Arte e Sociedade Ilana Goldstein
Sobre a autora
Ilana Seltzer Goldstein, Bacharel e Mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo; Especialista em Direção de Projetos Culturais pela Universidade Paris III; Especialista em Avaliação de Projetos e Programas Sociais pela Fundação Instituto de Administração; e Doutora em Antropologia pela UNICAMP. Atua há mais de 15 anos em pesquisa, docência ou como consultora em projetos culturais e sociais, junto a organizações como CENPEC, SESC, SESCOOP, SENAC, Editora Companhia das Letras, Fórum Permanente de Museus, Instituto Brasil Leitor, Museu da Língua Portuguesa, Itaú Cultural e Base 7 projetos culturais. É autora de O Brasil best-‐seller de Jorge Amado [Ed Senac, 2003] e Responsabilidade Social: das grandes corporações ao terceiro setor [Ed. Ática, 2008], além de editora-‐responsável pela Proa: revista de antropologia e arte (http://www.revistaproa.com.br/03/). Atualmente, é docente no curso de Gestão Cultural do Centro Universitário SENAC e coordenadora do MBA em Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas.
Conceitos-‐chave para o tema
Antropologia – disciplina que faz parte das Ciências Sociais e que surgiu no final do século XIX, para tentar conhecer e classificar os povos com os quais os europeus haviam entrado em contato, durante os séculos de expansão marítima e de colonização do Novo Mundo. Hoje, a Antropologia estuda as diferenças entre as sociedades ou entre os diferentes grupos sociais dentro de uma mesma sociedade. Os contrastes e os estranhamentos que decorrem destas diferenças compõem o que se chama de “alteridade”, justamente a matéria-‐prima da Antropologia. Os antropólogos estudam as lógicas culturais específicas de cada sociedade ou de cada grupo social: seus mitos, suas crenças, sua organização espacial, suas atividades econômicas, suas formas de hierarquia, sua visão de mundo e assim por diante. Alguns dos nomes mais importantes nessa área, facilmente encontráveis em língua portuguesa, são: Claude Lévi-‐Strauss, Clifford Geertz e Marshall Sahlins.
Arte – nas sociedades Ocidentais modernas, a arte é um subconjunto dentro do vasto universo da cultura, que agrupa criações e expressões consideradas especiais. Nesse contexto, espera-‐se que a arte seja desinteressada, ou seja, que suas finalidades primordiais sejam a contemplação, a comunicação e as reações estéticas suscitadas pela obra – não a rentabilidade, a utilidade, a decoração da casa ou a adoração religiosa, por exemplo. Além disso, entre nós, só é considerada arte aquela criação que leva a assinatura de um criador considerado legítimo pelos seus pares e pelas chamadas instâncias de legitimação. Isso acaba dando um poder grande aos críticos, curadores, diretores de festivais e programadores de espaços culturais, que contribuem para a promoção ou para a invisibilidade dos artistas. Há que se admitir que esse conceito de arte, vigente no mercado, é um tanto excludente. Há quem sugira que o conceito de arte deva ser ampliado, para abranger quaisquer performances ou produtos que aliem qualidades estéticas (sons, cores, texturas, volumes e assim por diante) e densidade de significados e conteúdos.
Arte bruta – aquela produzida por portadores de transtornos mentais, normalmente – mas não necessariamente – dentro de instituições psiquiátricas. Essa denominação foi dada pelo artista francês Jean Dubuffet, na década de 1940, com base na crença de que esse tipo de criação emana diretamente do inconsciente da pessoa, em sua forma bruta, não lapidada pelas normas culturais e sociais. Atualmente, é chamada também de Outsider Art, expressão que, numa tradução livre para o português, significa arte das bordas, fora dos parâmetros, marginalizada. No Brasil, o caso mais famoso é o de Arthur Bispo do Rosário. E o mais importante museu desse gênero está no Rio de Janeiro: o Museu de Imagens do Inconsciente.
Arte contemporânea – o germe da arte contemporânea foi lançado por Marcel Duchamp, em 1917, quando ele submeteu um urinol a um concurso de artes. Mas considera-‐se como arte contemporÂnea, sobretudo, aquela produzida a partir dos anos 1960, que radicaliza as pesquisas e transgressões da arte moderna, extrapolando as paredes do museu, do teatro e da sala de concerto; aproximando a arte do cotidiano; desmaterializando o trabalho do artista, que muitas vezes reside no conceito; pedindo a participação do espectador para que a obra se efetive; dialogando com a ciência e as novas tecnologias; e, por conta de tudo isso, colocando em xeque as próprias noções de arte e de artista.. Dois outros traços marcantes da arte contemporânea são a relação íntima com o mercado e a internacionalização do campo.
Artes indígenas – embora no sistema da arte contemporânea os objetos e performances indígenas não sejam considerados como arte, a antropologia sustenta que, também nas sociedades indígenas, existem artefatos e práticas que têm grande força estética e, ao mesmo tempo, veiculam significados. Portanto, mereceriam entrar na categoria arte. São exemplos de artes indígenas: a pintura aplicada sobre a pele, a confecção de máscaras, os cantos, o toque de flautas e de instrumentos de percussão, a dança, o trançado em fibra vegetal, a cerâmica e a escultura em madeira. A expressão aparece sempre no plural, para ressaltar que as sociedades indígenas são muito diferentes entre si.
Arte moderna – aquela produzida entre 1860 e 1960. O marco do início da arte moderna é o questionamento dos parâmetros acadêmicos vigentes até então, que determinavam, de forma rígida, o que poderia ser produzido pelos artistas e como. No campo das artes plásticas, o realismo, a perspectiva, a primazia da pintura histórica em detrimento da natureza morta, a necessidade de se estudar nas Academias de Belas Artes e de se expor em seus Salões oficiais começaram a cair por terra na segunda metade do século XIX. O surgimento da fotografia foi fundamental nesse processo. Devido à enorme capacidade de documentação e registro da técnica fotográfica, pintores, escultores, desenhistas etc., se sentiram livres para realizar experimentações formais. O Impressionismo é o primeiro movimento identificado como moderno. Seguem-‐se a ele as chamadas vanguardas do século XX.
Arte popular – aquela produzida fora do circuito oficial, por indivíduos autodidatas, que não dialogam diretamente com questões da história da arte, nem do mercado de arte. Costuma ter raízes étnicas ou regionais e surgir de forma espontânea, no seio das comunidades. Há
muitos casos de artesãos que deixam de produzir em série, e deixam de fabricar objetos utilitários, para desenolver poéticas artísticas únicas e originais. Há também casos de artistas populares que conseguem algum espaço no circuito expositivo e alguma visibilidade entre as elites e as camadas médias, como Mestre Vitalino, com suas figuras em cerâmica.
Capital cultural – conceito cunhado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, nos anos 1960 e 1970, para designar o acúmulo de propriedades simbólicas que determina a posição de alguém no campo intelectual e no campo da arte. O capital cultural nem sempre corresponde ao capital econômico. Pode-‐se ter grande capital cultural e um capital financeiro mediano. O contrário também se verifica. O capital cultural é composto pelos diplomas que obtemos, pelos contatos sociais que travamos, pelo domínio da norma culta na fala, pelo domínio dos gestos e atitudes adequados a cada ambiente, pelo repertório que acumulamos e pelos bens culturais que possuímos. Quanto maior o capital cultural de uma pessoa, mais ela tende a se comportar de maneira esnobe, ainda que insconscientemente, usando seu elevado capital cultural como estratégia de status e distinção. Por outro lado, quanto menor o capital cultural de uma pessoa, mais ele tenderá a se sentir inibida ao frequentar espaços como museus, teatros e bibliotecas. Daí a importância das estratégias de mediação cultural e arte-‐educação.
Sistema das artes – o conceito de “sistema de arte” foi utilizado pela primeira vez pela socióloga francesa Raymonde Moulin, em 1992, para descrever todos os sujeitos e organizações envolvidos na produção, na exibição, na avaliação, na divulgação e na comercialização das artes. Nessa disciplina, consideramos que fazem parte do sistema das artes os criadores individuais, os coletivos e as companhias artísticas; os críticos; as publicações especializadas; os espectadores; os colecionadores; os curadores; os programadores de festivais e espaços culturais; os apoiadores e patrocinadores. Na mundo globalizado em que vivemos desde as últimas décadas do século XX, o sistema das artes se torna cada vez mais internacional, com a criação de redes entre os países e continentes.
Vanguarda – a origem do vocábulo está no nome do batalhão que vai à frente do resto do exército, em uma guerra. Ser da vanguarda militar significa estar na frente dos outros soldados, ser corajoso, arriscar. Nas primeiras décadas do século XX, movimentos e manifestos artísticos receberam o nome de vanguardas, justamente porque petendiam conduzir a sociedade à vitória sobre as amarras do passado, acreditavam estar à frente de seu tempo e se arriscavam na luta contra o academicismo e o conservadorismo. As principais vanguardas modernas foram o Fauvismo (1905-‐1908); o Expressionismo (1905-‐1933); o Futurismo (1909-‐1914); o Cubismo (1907-‐1914); o Dadaísmo (1916-‐1922): e o Surrealismo (1924). As vanguardas modernas se concentraram predominantemente na Europa Ocidental e abrangeram diversas linguagens artísticas, como literatura, música, artes visuais e dança.
As muitas faces da arte: criação artística em diferentes grupos e sociedades.
A inventividade humana
A evolução da espécie humana está atrelada a sua inventividade. Ao longo de milhões de anos, para além das adaptações orgânicas, nossa capacidade de criar ferramentas, linguagens, regras de convivência etc. foi fundamental para que nos espalhássemos pelo planeta e desenvolvêssemos tantas formas diferentes de civilização. A invenção do fogo, da roda e da escrita são exemplos emblemáticos disso.
Criar, segundo o dicionário Michaelis, significa dar existência a; gerar; desenvolver; inventar; e imaginar. Logicamente, por trás desses processos, estão os sujeitos criadores, que podem ser indivíduos ou grupos de indivíduos. Pois bem, dentro do amplo espectro das criações humanas, algumas são chamadas de arte; e, dentre os sujeitos criadores, alguns recebem a designação de artistas.
Como diferenciar a arte das demais produções simbólicas humanas? E como identificar quem é artista, se a criatividade, potencialmente, está em todas as pessoas? Essas são questões tão fascinantes, quanto espinhosas, e não admitem respostas únicas. Algumas pistas para começar a respondê-‐las serão apresentadas a seguir. Enfatizaremos exemplos e discussões retirados das artes visuais por uma questão de recorte metodológico e de limitação de espaço. Mas reflexões análogas poderiam ser feitas para outras linguagens e áreas artísticas.
Primeiras formas de arte
A mais antiga forma de arte que conhecemos é a pintura rupestre. Provavelmente, as primeiras sociedades humanas também praticassem a dança e a música, elaborassem adornos corporais, artefatos decorados e pintura corporal. No entanto, as pinturas sobre rocha são as únicas que chegaram intactas até o presente, devido à durabilidade dos materiais.
Algumas pinturas pré-‐históricas atingem um grau de destreza técnica impressionante. Em 2012, esteve em cartaz, no Brasil, um filme do alemão Werner Herzog, mostrando incríveis desenhos feitos sobre as paredes da caverna de Chauvet, no sul da França. O nome do documentário, filmado em 3D, é “Caverna dos Sonhos Esquecidos”. (O trailer legendado em português pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=gKYOdjQOaYo.) Na figura abaixo, que reproduz uma parte dos murais de Chauvet, datados de 20 a 30 mil anos atrás, note a acuidade na representação dos olhos, das orelhas e crinas dos cavalos, bem como a precisão no traçado da silhueta curvilínea do rinocerente.
Figura 1. Representação de animais nas paredes da caverna de Chauvet, França, documentada no filme “Caverna dos sonhos esquecidos” (2010). Imagem retirada do site: http://artprojecta.files.wordpress.com/2012/02/horses23.jpg
A predominância de animais nos murais rupestres costuma ser explicada pela centralidade da caça nas sociedades pré-‐históricas. Só que as renas, base da alimentação desses povos, são raras nos murais, enquanto os cavalos e mamutes, que não eram comidos, são freqüentes. Assim, restam outras hipóteses para explicar o sentido das pinturas nas cavernas: o desejo de registrar espécies vegetais e animais; a utilização das figuras em rituais mágico-‐religiosos; e... o prazer estético!
No Brasil, também existem pinturas rupestres, nas quais se destacam pessoas em atividade. Um de nossos sítios arqueológicos mais importantes está na Serra da Capivara, no Piauí, e foi declarado pela UNESCO Patrimônio Cultural da Humanidade. Situado no município de Raimundo Nonato, abriga 590 focos de pintura rupestre, com a maior concentração de motivos por metro quadrado do mundo. Inicialmente, as figuras da Serra da Capivara foram datadas de 12.000 anos atrás, mas, hoje, pesquisas apontam até 50.000 anos. (Assista a um pequeno vídeo sobre o trabalho da arqueóloga Niède Guidon, que dedicou sua vida à pesquisa e à preservação das pinturas rupestres da Serra da Capivara: http://globotv.globo.com/globo-‐news/por-‐exemplo/v/descobertas-‐de-‐niede-‐guidon-‐mudaram-‐a-‐historia-‐de-‐ocupacao-‐das-‐americas/2344806/).
A próxima figura reproduz uma dessas pinturas. Observe que os personagens no primeiro plano estão trajando máscaras e vestimentas com estampas, o que indica atividade têxtil e confecção de adornos. Perceba também que existe diferença no tamanho das
pessoas. Talvez as maiores sejam as mais importantes. Ou então elas estejam fisicamente mais próximas, numa tentativa de criar perspectiva. As mão elevadas para cima sugerem que se trata de uma dança ou de exclamações coletivas de surpresa ou louvação.
Figura 2. Pintura rupestre da Serra da Capivara, no Piauí. Imagem retirada do catálogo da exposição “Antes. Histórias da pré-‐história”, que ficou em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em 2004.
Práticas artísticas nas sociedades indígenas atuais
Se pouco sabemos acerca das sociedades pré-‐históricas, temos mais informações sobre os povos indígenas atuais. Em 1500, viviam, no Brasil, mais de 1.000 etnias distintas, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Esses números caíram vertiginosamente durante a colonização, mas vêm subindo nos últimos anos. No Censo de 2010 do IBGE, cerca de 817 mil indivíduos se declararam como indígenas, falantes de quase 180 línguas diferentes – ainda que algumas em vias de desaparecimento. Cada povo indígena possui formas de expressão particulares, da pintura sobre a pele à confecção de adornos com penas, passando pelo canto, pela dança, pela modelagem do barro, pela cestaria e pelo entalhe da madeira. Não existe, portanto, “o índio brasileiro”, nem “a arte indígena”, no singular.
Ao contrário do que ocorre com a arte Ocidental, nas artes indígenas não se costuma valorizar a autoria individual, priorizando-‐se, antes, o saber coletivo. Por isso mesmo, a inovação não é o valor supremo, valendo mais o respeito à tradição. Diferentemente do que se observa entre nós, as artes indígenas são efêmeras, não são feitas para durar. E, acima de tudo, as artes indígenas não estão separadas dos demais domínios da vida social. A dança e a música estão associadas ao xamanismo e aos rituais de iniciação ou funerários; a pintura corporal e a os adornos plumários comunicam sobre a posição social da pessoa, seu status; a
cerâmica e o trançado de fibras geram produtos que, normalmente, têm caráter utilitário – panelas, peneiras, cestos. Todas essas práticas exigem um longo aprendizado. É preciso saber onde obter as matérias-‐primas; como aperfeiçoar as técnicas de produção; quais as cores e formas apropriadas para cada faixa etária, para cada gênero e para cada ocasião.
Justamente pelo fato de as artes indígenas não constituírem uma esfera à parte, nem serem produzidas exclusivamente para a contemplação, alguns autores questionam a pertinência de se considerar como arte tais criações. A antropóloga Els Lagrou, no entanto, insiste na legitimidade de se falar em artes indígenas:
Não é porque inexistem o conceito de estética e os valores que o campo das artes agrega na tradição Ocidental, que outros povos não teriam formulado seus próprios termos e critérios para distinguir e produzir beleza. (...) Toda sociedade produz um estilo de ser, que vai acompanhado de um estilo de gostar e, pelo fato de o ser humano se realizar enquanto ser social por meio de objetos, imagens, palavras e gestos, os mesmos se tornam vetores da sua ação e de seu pensamento sobre seu mundo. (...) A obra de arte, portanto, não serve somente para ser contemplada na pura beleza e harmonia das suas formas, ela age sobre as pessoas, produzindo reações cognitivas diversas. Se fôssemos comparar as artes produzidas pelos indígenas com as obras conceituais dos artistas contemporâneos, encontraríamos muito mais semelhanças do que à primeira vista suspeitaríamos. (LAGROU, Els. Arte ou artefato? Agência e significado nas artes indígenas. IN: Proa – Revista de Antropologia e Arte, Ano 02, vol.01, n. 02, 2010: s.p. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/proa/DebatesII/elslagrou.html , acesso em: 24/07/2013).
Tomemos o exemplo das máscaras gigantes dos índios Wauja, que vivem no Xingu. Belas, redondas, coloridas e vestidas por atores-‐dançarinos, essas máscaras são, ao mesmo tempo, um item fundamental na cura de doenças e uma fonte de prazer estético. O antropólogo Aristóteles Barcelos Neto produziu dois vídeos, com cerca de 20 minutos de duração cada um, mostrando a apresentação e a recepção dessas máscaras em dois contextos antagônicos: uma aldeia xinguana e um festival de música na França. O primeiro vídeo (disponível em: http://vimeo.com/album/1938388/video/58625634) mostra como as máscaras gigantes têm papel central nas cerimônias de cura, organizadas pela família dos doentes. As máscaras atraem os agentes causadores das doenças para fora da alma e do corpo do enfermo. Por isso, tornam-‐se perigosas após o ritual, razão pela qual são destruídas em seguida. O segundo vídeo (que pode ser visualizado no link http://vimeo.com/album/1938388/video/41984937) registra a viagem de índios Wauja para a França, onde foram convidados a apresentar uma versão reduzida e “inócua” do ritual ao público francês. Após assistir aos dois vídeos, você notará que os mesmos objetos e as mesmas práticas ganham sentidos distintos dependendo da finalidade para que são feitos e conforme o repertório do público. Na aldeia Wauja as máscaras, os passos de dança e a
música das flautas têm grande poder espiritual e medicinal. No espetáculo para europeus, eles representam uma sociedade diante da outra, chamando a atenção pelas cores, movimentos e sons.
Os povos indígenas confeccionam adornos, máscaras, instrumentos musicais, realizam desenhos, trançados, peças em cerâmica e esculturas em madeira com grande poder estético e carregados de sentido, mesmo que tais criações não sejam compreendidas, nem reconhecidas pelas sociedades Ocidentais como arte. Fazem isso pelo prazer da forma, mas também para se comunicar, para reproduzir conhecimentos e para obter certos resultados “práticos” – como no caso do ritual de cura Wauja.
Na situação de contato com os brancos, em que se encontra a maioria das etnias, as produções artísticas indígenas podem eventualmente assumir novos papeis, como a geração de renda e o fortalecimento identitário. Mas isso depende de haver respeito à propriedade intelectual indígena e aos desejos dos criadores indígenas, bem como transparência na distribuição dos ganhos – o que nem sempre ocorre. Já houve, por exemplo, o caso de uma empresa que pagou um preço mínimo por grafismos indígenas, que, depois, foram aplicados sobre embalagens de perfumes bastante caros. Felizmente, também existem iniciativas éticas, como ocorreu quando desenhos Kadiweu, tradicionalmente aplicados sobre a pele e sobre peças de cerâmica, foram transpostos para azulejos e utilizados em um projeto arquitetônico internacional. Foi essa a proposta que levou Marcelo Ferraz e Francisco Fannuchi, do escritório Brasil Arquitetura, a vencerem uma concorrência para a requalificação de uma parte de Berlim, após a reunificação da Alemanha. Em 1999, convidaram mulheres Kadiweu – que vivem no Mato Grosso do Sul –, a aplicar seus grafismos tradicionais sobre azulejos. Os grafismos foram primeiramente registrados na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, para depois decorarem as fachadas alemãs. Certamente, nesse processo de trânsito cultural, antigos significados foram diluídos e novos surgiram.
Figura 3. Mulheres Kadiweu em Berlim, segurando os azulejos com motivos tradicionais de sua etnia, que hoje
decoram fachadas do Bairro Amarelo, em Berlim. Foto do site do escritório Brasil Arquitetura: http://brasilarquitetura.com/projetos.php?mn=13&estado=18&mn2=41&img=007&bg=img
Em suma, expressões artísticas existem em todas as sociedades, embora nem sempre recebam esse nome e nem sempre estejam claramente separadas em um campo autônomo. Inclusive, dentro de nossa própria sociedade, elas também florescem em grupos sociais distantes dos circuitos oficiais de exibição e consagração. Veremos a seguir dois exemplos disso.
Arte “bruta” e arte popular
Juntamente com a arte pré-‐histórica e com a arte das sociedades indígenas atuais, outras manifestações costumam ser encaixadas na categoria arte “primitiva” – expressão que deve ser usada sempre entre aspas, em razão de seu (problemático) teor pejorativo. São elas: as criações de pacientes psiquiátricos e as de indivíduos sem formação artística.
A chamada arte “bruta”, produzida por pessoas com distúrbios psiquiátricos, recebe esse nome porque, em tese, emana diretamente do inconsciente do artista, como matéria bruta, genuína, sem ser lapidada pelas convenções culturais e tendências do momento. Quem cunhou o termo arte “bruta” foi o artista francês Jean Dubuffet, que, nos anos 1940, constituiu uma enorme coleção de pinturas e esculturas feitas por internos de instituições psiquiátricas europeias. (Você pode ver a coleção iniciada por Dubuffet aqui: http://www.artbrut.ch/en/21070/collection-‐art-‐brut-‐lausanne.)
Hoje em dia, o termo mais usual para esse tipo de produção é outsider art (numa tradução livre, arte “de fora”, “marginal”, “estranha”). O caso brasileiro mais famoso é de Arthur Bispo do Rosário. Um documentário em 3D sobre ele está sendo rodado, em 2013, no
Brasil (para saber mais a respeito da impressionante história de Bispo do Rosário e também do filme em produção, leia essa reportagem da Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/07/1318514-‐livro-‐revela-‐atestado-‐de-‐loucura-‐do-‐artista-‐bispo-‐do-‐rosario-‐e-‐sua-‐carreira-‐de-‐lutador.shtml).
Um caso menos conhecido, porém igualmente surpreendente, é o do fotógrafo e pintor Antonio Roseno, imigrante nordestino que viveu seus últimos vinte anos na Favela Três Marias, em Campinas, onde o professor da UNICAMP Geraldo Porto o “descobriu”, em 1988. Assim relata o professor:
Eu fui a primeira pessoa que se interessou em comprar um quadro seu. Mesmo tão barato, ele me disse que nunca conseguira vender nenhum quadro. Comecei então a comprá-‐los, levar à favela pessoas interessadas e divulgar o seu trabalho. (...) Em 1991 organizei a sua primeira individual, na Casa Triângulo, em São Paulo. A exposição foi um grande sucesso e Antônio conquistou os seus quinze minutos de fama. Ele nunca havia entrado numa galeria de arte e sentia-‐se constrangido. Suas pinturas passaram a valer entre cem e duzentos dólares e Antonio passou a receber no seu barraco artistas, jornalistas, equipes de televisão e pessoas interessadas em comprar suas obras, tornando-‐se mais respeitado pelos moradores da favela e pelos comerciantes do bairro. (...) Antônio chorava muito. (Texto de Geraldo Porto no site http://www.studium.iar.unicamp.br/sete/6.html. Acesso em 26/07/2013)
Um dos temas preferidos de Antonio Roseno de Lima eram os bêbados. A próxima figura mostra a maestria do artista em nos fazer duvidar se estamos vendo fora de foco, como se estivéssemos alcoolizados.
Figura 4. “Bêbado 2”. Pintura de Antonio Roseno de Lima, publicada na galeria de imagens da Revista Studium, do Instituto de Artes da UNICAMP: http://www.studium.iar.unicamp.br/sete/roseno/pages/beb_2.htm
Há outros artistas, sem problemas psiquiátricos, que também criam de forma autodidata. O jardineiro Estevão da Silva Conceição, morador da favela de Paraisópolis, na cidade de São Paulo, construiu uma espécie de castelo de sucata, durante 17 anos, para viver com sua família. O resultado lembra os projetos do catalão Gaudi, o que explica o apelido de “Gaudi de Paraisópolis” atribuído a Estevão. (Veja uma reportagem sobre esse artista popular aqui: http://www.youtube.com/watch?v=Lp2OmjeBhko.)
Como os contornos da arte popular são fluidos, uma boa maneira de delineá-‐los é contrapor a arte popular à arte erudita, produzida por e para uma elite que opera no seio de uma tradição considerada „legítima“. Enquanto a arte erudita é submetida a padrões críticos que independem do público e dialoga com movimentos e tendências da história da arte, a arte popular é produzida organicamente no coração das comunidades. A arte popular é vivenciada fora de instituições oficiais, de forma lúdica e espontânea, e, geralmente, não necessita de aprendizagem formal.
É verdade que as culturas populares têm uma relação de mão-‐dupla com as criações das elites, inspirando-‐se nelas e servindo-‐lhes também como fonte de inspiração. Desse modo, as fronteiras entre as duas não são estanques. Mesmo assim, Ângela Mascelani, diretora do Museu Casa do Pontal, no Recreio dos Bandeirantes, que abriga uma bela coleção de arte popular brasileira, aponta algumas características gerais da arte popular:
A maior parte dos artistas [populares] surge em comunidades que, por razões geográficas, econômicas ou sociais, permitiram a um grande número de pessoas dominar uma técnica específica, como a cerâmica, nas regiões oleiras, ou o entalhe em madeira nos locais onde esta constitui matéria-‐prima abundante (...). Grande parte teve uma escolaridade deficiente, o que não impediu o surgimento de outras formas de transmissão (e inovação) do saber tradicional. (...) Muitos deles foram e são excelentes técnicos, que deixaram de trabalhar no artesanato utilitário e deram asas à imaginação. (...) Seus trabalhos são consumidos preferencialmente por pessoas de fora de suas comunidades de origem. Não tem faltado ao mundo popular (...) quem se exprima plasticamente de maneiras antes impensadas ou inexistentes, apenas pelo prazer ou desejo (MASCELANI, Angela. O mundo da arte popular brasileira. Rio de Janeiro: Museu Casa do Pontal/ Mauad Editora, 2002: 19-‐ 27).
Geraldo Marçal dos Reis, nascido em Diamantina, e residente em Nova Iguaçu, encaixa-‐se na descrição acima. Ele aprendeu o ofício da carpintaria com seu pai, mas descobriu sozinho o prazer em inventar novas formas a partir de troncos e raízes de árvores. Geraldo constroi cidades tentaculares, esculpidas diretamente na madeira bruta.
Figura 5. Escultura de Geraldo Marçal dos Reis, feita diretamente sobre troncos e raízes de árvores. Peça pertencente ao museu Casa do Pontal, no Rio do Janeiro.
Se, no Brasil, as artes indígenas ainda não conquistaram espaço, os artistas populares tiveram uma inserção um pouco maior no mercado e no circuito expositivo, a partir de 1940. As estatuetas de cangaceiros, retirantes, trios de forró e bois, modeladas pelas mãos de Vitalino Pereira dos Santos, foram levadas pela primeira vez ao Rio de Janeiro em 1947. Dois anos depois, suas figuras de barro seriam expostas no Museu de Arte de São Paulo. Hoje, dezenas de famílias do bairro Alto do Moura, na região de Caruaru, em Pernambuco, sobrevivem da venda de peças em barro, seguindo a trilha aberta por ele. (Assista a um pequeno documentário sobre Mestre Vitalino nesse link: http://www.youtube.com/watch?v=FqW2ZTuP0rk).
Já o pintor autodidata José Antônio da Silva, residente no interior paulista e ex-‐trabalhador rural – o que explica a recorrência de campos e bois em sua obra – foi “descoberto” pelos críticos de arte Paulo Mendes de Almeida e Lourival Gomes. (Veja a cronologia de sua vida e uma galeria de imagens no site do Museu de Arte Primitivista José Antonio da Silva, mantido pela prefeitura de São José do Rio Preto: http://www.riopreto.sp.gov.br/PortalGOV/do/subportais_Show?c=86159). Ao longo da vida, Silva teve telas adquiridas pelo Museu de Arte de São Paulo e pelo Museu de Arte Moderna de Nova York. Recentemente, em 2013, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo dedicou uma retrospectiva individual ao pintor. Uma das telas está reproduzida a seguir.
Figura 6. “Algodoal”, 1950, de José Antonio da Silva. Imagem de divulgação da exposição”José Antonio da Silva em dois tempos”, em cartaz no MAC-‐USP, no segundo semestre de 2013. Retirada do site da mostra:
http://www.mac.usp.br/mac/EXPOSI%C3%87OES/2013/jose_antonio_dasilva/galeria.htm
Até aqui, conhecemos um pouco das criações artísticas de povos pré-‐históricos, de sociedades indígenas atuais, de artistas com distúrbios psiquiátricos e de indivíduos autodidatas oriundos das camadas populares. Essas formas de expressão são muito diferentes entre si, mas compartilham a condição marginalizada no sistema das artes.
O sistema das artes é a rede que compreende os sujeitos e organizações envolvidos na produção, exibição, avaliação, divulgação, circulação e comercialização da produção artística. No caso das artes visuais, dele fazem parte artistas individuais, coletivos artísticos, galerias comerciais, casas de leilões, museus, críticos, curadores, publicações especializadas e
diretores de instituições, que, cada vez mais, estabelecem interações em nível global. Podemos pensar, analogamente, em um sistema da dança, um sistema da música, um sistema do teatro etc., que unirão, numa rede interativa, hierarquizada e pautada por regras internas próprias, os criadores, técnicos, diretores, produtores, críticos, programadores, intermediários e patrocinadores atuantes em cada campo. Aliás, vale lembrar que os exemplos e reflexões apresentados ao longo dessa disciplina, a partir da perspectiva das artes visuais, são encontrados também em outros campos artísticos, guardadas as devidas especificidades. Existem músicos populares autodidatas; existem atores que interpretam dentro de instituições psiquiátricas; existem passos de dança próprios nas sociedade indígena e assim por diante.
Não é casual termos começado a disciplina “Arte e Sociedade” por formas de criação que eram chamadas de “primitivas” até pouco tempo atrás e que ainda são pouco valorizadas nos circuitos artísticos eruditos e oficiais. O intuito foi sensibilizá-‐lo para o fato de que o universo de fenômenos que podem ser considerados artísticos é bem mais complexo e mais amplo do que fazem crer os livros convencionais de história da arte e o senso-‐comum. No próximo item veremos que conceitos de arte e de artista que hoje vigoram entre nós são construções históricas, relativas e muitas vezes excludentes.
Arte e artista: problematizando conceitos
O surgimento da figura do artista no Ocidente
O termo “estética” foi cunhado pela primeira vez em 1735, em um texto de juventude do alemão Alexander Baumgarten, e, depois, foi desenvolvido em seu livro Aesthetica (1750). Para Baumgarten, a Estética era um ramo da filosofia que deveria se debruçar sobre nossas respostas às formas, emancipadas de suas funções. Baumgarten teve grande influência sobre o filósofo Immanuel Kant, até hoje uma leitura fundamental para quem se aprofunda na discussão teórica e filósofica sobre arte, principalmente seu livro Crítica do juízo (1790).
Foi também em meados do século XVIII que a burguesia europeia se consolidou como sujeito histórico. Interessada em obter prestígio e reconhecimento, a nova camada social passou a atuar como mecenas e a constituir coleções particulares de arte. A palavra artista passou a qualificar escritores, pintores e escultores – até então considerados artesãos ou trabalhadores manuais. Passou a designar não apenas uma ocupação, mas uma pessoa com talento e originalidade.
Com o advento do Romantismo, pintores e escritores começaram a ser representados de uma nova forma e sua atividade passou a ser vista como decorrente de uma vocação singular – não mais da aprendizagem coletiva e do treino técnico. Após a Revolução Industrial, essa visão se consolidou definitivamente: o artista, apartado da linha de produção, passou a figurar como um gênio independente e a singularidade de sua obra ganhou destaque em contraste com as mercadorias produzidas em série.
No início do século XIX, foram incluídos na categoria artista os músicos e atores de teatro e, no século XX, foi a vez dos intérpretes de cinema. Atualmente, grafiteiros, dançarinos de hip hop e videoperformers também são vistos como artistas. Nota-‐se, portanto, como é elástica a categoria “artista” e como ela varia de um contexto a outro.
A concepção moderna de arte e o papel das instâncias de legitimação
Com o declínio da arte acadêmica, no século XIX, parâmetros como “beleza”, “realismo” e “perfeição técnica” fazem cada vez menos sentido. A arte moderna e, principalmente, a contemporânea foram sendo construídas em cima de três outros critérios fundamentais, que continuam operantes:
1. A obra de arte precisa ser, em alguma medida, única e original. Mesmo que as obras se reapropriem ou façam releituras de trabalhos de outros artistas, isso deve ser feito de modo inédito.
2. A atitude artística é (ou deve ao menos se declarar) desinteressada: não pode haver motivações utilitárias, econômicas ou religiosas aparentes. De modo geral, espera-‐se que um artista crie suas obras pelo desejo de se expressar e de criar livremente; espera-‐se do público, do mesmo modo, que esteja em busca de prazer estético, sensorial – e não de facilidades práticas ou vantagens econômicas. Assim, um belíssimo lustre ou um copo com design revolucionário não costumam ser considerados pelos especialistas como obras de arte, pois foram fabricados tendo em vista o valor comercial e utilitário.
3. A ideia de obra de arte é diretamente relacionada à existência de uma personalidade criadora que a assine. Uma melodia, uma peça de cerâmica, um lindo cocar ou uma gravura cujos autores sejam coletivos e anônimos dificilmente serão apreciados e exibidos como arte. A autoria deve estar traduzida na assinatura de um artista reconhecido por seus pares, pela crítica e pelas instituições de arte. Em outras palavras, entre nós, é arte tudo o que for produzido por alguém aceito como artista legítimo. Por mais circular que pareça essa definição, ela opera com toda a força no mundo atual. É como se o valor artístico fosse deslocado da obra para a figura do artista, como se a assinatura é que fizesse de um objeto uma obra de arte.
Ilustremos esse último ponto, referente à importância da assinatura de alguém reconhecido por seus pares, com um “caso de polícia”. Na década de 1920, o romeno Constantin Brancusi, um dos pioneiros da escultura geométrica/abstrata, teve uma de suas peças barrada pela alfândega, quando tentava entrar nos Estados Unidos. Funcionários não familiarizados com as pesquisas da arte moderna exigiram dele o pagamento de uma taxa para importação de mármore e bronze.
Figura 7. “Pássaro no espaço”, 1924, de Constantin Brancusi. Pertencente ao Philadelphian Museum of Art. Imagem publicada no site: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/escultura-‐moderna/escultura-‐moderna-‐
4.php
Brancusi moveu um processo contra o governo norte-‐americano, a fim de provar que sua escultura era uma obra de arte e podia ser isenta das taxas alfandegárias. O escultor acabou vencendo e o jornal New York Times publicou a seguinte manchete, no dia 22 de outubro de 1927: “Parece que arte é qualquer coisa que determinadas pessoas digam que é”. O episódio reitera o papel das instâncias de legitimação no sistema das artes.
Os limites do conceito moderno e contemporâneo de arte
Como acabamos de ver, três características dever estar simultaneamente presentes nos trabalhos considerados como obras de arte modernas e contemporâneas: a inovação, o não-‐utilitarismo e a assinatura de um artista legitimado. Entretanto, à medida que esse modelo, descrito por sociólogos da arte como Nathalie Heinich, foi se consolidando, muitos objetos e processos criativos acabaram excluídos do campo da arte. O curador e ex-‐Ministro da Cultura paraguaio Tício Escobar sintetiza o problema da seguinte maneira:
Ainda que a teoria culta parta do pressuposto de que há milhares de anos a humanidade inteira produz formas sensíveis que carregam e geram significados (o que, em sentido estrito, se chama de arte), na verdade, o modelo universal de arte (aceito, proposto e/ou imposto) é correspondente ao que foi produzido na Europa em um período historicamente muito breve (do século XVI ao XX). A partir de então, o que se considera realmente arte é o conjunto de práticas que tenham características básicas dessa arte, tais como a possibilidade de produzir objetos únicos e irrepetíveis que expressam o gênio individual, e, fundamentalmente, a capacidade de exibir a forma estética (...) expurgada de utilidades e funções que obscureçam sua nítida percepção (ESCOBAR, Tício. El mito del arte y el mito del pueblo. Santiago: Ediciones Metales Pesados, 2008: p. 28).
O historiador da arte brasileiro Jorge Coli, por sua vez, ressalta que a linha divisória entre objetos artísticos e não-‐artísticos, em nossa sociedade, é traçada pelo discurso institucional, que, ao mesmo tempo, cria uma hierarquia de objetos artísticos “superiores”, “medianos” e “inferiores”. As classificações relacionadas ao universo artístico não dependem necessariamente de critérios estéticos, mas, principalmente, do aval da imprensa especializada, dos diretores de equipamentos culturais, dos historiadores, marchands e de artistas já reconhecidos. A aprovação de todas essas instâncias de legitimação é o que, em última instância, determina o que é boa arte, arte medíocre ou o que não é arte.
Em relação ao caráter excludente que o sistema da arte pode assumir, vale destacar a invisibilidade de artistas mulheres, durante séculos. O primeiro artigo a explicitar essa questão foi “Why have there been no great women artists?” (“Por que não tem havido grandes artistas
mulheres?”), publicado em 1971, por Linda Nochlin. Revelava que as condições de produção artística sempre foram diferentes para homens e mulheres e mostrava que a presença de atributos supostamente masculinos ou femininos em determinadas obras influenciam seu julgamento.
Hoje, a grande referência nos estudos de arte e gênero é Griselda Pollock. Além de aumentar o número de mulheres no panteão de gênios, a autora busca discutir a relação entre a prática artística e a construção das diferenças entre homens e mulheres. Para ela, a representação artística é reflexo de uma ideologia dominante, que, ao mesmo tempo, espelha e reafirma diferenças de gênero.
Uma das pesquisadoras brasileiras que tem se debruçado sobre o assunto, Luciana Loponte, denuncia:
A Arte Universal ou a História da Arte legitima em grande parte, como já desconfiávamos, um olhar masculino, branco, europeu e heteronormativo. (...) A arte, este terreno aparentemente livre, de pura expressividade e autonomia criativa, é um campo minado por relações de poder” (LOPONTE, Luciana. Gênero, artes visuais e docência. Paper apresentado no Seminário internacional Fazendo Gênero – 7”, Florianópolis, agosto de 2006. Disponível em: http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/L/Luciana_Gruppelli_Loponte_33.pdf: p. 1).
De fato, a socióloga da arte Ana Paula Simioni revela que, no Brasil, até 1922, não havia nenhuma pintora produzindo telas históricas – as mais valorizadas no final do século XIX e início do XX. Era muito difícil para uma mulher se tornar pintora. Para além da pressão social e do preconceito, havia um obstáculo prático à carreira das artistas mulheres: a interdição aos ateliês com modelos nus. Foi só com a eclosão do modernismo e a subseqüente perda de prestígio das Academias que Georgina de Albuquerque foi a primeira mulher a receber a encomenda de uma pintura histórica, “Sessão do Conselho de Estado” (1922). A tela – não por acaso – dá destaque a Princesa Leopoldina em meio a uma reunião presidida por José Bonifácio, na qual se discutia a Independência do país.
Figura 8. “Sessão do Conselho de Estado”, de Georgina de Albuquerque, 1922. Obra pertencente ao Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro). Imagem publicada na Enciclopédia Itaú de Artes Visuais:
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_obras&cd_verbete=1891&cd_idioma=28555
Em síntese, os pressupostos da originalidade, da primazia da forma e da autoria legítima só funcionam para a produção artística moderna e contemporânea do Ocidente. E, mesmo nesse contexto, são passíveis de questionamento. Contudo, acabaram se generalizando e se transformando em categorias normativas, acionadas para desqualificar as demais criações. Ter clareza da arbitrariedade desses processos classificatórios é fundamental para qualquer gestor ou agente cultural em busca da democracia cultural e da promoção da diversidade de expressões.
Dentro da antropologia, disciplina que lida com sociedades tradicionais e sem escrita, vem surgindo uma noção de arte mais flexível. Existe particularmente um grupo da Australian National University que desenvolve pesquisas interdisciplinares sobre fenômenos artísticos, e trabalha com uma concepção bastante abrangente. Considera a arte como qualquer modalidade de ação na qual a criatividade e a técnica do produtor são fundamentais e na qual a capacidade de desencadear uma resposta do receptor é igualmente importante. Nessa perspectiva, arte é tudo aquilo que carrega significados e, ao mesmo tempo, possui propriedades estéticas – independentemente de coincidir com os parâmetros brancos, Ocidentais e modernos. Essa concepção antropológica de arte, mais ampla e democrática, ainda não é largamente aceita. Mas é importante você tê-‐la em mente, como contraponto, ao longo das próximas aulas, que irão se concentrar no sistema das artes Ocidental.
Da arte moderna à arte contemporânea
Arte moderna
Não existe consenso absoluto, mas a categoria arte moderna costuma abranger a produção dos anos 1860 aos anos 1960.
A arte moderna emergiu num contexto social e econômico fortemente marcado pela Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, quando surgiram, primeiramente, as máquinas a vapor e, em seguida, a energia elétrica novas matérias primas como o aço. Com a concentração do trabalho nas grandes cidades, outros processos foram desencadeados: a urbanização, o acirramento das desigualdades sociais, o controle do tempo, a pressão para o aumento da produtividade, a passagem da vida em comunidade para as sociedades complexas. No plano das ideias, o progresso passou a ser visto como o grande ideal; a ciência ganhou espaço sobre a religião na explicação do mundo; e surgiram as grandes ideologias (socialismo, anarquismo etc.).
Do ponto de vista institucional, a Academia de Belas Artes, instituição onde os artistas até então se formavam, responsável pela definição dos rígidos modelos a serem seguidos, centralizadora das encomendas e premiações, perdeu sua força. Em Paris, pólo irradiador da produção artística naquele período, surgiram, no final do século XIX, as figuras do marchand, do críticos e do colecionador, que passam a ter mais importância – e dão mais liberdade aos artistas – do que o júri e o Salão Anual da Academia.
As vanguardas artísticas modernas emergiram, portanto, com desejo de experimentar uma maior liberdade, impregnadas da crença na racionalidade do Homem, do desejo de transformação do mundo ao seu redor, da admiração por tudo o que é novo, do fascínio pelas máquinas e pela mecanização. Os artistas modernos acreditavam na possibilidade de autonomia da arte e do artista. Fundaram movimentos, escreveram manifestos, contestando modelos anteriores, como o Romantismo e o Realismo.
Características da arte moderna
Para compreender os experimentos da arte moderna, devemos lembrar que a invenção da fotografia, na primeira metade do século XIX, permitiu que cada vez mais pessoas registrassem paisagens, cenas cotidianas e produzissem retratos, de maneira mais rápida e fácil do que a pintura e a escultura. A fotografia libertou as artes plásticas de sua função documental. Como escreveu Gombrich, importante historiador da arte austríaco:
Antes dessa invenção, quase toda pessoa que se prezava posava para um retrato, pelo menos uma vez na vida. Agora, as pessoas raramente se sujeitavam a isso, a menos que quisessem ajudar um pintor amigo. Assim sendo, os artistas se viram cada vez mais compelidos a explorar regiões onde a fotografia não podia acompanhá-‐los. De fato, a arte moderna dificilmente se converteria no que é sem o impacto dessa invenção. (GOMBRICH, Ernst. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988: p. 416.)
Os impressionistas, por exemplo, exploraram os efeitos da luminosidade natural sobre a paisagem e sobre a nossa retina. Talvez sua inovação mais importante tenha sido o fato de, em vez de misturarem as cores na palheta, preferirem encher a tela com pinceladas de tintas puras separadas, que se combinam e se misturam apenas na mente do espectador. Deixaram também de lado a precisão dos contornos. Tudo isso é perceptível já nas primeiras telas de Claude Monet, como aquela que registra o nascer do sol no Porto Le Havre, captando a névoa do momento, por trás da qual se avistam gruas e chaminés.
Figura 9. “Impressão, nascer do sol”, 1873, de Claude Monet. Imagem de divulgação do Musée Marmottan. Disponível em: http://www.marmottan.fr/fr/claude_monet-‐musee-‐2517
Quem enfrentou filas, em 2012, para ver a exposição dos pintores impressionistas no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro, terá dificuldade de acreditar na rejeição inicial que sofreram os pintores reunidos em torno de Claude Monet, no final do século XIX. Entretanto, na época em que viveram Degas, Renoir, Manet, Monet e os outros impressionistas, sua pintura foi hostilizada pelos artistas acadêmicos e ironizada pela crítica. O grupo era veementemente recusado nos salões oficiais de belas-‐artes.
O desprezo inicial sofrido pelos impressionistas não foi o único. Os trabalhos de Pablo Picasso, por exemplo, só entraram em um museu em 1933, quando o artista já tinha mais de 50 anos. Picasso esteve à frente de uma das principais vanguardas modernas, o Cubismo, juntamente com Francis Picabia, Fernand Léger e Georges Braque. Os artistas cubistas pretendiam oferecer uma visão total daquilo que pintavam, colocando lado a lado, no mesmo plano, diversos ângulos da mesma figura. Para isso, decompunham a imagem fragmentos, para, em seguida, recompô-‐la. Observe o procedimento cubista no rosto e nas mãos da mulher retratada na figura abaixo. A tela é posterior ao movimento cubista, que se enfraqueceu em 1914, mas guarda suas influências.
Figura 10. “Retrato de Dora Maar”, 1937, de Pablo Picasso. Imagem de divulgação do Musée Picasso. Disponível em: http://picasso-‐paris.videomuseum.fr/Navigart/index.php?db=picasso&qs=1
Em linhas gerais, a arte moderna rompeu com a representação mimética (a cópia exata, realista e minuciosa) das coisas e seres representados e se lançou à experimentação formal, por meio do uso de novos materiais, da fragmentação e deformação dos motivos representados. A arte moderna se autonomizou em relação aos assuntos e objetos representados, que tanto importavam na arte acadêmica que a precedeu. Na pintura, a figuração realista foi sendo progressivamente descontruída rumo à abstração e à geometrização. A perspectiva deixou de ser uma preocupação, assim como o jogo de luzes e
sombras. As formas foram simplificadas, distorcidas, fragmentadas. Podemos afirmar que a arte moderna voltou-‐se, de um lado, para a subjetividade do próprio artista e, de outro, para a pesquisa de suas formas e elementos de composição, como cor, textura, contraste e suportes (molduras, pedestais etc.). De acordo com um Dicionário Crítico de arte, arte moderna é:
Aquela que se desenha no Impressionismo para vir a desenvolver-‐se com o Cubismo, o movimento Dada e as vanguardas russas das primeiras três décadas do século XX. Algumas tônicas são comuns a estes desenvolvimentos: uma problematização das questões da representação pictórica, um novo entendimento da espacialidade, uma nova visualidade decorrente da afirmação da fotografia e do filme e finalmente, e também o surgimento de um novo dispositivo artístico – a exposição – sediado numa nova instituição – o museu de arte moderna, de que o exemplo maior é o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, inaugurado em 1928 (SARDO, Delfim. Verbete “Arte moderna””, do Dicionário Crítico da Fundação Côa, disponível em: http://www.arte-‐coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemArte&Menu2=OrigensDaArte&Filtro=92&Slide=92. Acesso em 31/07/2013)
A arte moderna chega ao Brasil
No Brasil, dois grandes marcos da arte moderna são a controversa exposição de Anita Malfatti, em 1917, cujas pinturas expressionistas foram ridicularizadas por Monteiro Lobato; e a Semana de Arte Moderna, em 1922 (uma boa introdução ao assunto se encontra nesse vídeo, produzido pela TV Brasil na ocasião dos 90 anos do evento: https://www.youtube.com/watch?v=gqYWeD55ArM).
Figura 11. “A boba”, 1917, de Anita Malfatti. Coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Imagem disponível em:
http://www.mac.usp.br/mac/templates/exposicoes/22ideia/22ideia_malfatti.asp
Grande parte das inovações propostas pelos músicos, escritores e artistas plásticos envolvidos com a arte moderna, no Brasil, era alimentada pelas experimentações que vinham sendo feitas na Europa, nas duas décadas anteriores. Jovens filhos das elites viajavam para a Europa e voltavam com novas ideias na bagagem, que eram misturadas ao desejo de valorizar especificidades locais. Escreviam manifestos, criavam grupos e organizavam exposições, tal como ocorria no Velho Mundo.
Conforme sintetiza a Enciclopédia Itaú de Artes Visuais:
(...) A Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, no ano de 1922, é considerada um divisor de águas na história da cultura brasileira. O evento (...) declara o rompimento com o tradicionalismo cultural associado às correntes literárias e artísticas anteriores: o parnasianismo, o simbolismo e a arte acadêmica. (...) Heitor Villa-‐Lobos na música; Mário de Andrade e Oswald de Andrade, na literatura; Victor Brecheret, na escultura; Anita Malfatti e Di Cavalcanti, na pintura, são alguns dos participantes da Semana, realçando sua abrangência e heterogeneidade. Os estudiosos tendem a considerar o período de 1922 a 1930, como a fase em que se evidencia um compromisso primeiro dos artistas com a renovação estética, beneficiada pelo contato estreito com as vanguardas européias (Cubismo, Futurismo, Surrealismo etc.). Tal esforço de redefinição da linguagem artística se articula a um forte interesse pelas questões nacionais, que ganham acento destacado a partir da
década de 1930. (...) Apesar da força literária do grupo modernista, as artes plásticas estão na base do movimento.
Não seria possível explorar aqui as diversas vertentes e os artistas associados ao modernismo brasileiro. Fiquemos, então, com uma das maiores revoluções daquele momento, que foi a publicação do romance Macunaíma, de Mário de Andrade, em 1928. O escritor paulista foi pioneiro em estudar tradições folclóricas das diversas regiões do Brasil – seu interesse, aliás, desembocaria na criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, na década de 1930. Avesso ao regionalismo, Mário de Andrade pretendia, ao mesmo tempo, revelar e "desgeografizar" o Brasil, fundindo sotaques e expressões populares de todas as regiões do país, como se quisesse chegar numa síntese. Não é por acaso que se encontram, nas páginas de Macunaíma, peixes de todas as águas brasileiras nadando em um mesmo local; presente e passado misturados; um protagonista que se desloca do Rio de Janeiro à Amazônia em um segundo; e personagens brancos que se tornam negros ou índios.
Para os intelectuais e artistas modernistas que se reuniram em torno de Mário e Oswald de Andrade, uma arte pautada pelo nacionalismo não deveria negar as influências estrangeiras, deveria, antes, aproveitar ao máximo os processos e discussões iniciados em outros países, que poderiam auxiliar na renovação e na elevação do padrão da produção brasileira. Aí está o cerne da ideia de antropofagia, que até hoje perpassa as discussões sobre a cultura brasileira, e que apareceu sob nova roupagem na “geleia geral” da Tropicália, no final dos anos 1960.
A arte contemporânea
A arte moderna ainda tinha preocupações predominantemente estéticas. Ou seja, volumes, harmonia, cores, linhas, massas de tinta, novos suportes, experimentações formais de todos os tipos estavam no centro da preocupação dos artistas modernos, que pretendiam gerar determinados impactos sensoriais no público. Já a arte contemporânea minimiza questões ligadas à materialidade. Os artistas contemporâneos querem fazer pensar, atuam principalmente no plano dos conceitos e da comunicação.
Não existe uma periodização exata para a arte contemporânea. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que nem tudo o que é produzido atualmente é arte contemporânea. Uma tela retratando o pôr do sol, feita com tinta a óleo sobre tela, que procura imitar as cores e as texturas da paisagem retratada, nos moldes do realismo acadêmico do século XIX, não será considerada como arte contemporânea, mesmo que seja produzida no ano de 2013. Por outro lado, quando Marcel Duchamp enviou um urinol (sim, uma peça sanitária) a um concurso de arte, em 1917, estava antecipando procedimentos da arte contemporânea: a incorporação de objetos industrializados, e o deslocamento do processo artístico da produção de objetos para o discurso e a reflexão.
Em linhas gerais, fala-‐se em arte contemporânea no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Não por acaso, nesse momento, os pólos artísticos e críticos irão se concentrar muito mais nos Estados Unidos do que na Europa, ao contrário do que ocorrera até então. A produção pop de Andy Warhol, na década de 1960, é considerada um divisor de águas entre a arte moderna e a contemporânea. Warhol incorpora elementos da cultura de massa, como embalagens de sopa e da sabão; brinca com a reprodução mecânica em série das imagens, aproxima-‐se da publicidade e das indústrias culturais. (Na resenha sobre uma nova biografia de Warhol lançada em português, em 2010, você obterá mais detalhes sobre a vida e a obra do artista pop: http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/805834-‐andy-‐warhol-‐o-‐genio-‐do-‐pop-‐revira-‐bastidores-‐da-‐vida-‐do-‐artista-‐charada.shtml)
Em solo brasileiro, dois pioneiros da arte contemporânea são Hélio Oiticica, com seus “penetráveis” – instalações nas quais o público deveria entrar – e seus “parangolés” – que precisavam ser vestidos pelo público para existirem; e Lígia Clark, com seus “bichos” – esculturas manuseáveis – e suas propostas de vivência, que pedem a participação do espectador (veja as diversas facetas da obra de Lígia Clark em seu site oficial: http://www.lygiaclark.org.br/biografiaPT.asp).
Características da arte contemporânea
Ao contrário dos modernos, os artistas contemporâneos não costumam se apegar a grandes ideologias, nem se organizar em agremiações com bandeiras e manifestos. Num mundo globalizado e conectado pelas novas tecnologias, diversas causas coexistem e as pessoas transitam por elas. As interações se tornam matéria-‐prima da arte. O público é convidado a interagir, ao invés de ser simples espectador. Instalações específicas para os espaços expositivos – site specific – passam a ser encomendadas aos artistas, levando em conta as especificidades do local e do público.
Além disso, não é mais preciso ser original: a paródia, o pastiche e a releitura entram em alta. Emblemático disso é o trabalho de Ursus Wehrli, tipógrafo, músico, acrobata e comediante. Na série “Arrumar a arte”, o multiartista suíço rearranja telas de mestres modernos do porte de Picasso e Magritte. Seu objetivo é procurar novas lógicas dentro das pinturas e aproveitar o espaço da tela da forma mais racional e econômica possível. Wehrli “reordena”, por exemplo, as telas abstratas do russo Wassily Kandinsky e do alemão Paul Klee, produzindo quadros com as mesmas dimensões e os mesmos elementos das pinturas originais, só que agrupando todas as formas amarelas, todas as formas verdes, as formas vermelhas e assim por diante. Recria também uma famosa tela de Vincent Van Gogh, arrumando toda a bagunça do quarto debaixo da cama. Veja o resultado na imagem a seguir.
Figura 12. “Kunst Aufraeumen (“Arrumar a arte”), 2001, série de Ursus Wehrli. Imagem disponibilizada para a imprensa no site oficial do artista:
http://www.ursuswehrli.com/sites/default/files/media/presse_downloads/wehrli_3_0.jpg
Por fim – e esta talvez seja a característica mais importante de todas –, na época contemporânea, as fronteiras e os limites da arte são constantemente postos em xeque pelos próprios artistas. Um primeiro tipo de permeabilidade de fronteiras que começou com a arte moderna, mas se intensifica na arte contemporânea é o diálogo entre as diversas linguagens artísticas. A companhia de dança francesa Montalvo Hervieu põe no palco bailarinos de carne-‐e-‐osso contracenando com imagens filmadas em tamanho real, combina Vivaldi com ritmos africanos e obtém um resultado harmonioso e criativo (assista aqui a um trecho da coreografia Paradis: http://www.youtube.com/watch?v=uozz88k_xPY).
Outro tipo de hibridação é aquela entre arte e ciência. O brasileiro Eduardo Kac, por exemplo, criou uma coelha fosforescente chamada Alba, que brilhava no escuro, usando genes de água-‐viva. A coelha foi parte de uma obra complexa. A partir de trabalho conjunto de artistas plásticos, engenheiros, biólogos e especialistas em computação, a ideia é quebrar fronteiras, para suscitar reflexão sobre a bioética, ou seja, sobre a criação de novas espécies e a manipulação genética de espécies já existentes. Nesse sentido, foi emblemática a instalação microscópica “Gênesis”, em que Kac ofereceu ao público a possibilidade de brincar de Deus: numa lâmina circular, ligada eletricamente a um computador, encontravam-‐se bactérias geneticamente modificadas, que se multiplicavam mais ou menos de acordo com o comando que o visitante desse no computador. (Conheça mais trabalhos de Kac em seu site: http://www.ekac.org/kac2.html).
Também as fronteiras entre arte e cotidiano tendem a ser apagadas. O músico brasileiro Loop B compõe para instrumentos tão inusitados como uma furadeira e um escapamento de carro (escute aqui seu Samba da Furadeira: http://www.youtube.com/watch?v=9o17mOsFaTM). Os artistas franceses Christo e Jean-‐Claude, por sua vez, usam edifícios existentes como base de suas instalações: embrulharam com tecidos coloridos o parlamento alemão de Berlim e uma ponte famosa em Paris, por exemplo (veja outros de seus projetos faraônicos acessando: http://www.christojeanneclaude.net/).
Figura 13. Pont Neuf, a ponte mais antiga de Paris, embrulhada por Christo e Jean-‐Claude, em 1985. Foto de Wolfgang Volz, disponível no site oficial dos artistas: http://www.christojeanneclaude.net/projects/the-‐pont-‐
neuf-‐wrapped#.Ufh9C6w9XTo)
Às vezes o artista contemporâneo é parte integrante da obra. A dupla britânica Gilbert e George já expôs a si própria, em um pedestal de uma galeria londrina, com o título “Living sculptures” (“esculturas vivas”). A norte-‐americana Cindy Sherman pinta e fotografa a si mesma, ao longo da vida, metamorfoseando sua aparência sem cessar (conheça mais sobre o trabalho de Cindy Sherman em cima de sua própria imagem no site da artista: http://www.cindysherman.com/art.shtml). A performer ioguslava Marina Abramovic, durante uma retrospectiva de sua obra no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 2010, ficou sentada numa cadeira durante 3 meses, concedendo atenção a cada estranho que sentasse à sua frente, pelo tempo que quisesse (leia uma reportagem sobre Marina Abramovic na Revista Bravo!: http://bravonline.abril.com.br/materia/ficamos-‐cama-‐dez-‐dias-‐seguidos#image=abramovic-‐05-‐p).
Há ainda quem leve a arte para fora das instituições, como Andy Goldsworthy. O artista escocês faz composições com elementos orgânicos encontrados em seus passeios
pela natureza: galhos, folhas amareladas do outono, pedras, neve. Constrói, com eles, desenhos, estruturas geométricas, espirais, labirintos. Algumas das criações são efêmeras, pois são destruídas pelo vento, pelas chuvas, pelo mar e pelo tempo – razão pela qual o artista lança mão de registros fotográficos. Outras são vistas por poucas pessoas, que passam por acaso no local.
Figura 14. “Glasgow Pollock Gardens”, 1986, de Andy Goldsworthy. Publicado no site: http://www.goldsworthy.cc.gla.ac.uk/
O teatro contemporâneo Como já se afirmou, aquilo que vem sendo discutido com base nas artes visuais
encontra equivalências nos demais campos artísticos contemporâneos. Nas artes cênicas, por exemplo, fortaleceu-‐se, nas últimas décadas do século XX, o chamado teatro pós-‐dramático, que relegou ao segundo plano elementos teatrais convencionais, como a imitação da realidade, o primado do texto e a construção dos personagens. Propôs também o fim da hierarquização entre os recursos e elementos teatrais, ou seja, iluminação, cenografia, interpretação, texto, espaço cênico, trilha sonora passam a ter todos a mesma importância.
No teatro contemporâneo, a pretensão de comunicar uma mensagem à plateia, unilateralmente, é substituída pela ideia de compartilhar e de provocar novas experiências nos atores e no público. Não se busca mais um final conclusivo, nem se acredita mais em um caminho único de interpretação da peça. A percepção proposta pelo teatro pós-‐dramático é aberta e fragmentária. E, da mesma forma que nas artes visuais, temos, cada vez mais, obras criadas especialmente para os locais em que serão encenadas – chamadas site specific. As montagens teatrais têm saído das quatro paredes das casas de espetáculos e estabelecido diálogos intensos, tanto com os novos espaços escolhidos, como também com o público, chamado a ser parte da obra teatral.
Um dos principais teóricos do teatro pós-‐dramático, Hans Lehmann, explica:
O teatro procura uma arquitetura ou então uma localidade não tanto porque o “local” corresponda particularmente bem a um determinado texto, mas sobretudo porque se visa que o próprio local seja trazido à fala por meio do teatro. (...) O espaço se torna co-‐participante, sem que lhe seja atribuída uma significação definitiva. Mas em tal situação também os espectadores se tornam co-‐participantes. (LEHAMNN, HANS-‐THIES. Teatro pós dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007: p. 281-‐282)
A companhia Teatro da Vertigem oferece uma excelente ilustração desse tipo de
proposta. Já realizou espetáculos dentro de um presídio, dentro de um hospital, em barcos navegando sobre o Rio Tietê (!) e, em 2012, foi a vez das ruas do Bom Retiro, no centro de São Paulo. Trata-‐se de um bairro marcado por sucessivas levas imigratórias: italianos e judeus no passado, coreanos e bolivianos no presente. E também de um distrito voltado à indústria têxtil e ao comércio no atacado. Marcas dessas culturas e da atividades econômica estão em suas ruas, nas placas dos estabelecimentos em outras línguas, nas sinagogas, na arquitetura com pé direito alto para abrigar máquinas etc. E foi essa a matéria-‐prima do espetáculo “Bom Retiro, 958 metros”.
O título do espetáculo vinha da distância que o público percorria a pé, passando por galerias comerciais, vielas, cruzamentos e por um teatro abandonado. O cenário ia sendo montado nas calçadas, no asfalto e nas vitrines de lojas, de forma surpreendente e muito bem coordenada. Os atores, cuja interpretação se inspirou em leituras históricas e pesquisa de campo com os habitantes do local, muitas vezes se confundiam com crackômanos que vivem na região, judeus ortodoxos que ainda circulam por aí, ou costureias bolivianas ilegais. Da mesma, forma, em meio ao público não dava para ter certeza quem era quem. Pessoas que não haviam comprado ingressos se somavam ao séquito que caminhava pela noite do Bom Retiro. Ônibus paravam nas ruas para assistir a trechos das cenas que estavam acontecendo nas calçadas. O texto não era linear e os personagens eram apenas tipos. Durante duas horas, ficavam suspensos os limites entre arte e cotidiano, público, atores e moradores do bairro, passado e presente, realidade e ficção.
Figura 15. Cena da peça “Bom Retiro, 958 metros”, encenada pelo Teatro da Vertigem, em 2012. Foto de Nelson Kao, publicada no site da companhia: http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index2.php
Enfim, se os artistas contemporâneos não se engajam em movimentos partidários, nem por isso deixam de abordar questões sociais e políticas. Fazem-‐no, contudo, de outro forma. Tematizam questões transversais, como relações de gênero, racismo, problemas ambientais e urbanísticas. A próxima e última sessão tratará desse aspecto da produção contemporânea. Antes, porém, serão discutidas as diversas formas de relação entre arte e contexto social.
O social na arte e a arte no social
Lições da história social da arte A arte é uma esfera específica dentro do vasto universo da cultura. Possui regras e
motivações próprias, mas, ao mesmo tempo, está embebida no contexto social em que é produzida e apreciada. O artista cria aquilo que o estimula intelectualmente, aquilo que brota de seus gestos, inquietações pessoais e de sua imaginação. Simultaneamente, está submetido a restrições e determinações externas de diversos tipos: os materias disponíveis, o tempo de que dispõe, as tendências artísticas do momento, turbulências políticas, exigências do patrocinador, limites morais de sua época, entre outras.
Mesmo os pintores renascentistas, que costumam ser tomados como ícones da genialidade artística, produziam em constante negociação com seus mecenas. Para entender o grau de liberdade na pintura do Quatrocentos (século XV), o historiador Michael Baxandall, autor de O olhar renascente, pesquisou como era a relação entre os artistas e os mecenas, ou seja, quais as exigências – tamanho da tela, temas mais valorizados – e as condições – prazo, pagamento – impostas pelos mecenas aos artistas. Baxandall tentou também desvendar, por meio de documentos e desenhos da época, como era o olhar de uma pessoa ao admirar uma pintura no século XV – de que maneira se representavam as emoções pela fisionomia, quais as cores consideradas mais nobres naquele tempo, quais os motivos que provocavam escândalo e assim por diante.
A partir das informações que reuniu sobre a maneira de trabalhar dos artistas renascentistas e sobre as expectativas de seu público, abriram-‐se novas possibilidades de compreender e interpretar as obras de arte do Renascimento. Todos os pintores trabalhavam sob encomenda de seus mecenas. No contrato entre as duas partes, constavam cláusulas rígidas estabelecendo data da entrega, pagamento, temas – em geral religiosos – a serem priorizados, proporções da obra e tipo de moldura. Recomendava-‐se, acima de tudo, o uso de pigmentos preciosos: cores à base de ouro, prata e, sobretudo, o azul ultramarino, a cor mais rara e a mais difícil de obter naquela época. A importância dessas três cores, sinal de opulência do mecenas que financiara a obra, passa despercebida para nós, no século XXI. Baxandall descobriu, a partir da leitura de documentos de época, que esse era um dos aspectos da produção pictórica que mais suscitava admiração e inveja no Quatrocentos. Em outras palavras, a história da arte nos ensina que as obras só adquirem sentido pleno quando vistas à luz da constelação histórica, social e cultural em que foram criadas.
Figura 16. Detalhe da pintura “Visitação”, cerca de 1491, de Domenico Ghirlandaio. Tela pertencente ao Musée
du Louvre. Imagem disponível em: http://earlychurchfathers.org/fullcircle/index.php?m=08&y=09&entry=entry090820-‐234240
Vejamos agora um exemplo bem distinto de como o contexto – agora político – pode
impactar na criação artística. No Brasil, entre 1964 e 1984, a ditadura militar espionou e censurou todos os domínios da vida cultural. Isso gerou episódios tragicômicos, como quando um agente da censura prendeu uma pessoa por ela estar lendo A capital, de Eça de Queiroz – o agente confundira esse romance com o tratado anticapitalista O capital, de Karl Marx. Para driblar essa censura, alguns compositores de MPB incluíam, em seus textos, mensagens cifradas e críticas veladas ao governo.
Leia abaixo as primeiras estrofes da canção Cálice, uma coautoria de Chico Buarque com Gilberto Gil, de 1973, e escute a canção, interpretada por Chico Buarque e Milton Nascimento, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=PvGlxX8CUi8.
Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor e engolir a labuta? Mesmo calada a boca resta o peito Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada, prá a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa (...)
O refrão dessa canção contém uma ambiguidade. Embora “cálice” esteja grafado com “c” e em uma única palavra, quem escutava a música, naquela época, provavelmente pensasse em “cale-‐se”. Nesse caso, “afaste de mim esse cálice” corresponderia a “chega de censura”. Os militares perceberam a artimanha e desligaram os microfones em uma das primeiras vezes em que Chico Buarque e Gilberto Gil iam apresentar a canção em público.
O restante da letra traduz a dificuldade de aguentar em silêncio a repressão, a amargura de ter de continuar vivendo e trabalhando nesse clima. Ainda assim, a letra da música ressalta que “mesmo calada a boca”, ou seja, mesmo que a livre comunicação esteja impossibilitada, “resta o peito”, o coração, a capacidade de sentir. Esse verso remete a um fato mais geral: mesmo sob condições sociais, políticas e econômicas extremas, os artistas não deixam necessariamente de criar. Inspiram-‐se na própria dor para construir utopias. Mantêm vivo o poder libertário, contestatório e humanizador da arte. E não se trata somente de uma necessidade de expressão pessoal do artista. Manter as artes vivas, mesmo em circunstâncias adversas, alimenta o conjunto da sociedade, que, por meio da arte, desenha seu desejo de futuro.
Lições da sociologia da arte A sociologia da arte também revela a influência de fatores externos na confecção e na
apreciação de uma obra de arte – fatores que independem da qualidade estética dos objetos. Para a maioria dos sociólogos, a arte deve ser entendida como produto social, um reflexo do
que acontece em outras esferas da sociedade. Segundo a perspectiva sociológica, não é possível analisar o trabalho de um artista sem estudar a sociedade em que ele vive. Como foi sua aprendizagem? Com que intenção produziu aquela obra? Em quais modelos e padrões se baseou? A qual movimento ou grupo artístico pertenceu ou se opôs? Como foi a recepção de sua obra por parte dos críticos e do público, em sua época? Tudo isso interessa muito mais ao sociólogo do que o fato de uma obra ser tecnicamente sofisticada.
Um outro aspecto importante levantado pela sociologia da arte são os fatores que influenciam no consumo e na recepção da arte. Pierre Bourdieu, um dos mais importantes sociólogos do século XX, entrevistou centenas de visitantes de museus, a fim de identificar quem era exatamente o público das exposições europeias. O primeiro dado impressionante que divulgou em seu livro L’amour de l’art (O amor pela arte), na década de 1960, foi que a diferença na taxa de frequência anual de museus entre um trabalhador manual e um professor era da ordem de 300 vezes!
Ora, não se pode acreditar ingenuamente que exista uma “propensão natural” para as artes ou que certas pessoas tenham mais “bom gosto” do que outras. Na verdade, o suposto “gosto pela arte” depende de aprendizagem e das oportunidades ao longo da vida. As estatísticas pioneiras de Bourdieu comprovam que o número de vezes que uma pessoa vai a uma exposição – e o mesmo valeria para qualquer outro equipamento cultural – é diretamente proporcional ao nível de escolaridade, à camada social a que pertence e a sua ocupação profissional. Põem em xeque, também, a ideia de que as diferenças nas atitudes e escolhas do público se devam a predisposições naturais -‐ o "bom ouvido", o feeling etc..
Ao analisar a lógica que rege o consumo e as práticas culturais, Pierre Bourdieu cunhou uma noção-‐chave para o gestor cultural: “capital cultural”. O conceito é esboçado em seu livro O Amor Pela Arte (1966) e explicitado em A Distinção (1979). Trata-‐se de uma riqueza simbólica desigualmente distribuída, que é acumulada e transmitida de geração em geração, traz poder a seus detentores e suscita o desejo – consciente ou não – de se distinguir dos demais por meio de atitudes “típicas” de um conhecedor.
Segundo Bourdieu, o “capital cultural” pode aparecer sob três formas diferentes: como habitus cultural, quando é fruto da socialização, e garante a alguém saber falar bem em público ou se sentir à vontade em uma ópera, por exemplo; como forma objetivada, presente em bens culturais como livros, quadros, discos etc.; sob a forma institucionalizada, contida nos títulos escolares e vinculada ao mercado de trabalho. Vale destacar que não necessariamente o “capital cultural” está associado ao capital econômico. Muitas vezes, grupos menos privilegiados do ponto de vista financeiro são os maiores detentores do “capital cultural”. O fato é que o montante e a natureza do “capital cultural” possuído pelos diferentes agentes sociais têm relação direta com suas preferências estéticas e aquisições culturais.
Bourdieu argumenta que os indivíduos fazem um uso estratégico do gosto, manejando sua destreza linguística e estética como maneira de se demarcar socialmente de grupos com menor “capital cultural” e de obter reconhecimento simbólico e prestígio. Nessa lógica, o consumo cultural e o deleite artístico podem ser acionados como forma de
distinção, ou seja, a familiaridade com bens simbólicos traz, consigo, associações como "competência", "educação", "nobreza de espírito" e "desinteresse material". E o cruel é que a divisão da sociedade entre "bárbaros" – incapazes de se deleitar com uma bela sinfonia ou uma pintura expressionista – e "civilizados" – eruditos e dotados de “bom gosto” – acaba justificando o monopólio dos instrumentos de apropriação dos bens culturais por parte desses últimos.
As análises de Pierre Bourdieu sobre arte e cultura repercutiram muito além da universidade. As instituições culturais e os arte-‐educadores passaram a não mais falar de um público no singular, abstrato, mas de públicos no plural, com competências e repertórios diferenciados. Os museus franceses foram levados a repensar suas estratégias de comunicação, dando origem a um dos principais instrumentos da política cultural francesa. Desde 1974, o governo encomenda levantamentos estatísticos periódicos sobre a vida cultural das regiões, para um relatório intitulado Les pratiques culturelles des français. São estimados, para cada faixa etária e categoria socioprofissional, o número médio de idas a museus, de frequência ao cinema e ao teatro, de visitas a monumentos históricos, a prática amadora de modalidades artísticas, entre outros indicadores. A partir daí, delineiam-‐se as estratégias e prioridades do Ministério da Cultura para os anos seguintes. Inspirados por essa experiência francesa, nos últimos dez anos, no Brasil, também começaram a ser realizados estudos e pesquisas sobre práticas artísticas, preferências de consumo cultural e frequência aos equipamentos culturais, como forma de nortear a formulação de políticas públicas para o setor. (Leia a esse respeito o artigo “Conhecer para atuar”, sobre pesquisas na área cultural realizadas recentemente no Brasil: http://issuu.com/itaucultural/docs/observatorio_13_arte_politicas_publicas).
Impactos da produção artística na sociedade Da mesma maneira que a arte é fruto do contexto no qual é criada, no sentido
inverso, ela também ajuda a conformar a realidade social. Em primeiro lugar, porque destaca certos aspectos que, de outra forma, passariam despercebidos para nós. Em segundo lugar, porque estimula nosso senso crítico e nossos horizontes intelectuais. Em terceiro lugar, porque revela que há muitas outras possibilidades – de viver, de conviver, de interpretar – além daquelas às quais estamos acostumados.
Existe uma vertente da arte contemporânea que se interessa particularmente pelo ativismo e pela interação com populações em situação de vulnerabilidade. Uma primeira ilustração disso foi a participação de coletivos artísticos junto aos moradores que ocuparam o Edifício Prestes Maia, no centro de São Paulo, de 2003 a 2007. Eram 468 famílias ao todo, que criaram regras de higiene e convivência e constituíram uma biblioteca com acervo de 15 mil livros. Os moradores do Prestes Maia acabaram sendo despejados pela Prefeitura de São Paulo – ainda que o proprietário do edifício, completamente abandonado, devesse R$ 5.800.000 de IPTU, que não pagou até hoje. A comunidade Prestes Maia colaborou com
coletivos de artistas em projetos como a excursão à casa do então sub-‐prefeito Andrea Matarazzo e a realização de apresentações musicais dentro do prédio. Foi também em parceria com artistas que os moradores colocaram cartazes com a palavra “dignididade” em frente à fachada e às entradas do edifício, no dia em que a polícia foi realizar a desocupação, com presença da mídia. As forças de desocupação, evidentemente, tiveram que derrubar os cartazes estampando “dignidade”.
Em meados de 2003, artistas independentes e coletivos de arte foram adentrando os espaços do Prestes Maia, iniciando uma alteração da identidade e da realidade do local. Para os artistas, portas abertas nos prédios. Eles ficaram conhecidos dos moradores e trabalhavam também pela melhoria das condições de vida e, principalmente, pela recuperação de valores e da dignidade à qual cada uma daquelas famílias tinha direito. A arte se misturou com o ativismo que era combustível para as manifestações pessoais e coletivas que ocorriam nas mais diferentes formas, nos mais diferentes canais; uma espécie de guerrilha cultural. (MESQUITA, Diogo. Arte e ativismo. Site da Revista Problemas Brasileiros: http://www.revistabrasileiros.com.br/2013/03/06/arte-‐e-‐ativismo/)
Outro caso interessante é o do JAMAC – Jardim Miriam Arte Clube, uma associação
fundada em 2004 pela artista visual Mônica Nador, juntamente com moradores de um dos bairros mais violentos de São Paulo. Ali, ocorrem sessões de cinema, oficinas de animação e debates. O principal projeto do JAMAC, chamado “Paredes Pintadas”, consiste em oferecer oficinas de stêncil, para que os participantes apliquem grafismos sobre diferentes superfícies, de camisetas às paredes do bairro (conheça mais sobre o JAMAC aqui: http://jamacarteclube.wordpress.com/.)
Figura 17. Ex-‐aluno da oficina de stêncil do JAMAC decorando o muro de sua casa. Foto publicada no site do JAMAC: http://jamacarteclube.wordpress.com/2012/05/23/oficina-‐gratuita-‐de-‐estencil/jamac-‐jardim-‐miriam-‐
arte-‐clube-‐trabalhos-‐feito-‐por-‐ex-‐alunos-‐14/
Graças à grande habilidade de pintar com máscaras de stêncil que se disseminou ali, o bairro mudou sua cara. Cada família pintou as fachadas e os comôdos de sua residência como quis. Os egressos das oficinas passaram a vender camisetas e tecidos estampados. E o projeto chegou a ser convidado para a 27ª. Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Conforme explica o crítico e pequisador Miguel Chaia:
O JAMAC foi criado e vem se realizando com o objetivo de superar um tipo de arte por uma outra perspectiva de arte, sem que a sua autonomia seja afetada. (...) Esse projeto não é impessoal, pois, mesmo sendo uma associação o JAMAC é resultado do esforço de uma artista, Mônica Nador. Não se trata de um coletivo em ativismo político programático, partidário ou ideológico, mas, sim, de uma concepção estética realizada tendo em vista opor-‐se à cisão arte-‐comunidade. É uma reação à arte que quer ser imune à realidade circundante. Trata-‐se, portanto, de uma artista que se posiciona na complexa polêmica sobre o sentido e o destino da arte, numa sociedade capitalista e, no caso brasileiro, geradora de graves desigualdades sociais. Pode-‐se, então, dizer que Nador investe contra as instituições artísticas e contra a modernidade, buscando a unidade perdida entre arte-‐sociedade. (...) (CHAIA, Miguel. JAMAC -‐ a arte entre a autonomia e a instrumentalização. Disponível em: http://www.pucsp.br/neamp/artigos/artigo_81.html)
No Rio de Janeiro, um exemplo emblemático é o trabalho que Vik Muniz realizou no lixão de Jardim Gramacho, que ficava em Duque de Caxias, e hoje já não existe mais. Vik fazia fotos dos catadores que trabalhavam lá e, depois, projetava-‐as no chão do aterro, em grandes dimensões. As imagens eram então preenchidas, utilizando-‐se material reciclável e depois eram novamente fotografadas. Resultavam do processo retratos coloridos e impactantes dos catadores, feitos da mesma matéria-‐prima de seu trabalho. Esse trabalho de Vik Muniz está documentado no vídeo “Lixo Extraordinário” (cujo trailer você pode visualizar aqui: http://www.lixoextraordinario.net/trailer.php). O documentário chegou a ser indicado ao Oscar em 2011. Os retratos dos catadores foram expostos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 2009, obtendo grande visitação. E foram leiloados em Londres, na presença de Tião Santos, um dos catadores. Os depoimentos dos envolvidos no projeto deixam claro que aquela experiência foi transformadora para eles, fazendo-‐os ver com outros olhos as potencialidades da arte, bem como seu próprio papel na sociedade.
Figura 18. Retrato de catadora sendo preenchido com material reciclável, dentro do projeto desenvolvido por Vik Muniz no aterro sanitário do Jardim Gramacho. Foto publicada no site do projeto:
http://www.lixoextraordinario.net/galeria.php
A atuação dos Doutores da Alegria, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Recife, é outra
iniciativa bem-‐sucedida que combina a prática artística com objetivos sociais. Em 1991, o ator Wellington Nogueira fundou a organização Doutores da Alegria, inspirado por um trabalho que conhecera em Nova York. A metodologia consiste em levar duplas ou trios de palhaços profissionais – auto-‐intitulados “besteirologistas” – para visitar alas pediátricas de hospitais. Os atores passam por uma seleção e por treinamentos cuidadosos, e suas cenas são improvisadas de modo a tornar mais leve o ambiente hospitalar, acelerar a recuperação dos doentes e, ao mesmo tempo, divulgar a linguagem do clown. Em cada cena, são levadas em consideração as condições dos pacientes daquele quarto, respeitados os limites individuais e as rotinas hospitalares. (Assista aqui ao trailer do gracioso documentário “Doutores da Alegria”: https://www.youtube.com/watch?v=EylkUOqmJjI)
Se por um lado os Doutores da Alegria melhoram a atmosfera dos hospitais que visitam e diminuem o tempo de alta médica das crianças, numa verdadeira contribuição para a saúde pública, por outro lado eles se preocupam com a qualidade do trabalho artístico que apresentam. Realizam oficinas de criação, mantêm grupos de pesquisa, fazem avaliações periódicas de seu trabalho. Para garantir a sustentabilidade da iniciativa, contam com fontes de recursos variadas, como patrocínios, venda de produtos com sua marca, apresentações de espetáculos para empresas e cursos para formação de palhaços.
A Ocupação Prestes Maia, o Jardim Miriam Arte Clube -‐ JAMAC, o projeto de Vik Muniz com os catadores e o trabalho dos Doutores da Alegria, apresentados acima, são iniciativas distintas entre si, mas compartilham o uso da arte como ferramenta para se atingirem outros objetivos, aliando a dimensão estética, a política e a social. Entretanto, é importante ressaltar que o poder transformador da arte não reside somente em sua capacidade de gerar efeitos positivos concretos, tais quais a geração de renda, o fortalecimento identitário ou a denúncia de injustiças.
Arte e transformação Independentemente de quaisquer impactos sociais, políticos e econômicos dos
trabalhos artísticos, a arte, por si só, amplia nosso horizonte de possibilidades; apura nossa sensibilidade; lapida nossa capacidade de nos expressar e de interpretar a realidade à nossa volta. Por meio da arte, damos forma a nossas experiências interiores, conseguimos expressar e contemplar nossas emoções.
Nas palavras de Ernst Fischer, autor de A necessidade da arte: Pelo simples fato de descrever sentimentos, relações e condições que não haviam sido descritas anteriormente, o artista canaliza-‐os de seu EU isolado para um NÓS. (...) A arte pode elevar o Homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total. Ela capacita o Homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-‐la, como a transformá-‐la”. (FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1983.)
Um filme da diretora francesa Agnes Jaoui, de 2001, chamado “Le Goût des Autres”
(“O Gosto dos Outros”), aborda diversos assuntos discutidos ao longo dessa disciplina, entre eles a transformação de um indivíduo por meio do contato com a arte. A primeira cena do filme é um almoço de negócios, em que o protagonista, senhor Castella, parece desinteressado ou aborrecido. Na volta do almoço, já no carro, a Sra. Castella lembra ao marido que naquela noite irão ao teatro ver uma sobrinha dele atuando na peça “Berenice”. Imediatamente, o Sr. Castella faz uma cara feia e diz “Que chato, o que vamos fazer num teatro???”. Porém, uma das últimas cenas do filme vai no sentido contrário: vemos o Sr. Castella na platéia, aplaudindo emocionado a estréia de uma nova peça de teatro. Isso convida a uma rápida leitura do filme pautada na transformação das pessoas por meio da paixão e da arte.
Sem dúvida, o amor que o personagem principal desenvolve por sua professora de inglês, que é também atriz na peça “Berenice”, tem grande parte da responsabilidade pelo aumento de seu interesse pela arte em geral. Mas a “alfabetização” cultural do protagonista se dá também por outros canais. Antes do início da história de amor pela atriz, na primeira vez em que o rabugento Sr. Castella assiste à peça “Berenice”, ele já está se deixando seduzir pelo teatro e, no final, diz a sua sobrinha, figurante na peça, que gostou do espetáculo. Depois, vai a um vernissage apenas para acompanhar a atriz por quem está encantado, mas acaba gostando de um quadro e adquirindo-‐o. Quanto mais o Sr. Castella se abre para novas experiências, mais seu universo interior parece se enriquecer; quanto mais é exposto à fruição cultural, mais prazer sente com ela. Já a esposa do Sr. Castella, fechada em seu universo de decoração kitsch e atitudes consumistas, nem aprecia o teatro, nem aceita o quadro adquirido pelo marido. Resultado: separação.
O motorista do casal Castella também passa por uma transformação em sua relação com a prática artística. Ao longo do filme, aparece ensaiando sofrivelmente com sua flauta
transversal para esquecer as saudades da namorada que foi para os Estados Unidos. Na cena final, vemos justamente esse personagem tocando flauta numa orquestra, orgulhoso. A diretora do filme parece querer provocar o espectador a pensar sobre o quanto as diferentes linguagens artísticas podem tocar os seres humanos de forma profunda e sobre o papel transformador da cultura. Sugere ainda que nem o gosto, nem o talento dependem exclusivamente de dotes naturais, mas devem muito ao repertório das pessoas e ao contato que puderam ter com as diversas criações artísticas.
Encerramos aqui nosso percurso de reflexão sobre Arte e Sociedade. Ou, talvez, ele esteja apenas se iniciando. Afinal, o poder da arte é infinito e imprevisível.
O poder da arte é o poder da surpresa perturbadora. Mesmo quando parece imitativa, a arte não reproduz o que há de conhecido no mundo visível, mas o substitui por uma realidade que é toda dela. Além de representar o belo, cabe-‐lhe destruir o banal. (...) É como se nosso aparelho sensorial tivesse passado por uma regulagem. Assim, não surpreende que, às vezes, fiquemos zonzos” (SHAMA, Simon. O poder da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2010: p. 11).
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