Câmara Técnica de Monitoramento de Condicionantes - PDRSX
Boletim 4
outubro 2014
Além da obra: por que um olhar mais abrangenteQuando um gigantesco canteiro de obras
se instala numa região, duas grandes
expectativas pairam em torno dele: o ônus dos
impactos e a promoção de desenvolvimento.
Uma pode até parecer incompatível com
a outra, mas é em torno de ambas que os
processos de adaptação à nova realidade se
desenham. Há investimentos, há prejuízos.
A sociedade quer soluções para perdas e
transtornos e quer também uma vida melhor,
em múltiplos sentidos.
Assim, não é de se estranhar que para
monitorar a eficácia e a percepção das pessoas
sobre as condicionantes do licenciamento
ambiental – originadas nos impactos da obra
– o projeto Indicadores de Belo Monte tenha escolhido olhar também para aspectos mais amplos
do desenvolvimento do território.
O conceito que aplicamos é o de desenvolvimento local, que não se restringe a novas construções
ou estruturas logísticas. E não se atém nem mesmo aos eixos do desenvolvimento humano,
como saúde e educação de qualidade, embora esses sejam fundamentais. Quando se fala em
desenvolvimento local, deve-se entender antes de tudo a conquista de objetivos que a própria
comunidade traça para si, com suas especificidades, seus valores, sua própria visão de futuro.
Trata-se de inclusão social que signifique também inclusão política. Ao desenvolver um projeto de
acesso a informação qualificada, é possível contribuir para que essa atuação se fortaleça. Além
disso, experimentar deslocar o holofote, que nessas situações foca muito o empreendedor e o poder
público, um pouco mais para o próprio território e seus atores sociais – movimentos, lideranças,
associações as mais variadas, gente que vive e transforma a região cotidianamente.
Como se vê, não se pretende colocar o desenvolvimento na conta do licenciamento ambiental – o
que seria inadequado, uma vez que as condicionantes são desenhadas para lidar especificamente
com os impactos do empreendimento – mas, ao contrário, posicionar o licenciamento como mais
uma das peças que compõem esse grande caminho.
Canteiro de obras de Belo MonteCrédito: Carolina Derivi
Cabe, contudo, uma ressalva. Este projeto foi concebido para debruçar-se apenas sobre sete
condicionantes (veja ao final do boletim), aquelas sobre as quais tanto o poder público quanto
empreendedor têm responsabilidades. Para uma abordagem de desenvolvimento local, outros
temas também são importantes. Futuramente, quem sabe, a experiência possa até inspirar
iniciativas ainda mais ambiciosas.
Para que servem indicadores?Em Alice nos País das Maravilhas, há uma passagem
em que a menina pergunta ao coelho que caminho
deve tomar. Ao que ele responde “depende onde
você quer chegar”.
Parece óbvio, mas no mundo das políticas públicas,
quando o que se quer é interferir sobre realidades sociais
muito complexas, é preciso relembrar constantemente
que as metas devem determinar os caminhos. E, de
tempos em tempos, cumpre verificar se estamos
mesmo na rota certa.
É por isso que o cientista político Fernando Abrucio,
professor da Fundação Getulio Vargas e consultor
especial deste projeto, escolheu o dilema de Alice para
explicar o conceito que, de tão importante, está no nosso
nome. “Os indicadores são como bússolas. Não lhe deixam perdido”, diz.
São números, estatísticas, séries históricas, listas de checagem do tipo “fez-não-fez-tem-não-
tem” ou até mesmo opiniões coletadas em pesquisa – entre outros. O termo “indicador” pode
parecer muito técnico e feioso, mas é convicção deste projeto que muito mais gente além de
gestores públicos (mas também eles, é claro) pode se valer desses instrumentos para medir
e debater desenvolvimento.
E como ferramentas que são, indicadores têm tipos e cada qual serve para uma função diferente.
A seguir, explicamos os tipos de indicadores que compõem o nosso trabalho e que também dizem
muito sobre a alma do projeto.
Eficácia, Efetividade e Satisfação Social
“Se você quer saber se os insumos (recursos financeiros e humanos, infraestrutura, entre outros
exemplos) existem ou não, se estão sendo adequadamente colocados, você usa indicadores de
eficácia. Se você quer saber os impactos de uma política, numa avaliação mais de longo prazo,
você usa indicadores de efetividade”, explica Abrucio.
Crédito: Surely
Além dos números: o outro lado da história“Embora a gente tenha uma legislação e toda uma
coalisão pra construir ações socioambientais que lidem
com os impactos de grandes obras, a verdade é que gente
conhece muito pouco sobre como fazer isso”, reconhece
Fernando Abrucio. “Não é só um conhecimento técnico-
acadêmico. É um conhecimento que depende muito de
entender e de envolver a comunidade local”.
Por mais bem formulados que sejam planos e ações, é
na execução que os entraves aparecem, especialmente
quando há mais de uma instituição envolvida. E os
motivos pelos quais certas coisa apresentam mais ou
menos sucesso tem muito a ver com as especificidades
Porque o projeto Indicadores de Belo Monte parte de condicionantes do licenciamento ambiental,
ou do monitoramento do seu cumprimento, a eficácia é também o nosso ponto de partida.
Assim, se queremos avaliar a obrigatoriedade de construir um certo número de escolas, não vamos
verificar apenas se os edifícios existem e se o cronograma de obras foi cumprido, mas também os
índices de evasão e repetência, quantos professores foram contratados por concurso nos últimos
dois ou três anos, se tem merenda escolar, se tem transporte adequado. São esses alguns dos
indicadores de eficácia que vão permitir entender se determinadas ações das condicionantes
estão em curso e se funcionam bem, no tempo presente.
Já os indicadores de efetividade dizem respeito aos resultados e objetivos finais esperados. Para
ficar no mesmo tema, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é hoje o principal
indicador da qualidade do ensino básico no Brasil e entra no nosso radar para ajudar a compor
essa visão de longo prazo.
Por fim, os indicadores de satisfação social representam a percepção das pessoas sobre um
determinado processo e geralmente tomam forma em amplas pesquisas de opinião. Mas a
influência de um grande empreendimento num território é tão dinâmica, circunstâncias e processos
de adaptação mudam tão rapidamente, que o esforço de coletar uma grande amostragem de
opiniões pode se mostrar ineficaz em pouco tempo.
Por isso preferimos sempre atrelar a satisfação social ao atingimento das metas e planos
acordados coletivamente na região, como planos diretores dos municípios ou o próprio Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), por exemplo. Em alguns casos, devemos
lançar mão de um método mais restrito, os grupos focais, que consistem em formar rodas de
conversa e extrair dessa interação algumas opiniões de maior convergência.
de cada comunidade e território.
Indicadores, por melhores que sejam, nunca serão capazes de contar a história inteira. É por isso
Crédito: Mykl Roventine
que uma das dimensões fundamentais deste monitoramento é a análise de Articulação e Sinergias
de Políticas Públicas e Ações Governamentais.
Quando nossos pesquisadores vão a campo realizar entrevistas, eles buscam compreender
se as condições para o bom funcionamento de uma ação estão presentes. Mas há também
um olhar para o futuro, na tentativa de visualizar potenciais problemas e propor parcerias,
ainda que não antecipadas.
O método está representado no diagrama abaixo. Basicamente, a análise passa pelas seguintes
etapas: identificar as entidades envolvidas na ação e o tipo de vínculo entre elas; entender as
primeiras condições para a execução, em especial o planejamento; verificar se há lacunas
estruturais que possam prejudicar a execução, como a legislação necessária; checar o quanto
os beneficiários da ação e a sociedade em geral são ouvidos e podem colaborar com o processo;
por fim, analisar se aquela ação reúne condições de bom funcionamento no longo prazo, como
recursos financeiros, em sinergia com políticas públicas. Também é papel do Indicadores de Belo
Monte pesquisar referências de boas práticas em outras partes do País, que possam inspirar
soluções, se necessário.
Esse é um trabalho bastante minucioso, é claro, quando se traduz numa pesquisa. Mas, ao abrirmos
o método, nós também acreditamos que podemos contribuir com aquelas entidades ou indivíduos
que tentam compreender mais profundamente a realidade local, lançando luz sobre etapas e
pontos importantes onde os gargalos – e as soluções – podem estar.
Está formado o nosso time de bolsistas! E eles já tem sua primeira missão. Como prática de
sensibilização para o tema, os estudantes Claudiane, Elisanne, Marta, Sidney, Tais e Tarcizio, todos
Mão na massa
Este boletim é um produto do projeto Indicadores de Belo Monte, conduzido pela Fundação Getulio Vargas
(FGV) para a Câmara Técnica de Monitoramento das Condicionantes da UHE Belo Monte do Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX). Com duração de 18 meses, o projeto dedica-se a
monitorar a eficácia e a satisfação social de um conjunto de condicionantes do licenciamento ambiental de
Belo Monte, nos seguintes temas: Saneamento Básico; Saúde; Educação; Regularização Fundiária, Saúde e
Educação Indígenas; Fiscalização Ambiental.
Saiba mais em indicadoresdebelomonte.com.br
Contato: [email protected]
da Universidade Federal do Pará, foram
provocados a refletir sobre as principais
transformações percebidas por eles na
região desde a chegada de Belo Monte.
O grupo escolheu os temas “violência”,
“trânsito” e “preconceito contra povos
indígenas” e, num exercício que combina
fotografia e entrevistas, começam a coletar
percepções da população local.
A iniciativa de reunir uma equipe de
estudantes bolsistas é o braço de formação
do projeto Indicadores de Belo Monte.
Oferecemos capacitação em desenvolvimento local e uso de indicadores, orientando projetos
idealizados e executados pelos próprios jovens.
Por acaso, os temas escolhidos nem mesmo coincidem com os que trabalhamos na nossa pesquisa,
mas a turma não tem a incumbência de entregar um levantamento formal. O que importa é pegar
o jeito da metodologia e refletir sobre o território.
Ao investir na formação dos estudantes, o projeto Indicadores de Belo Monte busca transferir
tecnologia, de modo que mesmo quando não estivermos mais presentes, o território seguirá
contando com capital humano capaz de dar continuidade ao monitoramento do desenvolvimento
local e às reflexões que esse processo inspira.
Da esquerda para a direita: Claudiane Farias de Araújo, Marta Feitosa Nunes Rios, Tais Silva de Jesus, Elisanne Carvalho Viterbino, Sidney Fortunato da Silva Junior, Tarcizio Max Borges SoaresCrédito: Carolina Derivi