As terceirizaes e o PL 4.330/04
Por William Douglas Assunto importante e atual, a regulamentao das terceirizaes foi aprovada no Plenrio da Cmara por 324
a 137 votos, mas alteraes do texto-base e pontos mais controversos apenas sero votados na tera-feira que
vem, e depois o projeto ainda passar pelo Senado.
Antecipadamente pedindo perdo pela anlise superficial, reforamos que o calor do momento no permite
maior aprofundamento ao mesmo tempo em que posicionamento que contribua para evitar erros dramticos
para o pas.
Para os crticos, o projeto de lei prejudicial aos trabalhadores e coloca em risco direitos trabalhistas e ganhos
salariais, alm de poder levar a uma substituio em larga escala da mo de obra contratada pela terceirizada.
Os crticos trazem notcias de que nos casos de terceirizao h mais acidentes e rotatividade, e menor
remunerao. No caso dos servios pblicos, aponta-se a inconstitucionalidade do projeto por violar o
princpio do concurso pblico.
Os defensores do projeto dizem que no se pode confundir terceirizao com o descumprimento da legislao
trabalhista. Segundo eles, as empresas cada vez mais buscam a mo de obra especializada, onde entra a
terceirizao. Dizem que isso gera maior produtividade, reduo de custos e maior lucratividade, aquece o
mercado de trabalho e ajuda a sociedade. Enfim, que a terceirizao faz parte da modernizao das relaes
econmicas e que ignorar isso pior.
O fato que j temos a chamada terceirizao em nosso ordenamento, havendo a interpretao dada pela Smula n 331 do TST de que servios terceirizados s podem ocorrer em trs situaes especficas, trabalho temporrio, segurana e conservao e limpeza, e em uma hiptese geral, quando os servios se
relacionam atividade-meio do empregador. Quem contesta esse entendimento diz que as restries da
smula violam preceitos constitucionais, como o da livre-iniciativa.
necessrio que o Congresso Nacional enfrente a questo. Alis, os trs Poderes devem estar atentos
evoluo das prticas e do mercado de forma a no engessar a atividade econmica, cujos princpios esto
em nossa Constituio. No ocioso lembrar que, nos termos do art. 170 da Constituio Federal, A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existncia digna, conforme os ditames da justia social, e observados os princpios que elenca. Assim, at que se mude a Constituio Federal, cabe respeitar igualmente o trabalho e a livre-iniciativa, no
sendo adequado que o Estado crie dificuldades para a atividade econmica, o que protege a todos j que
ela, e no o Estado, quem efetivamente cria empregos, riquezas, tributao etc. Por tudo isso, sempre
garantindo a proteo dos trabalhadores, tambm preciso proteger a atividade econmica que d a eles
empregos e renda, e ao Estado propicia arrecadao.
No temos a pretenso de esgotar o tema. No posso deixar de fazer algumas consideraes, apenas traar
alguns princpios bsicos para discutir o projeto.
Primeiro, que o mrito da proposta seja discutido com serenidade.
No podemos discutir assunto algum com o maniquesmo e radicalismo que tm sido cada vez mais frequente
em nosso pas. Tem havido um aviltamento progressivo das posies e um abandono da discusso do mrito
para, em lugar disso, privilegiar-se um ambiente de acusaes sobre a honestidade ou boa-f da parte
contrria. preciso discutir, sim, a terceirizao, e regulament-la. Nisso anda bem o Congresso Nacional.
A questo que devemos buscar uma soluo boa, e o projeto tem vrios problemas a serem corrigidos.
Na linha de exageros que pioram as coisas, outro mal comum em nosso pas, est a ideia de que todo
empresrio corrupto ou desonesto, um verdadeiro vilo. Todavia, atrapalhar a vida do empresrio
prejudicar a atividade econmica, protegida pela Constituio, e diminuir a produo de riqueza, empregos
e a arrecadao. Tratar todo empresrio como bandido uma tolice e um desservio at mesmo aos
trabalhadores, assim como a toda a sociedade.
Regulamentar a terceirizao de forma sbria e inteligente ser bom para a sociedade e para o trabalhador.
Devemos evitar a ideia de que ser contra ou a favor de um tema faz imediatamente de algum uma pessoa
boa ou m.
Segundo, distinguir terceirizao de malandragem.
Temos que distinguir duas realidades: (a) prestadores de servio que ostentem capacidade de negociao de
prestadores vulnerveis ao tomador de servio e (b) terceirizaes de verdade de terceirizaes de mentirinha. Em geral, quando o prestador de servio no tem condies de negociar o que ocorre uma
terceirizao fraudulenta, voltada apenas para a ilegalidade contra direitos trabalhistas, previdencirios ou
fiscais. A terceirizao, por si s, no necessariamente prejudica direitos trabalhistas, mas sim a fraude. Da,
a lei dever criar mecanismos para separar as situaes.
O projeto deve prestigiar as terceirizaes e coibir os arremedos de terceirizao. A terceirizao honesta deve ser permitida e menos sujeita a obrigaes legais. No adianta fingir que se aceita a terceirizao e criar
tantas obrigaes para o tomador de servio que o mesmo no tenha vantagem em terceirizar. A terceirizao
desonesta tem que ser coibida, mas no a terceirizao em si. E, como estamos caminhando em terreno
praticamente novo, cabe ir devagar, como diz a sabedoria popular, exatamente para que a lei venha a criar
avano, e no maior confuso.
Impedir a malandragem dever da lei, seja essa malandragem do tomador do servio, do seu prestador, do
empresrio ou do trabalhador, ou, ainda, a malandragem do governo, que acontece quando cria excesso de
obstculos atividade econmica, quando age com furor fiscal e quando no realiza fiscalizao satisfatria.
No ocioso lembrar que a falta de fiscalizao permite trabalho escravo, abusos trabalhistas e sonegao,
fenmenos que terminam por ajudar o mau empresrio e prejudicar os que querem atuar dentro da legalidade.
Ainda no campo das distines, Vale o alerta dado pelo Professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia (in
http://gustavogarcia.adv.br/); De todo modo, quanto ao tema em exame, um dos aspectos de maior relevncia a distino que deve ser feita entre terceirizao e intermediao de mo de obra. Na verdadeira
terceirizao, a empresa tomadora contrata um servio especializado da empresa prestadora, e no sua mo
de obra (trabalho humano). A empresa contratada, por seu turno, presta um servio especializado, e no
fornece mo de obra. A terceirizao, portanto, no pode servir para intermediar mo de obra. A
intermediao de mo de obra, em regra, proibida, pois o trabalho humano, como valor social, no pode ser
tratado como mercadoria. Apenas nas hipteses excepcionais de trabalho temporrio, previstas na Lei
6.019/1974, que se admite o fornecimento de mo de obra pela empresa de trabalho temporrio para a
empresa cliente. Logo, mesmo o trabalho temporrio, a rigor, no se confunde com a terceirizao. Terceiro, ir devagar com o andor. Entendemos que ainda no hora de se permitir a terceirizao de atividade-fim. O substitutivo apresentado
pelo Deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA), que relatou a matria em Plenrio em nome das comisses,
manteve, por exemplo, a possibilidade de a terceirizao ocorrer em relao a qualquer das atividades da
empresa. O texto no usa os termos atividade-fim ou atividade-meio, permitindo a terceirizao de todos os
setores de uma empresa. Os opositores do projeto argumentam que isso provocar a precarizao dos direitos
trabalhistas e dos salrios. Esse deve ser um dos pontos a ser debatido por meio de destaques na prxima
semana. De acordo com o relator, o texto segue uma linha mdia capaz de atender os trabalhadores, os empresrios e a economia brasileira, destacando que muito da precarizao do trabalho terceirizado decorre da falta de uma regulamentao.
O relator acerta ao dizer que preciso buscar uma linha mdia, assim como quando diz que preciso
regulamentar o tema. Porm, no me parece saudvel que saiamos da virtual falta de regulamentao para
uma regulamentao ousada demais. A permisso de terceirizao da atividade-fim sair da linha mdia que o prprio relator propugna.
Sabe-se da dificuldade histrica em segregar funes meio e fim, mas o abandono da distino, com a
liberdade plena de terceirizao, no parece ser a melhor soluo. O ideal seria uma proibio a priori da
terceirizao em atividades-fins, com excees no texto legal, quando, por exemplo, compatveis com a
atividade produtiva. Um exemplo seria a indstria automobilstica. A previso de lista exaustiva de servios
passveis de terceirizao poderia ser uma soluo, trazendo segurana jurdica.
Um projeto nesses moldes ser um timo avano e o tempo, e apenas ele, dar respostas que hoje ainda no
temos. Assim, regulamentando-se o tema, avanamos, corrigimos problemas, damos mais segurana mas no
damos um passo to grande assim e que pode ser maior do que as pernas. Esse projeto alternativo, menos ousado e mais cauteloso, permitir que a sociedade e o Estado desenvolvam
melhor os sistemas para distinguir a terceirizao saudvel da fraudulenta.
Quarto, eliminar a inconstitucionalidade relativa aos concursos pblicos.
O projeto deve eliminar expressamente a terceirizao no servio pblico, salvo para os casos clssicos
atualmente admitidos. Dizer que abrange apenas empresas pblicas no resolve o problema. O projeto atual
claramente inconstitucional. Prestar servio pblico na administrao direta e indireta para quem fez
concurso pblico, isto o bvio (art. 37, CF). Na verdade, a moralizao do servio pblico passa por acabar
com o abuso nas terceirizaes e nas contrataes temporrias: elas violam o princpio do concurso e, mais,
a moralidade e a economicidade. Sempre que se coloca uma empresa no meio dos servios pblicos abre-se
a porta para corrupo, troca de favores, contratao de apadrinhados e tudo o mais que de pior todos sabemos
que existe.
Nesse ponto, o que o projeto precisa simplesmente de um artigo limitando as terceirizaes no servio
pblico quilo que j temos. Claro, outros cuidados so devidos, como aqueles que protejam os trabalhadores
das terceirizadas visto que comum serem prejudicados por empresas parcial, quando no totalmente, de
fachada, que no cumprem seus deveres.
Estabelecidos estes princpios, ou seja, discutir ideias e no pessoas, no tratar um ou outro como bandidos,
mas sim partir para buscar uma soluo razovel que ajude o pas a crescer e que impea a malandragem,
assim como no querer acabar com o concurso pblico por via oblqua, ento podemos prosseguir.
Concluindo, esperamos que nas discusses da prxima semana a Cmara discuta o tema com a altivez e o
esprito pblico necessrios; que exclua a terceirizao da atividade-fim; que defina atividade-meio sendo
generosa na definio; que crie mecanismos para coibir o abuso e a malandragem e que, em especial, corrija
logo a inconstitucional agresso ao princpio do concurso pblico.
William Douglas juiz federal/RJ, professor universitrio e escritor, mestre em Direito, ps-graduado em
polticas pblicas e governo.
Fbio Zambitte Doutor em Direito Pblico, Mestre em Direito Previdencirio, professor universitrio e
autor de diversas obras de Direito Previdencirio.
Por William Douglas
Juiz Federal, Titular da 4a Vara Federal de Niteri Rio de Janeiro; Professor Universitrio; Mestre em
Direito, pela Universidade Gama Filho UGF; Ps-graduado em Polticas Pblicas e Governo EPPG/U
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