas, discriminadas na tabela 1:
Tabela 1: Áreas Estratégicas do PNAES Áreas Linhas Temáticas Órgãos Envolvidos
Permanência
- Moradia - Alimentação - Saúde (física e mental) - Transporte - Creche - Condições básicas para atender os portadores de necessidades especiais
- Assuntos Estudantis - Ensino - Pesquisa - Extensão
Desempenho Acadêmico
- Bolsas - Estágios remunerados - Ensino de Línguas - Inclusão Digital - Fomento à participação político-acadêmica - Acompanhamento psicopedagógico
- Assuntos Estudantis - Órgãos das IFES ligados ao ensino, pesquisa e extensão -Parcerias com órgãos públicos e entidades com fins sociais
Cultura, Lazer e Esporte
- Acesso à informação e difusão das manifestações artísticas e culturais - Acesso a ações de educação, esportiva, recreativa e de lazer
- Assuntos Estudantis - Órgãos das IFES ligados ao ensino, pesquisa, extensão e cultura - Parcerias com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e
entidades da sociedade civil
Assuntos da Juventude
- Orientação profissional, sobre mercado de trabalho - Prevenção a fatores de risco - Meio ambiente - Política, Ética e Cidadania - Saúde, Sexualidade e Dependência Química
- Assuntos Estudantis - Parcerias com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e entidades da sociedade civil
Fonte: Andifes/FONAPRACE – 2008
O MEC, considerando “a centralidade da assistência estudantil como estratégia
de combate às desigualdades sociais e regionais, bem como sua importância para a
ampliação e a democratização das condições de acesso e permanência dos jovens no
ensino superior público federal”, publicou a Portaria Normativa nº 39, de 12/12/2007,
instituindo o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES que representa um
marco histórico na trajetória da assistência estudantil nas IFES.
O objetivo central deste Programa é viabilizar a igualdade de oportunidades
entre todos os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico,
principalmente a partir de medidas que buscam combater situações de repetência e evasão.
Através do PNAES foram remanejados recursos orçamentários anualmente consignados às
IFES visando dar viabilidade à execução das ações de assistência estudantil.
O FONAPRACE apoiado pela ANDIFES e pelos movimentos estudantis
empreendeu esforços no sentido de efetivar o PNAES como uma política pública de Estado.
O resultado desse movimento se concretizou na publicação do Decreto nº 7.234, de
19/07/2010, que dispondo sobre a execução do PNAES estabeleceu seus objetivos:
“democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública
federal; minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e
conclusão da educação superior; reduzir as taxas de retenção e evasão; e contribuir para a
promoção da inclusão social pela educação”.
Observa-se que o Decreto enfatizou a permanência dos estudantes e ampliou
seu espectro abrangendo questões pertinentes à operacionalização das ações de
assistência estudantil. O Decreto em seu art. 5º estabelece o atendimento prioritário de
estudantes “oriundos da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita
de até um salário mínimo e meio, sem prejuízo de demais requisitos fixados pelas
instituições federais de ensino superior”. Também define formas de controle por parte do
MEC no que se refere ao desenvolvimento das ações de assistência estudantil e na
aplicação dos recursos a serem disponibilizados às IFES.
O FONAPRACE vem trabalhando para a ampliação dos recursos destinados a
assistência estudantil e para garantir a viabilidade na implementação de ações nas diversas
áreas indicadas pelo PNAES. O FONAPRACE se mantém como um espaço de luta, de
debates, de proposições sobre a política de assistência estudantil, buscando atualizá-la e
qualificá-la diante da diversidade de demandas das mais variadas realidades de vida dos
estudantes.
Ações e programas de assistência estudantil
Considerando as realidades das áreas de assistência estudantil das IFES, o
PNAES foi um marco na história da assistência estudantil nas universidades federais
brasileiras. Antes de sua aprovação as equipes profissionais das IFES desenvolviam
programas de modo a apoiar os estudantes em suas necessidades básicas visando sua
permanência e a conclusão do curso. No entanto, ressentiam-se da falta de uma política
interna e externa (do MEC) que apresentasse diretrizes e garantisse sustentação e
continuidade dos programas. As ações eram desenvolvidas com recursos próprios e muitas
vezes escassos das IFES e não havia uma preocupação, uma diretriz no sentido de articular
a assistência prestada às atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Para Bourdieu (1983, pág. 37) “assim que a lei é enunciada, ela pode se tornar
um objeto de luta; luta para conservar, conservando as condições de funcionamento da lei;
luta para transformar, modificando estas condições”. De fato, o PNAES traz a perspectiva de
mudança, de transformação do habitus dos estudantes e do campo de atuação dos
profissionais, porém é necessário que haja por parte dos dirigentes e dos estudantes
vontade política e comprometimento para a efetivação da política de assistência estudantil
que contribua com a formação ampliada e qualificada dos estudantes.
Embora haja um entendimento das equipes que os programas de concessão de
bolsas de apoio financeiro sejam imprescindíveis para a permanência do estudante na
universidade, uma vez que contribuem com o atendimento das necessidades básicas dos
estudantes, há também um entendimento de que outras ações de caráter acadêmico devem
ser implantadas de modo a contribuir com uma formação qualificada dos estudantes,
refletindo assim em mudanças no habitus e no capital cultural desses estudantes. Dessa
forma, a assistência estudantil deve ultrapassar a existência apenas de programas de
repasse financeiro e implementar ações para o atendimento do estudante em seus diversos
aspectos e necessidades de modo que possam superar possíveis obstáculos e dificuldades
no seu trajeto acadêmico.
A diversidade dessas áreas aponta para a complexidade que envolve as
estruturas organizacionais de assistência estudantil nas IFES e remete a alguns
questionamentos: como garantir aos estudantes o atendimento de todas elas? Em não
sendo possível o pleno atendimento delas, quais deverão ser priorizadas? Quais os critérios
e indicadores a serem utilizados na sua identificação e/ou definição? Com quais setores da
universidade poderão ser elaboradas parcerias visando ao atendimento? Diante de sua
abrangência não caberia também aos governos federal, estadual e municipal e a outras
instituições tamanha co-responsabilidade? Como pode apenas um setor da IFES dar conta
de tamanho desafio?
Aos gestores e as equipes profissionais da área da assistência estudantil cabe a
reflexão sobre as múltiplas dimensões do trabalho, voltado à prestação de serviços e à ação
pedagógica. Cabe a percepção da complexidade das demandas sociais, dos seus
contextos, de como produzir sentido com o trabalho desenvolvido. A eles cabe também a
defesa de que a assistência estudantil deve ser considerada como uma política estratégica
para garantir o direito universal. E para tanto não podem ser submetidos à condição de
meros tarefeiros, distanciados das discussões acadêmicas, dos órgãos colegiados e das
instâncias deliberativas. A eles deve ser reconhecido e garantido o papel de protagonistas
da assistência estudantil no âmbito das IFES.
Nesse contexto observa-se que a assistência estudantil vem sendo redefinida,
redesenhada e marcada por mudanças em seus programas iniciais básicos (alimentação e
moradia estudantil). Os esforços para que essa política seja implementada se tornou intenso
não só pelas equipes profissionais e gestores das áreas de assistência estudantil das IFES,
mas também por parte de entidades engajadas na luta pela efetivação da Educação como
um direito social. Nas IFES a aproximação das áreas de assistência estudantil com o
movimento estudantil ocorre através dos Diretórios Acadêmicos - DAs e pelo Diretório
Central dos Estudantes – DCE. Cabe destacar, a luta da União Nacional dos Estudantes –
UNE6 e da Secretaria Nacional de Casa de Estudantes – SENCE7 na defesa da assistência
estudantil com um direito social.
O FONAPRACE assumiu o papel de promover a articulação das áreas das IFES
com as entidades estudantis e governamentais, seja a nível local, regional e nacional,
através da garantia de participação em encontros, seminários, reuniões temáticas, enfim em
eventos onde se promovam o debate e a formulação de políticas e diretrizes para a
efetivação da assistência estudantil. A atuação do FONAPRACE possibilitou o
aprofundamento das discussões e ações sobre assistência estudantil, definindo como meta
6 União Nacional dos Estudantes - UNE criada em 11 de agosto de 1937, no Rio de Janeiro, com a
proposta de formar uma única entidade representativa do movimento estudantil, forte e legítima, para promover a defesa da qualidade de ensino, do patrimônio nacional e da justiça social. 7 Secretaria Nacional de Casas de Estudantes - Sence criada em 1987 com o objetivo de coordenar a
luta das moradias estudantis pela formulação de uma Política Nacional de Assistência Estudantil, bem como o ensino público gratuito e de qualidade, seu reconhecimento e assistência por parte dos Governos e Instituições de Ensino Superior.
prioritária a sistematização de uma proposta de política de permanência nas IFES, na
perspectiva da inclusão, do direito social e da democratização do ensino.
Por sua vez, as IFES têm concentrado esforços para que a implementação das
ações de assistência estudantil ocorram de forma eficiente e que os objetivos traçados
sejam alcançados. Assim, as ações consideradas estratégicas para a permanência
atenderão as demandas relacionadas às necessidades básicas de manutenção dos
estudantes na universidade. E as ações consideradas estratégicas para o desempenho
acadêmico, para o acesso a cultura, lazer e esporte e a assuntos da juventude contribuirão
para alteração do habitus e ampliação do capital cultural e social dos estudantes.
Essas ações contribuirão ainda, para o que Coulon (2008) define como processo
de “afiliação” do estudante à universidade e de aprendizagem do “ofício de estudante”. Para
o autor o sucesso acadêmico do estudante depende de sua capacidade de inserção neste
novo universo representado pela universidade. O estudante para ser considerado como tal
deve ter competência para reconhecer o tipo e quantidade de trabalho intelectual, o que é
necessário fazer e o prazo para fazê-lo. Assim, aprender o “ofício de estudante” requer que
cada agente inserido neste novo campo consiga tornar-se parte dele. Mais precisamente,
para o autor o sucesso acadêmico do estudante está relacionado à sua afiliação a
universidade. “Afiliar-se é naturalizar e incorporar práticas e modos de funcionamento
correntes na universidade que antes não faziam parte dos hábitos dos novos estudantes”.
(pag. 261) O autor destaca ainda que “a afiliação constrói um habitus que permite que
reconheçamos alguém como estudante, que o incluamos no mesmo universo social e
mental de referências e perspectivas comuns.” (pag. 262)
A permanência qualificada e a conclusão do curso com êxito requer dos
estudantes capital cultural. O capital cultural adquire importância fundamental para a
afiliação do estudante à universidade. À assistência estudantil cabe implementar programas
e disponibilizar recursos – acesso à bibliotecas, livrarias, internet, eventos acadêmicos, de
pesquisa e de extensão, cinema, teatro, exposições, dentre outros – que contribuam com os
estudantes para a aquisição de capital cultural – mecanismo fundamental para construção
de novos patamares civilizacionais e o encerramento do círculo vicioso referido
anteriormente.
III. CONCLUSÃO
Os dados apresentados evidenciaram a evolução da assistência estudantil no
ensino superior público, mas é preciso prosseguir de modo a aperfeiçoar e qualificá-la para
que possa responder a diversidade das demandas estudantis.
O retrato delineado nas pesquisas realizadas pelo FONAPRACE mostrou que os
estudantes são jovens, brancos, mulheres em sua uma maioria, que moram com a família, e
tem na figura paterna seu principal mantenedor possuindo o nível de escolaridade de pelo
menos o ensino médio. Os estudantes são oriundos de escolas públicas, utilizam os
transportes coletivos no deslocamento para a universidade e buscam programas de apoio
acadêmico e social oferecidos pelas IFES. Na estratificação social constatou-se a
desigualdade entre os segmentos que se expressa na trajetória escolar, no nível cultural da
família, na forma desigual de acesso aos bens de cultura.
Os resultados das pesquisas sobre o perfil dos estudantes possuem importância
estratégica, enquanto orientadores de prioridades, atendimentos de demandas e/ou
consolidação de modelos de sucesso. Esses resultados consequentemente subsidiaram a
implantação do PNAES que definiu princípios e diretrizes que nortearam sua implantação e
delimitou sua abrangência.
A democratização do acesso ao ensino superior brasileiro traz novas
configurações e redesenho do perfil dos estudantes das universidades brasileiras, em
especial das universidades federais. Para que políticas governamentais e institucionais
garantam não somente o acesso, mas a permanência dos estudantes e a conclusão do
curso com êxito, torna-se necessário a realização de novos estudos sobre o perfil dos
estudantes, de modo a subsidiar a avaliação dos programas de assistência estudantil em
execução e a nortear a implantação de novas ações públicas.
Os estudos, as análises e mesmo os atos normativos, enriquecem o processo de
evolução da assistência estudantil desenvolvidas pelas IFES. É inegável essa evolução,
porém é indispensável conhecer as deficiências e as potencialidades vivenciadas pelos
estudantes de modo a subsidiar políticas que efetivamente possam contribuir para que
esses estudantes ingressem no ensino superior, se desenvolvam academicamente e
concluam o curso com êxito. A assistência estudantil se encontra em processo de
construção que demanda continuidade, aperfeiçoamento e qualificação para que possa
responder a diversidade das questões estudantis e contribuir efetivamente para a inclusão
social e para que o ensino superior seja de fato um direito de todos.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Anna Carolina Lili; SANABIO, Marcos Tanure; MAGALDI, Carolina Alves. e MACHADO, Carla Silva. As Políticas de Assistência Estudantil: Experiências comparadas em Universidades Públicas Brasileiras. Florianópolis/SC, 2013. Revista Gestão Universitária na América Latina - GUAL, vol. 6, n. 4, 2013. ARAÚJO, Josimeire O. O elo assistência e educação: análise assistência/desempenho no Programa Residência Universitária Alagoana. 2003. Dissertação (Mestrado em Serviço
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