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Ação Penal 694 Mato Grosso
Relatora : Min. Rosa Weber
Revisor : Min. Roberto Barroso
Autor(a/s)(es) : Ministério Público Federal
Proc.(a/s)(es) : Procurador-geral da República
Réu(é)(s) : Paulo Fernando Feijó Torres
Adv.(a/s) : Marcelo Luiz Avila de Bessa e Outro(a/s)
EMENTA: DIREITO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.
CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, FRAUDE À
LICITAÇÃO. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM ABSTRATO.
CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E LAVAGEM DE
DINHEIRO. CONDENAÇÃO.
1. Os crimes de associação criminosa e de fraude à
licitação encontram-se prescritos pela pena em
abstrato, impondo-se a extinção da punibilidade.
2. Encontram-se comprovadas a materialidade e a
autoria dos crimes de corrupção passiva e lavagem de
capitais.
3. Pretensão punitiva estatal julgada parcialmente
procedente.
4. Em se tratando de pena privativa de liberdade,
em regime fechado, por prazo superior ao restante
para a conclusão do mandato, sua perda se dá como
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resultado direto e inexorável da condenação, sendo a
decisão da Câmara dos Deputados vinculada e
declaratória, na linha do que afirmei no MS
32.326/DF, sob minha Relatoria.
RELATÓRIO:
1. Trata-se de ação penal ajuizada, na origem, pelo Ministério Público
Federal do Estado do Mato Grosso em face do Paulo Fernando Feijó
Torres, imputando-lhe a prática dos delitos previstos nos arts. 288 e 317
§1º do Código Penal, no art. 1º, V e VII, da Lei nº 9613/1998 e no art. 90 da
Lei 8.666/93.
2. O caso é um desmembramento da denominada Operação
Sanguessuga, em que se investigou desvio de recursos públicos por
prefeituras municipais mediante aquisição superfaturada de veículos. As
licitações fraudadas beneficiavam empresas ligadas ao Grupo Planam,
controlado por Darci José Vedoin e Luiz Antônio Trevisan Vedoin.
3. Segundo a denúncia, o réu teria recebido propina entre 2001 e 2003,
por intermédio de depósitos nas contas-correntes de Ricardo Jardim do
Amaral Mello (assessor e chefe de gabinete do réu), Daniela Rode
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Guimarães (mulher de Ricardo), Marco Antônio Lopes (intermediário em
Brasília a serviço da organização criminosa) e Zeila Cardoso de Mello
(ligada a Ricardo). A denúncia também aponta a amortização de um
empréstimo no valor de R$ 15.000,00 junto a Ivanildo da Silva Cordeiro,
saldado em benefício do réu mediante transferência bancária efetuada
pela empresa Klass Comércio e Rep. Ltda, pertencente ao grupo Planam e
beneficiária das licitações fraudadas. Os repasses descritos pela denúncia
totalizam R$ 544.919,45 (quinhentos e quarenta e quatro mil, novecentos e
dezenove reais e quarenta e cinco reais).
4. A denúncia atribui ao acusado os seguintes fatos: (i) que ele teria se
comprometido a apresentar emendas ao orçamento destinadas à
aquisição de unidades móveis de saúde para Municípios do Estado do
Rio de Janeiro integrantes de sua base eleitoral, em contrapartida ao
recebimento de propina (ii) que as licitações para aquisição das unidades
móveis, vencidas por empresas vinculadas ao grupo Planam, teriam sido
fraudadas (iii) que o recebimento de propina ocorreu por intermédio de
contas-correntes de terceiros conectados aos crimes.
5. A denúncia foi recebida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção
Judiciária do Mato Grosso em 06 de agosto de 2007 (fls. 15)
6. Na origem, o réu foi citado e interrogado (fls. 1088/1090, volume 5)
e apresentou defesa prévia (fls. 1091/1095). As testemunhas de acusação e
de defesa foram ouvidas (fls. 1.105-1.110, 1.152-1.158, 1.224-1.227, 1.243,
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1.263, 1.275, 1.282, 1.286, 1.290) e o acusado foi interrogado novamente
(fls. 1.422-1.424, volume 6).
7. Em razão da diplomação do réu como Deputado Federal, o Juízo
da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso declinou da
competência para este Supremo Tribunal Federal, onde distribuído o feito
à Exma. Srª Ministra Rosa Weber.
8. Após manifestação ministerial (fls. 1554/1558), a Relatora, às fls.
1069/1073: (i) julgou válidos os atos processuais até então praticados e (ii)
determinou renovação da quebra de sigilo bancário de Paulo Fernando
Feijó Torres, Ricardo Jardim do Amaral Mello, Daniela Rode Guimarães
Melo, Zeila Cardoso de Melo e Ivanildo da Silva Cordeiro.
9. Na fase do art. 10 da Lei nº 8038, o Procurador-Geral da República
nada requereu, ao passo que a Defesa requereu: (i) expedição de ofícios
ao juiz da Seção Judiciária do Mato Grosso para que encaminhasse cópia
da sentença proferida no processo nº 2006.36.00.012426-6 e ao TCU para
que encaminhasse cópia da Tomada de Contas 020.526/2009-5. Ambos os
requerimentos foram indeferidos pela Relatora, encerrando-se a instrução
processual.
10. Em alegações finais, o Procurador-Geral da República pugnou pela
condenação do réu pelos crimes dos arts. 288 e art. 317, § 1º, ambos do
Código Penal, e 1º, V e VII, da Lei nº 9613/98, comprovados, no seu
entender, materialidade e autoria dos delitos.
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12. A Defesa, em sede de alegações finais, aduziu: (i) inépcia da
denúncia, tendo em vista a ausência da necessária descrição das supostas
condutas imputadas ao réu; (ii) ausência de prova de que o acusado tenha
recebido qualquer valor pela liberação das emendas (iii) negativa de
titularidade dos valores depositados em contas de terceiros (iv)
inexistência de provas quanto à solicitação/recebimento de vantagem por
parte do acusado (v) desconhecimento por parte do réu sobre a origem
ilícita das quantias depositadas; (vi) que o réu jamais interferiu em
decisões licitatórias; (vii) que não há provas de que o réu tenha se
vinculado a qualquer pessoa com a intenção de praticar delitos; (viii)
inexistência de prática de ato ilícito apto a tipificar a corrupção passiva.
Requereu sua absolvição
13. É o relatório.
VOTO:
O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso (Revisor):
I. PRELIMINARES: PRESCRIÇÃO E INÉPCIA DA DENÚNCIA.
1. De início, com relação aos crimes de associação criminosa
(quadrilha, à época dos fatos), previsto no art. 288 do CP e fraude à
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licitação, previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, verifico a ocorrência da
prescrição da pretensão punitiva estatal.
2. A pena máxima cominada aos delitos dos arts. 288 do CP e 90 da
Lei 8666/93 é, respectivamente, de 03 (três) e 04 (quatro) anos, de modo
que a prescrição ocorre em 08 (oito) anos (art. 109, IV do CP). A denúncia
foi recebida em 06 de agosto de 2007 e não ocorreu outro marco
interruptivo da prescrição da pretensão punitiva estatal. Deste modo,
verificado o decurso de mais de 08 (oito) anos desde o último marco
interruptivo do lapso prescricional, reconheço e pronuncio a prescrição
em relação aos crimes previstos nos arts. 288 do CP e 90 da Lei 8666/93.
3. Com relação ao crime de lavagem de dinheiro, previsto no art. 1º da
Lei nº 9613/98, é necessário observar que, à época dos fatos, ainda vigiam
os incisos do referido artigo, que estabeleciam rol taxativo de crimes
antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro. Por este motivo, o réu foi
denunciado pela prática dos crimes do art. 1º, V e VII, da Lei nº 9613/98.
De outro lado, não observo maior relevância neste fato, já que a pena não
foi alterada.
4. Este o quadro, resta hígida a pretensão punitiva estatal com
relação aos delitos de lavagem de capitais (art. 1º da Lei nº 9.613/1998) e
de corrupção passiva, na forma majorada (art. 317 c.c § 1º do Código
Penal).
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5. Quanto à preliminar de inépcia da denúncia, a orientação
jurisprudencial do Tribunal é no sentido de que o exame de sua
admissibilidade se limita à existência de substrato probatório mínimo e à
validade formal da inicial acusatória (CPP, art. 41). Nesse sentido, o INQ.
1926, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie; e o INQ. 2449, Rel. Min. Ayres Britto.
6. Nestes termos, a denúncia foi formulada de modo claro e permitiu
ao acusado o pleno exercício do direito de defesa durante a instrução
criminal. Os elementos de funcionamento dos fatos delituosos, com a
menção expressa à sua mecânica, bem como a atuação do denunciado,
estão descritos na denúncia. O Parquet afirma que o acusado se utilizou
do mandato para favorecer proprietários do grupo Planam: apresentou
uma série de emendas parlamentares, obtendo, assim, recursos
provenientes de licitações fraudadas em diversos municípios
componentes de sua base eleitoral. Em contrapartida, recebeu vantagem
patrimonial indevida por métodos de ocultação e dissimulação de
patrimônio. Os crimes teriam ocorrido entre os anos de 2001 e 2003.
7. Esta a descrição dos fatos apresentada, não considero inepta a peça
inicial acusatória e rejeito a preliminar.
II. MÉRITO.
8. No mérito, quanto ao crime de corrupção passiva, o Ministério
Público aponta que acusado teria se utilizado do mandato em favor de
interesses privados do grupo Planam, tendo, como contrapartida, o
recebimento de propina via depósitos nas contas-correntes de Ricardo
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Jardim do Amaral Mello (assessor e chefe de gabinete do réu), Daniela
Rode Guimarães (esposa de Ricardo), Marco Antônio Lopes
(intermediário em Brasília a serviço da organização criminosa) e Zeila
Cardoso de Mello (ligada a Ricardo). A denúncia também descreve a
amortização de um empréstimo no valor de R$ 15.000,00 tomado junto a
Ivanildo da Silva Cordeiro, e saldado em benefício do réu mediante
transferência bancária efetuada pela empresa Klass Comércio e Rep. Ltda,
pertencente ao grupo Planam e beneficiária das licitações fraudadas. Os
repasses referidos na denúncia totalizam R$ 544.919,45 (quinhentos e
quarenta e quatro mil, novecentos e dezenove reais e quarenta e cinco
reais).
9. O recebimento de propinas caracteriza o crime de corrupção
passiva, previsto no art. 317 do Código Penal. Na hipótese de serem
praticados atos de ofício para atender interesses de grupo econômico
privado, aplica-se também a causa de aumento de pena de que cuida o
§1º do referido dispositivo.
10. No caso sob exame, a materialidade é inconteste, e pode ser
comprovada pelos seguintes documentos: (i) Livro-caixa apreendido na
sede do grupo Planam, em que constam os seguintes registros de
pagamento ao acusado: (a) 14/06/2002 - R$ 3.000,00, por intermédio de
Ricardo; (b) 18/06/2002 - R$ 10.000,00, por intermédio de Marco Antônio
Lopes; (c) 20/03/2002 - R$ 2.000,00, por intermédio de Daniela Rode
Guimarães; (ii) documentação “Movimentação”, também apreendida na
sede do grupo Planam, em que constam as seguintes referências ao
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acusado: (a) 14/06/2002 - R$ 3.000,00, por intermédio de Ricardo; (b)
18/06/2002 - R$ 10.000,00, por intermédio de Marco Antônio Lopes (fls.
19-21, volume 1); (iii) perícia, elaborada pela Polícia Federal, nos registros
contábeis do grupo Planam, em que constam as seguintes anotações de
repasses ao acusado: “DEPÓSITO C/C DANIELLA R. GUIMARÃES -
DEP FEIJÓ, 20/03/2002” (fl. 121); “DEPÓSITO C/C RICARDO - DEP.
PAULO FEIJÓ, 14/6/2002, R$ 3.000,00” (fls. 122 e 186) e “DEPÓSITO
MARCO LOPES - DEP. PAULO FEIJÓ, 18/6/2002, R$ 10.000,00” (fl. 122 e
fl. 189; fls. 101-264); (iv) “Documentação apresentada por Luiz Vedoin
como comprovante de pagamentos efetuados ao Parlamentar”, em que
retratadas transferências bancárias (DOC e TED) e depósitos em dinheiro,
efetuadas por empresas ligadas ao grupo Planam (Santa Maria Comércio
e Representações, Klass Comércio e Representações, Frontal Indústria e
Comércio, Planam Comércio e Representações, Manoel Medeiros - ME),
em favor de Daniella Rode Guimarães, Ricardo José Amaral Melo, Marco
Antônio Lopes, Zeila Cardoso de Melo e Ivanildo Cordeiro - ME,
representadas em 20 (vinte) operações (fls. 40-42 do apenso 1); (v)
transferências bancárias (DOC e TED) e depósitos em dinheiro, efetuadas
por empresas ligadas ao grupo Planam (Santa Maria Comércio e
Representações, Klass Comércio e Representações, Frontal Indústria e
Comércio, Planam Comércio e Representações, Manoel Medeiros - ME),
em favor de Daniella Rode Guimarães, Ricardo José Amaral Melo, Marco
Antônio Lopes, Zeila Cardoso de Melo e Ivanildo Cordeiro - ME,
representadas em 22 (vinte e duas) operações (fls. 59-86 do apenso 1); (vi)
relatório de Análise das quebras de sigilo bancário, elaborado pela
Procuradoria-Geral da República (RI Nº 04050/2013 - ASSPA/PGR), que
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atestou 28 (vinte e oito) operações entre empresas ligadas ao grupo
Planam (Santa Maria Comércio e Representações, Klass Comércio e
Representações, Frontal Indústria e Comércio, Planam Comércio e
Representações, Manoel Medeiros - ME) em favor de Daniella Rode
Guimarães, Ricardo José Amaral Melo, Marco Antônio Lopes, Zeila
Cardoso de Melo e Ivanildo Cordeiro - ME (mídia à fl. 1650, volume 7).
11. No que se refere à autoria, existem provas suficientes para embasar
a condenação do réu, indicando sua participação nos fatos acima de
qualquer dúvida razoável. Estas provas consistem, sobretudo, nos
inúmeros depoimentos colhidos e juntados aos autos deste processo.
12. Darci Vedoin e Luiz Vedoin, ambos declararam em juízo que os
recursos recebidos por Paulo Feijó provinham de valores depositados nas
contas-correntes de pessoas indicadas por Ricardo Jardim do Amaral
Mello, assessor parlamentar designado pelo acusado para gerenciar a
“parte burocrática” da trama. (fls. 1105/1106 e 1109/1110, volume 5).
13. As declarações de Ronildo Pereira de Medeiros, por sua vez,
corroboram os depoimentos de Darci Vedoin e Luiz Vedoin no sentido de
que o réu teria realizado acordo com o grupo Planam, por meio do qual
eram pagas comissões sobre o valor das licitações direcionadas (fls.
1107/1108, volume 5).
14. A testemunha Daniela Rode Guimarães, mulher do assessor
parlamentar Ricardo Jardim Amaral Mello e acusada de receber recursos
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por parte de empresas ligadas ao grupo Planam, apresentou em juízo
explicações não muito consistentes quanto aos depósitos efetuados em
sua conta corrente. Disse que conheceu o acusado por intermédio de seu
marido e que nunca teve relacionamento comercial com nenhuma das
pessoas que depositou dinheiro em sua conta. Afirmou, ainda, que seu
marido não tinha explicações de “como a conta dela foi cair na mão dessas
pessoas”. Ocorre que a versão dos fatos dada por Daniela em juízo difere
daquela apresentada na esfera policial, ocasião em que declarou: “QUE
RICARDO afirmou que estava para receber um dinheiro e que havia repassado o
número da conta corrente da interrogada para essas pessoas; QUE a interrogada
deduziu que as pessoas mencionadas por RICARDO estivessem ligadas à
empresa PLANAM; QUE chegou a essa conclusão pois os comprovantes de
depósitos acima estavam com LUIZ ANTONIO VEDOIN” (fls. 89/91, apenso
1). Diante da ausência de justificativa razoável para os depósitos
efetuados em sua conta corrente, fica fortalecida a tese de vinculação
dela, de seu marido e do acusado ao grupo Planam, no sentido de que a
conta de Daniela teria sido utilizada para a consecução do ilícito criminal.
15. A testemunha Ivanildo da Silva Cordeiro, em fls. 1158/1159, afirmou
que o acusado pediu o número de sua conta corrente por intermédio do
assessor Ricardo. Nesta conta, o grupo Planam realizou um depósito de
R$ 15.000,00, utilizado para saldar dívidas da campanha de 2002.
16. As demais testemunhas arroladas pela acusação, apesar de não
fazerem menção expressa aos depósitos, confirmaram o papel de
interlocutor do acusado na destinação das emendas para aquisição das
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ambulâncias via grupo Planam. Nesse sentido, a testemunha Makhoul
Moussalem afirmou que o hospital que dirigia recebeu ambulância via
emenda do acusado. A mesma afirmação foi feita por Benedito Marques,
que, na condição de testemunha, salientou que o acusado entrou em
contato com ele para oferecer pessoalmente as ambulâncias e que enviou
via fax o “plano de trabalho” necessário à aquisição dos veículos (fls.
1156/1157, volume 5).
17. Como se sabe, o direito processual penal não distingue as provas
crítico-lógicas das histórico-descritivas, de modo que a prova indiciária
pode levar à condenação do réu quando corroborada, como no caso sob
exame, pelo conjunto probatório produzido. Neste caso, cabe ao réu
produzir outros elementos de prova que possam desfazer a força
persuasiva da prova produzida em seu desfavor, conforme estabelecido,
por esta Suprema Corte, na AP 481/PA, sob relatoria do Min. Dias Toffoli.
18. Quanto aos elementos de prova produzidos pelo réu, as
testemunhas arroladas pela defesa pouco contribuíram para o
esclarecimento dos fatos, na medida em que nenhuma delas demonstrou
conhecimento sobre o suposto vínculo ilícito entre o acusado e o grupo
Planam.
19. Antes mesmo da oitiva de testemunhas, Paulo Feijó já prestara
declarações a esta Corte. Durante o curso de seu Inquérito, o acusado já
havia negado o recebimento de valores pelo grupo Planam e afirmou
desconhecer a razão pela qual o seu nome consta como beneficiário dos
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pagamentos mencionados, conforme registros verificados no Livro-Caixa
e em planilhas eletrônicas de contabilidade da empresa PLANAM
COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA. Ocorre que, posteriormente, o
acusado foi interrogado por duas vezes e, apesar de continuar negando o
recebimento de vantagens indevidas, apresentou novas justificativas para
a origem dos depósitos suspostamente ilícitos.
20. Quando interrogado, Paulo Feijó afirmou que os valores recebidos
na conta de seu assessor por empresas ligadas ao grupo Planam
advinham do fato de ser credor de um primo seu, de nome Rubens Feijó,
que havia sido cooptado por empresas ligadas ao grupo Planam. Os
valores repassados teriam o fim de quitar dívidas. Sobre o fato do
montante ter sido depositado na conta de seu assessor, esclareceu que era
Ricardo quem fazia o controle dos empréstimos e pagava algumas de
suas despesas pessoais (hospedagem, IPVA). Segundo o réu, parte dos
depósitos foi direcionada a quitar dívidas “contraídas com a aquisição de
um apartamento em Brasília”. Outra parte serviu para amortizar uma
dívida que o acusado tinha com Ivanildo. Informou, por fim, que
desconhece Marco Antônio Lopes e Zeila Cardoso de Melo e que conhece
“de vista” Daniele Rode Guimarães (fls. 1088/1090, volume 5 e 1422/1424,
volume 6). Confrontando estas declarações com aquelas que foram
colhidas na ocasião do Inquérito, observo que o acusado aduziu de modo
conflitante os mesmos fatos.
21. No que concerne especificamente ao argumento de que o corréu
Ricardo Jardim do Amaral, apontado como o operador do recebimento de
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propina, teria sido absolvido pelos mesmos fatos, na ação penal nº
2006.36.00.012426-6, julgada em primeiro grau de jurisdição pela Justiça
Federal da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, necessário
esclarecer que tal absolvição se deu, naquele Juízo, por falta de provas e
que esta absolvição não se estende automaticamente para o reú cuja
responsabilidade penal se apura neste feito.
22. Por outro lado, na sentença (fls. 1748/1756) o magistrado
expressamente consigna que o ali acusado não nega o recebimento dos
valores, mas somente que desconhecia sua origem ilícita e, ainda, que
todos os valores que o Deputado informou que seriam depositados em
sua conta foram, posteriormente, a ele devolvidos.
23. A denúncia narra condutas de recebimento de propina
materializadas em depósitos nas contas de Ricardo Jardim do Amaral
Mello, Daniela Rode Guimarães, Marco Antônio Lopes e Zeila Cardoso
de Mello, bem como uma amortização de empréstimo no valor de R$
15.000,00 junto a Ivanildo da Silva Cordeiro, saldado em benefício do réu
mediante transferência bancária efetuada pela empresa Klass Comércio e
Rep. Ltda, pertencente ao grupo Planam. Pelo conjunto probatório, é
possível atribuir responsabilidade ao acusado quanto aos depósitos
efetuados nas contas de Ricardo Jardim do Amaral Mello, Daniela Rode
Guimarães e Ivanildo da Silva Cordeiro. Quanto a estes, ficou provado
que os valores recebidos via depósito tiveram relação com o vínculo
ilícito estabelecido entre o acusado e o grupo Planam. Os valores
depositados nas contas correntes das citadas pessoas interpostas tiveram
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lastro documental que corroborou as declarações dos colaboradores, e
foram reafirmados por provas colhidas sob o crivo do contraditório e da
ampla defesa.
24. Releva afirmar que a apresentação de emendas parlamentares, em
si, é um ato lícito. Porém, no presente caso, verifica-se a infração do dever
funcional, na medida em que o réu apresentou as referidas emendas com
o claro intuito de beneficiar um grupo com o qual mantinha acordo
prévio, conforme demonstrado acima, situação que constitui flagrante
violação dos princípios da moralidade e da impessoalidade da
administração pública, e, no caso dos autos, infração penal. No ponto, de
se destacar que desimporta à configuração do crime de corrupção passiva
a prática de ato ilícito como contrapartida, podendo ser lícito o ato a ser
praticado com o fim de beneficiar terceiros.
25. Quanto aos depósitos efetivados nas contas de Zeila e Marco
Antônio, considero não haver comprovação. Não houve qualquer
referência a eles pelas testemunhas ouvidas (exceto Ivanildo, que afirmou
desconhecê-los) e seus nomes não foram mencionados em juízo por
qualquer dos colaboradores. Zeila e Marco Antônio, vale mencionar, não
foram sequer ouvidos na presente ação, já que nem a defesa nem o
Ministério Público os arrolaram como testemunhas. Por fim, o acusado
afirmou desconhecê-los, de modo que não ficou demonstrado o vínculo
criminal entre Zeila, Marco Antônio e o acusado, no que tange aos
depósitos ora analisados.
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26. No presente caso, portanto, tenho que o delito se consumou
quando o réu recebeu os valores por intermédio dos depósitos efetuados
nas contas de Ricardo, Daniele e Ivanildo. O dolo do réu está
consubstanciado pelo fato de haver recebido propina mediante pessoas
interpostas a ele vinculadas.
26. Como já ficou demonstrado, as provas apontam no sentido de um
acordo prévio entre o acusado e o grupo Planam para viabilizar emendas
parlamentares destinadas à licitações, em contrapartida ao recebimento
de vantagens indevidas por parte de Paulo Feijó.
27. A causa de aumento de pena, prevista no § 1º do art. 317 do CP, se
verifica em razão da prática de ato de ofício com infringência de seu
dever funcional.
28. Destaco que se considera cada depósito sem causa jurídica válida
um crime de corrupção passiva. Assim, considerando os 19 depósitos
efetuados nas contas de Ricardo, Daniele e Ivanildo crimes de mesma
espécie, praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de
execução, e considerando, ainda, ser o crime continuado – espécie do
gênero concurso de crimes -, uma ficção jurídica que concretiza política
criminal judicial, evitando-se penas exorbitantes, reconheço a
continuidade delitiva, nos exatos termos preconizados pela Relatora.
29. Quanto ao delito de lavagem de capitais, o Parquet requereu a
condenação com fundamento no art. 1º da Lei 9613/98, incisos V e VII,
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vigentes à época dos fatos. A denúncia narra que os 21 atos de lavagem
consistiram no recebimento de vantagens indevidas mediante contas de
pessoas interpostas, com a intenção de ocultar e dissimular a origem e a
natureza ilícita dos recursos. O dolo de ocultar e dissimular a origem e a
natureza ilícita dos recursos também esteve presente nos crimes
licitatórios. Assim, segundo a denúncia, tanto a corrupção passiva quanto
a fraude à licitação configuram delitos antecedentes à lavagem de
capitais.
30. Importante ressaltar que a caracterização da lavagem de dinheiro
pressupõe realização de atos tendentes a conferir uma aparência de ativo
lícito ao produto de crime antecedente, já consumado. Tal entendimento
foi fixado por esta Corte para evitar a dupla incriminação pelo mesmo
fato. No caso dos autos, existe possibilidade de imputação por lavagem
de capitais, eis que a conduta teria ocorrido subsequentemente à
consumação dos outros delitos descritos.
31. Explica-se: diante do contexto fático apresentado nos autos, as
sucessivas transações econômicas entre o acusado e seu assessor revelam-
se como atos de reciclagem que objetivaram transformar os recursos
provenientes de atividade criminosa em ativos lícitos: as operações
realizadas por Ricardo Jardim do Amaral Mello em favor do acusado
constituíram atos posteriores de higienização do dinheiro obtido
ilicitamente, no intento de assegurar a impunidade dos crimes primários.
O uso de interpostas pessoas para o recebimento da propina não encerrou
o ciclo delitivo com o próprio exaurimento da corrupção. Em vez disso, a
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conversão da propina em capitais supostamente lícitos prolongou a trama
e dificultou o rastreamento do montante indevidamente adquirido.
32. Conforme consta no depoimento de Luiz Vedoin, Ricardo foi
designado pelo acusado para “gerenciar e agilizar toda a parte
burocrática” da trama (fls. 1105/1106, volume 5). Ricardo, por sua vez,
afirma que os valores restituídos ao acusado provinham de eventuais
diferenças que excediam o pagamento das despesas relacionadas aos
imóveis e veículos de Paulo Feijó. Contudo, as provas juntadas aos autos
não sustentam a versão de Renato. Apontam, em verdade, que houve um
fluxo financeiro em datas sincronizadas entre a conta corrente do acusado
e de seu assessor, logo após o abastecimento da conta deste último com
depósitos promovidos pelo grupo Planam, o que reforça a materialidade
do crime de lavagem de capitais.
33. Inequívoca, portanto, a conclusão de que ao menos parte da
propina foi reinserida no mercado formal de forma dissimulada, em
benefício da formação de patrimônio do acusado. Tendo em vista a
prática de atos posteriores e autônomos ao crime de corrupção passiva
objetivando conferir licitude ao montante indevidamente obtido, o crime
do art. 317 figura como delito antecedente à lavagem de capitais.
34. O pagamento por mecanismos de ocultação e dissimulação também
derivou de fraudes à licitações, de modo que não só a corrupção passiva
foi delito antecedente.
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35. Destaco que as fraudes às licitações, um dos crimes antecedentes ao
de lavagem, não só eram inequivocamente conhecidas pelo acusado como
contaram com sua atuação, de modo que Paulo Feijó não só direcionou
emendas para este fim, como, pessoalmente e por meio de sua assessoria
parlamentar teve conhecimento das fraudes licitatórias para as quais
direcionados os recursos liberados por estas mesmas emendas. Nesse
sentido, as declarações prestadas por Darci José Vedoin às fls. 1.109;
Ricardo Pereira Medeiros, fls. 1.107; Makhoul Moussalem, fls. 1.154/1.155;
Benedito Marques, 1.156/1.157 e 1.163/1.164, todas do volume 05.
36. No ponto, de se destacar que embora a denúncia tenha capitulado a
lavagem de dinheiro com indicação de crime cometido por organização
criminosa como crime antecedente, pondero que esta específica conduta,
a prevista no inciso VII, do art. 1º, da Lei nº Lei 9613/98 se mostra atípica
porquanto, à época dos fatos, entendia esta Suprema Corte que a ausência
de lei que regulamentasse o que se poderia compreender como
organização criminosa tornava este elemento normativo do tipo
instrumentalmente inapto a criminalizar a conduta.
37. De todo modo, remanesce hígida, como se viu, a capitulação da
lavagem com fundamento no inciso V, do mesmo dispositivo.
38. Em atenção ao princípio da correlação entre acusação e sentença,
limito-me à análise dos atos imputados na denúncia. Vale lembrar que ela
aponta suposta existência de 21 (vinte e um) atos de lavagem,
materializados em depósitos nas contas de pessoas interpostas vinculadas
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ao acusado (Ricardo Jardim do Amaral Mello, Daniela Rode Guimarães
Melo, Zeila Cardoso de Melo), bem como amortização de empréstimo em
favor de Ivanildo Silva Cordeiro, saldado em benefício do réu mediante
transferência bancária efetuada pela empresa Klass Comércio e Rep. Ltda.
39. Pelas mesmas razões aduzidas na decisão quanto ao cometimento
do crime de corrupção passiva, considero que o ato de lavagem de
capitais não alcança os fatos relacionados a Zeila Cardoso de Melo e
Marco Antônio. Por outro lado, reconheço a responsabilidade do acusado
quanto aos atos de lavagem realizados por intermédio de operações
efetuadas com Ricardo Jardim do Amaral Mello, Daniela Rode
Guimarães e Ivanildo da Silva Cordeiro.
40. No que concerne ao número de condutas de lavagem narradas na
denúncia, 21 ao todo, referentes às movimentações financeiras que
indicariam o branqueamento de capitais, observo, como faz a Relatora de
forma criteriosa, que, afastadas aquelas realizadas por intermédio de
Zeila e Marco Antônio, como se viu, algumas outras também não
poderiam ser havidas como realizadas em benefício do acusado, para
além de uma dúvida razoável. Explica-se: em se tratando do crime de
corrupção passiva, desimporta o destinatário final de vantagem, na
medida em que o tipo menciona seu recebimento “para si ou para
outrem”. No caso da lavagem, contudo, só o beneficiário da vantagem é
por ela responsável. Deste modo, não há como considerar, de acordo com
a prova produzida, que todas as operações intermediadas por Ricardo
destinavam-se ao parlamentar, na medida em que algumas declarações
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prestadas apontam que Ricardo era, por igual, beneficiário dos valores.
Assim, numa interpretação mais favorável ao réu, operada pela Relatora,
considera-se fruto de lavagem sob sua responsabilidade somente as
operações acima de R$ 4.000,00, o que restringe a 10 atos os atos de
lavagem comprovados nos autos cuja responsabilidade se pode,
seguramente, imputar ao acusado.
41. Aqui, nos mesmos moldes do delito de corrupção passiva,
reconheço a continuidade delitiva entre os 10 atos de lavagem de capitais,
pois as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes permitem inferir que os depósitos subsequentes foram nada
mais que uma continuação do primeiro depósito efetuado.
42. Este o quadro, julgo procedente em parte a pretensão punitiva
estatal para condenar o réu nas penas do art. 317, § 1º, do CP e art. 1º, V e
VII, da Lei nº 9613/1998, reconhecendo e pronunciado a prescrição da
pretensão punitiva estatal, em abstrato, quanto aos demais crimes a ele
imputados, na forma preconizada na fundamentação.
43. Passo à dosimetria da pena.
44. PARA O CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA (ART. 317, DO CP).
45. Considerando as circunstancias de que cuida o artigo 59, do Código
Penal, tenho por desfavoráveis ao réu as circunstâncias judiciais da
culpabilidade e das consequências do crime. A culpabilidade é
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desfavorável porque o crime foi praticado por agente político, que ocupa
posto elevado na estrutura de Poder e, por isso, revela especial juízo de
reprovabilidade da conduta do acusado. Quanto às consequências, o
crime em análise impossibilitou que a administração pudesse fazer a
melhor escolha no que concerne à compra de equipamentos,
prejudicando assim a prestação de serviço essencial de saúde, além de
causar prejuízo ao erário no montante de R$ 492.455,18 (quatrocentos e
noventa e dois mil, quatrocentos e cinquenta e cinco reais e dezoito
centavos). Assim, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 03 (três)
anos e 06 (seis) de reclusão e 150 (cento e cinquenta) dias multa, fixado o
valor unitário em 02 (dois) salários mínimos, considerada a capacidade
econômica do réu que, à época e atualmente, ocupa funções de Deputado
Federal. Tomo por base o preceito secundário previsto no tipo em
momento anterior à alteração promovida pela Lei nº 10.763/2003,
considerado que o último fato descrito na denúncia é anterior à alteração
legislativa. Não há agravantes ou atenuantes. Considerada a causa de
aumento de que cuida o § 1º do art. 317, majoro a reprimenda em 1/3,
para encontrar 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 200
(duzentos) dias multa. Em razão da continuidade delitiva, majoro a
reprimenda em 1/3 e torno definitiva a pena em 06 (seis) anos e 02 (dois)
meses de reclusão e 220 (duzentos e vinte) dias multa. O regime inicial é o
semi-aberto (art. 33, § 2º, b, do Código Penal).
46. PARA O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, DA LEI Nº 9.613/98).
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47. Considerando as circunstancias de que cuida o artigo 59, do Código
Penal, tenho por desfavoráveis ao réu as circunstâncias judiciais da
culpabilidade e das consequências do crime. A culpabilidade é
desfavorável porque o crime foi praticado por agente político, que ocupa
posto elevado na estrutura de Poder e, por isso, revela especial juízo de
reprovabilidade da conduta do acusado. Quanto às consequências, o
crime em análise impossibilitou que a administração pudesse fazer a
melhor escolha no que concerne à compra de equipamentos,
prejudicando assim a prestação de serviço essencial de saúde. Os 10 atos
de lavagem movimentaram o montante de R$ 441.335,67 (quatrocentos e
quarenta e um mil, trezentos e trinta e cinco reais e sessenta e sete
centavos). Assim, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 05 anos de
reclusão e 100 (cem) dias multa, fixado o valor unitário em 02 (dois)
salários mínimos, considerada a capacidade econômica do réu que, à
época e atualmente, ocupa funções de Deputado Federal. Não há
atenuantes. A agravante de que cuida o art. 61, II, do CP (abuso de poder
ou violação de dever inerente ao cargo) não será considerada porque a
condição de agente público foi considerada na fixação da pena-base. Em
razão da continuidade delitiva, majoro a reprimenda em 1/3 e torno
definitiva a pena em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 140
(cento e quarenta) dias multa. O regime inicial é o semi-aberto (art. 33, §
2º, b, do Código Penal).
48. O concurso material entre os crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro impõe a soma das penas aplicadas cujo resultado é
12 (doze) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 360 (trezentos e sessenta)
dias multa. O regime inicial é o fechado (art. 33, § 2º, a, do Código Penal).
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49. Quanto à pena substitutiva de liberdade, verifico que embora o Réu
preencha os requisitos subjetivos que autorizam sua substituição, o
quantum da pena fixada a impede, de modo que deixo de operá-la.
50. Por fim, destaco inaplicável o disposto no artigo 33, § 4º do CP,
porquanto posterior à pratica das condutas.
51. Por fim, embora a jurisprudência do Tribunal se direcione no
sentido de caber à Casa Legislativa a decisão sobre a perda do mandato,
entendo que em se tratando de pena privativa de liberdade, em regime
fechado, por prazo superior ao restante para a conclusão do mandato, sua
perda se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a
decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória, na linha do
que afirmei no MS 32.326/DF, sob minha Relatoria.
52. É como voto.