Conteúdo
Parte I. Introdução 3
1. A solução para a crise 4
2. Uma solução com futuro 7
3. A única solução infalível 14
4. Resolver a crise de uma vez por todas 17
Capitulo II. Temas 19
1. A segurança social 20
2. A educação 26
3. A saúde 31
4. O estado social 35
5. A fiscalidade 37
6. A crise da dívida soberana 40
7. A constituição 44
8. O mercado de trabalho 46
9. A emigração 48
10. A captura do estado 51
11. O capital 55
12. Política portuguesa 59
13. Momentos de revolta 62
14. O socialismo lá fora 65
15. O Jogo 68
16. A esquerda 71
17. Os Emiratos Árabes Unidos 76
18. Outros 79
Parte I. Introdução
1. A solução para a crise
“Não há almoços grátis”: não sendo adepto de vandalismo, apreciei bastante a fina ironia de
quem pintou esta frase na parede da cantina da Faculdade de Economia do Porto em 2001. Esta
frase poderá não ter grande significado para muitos leitores, mas para aqueles que estudaram
economia terá sido das primeiras frases que ouviram nos bancos da faculdade. Desconhece-se o
autor original da frase, mas foi Milton Friedman quem a popularizou no seu livro com o mesmo
título de 1975. A frase pretende passar um dos conceitos base da ciência económica: o custo de
oportunidade.
O custo de oportunidade é, de forma simplificada, o conjunto das alternativas de que se abdica
para beneficiar de um certo bem, serviço ou actividade. Por exemplo, quando alguém compra um
automóvel por 10 mil euros, o seu custo de oportunidade são todas as outras coisas que
poderiam ter sido adquiridas com esse dinheiro (um cruzeiro nas caraíbas, a entrada para um T1
ou uma cirurgia plástica). Mas o custo de oportunidade existe mesmo para actividades sem
qualquer custo monetário. Por exemplo, ir ver um concerto gratuito pode não ter custo monetário,
mas tem um custo de oportunidade, que consiste em tudo aquilo que poderia ser feito durante o
tempo do concerto: um passeio pelo parque, uma sesta ou simplesmente passar o tempo com a
família. Não há, de facto, almoços grátis, mesmo que esses almoços sejam à borla.
Poderíamos passar horas a dar exemplos sobre os custos de oportunidade de diferentes
actividades. Apesar de parecer um conceito muito simples, Henry Hazlitt conseguiu escrever um
livro interessantíssimo quase exclusivamente dedicado ao tema, que recomendo vivamente a
todos: “Economics in one lesson”. A realidade é que, apesar da sua simplicidade, milhares de
alunos de economia passam horas a tentar aprender o conceito de custo de oportunidade e,
falando de experiência própria, a maioria acaba o curso sem o ter interiorizado devidamente.
Muitos interiorizam-no no primeiro ano, apenas para o esquecerem no terceiro, quando lhes é
ensinado o multiplicador Keynesiano.
Se muitos economistas ainda não entenderam o conceito, ainda mais complicado será para os
leigos da ciência económica. Os políticos, consciente ou inconscientemente, aproveitam-se desta
ignorância nas suas promessas. Quando são lançados novos investimentos públicos, surge
sempre a contabilização da criação de empregos. “Esta nova auto-estrada criará milhares de
empregos na região”, ouviu-se um pouco por todo o país nos últimos 20 anos. Faltou nestas
declarações o cálculo de quantos empregos são destruidos para pagar cada uma das auto-
estradas, ou seja o custo de oportunidade. Para construir uma auto-estrada é necessário dinheiro
que terá de vir de algum lado. Quem quer que pague pela auto-estrada, não irá gastar o dinheiro
noutro sítio, ou seja, não irá criar empregos noutro lado qualquer.
Um dos motivos pelo qual este custo de oportunidade não é considerado é a dificuldade em medi-
lo. Os benefícios de um investimento público estão suficientemente concentrados para ser
simples estimá-los directamente. Já os custos, pelo contrário, estão espalhados pela economia
através dos impostos. O efeito marginal destes custos é assim mínimo. Se um jornalista alguma
vez tivesse a coragem de confrontar as promessas de um governante com o seu custo de
oportunidade, provavelmente levaria uma resposta do género: “Este investimento cria 100
empregos, mas custa apenas 10 euros a cada português. Não acha que vale a pena?”. É muito
complicado estimar o exacto efeito no emprego que resulte de cada um dos contribuintes ter
menos 10 euros na carteira. Os empregos criados são directos, visíveis e dão votos, já os
empregos destruidos, mesmo que sejam em maior número, são indirectos, invisíveis e sem
retorno eleitoral. Por isso mesmo, são poucos os políticos que virão a público dizer que recusarão
um investimento público porque ele destroi emprego. Por definição popular, todos os
investimentos públicos geram emprego. Infelizmente muitos economistas acabam por alinhar no
mesmo discurso, esquecendo aquilo que aprenderam quando primeiro se sentaram no banco de
faculdade: “Não há almoços grátis”.
Isto é tudo muito interessante, dirão os leitores mais ansiosos, mas onde está então a solução
para a crise prometida no título do livro? Deixemos isso para o próximo capítulo.
~~ Conversa de café ~~
“Todas as coisas têm um custo, mesmo as que são à borla”
“Apesar de o concerto ser gratuito, o custo de oportunidade é demasiado
elevado”
“O primeiro-ministro prometeu que a nova auto-estrada criará mil empregos, mas
não falou dos empregos que serão destruidos para pagar esse investimento”
“Os proveitos de uma obra são visíveis e específicos e por isso dão votos. Já os
custos são invisíveis e espalhados por toda a sociedade, por isso os políticos não
se importam com eles”
“O presidente da Câmara inaugurou uma rotunda e um ginásio municipal.
Aqueles que o aplaudiam não se aperceberam que terão que pagar mais 100
euros todos os anos de IMI para pagar por aquilo”
2. Uma solução com futuro
Fazer escolhas
Como vimos no capítulo anterior, todas os bens, serviços e actividades têm um custo de
oportunidade. Tal não seria um problema se os recursos fossem infinitos. Mas os recursos
(tempo, dinheiro, recursos naturais e outras matérias primas, etc) não são infinitos. Mesmo a
pessoa mais rica do mundo, tem que optar entre as ilhas que pode comprar ou as empresas que
pode gerir. Para além dos recursos materiais, ricos e pobres têm um recurso que é difícil de
aumentar indefinidamente: o tempo de vida, e a cruel limitação de só poderem estar num sítio a
cada momento.
Portanto, se o leitor for omnipresente, imortal e tiver uma fonte infindável de dinheiro, não tem que
fazer escolhas. Todos os que não possuam estas características, sofrem do problema de ter que
fazer escolhas. Para além do drama que é ter que as fazer, a necessidade de fazer escolhas é a
origem de um outro factor de miséria para a espécie humana: os economistas. É por os recursos
serem escassos e haver a necessidade de fazer escolhas que a economia existe como área de
conhecimento. A economia trata precisamente das escolhas que têm que ser feitas, perante a
dura realidade de termos os nossos ilimitados desejos reprimidos pela escassez dos recursos.
São muitas as escolhas que somos obrigados a fazer na nossa vida, que podem genericamente
ser incluidas nestas três categorias:
1. Escolhas ocupacional: as escolhas sobre como usar o nosso tempo, entre, por exemplo,
o trabalho remunerado, não remunerado e diversas formas de lazer.
2. Escolhas materiais: sobre como utilizar os recursos materiais que temos à disposição.
Fazemos escolha de cariz material quando decidimos o que consumir a determinada
altura entre as várias opções disponíveis.
3. Escolhas temporais: este tipo de escolhas pode ser ocupacional ou material e incide
sobre quando queremos fazer ou comprar algo (trabalho já ou só mais tarde? Compro a
casa já ou poupo mais uns anos?).
Este última categoria, as escolhas no tempo, tem algo de muito específico, porque em geral as
pessoas têm uma preferência pelo presente. Se algo lhes é agradável preferem tê-lo no presente
do que no futuro e, como todos os procrastinadores crónicos como eu sabem, tudo o que é
desagradável preferem adiar para o futuro. O presente acontece já mas o futuro é incerto, o que
leva as pessoas a terem uma preferência para retirar benefícios no presente e ter custos no
futuro.
Por isso mesmo, as pessoas que adiam um benefício para o futuro, só o fazem se esperarem que
o benefício futuro seja maior do que o que estão a abdicar no presente. Esse benfício terá que ser
tanto maior quanto maior for a incerteza de vir a gozar esse benefício. Esta é a razão pela qual os
bancos só emprestam dinheiro com juros, e os juros serão tão mais altos, quanto maior for o
tempo de pagamento e maior a probabilidade de o montante não ser pago. Da mesma forma,
todos aquelas pessoas que procuram realizar algo no presente para o qual só terão recursos no
futuro se dispõem a abdicar de muito mais no futuro. As pessoas que compram casa a crédito
sabem perfeitamente que irão pagar o dobro nas suas prestações do que se poupassem para
comprar a casa a pronto. Mesmo assim, preferem fazer o empréstimo porque isso lhes dá acesso
imediato à casa.
Para além dos consumidores e dos trabalhadores, também os empresários necessitam de fazer
escolhas. Empresas têm que fazer escolhas sobre o que produzir (batatas ou automóveis) e que
factores utilizar para os produzir (quantos trabalhadores e quantas máquinas). Tal como os
consumidores, irão tentar utilizar o mínimo de recursos possíveis para produzir o máximo.
A prosperidade económica mede-se pelo número de opções à disposição
Claro que alguém só pode fazer escolhas sobre algo está à sua disposição. Alguém com muito
dinheiro pode escolher qual o automóvel topo de gama que prefere, mas alguém com muito
poucos recursos apenas poderá escolher entre andar a pé ou de autocarro. Mas note-se que
alguém com muito dinheiro, pode andar a pé de qualquer forma se ele preferir gastar dinheiro de
outra forma. O facto de não ter um bem material não significa que seja economicamente menos
próspero do que se tivesse. O facto de poder comprar o carro é que o faz economicamente
próspero.
Ao contrário do que é senso comum, a prosperidade económica individual não se mede pelo
quantidade de bens materiais que um indivíduo possui, mas pelo número de escolhas que tem à
sua disposição. Alguém poderá tirar maior prazer de uma vida com recursos materiais escassos,
mas muito tempo livre, do que uma vida mais desafogada financeiramente, que implique dedicar
muito tempo ao trabalho. Se uma pessoa tiver a possibilidade de trabalhar 80 horas por semana
para ganhar 5 mil euros e decidir trabalhar 40 horas para ganhar 2 mil, a sua prosperidade
económica em sentido estrito não baixou. Pelo contrário, se optou por trabalhar 40 horas com um
salário mais baixo, é porque retira maior proveito do tempo livre do que do salário extra.
Este é um erro comum no desenho de políticas sociais. A escolha de beneficiários para as
políticas sociais tem, tipicamente, como único critério as condições materiais do indivíduo. Uma
pessoa que ganhe 1500 euros por mês, trabalhando 80 horas por semanas pode ter um nível de
bem-estar inferior a uma pessoa que ganhe 450 euros, trabalhando 35 horas. No entanto, é bem
provável que o primeiro subsidie com o seu salário os benefícios sociais do segundo, aumentando
o seu bem-estar ainda mais. Para além disso, as políticas sociais que têm como objectivo garantir
um mínimo de conforto material, muitas vezes resultam num desincentivo ao trabalho. Isto
acontece porque muitos dão-se por satisfeitos com esse tal nível de bem-estar material mínimo e
deixam de sentir a necessidade de trabalhar por mais. Aquelas pessoas que beneficiam do
estado social em todas as suas formas (habitação social, educação e saúde gratuitas, rendimento
mínimo, etc) e que optam por não trabalhar, não são, como os acusam os populistas de direita,
intrinsecamente preguiçosos, apenas aplicam as suas preferências face aos incentivos do estado.
Ao terem aspirações materiais mais baixas, dão-se por satisfeitas com o mínimo que o estado
lhes garante, preferindo gozar o seu tempo livre de outra forma que não trabalhar para melhorar
as suas condições materiais. Antes de acusarem os beneficiários do estado social de serem
preguiçosos, desafio os leitores a pensarem o que fariam se Portugal fosse um país tão próspero
que pudesse garantir 10 mil euros por mês em rendimento mínimo a todos os portugueses.
Provavelmente, muitos dos leitores deixariam de trabalhar ou, pelo menos, de trabalhar tão
arduamente. O problema com as políticas sociais não está com quem delas beneficia
directamente, mas em quem as desenha e cria os incentivos errados.
Medir o bem-estar económico de um indivíduo baseado apenas em bem materiais é um erro mil
vezes repetido. Tal como no caso das promessas de criação de emprego, este erro ocorre
porque é demasiado complicado calcular o efectivo bem-estar de cada um. O bem estar material
é bem mais fácil de medir. No entanto convém guardar este conceito: o bem estar económico de
um indivíduo, família ou nação mede-se pelo leque de escolhas que lhes é possível fazer, não
pelo resultado material dessas escolhas.
Ordem espontânea
O grande desafio com as escolhas em economias avançadas é serem interdependentes. Eu
posso desejar ter um carro amarelo, mas para que isso aconteça será necessário que umas
centenas de trabalhadores escolham abdicar do seu tempo livre para produzir esse carro e um
empresário escolha produzir carros amarelos. Também é preciso que alguém escolha abrir um
stand para o vender, e que alguém se dedique a produzir tinta amarela e ainda mais alguém que
transporte essa tinta amarela para as fábrias. Para a transportar, será preciso que mais umas
centenas de pessoas se dediquem à construção do camião e mais umas que trabalhem nas
minas que extraem a matéria-prima para produzir o camião. Enfim, acho que a ideia é clara.
Tendo em conta que existem mais de 6 mil milhões de pessoas no mundo que são consumidoras,
mas também trabalhadoras e empresárias, todas com opções interligadas e interdependentes,
cada uma fazendo as suas escolhas individualmente, como será possível que todas estas
escolhas acabem por se encaixar? Como é possível que quando eu escolho beber um sumo de
laranja, encontre imediatamente esse sumo num supermercado, produzido por uma empresa que
não faz a mínima ideia de quem eu sou, nem que gosto de sumo de laranja? Será que existe a
necessidade decriar um grande plano para ordenar todas estas escolhas?
A boa notícia é que, agindo em liberdade, todos os agentes têm incentivos a fazer escolhas que
vão de encontro às escolhas dos outros e que, assim, beneficiem a economia como um todo. As
empresas só ganham se produzirem aquilo que os consumidores consomem e os consumidores
sabem que só poderão consumir se trabalharem ou investirem. Da mesma forma, os trablhadores
e empresários sabem que só podem trabalhar ou investir com sucesso em empresas que
produzam o que outros querem consumir ao menor custo. Ou seja, agindo no seu próprio
interesse, os indivíduos têm incentivos em aumentar o leque de escolhas dos outros, porque só
dessa forma irão também aumentar o seu próprio leque de escolhas. Nas famosas palavras do
pai da economia clássica, Adam Smith: “Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou
do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração que eles têm do seu
próprio interesse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o seu egoísmo, e nunca lhes
falamos das nossas necessidades, mas das vantagens deles.”. A presença de um talho perto de
nossa casa aumenta as nossas possibilidades de escolha, mas não foi para aumentar as suas
possibilidades de escolha, e não as nossas, que o talhante a abriu lá.
O preço certo
Sendo impossível para qualquer indivíduo entender as preferências de todos estes agentes, a
forma como eles comunicam entre si é através do mecanismo informativo dos preços. É assim
que os agentes económicos comunicam entre si. Se, por exemplo, muitas pessoas decidirem que
gostam de carros amarelos, o preço dos carros amarelos subirá, o que fará os fabricantes
optarem por produzir mais carros amarelos, pagando mais aos trabalhadores especializados em
carros amarelos, fazendo com que mais trabalhadores se especializem no fabrico de carros
amarelos. Qualquer ajuste nas escolhas de um grupo de agentes (alteração de preferências dos
consumidores, tecnologia no produtor ou preferência do padrão intertemporal de consumo),
imediatamente se repercutirá nas escolhas dos outros agentes, mesmo que estes nunca
comuniquem entre si. O mecanismo de preços fa-lo-à por eles.
O enviezamento do mecanismo de preços e as filas do pão
O mecanismo de preços é o eixo fundamental da economia. Eu diria que muita da nossa vida
depende e guia-se por este mecanismo. O mecanismo de preços é de tal maneira importante que
muitas tentativas de o adulterar acabaram em desastre. Quando líderes dos partidos comunistas
do leste da Europa tentaram limitar o preço dos alimentos, com o desejo louvável de garantir que
todos pudessem comer, o efeito final acabou por ser exactamente o oposto. Com um preço
artificialmente abaixo do que resultaria em liberdade, as panificadoras recebiam a “informação”
falsificada de que deveriam produzir menos pão e os consumidores a informação falsificada de
que poderiam consumir mais. Ao procurarem mais pão, os consumidores deixaram de procurar
outros alimentos, fazendo com que o seu preço baixasse. A baixa no preço de outros alimentos
fez com que os produtores desses alimentos também produzissem menos. O resultado foi
produzir-se muito menos pão e outros alimentos do que era procurado pelos consumidores. As
filas pelo pão e o racionamento de alimentos foram, por esse motivo, imagens de marca dos
regimes comunistas. Quando faltava pão na União Soviética não era por influência de qualquer
força externa ou sabotadores internos, mas porque ao determinar um preço fixo baixo para o pão,
o governo distorceu as escolhas de consumidores e produtores. Demasiadas pessoas
escolheram consumir pão e poucos escolheram trabalhar para o produzir. Isto levou a uma
reacção em cadeia de distorção na utilização de recursos que acabou por limitar as escolhas
disponíveis para todos, ou seja, ficaram todos mais pobres e, neste caso, com mais fome.
Presente a preços de saldo
Infelizmente, a lição não ficou aprendida. Ainda hoje muitos governos, mesmo em economias
ditas de mercado tentam influenciar o mecanismo de preços para fins, à partida, louváveis.
Poderíamos dar muitos exemplos em Portugal, mas um dos casos mais emblemáticos foi a
restrição ao aumento das rendas. Uma medida que visava garantir o direito à habitação de mais
pessoas, acabou por resultar num parque habitacional envelhecido, mal-tratado e em conflitos
entre senhorios e inquilinos pelo país fora.
Mas o melhor exemplo moderno de enviezamento do mecanismo de preços é a manipulação das
taxas de juro pelos bancos centrais. A taxa de juro é, explicado de forma poética, o preço do
presente. Quem quiser consumir ou investir 100 no presente, sabe que, com uma taxa de juro de
10% terá que abdicar de 110 no futuro. Da mesma forma, alguém que poupe 100, sabe que essa
ausência de consumo no presente será compensada com 110 de consumo no futuro, através do
juro recebido por essa poupança. Numa sociedade de recursos escassos, para alguém gastar
acima dos seus recursos no presente (pedir um empréstimo), alguém terá que gastar menos
recursos (poupar). Note-se que falo aqui de recursos reais que tem que ser produzido com
esforço e não de dinheiro que pode ser impresso sem esforço.
Em liberdade, quanto mais pessoas quiserem antecipar consumo ou investir no presente, maior
será a taxa de juro de mercado, incentivando mais poupança. São estas pessoas que poupam
para consumir no futuro que irão garantir o retorno de quem investe no presente (está mesmo
tudo ligado). À medida que a taxa de juro aumenta, menos pessoas estarão interessadas em
consumir/investir no presente e mais pessoas estarão interessadas em poupar (consumir no
futuro). Eventualmente, haverá um preço (uma taxa de juro) em que existe o mesmo montante de
recursos poupados e investidos/consumidos antecipadamente. Tal como no mercado do pão, as
escolhas de uns vão de encontro às escolhas de outros através do mecanismo informativo dos
preços.
O problema surge quando as taxas de juro passaram a ser manipuladas centralmente pelos,
passe a redundância, Bancos Centrais. Os Bancos Centrais, mesmo os mais independentes,
estão sempre sujeitos a pressões do poder político. Por seu lado, o poder político tem uma forte
preferência pelo presente, devido aos curtos ciclos eleitorais e a necessidade de mostrar trabalho
rapidamente. Quanto mais os seus eleitores puderem consumir e investir no presente, maior a
probabilidade de serem reeleitos. Deixar nas mãos de políticos a decisão de taxas de juro é como
colocar o King Kong a decidir o preço das bananas. O resultado é o esperado: taxas de juro muito
baixas durante longos períodos de tempo. No momento em que escrevo este texto, a maior parte
dos bancos centrais de países desenvolvidos tem as suas taxas de referência muito próximas do
zero. Tal como no mercado do pão dos países comunistas, com o “preço do presente” demasiado
baixo, há demasiada procura (muitos a quererem consumir e investir no presente), mas pouca
oferta (poucos a querer poupar), resultando em crises financeiras, bolhas especulativas e
investimentos que nunca deveriam ter sido feitos. Tem-se tornado bastante comum culpar os
banqueiros pelas sucessivas crises financeiras, o que é o equivalente a culpar os padeiros pela
falta de pão nos países comunistas.
Um resumo
Uma economia será tanto mais próspera, ou seja oferecerá um leque de escolhas tão grande,
quanto melhor for a alocação de recursos. A alocação de recursos funcionará tanto melhor,
quanto mais livre for o mecanismo de preços. Essa alocação não tem de, nem deve, ser planeada
por nenhum orgão central, basta que se deixe o mecanismo de preço funcionar livremente que a
procura egoísta do bem-estar individual de milhões de indiviíduos fará o resto.
Ou seja, em resumo:
Todos os agentes são obrigados a fazer escolhas
O nível de prosperidade económica de um indivíduo, família ou país depende do tamanho
do leque de escolhas que tiver à disposição
Em liberdade, quando alguém se esforça por aumentar o seu próprio leque de escolhas,
estará também a contribuir para aumentar o leque de escolhas dos outros
A forma como cada agente fica a conhecer as escolhas dos outros é através do
mecanismo de preços. Quando um preço sobe porque há mais procura, isso incentivará
os produtores a produzirem mais, o que acabará por satisfazer essa procura.
É através do mecanismo de preços que os agentes comunicam as suas preferências
individuais
Quanto mais a alocação de recursos representar as preferências individuais, maior será o
leque de escolhas disponíveis, ou seja, maior será o bem-estar económico de todos
Entender estes pontos é fundamental para analisar a solução para a crise que apresentarei no
próximo capítulo.
~~ Conversa de café ~~
“Não é para agradar aos clientes que os empresários produzem, mas para terem
lucro. Mas só terão lucro se o seu produto agradar aos clientes e aumentarem as
suas possibilidades de escolha”
“Ele viu que o preço dos computadores estava a aumentar e decidiu abrir uma
fábrica de computadores. É o mecanismo informativo dos preços a funcionar”
“As filas para o pão na União Soviética aconteciam porque a produção era
centralizada e os preços manipulados. Como os preços eram baixos, havia
demasiadas procura por pão e poucos incentivos a produzi-lo”
“As taxas de juro demasiado baixas de alguns anos atrás incentivaram muitas
pessoas a endividarem-se sem que houvessem os recursos para suportar essa
dívida, o que resultou na crise actual”
3. A única solução infalível
Os recursos são escassos e os desejos infinitos: este é o problema central da economia (e de
qualquer família). Mediante estas duas restrições, a única opção que resta aos indivíduos é a de
gerir os seus recursos da melhor forma possível e prioritizar os gastos naquilo que lhes trará mais
bem-estar. Quanto melhor forem geridos os recursos e mais as escolhas representarem as suas
preferências individuais, maior será o bem estar económico individual e, por definição, dos
agregados que eles fazem parte (família, comunidade, cidade, país).
Milton Friedman, num dos seus famosos programas na televisão americana, descreveu as 4
formas de utilizar recursos. Estas quatro formas, estão representadas na tabela abaixo:
No canto superior esquerdo está a forma mais eficiente de gastar dinheiro. Quando o indivíduo
gasta o seu dinheiro a comprar coisas para si, ele tentará pagar o mínimo possível e escolherá o
bem que mais lhe agrada, ou seja, optimizará a utilização dos seus recursos escassos,
dispendendo-os naquilo que prefere. É evidente que os indivíduos cometem erros e compram
coisas que descobrem mais tarde que não precisam, ou que poderiam ter comprado mais barato,
mas a verdade é que ao gastar o seu dinheiro em si mesmo, o individuo tem o incentivo a fazê-lo
da forma mais optimizadora que sabe e pode.
Andando para a direita na tabela, encontramos uma segunda forma de gastar dinheiro que
consiste no indivíduo gastar o seu próprio dinheiro com os outros, por exemplo quando compra
um presente. Quando um indivíduo compra um presente, ele irá tentar gastar o mínimo possível
para conseguir comprar um presente que agrade a outra pessoa. Mas, como toda a gente que
alguma vez comprou presentes de Natal sabe, é impossível adivinhar exactamente o tipo de
presente que agradará a outros. Inevitavelmente, o indivíduo acabará por comprar algo que a
outra pessoa não compraria pelo mesmo preço. Neste caso o bem-estar económico dos
intervenientes diminui: gasta-se a mesma quantidade de recursos, mas quem beneficia desfruta
menos do que se tivesse sido ela a comprar. Claro que parte do benefício de dar um presente é o
próprio prazer do acto que fica com quem o dá, e que compensa um pouco o efeito acima. As
regras culturais de convivência ditam ser de mau tom oferecer dinheiro, mas mesmo assim a
popularidade dos cupões-presente tem crescido nos últimos anos, revelador de que, cada vez
mais, as pessoas interiorizam esta ineficiência e preferem dar o poder de escolha a quem recebe
o presente.
A terceira forma de dispender recursos, representada no canto inferior esquerdo, pessoalmente a
minha favorita, é gastar o dinheiro dos outros em si mesmo. Isto ocorre quando, por exemplo, um
empregado vai almoçar à conta da empresa ou quando um político utiliza o seu orçamento para
despesas de representação. A pessoa que gasta o dinheiro escolherá comprar aquilo que mais
lhe agrada (o seu prato favorito no restaurante ou o melhor carro que puder alugar), mas não
olhará a custos: gastará tanto quanto conseguir ou puder, porque sabe que não tem nada a
ganhar em poupar. Tal como no caso anterior, esta não é uma forma ideal de gastar recursos: se
o empregado pudesse receber o dinheiro do almoço em vez do almoço, provavelmente almoçaria
num local mais barato e utilizaria o restante dinheiro para outros fins. Ou seja, melhoraria o seu
bem estar. Esta é também, portanto, uma forma menos eficiente de gastar dinheiro, mas há pior.
Finalmente, a quarta forma representada é gastar o dinheiro dos outros nos outros. Aqui, dois
factores confluem numa espiral de ineficiência. O indivíduo responsável por gastar o dinheiro não
pode saber ao certo de que é que os beneficiários realmente necessitam, ou se necessitam. Por
outro lado, também não terá grande preocupação em quanto irá gastar, porque esse dinheiro não
lhe sairá do bolso. A consequência disto é que se gastará mais do que necessário, como no caso
do almoço do empregado à custa do patrão, mas não se comprará aquilo que os beneficiários
efectivamente precisam, como no caso dos presentes para a família. Esta é a forma como o
estado aplica os recursos, capturando-os de uns para dar a outros. Mesmo excluindo a existência
de outros factores, como corrupção, compra de votos e cargos profissionais, esta será a forma
mais ineficiente de utilizar recursos. Uma sociedade que aspire à prosperidade económica deverá
aplicar o mínimo possível de recursos desta forma.
O único incentivo de quem gere recursos desta forma é o de agradar aos que lhe são mais
próximos, ou aos que lhes podem vir a favorecer no futuro. É por isso que por vezes aparecem
abominações na forma como os recursos são gastos pelo estado. Quando são descobertas estas
situações, tende-se a culpar individualmente quem gastou mal o dinheiro, mas raramente alguém
se lembra de culpar o sistema de incentivos que levou essa pessoa a gastar mal o dinheiro. Daí a
percepção popular de que os políticos são todos corruptos: há poucos incentivos a agirem de
outra forma. A história é rica em exemplos de países que empobreceram por disporem de muitos
dos seus recursos desta forma, sendo os países comunistas o exemplo mais radical.
O Portugal do pós 25 de Abril é outro exemplo, felizmente não tão grave (ainda). Os portugueses
permitiram que o estado gerisse quase metade dos recursos do país. Se contarmos com os
recursos que usou sem ter (o défice público), serão mesmo metade dos recursos totais de um
país de 10 milhões de pessoas nas mãos de apenas umas dezenas. Como não existem grandes
incentivos a uma utilização eficiente de recursos quando eles são geridos pelo estado,
apareceram imensos casos de mau uso. Construiram-se estádios em 2002 que custaram
subsídios de Natal em 2012. Encomendaram-se submarinos que só foram pagos anos mais tarde
com aumentos de IRS. Para construir o estádio do Algarve que hospedou dois jogos no Euro2004
foi necessário que cerca de cem mil pessoas ficassem sem subsídio de Natal em 2012. Se
tivessem perguntado a essas 100 mil o que gostariam de fazer com o seu subsídio de Natal, seria
pouco provável que a resposta fosse “construir um estádio no algarve”. Infelizmente, não tiveram
escolha.
4. Resolver a crise de uma vez por todas
A dura verdade
Por esta altura, a maior parte dos leitores já terá percebido que este livro não é verdadeiramente
sobre uma solução fácil e rápida para a crise (não há reembolsos). Aqueles que ainda não
perceberam, provavelmente também acreditavam na absoluta necessidade de construir o TGV e
o novo aeroporto de Lisboa até ao dia em que José Sócrates veio à televisão anunciar que iria
entregar a gestão do país à troika.
Infelizmente essa solução não existe, ou melhor, não existe nenhuma que dependa apenas dos
portugueses. A única solução desse género passaria pela caridade dos nossos parceiro
europeus, através de um bail-out. Eles, compreensivelmente, não estão dispostos a fazê-lo e,
mesmo se o fizessem, essa solução envolveria um custo de soberania para o país (“não há
almoços grátis”, lembram-se?).
Na vida e na economia fazem-se escolhas com as quais temos que viver. No passado escolheu-
se uma alocação de recursos sub-óptima, escolheu-se consumir mais no presente, endividando o
futuro. Pior, essas escolhas foram feitas por umas dezenas de pessoas que não sabem, nem
podiam saber, as preferências de cada um dos portugueses. O estado tomou conta de quase
metade de toda a riqueza produzida pelo país, mas nem esses recursos foram suficientes, pelo
que ainda se endividou em nosso nome.
Viver ao lado das possibilidades
Um dos argumentos mil vezes repetido é o de que os portugueses viveram acima das suas
possibilidades nos últimos anos. É falso. Os portugueses viveram sempre bem abaixo das suas
possibilidades. O grande problema é que, apesar de terem vivido abaixo das suas possibilidades,
gastaram acima. Viveram abaixo e gastaram acima porque deixaram que fosse o estado a decidir
por elas quanto e onde gastar. A maioria dos eleitores portugueses foi escolhendo em diversas
eleições, entregar nas mãos de algumas dezenas de pessoas metade do seu rendimento.
Permitiram-lhes ainda que gastassem mais do que recebiam, pondo em causa o seu futuro. O
problema, como defendia Milton Friedman, é que é impossível a estas poucas dezenas de
pessoas adivinhar as preferências individuais e dinâmicas de milhões de pessoas. Ao gerirem
recursos que não são seus em benefício de terceiros, o estado acabou, inevitavelmente, por
alocar esses recursos de forma ineficiente. O problema não foi viver acima das possibilidades, foi
viver ao lado dessas possibilidades, mas gastando acima.
O grande problema destas escolhas é que uma vez feitas, são irreversíveis. Já não podemos
voltar atrás e dizer que não queremos a Expo98, o Euro2004, as SCUTS, a Parque Escolar, os
submarinos, as centenas de observatórios, institutos e departamentos do estado. Podemos
escolher entre consumir no presente ou no futuro, mas quando o futuro chega, já não podemos
reverter as escolhas do passado, apenas pagar por elas. No longo prazo, as contas acabam por
se acertar. Keynes, o economista mais respeitado e desvirtuado por socialistas, sociais-
democratas e outros comunistas soft, costumava dizer que é inutil pensar demasiado no longo
prazo, porque no longo prazo estaremos todos mortos. Pois então, sejam bem-vindos ao longo
prazo. Felizmente, estamos todos vivos. Infelizmente, temos contas para pagar.
Não há muito a fazer em relação ao passado, mas podemos, e devemos, retirar lições para o
futuro. As poucas dezenas de pessoas que decidem como alocar os recursos do estado, mesmo
que eleitas por milhões, não podem ter na sua mão metade do rendimento do país. Muitos
acusam os políticos do passado pela situação actual do país, mas este é um pensamento
perigoso porque assume que com pessoas diferentes o resultado teria sido outro. Não teria,
porque o problema não está nas pessoas, mas nos incentivos. A solução não é rezar por políticos
mais competentes ou menos coruptos no futuro, mas garantir um enquadramento em que lhes
seja dado menos poder. É necessário devolver a capacidade de escolha aos cidadãos,
começando por uma escolha básica: o que fazer com o seu próprio rendimento.
Este livro
Quando em 2005 comecei a escrever na blogosfera sobre os riscos do socialismo , considerava-
me um pessimista em relação ao estado. Alguns amigos mais próximos que liam o que ia
escrevendo diziam que eu era um catastrofista e que as coisas não estavam tão más assim. Mas
nem no meu pessimismo libertário em relação ao estado, consegui prever que as contas viessem
a rebentar tão cedo. Nem nas minhas previsões mais pessimistas pensei que em 2011 viessemos
a ter um primeiro-ministro a vir a público admitir que o Estado não tinha dinheiro para pagar os
salários do próximo mês, apesar de capturar quase metade da criação de riqueza do país em
impostos. Ao longo destes 7 anos fui escrevendo sobre variados temas, mudei de opinião sobre
alguns e noutros reforcei teoricamente opiniões que já tinha. Esta evolução não seria possível
sem as críticas, mais ou menos construtivas de outros bloggers e comentadores. A minha
participação no blog O Insurgente foi particularmente importante no amadurecimento de certos
conceitos teóricos. Escrever num blog com mais de 100 mil visitas por mês deu-me o empurrão
necessário para procurar fundamentar teoricamente melhor as minhas posições. O livro é então
dedicado a todos os comentadores e bloggers que contribuiram para este percurso.
Planeei compilar neste livro todos os bons textos que fui escrevendo ao longo deste tempo.
Infelizmente, não fazia sentido escrever um livro só com 3 páginas, por isso acabei por incluir
também alguns textos menos bons e ainda acrescentar alguns originais. O livro está dividido por
capítulos onde tentei arrumar diferentes temas sobre os quais fui escrevendo. Este é um registo
pessoal, sem grandes cuidados de linguagem e que não aspira à consistência e rigor de trabalhos
académicos ou livros escritos para grandes audiências. Este livro não teve qualquer tipo de
revisão técnica, ortográfica, gráfica ou gramatical. Foi compilado em dois meses. Não garanto que
daqui por dez anos continue a defender tudo o que aqui escrevo. Perante a recusa de Paul
Krugman em participar, decidi não fazer uma apresentação formal do livro.
Capitulo II. Temas
1. A segurança social
A casa arde
Aquilo que há 10 anos era tido como uma teoria da conspiração de liberais extremistas é hoje
tristemente aceite por todos: o sistema de segurança social é insustentável. Seja daqui a 5 , 10 ou
20 anos, é certo que irá rebentar e muitas das pessoas que hoje fazem descontos não irão
beneficiar de reforma ou, pelo menos, de uma reforma em linha com aquilo que descontaram. Irá
falhar porque foi mal construido de raiz baseado num esquema de redistribuição, quando o único
sistema estável no longo prazo seria o de capitalização.
O problema do esquema de redistribuição é o mesmo dos esquemas em pirâmide: falha quando
deixam de haver novas pessoas a entrar. Enquanto existiu crescimento demográfico, o sistema foi
capaz de garantir as suas obrigações. O facto de a participação ser coerciva adiou ainda mais o
rebentar do sistema, mas só tornou o problema maior.
É quando o envelhecimento da população se torna mais acentuado, que se torna evidente a
fraqueza de um sistema de redistribuição por oposição a um sistema de capitalização. Os
fundamentais económicos são fáceis de perceber. Se uma população envelhece, passa a ter uma
% de população em idade produtiva menor. A única forma de se manterem os níveis de bem-
estar médios, é garantir que os que se continuam a trabalhar são mais produtivos. Para aumentar
a produtividade, a economia tem que se tornar mais capital-intensiva. Por definição, uma
economia só se torna mais capital-intensiva se houver acumulação de capital.
Enquanto num sistema de capitalização este ajuste é automático, e faz-se com décadas de
antecedência, num sistema de redistribuição tal não acontece. Num sistema de capitalização, a
acumulação de capital acontece durante a explosão demográfica, permitindo a mudança
estrutural da economia décadas antes do declínio demográfico. Já num sistema de redistribuição,
não existe qualquer relação entre a demografia e o stock de capital. Para conseguir servir uma
população envelhecida, Portugal precisaria de ser uma economia mais capitalizada, mas essa
capitalização deveria ter ocorrido há 20 anos atrás, utilizando as poupanças daqueles que hoje se
reformam. Este desajuste entre evolução demográfica e o equilíbrio dos factores de produção
afectará (ou já afecta) a economia como um todo, mas o sistema de segurança social será a
primeira e mais séria vítima.
A ruptura da segurança social é um problema que tem que ser encarado com seriedade mesmo
por aqueles que, como eu, são ideologicamente contra a existência de sistemas do género. Todas
as reformas do estado têm consequências injustas para pessoas que, legitimamente, orientaram
a sua vida segundo certos pressupostos que se alteram violentamente. Mas, enquanto que um
funcionário público de 30 anos que perca o emprego que julgou seguro, terá muitos anos
produtivos pela frente para se recompôr, um idoso de 70 anos, que organizou a sua vida e as
suas poupanças no pressuposto de que receberia uma reforma decente, já não terá esse tempo.
O rebentar da segurança social será um momento histórico dramático, provavelmente mais grave
socialmente do que o actual.
Seria de esperar que perante esta perspectiva desanimadora na segurança social, os líderes
políticos tentassem adiar o mais possível o desfecho, começando a cortar nos benefícios. Mas
não foi o que aconteceu até 2011. O que parece ter acontecido nos 10 anos anteriores a 2011 é o
exacto oposto. Consciente ou inconscientemente, parace estar a passar-se a típica situação de
tentar saquear o mais possível antes que a falência se torne inevitável, acelerando-a. Atente-se
no gráfico abaixo:
Evolução do número de reformados por escalão de reforma (2001=100)
Fonte: Pordata
Neste gráfico encontram a evolução indexada do número de pensionistas de acordo com o
montante da reforma. As linhas azuis representam os escalões de rendimento mais altos. Como
se vê pelo gráfico, em 2011 havia 5 vezes mais reformados a ganhar acima de 4000 euros do que
em 2001, também 5 vezes mais reformados a ganhar mais de 3000 euros e 7 vezes mais a
ganhar entre 2000 e 3000 mil euros.
Poder-se-ia argumentar que este é apenas o efeito normal de actualização de reformas por via da
inflação. No entanto, se olharmos para os números, o IPC aumentou 26% entre 2001 e 2011, o
que, aproximadamente quereria dizer que o número de reformados a receber mais de 2500 euros
em 2011 deveria ser o mesmo que o número de reformados a receber mais de 2000 euros em
2001. Não é o que acontece: em 2001 havia 36 mil pessoas a receber mais de 2000 euros, mas
em 2011 existiam 64 mil a receber mais de 2500 euros.
O impacto da alteração da distribuição do valor das reformas pode ter ascendido a algo como 7
mil milhões de euros em 2011. Se a distribuição do valor das reformas fosse a mesmo em 2011
que em 2001, o estado teria poupado 3,5 mil milhões de euros apenas nos escalões mais altos
(acima de 2000 euros), ou seja, 7 vezes mais o que irá captar em 2013 com a taxa adicional de
IRS. Apesar de serem apenas 7% dos reformados, estas reformas douradas representam 28% do
montante total pago em reformas. Resta saber quantos destes realmente descontaram o
suficiente para justificar receber este montante e quanto recebem estas reformas apenas por
cumprirem alguns anos em organismos públicos ou cargos políticos. Infeliz e convenientemente,
esses dados não estão disponíveis.
Sistemas de Segurança Social 101
Imaginemos uma ilha onde o único sector produtivo é a pesca e o único produto de consumo é,
surpreendentemente, peixe. Esta ilha está a passar por uma fase de transição demográfica.
Existem de momento 4 adultos, 2 reformados e 2 crianças. É de esperar que no futuro passem a
ser 2 adultos para 4 reformados e 2 crianças. Cada adulto é capaz de pescar 4 peixes ou produzir
uma rede. Com rede, cada adulto pode pescar 6 peixes. O que é que aconteceria com a
economia desta ilha num sistema de redistribuição e num sistema de capitalização?
Sistema de redistribuição
Num primeiro momento, o boom demográfico permite que a economia produza 16 peixes, o que
garante 2 peixes a cada habitante da ilha. Já num segundo momento, a redução do número de
adultos reduz proporcionalmente o número de peixes pescados. Assim sendo, os dois adultos
pescam 8 peixes, garantindo apenas 1 peixe por habitante da ilha.
Sistema de capitalização
Num sistema de capitalização, parte do esforço dos adultos dirige-se à produção de bens de
capital. Ou seja, a população abdica de consumir peixes, para garantir o aumento do stock de
capital (neste caso, redes de pesca). Em vez de produzirem 16 peixes, produzem 12,
direccionando oo restante esforço para a produção de redes de pesca. Repare-se que o consumo
de peixes aqui é menor do que na situação anterior. Num segundo momento, a redução do
número de adultos é compensada pela existência das redes de pesca que permitem um aumento
de produtividade. Este aumento de produtividade garante a continuidade dos padrões de
consumo anteriores. É importante notar aqui, que quanto maior o número de adultos no primeiro
período, maior será o número de redes disponível no segundo período.
Um sistema de redistribuição é um sistema que favorece o consumo, prejudica a poupança,
descapitalizando a economia. O pior é que existe um gap temporal entre o problema e o seu
impacto. No sistema de redistribuição apresentado acima, não há qualquer forma de, com um
passe de mágica garantir a sustentabilidade dos níveis de consumo do 1º período. Antes pelo
contrário, a solução terá que passar por reduzir ainda mais o consumo no 2º período para desviar
recursos para a produção de redes e, inevitavelmente, colocar reformados a pescar.
Segurança Social falhou, e agora?
A questão que se coloca hoje não é tanto se o actual sistema de segurança social falhou, porque
é uma evidência para todos os que sabem fazer contas, mas o que fazer para o corrigir. Começo
pelo princípio: não há soluções miraculosas que curem erros de 40 anos. Não é possível
acumular o capital que não foi acumulado ao longo de 40 anos, nem criar um sistema que elimine
a má gestão do passado. Os erros do passado terão que ser pagos e não existe nenhuma
solução sem dor.
Em primeiro lugar há que tratar as obrigações da Segurança Social como aquilo que são
efectivamente: dívida pública. As obrigações que o estado português assumiu perante os
reformados sem ter o capital acumulado para cumprir, estão ao nível da restante dívida pública
que o estado emitiu sem ter capacidade para pagar. A solução é assim, semelhante: default
parcial, alargamento de prazos e consolidação orçamental noutras áreas para cobrir estas
obrigações. O default parcial passará por ter reformardos a receber bem menos do que lhes
prometeram e descontaram. Já o alargamento de prazos neste assunto passará por aumentar a
idade da reforma. Claro que não será suficiente e o dinheiro dos impostos (chamem-se IRS, IRC
ou “contribuições para a SS) terá que ser utilizado para cobrir o buraco.
No entanto, há algo que temos que aprender com este erro: não podemos mais prolongar um
sistema de redistribuição. Tem que ser criado um efectivo sistema de capitalização que não nos
coloque num buraco ainda maior daqui a 30 anos. O estado não pode prometer reformas a todos
aqueles que agora iniciam a sua carreira. Seria muito importante que o estado deixasse de mentir
e dissesse claramente aos mais jovens para planearem a sua reforma, deixando de chamar a um
dos impostos sobre o seu rendimento “descontos para a segurança social”. Porque esses
descontos não são poupanças para a reforma como querem fazer passar, mas um imposto que
serve para pagar as obrigações do estado português perante os actuais reformados. São um
imposto que permite ao estado português cobrir um erro de 40 anos, mas que não garantirá uma
reforma decente à geração que o está a pagar.
Em tempos, os socialistas em peso cairam em cima do deputado do CDS Michael Seufert quando
ele sugeriu que os jovens pudessem fazer opt-out do esquema de segurança social. Uma
sugestão que mereceria uma outra atenção se tivessemos políticos com visão para além da
sondagem da próxima semana.
~~ Conversa de café ~~
“Com um sistema de redistribuição, todos os governos terão incentivos em dar
mais benefícios do que o sistema pode aguentar para ganhar votos no presente.
Quando a conta chegar no futuro, já não serão eles a pagar.”
“A segurança social, como foi desenhada, não passa de um esquema em
pirâmide, pouco diferente da Dona Branca ou do jogo da bolha, mas onde todos
são obrigados pelo estado a participar.”
“É pouco provável que aqueles que hoje têm menos de 40 anos venham a
receber uma reforma decente. É só fazer as contas.”
“O número de reformas milionárias aumentou bastante desde 2000. O saque à
segurança social aumenta à medida que se vão apercebendo que pode acabar
em breve”
2. A educação
A demografia e os professores a mais
No gráfico em baixo podemos vêr a evolução do número de alunos matriculados nos diversos
níveis de educação. A fonte é o Ministério da Educação.
Como se pode vêr pelo gráfico o número de alunos em todos os níveis de ensino, excepto o pré-
escolar, baixou substancialmente nos últimos anos. No caso do 1º ciclo, o pico ocorreu no
princípio dos anos 80 e desde aí o número de alunos caiu para metade. Uns anos mais tarde,
mais precisamente em 1986/1987, ocorreu o pico no número de alunos do 2º ciclo. Desde aí o
número de alunos inscritos no 2º ciclo baixou 33%. Oito anos mais tarde ocorreu o pico no 3º ciclo
e ensino secundário. Desde esse pico, o número de alunos matriculados caiu 16% e 27%
respectivamente. A demografia, como se pode verificar, não engana. O único crescimento ocorreu
no pré-escolar, não por efeito demográfico, mas pelo alargamento da rede. Desde o início dos
anos 90, a rede pré-escolar alargou-se a mais 95 mil alunos (+55%), mas que não chegou para
compensar os 300 mil que se perderam no ensino básico.
Fica assim, mais uma vez, provado o argumento do efeito da evolução demográfica no sector do
ensino. Nem o aumento conjuntural devido ao programa Novas Oportunidades pode alterar a
tendência de longo prazo: menos crianças, menos alunos.
Mas podemos ir mais longe. comparemos os números anteriores com a evolução do número de
docentes. Os valores abaixo são retirados deste relatório, onde os 2º e 3º ciclos e secundário são
agregados.
Comecemos pelo pré-escolar. Vimos anteriormente que o número de alunos na rede pré-escolar
pública cresceu 55% desde o ano lectivo 90/91. Nesse mesmo período, o número de docentes na
rede pré-escolar cresceu 89%, muito mais do que o crescimento no número de alunos. No caso
do 1º ciclo, enquanto o número de alunos matriculados baixou 45% desde o pico, o número de
docentes baixou apenas 19%. Mas a maior diferença ocorre nos níveis de ensino do 2º/3º ciclos e
secundário. Enquanto o número de alunos nestes níveis baixou 19% desde o pico de 1994/95, o
número de docentes não só não desceu, como aumentou 15%.
Claro que se pode sempre argumentar que estas diferenças se devem a uma necessidade de
melhoria da qualidade do ensino por via de um rácio Alunos/professor mais baixo. Também não
parece que tenha sido esse o caso. O actual rácio para Portugal é de 11.6 que não fica mal
quando pensamos que a Espanha tem 12.6, a Alemanha 13.0 e a França 18.7 (dados do World
Bank). Em suma, não só a demografia irá continuar a pressionar a oferta de lugares no ensino no
futuro, como existe algum caminho para recuperar do passado.
O sobre-investimento em educação
Começo por constatar o óbvio: os benefícios da educação vão muito para além da mera
preparação profissional. Para a elite que lidera o país, é também uma boa forma de formatação
ideológica (eu lembro-me de, a certa altura no ensino secundário de ter três disciplinas cujo
manual era escrito por Boaventura Sousa Santos). Mas para os estudantes que desenvolvem
espírito crítico em relação ao que aprendem, sabendo filtrar aquilo que recebem, a educação é
uma forma de enriquecimento pessoal que oferece benefícios que vão muito para além da
preparação para uma profissão. Tudo considerado, a educação é, obviamente, uma necessidade
básica, mas tudo indica que nos últimos anos existiu um investimento exagerado em educação.
Eu compreendo como afirmar que existe um sobreinvestimento em educação pode ferir a
sensibilidade de alguns, afinal, sendo a educação algo inequivocamente bom, como podemos ter
demasiado disso? A questão é que, ao contrário do que a esquerda insiste em esquecer, os
recursos são escassos. O investimento em educação foi realizado à custa de impostos e dívida,
que resultaram na perda daquilo que é necessário para fazer render a educação: o capital. Em
linguagem para não economistas, andamos a taxar as fábricas para formar engenheiros, e hoje
temos engenheiros, mas não temos fábricas. Temos gestores, mas não temos empresas para
serem geridas.
Eu sei que aparecerá sempre alguém que consiga manipular os dados de forma a demonstrar
que Portugal investe pouco em educação ou taxa pouco o capital. Mas a realidade está aí: o
desemprego entre licenciados está aos valores mais altos de sempre, assim como a emigração.
De facto, formamos pessoas em demasia para o capital disponível para as empregar. Portugal
está hoje na situação de uma companhia aérea que vendeu todos os aviões para formar pilotos.
Pior do que isso: na medida em que muita dos cursos subsidiados nem sequer foram criados de
acordo com as necessidades do mercado laboral, Portugal é mais como uma companhia aérea
que vendeu aviões para formar astronautas e sapateiros.
O facto de existirem ofertas de empregos para arquitectos altamente qualificados oferecendo um
salário de 500 euros, mas uma empresa não conseguir contratar costureiras a 750 euros (fonte:
notícia de Junho de 2012) é apenas o resultado da lei da procura e da oferta: temos demasiados
arquitectos e poucas costureiras.
Como se corrige isto no actual panorama político? Começar por deixar de subsidiar os cursos
com mais baixos níveis de empregabilidade, elevando a propina desses cursos nas universidades
públicas para um valor próximo do seu custo, deixando assim de sobrecarregar os contribuintes
com a formação de profissionais que o país não necessita. Seria um pequeno passo para reiniciar
a acumulação de capital necessária para voltarmos a ter empregos para profissionais
qualificados. Até lá, precisaremos de costureiras.
Injusto e imoral
Os dois grandes educadores em Portugal, a escola pública e os media, foram passando a
mensagem ao longo dos anos de que os jovens devem seguir a carreira que mais gostam e para
a qual se sintam dotados. Na medida em que o direito ao emprego está garantido pela
constituição, o corolário óbvio é de que é função do estado (ou seja, dos contribuintes) garantir o
emprego de sonho a todos os portugueses. Cresceu assim uma geração de auto-proclamados
artistas, professores, académicos e intelectuais de toda a espécie. Enquanto houve dinheiro
criaram-se bolsas, subsídios e posições na função pública que foram compensando o facto de
mais ninguém estar disposto a pagar-lhes pelo seu trabalho. Enquanto isso, empresas tiveram
que deslocar-se por falta de profissionais qualificados noutras áreas.
Entretanto, como sempre acontece com experiências socialistas, acabou-se o dinheiro dos outros.
Nos próximos anos alguns irão perder as, cada vez mais escassas, benesses que o estado lhes
foi dando. A pessoas como a Myriam Zaluar (que escreveu uma carta ao primeiro-ministro
queixando-se de que não encontrava emprego nas áreas que mais gosta: ensino e
investigação) permitam-me que dê um conselho: façam-se úteis à sociedade, adaptem-se e
façam algo que os outros estejam dispostos a pagar sem ser por intermédio da coerção estatal.
Se mesmo assim insistirem em fazer aquilo que gostam, emigrem, procurem um local em que
haja pessoas dispostas a pagar pelo vosso talento. Se não há crianças suficientes para lhes
garantir um emprego, os professores que o queiram continuar a ser, devem deslocar-se para
países lusófonos onde existem milhares de crianças sem professor. Não é obrigação dos
restantes portugueses subsidiar os vossos sonhos, nem financiar más decisões de carreira. É
injusto pedir aos contribuintes, que na sua maioria não têm as suas profissões de sonho, que
continuem a abdicar dos seus subsídios de Natal para que vocês possam ter uma profissão que
não satisfaz nenhuma outra necessidade para além da vossa própria realização pessoal. Não é
só injusto, é imoral.
~~ Conversa de café ~~
“Apesar de o número de alunos ter vindo a baixar, o número de professores
aumentou, aumentando bastante os custos da educação”
“O declínio demográfico irá levar a que sejam precisos cada vez menos
professores. E Portugal até começa com professores a mais”
“Cada um pode perseguir as suas profissões de sonho à vontade, mas depois
não se pode queixar das consequências financeiras de o fazer”
“É injusto e imoral pedir aos contribuintes, que na sua maioria não têm as suas
profissões de sonho, que continuem a pagar para que outros as possam ter”
“Nos últimos anos houve um claro sobre-investimento em educação superior,
resultando num excesso de licenciados em muitas áreas”
3. A saúde
O preço da vida
Há alguns dias atrás, o CNECV emitiu um parecer, sugerindo o racionamento de alguns
tratamentos, lançando uma onda de indignação em alguns comentadores. Entre a irracionalidade
de algumas reacções e o lirismo do discurso de que “a vida não tem preço”, convém esclarecer
alguns pontos fundamentais.
Em primeiro lugar, o discurso de que a vida não tem preço esbarra com a realidade económica (e
física) de que os recursos são finitos. Se, como muitos comentadores afirmam, se deveria utilizar
todos os recursos disponíveis para prolongar uma vida porque esta não tem preço, o que fazer
quando é preciso prolongar duas vidas? E, como no caso do SNS, for preciso prolongar 10 mil
vidas? Por definição matemática, não se pode utilizar todos os recursos (leia-se medicamentos,
equipamentos, pessoal médico) 10 mil vezes, é necessário dividir os recursos finitos no
prolongamento dessas 10 mil vidas. Ou seja, é preciso racionar o montante de recursos utilizados
para prolongar cada uma dessas vidas. É neste contexto que se torna necessário fazer escolhas,
por exemplo, entre prolongar a vida de uma pessoa de 80 anos por mais alguns meses ou de
uma criança por algumas décadas.
Contraporão alguns, com razão, que o estado incorre em várias despesas inúteis e que mais
recursos poderiam ser dedicados à saúde. É um argumento interessante porque indica que os
portugueses, que já se tinham apercebido nos últimos tempos que a despesa e a dívida pública
se pode medir em subsídios de Natal perdidos, vão-se agora aperceber que também se pode
medir em anos de vida. Talvez isso os faça olhar de forma diferente para os políticos que pedem
mais despesa e investimento público ou reinvidicam a protecção a empresas públicas falidas
(quantas vidas custará manter a RTP pública?). Mas mesmo este argumento continua a embater
no obstáculo essencial: mesmo que todos os recursos da economia fossem canalizados para a
saúde, estes continuariam a ser finitos. Ou seja, mesmo que mais recursos fossem dedicados à
saúde, teria que continuar a existir racionamento.
Porém ninguém deseja que todos os recursos sejam dedicados à saúde. Ao contrário da visão
unidimensional de alguns comentadores, a vida não se mede apenas em anos, nem o objectivo
de cada indivíduo é apenas o de prolongar a sua vida. Prova disso é o facto de que os individuos
em liberdade fazerem opções que, encurtando a sua esperança de vida, aumentam a qualidade
desses mesmos anos (fumar, beber, viajar, ter filhos). Os seguros de saúde privados têm um
custo semelhante a uma assinatura de televisão por cabo, mas não será surpresa para ninguém
que haja mais pessoas comprando TV por cabo do que seguros de saúde privados. Ao
escolherem pagar por um serviço de televisão por cabo em vez de comprar um seguro de saúde,
os indivíduos estão claramente a passar a mensagem de que o prazer que lhes dá aceder a esse
serviço de televisão é maior do que o potencial prolongamento do tempo de vida que lhes daria o
acesso a um seguro de saúde. As pessoas querem mais da vida do que viver muitos anos,
querem viver experiências, mesmo que essas experiências impliquem a utilização de recursos
que não serão utilizados para lhes prolongar a vida.
Todas as pessoas têm escolhas diferentes em relação ao que estão, ou não, dispostos a abdicar
para prolongar o seu tempo de vida. São preferências profundas, nalguns casos morais e que
deveriam ser individuais. Infelizmente, com o sector da saúde fortemente estatizado, a maioria
das pessoas jamais poderá exercer essa opção de forma livre. Serão sempre os painéis de morte,
como o do CNECV, a fazer estas escolhas consoante a situação financeira do país. E isto sim, é
um bom motivo para estar indignado.
A nacionalização da vida
Um sistema nacional de saúde pode ser gerido de uma de duas formas. A primeira é a opção “A
vida não tem preço” que consiste em colocar todos os recursos necessários ao serviço da saúde.
Esta opção é a quase unanimemente escolhida pela maioria dos portugueses, excepto, claro,
quando chega a hora de pagar por ela. Há alguns meses, o secretário de estado adjunto da
Saúde afirmou que o Sistema Nacional de Saúde poderá deixar de comparticipar tratamentos que
prolongam a vida de doentes terminais. A reacção foi a esperada e com os argumentos
previsíveis. Falou-se sobre um estado cruel que não utiliza todos os recursos possíveis para
prolongar a vida de doentes, o tal argumento de que a vida não tem preço. A verdade é que,
apesar de ser um argumento popular, todas as pessoas o contradizem diariamente. Ao sairem de
casa para o trabalho, os indivíduos têm a noção de que correm um maior risco de vida do que se
não o fizerem. Mesmo assim fazem-no, colocando um preço (um dia de salário) no aumento de
probabilidade de morrer. Ao desfrutarem de certos prazeres da vida também sabem que estão a
colocar em causa a sua longevidade. Se questionados sobre se preferem comprar um carro de 20
mil euros aos 30 anos ou viver mais duas semanas ligados às máquinas com 80 anos, a maioria
das pessoas optará pela primeira opção. Ou seja, consciente ou inconscientemente, as pessoas
têm a noção de que a vida tem um preço e, colocados perante a necessidade de pagar por ela,
facilmente rejeitam a opção “A vida não tem preço”.
Este tipo de escolhas são muito pessoais, mas não levantariam problemas morais se a
responsabilidade das consequências também fossem individuais. A existência de um serviço
nacional de saúde socializa as consequências dessas opções individuais. E é neste contexto que
surge a segunda opção: o nanny state. A ideia do nanny state é impedir que opções de vida com
consequências sociais sejam também socializadas. O mesmo secretário de estado que anunciou
a medida descrita no primeiro parágrafo do texto, tem feito consecutivos anúncios de intenção de
se intrometer na vida dos portugueses para as tornar mais saudáveis, de maneira a poupar
dinheiro ao Sistema Nacional de Saúde. Proibições de fumar, restricções ao tipo de alimentos que
tomam e sin taxes para incentivar estilos de vida saudáveis. Ou seja, perante a impossibilidade de
utilizar recursos infinitos resta ao estado tentar cortar o mal pela raiz, impedindo opções
individuais por estilos de vida menos saudáveis. O que se está a admitir neste caso é que a
tomada de responsabilidade pelas consequências dos actos, dá ao estado o poder de comandar
os próprios actos. Quando esta acção a nascente não é suficiente, o nanny state aparece na sua
versão mais negra a poente com os paineis da morte, em que grupos de médicos e burocratas
decidem quem deve morrer e quando, baseado em critérios definidos centralmente.
Os sistemas de saúde públicos estão condenados a ser uma de duas coisas: um sorvedouro
infinitos de recursos com algum sucesso em prolongar os anos de vida, mas à custa de os tornar
miseráveis (como é o caso de Cuba); ou então tornarem-se prisões de saúde em que o estado
aspira a controlar todos os comportamento individuais que possam implicar custos de saúde, e
onde a decisão de quem vive ou morre fica nas mãos de um grupo de burocratas. Quem defende
um serviço nacional de saúde público, mas não está disposto a colocar nele todo o seu dinheiro,
terá que se habituar a viver com esta realidade.
A nacionalização da saúde, implicará, mais tarde ou mais cedo, a nacionalização de opções
individuais que a afectem, ou seja, a nacionalização da vida.
~~ Conversa de café ~~
“É muito bonito dizer que a vida não tem preço, mas se se gasta todo o dinheiro
para salvar uma vida, como é que se salva a segunda?”
“Eles optaram por desligar as máquinas. Não valia a pena acabarem com as
poupanças da família para a verem sofrer mais uma semana”
“A saúde não é gratuita. Todos a pagamos com os nossos impostos, mas são os
burocratas do estado que decidem quem pode viver e por quanto tempo”
“Como o estado paga, com os nossos impostos, os tratamentos de todos, os
governantes acham-se no direito de dizer como devemos tratar da nossa saúde.”
“Eu prefiro uma vida curta mas de excessos, a uma vida longa de privações. Se
eu quero fumar e comer bastante, sabendo de que morrerei mais cedo, o que é
que o governo tem que ver com isso?”
4. O estado social
O que é que o Estado Social verdadeiramente fez por si?
Uma das grandes mentiras mil vezes repetida pela esquerda, é o de que o progresso nas
condições sociais desde a revolução do 25 de Abril se deve à luta política. Segundo esta teoria,
Portugal antes de 1974 só não tinha o nível de alfabetismo e a cobertura de cuidados de saúde
que tem hoje por falta de vontade política. É um erro comum e conveniente de atribuir ao Estado
Social os créditos do progresso económico.
Obviamente, a verdadeira razão pela qual Portugal não tinha em 1974 os níveis de literacia e a
abrangência de cuidados de saúde actuais é o mesmo motivo para o Mali e a Coreia do Norte não
o conseguirem fazer hoje: não tinha economia para tal. Ou seja, a economia não tinha os
recursos suficientes para garantir este tipo de serviço para todos. Foi o progresso económico e
tecnológico que permitiu que ficassem disponíveis os recursos necessários para melhorar as
condições sociais, alargar a educação e a cobertura de cuidados de saúde.
A melhor forma de aferir o verdadeiro impacto do Estado Social é perceber como Portugal evoluiu
em relação ao resto do Mundo. Portugal é hoje o 41º no ranking do IDH. Em 1976 era 27º.
Ajustado pela entrada de novos países no ranking, Portugal está hoje em termos relativos no
mesmo lugar que estava em 1976. Nesse período foi ultrapassado por países com modelos de
desenvolvimento muito diferentes como Singapura, Coreia do Sul, Estónia, Malta, Qatar, etc. Com
a agravante de que Portugal melhorou os seus indicadores, em linha com o resto do Mundo
relembro, de uma forma insustentável, enquanto que os países indicados o fizeram de forma
economicamente sustentável. Portugal seguiu um modelo insustentável de descapitalização da
economia, asfixiando-a fiscalmente para sustentar o Estado Social, que nos colocou na situação
actual. É provável que, para recuperar, passe muitos anos a desenvolver-se menos do que o
resto do Mundo.
Em suma, não só o Estado Social não contribuiu para uma melhoria relativa das condições de
vida, como fez com que as melhorias que aconteceram em linha com o resto do Mundo não
fossem sustentáveis. Daqui a uns anos, quando, e se, acabarmos de pagar pelo modelo
insustentável criado, estaremos bem pior em termos relativos do que em 1976. Aí sim, o
verdadeiro impacto do “Estado Social” na economia se fará sentir.
~~ Conversa de café ~~
“A qualidade de vida em Portugal aumentou desde o 25 de Abril, mas também
aumentou em todos os outros países.”
“Países com modelos de desenvolvimento liberais como Singapura, aumentaram
a sua qualidade de vida bastante mais do que Portugal”
5. A fiscalidade
O IMI de 7,5% para emigrantes em paraísos fiscais (sequência de textos de Março de 2012)
Alguns portugueses residentes nos EAU têm recebido cartas do Ministério das Finanças exigindo
um pagamento de IMI relativo a 2011 10 vezes superior ao valor habitual (correspondendo a uma
taxa de 5%). A carta também avisa que para o ano de 2012 o valor será 15 vezes superior, o que
corresponde a 7.5% do valor do imóvel. Ou seja, quem for emigrante nos EAU e tiver uma casa
em Portugal no valor de 200 mil euros, terá que pagar 15 mil euros por ano de impostos, vender a
casa ou entregá-la ao estado. Quem se recusar entregar a casa ao estado, arrisca pena de
prisão. Arrisca pena de prisão pelo simples facto de ter optado por trabalhar num país com um
“regime fiscal claramente mais favorável” e julgar que poderia manter uma casa no país de origem
sem ser roubado de 7.5% do seu valor todos os anos.
Já se sabia que este país não é para os que ficam, mas agora fica claro que também não é para
os que emigram. Próximo passo para evitar o caminho para a servidão é abdicar da
nacionalidade.
Estão a passar por esta situação milhares de emigrantes em locais como Andorra, Hong-Kong,
Uruguai e Emirados Árabes Unidos. Esta situação engloba um conjunto representativo de
problemas que afectam o país como um todo: a ignorância do legislador, a actuação por default
da administração fiscal contra o contribuinte e o desleixo geral da classe política com assuntos
minoritários que não tenham atenção mediática.
O leitor mais desatento poderá pensar que este é só mais um problema resultante da revisão das
taxas de IMI (e são imensos, sem dúvida), mas também não é o caso. O problema mais geral do
IMI, que tantas reacções tem gerado mas que aqui não discuto, prende-se com um aumento da
taxa de IMI de 0,1pp. Já para os emigrantes nos paraísos fiscais esse aumento foi de 6,5pp (65
vezes mais). Também não é um problema resultantes da actual situação do país. O problema que
agora tomou dimensões catastróficas foi sendo construído ao longo de 9 anos. Aqui fica, em
quatro partes, um exemplo de como se pode impôr a servidão fiscal passo a passo, de uma forma
quase lógica:
Parte 1 – Um problema para o estado
Até 2003 era prática comum empresas offshore serem detentoras de imóveis em Portugal. Isto
era feito para evitar o imposto de SISA e imposto sobre mais valias imobiliárias decorrente da
compra e venda de imóveis. O esquema era simples: o imóvel era colocado no nome de uma
empresa offshore criada para o efeito; quando o proprietário resolvia vender a casa, apenas
vendia a empresa offshore que a detinha. Desta forma, a operação de compra e venda não era
realizada sob jurisdição portuguesa não havendo por isso lugar a pagamento de SISA (ou IMT
mais tarde) ou qualquer imposto sobre mais-valias nessa venda.
Parte 2 – A solução
Para combater esta prática, a ministra das finanças da altura, Manuela Ferreira Leite, incluiu um
artigo no código de IMI em que se estabelecia uma taxa agravada para empresas offshore. A taxa
estabelecida na altura foi de 1%, por oposição à taxa normal de 0,3%/0,4%.
Parte 3 – A implementação
O problema apareceria com a redacção da lei. Uma infelicidade do legislador levou a que a lei
fosse redigida da seguinte forma:
Para os prédios que sejam propriedade de entidades que tenham domicílio fiscal em país,
território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constantes de lista
aprovada por portaria do Ministro das Finanças, a taxa do imposto é de 1%, sendo elevado a 2%
nas situações a que se refere o número anterior. (CIMI, 122º,4)
Foi bastante claro nas discussões da altura que a lei tinha sido feita para evitar situações com
empresas offshore semelhantes à mencionada acima. Porém, como o termo utilizado na redacção
da lei foi “entidades”, a Administração fiscal interpretou que a aplicação da taxa agravada também
se estendia a particulares. Isto apesar do problema de fuga fiscal que esteve na origem da lei não
se aplicar de todo a particulares, porque estes terão sempre que pagar IMT e mais-valias em caso
de transacção do imóvel.
Parte 4 – Um grande problema para os contribuintes
A lei assim ficou durante os 7 anos seguintes. Com uma diferença de 0,5pp, a maioria dos
emigrantes não achou que valeria a pena protestar. Mas o pior ainda estava para vir. No
orçamento de 2011 foi aprovado o aumento desta taxa agravada de 1% para 5%. Esta subida
passou despercebida na altura porque não foi muito noticiada ou discutida (afinal apenas iria
afectar empresas offshore, certo?). A maioria dos emigrantes só se apercebeu da subida nas
últimas semanas quando foram confrontados com a nota de liquidação do imposto. Para 2012
este imposto será de 7,5%.
Chegamos então a esta situação devido a uma lei, que muitos terão considerado bem
intencionada, mas que por ser mal redigida e interpretada à letra, está neste momento a levar
muitos emigrantes a uma situação de desespero. Esta não é uma situação nova: a aplicação da
taxa a particulares esteve sempre errada, mas assume agora contornos dramáticos com a subida
de 1% para 7,5%.
6. A crise da dívida soberana
Os mitos sobre a crise
A actual crise das dívidas soberanas deu origem ao aparecimento de diversos mitos pouco
fundamentados, mas que mil vezes contados acabam por serem assumidos como verdadeiros.
Eis um resumo desses mitos:
Mito: A origem da dívida pública está no salvamento dos depósitos do BPN, nas ajudas aos
restantes bancos e em gastos com a Defesa Nacional como a compra dos submarinos
Realidade: Os gastos com a defesa constituem menos de 2% do total do orçamento para 2012.
Mesmo assumindo que todos os custos incorridos com o BPN e a compra dos submarinos foram
financiados por dívida, o custo dos submarinos corresponde a 0.5% do total de dívida pública e do
salvamento dos depósitos do BPN de cerca de 3% do total da dívida. A maioria esmagadora dos
gastos do estado, e consequentemente as fontes da dívida pública, são com Segurança Social,
Educação e Saúde. Esta é a realidade em Portugal e na Grécia. Apenas no caso da Irlanda se
pode dizer que foi o salvamento aos bancos locais que despoletou a crise
Mito: A austeridade é uma forma de defender os bancos, punindo a população em geral
Realidade: Os bancos de países como a Grécia e Portugal estão já absolutamente
descapitalizados. Como resultado desse processo, os principais bancos portugueses valem neste
momento um décimo do que valiam há 2 anos atrás, ou seja, os accionistas desses bancos
perderam 90% das suas poupanças. Foram eles quem até hoje mais perdeu com a crise da
dívida soberana. O dinheiro que hoje vai para os bancos, embora não seja esse o objectivo
assumido, é basicamente para garantir o dinheiro dos depositantes. Esse dinheiro é aplicado
maioritariamente em dívida pública, e se essa dívida não for paga, os depositantes correm o risco
de perder o seu dinheiro. Qualquer default do estado irá também fazer com que o estado não seja
capaz de obter empréstimos por muitos anos. Se a austeridade exigida para atingir défices de 5%
é penosa, mais penosa será a austeridade necessária para ter défice zero.
Mito: Os bancos orquestaram a crise para poderem emprestar dinheiro a juros altos enquanto
obtêm financiamento do BCE a 1%
Realidade: Os empréstimos do BCE aos bancos são por um dia, renováveis e mediante colateral.
Os empréstimos dos bancos ao estado são feitos por prazos prolongados (1, 2, 5 e 10 anos) e
sem colateral, pelo que o risco é muito superior. Como prova desse risco, os bancos que
emprestaram dinheiro à Grécia perderam metade do montante emprestado.
Mito: A crise da dívida só se resolve se os estados lançarem políticas expansionistas que façam
crescer a economia
Realidade: Foram as políticas expansionistas e os défices constantes que trouxeram países como
a Grécia e Portugal à actual situação. Se políticas Keynesianas de expansão do investimento e
défice das contas públicas funcionassem, nem a Grécia, nem Portugal estariam na actual
situação. Ambos os países apresentarem défices públicos de forma permanente nos últimos 10
anos e nem por isso cresceram mais que os seus pares que mantiveram contas equilibradas.
Investimentos públicos como o Euro2004 em Portugal e os Jogos Olímpicos na Grécia apenas
deram um empurrão temporário à economia, de imediato invertido nos anos seguintes. Pelo
contrário, a Irlanda que lançou um plano de austeridade mais cedo e mais agressivo que o
Português, já está hoje novamente a crescer e a equilibrar as suas contas. A única forma de
relançar a economia é voltar a ter contas equilibradas para que se possam baixar impostos e
incentivar o investimento privado.
Mito: Roosevelt resolveu a depressão de 1929 com políticas expansionistas, impondo grandes
défices nas contas públicas, e é essa a estratégia que os países europeus devem seguir
Realidade: Muitos académicos contestam que as políticas levadas a cabo por Roosevelt tenham
de facto resolvido a Grande Depressão. Alguns estudos apontam para que apenas a tenha
prolongado. Mas mesmo assumindo que tal seja verdade, convém notar que o maior défice
público incorrido por Roosevelt durante o New Deal foi de 5.5% em 1936. Por comparação, em
2010 Portugal teve um défice de 10.1% e a Grécia de 15.8%. É errado chamar expansão a um
défice de 5.5% mas depois reclamar de austeridade quando são impostos défices superiores na
Grécia e em Portugal.
Mito: Os mercados são uma entidade bem definida, dominado por poucos agentes com um plano
maquiavélico para destruir a Democracia e tomar conta do Mundo
Realidade: Os “mercados” são constítuidos por todos os aforradores e seus representantes que
escolhem a melhor forma de aplicar as suas poupanças. A taxa de juro das dívidas soberanas
sobe se esses aforradores duvidarem da capacidade de pagamento desses países e por isso se
recusem a emprestar-lhes dinheiro. A recusa de muitos investidores em emprestar dinheiro à
Grécia que nos últimos dois anos fez aumentar a taxa de juro exigida, acabou por revelar-se
certeira, uma vez que a Grécia acabou por acordar não pagar metade dessa dívida.
Mito: Os mercados têm uma intervenção malévola na democracia, sendo as recentes situações
na Grécia e Itália um bom exemplo disso
Realidade: O processo democrático levou a uma situação de insustentabilidade financeira para
alguns países. Terá que ser o mesmo processo democrático a resolver essa situação. A mudança
de líderes na Grécia e na Itália, que foram aprovadas pelos parlamentos eleitos
democraticamente, visa atingir esse objectivo. Dizer que os mercados são inimigos da
democracia porque os investidores não emprestam dinheiro a líderes que não confiam é o mesmo
que dizer que a Física é inimiga da democracia porque não permite que seja revogada a lei da
gravidade.
Mito: As agências de rating são culpadas pela crise da dívida soberana por terem baixado os
ratings de dívida soberana dos países e dessa forma aumentado os juros da dívida
Realidade: Se alguma culpa pode ser atribuida às agências de rating foi não terem feito
downgrade da dívida soberana de países como Portugal e a Grécia mais cedo. Quando os
downgrades foram feitos a países como Portugal e a Grécia, já os aforradores e os seus
representantes se recusavam a emprestar dinheiro a esses países. Em segundo lugar, nada
impede os investidores de continuar a comprar dívida soberana depois de um downgrade se
acharem que realmente o país tem capacidade de pagar. Um bom exemplo disso são os EUA que
depois de um downgrade de uma agência de rating conseguiram obter empréstimos a uma taxa
de juro ainda mais baixa que antes do downgrade.
Da histeria em torno da Moody’s
Numa altura em que a imprensa vai alimentando a histeria anti-Moody’s, no nosso típico
comportamento de arranjar bodes expiatórios para os erros do passado, convém lembrar algumas
coisas básicas:
1. Portugal está falido. Sem ajuda externa, teríamos entrado em incumprimento em Junho. Entre
os outros dois países da zona euro que pediram ajuda externa, um já tem plano de reestruturação
da dívida.
2. Para a maioria dos leitores deste blog a frase seguinte é uma evidência mas para quem ler a
imprensa portuguesa não é: a Moody’s não classificou Portugal (o país) de “lixo”, mas sim colocou
a dívida soberana de Portugal como tendo classificação “Ba”, o que no jargão dos investidores é
chamado de lixo. A definição da Moody’s é que dívida classificada como “Ba” tem um risco
substancial de não ser paga, o que não se afasta muito da realidade.
3. Não há oligopólio nas agências de rating. Existem dezenas de agências de rating, incluindo
uma portuguesa. Se a Moodys não é credível, qualquer entidade pode pedir rating a uma outra
agência.
4. As companhias de rating apenas emitem opiniões que podem, ou não, estar certas e podem,
ou não, ser seguidas. O motivo pelo qual se dá maior importância à Moody’s do que às outras
dezenas de agências é pura e simplesmente porque a Moody’s tende a prestar informações mais
certeiras do que as outras. Tendo estado errada no passado (por exemplo, no caso do subprime),
a Moody’s tem um historial de estar mais vezes certa do que errada.
5. O impacto legal das notações das agências de rating foi decidido pelos reguladores, contra a
vontade das próprias. Em 2001, aquando da discussão dos acordos de Basileia II, a Moody’s
mostrou-se contra a utilização dos seus ratings na definição dos rácios de capital dos bancos.
6. Quem achar que a Moody’s não tem razão, tem uma boa oportunidade de negócio. Pode ir ao
banco e pedir para investir as suas poupanças em dívida Portuguesa a 3 anos. Neste momento a
taxa de juro está à volta dos 20% o que é um excelente negócio para quem, ao contrário da
Moody’s, não achar que Portugal pode deixar de pagar a dívida.
~~ Conversa de café ~~
“O caso BPN ou a compra dos submarinos foram grandes erros, mas são apenas
uma gota de água na crise da dívida”
“As agências de rating só baixaram a notação a Portugal porque efectivamente o
país esteve perto de falir sem ajuda externa”
7. A constituição
Constitucionalmente falidos
Nos 7 anos imediatamente seguintes à aprovação da Constituição de 1976 foram necessárias
duas intervenções do FMI para evitar o descalabro financeiro. Deveria ter servido de aviso.
A entrada na CEE e posteriormente no Euro permitiu o adiamento da terceira vinda, mas não
eliminou o problema fundamental: a Constituição, e as interpretações que se foram fazendo dela,
é um entrave à estabilidade e prosperidade económica. A Constituição salvaguarda o direito à
educação, à saúde, à segurança, à habitação, ao emprego e à cultura, mas não gera a riqueza
necessária para garantir esses direitos, nem ajuda a criar as condições necessárias para a gerar.
Para prosperar economicamente é necessário trabalhar, investir e arriscar. Em vez de
salvaguardar exaustivamente objectivos finais, deveria ser papel da constituição definir um
enquadramento que crie as condições e os incentivos necessários a estas actividades. A garantia
inequívoca da estabilidade das contas públicas e o estabelecimento de limites à carga fiscal
seriam passos nesse sentido.
Nas últimas semanas, tem-se clamado pela Constituição a cada medida de consolidação
orçamental. A interpretação da Constituição passou de um exercício jurídico a um instrumento de
intervenção política. Este uso e abuso da Constituição para o exercício de pressão política ajuda
à sua descredibilização e sublinha ainda mais a necessidade de a alterar. Caso contrário, ao
mantermo-nos constitucionalmente cumpridores, acabaremos constitucionalmente falidos.
~~ Conversa de café ~~
“Isto de ter direitos consagrados na Constituição é muito bonito, mas é preciso
garantir que haja uma economia que sustente estes direitos”
“A Constituição Portuguesa ainda defende o caminho para o socialismo, apesar
desse modelo ter fracassado um pouco por todo o mundo”
“Não é por escrever que tenho direito a comer que as batatas aparecerão no meu
prato. Alguém tem que as produzir.”
8. O mercado de trabalho
Ideia assassina
A precariedade laboral é um tema recorrente na agenda da esquerda e tem-se tornado ainda
mais discutido nos últimos tempos.
Começo por constatar o óbvio: ninguém gosta de ser precário. Mantendo tudo o resto constante,
todos gostaríamos de ter um emprego que nos garantisse um salário permanente,
independentemente da produtividade, das oscilações da economia ou de outras alterações no
mercado. Mas a economia é uma realidade dinâmica em que mudanças tecnológicas, aumentos
de eficiência e simples oscilações no mercado fazem com que a necessidade de mobilidade de
factores seja constante. Todos beneficiamos com este dinamismo. Todos beneficiamos da
inovação e dos aumentos de eficiência recorrentes desta mobilidade de factores. Mesmo aqueles
que se podem encontrar em determinado momento do lado perdedor (os que deixam de ser
necessários), no médio prazo também acabam por beneficiar. Colocar entraves à movimentação
de trabalhadores entre empresas e sectores atrasa o desenvolvimento da economia, colocando
um travão ao crescimento e à inovação. É também um entrave ao empreendorismo e à
sobrevivência de muitas empresas. Manter um empregado que não tem um nível de produtividade
suficiente para justificar o seu emprego (seja porque passou a produzir menos ou porque aquilo
que produzia deixou de ser procurado), pode ser bom para o empregado no curto prazo, mas é
mau para toda a economia e para o próprio empregado no médio prazo.
A flexibilidade laboral também incentiva a criação de emprego e contribui para aumentar o nível
salarial.Um bom exemplo disto é o mercado das empregadas de limpeza doméstica que será um
dos empregos com maio número de empregados e empregadores individuais distintos no país. É
uma relação laboral que envolve milhares de famílias e milhares de empregadas de limpeza
doméstica, mas não estarei a exagerar se disser que quase todas estas relações laborais são
precárias e informais. Muitas destas relações são regulares, outras nem tanto, mas quase todas
funcionam no princípio da mais absoluta precariedade em que a empregada pode ser dispensada
de uma semana para a outra (a designação “mulher-a-dias” não engana). Quando as famílias
sentem algum aperto, mudam de casa ou deixam de estar satisfeitos com a sua empregada,
simplesmente terminam a relação laboral. Agora imaginemos que se obrigava a que todas estas
relações de trabalho fossem formalizadas e que se impunha a rigidez laboral com que a esquerda
sonha. Certamente algumas destas empregadas saíriam a ganhar, mas a maioria simplesmente
perderia o emprego. Outras só manteriam essa ocupação se aceitassem um grande corte de
salário. A maior parte das famílias que as contrata não aceitaria o peso de mais uma despesa
recorrente ou a obrigação de manterem uma empregada permanente mesmo em alturas em que
viessem a não poder pagar ou não precisar dos seus serviços (já para não falar de todos os
aspectos fiscais ligados à formalização do contrato).
Eu sou precário, e não me lembro de alguma vez não o ter sido. Nunca me faltou o emprego,
embora aceite que isso possa vir a acontecer um dia. Por outro lado, sei também que não poderia
ter o emprego e o salário que tenho (e empregos e salários que tive no passado) se a
precariedade não fosse algo aceite no meu meio profissional e no meu país de emigração.
Ninguém me pagaria aquilo que paga se soubesse que eu me poderia vir a acomodar e deixar de
garantir os mesmos níveis de produtividade que justificam esse salário.
A precariedade laboral garante maior geração de riqueza e mais emprego. Se há algo que a
esquerda ainda não percebeu, ou percebeu e não se importa, é que precariedade no emprego
também é precariedade no desemprego. Dito de outra forma, rigidez no emprego tende a
provocar rigidez no desemprego, beneficiando os trabalhadores actuais, mas prejudicando
aqueles que estão desempregado.
Tornar o mercado laboral mais rígido pode beneficiar alguns, mas terá custos para o crescimento
económico, para o emprego e para o nível de salários. Num país estagnado, sem empregos e
com salários muito baixos é uma ideia assassina.
9. A emigração
Da emigração qualificada
O tema da emigração qualificada é dado a muitos equívocos. Um desses grandes equívocos é o
de que a actual vaga de emigração é o resultado das políticas de austeridade. Pelo contrário: o
surto de emigração qualificada é antes a consequência inevitável das políticas dos anos
anteriores, ditas expansionistas, mas que apenas expandiram a dívida pública . Um país que
amontoa dívida externa enquanto destroi a capacidade produtiva necessária para a pagar
acabará, mais tarde ou mais cedo, a exportar o que lhe resta: pessoas.
O segundo grande equívoco é o de que quem emigra, ou defende a opção pela emigração, está a
desistir do país. A teoria económica diz-nos que existem dois factores de produção variáveis que
se complementam e valorizam: o capital humano (trabalho), constituído por pessoas e
conhecimento, e o capital financeiro, que se converte em máquinas, equipamento, edifícios e
métodos de produção. Segundo o PORDATA, desde 1991 o número de diplomados no ensino
superior quadriplicou, contribuindo para o aumento exponencial do capital humano. Ao mesmo
tempo, o estado e as famílias endividaram-se perante os bancos, e os bancos perante o sistema
financeiro internacional, esvaziando o país do capital financeiro necessário para rentabilizar o
capital humano acumulado. Para os menos habituados à gíria económica o que isto quer dizer é
que o país andou a formar engenheiros enquanto vendia as suas fábricas.
Este processo não é fácil de inverter: serão necessários muitos anos de poupança para acumular
o capital necessário para relançar a economia, libertando de novo o potencial humano do país.
Este período de espera poderá ter efeitos destrutivos no capital humano (leia-se: nos jovens
diplomados). Muitos quadros qualificados ficarão inactivos por longos períodos de tempo, ou em
empregos onde não utilizam plenamente o conhecimento adquirido durante anos de estudo.
Incapazes de utilizar e desenvolver esse conhecimento, arriscarão a perdê-lo com o tempo. Um
estudo da economista Lisa Kahn da universidade de Yale concluiu que estudantes que terminam
o curso em períodos de alto desemprego, nunca mais recuperam o tempo perdido, ganhando
menos durante o resto da carreira, mesmo quando a economia recupera. A escassez, mesmo que
temporária, de capital financeiro tem efeitos negativos duradouros para os indivíduos e para o
crescimento da economia como um todo.
É neste contexto que surge o fenómeno da emigração qualificada. A opção pela emigração
permite que muitos indivíduos se mantenham no activo, desenvolvendo e rentabilizando o seu
talento em países onde ele é mais valorizado. Defender a opção pela emigração em período de
crise não é desistir do país, é aceitar que o país, paradoxalmente, desperdiçará mais talentos se
os mantiver cá.
Um conselho do governo
Alguma esquerda escandalizou-se com o discurso do Secretário de Estado da Juventude e
Desporto em São Paulo no qual afirmou que os jovens devem ter a coragem de sair da sua zona
de conforto e ir além das suas fronteiras para encontrar alternativas de emprego. Em primeiro
lugar as críticas parecem desvalorizar o contexto do discurso, ou seja, o Secretário de Estado
discursava para um grupo de emigrantes e tentou dessa forma louvar as opções da sua
assistência. Porventura, alguns preferiam que o Secretário de Estado mentisse e fosse mendigar
o regresso daqueles emigrantes ao país de origem. Mas esquecendo o contexto, resta sublinhar o
pequeno pormenor de que o conselho é bom. E é bom não só para os jovens, mas para o país.
Para percebermos porque é que é a emigração é positiva para o país, é preciso entender o
porquê deste recente fluxo migratório. O problema português é ausência de capital. Os altos
impostos, um mercado de trabalho inflexível, fracos hábitos de poupança e uma profunda aversão
social à acumulação de riqueza fez com que, aos poucos, o capital fugisse do país. No fundo é
disto que se fala quando se diz que “existem excesso de doutores”. Portugal só tem excesso de
mão-de-obra qualificada quando comparado com o volume de capital acumulado necessário para
a rentabilizar. Engenheiros precisam de fábricas para dirigir e gestores de empresas para gerir.
Ter muita mão-de-obra qualificada num país sem capital acumulado é como ter muita gasolina
mas não ter carros onde a colocar. A única solução é a eliminação de políticas que esvaziam o
stock de capital do país, entre as quais a diminuição da dívida pública, a diminuição dos impostos
e a flexibilização da legislação laboral. E sim, os cortes terão de passar pela educação, ou seja,
pela formação dessa mão-de-obra qualificada. Não vale a pena continuar a vender aviões para
formar pilotos, quando estes não têm o que pilotar.
Um país com excesso de mão-de-obra qualificada só tem uma forma de a rentabilizar:
exportando-a. Aos “enviar” essa mão-de-obra qualificada para regiões com mais capital
acumulado, concerteza que alguma será perdida para sempre, mas muita será rentabilizada e o
retorno virá sob a forma de remessas, know-how, turismo e espírito empreendedor. Será pouco,
dirão alguns, mas neste momento é o melhor que os governantes de um país falido podem
aconselhar aos seus cidadãos.
~~ Conversa de café ~~
“O país investiu bastante na formação de uma geração de diplomados, mas não
foi capaz de criar as condições para que houvessem empresas que os pudessem
empregar”
“O capital humano constroi-se ao longo da vida: manter diplomados parados em
tempo de crise é o mesmo que colocar ao lixo a sua educação”
“Mesmo quem está empregado, poderá encontrar no estrangeiro melhores
condições para aproveitar a sua educação. Ao fazê-lo, não só melhorá a sua vida
como poderá ajudar à acumulação de capital necessária para relançar a
economia do país, através das remessas.
“A única forma de manter os jovens qualificados em Portugal é o de criar
condições para que mais empresas se instalem no país”
10. A captura do estado
A privatização da RTP
Antes de entrar na discussão, adianto desde já que estou convicto que a privatização da RTP não
irá acontecer nesta legislatura. Duvido que Passos Coelho e Portas abdiquem tão cedo do maior
instrumento de poder à sua disposição numa fase em que uma imprensa amiga será tão
necessária. O Manuel Castelo Branco tem defendido no 31 da Armada a manutenção da RTP
como empresa pública. Tentarei rebater os seus pontos aqui:
1. O valor (possivelmente negativo) de venda da RTP: o actual endividamento da RTP é uma
liability para o estado como qualquer outra. Se o estado se endividar em 600 milhões para se
libertar da RTP, em termos líquidos o efeito é nulo. A questão é se queremos continuar a
aumentar esse nível de endividamento ou se queremos entregar a RTP a uma melhor gestão
(privada) que consiga eliminar parte deste endividamento. Se uma empresa privada conseguir vêr
na RTP uma empresa com potencial, até é provável que aceite comprar a empresa por um valor
positivo. A realidade é que por cada dia que a RTP se mantenha sob gestão pública, o seu valor
de mercado diminui.
Outra confusão é a de dizer que apenas os impostos constituem um custo para os contribuintes.
Qualquer contribuição não voluntária, mesmo que lhe chamem taxa, é uma efectiva transferência
fiscal para a RTP.
2. O impacto nos outros operadores de media: O Manuel Castelo Branco fala que a privatização
da RTP eliminaria operadores rentáveis. Numa economia de mercado Um operador não é
rentável se só sobrevive à custa de subsídios indirectos. Se há operadores actuais que só são
rentáveis porque um dos players abdica de receitas por receber subsídios, então não são
verdadeiramente rentáveis. Apenas o subsídio dos contribuintes à RTP os faz rentáveis. Nesse
caso, o mercado deve fazer o seu papel e eliminá-las. Não deve ser papel do Estado garantir a
rentabilidade de empresas privadas quer seja de forma directa ou indirecta.
3. O papel da RTP: o suposto serviço público da RTP é das desculpas mais esfarrapadas para a
sua não privatização. Numa altura em que qualquer um pode ter acesso a 60 canais, na sua
maioria com melhor programação ddo que a RTP a noção de que a RTP deve ser mantida pelos
contribuintes pelo seu serviço público é ridícula. A RTP nacional é um canal como os outros e
ainda não vi ninguém apontar um verdadeiro exemplo de serviço público fundamental que valha
250 milhões de euros por ano. A RTP internacional na era da internet tem um contributo marginal
para a divulgação da língua portuguesa. Como emigrante posso dizer que TVTuga tem, por uma
ínfima parte do custo, um papel muito mais importante na divulgação da língua portuguesa do que
a RTP internacional. A RTP é, acima de tudo, um instrumento de poder. É um instrumento de
poder porque tem servido directamente como a voz do dono para diferentes governos. E é
também um instrumento de poder pela forma como a ameaça da sua privatização mantém os
outros orgão de comunicação social controlados. Abdicar desse instrumento de poder seria um
sinal de que temos um governo diferente. Até agora não o demonstrou ser.
Relvas, a RTP e a qualidade da democracia
A privatização da RTP, para além de aliviar os contribuintes de uma fonte permanente de
despesa, tornará mais plural e competitivo o panorama televisivo português. Como em qualquer
outra indústria, tal contribuirá para um melhor serviço ao consumidor, mas também obrigará as
empresas de comunicação social que beneficiam das actuais condições de oligopólio a serem
mais eficientes, coisa que, como é óbvio não lhes agradará.
Miguel Relvas tomou para si a responsabilidade pelo processo de privatização da RTP. Desde o
momento em que tal se tornou claro, a forma como veio sendo retratado pela imprensa alterou-se
drasticamente para pior. Recentemente, a série de casos noticiados intensificou-se: primeiro o
caso com a jornalista público, seguido das declarações de Helena Roseta na Sic Notícias e agora
o jornal Crime avança com suspeitas em relação à sua licenciatura.
Não sei se Miguel Relvas é ou não culpado daquilo que o acusam. Até admito que seja. Mas se a
descredibilização de Miguel Relvas levar, mais uma vez, ao adiamento da privatização deste
sorvedouro de recursos que é a RTP, ficará sempre a suspeita no ar. Ficará a suspeita sobre se
Miguel Relvas é realmente culpado ou se tudo não passou de uma campanha das empresas de
comunicação social para descredibilizar alguém que atentou contra os seus interesses. Ficará a
suspeita sobre se governos eleitos democraticamente podem ser manipulados por senhores
como Pinto Balsemão, ao ponto de inverterem decisões que fizeram parte de programas políticos
escolhidos democraticamente. Em suma, ficará lançada a suspeita (mais uma) sobre a saúde da
democracia portuguesa.
Os subsídios à cultura
A dimensão do mercado português não impede empresas portuguesas de produzir o que quer
que seja. Hoje não temos mais mercados estanques, e nem a questão da língua serve como
desculpa. Artes como a pintura, arquitectura, fotografia, dança não têm o seu sucesso
dependente da língua materna dos artistas. Noutras artes, como a música, o exotismo da língua
até pode jogar a favor dos artistas. O sucesso de Mariza, Dulce Pontes ou Madredeus fora do
país deve-se parcialmente ao facto de cantarem, muito bem, em português.
A extinção dos subsídios levaria ao fim da produção cultural em Portugal? Sim, mas apenas a
produção cultural que não interessa. Saramago continuaria a escrever (nota: texto escrito antes
da morte de José Saramago); Mariza, Dulce Pontes, Madredeus, Moonspell e Tony Carreira
continuariam a cantar; Paula Rego continuaria a pintar, La Feria a produzir, e sim, Maria João
Pires continuaria a tocar. A boa produção artística não precisa de ser subsidiada e, sendo, até
corre o risco de deixar de ser boa. Vale a pena pensar no maior exemplo de arte subsidiada: o
cinema. Após dezenas de anos de subsídios, o cinema português continua sem produzir obras de
destaque e os poucos sucesso que vai tendo de vez em quando devem-se mais à disposição de
algumas actrizes para se despirem do que aos méritos dos realizadores. O cinema português não
é resultado do génio artístico de niguém, não é pensado para o público, é produzido à medida do
burocrata que decide quem subsidiar. É o burocrata que decide o teor da produção
cinematográfica em Portugal. Alguém acredita que assim algum dia se produzirá cinema de
qualidade? Alguém acredita que um Woddy Allen ou Quentin Tarantino português em princípio de
carreira alguma vez passaria o teste do burocrata?
E, sim, também a questão económica, uma questão que vai para além da dicotomia
liberalismo/socialismo. Mesmo aceitando como um facto adquirido que o é o estado quem decide
como alocar 50% do rendimento dos portuguesas, não se consegue fugir ao facto de que os
recursos ao dispor do estado são limitados, e o estado, como qualquer um de nós, tem que fazer
escolhas. Subsidiar a cultura significa não subsidiar a saúde, a educação, a justiça e a segurança.
Enquanto os portugueses não tiverem acesso a uma saúde, educação, justiça e segurança ao
nível dos impostos que pagam, é imoral que se continue a subsidiar produção cultural ou
projectos educativos de teor cultural, e é profundamente imoral que artistas fracos ou bons
artistas que são terríveis empresários continuem a beneficiar de subsídios para os seus projectos
pessoais. Pior ainda quando obtêm ajudas através de cunhas, chantagens e troca de apoios
políticos. Aqui nada os diferencia da corja de consultores, empreiteiros, conselheiros, pequenos e
grandes empresários e juristas que parasitam o contribuinte português graças à influência que
foram ganhando junto dos políticos portugueses.
~~ Conversa de café ~~
“A RTP é controlada pelo governo. Como é que se pode dizer que garante
independência na informação”
“Numa altura em que todos podem ter acesso a conteúdos pela internet e
abundam os canais de televisão, não faz sentido continuar a defender a
necessidade de uma televisão pública”
“A privatização da RTP iria prejudicar os grandes grupos de mídia, o que pode
explicar o porquê da campanha mediática contra a privatização da RTP”
“Subsidiar a cultura significa não subsidiar a saúde, a educação, a justiça e a
segurança.”
“Enquanto os portugueses não tiverem acesso a uma saúde, educação, justiça e
segurança ao nível dos impostos que pagam, é imoral que se continue a
subsidiar produção cultural ou projectos educativos de teor cultural”
11. O capital
Não faltam dados que o sustentem: em Portugal trabalha-se mais horas e ganha-se menos do
que em outros países europeus. Não é por deficiência genética que tal acontece, porque uma vez
lá fora os portugueses são tão ou mais produtivos do que os outros. Como não se cansam de nos
lembrar, 20% da força de trabalho de um dos países mais produtivos da Europa, o Luxemburgo, é
portuguesa. Eliminada esta hipótese, a razão que costuma ser apontada é o empresário
português. Diz o senso comum que o empresário português é mal preparado, inculto e que
apenas quer fazer dinheiro rápido a explorar o trabalhador. Mas perante isto, coloca-se a
pergunta: com tanta gente bem preparada no desemprego, como é que não se criam mais
empresas que arrumem com estes patrões mal preparados do mercado? A resposta é simples:
não há capital.
“Não há capital”. Dito assim, ninguém entende exactamente qual é o problema. O predomínio da
retórica de esquerda na política e nos mídia nos últimos anos fez com que o capital se tornasse
numa entidade esotérica, cruel, que “explora o trabalhador” e empobrece o país. Nada que se
queira ter por perto, portanto. Mas a economia não se compadece com esoterismos retóricos. A
acumulação de capital, através da poupança e de uma alocação eficiente de recursos, é condição
necessária para o crescimento económico sustentado. Quanto mais capital acumulado, mais rico
e produtivo será o país, e mais emprego existirá. O capital complementa a qualificação humana:
sem capital não é possível aplicar as qualificações adquiridas e aplicá-las de forma produtiva. Em
linguagem simples, sem aviões para pilotar, um piloto será tão produtivo como um empregado de
mesa. Um engenheiro a trabalhar ao balcão de um restaurante será tão produtivo como alguém
com a quarta classe. Sem capital, não há emprego, nem criação de riqueza.
O país anda há tantos anos a perseguir esse homem de palha do grande capital que acabou por
conseguir o que sempre quis: expulsar o capital privado, ficando apenas com o grande capital que
depende do estado e com o capitalzinho das nano-empresas familiares que sobrevivem de mês a
mês. Os resultados estão à vista: desemprego e emigração de pessoas qualificadas porque a
“geração mais bem preparada de sempre” não pode ficar num país sem capital para a empregar.
Os empresários exploradores
A ideia de que os empresários portugueses são mal formados e procuram explorar o trabalhador
é oriunda do facto de as empresas que predominam num país descapitalizado serem
precisamente empresas pequenas de trabalho-intensivo. A ausência de capital não permite que
as empresas cresçam ou que invistam em técnicas sofisticadas que exijam qualificações para
serem manipulados. Empresas pequenas, de trabalho intensivo, não precisam de empresários
muito qualificados e, sim, tenderão a sobreviver aquelas que mais conseguirem arrancar do
trabalhador, porque não haverá mais nenhum factor para alavancar. O típico empreendedor
português abre um restaurante, um café ou uma pequena loja, daí existirem tantos. Este pequeno
capital, o único puramente privado que vai sobrevivendo a anos de políticas anti-capitalistas,
raramente será inovador ou sofisticado ao ponto de exigir trabalhadores qualificados: é o capital
estúpido.
Os números
Antes de avançar com os números, gostaria de clarificar um ponto: quando falo de escassez é
sempre de escassez relativa. Por definição económica tudo é escasso: o consumo é escasso, o
número de diplomados é escasso, o investimento é escasso e até o número de ferraris é escasso.
Claro que quando há factores interdependentes, a escassez terá de ser medida em termos
relativos. Se eu tiver 6 pneus e 2 dois carros, tenho uma escassez de pneus. Mas se tiver 6 pneus
e 1 carro, já não tenho escassez de pneus, mas sim de carros.
Dito isto, vamos aos números. No gráfico abaixo podem ver a evolução da formação bruta de
capital fixo em % do PIB, basicamente a % da riqueza criada anualmente que é investida:
(Fonte: Pordata)
O ano record até hoje foi 1974, ano em que 33,1% do PIB foi para formação bruta de capital fixo.
Desde aí a tendência tem sido sempre negativa, apenas com alguns interessantes ressaltos. Um
desses ressaltos acontece pouco antes da 2ª vinda do FMI, sendo seguida de uma forte queda
que se prolongou até 1986, o ano em que Portugal entrou na CEE. Os fundos da CEE
patrocinaram um novo ressalto no investimento. O ressalto seguinte aconteceria na fase de pré-
entrada e entrada no Euro em que as taxas de juro baixaram drasticamente. Apesar destes
ressaltos, a tendência decrescente culminou 2011 ter perto de metade do valor de 1974. Desde
2004 que se andam a bater records negativos.
Entre 1974 e 2011 a formação bruta de capital fixo caiu 15 pontos percentuais em relação ao PIB.
Será isto porque o consumo privado aumentou? Não, antes pelo contrário, o consumo privado
manteve-se estável ao longo dos últimos 40 anos, tendo até caído 0,9pp em % do PIB entre 1974
e 2011. Já o consumo público em % do PIB no mesmo período aumentou em 8pp .
Olhemos agora para a evolução no número de diplomados:
(Fonte: Pordata)
No mesmo período de tempo, o número de pessoas com o curso superior aumentou 2500%. Há
hoje 25 vezes mais pessoas com o curso superior do que em 1970. O país anda a formar
pessoas, mas esquece-se de criar as condições para que haja empresas que as empreguem. Ou,
recorrendo à metáfora anterior, cada vez há mais pneus, mas investe-se menos em carros.Para
complementar esta ideia, umas contas baseadas em dados do PORDATA e da OCDE. o stock de
capital por trabalhador com curso superior caiu uns fantásticos 52% entre 2000 e 2010.
Da próxima vez que alguém se queixar que o filho não encontrou emprego à saída da
universidade, falem-lhes destes números.
~~ Conversa de café ~~
“Desde 1974 que o investimento tem caído em Portugal, principalmente o
investimento privado”
“A ausência de investimento é o principal motivo de não haver emprego e os
salários serem baixos”
“Andamos a formar engenheiros, mas deixámos de ter empresas para os
empregar”
“Temos hoje 25 vezes mais licenciados do que em 1974, mas não conseguimos
aumentar o número de empresas o suficiente para lhes garantir emprego”
“O motivo pelo qual há empresários que exploram os trabalhadores é não haver
empresas suficientes para que estes possam ter oportunidades de escolha”
12. Política portuguesa
Como aumentar os salários em Portugal
Álvaro Santos Pereira veio a público dizer que os salários são demasiado baixos em Portugal.
Tem razão. Quem olhar para a comparação dos salários entre países da União Europeia só
poderá tirar a mesma conclusão: em Portugal ganha-se mal. Podem-se seguir dois caminhos para
aumentar estes salários: o socialista e o de mercado.
O método socialista consiste em aumentar salários por decreto (por exemplo, subindo o salário
mínimo nacional) e dar poder à negociação colectiva (por exemplo, dando aos sindicatos o poder
de estabelecer as regras de acesso a certas profissões). Como os factores de produção são fixos
no curto prazo, é bastante provável que medidas deste género causem uma subida dos salários.
Mas como nenhuma destas medidas altera os fundamentais da economia, nomeadamente a
produtividade, este aumento de salários não será sustentável. Estas medidas apenas aumentam
os salários à custa da remuneração do capital o que, a prazo, resultaria numa ainda maior
descapitalização da economia. A médio prazo estas medidas causariam um aumento do
desemprego, seguido de redução dos salários reais. Isto, para além de atrasar a economia mais
uns anos.
Depois há o método de mercado que passa pela capitalização da economia. A capitalização da
economia ajudaria à subida dos salários de duas maneiras. A primeira seria através do aumento
de produtividade. Os factores de produção, capital e trabalho, são complementares: quando mais
existir de um (até certo ponto), mais produtivo será o outro. Assim, quanto mais capitalizada for a
economia, mais produtivos serão os trabalhadores e mais poderão ganhar. Isto é especialmente
relevante, tendo em conta o recente fluxo de emigração de trabalhadores qualificados que, apesar
de terem o potencial académico para serem produtivos, não encontram no país o capital
necessário para aproveitar esse potencial. Dito de outra forma, um piloto de aviões pode ganhar
mais do que um condutor de camiões, mas só se tiver aviões (capital) para pilotar. Se tudo o que
tiver for uma carroça, ganhará o mesmo que um carroceiro, mesmo que tenha educação para ser
piloto. A segunda forma pela qual a capitalização da economia ajudaria a aumentar salários é o
ganho de poder negocial do factor trabalho. Numa economia em que existam escolhas, os
trabalhadores têm uma maior capacidade negocial individual, podendo assim negociar melhores
salários. Para capitalizar a economia, o governo teria que tornal Portugal um sítio mais atractivo
para investir, baixando carga fiscal e eliminando barreiras burocráticas. Nenhuma destas
iniciativas seria popular: baixar a carga fiscal implica implica também reduzir a despesa do estado
e os actuais incumbentes de diferentes sectores irão certamente combater a eliminação de
barreiras burocrática. Mas a diferença desta solução em relação à anterior é que o aumento de
salários seria feito em paralelo com o crescimento da economia e do rendimento do capital, sendo
assim sustentável.
Olhando para o posicionamento de Portugal na média de salários da Europa, só se pode concluir
que é preciso que os salários subam em Portugal, e há duas formas de o atingir. A forma
socialista é mais fácil politicamente, garantirá ganhos eleitorais de curto prazo, mas também
atrasará ainda mais a economia, provocará desemprego e será possivelmente negativa para o
nível salarial no médio prazo. O método de mercado é mais indirecto, será mais dificil de vender
como uma conquista do governo, encontrará oposição das ruas, mas também será a única forma
de subir salários sustentadamente, suportando o crescimento da economia. Aceitam-se apostas
para qual das duas soluções este governo irá optar.
Ministério das Finanças – a “enganar-se” desde o princípio do século
Desde o ano 2000, o último em que o Ministério das Finanças conseguiu acertar na taxa de
crescimento do PIB no seu Orçamento de Estado, o Ministério das Finanças falhou sempre as
suas previsões. Em oito dessas vezes a previsão foi acima do número real por uma média de
1,8pp. Nas quatro vezes em que a previsão foi abaixo do crescimento real, o erro foi de apenas
0.4pp. Em média neste período as previsões do Ministério sobreestimaram o crescimento do PIB
nuns fabulosos 1.1 pontos percentuais. Se as previsões do Ministério das Finanças ao longo
destes anos estivessem correctas, hoje o PIB português seria 12% superior.
Note-se que é perfeitamente normal fazer erros em previsões feitas de boa-fé. Mas no longo
prazo, o erro médio dessas previsões deveria ser zero. Face a estes números, das duas uma, ou
as previsões são feitas de má fé ou os modelos utilizados carecem de correcção urgente.
~~ Conversa de café ~~
“A única forma de aumentar salários em Portugal é haver mais empresas a
competir pelos trabalhadores, mas só se atrai empresas oferecendo boas
condições”
“Não é maltratando as empresas e os empresários que se aumentarão salários,
mas garantido-lhes boas condições para se instalarem e competirem por salários”
“A única forma sustentável de aumentar salários é indirecta e por isso não dá
tantos votos aos políticos. Sem uma visão política de longo prazo, não será
possível aumentar salários”
13. Momentos de revolta
Go Galt: guia de subversão fiscal
(escrito a propósito da aprovação do Orçamento de Estado 2013)
As últimas notícias parecem apontar para o desfecho que se temia: a proposta de orçamento de
estado para 2013 não terá qualquer alteração relevante. O PSD manteve-se por trás do
orçamento que escreveu e as promessas de propostas de corte de despesas do CDS revelaram-
se vazias. Apesar de votarem contra, que ninguém duvide que esta seria a proposta de
orçamento de PS, ou de uma coligação PS/BE, se fossem governo. Apesar de nunca ter havido
um consenso tão alargado para o corte de despesas, os grupos de pressão voltaram a vencer.
É especialmente triste que, havendo alguns liberais assumidos entre aqueles que têm uma
palavra a dizer no orçamento, e nunca a conjuntura política ter sido tão favorável a cortes de
despesa pública, que ninguém tenha tido a coragem para o fazer. No próximo ano teremos um
país mais pobre, em que cada vez vale menos a pena trabalhar e investir, mas apesar disso
continuará a haver um politécnico em cada aldeia e pessoas jovens e saudáveis continuarão a
receber dinheiro da segurança social. Muitas empresas que seriam competitivas noutros países
fecharão, mas continuarão a existir mais de 15 mil empresas a sobreviver à custa dos
contribuintes. Muitas das pessoas com menos de 50 anos estão agora a perceber que já não irão
receber reformas, mas antigos políticos continuarão a acumulá-las. Ninguém na classe política
teve a coragem de mexer nestes benefícios (talvez na esperança de virem um dia a beneficiar
deles), mas não hesitaram em roubar um pouco mais o fruto de trabalho dos poucos que ainda
vão aguentando a carga.
É crucial que a estratégia de punição das famílias em favor dos lobbies parasitas do estado falhe,
mesmo que tal represente o regresso do PS ao poder. Muito provavelmente a estratégia falhará
por si, sem grandes empurrões. Mas para provar de vez que o esbulho fiscal não pode continuar,
não basta que a estratégia falhe, tem que falhar estrondosamente. Ficam aqui algumas sugestões
para quem quiser contribuir para esse falhanço:
- Emigre: Quer tenha ou não emprego, nunca houve tão boa altura para emigrar. Apesar da crise
em Portugal, muitas zonas do mundo estão em crescimento e a necessitar de mão-de-obra. Para
além da oportunidade de aumentar o seu rendimento, ao não pagar impostos em Portugal, não
estará a contribuir para a estratégia da coligação governamental.
- Deslocalize: se tiver um negócio, principalmente de exportação, só terá a ganhar em
deslocalizá-lo. Portugal é dos piores países do mundo para fazer negócios de acordo com todos
os rankings. Ao manter o seu negócio no país poderá ajudar a que a estratégia do governo falhe
apenas por um bocadinho, provavelmente provocando um novo aumento de impostos no próximo
ano para cobrir esse bocadinho.
- Tire uma sabática: Se estava a pensar há algum tempo parar de trabalhar, 2013 pode ser um
bom ano. O país está em crise e a carga fiscal é a maior de sempre. Se parar de trabalhar não só
tirará um merecido descanso como evitará escalões de IRS mais altos.
- Devolva a factura: a administração fiscal já começou a enviar e-mails requerendo que todos
peçam a factura, com o argumento de sempre: se todos pagarem, pagamos todos menos. Nos
últimos 30 anos, o argumento tem-se demonstrado falso. Quanto mais é pago, mais os lobbies
próximos do estado absorvem. Hoje pagam-se 3 vezes mais impostos do que há 30 anos atrás,
isto apesar da (ou devido a) eficiência fiscal ter aumentado. Muitos comerciantes hoje receiam
não dar a factura, seja por medo dos fiscais ou dos bufos voluntários que acreditam no argumento
do Ministério das Finanças. Se não quiser contribuir para o esbulho fiscal, devolva a factura
quando a receber. Sempre pode ser utilizada mais tarde para um outro cliente com a mesma
compra, poupando o IVA ao comerciante. Pode ter a certeza que esse montante fará mais falta ao
comerciante do que ao Observatório dos Neologismos do Português.
- Livre-se dos certificados de aforro: independentemente de questões ideológicas, comprar ao
manter certificados de aforro deve ser neste momento o pior investimento possível. O estado tem-
se servido da ignorância financeira de muitas pessoas para continuar a financiar-se a taxas
baixas, apesar do elevado risco de não vir a redimir uma boa parte desses certificados. Ao
comprar ou manter certificados de aforro, para além de fazer um péssimo negócio, está a a
alimentar a tesouraria pública. É em geral má ideia manter dinheiro em Portugal, mas se não tiver
outra alternativa, ao comprar barras de ouro ou investir em obrigações de empresas, além de ser
mais lucrativo, não estará a dar o seu aval às políticas do estado.
- Troque bens: o estado não pode taxar a troca de bens. Se em vez de comprar e vender
bens/serviços, fizer troca directa, terá acesso ao benefício que esses bens e serviços lhe
proporcionam, mas sem ter que pagar impostos ao estado.
- Pague tarde: se não conseguir mesmo evitar pagar impostos, pague o mais tarde possível.
quanto mais tarde pagar, maiores serão os problemas de tesouraria do estado.
- Evite grandes compras: grandes compras, como carros novos e casas, representam grandes
ganhos fiscais para o estado (no caso dos carros, metade do valor vai para o estado). Mesmo que
tenha capacidade financeira para tal, adie esse tipo de compras.
- Não colabore: se é trabalhador das finanças, fiscal, faz parte das forças de segurança ou tem
de alguma forma nas suas mãos o poder de fazer outros pagar impostos, não colabore. Lembre-
se que obrigar alguém a pagar impostos, não fará ninguém pagar menos, apenas permitirá que
mais políticos tenham reformas chorudas, que mais reitores vejam o seu orçamento aumentar,
que antigos governantes alimentem as suas fundações ou que uma das 15 mil empresas que vive
à custa do estado continue a fazê-lo. Embora seja compreensível do ponto de vista moral que
alguém sem alternativas faça os mínimos para manter o seu emprego, já ir para além desses
mínimos, apenas fará de si um colaboracionista.
~~ Conversa de café ~~
“É mentira que se todos pagarmos, pagamos todos menos. A história prova que
tem sido sempre ao contrário: mais impostos geraram sempre mais despesa”
“Eu era para pedir factura para obrigar o comerciante a pagar IVA, mas depois
lembrei-me do que o estado iria fazer àquele dinheiro e preferi que fosse o
comerciante a ficar com ele”
“Não peças factura, o dinheiro está muito melhor entregue nas mãos do senhor
José da mercearia do que no Ministério das finanças”
14. O socialismo lá fora
Todos escravos
São poucos aqueles que, da esquerda à direita, não reconhecem que a existência de
concorrência no mercado incentiva a eficiência e beneficia a liberdade de escolha dos
consumidores. Alguns estados têm, inclusivamente, políticas intervencionistas de incentivo à
concorrência empresarial. Mas como em tempos disse Pedro Arroja, todos defendem a
concorrência em todos os sectores excepto um: o seu. Os estatistas não são diferentes e, por
isso, lhes agrada a ideia de harmonização fiscal.
Tal como no mercado, a existência de concorrência fiscal entre estados é o garante da eficiência
e protecção contra abusos de poder. É um tipo de concorrência ainda mais importante do que no
mercado, porque, ao contrário da empresas, o estado tem o poder único de utilizar a violência
para impôr as suas escolhas. A crescente mobilidade de pessoas e negócios, aliado à
desmaterialização dos negócios trazida pela internet, permitiu cada vez mais esta liberdade de
escolha e fomentou a concorrência entre estados. Tal permitiu que estados mais eficientes (como
Suiça e Singapura) tenham prosperado, enquanto que estados pesados e ineficientes se
atrasaram. A liberdade de escolha e a possibilidade de opt-out territorial são motores de
crescimento e de eficiência, impondo disciplina ao poder soberano. Mas tal como no mercado, os
estados mais ineficientes, mais tirânicos, ficam a perder com a existência de competição.
Impedir o opt-out tem sido sempre o último passo das tiranias, sendo a Alemanha de Leste e a
Coreia do Norte bons exemplos disto. Quando o falhanço dos seus modelos se começa a reflectir
num fluxo de fuga em massa, resolvem construir os seus muros para impedir essa fuga. A recente
discussão em torno da harmonização fiscal na Europa e eliminação dos paraísos fiscais é uma
forma mais subtil deste processo: não se impede a fuga para o “outro lado” erguendo uma
barreira física, mas simplesmente elimina-se o “outro lado”. O resultado final é o mesmo:
extermina-se a liberdade de escolha. Retirada a liberdade de escolha, seremos, a prazo, como os
alemães de Leste e os Norte-Coreanos bem sabem, todos escravos.
As fases do socialismo
~~ Conversa de café ~~
“Todos os regimes socialistas acabam a tentar esconder e distorcer o mundo
exterior dos seus cidadãos. O tratamento dado pela UE aos paraísos fiscais é
apenas o primeiro passo”
“O que a Alemanha de Leste dizia do Ocidente, os responsáveis da União
Europeia dizem dos paraísos fiscais. Tal como a Alemanha de Leste, também a
União Europeia não quer que os seus cidadãos se desloquem para os paraísos
fiscais ”
“Os regimes socialistas vivem mal com a diferença, daí a tendência à
uniformização.”
“ A exaltação revolucionária dos primeiros tempos de socialismo rapidamente
desaba perante a miséria que se lhe segue”
“Todos os países socialistas acabam, mais cedo ou mais tarde, por mudar, não
por imposição, mas por absoluta necessidade”
15. O Jogo
A liberalização do jogo
Em 1931, em pleno auge da grande depressão, o Estado do Nevada decidiu-se pela legalização
do jogo, que era já na altura uma indústria com algum tamanho, mas ilegal. A legalização do jogo
levou a um boom em contra-ciclo no Estado que se prolongou até ao pós segunda guerra
mundial. Tendo sido pioneira nos EUA, Las Vegas foi durante muitos anos o maior centro de jogo
do mundo em termos de receitas (recentemente ultrapassado por Macau cuja indústria do jogo
explodiu após o fim do domínio português). A situação económica actual de Portugal, muito
semelhante à de alguns estados americanos durante a grande depressão, deveria fazer-nos
repensar o assunto da liberalização do jogo.
A liberalização do jogo traria benefícios ao país evidentes: crescimento das receitas do turismo,
criação de postos de trabalho, aumento de receitas para pequenos lojistas e empresários de
restauração, e criação de zonas de lazer em áreas mais esquecidas do país. Por outro lado, as
críticas mais comuns à liberalização do jogo como os impactos sociais e económicos fazem cada
vez menos sentido. Qualquer português com ligação à internet pode já fazer apostas nos jogos da
liga Sagres, jogar na roleta ou entrar no mundo fascinante dos torneios de poker. Portanto, os
impactos negativos, a existirem, já se deveriam fazer sentir já que para todos os efeitos, qualquer
português pode legalmente jogar em qualquer parte do país, desde que em privado. A legalização
dos estabelecimentos físicos apenas tornaria o jogo numa prática mais social, suportando
também o desenvolvimento de actividades complementares que só podem existir se aliados a
espaços físicos de jogo (hotelaria, espectáculos artísticos, etc).
A liberalização total do jogo também seria um contributo para a democratização das receitas do
jogo. As restrições actuais fazem com que todas as receitas do jogo se concentrem na Estoril Sol,
Solverde e Santa Casa da Misericórdia*. Pelo contrário, em Espanha, onde as regras sobre o jogo
são mais fléxiveis, as slot machines representam uma receita relevante para muitos pequenos
empresários da área da restauração.
Apesar do impacto positivo ser evidente, a liberalização do jogo não foi, até hoje, uma causa que
interessasse a ninguém no nosso espectro político. A esquerda ainda vê o jogo como coisa de
ricos, apesar de, como escrevi acima, as restrições ao jogo tenderem a prejudicar os pobres e a
beneficiar um restrito número de empresários. À direita socialista, moralista e paternalista que
temos também faltam motivações para avançar para a legalização. E assim se coloca no lixo toda
uma indústria, uma fonte de receitas e de empregos.
* Note-se que a Santa Casa da Misericórdia, apesar de ser uma instituição que apoia os mais
carenciados, financia-se através de um tipo de jogo normalmente reservado às classes baixa e
média-baixa. Os lotos, lotarias e raspadinhas não são mais que um método de transferência de
rendimento de pobres para muito pobres. A liberalização do jogo numa situação em que uma
pequena parte dos lucros fossem redirecionados para a Santa Casa da Misericórdia faria mais
pela ajuda aos mais carenciados do que a actual situação de quasi-monopólio.
O jogo em Macau
Macau, a antiga colónia Portuguesa com um pouco menos de 30 quilómetros quadrados (60
vezes mais pequeno que o concelho de Odemira), obtém hoje em receitas de jogo o
correspondente a cerca de 15% do PIB português. Isto, claro está, não contando com todas as
outras receitas do turismo dos jogadores que visitam o território. De forma pouco surpreendente,
a explosão nas receitas aconteceu quando Macau deixou de ser território português.
Em Portugal, qualquer pessoa é livre de viciar-se em poker, perder o salário em apostas
desportivas ou rebentar com as poupanças de uma vida na Roleta, desde que o faça sozinho em
casa em frente a um computador. Enquanto isso, os espaços físicos que tornam o jogo uma
actividade social e de potencial turístico continuam a ser fortemente regulados e as escassas
receitas oferecidas de bandeja a dois ou três oligopolistas.
Também é disto que se faz a pobreza.
~~ Conversa de café ~~
“A liberalização do jogo permitiria a criação de milhares de empregos e a
promoção do turismo, mas ainda há empresários que lutam para manter o seu
monopólio, restrigindo o crescimento do sector”
“Fala-se muito sobre os malefícios do jogo, mas qualquer um que o deseje já
pode jogar pela internet e nem por isso o crime ligado ao jogo aumentou”
“Muitos donos de cafés e restaurantes apreciariam as receitas extra de uma slot
machine, mas infelizmente esse benefício está reservado apenas a alguns
grandes empresários”
“Depois de ter deixado de ser uma colónia portuguesa, Macau tornou-se no maior
centro de jogo do Mundo”
16. A esquerda
Uma breve história dos manifestos de esquerda
Tudo começou em 2009, enquanto alguns começavam a avisar para os perigos do crescimento
da dívida pública, uns economistas de esquerda inauguraram a moda dos manifestos com o
“Manifesto pela Despesa Pública”. Mais tarde, já em plena crise da dívida soberana, alguns
membros desse grupo lançaram o “Manifesto dos economistas aterrados”. Alguém que
interpretasse o título de forma mais literal poderia depreender que o manifesto fosse um pedido
de desculpas sob a forma de sacrifício físico. Mas não, a única coisa que aqueles economistas
tinham enterrada era a cabeça na areia, porque continuavam a pedir exactamente o mesmo tipo
de políticas que tinha despoletado a crise.
O hábito dos manifestos de esquerda espalhou-se entretanto. Alguns com títulos muito
específicos como o “Portugal necessita de investimento público estratégico. Parar é sacrificar o
futuro” ou o “Manifesto contra a directiva de retorno”, outros menos como o “Manifesto para um
mundo melhor” (como não assinar).
2011 foi um ano grande para os manifestadeiros, mas, a certa altura, passaram-se quase 3 dias
sem manifestos e a esquerda ficou impaciente lançando de imediato o “Manifesto contra a
resignação”. Seguiram-se manifestos elitistas do bloco de esquerda como o “Manifesto de 51
economistas e cientistas sociais” que, qual nightclub da moda, restringiu logo no título o número e
tipo de pessoas que poderiam participar. O PCP respondeu de imediato com o manifesto “E o
povo, pá?”. Mas não é só de lutas à esquerda que se faz a história dos manifestos. Quando todos
os meses do ano tinham já acordado assinar um armistício, surgiu o manifesto “Abril não
desarma”, colocando de lado qualquer esperança de paz entre os meses.
A cultura é o tema preferido dos manifestadeiros. Tivemos o “Manifesto – Por Uma Cultura Para o
Século XXI” e umas dezenas de manifestos em específicos para o cinema em Portugal, entre os
quais um com o nome criativo de “Manifesto pelo cinema português”. Claro que a cultura não vive
de manifestos, mas de acção (é preciso levantar o rabo do sofá e ir ver esses nacos de cultura
que se querem ver subsidiados). Talvez com receio da acusação de preguiça, foi lançado o
“Manifesto em defesa da cultura (o manifesto que quer ser movimento)”. Não sei ao certo se o
manifesto obteve as suas pretensões, mas espero que sim.
Mas a criatividade que muitas vezes escasseia entre os nossos agentes culturais
subsidiodependentes, não falta aos manifestadeiros. Alguns manifestos têm títulos irónicos, como
aquele manifesto aprovado por meia dúzia de sem-abrigo no Rossio que visava contrariar os
resultados de umas eleições onde tinham votado 5 milhões pessoas, ao qual resolveram chamar
“Manifesto plural”. Alguns rimam, como o “Manifesto contra a escalada neoliberal, por uma nova
agenda sindical”. Com Portugal em êxtase pela declaração do fado como património mundial, a
esquerda aproveitou para lançar o “Manifesto pela desclassificação do Douro como Património
da Humanidade”. Foi nesta altura que meio país se começou a questionar como é que a malta de
esquerda tinha tanto tempo para escrever manifestos. Eles trataram de dar a resposta
surpreendentemente sob a forma de manifesto – com o “Manifesto dos sem emprego”.
Mais recentemente, quando um grupo de fanáticos benfiquistas homenageou o seu presidente
baptizando todas as ruas de Lisboa com o seu nome (“Rua Vieira”, lia-se um pouco por todo o
lado), a esquerda não se ficou e de imediato lançou o manifesto “A rua é nossa”.
Entretanto parece que há aí outro manifesto, que só consegui ler no Arrastão porque quando me
enviaram para o e-mail foi apanhado no filtro de spam: chama-se “Manifesto por uma esquerda
livre”. Livre de manifestos, esperamos todos.
Os herdeiros da aristoracia
A velha aristocracia europeia era caracterizada por desconsiderar o valor do trabalho e por
assumir adquirir certos direitos positivos apenas pelo facto de ter nascido.
Ao contrário do que os mais ingénuos possam pensar, não é a direita mas a esquerda europeia a
herdeira dos velhos ideais aristocráticos, projectando-os para a sua visão de sociedade. As auto-
denominadas forças políticas de defesa dos trabalhadores são as que menos respeitam o valor
do trabalho. É das organizações de esquerda que surgem imposições ao número de horas de
trabalho semanais, limites às horas extras, salário mínimo e redução de idade de reforma. São
também as forças de esquerda que mais se opõem aos estabelecimento de objectivos na função
pública. Toda a política de emprego da esquerda tem subjacente a noção de indignidade do
trabalho – tendo como única excepção o trabalho artístico que, tal como com a velha aristocracia,
é digno desde que se enquadre nos seus padrões específicos de qualidade. Não é por isso
surpreendente que a esquerda venha agora fazer o paralelo entre a medida proposta por PPC de
colocar os beneficiários de prestações sociais a trabalhar para serviços públicos e uma punição a
criminosos. Para a esquerda, o salário é um direito, mas o trabalho é isso mesmo: um castigo.
Os netos
A história de uma família abastada começa invariavelmente da mesma maneira: um homem
constrói do nada um império empresarial. O homem trabalha toda a sua vida no duro e mesmo
depois de juntar a sua fortuna nunca perde os seus instintos de poupança e parcimónia tentando,
dentro dos possíveis, educar os filhos nos mesmos valores. Os filhos, por sua vez, apesar de
admirarem o trabalho dos pais, nunca lhes perdoam os sacrifícios que tiveram que passar. Não
esquecem principalmente aquela fase em que o império estava a ser construído mas em que já
havia algum desafogo financeiro e mesmo assim o pai, fundador, insistia em limitar os gastos,
marcado ainda pelo passado de pobreza.
Como forma de compensação subconsciente pelas privações que passaram, os filhos tendem a
educar os seus próprios filhos, os netos, de uma forma completamente diferente. Os netos são
educados num ambiente em que todas as suas vontades são cumpridas. Menosprezam e
ridicularizam os sacrifícios por que passaram os avós para construir a fortuna de que gozam.
Abominam qualquer limite que lhes seja imposto. O percurso típico do neto é terminar, aos 29
anos, um curso universitário alternativo, nunca chegando a ter uma profissão certa e passando a
vida a depender da fortuna e influência da família. Apesar de jamais abdicarem da dependência
familiar, detestam essa dependência. Ao fim de algum tempo começam a ver nos familiares a
figura do capitalista e neles mais uma das vítimas. No seu subconsciente vai-se alimentando
também um sentimento de culpa por nunca terem tido que trabalhar a sério na vida ao contrário
da maior parte dos seus concidadãos; começam a sentir-se no dever de retribuir. Os netos
povoam e lideram os partidos de extrema-esquerda, dizendo-se defensores da classe
trabalhadora apesar de nunca terem, realmente, trabalhado na vida. Aproveitam a influência da
família para se movimentarem nos orgãos de comunicação social e arranjam sempre uma editora
para os seus livros independentemente da qualidade. Os netos só são suportados porque, apesar
de tudo, a influência familiar ainda vai permitindo que o sejam. Mas os netos não sabem disso.
Contradições
Eles defendem um estado forte. O estado deve ter presença em metade das indústrias e regular a
outra metade. O estado deve ser prestador de serviços de defesa, segurança, saúde, educação,
energia, comboios, autocarros, telecomunicações, correios, televisão, portos, serviços financeiros,
aeroportos, companhias aéreas, universidades, auto-estradas, energias renováveis,
computadores,… O estado deve regular os preços que as companhias de distribuição pagam aos
seus fornecedores, o preço da gasolina, as licenças de táxi, o tamanho da laranja dos agricultores
e a puta da tampa que os restaurantes têm que colocar no azeite servido aos clientes. Eles
querem que todas as empresas dependam do estado de uma forma ou de outra. Eles defendem
um estado omnipotente que controla cada aspecto da vida dos cidadãos. Eles defendem que todo
esse poder nas mãos de uma dúzia de ministros é legítimo, apenas porque é obtido de forma
democrática.
Eles servem doces de bandeja a crianças e depois mostram-se chocados que elas os comam.
Uma valente hipocrisia, é o que é.
O último independente
Olhando para as empresas do PSI20 observa-se que quase todas são dependentes do estado.
São as empresas de telecomunicações, energia, construção, banca e até as tecnológicas
continuam a ter grande parte da sua facturação dependente do estado. Há uma honrosa
excepção: as empresas de distribuição. Talvez exactamente por isso, estas empresas tendem a
ser as principais vítimas dos ataques da esquerda: do imposto Cristas à permanente ameaça do
encerrameno ao domingo, passando pelas investidas da ASAE. A Sonae cedeu às ameaças e
ofereceu o Público aos cães, tornando-o numa cópia de má qualidade do Avante, mas comprando
alguma boa-vontade que lhes vai permitindo seguir o seu caminho. A Jerónimo Martins, sob a
batuta de Alexandre Soares dos Santos, não o fez, porventura porque, para além de não
depender muito do estado português, já nem sequer depende do mercado português: a maior
parte dos seus lucros já têm origem fora do país. Alexandre Soares dos Santos foi ainda mais
longe, ao expôr a situação do estado social socialista através do PORDATA. Não só não depende
do estado, como ainda colabora na exibição de números. E todos sabemos o quanto a esquerda
se dá mal com números.
Não foi o facto de os funcionários do Pingo Doce trabalharem a um feriado que irritou a esquerda,
afinal fizeram-no voluntariamente, receberam o triplo e ainda terão um dia de férias extra. As
reacções da esquerda foram apenas o resultado disto: uma profunda aversão a uma empresa
independente do poder político e que tem exercido essa independência. Se fosse a Ryanair, a
Galp, a Apple ou outra empresa a lançar uma promoção semelhante, as reacções seriam nulas.
As multidões no boxing day no Reino Unido ou na Black Friday dos EUA nunca suscitaram este
tipo de críticas.
Alexandre Soares dos Santos está de parabéns pela coragem de ir irritando os poderes
instalados. É um dos poucos faróis de esperança neste país.
~~ Conversa de café ~~
“Não é surpreendente que muitos dos elementos da extrema esquerda sejam
provenientes de famílias abastadas, o seu pensamento é típico da aristocracia”
“A esquerda desrespeita o valor do trabalho e defende sempre o direito a regalias
sem trabalho. São os descendentes dos aristocratas”
“Qualquer empresário que não viva à sombra do estado é logo mal tratado pelos
políticos e jornalistas de esquerda”
“Saiu mais algum manifesto de esquerda enquanto eu fui à casa-de-banho?”
17. Os Emiratos Árabes Unidos
A motivação
Em Portugal vive-se num ciclo vicioso no mercado laboral. São colocadas restrições às empresas
no mercado de trabalho com a desculpa de existir desequilíbrio de poder negocial de ambas as
partes. Claro que essas imposições apenas contribuem para reduzir o número de empresas no
mercado, aumentando a capacidade negocial das que se mantêm. Um novo ganho de poder
negocial, justifica novas medidas que equilibrem o poder negocial. Mais uma vez essas medidas
só acabam por retirar empresas do mercado e dar maior poder negocial às que se mantêm.
Conseguimos assim chegar a um ponto em que qualquer pessoa que não queira ser funcionário
público, se veja na difícil situação de nem ter grandes condições para estabelecer uma empresa,
tal é o número de restrições, e ter uma tremenda falta de oportunidades no mercado de trabalho.
Passado o obstáculo da entrada no mercado de trabalho, um outro obstáculo se apresenta: a
carga fiscal. Somando o valor pago de IRS, com as contribuições para a segurança social de
empregador e empregado, mais o IRC e IVA pagos sobre a mais-valias criadas pelos
empregados, o estado deverá absorver em média mais de 60% do valor criado por um
trabalhador privado. Não foi por isso com surpresa que recebi a proposta para fazer no Dubai o
mesmo que fazia em Portugal, recebendo perto de 3 vezes mais. Num país em que não há IVA,
IRS ou IRC e que todo o trabalhador está a um mês de ser despedido, as empresas podem
distribuir mais dinheiro pelos seus trabalhadores e fazem-no efectivamente. A diferença é ainda
maior se pensarmos em termos do nível de poupança. Para alguém que poupe 20% do seu
salário todos os meses, duplicar o seu salário real, mantendo a mesma estrutura de custos,
corresponde a sextuplicar as poupanças. Sextuplicar as poupanças corresponde a dividir por 6 o
tempo de vida activa, ou multiplicar pelo mesmo valor o nível de vida no final desse período.
Expostos que estão os cálculos, por esta altura já terá ficado evidente o (principal) motivo que me
trouxe ao Médio Oriente. Este motivo é o mesmo que traz centenas de europeus todos os dias:
um salário mais elevado e livre de impostos.
O motor de crescimento
Desenganem-se aqueles que pensam que o desenvolvimento do Dubai se deve às receitas do
petróleo. As receitas do petróleo são hoje insignificantes no total do PIB do Dubai. Com um dos
aeroportos com mais trâfego do Mundo, o Dubai é hoje uma plataforma giratória para negócios
nos países do Médio Oriente, África e Subcontinente indiano. Um ambiente business-friendly, um
estilo de vida ocidentalizado e, mais uma vez, a não existência de impostos sobre o rendimento,
fazem com que executivos do Uganda ao Afeganistão, passando pela Arábia Saudita, Iraque e
até a Rússia, optem por estabelecer residência nesta cidade. Da mesma forma, as empresas a
operar nesses países preferem estabalecer as suas sedes no Dubai. Algumas gerem mesmo as
suas operações a partir daqui.
Outra das fontes de receita da cidade é o turismo, provavelmente a menos previsível de todas,
tendo em conta a falta de belezas naturais ou interesse histórico do Dubai. Já tendo passado pela
experiência de ter que mostrar a cidade a visitantes, posso assegurar que é extremamente
complicado encontrar atractivos semelhantes aos que se encontram noutras cidades do mundo.
Todos os atractivos deste país são artificiais e construídos nos últimos 10 anos: lagos artificiais,
ilhas artificiais, montanhas de neve artificiais, hotéis esplendorosos e edifícios que batem um
qualquer record. Também assim se compreende a procura incessante de novas formas de
surpreender e manter-se sob as atenções do Mundo. É neste contexto que surje a Falconcity of
Wonders que se prepara para revolucionar o turismo mundial, concentrado num só local réplicas
em tamanho real da torre Eiffel, do Taj Mahal, Torre de Pisa, Pirâmides de Gizé, etc. O Dubai,
não tendo qualquer tipo de passado para oferecer ao turista, está a construí-lo hoje. Não se
pense porém que estas ideias são financiadas por dinheiros públicos. Na altura em que escrevo
este post, ainda este desenvolvimento imobiliário está só no papel e já foi pago quase na íntegra
por investidores privados. Hotéis, moradias e apartamentos das duas primeiras fases do
empreendimento foram todos vendidos ainda no papel. Claro que tal só é possível com uma
administração pública ágil a aprovar projectos, que tenha em maior consideração qualidade de
vida dos seres humanos que de outros seres vivos. Em Portugal qualquer um dos
empreendimentos que fazem furor no Dubai demorariam anos, décadas, a ser analisados e muito
provavelmente seriam rejeitados pelos seus efeitos perversos no crescimento do Eucalipto de Rio
Maior, no stress da abelha preta ou na reprodução do salmão. Veja-se como exemplo o caso da
Nautilus, um projecto que seria vulgar no Dubai, mas se revelou demasiado ambicioso para o
Algarve.
Oportunidades para todos
Quem visitar o Dubai aperceber-se-à também de profundas diferenças no nível de vida. As
mesmas pessoas que constroem dezenas de empreendimentos de luxo ou fazem emergir das
águas do Golfo ilhas artificiais, partilham camaratas com mais 5 pessoas em armazéns no meio
do deserto. Trabalham 12 horas por dia, 6 dias por semanas por salários a rondar os 300/400
dólares. Esta realidade existe numa cidade em que ninguém olha duas vezes quando passa por si
um Ferrari e em que é impossível para alguém que queira morar a menos de 5 kms dos principais
centros de negócios, viver num condomínio sem piscina, ginásio e outras infraestruturas
semelhantes.
São duas (digo duas para simplifcar, serão muitas mais) diferentes realidades. Existem locais no
Dubai onde se almoça por menos de um euro e hotéis a alguns quilómetros de distância onde
uma simples garrafa de vinho pode chegar aos mil. Enquanto na recém-construída Palm Island
alguns apartamentos chegam aos 10 milhões de euros, no Emirato dormitório de Sharjah alugam-
se “bed spaces” por 50 euros por mês. Certo é que os imigrantes ligam pouco ao índice de Gini, e
todos os dias entram no Dubai pessoas de todas as partes do Mundo querendo fazer parte de
todas as diferentes realidades. Há algo em comum em todas estas pessoas: todas escolhem a
sua realidade de livre vontade. O motivo pelo qual um Bengali escolhe vir trabalhar na construção
civil por 400 dólares por mês é o mesmo que o cidadão inglês que vem ganhar 40 mil: uma vida
mais próspera do que no seu país natal. E o Dubai serve os interesses de todos. As vantagens de
uma economia livre (também de preconceitos) e de portas abertas é precisamente esta: a
possibilidade de criar oportunidades para todos.
Uma das grandes lições que se aprende no Dubai, é que só é possível criar oportunidades para
todos, se se aceitar viver com diferenças. E não me interpretem mal: eu sei que os europeus
também não se importam de viver com as diferenças, desde que, claro, a diferença se mantenha
longe. Um Europeu médio criticará um empreiteiro que mantenha trabalhadores africanos a
ganhar 200 euros por mês, mas continua a jantar se vir os mesmos africanos a morrer de fome
pela televisão no seu próprio país, longe. Um Europeu médio revolta-se ao ver um semelhante
trabalhar longas horas para obter um salário de sobrevivência, mas não se importa de ver a
mesma pessoa a viver de subsídios no seu gueto, condenado à indigência e à exclusão social.
A tale of two Emirates, ou os efeitos do probicionismo
Quem viajar pelos Emiratos Árabes Unidos, dificilmente se aperceberá que atravessou a fronteira
entre o Emirato do Dubai e Sharjah. As duas cidades formam um dos maiores aglomerados
urbanísticos contínuos da região. Embora há 20 anos atrás, Sharjah fosse o centro da diversão
nos Emiratos e onde se concentravam todos os Ocidentais, hoje é apenas um dormitório de baixo
custo para trabalhadores baseados no Dubai. Entre outras mudanças, a morte ao volante de um
dos filhos do Sheikh de Sharjah, que se encontrava alcoolizado na altura do embate, determinou
uma das políticas mais restritivas em relação ao alcool do Médio Oriente. Comprar, vender e
consumir álcool é absolutamente proibido em todo o Emirato. Um conjunto de crimes cresceu em
torno desta proibição, desde pessoas que tentam identificar condutores que transportam álcool
consigo de outros Emiratos para forçar um acidente e extorquir dinheiro sob ameaça de chamr a
polícia, a confrontos de gangs que competem pelo lucrativo negócio de contrabando de bebidas
alcoólicas e bares ilegais. Já este ano, foram presos 10 membros de um gang acusados de
assassinar e torturar membros de um gang rival de traficantes de álcool. Ao contrário do resto do
país que tem dos mais baixos níveis de criminalidade do mundo, Sharjah não é um lugar seguro
em geral e particularmente à noite (tem os mesmos níveis de criminalidade de uma cidade
europeia como Lisboa).
Contraste-se com a situação do Dubai em que o álcool, apesar de fortemente taxado, está
disponível um pouco para todo o lado. Em claro contraste com Sharjah, o Dubai deverá ser das
poucas metrópoles do mundo em que ninguém se preocupa em trancar o carro, a porta de casa,
deixar a carteira pousada na mesa do restaurante ou passear em qualquer parte da cidade a
qualquer hora da noite. Apesar de ter o mesmo nível de law reinforcement que Sharjah, as
diferenças em termos de sentimento de segurança são muito diferentes. A política de
proibicionismo em relação álcool é um dos principais motivos para esta diferença.
18. Outros
Os ateus do Futebol
Os ateus do futebol já fazem parte do folclore das competições internacionais de futebol em que
Portugal participa. Para quem não sabe o ateísmo futeboleiro foi inaugurado por Pacheco Pereira
e, entre coisas, consiste em passar todo o período das competições de futebol a falar sobre o
quão irrelevantes elas são, da irracionalidade do gosto pelo futebol e sobre a forma como estes
eventos distraem as pessoas dos assuntos importantes (por assuntos importantes, entenda-se, a
política, a troika, o défice, o sacana do Sócrates e o demagogo do Louçã).
Tenho que concordar com eles: a devoção irracional pelo futebol contribui de facto para que
muitas pessoas se esqueçam por um período de tempo destes assuntos. Mas não é só o futebol:
um bom livro, as séries de televisão americanas, as quecas, os bikinis, os jantares de amigos, um
bom cabrito, o sorriso dos filhos são tudo aspectos da vida que, sem motivo racional, nos fazem
esquecer desses assuntos “importantes”. Os ateus do futebol estão certos relativamente à relação
causal, têm é as prioridades de vida trocadas.
Curva de Laffer-Pinto
Não gosto muito de discutir a curva de Laffer. Embora seja uma teoria interessante do ponto de
vista económico, coloca demasiado ênfase na maximização das receitas fiscais, pelo que há que
ter alguma precaução em usá-la para defender pontos de vista liberais. Para além disso, como
representação simplificada, deixa de lado os efeitos das taxas de imposto noutros indicadores que
não a receita fiscal como o PIB ou o emprego.
Para aqueles que não conhecem, a curva de Laffer é uma representação teórica que representa a
relação entre uma taxa de imposto e o valor arrecadado com esse imposto. Segundo esta teoria,
existe um ponto óptimo para maximizar a receita fiscal. Se a taxa de imposto for mais alta, o valor
arrecadado diminuirá porque o acréscimo de taxação não compensará o decréscimo da
actividade daí resultante. Se a taxa de imposto baixar, o acréscimo de actividade não compensará
a redução da colecta pela diminuição da taxa. A curva tipicamente apresentada é a de baixo.
A minha primeira objecção teórica à curva de Laffer é a própria forma da curva. Não me refiro
aqui apenas à crítica à simetria da curva, embora também concorde com ela. O que acredito é
que, não só a curva não é simétrica, como também não tem apenas um ponto de inflexão. Por
observação empírica pouco fundamentada, acredito que a curva de Laffer seja algo mais deste
género:
Para o explicar, irei usar o exemplo do IRC. Um país na União Europeia que queira atrair muitas
empresas, pode colocar uma taxa de IRC suficientemente baixa para tornar competitivo. Se esta
for a taxa mais competitiva nesse espaço, o país atrairá empresas de todo o Mundo que sejam
sensíveis à carga fiscal de um país. Porém, existirá algures um ponto a partir do qual baixar ainda
mais a taxa de imposto já não atrairá novas empresas em número suficiente para compensar a
queda dessa taxa. Pensemos no caso da Irlanda ou da Holanda que, já sendo os países mais
competitivos, todas as empresas à procura de optimização fiscal já se deslocalizaram para lá. Se
estes países baixarem a taxa de IRC, provavelmente a colecta baixará, mas o mesmo acontecerá
se a aumentarem porque as empresas fiscalmente sensíveis que se relocalizaram, abandonarão
o país.
Existe depois uma segunda zona, onde se encontram os países que não procuram a
competitividade fiscal. Estes países não receberão empresas que andem à procura de paraísos
fiscais, mas ainda assim terão empresas que necessitem de localizar nesse país por algum
motivo específico (empresas oriundas desse países que sejam menos sensíveis fiscalmente ou
empresas que precisem bastante do mercado interno). Tal como anteriormente, haverá um ponto
em que maximizarão as receitas fiscais. Aumentar a taxa de imposto, simplesmente irá fazer com
que os empresários invistam menos para aumentar a sua capacidade, baixando a colecta de
imposto. Por outro lado, baixar a taxa de imposto, não atrairá mais empresas porque continuam a
não ser competitivos com os “paraísos fiscais”. Esta é a situação do segundo ponto de inflexão do
gráfico.
Finalmente haverá uma terceira situação, a dos “infernos fiscais”. Chegados aqui, já só as
empresas que dependem absolutamente do mercado interno (electricidade, combustíveis, água)
terão sede nesse país. O governo pode capturar um valor grande de IRC através duma taxa
elevada, apenas porque as empresas não têm outra alternativa senão ficar no país. Também aqui
haverá um ponto em que baixar a taxa de imposto, apenas baixará a colecta porque não será
suficiente para atrair empresas que não dependam absolutamente do mercado interno. Aumentá-
lo fará com que as empresas baixem a produção de tal forma que a receita fiscal desse imposto
baixe.
A minha segunda oposição à teoria prende-se com a necessidade de ajustar a curva no curto
prazo, tendo em conta o ponto de partida. Em economia, entende-se o curto prazo como o
período de tempo em que a mobilidade de factores é limitada, ou seja, o período de tempo que as
empresas levam a tomar a decisão de se deslocalizar e a implementar essa decisão.
Imaginemos duas economias exactamente iguais, mas em que uma tem uma taxa de IRC de 5%
e outra de 40%. Se no ano seguinte, ambas alterarem a sua taxa para 20%, é provável que
tenham receitas fiscais bem diferentes. O ajustamento é lento, pelo que será de esperar que
muitas empresas que estavam no país com a taxa de IRC de 5% não abandonem de imediato e
acabem por pagar a taxa de 20%, efectivamente aumentando a receita fiscal.
Pelo contrário, na economia com 40% como ponto inicial, uma diminuição para 20% irá causar o
recuo das receitas fiscais no curto prazo.
Por exemplo, se a Irlanda colocasse uma taxa de IRC semelhante à portuguesa, iriam
provavelmente ter uma receita fiscal record no primeiro ano. Já se Portugal passasse a ter uma
taxa à irlandesa seria provável que a receita de IRC baixasse bastante nos primeiros 1/2 anos e
só depois voltasse a subir.
No longo prazo, as receitas fiscais acabarão por convergir, mas no curto prazo é provável que a
curva de Laffer seja bastante diferente nas duas economias.
Serve isto para dizer:
- Reduzir uma taxa de imposto pode efectivamente resultar numa baixa da receita fiscal no longo
prazo, se essa redução não for suficientemente grande para colocar o país num outro patamar de
competitividade. Não é certo que reduzir a taxa de IRC ou IRS apenas ligeiramente estimule a
actividade económica subjacente o suficiente para aumentar a receita fiscal no longo prazo.
- Faz pouco sentido falar no efeito Laffer no curto prazo. No curto prazo, mantendo tudo o resto
constante, é muito provável que um aumento da taxa de impostos resulte em maior receita fiscal e
uma redução dessa taxa em menor receita fiscal. Muito provavelmente, o aumento das taxas de
imposto não foi a principal razão para a queda das receitas fiscais em Portugal.
- O facto de aumentos de taxa de imposto não resultarem em quedas de receita fiscal de curto
prazo, não significa que tal não venha a acontecer no longo prazo.
O coming-out de um pró-vida
Dificilmente poderei ser considerado um conservador nos costumes. Sou a favor da legalização
total das drogas, do jogo e contra a existência do crime de lenocínio. Acho que o contrato de
casamento não deve ser tipificado, mas a sê-lo não deverá impôr restrições de género ou
número. Acho que um casal deve poder recorrer aos métodos que achar necessários para
constituir família desde que não viole os direitos de outrém, e considero a institucionalização
como o pior destino possível a dar a uma criança que perca os pais biológicos.
Foi, assim, quase com naturalidade que tomei posição em favor da legalização do aborto há uns
anos atrás. Os argumentos eram quase lógicos e o simples abanar da bandeira da liberdade da
mulher utilizar o seu corpo, apelava aos meus instintos libertários. Também contribuiu para esta
posição uma simples tomada de consciência de que, a certa altura na minha vida, se tivesse
tivesse acontecido contribuir para uma gravidez indesejada, provavelmente teria patrocinado um
aborto. Considerei que seria hipócrita não apoiar a legalização de algo que eu teria incentivado no
passado se tivesse caído nessa situação.
Desde que o aborto foi legalizado em Portugal, ocorreram 80 mil abortos. Sugiro ao leitor que
pare e tente visualizar este número. Este número corresponde a um estádio da luz cheio ou ao
número de crianças em 500 escolas primárias. Corresponde a cerca de 16% de todas as crianças
nascidas no mesmo período de tempo. Não tenho preparação para discutir questões filosóficas ou
médicas sobre quando efectivamente acontece o início da vida, mas segui a discussão o
suficiente para saber que não existe consenso científico em relação a esse momento (da mesma
forma que não existiu consenso científico em relação ao estatuto de ser humano de Índios e
escravos no passado). Na altura, assumindo a dúvida, pensei que o melhor fosse deixar à mulher
a opção. Assumo agora que estava errado.
Em muitos momentos da história, os povos caíram no erro de menosprezar formas de vida
humana que consideravam inferiores. Os índios americanos, os negros na África colonial, os
escravos nos EUA, as crianças de Esparta ou as mulheres em diversos locais tiveram a certa
altura o seu direito à vida desvalorizado. Todas estas discriminações eram aceites pacificamente
por todos os contemporâneos como banais. Todos estes povos sem excepção acabaram por ser
crucificados pela história. O caso histórico recente do nazismo é um bom exemplo deste facto.
Apesar do regime nazi não ter sido o mais mortífero de todos (a revolução cultural Chinesa e o
Stalinismo foram directamente responsáveis por mais mortes), há algo de aterrorizante na forma
como uniu todo um povo no horror. Ao contrário das mortes do Stalinismo, as mortes nos campos
de concentração eram aceites como necessárias e normais pela maioria, e não apenas por uma
elite. Havia um consenso, que emergiu quase de forma natural, de que judeus, ciganos e
homossexuais tinham um direito à vida mais limitado. Tudo isso foi racionalizado de uma forma ou
de outra, e aceite por todos como natural. Quando por vezes se questionam alemães que eram
adultos nessa altura e que tiverem um papel qualquer menor em toda a máquina de guerra, sobre
o porquê de terem aceite fazer parte disso, a resposta tímida é invariavelmente a mesma: tudo
parecia natural, a maioria das pessoas não estava consciente de estarem a fazer parte de uma
matança. Isto porque se foram dando passos lentos, que fizeram tudo aquilo parecer lógico e
inevitável.
Hoje, alimentados pela dúvida legítima sobre o momento exacto do início da vida, temos duas
opções. A primeira opção é assumir-se pró-vida e arriscar-se, quando a dúvida for desfeita, a ser
acusado de ter contribuido para a limitação da liberdade das mulheres. A segunda opção é
defender a liberdade de escolha e arriscar-se, se vier a haver consenso de que a vida de facto
começa no momento da concepção, a ter sido cúmplice de uma das maiores chacinas da história
da humanidade. Entre as duas opções, a que me aterroriza mais é a segunda. No primeiro caso
poderemos sempre argumentar que a liberdade da mulher utilizar o seu corpo esteve sempre
presente, mas apenas até ao momento da concepção. Aterroriza-me muito mais pensar que
poderei estar hoje no papel do pequeno funcionário público alemão que despachava as roupas
dos judeus assassinados. Aterroriza-me pensar que ao aceitar o aborto como um acto legal e,
pior do que isso, banal, fui cúmplice menor no assassinato de 80 mil vidas humanas. Quando
daqui a 40 anos se realizar o aborto 1,000,000, e me questionarem porque fui complacente, irei
mostrar este texto. Temo que não me irá absolver por completo.
FIM