A totalidade concreta: uma categoria para análise em história social
Mathias Inacio Scherer1
(PPG História - UFRGS)
Resumo:
Palavras chaves: teoria da história; história social; categoria da totalidade concreta;
materialismo histórico dialético.
“O concreto é concreto porque é a síntese de
múltiplas determinações, isto é, a unidade do diverso.” (MARX, 2011, p. 54)
Introdução:
A proposta do artigo é abordar o desenvolvimento da História Social inserida em
uma perspectiva de ciência social, baseada na concepção moderna de ciência. A História
Social, enquanto perspectiva de análise histórica, é uma importante ferramenta para a
produção do conhecimento histórico. O objetivo do trabalho é, ao abordar o
desenvolvimento da História Social dentro desta perspectiva científica, dar ênfase a
análise e destacar a importância da categoria de totalidade para a investigação histórica,
categoria fundamental à História Social, não esquecendo que ela ainda é fundamental
para as concepções teórico-metodológicas do materialismo histórico dialético,
importante teoria para o desenvolvimento do conhecimento histórico.
“Talvez seja esse o momento de comentar a influência marxista sobre alguns
autores do grupo dos Annales. Embora Bloch e Febvre não tivessem grande
interesse pelas ideias de Marx e que, mesmo em Braudel, as alegadas
influências marxistas apontadas em suas obras sejam mais aparentes que
reais, não se pode negar a ênfase nas estruturas, na longa duração e a
preocupação com a totalidade significara, uma certa aproximação às ideias de
Marx.” (PETERSEN e LOVATO, 2013, p.117)
A totalidade é uma das categorias centrais dentro da teoria geral desenvolvida
por Karl Marx. Ele não entende a totalidade como um todo composto por diversas
partes que se encaixam e dão forma e serventia ao todo. Esta totalidade, “é uma
1 Licenciado em história e mestrando pelo PPG História UFRGS
totalidade concreta inclusiva e macroscópica, de máxima complexidade, constituída por
totalidades de menor complexidade” (NETTO, 2011, p. 56) a escola dos Annales, ao
reivindicar a totalidade, não busca fazer uma história de tudo, mas uma história de um
todo (a história de um todo integrado) que se articula em determinados períodos.
A teoria marxista muito influenciou o surgimento e desenvolvimento da história
social, já que esta possui um compromisso com a cientificidade e propõe uma
perspectiva de análise mais ampla da sociedade, buscando a totalidade. E, como é
impossível dentro da perspectiva marxista descolar a teoria da prática, visando
principalmente a transformação radical do mundo, a totalidade é fundamental, uma vez
que todos os objetos que mulheres e homens criam ou percebem são parte de um todo.
Para solucionar (transformar) os problemas que se colocam, é necessário ter uma visão
de conjunto: “é a partir da visão do conjunto que a gente pode avaliar a dimensão de
cada elemento do quadro.” (KONDER, 1981, p. 36)
História Social:
A História Social precisa ser entendida enquanto uma modalidade de análise,
uma lente que utilizamos para compreender o objeto. “En el primer caso toda historia
es historia social, una idea expresada casi siempre en términos llenos de nostalgia por
la totalidad” (CASANOVA, 1997, p. 87). Ela está colocada dentro de um campo da
historiografia que coincidiu com apogeu do estruturalismo, “assim, história social
significava pensar nas estruturas, nas grandes sínteses, na perspectiva de totalidade, no
longo prazo, nas massas e no povo.” (PETERSEN e LOVATO, 2013, p. 122). Ao ser
um campo definido, a História Social é resultado do interesse histórico em oposição à
história tradicional (história política – historicizante). A História Social precisa ser
abordada como uma perspectiva de síntese, inserida na ideia central de que em história
todas as abordagens estão colocadas no social e se relacionam. Conforme destaca Hebe
Castro: “Frente à crescente tendência à fragmentação das abordagens historiográficas,
esta acepção da expressão é mantida por muitos historiadores como horizonte da
disciplina”. (CASTRO, 1997, p. 78)
A formação da ideia de História Social recebeu contribuições de duas
importantes escolas historiográficas. O primeiro impulso recebido foi na França com a
escola dos Annales (a partir da fundação da revista “Annales d´histoire économique et
sociale”), onde se buscara superar a história dos indivíduos pela história do coletivo.
Além de a história tradicional estar “mergulhada em uma erudição factual estéril ou em
interpretações sem base na investigação concreta” (PETERSEN e LOVATO, 2013, p.
107), eles buscavam a produção de uma história que possuísse um estatuto científico.
A inspiração para esta prática historiográfica, segundo Eric Hobsbawm, não vem
da história da classe dominante, mas sim do povo francês, que vai estabelecer a maioria
dos temas e métodos da história dos movimentos populares estudados por Georges
Lefebvre e Marc Bloch. O campo cientifico desenvolveu-se em outros países somente
após a Segunda Guerra Mundial e “seu avanço real apenas começou na metade dos anos
50, quando foi possível ao marxismo fazer sua contribuição plena ao mesmo”.
(HOBSBAWM, 1998, p. 218)
Outro significado importante para a História Social, que a liga diretamente aos
Annales, é a ideia de uma história total(izante), global(izante) que juntaria todas as
esferas da disciplina, a história econômica, a história cultural, a história política, que são
partes inseparáveis da sociedade, a história social deveria:
“realizar uma grande síntese da diversidade de dimensões e enfoques
pertinentes ao estudo de uma determinada comunidade ou formação social.
Portanto, estaria a cargo da História Social criar as devidas conexões entre os
campos político, econômico, mental e outros – o que implica que nesta
acepção a História Social deixa de ser uma modalidade mais específica, como
qualquer outra, para se tornar o campo histórico mais abrangente que se
abriria à possibilidade da mediação ou da síntese ... História Social como
História da Sociedade.” (BARROS, 2005, p. 15)
Lucien Febvre, um dos expoentes da escola dos Annales, apresenta uma
conferência em 1941 que depois veio a ser edita no livro Combates pela História (1942),
em que reivindica que não existe história econômica e social e sim que existe “somente
história, em sua unidade” (BRAUDEL, 1989, p. 45). Esta é uma perspectiva que vai
assumir a história como total ou de uma história-síntese, característica muito bem
exprimida por Fernando Braudel,2 representante da segunda fase.
A historiografia tradicional inglesa sofria grande influência rankeana até pelo
menos a década de 1950. Os historiadores marxistas serão o outro grupo de
historiadores que irá impulsionar a história social por estarem colocados dentro do
paradigma do materialismo histórico dialético, “concepção de realidade como
totalidade, a historicidade da teoria, a precedência do acontecimento real diante do
compromisso do conhecimento histórico com a verdade, a centralidade da luta de
classes” (PETERSEN e LOVATO, 2013, p. 174). Naquele momento, fazia-se
necessário estudar aspectos econômicos e sociais da história. Eles buscavam a
renovação do materialismo dialético, inserindo o estudo do mundo da cultura como
complementar modo de produção e não um mero reflexo da infraestrutura econômica da
sociedade. O que se colocava era estudar os modos de produção, as bases econômicas e
sociais que determinam a vida em sociedade e, conectadas ao estudo das relações dos
grupos sociais em conflito na sociedade, a luta de classes. Este grupo buscava “discutir,
sobretudo, uma alternativa à visão tradicional sobre a história do capitalismo inglês.”
(PETERSEN e LOVATO, 2013, p. 174)
Porém, eles buscavam utilizar estes conceitos de forma mais flexível, evitando
os esquematismo simplórios da tentativa de apreender uma totalidade mais complexa da
vida social. Eles continuavam adeptos dos princípios marxistas para analisar a
sociedade, e de modo algum queriam negar ou reformar o marxismo, buscava recuperar
certa originalidade teórica de Marx. Ao observar a importância de desenvolverem uma
expectativa de uma “história de baixo para cima” e com o alargamento do conceito de
classe, principalmente a ênfase para a luta de classe imbricada no “desenvolvimento de
uma historiografia preocupada com a totalidade social [...] as classes populares foram
pensadas por esses historiadores não de forma isolada, mas na relação com a sociedade”
(PETERSEN e LOVATO, 2013, p. 174).
O historiador britânico E.P. Thompson fundamenta sua pesquisa histórica no
princípio da dialética marxista, onde os fenômenos sociais possuem uma historicidade e
2 Com as obras: O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II e Civilização Material,
Economia e Capitalismo.
uma totalidade onde esta história é percebida como um processo da vida concreta de
homens e mulheres e entre as relações sociais que estes tecem entre si, entre si e a
natureza, mediante o trabalho. (GRIGOLI, 2013, p. 114) O inglês é categórico ao
afirmar o que ele entende como sendo o objeto de investigação colocado pelo
materialismo histórico:
“o materialismo histórico propõe-se a estudar o processo social em sua
totalidade; isto é, propõe-se a fazê-lo quando este surge não como mais uma
História ‘setorial’ (...) mas como uma história total da sociedade, na qual
todas as outras histórias setoriais estão reunidas. Propõe-se a mostrar de que
modos determinados cada atividade se relacionou com a outra, qual a lógica
desse processo e a racionalidade da causação”. (THOMPSON, 1981, p.
82)
Justamente esta citação nos ajuda a compreender uma aproximação com uma das
propostas dos Annales, que é a produzir uma história total, história esta que desse conta
das diferentes atividades humanas. Porém deve ficar que a história total reivindicada
pelos Annales era uma história que “abarcasse todos os aspectos da atividade humana,
ela acabou por confundir com a História Social, cuja a origem precedeu aos Annales”
(PETERSEN e LOVATO, 2013, p. 112).
Portanto, os marxistas britânicos, assim como a Escola dos Annales, procuram
desenvolver uma história que conseguisse explicar a totalidade das relações de uma
sociedade, a instituição de uma história total, porém com aspectos divergentes. Mesmo
que os franceses deram ênfase ao estudo das estruturas e ao conjunto da sociedade, eles
possuem uma imprecisão (falta de explicação) sobre como “se articulam as diferentes
esferas do social foi causa de inúmeras críticas aos autores dos Annales”, sem deixar
claro “se existem elementos prioritários ou alguma hierarquia neste conjunto ou de que
forma as partes se relacionam no “todo” (PETERSEN e LOVATO, 2013, p. 112). Esta
questão última sobre determinação e hierarquização das partes e o seu relacionamento
com o todo é muito cara à uma visão materialista dialética, e buscaremos explicar
melhor no próximo item.
Totalidade:
Uma das principais características da produção científica moderna do
conhecimento histórico é a busca da totalidade e de uma visão de conjunto da sociedade
e dos objetos analisados. Nesta discussão sobre o conceito da categoria de totalidade,
partiremos da proposição de que existe uma totalidade, e levantaremos a questão: é
possível o historiador ou a historiadora apreender a totalidade de seu objeto de
pesquisa?
A visão de conjunto é sempre provisória, “cada totalidade é relativa e mutável,
mesmo historicamente: ela pode esgotar-se e destruir-se – seu caráter de totalidade
subsiste apenas no marco das circunstancias históricas determinadas e concretas”
(LUKÁCS, 2009, p. 59), ela nunca vai exaurir a realidade do objeto, pois esta é sempre
mais complexa do que podemos dela apreender. Porém, devemos sempre nos esforçar
para buscar a síntese para melhor compreender a realidade, pois será através da síntese
(visão de conjunto) que poderemos desvendar a estrutura significativa da realidade em
determinada situação. Esta estrutura significativa que é denominada totalidade.
(KONDER, 1983, p. 37-38)
Para Karl Marx existem três categorias teórico-metodológicas fundamentais para
sua produção científica. Estas três categorias encontram-se sempre articuladas, são elas
totalidade, contradição e mediação. Ao buscar compreender a sociedade, Marx utilizou
a ideia de que a sociedade burguesa é uma totalidade concreta e articulada, por ser
entendida como uma totalidade concreta e articulada, se mostra como uma totalidade dinâmica,
em constante movimentação, isto porque todas totalidades que a formam possuem um caráter
contraditório.
Sem as contradições, as totalidades seriam totalidades inertes, mortas – e o
que a análise registra é precisamente a sua contínua transformação. A
natureza dessas contradições, seus ritmos, as condições de seus limites,
controles e soluções dependem da estrutura de cada totalidade – e,
novamente, não há fórmulas/formas apriorísticas para determiná-las: também
cabe à pesquisa descobri-las. (NETTO, 2009, p. 684)
Enfim, uma questão crucial reside em descobrir as relações entre os processos ocorrentes nas
totalidades constitutivas tomadas na sua diversidade e entre elas e a totalidade inclusiva que é a
sociedade burguesa. Tais relações nunca são diretas; elas são mediadas não apenas pelos
distintos níveis de complexidade, mas, sobretudo, pela estrutura peculiar de cada totalidade.
Sem os sistemas de mediações (internas e externas) que articulam tais totalidades, a totalidade
concreta que é a sociedade burguesa seria uma totalidade indiferenciada – e a indiferenciação
cancelaria o caráter do concreto, já determinado como “unidade do diverso”. (NETTO, 2009,
p. 685)
Ela não se caracteriza de um “todo” constituído de partes operacionalmente
unificada e sim uma totalidade estruturada e articulada (NETTO, 2011, p. 55-56). E
justamente este ponto é fundamental, encarar a totalidade como uma categoria
metodológica e não como um conceito (LOWY e NAIR, 2005).
“Há, em Marx, uma clara preocupação em apreender a sociedade enquanto
totalidade dialética, mais especificamente, em apreender a totalidade dialética
concreta que é a sociedade burguesa; no entanto o ponto de vista da
totalidade não se restringe, apenas, à apreensão da realidade objetiva (como
objeto do conhecimento), ele foca, também, o sujeito. Em outras palavras,
apreender a realidade objetual como totalidade implica, também, encarar o
sujeito como uma totalidade. Na sociedade moderna, as classes sociais são
representativas dessa totalidade subjetiva.” (HUNGARO, 2001, p.189)
Conforme destaca o filosofo Edmilson Carvalho, a categoria da totalidade é uma
das mais fundamentais no processo de produção dialético do conhecimento. A
totalidade possui um valor lógico intrínseco e “sem a qual, qualquer interpretação
teórica do mundo fica reduzida a um amontoado incoerente, amorfo e desarticulado de
fragmentos, do qual não pode resultar qualquer processo de efetiva produção do
conhecimento.” (CARVALHO, 2008, p. 51)
Conhecer uma extensão do todo não garante o conhecimento do todo, pois
conhecer as partes isoladas do conjunto não faz conhecermos nem as partes e nem o
todo. Ou seja, “numa totalidade o conhecimento das partes e do todo pressupõe uma
reciprocidade” (CARVALHO, 2008, p. 52), pois, o que atribui significado, tanto ao
todo quanto as suas partes, são determinações arranjadas em relações, que transcorrem e
completam o todo, “de modo que não pode haver conhecimento de um todo ou de partes
dele se amputada sua totalidade” (CARVALHO, 2008, p. 52).
Esta totalidade é composta de categorias e relações, dentre as quais algumas
mais determinantes que as outras, e que necessitam ser apreendidas e reveladas para se
chegar ao conserto abstrato do todo. Para chegarmos ao todo é preciso estruturá-lo e
hierarquizá-lo, pois é preciso percorrer a sua estrutura e suas hierarquias durante a sua
constituição (estudo), e apreender o que ele possui de essencial (CARVALHOS, 2008,
p. 53). Assim, o conceito da categoria de totalidade está interligado ao fundamento da
ruptura com o aparente, pois do oposto, a estrutura, as hierarquias que constituem esta
totalidade, seriam meramente o apontamento da superfície do fenômeno. Ou como nos
demonstra Marx ao estudar a sociedade enquanto uma totalidade
“Por isso, se eu começasse pela população, esta seria uma representação
caótica do todo e, por meio de uma determinação mais precisa, chegaria
analiticamente a conceitos cada vez mais simples; do concreto repensado
[chegaria] a conceitos abstratos [Abstrakta] cada vez mais finos, até que
tivesse chegado às determinações mais simples. Dai teria de dar início à
viagem de retorno até que finalmente chegasse de novo à população, mas
desta vez não como a representação caótica de um todo, mas como uma rica
totalidade de muitas determinações e relações.” (MARX, 2011, p. 54)
Na investigação científica, o pesquisador tem como ponto inicial de seus
trabalhos o empírico, o dado, o concreto real, é a partir disto que ele inicia a sua
construção do conhecimento. Deste momento em diante, começa a refinar sua pesquisa,
seu entendimento do objeto procurando chegar ao concreto pensado, que se caracteriza
por ser um concreto cientificamente descrito e explicado. (NUNES, s.d., p. 41) O
conhecimento científico é uma crítica à aparência e às ideias. Para chegar ao
conhecimento é necessário decompor o todo e apontar o que é especifico da coisa, é
através desta operação que se “pode reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa, e,
portanto compreender a coisa” (KOSIK, 2010). É através do movimento de romper com
o aparente, o conhecimento sensível ou sensorial do objeto chegado até um saber
desconhecido, que não se encontra aparentemente, que está escondido e só será
cognoscível ao ser desnudado e decomposto (NUNES, s.d., p. 41).
O todo não é imediatamente cognoscível para o homem, embora ele esteja ali
imediatamente em uma forma sensível e visível, porém este todo que é imediatamente
acessível, é um todo caótico e obscuro. Para conhecer as estruturas do todo é necessário
fazer a mediação do abstrato, assim chegando ao concreto (concreto pensado): este
método de ascensão ao concreto “é o método do pensamento; em outras palavras, é um
movimento que atua nos conceitos, nos elementos da abstração” (KOSIK, 2010).
O elemento da transição do abstrato ao concreto se dá no plano do abstrato, que
promove a negação da imediaticidade da evidência, do sensível, da concreticidade
sensível. Este concreto, conforme Kosik, é um pseudoconcreto, para chegar à essência é
necessário destruir o mundo da pseudoconcreticidade, pois a ela pertencem:
"A ele [mundo da pseudoconcreticidade] pertencem: o mundo dos fenômenos
externos, que se desenvolvem à superfície dos processos realmente essências;
o mundo do tráfico e da manipulação, isto é, da práxis fetichizada dos
homens (...); o mundo das representações comuns, que são projeções dos
fenômenos externos nas consciências dos homens, produto da práxis
fetichizada, formas ideológicas de seu movimento; o mundo dos objetos
fixados, que dão a impressão de serem condições naturais e não
imediatamente reconhecíveis como resultado da atividade social dos
homens." (KOSIK, 2010, p.11).
Sobre a essência, cabe pontuar que ela “não se apresenta imediatamente, ela é
mediata ao fenômeno, o qual ao mesmo tempo a revela e a esconde” (RICHTER, 2012,
p. 287), pois o concreto é a junção entre a aparência e a essência do fenômeno.
O filósofo tcheco coloca que, ao examinar a totalidade, é importante garantir o
caráter dialético da análise do todo e das partes, “assumindo a unidade das contradições
e a dialética de fenômeno e da essência, da lei e da casualidade, do todo e da parte, da
essência e dos aspectos fenomênicos” (RICHTER, 2012, p. 289). Aqui entendemos o
sentido da totalidade não como todos os fatos da realidade do objeto, mas sim enquanto
a “realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator poder a
vir a ser racionalmente compreendido” (KOSIK, 2010, p.44). Este é o procedimento
essencial quando pretendemos proceder à destruição da pseudoconcreticidade.
O concreto é concreto, porque é a síntese de muitas determinações, isto é,
unidade do diverso, por isso o concreto aparece na abstração como processo de síntese,
as determinações resultantes do pensamento conduzem a representação por meio da
abstração e estas são encaradas como resultado e não como premissas, dispositivos de
arranque.
“As determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do
pensamento. [...] A totalidade concreta, como totalidade de pensamento,
como uma concreção do pensamento, é, na realidade, um produto do pensar,
do conceber; não é de nenhum modo o produto do conceito que se engendra a
si mesmo e que concebe separadamente e acima da intuição e da
representação, mas é a elaboração da intuição e da representação em
conceitos.” (MARX, 2009, p. 259)
Considerações finais
Portanto, conforme destacado, a utilização da totalidade como expectativa para a
pesquisa cientifica é fundamental, pois ao conecta-la em análises de História Social
(amparada pela perspectiva moderna de ciência), obteremos resultados finais de
investigação do objeto mais profícuos.
Em seu texto seminal sobre “o método da economia politica”, presente no livro
Contribuição à crítica da economia politica (1859), Karl Marx deixa claro a
importância da totalidade para os estudos científicos, pois através dela conseguimos
transpor a “elaboração de uma representação caótica do todo” (MARX, 2009, p. 258)
para apreendermos “uma rica totalidade de determinações e relações diversas” (MARX,
2009, p. 258) do objeto em análise.
A História Social, apesar de desenvolver análises micro (que já demonstrou todo
o êxito e efetividade), não deve deixar escapar de seu horizonte a concepção de
totalidade, uma visão de conjunto para a compreensão dos objetos históricos, pois,
quanto mais se cercar de elementos e da análise dos diferentes aspectos sejam políticos,
culturais, econômicos entre outros, mais complexa e refinada ficará a sua compreensão
do objeto. Eric Hobsbawm faz importante alerta sobre a história total dos Annales: que
“não há história total, mas é importante para o historiador ver a história de uma era em
todos os seus aspectos e entender suas interconexões” (HOBSBAWM, 1997, p.75).
Por fim, pontuo uma advertência feita pelo filosofo Leandro Konder sobre a
necessidade de se trabalhar dialeticamente com a categoria de totalidade:
“é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo
conjunto de problemas com que estamos nos defrontando; e é muito
importante, também, nunca esquecermos que a totalidade é apenas um
momento de um processo de totalização (que, conforme já advertimos, nunca
alcança uma etapa definitiva e acabada). Afinal, a dialética - maneira de
pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante
emergência do novo na realidade humana - negar-se ia a si mesma, caso
cristalizasse ou coagulasse suas sínteses, recusando-se a revê-las, mesmo em
face de situações modificadas.” (KONDER, 1983, p. 39)
Portanto, a defesa da possibilidade da apreensão da totalidade da realidade social
é garantir que compreendamos que é possível transformar radicalmente a realidade
como um todo (possibilidade de uma política emancipatória), pois a totalidade,
enquanto categoria marxista, é oposta àquela percepção da totalidade metafisica e
formalista que a percebe em sentido abstrato e intemporal, ou seja, impossível de ser
modificada, “o conceito dialético de totalidade é dinâmico, refletindo as mediações e
transformações abrangentes, mas historicamente mutáveis” (BOTTMORE, 1997, p.
381) da realidade concreta.
As críticas contra as análises de totalidade estão embasadas em uma crítica a
modernidade em geral, pois muitos intelectuais julgam que a realidade é em sua
essência fragmentada e fragmentária, logo não é possível nem a sua compreensão e
muito menos a sua transformação. (WOOD, 1999, 7-22)
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