Maria Cristina Zilli
Arthur Bispo do RosarioA alucinante fabrica de simbolos
Trabalho aprcsentado a Uni\'crsidadcTuiuti do Paran:i. Ao Centro dePCs(luisa cPos Gradu:l\iio comurC(luisilu para obten\i'iu do lilulo deespecialist:. {"III Pocticas COlllcmpo-
riincas flO Ensino dn Arte COnlt'mpo-riinra sob a oricnt:u;iio do professorEvundro Gauna.
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Curitiba - ParanaJunho de 2003
;-;,~! CONSULTASETORIP.L Il~ INTERNA
"A loucura e llJllmomento dificil, porem essenciaina obra da raziio, atravesde/a, e mesmo em suas aparelltes vit()rias,a raziio se mallifesta e trillnfa.
A LOllcura epara a raziio, sllafon;a viva e secreta".(Pinel)
Indice
1. Apresentac;ao . ...... 3
2. Introduc;ao. . 5
3. A doenc;a mental e a arte . . 6
Ciencia e loucura . . 10
Doutrora Nise da Silveira e C.G. Jung . . 18
4. Arthur Bispo do Rosario: a vida 22
..27Arthur Bispo do Rosario: a obra .
A produjfao de Bispo pode ser chamada "arte"? .
5. Bispo do Rosario, Duchamp e Warhol.
6. Conclusao.
7. Bibliografia
8. Anexo 1 .
. 33
...................... 35
.. 38
.............................. 39
.. 41
.. 429. Anexo 2 .
Apresenta~ao
Em 1997, fui canvidada pela equipe executara de cursas profissionalizantes
do Camplexa Medico Penal (Secreta ria de Seguran,a Publica do Estada do Parana),
em Piraquara, para ministrar cursos de artes para as internos daquela instituiyao.
Apesar de trabalhar na area de artes ha muitos anos, ainda nao havia tido cantata
com pessoas com transtornos mentais.
Ao iniciar as atividades e no decorrer do curso, constatei que havia uma certa
logica e coerencia diante do quadro clinico daquelas pessoas e 0 seu trabalho
artfstico. Sua sensibilidade era muito grande, e eles apresentavam uma fonte
inesgotttvel e expontanea de criatividade, manifestada de forma infantil, quase bruta.
o conteudo dos trabalhos mostrava impulsividade, riqueza cromatica e falta de
censura.
A medida que 0 tempo passava, era facil qualificar a situa98.o pSicol6gica do
momenta atraves das imagens e das cores, entretanto, cad a um tinha suas
especificidades demonstrando uma linguagem cromatica e tematica particular, 0 que
possibilitava reconhecimento de cad a aluno atraves do seu trabalho.
Uma inesgotavel fonte de estudos e observac;8.o estava a minha disposic;ao,
o "universo dos loucos" 0 questionamento foi inevitavel. Como se processava
aquele tipo de inspirac;8.o? Sera que era um processo mecanico? Qual 0 sentimento
que os impulsionava? Sera que aquelas manifestac;oes artfsticas poderiam ser 0 que
chamamos de "arte"? Atraves da observac;ao e convlvio, cheguei a algumas
conclusoes.
- 0 doente mental deixa 0 seu processo artfstico aflorar totalmente a partir do
momenta em que cria um elo afetivo com quem esta conduzindo as atividades.
- Sua seguranga e aumento da auto estima aceleram 0 processo criativo.
- Existe urna grande coerencia quanto a sua produgao, cor, linguagern e
situagao psicol6gica .
- 0 louco e extremamente d6cil e afetivo a partir do momenta que sente
seguranya facilitando assim seu processo criativo, psicol6gico e social.
- 0 universe da loucura e dinamico, e independente do tipo de patologia, a
arte fun cion a como agente de diminuigao da ansiedade, socializayao e prazer po is
atraves do ate de criar ele pode exprimir de forma nao verbal 0 que sente.
Devido a essas constatayoes, concluf que atraves da arte 0 louco se desnuda
emocionalmente, transmitindo seus sentimentos reais momentaneos, assim
possibilitando aos pSiquiatras e psic61ogos 0 acompanhamento mais minucioso e
profundo do paciente para efeito de diagn6stico. Isso foi constatado pelo Dr. Ivan P.
Arantes diretor Instituigao na epoca, diante do trabalho desenvolvido.
Apesar dessas constatayoes, e prematuro atestar reais conhecimentos, pois 0
universe do ser humane e imenso, imagin~ 0 universo do loucura que existe para
alem das censuras e limites que a sociedade determina.
4
INTRODU<;:AO
A arte, loucura e genialidade sempre fcram assuntos de grande interesse
para os pesquisadores. A mente humana em seu estado normal ja e em si urn
grande campo de estudo enquanto geradora de criatividade, quanta mais a mente
desordenada de uma pessoa com transtarnos mentais. 0 questionamento quanta ao
mecanisme gerador da arte e a sua constatac;ao como obra foi e ainda e ass unto de
inumeros estudos e par 85sa razao desenvolvi a pesquisa englobando aspectos
medicos e hist6ricGs sabre os transtornos menta is e a arte.
Arthur Bispo do Rosario, urn personagem curiosa, viveu reclusa na Colonia
Juliano Moreira, no Rio de Janeiro durante 50 anos. Ele pertencia ao universo da
loucura e em sua alucinante genialidade produziu urn imenso reservatorio de
sfmbolos. Sua produ9ao remete a varios movimentos artlsticos alheios ao seu
mundo particular e criativo.
A arte contemporanea representa 0 momenta atual e interior do artista, que
expressa sua criatividade atraves das mais variadas tecnicas e processos. Bispo
representou ricamente seu mundo interior com sucata e materiais diversos em uma
prodw;:ao surpreendente.
Sera que podemos aceitar a expressao de Bispo, criada em momentos de
alucina9ao e loucura como "arte"?
A Doen~a mental e a arto
o caminho trilhado pela doen,a mental ate sua compreensao como patologia,
passou pelas mais diversas formas de explicac;ao, envolvendo misticismo, rejeic;ao,
medo e reclusao.
Para 0 homem primitivD, a explicac;:ao para a loucura e as doenC{as em geral,
era encontrada no sobrenatural e em fen6menos relacionados aD demonio; cujo
tratamento S8 compunha de praticas magicas e religi05as.
No sec. VIII a.C., as sacerdates gregos, comegaram a completar as pr<3.ticas
reli9i05as com atividades ffsicas e recreativas reconhecendo seu valor na
recupera<;:ao dos doentes.
Socrates (470-399 a. C.), introduziu a atitude interrogativa da arte, indagando
quanta as formas de pintura, 0 que interferiu no comportamento social e na
apreciagao das artes
Hip6crates (460-375 a. C.), influenciou as atitudes sociais do seu tempo,
passando as cortes atenienses a reconhecer os direitos do loueo, nomeando um
tutor para quem fosse comprovadamente portador de transtorno mental.
Platao, na Grecia antiga (427-347 a. C.), propos a cria,ao de uma biografia
psicol6gica, que incluiria a familia, os educadores, enfim a vida de cada individuo
valorizando a formac;:ao da personalidade de cada um at raves das experiencias
vividas. Ele defendia a ideia de uma "Ioucura criadora", que seria um processo de
agilizac;ao mental em que as imagens e sonhos forc;ariam as barreiras do
inconsciente, expressando-se livremente atraves da expressao artistica, sendo ela
sons, cores ou figuras. Estabeleceu tambem a diferenc;a entre a "alienac;ao
produtiva" do genio criador e a "aliena<;ao patol6gica "da insanidade.
Na antiguidade, 0 fen6meno da loucura inspirou muito artistas aparecendo
como paisagem imaginaria na Renascenc;a ocupando um lugar privilegiado.
A "Nau dos Loucos", estranho barco que deslizava pelos canais flamengos, e
uma composiC;ao literaria, emprestada sem duvida dos argonautas. Varias
composic;oes literarias e pictoricas foram criadas, mas a Nau dos Loucos real mente
existiu, na Alemanha, on de as famflias atiravam os loucos rio a baixo como cargas
insanas. Ainda nEW existiam manic6mios e a sociedade implantou um sistema de
isola-los por meio da agua. De cidade em cidade eles eram rejeitados, caso
voltassem, eram encerrados em prisoes, mas nao tratados. Os loucos nao tinham
acesso as igrejas, eram vitimas de violencia em locais publicos e geralmente
expulsos das cidades .
Entregar os loucos aos marinheiros era uma forma de manter a ordem e a
moral das cidades. A agua, alem de leva-los embora, purificava-os, tornando-se para
eles a unico territorio habitavel, ja que nenhuma terra os queria. Alem do mais, a
navegac;ao entrega ao homem a incerteza, nela, cada um e entregue ao seu proprio
destino e todo a embarque pode ser potencialmente 0 ultimo.
No sec. xv 0 tern a da loucura foi muito difundido na literatura e nas artes em
gera!. Nos teatros 0 louco tom a 0 lugar de centro no palco, e uma longa serie de
"Ioucuras ", estigmatizadas no passado por vicios e defeitos. Aproximou-os nao mais
do orgulho, das virtudes cristas, mas de um grande desatino, ao qual ninguem e
exatamente culpavel, mas que arrasta a todos a uma com placencia secreta. Olouco
nao e mais 0 marginal exclufdo, ele e 0 detentor da verdade.
Conforme Foucault (1978, p.14), "se a loucura conduz todos a um estado de
cegueira on de todos se perdem, 0 louco pelo contrario, lembra a cada um sua
verdade; na comedia em que todos enganam aos outros e iludem a si proprios; ele e
a comedia em segundo grau, 0 engano do engano".
A loucura e objeto de discurso tambem no meio academico. Ela se defende,
se auto sustenta, e a verdade da razao pela razao.
Muitas imagens sao criadas por artistas como: Yeranimus Bosch em "A Cura
da Loucura, e a "Nau dos Loucos e Brueguel em "Dulle Grete". A gravura transcreve
o que 0 teatra e a literatura ja usaram na Festa e Dan<;:ados Loucos A pintura e 0
texto remetem um ao outra e sob a forma plastica ou literaria, a experiencia do
insensato parece de extrema coerencia.
Com 0 terminG do simbolismo gotico e a ascensao da loucura, as figuras
comeyam a se embaralhar em contrapartida a rede de significayoes espirituais. A
imagem e liberada da ordem da sabedoria, ela comeya a gravitar em redor de sua
propria loucura. Essa libertayao provem de uma imensa gam a de significados,
sfmbolos e multiplicayao dos sentidos que geram imagens infinitamente ricas e
cheias de atributos. A figura fala por si s6. A conversao do mundo das imagens, a
aceitayao dos multiplos sentidos libera ordenamento das formas e a aceitayao de
figuras fascinantes e fantasticas, e a libertayao dos enigmas internos de cada
indivfduo e a sua expressao atraves das imagens.
o homem descobre em figuras fantasticas as valores simb61lcos da
humanidade, e a importancia das trevas na aliena9ao do louco, em sua
partieularidade permite ao hom em da idade media exprimir 0 que sente, isento de
responsabilidades.
No sec. XVI, multiplicam-se na Europa locais de internamentos, criados mais
para sileneiar 0 loueo do que trata-Io. Somente a partir do seeulo XVII, com 0
questionamento quanta a internamentos e metodos arbitrarios no tratamento dos
doentes mentais, a exciusao ganha status de tratamento. A loucura passa a ser vista
e analisada sob novo angulo, como padrao de comportamento. a medico mantem a
verdade e a poder sobre a doenya; realidade essa que ainda vivemos em alguns
centros. Ha quem diga que artistas e loucos andam lado a lado, que "inspira98.0 e
dellrio" sao originarios do me sma impulso.
E muito grande a lista de artistas que sofreram perturbayoes mentais como
Nijinski, oostoievsky, Baudelaire e oulros.
Vincent Van Gogh, importante pintor holandes, passou boa parte de sua vida,
se tratando com medicos psiquiatricos, que nao 0 entenderam e nao reconheceram
sua genialidade.
Camille Claudel, escultara francesa, discipula de Rodin, foi intern ada no
manic6mio ate a fim de sua vida.
Salvador oali, pintar catalao, deu uma deciarayao muito espirituosa quando
perguntado sobre 0 elo entre arte e loucura: "a unica diferenc;a entre eu e 0 louco e
que eu nao sou louco".
A Ciencia e a loucura
A partir do sac. XIX. estudos foram realizados no campo da medicina e
psicamilise. Inicialmente as obras criadas por doentes menta is eram apenas
consideraras para estudo e diagnostico, sendo aceitas como arte a partir do sac.
xx.
Varios estudos fcram significativos como 0 do medico frances Ambroise
Tardieu (1818-1879), professor de medicina legal da Faculdade de Medicina de
Paris. Tardieu se interessou pela produyao artfstica dos seus pacientes para efeito
de diagnostico, publicando 0 livro "Etude Medico Legale sur la Folie", (Estudo
Medico Legal sobre a Insanidade) em 1872. Outro medico, tambem professor da
Faculdade de Medicina de Paris, Cesare Lombroso em 1882, (1835-1909), orientou
diversas pesquisas sob 0 tema "insanidade do genio" publicando em 1889 0 livro
"L'homme de Genie", (0 Genio do Homem), onde estuda determinados
caracterfsticas psfquicas presentes como sendo tipicas em grandes genios,
relacionando-os com caracterfsticas de doentes mentais.
Marcel Reja (1907). at raves de seu livro "Uirt chez les Fous'( A Arte dos
Loucos), examinou desenho, poesia e prosa e declara que as produyoes artfsticas
dos lou cos, sao formas embrionarias de arte, sem a intenyao de criar uma "obra de
arte". Para Reja os genios com sua maneira de ser e com suas habilidades
excepcionais, sublimam as tendencias pela beleza e os loucos desvendam-nas na
nudez de seus mecanismos com total ingenuidade. Apesar do processo criativo ser
bastante dinamico, ele constatou que no decorrer da doenya mental, de forma geral,
he. perfodos em que a criatividade a mais exacerbada, apesar de estatisticas
10
comprovarem que menos de do is por cento dos pacientes hospitalizados podem ser
considerados artistas em potencial.
Sigmund Freud (1856-1939) considerava que 0 papel da Psicamilise na arte,
seria 0 de inter-relacionar as impress6es da vida do artista, suas experiemcias e
suas obras, e assim, interpretar sua constituic;:ao mental e seus impulsos instintuais.
Dessa forma, fez de temas de estudos varios artistas como: Shakespeare, S6focles
e Dostoievski entre outros. Baseando-se nesses principios, percebe-se que a arte
contemporanea de maneira geral, sugere mais abertamente a expressividade do
inconsciente, at raves da substitui«ao das regras academicas por uma arte mais livre,
em que os artistas criam mais entregues ao emocional, ignorando 0 superego.
Em suas obras completas (vol. XII), dedicou um vasto capitulo a "Uma
Recorda«ao de Infimcia de Leonardo da Vinci" e outro a "Moises de Miguelangelo",
questionando em ambos os casos a genialidade e 0 aspecto psicol6gico de cada urn
desses dois grandes genios da arte. E a procura da relayao entre a "alienayao e a
genialidade" .
Para Freud, a criayao artistica e como urn livre acesso do ego ao mundo
material. E atraves da sublima«ao que os mecanismos de defesa do ego,
transformam 0 que parece inaceitavel no que e aceitavel, possibilitando a expressao
simb6lica dos desejos e paix6es antes reprimidos. A arte e 0 unico campo que
permite ao artista manter a onipotencia dos seus pensamentos e desejos,
transportando-os pela erno«ao como se fosse realidade atraves da ilusao artfstica.
Para 0 artista a magia da arte e 0 seu original objetivo, funcionando a serviyo dos
impulsos, agindo sobre suas vontades, indo de encontro ao pensamento originario
da arte.
II
Freud colocou a arte como procura incessante de prazer, se afastando das
afli<;6ese da realidade do mundo externo. Realidade essa que afasta a artista, par
nao concordar com a renuncia a satisfayao instintiva que ela exige, e concede a
seus desejos e aspira<;6es a liberdade total na fantasia. Porem, ele volta desse
mundo fantasioso pois sabe transforma-Io em outro tipo de verdade, que se tornam
reflexos da propria realidade, e sao valorizados como arte.
No exercfcio da arte, percebe-se uma atividade destinada a satisfazer as
desejos do artista e os da sociedade ao qual se dirige. A fDrya do artista e retirada
dos mesmos conflitos que levam as outras pessoas as neuroses, tendo como
objetivo, atraves da comunicayao de sua obra, de libertar a si proprio e aos outros. A
arte seduz at raves da sua beleza formal, ocultando sua origem pessoal. Ela torna-se
uma realidade convencionalmente aceita, onde as sfmbolos e imagens atraves da
ilusao artistica, provocam emoyoes reais, ligando uma realidade frustrante ao
mundo dos desejos realizados pela imaginayao.
A satisfayao do artista e criar afastando 0 sofrimento, sublimando as instintos,
numa ligayao com a realidade. As experiencias vividas, permitem uma maior
interpretayao da alma humana, com 0 uso do raciocfnio mais dinamico do artista ao
expressar 0 que realmente desejam. A partir dos estudos de Freud, varios foram as
estudiosos e suas interpretayoes a respeito da arte e psicamilise.
Karl Gustav Jung (1875-1961), atraves de suas pesquisas declarou que
existem dois processos diferentes na criayao artfstica: 0 processo pSicol6gico e 0
processo visionario.
12
o primeiro se baseia em temas conhecidos e de facil compreensao,
universalizando as experiencias vivid as, permitindo uma maior interpretayao da alma
humana, com 0 usa do raciocfnio mais dinamico do artista ao expressar 0 que
realmente deseja.
No segundo, a artista a dominado pelo Impeto da inspirayao, cria e executa
suas obras , com idaias que a dominam provocadas par pianos profundos do
inconsciente. Para Jung 0 artista exprime a alma inconsciente e ativa da
humanidade considerando 0 inconsciente coletivo, e a verdadeira obra de arte a
produzida de forma impessoal e expontimea.
Ernst Kris (1900-1957), membro da Sociedade Psicanalitica de Viena e
CatednHico da Universidade de Yale, Estados Unidos, publicou os livros "Um
Escultar Psic6tico do sac. XVIIl", "A Psicologia da Caricatura" e "Psicanalise da
Arte". Concluiu que as criayoes dos psic6ticos seguem a linguagem do inconsciente,
numa tentativa de reintegrayao, portanto, s6 sao compreensfveis quando ha uma
traduyao do seu sentido, pais a funyao do ego esta reduzida, enquanto que na obra
de arte verdadeira, apesar dos conteudos inconscientes, a ego conselVa a controle
e decide sobre a conveniencia ou nao das deformayoes e caracterfsticas de fundo
inconsciente.
Hans Prinzhorn (1922) publicou seu livro "Bildnerei der Geisterkraken"
(Express6es da Loucura),sobre uma coleyao realizada em Clfnicas Psiquiatricas na
cidade de Eidelberg - Alemanha, em que 0 valor estatico dessas obras foi
reconhecido publicamente, par artistas como Paul Klee, Andre Breton e outros,
atrafdos pela espontaneidade das obras. Prinzhorn apresentou em seu livro teorias
inovadaras sabre a psicologia da expressao, valorizando a produyao dos doentes
13
mentais, mostrando que a expressao criadora e a necessidade instintiva da criac;ao,
sob revive a desintegrac;ao da personalidade, nao havendo diferenc;a entre a
produ~ao do louco e de uma pessoa normal. 0 autor considerou em seus estudos
os princfpios formais de representa~ao das obras, como tendemcias, simetria,
formas de criaC;ao de linguagem.
Sua obra pouco influenciou a psicologia ou psiquiatria, mas por outro lado,
influenciou a arte, pois defende que as formas de produc;ao psfquicas e
correspondentes em todos os hom ens sao quase identicas, como processos
fisiol6gicos. Inicia-se uma vi sao mais otimista da aliena~ao que era, ate entao,
negativa.
A cole~ao Heidelberg e composta de desenhos, bordados e pinturas de varias
clfnicas e nacionalidades. Foi iniciada por Emil Kraepelin, diretor da Clfnica de 1890
a 1903, observou que a doenc;a mental pode liberar poderes que de outra forma
estao reprimidos por inibi,6es. Em 1933 a Clinica Heidelberg, foi tomada por
nazistas, que iniciaram urn pragrama de extermfnio aos doentes menta is e que
usa ram suas obras em propagandas nazistas. Joseph Goebels (1897-1945) membra
do partido Nazista, responsavel pela propaganda, inicia varias exposic;oes na Austria
e Alemanha comparando as obras dos doentes a Cezanne, Klee, Kokoska,
VanGogh e outros de forma pejorativa. 0 titulo era Arte Degenerada, negando 0
valor artfstico das obras.
Jean Dubuffet (1945) inicia uma das mais importantes pesquisas ja
realizadas na Europa com 0 nome de "Arl Brut', Ele reuniu varias obras de artistas
desconhecidos do meio artistico e tambem pessoas portadoras de transtornos
mentais que nada deixaram a desejar. Para Dubuffet, nao se espera que a arte seja
14
normal, mas 0 mais inedita, imprevista e imaginativa posslvel. Encontrou em obras
de pessoas que ate entao eram consideradas alienadas, trabalhos de grande
qualidade, obras extraordinariamente inventivas e muito bem acabadas, como obras
de grandes artistas que ja conhecemos.
Atualmente existem varios museus e cole~6es com Art Brut no Center for
Instuitive and Outsider Art-Chicago, Museum vor Naive Kunst en Ousider Art-Paises
Baixos, American Visionary Art Museumw Baltimore e outros.
Em Paris (1950), por ocasiao do Congresso Mundial de PSiquia1ria, foi
realizada a Exposi~ao Internacional da Arte Psicopatologica, um grande marco no
estudo da arte dos doentes mentais. As obras e a pesquisa resultantes dessa
exposi,ao foram reunidas no livro de R. Volma1. "L'Art Psycopatologyque" publicado
em 1956.
Em 1961, George Schmidt, professor da Academia de Artes Plasticas de
Munique e diretor do Museu da Basilea, Jean Cocteau, da Academia Francesa,
Hans Steck, professor de Psiquiatria de Lausane ( Suissa), e Alfred Bader, medico
em Saint Croix, em sua obra 'lnsania Pingens" ,fizeram um estudo de tn§s doentes
mentais com dons artisticos admiraveis: Aloyse, Jules e Jean.
Para Bader (1961), a arte produzida por doentes e como urn mon610go
solitario, ela apareceria como resposta as necessidades do espirito, cujo objetivo era
expressar 0 prazer e a dar, nao podendo ser considerada realmente uma obra de
arte. A equipara<;ao feita e mal compreendida durante muito tempo do genio com a
loucura, contribuiu no passado para rodear de uma falsa aureola as obras dos
doentes mentais. Atualmente, considerawse que a cria~ao de um sistema delirante e
15
rnuito diferente, e nao pode ser comparada, em absoluto com 0 nascimento de uma
obra de arte.
No Brasil, em Sao Paulo, Os6rio Cesar, (1923), iniciou sua pesquisa como
interne de Psiquiatria no Hospital JuquerL Inicialrnente usando como enfoque a arte
dos primitiv~s e das crian(fas, mas desenvolvendo urn trabalho de pintura
expontanea com os doentes e influenciado pelo livro de Prinzhorn, Osorio escreveu
seu primeiro livro: "Expressao Artfstica dos Alienados de 1929", onde diz: "as
representa(foes de arte desses doentes sao todas emocionais, pois elas sao de
carater expontaneo e se dirigem para um tim unico: a satisfa(fao de uma
necessidade instintiva. Ela representam descargas acumuladas de emo(foes,
durante muito tempo no subconsciente adormecidas pela censura, em virtude de
certos impulsos de ordem moral".
Em 1948, Osorio organizou sua primeira exposic;:ao no Museu de Arte de Sao
Paulo, despertando enorme interesse em artistas, psiquiatras e intelectuais. Grande
parte do acervo foi perdida ou vendida e 0 que sobrou desta cole(fao foi encontrada
no Hospital do Juqueri por seus funcionarios somando mais de 5000 obras que hoje
com poe 0 Museu Osorio Cesar, na antiga residencia do primeiro diretor do hospital,
Dr. Franco da Rocha.
Cyro Martins escreveu em 1970 "A Criac;:ao Artistica e a Psicanalise"
concluindo que "atraves da atividade artistica, os homens lentam elaborar toda a
gam a de sentimentos de culpa e de angustia da morte, assim como as tendencias
sadomasoquistas que os arrastam a procura de castigo e de auto agressao,
tentando ao mesmo tempo restaurar 0 devastado, restaurar os objetos externos
16
danificados e fortalecer a proprio ego ao proporcionarem-se uma imagem menos
espezinhada do mundo que a rodeia".
Em 1981, na XVI Bienal de S. Paulo, 0 critico de arte ingl';s Victor Musgrave,
apresentou parte do acervo que juntou em Sanatorios da Europa par trinta an as sob
a tftulo de "Arte Incomum". Para ele do ponto de vista artfstico, nao ha fronteira entre
saude mental e loucura.
Varios psicologos, psicanalistas e psiquiatras apostam no fazer artfstico como
forma de chegar a cura como a Ora. Nise da Silveira, medica pSiquiatra que muito
contribuiu para a melhoria da qualidade do tratamento dispensado aos doentes
mentais ate entao.
17
Doutora Nise da Silveira e C.G. lung
Natural de Macei6 Alagoas, onde nasceu em 1905, ela concluiu a curso de
medicina na Faculdade de Medicina da Bahia em 1926. Inconformada com os
metodos violentos, usados no tratamento de doentes psiquiatricos como
eletrochoque, comas insulfnicos e lobotomias, ela encontrou na terapia ocupacional
uma forma mais suave e humana de recuperac;8..o terapeutica.
Em maio de 1946, fundou a Se,il.o de Terapia Ocupacional D. Pedro II, no
Rio de Janeiro e em 1952, reunindo 0 material expressivQ produzido em pintura,
modelagem e xilogravura. Fundou 0 Museu de Imagens do lnconsciente onde
mostrou 0 universe dos loucos. 0 Museu e 0 centro vivo de estudo e pesquisa para
psi co logos e psiquiatras reunindo atualmente mais de 300 mil obras. E considerado
um dos maiores acervos do mundo, no genero. Ao longo de 54 an os Dra. Nise
realizou mais de 100 exposic;oes nacionais e internacionais.
No Rio de Janeiro, em 1968 foi criado urn grupo de estudos que tern par
finalidade 0 acompanhamento do processo psicotico, at raves das imagens. Seu
carater e interdisciplinar, permitindo a troca con stante de conhecimentos c!fnicos e
teoricos de psicologia, psiquiatria, antropologia, historia e arte educac;8..o. 0 trabalho
das oficinas revela que a pintura nao so proporciona caminhos para a compreens8..o
do processo psicotico, mas constitui um verdadeiro agente terapeutico, pois, 0
doente expressa na sua produC;8..o artfstica os dramas e emoc;oes que vivencia
desordenadamente, dando as formas emoc;oes, despotencializando suas figuras
ameac;adoras. Mesmo que nao haja nftida tom ada de consciencia de suas profundas
significa<;:oes, as imagens tornam-se passfveis de trato.
18
o caminho de estudos da Ora Nise foi muito vasto e valaroso, ja que estudou
e ministrou cursos e palestras em varios parses. Em 1957, estudou no Instituto C.G.
Jung em Zurique, tornando-se grande especialista nesse tipo de abordagem,
fundando em janeiro de 1969 0 Grupo de Estudos C. Jung. Ate esse momento a
abardagem e os estudos relacionados a arte e loucura se apoiavam basicamente na
Psicanalise. Conforme a Ora. Miriam Gomes de Freitas, em seu artigo para 0 Jomal
Oiario do Sui - Porto Alegre. "A Ora. Nise mudou para a abordagem junguiana par
perceber a insuficiencia da Psicanalise freudiana, do referendal tee rico quanto aesquizofrenia. A nega9ao de estabelecer um vinculo entre medico e paciente
dificulta a transforma9ao do processo terapeutico, assim como a centralizag:ao do
inconsciente a questao da sexualidade".
Para Freud, governado pelo principio do prazer, 0 id (inconsciente) tem
desejos incestuosos, hostis ao mundo da consciencia. Entre os dois a preseng:a
manipuladora da censura que nao permite que os conteudos do inconsciente se
mostrem a luz da consciencia, precisando serem mascarados para se submeterem
as exigencias marais do superego.
Ja Jung retoma a maxima de Talmud: "a melhor interpreta98..0 de um sonho
e ele mesmo", mas ha diferen9a entre urn sonhador que sonha com slmbolos e 0
esquizofrenico que os alucina. A diferen9a esta na falencia do ego, alterada par
problemas de qualquer ordem, ia que 0 ele e 0 organizadar da consciencia. Quando
o ego se encontra enfraquecido, pode ser englobado aos conteudos do inconsciente,
que em um ego saudavel pode se manifestar enquanto sonhos, fantasias ou ate
gestos e ideias criativas. Ao contrario de Freud, para Jung :nao encontramos "tudo
19
aquilo que ha de ruim" na mente humana, mas tambem ';0 que ha de melhor e mais
criativo".
Na esquizofrenia, pela falencia do ego, e 0 inconsciente que passa a
deterrninar as emo<;oes do paciente podendo ter pesadelos ou sonhar acordado,
podendo ter gestos extremos como matar ou criar. Por isso torna-se necessaria ter
uma abordagem que permita 0 conhecimento e acompanhamento das imagens
produzidas, para que possa haver uma interven<;ao terapeutica construtiva.
Sabiamente a Ora. Nise criou urn espayo onde 0 louco realrnente podia ser
lou co, para, pouco a pouco, confrontar as alucina<;oes com a ajuda terapeutica, se
expressando num plano simb61ico atraves da pintura, escultura, gravura, musica,
dramatiza<;ao etc.
Jung reconheceu 0 misticismo, as mandalas, os sfmbolos, as lendas, os
contos de fadas, e a pesquisa hist6rica atraves das religioes. Considerou que nas
alucina96es do esquizofrenico possa haver elementos desconhecidos pelo paciente,
de uma mitologia mitraica, podendo ser entendida a partir do mito dos gregos,
chineses e outros, precipitando a hip6tese do inconsciente coletivo.
o inconsciente coletivo nao e metaflsico, podendo se manifestar num
indivfduo saudavel ou nao. Ele e produzido pel a hist6ria de todos, ou como
elemento funcional de cada urn. E a questao do universal e 0 particular.
Tambem e considerada a existencia de um inconsciente pessoal, relacionado
a hist6ria de cada um, cujos elementos estruturais chamam-se complexos. Os
arquetipos e complexos se relacionam, e 0 arquetipo e 0 elemento estrutural do
20
inconsciente coletivo, sendo sua face biol6gica os instintos e sua face espiritual 0
que a hist6ria expressa como mitos, religioes, relayoes sociais, arte etc.
A analise apresentada neste artigo sobre esquizofrenia englobando 0
trabalho da Ora. Nise da Silveira, se aplica ao quadro clfnico e a produyao artfstica
de Arthur Bispo do Rosario que realizou atividades artfsticas sob sua orientayao por
algum tempo.
21
Arthur Bispo do Rosario: a vida
Arthur Bispo do Rosario foi um homem simples, nascido em Sergipe em 1909,
negro, pobre, ex marinheiro e pugilista. Homem de muitos offcios, artesao
habilidoso, antes do surto psicotico, construfa brinquedos com folhas de flanders,
objetos utilitarios e esculturas de madeira.
Jose Castello, jornalista e escritor, entrevistou Bispo, relatando sua importante
experiencia litera ria e historica, com grande riqueza de detalhes e veracidade, vista
que 0 proprio entrevistado fa lou de sua vida e obra.
Ao entrar na Colonia Juliano Moreira, Castello S8 deparou com urn ambiente
de sujeira, tristeza e desola~ao.Perguntou-se: como dali poderia surgir qualquer
tipo de arte?
Viu imensos paineis enrolados com pequenos pontcs pretos, que ao
aproximar S8 constatou que eram baratas que cireulavam livremente como se
fizessem parte da obra. Sem ele perceber Bispo entrou na sala. Estava com uma
batina bordada com inseri<;:6es sagradas, paramentos e porte religioso. Andava com
altivez acentuada pelas grandes ombreiras douradas. Tinha uma meia careea com
os cabelos amarrados no topo da eabe<ta com um chumayo eontrastando com 0
brilho seboso da testa. Era um homem de estatura mediana, muito magro e vest indo
sob aquela roupa cheia de penduricalhos uma cal<ta e camisa jeans vel has e
rasgadas e urn tenis de bieo torto.
Bispo do Rosario olhou fixe para 0 jornalista e perguntou - "Que cor e a
minha aura?" 0 jornalista respondeu que era azul e ele completou que poderiam
conversar. Preencheu um pedayo de papel com as seus dad os como se 0 estivesse
22
cadastrando, colocou 0 papel junto a outros em um painel e dirigiu-se a ele dizendo
- "agora, voce sera salvo".
Pediu a sua data de nascimento e recolhido a um canto, sem que ele
pudesse ver, anotou uma data secreta. Explicou que as datas de morte eram ditas
pela Virgem Maria- "mas elas sao moveis, a morte nao tem prazo fixo", colocou em
uma caixa de papelao. Em outra caixa anotava nomes de pessoas que iria proteger
pelo resto da vida.
Bispo se considerava como um Noe, que a chegada do Apocalipse teria
guardado um objeto de cada especie como um imenso dicionario de objetos, as
quais estariam fadados a desaparecer.
Ele se dedicou durante 50 anos, ate 1989, a esse grande arquivo, a grande
festa da ressurreiyao e num conjunto de celas fetidas e cheias de baratas, ele
armazenava sua maquina de duplicayao do mundo. Objetos que seria usados como
f6rmas para que pudessem ressurgir depois do final dos tempos.
Vista par alguns como Marcel Duchamp brasileiro, par outros como [ouco, au
como sua ficha a qualificou "esquizofrenico paran6ico", este homem se considerava
uma pessoa comum, mas iluminado e escolhido para uma grande missao de
resgate. Ex marinheiro, ex pugilista, ex funcionario da Light, ele esperava que as
anjos viessem carrega-Io para a ceu num tapete de luz, deixando para tras a terra
devastada pelo fogo.
Bispo, era prisioneiro do nome, pais segundo as leis eclesiasticas bispo era
um padre em plenitude do sacramento e tambem uma peya de xadrez, que s6
avanya para as lados
23
o psicanalista Hugo Denizard, que considerava Bispo um grande artista e fez
urn filme na Colonia Juliano Moreira registrou a seguinte dialogo: "Voce vai S8
transformar em Cristo? perguntou. "Nao, vou me transformar nao, rapaz. Voce esta
falando com ele". Ele se considerava filho da Virgem Maria.
Sua historia de loucura comec;ou em dezembro de 1938, quando estava no
jardim de uma casa em 80taf090, a qual servia como caseiro, recebeu a visita de
sete anjes .
. Eles eram transparentes como S8 fassem feitos de vidro espuma, envoltos
em uma luz azulada, flutuando a alguns palmos do chao. Pensou que estava
sonhando, mas podia sentir a terra molhada sob as pes e 0 aroma das flores.
Pareda recitar, urn texto sagrado.
Os anjos disseram a ele: "0 Salvador nunea erra. Voce e 0 Salvador. Os
homens correm perigo". Eles vieram para fazer uma revela9ao. Bispo era a nova
reenCarna9ao de Cristo que depois de 2000 an os viria salvar 0 mundo novamente.
as anjos nao falaram muito mais, flutuavam sobre 0 quintal, espantando as
galinhas e as cachorros, e soprando as galhos de alVores. As frutas caiam estalando
no chao, mostrando que ele nao tinha muito tempo a perder. Os cachorros
come9aram a latir, os passaros a piar e a lua come90u a nascer. Num dado
momenta ele sentiu uma cruz de fogo que Ihe riscava as costas como urn sinal de
sa9ra9aO. Uma claridade se espalhava tingindo a cenario de azul. "A luz entrou em
mim", disse Bispo assustado como se as anjos ainda estivessem presentes.
24
Contou ainda que os sete arcanjos superiores que 0 acompanhavam s6
podiam ser vistos por ele e que ao andar se sentia protegido por uma redoma
invisfvel: "Eu estava sendo levado pela carruagem de Deus".
Bispo mostrou sua produ\=ao que ocupava varias salas da Colonia, era um
empilhado de objetos de todos os tipos. Havia paineis de xfcaras, rolhas, lapis,
saboneteiras, coadores de cozinha e os mais variados materiais, alguns reunindo s6
um tipo de objeto como s6 sapatos ,outro composto de variedades, como, painel de
utensflios de cozinha. Levou Castelio ao sa lao das misses, onde guardava coroas,
faixas, maios, recortes de revista antigas com fotos de Marta Rocha, Vera Fischer e
Adalgisa Colombo. Depois ao setor de brinquedos onde circularam entre bonecos,
pipas, carrinhos de boi, papagaios, bonecos de pan~, bal6es tudo em grande
desordem. Ele circulava com uma seguran\=a absoluta entre empilhados total mente
desordenados como um anjo vagando pela sujeira do mundo. Tinha tudo sob
controle.
Segundo Bispo, cada objeto teria seu pr6prio painel senao deixaria de existir
ap6s 0 jufzo final. A ele cabia salvar cada tipo de objeto, pois do contrario, ap6s 0
juizo final eles deixariam de existir. Essa tarefa 0 deixava ansioso, pois achava que
diante de tudo 0 que teria que fazer nao have ria tempo.
Ele tinha uma "cam a nave"; uma cam a pequena coberta por urn manto
sagrado e protegida par um mosquiteiro. Com ela, ele atravessaria 0 espac;:o sideral
mais rapido que os cometas e meteoros e mais rapido que a luz, que era 56 uma
embalagem, um truque com que Deus enganava os homens, pois 0 mundo e s6
escuridao.
25
Comentou Castello: "em Bispo ele encontrou 0 brilho e nao a escuridao, e
tam bam movimentos tortos, que pareciam insensatos, mas, na verdade conclufam
uma obra atordoante",
Em seu diagnostico, ele se enquadrava na categoria dos "esquizofrenicos
paranoicos", qualificac;:ao a principio cruel mas que Ihe deu a chance de se
transformar em um grande artista. Para os medicos ele estava fadado a um caminho
sem volta.
A esquizofrenia aponta para 0 rebaixamento das formas usuais de associa((ao
de idaias, a baixa afetividade e a perda de contata com 0 mundo real. A paranoia
refere-se ao aparecimenta de ambic;:6es que evoluem para delirios. Ele foi submetido
a varias formas radicais de tratamento como eletrochoques , mas a cad a terapia
para livra-Io de seu papel de salvador, mais suas convic<foes artfsticas se
refor((avam em desespero e furia na sua obra. Ele nao se julgava artista, mas sim a
Salvador e afirmava "0 meu trabalho e para Deus, nao para os homens",
26
Arthur Bispo do Rosario: a obra
Sua obra e composta de materiais simples, alguns descartaveis, outros
quebradas Uma infinidade de objetos sem procectencia, canetas esferogr<ificas,
cabos de vassoura, garfas, pentes, pe9as de carras, objetos quebrados e com
defeito, enfim considerados sucata.
Em seus mantas feit05 de len96is ou cobertores velhos totalmente bordados
com fios desfiados de seu uniforme azul, encontramos acontecimentos de sua vida,
names de ruas, desenhos, navios, embarca96es, paisagens, figuras de homens,
observa90es sabre 0 Rio de Janeiro e palavras soltas. Com panos, linhas e [eng6is
ele cria imponentes mantas ou fardas, a ponto de S8 transformarem em urn "traje
real",
Ele simulou objetos de usa cotidiano com materiais como jornais, madeiras,
papel higienico, cabides, todos enrolados com linha azul, uma caracterlstica comum
a todos.Com uma mescla de tecidos e objetos, ele cria faixas de misses, bordadas, e
cad a conjunto representa urn estado com seus respectivos mapas, cidades, objetos
tfpicos e tudo 0 que pode se relacionar com aquele pais.
Tudo 0 que se relacionava ao seu tempo de marinha tambem apareceu na
sua obra como fragatas, navios, grandes embarca<{oes. Alguns objetos mostravam 0
desenvolvimento de um tern a ligado ao misticismo como um oratorio que nos mostra
guias, colares, sereia, cigana. Outros mostram objetos do dia a dia no mesmo
genero, como um painel so de sapatos, que Bispo chamava de "vitrines", onde tudo
era multiplo.
27
Deleuze e Guattari (1976) , definem que bricolagem, e criar a partir de
fragmentos diversos, encontrados pelo mundo, pela vida. 0 que €I uma norma
con stante na obra de Bispo.
Em pedaCfos de papelao, sle inventariava notfcias de jornais, reeortes, nomes
de mulheres, amarrados uns aos outros. Pe~as desgarradas como uma pipa de
pano bordada, ou uma pe9a de xadrez, ou uma roda de bicicleta, que remete
imediatamente a Marcel Duchamp.
Conforme Burrowes(1999 ) "Aquele universe trazia urn contraste: tamanha
estranheza diante de coisas corriqueiras; tanta poesia a partir de quase nada. E a
potencia de desafiar barreiras; criar com a pobreza e a exclusao, apesar da
brutalidade de urn tratamento pSiquiatrico. 0 universo de Bispo falava de urn desejo
que naD 58 entrega, de uma vontade incansi!.vel de existir e fazer-se ouvir."
A. primeira vista esse universe e caotico, mas observando mais
detalhadamente percebemos que hi!. uma certa ordem, que os escritos a tinta tern
numeros, cores, descric;6es precisas e remetem de forma original a outros objet os,
criando uma sequencia, revelando coerencia em reunir diferenc;as. Tudo se relaciona
de forma impar, mas se relaciona. A multiplicidade de informac;6es e dinamica e
surpreendente.
Frederico Morais, critico de arte e curador apontou urn conjunto de segmentos
de organiza«ao na obra de Bispo considerando que hi!. um limiar entre as
heterogeneidades. As materias se adicionam e se tocam. Hi!. bordados nos
mumificados, mumificados nas vitrines e assim par diante. A analise pode ser
28
interrompida e reiniciada de qualquer ponto. He. uma logica que escapa it
racionalidade" .
Bispo dizia aos que visitavam sua obra "e preciso ver para en tender" .
Segundo Benjamim; "0 bom Iradulor deixa viver 0 eslrangeirismo do lexlo. 0
bom narrador 0 inexplicado dos talos". (In Burrowes, 1999, p.25). A Iradu,ao
destina-se nao a transmitir informac;oes, pois a informac;ao nao e 0 essencial em se
tratando de arte. 0 essen cia I e sentir, e nao traduzir 0 intraduzivel, e dar vazao it
estranheza que a obra transmite.
A obra de Bispo nao e de faci! entendimento, nada e explicado it primeira
vista, mas ele oferece ao espectador uma rede de informa<;oes que narram de forma
nao verbal um universe dinamico que de certa forma existe em todos nos. 0
inconsciente coletivo esta presente atraves de sua lingua gem, de sua origem. Ele
nasceu campones, foi marinheiro e artesao, viveu sua historia, isso se revela
claramente em seus estandartes e bordados e no conjunto da obra. Ele construiu
seu trabalho por suas maDS, de forma artesanal e criando um fluxo imenso de
signos. 0 artista falava pouco de seu trabalho, nao era necessario pois ele fa lava
por si. Sua riqueza e seu desafio estavam em multiplicar mundos, maquinas
duplicadoras que se inter-relacionam. Nada esta completo, elas sempre estao
trabalhando, como 0 fluxo da vida que se renova a cad a instante.
Somos todos brico/eurs, po is a cad a instante estamos anexando, juntando ou
repelindo coisas bispo tambem era. No universe de Bispo, tudo passa por ele,
quebrado, velho, e usado na reconstruc;ao de seu invente.rio que nao obedece a
uma ordem ,mas que lem uma ordem inlrinseca. A con stante reconstruc;ao, os
29
objetos, os deveres para cam os anjos e 0 criador, resultam em uma lingua gem
particular, e a luta contraria a ambiguidade, presentes em seu interior. Sua
produc;ao e intensa no reinventar uma realidade dinamica repleta de novos signos,
uns gerados por outros, mais outros e assim por diante.
Sem perceber, ele gerou uma grande dinamica sobre si mesmo, como a
conivencia do pessoal interno da Colonia que desviavam objetos para ele, os
medicos que 0 ajudavam, ou as pessoas que ele ajudava em troca de algum
dinheiro. Pessoas de fora, criticos, jornalistas, artistas que vinham conhecer a
estranha obra do "artista louco". Sua produyao nao era s6 seu mundo interior, com
ela, ele atraiu a mfdia, artistas, escritores e conseguiu impor-se no seu reino como
xerife. Varias quest6es foram levantadas por crfticos, artistas, medicos, cineastas,
procurando explica<;6es ( particulares ou nao) sobre a obra de Bispo.
Sua forma de organizar a propria exist en cia atraves do seu trabalho era
desordenada como seu transtorno mental, mas ao observarmos melhor, existia uma
ordem propria, talvez como a sua origem ou a concepy30 indireta da logica das
coisas e da sociedade em que tai criado. 0 conflito quanto a produyao social existia,
mas a consciencia desta produyao tambem, mesmo que indiretamente.
A obra de Bispo se mostra tosca, como ela realmente e, mas com a riqueza
de sua interferencia sobre os objetos. Tudo se torna rico. Como um carro feito de
caixote de feira que ganhou rodas para transportar varios potes plasticos de
dinheiro, sao moedas de varios valores que para ele perderam a funyao comercial
para adquirir urn lugar na sua criayao. Fichas de onibus fcram presas a um pedayo
de tee ida, emendadas lada a lado, arrematadas par um bordado passando a fazer
parte do seu multiplo dicionario. Cada material adquire nova roupagem e funyao no
30
universe de Bispo. Algumas pe9as em suas vitrines ganham carater utilitario e
mecanico, sao numeradas e recebem urn breve explica(fao. Por exemplo:
"7.001-PASTAS DENTAL, MOLHE A ESCOVA E AGUA, BOTE UM POUCO
DE CREM, ESFREGUE OS DENTES".
"12.026- MODES LIVRE ABSORVENTE PARA usa M09AS MARIA".
Em suas vitrines os objetos de uso continuo tom am a aparencia de trofeus
que, lange do marketing, existem par sl so. As noticias de jomais sao amarradas
lado a lad a formando uma especie de painel historico humano. Sao apenas noticias
que perdem sua for(fa real para tornarem-se parte de urn contexto.
Apesar de aparentar que Bispo repudiava a realidade, ele assistia televisao,
se inteirava das noticias, e as discutia com grande lucidez.
Em seu mundo ele criou uma realidade diversa do mundo de fora da Colonia,
preocupava-se para que essa realidade nao parasse de gerar novas ciclos e
movimento. Mudava constantemenle os objetos de lugar, dando rodas a alguns para
movimenta-Ios rna is facilmente. Ele criou um novo regime de sfmbolos, que
remetiam a marinha, publicidade, ao hasp/cia e a religiao. Era a forma de mostrar ao
mundo a sua dinamica, comunica((ao onde a explica((ao verbal nao se fazia
necessaria pois, apesar de dificilmente falar do seu trabalho, todos 0 entendiam
talvez nao com os olhos, mas com 0 cora«ao.
Ele trabalhava contra a miseria fisica, a falta de espa«o, de material, a
pobreza, 0 abandono e 0 preconceito gerado por sua situa9ao de Jouco.
31
Disse um atendente que quando Bispo come<;:ava a dizer: "vou entrar em
transformayao", seria 0 aviso para ser encaminhado para 0 quarto forte, um quarto
isolado onde bordava seus mantos e estandartes. Nos textos bordados, as palavras
bordadas traziam forma e palavras sobre len<;:6ise cobertores velhos.
"CORPO ALMA E CIRCUlATORIO 1 DO SER HUMANO 1 CABElOS
PENDOES E SEGURANQN 7 SETEI OUVIDO ORElHA TRAQUEIAS IPElES 71
FACE QUEIXO DENTESI BOCA lABIOS LINGUA VOZ 1 FAlAR CANT IFRONTAl
SUPERCiLiOI CLAVicULA ARTERIA".
Desta forma demonstrava a necessidade do escrito, da linha, da palavra, da
expressao.
32
A Produ~ao de Bispo pode ser chamada "Arte"?
o trabalho de Bispo atraia a curiosidade dos medicos psiquiatras, como
produc;ao da loucura, mas nao como obra de arte. Em 1982, 0 crftico de arte
Frederico Morais, apresentou a sociedade 0 universo de Bispo como arte, dando
outra dimensao ao discurso artfstico e colocando-a em meio a prodwfao artfstica
acid ental.
Em sua primeira exposigao individual intitulada "Registros de Minha
Passagem sabre a Terra", Morais tent a enquadrar Bispo na Pop Art, com 0 novo
realismo, a tendencia arqueologica e a nova escultura na arte conceitual. A
exposi9ao causou grande impacto. Foi apresentada inicialmente na Escola de Artes
Visuais do Parque Laje, no Museu de Arte Contemporanea da USP, Museu de arte
do Rio Grande do Sui, Museu de Arte de Bela Horizonte, e Centro de Criatividade de
Curitiba, sempre atraindo grande publico.
Apes a morte de Bispo em 1989, seu acervo correu 0 risco de ser desfeito por
pessoas que julgavam sua produyao algo parecido com lixo. A obra de um louco
brasileiro passava a ser considerada como arte. Mereceu em 1991, a sala especial
na mostra "Viva Brasil Viva" em Estocolmo. Foi integralmente tomb ada pelo instituto
Artfstico Cultural do Rio de Janeiro.
Em 1995, dois artistas foram escolhidos pela Funda9ao Bienal de Sao Paulo,
para representar 0 Brasil na 64 Bienal de Veneza. Um deles foi Nuno Ramos e 0
outro foi Arthur Bispo do Rosario. 0 presidente da Funda9aO Edmar Cid Ferreira
disse ·"a escolha esta em consonancia com a utopia da arte moderna", eo curador
Nelson Aguilar afirmou: "percebemos que Bispo do Rosario nao tem nada a ver com
33
art brut". A partir daquele momento, a obra de Bispo passou a fazer parte do
contexte artfstico mundial.
Muitos questionamentos podem ser feitos sobre a obra de Bispo, mesmo
com a aceita9ao nacional e internacional da sua obra. Sera que a arte produzida em
meio ao dellrio de um louco, manifestado atraves de procedimentos esteticos pode
ser considerada arte?
Para ele, era 0 inventario que teria que fazer, ordenado por uma voz em meio
a alucina((oes para a reconstru9ao do universo. "Sua arte era feita para Deus, nao
para os horn ens" .
Sua obra envolveu urn trabalho, urn procedirnento plastico, urn saber fazer,
que rernetern escrituras e docurnentos a processos esteticos a praticas artesanais
enraizadas, ate a apropria((ao de objetos e aspectos do irnaginario cultural. Sua arte
e incornurn, po is foi desenvolvida por alguern que estava recluso a urn hOSPlcio,
passando pelas dificuldades da sua patologia, lutando contra todas as dificuldades
para se fazer ouvir.
Para Bispo sua obra nao tinha valor de mercado, ela era feita de sucata, de
lixo, de rnateriais comuns. Para rnuitos uma arte menor.
Ele recusava 0 papel de louco, do doente dominado pela psiquiatria, se
impondo at raves de seu dell rio e construindo com ele a realidade da obra. Seu
universe 0 qualificou e se impos pela fOr((8.
34
Bispo do Rosario, Duchamp e Warhol
Alguns criticos remetem a obra de Bispo primeiramente a Marcel Duchamp
(1887-1968) e depois a Andy Warhol (1928-1987) por relacionarem algumas
linguagens entre ambos. Duchamp iniciou sua formac;8.o artfstica de forma
tradicional, sofrendo com a velocidade do progresso, a revoluc;8.o industrial e a forma
com que essa nova realidade afetou a procedimento artfstico em geral. IS50 0
afastou definitivamente da pintura, fazendo com que ele dirigisse sua obra para 0
conceitual. Em seu trabalho havia urn objetivo preciso. Nao S8 tratava de atacar
diretamente 0 aparelho cultural ideologicQ, mas sim compreender seu funcionamento
e buscar inverter seu sentido. Oepois de Duchamp, a arte adquiriu urn outro percurso
social, agindo e desarticulando 0 sistema social dominante.
Segundo 0 fisico frances Poincare (1912): "nao existem teoremas que
possam ser considerados exatos. As coisas em si mesmas nao sao 0 que a cienda
pode alcangar, mas apenas a relagao entre as coisas. Fora destas relagoes, nao ha
realidade conhedda" Esta frase pode ser considerada como um lema na vida e na
obra de Duchamp e remete a obra de Bispo pois, para ele, suas criagoes tinham
uma importancia muito maior do que um conjunto de sapatos ou artigos de cozinha.
Elas eram reunidas nao para satisfazer um conceito estetico, mas para um objetivo
muito maior, obedecer as ordens dadas por Deus ou os Anjos, vistos em suas
alucinagoes, para resgatar os objetos do universo.
A bricolagem e um imenso reselVatorio de sfmbolos. Essa mistura de objetos
determina a influencia de todos os generos e reune, mistura, mas tambem revela
35
consistencia, representando 0 estado momentaneo do sujeito. A utopia se
apresenta neste caso, livre de estilos ou escolas.
A semelhan,a do ready made da Roda da Fortuna au da Roda de bicicleta
de Duchamp, nao nos autoriza a relacionar historicamente a obra dos dois ou
qualifica-Ias como arquetipos, ou inconsciente coletivo, mas nao pod em os negar que
ambos possuem 0 mesmo registro. A diferen9a entre as duas esta na abordagem.
Torna-se necessario investigar 0 objetivo e a situac;:ao em que cada um foi
criado e considerar que Bispo era originariamente uma pessoa sem cultura, que
estava recluso em sua propria 10ucura e afastado do convivio da comunidade,
enquanto Duchamp tinha acesso a grandes centros, livros, amigos na sua area e
jamais parou de pesquisar. Embasado em estudos cientificos, em matematica e
fisica ele participava de circulos artisticos e intelectuais da epoca como revelou 0
historiador Herbert Molderings: "ele come90u a utilizar um ramo ludico e ceptico da
fisica para desvalorizar a ciencia racional".
A intensidade da experiencia e a unica coisa que interessa ao artista. Nilo ha
pensamento linear ou sequencial. 0 estado do local onde a obra e produzida, a falta
de espa90, de condi9oes nao agem sobre significados, ela nao pertence a cullura
padrao e nem sempre e alvo de aceita9ao e reconhecimento.
Alguns crfticos relacionam Andy Warhol as repetic;:oes que Bispo mostrava
em sua obra. Warhol pertencia ao universe da Pop Art, a valoriza9ao da imagem,
ligada ao design, a publicidade e ao con sumo, tendo a seu dispor toda a tecnologia
e formas de expressao de uma epoca em que a tecnologia estava em ampla
valoriza,ao. A obra vira objeto de consumo sem muita preocupa,ao com 0 conteudo.
36
o artista aplica-se a inverter ou transformar a relac;ao e sua forma no mundo
publicitario. As imagens tornam-se trias e passivas, seu processo de representayao
manipula, amplia ou diminui os fcones escolhidos, sempre inseridos no processo de
repeti,ao.
Na obra de Bispo nao existe a impessoalidade, nao hi!. simulayao, ha vida.
Os objetos sao 0 que sao e respeitam uma escala de importancia em cada genero.
Nos ready made, ao contrario de Warhol, Bispo cria mais no carater do bricoleur,
que e a representa,ao de algum objeto que talvez nao tenha conseguido para seu
dicionario. Duchamp 0 apresenta so, como em A Fonte, ou 0 junta a outros objetos,
urn suporte, mas sem altera-Ios em sua essencia. Warhol raramente apresenta a
objeto em estado puro, usanda a em geral em produyaa fotogratica, como imagem,
realizando interferencias em sua superficie, ora desfacando a imagem, ora
aplicando-Ihe cores extravagantes mostrando a nftida influencia da arte
contemporanea e exageros usando recursos da arte gratica dirigida ao marketing e
ao consumo.
37
Conclusao
No decorrer da historia 0 portador de doen9a mentat, ou 0 poputarmente
chamado "Ioueo", despertou 0 interesse de fil6sofos, medicos e pSicanalistas, par
pertencer a urn universe particular muito rico em manifesta«oes verba is e artfsticas.
Ele nos deixa sempre a interrogayao de "como urn loueo pode produzir tal caisa?"
As pessoas em gera] subestimam essas pessoas, armadas par preconceitos,
que vern ate hoje atraves da hist6ria. Comprovadamente, a "Ioueo" ainda tern dentro
de si, mesma que desordenadamente, sua historia, seus sentimentos, sua
sensibilidade, 0 que nos foi demon strada par muitos estudos e pesquisas a respeito
do trabalho de Arthur Bispo do Rosario.
Atraves dos materiais disponlveis ele criou urn universe de sfmbolos que
muitos artist as naG porta dares de translomas mentais poderiam criar. Nao importa
se sua obra era destinada a Deus, mas 0 que aquele ser humano conseguiu,
alucinando ou nao, impu[sivamente au nao, criar simbolicamente urn diciomirio de
objetos dentm de padr6es artfsticos contemporaneos, demonstrando que 0 potencial
artistico e 0 talento, quando existe, realmente pode ser manifestado ate por uma
pessoa nas condiltoes de Bispo do Rosario.
NilO Ii artista quem quer, mas quem desenvolve 0 talento que ja
existe em seu interior.
38
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40
www.museudeimagensdoinconsciente.org.br
Anexo 1
(Obras de Bispo do Rosario)
41
SnJa JP J1UC!P ~S·JUlu;)sJJdu JPOIU~UlOUl OU U!JllS~A. ods!8 0 ~nb udnoJ R ? 'opeJrics 'olueul 0
(OSJ~A~ ~lU;}JJ)O!J~eluOsoJd\l ep OlueY\J
Manto da Aprcsental;:ao (avcsso)
Fichas de Nomes e t~uos dos jornais
Pipa de pano bordada
RetalhosBordados sobre relalhos
coloridos com descric;ao decoisas banais
Fichas de Onibus
Vitrine CiganaObjelos de diferenlesreligioes sao colocados
lado a lado e juntoa objelos profanos
Vitrine - DiversidadesCoisas velhas, quebradas
e gaslas passam a Inzer partede uma nova criluy.io
Cetro e faixa de missQuarcmu cetros e faixus de missapresentam estados do Brasil e
diversos paises, re!acionalldo seusatribulos mais marcantes.
Vitrine CozinhaBispo fonnou uma rcdede fomecimcnlo quedcsviava do seu usadhirio lllensilios deJuliano Moreira
Anexo 2
(Poesias e obras apresentadas no Concurso "Arte de Viver",promovido pelo Laboratorio Jansen Cilag em 2000)
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POESIAS E OBRAS EXECUTADAS POR PACIENTES PSIQUIATRICOS.II CONCURSO NACIONAL--ARTE DE VIVER-LABORATORIOS JANSSEN-CILAGCURADORIA DE JACOB KLiNTOWITZTexto Arte Grafica e Editora Ltda- Edi9ao - mar902002- Rio de Janeiro
Dolores
As vezes
Ador
Alfvio
E s6 deliria
Liliam Santos Furtado -MG
SEMTiTULO
Tento descrever 0 amor com
caneta esferografjc8,
a tinta acabou
eu nem comecei
Waliace Antonio da Silva Sttimizu-S.P.
A MORTE
As cores do areo -iris S8 espelham no meu caixao
Naquela tarde de Domingo
Nenhuma flor
Nenhuma flor
S6 pardais que ciscavam
o ultimo 50lu90 de alguma garganta jll can5ada
E eu III
Branco
Pronto ao tumulo
E a gota de cera que escorria daquela vela vermelha
Cor do meu sangue
Dentro de algum corpo ainda vivo
o ultimo sopro foi, urn beijo rouco ao pe do ouvido
Junto com aquela brisa suave per urn momento
Fez com que meus cabelas dan«am
A fria musica do sih~ncio
Uma flor nasceu
Ocupando urn espalto todo
Como S8 materializasse 0 proprio eu
Enfim 56
Pon§m no meio de tantas outras flores
Finalmente livre
Livre das dores
Temores
Rancores
Enfim
Tomaz Muniz -OF
LOUCURA
Confusao mental
o que se pode botar
Em pr::itica?
o que vai acolltecer?
Mcdo do hospfcio
Quem emra nao
Sai mais:
Pcrde-se a lucidez ...
Medo da vida
Parece que a desgra'ta
Vai nos engolir
Mas tudo e avisado
S6 nao temos tempo
De nos arganizarmos
Giani Martins da Silva-
Dig. VIVEU ?
voce ja esperou
Poralguem
Alguma vez na sua vida?
Nao?
Voce ja sonhou em Ter um grande
Amar, uma alma querida!
Nao?
Voce ja charou par alguem que gostava
e de voce se esqueceu?
Nao?
Voce ja viveu?
Sonia Romano S. P.
SEMTiTULO
Bateu alguem em minha porta
Vacilei, naD quis abrir
Pensei que fosse a saudade
Que viesse me perseguir
Bateram de novo
Com for~a, porem naD insistiu
Desceu as escadas correndo
E para sempre partiu
Partiu deixando na porta
As seguintes palavras fatais
Eu sou a felicidade
E naD valtarei jamais
Simone Cristina da Costa SP
Umo Noire de CamO\loJ - octilieo s/ lela - 40x5Ocmla;ro Toledo - SP· 1999
Anguslia - 61eo sf lela - 40x50cmMarly Henna - SP - 1999
Uma pessao com caro de gala - acrilico s1lelo - 64x55cmIsaias Nazare Leopoldina - MG - 1999
"Passada" Vlda Saroda - acriHea sf tela - 40"soan
ElisolvO Gomes Rodrigues ~ SA • 1999
PorolelOS
_ ocriliCO sttelo - 40x5()aTlSIMa Machada de CamPOS Morettl- SP - 1999
Renexdo - oaflico sf lela - 40x35cmLuis Scmlos S;fva - BA - 1999
A G~nesis au a Big Bang - oleo sf lela - 40x5OcmWoller Ghelman - R1 - J 999
Sergio Augusto de Oliveira - MG - 1999
Bumba Mcu Boi . acril/eo sf tela - 46x38 emMarina Cordeiro Muniz Smiderle • RJ - 1999
Mo/oclcleta • oleo sf leta - 50x4(kmValeria Stella Prado - SP· 1999