PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais
Waldeir Eustáquio dos Santos
A GEOPOLÍTICA DA GUERRA-FRIA:
a relação entre Turquia e Estados Unidos na estratégia da contenção
Belo Horizonte
2013
Waldeir Eustáquio dos Santos
A GEOPOLÍTICA DA GUERRA-FRIA:
a relação entre Turquia e Estados Unidos na estratégia da contenção
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais para obtenção do
título de Mestre em Relação Internacionais.
Orientador: Prof. Dr. Otávio Soares Dulci
Belo Horizonte
2013
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Santos, Waldeir Eustáquio dos
S237g A geopolítica da guerra-fria: a relação entre Turquia e Estados Unidos na
estratégia da contenção / Waldeir Eustáquio dos Santos. Belo Horizonte, 2013.
155f. : il.
Orientador: Otávio Soares Dulci
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.
1. Geopolítica. 2. Guerra Fria. 3. Turquia – Relações exteriores – Estados
Unidos. I. Dulci, Otávio Soares. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. III. Título.
CDU: 327.54
Waldeir Eustáquio dos Santos
A GEOPOLÍTICA DA GUERRA-FRIA:
a relação entre Turquia e Estados Unidos na estratégia da contenção
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais para obtenção do
título de Mestre em Relação Internacionais.
__________________________________________
Otávio Soares Dulci - Orientador PUC Minas
__________________________________________
Oswaldo Bueno Amorim Filho - PUC Minas
__________________________________________
Elena Lazarou – FGV/RJ
Belo Horizonte, 10 de Abril de 2013.
Ao Deus da minha vida!
À minha mãe!
À minha esposa!
Essa conquista também é de vocês!
À memória de Juraci Soares - a profetisa da minha vida!
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a todos que contribuíram para que essa dissertação, parte importante
dos meus sonhos, pudesse se concretizar e peço a Deus que abençoe grandiosamente a vida de
cada um:
Primeiro é preciso agradecer à minha grande família, meu apoio, meu maior orgulho,
Maria das Dores, Joice, Diana, Bernardo, Eder, Michelle, Marcelino, Eduardo.
Quero agradecer aos meus amigos, todas e todos, que também contribuíram para que
eu pudesse chegar aqui! Você sabe meu amigo, minha amiga, da importância que tens em
minha vida e em minha maturidade profissional e acadêmica! Obrigado!
Ao meu nobre orientador Professor Otávio, muito obrigado pela paciência e pelos
ensinamentos.
Agradecimento especial à Professora Matilde, Professor Javier, Professor Eugênio e
Professor Danny, muito obrigado pelo apoio e confiança. Aos colegas de turma, com os quais
partilhei as dificuldades e alegrias durante o curso.
Quero agradecer também ao Professor Oswaldo, pela ajuda no desenvolvimento desse
trabalho. Um agradecimento à Paula Mayrink. Paula foi importante nesse meu processo,
desde o primeiro dia no Programa, muito obrigado! Por fim agradeço a todos do Programa!
Eu posso ir muito além de onde estou, vou nas asas do Senhor, o Teu amor é o que
me conduz. Posso voar e seguir sem me cansar, ir pra frente sem me fatigar. Vou
com asas, como águia, pois, confio no Senhor! Que me dá forças pra ser um
vencedor! Nas asas do Senhor, vou voar, voar!
(Celina Borges, 2009)
RESUMO
A dissertação aqui apresentada tem como objetivo analisar a relação entre Turquia e Estados
Unidos (EUA) no período da Guerra Fria. Uma das hipóteses defendidas por este trabalho foi
que durante o conflito supracitado a Turquia foi um dos países que ajudaram na contenção do
crescimento soviético, ou do ideal socialista, tanto para o Ocidente, como para o Oriente
Médio. Para comprovar essa hipótese a teoria geopolítica do Rimland foi o apoio principal.
Dois poderes anfíbios, tratados nessa pesquisa, EUA e Turquia, durante os anos de 1947 a
1989 traçaram uma estratégia lenta, mas vigilante contra o poder do Heartland, representado à
época pela URSS. O primeiro capítulo do trabalho foi construído com teor histórico,
resgatando o período do Império Otomano, a importância do Islã e a história da República da
Turquia. O segundo e o terceiro capítulos formam o eixo central da pesquisa, pois tratam de
Relações Internacionais, da Guerra Fria, da geopolítica e da relação entre os dois países aqui
debatidos e pesquisados, Turquia e EUA. O quarto capítulo analisa as consequências desta
amizade para a Turquia no pós – Guerra Fria. Por fim, a conclusão da dissertação vem
referendar as hipóteses levantadas e responder à pergunta de pesquisa: Qual a importância da
Turquia como país de contenção, para os EUA, durante a Guerra Fria? Parte da resposta pode
ser encontrada na afirmação de um diplomata americano, Henry Kissinger, que afirmou ser a
Turquia indispensável para os EUA nas fronteiras do Oriente Médio, da Ásia Central, da
URSS e da Europa. Por sua situação estratégica em face de cada uma dessas regiões.
Palavras-chave: Turquia, EUA, Guerra Fria, Contenção, Geopolítica.
ABSTRACT
The dissertation presented here aimes to analyze the relationship between Turkey and the U.S.
during the Cold War. One of the hypotheses proposed by this study was that during the
conflict aforementioned Turkey was among the countries that helped in containment of the
expansion of the Soviet influence and the socialist ideology, toward both the West and the
Middle East. To confirm this hypothesis the geopolitics theory of the Rimland was the
principal base. Two powers amphibians, treated in this research, the U.S. and Turkey, during
the years 1947 to 1989 outlined a strategy slowly but vigilant against the power of the
Heartland, represented at the time by the USSR. The first chapter of this study was
constructed with historical content, rescuing the period of the Ottoman Empire, the
importance of Islam and the history of the Republic of Turkey. The second and third chapters
form the core of the research, because dealing with International Relations, Cold War
geopolitics and the relationship between the two countries here discussed and researched
Turkey and USA. The fourth chapter analyzes the consequences of friendship to Turkey in the
post - Cold War. Finally, the completion of the dissertation comes endorse the hypotheses and
answer the research question: What is the importance of Turkey as a containment country to
the U.S. during the cold war? Part of the answer can be found in the statement of an American
diplomat, Henry Kissinger, said that Turkey is indispensable to the U.S. in the borders of the
Middle East, Central Asia, Europe and the USSR. For its strategic position in the face of each
of these regions.
Key words - Turkey, USA, Containment, Cold War, Geopolitics.
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - A Turquia e os Estreitos de Bósforo e Dardanelos (a oeste).......................... 42
Mapa 2 - A Ilha do Chipre ............................................................................................. 48
Mapa 3 - O hipotético Curdistão (área mais clara) ........................................................ 54
Mapa 4 - O Oriente Médio ............................................................................................ 80
Mapa 5 - O Cáucaso e Ásia Central ............................................................................ 128
Mapa 6 - Os países dos Bálcãs .................................................................................... 130
LISTA DE SIGLAS
AEA - Agência de Energia Atômica
AKP - Partido da Justiça e Desenvolvimento
CIA - Agência Central de Inteligência
CIJ - Corte Internacional de Justiça
CUP - Comitê para União e Progresso
CSONU - Conselho Segurança da Organização das Nações Unidas
EUA - Estados Unidos da América
IED - Investimento Externo Direto
IO - Império Otomano
ISI - Industrialização por Substituição de Importação
OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OCE/ECO - Organização de Cooperação Econômica
OCEMN - Organização de Cooperação Econômica do Mar Negro
OCSE - Organização de Seguridade e Cooperação Européia
OCI - Organização de Cooperação Islâmica
OI - Organizações Internacionais
OMC - Organização Mundial do Comércio
OM - Oriente Médio
ONU - Organização das Nações Unidas
OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte
NSC - Conselho Nacional de Segurança
PD - Partido Democrata
PE - Política Externa
PJ - Partido da Justiça
PJD - Partido da Justiça e Desenvolvimento
PKK - Partido dos Trabalhadores do Curdistão
PM - Primeiro Ministro (Premier)
PME - Potências Médias Emergentes
PMDR - Países com Menor Desenvolvimento Relativo
PMT - Potências Médias Tradicionais
PRP - Partido Republicano do Povo
RI - Relações Internacionais
RSCT - Teoria do Complexo Regional de Segurança
UE - União Européia
UNFICYP – Força de Manutenção de Paz das Nações Unidas no Chipre
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
US - Estados Unidos
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------- 11
2 O PROCESSO HISTÓRICO: DOS OTOMANOS À TURQUIA MODERNA -------- 19
2.1 Breve histórico do Islã e do Oriente Médio --------------------------------------------------- 19
2.2 Império Otomano ---------------------------------------------------------------------------------- 22
2.3 Fundamentos do Islã ------------------------------------------------------------------------------ 26
2.3.1 Islã e a Política ------------------------------------------------------------------------------------ 30
2.4 Breve histórico da Turquia ---------------------------------------------------------------------- 36
2.4.1 Turquia e Chipre --------------------------------------------------------------------------------- 42
2.4.2 Turquia e os Curdos------------------------------------------------------------------------------ 48
2.4.3 O caso dos Armênios – o maior constrangimento turco ----------------------------------- 54
2.4.4 Os golpes ------------------------------------------------------------------------------------------- 56
2.5 Nação, Nacionalismo e o caso turco ------------------------------------------------------------ 60
2.6 A conturbada relação com a Grécia ----------------------------------------------------------- 64
3 RELAÇÕES INTERNACIONAIS, GEOPOLÍTICA E GUERRA FRIA --------------- 75
3.1 Conceitos fundamentais de Geopolítica e sua influência ---------------------------------- 78
3.1.1 Escola Anglo Saxônica -------------------------------------------------------------------------- 81
3.1.2 A geopolítica de Rimland - Nicholas Spykman ---------------------------------------------- 84
3.2 Histórico da Guerra Fria ------------------------------------------------------------------------- 85
3.3 EUA e Turquia ------------------------------------------------------------------------------------- 90
3.3.1 Política Externa Turca e a visão do Governo ------------------------------------------------ 92
3.3.2 Breve Histórico da PE dos EUA --------------------------------------------------------------- 95
3.3.3 A relação com os Estados Unidos da América ---------------------------------------------- 97
4 A TURQUIA NO PÓS - GUERRA FRIA ------------------------------------------------------ 112
4.1 Economia Política, Potência Média e Relações Internacionais -------------------------- 113
4.1.1 Turquia como potência média ----------------------------------------------------------------- 117
4.2 A coalizão na II Guerra do Iraque ------------------------------------------------------------ 122
4.3 A geopolítica da Turquia hoje ------------------------------------------------------------------ 125
4.4 A relação com os vizinhos do Oriente Médio------------------------------------------------ 130
4.5 Religião, Cultura e Modernidade: um debate atual --------------------------------------- 132
5 UMA RELAÇÃO MARCADA POR PARADOXOS, MAS TAMBÉM POR
CONQUISTAS ----------------------------------------------------------------------------------------- 139
5.1 Diplomacia e pragmatismo na Turquia ------------------------------------------------------ 143
REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 146
ANEXO A - QUADRO PRESIDENTES E PRIMEIROS MINISTROS ------------------ 153
1 INTRODUÇÃO
“Sabei que todo muçulmano é irmão do outro,
e que os muçulmanos são irmãos”. Profeta
Maomé.
O objetivo primeiro desta pesquisa seria estudar a relação dos EUA (Estados Unidos
da América) e o Oriente Médio (OM), mas, devido à necessidade do recorte que viabiliza a
pesquisa, chegamos1 ao ponto que hoje nos leva a estudar a Turquia. Este trabalho está
inserido em uma pesquisa pensada/formulada pelos professores do Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da PUC/MG2. Diante do desafio e das complexidades
que se encontram no Oriente Médio (veja mapa 04) chegou-se à ideia de analisar a Turquia,
por suas riquezas históricas e culturais, seu aspecto geopolítico, sua característica ocidental,
sua relevância no cenário internacional, entre outros. Tendo sido escolhido o país, não
querendo fugir ao objeto principal, optou-se por analisar a relação desse país com os EUA no
período da Guerra Fria. O passo seguinte foi pensar em termos de Relações Internacionais
(RI) qual a teoria adequada para compreender a história dessa relação.
Com o olhar voltado para a empiria, pensou-se que uma teoria não propriamente de
RI, mas fortemente vinculada à disciplina, principalmente ao realismo, poderia contribuir para
a leitura histórica, política e geográfica da Turquia e sua ligação com o Ocidente - a
Geopolítica. Portanto, o desenvolvimento dessa pesquisa tenderá a verificar em que medida as
questões que ligam EUA e Turquia estão diretamente relacionadas à posição e localização
desse país geograficamente Médio Oriental, com aspirações de ser reconhecido europeu. O
histórico de amizade e em alguns momentos inimizade, “a troubled alliance”, numa referência
a Harris (1972), envolve questões estratégicas para os dois países e possivelmente verificar-
se-á que não houve vencedor ou perdedor, pois as duas nações tiveram vantagens e
desvantagens nessa construção histórica. Após esse esforço reflexivo ficou traçado o objetivo
principal da pesquisa: analisar a relação geopolítica e geoestratégica entre a Turquia e os
Estados Unidos para compreender o papel da Turquia como país de contenção à expansão
soviética durante a Guerra Fria.
Para auxiliar a concretização do objetivo geral da pesquisa, foram organizados e/ou
pensados alguns objetivos específicos que são: discutir como as teorias do Rimland e do
Heartland influenciaram as tomadas de decisões durante a Guerra Fria; estudar a política
1 Nesse trecho está sendo colocada a terceira pessoa do plural, pois, é preciso ressaltar a ajuda de colegas e
professores na escolha do tema. 2 Os Estados Unidos da América, a formação de agenda e o processo decisório em Política Internacional.
12
norte-americana de contenção e o papel exercido pela Turquia no período da Guerra Fria;
discutir como os fatores geopolíticos possibilitaram o aumento de poder aos dois países aqui
estudados; analisar aspectos da política externa dos dois países (EUA e Turquia) durante o
conflito bipolar e, por fim, analisar a importância política, econômica e cultural da Turquia no
pós-Guerra Fria para as relações internacionais e principalmente para o Oriente Médio.
A orientação teórica é primordial para a concretização da pesquisa. As principais
abordagens teóricas que ajudarão na compreensão do problema de pesquisa serão a
geopolítica, dialogando por vezes com o realismo. Por outro lado, para fazer um contraponto e
que não deixa de ser um diálogo, o construtivismo em Relações Internacionais, pois em
determinados momentos do texto serão focados assuntos internos, aspectos religiosos,
culturais e a questão da identidade. A abordagem sociológica do construtivismo poderá
auxiliar na compreensão de algumas questões específicas e esses aspectos estão distribuídos
ao longo do texto. A Escola Inglesa poderá auxiliar a compreensão de alguns aspectos
relacionados também aos níveis de análise doméstico, regional e internacional, através da
Teoria do Complexo de Segurança Regional.
É preciso mencionar as principais premissas do realismo: que o Estado é o ator central
nas Relações Internacionais; que no cenário internacional a anarquia ou ausência de
autoridade, é fator preponderante o que justifica muitos conflitos. E ainda a auto-ajuda (self-
help) é um princípio cardeal, pois nenhum Estado pode contar com outro para defender seus
interesses e sobrevivência, ou seja, garantir a paz interna e a segurança internacional. Com
base no pensamento hobbesiano a anarquia, para o realismo, assemelha-se ao estado de
natureza, assim a falta de um governo coloca os Estados em situação de desconfiança, o que
gera a possibilidade da guerra de todos contra todos. Essa situação faz intensificar a busca por
poder e sobrevivência (segurança) nesse ambiente anárquico. Poder enquanto soma de
capacidades e sempre em comparação aos demais Estados.
Há dentro da Geografia um debate focado na geopolítica, sobre qual a relevância e a
distinção ou não da Geografia Política (COSTA, 2010). Há também, em virtude da
geopolítica alemã, um espectro negativo sobre a geopolítica, devido à sua apropriação pelo
nazismo de Hitler. Essa disciplina teve na Europa e na América do Norte suas três principais
escolas: a alemã, a anglo-americana e a francesa. Os teóricos alemães estavam
demasiadamente preocupados com a construção de uma nação forte e desejavam recuperar o
atraso relativo aos demais países europeus; os teóricos da escola anglo-saxônica estavam
interessados na manutenção do Império Britânico e posteriormente na formação do Império
Americano. Já os franceses, escola com pouca autonomia, apesar de muito relevante, criaram
13
uma geopolítica como reação aos alemães e ingleses, segundo Amorim Filho (2011).3
Para esta dissertação será importante a análise da geopolítica anglo-americana que
serviu de base para as estratégias da Guerra Fria (PECEQUILO, 2005). Dessa escola serão
estudados os autores Sir Halford Mackinder (1861 – 1947), britânico e Nicholas Spykman
(1893 – 1943), americano, sendo esses os principais teóricos. Mackinder que foi o criador da
teoria do Heartland ou, em tradução livre, o Coração Continental, também poder terrestre.
Spykman é o autor da teoria do Rimland, uma síntese do poder terrestre e do poder marítimo,
que formaria um anel em torno do Heartland de forma a conter sua expansão de poder.
As teorias supramencionadas serão a base para a compreensão da estratégia que ficou
conhecida como “contenção”. Por um lado, o desejo da URSS em difundir ou expandir sua
ideologia socialista pelos países do mundo e por trás desse sonho, um projeto de poder, ou
seja, domínio mundial. Por outro, percebe-se o desejo expresso de conter a expansão dessa
política por parte dos Estados Unidos. Assim, a política de contenção, adotada pelo governo
estadunidense e seus aliados, foi impulsionada por teóricos das Relações Internacionais (RI),
alinhados à vertente realista e por geopolíticos como Spykman. Para o desenvolvimento da
pesquisa o termo Contenção será entendido sob o viés geopolítico, através da teoria do
Rimland.
Para aprimorar a estratégia da contenção o governo norte-americano pensou em
organizações que pudessem viabilizar o processo. A intenção e/ou o discurso dos EUA para o
mundo era auxiliar os países que ainda não estavam sob a influência dos russos a se manterem
livres, democráticos e em paz. No entanto, a dúvida foi instaurada: quais seriam esses países e
como se daria essa ajuda? Nesse contexto surgem algumas políticas como a Doutrina Truman
e o famoso Plano Marshall, ambas em 1947, além da criação de organismos como a OTAN,
entre outros, que vislumbravam conter o crescimento do comunismo soviético e de certa
forma garantir a segurança e a paz na Europa.
A identidade ou construção de uma identidade é fundamental para compreensão do
processo de alianças. Essa ideia apresentada por Barnett (1996) possibilita compreender em
parte a aproximação entre turcos e americanos. Nesse caso, contudo, não por terem uma
ligação identitária, mas pelo fato de buscarem se defender daqueles que possuíam
semelhanças no aspecto religioso, étnico e ideológico. Com esse foco Barnett (1996) auxilia
no entendimento de outros fenômenos. A busca de alianças para o autor sempre se dá em face
do aumento de segurança diante de riscos externos, reforço de “capabilities”. Para Barnett
3 Notas de aula ministradas no segundo semestre de 2011, por Oswaldo Bueno Amorim Filho.
14
(1996) as alianças são feitas mais por oportunidades que por princípios. Assim os dois países
aqui estudados mantiveram uma relação que foi nutrida por interesses específicos.
No pós-Guerra Fria foi fomentada uma nova forma de aliança através das identidades.
A Turquia buscou naquele tempo histórico estabelecer vínculos com os países que se
identificava etnicamente como Turcomenistão, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão,
Quirguistão. Buscou também várias alianças no âmbito regional, uma vez que o nível de
segurança exigido já era bem menor nesse período, foi o momento da cooperação e menos da
competição. Portanto, é possível perceber que a questão identitária é fundamental para que se
possa entender as relações internacionais da Turquia desde sua fundação em 1923, por seu
líder e herói nacional Mustafá Kemal Atatürk.
Essa pesquisa justifica-se pelo fato de estar crescendo no Brasil o interesse por estudos
norte-americanos e da inegável importância que a Turquia e os Estados Unidos têm para as
relações internacionais. Outro aspecto significativo é que a Turquia está inserida num espaço
sensível, do ponto de vista econômico, político e de segurança, para a política global. O país
não tem ainda uma forte projeção internacional, como EUA, mas, esse fato está sendo
alterado a cada ano, conforme avalia Pinto (2010). A aliança foi para os turcos um importante
fator de desenvolvimento econômico e militar, principalmente ao analisar sua entrada para a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a relação desse país com a Europa.
No período da Guerra Fria o mundo foi envolvido por um conflito diferente dos
demais (HALLIDAY, 1999), havia certo jogo de forças. Em alguns momentos os Estados
utilizavam-se de medidas psicológicas, em outros, estratégias bélicas, mas as duas potências
não se enfrentavam diretamente. Por vezes outros países eram utilizados para o confronto
através do envio de armas e soldados, por exemplo. Muitas perguntas ainda ressoam, pelos
espaços acadêmicos ou políticos, sobre esse conturbado momento histórico mundial. Este
trabalho objetiva responder uma delas ao investigar a relação entre os EUA e Turquia no
período supramencionado.
Estudar a relação dos Estados Unidos com o Oriente Médio com foco na Turquia é
importante por uma série de fatores e alguns deles serão elencados a seguir. O primeiro é que
o país norte-americano é a atual potência hegemônica, assim compreender como se concretiza
sua presença na região é essencial. O segundo ponto é que o Oriente Médio, além de sua
cultura diversa e seu contexto religioso, provoca debates intensos, conflitos e pouco consenso.
O terceiro ponto é que é impossível pensar em Oriente Médio e não pensar nas suas matrizes
energéticas: petróleo e gás, por exemplo, e a importância dessas commodities para o
desenvolvimento mundial. Importa também, pois, a questão energética na contemporaneidade,
15
talvez seja o maior empecilho ao crescimento econômico mundial. E está justamente no
Oriente Médio o maior reservatório de fontes de energia, gás e petróleo do mundo.
Sendo assim, um estudo com essa relevância pode produzir conhecimentos diversos
relacionados às duas Nações supracitadas e suas respectivas áreas de influência. O estudo da
Turquia adquire relevância devido ao seu passado de Estado que surge das “cinzas” do
Império Otomano e país que não experimentou a colonização, o que o diferencia da maioria
dos membros dos chamados países emergentes. Justifica-se como forma de analisar em que
medida esses fatos passados impactam no seu atual estágio de desenvolvimento. Um país de
população majoritariamente muçulmana, mas que opta por um Estado secular. A Turquia no
estudo será relevante devido ao seu aspecto de fronteira entre dois mundos, que lhe atribuem
características importantes e diferentes, conforme avalia Peixinho (2009).
A Turquia é um país que está despontando no cenário global e conforme será avaliado
no Capítulo IV desta dissertação participa de vários organismos regionais e internacionais. O
país é membro do G20, portanto, qualificado como economia emergente de relevância
internacional. Tem pretensões antigas de entrar para a União Européia e está integrado como
membro associado à Comunidade Européia desde 1963. O país tem algumas peculiaridades
em relação às potências médias, pois nunca foi colônia, conforme mencionado, e tem uma
história de democracia relativamente duradoura. Mesmo os golpes militares que experimentou
não demonstraram similitudes com aqueles acontecidos na América Latina, por exemplo. Os
militares ficaram um tempo relativamente curto no poder, não demonstrando aspirações de
governar o país. É importante ressaltar, no entanto, que a última Constituição do país foi
promulgada pelos militares no ano 1982. Há em relação a essa constituição um clamor geral
por renovação.
No que se refere ao aspecto metodológico o trabalho dissertativo terá o recorte
temporal da Guerra Fria, portanto, será considerado o período de 1947 a 1989. Mas a pesquisa
estará incompleta se não forem analisadas as consequências do fim da Guerra Fria,
principalmente para a Turquia. O ano de 1947 marca o início formal da Guerra Fria tendo
alguns documentos, discursos e formulação de políticas durante o ano que funcionaram como
uma espécie de “declaração de guerra” por parte dos americanos. O discurso do presidente
Truman, anunciando o apoio aos países ameaçados pelo totalitarismo da URSS, o Plano
Marshall, de ajuda financeira para a reconstrução da Europa destruída pela guerra, e o artigo
lançado na “Foreign Affairs”, sob o pseudônimo X, confirmando quem era o inimigo a ser
combatido, são pontos norteadores do argumento principal desse trabalho.
16
Um dos meios para se realizar a pesquisa qualitativa é a análise de documentos, que
serão coletados, selecionados e avaliados pelo pesquisador. Todos esses passos metodológicos
sempre ligados com a teoria na qual o problema de pesquisa está inserido. Para o
desenvolvimento da pesquisa foi relevante a consulta a documentos sobre a Política Externa
(PE) norte-americana e sobre a PE da Turquia. Os materiais produzidos pelos ministérios das
relações exteriores, organizações nacionais e internacionais que estão disponíveis, podem
conter um significativo arcabouço documental. Alguns exemplos desses documentos são os
acordos assinados entre EUA e Turquia no período pós-segunda guerra, tratado entre Turquia
e Israel, o importante Tratado de Lausanne, e o Tratado de Sévres, assinado pelas potências
vencedoras da Primeira Guerra, que podem ser consultados.
A pesquisa bibliográfica foi outro instrumento para o desenvolvimento do trabalho. A
bibliografia sobre a política externa norte-americana e suas atividades nas relações
internacionais é diversificada, por outro lado, no que se refere a Turquia, o acervo
bibliográfico ainda é pequeno no Brasil. Contudo, vale ressaltar que em outras partes do
mundo, como nos EUA a bibliografia é farta. A dificuldade para acesso à bibliografia foi um
problema que ocasionou algumas falhas no desenvolvimento do trabalho. Mas ainda assim a
busca por livros, periódicos, artigos em geral que abordem a relação entre os países acima
mencionados proporcionou as principais fontes para a construção desta dissertação.
Esta pesquisa tem como problemática debater a formação de alianças entre os Estados
Unidos e Turquia no contexto da Guerra Fria e suas conseqüências para a Política
Internacional. E tem como problema: Qual a importância da Turquia como país de contenção,
para os EUA, durante a Guerra Fria? As hipóteses apresentadas a seguir, deverão ser
confirmadas, ou não e debatidas no último capítulo desse trabalho: a posição e localização da
Turquia possibilitam sua ligação aos países do centro, principalmente aos EUA e lhe
proporcionam hegemonia local; nessa condição, a Turquia foi parte do plano norte-americano
de contenção da União Soviética na Guerra Fria; além disso, exerceu também o papel de
contenção político-estratégica dos países do Oriente Médio frente ao chamado “Ocidente”.
Estudar a Turquia e suas relações internacionais possibilitará ainda o aprofundamento
e conhecimento sobre o papel das potências médias no atual cenário. Para tanto, será
necessário avaliar o papel desse país em sua área de abrangência e fazer comparações com
países como o Brasil, Índia e outros. Será uma análise breve, pois não é esse o objeto
principal da pesquisa, mas é algo importante e deve ser debatido. A escolha do tema foi
estratégica do ponto de vista acadêmico, por sua localização, sua cultura, o papel que
desempenha e atual posicionamento desse país em questões internacionais.
17
As variáveis segundo Laville e Dione (1999) podem ser de causa e efeito,
respectivamente independente e dependente. As variáveis independentes podem causar
variações nas outras e ainda podem apresentar mais de um estado ou valor. Assim elas são
importantes para o desenvolvimento da pesquisa e devem ser constantemente observadas pelo
pesquisador. Para a conclusão da dissertação será necessário apontar algumas categorias de
análise que permitam comprovar ou não a utilização da Turquia na política de contenção
estadunidense. Os aspectos que serão avaliados e posteriormente deverão subsidiar a
confirmação ou refutação das hipóteses são:
a) períodos de alinhamento (PE) entre os dois países;
b) formulação de acordos militares;
c) venda de armamentos;
d) uso do território turco com bases militares;
e) utilização dos estreitos Bósforo e Dardanelos (conforme mapa 01);
f) alocação de recursos financeiros.
g) pressão dos EUA para que a Turquia se alinhe ao “Ocidente”.
Em se tratando do desenvolvimento e organização, o trabalho será dividido em cinco
capítulos buscando contemplar os objetivos apresentados e verificar as hipóteses. O primeiro
capítulo é esta introdução, conforme orientação da PUC. O segundo capítulo trata do processo
histórico desde os Otomanos à Turquia Moderna e propicia ao leitor análises do Islã e do
nacionalismo turco. Assim será possível conhecer parcialmente os principais problemas
geopolíticos internos e externos da Turquia que são: a questão do Chipre, os Curdos, a
situação do Povo Armênio e a relação entre Grécia e Turquia. A parte destinada às
explicações do Islã e a questão do nacionalismo são fundamentais para a compreensão do
capítulo IV. O nacionalismo turco propicia até mesmo a compreensão das estratégias
geopolíticas defendidas por Mustafá Kemal Atatürk, com seu olhar fixo no Ocidente, como a
troca de populações ou expulsão dos cristãos que já estavam presentes na Anatólia antes da
chegada dos turcos. Deverá ser analisada a fusão interessante entre nacionalismo e geopolítica
no início da história turca.
No terceiro capítulo denominado Guerra Fria, Relações Internacionais e Geopolítica, a
pesquisa aborda alguns conceitos de geopolítica. É debatido nesta parte o tempo histórico que
interessa diretamente e no qual se insere o trabalho, além de abordar a temática central, ou
seja, a relação entre EUA e Turquia. O capítulo trata também de aspectos importantes que
18
marcaram a relação entre os dois países, as alianças militares e as ajudas financeiras. São
analisados momentos de tensão em que os dois países estiveram envolvidos, como por
exemplo, a Crise dos Mísseis, focaliza aspectos das Políticas Externas da Turquia, dos
Estados Unidos e analisa o período da bipolaridade.
O quarto capítulo analisa a Turquia depois da Guerra Fria. São abordadas, neste
capítulo, a geopolítica atual, a relação com os países do Oriente Médio e o complexo tema da
religião, cultura e modernidade. Para essas três últimas categorias o construtivismo foi
essencial. Para auxiliar na compreensão do capítulo a discussão de Economia Política
Internacional, globalização e os blocos regionais também serão fundamentais. Há neste
capítulo a tentativa de reflexão da importância da religião (visão conservadora) e da
modernidade (visão progressista) dentro da Turquia. Aqui dividida para facilitar a
compreensão, mas que não se percebe assim muito facilmente. No quinto e último capítulo
denominado, “Uma relação marcada por paradoxos, mas também por conquistas”, estão as
considerações finais.
19
2 O PROCESSO HISTÓRICO: DOS OTOMANOS À TURQUIA MODERNA
A política de um Estado está em sua geografia. (Napoleão)
2.1 Breve histórico do Islã e do Oriente Médio
Na região onde atualmente está localizada a Turquia passaram vários impérios até o
nascimento do Império Otomano, mas não é objeto deste trabalho apresentá-los por completo,
importa destacar aqueles mais próximos do povo turco e vinculados ao território da Anatólia.
A presença desses impérios no espaço pode explicar alguns dos conflitos existentes na
contemporaneidade devido à diversidade étnica, religiosa e cultural. Esse fato também ajudará
na compreensão do esforço de construção nacional dos turcos e permitirá avaliar a
importância dos aspectos geopolíticos naquele contexto.
Para este trabalho dissertativo foi adotada a narrativa a partir do Império Hitita, grupo
étnico que habitou a região em meados de 1600 a 1200 a.C.. Um povo indo-europeu que
ocupou a região da Anatólia, que tinha sua vida baseada na agricultura e desenvolveu a escrita
através de desenhos. Os Hititas acreditavam em vários deuses (Água, Vento, Terra), foi um
povo guerreiro que conquistou a Babilônia passando pelo Egito e pela Síria. Em 1200 a. C.
foram dominados/conquistados.
Outro Império que deve ser brevemente apresentado é o Persa (LEWIS, 1996). Foi um
dos mais importantes impérios da antiguidade e se localizava nas regiões da Turquia, Irã e
Iraque. O Império foi iniciado por Ciro – O Grande – em 559 a.C., que 20 anos depois
conquistou a Babilônia. Dominou os gregos em 525 a.C. e posteriormente conquistou o Egito.
O Império Persa foi derrotado e incorporado ao Império Greco-macedônio em 479 a.C. por
Alexandre Magno. O povo persa foi influenciado por seus dominados, assimilando sua cultura
e pôde assim com essa base executar obras importantes de engenharia. Adoravam o Sol, a
Terra e a Lua. Zoroastro organizou a religião, ou Zoroastrismo, cujo deus era Ormuz. O
Império Macedônico surgiu no norte da Grécia em 359 a.C. por Felipe II. Promoveu
integração com o Império Persa e dominou toda a Grécia anos depois. Em 334 a.C. Alexandre
dominou parte da Ásia, a Síria, Palestina e Egito, em 327 a.C. invadiu a Índia. Alexandre
morreu em 323 a.C. e seus generais entraram em guerra. Conforme Lewis (1996) esse período
possibilitou a cultura grega se fundir com a Oriental, origem da cultura helenística.
No início da era cristã o Oriente Médio estava dividido por dois Impérios que muito
contribuíram para a história mundial e da Turquia em especial. O Império Romano que tinha
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sua extensão até o Mediterrâneo, passando pelo Bósforo e chegando ao Rio Nilo. Do outro
lado do OM estava a zona controlada pelo Império Persa (LEWIS, 1996). A influência desses
dois povos se faz presente ainda hoje na região. Por exemplo, o nome Bagdá é persa e
simboliza “dádiva de Deus”. No ano de 395 d.C, após a morte de Teodósio, o Império
Romano se dividiu. Consequentemente foram estabelecidos o Império Romano do Ocidente e
o Império Romano do Oriente. O primeiro teve sua sede mantida em Roma e o segundo
constituiu a sede em Constantinopla.
O Império do Romano do Ocidente sofreu uma série de ataques, foi invadido vários
vezes e consequentemente extinto. O Império Oriental, posteriormente denominado
Bizantino, teve pela frente mais 1000 anos de vida após a cisão. O nome que recebeu vem de
um povoado que vivia nos limites imperiais. Bizâncio era o primitivo nome de
Constantinopla, a capital do Império que depois sob o Império Otomano, recebeu o nome de
Istambul. Tanto os Bizantinos quanto os Católicos tiveram na sua formação a influência
grega. Do século VII em diante, quando surge o Islã, os Bizantinos sofreram várias derrotas,
mas a Ásia Menor continuou cristã e grega (LEWIS, 1996). Esse dado é importante para
análise da relação grego-turca nos séculos XIX e XX.
Para a surpresa de muitos, um dos aspectos relevantes da disputa territorial daquele
período, era o controle das rotas comerciais. O Ocidente se utilizava desses caminhos para
negociar com a Índia, por exemplo, ora os bizantinos dominavam as rotas, ora os persas
estavam no controle. Contudo, um dado desperta a atenção, que não se encontram registros de
que turcos e árabes tenham contribuído para o desenvolvimento das civilizações antigas do
local, afirma Lewis (1996). Ainda analisando a questão territorial, naquele tempo histórico, os
bizantinos desejavam retirar a Armênia e a Mesopotâmia do controle persa. Argumentavam os
Bizantinos, que essas regiões eram habitadas por povos cristãos, portanto, deviam lealdade
àqueles que professavam a mesma fé.
Segundo Lewis (1996), os turcos iniciaram seu processo de conversão ao islamismo
em meados do século X. No século seguinte chegam à Anatólia com os turcos seljúcidas.
Com sua chegada esse povo conquistou vários territórios e por breve período de tempo o
Oriente Médio foi unificado. Após 1092 o Império desmoronou por uma série de conflitos
internos. A situação ficou ainda mais complexa com as batalhas travadas contra os cristãos
através das cruzadas. Naquele momento histórico os Cruzados invadiram o crescente fértil e
chegaram até a Síria. Portanto, as disputas para os seljúcidas se davam em três frentes
distintas. Por um lado, o ocidental, contra os cristãos, uma segunda frente de batalha contra os
infiéis, ou seja, era uma questão interna e por fim contra outros povos que ameaçavam entrar
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na Anatólia pelo oriente.
A força de vontade, a fé arraigada e a coragem fizeram com que os turcos lograssem
êxito em sua campanha, inclusive expulsando os cruzados. Desde a chegada à Anatólia e a
conversão ao Islã, os turcos se dedicaram a defesa e a expansão da religião. Nesse período o
sunismo era predominante, como sempre foi, e a restauração do islamismo era a principal
bandeira. Esse processo seria alcançado caso algumas metas fossem cumpridas: “derrubar os
regimes xiitas e restabelecer o califado; reformular e disseminar a resposta sunita ao desafio
das ideias xiitas; e a mais difícil missão seria integrar a instituição religiosa na vida política do
islã.” (LEWIS, 1996, p. 94 e 95).
O início do século XIII foi marcado pelo surgimento de uma nova força imperial vinda
da Ásia Central. Em 1205, sob o comando de Gêngis Khan, os mongóis iniciam sua
caminhada de conquistas e avançam em direção à Anatólia. Em 1240, os mongóis chegam ao
Irã, Geórgia, Armênia e parte da Mesopotâmia. Por fim, em 1258 caiu o último Califa diante
do poderoso Império. Os mongóis não se fizeram totalmente presentes nas áreas conquistadas.
Com certo nível de tolerância por parte dos dominadores, o Islã foi sendo reconstruído no
Oriente Médio, dessa vez sob influência do Sufismo. Após a dominação mongol três forças se
constituíram no local e conviveram por algum tempo. O primeiro grupo era pagão e mongol,
se converteu posteriormente ao Islã, estava localizado no Irã. O segundo, turco e muçulmano,
permaneceu por algum tempo sob o domínio dos mongóis, sendo influenciado inclusive na
sua cultura. O terceiro grupo tinha também uma forte presença de turcos, mas era formado
basicamente por outras etnias.
No início do séc. XIV o Estado seljúcida foi completamente extinto. Outros povos
turcos, ainda fugindo dos mongóis localizados na Ásia, começaram a chegar na Anatólia.
“Entre os principados que participaram das novas conquistas, um deles se transformou em um
vasto e poderoso império.” (LEWIS, 1996, p. 105). Osmã iniciou seu processo de conquistas
em 1325. Em 1356, já estava dominando terras européias. Entre os anos de 1371 e 1389 os
Otomanos estavam com a península balcânica dominada. Na década de 50 do século XIV, as
Cidades-Estado Gênova e Veneza, estavam em guerra. Os genoveses enfraquecidos pedem
apoio militar aos Otomanos e oferecem em troca uma alta quantia em dinheiro. Em 1352
realizam o Tratado Comercial Otomano-Genovês.
Até meados de 1451 foram diversas lutas na Europa, contra os cristãos ou na Anatólia
defendendo internamente a religião. Nesse ano o Sultanato foi assumido por Mehmed II que
encontrou um reino ainda dividido e em constante conflito. Mas esse Sultão protagonizou
uma das mais importantes conquistas da história internacional. Em 29 de Maio de 1453 os
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turcos tomam Constantinopla. Assim, a cidade imperial cristã se transforma no centro do
Poder muçulmano, posteriormente recebeu o nome de Istambul. Esse episódio é celebrado
pelos islâmicos como a grande vitória sobre os infiéis – a Fetih por excelência.
(FERNANDES, 2008).
Segundo Lewis (1996), a região do OM foi influenciada por povos ocidentais e
orientais, mas principalmente a partir do século XIII a influência oriental no Oriente Médio
foi mais intensa com os Mongóis, por exemplo. A construção histórica do Oriente Médio se
deu numa sequência de eventos militares (guerras) e políticos, desse fato decorre
provavelmente as diversas crises na atualidade. Os costumes, como tomar um café, os móveis,
até os uniformes militares foram sendo adaptados ao modelo ocidental. Talvez o símbolo
maior dessa modernização seja de fato a Turquia, mas outros países também se modificaram,
claro que não na mesma intensidade. O autor afirma ainda que no caso turco a figura de
Kemal Ataturk foi emblemática, pois, o militar/presidente e seus parceiros sabiam onde
queriam chegar. Por isso, o Pai dos Turcos é chamado por Bernard Lewis de o “mestre do
simbolismo social.”
A mudança foi tamanha que em locais da Turquia é possível presenciar um belo
espetáculo de ópera ou ouvir belas orquestras. A ressalva, ainda triste, é que na maioria dos
países árabes, nos quais é possível se encontrar a cultura do cafezinho, não é se pode avistar
mulheres (nos Cafés), a menos que sejam estrangeiras. Outro ponto importante para a
modernização na Turquia, que pode estar vinculado à força do Império, foi sua vanguarda em
relação à imprensa e à figura do jornalista. O país de Mustafá Kemal saiu na frente de muitos
outros do mundo muçulmano em se tratando de modernidade e cultura.
2.2 Império Otomano
Um dos grandes Impérios que passou pelo Oriente Médio antes dos Otomanos foi o
Império Abássida ou o Califado Abássida, povo descendente de al-Abbas -, iraniano. O
Califado surgiu em meados do ano 749 d.C. a partir da luta de um dos sobrinhos de al-Abbas
contra a opressão e escravidão vivida pelo seu povo sob o Império dos Omíadas. A conquista
do poder por esse povo foi avaliada pelos historiadores como uma revolução no OM.
(LEWIS, 1996). A vitória foi marcada pelo fato de conseguirem se sobrepor a um antigo
reinado e instaurarem um califado iraniano ou nas palavras de Lewis (1996) um Islã
Persianizado. Ressalta-se, no entanto, que a luta foi especificamente contra o sistema opressor
e não contra os árabes. Os Abássidas controlaram a maior parte das terras do Islã por cinco
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séculos. Conquistaram parte da África e Europa inclusive.
Segundo Hourani (1994) o Império Abássida começou a se desintegrar alguns séculos
antes do surgimento do Império Otomano. Para o autor as dinastias tombam sempre vítimas
de sua própria fraqueza, no caso do Islã, os governantes perdem a referência da Sharia e se
esqueceram dos acordos realizados com seu povo. Utilizavam-se do povo para conquistar e
depois de certo grau de estabilização, abandonaram seus governados. O povo Abássida
buscava nas montanhas homens saudáveis para recompor o seu exército. Esses soldados à
medida que conquistavam outros povos, se voltavam contra o soberano, ou seja, dentro do
exército surgiam novos líderes e isso enfraquecia o Império. A desintegração desse reino se
deu por completo entre os séculos X e XI, tendo como consequência os deslocamentos, as
influências étnicas e fatores religiosos.
O Império Otomano teve sua ideologia sempre voltada para os princípios do
islamismo, ou seja, a religião era o fator que se sobrepunha a qualquer outro aspecto, político
inclusive. A origem do Império é do final do século XIII e início do XIV, sendo que sua
expansão se deu em grande parte sobre o decadente Império Bizantino. Fernandes (2005a)
afirma que os Seldjúcidas, povo de origem turca, conquistaram o Planalto Central da Ásia
Menor e deram ao local o nome de Rum, ou Terras Romanas influenciados pelo Império
Romano e também significava dizer que a partir daquele momento os turcos sucederiam os
romanos na autoridade sobre Constantinopla. Depois o termo Terras Romanas foi traduzido
para Anatólia que significa – Leste.
A chegada dos turcos na Anatólia foi meados do ano 1071. “Os turcos que invadiram a
Anatólia oriental no século XI eram ainda nômades do deserto.” (Anderson, 1985, p. 361).
Eram provenientes dos planaltos áridos e frios da Ásia Central. Após a conquista das terras,
os turcos optaram por adotar o nome de Turquia como forma de contemplarem sua origem. O
Grande Império Seldjúcida foi formado nas localidades da Pérsia e da Mesopotâmia, tendo
Bagdá como capital. Contudo, foi local de diversos conflitos, entre ramos do povo seldjúcida
e invasores mongóis no século XIII. “A região converteu-se num mosaico de pequenos
emirados e grupos de pastores nômades.” (Anderson, 1985, p. 363). Esse argumento é
fundamental para compreensão da história turca e seus conflitos nacionais e geopolíticos.
O Império Otomano foi uma dinastia muçulmana, fundada por Osman. Utilizou-se de
várias formas de expansão, relações diplomáticas, conquistas e novas forças humanas. Era
uma potência no Mediterrâneo e no Mar Vermelho. Foi uma das principais estruturas políticas
que o mundo conheceu desde o fim do Império Romano. Dominou a maioria dos povos das
regiões do Oriente Médio, parte da África e Europa por mais de 400 anos outros por até 600
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anos. O soberano e sua família eram conhecidos como a Casa de Osman, a sucessão se dava a
princípio por hereditariedade, depois passou a ser realizada pelo membro mais velho da
família.
Em 1302, segundo Anderson (1985), o sultanato de Osmã se transformou na potência
dominante em todo o mundo islâmico. Desde o início, o Império se empenhou em uma guerra
santa contra os infiéis, principalmente os cristãos/católicos. Na fronteira ocidental do império
estava o mundo cristão, esse fato fez vigorar o fervor militar e religioso do Império Otomano.
O avanço dos Otomanos foi rapidamente direcionado para a Europa Oriental – os Bálcãs. Sua
capital em determinado momento chegou a ser transferida para o outro lado do Estreito de
Bósforo. Os turcos viam-se como muçulmanos governando a terra do Islã, assim
estabeleceram o Estado, também conhecido como a “Sublime Porta”. Seu poder se expandiu
rapidamente, destruíram totalmente o Império Bizantino e em 1453 Maomé II tomou
Constantinopla. A tomada de Constantinopla é considerada por Libero (1998) tão importante
quanto a descoberta da América em 1492.
Para Hourani (1994) a primeira fase expansionista do Império foi marcada por uma
forte organização governamental. Os oficiais da cavalaria Sipahis além da função militar
podiam coletar impostos e não precisavam repassar para o Estado aquilo que arrecadavam. No
século XVI foi estabelecida uma burocracia complexa a Kalemiye que estava dividida entre os
secretários, responsáveis pela documentação e outros responsáveis pelo setor financeiro do
Império. Todo material produzido foi cuidadosamente guardado nos arquivos imperiais.
Havia ainda os Divan que eram altos funcionários do exército e do governo.
O funcionamento do Império se deu através da instalação de vários governos locais,
pode-se dizer descentralizados, e esses foram transformados em províncias chamadas de
eyalet. Eram como uma espécie do governo central em uma dimensão bem menor. Uma das
principais funções do governo era coletar impostos:
a) no campo sobre as atividades agrícolas e pecuárias;
b) no meio urbano, inclusive cobrando pedágios; e
c) impostos pessoais que recaiam sobre os judeus e cristãos. A sociedade muçulmana à
época do Império estava dividida entre os dominantes e os dominados. Os primeiros eram
soldados, altos funcionários, membros de corpos armados, os segundos – súditos.
Na tradição islâmica o soberano era o Paxá ou Sultão, também chamado de Califa.
Naquele período o soberano devia se preocupar com a defesa das fronteiras, pois a Leste
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havia a preocupação com os safávidas do Irã de tradição Xiita, o que agravava a situação. A
Oeste, a Europa Cristã que apesar da queda de Constantinopla ainda representava ameaça ao
Império Otomano. O Califa também seria o responsável por guardar os locais sagrados –
Meca e Medina no Hedjaz e Jerusalém na Palestina. Contudo, o dever mais importante para o
Sultão era manter o respeito à Sharia e seus mandamentos. Os soberanos criaram muitas leis e
regulamentos para manter o controle. O soberano que conquistou Constantinopla, Mehmet II,
criou um complexo escolar significativo, Suleiman “o Magnífico” criou outro complexo
semelhante nos séculos XV e XVI, esses locais foram organizados para formar membros da
elite geralmente composta por burocratas e soldados.
O Império atingiu dimensões gigantescas. Tinha possessões na África, Ásia e Europa.
Com o tempo e diante da extensão territorial enorme foram sendo criadas novas formas de
governar dentro das terras Otomanas e o poder foi descentralizado. Conforme mencionado
acima o Irã e a Europa causavam maior preocupação ao Império. O Egito também não foi
dominado e ficou longe do poderio Otomano. Sob o poder da Sublime Porta, judeus e
armênios tiveram sua importância relativamente aumentada, pois, desenvolveram forte
tendência comercial e bancária no caso do povo judeu e importante comércio da seda no caso
dos cristãos armênios. (HOURANI, 1994)
A política externa Otomana foi marcada pelo caráter ofensivo e expansionista e seu
objetivo principal era conter o crescimento dos Habsburgos. “As principais realizações da
diplomacia otomana dessa época eram as chamadas capitulações.” (ERMIDA;
FERNANDES, p. 5, 2012). Essa política foi marcada por acordos realizados com as grandes
potências européias: França, Inglaterra e Holanda. Seu inicio se deu em meados do século
XVI e terminou apenas no século XX com o fim do Império Otomano. Através dessas
alianças os Otomanos entraram para o concerto europeu, ou seja, passaram a fazer parte das
grandes potências.
Há indícios de que a política de alianças promovida entre as potências da época tinha
como objeto a contenção do crescimento austríaco para o Oriente Médio, uma espécie de
prefiguração da Guerra Fria. Contudo, como não havia ainda uma regulação consistente as
alianças eram frágeis e facilmente quebradas. Na vigência dos séculos XV e XVI o exército
Otomano era mais organizado e equipado que os europeus. Assim pode-se concluir com a
afirmação de Kennedy (1989), de que no século XVI numa perspectiva histórica e geográfica,
a Sublime Porta foi a maior ameaça à cristandade. Já o século XVII marca o início da
derrocada Otomana, com isso seus principais inimigos – Áustria e Rússia –, iniciaram nesse
período a conquista das terras que pertenciam ao Império.
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No fim do século XVIII a amizade com a França foi rompida, pois, os franceses
invadiram o Egito e esse fato não foi aceito pelo Sultão Otomano. Antes desse episódio o país
de Napoleão era o maior aliado dos turcos, inclusive com apoio e treinamento militar. Nos
anos de 1800 o Império Turco servia como barreira ao crescimento do Império Russo e
impedia sua chegada ao Mediterrâneo. (ERMIDA; FERNANDES, 2012). Esse fato
fundamenta o artigo desenvolvido por Mackinder em 1904 quando o autor declara que a
Rússia era o verdadeiro inimigo a ser combatido pela Coroa Britânica. Pode inferir-se que
desde os séculos, XVIII e XIX, a política de contenção já era utilizada e no mesmo território
onde hoje está localizada a Turquia. Primeiro restringindo o crescimento do Império Austro-
Húngaro e posteriormente contendo o crescimento da Rússia.
O Império Otomano mantinha uma tradição de não enviar embaixadores para outros
países, talvez para preservar a religião da influência cristã, ou devido ao fato de o Império não
pertencer até meados do século XIX ao sistema de países da Europa. Somente depois de
estabelecer um Ministério próprio para cuidar dos assuntos internacionais e sentir a
necessidade de valorizar o império diante dos países europeus, foi que os diplomatas foram
enviados a outros países. (ERMIDA; FERNANDES, 2012). À crise do Império Otomano
estão associadas outras situações estratégicas do final do século XIX e início do XX. A
Europa se via em situação complicada, pois, com o fim da Sublime Porta teria facilmente uma
expansão em suas conquistas territoriais. Por outro lado criaria sérios problemas com os
países que ficariam independentes na região e as conseqüências desse fato poderiam ser
desastrosas.
Os dois últimos séculos do Império Otomano foram marcados por reformas rumo ao
secularismo e à aproximação com a Europa. As reformas mais importantes, segundo
Fernandes (2005a), datadas do século XIX, foram as Reformas Tanzimat, que visavam o
estabelecimento da ordem. No ano de 1876 foi adotada uma nova constituição, formou-se um
aparelho civil/administrativo secular que obteve o apoio de grupos tradicionais. Essa nova
organização tinha por objetivo substituir a elite militar, os Yenitcherni, que era responsável
pelo recrutamento de crianças; por uma elite religiosa os Ulemás, que era composta por
doutores da lei corânica, os Mufti interpretes da Sharia e os Notáveis provinciais.
2.3 Fundamentos do Islã
O início do séc. VII estava marcado pela dominação dos Impérios Bizantino e
Sassânida. Maomé inicia sua missão e convida homens e mulheres à conversão. Aquele
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homem casado com uma comerciante começa a anunciar e a falar de Alá (Deus) para o seu
povo. Um pequeno grupo de seguidores foi reunido em torno do pregador e isso foi fazendo
sua situação local mais difícil. Os moradores do local não concordavam com fato de que ele
utilizasse o nome de Deus e se auto-intitulasse Profeta, Maomé era visto como um
blasfemador. “Por fim, sua posição tornou-se tão difícil que em 622 ele deixou Meca e foi
para um oásis trezentos quilômetros ao norte.” (HOURANI, 1994, p. 34). Esse lugar ficou
conhecido mais tarde como Medina e o movimento realizado pelo Profeta foi denominado
Hégira ou retirada.
Em Medina Maomé se tornou influente e adquiriu certo grau de poder. Entrou em luta
com outros povos, segundo Hourani (1994), pelo controle das rotas comerciais. A batalha fez
surgir um espírito de comunidade entre os seus seguidores e passaram a acreditar que daquela
forma defendiam algo nobre. Nesse contexto de luta e de acentuado nível de proselitismo o
Islã ganha seus contornos finais. As orações que antes eram direcionadas para Jerusalém são a
partir desse momento voltadas para Meca. O Profeta se vê como descendente espiritual de
Abraão, o Grande Patriarca das três religiões: cristianismo, judaísmo e islamismo. Em 629,
após retomar o contato com os habitantes de Meca, Maomé promove uma peregrinação para a
cidade. Em 630, praticamente sem nenhuma resistência o local sagrado foi reconquistado. A
força do Islã, com esse episódio, aumentou consideravelmente e o governo é estabelecido,
para controlar a situação, o Profeta se utilizava de delegados. Esses representantes
dominavam e controlavam povos na região e lutavam para que o Deus único fosse
reconhecido. Em 632 morreu o fundador do islamismo e deixou para seus seguidores uma
herança importante e muito significativa que foi o livro sagrado: Corão.
No caso do islã a religião funciona em substituição às ideologias políticas, ou paralela
a elas. A própria fuga do Profeta em 622 de Meca para Medina é usada por alguns seguidores
do Islã como uma retirada política. Assim no Islamismo religião e política se juntam e fazem
o povo unido, apesar de algumas ressalvas e discordâncias. O Profeta fez em sua vida o
pedido de que todos os muçulmanos permanecessem unidos em torno da fé. Desta forma,
antigos vínculos sociais como a família experimentavam uma fé comum através da UMMA
(comunidade dos crentes). O Islã em alguns períodos históricos era visto como a
materialização da tolerância e da razão. Pregava modo de vida e o equilíbrio entre a ação
religiosa e as práticas da vida cotidiana.
A vinculação entre islamismo e ciência ocorreu de forma mais completa em território
iraquiano nos tempos do Império Abácida. Para Hourani (1994), a base dos trabalhos era o
Corão, Deus que se manifesta. A segunda questão era saber como as comunidades se
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organizariam sem a presença do Profeta. A busca pelo conhecimento dos aspectos religiosos
começou muito cedo no mundo islâmico e isso foi fundamental para a formação de diversas
escolas e pensadores. Um dos primeiros questionamentos que apareceu no Islã foi em relação
à autoridade. Quem pode ser considerado líder? E, qual o tipo de autoridade? Como escolher
o Califa? Quem deveria suceder o Profeta? As duas mais importantes escolas do Islã são o
Sunismo e o Xiismo, sendo que o Sunismo – é a principal escola. Os sunitas acreditam que os
três primeiros sucessores de Maomé, os califas, que não tinham parentesco com o Profeta,
foram escolhidos na comunidade graças a suas qualidades de liderança. Portanto, merecedores
do respeito de todos os islâmicos. Já o Xiismo – segunda maior escola do Islã – considera que
os parentes de Maomé são os sucessores naturais do Profeta, não reconhecem, portanto, os
três califas sunitas.
Para os sunitas todos os muçulmanos deveriam viver em paz, todos os Califas
deveriam ser aceitos desde que não desrespeitassem o Livro Sagrado. Os sunitas não vêem o
Califa como um profeta e não é um interprete infalível da fé, ele é um chefe que deve manter
a paz e a justiça na comunidade. Há uma significativa diferença entre a fé islâmica e a cristã.
Para o Cristão a relação com Deus se expressa em Jesus, para os muçulmanos a relação com
Deus (Alá) se dá através do Livro, “portanto, o problema do status do Livro é fundamental”
(HOURANI, 1994, p. 79). E como não podia deixar de ser é motivo de controvérsias entre os
estudiosos da religião. O século I do islamismo corresponde ao século VII da era Cristã.
É significante para o povo muçulmano o debate entre ter ou não o livre arbítrio, pois
lei e religião estão ligadas pela Sharia. No séc. II do Islã surgem os Mu’tazilis – aqueles que
se mantêm à parte. Para esses pensadores Deus é uno e não tem atributos humanos. O Corão
não poderia ter sido ditado por Ele, outra polêmica. Deus é justo e o homem é livre em suas
atitudes, mas será julgado por suas obras. Outra vertente, liderada por Ahmad ibn Hanbal,
defende que a única posição a ser tomada é aquela presente no Corão e nas Suna do Profeta.
Deus é todo-poderoso, sua justiça não é como a humana e seus atributos são divinos. O Corão
é a fala d’Ele, assim está escrito e os homens devem praticar bons atos além da fé.
A Sharia segundo Nasser (2005), é o conjunto de normas e prescrições que orientam o
muçulmano e a comunidade em relação ao caminho a ser seguido. Ela prescreve a relação
entre Deus e os crentes e normatiza as relações sociais. O Corão diz aos homens o que deseja
que eles façam, como agradar a Deus e como será o julgamento no último dia. Segundo o
autor essas prescrições são conhecidas como os pilares da fé: Shashada - Só há um Deus e
Maomé é o seu Profeta; Salat - as Preces Rituais cinco vezes ao dia e com posturas adequadas
do corpo; Zakat - doação de certa quantia dos ganhos para obras de caridade; Sawn - severo
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jejum da manhã à noite, durante um mês no Ramadan; o Hadj ou peregrinação à Meca, pelo
menos uma vez na vida; e a Jihad – seguir o caminho de Deus e combater pela expansão das
fronteiras do Islã. Os “ulemás” eram os responsáveis por interpretar e administrar a Sharia,
seu lugar social era de fundamental importância.
A tradição em torno do Profeta tinha um caráter consuetudinário (HOURANI, 1994).
Havia a tendência de interpretar o Suna em sentidos diferentes. O Profeta criou um Suna
(padrão de conduta) e a comunidade aos poucos foi criando a sua própria condição de
organização da vida. Os estudiosos firmaram um “acordo” de que o Suna jamais poderia
contradizer o Corão. Havia sempre o cuidado de retomar as falas de Maomé, às vezes até
registrado em livros. Pertencer a uma comunidade de fiéis expressava-se na ideia de que era
dever dos muçulmanos cuidarem das consciências uns dos outros, a vivencia em comunidade
sempre foi respeitada. (HOURANI, 1994).
Também se desenvolveu no islamismo uma tendência ao misticismo. Segundo
Hourani (1994) essa forma era similar ao Sufismo, que quer dizer a transcendência de Deus e
a dependência de todas as criaturas. “O Corão contém poderosas imagens da proximidade de
Deus com o homem e da maneira como o homem pode responder”. (HOURANI, 1994, p. 87).
Esse fato interliga dois processos: por um lado as preces, a pureza da intenção, renúncia ao
egoísmo e por outro a meditação sobre o sentido do Corão. Nos primeiros místicos a relação
distância e proximidade se expressa em linguagens de amor. Os sufistas se consideravam os
amigos de Deus, pois, sentiam-se mais próximos do Criador. Esse movimento de união afeta
tanto a mente quanto a alma do ser.
Nos primeiros místicos a experiência transcendental de Deus foi muito forte
adquirindo a ideia de doçura e proximidade. No séc. III islâmico o caminho para o
conhecimento de Deus foi traçado de forma sistemática: amor a Deus; proximidade com o
Amado; coração humano cheio da presença do Amado. Mesmo os homens da Sharia tinham
uma convicção da presença de Deus na vida humana – Deus modela a vida humana. O
movimento sufista sofreu também influência dos gregos: ciência e filosofia. Influências da
Índia, do Iraque, do Irã e do judaísmo. Com isso o islamismo foi se difundindo entre os povos
espalhados pelo globo, sua ideologia de respeito e de vida em comunidade era vista com bons
olhos por aqueles que a conheciam.
Nos séc. X e XI d.C. o debate se amplia e estava direcionado para a relação entre o
seguimento do mesmo mestre e o caminho a ser escolhido. O Islã apontava nesse período dois
caminhos possíveis. A primeira opção estava ligada à Sharia, ou seja, a obediência a Deus e
aos mandamentos prescritos no Corão. A opção seguinte era o contato direto com o Pai que se
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daria através da Tariqa. Nesse modelo havia uma forma de se libertar das distrações do
mundo, através da dhikr – uma repetição do nome de Alá até o transe e a perda da consciência
em alguns casos. A ideia da proximidade com Deus levou à possibilidade da santidade.
Sempre haveria santos no mundo.
Os santos podiam realizar curas, milagres e sua santificação se concretizava no pós-
morte. Alguns estudiosos da época se preocuparam com a intercessão entre Deus e os
homens. Assim as festividades aconteciam para comemorar a data de nascimento de santos,
algumas em âmbito local, outras com maior participação, ocorriam inclusive visitas aos
túmulos. O Profeta era visto como santo e sua intercessão seria aguardada para o juízo final.
O aniversário do Profeta era ocasião de festa. Em meados dos séculos XIII e XIV isto já
estava difundido em todo mundo islâmico. Essa prática é muito semelhante ao que os
católicos praticam na atualidade. (HOURANI, 1994)
Esse breve relato do Islã teve o objetivo de apresentar a tradição que acompanha o
povo muçulmano desde a fundação da religião. O conhecimento desses fatos permite
posteriormente a análise do caso da Turquia. O mundo islâmico observa com desconfiança a
questão da modernidade, mesmo na Turquia pós - Atatürk. O corpo é valorizado no Islã, pois,
faz a mediação com os sacramentos religiosos, portanto é sagrado para a religião. Quanto à
igualdade de gênero, vêem como assalto ao ambiente privado e às relações sociais. A
hierarquia entre homens e mulheres é clara. O véu serve também para atestar a supremacia de
Deus (Alá) e somente a Ele está ligada toda a verdade. Assim, segundo Fernandes (2005a), é
que o Islã observado como estilo de vida, ultrapassa as ideologias e cria uma “comunidade
política imaginada”.
2.3.1 Islã e a Política
Uma das mais importantes teorias da Escola Inglesa é a conhecida “Teoria do
Complexo de Segurança Regional” - RSCT, conforme Buzan e Waever (2003). Para essa
teoria importa analisar o contexto político e o militar, nos níveis internos e regionais. A teoria
possibilita a compreensão dessa estrutura, permite avaliar a relativa balança de poder e as
tendências entre globalização e regionalização. A RSCT auxilia na compreensão dos
fenômenos que ocorreram na história do Oriente Médio e na contemporaneidade, para avaliar
assim como esses fatos se desenvolveram. A teoria busca analisar os aspectos regionais,
globais e locais, como a religião, conflitos étnicos, o que possibilita um diálogo com o
construtivismo. No que se refere ao Oriente Médio é certo afirmar que a estabilidade religiosa
31
pode significar fator de segurança regional. Qualquer sinal de conflito religioso, ou mesmo
étnico, em um determinado país afetará toda a região.
Há uma forte divergência no mundo muçulmano: a dicotomia religião e política. Para
uma parte dos islâmicos, o Islã é a política (MEZARI, 2005). O Islã fornece regras de vida e
orientação espiritual, tanto no mundo material, quanto no que tange aos interesses. Ao ligar o
Islã e a Política, simultaneamente religião e Estado, o homem teria sua vida organizada:
relação homem/Deus e homem/homem seriam reguladas. Questões como aborto, herança,
juros e escolha de líderes seria organizadas pela Sharia. Outro grupo defende a separação
entre o Islã e a política. Na lógica da modernidade, o Estado deve ser laico, ou seja, sem
interferência de forças religiosas.
A RSCT auxilia na compreensão dos níveis externos, o que se demonstra brevemente
a seguir. Alguns desafios se fazem presentes: no âmbito externo a questão é a implantação da
democracia no mundo árabe, objetivo patrocinado por EUA e Europa. Também tem peso
importante a situação das populações islâmicas fora do mundo muçulmano, como por
exemplo, na Europa. Nesse ponto o debate passa pela liberdade de expressão religiosa e
cultural nesses países. No aspecto interno o desafio é conciliar o lugar da política e da
religião.
O Islã Político surge oficialmente nos anos 1920, com Hassan Al Bana. Também nessa
década a experiência da Turquia provocou uma situação interessante no Oriente Médio e no
mundo islâmico. O país nasceu das “cinzas” do Império Otomano, que até então era tido
como o Guardião do Islã. Durante sua “guerra de independência” Atatürk utilizou-se do
discurso da religião como fator preponderante para vencer a luta e alcançar a liberdade frente
às potências européias. Contudo, conquistado esse objetivo, o país foi declarado laico, a
religião não foi mantida como oficial pelo Estado, apesar de sua população majoritariamente
muçulmana.
É importante ressaltar que o conflito Israel-Palestina teve seu início no final do século
XIX quando os Israelenses manifestaram pela primeira vez o desejo de criar um Estado judeu.
Nos anos 1920 o território chegou a ser dividido utilizando o Rio Jordão como fronteira. Em
1935 foi criado na palestina um movimento paramilitar de nome Fellahin (camponeses
palestinos). De 1936 a 1939 uma grande revolta árabe se estende dos centros urbanos aos
meios rurais, esses fenômenos podem ser considerados como parte do movimento de luta
muçulmana. Parte significativa dos movimentos políticos do Islã se dedica à luta pela
libertação dos árabes em relação à Israel. Esses foram fatos que não tiveram muito alcance, o
que significa afirmar que por um determinado período o Islã esteve paralisado.
32
(MASSOULIÉ, 1996)
A década de 1960 marca o retorno aos debates do islamismo político, enfraquecido
nesse espaço de 40(quarenta) anos. Contudo, nessa etapa a radicalização do discurso foi o
ponto culminante. A ideia seria resgatar o salafismo, movimento forte na Arábia Saudita, que
quer dizer “origens”. Esse grupo entendia que a modernidade era semelhante a
ocidentalização, diferente dos pensamentos de Al Bana em 1920 que pensava e debatia a
modernização, sentimento partilhado por parte do povo turco. Assim nos anos 60 o debate
modernidade x tradição ganha força e chega por vezes ao conflito armado. Os teóricos do
pensamento político desse período são: Mawudi no Paquistão; Qotb no Egito e Khomeini no
Irã, afirma Messari (2005).
Um dos líderes do movimento de 1960, Qotb, era contrário à modernização.
Acreditava que os muçulmanos deveriam ser reislamizados, pois, não seguiam os preceitos do
Corão. Um avanço no período foi que Qotb levou o debate para as camadas pobres, até então
alijadas do processo, pensava que as massas deveriam conduzir as discussões, isso seria a
islamização por baixo. O pensador e ativista foi morto em 1966, pelo regime do Presidente
egípcio Nasser. Também um pensador importante na época foi Al Mawdudi que acreditava na
necessidade de criação do Estado muçulmano, e essa seria a única solução possível para a
união do povo árabe. Esse argumento foi a base do pensamento da islamização por cima,
criando o Estado e a legitimação necessária para conduzí-lo.
Outro aspecto importante dentro do Islamismo é o debate em torno das fontes e da
interpretação das leis. Quais fontes são legítimas? Quem pode interpretá-las? Que o Corão é
uma fonte importante é consenso, mas a Hadith, que são os discursos do profeta, gera
polêmica. No Islã não existe um poder clerical como o da Igreja Católica, não deve existir
intermediários entre Deus e o homem. Os xiitas construíram um corpo clerical com hierarquia
e graus de autoridade, mesmo assim por paradoxal que seja, os xiitas seguem mais a risca o
Corão. Os Sunitas dão legitimidade terrestre aos líderes à medida que o mesmo segue os
preceitos da Sharia. Os xiitas dão legitimidade à Deus.
Esse é o debate no Irã: é legitimo o modelo político-religioso? A estratégia do governo
é dar legitimidade às ações políticas conquistando a confiança da população. Os xiitas em
geral estão divididos em várias seitas, seguindo seus líderes. Para os xiitas os mandatários
políticos mundanos são desqualificados. Por outro lado, o sunismo está dividido em quatro
escolas com leituras distintas do texto sagrado, os autores não são clérigos, são estudantes,
sábios. A escola Hanafi – presente na Turquia e Índia; a escola Hanbali, é a mais rigorosa,
presente na Arábia Saudita; a Maliki que é encontrada no Norte da África e por fim a Shafi’i
33
que geralmente está presente no sudeste asiático. O aspecto religioso gera uma discussão
profunda no mundo islâmico quando se fala de homogeneidade/heterogeneidade na região do
Oriente Médio. (MESSARI, 2005).
O ano de 1973 ficou marcado na luta do Islã Político com dois acontecimentos
históricos relevantes: a guerra do Yom Kippur e a crise do petróleo. A guerra foi o momento
em que líderes árabes, do Egito e Síria, conseguem mostrar ao povo muçulmano que Israel
não era imbatível. Contudo, a Guerra não atingiu os objetivos esperados. Através da luta os
árabes conseguem resgatar parte da confiança do mundo islâmico em uma possível mudança
até mesmo em relação à Palestina (ZAHREDDINE; LASMAR; TEIXEIRA, 2012). E a crise
do petróleo mostra ao mundo que o Oriente Médio tem força econômica e política para
combater o Ocidente e reivindicar melhores condições de preço para seus bens naturais.
No ano de 1979 foi proclamada a República Islâmica do Irã após uma revolução,
tendo à frente Aiatolá Khomeini – como Líder Supremo, ou seja, em suas mãos estavam o
comando religioso e do Estado. A revolução apenas obteve êxito em virtude da coalizão:
lideranças religiosas, movimentos de esquerda e de intelectuais. No primeiro momento,
depois da revolução houve consenso/convivência entre esses grupos, mas, o Clero aos poucos
assumia o controle, com mãos de ferro. Com o passar do tempo os antigos parceiros do Líder
Religioso começaram a ser eliminados, foi um período extremamente violento. Após 01 ano e
meio de gestão o Irã já era uma República Islâmica. Khomeini, o líder, pregava que a
liderança política e religiosa deveria ser investida em apenas uma pessoa. Internamente essa
estrutura foi e ainda é criticada. O fato curioso é que o Irã, nação Persa e Xiita consegue
realizar o grande sonho de uma nação Islâmica, mas, não árabe.
Em termos de afronta à soberania, a ameaça para o Irã e ao movimento islâmico
naquele país é representado pelos EUA, considerado o “Grande Satã” por significante parte
do mundo muçulmano. No nível interno do Irã, os estadunidenses podem influenciar os
reformistas (oposição) iranianos e dar início a uma revolta interna contra o sistema. Porém,
por outro lado, o Governo pode usar a influência americana para colocar a população contra
os reformistas, acusando-os de vassalos dos americanos e traidores, esse fato pode fazer a
situação dos reformistas bastante adversa. Paralelamente a isso, a ideia de nação islâmica
pregada por Nasser no Egito, pelos iraquianos e pela Síria, fracassou e causou frustração. Era
uma propaganda que atingia as massas e que levava o povo a acreditar nesse ideal e combater
a ocidentalização. A presença de Israel e as sucessivas derrotas, impostas ao Islã, deixaram os
árabes ainda mais humilhados. O sionismo era visto como parte do projeto imperialista
americano, para os árabes a força de Israel estava na ajuda das potências externas. Isso
34
provocou o sentimento de rebeldia, radicalismo e o discurso com um único foco, o combate
religioso (COGGIOLA, 2007).
Algumas observações importantes quanto ao islamismo político: segundo Messari
(2005), no Irã as mulheres participaram da revolução e ainda hoje estão integradas à vida
política do país; na Turquia as mulheres podem votar e esse é um fato raro dentro do Islã.
Vale ressaltar as atividades políticas de Organizações ditas terroristas. Grupos como o Hamas
promovem “assistência social”, criam creches, ambulatórios, fornecem comida e roupa, além
de auxiliar os desempregados, atividades que o Estado não cumpre plenamente; na Argélia
ajudaram as vítimas do terremoto de 1980. Em outras frentes recolhem os lixos da rua,
quando o Estado falha. Isso mostra a força dos movimentos e lhes atribuem credibilidade.
Esses aspectos são de fundamental importância para que o papel de grupos, considerados
terroristas, seja avaliado. Evoluções e paradoxos no mundo mulçumano: a aproximação entre
o Islã e o Estado no caso do Irã. Nesta situação o Islã é a política? O caso da Turquia –
separação entre Islã e Política – contudo, recentemente um partido islâmico chegou ao poder.
Isso reflete na organização política do país?
Outro aspecto da RSCT é a avaliação da globalização e da segurança. Para Buzan e
Waever (2003), se a globalização for vista como ameaça, então, o processo de securitização
ficaria mais exposto. A globalização pode ter um lado escuro que é a divisão do mundo entre
ricos e pobres, centro e periferia. Foi, sobretudo, esse lado da globalização que esteve
fortemente presente no Oriente Médio e provocou as revoltas mencionadas acima. O objetivo
do processo global era manter a fraca posição da periferia em relação ao centro, perspectiva
dominado/dominante. Assim para os autores, a globalização é menos um processo em busca
da autonomia e mais uma situação de demonstração de hegemonia dos EUA.
Esse movimento pôde ser percebido mais claramente nos anos 1990 e 2000. Contudo,
em 1979 algumas manifestações, no Irã, tiveram peso importante. A grande massa da
população vivia a penúria em meio à fartura do petróleo. Assim começam a surgir os
protestos contra injustiças sociais. Ao se observar o caso do Irã em 1979, percebe-se que o
Xá, no período pré-revolução, vivia “enclausurado” distante do povo e fortemente alinhado
aos EUA. A dinâmica de Khomeini foi necessariamente diferente. Chegou com o discurso da
unidade, agregando comerciantes, pobres e até a classe média secular. Desta maneira
organizou uma base popular que viabilizou a Revolução naquele país.
A década de 80, para o Oriente Médio, foi marcada pela disputa entre Irã de Khomeini
e a Dinastia dos Sauditas na Arábia. Na ótica da escola inglesa, os padrões de amizade e
inimizade se faziam ver claramente. Nesse caso, a inimizade entre os dois países estava se
35
manifestando fortemente e somava-se a isso a presença de duas potências externas EUA
(Estados Unidos da América) e a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), cada
qual defendendo seus interesses, a Guerra Fria estava presente no Oriente Médio. O Irã
influenciado e apoiado pela URSS na lógica da expansão do socialismo e a Arábia Saudita
alinhada aos EUA na perspectiva da contenção ao crescimento socialista, e da busca de fontes
de energia, conforme Vizentini (1996). Nesta época os sauditas ainda gozavam de apoio do
mundo islâmico. Havia o sonho do povo islâmico em constituir o grande Estado Muçulmano
e árabe. Esse sonho foi concretizado pelo Irã, isso fez enrijecer ainda mais os sentimentos
contra o país de Khomeini, principalmente por parte do Iraque.
Em 1980 o Iraque declara guerra ao Irã. Um dos receios de Saddam Hussein era que a
revolução iraniana fosse exportada para seu país. Mas essa década foi marcada por outro fator
relevante, apesar da guerra Irã x Iraque ter durado quase dez anos, as atenções do mundo se
voltaram para o Afeganistão, país invadido pela URSS em 1979. A Jihad afegã superou a
questão Israel x Palestina, pois, o Afeganistão é um lugar sagrado para o Islã. Para combater a
URSS a Arábia Saudita se alinhou aos EUA. Para agradar o povo árabe os americanos
desejavam treinar e enviar um príncipe árabe para a guerra santa (MASSOULIÉ, 1996).
Contudo, nenhum príncipe se mostrou hábil para a tarefa, o escolhido foi um jovem de família
rica ligada ao Rei, Osama Bin Laden. Assim levados ao Afeganistão os americanos treinaram
os homens da Jihad para lutarem contra a URSS. Alguns anos depois os soviéticos foram
expulsos do solo afegão.
Para Buzan e Waever (2003), o nível regional foi significante durante a Guerra Fria,
pois, através das organizações de blocos militares regionais era possível garantir a segurança
internacional. Esse nível de análise contém aproximações com o neorealismo e com o
globalismo, mas, opta por níveis inferiores de avaliação. As lutas no Oriente Médio sempre
foram muito intensas, por envolver questões étnicas e religiosas na maior parte das vezes.
Sabe-se ainda que outros fatores sempre estiveram presentes naquela região, principalmente
geopolíticos e geoestratégicos. Assim para os autores da Escola Inglesa, o RSCT, poderia
simbolizar uma complementaridade do neorealismo na estrutura sistêmica.
Em 1989 os serviços de inteligência de três países (EUA, Arábia Saudita e Paquistão)
perceberam que os homens da Jihad no Afeganistão estavam fora de controle, mas não
promoveram nenhuma atitude específica, pensando na lógica de um grupo sem expressão. No
ano seguinte em 1990 o Iraque invade o Kwait desejando anexar o pequeno emirado, que
segundo Saddam fazia parte do território iraquiano. O Iraque estava devastado por quase 10
anos de guerra contra o Irã, mas Saddam acreditava que o fato de o emirado estar entregue à
36
luxúria dos petrodólares o ajudaria, atraindo a classe média, os pobres e os muçulmanos em
geral.
Nesse momento Osama Bin Laden retorna a Arábia e pede permissão ao Rei para fazer
a Jihad contra o Iraque. O pedido foi negado e Osama passou a ser visto como inoportuno
pelos líderes árabes e americanos. Bin Laden não queria a presença dos estadunidenses em
solo árabe, por ser um local sagrado e os americanos, considerados infiéis. Contudo, a Arábia
permitiu a utilização de seu território pelos EUA e desse momento em diante passou a ser
questionada, em sua legitimidade islâmica, tanto pelo próprio Bin Laden, como por Saddam.
Os defensores do Islã não aceitaram a presença dos Estados Unidos e sua ligação com a
Arábia Saudita e resolveram lutar contra os ímpios. (MASSOULIÉ, 1996).
Os grupos “terroristas” em 1990 radicalizaram seus movimentos. Em 1996 Bin Laden
proclama a Jihad contra a ocupação dos lugares considerados santos pelo Islã, segundo
Massoulié (1996). Paradoxalmente, nesse ano muitos líderes abandonaram a ideia de luta
armada e pensaram em buscar meios pacíficos para a solução dos problemas do mundo árabe
e do islã. Por isso acredita-se na queda do movimento na década de 90, vivenciando dois
extremos. Em 1997 com a eleição de Khatami no Irã a ideia de moderação foi fortalecida e
fez sentir-se um efeito dominó. Países como Turquia, Argélia, Paquistão e Sudão optaram por
esse caminho. Para Bin Laden a Jihad era justificada, pois, dois lugares sagrados estavam
ocupados na Arábia Saudita. Contudo, em 2001 o saudita agrega dois fortes elementos em seu
discurso e consegue aumentar sua popularidade no mundo muçulmano: 1) a morte de crianças
no Iraque; 2) ataques de Israel à Palestina. Assim ao se comparar com o Grande Profeta, Bin
Laden deseja promover a Jihad que culminara nos ataques ao território norte-americano em
11/09/2001.
2.4 Breve histórico da Turquia
O povo turco teve suas origens na Ásia Central há aproximadamente 4 (quatro) mil
anos e se espalhou por parte da Ásia e do Oriente Médio, regiões que ainda ocupa.
Historicamente o povo turco viveu em constante caminhada fosse ela para conquistar outros
povos, ou para fugir de condições de vida inadequadas (STIERLIN, 1999). Pensando
geopoliticamente, os turcos viveram em busca do Espaço Vital – teoria formulada no final
século XIX por Ratzel. Em 552 conquistaram vasta região e sua força, demonstrada pelas
armas, os colocou em contato com os Sassânidas. Por volta do século X os turcos se
convertem ao Islã de tendência sunita e se aproximaram dos povos árabes, herdando desses
37
vários aspectos culturais. Por volta do ano 1000 foi criado o sultanato dos Seldjúcidas por
Tughrilbeg. Já no ano de 1055 os turcos fazem de Bagdá a capital do “governo” e Tughrilbeg
se auto-proclama Protetor do Califado. Entre os anos de 1063 e 1073 tomam a cidade de
Alepo e dominam a Armênia.
Os turcos estão fortemente ligados aos mongóis pela língua, há uma semelhança
significativa, segundo Stierlin (1999). A posterior adoção do alfabeto latino significou,
portanto, uma ruptura com o passado e a influência histórica árabe, a modernização idealizada
por Atatürk. Dentro do Islã os turcos quebraram uma das mais importantes tradições,
mantiveram o uso da língua de origem, quando a tradição diz que o árabe é a língua oficial do
povo muçulmano. Os turcos eram hábeis guerreiros, nômades ou semi-nômades e viviam das
atividades do campo.
Conforme Keyder (1979), a Turquia nasce das cinzas do Império Otomano, assim
sendo, apesar do conceito de nação e seus derivados como nacionalismo serem modernos, sua
construção vem da Idade Medieval. Quando chegaram à Anatólia, os turcos encontraram uma
terra repleta de história. Após a vitória sobre os Bizantinos, os turcos se instalaram no centro
da Anatólia. Por lá passaram os hititas, os persas, os gregos entre outros. Desse momento em
diante a penetração turca na Ásia Menor encontrou pouca resistência. Para Libero (1998) a
tomada de Constantinopla em 1453 foi responsável pela visão pejorativa que o mundo
ocidental teve (talvez ainda tenha) da Turquia. Os turcos eram vistos como bárbaros,
violentos, com vícios terríveis e vida sexual desregrada. A autora aponta que não se tinha
conhecimento da capacidade intelectual e da civilidade alcançada por aquele povo,
principalmente em virtude do Islã. Sabe-se que o alcorão prega entre outras coisas o cuidado
com as viúvas, com os órfãos e o respeito aos mais velhos.
Contudo, é preciso ressaltar que um paradoxo marca o início da Turquia moderna, a
negação da história Imperial por um grupo e o desejo de manutenção da história e dos
privilégios da Monarquia por outro. Naquele momento de transição do Império para a Turquia
Moderna, a negação ao passado Otomano foi mais fortemente liderada pelos partidários do
kemalismo, mas, a vinculação otomana, que é também religiosa, ficou adormecida no ideário
de um povo majoritariamente muçulmano, não se apagou. Hoje com o AKP (Partido da
Justiça e Desenvolvimento) no poder, por mais de 10 anos, a discussão religiosa toma rumos
inesperados por alguns grupos, principalmente da parte dos kemalistas, defensores do
nacionalismo de Atatürk.
A história desse país é, portanto recente, a Turquia surge em 29 de Outubro de 1923
após o fim da luta pela independência e a queda do Império Turco Otomano. Ao fim da I
38
Grande Guerra, meados de 1918, as potências vencedoras, Inglaterra, França e Itália
planejavam a divisão do antigo Império Otomano e a criação do Estado do Curdistão4,
segundo Fernandes (2005), o que não se concretizou. Ainda segundo esse mesmo autor, a
divisão se daria através do Tratado de Sèvres (1920), contudo esse acordo não chegou a ser
ratificado pelas potências. Durante três anos (1919 a 1922) os militares turcos auxiliados por
uma burguesia local – (CUP)5 Comitê para União e Progresso – travaram uma campanha pela
independência, tendo à frente Mustafá Kemal.
Mustafá Kemal foi membro do exército otomano, devido às suas capacidades e
habilidades militares, muito cedo se tornou oficial. A história da Turquia está intimamente
ligada a esse homem, figura até os dias atuais venerada no país. Nascido entre os anos de
1880 e 1881 em Salônica, “ironicamente6” território grego. Ainda hoje é o nome mais
importante da história da Turquia. Sua relevância jamais foi suplantada por outro homem no
país. Foi o primeiro presidente e governou até sua morte em 10/11/1938. Não foi possível
constatar com essa pesquisa se Atatürk teve alguma influência das teorias de Geopolítica,
contudo suas estratégias foram conduzidas com muita eficiência nos termos dessa disciplina.
Segundo Fernandes (2007) após o fim do Império multi-étnico surgiram vários
Estados-Nação nos Bálcãs e na Anatólia. Dois deles, Turquia e Grécia, foram marcados por
um acontecimento que causaria estranhamento nas RI caso acontecesse na cena
contemporânea. Foi o que ficou marcado pela historiografia da Política Internacional como
“troca de populações entre gregos e turcos”. Esse episódio foi acertado na Suíça entre os
meses de janeiro e julho de 1923, através da Convenção (30/01/1923) e do Tratado
(23/07/1923) de Lausanne. A Grécia moderna havia ficado independente do Império em
meados de 1832, através de um acordo celebrado em Londres. O país tinha à época seu
território bem menor que o atual. Para alcançar a atual dimensão foram travadas diversas
batalhas com o exército imperial Otomano, já decadente.
O nacionalismo grego tem um fator que o diferencia do tradicional modelo europeu.
Por estarem subordinados à Sublime Porta (nome dado ao Império Otomano, ou apenas –
Porta), os gregos não tinham exército formado e nem Estado organizado, naquele período
transitório. Sabe-se que, tradicionalmente, os promotores do nacionalismo europeu foram o
Estado, a Igreja e os exércitos. Portanto, sem duas das principais instituições, aquela que mais
4 Ver Mapa 03, (página 51).
5 Grupo formado por mercadores, notáveis locais e burguesia muçulmana emergente, em meados de 1908.
Fizeram parte do movimento de modernização turca, auxiliaram no jogo político que pôs fim no Regime
Monárquico do Império. Para Keyder (1979) o CUP liderou uma espécie de Revolução por cima. 6 Ironicamente, pois a Guerra de Independência da Turquia foi travada principalmente contra a Grécia.
39
influenciou diretamente a formação nacional na Grécia foi a Igreja Ortodoxa. Por outro lado,
os turcos tinham encontrado dificuldades para se fixar no solo da Anatólia quando chegaram.
Nas terras já estavam fixadas várias etnias desde a Idade Média, curdos, gregos e armênios.
Além disso, no outro extremo do território havia problemas com a população árabe do Oriente
Médio. Qual era a situação então? Uma mistura de populações de difícil solução.
Fernandes (2007) afirma que o objetivo da Convenção de Lausanne era resolver esse
problema, populacional/étnico diplomaticamente. Ou seja, promover a troca de populações.
Pois, com o fim do Império Otomano, que abrigava populações multi-étnicas, multi-religiosas
os conflitos poderiam se descongelar. Devido ao seu passado, os dois países, Grécia e
Turquia, tinham à época uma população formada de vários movimentos migratórios que
ocorreram num período de mais de 100 anos. Para o Líder turco, Kemal, a incógnita era
articular a legitimação dos turcos nos solos da Anatólia, que conforme menção anterior,
sempre foi ocupada por outros povos.
A solução possível para aquele momento foi a retirada da população grega das terras
turcas e da mesma forma deslocar os turcos que habitavam a região da Grécia. O episódio
deixou marca indelével nos dois povos. De todos os lados se perderam casas, negócios e
algumas pessoas perderam até a vida em virtude de confrontos diversos que ocorreram nesse
período. Acredita-se que aproximadamente 400 mil turcos saíram da Grécia e um número
maior de gregos, aproximadamente 01 milhão, deixou a Anatólia. Uma situação que ainda é
controversa está relacionada com o fato de que para a escolha da população que seria retirada,
foi usado o critério religioso. Havia gregos muçulmanos e turcos cristãos, portanto, a etnia
não estava definida para aqueles que realizaram a troca das populações.
A troca de populações ocorreu devido ao conflito, de proporção também catastrófica,
entre os dois países. Nos anos de 1912 e 1913 houve uma guerra na Região dos Bálcãs,
quando o Império estava apresentando fortes sinais de declínio. Nesse período muitos
membros da administração imperial eram dos Bálcãs. Por outro lado havia na Grécia o desejo
da “Megali Idea”, o sonho de dois continentes e quatro mares, conforme Fernandes (2007).
Esse objetivo fez o país encarar a guerra de forma muito convicta, contudo, o movimento foi
frustrado por Ataturk e seu exército. Mas o conflito entre os dois países foi marcado por muita
violência. Um dos acontecimentos foi o incêndio da cidade de Esmirna em 1922, no qual a
população não cristã tentou fugir pelo mar, sem nenhuma estrutura adequada, o que gerou
uma tragédia. Nesses 10 anos foram gerados vários problemas, sérias crises humanitárias e
elevado número de pessoas refugiadas dos dois lados. Ainda hoje as marcas desse fato estão
presentes nas relações entre os dois Estados.
40
O conflito entre Grécia e Turquia se agravou pela saída das potências. Nesse período
histórico do imediato pós-guerra os países vencedores não se entenderam em relação à
partilha das terras do Império Otomano. A França mais preocupada com suas possessões no
Líbano e na Síria assinou acordo bilateral com a Turquia. As potências arquitetavam um
acordo secreto, a Rússia, que provavelmente se viu prejudicada, denunciou a trama e passou
de inimigo histórico a maior fornecedor de armas para os turcos. A Itália insatisfeita com seu
quinhão resolve abandonar a parceria com os vencedores e também assina acordo em
separado com o movimento independentista de Atatürk. Restaram no conflito Grécia e Reino
Unido. A Inglaterra com interesses em se utilizar dos estreitos turcos, abandona a Grécia em
conflito isolado com a Turquia.
Os turcos saíram vitoriosos da guerra e proclamaram a independência frente às
potências e consequentemente o nascimento do novo país em 1923, além disso, assinaram o
Tratado de Paz, conhecido como Tratado de Lausanne, o líder do movimento, que comandou
os militares durante a Luta de Independência, entrou para a história da Turquia como Atatürk
ou Pai dos Turcos e ainda é sem dúvida a figura mais emblemática do país (LIBERO, 1998).
Esse fato foi marcante por dois outros aspectos:
a) turcos e curdos lutaram juntos, numa mistura de sentimento nacionalista e
solidariedade islâmica defendendo o ideal de nação mulçumana livre dos infiéis;
b) a Turquia sendo valorizada no mundo islâmico. A Anatólia foi declarada como “Lar
Nacional” do povo turco.
Esse episódio histórico pode ser analisado sob o olhar da Geopolítica. Para Frederich
Ratzel a Geografia Política é o estudo da organização humana desde os primórdios. O Estado é
a forma mediadora entre o solo e o povo, é uma entidade biogeográfica, como um ser vivo, se
expande ou retrai, tem vida e tem demandas básicas. A forma mais avançada de organização
social. O Estado que perde território ou não consegue administrá-lo está fadado ao fim. As
necessidades básicas estão ligadas ao espaço. Alguns Conceitos de Ratzel: Espaço = área
compreendida em três pontos – Local amplo; Território= humanização do espaço; Limite=
espaço natural; Fronteira= fronteira entre dois países ou duas soberanias; [Der Lebensraun (O
espaço vital)]. Essa parte dos estudos de Ratzel auxilia na compreensão da luta de Atatürk e
de seus companheiros por um espaço para o povo turco.
As relações entre os Estados são semelhantes àquela existente na natureza, isto é,
prevalência do mais apto. O conflito é fruto de um espaço finito, a terra é demasiada pequena
41
para um grande Estado é como a luta pela vida, a finalidade primeira é obter espaço
necessário para desenvolvê-la. O teórico desenvolveu a ideia da cultura mais complexa e
menos complexa e qual a relação que o povo tem com o território. Quanto maior o vínculo
com a terra mais força o Estado alcançará, cultura – ligação com o solo – Estado desenvolvido
e resistente. Ratzel não era determinista e Ratzel não era nazista, mas pensava e desejava o
crescimento de sua nação.
Conforme Amorim Filho (1991), a obra de Ratzel foi fortemente influenciada por
Charles Darwin, assim como as Ciências Sociais do final do século XIX e início do XX.
Alguns conceitos darwinianos como: competição entre as espécies, sobrevivência dos mais
aptos, necessidade de expansão, entre outros foram incorporados à geografia. O Estado é um
organismo vivo, na visão de Ratzel. Dessa forma precisa de espaço para crescer. Estado é a
forma mais avançada de organização social, responsável pelas relações entre o povo e o solo.
“Der Lebensraum” ou “Espaço Vital” é um conceito importante nos estudos de Ratzel. Todo
Estado possui um Espaço vital, o seu território. Isso pode ter grandes repercussões. Justifica-
se analisar a Turquia por esse viés, pois, a retirada/expulsão dos cristãos que ocupavam a
Anatólia pode ser explicada por essa teoria. Embora não seja possível afirmar que Mustafá
Kemal tenha tido acesso à obra geográfica elaborada por Ratzel. Povos com grande vínculo
com a terra têm expressões culturais mais fortes.
As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas por múltiplas medidas para criar nova
identidade e uma organização burocrática estatal semelhante ao modelo europeu. Para isso foi
abolido o Califado, adotaram uma Constituição Republicana e um novo Código Civil. Nessa
nova situação político-social chama atenção a ressignificação do pape da mulher que teve no
nível constitucional seus direitos igualados aos do homem, inclusive a possibilidade de votar.
O país adotou o alfabeto latino em 1928 e o Islã deixou de ser a religião oficial do Estado.
Pode-se resumir em seis os pontos principais da reforma política, social e cultural da Turquia
pós-Império: reformismo; secularismo; republicanismo; nacionalismo; populismo; estatismo.
Mustafá Kemal precisava legitimar a presença dos turcos na Anatólia e para isso criou
a Sociedade de História. O presidente da Sociedade foi o historiador russo Yusuf Akçura. A
primeira medida foi ignorar o esquema historiográfico ocidental/europeu e desvalorizou a
história muçulmana. A parceria de Atatürk e Akçura foi estrategicamente bem pensada.
Aproveitou-se das “zonas cinzentas” da história, dos poucos recursos científicos e
transformou, por sua própria história, hipótese científica em certeza. Povos como os Hititas,
ou os Etruscos, além de figuras como Gengis Khan foram chamados turcos, ou no mínimo
ligados, por essa história, aos turcos. (FERNANDES, 2005a). No mapa 01 é possível
42
visualizar o território atualmente ocupado pelo povo turco e os dois estreitos, Bósforo e o
Dardanelos que ligam o Mar Negro (Black Sea) ao Mar Mediterrâneo (Mediterranean Sea).
Esse capítulo terá ainda mais alguns fenômenos e/ou acontecimentos da Turquia.
Devido à importância histórica, étnica, cultural ou geográfica será dado maior destaque a
esses fatos. Estão, todas as narrativas diretamente vinculadas à história, mas serão analisadas
separadamente de forma que possa despertar a atenção do leitor desse trabalho e auxiliar na
compreensão de alguns desses fatos são relevantes para o país ainda nos dias de hoje, como o
caso do Chipre e a questão Curda, por exemplo.
Mapa 1 - A Turquia e os Estreitos de Bósforo e Dardanelos (a oeste)
Fonte: University of Texas Libraries
2.4.1 Turquia e Chipre
“O impacto da questão do Chipre na Turquia é duplo, profundo e complexo”7
(HARRIS, 1972, p. 105). O caso dessa pequena Ilha situada no Mediterrâneo, muito próxima
da Turquia, da Síria e do Líbano (ver mapa 02), tem em seus pontos de discórdia sempre uma
dose dupla de fatores a serem analisados: duas nacionalidades (cipriotas gregos e cipriotas
turcos); duas línguas consequentemente; religiões diferentes e dois modos de interpretar a
história. Para completar, no nível externo três países que atravessam a relação objetivando
cada um alcançar seus interesses, são eles Inglaterra, Turquia e Grécia. Como será aqui
apresentado, o Chipre foi vítima das disputas e interesses estratégico-militares, políticos e
7 The impact of the Cyprus issue in Turkey is both profund and complex. (Tradução Livre)
43
financeiros do Império Otomano, da Inglaterra, da Turquia e da Grécia.
Em poucos momentos, o país pode resolver suas questões internas sem a interferência
de alguma força externa, mesmo depois da independência, em 1960. Para compreender esse
processo complicado e complexo será necessário um retorno ao passado. O Chipre foi
também, por um período, parte do Império Otomano e nesse período é que está o nascedouro
de uma das questões mais delicadas da Ilha. Outros pontos deverão ser analisados, pois,
passaram pelo país como dominadores: a Cidade-Estado de Veneza, os Cruzados e ainda os
Britânicos, cada um desses povos com seus interesses e culturas diversas. Segundo Fernandes
(2008) para entender minimamente a história do Oriente Médio e do Sudeste Europeu é
preciso considerar que dessas regiões 22 Estados Modernos foram parte do Império Otomano
no passado. Sendo assim, este trabalho faz um pequeno retorno ao passado do Chipre.
Logo no início do Cristianismo, em pleno domínio do Império Romano, a Ilha foi
visitada por Paulo Apóstolo e outro discípulo de nome Barnabé. Resolveram anunciar o
Evangelho, em princípio aos judeus que habitavam o local. Naquele tempo o Chipre era
governado por um Pró-Cônsul que manifestou o desejo de conhecer os dois apóstolos e ouvi-
los falar da Boa Nova. Paulo e Barnabé conseguiram converter o governador e a Ilha passou
então a ser administrada por um Cristão. Permaneceu assim até o cisma dentro do Império
Romano, a partir disso passou a ser controlada pelo povo Bizantino e a Igreja Ortodoxa.
Sendo essa Igreja a responsável por parte significante da cultura e até mesmo do governo
local posteriormente.
Por volta do século VII a Ilha foi atacada pelos soldados de Allá. Num primeiro
momento sem muito sucesso. Posteriormente, do final desse século até meados do século X, o
Chipre experimentou uma administração partilhada entre Bizantinos e Muçulmanos. Do
século XI em diante as Cruzadas alcançaram o país cipriota, o domínio voltou às mãos da
Igreja Ocidental e também a influência cultural se sobrepôs ao costume local. Uma Família
Imperial, os Lusignans, dominou nesse período e o Chipre teve que conviver com a instalação
da Igreja Católica Romana em seu território. Essa família não suportou a pressão por muito
tempo e foi sucedida pelos Venezianos. O Governo de Veneza assume o controle da Ilha em
meados de 1489 segundo Fernandes (2008).
Para a administração da Cidade-Estado havia duas ameaças:
a) internamente a população não aceitava a troca de impérios e possivelmente a
imposição do catolicismo;
b) no nível externo a pressão dos Otomanos era forte. Em 1571, alegando questões de
44
segurança e de proximidade geográfica, os turcos da Porta invadem o Chipre e o incorporam
às possessões do Império. Com exceção da Rússia, todos os povos do cristianismo ortodoxo
foram conquistados pelo Império Otomano em seu período de dominação do Oriente até parte
do Ocidente.
De acordo com o Corão e com a Sharia, atividades econômicas e empresariais, bem
como o trabalho nos bancos e a cobrança de juros, eram proibidas. Por isso, os povos que
foram dominados pelo Império Otomano, por exemplo, judeus, armênios e gregos, ficavam
responsáveis por esse serviço. Portanto, argumenta Fernandes (2008) a aceitação desses povos
e a não exigência da conversão está ligada a interesses diversos, e não simbolizava
exatamente a tolerância. Dessa forma, a religião poderia ser exercida sem nenhum tipo de
constrangimento ou ofensa à lei corânica. A importância de que esses povos mantivessem sua
fé ativa é que deveriam pagar impostos ao Governo Islâmico, caso houvesse conversão em
massa essa fonte de renda ficaria comprometida e isso não era interessante naquele momento.
Em sua obra, Fernandes (2008) elabora uma discussão em torno de conceitos caros às
Relações Internacionais: ideologia e imperialismo. Para esta dissertação interessa em
momento posterior a questão ideológica. Segundo o autor, esses conceitos são parte
estruturante do cotidiano dos turcos otomanos. Este trabalho defende que também foi
relevante o aspecto ideológico na formação da Turquia moderna. Para os Sultões do Império a
retórica do “poder mundial” atingiu seu ápice nos séculos XV e XVI, sob o comando de
Mehmed II, o conquistador de Constantinopla, e Suleiman I. Mehmed se comparava a
Alexandre o Grande, no entanto, suas conquistas se deram em sentido contrário, do Oriente
avançando para o Ocidente. Devido a série de vitórias os muçulmanos entendiam que eram de
fato abençoados por Allá e que deveriam estabelecer uma fé única.
Apesar de não abandonar a lei do Corão, os turcos do Império optaram por um
governo indireto. Para isso adotaram algumas medidas que possibilitavam maior controle,
entre elas:
(a) colher um tributo anual em ouro ou prata e donativos; (b) fazer da liderança local
responsável pela disciplina da sua própria comunidade; (c) controlar as mudanças
dessa liderança (d) controlar as importações e exportações de certos bens,
especialmente de produtos necessários para alimentar a capital e os exércitos; (e)
reservar-se o direito de pedir subsídios e serviços especiais em tempo de guerra.
(FERNANDES, 2008, p. 50).
Até 1571, ano da conquista, não havia população turca no Chipre. Com a anexação
foram enviados muçulmanos para fazer parte do controle, membros do exército e até mesmo
novos moradores. Já era costume dos Otomanos utilizarem-se dos métodos de deportação e
45
recolocação territorial. Na Ilha não foi diferente. Para lá foram enviados ainda criminosos que
perturbavam o Centro do poder imperial. Sabe-se que essa estratégia ainda hoje é utilizada por
grandes potências. Assim deu-se o início do processo de divisão populacional no Chipre. A
relação do Império Otomano com o povo cipriota foi relativamente bem conduzida até o final
do século XIX, quando a influência das ideias modernas de nação e nacionalismo começou a
ser conhecida no Oriente.
Outro fator que tirou a tranquilidade dos Sultões Otomanos foi o processo de
independência da Grécia. Em 1821 os gregos iniciam a campanha contra o Império em busca
de sua autonomia. Seis anos mais tarde, uma esquadra comandada por Inglaterra, França e
Rússia derrotou a marinha turco-otomana. Desse evento resultou a Grécia Moderna. O
episódio foi para a Sublime Porta um episódio delicado, pois, iniciou o processo de queda do
até então poderoso Império.
Em 1878, ou seja, após três séculos de domínio Otomano, o Chipre foi entregue ao
poder Britânico. Nesse período a Europa já havia diagnosticado a “doença” ou a debilidade
dos Otomanos. No ano anterior a Rússia havia vencido novamente a Sublime Porta na Guerra
Russo-Otomana. Nesse conflito os Otomanos foram fortemente derrotados, enfraquecendo
ainda mais o poder do Império. Segundo Fernandes (2008), curiosamente os ingleses no final
do século XIX fizeram um acordo para auxiliá-los. Para a Inglaterra seria naquele período
histórico mais fácil manter a Sublime Porta de pé, pois, com os Sultões seria mais fácil
dialogar e mantê-los no controle da Região dos Bálcãs do que ter a Rússia avançando para
dentro da Europa. Pode-se dizer desse episódio uma prefiguração da Contenção. Os ingleses
garantem o apoio aos Sultões, contudo, exigem em contrapartida a administração da Ilha do
Chipre. No aspecto geopolítico, a Ilha se encontra em ponto estratégico ainda hoje. Naquele
tempo, no entanto, para a Coroa Britânica era um local que facilitaria o acesso comercial para
a Índia.
Com a entrada da administração inglesa surgiram outros problemas internos,
principalmente pós – 1950. Internamente despontaram grupos, inclusive para-militares para
reivindicar a autonomia da Ilha em relação ao Poder Britânico. Por outro lado, os ingleses
iniciaram nessa mesma década algumas medidas com objetivo de possibilitar uma maior
liberdade de ação dentro do país. Foram celebradas em 1959 várias negociações que
culminaram em 1960 nos Acordos de Zurique e Londres, consequentemente a independência
do Chipre. A essa altura, em plena Guerra Fria, os EUA pressionavam, pois Turquia, Grécia e
Inglaterra eram membros da OTAN e estavam diretamente envolvidos na questão.
46
Também durante o controle Britânico as tensões entre populações ficaram mais
acirradas. A Inglaterra permitiu que a Turquia participasse das negociações como país
“garantidor”, sendo que pelo Tratado de Lausanne os turcos não podiam participar de
assuntos referentes ao Chipre. (FERNANDES, 2008). Para a Inglaterra o grupo turco-cipriota
era relevante em sua estratégia de dividir para dominar, pois, balanceava as relações
comunitárias no Chipre. Percebe-se com isso que até 1960, os três Estados
(Turquia/Grécia/Inglaterra) negociavam à revelia dos maiores interessados, o povo Cipriota.
Em 1960, após a Independência, foi promulgada a Constituição do Chipre. Para sua
elaboração foi levada em conta a proporcionalidade populacional. A legislação foi pensada
com base em uma proporção de 70% de gregos para 30% de turcos. Contudo, cipriotas gregos
contavam com uma maioria de 80% contra apenas 20% dos cipriotas turcos. Durante os três
anos seguintes foi sendo acumulada uma cultura de divisão e intensa rivalidade na Ilha. Até
mesmo a criação do exército foi motivo de conflito, não sendo possível organizar as Forças
Armadas. Havia intensa confusão entre governantes e governados. Não aconteciam
casamentos mistos e nem mesmo a participação conjunta em eventos sociais. Até os
municípios eram criados em função da etnia/religião.
Em 1963 o Presidente, Arcebispo Makários III, propôs uma revisão Constitucional
para minimizar as diferenças e buscar a unificação do país. Não será avaliado neste trabalho o
mérito da questão: tentar mensurar a quem a proposta presidencial beneficiava. Internamente
a proposta não foi bem recebida por nenhuma comunidade. Do lado externo a Turquia foi a
primeira a se manifestar contrariamente ao documento, e naturalmente a Grécia também saiu
em defesa de seus compatriotas. Em dezembro desse mesmo ano, diante do impasse instalado
e do clima que já há muito estava conturbado, explodem os conflitos armados.
De um lado da Ilha se instalaram as forças turcas e do outro os militares gregos,
situação que intensificou os combates. Diante da violência o Governo Cipriota solicitou a
intervenção da ONU através do Conselho de Segurança (CSONU). Em fevereiro de 1964 foi
criado a UNFICYP – Força de Manutenção de Paz das Nações Unidas no Chipre. Mesmo
com a presença dos Capacetes Azuis a Turquia continuava seu deslocamento de guerra. Só
não houve invasão nesse momento devido à interferência americana.
Desta crise resultou também uma lição geopolítica importante: Chipre era
extremamente vulnerável à ação das forças militares da Turquia (a cerca de 75km de
distância, no ponto mais próximo) enquanto que, pela sua distância da Grécia
Continental (cerca de 800km), estava fora do raio de ação da Força Aérea Grega
que, assim, estava impossibilitada de atuar pelo menos em tempo útil.
(FERNANDES, 2008, p. 133).
47
Paralelamente a tudo isso, a Grécia viveu nas décadas de 60 e 70 um período tenso em
sua política doméstica. O país foi assolado por uma ditadura militar que influenciou
diretamente a população grega do Chipre. Makários era considerado por muitos como o Padre
Vermelho. Para fazer frente aos turcos o Presidente optou por uma aliança com a URSS,
deteriorando ainda mais as relações internas e externas. Conforme mencionado acima, não foi
possível criar o exército cipriota. Assim o Presidente organizou uma Guarda Nacional. Em
Julho de 1974 essa Guarda, apoiada pela Junta Militar grega, afastou Makários do poder, por
um golpe de Estado.
A Turquia obviamente não concordou com essa situação sob o argumento de defender
os turcos na Ilha. A primeira alternativa turca foi provocar aos britânicos para que eles
promovessem uma intervenção colocando fim ao golpe. Não obtiveram sucesso. Enviaram um
aviso aos gregos, solicitando a retirada da Junta Militar e a volta à normalidade, também sem
resposta. Na verdade, afirma Fernandes (2008) essa situação era tudo de que a Turquia estava
precisando para deflagrar a invasão e dividir de vez o país. Assim, em 19 de Julho de 1974,
desconsiderando a presença da ONU, a Turquia invadiu a Ilha com bombardeios e, apesar da
resistência da Guarda Nacional, ocupou a parte norte, onde está até hoje o exército turco.
A invasão provocou apenas do lado cipriota grego, algo em torno de 3.400 mortes e
mais de 1000 desaparecidos, para não falar dos turcos que morreram também. Houve
deslocamento de gregos para o sul e de turcos para o norte, deixando para trás suas casas,
comércios etc. Em 1975 foi proclamado o Estado Federado Turco do Chipre. Desse ano até
1983 foram vários esforços diplomáticos e negociações realizadas pela ONU sem nenhum
resultado positivo. Para complicar ainda mais, em 1983 os turcos cipriotas proclamam a
República Turca do Norte do Chipre, que foi reconhecida apenas pela Turquia. Foram vários
os protestos das Nações Unidas, da Grécia e de outras potências, tudo em vão. Desde 1983
essa situação permanece sem solução. Alguns apontamentos de solução inclusive com a
participação da União Européia foram conversados, mas, a Força de Paz permanece no país e
o exército turco também. Segundo Fernandes (2008) é a mais longa Força de Paz da ONU a
atuar.
48
Mapa 2 - A Ilha do Chipre
Fonte: University of Texas Libraries
2.4.2 Turquia e os Curdos
Na guerra de independência turca os curdos, minoria dentro da Turquia, de origem
iraniana, lutaram ao lado dos herdeiros do Império Otomano. A estratégia de Mustafá Kemal
era nutrida pela ideia da nação muçulmana na luta contra os infiéis, a Jihad (guerra santa). A
iniciativa de Atatürk pode ser vista como uma organização da “comunidade imaginada” de
Anderson (1996). Ao fim da guerra Kemal declara a independência da Turquia e a proclama
uma república secular, ou seja, o Estado não teria uma religião oficial. Também como forma
de garantir a unidade territorial turca não permitiu a criação do Curdistão (ver mapa nº 03).
Ressalta-se que a criação do Estado curdo não dependia e ainda não depende apenas da
Turquia, há também uma população curda no Iraque, no Irã e na Síria.
Segundo Fernandes (2005) o Tratado de Sèvres em um de seus artigos determinava a
fundação do Curdistão. O acordo previa inclusive a instauração da comissão responsável para
acompanhar o processo de criação do novo Estado. A garantia dessa criação foi gestada no
âmbito do debate da construção da paz, dentro do idealismo do Presidente Wilson. Buscava-
se, portanto, a autonomia local, a independência, com base nos conceitos da modernidade.
Mas o Tratado de Lausanne (1923) não reconheceu a liberdade dos curdos e não tratou de
direitos específicos. O autor supracitado aponta ainda outra questão, pois a diferença não era
de cunho religioso e esse fato apenas fez a situação ainda mais complexa para o povo
chamado também de “turcos da montanha”.
49
O que chamou a atenção na luta de independência foi a forma com que turcos e curdos
se uniram. A guerra e os acordos pela dissolução e divisão do Império Otomano tinham outros
atores envolvidos: além dos gregos e europeus já mencionados, os armênios que residiam em
terras da Anatólia. Os armênios naquela época eram uma minoria formada quase que
exclusivamente por cristãos. O problema é que os territórios ocupados por armênios eram
basicamente os mesmos dos curdos. Os curdos ajudaram os turcos a expulsá-los, como etnia
dos infiéis, e entendiam que com a retirada dessa população a criação do Estado Curdo seria
facilitada. Fato não concretizado.
Durante o governo de Ataturk (1923 a 1938) foram várias revoltas, aproximadamente
18, segundo (FERNANDES, 2005). Sendo que a maior parte dos movimentos ocorreu na
região leste da Turquia. O autor afirma ainda, que na atualidade a nação curda pode ser
considerada o maior grupo étnico sem Estado no mundo, com uma população de
aproximadamente 30 milhões de pessoas. Por isso, pensando em termos geopolíticos, para o
Estado turco é questão de segurança nacional e de política internacional, pois, envolve outros
atores. Invocando a ideia de nacionalismo turco, todas as revoltas foram combatidas e
derrotadas. Alguns tratados foram assinados entre Turquia e Irã (1926); entre Turquia, Irã,
Iraque e Afeganistão em 1937 buscando conter o problema curdo.
Uma das rebeliões mais marcantes foi a Revolta do Monte Ararat, em 1930. Em
virtude desse episódio a Turquia edita uma legislação específica, em 1932, que permitia a
deportação em massa e possibilitava os ajustes no espaço territorial, estratégia muito utilizada
no Império Otomano. A grande dúvida que se fazia presente e ainda persiste é relativa à
organização social e união/desunião dos curdos. Ao observar os escritos do pós - Guerra do
Golfo percebe-se que a Turquia facilmente conseguiu colocar os curdos iraquianos em luta
contra os curdos turcos, utilizando-se da famosa tática ocidental-européia de dividir para
dominar.
Se for organizada a análise no aspecto geopolítico, foram utilizadas algumas
estratégias para minimizar o problema no leste turco. O primeiro aspecto era aumentar
consideravelmente a população de turcos no local, para proporcionar um equilíbrio étnico.
Outro ponto seria investir na assimilação da cultura, criando pólos de divulgação, assim seria
possível minar o crescimento cultural curdo. Incentivar a imigração da população de etnia
turca para as regiões férteis da Anatólia Leste, e fazer com esse episódio fosse visto como
autônomo, sem ajuda do Governo. Por fim, um aspecto puramente militar: algumas zonas
deveriam ser evacuadas, por questões de segurança, ou sobrevivência do Estado.
50
Nos anos 20 o Islã funcionou como fator unificador, depois passou a servir como
ponto de clivagem – aqueles que defendem a religião contra os apoiadores do secularismo,
divisão que ainda prevalece. Alguns políticos de etnia curda foram se filiando no lado do
Governo Atatürk e por vezes receberam cargos importantes. Alguns desses políticos
chegaram a ser eleitos Primeiro Ministro e Presidentes. O povo curdo se dividiu em vários
grupos religiosos e políticos, parte da estratégia dos turcos foi alcançada e a luta curda foi
enfraquecida.
Atualmente dentro do país existe um grupo considerado terrorista, pelo governo local,
por alguns países europeus e americanos. Segundo Zürcher (2004) o problema dos Curdos
pode ser explicado nos seguintes aspectos: restrição de direitos, aumento da imposição sobre
o povo, proibição das expressões de identidade como a língua e uma série de processos e
prisões contra músicos e artistas em geral. O grupo que foi classificado como terrorista é o
PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), que foi fundado em 1978 por Abdullah
Öcallan. Uma das primeiras estratégias pensadas pela organização seria abandonar o país e
buscar novas terras, contudo, logo desistiram. O início das atividades foi concentrado nas
montanhas. É preciso ressaltar ainda que o PKK não foi a primeira forma de organização dos
curdos. Foi, no entanto, o único que voltou o olhar para a população empobrecida curda.
Em 1980, conforme explica Zürcher (2004), o membros do PKK passaram por um
treinamento na Síria, foram preparados por soldados palestinos e sírios. Ainda segundo o
mesmo autor, o primeiro Congresso do partido aconteceu no ano de 1981 e foi realizado na
fronteira da Síria e do Líbano. No Iraque havia duas organizações dos curdos: o PDK (Partido
Democrático do Curdistão) e o UPK (União Patriótica do Curdistão), ambos de tendência
conservadora, ligados à direita. Durante o ano de 1982 devido ao conflito Irã/Iraque os dois
partidos ficaram livres de perseguição do Governo iraquiano. Apesar de nunca terem mantido
relações cordiais com o movimento curdo da Turquia, o PDK permitiu por algum tempo que
Öcallan e seus liderados ocupassem a fronteira. Desta forma, o PKK possuía duas entradas
para o país turco, uma pela Síria e outra pelo Iraque.
O ano de 1984 foi marcado como início do movimento de guerrilha. Sua revolta surgiu
a principio como protesto contra a proibição da celebração do ano novo curdo, no dia 21 de
março. O povo Curdo ganhou força devido à existência da diáspora curda na Europa e ao
Parlamento Curdo no exílio. Esse último, formado por um grupo de deputados expulsos das
terras turcas. Em seus documentos de Política Externa a Turquia condena veementemente
todas as formas de terror, numa alusão direta ao PKK. “All kinds of terrorism are a crime
51
against humanity. There are no exceptions8.” (TURQUIA, 2001). Contudo, o dito grupo
terrorista turco PKK é um partido político de inspiração marxista que tem como bandeira a
criação do Estado independente para a nação curda. A população curda do norte do Iraque
também está organizada em partido político, contudo, com tendência de centro-direita, fato
que explica em parte as disputas entre os dois partidos “irmãos”.
Como forma de combater o PKK o governo da Turquia promoveu uma série de
recrutamentos nos vilarejos à sudeste do país, Zürcher (2004). Os escolhidos eram homens
com histórico de violência e crimes cometidos, forma aproximadamente 18 mil homens. No
ano de 1986 os recrutas receberam armas do governo para lutar contra o partido guerrilheiro.
Em 1987, como forma de resposta às ações do governo o PKK promoveu vários ataques às
vilas. Segundo Zürcher (2004), os homens do movimento “rebelde” estavam armados com
metralhadores Kalashnikovs e os recrutas do governo com fuzis da II Guerra Mundial. Foi um
massacre. A partir desse episódio iniciou-se intensa campanha de difamação ao PKK e o
Exército passou a combater, sem muito êxito no princípio. O PKK não possui o monopólio da
luta nacionalista curda e ainda passou a ser rejeitado pelo seu povo. Segundo Fernandes
(2005) foram oito (08) organizações que firmaram um pacto anti-PKK, chamado de Tevger.
No ano de 1988 ocorreu uma significativa mudança na imagem de Ocallan. O líder do
movimento esquerdista reconheceu que os ataques às Vilas foi um erro (ZÜRCHER, 2004). A
imprensa turca, deste momento em diante passou a mostrar o lado bom do militante marxista:
um homem que gosta de futebol, capaz de reconhecer seus erros, etc. Contudo, em 1989 o
PKK forma alianças com guerrilhas urbanas de esquerda. Isso promove mudanças na forma
como o grupo era analisado. Esse movimento demonstra principalmente que o partido tinha o
objetivo de abandonar as montanhas e reivindicar seus direitos nos grandes centros urbanos da
Turquia.
Mesmo com esse direcionamento, durante os anos de 1989 a 1993 os ataques ficaram
adormecidos, segundo Zürcher (2004). Já em meados de 1993 a retomada da luta armada.
Foram assassinados 12 (doze) professores na região sudeste do país. Por um período o
governo turco acreditou que o potencial de ataque do PKK estava circunscrito à fronteira.
Mas, depois de ter reconquistado o apoio popular ficou mais fácil, para o grupo, penetrar nas
Vilas. Segundo Zürcher (2004) também no ano de 1993, o exército turco atacou a cidade de
Lice, como vingança pela morte de um comandante dos militares. Nesse período outra
estratégia de combate ao PKK foi a retirada de moradores das vilas onde habitavam membros
8 “Todos os tipos de terrorismo são crimes contra a humanidade. Não há exceção”. (tradução livre)
52
do Partido. Assim, entendia o Governo turco que acabaria com as bases do movimento.
Após a I Guerra do Golfo (1991) os americanos apoiaram os curdos do norte do
Iraque. Caso atingissem a independência a Turquia teria sérios problemas com sua população
curda. O fato é que o movimento iraquiano foi fortemente reprimido por Saddam Hussein.
Esse apoio aos curdos do Iraque, a principio incomodou o governo turco e abalou sua relação
com os EUA. Mas, em um segundo momento a Turquia aproveitou-se das disputas dentro da
etnia e se alinhou aos dois principais partidos curdos do Iraque. Vale lembrar que as relações
entre os curdos turcos e iraquianos nunca foram cordiais.
Conforme Zürcher (2004), os anos 1990 foram marcados por um intenso crescimento
das forças militares de combate ao PKK. Em 1991 eram aproximadamente 150.000 (Cento e
Cinquenta Mil) homens, em 1994 já atingia um total de 250.000 (Duzentos e Cinquenta Mil).
O número de mortos durante os conflitos também assustavam as lideranças da Turquia: em
1994 já contabilizavam um número próximo de 7.000 (sete mil) mortos, em 1996 – 17.000
(dezessete mil) e 30.000 (trinta mil) em 1999. Nos dias atuais esse número ultrapassa 40.000
(quarenta mil) vidas perdidas em virtude desse conflito, da busca por liberdade e talvez da
falta de diálogo entre as partes.
Outros pontos importantes: os curdos possuem uma forte diáspora na Europa,
principalmente na Alemanha (ZÜRCHER, 2004). Esse grupo exerce pressão sobre o governo
da Turquia, pois, tem apoio dos europeus. No âmbito interno qualquer partido que defendesse
a causa curda era visto como traidor, por exemplo, o PLP (Partido das Pessoas do Trabalho)
foi banido por ser considerado separatista. Anos antes o DP (Partido da Democracia) foi
perseguido como sendo o predecessor do PLP. A situação dos curdos provocou na Turquia
um grande trauma, assim eles pensavam que a única solução seria via diplomacia, apesar de
ainda hoje não terem alcançado essa possibilidade.
O ano de 1998 foi marcante para o PKK e seu líder, segundo Zürcher (2004), uma
intensa pressão política e militar sobre a organização. Öcallan foi levado para Rússia e
permaneceu em Moscou por aproximadamente um mês. Ao sair da terra de Lenin foi
convidado por parlamentares da esquerda italiana para ser asilado em Roma. Em seguida
recebeu apoio da Grécia ficando em Nairobi na Embaixada grega. Em 1999 o líder do PKK,
Abdullah Öcallan, foi preso com possível ajuda da CIA/EUA.
Até 1999 com problemas de PKK, o líder do PKK estava escondido na Síria. Ele
está preso e ficará preso para toda a vida. Por que ele é líder de terrorismo, de
organização criminosa. Organização terrorista que continua suas atividades até
53
agora, começou nos anos 1980, depois de trinta anos ainda ativa. Mais de 40.000
(quarenta mil) pessoas morreram por causa desse conflito. (Cônsul Özgün Arman)9
Em novembro de 2003 ocorreu um atentado terrorista em Istambul, provocando a
morte de 60 pessoas aproximadamente. Num primeiro momento a culpa foi atribuída à Al
Qaeda, contudo, descobriu-se que os responsáveis foram turcos, pertencentes ao Hizballah
(Partido de Deus), que não é o mesmo Grupo do Líbano. Esse grupo tinha como alvo
membros do PKK. Assim como a situação do Chipre, a questão curda é de difícil solução,
também pelo fato de envolver a soberania e possessões territoriais de quatro Estados, ou seja,
a questão não é apenas da Turquia.
Na contemporaneidade, conforme afirmação de Özgün Arman, os curdos possuem
uma maior organização política e também são mais respeitados dentro da Turquia. Existe um
partido político que representa os curdos, apesar desse fato não ser oficial, pois a Constituição
proibida partidos com representação étnica ou religiosa, para não provocar divisão interna.
Contudo, afirma o Cônsul, há ainda uma dívida com o povo curdo, principalmente no aspecto
cultural e educacional. A missão do Governo Turco é minimizar essas diferenças, dando aos
curdos melhores condições de vida.
9 Entrevista ao Cônsul Geral da Turquia no Brasil, M. Özgün Arman, em São Paulo dia 31/01/2013. Durante o
texto dissertativo será utilizado o nome do Cônsul. O autor da pesquisa recebeu autorização para essa utilização
desde que os objetivos fossem estritamente acadêmicos. Não é permitido o uso dessas falas (transcrições) em
matérias publicadas na Imprensa.
54
Mapa 3 - O hipotético Curdistão (área mais clara)
Fonte: University of Texas Libraries
2.4.3 O caso dos Armênios – o maior constrangimento turco
Ainda há uma nuvem escura sobre os acontecimentos do final do Império Otomano
(1915/1917) com a população armênia localizada a leste da Anatólia. Neste local, segundo
Fernandes (2004), vários Impérios na Antiguidade e Idade Média travaram sucessivas lutas,
Bizantino, Otomano, Persa e outros. Por fim as terras foram dominadas pelo, multi-étnico e
multi-religioso, Império Otomano em meados do século XIV. O povo armênio já havia
desenvolvido sua identidade nacional ligada à Igreja Cristã Ortodoxa. Além da Anatólia, os
armênios estavam presentes em outras regiões do leste europeu e Oriente Médio. A primeira
controvérsia que surge quanto aos armênios é sobre a relação com a administração Otomana.
55
Historiadores turcos defendiam que fora amistosa, já os europeus acreditavam que estava
marcada por muita violência.
Para aqueles historiadores que tinham uma visão até certo ponto romântica, os
armênios eram para a Porta como uma Millet – comunidade étnico-religiosa – chefiada por
um patriarca nomeado pelo Sultão. Possuíam alguma autonomia política e administrativa,
podiam resolver suas questões internamente. Eram vistos como a “nação amiga” ou “nação
fiel”. Essa amizade foi quebrada quando a ideia de nacionalismo vinda da Europa influenciou
os dois povos. Os defensores da outra vertente (os armênios eram inimigos do Império)
acreditavam que os armênios formavam uma Dhimmi (Zimmi/Raya), termo que se refere aos
cristãos, judeus ou zoroastristas. Pagavam impostos para exercer a religião, não podiam
participar de julgamentos contra os muçulmanos, pagavam impostos pela vida, portanto, eram
reprimidos, não havia liberdade.
Durante a I Guerra Mundial havia um duelo à parte entre a Rússia Czarista e o Império
Otomano. Era para o povo armênio a oportunidade de se constituir como nação tendo o apoio
dos russos; por isso, alguns se juntaram ao exército do Czar. Diante desse fato os membros da
burguesia otomana se viram “obrigados” a proceder com a deportação dos armênios, alegando
para isso a sua traição. Para Fernandes (2005a) os pontos de controvérsia são: havia
necessidade da deportação? Qual é o número real das vítimas? Era intenção do CUP, através
de seus membros, cometer o genocídio? Outro argumento possível à época era saber quem
estava contra e quais eram favoráveis ao Império. Mas um fato pode ser confirmado: o
governo Otomano participou da política de deportação.
As violências cometidas contra o povo armênio tiveram início nos anos de 1894 e
1895, com sucessivos ataques aos povoados. Em meados de 1915, mês de Abril, teve inicio
uma série de perseguições a intelectuais armênios, episódio que marcou o começo da crise
entre os dois povos. Posteriormente houve uma onda de assassinatos de armênios dentro da
Turquia, fato que até a presente data não foi plenamente esclarecido. Também nesse mesmo
período, afirma Fernandes (2004), a Inglaterra e aliados tentaram tomar o Estreito de
Dardanelos. Em outra frente de batalha, o conflito era contra os russos, que segundo suspeitas
do governo Otomano tinham o apoio dos armênios. No entanto, afirma o mesmo autor, que os
armênios presentes na luta eram de outras regiões, da própria Rússia e da diáspora, não
aqueles ligados ao Império.
Diante dessa situação o governo Otomano adotou duas atitudes que culminaram
naquilo que a ONU e alguns países membros desta OI denominaram genocídio. Os armênios,
do sexo masculino, com idade entre 15 e 60 anos eram incorporados ao exército Otomano.
56
Em seguida foram convocados pelo CUP e integrados em pelotões de obras; enviados para
locais distantes ficavam desarmados, segundo Fernandes (2004). Como não podiam se
defender, muitas vezes os armênios foram assassinados pelos próprios membros do exército,
que segundo relatos, os confundiam com inimigos. Por outro lado, através de decretos, o
povo armênio era deportado para terras fora da Anatólia, em direção à Síria principalmente.
Nesse trajeto, sem alimentação, água adequada, tratamento médico, seguidos atos de
extermínios, segundo denúncias, perpetrados pelo exército imperial e até por civis (turcos e
curdos), foram dizimadas aproximadamente 1.000.000 (um milhão de vidas).
Dados do Governo Imperial dão conta de 100.000(cem mil) a 200.000 (duzentas mil)
mortes. Os armênios apontam para o exorbitante número de 1.500.000 (um milhão e
quinhentas mil) a 2.000.000 (dois milhões) de pessoas mortas. Como não se sabe ao certo a
população armênia na Anatólia e devido ao fato de que cada entidade defende seu interesse,
fica difícil precisar a quantidade, por isso autores como Fernandes (2004) trabalham com a
média acima apresentada. O fato é que a deportação ocorreu, contudo, a divergência está na
forma e no número de vidas perdidas. Portanto, é possível concluir que também a situação dos
armênios está ligada à construção da identidade e a disputa territorial em solo turco.
2.4.4 Os golpes
O destaque dado aos golpes militares tem como objetivo ressaltar que a função, ou o
papel social, desse grupo foi e ainda é relevante na história da Turquia. O exército funciona
como os vigilantes do secularismo, nas palavras de Barker (2012) “the guardians of
secularism”, e quando a religião exerce algum tipo de pressão a intervenção desse grupo pode
ser uma das formas de repressão do movimento. No atual governo do AKP (Partido da Justiça
e Desenvolvimento), partido islâmico moderado, a força dos militares tem sido habilmente
controlada por Erdogan, o Primeiro Ministro, inclusive com prisão de oficiais, dentre eles
generais.
Em 1960 a situação política do país estava insustentável. Crise na balança de
pagamentos, desvalorização comercial e industrial, fatores que provocaram forte pressão da
oposição. Burocratas, comerciantes, intelectuais e estudantes formavam o movimento
contestatório. Com objetivo de apaziguar os conflitos, o governo criou um Comitê
Parlamentar Extra-Constitucional, que não alcançou grandes resultados e o golpe militar
aconteceu. Dentre os membros do golpe havia dissenso sobre os rumos do governo
provisório. Uma ala defendia maior militarização e que o desenvolvimento econômico deveria
57
ser pensado como bandeira principal. Outro ala, essa majoritária, desejava organizar as
eleições e deixar a cargo do governo eleito os rumos do país.
Com foco nas ajudas financeiras, a política doméstica turca sofreu ingerência dos
americanos. Isso ficou mais forte na década de 1950, no Governo do Partido Democrata (PD)
de Menderes. Segundo membros da oposição, os estadunidenses se aproveitavam dos
empréstimos para interferir na autonomia interna. Os oposicionistas não eram
necessariamente contrários aos empréstimos, mas queriam reduzir o uso político que os EUA
faziam disso e, portanto evitar o seu controle. Outro ponto de atrito foi o fato de que a relação
com os americanos estava muito ligada ao Premier Menderes. Houve um clamor geral para
que as negociações se dessem entre nações, não entre indivíduos. Temia-se uma ditadura.
O governo do PD foi considerado por Keyder (1979) mais aberto à democracia que o
governo do PRP (Partido Republicano do Povo), o partido democrata permitiu até certo ponto
a pressão da oposição e dos partidos políticos. Mesmo quando organizou a repressão aos
movimentos e manifestações o fez de forma mais amena. O que chamou atenção no Golpe de
1960 foi o fato de que os dois primeiros Presidentes da Turquia10
foram homens saídos do
exército. Tanto Ataturk quanto Inönü foram formados pelo exército, se tornaram líderes
militares de destaque e posteriormente Presidentes da República. À época do golpe de 1960
estava à frente do governo o Partido Democrata de Adnan Menderes, que foi avaliado pelos
militares e por membros do PRP como traidor dos ideias de Mustafá Kemal. Portanto, a
presença de Menderes pode ter causado estranhamento e insegurança, provocando o medo da
quebra do regime que já durava quase 30 anos.
Em 27/05/60 um grupo, liderado pelos militares, tomou o poder com o objetivo de
“defender a unidade nacional”. Em abril desse ano o ex - Presidente Inönü havia recebido um
mandato de prisão por sua oposição ao governo, os militares não aceitaram o uso do exército
para fins políticos. Foi criado o Comitê Nacional da Unidade – junta militar. O Exército não
tomou o poder com objetivo de mudar a Política Externa, desejava fazer ajustes pequenos na
Constituição e prevenir os abusos possíveis. Contudo, não sabiam ao certo o que fazer e nem
por quanto tempo deveriam ficar no poder (HARRIS, 1972), (KEYDER, 1979). Os militares
tinham uma certeza apenas, deveriam organizar a vida política da Turquia, pois, avaliavam
positivamente a amizade com os EUA e refutavam qualquer relação com a URSS. Esse fato
está ligado diretamente à questão da contenção. Para o Governo americano esse
posicionamento dos militares era fundamental.
10
Veja quadro nº 01 com a relação de Presidentes e Primeiros Ministros da Turquia.
58
Em 1961, mês de outubro, ocorreu nova eleição e os militares deixaram o poder.
Como resultado, ou nas palavras de Keyder (1979) – o mais importante legado do Golpe foi a
elaboração de uma nova Constituição, por um Comitê de Professores Universitários. Nesse
documento foram garantidas instituições que viessem a salvaguardar as liberdades
democráticas. De 1963 a 1971 a indústria turca cresceu aproximadamente 9% ao ano. Mais de
90% do capital investido era interno e menos de 1% era externo. As importações eram em sua
maioria de bens de capital e o déficit na balança chegou a $ 500 milhões de Dólares. O que
deu fôlego à economia foi a remessa de dinheiro feita pelos trabalhadores turcos residentes na
Alemanha.
Após o golpe, os militares entregaram o poder ao ex-presidente Inönü, que voltou a
liderar e assumindo a função de Primeiro Ministro e governando até 1965. Esse ano foi
conturbado na história da Turquia. Os turcos acusam o PJ (Partido da Justiça) de ser
influenciado pelo governo americano e promover uma espécie de golpe contra o Governo de
Inönü, quando assume o Premier Suleyman Demirel. O fator espionagem foi percebido
dentro da Turquia através da presença da CIA, agência de inteligência americana. Isso fez
criar o sentimento de repulsa, anti-americanismo, dentro do país de Atatürk. A CIA
subsidiava inclusive a Fundação Ford, influente organização estadunidense voltada para a
educação.
Em 1971, apesar do crescimento importante da década passada, novo golpe militar.
Para entender essa outra interferência do Exército será preciso voltar um pouco na história. As
eleições que aconteceram em 1961 não tinham alcançado o sucesso desejado, assim o país
viveu durante esses dez anos sob intensa crise política. Em 1965 foram realizadas novas
eleições, mas o Partido da Justiça (PJ), de Demirel, foi o vencedor, mas não governou
tranqüilo. Segundo Keyder (1979) o PJ seria um herdeiro das tradições políticas do PD. O PJ
venceu as eleições em 1969, desta vez, com pequena margem de diferença. Paralelamente a
isso os militares estavam fortemente integrados à economia da Turquia. Criaram um fundo de
pensão que rapidamente se tornou lucrativo e os militares se transformaram em proprietários
de várias instalações de empresas transnacionais no país. Portanto, além dos interesses
secularistas somavam-se agora os capitalistas.
Em 1970 protestos trabalhistas eclodiram na Turquia. Isso reacendeu na burguesia a
intenção de diminuir as liberdades democráticas, pensavam as elites, que as garantias
constitucionais estavam avançadas demais para o país. Além disso, surgira no país, o PJ um
partido com tendência revolucionária. Para esse grupo, a presença americana significava
perda da autonomia política e da soberania. O caso do Chipre foi então emblemático, e
59
passaram a condenar veementemente a presença americana e a aliança entre Turquia e EUA.
O partido passou a demandar a saída da OTAN e o fim do pacto de amizade. Por outro lado, a
direita turca temia a entrada do comunismo no país e isso levou a vários confrontos entre a
polícia e estudantes causando algumas mortes.
A elite turca insistia na ideia de que o país não estava apto para viver uma abertura
política sem determinado nível de controle e o Exército concordou com esse argumento. Os
militares “considerando” a incapacidade do governo e do parlamento para enfrentar a
“anarquia” resolveram intervir no país em 12 de março de 1971 e tomaram o poder
novamente. Em 1973 o descontentamento da população era geral, trabalhadores e burguesia
firmaram posição contra o regime autoritário. O golpe final ao regime foi quando um dos
militares abriu mão do cargo temporário de Chefe de Governo para concorrer legalmente à
presidência. Ao ser comparada com as ditaduras latino-americanas, a saída dos militares do
governo turco após o golpe foi relativamente rápida.
Novo golpe em setembro de 1980. O exército por mais uma vez assume o poder na
Turquia, na pessoa do General Kenan Evren que se tornou o presidente. O país foi colocado
sob estado de sítio. Em 1981 o governo militar estabeleceu a Comissão Constituinte. Em
1982, após referendo popular, a nova constituição foi promulgada. Em 1983 a vida política do
país foi restabelecida com os militares fora do poder. A Turquia entrou em um período de
mudança na condução de sua política externa. Percebe-se que a luta de classes está por trás
dos golpes na Turquia. As intervenções do exército turco foram sempre pontuais,
aparentemente não havia intenção de longa presença à frente do Governo. A questão que
sempre orientava a atuação dos militares era mesmo a manutenção do secularismo de Atatürk.
Pode-se dizer que houve um quarto golpe militar, ocorrido em 1997, contudo, suas
características diferem dos anteriores. Para Fernandes (2005a) foi o que muitos chamaram de
Golpe pós-Moderno. Nesse fato o Governo de Necmittin Erbakan (Partido da Prosperidade)
caiu, mas o exército não precisou deixar os quartéis. Novamente se expressa uma das
atribuições “quase que precípua” do exército, guardar o secularismo. O Partido de Necmittin
tinha tendência islâmica e foi o mais votado nas eleições para a Grande Assembléia Nacional.
A queda do Governo se deu em virtude de forte pressão dos militares, através do Conselho
Nacional de Segurança – o garantidor do processo, e da ala defensora do secularismo. Ainda
de uma forma velada esse debate ganha destaque na Turquia devido a longa presença no
governo do Partido islamita moderado de Erdogan.
60
2.5 Nação, Nacionalismo e o caso turco
Toda a compreensão da história humana moderna passa pelo entendimento do termo
nação. Essa questão se torna fundamental e básica para a constituição do Estado, pois, vincula
a existência social de seus membros e sua identificação individual, ou seja, a questão do
nacionalismo pode interferir na formação social e nas características de ser social. Para
Hobsbawm (2008) todas as tentativas de definir nação apresentaram falhas, pois, sempre
havia exceções. Ele afirma ainda, que o nacionalismo surgiu antes de nação, que é um
conceito moderno. Os indivíduos se ligavam por alguns traços comuns, como língua, etnia
entre outros.
O debate em torno da nação sempre gerou controvérsias na época moderna. No final
do século XIX com a implantação dos Estados-Nação, as discussões em torno do
nacionalismo foram fortalecidas. Assim, a nação deveria ser una, indivisível e trazia para a
cena a ideia de povo, e deveria necessariamente estar vinculada à questão do território.
Paralelamente agregava o elemento da cidadania, da escolha e da participação de massa
conforme, Hobsbawm (2008). O fator complicador à época seria a definição dos critérios
para distinguir a nacionalidade: língua, etnia, traços físicos, características biológicas e em
alguns casos até a religião poderia ser critério para nacionalidade. Um exemplo desse conflito
foi vivenciado pelos franceses, uma situação no mínimo paradoxal. Em seus estudos, os
teóricos franceses afirmavam que a língua não seria fator definidor da nação. Contudo, um
dos critérios para que se atingissem as condições plenas de cidadania francesa era que o
cidadão adotasse o francês como língua oficial.
Mas, o fato que impulsionou a ideia do nacionalismo foi o capitalismo, tanto que
Hobsbawm (2008) afirma que o Estado-nação teve uma função específica para o
desenvolvimento desse sistema. O caso do nacionalismo turco é emblemático, seu
nacionalismo foi totalmente direcionado para o esforço de adequação ao sistema capitalista11
.
Desta forma o país poderia voltar todos os esforços para a entrada na Europa, os países do
centro eram o exemplo principal de crescimento. O século XX foi marcado pelo crescimento
da economia internacional, assim, ao mesmo tempo em que promovia a integração através do
comércio entre as nações, acelerava a disputa entre elas. Para os liberais a princípio a ideia de
nação não seria interessante, pois, a riqueza individual deveria ser diferente da riqueza
11
“Since the establishment of the Republic of Turkey, the people´s vision has been blurred by the official
ideology of introverted ethnic nationalism and the Eurocentric enlightenment view of history. The resultant of
these tendencies is a society trying to decide on its identity and to define the identify of its state.” (SOMEL,
2011, p. 210)
61
nacional. Contudo, viam no Estado-nação a possibilidade de regulação das ações econômicas.
Por isso o autor afirmou que “... nenhum economista – mesmo da mais extrema convicção
liberal – podia negligenciar... a economia nacional.” (HOBSBAWN, 2008, p. 40).
A tendência das economias durante a passagem do século XIX para o século XX era
se desenvolver internamente para ter capacidade de entrar no mercado global. Não será objeto
desse trabalho, mas a obra desenvolvida por Lênin (1916)12
aborda a temática da
internacionalização do capital. Para avançar nesse movimento seria necessária uma burguesia
capitalista que pudesse liderar o processo. Essa burguesia agiria em outros países adotando a
estratégia das empresas multinacionais, ou seja, para conquistar outros povos, essas
companhias atuaram como nacionais em países que não eram aqueles de sua origem. No
entanto, os lucros adquiridos eram enviados à sede que jamais saíra do país onde foi criada a
empresa.
Hobsbawm (2008) afirma que foram desenvolvidos pelos liberais três formas de
classificar um povo como nação. Primeiro fato é sua associação histórica com um Estado
existente ou de passado recente e razoavelmente durável, no que pode ser enquadrado o caso
da República da Turquia. Os turcos foram ligados ao Império Otomano que teve seu fim
decretado após a I Guerra Mundial. A segunda é a criação de uma elite cultural longamente
estabelecida – com vernáculo administrativo e literário escrito, característica que enquadra
parcialmente o CUP. Por fim, a capacidade da conquista, essas formas representavam a
superioridade das raças e a prova da evolução.
O processo de expansão do nacionalismo aconteceu também com base nas conquistas.
Aquelas nacionalidades maiores acolhiam as menores, desde que houvesse consenso, caso
contrário, poderia ser pela conquista. “Alguns povos ou nacionalidades foram destinados a
nunca se tornarem nações” (HOBSBAWM, 2008, p. 48). Essa tese pode ser aplicada ao povo
curdo, considerada a maior nação sem Estado do mundo atual. Vários movimentos já foram
realizados por esses países de forma a inviabilizar a criação do Estado curdo. As pequenas
nações geralmente são submetidas às poderosas. O nacionalismo estava muito ligado ao
progresso, ao alargamento das possibilidades econômicas, sociais e culturais.
Assim, a ideia de nação sobrevive nos termos de Anderson (1991) como uma
“comunidade política imaginada”. É política, pois, possui limites próprios e é também
soberana. Por trás desse ideário está presente uma ideologia ou várias que fazem da
perspectiva nacional fator de dominação e de conflitos. Para Hobsbawm (2008) a comunidade
12
LENIN, V. H. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Editora Parma, 1979. 1º Ed.
62
imaginada funciona como forma de suprir o vazio emocional deixado pela queda e
desintegração ou mesmo inexistências de relações humanas estáveis. Anderson (1991) afirma
que desde a Segunda Guerra toda a revolução tem sido definida em termos nacionais. O
nacionalismo evoca uma ideia de imortalidade/eternidade, nos termos de Anderson (1991),
um sentimento quase religioso.
O nacionalismo passou por várias mudanças. Para o desenvolvimento desse trabalho
interessa o período de 1870 a 1918. Os anos de 1880 a 1914 o nacionalismo passa a
reivindicar um território para se constituir como Estado. Para se estruturar uma nação
precisaria de um Espaço, foi essa a visão de Atatürk, aqui a geopolítica se transforma em algo
essencial. Novamente é possível recorrer à teoria de Ratzel e perceber que esse espaço
também gera identidade. A geopolítica e o construtivismo dialogam nesse aspecto. A língua e
a etnia se tornam centrais para a existência da nação. Foi também nesse período que a
esquerda passou a exigir o direito à nação, à cidadania, fato considerado um movimento
totalmente novo e revolucionário para o período. O nacionalismo turco surgiu nesse período
conturbado da história mundial. Mas hoje os turcos se identificam com a Anatólia.
Um fato que agravou, pode-se entender assim, a questão nacional foi a transformação
implementada pelas ciências sociais na segunda metade do século XIX, quando
transformaram a raça em conceito central para o nacionalismo. Com essa mudança muito da
barbárie humana podia ser justificada, expulsão do território, mortes violentas, entre outros
fatores. Desse período em diante raça e nação passaram a simbolizar sinônimos possíveis.
Hobsbawm (2008) afirma que o nacionalismo triunfou no pós I Guerra, marcado por dois
fatores principais:
a) o fim dos impérios multinacionais como o Turco-Otomano e Austro-Húngaro;
b) a revolução russa. Nesse momento as teorias geopolíticas ganham relevância,
principalmente aquelas influenciadas pela biologia.
Os movimentos nacionalistas do início do século XX tiveram como característica a
rejeição ao socialismo do proletariado. O movimento dos trabalhadores era também
internacionalista, pois, pregava a união da classe trabalhadora no âmbito internacional e esse
fato entrou em choque com o desejo de expansão das companhias multinacionais. Mas, o
apelo nacional foi mais forte que a ideia socialista, a partir do momento que os trabalhadores
se enfrentaram para defender, cada um, sua nação.
63
O período entre-guerras foi marcado pela aspiração do Presidente Wilson de fazer as
fronteiras nacionais coincidirem com as fronteiras dos Estados. Os acordos de 1918
expressaram essa tendência e posteriormente o Acordo de Sèvres também evidenciou esse
objetivo. Portanto, a divisão da Anatólia não se deu em Versalles, mas em Sèvres, ao menos
formalmente. Para Hobsbawm (2008) esse período ficou conhecido como a era das minorias
oprimidas em detrimento aos povos oprimidos no período dos Impérios Multinacionais.
Anderson (1991) afirma que o nacionalismo foi o mal que atravessou o século passado. A
questão do povo armênio confirma a frase supracitada. Depois de 1917 os armênios
praticamente desapareceram das terras turcas. Esse grupo étnico composto por uma maioria
cristã ortodoxa estava localizado na região ao sul do Cáucaso, entre o Mar Negro e o Mar
Cáspio.
Outras etnias habitavam a Anatólia quando os turcos chegaram, portanto, a Anatólia é
considerada nos termos de Fernandes (2005b) a segunda casa dos turcos. Por isso uma das
formas encontradas por Atatürk para legitimar seu povo foi através da história. Fundou
durante seu governo a Fundação da Sociedade de História e a Sociedade para Língua Turca.
Aproveitando-se dos fatos históricos “mal resolvidos” esses grupos fundaram o “turquismo”,
reformularam a história turco-otomana, deixando em segundo plano a história muçulmana,
dos impérios e aquilo que era dúvida, até mesmo científica, na formação desses povos foi
transformado em certeza a favor da Turquia.
Na avaliação de Fernandes (2005a), a identidade nacional turca é fragmentada, isto
inclui aspectos religiosos, étnicos, ideológicos e até geopolíticos. Apesar da propaganda do
secularismo, o Islã nunca foi abolido na Turquia e isso traz certo sentimento anti-ocidental no
povo daquele país. Não houve consenso em torno da ideia secular que foi “imposta” por
Atatürk. O movimento de certa forma contrário à religião fazia parte de um esforço para se
adequar às exigências da modernidade e se aproximar do estilo de vida europeu e, além disso,
superar as debilidades do Império Otomano.
A ideia da nação secular, aliada a outros problemas analisados no capítulo II, fez da
Turquia um país com algumas clivagens, nas palavras de Fernandes (2005a). De um lado e
seguindo a linha do fundador Kemal surge um grupo, elitista, burocrático e com a
participação de militares “os guardiões do secularismo”, segundo Sem Fronteira (2011) -,
ligado à academia, imprensa e à esquerda européia. Por outro lado, uma contra-elite,
influenciada por movimentos islâmicos, também com apoio de parte da imprensa, empresarial
e de tendência mais à direita. Os outros paradoxos, ou clivagens, são: étnico-territoriais, no
caso dos turcos x curdos; religiosos, muçulmanos divididos entre sunitas e xiitas, ainda uma
64
minoria cristã.
2.6 A conturbada relação com a Grécia
Quando terminou a Primeira Guerra Mundial, os líderes do Império Otomano
acreditavam que estariam em condições de se manterem organizados como Estado, eles
pensavam isso devido às falas de homens como o Presidente Wilson (ORAN, 2010). O
discurso à época era o de manutenção da paz, da harmonia e do respeito mútuo entre as
nações. Contudo o IO já estava dividido no papel pelas grandes potências. Ainda segundo
Oran (2010) uma situação era certa, os líderes europeus daquele período não podiam manter
os Otomanos no comando da área onde hoje se localiza o Oriente Médio.
Por outro lado, para a Grécia e para os gregos residentes na Anatólia, a derrota do
Império Otomano parecia simbolizar a possibilidade de realização da Megali Idea (Grande
Ideia). O Primeiro Ministro Elefterios Venizelos desejava unir todos os gregos em único
território sob um mesmo Governo. Para que o sonho se tornasse real, os gregos exigiam o
controle dos Estreitos, do Chipre, cidades como Izmir, entre outras, ou seja, a região Oeste da
Anatólia. Segundo Oran (2010) a Grécia usou a justificativa da auto-determinação dos povos.
Várias estatísticas foram utilizadas, através do número de fiéis nas Igrejas Ortodoxas,
reduzindo a quantidade de moradores muçulmanos e aumentando a taxa de gregos no local.
As reivindicações do Premier grego dividiram as opiniões. Ingleses e franceses
defendiam a ideia, já os norte-americanos e italianos eram contrários. Esses desacordos
fizeram com que em 24/04/19 a delegação italiana abandonasse a Conferência de Paris. No
dia 15/05/19 os gregos ocuparam Izmir e esse episódio fez intensificar o ódio entre as
populações. Após essa invasão os representantes do Império que participavam da reunião na
capital francesa fizeram algumas exigências junto aos demais participantes, mas não foram
ouvidos. Em junho do mesmo ano a delegação Otomana foi convidada a deixar a Conferência.
Dois pontos causaram problemas na reunião: a) na “Turquia” iniciou-se um movimento de
resistência; b) os aliados não conseguiam se entender, cada um defendia evidentemente seu
interesse e o diálogo ficou comprometido. (ORAN, 2010)
O movimento de resistência era bem organizado e após a invasão grega ficou ainda
mais intenso, conforme Oran (2010). A ideia dos aliados a princípio seria restringir o campo
de ação da Grécia, contudo as tropas gregas avançavam em direção a outras cidades da
Anatólia. Dentro do grupo dos aliados França e Itália sempre optavam pelo debate, enquanto
Inglaterra e Grécia usavam da força para alcançar seus objetivos. Internamente a “Turquia”
65
organizou um pacto nacional que objetivava a restauração da soberania turca. Contudo, em
março de 1920 os aliados invadem a cidade de Istambul. Aproveitando a oportunidade os
gregos pedem permissão à Inglaterra para avançar em terras Otomanas. Os britânicos
permitem, mas avisam que não poderão fornecer apoio.
Oran (2010) informa que em julho de 1920 a Grécia penetra ainda mais as terras turcas
e ocupa as cidades de Usak, Edirne e Bursa. No mês de Agosto foi assinado o Tratado de
Sèvres pelo Governo de Istambul. Os turcos organizaram a TGNA (Grande Assembléia
Nacional Turca) que foi a responsável pela assinatura do documento. A questão a saber é se a
assinatura do Tratado foi uma forma de ganhar tempo. A TGNA também buscou nesse
período a aproximação com Moscou. Conforme menção feita nesse trabalho, após as diversas
crises entre aliados e a retirada das potências, explode o conflito Grego-turco entre 1920 e
1922. Após a assinatura do Tratado de paz a população francesa e a inglesa desejavam suas
tropas de volta a seus países.
Em 1921 na cidade de Londres a Turquia declarou que não reconhecia o Tratado de
Sèvres. Os turcos resistiram bravamente aos aliados e à Grécia. Os aliados enviaram uma nota
conjunta, depois de algum tempo de luta, propondo uma Conferência para debater a paz.
Segundo Oran (2010) a Conferência de Paz de Lausanne foi aberta em 20/11/1922, para o
autor os problemas entre Turquia e Grécia podem ser agrupados em três pontos:
a) questão territorial e fronteiriça;
b) problemas humanitários com a troca de populações;
c) questão financeira e de reparação.
Quanto à questão territorial as Ilhas do Egeu e Trace eram os dois focos. Quanto a Trace os
dois países não se entendiam quanto aos limites da fronteira. Foi feito um acordo, mas em
1938 o pacto foi quebrado. Quanto as Ilhas no Mar Egeu, problema ainda hoje gera
controvérsias. Para a Turquia as Ilhas fazem parte da Anatólia, portanto, são essenciais para
sua estabilidade e segurança. Segundo Oran (2010) a ambição grega poderia ser prejudicial à
Anatólia. Para a Grécia as Ilhas estão sob sua soberania.
As questões humanitárias estão diretamente ligadas à troca de populações entre os dois
países, na Conferência a delegação turca sugeriu a ideia. Seria feita a seguinte mudança: os
gregos ortodoxos, residentes na Turquia, voltariam para a Grécia e os turcos mulçumanos,
residentes na Grécia, retornariam para a Turquia. Para se ter uma ideia, após o conflito entre
os dois países e a retirada do exercito grego, aproximadamente 01 (um) milhão de pessoas
66
saíram da Anatólia em direção à Grécia. Foi uma das situações mais constrangedoras da
história das relações internacionais. Para debater a troca de populações foram elencados
alguns pontos: a troca seria obrigatória ou voluntária? Quais grupos seriam incluídos? Como
ficariam os limites de Istambul? (ORAN, 2010)
Para o TGNA a troca deveria ser compulsória, o que acabou acontecendo. O grupo
queria ainda que todos fossem incluídos na troca, sem exceção. Para o Governo da Grécia a
troca deveria ser voluntária, os gregos afirmavam que não condições físicas e muito menos
financeiras para receber tantas pessoas, mas não teve alternativa. Segundo Oran (2010) a troca
foi assinada em 30/01/1923, antes mesmo da conclusão do Tratado. A assinatura do
Documento de Lausanne foi para a Turquia o símbolo maior da conquista, o país se tornou
um Estado-nação e adquiriu com isso o reconhecimento internacional. Por outro lado, para os
gregos a imigração significou o fim da “Megali Idea”.
A década de 1920 significou para os dois países o período de reconstrução e até
mesmo de alguns esforços para a paz. Organizaram os Tratados de Ancara em 1925 e de
Atenas em 1926. O Tratado de Ancara foi o primeiro esforço de acordo entre os Estados,
neste acordo trataram de temas como: patriarcado e propriedades daqueles que foram
incluídos nas trocas de populações. Já o documento de 1926 deveria resolver questões
relativas às finanças. Apesar de tentar resolver problemas relativos as disputas os tratados
nunca foram ratificados pelos países. (ORAN, 2010).
O período de 1928 à 1939 ficou marcado como o período do bom relacionamento
entre os dois países. Segundo Oran (2010) a Turquia estava com sua atenção voltada para o
Ocidente, pensava um processo de paz, inclusive buscava incluir os Bálcãs nessa situação. Na
Grécia, Venizelos foi eleito Primeiro Ministro e devolveu ao país a estabilidade que há muito
não existia. A Política Externa no novo Governo era bem diferente daquela vivenciada na
década de 1920. Para os dois Estados a paz poderia promover desenvolvimento econômico e
reformas sociais. O problema é que tanto Itália quanto França permaneceram com interesses
na região balcânica. Apesar dos avanços a questão dos Bálcãs permanecia incomoda. A
solução vislumbrada pelos dois Estados, segundo Oran (2010) seria através de acordos
regionais. Ainda segundo Oran (2010) países como Alemanha, Itália e Bulgária não estavam
satisfeitos com os resultados do pós – Guerra. Foi promovida uma questão apenas para tratar
desse assunto.
O ano de 1928 foi marcado pelo início das conversas entre os países para resolver
pendências relacionadas à troca de populações (ORAN, 2010). Essas negociações levaram ao
encontro que ficou conhecido como Convenção de Ancara, em 10 de junho de 1930. Um dos
67
aspectos mais importantes do diálogo foi o reconhecimento dos cidadãos gregos na Turquia e
dos turcos na Grécia. Assuntos como a posse das residências, terras e estabelecimentos
deixados por aqueles que foram envolvidos na troca também estava na pauta. Através desta
Convenção foram acertadas questões políticas, econômicas e sociais. Em outubro de 1930
Venizelos visitou a Turquia e lá assinou outros três acordos13
. “Pela primeira vez, um período
de amizade foi inaugurado entre Grécia e Turquia”. (ORAN, 2010, p. 209)14
A amizade entre os países foi ficando cada vez mais enraizada era o que
demonstravam. No ano de 1933 foi assinado outro documento o Acordo de Cordialidade
Proteção. Com essa aliança os países se comprometiam em ajudar-se caso ocorresse qualquer
ataque às suas fronteiras. Portanto, o acordo tinha caráter militar e de segurança. A relação
estava tão promissora que em 1934 foi inaugurado um escritório em Istambul para tratar
apenas das questões relacionadas à Turquia e Grécia. (ORAN, 2010) A situação fez inclusive
que a vida das minorias nos dois países tivesse uma reviravolta, os muçulmanos da Grécia e
os ortodoxos na Turquia passaram a ser mais respeitados.
No período em que o mundo foi assolado pela II Guerra a ligação entre os países do
Atatürk e Venizelos esteve abalada. Logo em 1939 a Grécia foi invadida por militares
fascistas e posteriormente por nazistas. Após o final do conflito e devido às conseqüências da
invasão os gregos vivenciaram violenta Guerra Civil. Por outro lado a Turquia não foi
invadida, apesar de sua economia como em toda a parte do mundo ter sido muito afetada. A
posição adotada pelo Governo de Ancara foi de neutralidade e isso fez com que houvesse
intensa pressão, principalmente da URSS, para que os turcos assumissem um lado. A postura
de isolamento se deve, em parte, ao intenso relacionamento dos turcos e alemães.
Conforme já mencionado neste trabalho o ano de 1947 foi significativo para as
Relações Internacionais em geral. Nesse ano os EUA se posicionam contrários às políticas
adotadas pela URSS. Uma das estratégias usadas pelos americanos foi a aproximação com
Atenas e Ancara. A reclamação dos gregos naquele período foi quanto à deslealdade dos
turcos, pois sua neutralidade rompia com as determinações do Acordo realizado entre os dois
países. A Turquia não estava, segundo os gregos, cumprindo o Tratado assinado na década de
1930. O Governo de Venizelos solicitou ajuda quando foi invadido pelos italianos em 1940 e
depois novo pedido foi realizado quando da invasão alemã em 1941, e em ambas as situações
os turcos não concederam a ajuda. (ORAN, 2010).
13
Os três acordos assinados foram: Tratado de Amizade, Neutralidade, Conciliação e Arbitramento; Tratado de
Comércio e Navegação; Protocolo sobre o limite das Frotas. 14
“For the first time, a period of friendship was inaugurated between Greece and Turkey.” (Tradução livre)
68
A Turquia “soube” aproveitar o momento e suspendeu suas relações com a Grécia,
segundo Oran (2010). Ainda se utilizou das Ilhas do Mar Egeu como moeda de troca em
negociações com a Alemanha nazista e na negociação escolheu algumas ilhas que afetariam
diretamente sua segurança. Portanto, segundo Oran (2010) a amizade foi desprezada. Para
piorar a situação os turcos promoveram algumas perseguições às minorias gregas, rompendo
mais uma vez aquilo que havia sido acordado entre os países. Uma das medidas foi convocar
todos os homens de 18 a 45 anos para o exército entre 1941 e 1942. Esses homens eram
enviados para missões sem nenhum armamento. (ORAN, 2010).
A amizade seria restaurada a partir de 1947 e os parceiros se propuseram a analisar
situações da região que lhes afetava: os Bálcãs, a Ásia e o Oriente Médio. O período que Oran
(2010) denominou segundo momento da amizade foi mais intenso depois de 1950,
principalmente em virtude da entrada na OTAN. Na década de 1950 Turquia e Grécia
vivenciaram políticas semelhantes, principalmente devido à interferência americana. Era
nítido o interesse em vincular os dois países ao modelo capitalista ocidental e afastá-los da
influência soviética. Os dois Estados ficaram extremamente dependentes da ajuda financeira
dos EUA. “Com a entrada da Grécia e da Turquia para a OTAN em 1952, os EUA iniciaram a
implementação de sua política de contenção.” (ORAN, 2010, p. 351).15
Antes da efetiva entrada para a organização militar do Ocidente, os Gregos enviaram
soldados para a Guerra da Coréia, assim como os turcos. Segundo Oran (2010) em 1952 a
reaproximação foi mais perceptível devido ao número de visitas e reuniões realizadas pelos
Chefes de Estado. Ainda nesse ano os debates em relação ao Chipre começaram a ocupar as
agendas dos líderes. Em 1953 o Chipre ganhou demasiado destaque, mas a amizade
permaneceu. Assim como em 1930, nesse período a proximidade fazia com que o nível
interno dos países e o ambiente regional fossem positivamente influenciados.
Em 1954, já no auge da Guerra Fria, foi assinada a Aliança Balcânica com suporte dos
EUA. Esse pacto era mais uma forma de evitar o “perigo comunista”. Em um primeiro
momento, meados de 1952 e 1953, as conversaram foram direcionadas em torno do pacto
entre Turquia, Grécia e Iugoslávia, segundo Oran (2010), mas ainda não era uma aliança. Em
1954, os Estados firmaram a Aliança, nesse caso, uma ligação de cooperação política,
assistência mútua no campo militar e de segurança. O documento foi assinado em Agosto, foi
importante, no entanto, não fez prosperar a amizade, isso porque outros assuntos sempre
voltavam à agenda dos países vizinhos.
15
With the accession of Greece and Turkey to NATO in 1952, the US started implementing its containment
policy.
69
A ligação entre turcos e gregos seria de fato ameaçada pela questão cipriota. A
situação desse pequeno país-Ilha está diretamente vinculada à história do passado Otomano
que liga as duas nações. Sabe-se ainda que é uma problemática de difícil solução. Em 1955 a
Turquia passa a se envolver diretamente nas divergências do Chipre e isso incomoda a Grécia.
Os norte-americanos pensando em defender a OTAN e seus interesses promoveram algumas
intervenções no conflito buscando evitar maiores constrangimentos e selando a paz
temporariamente. Maiores detalhes da situação estão no item 2.4.1, que não serão rediscutidos
nesta parte do trabalho.
Segundo Oran (2010), a boa relação funcionou até o momento em que a situação do
Chipre explodiu, principalmente após a independência em 1960. Além dessa problemática,
voltou à agenda os debates em torno da divisão do Mar Egeu. As décadas de 1960 e 1970
foram importantes no âmbito internacional, pois elas marcaram a mudança na condução da
Guerra Fria pós Crise dos Mísseis. No aspecto interno, ambos os países vivenciaram
mudanças. Devido aos investimentos dos EUA as características agrícolas foram colocadas
em segundo plano, pois o objetivo era a aproximação com o mundo capitalista. A Turquia não
estava preparada para essas mudanças muito rápidas e isso levou ao golpe de 1960, conforme
apresentado no ponto 2.4.4. Foi, portanto, um período de transformações nos dois países.
“O Chipre permaneceu no centro das relações Turco-gregas desde a década de 1950.
Na segunda metade da década de 1970 o Chipre foi ultrapassado pelas questões relativas ao
Egeu” (ORAN, 2010, p. 452)16
. A questão entre os dois países sempre esteve ligada ao espaço
marítimo, partes do continente e às Ilhas localizadas no Egeu. Quando da assinatura do
Tratado de Lausanne foi acordado que cada país ficaria com (03) três milhas no Mar Egeu. Já
no ano de 1936 a Grécia estendeu seus limites para seis milhas sem uma objeção declarada da
Turquia que em 1964 manifestou o desejo de aumentar sua área limítrofe para seis milhas
também. Na verdade os dois países desejavam chegar às vinte milhas, mas o acordo nunca foi
alcançado.
No ano de 1959 a Grécia descobriu petróleo e reclamou o direito de explorá-lo no
Egeu. Em 1973 a Turquia reivindica para si o direito sobre o óleo na região. Não houve
diálogo novamente. Em 1975 os gregos reforçaram a presença militar nas Ilhas locais e os
turcos organizaram uma armada a partir de Izmir. O Premier grego em 1976 propôs o diálogo
e o fim da corrida armamentista que amedrontava a região. Não houve acordo e a situação
piorou novamente e segundo Oran (2010) os países estiveram muito próximos de um conflito.
16
Cyprus had been at the center of Turkish-Greek relations since the 1950s. In the second half of the 1970s
Cyprus was displaced by the questions relating to the Aegean.
70
O caso foi levado à CIJ (Corte Internacional de Justiça) sem alcançar sucesso.
Com a proximidade do conflito entre os membros da OTAN os americanos
promoveram a intervenção no conflito. Havia no Congresso dos EUA um forte Lobby grego e
esse pressionou bastante para que o embargo imposto à Turquia fosse mantido. Apesar disso,
turcos e gregos iniciaram algumas conversas que culminaram na Declaração de Bern em
1976. O objetivo desse documento era demarcar os territórios, mas, no entanto, outros
problemas permaneceram sem solução. O espaço aéreo do Mar Egeu também estava em
disputa. “As diferenças entre Turquia e Grécia não estavam resumidas ao ambiente
marítimo”. (ORAN, 2010, p. 457)17
. Em setembro de 1931 a Grécia baixou um decreto
presidencial no qual mudava seu espaço aéreo de 03 (três) para 10 (dez) milhas. A Turquia
reagiu, mas o assunto ficou paralisado até meados de 1974.
Segundo Oran (2010) a década de 1980 foi contemplada com dois grandes líderes:
Turgut Özal na Turquia e Papandreou na Grécia. Homens que souberam avaliar e se
utilizarem da situação de invasão do Afeganistão e da Revolução iraniana em benefício de
seus Estados. Os dois governantes sabiam que seus países seriam estrategicamente
fundamentais para os EUA. Com a chegada dos republicanos na Casa Branca em 1980 a
corrida armamentista foi intensificada. Por outro, lado o Islã adotou uma política mais
moderada nesse mesmo período.
O Regime ditatorial do início dos anos 80 na Turquia obteve apoio do Islã na luta
contra os “rebeldes” curdos e movimentos de esquerda, segundo Oran (2010). Os militares
estiveram também fortemente ligados à Washington para implementar a nova doutrina, militar
e econômica. O neoliberalismo, implantado nos EUA e Inglaterra principalmente, foi copiado
pela Turquia. A política adotada por Özal foi adequada ao movimento político e militar do
momento, para isso ele levantou os principais problemas do país no aspecto interno e no
aspecto da Política Externa. Sendo que os dois mais relevantes eram: o problema do Chipre e
a relação com os gregos.
Desde 1974, quando a Grécia voltou a ser uma democracia, os governos gregos
procuraram estabelecer políticas com bases sólidas. Até mesmo partidos como o Comunista
foram colocados na legalidade. (ORAN, 2010). A monarquia naquele país já havia sido
abolida em 1974 após a realização de plebiscito. Também nesse ano o país resolve sair da
OTAN e se aproximar mais da UE. Os gregos buscaram nesse período estabelecer vínculos
com os países dos Bálcãs e a URSS. Em 1980 a Grécia se torna membro associado da União
17
“The differences between Turkey and Greece were not confined to the maritime environment.”
71
Européia. Com isso parecia que de fato haveria maior aproximação entre os vizinhos, mas
isso não ocorreu.
A Europa buscava ignorar a administração ditatorial na Turquia e valorizar a Ilha
cipriota e esse fato colocava os militares muito próximos dos EUA. Ainda no clima da Guerra
Fria a Turquia se tornou um dos mais importantes defensores da política americana. Esses
alinhamentos serviam cada vez mais para colocar os dois países em pólos opostos. A
perspectiva da ameaça sempre estava presente principalmente do lado grego, que não pensava
em negociar com um país que não lhes transmitia confiança. Uma das condições impostas
pela Grécia para qualquer negociação seria a retirada das tropas do Chipre. Mas, sobretudo, a
solução dos problemas das minorias gregas presentes na Turquia permanecia como uma das
principais fontes de desgaste e tensão entre os países, junto com as questões do Mar Egeu. Em
março de 1982, por exemplo, cerca de 100 fazendeiros gregos perderam suas terras em
disputas com o Governo turco. (ORAN, 2010).
Quando Özal assume o Governo na Turquia suas primeiras iniciativas foram
direcionadas à reaproximação com a Grécia, mas não houve reciprocidade. Em meados de
1984 os gregos acusavam aos turcos de tentativas imperialistas. Turgut Özal afirmava que
essa acusação seria uma forma de internamente atrair atenção entre os próprios gregos e
afirmou que não era interesse da Turquia se apropriar das terras gregas. Papandreou mantinha
o discurso e não aceitava negociar. Os Ministros de Política Externa agendaram uma reunião
entre os Primeiros Ministros no ano de 1986, mas Papandreou desmarcou o encontro dias
antes de seu acontecimento. Em abril desse mesmo ano as duas Marinhas fizeram exercícios
de Guerra no Egeu e em junho aviões gregos fizeram vôos muito próximo ao Dardanelos.
Em 1987 explode outra crise do Mar Egeu. A Grécia optou por causar desgaste à
Turquia junto aos Estados da Europa. Assim o Governo grego intensifica a exploração de
Petróleo no mar e ignora os acordos anteriores feitos com os turcos. Novamente os dois países
se vêem diante de uma guerra, pois, as provocações são realizadas dos dois lados e suas
respectivas Forças Armadas ficaram em situação de confronto. A OTAN ficou em situação
complicada por temer um conflito entre dois membros da Organização. Através da
intervenção inglesa a situação foi acalmada. Segundo Oran (2010), a crise de março não foi
exceção nas relações bilaterais desses Estados.
O fim da Guerra Fria e da URSS provocou mudanças na relação turco-grega e no caso
o Chipre. Os dois países foram obrigados a rever sua política externa, pois, ambos estavam
envolvidos nas regiões dos Bálcãs, Oriente Médio e Cáucaso. A Turquia e seus formuladores
da Política Externa sabiam que o fim do conflito bipolar poderia diminuir sua importância. No
72
momento a Turquia percebeu que não tinha condições políticas e econômicas para liderar a
região e sua relação com os EUA estava abalada. Nesse momento o país de Atatürk opta por
fazer alianças com os países em seu entorno, inclusive com a Rússia. Para a Grécia com a
perda de importância geopolítica da Turquia haveria um equilíbrio na balança de poder
regional.
No período de 1990 a 1993 novas possibilidades de aproximação entre os países. A
Turquia mantinha relações muito próximas com os países dos Bálcãs e do Cáucaso, enquanto
a Grécia enfrentava dificuldades com esses Estados, inclusive problemas territoriais. Esse
momento tenso fez aumentar as possibilidades de união. Outra oportunidade de aproximação
ocorreu em um encontro em 1990 durante encontro da OTAN. Em 1991 foi debatida a
possibilidade de um tratado de não agressão. Segundo Oran (2010) em 17/05 a Grécia alegou
que seu espaço aéreo havia sido invadido e a questão que caminhava para a paz, voltou a ser
beligerante. Outra conversa aconteceu ainda em setembro do mesmo ano. Neste encontro
várias possibilidades foram levantadas. Contudo, nenhum dos dois lados estava dispostos a
ceder em assuntos mais sensíveis.
Entre 1993 e 1995 a relação esteve no limite (ORAN, 2010). A Grécia promovia sua
Política Externa em linhas bem diferentes daquela pensada pelos turcos. O caso emblemático
era percebido através do problema da Macedônia, país ao qual foi imposto um embargo por
parte dos gregos. Em 1993 foi anunciada uma Doutrina de Defesa Comum por gregos e
cipriotas. Segundo Oran (2010), a doutrina continha 04 pontos:
1 – O Chipre poderia fazer parte da área de defesa grega;
2 – Um ataque ao sudeste cipriota seria considerado ataque à Grécia;
3 – Formulação de plano de defesa conjunto entre os dois países;
4 – Os dois governos poderiam coordenar suas políticas em Fóruns internacionais.
Esse fato causou muito estranhamento à Turquia. Outra questão que por vezes aparecia na
discussão bilateral era a situação do Patriarcado da Igreja Ortodoxa. Em 1994 esse problema
estava na agenda novamente. A questão do Mar Egeu ressurgiu nesse ano, apesar das tensões
houve algumas tentativas de diálogo, em visita do Ministro das relações exteriores à Istambul.
Em 1990, segundo Oran (2010), a União Européia recebeu o pedido de Grécia e
Chipre para serem aceitos no bloco. Em 1993 esse pedido foi aceito como membros
associados. E a Turquia assinou um Tratado de União Aduaneira com a UE em 1995. Uma
das exigências do acordo era que o Governo turco firmasse acordos com a parte grega do
73
Chipre. Até o ano de 2001 deveria haver um Tratado de Livre Comércio entre os dois países.
Para a Europa esse passo significaria que o Chipre seria usado como ponte entre Turquia e
Grécia.
Em 1996 devido a problemas de saúde o Primeiro Ministro Papandreou teve que se
afastar do cargo. O possível substituto era homem de diálogo, mas visto como fraco por
alguns homens do Governo. O substituto Simitis sabia qual era o real lugar da Grécia na cena
internacional. Ele tinha uma visão importante dos aspectos econômicos da Europa. O novo
Líder grego deseja afastar a imagem de país beligerante e buscar aproximação com o
Ocidente. Contudo, seu grupo político não era favorável a essa ligação com o Ocidente. O
pensamento era aproveitar o embalo de entrada à UE e construir uma Grécia forte. Essa
construção passaria também pela aproximação com os Bálcãs, o Oriente Médio e o Cáucaso.
Até aquele momento o único país que a Grécia não buscava dialogar era a Turquia.
O antigo Premier Papandreou sempre fez o possível para manter o distanciamento em
relação à Turquia. Simitis sabia que não poderia promover mudanças repentinas, assim
manteve todos os programas políticos em funcionamento. A estratégia era atrair o maior
número de aliados, pois, estava ciente que o poder bélico turco era muito maior. Com isso o
novo Premier visava reduzir a tensão e transmitir para a União Européia as possibilidades de
solução do conflito. A União Européia detinha mais poder e argumentos para pressionar a
Turquia. Para alcançar esse novo estágio no processo de paz era preciso: diminuir as tensões,
iniciar diálogos e finalizar a imagem de país beligerante. Logo após assumir o poder Simitis
foi colocado diante de várias crises, dentre elas, uma no Chipre e outra referente aos curdos na
Turquia. Segundo Oran (2010) essas crises atravessaram três anos do Governo Simitis e foi
mais um daqueles períodos tensos entre os dois países.
A primeira questão naquele período surgiu em Dezembro de 1995 no Mar Egeu em
um conjunto de pequenas ilhas próximas à região de Kardak. Um navio cargueiro turco ficou
preso nas rochas próximas a essa região. Os tripulantes pediram ajuda e quem prestou o
devido socorro foram navios gregos. Para o Governo de Ancara esse fato significou
desrespeito à sua soberania. A Grécia respondeu que as rochas pertenciam ao seu espaço
territorial e isso desencadeou uma situação que esteve muito perto de um conflito entre os
países. O motivo da tensão foi devido ao fato que o país que fosse responsável pelo espaço
marítimo significaria a conquista de outras áreas importantes no local. O problema foi
solucionado com a intervenção do Presidente Clinton. Os países iniciaram o diálogo, mas, não
quer dizer uma solução resolvida, contudo, não houve conflito. A UE também entrou para
mediar e deu prioridade aos pedidos da Grécia e posteriormente pressionando a Turquia.
74
Outro momento de tensão foi em Agosto de 1996 e estava relacionado ao Chipre.
Alguns cipriotas gregos tentaram atravessar a Linha Verde, que dividia gregos e turcos
cipriotas. Fanáticos nacionalistas dos dois povos se instalaram na “fronteira” e deram início a
uma série de insultos e ataques utilizando pedras. Os conflitos provocaram duas mortes. Em
janeiro de 1997 o Governo grego cipriota assinou um acordo com a Rússia. Por essa parceria
seriam instalados no sul da Ilha alguns mísseis de longo alcance. Segundo a imprensa que
cobriu o fato, como o Financial Times, esses armamentos poderiam colocar a superioridade
turca em questão. Para minimizar os problemas os mísseis foram transferidos para a Grécia e
posteriormente guardados sob o controle do Governo grego. A série de eventos relacionados
ao Chipre fez com que sua entrada definitiva no Bloco Europeu fosse antecipada. Os europeus
entendiam que poderiam tirar a Ilha da confusa situação entre Turquia e Grécia.
A crise com o PKK atingiu a relação bilateral turco-grega, no ano de 1998 e 1999.
Conforme mencionado em outro item 2.4.2 desse trabalho, a Turquia estava em guerra com o
PKK desde os anos 1980. Segundo Oran (2010) esta foi a principal razão pela percepção
internacional da Turquia como uma país instável econômica e politicamente. A Grécia prestou
apoio aos curdos marxistas na lógica dos Direitos Humanos e do auxílio aos refugiados. A
Turquia obviamente não concordou com esse argumento. Outra justificativa grega era que
todos os seus atos estavam sob os auspícios da ONU. A permanência de Öcalan na
Embaixada grega no Quênia e em Atenas fez estremecer a relação e os gregos foram acusados
de proteger o terrorismo.
Nos anos 2000 a relações foram mantidas dentro de possibilidades de diálogo. Os dois
países ainda não resolveram seus problemas e são muitos pontos sensíveis a serem tratados.
Esse texto busca relatar alguns pontos da importante e histórica ligação entre Turquia e
Grécia, uma situação que explica muito a caminhada desses dois países. Outros pontos
relevantes ainda ficaram fora do trabalho e serão trabalhados em outros momentos e outros
textos.
75
3 RELAÇÕES INTERNACIONAIS, GEOPOLÍTICA E GUERRA FRIA
Dificilmente os governos e instituições político-administrativas que tem organizado,
desde as origens da história, a vida comunitária dos grupos humanos, poderiam tê-lo
feito sem alguma forma de conhecimento e de aplicação da geografia política.
(AMORIM FILHO, 1991).
A política internacional acontece em um espaço, que pode também ser qualificado
como cenário ou ambiente. “Sua característica básica é a anarquia, representada pela ausência
de um governo ou leis que estabeleçam parâmetros regulatórios para estas relações..."
(PECEQUILO, 2010, p. 18), forma oposta ao estabelecido pelo direito interno dos Estados.
Ao observar alguns conceitos da geopolítica como Espaço Vital, de Ratzel, percebe-se que os
Estados são constituídos por seus territórios, ou seja, um dos elementos essenciais, mas o
Internacional também tem um espaço, não regulado como o nacional. E no internacional essa
disputa por território e por sobrevivência analisada por Ratzel fica evidenciada. Os Estados
buscam sobrevivência em termos energéticos, precisam de carvão, de petróleo, de gás.
Precisam de espaço para sua população: a Europa no fim do século XIX com a corrida para a
África, a China, pelos cinco continentes no século XXI, são exemplos dessa afirmação e a
geopolítica auxilia na compreensão teórica.
O estudo da política internacional é algo intrigante e envolve a aplicação de outras
áreas do saber, das ciências sociais, econômicas e políticas, por exemplo. As RI surgiram
como disciplina acadêmica no período entre guerras, tendo em Edward Carr um dos
precursores. Em sua obra – “Vinte anos de Crise: 1919 – 1939” - o autor teve por objetivo
estudar as causas da I guerra mundial e entender as relações de poder existentes no cenário
mundial no período pós-guerra. Sua obra é analisada principalmente sob o ponto de vista do
realismo. Contribui essencialmente no debate em torno do idealismo de Wilson e o realismo
dos americanos. Esse debate do início do século teve influência direta na Turquia, quando se
discutia a questão do povo Curdo e a criação do Curdistão.
“É uma eterna disputa entre os que imaginam o mundo de modo a adaptá-lo à sua
política, e os que elaboram sua política de modo a adaptá-la às realidades do mundo” (CARR,
2001, pag. 17). Utopia x realidade, pode ser comparada, a livre arbítrio x determinismo. O
utópico, voluntarista, rejeita a realidade e o realista, com seu desenvolvimento pré-
determinado, não reconhece a possibilidade da paz entre homens. Toda ação humana bem
intencionada e, portanto, todo pensamento sadio, deve estabelecer um equilíbrio entre utopia e
realidade, entre livre arbítrio e determinismo, idealismo e realismo.
76
Para o realismo, as teorias de RI devem ser úteis para a solução de conflitos.
Conforme Morgenthau (2003) a disciplina precisa ser caracterizada como pragmática e
empírica, resolvendo de imediato os diversos problemas que lhe são apresentados. Observa-se
assim que as RI servem exatamente para estudar os Estados. Os realistas herdaram de
Maquiavel a questão do real, o mundo é como ele é, e não o que deveria ser. Para o
pensamento realista o Estado é o ator central e está inserido em um sistema anárquico, ou
seja, sem governo. Devido à anarquia muitos problemas da política internacional são
justificados, quando associada essa à condição humana. Assim o espaço internacional é local
de auto-ajuda e os países buscam garantir sua sobrevivência ou segurança, sendo a guerra uma
possibilidade constante.
Baseado no pensamento clássico de Thomas Hobbes, o realismo enxerga o homem
como naturalmente mau. O conflito e a guerra estão diretamente vinculados à natureza
humana. Para essa escola o homem é guiado por três sentimentos: o medo, o prestígio e a
ambição. Na transposição das relações humanas para a relação entre Estados, o prestígio ou
poder é o elemento central. Os seis princípios de Morgenthau fornecem subsídios para
compreender epistemologicamente o realismo:
a. – baseado na lei e na objetividade, a política e a sociedade conduzidas pela
natureza humana;
b. – interesses são definidos em torno do poder;
c. – poder varia no tempo e no espaço;
d. – valores éticos e morais subordinados à ação política;
e. – valores morais não são universais, valores de um Estado não podem ser
transferidos a outro;
f. – a esfera da política é autônoma.
Até os atentados de 11 de setembro de 2001, apesar de haver no cenário internacional
algumas mudanças, os atores internacionais de maior reconhecimento e relevância eram os
Estados. Depois desse episódio a relação no cenário internacional foi modificada e outros
atores passaram a ter cada vez mais importância. As relações multilaterais também foram
adaptadas às condições do momento da crise e a necessidade de redefinir se uma guerra deve
ser travada apenas contra um Estado. “O Estado, sujeito originário de direito internacional
público, ostenta três elementos conjugados: uma base territorial..., uma comunidade
humana..., e uma forma de governo...” (REZEK, 1998, p. 160). Com base nessa definição do
77
Professor Rezek é possível deduzir o que é necessário para a constituição do Estado. O
problema instalado foi o fato de que o ataque às Torres Gêmeas e a outros símbolos do poder
americano não foi realizado por um Estado. As organizações criminosas ou terroristas
reaparecem poderosas na cena internacional.
Surge nesse debate outra grande controvérsia: o país onde um grupo terrorista organiza
sua sede deve ser punido? Esse ente (organização terrorista) precisa da ajuda de outros países
do globo para se organizar enquanto Estado? Está posto o debate sobre os Estados:
“bandidos”, “falidos” ou ainda “delinqüentes”. Portanto, a partir do atentado do 11/09/01 os
atores internacionais, que não os Estados, ganharam força. As relações internacionais são
construídas a partir desse novo discurso, sob uma nova ótica.
Com a justificativa da guerra contra o terror, a guerra preventiva, e outros argumentos,
os americanos procuravam convencer aos países sobre a necessidade de um conflito. Suas
observações foram ouvidas, houve certa comoção mundial pelo acontecido. Mas, todos os
Estados envolvidos pensavam em atitudes coletivas e uma saída para a questão que não a
disputa bélica. Contudo, principalmente no episódio da segunda guerra contra o Iraque, os
EUA mostraram que não se importavam com opiniões ou se a guerra seria travada
individualmente. Seu poderio militar era forte o suficiente para enfrentar qualquer país, em
qualquer parte do mundo. Em 2003 após apresentarem ao mundo indícios de que o Iraque
possuía armas de destruição em massa, os americanos invadem o país, depõem o presidente e
iniciam a “caçada” às armas. Como será apresentado posteriormente, um crítico desse
episódio atribui à invasão outros fatores de cunho econômico (GOWAN, 2003).
O ataque ao Iraque de Saddam Hussein foi uma atitude unilateral dos norte-
americanos, que não respeitaram as decisões da ONU – Organização das Nações Unidas -, e
seus pares. A ONU ficou desacreditada no processo, contudo não deve ser considerada como
derrotada, sua obrigação enquanto órgão multilateral foi “cumprida”. Portanto, outra mudança
importante no mundo pós 11/09 é o fato de que os países voltaram a olhar seus próprios
interesses desvalorizando o sistema internacional. Conforme já mencionado no texto, o medo
tomou conta do ambiente internacional, as agendas de segurança das pequenas e médias
potências foram alteradas e as restrições para se entrar em um determinado país, seja como
turista, estudante ou como trabalhador, aumentaram muito. O ambiente internacional adquiriu
características policialescas, pois com o objetivo de cercar qualquer possibilidade de ataques
terroristas, todos os indivíduos passam a ser suspeitos.
Já em relação à geopolítica, segundo Amorim Filho (1991) a Geografia Política
sempre foi marcada por sua característica de ser aplicada às questões territoriais do Estado,
78
mas principalmente às relações entre os Estados e neste ponto ela se funde com as RI. Para o
autor o primeiro esforço de aplicar a Geografia Política às questões e tendências científicas e
às relações entre Estados foi de Ratzel em Geografia Política, de 1897. A obra desse alemão,
apesar do nome, é considerada o marco inicial da Geopolítica. Em Ratzel estão presentes as
propostas do Estado como organismo vivo, a necessidade de expansão territorial, a
necessidade de equilíbrio entre população e os recursos oferecidos e o conceito de Espaço
Vital, na sua obra de 1901 intitulada “O Estudo do Espaço Vital”. Nas duas obras de Ratzel o
evolucionismo de Darwin e a biologia são agregados à geografia.
3.1 Conceitos fundamentais de Geopolítica e sua influência
O embasamento geopolítico teve seu início marcado no final do século XIX, conforme
Amorim Filho (1991). A geopolítica na contemporaneidade apresenta várias mudanças e
interfere no cenário e nas disputas internacionais. Sua utilização tanto na academia quanto na
área militar tem sido mais difundida. Os principais teóricos, ou os clássicos são: Frederich
Ratzel, Karl Haushoffer, Halford Mackinder, Rudolf Kjellen, Alfred T. Mahan, Nicholas
Spykman. Os dois últimos estavam ligados às duas principais escolas da geopolítica: a anglo-
americana e a germânica.
O que é geopolítica? É uma questão de difícil resposta, mas a geopolítica se utiliza dos
conhecimentos espaciais (geográficos) e políticos para agregar poder ao Estado, ou mesmo
para auxiliar em questões de âmbito social. Como a geografia percebe a política? Como o
espaço influência na política? A Ciência tende a ser desinteressada? Como a política pode
interferir no espaço? São algumas perguntas a serem respondidas e que através de parte da
história turca e sua relação com os EUA este trabalho buscará responder. A geopolítica alemã
teve sua origem nos tempos do Império de Napoleão. Seria, para os alemães, uma espécie de
“anti-napoleanismo”. Trazia ainda em sua origem a necessidade de unificação da Alemanha e
a importância de se criar um império alemão consistente, forte.
Para isso era preciso uma convicção, de que não há geopolítica sem história, não há
geopolítica sem política e claro sem a geografia. Com esses três fatores associados, a
geopolítica surge nas disputas internacionais para não mais sair. As principais aplicações, em
atividades formais, da geopolítica são: pesquisa e ensino escolar, mídia e comunicação,
serviços militares e segurança. Ela pode ser utilizada para assessorias políticas e estratégicas a
órgãos governamentais formais, organizações internacionais e transnacionais. No campo das
atividades informais, pode ser utilizada para serviços de inteligências, centros de comando de
79
movimentos, guerrilhas e movimentos revolucionários, atividades criminosas e migrações
clandestinas.
Segundo Morgenthau (2003) a política e a sociedade em geral são regidas por leis
objetivas baseadas na natureza humana. O interesse humano, aqui conduzido para o objetivo
estatal, é definido em termos de poder. Os políticos pensam e moldam suas ações para
alcançar o poder, a dominação seja de sua própria nação ou de estrangeiras. Por isso
Morgenthau vai ser enfático em dizer que não interessa, a princípio, conhecer as convicções
políticas do condutor da Política Externa (P.E). É mister conhecer a priori sua capacidade
intelectual, pois, assim pode se perceber o que ele fará em termos de relações internacionais.
Diante dos fatos até aqui apresentados, observado o Capítulo 2 deste trabalho, verifica-
se que a construção da Turquia moderna demonstra fortes indícios de que sua trajetória foi
marcada pela influência da geopolítica e será defendido por esta dissertação que houve ainda
interferências do realismo político das Relações Internacionais. É possível inferir que a
ciência darwiniana chegou à geografia, assim como às ciências sociais e que um governo
militar, como no caso dos turcos, se encontrou diante da questão do território como forma de
vida, como identidade. Na entrevista realizada no Consulado Geral da Turquia foi possível
perceber que para o povo turco Mustafá Kemal Atatürk foi o homem que completou o
processo de conquista e/ou não perda da Anatólia, isso é um dos fatores que o fazem herói
nacional.
A Turquia é um país com grande dimensão territorial quando comparado aos países da
Europa, segundo (FERNANDES, 2005b). Possui uma extensão de aproximadamente 769.000
km², controla dois estreitos, o Bósforo na histórica e famosa Istambul e o Dardanelos, tem
uma população de aproximadamente 78,8 milhões, segundo dados de (ZAHREDDINE;
LASMAR; TEIXEIRA, 2012). Sua fronteira tem extensão de 2.648 km, e está ligada a 08
(oito) países bem diversos em termos de cultura, e para questões de segurança: Armênia,
Geórgia, Síria, Irã, Iraque, Bulgária, Grécia e Chipre. A Turquia pertence geograficamente à
Europa, ao Oriente Médio, à Ásia, ao Cáucaso, ao Mar Negro, ao Mediterrâneo e aos Bálcãs.
É com base nessa diversidade que este texto busca apresentar as possibilidades desse
importante Estado dentro das Relações Internacionais e principalmente no aspecto
geopolítico. O mapa 04 terá a utilidade de apresentar a região do Oriente Médio e os países
limítrofes da Turquia.
80
Mapa 4 - O Oriente Médio
Fonte: University of Texas Libraries
A geopolítica utiliza-se dos conhecimentos geográficos e políticos, o objetivo primeiro
é acadêmico, mas pode e é constantemente utilizada para aumentar a força dos Estados. É
interessante o uso da disciplina como estratégia e possibilita observar como o espaço
influencia na política e a maneira como a geografia interfere na política. Uma das causas do
conflito é a falta de espaço no mundo e os grandes Estados sempre buscam maior quantidade
de terras, seja para população, ou para investimentos econômicos. Essa foi uma das
estratégias do mercantilismo, a princípio que culminou na política colonial. A ligação de um
povo com o solo pode determinar o poder de um país.
O grande debate americano no período pós-guerra girava em torno do isolacionismo
contra a política externa expansionista, idealistas e realistas. Spykman, homem hobbesiano e
81
maquiavélico, estava filiado à P.E intervencionista, ao realismo das Relações Internacionais e
à Geopolítica. Naquele período, sob o ponto de vista realista, o sistema era belicoso,
anárquico e demonstrava a força dos Estados Nacionais. No âmbito interno a questão girava
em torno do monopólio do uso legítimo da força, autopreservação e segurança.
Os pensadores da política de auto-contenção isolacionista argumentavam que a defesa
deveria ser organizada no próprio território ou hemisfério, com base no poder parador das
águas. Para Spykman era necessário avançar a defesa e posicioná-la do outro lado do
Atlântico e do Pacífico, de forma a evitar uma aproximação do poder inimigo. Ele pensava a
geopolítica de forma abrangente e via a posição dos EUA tanto em relação à América Latina,
quanto à Europa como sendo de exclusividade. Acreditava que a Política Internacional do
século XX seria definida em termos de poder pelo domínio da Eurásia pelos norte-americanos
ou vice-versa. Em jogo de equilíbrio de forças global e não apenas regional.
No início do século XX, o Japão e o Reino Unido conseguiram impedir a expansão da
Rússia. Na Segunda Guerra de um lado estavam Alemanha e Japão, do outro EUA, Rússia e
Reino Unido. Caso os alemães e nipônicos vencessem o conflito formariam um poderoso
poder anfíbio. No caso de unificação da Eurásia pelos dois poderes imperiais a única solução
para os EUA seria a integração política e econômica do continente americano, pensou
Spykman, uma ideia semelhante às pan-regiões de Haushofer.
Outro pensamento instigante desse geopolítico é que não seria interessante para o
poder americano uma Europa federada. Sua intenção era de promover poderes divididos e
equilibrados no continente. Depois de sua morte foi publicada a obra “A Geografia da Paz”
que apresentava a teoria do Rimland. O Rimland substituiria o Inner Crescente que
contornava o Heartland. O ideal seria uma geografia anfíbia, com uma frente no oceano e
outra no continente -, uma zona amortizadora entre os poderes conflitantes marítimos e
terrestres. Para Spykman a história demonstra que Rússia e Inglaterra sempre lutaram contra
poderes saídos do Rimland, portanto, pensava que no Rimland estava localizada a ameaça.
3.1.1 Escola Anglo Saxônica
Esta Escola teve sua origem ligada ao pensamento de Mahan, seguido por Mackinder e
Spykman. A diferença entre Mahan, Mackinder e Spykman é a seguinte: o primeiro a tese –
poder marítimo; o segundo a antítese – poder terrestre; o terceiro a síntese – poder marítimo e
terrestre. Alfred T. Mahan – formulou a geoestratégia de poder marítimo. Historiador naval
americano viveu no período de 1840 – 1914. Mahan era um admirador do poder marítimo
82
britânico. A Grã-Bretanha naquele período dominava: Gibraltar, Hong Kong, Cidade do
Cabo, Costa da Índia, Golfo de Áden. Desejava ter os ingleses como aliados e que os EUA
ocupassem o espaço mundial deixado pelos britânicos. Acreditava que uma grande nação
deveria ter frotas fortes e ter vários pontos de controle nos mares e oceanos. Depois de Mahan
os EUA se tornaram uma potência marítima. Mahan buscou formas de imitar o poder
britânico. Sua obra principal foi “Influence of sea power upon history”.
Mahan foi o presidente do Naval War College e Almirante da Marinha Americana.
Acreditava em uma poderosa marinha americana e via nos EUA uma “ilha geopolítica”.
Acreditava que o aspecto defensivo de um Estado passava por saídas para os principais
oceanos e sem ameaças territoriais nas suas faixas de fronteiras terrestres. Essa condição
geográfica excepcional oferecia a possibilidade da expansão do Poder Marítimo norte-
americano. Segundo Melo (1999) os seis pontos de Mahan – estimulam a presença do poder
marítimo:
a) posição de território se relaciona com a existência ou inexistência de pressões nas
fronteiras terrestres e fazer fronteiras com vários países não é interessante;
b) configuração física baseada nas características do território;
c) extensão do território: agrega poder e a possibilidade de plantar ou distribuir
população. Dissemina poder quando o Estado não consegue distribuir sua população;
d) número da população pode impulsionar poder militar, industrial e tecnológico;
e) produção nacional caracteriza a necessidade de comércio marítimo internacional;
f) vocação ou tendência marítima marca a coragem e competência de lideres e elites.
Mackinder, por outro lado, criou um tipo de ensino na geografia que revolucionou a
Inglaterra: o ensino itinerante da geografia. Nacionalista, buscou sempre preparar estratégias
para destruir os inimigos do Império Britânico. Suas teorias davam conta de que um poder
terrestre muito forte que caso se juntasse a um poder marítimo destruiria a força britânica. Por
influência de Ratzel – era também organicista. Em 1904 Mackinder cria a Teoria do Coração
do mundo (Heartland), uma massa continental eurasiana. Para ele quem controlasse o
Heartland e se aliasse a uma potência naval seria invencível. Em 1943 o autor acrescenta uma
parte da China na Heartland. Criou por fim a teoria da periferia do mundo – Hinterland.
O Heartland seria na visão do autor uma vasta área de planícies inacessível para
qualquer poder marítimo. Portanto, a preocupação do teórico inglês era que um poder terrestre
poderia rivalizar com o poder marítimo britânico. Entendia que o Estado que controlasse o
83
Heartland poderia controlar o mundo. Segundo Melo (1999), na primeira formulação o
Coração Continental de norte a sul estendia-se das costas do Oceano Ártico aos desertos da
Ásia central. No sentido leste-oeste englobava todo território russo até o Mar Báltico. Com o
desenrolar da guerra e os fatos que pôde observar, Mackinder repensou suas formulações e em
1943 publicou novo artigo na Foreign Affairs com o título: The Round World and the winning
of the peace. O Coração Continental na primeira formulação em “1904 abrangia 23 milhões
de km², o Heartland de 1943 foi reduzido a 13 milhões de km²” (MELO, 1999, p. 63). Foi
retirado da formulação grande parte do território russo. Vale ressaltar que o conceito era
estratégico, portanto, seus limites não são rígidos (MELO, 1999).
A história só é o que é por causa da Geografia. O poder terrestre é central e o poder
marítimo teria caráter periférico. Isso foi como uma afronta aos ingleses devido a sua
poderosa esquadra naval. Dividir o poder marítimo e poder terrestre, sendo o Poder terrestre
mais autônomo e o Poder marítimo menos autônomo. O geógrafo estudou o nascimento,
desenvolvimento e a decadência dos impérios, o Heartland era incomparavelmente a mais
extensa região de planícies, região quase isolada do mundo exterior onde viviam vários povos
(culturas), uma fortaleza inacessível ao assédio do poder marítimo. A World Island: Europa,
Ásia e África formavam um único grande continente, o grande oceano, “quem domina a
Europa Oriental, controla o Heartland; quem domina o Heartland controla o Word Island;
quem domina o Word Island controla o mundo”. (MACKINDER, 1948, p.183).
O cordão sanitário deveria isolar a Rússia e Alemanha impedindo a aliança entre
ambas ou a invasão de uma pela outra. Para o autor existia um único oceano que cobria três
quartos das águas da terra. Mackinder acreditava que era bem mais prático para uma potência
terrestre construir uma esquadra e ser forte, que uma potência marítima constituir um exército
e ter poder sobre outros exércitos. Os americanos conseguiam controlar esses dois poderes e
por isso, Mackinder chegou a advertir os britânicos da força emergente: os EUA. Para o
teórico britânico os ideais democráticos tinham grande valor, mas nenhum Estado poderia
desprezar os impactos do pensamento estratégico das grandes potências que organizavam a
Política Internacional. Mackinder também foi um teórico importante para a Geografia Política
e a Geopolítica, apesar de seus textos não citarem a expressão geopolítica. Segundo Amorim
Filho (1991) a obra de Mackinder a princípio foi direcionada às manifestações espaciais e
estratégicas do poder. É em virtude do Coração Continental que surge uma das mais famosas
frases de Mackinder, conforme mencionada acima.
O poder marítimo inglês no começo do século XX era praticamente inquestionável, e
pouco havia sido testado até aquele momento. Contudo, com os acontecimentos da I Guerra e
84
os fatos até então desenvolvidos no II Conflito Mundial, Mackinder temia que um poder
terrestre originário do Heartland fosse capaz de confrontar a força Imperial Britânica.
Interessante é pensar que desde 1904, a Rússia já era vista pela geopolítica anglo-saxônica
como um perigo em potencial à sua hegemonia. “O poder marítimo inglês e o poder terrestre
ou continental da Rússia conservavam o centro do cenário internacional.” (MACKINDER,
1942, p. 178). Ao desenrolar a guerra e avançar a década de 40, duas outras possíveis
potências surgiam na cena internacional, EUA e Alemanha e aos poucos se equiparavam em
capacidade militar aos russos e ingleses.
3.1.2 A geopolítica de Rimland - Nicholas Spykman
Holandês, naturalizado americano, nasceu em 1893. Foi conhecido como um dos
precursores da “Teoria da Contenção”. Foi um dos fundadores da visão realista da política
externa dos EUA. Foi fortemente influenciado por Mackinder. Escreveu suas obras em um
momento decisivo para a política externa americana, sua principal contribuição teórica foi
“The Geography of the peace” (A geografia da paz), de 1944; Morreu em 1943 de Câncer aos
49 anos. Foi um crítico do presidente Wilson, que acreditava numa visão idealista na
possibilidade de harmonizar os interesses dos países do mundo. Mas, a conseqüência foi a II
Guerra Mundial. Sua Teoria da Contenção visava estudar formas de evitar que surgisse na
Europa um poder similar ao dos americanos.
Nos Estados Unidos aumentava o debate no nível acadêmico e político sobre a
participação do país nas questões da política internacional. Segundo Melo (1999), Nicholas
Spykman, professor na Universidade de Yale participou do debate ativamente e se posicionou
a favor do realismo e da ideia de intervenção norte-americana. A segunda obra clássica de
Spykman foi: Estados Unidos frente al mundo. O pioneiro nas formulações geopolíticas
estadunidense foi o Almirante Alfred Mahan que também exerceu forte influência sobre
Spykman. Contudo, Spykman foi o principal formulador da geopolítica tradicional dentro dos
EUA. Assim como outros geopolíticos do país, Spykman era um brilhante acadêmico e
contribui sobremaneira nos esforços de guerra. Entendiam os acadêmicos que com seus
pensamentos e teorias contribuíam para a questão nacional (MELO, 1999).
Perturbados com o alcance da geopolítica alemã os americanos buscavam formular sua
geopolítica com perspectiva diferente daquela apresentada pelos alemães. Ao menos no
“papel”, pensavam uma abordagem mais ética e política, afirma Costa (2010). Spykman numa
posição realista rompe com essa característica e defende uma geopolítica mais agressiva e que
85
atenda às pretensões de uma potência. Para o autor, o ideal nas relações internacionais seria o
equilíbrio de poder, não tratados e acordos. A Guerra Fria pode ser vista como esse momento
empírico do equilíbrio de poder.
Ainda no pensamento do geopolítico americano a guerra psicológica e a propaganda
podem transformar o conflito entre Estados numa guerra entre nações. Em seus trabalhos
Spykman sugere que os EUA formulem o mercado único com os países da América do Norte,
Central e do Sul. Chamou a atenção principalmente para o eixo ABC (Argentina, Brasil e
Chile), que tinha seu comércio mais voltado para a Europa. Assim além do comércio forte
poderia ser criado um sistema de defesa único. O pensamento de Spykman pode ser
considerado, conforme notas de aula, Amorim Filho (2011), a síntese dos pensamentos de
Mahan e Mackinder, respectivamente poder marítimo e poder terrestre. Com base nas duas
teorias Spykman criou a teoria do Rimland, um anel em torno do heartland, que teria a função
de conter o poder, ou o crescimento do poder, no coração continental.
Em torno dessa massa continental, desde a Grã-Bretanha até o Japão, e entre
continente do norte e os dois continentes do sul, segue-se o grande caminho
circunferencial do mundo. Este caminho parte dos mares internos e marginais da
Europa Ocidental (o Báltico e o mar do Norte);... cruza o mar Vermelho,... o
Indico... e termina finalmente no Mar de Okhstsk. (SPYKMAN, apud COSTA,
2010, p. 173).
3.2 Histórico da Guerra Fria
Oficialmente, ou mais aceitável entre os estudiosos do período, a Guerra Fria teve seu
início logo após o término da II Segunda Guerra Mundial. É preciso ressaltar que desde o
final do século XIX, os ingleses já se preocupavam com a Rússia, conforme a análise de
Mackinder. O início do século XX proporcionou outro episódio que colocou os russos em
destaque a revolução de 1917. Conforme US (2011), muitos autores marcam esse ano como o
início da Guerra Fria, pois, nessa data surge o primeiro regime comunista que desde então
passa a se contrapor ao sistema capitalista. Diante desses fatos pode-se afirmar que a Guerra
Fria (mais importante evento político e diplomático do pós – II Guerra) foi construída por um
longo processo histórico na Política Internacional. Para provar essa afirmação, a diplomacia
americana reconheceu a URSS apenas em 1933.
Durante o conflito de 1939 a 1945 EUA e URSS estiveram do mesmo lado na batalha
contra o Eixo. No fim desse período as diferenças se fizeram sentir novamente. Mas, a
hegemonia incontestável dos EUA marcou as duas décadas pós II Guerra Mundial. O
86
território americano não sofreu nenhum tipo de ataque no período. Assim a força de Wall
Street e do Pentágono fizeram o mundo experimentar o que ficou conhecido como a Pax
Americana (PECEQUILO, 2005). As décadas de 50 e 60 foram marcadas por crises diversas
dentro do contexto da bipolaridade entre as duas superpotências. O Terceiro Mundo emerge
principalmente em 1955, como resultado do fim da II Guerra e do colonialismo, contando
adicionalmente com a presença do socialismo em alguns desses países independentes. Outros
mantiveram a fidelidade à Metrópole e foram se alinhando aos países do sistema capitalista.
Esses fatos foram delineando a Guerra Fria, o que fez mudar os rumos das Relações
Internacionais após o seu término em meados de 1991. Uma guerra diferente das demais, pois,
não houve o duelo de fato, não abertamente entre as duas potências, mas por vezes, como em
Cuba no ano 1962, o mundo se viu próximo de um conflito nuclear. (ALLISON; ZELIKOW,
1999).
Quando a diferença se instalou entre EUA e URSS, cada Estado buscou defender seus
interesses, as alianças estabelecidas por esses dois países foram todas nessa direção, conforme
argumenta Barnet (1996). No fundo a impressão que se tem ao analisar o período é que,
apesar das propagandas de cada lado, as intenções eram semelhantes, buscavam os mesmos
objetivos, poder e influência sobre o Globo. A economia americana respondia por uma média
de 60% da produção mundial e buscava a queda dos principais concorrentes, principalmente
da Europa. A URSS, apesar de debilitada, gozava de prestígio, pois, havia derrotado o
Exército Nazista, que buscava conquistar parte do Heartland. Próximo do fim da Guerra os
militares soviéticos invadiram o Leste e o Centro Europeu, demonstrando claramente suas
intenções.
Cientes da ambição soviética por influenciar o Oriente Médio, os americanos
conseguiram algumas vitórias pontuais ainda em 1946. Nesse ano os soviéticos tentaram
controlar o petróleo no Irã além de exercer forte pressão sobre a Turquia pelo controle dos
Estreitos. O governo estadunidense exigiu e conseguiu a saída da URSS do território Iraniano;
nisso defendiam a importante questão energética do petróleo, até aquela data dominada pela
Inglaterra. As discussões em torno das fontes de energia já eram relevantes para o Planeta. No
caso da Turquia, diante da demanda soviética em relação aos estreitos de Bósforo e
Dardanelos (conforme Mapa 01), o auxílio americano seria essencial. Na Grécia, havia a
suspeita da “Insurgência Comunista”, os ingleses ainda desestruturados solicitaram ajuda dos
EUA para controlar os conflitos no território grego.
A política de contenção teve sua empiria esboçada por George Kennan, um importante
diplomata americano na Rússia. Kennan enviou um telegrama ao Departamento de Estado e
87
nesse documento deixou claro quais eram os desejos soviéticos. Dizia que a pressão de
Moscou por expandir seu poder deveria ser parada com uma firme e vigilante contenção. Sua
advertência foi reforçada com um artigo publicado na Foreign Affairs, importante revista nos
EUA. O Título do artigo era “The sources of Soviet Conduct” que foi publicado originalmente
sob o codinome X em 1947. Segundo Kissinger (2001a) esse artigo tinha uma conotação
muito filosófica, mas foi sem dúvida um dos pilares da estratégia de contenção.
Em 1947 o Presidente Truman fez uma visita ao Congresso Americano e em seu
discurso solicitou a ajuda de $ 400 milhões. Essa significativa ajuda seria dividida entre os
países da Europa, tinha viés econômico, mas principalmente militar e seria repassada também
à Grécia e Turquia. Iniciava-se assim a Doutrina Truman. Conforme avalia Pecequilo (2005),
a política de contenção tinha a importância de uma missão religiosa para os americanos. A
autora entende que a fundamentação da estratégia de contenção foram os seguintes
documentos: o texto lançado pela Foreign Affairs, a NSC 20 (1948) e a NSC 68 (1950), além
do discurso de Truman no Parlamento. Kissinger (2001a) afirma que a questão moral
perpassou os documentos basilares da política de contenção, a NSC 68 e o artigo de Kennan.
Para os americanos as derrotas morais eram mais perigosas que as derrotas militares.
Também no mesmo ano um dos Ministros do Governo Truman elaborou a política que
deveria salvar e/ou recuperar a economia européia, o Plano Marshall. “É lembrada geralmente
como uma das mais bem sucedidas iniciativas de política externa na história dos EUA.” (US,
2011, p. 262)18
. Os dois planos estadunidenses, Plano Marshall e Doutrina Truman, lançam as
bases para os blocos militares, a OTAN deveria completar a aliança econômica e a contenção
militar. Internamente os formuladores da PE americana viam na criação de agências a solução
para organizar e atender às demandas da nova situação mundial.
No aspecto geopolítico a Alemanha se constituiu num problema especial para os EUA.
O país de Hitler foi dividido em quatro zonas de influência (EUA, França, Inglaterra e
URSS). O governo americano temia perder Berlim, posteriormente a Alemanha e por fim a
Europa. Rapidamente a Guerra Fria se espalhou pela Ásia e Oriente Médio, resultado da
busca por influência. Dois países na Ásia causaram preocupação aos EUA, a China, onde
triunfou sua revolução em 1949, e a Coréia do Norte. Isso provocou ainda mais receio no
governo americano.
Em 1950 Truman autorizou o aprofundamento dos estudos para a criação de uma nova
Bomba de Hidrogênio. Esse governo reverteu a NSC 68 para o que ficou conhecido como a
18
“It is generally regarded as one of the most successful foreign policy initiatives in US history.”
88
Política de Retaliação Massiva. As armas nucleares seriam usadas caso algum aliado ou
qualquer ponto de interesse estadunidense fosse atacado por inimigos. Contudo, nesse
momento histórico a URSS não possuía armas de destruição em massa. Esse documento teve,
portanto, o objetivo de ampliar a contenção, organizar a mobilização para a guerra e
militarizou a P.E. (PECEQUILO, 2005). Na visão lançada pelo documento a URSS desejava
conquistar a Eurásia, avançar sobre o Atlântico e o Pacífico e chegar de vez ao Ocidente. A
NSC 68 definia estratégias para impulsionar o poder americano e dos aliados diante dos
soviéticos.
A contenção tinha então três principais objetivos: conter o crescimento da URSS;
conter a ideologia comunista; difundir a ideologia capitalista, através do livre mercado e da
democracia. Em 1953 o Governo de Eisenhower, republicano, entendeu que a estratégia da
Contenção não estava adequada e que dessa forma não seria capaz de conter a expansão
soviética. O conflito terminaria apenas quando uma das partes estivesse completamente
derrotada. Internamente os EUA foram afetados pela Guerra Fria. Segundo Pecequilo (2005),
o peso da propaganda dentro do país provocou o que ficou conhecido como o Pânico
Vermelho.
Para Pecequilo (2005) o período de 1947 a 1962 ficou caracterizado como a 1º fase da
Guerra Fria, marcada pela confrontação. Em nenhum outro momento histórico os EUA
demonstraram com tamanha ênfase seu poder. Adotaram a estratégia regionalista de modo
que pudessem garantir a ordem e a estabilidade no cenário internacional. Com isso buscavam
também impedir o crescimento de outros adversários ou qualquer outro poder que pudesse
confrontar os estadunidenses. A presença global americana enfraqueceu a URSS – isolando-a,
fato que posteriormente levaria à sua derrota. Na guerra da Coréia as duas superpotências
participaram ativamente e esse conflito foi decisivo para a entrada da Turquia na política da
contenção, pois marcou sua vinculação à OTAN.
Para os republicanos a política de Truman era considerada branda e conivente com o
crescimento soviético. No governo de Eisenhower a contenção foi elevada a uma maior
atividade e pragmatismo. A contenção deixa de ser uma política anti-soviética para ser
anticomunista (PECEQUILO, 2005). Nesse período surge o movimento do Terceiro Mundo,
reunindo países não-alinhados e esses Estados adotam posturas de acordo com as
ideologias/interesses de seus líderes. Com isso novos riscos e novos desafios foram
introduzidos na Política Internacional. Um exemplo disso são as guerras étnicas que explodem
no Continente Africano. Com a chegada de Kennedy à presidência em 1961, os investimentos
em armamentos são incrementados. O período Kennedy marca o início da 2º fase da Guerra
89
Fria.
Contudo, logo no segundo ano de governo, o presidente Kennedy enfrentaria a Crise
dos Mísseis em Cuba. Com a resolução desse evento há o início da fase de Coexistência e o
Terceiro Mundo se torna o centro das atenções. Na América Latina qualquer país que
esboçasse alguma tendência comunista era “visitado” pela CIA (Agência de Inteligência
Americana). Apesar da intensa vigilância política é preciso ressaltar que houve também
esforços de cooperação financeira, interessados, mas houve. A Aliança para o Progresso foi o
símbolo desse objetivo de influenciar a América Latina, também pela via econômica. Não foi
diferente na Turquia. Em meados de 1973 a contenção foi duramente questionada, pelo fato
de o “todo poderoso” ter sido derrotado por um país “insignificante” como o Vietnã à época.
Conforme anuncia Pecequilo (2005), a década de 70 marcou também o enfraquecimento
econômico dos EUA e esses dois fatores somados abalaram a liderança global americana.
Como resposta à crise dos anos 70, foi elaborada a estratégia da détente -, uma disputa
geopolítica que almejava novo alcance, caráter e flexibilidade para a diplomacia americana.
Os EUA passaram a reconhecer o crescimento e o valor dos soviéticos. A formulação dessa
P.E. promoveu uma mudança estratégica de hegemonia para liderança e a busca pela
multipolaridade19
, sem comprometimento incondicional. Com isso a ideia era diminuir as
tensões com a URSS trazendo para a cena novos atores internacionais. Promoveu assinatura
de acordos com a China para impedir qualquer projeção de poder na região do Pacífico. A
estratégia volta a ser antisoviética, não mais anticomunista. (PECEQUILO, 2005).
A détente foi considerada uma fuga à tradição americana. Por isso, nunca foi consenso
entre liberais, nem mesmo para os conservadores. A diferença em relação a contenção é que
esta pregava a destruição do inimigo e a pressão, enquanto a détente buscava a convivência e
a normalidade. A détente durou até o ano de 1979 quando a URSS invadiu o Afeganistão,
consequentemente houve o retorno a uma política mais ofensiva. Com a queda de Nixon,
devido a um escândalo interno, e após o curto governo Ford, Jimmy Carter assume
promovendo a reformulação da contenção. Dessa vez, no entanto, optando por uma política de
maior abertura econômica, política e social. Incorporou novos temas à agenda, diálogo com os
países do “terceiro mundo”, abertura à discussão dos direitos humanos e outros temas de
relevância global.
19
O termo multipolaridade está sendo utilizado nesta pesquisa como forma de exemplificar um sistema
internacional complexo (PECEQUILO, 2005) que se expressa pela desconcentração do poder político global,
dividido e influenciado por vários pólos. Nações emergentes como o Brasil e Turquia assumem
responsabilidades nos problemas de pobreza, guerra e outros assuntos de Política Internacional.
90
Um novo momento de transformação na política internacional foi a chegada de Ronald
Reagan à Casa Branca. Com esse novo governo a relação entre EUA e URSS foi modificada,
sendo apresentada uma tendência maior ao endurecimento do discurso, o que não ocorreu de
fato. Portanto, de 1981 a 1985 a disputa com os soviéticos voltou à pauta em Washington.
Nos quatro anos seguintes houve um maior relaxamento das tensões também em virtude das
mudanças no Governo Comunista, inclusive com o Governo de Gorbatchov sendo
considerado entreguista e traidor. Por outro lado, a URSS sofreu prejuízos políticos,
econômicos e militares ao invadir o Afeganistão. Pecequilo (2005) afirma que o país da Al
Quaeda para os soviéticos equivaleu ao Vietnã para os americanos. Um dos primeiros sinais
de queda do Bloco liderado pelo Kremlin foi o abandono da corrida armamentista.
Gorbatchov promoveu duas políticas de abertura, Glasnost e Perestroika; a primeira deveria
reformar a política e a segunda reformar a economia socialista, contudo, já era demasiado
tarde. Após uma série de crises internas, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas caiu –
determinando o fim da Guerra Fria.
3.3 EUA e Turquia
Nossos interesses nacionais são idênticos de todo ponto de vista, com a junção dos
interesses da Organização do Tratado do Atlântico Norte e com suas exigências
geográficas e militares. Köprülü – Chanceler turco em visita ao parlamento em
1951. 20
Para Kissinger (2001a) os americanos dominavam o “ar” e as “águas”, mas os
soviéticos dominavam o Heartland, ou seja, a força terrestre soviética seria quase imbatível.
Nesse ponto a Turquia seria importante aliado, pois possuía o poder anfíbio, força terrestre e a
marítima. Percebe-se, além disso, que para os americanos a Guerra Fria fazia parte de um
projeto de cunho moral. Os soviéticos seriam, na visão estadunidense, homens sem escrúpulos
e precisavam antes de tudo ser “convertidos”, o que fica mais claro nos escritos de Kennan
(1947) e nas críticas feitas por Henry Kissinger. Por isso Kissinger destaca que em seus anos
iniciais a contenção era marcada por três aspectos, o militar, o moral (correção do caráter) e o
missionário, o ideal de salvar o mundo.
Mesmo com o fim da Guerra Fria, a relação entre turcos e estadunidenses não sofreu
prejuízo estando sempre direcionada para a questão da segurança, mas abrindo possibilidades
para as negociações comercias. Este aspecto apenas reforça os argumentos de Michael
20
“Our national interests are identical from every standpoint with the joint interests of the North Atlantic Treaty
Organization and with its geographic and military requirements.” (HARRIS – 1972). Tradução Livre.
91
Barnett. Contudo, a partir desse momento a Turquia passa a ser avaliada como um Estado
ainda mais importante para a estabilização regional, conforme Pinto (2010). Por isso,
ancorado pelo status adquirido, o país participou da coalizão na I Guerra do Golfo e ainda
participa de outras movimentações militares, como será apresentado ao longo do texto. O
Iraque caso saísse vitorioso naquele conflito teria uma projeção de poder que poderia abalar
todo o equilíbrio do Oriente Médio. Certamente, a atitude turca de apoio à coalizão provocou
um racha nas relações diplomáticas e comerciais com o Iraque, mas manteria o equilíbrio de
poder na região, ou seja, evitaria a projeção iraquiana. Assim coube aos americanos incentivar
outros países sob sua influência a estabelecerem e/ou aumentarem o comércio com os turcos.
Segundo Harris (1972), a relação entre Turquia e EUA surgiu de uma união pensada,
planejada. Cada país tinha interesses específicos nessa situação. O autor aponta que de 1946
até 1971, período por ele analisado, foi uma amizade forte e para representá-la utiliza-se da
figura de um “impressionante prédio” que foi edificado ao longo dos anos. Principalmente
nessas duas décadas e meia a situação da política internacional se transformou, mas o vínculo
entre os Estados se manteve estreito, com pontos pragmáticos. Atualmente, mais de 66 anos
depois, EUA e Turquia mantêm ainda acordos estratégicos. E caberá a esta pesquisa a busca
por desvendar a interessante questão que é saber se houve ou não algum ganhador nessa
relação.
Para compreender a relação entre os países é necessário resgatar alguns tópicos
importantes da formulação e execução de Política Externa voltados para os dois países em
questão. Não será objetivo desta pesquisa aprofundar nessa abordagem teórica e também não
deve-se debater profundamente as questões institucionais que escapam da linha teórica
orientadora deste trabalho. Abre-se a exceção para a OTAN e União Européia que fazem parte
da história turca e da construção dos padrões de amizade. Isso se deve ao fato de que muitas
decisões na política internacional são tomadas com base nessas abordagens teóricas e deverão
ser mencionadas para proporcionar melhor compreensão do processo decisório e explicitar o
motivo pelo qual ocorrem determinadas escolhas.
Para Cintra e Pereira (2009), o processo de tomada de decisão em Política Externa está
diretamente ligado aos Poderes Executivo e Legislativo. Como há vários interesses de grupos
específicos em jogo, a relação entre os poderes ocorre, muitas vezes, fora do âmbito
oficial/tradicional. A P.E. americana é desenvolvida basicamente com a intervenção dos
grupos de interesse, lobbies e tomadores de decisão, ligados ao Executivo ou ao Congresso.
Esses grupos realizam intensas negociações antes de colocarem suas intenções para o debate.
Na história das relações entre EUA/Turquia a presença dos lobbies foi sentida, no caso do
92
Chipre com a atuação do Lobby Grego que fez por algum momento a situação ficar
balanceada favoravelmente para Chipre diante da disputa com os turcos.
Cintra e Pereira (2009) apontam duas situações em Política Externa que podem ser
aplicadas no caso da relação turco-americana. A primeira diz respeito ao conceito de reações
antecipadas – quando o presidente precisa tomar alguma decisão em política externa tende a
negociar com seus interlocutores antes de iniciar o processo, para conhecer algum possível
defensor ou até posicionamentos contrários à sua estratégia. Também exercem papel
significativo as agências/organizações que tem o objetivo de promover a ligação entre
Governo – População e Legislativo. A atuação dessas agências é relevante, pois, depois de
tomada a decisão fica inviável revertê-la.
Estudos recentes apontam que nos EUA a participação do Congresso ainda é marginal
em se tratando de P.E. Talvez essas afirmações possam ser confrontadas pela ativa
participação do Legislativo estadunidense na relação com a Turquia, principalmente na
aprovação das ajudas financeiras. O Executivo tem maior poder de ação, isso é fato
consumado. Primeiro porque é o responsável pela execução da política, segundo porque
exerce domínio sobre os formuladores e executores na prática política e por fim porque detém
o controle do processo de formulação, por isso seu destaque.
3.3.1 Política Externa Turca e a visão do Governo
De 1923 à 1945 a Turquia teve o foco voltado para a estabilização interna, foi um
período de construção e arranjos políticos, de situação econômico-social complexa e uma
incipiente estrutura militar. No ano de 1939, o país assinou com a Inglaterra um acordo de
assistência e em 1941 com a Alemanha um Tratado de Amizade e não agressão. Isso
demonstra uma interessante habilidade para se articular com países e blocos em diferentes
situações, de acordo com o momento e com a conveniência. (ERMIDA; FERNANDES,
2012). Com essas articulações pôde manter-se neutra no II Grande Conflito Mundial até bem
próximo do seu final. Em meados de 1944, após pressão e ameaças dos aliados, a Turquia
teve que se posicionar ao lado dos Aliados.
De 1945 a 1990 desenvolveu a política pró-Ocidente e bem próxima dos EUA,
conforme demonstrado em capítulo anterior. O país foi aceito na OTAN em 1952 e em 1963
foi integrado ao Conselho Econômico Europeu. Esse momento foi marcado por uma espécie
de “período sanfona”, pois a relação com os americanos ora se expandia, ora se retraia. O
final desse período teve a marcante presença de Turgut Özal. De 1983 a 1989 ele exerceu a
93
função de Primeiro Ministro, de 1989 a 199321
, foi o Presidente turco – falecendo em 1993.
Durante a década de 90 explodiram os conflitos nos Bálcãs e no Cáucaso, além de vários
episódios no Oriente Médio, portanto, período de insegurança e instabilidade econômica.
Segundo Ermida e Fernandes (2012), essa situação levou à aproximação com Israel, uma
aliança estratégica do ponto de vista militar e econômico.
Na década de 1990 problemas com a Grécia quase levaram a um conflito armado, a
relação com os gregos está abordada em ponto específico (ver item 2. ). A Turquia, sob o
governo AKP, nos anos 2000, tendo Davütoglu à frente do Ministério das Relações
Exteriores, baseia a condução de sua política externa no princípio “de paz em casa e paz no
mundo”. Privilegia a solução pacífica de conflitos e a cooperação. Sua democracia é garantida
por leis, reafirma os direitos humanos como princípio e procura sempre se alinhar à outros
países emergentes e Organizações Internacionais (OI’s). Esse fato pode ser comprovado pela
significativa presença da Turquia no G-20 e na parceria com o Brasil para buscar alternativas
pacíficas para o imbróglio do enriquecimento de urânio do Irã.
É um país doador, característica das potências médias, conforme Jordaan (2010), e
para regular suas doações criou a Agência Turca de Cooperação e Desenvolvimento. Acredita
na cooperação regional, para tanto participa de fóruns como: Cooperação Econômica do Mar
Negro, Iniciativa de Cooperação do Sudeste da Europa, Fórum de Vizinhos do Iraque,
Plataforma de Cooperação e Estabilidade do Cáucaso e Segurança em Energia com Petróleo e
Gás Natural. Essas participações auxiliam na tentativa de liderança regional e importância
global. O país acredita no processo de globalização. Em 2023, ano de seu centenário, deseja
estar completamente integrado à União Européia (UE), processo que será analisado em outra
seção desta dissertação. Assim se apresentará mais forte no cenário internacional e deverá
servir de exemplo para os países do Oriente Médio, no que se refere à democracia e
governabilidade. (TURQUIA, 2001). Há críticas quanto à questão dos direitos humanos e da
democracia, que serão aprofundadas no capítulo seguinte.
Os Turcos se vêem como parte da história da Europa. Na perspectiva de mudança do
foco militar para a articulação multilateral e comercial a Turquia participa da OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), da OCSE (Organização de
Seguridade e Cooperação Européia), da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
O país acredita que a UE é incompleta sem sua presença. Desde 1963 a Turquia é membro
associado da UE. Ainda em relação à Europa, em 1995 a Turquia assina o Tratado para
21
Veja quadro 01 constante nos anexos da pesquisa.
94
participar da União Aduaneira. A Turquia também é parte da Organização Mundial do
Comércio (OMC), da Organização de Cooperação Islâmica (OCI), Organização de
Cooperação Econômica do Mar Negro (OCEMN) e da Organização de Cooperação
Econômica (OCE). Atualmente é a 6º maior economia da Europa e a 16º economia mundial.
Planeja até 2050 ser a 2º economia do mundo. (TURQUIA, 2001)
Tem uma das maiores populações regionais, se comparada com a Europa e mesmo do
Oriente Médio, onde possui a segunda maior população, perdendo apenas para o Egito. Esse
fato chama a atenção por ser um grande mercado consumidor, na visão capitalista. Sua
população é de maioria muçulmana. Mas, “existe no país uma grande valorização da
democracia religiosa”. A Turquia está em ritmo de desenvolvimento tão intenso que muitos
turcos, residentes em outros países, fazem o caminho de volta, conforme seu documento de
Política Externa. Sua população é numerosa, cerca de 78 milhões de pessoas, conforme
Zahreddine, Lasmar e Teixeira (2012). Desses, cerca de 61% estão abaixo dos 34 anos,
portanto, população jovem, principalmente em comparação à faixa etária européia.
Um dos maiores gargalos da diplomacia turca é a Ilha do Chipre conforme debatido no
capítulo 2. Mas ainda assim, o caso do Chipre, não tira dos turcos a ideia de “zero problemas”
com os vizinhos. O terrorismo é para o povo turco uma vital e demasiadamente longa ameaça
à paz mundial. O governo acredita que será necessário grande esforço internacional e alianças
entre países para acabar com esse mal. O país luta contra o “terrorismo”, na visão turca, há 40
anos através de variadas estratégias. Afirma que todas as formas de terrorismo são crimes
contra a humanidade e não há exceção. O Oriente Médio é importante para a Turquia por sua
ligação histórica, religiosa, cultural e social. O país busca aumentar as relações econômicas e
políticas com a região da qual também se considera parte, o que acontece no Oriente Médio
impacta diretamente na Turquia. O Oriente Médio é o Berço das três principais religiões:
Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Mais da metade dos recursos em gás e petróleo do
mundo estão nessa região. Existem velhos conflitos no local que precisam ser resolvidos e a
Turquia vê possibilidade de solução no conflito Israel /Palestina. É preciso que os dois lados
estejam dispostos a conversar para que se inicie o processo de paz. (TURQUIA, 2001)
A relação entre Turquia e Israel sofreu modificações (ver item 2.). A política de Israel,
segundo a visão turca, não contribui para o processo de paz e também os palestinos podem
fazer mais pelo processo, a Unidade Nacional palestina é fundamental. A Turquia se propõe
como o lugar de suporte e facilitação da paz. Entre a Turquia e Israel existem laços fortes
desde a fundação do Estado Judeu. No entanto, essa relação de amizade foi abalada
recentemente com a interferência de Israel na ajuda humanitária, da qual participavam
95
também alguns turcos, ao povo palestino. Israel atacou e impediu a passagem de vários barcos
que seguiam para a Faixa de Gaza. Para a Turquia esse episódio é considerado uma agressão
aos direitos humanos, essas atitudes não podem ser esquecidas com facilidade, mas o governo
de Israel pode fazer algo para melhorar sua imagem. A situação Israel-Palestina precisa ser
resolvida com urgência e a Turquia clama para que esse processo ocorra o mais rápido
possível. As reformas devem acontecer e rapidamente, o país acredita ainda que esse
movimento não deva provocar divisões. A relação Turquia-Israel está abalada, mas os turcos
acreditam na possibilidade de diálogo e na construção da paz.
O governo turco reafirma sua história como sendo única e que cada país possui sua
trajetória individual. Segundo o seu documento de Política Externa a Turquia é um país
tradicionalmente aberto, com economia pluralista e que em caso de controvérsia, procura a
solução pacífica, por meios diplomáticos. Defende também que o Oriente Médio deverá ser
uma zona livre das armas de destruição em massa, e todo país deve acessar a energia nuclear
para fins pacíficos. As relações com o Irã são importantes para o país e acredita que os
desentendimentos do Irã com o Ocidente devem ser resolvidos através do diálogo. No ano de
2010, a Turquia em parceria com o Brasil assinou a declaração de Teerã, buscando
estabelecer o diálogo, façanha que até esse momento não havia sido alcançado pelas
organizações internacionais. (TURQUIA, 2001).
A Turquia, conforme “afirma seu governo”, atribui grande importância à relação com
a Armênia. Por ser um país vizinho, em 1991 os turcos foram os primeiros a reconhecer a
independência desse país. Contudo, devido ao fato de a Armênia ter invadido o Azerbaijão, as
relações diplomáticas e comerciais foram cortadas. (ver mapa nº 05). Sabe-se, no entanto, que
o problema é mais grave do o fato que se aponta no documento de Política Externa turca. Por
fim, a Turquia se considera um país atrativo, do ponto de vista turístico. Os turcos são
tradicionalmente receptivos. Sendo que de 2001 para 2010 o número de visitantes cresceu de
11 milhões para algo em torno de 28 milhões de turistas, por ano. Destacam-se as belezas
naturais e históricas, além da arquitetura do país. Também se mostra atraente para
Investimentos Externos Diretos (IED), alcançando números significativos nos últimos 08
anos. Isso devido ao forte programa de privatização que o país adotou.
3.3.2 Breve Histórico da PE dos EUA
Os EUA sempre se viram como uma nação especial e diferente das demais é o país
exemplo para a humanidade e tem no “Destino Manifesto” a ideologia utilizada para a
96
expansão do seu domínio político interna e externamente. É o povo que defende a
democracia, a liberdade, o livre comércio e os valores universais. Sua diferença em relação
aos demais impérios era que os americanos evitaram a anexação de territórios e políticas de
conquistas nos moldes do imperialismo antigo. Seu imperialismo se dá de outra forma, que
não cabe aqui aprofundar para não fugir do objeto. Os EUA convivem com os ideais de
liberdade e democracia, possuem uma visão pragmática do mundo, isso pode ser um fator
primordial para a compreensão do realismo.
Em um primeiro momento, até a primeira Guerra Mundial, a trajetória americana em
Política Externa foi marcada pelo isolacionismo e unilateralismo, conforme Pecequilo (2005).
Não era interesse do povo e do governo americano se envolver em problemas mundiais, como
guerras, por exemplo. A transição se iniciou no período entre - guerras. Depois da II Guerra
Mundial adotou-se na Política Externa americana duas estratégias: a contenção e a construção
da ordem. Essas duas formulações marcam a transição para a fase adulta norte-americana em
Política Internacional -, hegemonia e internacionalismo. Os estadunidenses se encontraram
diante de várias possibilidades, direções diferentes para conduzir as relações internacionais.
Havia após 1945 a relação entre o poder americano e a estabilidade global. Era
justamente o que não queriam os isolacionistas, pois o país deveria arcar com os custos do
estabelecimento do novo ordenamento mundial. A Europa estava destruída pelo conflito, suas
principais potências dependiam dos EUA para se reestruturarem, foi importante a introdução
do Plano Marshall. A posição do país de Roosevelt ficou muito confortável: vantagens
políticas, diplomáticas, econômicas e militares. Assim emergiu uma nova potência ao fim da
II Guerra. Essa tranquilidade foi abalada pelo surgimento da URSS também como potência,
mesmo tendo sofrido perdas significativas na guerra. Contudo, afirma Pecequilo (2005), a
hegemonia americana possibilitou a legitimidade para a ação e os recursos necessários para
que o fato se concretizasse.
Na visão de Pecequilo (2005), a política estadunidense foi direcionada para uma
política de consenso, com vistas a afastar o temor da dominação e este aspecto representava
também o desejo de atrair apenas os bônus da liderança. Na verdade, fica claro nesse período
histórico que EUA e URSS buscavam atingir os mesmos objetivos e assim o confronto,
mesmo que ideológico, seria inevitável. Até 1945 foi mantida a aliança russo-americana, o
Presidente Roosevelt apesar da desconfiança pode conduzi-la bem. Quando Truman assumiu
o poder na Casa Branca o pacto foi quebrado. Desse momento em diante as duas formulações
de PE foram mais objetivas, mais realistas. Nas palavras de Morgenthau, a busca pelo poder
foi mais transparente.
97
Talvez a mais clara demonstração dos interesses americanos foi a criação da OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte). Estratégia repleta de características
geopolíticas, principalmente no pensamento de Spykman, avançando a linha de defesa,
afastando-a das fronteiras nacionais. A OTAN é a marca de poder dentro das Relações
Internacionais (COSTA, 2012). Tem como objetivo organizar o Sistema de Segurança
Coletiva, legitimando um arcabouço de normas e condutas entre um conjunto de Estados. Foi
criada em 04/04/1949 como consequência do Tratado de Bruxelas. Quando foi fundada, a
Organização contava com 12 (doze) membros: França, Reino Unido, Bélgica, Holanda e
Luxemburgo (os cinco do Tratado de Bruxelas), EUA, Canadá, Dinamarca, Islândia, Itália,
Noruega e Portugal. Segundo Costa (2012) a OTAN podia ser considerada o braço militar do
Plano Marshall. A expansão do Bloco Militar provoca a URSS, que em 1955 cria o Pacto de
Varsóvia, como resposta aos americanos.
A Carta de Princípios da OTAN coincide com os princípios da Carta da ONU. O
Bloco reconhece a supremacia do CSONU (Conselho de Segurança da ONU) em questões de
paz. Seus objetivos principais são: manter e desenvolver por meios próprios ou dos Estados a
capacidade individual e coletiva de resistir a um ataque; um ataque a qualquer país membro
será considerado ataque a todos; composta por países da Europa, América do Norte e Oriente
Médio; No pós - Guerra Fria aparecem algumas modificações e ampliações da área de
atuação.
Este trabalho fala por várias vezes da Doutrina Truman, a mais importante para os
argumentos desta dissertação. Esse tipo de política, que traz o nome do Presidente ou de seu
pensador é uma característica das formulações de Política Externa americanas. Segundo Oran
(2010) a Doutrina diz respeito a princípios que guiam a PE em um assunto ou campo
específico. Durante a Guerra Fria as mais importantes foram: Doutrina Truman (1947);
Doutrina Eisenhower (1957); Doutrina Carter (1980) e por fim a Doutrina Reagan (1985).
Estas políticas possuem caráter regional ou global, mas, foram sem dúvida de fundamental
importância para as Relações Internacionais (ORAN, 2010).
3.3.3 A relação com os Estados Unidos da América
A República da Turquia nasceu e seus fundadores tinham como objetivo estabelecer
relações internas e externas estáveis. Para que esse fato se tornasse possível a sua diplomacia
foi pensada e/ou formulada para evitar conflitos e desestabilização na região do Oriente
Médio, afirma Rodrigues (2003). O Estado sempre manteve boas relações com a Alemanha,
98
pois grande parte dos turcos que residem no exterior está nesse país. No ano de 1944 a
Turquia rompe com a Alemanha e com seus aliados do Eixo, pois foi uma pré-condição para
receber as futuras ajudas norte-americanas. Em 1945 declara guerra ao Eixo e passa a ser vista
com bons olhos pelos EUA.
O relacionamento amistoso entre EUA e Turquia teve seu início após o fim da II
Guerra Mundial. A relação no período entre guerras (1918/1939) oscilou muito. Após a
Conferência de Paz e a vitória turca sobre a Grécia em 1923 houve certo distanciamento
(HARRIS, 1972). As décadas de 30 e 40 foram marcadas pela força do nacionalismo e
oposição aos EUA, talvez por influência do Islã Político. Nesse período a P.E. turca era
baseada no princípio de “Paz em casa e Paz no Mundo”. Segundo Harris (1972) esse princípio
foi desmembrado em 4 (quatro) importantes articulações:
a) manter boas relações com a URSS;
b) estabelecer amizade com França e Inglaterra;
c) promover alianças regionais com os países dos Bálcãs, Ásia Central e Cáucaso;
d) relacionamento amigável com a Alemanha.
Com o fim do Segundo Conflito Mundial existia o temor de que os soviéticos fizessem
da Turquia outro de seus países membros. A URSS manifestava ainda o desejo de renovar os
acordos oriundos do Tratado de Montreux (1936) sobre a utilização dos estreitos turcos.
Segundo Fernandes (2005) a relação com a URSS teve para a Turquia dois momentos
distintos: entre 1919 e 1922, Lenin subsidiou a luta turca enviando-lhe armamento e
propiciando apoio político. Já no período pós - segunda guerra, o desejo de expansão soviética
empurrou a Turquia para as alianças ocidentais. Esse alinhamento foi estratégico, pois a
URSS tinha por objetivo a conquista de parte do território turco, além da saída para os
oceanos que já foi mencionada. Isso explica parte da aproximação com o governo americano
no período da Guerra Fria.
No meio do século XX assiste-se no cenário internacional à inversão de papéis entre
EUA e Inglaterra. Os americanos, no após a Segunda Guerra se afirmaram como a grande
potência mundial, posição antes ocupada pelos ingleses. E uma das principais preocupações
americanas era diminuir a influência britânica no Oriente Médio, fruto de acordos inclusive
com a Turquia (RODRÍGUEZ, 2003). Outro desejo era impedir o crescimento soviético, tanto
para o Ocidente, como para o Oriente, uma das formas de controlar esse avanço comunista
seria através da utilização das alianças militares, como a OTAN, além de vários acordos
99
bilaterais. A contenção seria o fator essencial para impedir esse avanço. Como ressalta
Kissinger (2001a) a Turquia por sua localização tinha grande importância para as pretensões
estadunidenses.
Durante a II Guerra Mundial a relação entre EUA e Turquia permaneceu morna e a
relação com a URSS esfriou, pois o sonho soviético da utilização e/ou posse em definitivo dos
estreitos ainda era forte. Em 1941, após ser atacada pelos alemães, a República socialista
deixou em segundo plano a ideia de obter o acesso aos mares quentes. Durante a guerra houve
na Turquia considerável aumento na simpatia em relação à Alemanha e ao Ocidente em geral
e esse fato incomodou aos soviéticos. Moscou questionou a neutralidade turca, no final da II
Guerra a desconfiança e as várias suspeitas ditavam o tom na relação entre os dois Estados.
Com essa situação a Turquia também se colocava ainda mais na defensiva em relação ao
Kremlin.
Quando ocorre a morte de Ataturk em 1938, Ismet Inönü assume a presidência na
Turquia já marcada por divisões internas. O Ministro das Relações Exteriores e seus
apoiadores apresentavam uma tendência pró-Alemanha. Já o Presidente e seus interlocutores
demonstravam mais simpatia pelos ingleses. Como mencionado acima, a Turquia entrou na
Guerra, mas exigiu um alto preço, ou seja, reequipar por inteiro suas Forças Armadas. Havia
em virtude dos acordos de 1939 o vínculo com a Inglaterra. Para Harris (1972) a boa imagem
dos EUA na Turquia só se fez sentir após a vitória na II Guerra. Com o fim do conflito parte
dos turcos passaram a enxergar os americanos como defensores da paz, da justiça e da
humanidade.
No ano de 1945, segundo Oran (2010) foi elaborado um documento pelo
Departamento de Estado americano que definia a relação turco-americana como amigável e
pacífica. O documento elencava os princípios que deviam nortear essa amizade:
1 – A liberdade das pessoas para escolherem livremente seu sistema de participação
social, político, religioso e econômico;
2 – Igualdade de oportunidade no comércio;
3 – Liberdade para publicação, organização e reunião;
4 – Preservação das instituições de ensino americanas em operação na Turquia;
5 – Proteção dos direitos dos nacionais americanos.
Os dois primeiros princípios são os pilares do capitalismo, o terceiro é base da economia
liberal e os dois últimos são reflexos do imperialismo estadunidense. (ORAN 2010). A
100
Turquia devia manter-se livre da influência soviética e os Estreitos estavam entre os pontos de
maior importância estratégica no período. Ainda naquele ano o Departamento de Estado e a
Marinha dos EUA afirmavam que os Estreitos deveriam permanecer abertos em tempos de
paz e fechados em situações de conflitos. Assim, mesmo estando de fora dos acordos da
Convenção de Montreux os americanos já influenciavam a Turquia. Portanto, esse acordo
tinha características de “Soft Power” com claros objetivos geopolíticos.
Em 1945 um fato colocou em risco parte dos territórios da Turquia. A Geórgia
reivindicava uma vasta quantia de terras turcas com apoio da URSS. Nesse momento a
Turquia cobrou o posicionamento dos parceiros EUA e Reino Unido em sua defesa. A
princípio os americanos foram favoráveis aos turcos, em seguida os britânicos também se
manifestaram a favor, pois não desejavam ver aumento da influência soviética. Em virtude do
Tratado de Amizade de 1939, entre Inglaterra e Turquia, os ingleses se mantiveram ao lado
dos interesses turcos. Ainda em 1945, no mês de Dezembro, houve desentendimentos entre
Washington e Moscou. Os americanos estavam certos de que era intenção da Rússia atacar a
Turquia. Em abril de 1946 o Presidente Truman faz uma declaração dizendo que a soberania e
a integridade dos países do Oriente Médio não deviam ser ameaçadas pela coerção nem pela
penetração.
Em 1946 houve um acordo entre Ancara e Washington, no qual o Presidente Truman
perdoou todos os débitos da Turquia com os EUA, existentes até aquela data. Isso foi
fundamental para a economia turca e para a relação entre as nações. Mas nesse ano, os
soviéticos enviaram duas solicitações à Turquia exigindo a revisão no Regime de controle dos
Estreitos. Foi para os turcos um ano de intensa pressão soviética. E os EUA em parceria com
a Inglaterra intervieram e impediram o acesso da URSS aos Estreitos depois de muita
resistência turca. Segundo Oran (2010), a posição americana não era de defesa da Turquia,
mas sim, com foco em resguardar os interesses estadunidenses contra a dominação da URSS.
Para dar um sinal de seu apoio, os EUA enviaram à Turquia um navio de guerra
portando o corpo de um diplomata turco que havia falecido nos EUA. No mês de março de
1946 a Turquia solicita um empréstimo aos bancos americanos e foi informada que
provavelmente receberia $25 milhões. Em outubro do mesmo ano, já no calor da Guerra Fria,
os turcos receberam uma significativa ajuda de $500 milhões de dólares. Até esse momento a
Inglaterra ainda exercia influência nos rumos da política turca e o “auxílio” americano tinha
claramente o desejo de reduzir esta interferência britânica. Com essa parceria o “recado”
estava dado também aos soviéticos, que no final de 1946 diminuíram a pressão sobre o país
do Bósforo e do Dardanelos. Internamente surge nesse período o Partido Democrata (PD),
101
oposição ao Partido Republicano do Povo (PRP). O PD inicialmente caracterizado como
partido opositor seguirá a mesma linha de amizade adotada pelo PRP em relação aos EUA.
Conforme avalia Rodriguez (2003), o movimento que insere de vez a Turquia dentro
do Bloco Ocidental depois de iniciada a Guerra Fria, foi o determinante discurso do
Presidente Truman no Congresso Americano em 12 de Março de 1947, no qual pede apoio
econômico aos gregos e aos turcos nos marcos do conflito bipolar. Apesar de EUA e
Inglaterra considerarem a Turquia como pertencente ao Oriente Médio, a ajuda tinha claros
objetivos estratégico-militares. Essa política, conhecida como “Doutrina Truman” marcou
oficialmente o início da Guerra Fria e o posicionamento da liderança norte-americana frente à
Turquia e aos demais países da Europa e Oriente Médio.
Nesse período a Grécia passava por crises internas. Greves, inflação alta, distúrbios e
conflitos civis, havia a suspeita de presença comunista no país Helênico. Os EUA sentem a
necessidade de intervir e Truman destaca mais atenção aos gregos em detrimento da Turquia.
Mas, como os riscos na Grécia poderiam se alastrar para o país vizinho e devido à pressão
soviética na questão dos Estreitos, os americanos forneceram suporte financeiro aos turcos.
Contudo, a exigência do Congresso estadunidense era de que a ajuda fosse supervisionada.
Por outro lado, entendendo que supervisão seria igual a controle e perda de soberania, a
oposição turca se manifestou contrária ao apoio. Assim coube ao governo, principalmente aos
diplomatas, negociarem para minimizar a influência/interferência externa.
A Doutrina Truman foi considerada uma espécie de plano de resgate, pois teve como
objetivo evitar que a Turquia fosse absorvida pelos soviéticos. “A Doutrina Truman marcou o
fim da primeira fase da procura da Turquia por segurança. (HARRIS, 1972, p. 28).22
” E
acrescenta-se, o início da busca americana por poder mundial. Apesar disso à época muitos
turcos não concordaram com o apoio americano e isso provocou várias disputas dentro do
país. Sob a Doutrina Truman a ajuda era, sobretudo, para reforçar, reorganizar, reequipar e
principalmente modernizar as Forças Armadas. Washington percebia a economia turca
saudável e a democracia, apesar de recente, era forte.
Dois conceitos que se inserem muito bem dentro desses aspectos e da relação entre os
países são expansão e contenção, que possibilitam a compreensão do jogo político no cenário
internacional. A partir dessas palavras pode-se pensar por um lado o desejo da URSS em
difundir ou expandir sua ideologia socialista pelos países do mundo. Por outro lado, o desejo
expresso de conter a expansão dessa política por parte dos EUA. A dinâmica de crescimento
22
Tradução Livre: “The Truman Doctrine marked the end of the first phase of Turkey’s search for security”.
102
socialista era uma política doutrinada por uma teoria, a marxista, mas, que por motivos
diversos, que não cabem analisar nesse trabalho, seguiu uma trajetória diferente daquela
pretendida por seu teórico principal, Karl Marx. Assim, a política de contenção adotada pelo
governo estadunidense e seus aliados, foi impulsionada e pensada por teóricos das relações
internacionais americanos e por geopolíticos como Spykman.
A teoria do Rimland desempenhou papel central na formulação da estratégia de
contenção dos EUA na Guerra Fria (MELO, 1999). A união turco-americana pode ser
analisada através do pensamento geopolítico de Spykman, que defendia a ideia de uma linha
de defesa estadunidense do outro lado do Oceano Atlântico e claro um poder anfíbio que
pudesse combater o poderoso Estado do Heartland. A segurança devia ser pensada de modo a
bloquear a chegada de qualquer poder inimigo nas fronteiras nacionais. Assim a Turquia seria
estratégica para conter o inimigo declarado dos EUA (VIZENTINI, 1996, p. 18),
principalmente bloqueando a passagem pelos Estreitos de Bósforo e Dardanelos. Neste
sentido, o argumento de Pecequilo (2005) é a justificativa mais plausível para o
desenvolvimento da dissertação.
[...] a contenção foi o guia e o referencial central para a política externa norte-
americana, consistindo sua grande estratégia durante toda a Guerra Fria. [...] A
contenção marca a história das relações internacionais em seu presente e passado
mais recente, devendo-se analisar seus principais componentes, definidos ao longo
de alguns documentos, textos e discursos fundamentais [...] (PECEQUILO, 2005, p.
144).
O passo seguinte da diplomacia turca foi buscar enquadrar o país dentro do Plano Marshall
(aporte financeiro) e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Isso faria da
Turquia uma nação cada vez mais partícipe de organismos pan-europeus (RODRIGUEZ,
2003).
Quando o Plano de ajuda financeira foi lançado, as autoridades turcas se viram diante
da seguinte questão: como fazer parte da ajuda? Isso foi logo resolvido. Os diplomatas e o
governo souberam utilizar-se politicamente e geopoliticamente da sua posição e localização
para pressionar os EUA e foram imediatamente incorporados às ajudas do Plano Marshall.
Assim os norte-americanos aproveitaram a debilidade britânica para apoiar a Turquia e a
Grécia, pois saíram mais fortes do conflito. Pensadores americanos viam no apoio aos turcos
uma forma estratégica de ajudar a Europa. Conforme avalia Harris (1972) até o ano de 1971
as ajudas chegaram perto da soma de três bilhões de dólares. Contudo, a crítica
principalmente na Turquia, é que essas ajudas foram em grande parte direcionada ao setor
103
agrícola, produção de alimentos para a Europa, com pouco investimento em tecnologia.
Em 1948 foi oficializado o Pacto de Bruxelas entre França, Bélgica, Holanda,
Inglaterra e Luxemburgo, um acordo para defesa coletiva. Em junho do mesmo ano os EUA
firmaram as bases para organizar um Arranjo Coletivo de Segurança para a Europa,
incorporando os países do Pacto de Bruxelas, assim estava criada a OTAN. Com isso Ancara
sentiu a ameaça de ficar esquecida e ter reduzida sua relevância. Logo o governo turco
começou a se articular para entrar no bloco militar, mas, as dificuldades eram muitas. Diante
disso grupos internos sugeriam que a Turquia adotasse uma política de neutralidade, pois os
americanos não se empenhavam adequadamente para a entrada turca no bloco.
Diante do impasse Truman declarou que a segurança da Europa seria também a da
Turquia e que com a criação da OTAN os turcos não seriam abandonados. Para que a defesa
do Continente europeu se completasse seria necessária a proteção do território turco. Em
1949, apesar da sua debilidade militar e econômica, a Turquia passa a fazer parte como
membro fundador do Conselho Europeu, assumindo uma postura ainda mais ocidentalizada.
Segundo Harris (1972) esse convite foi apenas um consolo para acalmar os ânimos turcos. No
ano seguinte um fato histórico importante na política doméstica turca: com expressiva votação
popular chega ao poder o Partido Democrata, tendo Adnan Menderes como Primeiro
Ministro.
Em julho de 1950, o Governo de Menderes decide enviar para a Guerra da Coréia um
efetivo de 4.500 soldados. Chamou atenção o fato de que o envio não passou pelo crivo do
Legislativo e não teve consulta à oposição. Menderes enxergava no conflito uma possibilidade
de abertura das portas da OTAN. Ainda nesse ano o Bloco Militar Ocidental organizou o
Plano Militar para o Mediterrâneo, convidando Turquia e Grécia para sua composição. Em
15/05/51 EUA propuseram a entrada dos dois países como membros permanentes. “De fato,
contudo, a tática turca havia deixado os Estados Unidos com pouca opção de escolha.
(HARRIS, 1972, p. 42).23
” A forte diplomacia turca, as alianças com Inglaterra e França em
1939 e a presença na Guerra da Coréia, foram os fatores que mais pressionaram os
americanos nesses anos.
A Turquia teve sua participação na organização militar bloqueada a princípio, por ser
considerada geograficamente do Oriente Médio e por seus conflitos com o Chipre, sendo que
um dos opositores a essa entrada era a Grécia, devido aos fatos já mencionados nesse trabalho
(Ver item 2.4.1). Após o envio dos soldados para a Guerra da Coréia, os turcos ganharam o
23
“In fact, however, the Turkish tactics had left the United States with little choice” (tradução livre)
104
apoio americano para fazer parte da aliança. Para os ingleses interessava a segurança do
Oriente Médio, devido aos seus interesses no Petróleo, principalmente no Irã. Para eles a
Turquia seria bem vinda no bloco desde que em caso de conflito no Mediterrâneo fossem
enviados soldados turcos para as operações necessárias. As negociações foram paralisadas no
final do ano de 1951, pois os generais britânicos entendiam que a eles caberia o comando das
tropas e o que o Bloco do Mediterrâneo se estabelecesse como uma força fora da OTAN.
Nesse desejo, os britânicos encontraram a oposição da Turquia e provavelmente dos Estados
Unidos.
Após várias negociações a Turquia foi incorporada ao Bloco Militar Ocidental em
18/02/1952. Para os turcos a OTAN é como uma extensão dos EUA. Naquele tempo a
Turquia já se via no mesmo nível de importância dos países do Leste Europeu, isso
significava inclusive, ser parte da Europa. Mais, a garantia de que o país deveria continuar
recebendo ajuda para subsidiar seu crescimento. Tanto o PRP sob Inönü, quanto o PD sob
Menderes, trabalharam forte para envolver os americanos na política e nas questões turcas e
conseguiram. Do lado estadunidense o objetivo era cada vez mais aumentar sua influência no
território turco e usá-lo geopoliticamente, contudo, sem deixar transparecer o objetivo da
contenção aos soviéticos.
Porém, um fato pesa a favor da Turquia e precisa ser avaliado. Para a estrutura de
segurança européia a presença turca é significativa, avalia Pinto (2010). Os países da Europa
depois da Segunda Guerra “optaram24
” por uma política de paz no continente com o mínimo
de presença militar. Assim a ideia de segurança do continente ficou sob a responsabilidade da
OTAN, apoiada pelos EUA. Isso explica o fato de ser o exército turco, atualmente, o segundo
da organização militar, atrás em quantidade apenas dos militares americanos. Em relação ao
percentual do PIB a Turquia é o país que mais investe em melhorias militares se comparada
aos demais países da Europa. (PINTO, 2010). Todos esses passos dados pela Turquia
favoreceram sua relação com os EUA e o distanciamento da URSS. Ou seja, o país se insere
no jogo da Guerra Fria e se apresenta do lado do boco capitalista/ocidental liderado pelos
americanos.
A entrada para a OTAN foi uma injeção de ânimo na relação entre EUA e Turquia. A
amizade se fortaleceu no campo da política, da economia e principalmente militar. Foram
desenvolvidas várias atividades sob as bandeiras da Doutrina Truman e do Plano Marshall e a
24
Optaram entre aspas remete ao pensamento de Spykman de que a Europa não deveria se constituir em
Federação, nem ter uma hegemonia permitida, mas um equilíbrio europeu. Os EUA deveriam organizar poderes
divididos e equilibrados na Eurásia. (MELO, 1999).
105
presença americana em solo turco aumentou significativamente nesse período. Segundo
Harris (1972) o temor de um ataque soviético fez os parceiros do Bloco Militar ocidental se
organizar em uma Força de defesa com 96 divisões, das quais mais de 40 estavam sempre em
situação de alerta e dessas, 18 bases eram na Turquia, local realmente estratégico tanto para
defesa como para ataque. Durante o Governo de Eisenhower a estratégia foi intensificada,
pois a Guerra parecia questão de tempo. Criou-se nesse mandato a “Doutrina da Retaliação
Maciça”.
As estratégias da OTAN previam a derrubada do inimigo do Heartland, já desenhando
um clima de Terceira Guerra Mundial. Durante esse período, a década de 50, a demanda
soviética por partes do território turco era mais evidente e compreensiva. O exército turco
ficou em posição sempre estratégica, com organização de infra-estrutura e treinamento. Parte
significativa dos investimentos da Doutrina Truman era destinada à construção de estruturas
militares, pois havia a necessidade de modernização. Duas cidades se destacaram: Incirlik
como base aérea e Izmir como sede do Comando do Sudeste. (Ver mapa nº 01). Os
treinamentos intensos tinham como objetivo colocar o exército turco no nível mais próximo
possível do americano.
Em 1954 foi firmado o polêmico acordo em que os americanos não diplomatas, em
serviço na Turquia, estariam resguardados pela imunidade diplomática. Esse documento foi
aprovado no Congresso Turco. Por outro lado, vários outros tratados foram firmados
secretamente entre o Ministério das Relações Exteriores da Turquia, o Exército e os
americanos. Com isso o número de americanos cresceu – eles prestavam auxílio em
treinamentos, capacitações diversas e organização logística. Nesse período, segundo Harris
(1972), foram instalados mísseis de alcance intermediário na Turquia e a capacidade
americana de obtenção de informações, através de satélites, aumentou. A estratégia da
Contenção estava em desenvolvimento. Em 1956 a URSS denunciou que balões
metereológicos dos EUA eram utilizados como espiões. Esses instrumentos eram lançados a
partir do território turco, das várias bases instaladas.
A presença de militares americanos trazia problemas internos e provocava divisões na
Turquia, afetava a soberania do país. Turcos e americanos tinham dificuldades em resolver
problemas relacionados ao julgamento de crimes. O comércio ilegal como venda de
antiguidades era outra situação constrangedora a ser enfrentada. Por fim, a diferença entre os
estilos de vida que se manifestavam na cultura e na religião, e em outros aspectos. Os
americanos que eram bem vistos, passaram a ser questionados, principalmente por crimes
contra símbolos nacionais, como as estátuas de Atatürk e a Bandeira da Turquia.
106
Entre os anos de 1954 e 1955 foi criado o Pacto de Bagdá. Um arranjo militar entre
Turquia, Irã, Paquistão e Iraque, apoiado por Inglaterra, sem a presença americana. Esse
acordo objetivava impedir que a URSS pudesse avançar em direção ao Oriente Médio. Isso
fez acirrar ainda mais os ânimos do Kremlin. Egito e Síria, mais afeitos aos soviéticos, não
fizeram parte do Pacto. Durante o ano de 1956 os soviéticos iniciaram o fornecimento de
armas à Síria. Esse episódio fez Washington se manifestar, dizendo que não aceitaria
nenhuma agressão aos países do Pacto e criou em 1957 uma política específica de proteção
aos países do Oriente Médio. Em 1959 o Pacto se transformou na Organização do Tratado
Central, que se estruturou mais em termos de apoio econômico e menos militar.
A década de 50 foi marcada pela aliança comercial entre Turquia e EUA. Os
investimentos foram excessivamente direcionados ao setor agrícola, (KEYDER, 1979)
(SOMEL, 2011), sendo que a Indústria foi pouco incentivada, uma espécie de crescimento
dependente. Havia uma demanda por produtos manufaturados e a indústria doméstica turca
não tinha condições de atendê-la. Outro fator de desequilíbrio estava ligado ao Plano
Marshall, pois, houve a entrada maciça de produtos vindos dos países que também foram
beneficiados por esta política financeira. Com isso a necessidade de recorrer a empréstimos se
tornou premente e como conseqüência lógica causou desequilíbrio na Balança Comercial.
Somando-se a esse fato as sucessivas interferências americanas na política turca, o golpe
militar seria uma questão de tempo, como forma de responder às demandas da população e do
próprio exército. (Ver Item 2.4.4)
Segundo Keyder (1979) a ideologia americana após o fim da II Guerra tinha como
objetivo colocar no poder dos países periféricos elites com tendência pró-EUA. A intenção
seria que essa elite governasse com a ideia de abertura econômica e de mercado. Essa situação
não foi diferente na Turquia conduzida até a década de 50 pelo PRP. Nos quatro anos que se
seguiram à criação do PD, o PRP tentou incansavelmente restabelecer a burocracia
característica do período CUP. Ensaiou também uma espécie de reforma agrária no final do
seu governo, buscando melhorar a situação dos pequenos camponeses. Tudo foi feito para
conter o crescimento do partido oposicionista que surgia e agitava a população turca.
Contudo, a declaração de Somel pode resumir muito bem a situação. “Nos anos pós – guerra
ambos os governantes do PRP e PD usaram os pretextos do expansionismo soviético para
constituir alianças com os Estados Unidos e o centro capitalista.” (SOMEL, 2011, p. 194)25
.
Portanto, conclui-se que o pacote para a Turquia foi completo; como em outras partes do
25
“In the postwar years both the RPP and DP governments used the pretext of Soviet expansionism to build
closer ties with the United States and the capitalist core.” (SOMEL, 2011, p. 194).
107
mundo, a ajuda militar não foi encaminhada desacompanhada de outros serviços.
A década de 1960 foi um período conturbado na política mundial e a Turquia esteve
presente em alguns desses momentos difíceis. A Guerra Fria estava se desenvolvendo e em
1962 ocorreu a famosa crise dos mísseis. Para Allison e Zelikow (1999) esse foi o momento
em que o mundo esteve mais próximo de uma guerra nuclear, foram 13 dias tensos. Havia
mísseis soviéticos em território cubano, direcionado para os EUA, para isso os soviéticos
justificavam a defesa de Cuba contra uma possível invasão americana. Do outro lado, em solo
turco, mísseis estadunidenses apontados para a URSS. A situação foi resolvida via
diplomacia, mas, vale ressaltar que o papel estratégico da Turquia ganhava importância na
cena internacional. Segundo Costa (1998), os armamentos em Cuba representaram a primeira
vez que os soviéticos colocaram mísseis fora do seu território, o que assustou Washington.
Do lado turco o Governo Menderes concordou com a instalação de mísseis de médio
alcance na Turquia. Havia um acordo entre o Parlamento e o Executivo do país, de que
qualquer negociação dentro da parceria com os EUA seria informada e aprovada pelo
Legislativo, contudo, a questão dos mísseis foi mantida no campo do sigilo. Em meados de
1960 os Mísseis Júpiter foram instalados na cidade de Ismir (ver mapa nº 01). Kennedy,
prevendo as complicações, solicitou a retirada dos armamentos, mas os militares não
concordaram, alegando que a Turquia assim estaria segura e mais forte frente aos soviéticos.
De acordo com o Programa de Ajuda Militar, os mísseis passaram a ser propriedade da
Turquia.
Para a URSS os mísseis em Cuba possuíam o mesmo valor estratégico e militar que
aqueles colocados em solo turco, pelos americanos. Depois da crise de 1962 os objetivos da
OTAN foram desmascarados, se ainda havia alguma dúvida. A Turquia, que acabou se
tornando um mero expectador da situação, foi apanhada de surpresa, pois, a crise surgiu muito
rapidamente. Após essa situação, ambos os lados puderam compreender que os perigos da
Guerra Fria surgiam, às vezes, sem aviso prévio. Apesar de possuir os Mísseis em seu
território a Turquia poderia ser atacada pelos soviéticos devido a menor distância e não estaria
preparada para enfrentar tal acontecimento. Apenas em abril de 1963 os Mísseis foram
retirados da Turquia.
Como contrapartida pela perda do armamento, o Governo turco passou a exigir dos
americanos a renovação da sua frota de aviões de guerra. Os EUA concordaram prontamente
e cederam alguns aviões às Forças Armadas turcas. A Turquia recebeu também alguns navios
submarinos que eram capazes de atacar algumas regiões do território soviético. Apesar disso,
sem os mísseis a relação Turquia/URSS ficou mais amena. Mas desse episódio ficou uma
108
certeza: a importância estratégica do país de Kemal Atatürk foi naturalmente elevada após os
eventos de 1962.
Os anos de 1960 foram marcados por desentendimentos e divisão de posturas entre
americanos e turcos, nas palavras de Rodriguez (2003). Internamente o país passava por um
golpe e sua política interna foi modificada. Desde o momento do golpe a participação militar
na política do país seria decisiva e desafiadora em vários momentos. No cenário internacional
os conflitos com a Ilha de Chipre chamavam a atenção do mundo e principalmente dos
americanos. Conforme mencionado em outro ponto do texto, a Ilha era dividida entre gregos e
turcos, sendo que os últimos eram minoria. Os gregos sendo maioria desejavam mudar alguns
pontos da constituição para atender a interesses específicos, fato com que a Turquia não
concordou e como solução adotou a intervenção militar. Como a Ilha gozava de grande
prestígio na ONU (Organização das Nações Unidas) logo o conflito foi internacionalizado.
O que fez estremecer as relações entre os dois países foi a carta enviada à Turquia pelo
presidente americano, com uma negativa de apoio à questão turca no Chipre. Sendo assim, os
turcos, questionaram-se internamente, principalmente entre os anos de 1966 e 1968, sobre o
alinhamento incondicional com os americanos. Contudo, a Turquia já estava dependente da
ajuda financeira dos EUA e sua vontade de se afastar não podia ser concretizada, pois seriam
altos os custos para tal situação. Em 1963 o país se tornou membro associado da Comunidade
Econômica Européia, avanço importante para que em seguida se tornasse membro efetivo de
direito do Bloco. Esse fato fez mudar as relações entre os EUA e o país turco, pois sua
dependência em relação aos americanos diminuiria drasticamente, contudo a entrada não se
efetivou.
Conforme avaliado no item (2.3.1) a década aqui analisada marcou o retorno dos
debates em torno do Islã Político no Oriente Médio. Esse fenômeno não passaria em branco
na terra de Atatürk. Nesse período cresceu o antiamericanismo dentro da Turquia e com a
crise do Chipre esse sentimento aumentou consideravelmente. Os soviéticos tentaram se
aproveitar da situação e em 1964 seu Ministro das Relações Exteriores visitou a Turquia e
demonstrou estar a favor dos turcos no conflito cipriota. Paralelamente o Kremlin mantinha
contato com o Governo da Ilha, na pessoa do Presidente Makários. Por um breve momento na
história a aproximação com a URSS fez com que Turquia e EUA se mantivessem distantes.
As relações passariam por uma melhora significativa no final da década de 60, pois em
1967 a Turquia recebeu uma significativa ajuda financeira dos EUA (RODRIGUEZ, 2003).
No ano de 1969 foi assinado o Acordo de Cooperação Econômica e Militar dentro da esfera
de atuação da OTAN. No território turco já havia algumas bases militares e soldados norte-
109
americanos; as bases até aquele momento eram utilizadas em conjunto e após o acordo
ficaram sob a responsabilidade da Turquia. Esse fato foi sem dúvida gerador de importante
vantagem estratégica e fonte de modernização para o país. Também terminado o prazo de
validade do acordo, parte dos soldados norte-americanos deixariam as terras turcas.
Os anos 70 também foram marcados por novos abalos na relação entre os dois países.
Durante os anos de 1975 a 1978 os EUA promoveram um embargo econômico contra os
turcos e mais uma vez o motivo foi a tão problemática questão da Ilha Chipre, invadida pela
Turquia. Ainda nesse período as relações conflituosas entre Grécia e Turquia foram
incrementadas pela disputa sobre o espaço aéreo e marítimo do Mar Egeu, que foi
parcialmente resolvido pelos militares nos anos 80. A situação do Mar Egeu ainda demanda
cuidados e acordos. As relações turco-americanas voltam a se modificar nos anos 80. Dois são
os motivos principais: O Irã experimentou a Revolução em 1979 e passava por uma
transformação político-estrutural; e os soviéticos invadiram o Afeganistão. Portanto, a balança
de poder no Oriente Médio estava alterada e isso significou a revalorização estratégica do país
turco diante dos americanos. Em 1980 foi firmado novo acordo de cooperação entre os
parceiros. Nesse tratado os EUA poderiam utilizar doze bases militares na Turquia em locais
estratégicos. “No acordo também se contemplava ajuda econômica e militar dos Estados
Unidos à Turquia.” (RODRIGUEZ, 2003, p. 1364)26
. Vale lembrar que no início da década os
militares haviam tomado o poder novamente.
A ajuda econômica foi liberada nos anos de 1984 e 1988, fazendo da Turquia o
terceiro país em recebimento de recursos financeiros americanos, perdendo apenas para Egito
e Israel. Ao final do acordo no ano de 1988 houve uma renovação por mais quatro anos,
conforme afirma (RODRIGUEZ, 2003). Na década de 90, com a questão do Golfo e o fim da
URSS, a importância geoestratégica é novamente elevada. A Turquia nesse período passa a
desempenhar o papel de potência regional e interferir diretamente nos assuntos mais
complexos do Oriente Médio, dos Bálcãs e de parte da Ásia Central, fornecendo ajuda
financeira e enviando membros do exército para Operações de Paz da ONU. Os turcos iniciam
nesse período a busca para incrementar sua significativa relevância enquanto ponte entre os
dois mundos, o Ocidente e o Oriente. O uso do aspecto econômico, além da questão militar,
foi fundamental para uma mudança nos rumos da Política Externa. O país poderia ser
utilizado para o transporte e carregamento de commodities como gás natural, petróleo entre
outros.
26
En el acuerdo también se contemplaba ayuda econômica y militar por parte de Estados Unidos a Turquía.
(tradução livre)
110
Mesmo com o fim da Guerra Fria a relação entre EUA e Turquia não perdeu o caráter
geopolítico de segurança. O valor estratégico ainda é o principal motivador das relações,
conforme afirma (PINTO, 2010). Acredita-se que do lado turco a participação na coalizão da I
Guerra do Golfo teve mais relevância para o caráter do segurança regional e questão política
que propriamente ganância financeira (RODRIGUEZ, 2003). Houve naquele momento o
boicote por parte de alguns países do mundo árabe à Turquia, por se posicionar ao lado
americano. Para balancear esse problema os EUA facilitaram a exportação de produtos turcos
como tecidos e outros bens comerciais à Europa e aviões (caças) ao Egito.
Há no Oriente Médio uma potência regional com valor estratégico e energético
relativamente alto, o Irã (conforme mapa nº 04). Não é interessante para a Turquia, muito
menos para os EUA o protagonismo desse país. Contudo, as posições adotadas em relação ao
Estado Iraniano são distintas. Para os estadunidenses o Irã é considerado um “rogue-state” e
isso têm provocado várias situações constrangedoras na Política Internacional. Por outro lado
para os turcos está sendo mais interessante manter a relação amistosa e pragmática, inclusive
recebendo petróleo e gás desse país. A diplomacia turca sempre ressalta a amizade entre os
dois países. E a Turquia nega, em seus documentos de PE, qualquer disputa por liderança
regional com o povo iraniano.
Outro país nos limites fronteiriços da Turquia que gera preocupações é a Síria.
Também atualmente vista pelos EUA como um “rogue-state”. Em alguns momentos das
décadas de 1990 e 2000 quando alguma dissidência surgia, os turcos acreditavam no suporte
norte-americano a ela, o que não ocorreu. A Síria é uma das nações mais fortemente ligadas à
Rússia e isso pode explicar em parte a neutralidade americana. Conforme Rodriguez (2003),
nesse caso Washington preferia ficar sempre de fora e evitar qualquer confronto com a Síria
para não atrair os russos.
A Ásia Central é um ponto importante de projeção para a Turquia, pois nessa região
do Globo há alguns povos turcos, existem, portanto, laços identitários. Mas existem
influências da Rússia e do Irã nesse local e o Governo turco tenta a todo custo minimizá-las.
Nenhum dos Estados supracitados possuem simultaneamente laços étnicos e religiosos com o
povo ali estabelecido e disso também os turcos tiram proveito. Há o projeto de oleoduto e
gasoduto ligando essa região à Europa e passando em território da Turquia, o qual foi apoiado
fortemente pelo governo americano que deseja também ver a influência russa mais limitada
possível.
Deve ser ressaltado que os EUA é um país que permite legalmente a atuação dos
Lobbies. Internamente há uma forte pressão de grupos lobistas que defendem os interesses de
111
gregos e armênios. Esse fato vez ou outra provoca tensões entre os antigos parceiros
(EUA/Turquia). Os grupos internos levantam bandeiras em defesa dos direitos humanos, a
questão delicada do Chipre e desejam minimizar as ajudas financeiras para o Governo de
Ancara. Conforme Rodriguez (2003) não há, por outro lado, o Lobby turco o que faz a
situação ficar desfavorável para a Turquia, que recebe apoio apenas de órgãos do próprio
governo norte-americano.
Após o fatídico 11/09 os turcos colaboraram em tudo que foi necessário com os EUA.
Apoio logístico, utilização de bases, concessão de informações foram alguns dos pontos de
ajuda. Após caloroso debate interno a Turquia resolveu enviar suas tropas para o Afeganistão.
De acordo com o desenvolvimento da parceria os norte-americanos concedem benefícios ora
bélicos, como armamentos e aviões, ora econômicos com empréstimos através do FMI. Em
2002 o Primeiro Ministro turco visitou os EUA e dessa visita resultaram alguns acordos, além
de discussões em torno da questão do Iraque e do Afeganistão. Em novembro do mesmo ano
ocorreram as eleições, vencidas pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento que se encontra
no poder ainda hoje.
112
4 A TURQUIA NO PÓS - GUERRA FRIA
Do ponto de vista geopolítico, a Turquia ainda era mais importante. Fronteiriça com
Oriente Médio, Ásia Central, URSS e Europa, ela era indispensável à política
americana para cada uma dessas áreas. A Turquia tinha sido firme e leal aliada em
todo o período da Guerra Fria. Tropas turcas lutaram, com distinção, ao nosso lado
na Coréia. Vinte e seis instalações eletrônicas monitoravam os mísseis e as
atividades espaciais soviéticas, a partir do território turco. (KISSINGER, p. 230,
2001b)
As afirmações de Henry Kissinger servem de base para confirmar algumas premissas
da pesquisa e introduzir os objetivos deste capítulo que se inicia. O quarto capítulo terá como
objetivo analisar a Turquia no pós - Guerra Fria, observando as conseqüências da relação com
os EUA e os efeitos da questão geopolítica para o país. Outro aspecto importante para esta
parte da dissertação é analisar, ainda que superficialmente, as relações do país no quesito
religião e modernidade, cultura e política, para essa análise a teoria construtivista será de
fundamental relevância.
A Turquia tem forte tradição política, herdada do Império, mas a participação da
sociedade civil é fraca (BURAK, 2012). Desde o ano de 2002 a Turquia tem como Chefe de
Governo Recep Tayipp Erdogan, homem muito hábil na política, alguns estudiosos turcos o
apontam como o segundo maior líder turco, atrás apenas de Ataturk. Erdogan é um político
carismático e, segundo Dombey (2012), a questão que se coloca é saber até que ponto a
situação política turca está ligada ao seu líder. Sobre a pessoa de Erdogan e seu partido o AKP
paira a dúvida sobre uma possível re-islamização da Turquia.
Havia, conforme já mencionado, a interferência do exército sempre que o
secularismo/nacionalismo de Atatürk estivesse ameaçado. Erdogan soube como ninguém
controlar a influência dos militares, promovendo inclusive prisões de Generais opositores
(SEM FRONTEIRA, 2011). Demonstrou habilidade para controlar as influências negativas
em nível interno e em ambiente internacional. No âmbito interno soube dominar as rebeliões e
externamente diminuir, assim como o Brasil, a dependência diante de órgãos como o FMI.
Contudo, há divergências quanto à forma de condução governista, no que se refere aos
Direitos Humanos e a religião. Para manter o domínio o governo se utiliza de várias
estratégias, uma delas é a mudança nos postos, ou locais de trabalho. Por outro lado, o sistema
de educação foi reformulado e as doutrinas religiosas conquistaram mais espaço. Segundo
Burak (2012) o governo usa a força, quando necessário, para controlar associações e união de
comerciantes. Há, portanto, uma fratura nas relações entre o Estado e a sociedade civil.
113
A construção do Estado-nação teve tendência a produzir um povo manipulado ou
manipulável – a tradição histórica é fator de peso. A oposição foi satanizada segundo Burak
(2012). Depois de 1983, segundo o mesmo autor, houve a abertura rumo ao liberalismo
econômico e político e a busca pela entrada na UE fez o país implementar medidas de
modernização. Assim, segundo Dombey (2012) sob o governo do AKP a Turquia teve
considerável aumento no seu padrão de vida. As empresas turcas, principalmente da Anatólia,
estão conquistando o mundo. Há também incentivo aos programas de saúde pelo governo, a
emergência da classe média e diminuição da pobreza. Outro avanço foi a busca por petróleo
no Mar Negro, para isso a Turquia contou com o apoio técnico da Empresa Brasileira
Petrobrás (SEM FRONTEIRA, 2011). Contudo, o projeto não logrou êxito.
4.1 Economia Política, Potência Média e Relações Internacionais
O objetivo desse item é debater à luz dessas duas áreas, a Economia Política e as
Relações Internacionais, a questão da Potência Média. Trazendo para o plano das RI, como se
dá esse processo? Na divisão internacional do trabalho a questão da especialização está dada.
Isto fica muito claro quando uma empresa automobilística, por exemplo, tem a estrela como
símbolo, são as cinco pontas, representando todos os continentes, cada parte do carro é
produzida em uma localidade do globo. Os países em desenvolvimento, até então
exportadores de commodities, passam a administrar, paralelamente, grandes mercados
consumidores. Mas continuam com as características dependentes de sempre, consomem
produtos manufaturados importados dos grandes centros ou países desenvolvidos.
O que está mudando é que as nações emergentes chamam a atenção do mundo. Esses
países são geralmente mais populosos, possuem grande mercado consumidor, faturam alto
com as vendas de commodities, ou seja, possuem reservas, mas não diversificam suas pautas
de exportação, não produzem crescimento e o futuro é incerto. A crítica em relação à falta de
opções já acontecia na década de 60 e 70, quando falhou o processo de ISI (Industrialização
por Substituição de Importações). Feitas essas observações breves, a Turquia passa a ser
objeto de análise do artigo e de verificação das afirmações acima descritas. Na década de
1920, época da fundação da República, experimentou a abertura econômica e na década
posterior, 1930, uma política intervencionista estatal, implantada por uma elite burocrática.
Esse período foi, sobretudo, marcado pelo caráter de mudança da situação de poder
centralizado do Império para a “abertura democrática” do governo no novo país.
114
A Turquia é um país repleto de contradições, afirma Somel (2011). O fato de não
haver por parte de sua população um sentimento anti-imperialista, como nas demais nações
periféricas; diferenças exorbitantes de desenvolvimento entre o leste e o oeste do país,
ressalte-se que no leste, estão os curdos; e o fato de ser um país com maioria mulçumana,
apesar de secular, facilitaram a implementação da política neoliberal na Turquia. Desde a
época do Império essas diferenças foram sendo criadas, tanto que as duas regiões mais
desenvolvidas do país são o sul e o oeste. Apesar dessas características ainda existe um
dilema interno: colaborar com os países da Europa para avançar na modernização ou se
resguardar para fugir do imperialismo europeu?
Metade do século XX foi marcada por esse período de transição. Ocorreram as
reformas, e o país viveu um tempo de periferia não colonial, sofrendo influência direta dos
poderes econômicos imperiais. Foi uma reforma intelectual, contudo, faltou a transformação
estrutural. Desde a época do Império existiam grandes proprietários de terra, que foram
fragilizados pelas mudanças. Havia uma classe social em formação, os compradores,
composta por uma burguesia mercantil formada basicamente por gregos e armênios. Suas
características permitiam-lhes suportar facilmente as mudanças, pois a sociedade era baseada
na troca e no mercado.
Sob forte interferência ocidental, o CUP (Comitê para União e Progresso) foi um dos
responsáveis pela transição. Com o Comitê foi decretado o fim do Império, mas pouco se viu
em termos de mudança estrutural e de mobilidade social. Sendo a carreira militar a mais
importante forma de mudança social. Com base em uma ideologia positivista, a Jovem
Turquia buscou estabelecer uma economia nacional. Para estabelecer essa economia nacional
os membros do CUP criaram uma burguesia mercantil formada por judeus e mulçumanos,
pois, não havia relação de confiança com os gregos e armênios, de maioria cristã. Com isso
surge a necessidade de um forte aparato militar e burocrático no país. Para garantir o
fortalecimento do exército, foi preciso investimento externo. Por isso desde o início o novo
país já se tornara refém das grandes potências ocidentais. Geração de dívida externa e controle
por parte de estrangeiros foram algumas das consequências. A Turquia nasce com caráter
burocrático, tutelagem e uma estrutura periférica, apesar do clichê de modernidade. Esse
momento histórico, em que o país foi chamado de “Jovem Turquia”, durou uma década,
inclusive nos anos da Primeira Guerra Mundial.
A debilidade do Império Otomano e a influência da Alemanha foram uma das causas
da guerra, apontadas por historiadores. Etapa em que houve acentuada queda na entrada de
capital francês e britânico, além da diminuição dos mercadores gregos e armênios. Mas, foi,
115
contudo, espaço de acumulação do capital e exploração das classes subalternas. Durante a
guerra os gregos e armênos sofreram várias atrocidades e muitos foram expulsos do país. Com
a saída dos estrangeiros, os turcos tentaram se apropriar dos bens, comércio e terras deixados
para traz. A causa nacionalista surge como resposta e defesa à possibilidade de retorno dessa
população. De 1919 a 1923 Mustafá Kemal empreendeu a luta pela independência, sem contar
com apoio britânico ou francês. O exercito grego tinha apoio dos ingleses e dentro da Turquia
surgiam blocos de resistência, como guerrilhas. Kemal, militar, liderava a ala reformista da
exercito e se viu obrigado a aliar-se ao CUP para se fortalecer. Kemal reorganizou o exército,
com soldados veteranos de guerra, desvinculou-se do CUP por questões pessoais, desafiou a
autoridade governamental em Istambul e levantou acampamento em Ancara. No mês de
Outubro do ano de 1923 foi proclamada a República da Turquia e Kemal promove nova
abertura ao capital externo, para que, financiada, a nova república pudesse se firmar como
Estado.
O CUP que era um movimento extremamente conservador, tentou revigorar o Império
em seu final, mas sem sucesso, embora o grupo tenha permanecido forte por várias décadas.
O regime kemalista foi definido como republicano, secular e não imperialista. A década de 20
foi de reconstrução, mas também marcada pelo enriquecimento da burguesia comercial.
(KEYDER, 1979). Em 1924 foi promulgada a Constituição que atendia aos anseios da elite e
não tinha objetivos de promover a mudança social. Era uma carta que não privilegiava as
questões sociais e não garantia direitos trabalhistas. De 1929 a 1933 o país viveu um período
de economia fechada. O Governo de Ancara se voltou para as questões internas, através de
vários métodos conseguiu controlar a economia. Restringiu as importações e criou uma
autoridade monetária, o Banco Central. Na década de 30 assistiu-se na Turquia à tentativa de
formular uma ideologia nacional, através do desenvolvimento econômico nacional. Assim o
governo Kemal buscava fugir de uma orientação periférica. As mudanças do governo
imitavam a estrutura de modernização capitalista. Em 1933 foi formulada uma política de
industrialização.
Os turcos não participaram efetivamente da II Guerra Mundial, mas, apesar disso,
nesse período, grande parte da população masculina foi para o exército. No pós-segunda
guerra, tanto os governos do PD quanto os do PRP firmaram acordos com os EUA e outros
países do centro. Essas alianças consequentemente apenas aceleraram o processo de
dependência em relação às potências. Historicamente a Turquia enfrentou alguns problemas
para sua inserção no sistema capitalista global. Sua característica de país do Oriente mais
ocidentalizado ainda não havia sido totalmente digerida pela comunidade internacional,
116
principalmente por europeus. Por não ser um país eminentemente cristão e por suas
especificidades culturais, o país sofreu alguns boicotes. Apesar de ser considerada atualmente
uma potência emergente, a Turquia enfrentou e ainda enfrenta dificuldades para sua aceitação
como membro efetivo na União Européia. Nas décadas de 50 e 60 encontrou barreiras até
mesmo para atrair investimento externo com vistas a financiar o crescimento do país. Embora
os tenha conseguido. (KEYDER, 1979) (FERNANDES, 2005a).
A posição geográfica da Turquia não favorecia a captação do investimento. Naquele
tempo histórico os EUA estavam com a atenção voltada para América Latina e a Europa
voltava toda sua atenção para os problemas internos. As disputas políticas da Turquia faziam
com que ela fosse avaliada como um país em constante crise e isso não seria nada atrativo
para o capital externo. No início da década de 50 o crescimento econômico atendia às
expectativas do governo. Contudo, o desenvolvimento já nesse período tinha uma
característica de periferia, pois, o país exportava grãos, minérios e outros itens. O governo
criou uma política de incentivo à agricultura, aumentando os preços e em três anos
proporcionou a compra de 35.000 novos tratores. Esse crescimento acelerado durou
aproximadamente três anos, seguiu-se forte restrição das importações, pois, as exportações
declinavam constantemente. O governo turco procurou novas fontes de recursos e apesar da
ajuda liberada pelos americanos, através do Plano Marshall, não conseguiu atrair novos
investidores como desejava. (KEYDER, 1979)
Por outro lado, os empréstimos adquiridos para subsidiar o crescimento provocaram
inflação. O Governo pagava altos valores para os fazendeiros com o objetivo de sustentar a
produção agrícola do país, já em crise, mesmo apesar de o preço dessas commodities no
mercado mundial estarem em constante queda. Chegou-se por fim à impressão de moeda para
financiar a agricultura. Na década de 50 e inicio dos anos 60 a população urbana cresceu de
18,5% para 25,2%, um fenômeno tipicamente de capitalismo periférico. Aumentou o número
de pequenas cidades nas redondezas das metrópoles. No final dos anos 50, a Turquia foi
atingida por uma crise e teve que reavaliar sua política econômica. Nas cidades próximas às
grandes metrópoles as condições de vida e habitabilidade eram péssimas.
Segundo Somel (2011) nos anos 60, mais especificamente em 1963 a Turquia adota a
ISI (Industrialização por Substituição de Informações). Fecha seu mercado e aumenta a
produção de bens de consumo. Se comparado à America Latina, o processo na Turquia teve
seu início atrasado. O plano funcionou por quase uma década e de 1963 a 1971 a economia
turca cresceu em média 9% ao ano. Contudo, a indústria, que já estava dependente, não teve
condições de avançar conforme desejado. A década de 1970 foi marcada pela crise do
117
petróleo e o embargo econômico promovido pelos EUA. Fatores que afetaram a economia
turca naquele momento histórico.
A década de 1980 foi importante pela gestão de Turgut Özal, segundo Somel (2011)
ele implementou o Programa de Ajuste Estrutural, mas a estratégia não avançou muito devido
ao golpe militar naquele ano. A Junta militar que governou a Turquia promoveu a
promulgação da nova Constituição e restringiu as liberdades civis. A década de 1980 ficou
marcada segundo Somel (2011) como momento de introdução do neoliberalismo na Turquia.
As elites locais depois do afastamento dos militares introduziram a mudança no cambio da
economia em 1984 e 1989. Em 1994 o país passou por uma significativa recessão e em 1995,
conforme mencionado anteriormente e entrou para a União Aduaneira da Europa. Nos anos
2000 foi auxiliado pelo FMI e em 2007 foi afetado pela crise novamente. Atualmente,
segundo Dombey (2012) a Turquia está crescendo em média 5% (cinco por cento) ao ano e
por isso os turcos se vêem como exemplo para os países do Oriente Médio e Europa em crise.
4.1.1 Turquia como potência média
Temos crescimento, nos últimos dez anos temos um crescimento médio de quase
10% ao ano, é muito grande em comparação a muitos países europeus. Um
crescimento médio de 10 %. O último que tivemos registrou esse ponto. A China
tem esse crescimento, a Índia tem esse crescimento, alguns países da Europa e a
Turquia tinham esse crescimento. (M. ÖZGÜN ARMAN, 2013)
Na atual cena internacional as potências médias têm desempenhado função importante
tanto no espaço regional como em âmbito global. Para esse estudo interessa caracterizar o que
são potências médias e suas funções. Como breve estudo de caso, caracterizar a Turquia
verificando se tem alcance global ou regional. O argumento é que na atual conjuntura política
as potências médias têm desempenhado papel primordial na política internacional. Potência
Média será analisada como um país que possui algumas capacidades materiais, que se percebe
e pode ser percebido por outros Estados, tanto pequenas como grandes potências, como
diferente (LECHINI; GIACCAGLIA, 2011).
Para as autoras são três os elementos para se identificar uma potência média:
capacidades materiais, auto-identificação e reconhecimento por terceiros. A capacidade
deverá ser mensurada de acordo com cada momento histórico; pode ser analisada pelo poder
bélico, por possessões territoriais ou até recursos naturais como água e petróleo. As
capacidades estão diretamente ligadas à auto-identificação, pois é o que permite ao país ter
certeza de que será tratado como potência média e que será reconhecido internacionalmente
118
dessa forma, ou seja, tanto por pequenos países como pelas grandes potências.
Tradicionalmente, sob um viés crítico, as potências médias podem favorecer a
manutenção da ordem vigente, através de sua política externa. As potências médias podem ser
tradicionais (PMT) ou emergentes (PME), conforme a classificação de Jordaan (2003). Entre
as potências médias é possível fazer a distinção das relações norte (PMT) e sul (PME). As
PMT são geralmente formadas por países estáveis, com boa distribuição de renda. Tem
estabelecida a democracia, mas pouca influencia regional. No caso das PME, são países semi-
periféricos, com democracias recentes e/ou oscilantes. Apresentam característica reformista,
possuem orientação para articulação regional e buscam construir identidades distintas dos
países vizinhos. A Turquia é caso clássico, ao pleitear vaga na Comunidade Européia.
As potências médias possuem alta capacidade de influência e demonstram desejo de
promover estabilidade e uma esfera de influência regional. Geralmente participam de missões
de paz, pois para liderar devem demonstrar força militar. Não interferem em todas as
situações belicosas, mas estão presentes em grande parte da solução dos conflitos. Entendem
que para aumentar seu poder de negociação e galgar postos mais altos nas Organizações
Internacionais (OI), precisam participar ativamente desses espaços. As PME buscam
assinaturas de acordos, são promotoras da paz e sempre tentam liderar assuntos polêmicos ou
estratégicos.
Recentemente, no ano de 2010, observou-se o esforço de Brasil e Turquia para
abrirem negociações com o Irã, sobre o sensível tema do enriquecimento de urânio. Os dois
países conseguiram chegar a um acordo com os iranianos, mas as grandes potências,
principalmente Estados Unidos, não aceitaram. Faz parte do jogo político, as grandes
potências boicotarem estratégias ou diminuir o espaço de atuação das PME para reduzir-lhes o
poder e a capacidade de interferência. Geralmente preferem atrair os países emergentes para
sua área de influência ou blocos/estruturas já existentes para que dessa forma possam
controlá-los.
Uma das críticas dos neogramscianos às OI’s é que essas entidades são promotoras da
ideologia dominante. As PME são atraídas para as organizações que geralmente são
comandadas pelos países do norte e desenvolvidos. Com a adesão das PME as OI’s ganham
legitimidade e maior alcance de atuação. Dentro das OI’s as potências médias são geralmente
favoráveis a grandes reformas nas suas estruturas e nas regras de funcionamento. A objeção é
que são desejos reformistas e atendem a interesses particulares, não são revolucionários, não
promovem mudanças de impacto. Percebe-se apenas a busca por maior poder dentro desses
organismos para rivalizarem com as grandes potências.
119
Um país hegêmona utiliza-se de seu poderio econômico e militar para induzir as elites
dos países menores. Assim a elite local altera sua política e economia para atender aos anseios
das potências. Ou seja, mesmo não sendo um consenso interno, há o consentimento do país
para que a hegemonia seja exercida. As elites, ou burguesia local colocam seus interesses
particulares acima do interesse nacional. Disseminam valores e práticas e a partir desses atos,
que atendem geralmente aos padrões internacionais, alcançam a legitimidade doméstica. O
poder do país hegêmona é exercido pela coerção e/ou pela indução, ocasionando o
comportamento complacente e a diminuição da soberania estatal.
Segundo Jordaan (2003), as PME não possuem recursos materiais para se tornarem
doadores em larga escala, mas o fazem, pois precisam demonstrar capacidade para liderar. A
Turquia, por exemplo, se vê como país doador de recursos financeiros para ajuda humanitária.
Seus documentos internos apontam para mais de cinquenta países já socorridos (TURQUIA,
2001). O país participou de missões “peacekeeping” e “peacemaking” na Somália, na Bósnia
e Herzegovinia, na Geórgia entre outros locais. A ajuda humanitária coloca qualquer país
como cidadão do mundo, permite que esse país, mesmo “ilusoriamente”, seja visto por outros
países como membro forte dentro da arena internacional. A crítica feita é que essas ajudas
camuflam a demanda real por mudanças na economia política global. Sendo consideradas
como extensão das políticas de bem estar para classes pobres e diminuindo as possibilidades
de conflitos, conforme pensado pelos neogramscianos.
Na atualidade é possível perceber a mudança de cenário na atuação das PME. Seu
alinhamento incondicional com as grandes potências passou por mudanças, hoje o foco está
nas relações sul-sul, ou seja, priorizam os países de condições semelhantes para a realização
de negócios e também para projeção econômica e política sem, no entanto, deixar de lado as
negociações com as grandes potências, pois essas ainda detêm o maior volume de transações
comerciais. Além de suas relações com os Estados Unidos e a união alfandegária com a
Europa, a Turquia promove cooperação com países de sua região. Possui acordos com Irã e
Paquistão, ambos para cooperação econômica. Portanto, suas atitudes tendem a promover
estabilização e legitimação da ordem global vigente, não promovem mudança estrutural. E
ainda no aspecto de ser visto como potência média, a iniciativa para formar blocos também é
um bom indicativo.
As PMT também possuem articulações e interesses regionais, assim como as PME. A
diferença é que as PMT estão em suas regiões ao lado das grandes potências, a exemplo dos
países europeus e do Canadá na América do Norte. Isso faz com que seus objetivos de
projeção regional sejam ofuscados ou até anulados. Já as PME como a Turquia possuem
120
grande projeção regional e suas regiões ajudam a incrementar sua participação internacional.
Buscam explorar sua influência regional no âmbito político e econômico. Sua hegemonia
regional pode provocar desestabilização e isso politicamente não é bom. A Turquia, e pode-se
acrescentar o Brasil, realiza grandes esforços em sua formulação de política externa para
amenizar as crises regionais.
Potências Médias, como Brasil e Turquia, promovem sua inserção na esfera
internacional como forma de minimizar sua vulnerabilidade e aumentar seu poder. Deixam de
ser países que apenas realizam trocas comerciais para se tornarem “jogadores globais”, ou
seja, formulam suas PE’s de forma globalizada e participam ativamente da política
internacional. Esses países estão cientes da necessidade de arcar com alguns custos, fazer
concessões e assumir responsabilidades diante de seus “liderados”. Segundo Lechini e
Giaccaglia (2011), outra estratégia que pode ser adotada é a “diplomacia de nicho”, nesse
caso optam por liderar em alguns assuntos específicos.
A Turquia é uma potência média que precisa ser acompanhada de perto e
constantemente, pois seu potencial de crescimento é grande. Apesar de estar localizada em
uma região com tendência forte ao conflito, a Turquia pode ser a potência regional que
consiga auxiliar no processo de diálogo. Um aspecto crítico apontado por Jordaan (2003), que
provoca certo desconforto às PME, é a forte presença dos seus líderes nacionais no cenário
internacional. A figura do líder é super valorizada e coloca o Estado em segundo plano. Essa
preponderância pessoal prejudica na formulação da política que às vezes deixa de ter
característica estatal. Tanto Brasil como a Turquia viveram a experiência dessa liderança com
Luiz Inácio Lula da Silva e com Recep Tayyip Erdogan, respectivamente. Outro aspecto
crítico levantado pelo autor são os problemas internos vivenciados pelas PME, a grande
desigualdade social, divisões étnicas e culturais, além da má distribuição de renda. Seria fácil
enquadrar nessas características quatro das principais Potências Médias da
contemporaneidade, Índia, Brasil, Turquia e África do Sul, que apesar do crescimento na
arena internacional apresentam essas fortes divergências internas.
Nas relações sociais a financeirização já é prioridade nos países do globo. As relações
são puramente mercadológicas e as pessoas não se enxergam mais como ser social. As
relações trabalhistas foram completamente corrompidas e o homem não se realiza mais no
trabalho e sim no mercado. O caráter ontológico do trabalho está esvaziado. Se a lógica é da
mercantilização e financeirização os direitos sociais são colocados em segundo plano. O
“mercado” entende que as pessoas não precisam ter acesso a direitos e sim a possibilidades de
consumo, o consumismo é agora a nova forma de inclusão social. A lógica perversa da
121
distribuição de renda, não mais se distribui riqueza, se é que algum dia isso ocorreu nos países
periféricos ou semi-periféricos. Assim a periferia se transforma em centro, é legal ser pobre,
“ser da favela é ser top”. É preciso que “as esquerdas” estejam atentas, pois no auge de sua
crise o capitalismo utiliza-se da pobreza para se refazer enquanto sistema forte. Infelizmente
estão alcançando seu objetivo, é o momento de mudança no sistema que está dado.
Nas relações internacionais acontece evento semelhante, pois Gramsci já dizia que as
relações internacionais são reflexos das relações internas, com isso modifica-se a divisão
internacional do trabalho. Nesse espaço verifica-se a crescente revalorização dos países
periféricos. Esse deve ser o “pulo do gato” dos países periféricos e da esquerda, se é que ela
ainda tem possibilidades para tal. Os países emergentes ganharam um papel de destaque e
devem saber aproveitá-lo. Esse é o momento da contra-hegemonia. É a oportunidade para
revalorização do ser, da minimização do consumismo exacerbado. No nível internacional, a
situação está favorável aos países do sul, para que possam buscar relações menos desiguais
com os países do norte.
Na situação turca algo chama a atenção quando se pensa na questão da auto-imagem.
Conforme menciona Lazarou (2012)27
, os turcos se vêem como “Potência Central” na região
do Oriente Médio. Isso se expressa na importante formulação de Política Externa: “Zero
Problemas” com os Vizinhos, nas disputas veladas com o Irã pela liderança regional, no
posicionamento contrário à postura de Israel no caso da Palestina e na adoção de políticas
atualmente denominadas por alguns teóricos como Neo-Otomanista, conforme afirma
Lazarou (2012). Talvez não haja o desejo de voltar a ser um império, mas a intenção de
resgatar a influência exercida naquele período imperial. Ao ser questionado sobre a Política
Neo-Otomanista o Cônsul entrevistado respondeu assim:
A Turquia tem o maior interesse em estabelecer contato (comercial/diplomático)
com os países que foram do Império Otomano. Mas, Neo-Otomanismo não é um
conceito correto. A Turquia não tem poder pra dominar, não tem intenção pra
dominar. Mas, jogar um jogo mais ativo é outra coisa! Tem mais intenção de
liderança regional, jogo mais positivo, não interesse dirigir outros países, interesses
econômicos e mediar conflitos sim. Jogar um jogo mais ativo, sim. (ÖZGÜN
ARMAN)
27
Palestra proferida por Elena Lazarou no Seminário Potências Médias na PUC Minas, Belo Horizonte nos dias
01 e 02 de outubro de 2012.
122
4.2 A coalizão na II Guerra do Iraque
Este item foi incluído aqui para demonstrar a correlação de forças dentro da Turquia
no momento em que havia na cena política do país uma importante mudança estratégica.
Como está sendo analisado ao longo deste capítulo com o fim da Guerra Fria, o foco de ação
em Política Externa e mesmo em geopolítica passa para uma postura de acordos multilaterais.
A coalizão para a Segunda Guerra do Golfo mostra os embates entre aqueles turcos de
tendências pró-americanos e os que defendem mais autonomia turca em relação aos Estados
Unidos.
A coalizão na II Guerra do Iraque deve ser analisada mais sob o ponto de vista
geoeconômico e menos do âmbito geoestratégico. A intenção do Governo Bush de invadir e
consequentemente ocupar o Iraque se explica muito facilmente pelo ponto de vista da busca
por fontes de energia, como petróleo e gás. Ainda nesta dissertação será possível perceber que
essa busca teve seu início marcado na década de 50. Assim, mesmo analisando com foco
econômico, a contenção foi válida, pois, da mesma forma que os EUA, a URSS também
desejava participar e desfrutar das riquezas da região médio-oriental. Também foram
fundamentais a hegemonia e o poderio bélico americano nessa campanha durante e depois da
contenção.
Para Lopes (2009) a hegemonia de um Estado é demonstrada através de sua
capacidade de se projetar sobre outros países dentro do contexto da política internacional.
Para manifestar sua hegemonia um Estado utiliza-se de meios coercitivos e através de normas
a serem cumpridas por aqueles que estão subjugados ao seu poder. A autora afirma ainda que
para exercer essa liderança, o país utiliza-se de medidas econômicas, militares e tecnológicas.
No caso do Iraque o poder militar foi “ditatorialmente” utilizado pelos EUA, ignorando a
ONU e outros países pertencentes à Organização. Na sua relação com a Turquia, por exemplo,
os turcos conseguiam, apesar de relativamente menores em termos de “hard power”, fazer
exigências e impor condições, através do “soft power”.
Após os ataques do 11/09 a política neoconservadora norte-americana adotou uma
postura bem mais agressiva. Faltava ao Governo americano desde o fim da Guerra Fria um
inimigo a ser enfrentado, além disso, o episódio serviu para trazer de volta, ou renovar, a ideia
do Destino Manifesto. Os EUA tinham o dever de salvar o Mundo das mazelas do terror e
Deus teria atribuído ao seu povo esse direito. O Governo Bush conseguiu dar face ao terror,
personificando-o em Osama Bin Laden e Saddam Hussein. Logo no início de 2002 Bush
ditou o tom da Política Externa consagrando o Conceito de “Eixo do Mal” para aqueles
123
países, que segundo sua administração, ameaçavam a segurança nacional, regional e global.
Portanto, “internalização de valores e normas constitui um importante recurso de poder do
Estado hegemônico.” (LOPES, 2009, p. 230).
O primeiro grupo de países a ser classificado e enquadrado pelo conceito foi composto
por Iraque, Irã e Coréia do Norte. Em um segundo momento Cuba, Síria e Líbia passaram a
fazer parte do grupo. Desses, a princípio o alvo mais “fácil” de ser enfrentado seria o Iraque
de Saddam. Desde 1980 o país enfrentava sucessivas guerras, e um conflito de 10 anos com o
Irã já havia desgastado e desestruturado a sociedade e o exército. Logo em seguida houve a
invasão ao Kuwait que culminou na I Guerra do Golfo, na qual o Iraque enfrentou a coalizão
liderada pelos EUA. Outro aspecto é que o Iraque devido a esses conflitos já tinha sua
imagem desgastada no ambiente internacional, não tinha, portanto, apoiadores. E por fim o
petróleo do Iraque despertava a cobiça norte-americana.
A Crítica feita aos americanos é que Coréia do Norte e Irã poderiam, à época, ser mais
ameaçadores à segurança internacional que o país debilitado de Saddam. Bush alegava que o
Iraque possuía armas de destruição em massa e os “novos cruzados” precisavam destruí-las.
Poucos Estados foram convencidos desse argumento, mas, o ataque aconteceu na perspectiva
de que seria rápido e pontual. Os EUA usariam pouco efetivo militar e em pouco tempo. Com
o passar do tempo, sem conhecimento das questões internas, americanos e ingleses se
encontraram perdidos diante dos conflitos sectários iraquianos e foram obrigados a enviar
mais soldados. Até então isolados na ação, iniciam a busca por parceiros na tentativa de
amenizar os conflitos que ficavam àquela altura fora do controle.
A questão no Iraque tinha e ainda tem outro fator de segurança ou de unidade nacional
importante para a Turquia. No norte do Iraque existe uma população curda relevante e que
gera preocupação ao governo turco. Esse fato causou constrangimentos logo no fim da I
Guerra do Golfo. Quando Saddam foi derrotado, os curdos iraquianos iniciaram um
movimento de revoltas internas com objetivos emancipatórios, resgatando o antigo desejo de
criação do Estado Curdo. Como resposta o governo iraquiano enfrentou violentamente a
insurreição e promoveu um massacre de curdos no norte do país, fato que foi observado pela
ONU e demais países sem que uma postura mais rígida fosse adotada.
No ano de 2003 o Secretário Americano Colin Powell visitou a Turquia com o
objetivo de negociar a utilização do território turco para o acesso ao norte do Iraque. Em
março, um mês antes da visita do Secretário americano, o Congresso turco já havia negado a
autorização, apesar da ajuda proposta pelos americanos de $ 1 Bilhão de dólares. Os
americanos queriam ainda ajuda em combustível e transporte de soldados feridos para a Base
124
de Incirilik na Turquia. A negativa turca provocou sérios abalos na relação antiga dos dois
países e esses desentendimentos levariam vários anos para serem superados. (TURQUIA,
2011).
A população turca e os partidos de oposição foram majoritariamente contra a
intervenção no Iraque em 2003. O Partido de Erdogan demonstrou duas tendências naquele
momento para resolver o imbróglio. Uma saída seria via diplomacia e para isso inclusive
organizou um encontro em Istambul entre vários Ministros das Relações Exteriores do
Oriente Médio. Por outro lado havia a proposta por parte dos EUA de injetar grandes
quantidades de dinheiro na Turquia caso o acordo em torno da Guerra fosse celebrado. Para
os estadunidenses interessava a utilização das bases militares, usar a Costa turca para
estacionar as Forças americanas e a permissão para o trânsito de soldados e equipamentos em
solo da Turquia. Essa questão gerou entraves e proporcionou um episódio relevante em
termos de Política Externa.
Segundo Kesgin e Kaarbo (2010) tradicionalmente as decisões de Política Externa não
eram influenciadas pelos Parlamentos. No caso da Turquia, a população e a oposição eram
contrárias à guerra, pois, em 1991 com a I Guerra do Golfo houve uma grande imigração de
iraquianos para a Turquia, retaliação e muita dificuldade econômica. Para obter a vitória na
guerra os americanos sabiam da necessidade de controlar o norte e o sul do Iraque. Contudo, o
norte, local habitado por curdos, só seria conquistado com a utilização do território turco. E
foi exatamente para bloquear essa intenção americana que o Legislativo entrou em cena e se
opôs à permissão do Executivo turco em favor do aliado da OTAN.
No caso do uso do território turco, foi possível perceber a importância do Parlamento e
o Governo de Erdogan a princípio aceitou a decisão do Legislativo, não permitindo a entrada
de tropas americanas pela Turquia. Conforme afirmam Kesgin e Kaarbo (2010), 90% da
população eram contrários à guerra e, além disso, fez renascer o sentimento antiamericano no
país. Mesmo com as manifestações em contrário o governo do PJD (Partido da Justiça e
Desenvolvimento) tentou demonstrar ao povo que a Guerra seria necessária e deu início ao
longo processo de negociação com o Legislativo. O episódio turco mudou as concepções de
participação do Legislativo em decisões de Política Externa em nível internacional.
Para convencer o Congresso e o povo da Turquia, os EUA fizeram uma oferta em
dinheiro que foi sendo aos poucos aumentada, chegando em $26 bilhões. Desses $20 bilhões
em empréstimos e seis (06) bilhões em garantias. A estratégia utilizada pelo governo turco foi
o envio de mensagens ao Congresso para tentar demovê-lo de sua posição. A primeira foi em
fevereiro de 2003 e foi rejeitada. A segunda foi em março, modificando a anterior e
125
negociando mais benefícios à Turquia que também foi negada. Esse constrangimento
arranhou a amizade entre os países. Por outro lado, demonstrou que o Legislativo pode
interferir nas decisões de Política Externa na Turquia e em outros Estados, o que foi um
precedente importante para as RI, segundo Kesgin e Kaarbo (2010).
4.3 A geopolítica da Turquia hoje
O sistema internacional passou da bipolaridade para a multipolaridade. A
simplicidade do mundo pós-guerra (Ocidente contra países socialistas, política de
blocos, confrontação bipolar russo-americana) contrasta com a complexidade do
mundo atual. (CASTRO, 2012, p.33)
A geopolítica da Turquia hoje está diretamente ligada à questão da globalização e à
formação de blocos regionais. Ao ler o item que trata da Política Externa Turca, no capítulo 3,
ou parte da entrevista concedida pelo intelectual turco, fica nítida a mudança de foco em
termos de geopolítica na atual política da Turquia. Ao debater o tema da globalização, Oran
(2010) utiliza-se da definição de segunda e terceira fases de expansão da globalização para
pensar a inserção da Turquia nesse modelo político-econômico ligado ao sistema capitalista
de produção. A segunda fase ou segunda globalização foi o momento do imperialismo, com
características de monopólios, desemprego, expansão do capital e pobreza. A terceira fase, ou
terceira expansão está vinculada ao aumento excessivo da fluidez de capital internacional,
transferências instantâneas para qualquer parte do mundo, transações bancárias feitas a
qualquer hora do dia ou da noite e de lugares diferentes.
Para Becker (2010) a globalização tem no mercado financeiro seu ponto chave na
contemporaneidade, mas envolve também questões sociais, políticas, econômicas e culturais
que precisam ser observadas. Ainda há fortes transações em termos de commodities,
agronegócio e comércio, apesar dos fluxos de capital. Com isso, principalmente quando se
pensa em agricultura, o protecionismo funciona ainda de forma intensa. O discurso do livre
mercado, da liberalização, cai por terra. Outro aspecto interessante é que se fala em fluxo de
capital, circulação de capital, mas a circulação de pessoas é restringida. Basta analisar, por
exemplo, uma das restrições à entrada da Turquia na UE. Mas, assim como o capital, as
empresas se deslocam em busca de mão-de-obra e matéria prima mais baratas.
Há na atual conjuntura capitalista aquilo que Becker (2010) denomina de sofisticação
na divisão internacional do trabalho. Não se pode mais pensar em países periféricos ou
centrais. O processo de produção é por escala. Os países do Centro ficam responsáveis por
126
abrigar as funções nobres do sistema econômico. As potências médias fazem parte das
funções mais nobres e parte das atribuições que exigem mão-de-obra menos qualificada. E o
terceiro grupo de países, aqueles com menor desenvolvimento relativo, não contribuem
diretamente com o sistema econômico global, mas fornecem baixos custos e impostos
inferiores que a média mundial. Como consequência o mundo desigual, segmentado,
interdependente. E claro, os blocos regionais servem para legitimar esse modelo, na maioria
das vezes.
As aberturas econômicas dentro desses blocos servem para atender às burguesias
internacionais, grandes corporações (elites) que buscam facilidades nas transações (BECKER,
2010). O discurso é da paz através do comércio, mas não há bondade nesse modelo, a lógica é
da vontade própria, do individualismo. O sistema econômico funciona bem ao molde realista
do “self-help”. A França, por exemplo, ou os EUA, defensores da paz e do mercado livre,
promovem constantemente atitudes desleais com os países periféricos, ou do Sul, que ainda
exportam commodities. Esses países promovem barreiras, criam subsídios internos e ainda
controlam os organismos que deveriam regular essa situação, como a OMC.
Mesmo com o cenário acima desenhado alguns países ou potências médias ainda
conseguem criar alternativas de desenvolvimento. Na logística global do capitalismo boa
parte das mercadorias transportadas passa pelos mares e oceanos. Neste ponto a Turquia leva
vantagem devido a sua situação estratégica. Ainda em virtude de sua geografia a Turquia pode
promover alianças com países do Oriente e do Ocidente. O Cônsul da Turquia aponta algumas
possibilidades da Turquia em relação às estratégias regionalistas e a política multilateral e
responde em parte algumas críticas feitas por teóricos como Ertekin (2012).
Então, a Turquia escolheu uma política externa que é muito mais variada, com
vários vizinhos, como os Bálcãs, como o Oriente Médio, como a Ásia Central, como
a Rússia, Ucrânia, e a parte norte da Europa. Essa foi a política que a Turquia adotou
nos primeiros dez anos depois da Guerra Fria. Claro que também sempre tivemos
interesse sobre a Ásia Sul, estou falando de Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia e
outros países que não são vizinhos diretos da Turquia, mas...um pouquinho mais
distante, e que são muito perto em geral quando falamos em geografia e que são
influentes, ou que influência na política da Turquia. Esses países que eu citei da Ásia
Sul e também os países da África Norte, que alguns fizeram parte do Império
Otomano, Egito, Tunísia, Líbia. Vamos dizer que depois de alguns anos a Turquia
tentou concentrar a Política Externa sobre essas regiões. (ÖZGÜN ARMAN)
No passado a Turquia desempenhou importante atribuição junto às potências do
Ocidente, principalmente em relação aos EUA. Conforme afirma Ertekin (2012) o país ainda
é importante para amenizar as tensões no Oriente Médio, provavelmente como mediador. A
crítica elaborada pelo autor vai na direção de que a Turquia precisa atender menos aos
127
interesses de outras nações do Sistema Internacional e buscar priorizar os seus próprios
caminhos. Principalmente quando se tem em vista que os turcos buscam a liderança regional.
Apesar da crítica acima mencionada percebe-se que o governo turco está em busca dessa
atenção aos países da Ásia Central (ver mapa 05). A fala abaixo ilustra a mudança na
perspectiva geopolítica no mundo atual.
Hoje. Eu penso que há uma grande mudança em relação ao mundo da Guerra Fria e
o mundo de hoje. Primeiro não existe essa pressão de escolher essa coisa de
segurança, porque na Guerra Fria, para muitos países vinha primeiro a questão da
segurança. Pois havia um grande risco de ataque, então os países, ... porque a
Turquia tinha medo da União Soviética, pois ela mostrou que queria acesso aos
mares quentes, acesso ao Mediterrâneo. Por isso, por questão de segurança naquele
tempo decidimos pela OTAN. Sentíamos o risco. Mas, hoje o mundo não é mais tão
perigoso, tem outras diferentes escolhas para os países em Política Externa. Hoje
depois da Guerra Fria, década de 90, para a Turquia é muito importante a Europa,
principalmente o Oeste. Os antigos países soviéticos que estão a Leste, ou parte
deles, muitos são repúblicas turcas. Tinha uma oportunidade para Turquia manter
relações com eles. (ÖZGÜN ARMAN)
Fernandes (2005a) denomina T5 os países de etnia turca situados na Ásia Central. A
Turquia possui evidente identidade com eles e foi criada, com sede em Istambul, uma
organização internacional dos países turcos, mas que ainda não é muito forte. (Özgün Arman)
A Turquia mantém fortes relações com os esses povos que são: Azerbaijão, Cazaquistão,
Uzbequistão, Quirguistão, Turcomenistão. Com esses países a relação tem foco em questões
econômicas, mas, há também o interesse na aproximação étnica, identitária. Há diálogo
comercial com os países do Leste da Ásia, como Coréia do Sul e Japão e ainda com a
Austrália. Deve se mencionar também o direcionamento de ações da Política Externa turca
para a África e para América Latina, principalmente o Brasil. Todos esses casos demonstram
uma correção na estratégia da Turquia e responde à crítica de Ertekin (2012) além de
demonstrar que está aberta para a globalização. É preciso ressaltar que os aspectos
geográficos facilitam também o comércio, o transporte marítimo, terrestre ou aéreo.
128
Mapa 5 - O Cáucaso e Ásia Central
Fonte: University of Texas Libraries
. O Cáucaso e os países de etnia turca: Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão e Quirguistão.
Para ser uma Potência Regional ou Potência Central, a Turquia dependerá de sua
situação econômica, da sua capacidade de projeção e o comportamento adotado diante da
competitividade da economia global. O país é membro do G20 desde 1999 e pode figurar
entre as dez potências econômicas do mundo em um futuro muito próximo. A estratégia de
liderança turca passa necessariamente pelo Cáucaso, Oriente Médio e Ásia Central. Mas por
um desvio na formulação de sua PE as atenções estavam direcionadas para a União Européia
e EUA. “De acordo com os conceitos básicos de geopolítica, a importância estratégica da
região e dos países localizados no Cáucaso ou em seu entorno, na Ásia Central e Oriente
Médio constitui principalmente mais atração e interesses para o intercâmbio de países que
buscam estabelecer boas relações.” (ERTEKIN, 2012, p. 20)28
. Portanto, será primordial para
a Turquia, em suas aspirações na Política Internacional, estar mais atenta ao seu entorno
geopolítico.
28
According to basic concepts of geopolitics, the importance of the strategic regions and countries located in or
around in Caucasian and Central Asia and Middle East constitute principally more attractions and interests for
the dealing countries which aim to establish good relations. (ERTEKIN, 2012, p. 20) Tradução Livre.
129
A Política Externa turca sofreu algumas mudanças nas três últimas décadas, passando
por várias fases até chegar ao estágio atual. Há o espectro da mudança no ar.
Agora a Turquia joga um jogo muito mais ativo também...nas Nações Unidas. Muito
mais ativo ... em 2009 e 2010 a Turquia estava no CSONU. E agora nós somos,
também de novo, candidatos para os anos de 2015 e 2016, pela segunda vez, somos
candidatos. Ou seja, depois de mais de 40 anos, fomos pela primeira vez na história,
ficamos membros do CSONU. Eu disse isso para mostrar a posição da Turquia
como ativa....como temos uma política muito mais ativa em comparação com a
Guerra Fria. (ÖZGÜN ARMAN).
Apesar da menção de Ertekin (2012) de que a Turquia ainda é importante no aspecto militar, e
isso é uma verdade, as relações atualmente estão mais voltadas para fatores econômicos.
Sabe-se, no entanto, que as relações econômicas atraem para si os laços diplomáticos,
militares, culturais e políticos, mas, pelo menos em tempos de paz essas questões são
secundárias. Assim sendo, as análises direcionam a liderança turca mais em termos
econômicos e menos em aspectos militares. Portanto, os aspectos geopolíticos, localização e
posição, favorecem o crescimento, os acordos bilaterais e multilaterais para Ancara.
Assim pode-se afirmar que em tempos de políticas multilaterais e formação de blocos,
a Turquia deixa de lado os fatores militares e estratégicos para se dedicar a uma diplomacia
mais pragmática e voltada para seu desenvolvimento industrial e tecnológico. A mudança de
direção foi adotada. Consequentemente ao fim da Guerra Fria houve a aproximação da
Turquia aos países do Cáucaso (ver mapa nº 05) e dos Bálcãs (ver mapa nº 06).
130
Mapa 06 - Os países dos Bálcãs
Fonte: University of Texas Libraries
4.4 A relação com os vizinhos do Oriente Médio
A Turquia é um país que procura solucionar diplomaticamente seus problemas com os
vizinhos. Faz parte de sua Política Externa manter “zero problemas” com todos. Contudo,
ainda persistem alguns empecilhos para a concretização desse ideal. Não significa, no entanto,
que a Turquia esteja próxima de uma guerra, mas fato concreto, a busca por “zero problemas
com vizinhos” ainda deverá trilhar um caminho com alguns obstáculos a serem vencidos. A
questão do nacionalismo, as etnias, a segurança, território são exemplos de barreiras que a
Turquia deverá romper para alcançar sua meta.
131
Ao ser perguntado sobre a Política Neo-Otomanista Özgün Arman afirmou sem
vacilar que esse ideal de política não passa pelo Governo turco. Uma política desse calibre
significaria que as intenções da Turquia para a região do Oriente Médio são de cunho
imperialista, isso não é verdade. Poderia estar implícito o desejo de restabelecer o domínio
nos moldes do Império Otomano, isso também não é verdade. Existe sim a busca por uma
liderança regional, liderança econômica, hegemonia nos moldes mencionados pelos teóricos
neogramscianos. Afirmou o entrevistado que não cabe mais no Sistema Internacional modelos
de Império como foram o Otomano ou o Romano, por exemplo. Disse ainda que é bastante
complexa a relação da Turquia com seus vizinhos e que esse assunto demandaria estudos bem
aprofundados.
Esclarecido esse ponto, passa-se adiante, àquilo que interessa nesse subitem,
analisando os principais países do Oriente Médio e adjacências. A relação com a Síria sempre
foi muito positiva e com respeito de ambos os lados, contudo, depois dos acontecimentos
recentes a situação ficou complicada. A Síria reclama uma parte do território turco que lhe
pertenceria e têm ainda um contencioso em relação aos Rios Tigre e Eufrates. Da mesma
forma a história de amizade com o Irã é de séculos. A Turquia possui vários negócios com o
Irã, principalmente gás. O Cônsul entrevistado afirmou que o comércio entre os dois países
não é maior por interferência dos EUA. Muitos empresários turcos possuem negócios no país
de Khomeini. A Turquia sugere ao país amigo, Irã, que siga as normas da AEA – Agência de
Energia Atômica, e da ONU.
Com os judeus a Turquia mantinha fortes laços de amizade e vários tratados bilaterais.
Contudo, desde o ataque do Exército Israelense a uma flotilha no ano de 2011 (composta
também por turcos) que seguia em direção a Faixa de Gaza as relações estão em crise. Para o
Governo de Israel o barco possuía armas e foi um ataque que objetivava a defesa. A Turquia
rebate esse argumento, pois, os tripulantes do barco eram civis, militantes dos direitos
humanos, levando ajuda ao território da Palestina. Portanto, para o Governo turco, Israel
utilizou-se de força desnecessária. Para que seja restabelecida a situação Israel deve se
desculpar pelas mortes ocorridas e prestar apoio financeiro às famílias das vítimas, é o que a
Turquia exige atualmente.
Quanto a Grécia (ver mapa nº 04), diplomaticamente os dois países mantêm conversas,
mas suas diferenças na verdade ainda persistem em duas distintas frentes: o espaço aéreo e
marítimo no Mar Egeu e a questão do Chipre. Os noticiários televisivos ou jornais que tratam
do assunto apresentam a situação do Mar Egeu como solucionada, contudo, esse fato ainda
não foi resolvido. Os países ainda não concordaram em relação à divisão do espaço
132
(fronteiras) isso claro, traz resquícios do secular conflito entre Grécia e Turquia. O outro
aspecto é que a Grécia, assim como os demais países do sistema internacional, reconhece o
Governo do Chipre, composto por etnia grega, assim os problemas da Ilha também afetam a
relação entre gregos e turcos. A Ilha do Chipre localizada entre Turquia e Grécia é outro
entrave na busca por zerar os problemas com os vizinhos.
Conforme mencionado nesse texto, a Ilha ainda está ocupada por soldados turcos na
parte habitada por cipriotas turcos, norte do Chipre. A Turquia entende que a retirada do seu
exército pode significar consequentemente um ataque à sua população no Chipre. A nação
turca não concorda com essa retirada; nem aqueles que residem no Chipre, nem os residentes
na Anatólia. Recentemente o Chipre ocupou a presidência da União Européia, foi esse
período, segundo o Özgün Arman (2013), o maior entrave à entrada da Turquia no Bloco.
Também as relações com a Armênia possuem dois aspectos a serem analisados: o
debate em torno do “genocídio” de 1915 e a disputa territorial com o Azerbaijão. A Armênia
exige que a Turquia reconheça os fatos acontecidos no ano de 1915 como genocídio, (ver item
2.4.3), para os turcos o episódio foi extremamente desagradável, mas os dois povos foram
vítimas de uma situação que aconteceu sob os auspícios do Império Otomano. A Turquia não
reconhece esse episódio como genocídio, mas na atualidade esse reconhecimento é exigido
também pela União Européia, como parte do processo de adesão dos turcos ao bloco. Por
outro lado o Azerbaijão possui uma disputa territorial com os armênios. A Turquia reclama
que 20% do território do Azerbaijão está ocupado (invadido) pela Armênia. Isso provocou
deslocamento de parte da população do país de etnia turca. Por isso a relação entre Turquia e
Armênia está em crise.
Por fim os três outros casos. A Geórgia reivindica terras turcas, acordadas com a
Rússia em 1921. Já com a Bulgária havia um problema com minoria islâmica nesse país,
questão já resolvida. Com o Iraque, problemas relativos ao povo curdo, além do contencioso
sobre os Rios Eufrates e Tigre. Apesar do esforço turco para se manter livre dos conflitos com
os vizinhos, são muitas as questões a serem resolvidas e que demandarão esforços da
diplomacia da República da Turquia para solucioná-las.
4.5 Religião, Cultura e Modernidade: um debate atual
Uma pequena parte da história de vida do Primeiro Ministro Erdogan é primordial
para iniciar a complexa discussão sobre religião e cultura na Turquia. No ano de 1998, o hoje
Premier foi condenado a 10 meses de prisão por incitar o ódio religioso (FERNANDES,
133
2005a). A punição veio em virtude de um discurso público, no qual Erdogan declamou um
poema de um famoso poeta turco. Além da condenação civil, o então presidente da Câmara de
Istambul teve os direitos políticos cassados, voltando oficialmente à vida política em 2002.
Fato interessante foi que seu partido, o AKP, vencera as eleições nesse ano e Erdogan não
pode assumir imediatamente devido à suspensão. (Veja Anexo A)
A Turquia é um país marcado por contrastes, tanto na paisagem, quanto na história, na
religião, na política e na sociedade (BARKER, 2012). Essa característica é sem dúvida, fruto
de um longo e conturbado processo histórico. Quando os turcos entraram em cena no Oriente
Médio, vale ressaltar que nos seis primeiros séculos da era cristã eles estavam fora das zonas
imperiais, o Estado e a Sociedade Islâmica estavam debilitados. O primeiro povo turco a se
converter ao Islã foi o Karakânida em meados de 960 d.C., para Lewis (1996) os turcos
conheceram ainda uma fé pura e lutaram contra os parentes infiéis. Para o autor nenhum outro
povo adquiriu tamanha identidade com o Islã. Nesse período ocorreram muitas migrações
turcas e diversas lutas foram travadas em decorrência da busca do espaço vital, nos termos de
Ratzel.
A cultura turca foi influenciada por várias outras até chegar ao nível em que se
encontra. Na sua constituição foi fortemente influenciada pelos chineses, apesar dos diversos
conflitos com esse povo. Algumas nações turcas, segundo Stierlin (1999), chegaram a ocupar,
por um breve período, o Trono Imperial Chinês. Também devido à influência de outros
povos, neste caso principalmente os sírios e os armênios, os turcos desenvolveram as técnicas
de construção, cobertura e ornamentação. Assim “os sultões seldjúcidas não só favorecem a
construção de mesquitas e de escolas corânicas como são também poderosos promotores das
artes.” (STIERLIN, 1999, p. 10). Algumas mesquitas turcas, como a Mesquita Azul, estão
entre os locais mais visitados do país.
O período dos turcos seldjúcidas foi um período histórico de conquistas, conforme já
mencionado, mas foi, sobretudo, de possibilidades e de expansão cultural, vigor religioso e
comunicação. Essa política de construção e arquitetura foi bem aceita pelos Sultões do
Império Otomano. Por volta do ano 1380 os Otomanos entraram em contato com a arte
Bizantina e a influência desse povo logo se fez perceber na obra arquitetônica dos turcos.
Belíssimas Mesquitas foram construídas após essa interlocução e ainda hoje despertam a
curiosidade em Istambul.
Com fim do Império e o início da República da Turquia, um dos problemas que se
instalou foi a explosão de um conflito interno de difícil solução. Diante dos últimos suspiros
do “Homem Doente” teve início a disputa entre o movimento nacionalista versus o
134
movimento da monarquia otomana. Esse problema se expressa hoje na oposição
secularismo/islamismo. Para relembrar apenas: de um lado a ala que defende o secularismo,
uma elite burocrático-militar kemalista e influenciada pela esquerda européia, do outro lado
está uma contra-elite, apoiada na síntese turco-islâmica mais próxima da direita conservadora.
A construção histórica do nacionalismo turco paradoxalmente colocou a história em segundo
plano e tentou organizar uma situação nova (FERNANDES 2005a). Para esse autor Atatürk
utilizou-se de várias ideologias para justificar a chegada dos turcos à Anatólia e reafirmar que
aquele local era também a casa deles. Resgatando as ideias do nacionalismo ocidental, Kemal
pensou e utilizou para a construção do Estado-nação a questão da língua, o espaço, a
modernidade e reescreveu a história. Ainda segundo Fernandes (2005a) contou com o apoio
dos Alevis e dos Curdos (minorias), formatando a ideia de comunidades imaginadas. As elites
kemalistas tentaram ignorar o fato de ser a Turquia um país islâmico.
Uma das clivagens mencionadas por Fernandes (2005a) é a divisão dentro do Islã
turco, entre Sunitas e Xiitas. Aproximadamente 1/4 da população turca é xiita, ou seja, quase
20 milhões de habitantes. Dos xiitas da Turquia a maioria é da tendência Alevi. Os Alevis são
tribos nômades e habitam áreas rurais da Anatólia Central e Oriental. É um grupo
marginalizado e sua religião é fortemente fechada, com práticas ligadas ao secretismo.
Ninguém se torna Alevi, nasce Alevi. “Ironicamente, é, muitas vezes a existência de uma
povoação sem mesquita que denuncia a presença destes no terreno.” (FERNANDES, 2005a,
p. 80). Há algumas diferenças do povo Alevi em relação aos demais ramos do mundo
islâmico: fazem uso do vinho nas cerimônias, não seguem a rotina das cinco orações, não
observam o Ramadã e a Peregrinação à Meca, não se utilizam das mesquitas e proíbem o
proselitismo religioso. Esse grupo foi, contudo, o principal apoiador de Mustafá Kemal no
momento da independência. Por outro lado, em razão desses fatos já mencionados, foi
duramente atacado por fundamentalistas e por grupos de direita radical. Somente no final dos
anos 80, os Alevis recuperaram o respeito e a aceitação da população sunita turca
(FERNANDES, 2005a).
O Islã dentro da Turquia fez crescer, como em todo o mundo muçulmano, o
sentimento anti-ocidental. A religião não foi abolida e nunca houve consenso dentro do país
sobre a questão do secularismo, que foi uma imposição no modelo de “revolução pelo alto”.
Desde 2002 o AKP, Partido da Justiça e do Desenvolvimento, governa o país e esse partido se
autodenomina islamita moderado. O fato de ter um governo com característica religiosa
aumenta, ou no mínimo tenciona, a situação política no país. Segundo Dombey (2012), o país
na era AKP/Erdogan apresentou evoluções, mas, começam a surgir internamente as
135
manifestações por maior liberdade política.
Portanto, percebe-se que o Islã na Turquia tem presença marcante e inquestionável,
mesmo com os princípios do secularismo kemalista sendo “guardado” pelos militares e por
parte da elite turca. Para analisar a Turquia não se pode em hipótese alguma ignorar a força do
islamismo, por isso, é importante mencionar que nas décadas de 40 e 50 foram lançadas as
bases para a tentativa de desconstrução do secularismo. Todos os esforços feitos nesse
período serviram para fortalecer àqueles que desejavam re-islamizar a Turquia. O esforço
culminou nos movimentos da década de 1970. Até a chegada do AKP ao governo turco foram
vários partidos de tendência religiosa que tiveram influencia na história do país.
Em se tratando de questões políticas no ano de 1946 a Turquia passou por uma grande
mudança em relação à sua política interna. Foi criado o Partido Democrata e instaurado a
partir disso o pluripartidarismo em terras turcas, mesmo contra a vontade do Partido
Republicano de Atatürk. O PD tinha apoio de grupos religiosos, da população rural e alguns
comerciantes. O partido reclamava que o PRP (Partido Republicano do Povo) promovia a
negação ao passado do país. Para Fernandes (2005a) a atuação do PD pode ser analisada
como uma contra-revolução. O AKP é resultado dessas mudanças iniciadas na década de
1950.
Uma das primeiras mudanças implementadas pelo Partido Democrata (PD) ao assumir
o governo em 1950 foi abolir a determinação imposta pelo PRP que proibia o chamamento
para as orações diárias e esse fato evidentemente mexeu com os humores dos militares. O PD
entendia que o exercício da religião deveria ser livre para a população. O movimento liderado
pelos democratas turcos tinha fortes argumentos, que segundo Fernandes (2005a) soavam
mais como um manifesto contra o secularismo:
(a) a Turquia não avançou na industrialização;
(b) secularismo não é pré-requisito para modernização;
(c) não deve haver conflito entre ciência e religião;
(d) toda civilização deve ter base religiosa;
(e) foi uma revolução pelo alto, sem apoio da população. Essas questões somadas aos
acordos com os EUA, já mencionados, levaram ao golpe de 1960.
Após o golpe de 1960, Menderes foi executado, junto com outros ministros de seu
governo. Foram acusados de corrupção, violação da Constituição e outros crimes. Ainda na
década de 60 surge o Partido da Justiça, um forte rival para o PRP. Apareceram também na
136
cena política turca o Partido da Salvação Nacional, islâmico, e o Partido da Ação
Nacionalista. Foi um período marcado por várias coligações partidárias, mas que eram sempre
rompidas por desacordos e desentendimentos. As crises que afetaram o mundo nos anos de
1973 e 1974 também alcançaram a Turquia, somam-se a isso as pressões internacionais pelo
conflito no Chipre. Tudo isso levou ao Golpe de 1980. Dessa vez no poder, os militares
deixaram uma herança importante para a história turca, a Constituição de 1982, que ainda
hoje vigora no país.
Na década de 1970 surgiu um grupo na Turquia denominado “Refúgio dos
Intelectuais”, tendência conservadora e de direita. O objetivo dessa organização era quebrar o
monopólio dos intelectuais de esquerda (PRP) em questões sociais, econômicas, culturais e
políticas. Criaram a síntese turco-islâmica – uma ideologia não oficial para a República. Uma
das principais lutas desse grupo foi incorporar a religião no processo histórico turco. Para
eles, o Islã e a Nação turca sempre caminharam juntos. O islamismo deu ao povo turco uma
personalidade e os turcos protegeram o islamismo. Na década de 1970 livros de história foram
reescritos para adaptá-los à nova tendência. O slogan do movimento era: “O melhor
muçulmano é turco e o melhor turco é muçulmano.”
O Refúgio dos Intelectuais apresentou algumas propostas de mudança na formulação
do nacionalismo turco, contudo, segundo Fernandes (2005a) foram induzidos ao equívoco,
também por alguns excessos. Por exemplo, alguns livros foram adaptados para que o slogan
supracitado pudesse incorporá-los. As contribuições foram as seguintes: reduzir os exageros
da Sociedade de História; fortalecer a história turca enfatizando o encontro com o Islã;
estabelecer a visão de que tudo que vem da Ásia Central é turco; movimento reacionário, pois,
visava restaurar o papel e o status do islamismo antes da República; tentativa de re-
islamização tendo em vista os problemas colocados pela industrialização.
Se fosse possível dizer de um resultado do processo de re-islamização, iniciado entre
as décadas de 1940 e 1950, e intensificado em 1970, esse seria manifestado nas eleições de
1995. Nas eleições desse ano para a Grande Assembléia Nacional venceu o Partido da
Prosperidade, (também chamado de Partido do Bem-Estar em outras traduções), grupo
político com vocação islâmica (FERNANDES, 2005a). Esse Partido, conforme ressaltado no
item 2.4.4, ficou no poder por apenas 01 (um) ano, em virtude de pressões políticas muito
intensas naquele ano. Foi o golpe de 1997, chamado de “pós-moderno”, pois seus resultados
foram alcançados sem a necessidade de saída do exército às ruas.
Em 1997 ocorreram novas eleições vencidas por um partido secular de esquerda. Esse
grupo (Partido da Esquerda Democrática) liderava uma coligação de partidos que apontou o
137
líder Bülent Ecevit como Primeiro Ministro. Nesse período a Turquia atravessou uma forte
crise econômica e o Premier sérios problemas de saúde. Diante desse quadro as eleições
foram antecipadas e ocorreram no ano de 2002. Nesse ano chegou ao poder o Partido da
Justiça e Desenvolvimento (AKP/PJD). Partido que, “para a esquerda kemalista-secularista da
Turquia, não é mais do que um avatar do Refah Partisi (Partido do Bem-Estar) do deposto
Necmittin Erbakan.” (FERNANDES, 2005a, p. 74).
Todos os aspectos até aqui trabalhados demonstram que apesar do ideal secularista a
religião nunca esteve ausente na Turquia. O Cônsul Özgün, que foi entrevistado, afirmou em
determinado momento que não há por parte do AKP a intenção de estabelecer uma república
islâmica no país, mas que por outro lado, não há como falar que o grupo governa sem
influencia da religião. Disse ainda não acreditar que em nenhum país do mundo exista um
governo livre da religião, lembrando que países europeus possuem partidos importantes que
“carregam” no nome a palavra ‘cristão’.
Por fim, não seria possível concluir esse capítulo sem falar brevemente da
importância, para a Turquia, da entrada na União Européia, apesar de que, esse desejo teve
seu inicio bem antes do fim da Guerra Fria. Os esforços da Diplomacia e do Governo turco
estão direcionados para esse objetivo. E a fala do Cônsul confirma esse argumento dizendo
que para a Turquia fazer parte desta Organização é fundamental. Tanto que em 1987 liderados
por Turgut Özal, os turcos pediram oficialmente a Adesão à Comunidade Européia. Para
Fernandes (2005a) a política de Özal foi pragmática, semelhante à de Menderes em direção à
Europa. Em 1952 Menderes colocou a Turquia na OTAN e em 1987 Turgut colocou
oficialmente o pedido de entrada na Comunidade Européia. Ainda segundo o mesmo autor
foram elencados alguns fundamentos para a Turquia na Europa:
a) Busca pela simpatia da opinião pública européia;
b) Recursos histórico-culturais;
c) Livro escrito por Özal – “A Turquia na Europa”;
O pedido de adesão permaneceu hibernado. Avançou apenas no ano de 1996, quando
foram concluídas as negociações para a União Aduaneira iniciada em 1995. São vários os
fatores que impedem na atualidade a entrada da Turquia na União Européia e muitos já foram
comentados no desenvolvimento desta dissertação. Mas Fernandes (2005a) afirma que não há
entre aqueles países que foram incorporados recentemente nenhum com características tão
díspares em termos religiosos, culturais e populacionais quanto a Turquia. Por outro lado,
138
uma questão semelhante ao debate da globalização: entrar no bloco europeu significa perder
parte da autonomia, abdicar dos valores culturais. Outra situação para a qual ainda não foi
encontrada resposta durante a realização desta pesquisa é o fator econômico: a Turquia será
financiada para entrar na UE? Ou, com a crise financeira na União Européia, a Turquia deverá
injetar dinheiro para fazer parte do bloco? O desejo turco de fazer do bloco diminuiu depois
da crise?
139
5 UMA RELAÇÃO MARCADA POR PARADOXOS, MAS TAMBÉM POR
CONQUISTAS
A Turquia pesa mais na NATO (OTAN) que a Grécia; tem uma posição geopolítica
importante (que valeu no contexto da Guerra Fria e continua a ser relevante no pós –
11 de Setembro, sobretudo devido à presença norte-americana no Afeganistão e no
Iraque e às rotas logísticas de abastecimento energético; tem uma dimensão
demográfica e de mercado muito superior [...] (FERNANDES, 2008, p. 201/202).
No quinto capítulo será feita a conclusão do trabalho dissertativo observando-se o
cumprimento dos objetivos e confirmação ou negação das hipóteses de pesquisa, além de
responder à pergunta de pesquisa que conduziu esse trabalho. Para o momento final dessa
pesquisa serão utilizados alguns pontos do artigo de Michael Barnett (1996), que ajudarão a
compreender as motivações da aliança entre Turquia e Estados Unidos. O autor afirma que é
praticamente unanimidade em RI que alianças são feitas mais por interesses que por
princípios. Esse texto complementa a informação entendendo que a amizade entre os países
supracitados foi movida por interesses de ambos os lados, fato que será desenvolvido nessa
parte final. Tanto na situação americana, como no caso turco, existiam interesses relacionados
à segurança e esse aspecto os dois países souberam avaliar bem.
Segundo nota apresentada por Oran (2010), o número de acordos bilaterais celebrados
entre EUA e Turquia é uma incógnita até os dias atuais. Contudo, foram muitos,
principalmente no campo militar. Através da OTAN e dos vários tratados os dois países
aumentaram sua segurança interna, sua capacidade militar e conseguiram conter o perigo
iminente representado pela URSS. Barnett (1996) afirma que as alianças servem para evitar
uma guerra indesejada. No caso da relação aqui trabalhada, a guerra ocorreu, apesar de ser
caracterizada como um conflito atípico, ideológico: a Guerra Fria. Por outro lado, também diz
o autor acima que pode servir para uma bem sucedida guerra, caso não seja possível evitá-la e
isso foi o que ocorreu na Guerra Fria. Mas vale ressaltar que a vitória dessa aliança foi
construída sob forte pressão militar e, sobretudo, pela busca incansável, indomável, por aquilo
que pode ser dito como o bem mais precioso das Relações Internacionais – o poder. Sendo
que a identidade foi essencial para se alcançar este fator.
Essa dissertação cumpriu o objetivo que era analisar a relação geopolítica e
geoestratégica entre Turquia e os Estados Unidos para compreender o papel da Turquia como
país de contenção à expansão soviética durante a Guerra Fria. Dos documentos (textos,
artigos, livros) pesquisados poucos falam diretamente dos interesses entre os dois países como
o faz, por exemplo, Harris (1972). Mas, se fosse possível dizer de uma soma de fatores, o
140
resultado seria que a geopolítica foi primordial na construção e/ou caminhada desses países,
principalmente no período de 1947 até meados de 1991. A Turquia desenvolveu um papel
estratégico importante e ainda hoje colhe os frutos ou recebe ônus por isso, conforme afirma
Sandrin (2009).
A primeira hipótese, que diz da posição e localização da Turquia ainda da sua ligação
com outros países, se confirma diante das descobertas feitas por essa pesquisa. Nessa
condição, a Turquia foi parte do plano norte-americano de contenção da União Soviética na
Guerra Fria. Portanto, também foi confirmada a segunda hipótese. Assim a Turquia
controlando os estreitos o de Bósforo e Dardanelos, não permitindo o acesso soviético,
somadas às suas bases militares com os EUA. Isso foi essencial para que o Kremlin não
alcançasse o objetivo principal que seria o acesso aos mares quentes, ou seja, saída para o Mar
Mediterrâneo. Sua “possível” intenção de se transformar em um “poder anfíbio” não pôde ser
concretizada, pois, a navegação, as estratégias de guerra e/ou conquistas não seriam
administráveis no oceano gelado ao norte da URSS. Outro aspecto relevante, que não foi
alcançado, seria o acesso às fontes de energia, encontradas em abundância no Oriente Médio,
petróleo e gás.
Conforme afirmação de Arraes (2009) nos anos 2000 a busca por fontes de energia era
provavelmente o maior objetivo dos EUA. Mas ressalta o autor que a busca por esses recursos
teve seu início em meados da década de 1950, no governo Truman. Em 1953 os estadunidense
arquitetaram o Golpe no Irã, recolocando no poder o Xá Reza Pahlavi e facilitando o acesso
ao petróleo iraniano, dominado naquele período, por companhias inglesas. Já em 1980 a
Doutrina Carter tinha ligação direta com o objetivo de garantir a segurança nacional e acessar
os recursos naturais da Região médio-oriental. Assim a política de contenção evitou o acesso
soviético ao petróleo e ao gás da região, além de auxiliar outros interesses já mencionados,
nesta dissertação.
Além disso, a Turquia exerceu também o papel de contenção político-estratégica dos
países do Oriente Médio frente ao chamado “Ocidente”, confirmando outra hipótese desta
pesquisa. É possível novamente buscar amparo em Barnett (1996) que afirmou estarem os
países do Oriente Médio mais “interessados” em conflitos deixando em segundo plano a
cooperação. Naquele tempo histórico, período da Guerra Fria, essa afirmação poderia fazer
sentido. Mesmo a Turquia, saindo da Guerra Fria, estava marcada por essa tendência, que
viria a ser transformada nos anos 2000. Conforme Pecequilo (2005) o pós-Guerra Fria foi
marcado essencialmente pela multipolaridade. Assim o argumento ora apresentado é a de que
a contenção nesse aspecto foi militar, mas também ideológica.
141
No aspecto militar a Turquia sob vários aspectos impediu a amizade de países do
Oriente Médio com a URSS. Suas bases militares possibilitavam uma presença forte dos
EUA, pois seu espaço geográfico é rico em possibilidades estratégicas. Suas fronteiras dão
acesso rápido e fácil a vários Estados considerados como ameaça pelos americanos: Iraque,
Síria e Irã, por exemplo. Também do ponto de visto militar foi apresentado nesse trabalho que
as organizações militares constituídas no Mundo Árabe tiveram a presença dos turcos, pode-
se lembrar do Pacto de Bagdá e do Tratado de Cooperação do Golfo. Claro, não pode ser
esquecido o papel da Turquia nas operações de paz, tanto em sua região Eurásia, conforme
Turquia (2001), como na África. Mas, a principal organização militar foi a OTAN, que pôde
integrar em seus quadros vários países-chave. A OTAN foi um dos pilares da política de
contenção.
No aspecto ideológico é valido resgatar a modernização promovida por Ataturk no
começo do século passado. Situação a princípio impositiva, mas, que num segundo momento
foi bem utilizada pela Turquia para suas aquisições e alianças. Uma nação do Oriente,
islâmica e que faz parte do mundo ocidental. Os turcos souberam usar o alfabeto, democracia,
“liberdade política”, todos esses aspectos foram empregados como um “bom exemplo” aos
países vizinhos.
A República da Turquia construída por Mustafá Kemal Atatürk nas décadas de 20 e
30 do século XX baseou-se num projeto laico, inspirado na Revolução Francesa e no
ideário nacionalista europeu do século XIX, bem como na racionalidade técnico-
científica européia/ocidental. (FERNANDES, 2005a, p. 167)
Um país majoritariamente muçulmano, mas que “consegue” desvincular o Estado da religião,
mesmo que no discurso, através de um partido que governa por mais de 10 (dez) anos, que se
define como islâmico moderado. Portanto, percebe-se que de Kemal a Erdogan, apesar das
várias conquistas desses e de outros líderes, a ideologia sempre foi uma aliada considerável
para os turcos. Seria injusto não dizer também de uma capacidade diplomática admirável que
será retomada ainda nesse texto.
A questão da Nação e Nacionalismo foi abordada nesta dissertação para ilustrar parte
da história da Turquia. Esse debate surge na virada do século XIX para o século XX e
influenciou amplamente no mínimo dois aspectos na construção nacional turca. Recebe maior
destaque os casos da Ilha do Chipre e dos Armênios. Primeiro no caso dos cipriotas gregos
que foram influenciados pelos ideais de liberdade vindos da Europa e buscaram romper com a
tutela do Império Otomano. Segundo os armênios também queriam se estabelecer enquanto
142
nação livre da opressão vivida sob o domínio otomano. Portanto os movimentos
contestatórios dentro da Turquia tiveram influencia direta da ideia de Nação. Mesmo Atatürk
quando queria unificar o território utilizou-se desse artifício para que a Turquia pudesse ser
constituída naquele período.
As relações bilaterais da Turquia também podem ser avaliadas do ponto de vista da
construção da identidade e dentro da perspectiva do nacionalismo. Uma das mais conturbadas
relação é a mantida com a Grécia. As disputas entre esses dois países estão diretamente
ligadas ao passado Otomano das duas nações. São vários pontos de debate. As divergências
religiosas, expressas na situação do Patriarcado; as minorias tanto na Turquia, quanto na
Grécia; o difícil problema do Chipre e claro o Mar Egeu. Portanto, são quatro aspectos
relacionados aos dois países, mas que podem ser ligados às Relações Internacionais, pois
outros países e regiões do Globo foram envolvidos. Diante disso, esse trabalho abordou em
item específico essa importante historia. Dois países com posição e localização estratégicas,
fundamentais no momento da Guerra Fria para os EUA.
Para Lazarou (2012) e Sandrin (2009) outro ponto que deve ser destacado na PE da
Turquia é sua situação de Potência Central, que vai auxiliar na confirmação da última
hipótese. A posição e localização da Turquia possibilitam sua ligação aos países do Centro,
principalmente os EUA e lhe proporcionam hegemonia local. Depois de algumas políticas
voltadas para a questão militar, influência direta do exército, a Turquia se volta para uma
política de hegemonia nos termos gramscianos, negociação, consenso, diplomacia. Exerce a
Política Externa de “zero problemas” com os vizinhos e busca a liderança regional. Desde o
início dos anos 2000 a ideia é manter boa relação com todos e liderar a busca pela paz na
região, fruto ainda da política de zero conflito em casa e no exterior. Contudo, conforme
crítica já apresentada no capítulo anterior, a Turquia deve olhar com mais atenção para os
países do seu entorno. Todos esses fatos mencionados respondem à pergunta de pesquisa:
Qual a importância da Turquia como país de contenção, para os EUA, durante a Guerra Fria?
Para esse trabalho é fundamental avaliar a relevância da identidade na construção
desse país. A identidade ajuda a definir interesses e até mesmo inimigos (BARNETT, 1996).
Pode-se afirmar que no momento após o fim da Guerra Fria, o Governo turco buscou aliar-se
aos países de nacionalidade turca. Assim a identidade deixa de ser apenas avaliada no aspecto
doméstico e passa a influenciar na formação de alianças. Conforme Castro (2012) a nação
impulsiona o Estado. Para esse trabalho a análise da identidade com a geopolítica garante uma
importante composição para compreender a Turquia moderna e suas relações. No caso da
Grécia, por exemplo, a identidade sempre esteve presente associada à Geopolítica.
143
5.1 Diplomacia e pragmatismo na Turquia
A história da diplomacia turca merece destaque por sua atuação percebida nas
narrativas até aqui analisadas. Não é possível afirmar ainda por esse estudo, se a diplomacia
foi ao longo dos anos desse Estado-Nação conduzida pela pessoa do Presidente, pelo Primeiro
Ministro ou mesmo pelo Chanceler, ou mensurar o papel de cada um. Percebe-se que essas
três personagens aparecem em destaque, principalmente os dois primeiros. É possível inferir
que isso varia muito de acordo com a influência do indivíduo dentro do partido político no
poder e com o “nível” de carisma pessoal. Alguns são facilmente lembrados: Ataturk, Inönü,
Menderes, Turgut Özal e mais recentemente o Primeiro Ministro Erdogan. Uma característica
interessante é que todos ficaram longos anos à frente do Governo e tiveram atuação
pragmática para elevar a Turquia à condição de potência. O quadro (ANEXO A) ajuda a
visualizar a função exercida e verificar ao longo da história a importância dessas personagens
históricas turcas.
Na formação do novo Estado, o “mito” Ataturk foi claramente abrindo as portas para o
mundo, deixando em segundo plano a herança religiosa Otomana tratando de adequar seu país
às condições modernas. Kemal buscou ocidentalizar ao máximo a Turquia e deixou claro que
suas intenções eram estabelecer a maior ligação possível com a Europa, o “centro do mundo”.
Mas desde Kemal aos dias de hoje, o sonho de se integrar à Europa permanece vivo nos
“corações e mentes” do povo turco e nas articulações de sua Política Externa. Provavelmente
depois das sucessivas crises a busca tenha diminuído, mas ainda persiste.
Para entrar na II Guerra Mundial, sob o Governo de Inönü, a Turquia fez exigências de
que suas Forças Armadas fossem totalmente reequipadas. Sabia o Presidente que, apesar dos
esforços de seu antecessor em direção à modernização, o país não possuía equipamentos e
preparo para nivelar com os exércitos europeus. Estava ainda bem arcaica, toda a estrutura
militar turca. A “jogada de mestre” foi exigir que as potências da época o ajudassem a
melhorar a situação das Forças Armadas. Inönü era homem das armas, conhecia por dentro o
exército e, provavelmente como Atatürk, sabia da importância estratégica do seu país, sua
posição e localização. Este assunto remete às variáveis deste trabalho: os acordos militares e a
instalação de bases na Turquia seriam elementos que auxiliariam na confirmação das
hipóteses de pesquisa. Ao longo do terceiro capítulo foi possível conhecer as várias alianças
realizadas entre EUA e Turquia e a afirmação de Kissinger (2001b) utilizada como epígrafe
do quarto capítulo, dizendo das 26 bases instaladas, que são fatores importantes para esta
pesquisa.
144
No período Menderes não foi diferente e o pragmatismo teve seu lugar preservado,
apesar de ser de uma tendência ideológica diferente dos dois governos anteriores, Atatürk e
Inönü. O Primeiro Ministro era da oposição ao PRP e seu mandato apresentou algumas
possibilidades de maior abertura política, tanto que foi tirado do poder por um golpe
conservador. Menderes resolveu enviar os militares à Coréia com objetivo de aumentar seu
status junto aos EUA, mesmo sem contar com a anuência da Grande Assembléia Nacional, o
parlamento turco. Essa ousadia rendeu-lhe prestígio e acelerou a entrada da Turquia no órgão
militar e geopolítico, a OTAN. Após a aceitação na OTAN o país governado por Menderes
passou a ver mais perto a possibilidade de ser aceita como membro da Comunidade Européia.
Esse fato propiciou à Turquia aumento na capacidade militar, econômica e política.
O evento mais tenso da história da Guerra Fria, a crise dos mísseis, também pôde
demonstrar a aptidão diplomática turca, pós-fato. Resguardadas as questões do episódio e a
crítica de Harris (1972) de que a Turquia foi mero espectador, ao fim de tudo o país pôde
ainda sair ganhando. Os mísseis foram retirados do território turco, mas em contrapartida o
Governo exigiu a renovação da Força Aérea e recebeu também alguns submarinos. Assim,
mesmo com a aparente perda, os turcos souberam dar a volta por cima e foram beneficiados
com outros tipos de armamentos militares. A venda de armamentos estava sempre introduzida
nos acordos militares, por isso, não há para esse assunto um destaque especial.
Outra variável relevante para mensurar o papel turco na contenção foi o aspecto
financeiro. A Turquia, segundo Harris (1972), chegou a ser o terceiro país em volume de
ajuda norte-americana no período da Guerra Fria. Conforme analisado no desenvolvimento
desta pesquisa, a questão econômico-financeira era para os EUA uma das molas-mestras para
derrubar a concorrência soviética. Essa política foi bem utilizada pelos governos que
ocupavam a Casa Branca. Portanto, para a conclusão desta dissertação é válido lembrar que a
lente teórica da geopolítica auxiliou na percepção da relação entre Turquia e Estados Unidos
no período do conflito bipolar. Mas ainda hoje, mesmo com a mudança sistêmica pode ser
perfeitamente utilizada. A “troubled alliance” entre esses dois países foi e continua sendo
pragmática, estratégica e claro econômico-financeira. Na fala de Özgün Arman, isso fica
evidenciado. “Nossas companhias têm direta relação com União Européia e EUA. Por isso,
qualquer embargo econômico promovido por EUA ou pela União Européia afeta diretamente
ou indiretamente nossa política para o Irã.” (ÖZGÜN ARMAN, 2013)
Por fim, é importante mencionar o aspecto religioso dentro da Turquia. Nos tempos
primitivos o Império Otomano se autodenominava o Guardião do Islã. Com a República o
ideal religioso é colocado em segundo plano, sem, no entanto deixar de fazer parte do
145
histórico deste país. Atatürk proclama o secularismo como uma das bandeiras de
modernização e foi seguido fielmente pelos militares. Contudo, na década de 50 inicia-se um
movimento chamado por Fernandes (2005a) de re-islamização do secularismo e esse
movimento com várias etapas culmina na contemporaneidade com o Governo moderado
islâmico do AKP. É possível afirmar após algumas descobertas desta pesquisa que não é
intenção promover o retorno aos moldes do Império Otomano, mas fica a lição do movimento
contra-revolucionário promovido pelos defensores da religião dentro da Turquia. Pode-se
concluir afirmando que a elite kemalista foi substituída por esse grupo. Saber se será uma
nova elite a história e a continuação desta pesquisa poderá dizer.
146
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ANEXO A - QUADRO PRESIDENTES E PRIMEIROS MINISTROS
ANO PRESIDENTE PRIMEIRO MINISTRO
1923 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1924 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1925 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1926 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1927 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1928 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1929 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1930 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1931 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1932 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1933 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1934 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1935 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1936 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1937 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü
1938 Mustafá Kemal Atatürk
Ismet Inönü
Celal Bayar
1939 Ismet Inönü Celal Bayar
Refik Saydam
1940 Ismet Inönü Refik Saydam
1941 Ismet Inönü Refik Saydam
1942 Ismet Inönü Refik Saydam
1943 Ismet Inönü Sükrü Saracoglu
1944 Ismet Inönü Sükrü Saracoglu
1945 Ismet Inönü Sükrü Saracoglu
1946 Ismet Inönü Recep Peker
1947 Ismet Inönü Hasan Saka
1948 Ismet Inönü Hasan Saka
1949 Ismet Inönü Semsettin Günalty
1950 Ismet Inönü
Celal Bayar
Adnan Menderes
1951 Celal Bayar Adnan Menderes
1952 Celal Bayar Adnan Menderes
1953 Celal Bayar Adnan Menderes
1954 Celal Bayar Adnan Menderes
1955 Celal Bayar Adnan Menderes
1956 Celal Bayar Adnan Menderes
1957 Celal Bayar Adnan Menderes
1958 Celal Bayar Adnan Menderes
1959 Celal Bayar Adnan Menderes
1960 Celal Bayar Cemal Gürsel
1961 Cemal Gürsel Ismet Inönü
1962 Cemal Gürsel Ismet Inönü
1963 Cemal Gürsel Ismet Inönü
1964 Cemal Gürsel Ismet Inönü
154
1965 Cemal Gürsel Suat Hayri ( fev/out)
Suleyman Demirel
1966 Cemal Gürsel
Cevdet Sunay
Suleyman Demirel
1967 Cevdet Sunay Suleyman Demirel
1968 Cevdet Sunay Suleyman Demirel
1969 Cevdet Sunay Suleyman Demirel
1970 Cevdet Sunay Suleyman Demirel
1971 Cevdet Sunay Osman Olcay
Nihat Erin
1972 Cevdet Sunay Nihat Erin
Ferit Melen
1973 Cevdet Sunay
Fahri S. Korutürk
Ferit Melen
Naim Talu
1974 Fahri S. Korutürk Bulent Ecevit
1975 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel
1976 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel
1977 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel
Bulent Ecevit
1978 Fahri S. Korutürk Bulent Ecevit
Suleyman Demirel
1979 Fahri S. Korutürk Bulent Ecevit
Suleyman Demirel
1980 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel
1981 Bülend Ulusu
1982 Kenan Evren Bülend Ulusu
1983 Kenan Evren Turgut Özal
1984 Kenan Evren Turgut Özal
1985 Kenan Evren Turgut Özal
1986 Kenan Evren Turgut Özal
1987 Kenan Evren Turgut Özal
1988 Kenan Evren Turgut Özal
1989 Kenan Evren
Turgut Özal
Turgut Özal
1990 Turgut Özal Yildirin Akbulut
1991 Turgut Özal Yildirin Akbulut
1992 Turgut Özal Suleyman Demirel
1993 Turgut Özal
Suleyman Demirel
Suleyman Demirel
1994 Suleyman Demirel -
1995 Suleyman Demirel -
1996 Suleyman Demirel Necmettin Erbakan
1997 Suleyman Demirel Necmettin Erbakan
Mesut Yilmaz
1998 Suleyman Demirel Mesut Yilmaz
1999 Suleyman Demirel Mesut Yilmaz
Bulent Ecevit
2000 Suleyman Demirel
Ahmet N. Sezer
Bulent Ecevit
155
2001 Ahmet N. Sezer Bulent Ecevit
2002 Ahmet N. Sezer Bulent Ecevit
Abdullah Gul
2003 Ahmet N. Sezer Abdullah Gul
Recep T. Erdogan
2004 Ahmet N. Sezer Recep T. Erdogan
2005 Ahmet N. Sezer Recep T. Erdogan
2006 Ahmet N. Sezer Recep T. Erdogan
2007 Ahmet N. Sezer
Abdullah Gül
Recep T. Erdogan
2008 Abdullah Gül Recep T. Erdogan
2009 Abdullah Gül Recep T. Erdogan
2010 Abdullah Gül Recep T. Erdogan
2011 Abdullah Gül Recep T. Erdogan
2012 Abdullah Gül Recep T. Erdogan
2013 Abdullah Gül Recep T. Erdogan