1. Introdução
Este estudo tem como objetivo geral evidenciar a importância que a Retórica de Aristóteles tem
ainda hoje para a compreensão das estratégias argumentativas dos juristas. Para isso, pretendo falar sobre
o papel que o entimema e o paradigma, conceitos centrais para a Retórica de Aristóteles, desempenham
na produção do direito.
Atualmente, os teóricos da retórica jurídica costumam definir a argumentação de advogados,
juízes e juristas práticos em geral como uma forma de manifestação sobretudo entimemática de
raciocínio. De fato, é por meio de entimemas (silogismos retóricos) e paradigmas (exemplos dotados de
autoridade) – as duas estruturas lógicas fundamentais da argumentação retórica, de acordo com
Aristóteles – que o discurso jurídico se torna persuasivo e racional ao mesmo tempo.
Aristóteles foi o primeiro filósofo a sistematizar o núcleo lógico da argumentação e a construir
uma teoria analítica da retórica, isto é, uma metodologia de observação das estratégias persuasivas da
argumentação.
Seguindo esta metodologia de análise retórica inaugurada por Aristóteles, pretendo demonstrar
que os argumentos dos juristas são entimemáticos de um ponto de vista formal, porque não explicitam
todas as premissas de seu raciocínio, e, de um ponto de vista material, porque se baseiam em
pressuposições verossímeis e não em evidências verdadeiras.
Além disso, a argumentação jurídica revela-se paradigmática – no sentido técnico-retórico da
expressão – na medida em que seu efetivo poder de persuasão e convencimento depende necessariamente
do recurso a exemplos ou paradigmas, isto é, decisões do passado, precedentes judiciais, ou mesmo casos
hipotéticos formulados pelo pensamento dogmático.
Assim, o entimema, enquanto ferramenta de dedução que parte de normas gerais, princípios,
diretrizes, ou formulações genéricas muitas vezes incompatíveis entre si, tem a importante função, dentre
outras a serem evidenciadas, de manter veladas as potenciais inconsistências e deficiências do sistema
jurídico, garantindo, assim, pelo menos, a aparência de racionalidade em seus discursos.
Já o paradigma, capaz até mesmo de suprimir conceitos e formulações genéricas que orientam a
ação ao passar de um caso concreto diretamente a outro, funciona como base para o raciocínio analógico
e indutivo da jurisprudência dos tribunais, um recuso fundamental do pensamento jurídico ocidental
desde as suas mais remotas origens.
2. A atualidade do pensamento de Aristóteles no estudo da retórica jurídica
Mesmo com o advento da modernidade, Aristóteles continua uma referência em diversos
assuntos, dentre os quais encontra-se a retórica. Podemos dizer o mesmo em relação à política, à
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metafísica, à ética, à poética etc. Na ciência do direito, porém, sabemos que o pensamento moderno dos
juristas é caracterizado pelas inúmeras tentativas de se rechaçar os métodos tópicos e retóricos da velha
jurisprudência de origem romana.
A esse respeito, contudo, é preciso levar em consideração as críticas modernas que são feitas à
autoridade incontestável atribuída a Aristóteles durante boa parte da Idade Média. Na verdade, uma breve
análise retórica do conceito de autoridade pode nos fornecer uma maneira de compreender esta situação.
“Autoridade” e “autoria” são noções que derivam da ideia latina de auctoritas (BALLWEG,
1991, p. 177). No direito é fácil perceber a relação entre as duas noções. O autor de uma lei – o legislador
– é a autoridade competente para “criar” o direito. A própria ideia de direito depende da ideia de
autoridade. É difícil até pensar em um direito sem autor ou sem uma autoridade que seja responsável pela
sua constituição.
Não só no direito, mas também em outros campos como na literatura, na música, na política, ou
na religião, para citar alguns exemplos, a autoridade é algo que se encontra geralmente numa posição
original. Isto é, os autores e sua autoridade estão no passado assim como a auctoritas romana se
encontrava nos fundadores de Roma (ARENDT, 1993, p. 120). A autoridade está na origem, na sua
arché.
A identificação contemporânea entre “autor” e “escritor” não corresponde à noção medieval de
“scriptor”. O scriptor medieval é um mero copiador e, nesse sentido, é menos “autor” até mesmo do que
um mero compilador (BARTHES, 2000, p. 31). No contexto do pensamento medieval, Aristóteles, ao
contrário, é decisivamente um autor. A autoridade de seu pensamento e a autoria de suas ideias nos mais
diversos domínios eram indiscutíveis até a era moderna. Bertrand Russell (1996, p. 188), por exemplo,
afirma que o respeito à autoridade incontestável de Aristóteles corresponde a um atraso de mil anos no
desenvolvimento da lógica. Na verdade, segundo Russell, toda a lógica de Aristóteles seria refutável,
exceto a doutrina do silogismo que não teria serventia alguma a não ser para o raciocínio jurídico.
Russell, porém, é um lógico, não é um jurista. Mesmo deixando de lado o possível exagero de
sua afirmação e considerando sua capacidade de opinar nos mais diversos âmbitos, podemos dizer que
seu ponto de vista é externo em relação à prática e ao estudo do direito. No entanto, curiosamente, os
juristas profissionais são os primeiros a corroborar esta afirmação de que o raciocínio jurídico é, se não
sempre, pelo menos em alguns casos, silogístico (MACCORMICK, 1997). Ou seja, o pensamento
jurídico moderno se volta contra os métodos antigos da jurisprudência, mas adota a teoria do silogismo
como metodologia de produção do direito.
De fato, a partir da modernidade jurídica, o silogismo passa a servir como esquema para o
modelo subsuntivo de aplicação do direito. A estrutura silogística seria capaz de conferir racionalidade ao
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juízo jurídico. Isto é, a estrutura silogística de uma decisão judicial é o que garantiria objetividade,
universalidade, segurança, certeza, previsibilidade e transmissibilidade do conhecimento no que se refere
à produção do direito.
Claro que esse modelo silogístico/subsuntivo suscitado na modernidade jurídica faz parte de uma
ideologia iluminista do esclarecimento. Uma forma de esclarecimento que parte da velha distinção
platônica entre conhecimento (epistéme) e opinião (dóxa). No seu Fedro, Platão (2007, p. 278 [97b])
examina a diferença entre o conhecimento verdadeiro e a opinião verdadeira sobre um mesmo assunto.
E chega à conclusão de que conhecimento, diferentemente da opinião, pressupõe o encadeamento de um
raciocínio. Por essa razão, o Sócrates do Fedro recorre à alegoria das estátuas de Dédalo que, assim como
escravos fujões (nas palavras de Sócrates), deveriam estar sempre acorrentadas; de outra forma fugiriam,
de tão realistas que eram.
De acordo com o Sócrates platônico, as opiniões, mesmo as verdadeiras, seriam fugazes, assim
como as estátuas corredoras de Dédalo, e deveriam, portanto, ser acorrentadas, encadeadas. Isto é, presas
em cadeias, cujos elos poderiam ser representados pelo entrelaçamento das premissas de um raciocínio
até uma conclusão segura a que se poderia então chamar de conhecimento, e não mais de simples opinião.
As opiniões, de acordo com o Sócrates platônico, apesar de úteis e valiosas como guia para a boa direção
da conduta, “fogem da alma dos homens, pois não são ainda amarradas pelo conhecimento de causa”
(PLATÃO, 2007, p. 278-279 [97b-98a]).
Aristóteles percebeu isso e se dedicou ao estudo desta estrutura de entrelaçamento das premissas
de um raciocínio. Assim, a noção de silogismo, enquanto estrutura do raciocínio dedutivo, se desenvolve
a partir desse momento e nos chega até hoje como algo digno de estudo, ao menos entre juristas
(GRÖSCHNER, 2011, p. 516).
Portanto, a figura do silogismo seria capaz de garantir aos juízos jurídicos o status de
conhecimento e não de mera opinião. De fato, a opinio juris não é uma opinião qualquer. Quando um juiz
decide, quando um advogado argumenta, ou quando se interpreta a lei, espera-se que, com a atividade
dogmática, razões sejam apresentadas como fundamentos para se decidir, argumentar e interpretar. O
direito sem razões tende a ser considerado ilegítimo justamente por ser arbitrário. Até os ordenamentos
jurídicos positivos atuais adotam esta tese. É o que se depreende do texto do art. 93, inciso IX da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por exemplo, segundo o qual é nula uma decisão
não fundamentada.
Hoje, os cânones da modernidade são amplamente criticados pelas teorias jurídicas. Para vários
teóricos contemporâneos, o modelo silogístico não só se revela como ingênuo ou incipiente, mas também
como fictício e fraudulento enquanto falsa representação do raciocínio judicial.
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De fato, inúmeras teorias contemporâneas do direito, dos mais diversos matizes, atacam a
doutrina do silogismo como uma representação teórica inautêntica daquilo que efetivamente acontece nos
mais variegados e complexos processos de produção do direito. Assim, teorias de orientação
hermenêutica, argumentativa, retórica, pragmatista, realista, cética, casuística, anti-formalista, dentre
várias outras orientações possíveis, estão de acordo quanto à necessidade de crítica à doutrina silogística
do direito.
Do ponto de vista de uma teoria retórica do direito, que eu próprio procuro continuar e
desenvolver, o silogismo é entendido como mero modelo de apresentação das decisões, não como modelo
de decisão propriamente. As doutrinas da retórica jurídica defendem que a produção do direito (de
decisões judiciais) nada tem de silogística, apenas a apresentação das decisões é que geralmente assume a
estrutura de silogismo, pouco importando se houve realmente um processo dedutivo de inferência na
elaboração dos juízos.
Como se sabe, o raciocínio dedutivo é uma marca do alto nível de desenvolvimento do intelecto
na antiguidade grega, quando a matemática, apesar de já relativamente avançada em diferentes culturas
ocidentais, ganhou novas dimensões e passou de um mero conjunto de regras empíricas a um verdadeiro
sistema de inferências dedutivas, especialmente em relação à geometria.
O silogismo, contudo, enquanto modelo de inferência dedutiva, foi delineado por Aristóteles já
num momento de decadência dessa era altamente criativa e inovadora que estava por se dispersar,
transformar, diluir e, finalmente, desaparecer. Curiosamente, a doutrina do silogismo permanece
praticamente a mesma da forma como a estabeleceu Aristóteles, com alguns desdobramentos feitos
durante a baixa Idade Média.
Ao tratar filosoficamente da retórica, pois, Aristóteles recorreu à ideia de silogismo para
estruturar o entimema. Além disso, dividiu os discursos persuasivos em três gêneros: epidítico,
deliberativo e judicial, cada qual com seus próprios entimemas e paradigmas. Como se pode vislumbrar, o
direito foi considerado um dos três âmbitos fundamentais de produção de discursos retóricos. Esse fato
não deve ser desconsiderado. É óbvio que o caráter argumentativo do trabalho jurídico, assim como da
atividade política não poderia ser olvidado na realidade ateniense.
Claro, a retórica judicial era algo fundamental na vida da própria pólis. Sabemos o papel que
desempenhavam os assim chamados sofistas ou professores de retórica na formação de jovens para a vida
pública. Obviamente, Aristóteles se referia ao direito de seu tempo, uma forma de produção, organização
e aplicação de normas muito diferente da que conhecemos modernamente. Um direito que não era tão
sofisticado ou refinado tecnicamente quanto o direito romano não tão distante assim da cultura grega.
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Hoje temos um direito ainda mais refinado e diferenciado estrutural e funcionalmente, capaz de
absorver e, até certo ponto, neutralizar o altíssimo nível de complexidade social das demandas atuais.
Quando Aristóteles se refere à retórica judicial e aos discursos forenses de seu tempo, claramente ele não
poderia levar em consideração o tipo de organização do pensamento jurídico contemporâneo. Ele se
referia a outro fenômeno.
Mas isso não quer dizer que o aspecto discursivo e retórico do direito seja menos relevante hoje
em dia. Pelo contrário, as mais recentes investigações sobre retórica jurídica procuram evidenciar isso.
Dentre elas destaco o estudo do entimema judicial.
3. Uma visão filosófica da retórica
Filosoficamente, é preciso destacar tanto o caráter ético quanto o caráter epistêmico do estudo
da retórica por Aristóteles. Sua preocupação em fazer uma “teoria da retórica” não se restringia ao
aspecto epistêmico de determinar cientificamente o seu objeto, mas tinha também o propósito de delinear
os aspectos éticos do discurso persuasivo. Ou seja, Aristóteles pretendia não apenas dizer o que a retórica
é, mas também como ela deve ser empregada.
Nesse sentido, Aristóteles (1996, p. 9 [1355a]) cuidou de separar a boa da má retórica. Isso é
explícito quando escreve que “nós devemos ser capazes de sustentar de modo convincente teses opostas”
(referindo-se ao caráter técnico do orador), mas “não para fazer as duas coisas efetivamente” (de um
ponto de vista ético), pois “não se deve convencer os homens a respeito de teses reprováveis”. E mais
ainda, “deve-se estar pronto para refutar outra pessoa sempre que esta fale injustamente”. Um pouco mais
adiante, Aristóteles aproveita para fazer uma crítica moral aos sofistas. Ele afirma que é possível ser
retórico tanto por uma questão de capacidade quanto em relação aos propósitos ou intenções de quem
argumenta. Já para ser dialético não bastam as intenções do orador, é preciso ter capacidade técnica. De
acordo com Aristóteles, os sofistas, ao contrário, fundavam seus argumentos apenas em suas intenções,
mas não em uma técnica.
Os juristas modernos, por outro lado, sobretudo os teóricos e filósofos do direito tradicionais,
preocupam-se em retratar todo recurso retórico aplicado ao direito como sendo maligno, ou no mínimo
supérfluo. Pois o que fazem em sua atividade prática ou reflexiva, supostamente, nada teria a ver com
retórica. Seus argumentos seriam o resultado de simples demonstrações livres de qualquer forma de
retórica.
Talvez por essa razão alguns juristas teóricos tenham se esforçado para produzir modelos
teóricos argumentativos que não fossem considerados retóricos. De fato, não apenas em seus modelos
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teóricos, mas também em suas argumentações práticas, os juristas parecem destacar apenas elementos
lógicos e supostamente racionais por trás de seus discursos, nunca os retóricos e estratégicos. É como se
as suas argumentações nada tivessem de argumentativo, apenas de demonstrativo. Mas seria no mínimo
paradoxal afirmar que existem “argumentos não-argumentativos”, isto é, argumentos livres de retórica.
Na verdade, esta é justamente uma estratégia retórica de não se fazer ver um discurso como
prática efetiva de alguma forma de retórica. Mesmo que a estratégia seja, por vezes, a de condenar e de
definir a retórica como uma arte dispensável ou até mesmo desprezível para pessoas sérias e honestas. Os
juristas usam essa estratégia da “retórica da supressão da retórica” (SHERWIN, 2009, p. 88) como algo
fundamental na elaboração de seus raciocínios e de suas demonstrações. Para o jurista, pois, parece ser
preciso afirmar sempre que “o que faço não é retórica”, mesmo que para tanto seja necessário agir
retoricamente para a construção do próprio argumento.
O grande problema para nós retóricos ou estudiosos da retórica é que a retórica ao longo de
séculos foi paulatinamente esvaziada em seus aspectos lógicos e substanciais e foi reduzida a uma mera
arte do estilo ou da oratória. Esquece-se que a retórica é a primeira arte da argumentação, da produção de
discursos e, portanto, a primeira forma de esclarecimento (BALLWEG, 1989, p. 229), ou de tomada de
consciência em relação à capacidade de argumentar e ao poder do discurso (lógos).
Deixando de lado o aspecto ético, contudo, podemos afirmar que Aristóteles foi o “inventor da
retórica analítica” (VON SCHLIEFFEN, 2006, p. 48). Isto é, de uma retórica científica que procura
descrever os elementos que tornam um discurso persuasivo. Esta retórica analítica inaugurada por
Aristóteles não tem como objetivo ensinar a persuadir, mas apenas a examinar as características da
persuasão e teorizar a respeito das estratégias argumentativas.
Claro que o que disse Aristóteles em relação à sua tentativa de separar a boa da má retórica pode
ser interpretado ou avaliado ao menos de duas formas contraditórias. Pode-se entender que o filósofo era
mais sensível à retórica do que seus mestres. Mas pode-se entender também que Aristóteles estava, na
verdade, impregnado de preconceitos contra os adversários de seus mestres, os assim denominados,
especialmente por Platão, sofistas. Sobre esse tema há infindáveis debates que infelizmente não cabem
aqui.
No século XX, conhecemos diversas viradas ou guinadas (em inglês turns) do pensamento
ocidental. Falamos na virada linguística (linguistic turn) a partir sobretudo de Wittgenstein, na guinada
interpretativa (hermeneutic turn) das filosofias de Heidegger e Gadamer, e também na virada retórica
(rhetorical turn) representada pela Nova Retórica de Perelman. Todas essas viradas tiveram um papel de
destaque no estabelecimento de novos paradigmas teóricos e metodológicos das ciências sociais. Na
ciência jurídica, os impactos foram grandes, sobretudo em relação às duas primeiras viradas, isto é, a
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linguística e a hermenêutica. Percebemos isso, respectivamente, nos trabalhos de filosofia analítica do
direito e no desenvolvimento da assim chamada “jurisprudência hermenêutica” (JUST, 2014, p. 71).
A virada retórica, contudo, teve resultados paradoxais. Iniciada sobretudo no âmbito da filosofia
do direito com Chaïm Perelman e Theodor Viehweg, a virada retórica da ciência jurídica levou ao
surgimento de teorias argumentativas que negavam veementemente o caráter racional dos elementos
retóricos presentes nos discursos e argumentações dos juristas. O caráter racional do direito e do discurso
jurídico para essas teorias contemporâneas da argumentação dependeria do grau de ausência de
expedientes estratégicos, especialmente, retóricos. Filósofos do direito contemporâneos voltados ao
estudo da argumentação jurídica como Robert Alexy (1997), Neil MacCormick (1997) ou Aulis Aarnio
(1991), para citar apenas três exemplos dos mais influentes, tendem a diminuir a importância da retórica e
da persuasão na caracterização do direito.
Nada obstante, a nova tendência retórica da filosofia do direito iniciada por Chaïm Perelman e
Theodor Viehweg foi continuada por alguns de seus discípulos, mas, até o momento, nunca teve uma
posição de destaque e tornou-se praticamente um estudo marginal de teoria da argumentação jurídica.
Um discípulo de Viehweg na universidade de Mainz na Alemanha, Ottmar Ballweg foi o
responsável pelo desenvolvimento da análise retórica do direito. No entanto, o próprio Ballweg (1982, p.
28) negava o caráter filosófico da retórica. Talvez em razão do sentido estreito que atribuía à palavra
filosofia como busca da essência ou da verdade das coisas e não como busca da sabedoria. Essa é a
crítica da qual parte João Maurício Adeodato (2014, p. 5) da Faculdade de Direito do Recife, no Brasil,
para propor uma filosofia retórica. Não se trata de uma “retórica filosófica”, mas de uma filosofia que se
caracteriza retoricamente, isto é, enquanto prática retórico-argumentativa.
De minha parte considero ambas as posições extremadas em alguma medida. Desconsiderar o
caráter filosófico da retórica como aparentemente faz Ballweg é deixar de lado aspectos fundamentais da
história da filosofia desde sua origem e assumir um preconceito ontológico ou essencialista em relação à
própria definição de filosofia. As inúmeras correntes filosóficas como as diferentes formas de ceticismo,
o nominalismo, as variações de realismo, dentre várias outras, fazem parte igualmente da história do
desenvolvimento do pensamento ocidental a que se chama genericamente de filosofia.
Afirmar, contudo, que a retórica pode ser elevada ao nível de uma filosofia é algo de certa forma
inusitado. Há inúmeros trabalhos que colocam lado a lado filosofia e retórica, mas definir a retórica como
filosofia é menos comum. Sem dúvida a sensibilidade para com a retórica e para com o papel da
linguagem é algo essencial para o desenvolvimento da filosofia ou para a busca da sabedoria. Afirmar,
contudo, que todos os problemas filosóficos se resumem a problemas da linguagem pode levar a uma
visão reducionista da própria filosofia. Sabemos que as palavras importam, e muito. Estamos cientes do
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papel fundamental que desempenha a linguagem na produção de conhecimento e na constituição da
realidade. Mas reduzir a experiência e os processos intelectuais a um produto dos discursos é uma tese no
mínimo ousada.
De qualquer forma, as delimitações entre os diversos âmbitos de estudo, seja entre filosofia e
retórica, ou entre retórica e semiótica, retórica e lógica etc. devem ser consideradas com parcimônia. Em
diferentes contextos surgem novos critérios de distinção entre as disciplinas, fato que não deve ser
encarado como algo essencial ou definitivo. Os critérios são sempre tópicos e dependem de um contexto
histórico determinado. Assim, corre-se o risco de separar arbitrariamente âmbitos de estudo que são, na
verdade, complementares entre si.
Como afirma o professor Gerardo Ramírez Vidal, é artificial a já desgastada querela entre
antigos e modernos que pressupõe a superação da retórica pelas disciplinas do discurso como a
linguística, a semiótica, a hermenêutica, a psicanálise, para citar exemplos. O debate é artificial, segundo
o professor, porque “la retórica constituye un conjunto concreto de conocimientos dentro de una
multiplicidad de disciplinas del discurso, de manera que lo que existe es confluencia, no conflicto”
(RAMÍREZ VIDAL, 2011, p. 85).
Dessa forma, encaro filosoficamente a retórica e seus problemas correlatos como questões que
fazem parte da própria “natureza” humana, o que me leva a pensar em uma antropologia retórica. Isso
significa dizer que há em alguma medida uma ontologia da retórica no mundo humanamente
determinado, isto é, da realidade constituída pelo “homo rheotircus” (RAMÍREZ VIDAL, 2011, p. 87).
Nosso filósofo parece ter levado isso em consideração no momento em que se dedicou ao estudo das
características da persuasão.
4. O entimema e o paradigma como núcleo da persuasão
Já no início da Retórica, Aristóteles (1996, p. 3 [1354a]) critica o trabalho de seus antecessores
alegando que o estudo de retórica até então se resumia à instrução dos alunos para que fossem capazes de
despertar emoções como a ira, o ódio, ou a compaixão, por exemplo, em seu auditório. Segundo
Aristóteles, esses velhos professores de retórica nada falavam sobre a parte mais importante da arte de
persuadir, ou seja, o núcleo racional ou lógico da argumentação. Despertar emoções é uma parte
importante, claro, das estratégias persuasivas. O próprio Aristóteles (1996, p. 13 [1356a]) reconhece isso
quando trata das três “provas técnicas”. Não se pode, contudo, fundar toda a persuasão no páthos. Assim
como não se pode contar apenas com o éthos do orador para ganhar a adesão do auditório. É preciso levar
em consideração os três elementos em conjunto: o éthos, o páthos e o lógos. Ou seja, o caráter de quem
fala, as emoções que se pode suscitar nos ouvintes, e o discurso propriamente dito.
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Pelo que conhecemos de Aristóteles, nada mais natural que ele dedicasse especial atenção ao
lógos, isto é, ao discurso e a suas razões, mesmo que não tenha desconsiderado o páthos e tampouco o
éthos na construção de sua Retórica. Por esse motivo, Aristóteles define como foco de sua investigação o
entimema e o paradigma, isto é, a dedução e a indução retóricas. Ele afirma que “não se deve distorcer o
juiz conduzindo-o à ira, ao ódio, ou à compaixão: isso equivaleria a deformar o instrumento do qual se
deve servir para mensurar” (ARISTÓTELES, 1996, p. 5 [1354a]). Claro, Aristóteles se referia ao juiz de
seu tempo, um cidadão comum que ele próprio considera uma pessoa simples (ARISTÓTELES, 1996, p.
5 [1357a]), ou seja, não preparada tecnicamente em uma arte ou em um lógos especializado como é o da
moderna dogmática jurídica – um fenômeno certamente bem distante do juiz do nosso tempo.
De fato, o juiz moderno é doutrinado, preparado para pensar dogmaticamente no contexto de
uma técnica específica regulada por métodos, cânones e princípios que formam os limites para a
argumentação judicial e o discurso jurídico em geral.
A esse respeito é preciso dizer que o pensamento jurídico ocidental enfatiza a necessidade de se
apresentar explicitamente o encadeamento lógico dos juízos como critério de racionalidade do discurso,
sem que seja preciso recorrer a elementos emocionais ou patéticos. Ou seja, a retórica da objetividade do
jurista deveria sempre prevalecer, respeitando assim os princípios da neutralidade (da linguagem jurídica)
e da imparcialidade (dos juízos jurídicos). O lógos deveria se sobressair sempre em relação ao páthos e ao
éthos, chegando mesmo a ser capaz de neutralizá-los. Por isso pensamos hoje na figura objetiva do juiz
como “órgão jurisdicional” e não como um indivíduo dotado de uma subjetividade altamente complexa
que envolve visões de mundo particulares, idiossincrasias, solipsismos. Esse é um belo exemplo do poder
objetivador que tem o lógos moderno dos juristas.
5. A lógica do “defeito” no entimema e no paradigma: tese do silogismo abreviado ou imperfeito
Sobre o paradigma não encontramos tantas questões polêmicas. O próprio Aristóteles (1996, p.
17 [1356b]) reconhece que, apesar de o paradigma exercer uma função vital na argumentação, é o
entimema que merece mais destaque do ponto de vista da constituição de uma téchne rhetoriké. Nada
obstante, para a cultura jurídica ocidental, desde a sua origem, sabemos que os exemplos (tanto os
hipotéticos quanto, principalmente, os do passado) são fundamentais na constituição da jurisprudência
enquanto ciência do direito. Não apenas para os Estados do common law que adotam o sistema do case
law, como também para o direito estatutário dos Estados que seguem a tradição legislativa de origem
continental ou romanística. Hoje em dia, percebemos que os precedentes e os casos decididos no passado
assumem cada vez mais um papel de destaque na produção do direito em diferentes sistemas de
estruturação normativa. Mesmo assim, sabemos que o raciocínio indutivo, apesar de abundante e
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fundamental no desenvolvimento científico, inclusive do direito, é – assim como o raciocínio analógico –
menos seguro e cogente que o raciocínio dedutivo.
Já em relação ao caráter dedutivo do entimema, algumas controvérsias são dignas de menção.
Sobretudo no que se refere a sua estrutura formal e a seu conteúdo material, bem como ao fato de ser ou
não uma espécie de silogismo.
É comum encontrar nos manuais de retórica definições que levam em consideração apenas o seu
aspecto formal. Algumas vão mais além e definem o entimema como uma forma de silogismo abreviado,
outras como um silogismo imperfeito, e outras ainda como se fosse um silogismo truncado, isto é,
defeituoso (ADEODATO, 2009, p. 333).
Essa maneira de encarar o entimema a partir apenas de sua estrutura de apresentação, ou seja, a
maneira pela qual é exprimido verbal ou textualmente procede apenas em parte. A crítica fundamenta-se
na própria Retórica de Aristóteles (1996, p. 19 [1357a]), na medida em que o filósofo, realmente, afirma
que as premissas que formam um entimema devem ser em menor número do que as que formam outros
tipos de silogismo como, por exemplo, o dialético. Mas não é este aspecto formal que caracteriza o
entimema enquanto silogismo retórico. É o fato de se basear em premissas que são provenientes de
noções comuns, probabilidades, sinais ou indícios (ARISTÓTELES, 1996, p. 29 [1359a]).
Nada obstante, isso não impediu que autores posteriores a ele continuassem perpetrando essa
definição incompleta de entimema. Hoje, essa tese tradicional de que o entimema é um silogismo
abreviado (syllogismus truncatus, imperfectus ou abreviatus) é entendida como uma falsificação. Para
algumas teorias contemporâneas, o entimema não é uma forma de dedução lógica (como o silogismo),
mas uma “dedução retórica” (GRÖSCHNER, p. 521) que não obedece necessariamente às leis e aos
princípios da lógica.
De fato, o entimema é definido por Aristóteles (1996, p. 7 [1355a], 15 [1356b]) como uma
espécie de silogismo, ou seja, como um silogismo próprio da retórica. Essa categorização feita por
Aristóteles do entimema enquanto silogismo, ao mesmo tempo em que teve um grande alcance e difusão,
propiciou a atual polêmica. A ideia aristotélica de que o argumento no âmbito da retórica seja estruturado
como um silogismo perpetuou-se e prevaleceu enquanto definição de entimema, mas não foi capaz de
determinar completamente as suas características próprias, autônomas em relação à lógica da dialética.
Pois bem, dizemos que essa definição meramente formal de entimema só procede na medida em
que, realmente, o que se expressa ou se explicita em vários tipos de discurso é apenas parte daquilo que se
comunica efetivamente. Muitas vezes o não dito, apenas sugerido e não completamente revelado integra a
comunicação. Esse fenômeno não é exclusivo do entimema, mas acontece diante de uma série de figuras
de linguagem como, por exemplo, a ironia, a metáfora, a metonímia, a sinédoque, dentre várias outras.
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Essas figuras de linguagem surgem de forma espontânea e, na maioria das vezes, só
posteriormente são analisadas e sistematizadas pelos linguistas em seus sistemas teóricos. Entretanto é
algo natural expressar-se, mesmo cotidianamente, por meio de figuras de linguagem que representam
meras sugestões de informações não explicitadas.
Antes de um silogismo defeituoso, portanto, o entimema é entendido, por uma tradição que
começa com Aristóteles, como um silogismo que se completa “na mente” de quem fala e de quem
ouve, mas que não precisa ser completamente verbalizado ou de qualquer outra forma explicitado.
Segundo esta tese, a premissa faltante na expressão é sugerida e apresentada implicitamente.
6. A lógica do “silêncio” no entimema e no paradigma (“o que não é” é possível): tese do silogismo
implícito
Nem sempre se expressam as duas premissas do entimema porque, por vezes, é preciso apenas
uma para tornar a outra conhecida.
Justamente porque o discurso retórico é voltado a um público não especializado, o papel da
éndoxa (ARISTÓTELES, 2005, p. 348 [110b]) torna-se ainda mais fundamental na construção de
entimemas do que na de silogismos dialéticos. O senso comum e as opiniões compartilhadas pela maioria
ou pela maioria qualificada (técnicos no assunto, pessoas cultas, sábios etc.) que formam a éndoxa são, na
verdade, a base para a construção de raciocínios entimemáticos. É evidente que a retórica judicial,
sobretudo no que se refere ao papel da jurisprudência e da construção judicial do direito, atribui um papel
fundamental às opiniões majoritárias e à doutrina dominante.
O entimema seduz justamente porque se baseia em consensos, ou em expectativas de consenso
entre orador e auditório. O fato de não conter uma das premissas é, antes de tudo, não um defeito lógico
ou formal do discurso, mas uma qualidade sedutora para a argumentação. É um instrumento de empatia
para com o auditório. Parte-se de um ponto que não precisa ser provado até um outro que precisa sê-lo,
isto é, parte-se do conhecido (a opinião comum de aceitação geral) rumo ao desconhecido (BARTHES,
2000, p. 69).
Assim, o entimema é eficaz na persuasão, por um lado, porque é concentrado, porque comunica
mais do que é explicitamente dito sem que o discurso se torne enfadonho, repetitivo ou demasiado
analítico. E, por outro lado, porque parte de premissas que são comuns e estão ao nível do auditório.
Pode-se inclusive afirmar que, em relação ao silogismo retórico e aos discursos retóricos em geral, “a
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eliminação de uma parte excita a vaidade e apela à inteligência do destinatário”1 (CATTANI, 1994, p.
109).
O poder de sugestão do entimema se une, portanto, à capacidade de evitar o dissenso por meio
de uma expectativa de consenso entre quem fala e quem ouve, ou entre quem produz o discurso e quem
o interpreta.
Esta é claramente uma consequência do alto grau de generalidade das premissas omitidas. Uma
generalidade tal que permite diferentes possibilidades interpretativas para o que é apenas sugerido e não
explicitamente revelado.
Aquilo que necessariamente só pode ser interpretado de uma maneira, e o que não pode de forma
alguma ser interpretado da maneira pretendida pelo orador terminam por serem pouco úteis aos discursos
retóricos. O necessário, o impossível e o inquestionavelmente verdadeiro, portanto, não são tão
persuasivos quanto o possível, o provável e o verossímil, na medida em que limitam a expectativa de
consenso entre orador e auditório.
7. Por que os juízes argumentam por meio de entimemas e paradigmas
Um exemplo de abordagem retórica do direito contemporânea é a tese de que os padrões de
comunicação normativa em processos de decisão judicial são entimematicamente estruturados (SOBOTA,
1991; VON SCHLIEFFEN, 2006; ADEODATO, 2009).
Para esse tipo de perspectiva, a prática jurídica não é governada por premissas maiores, regras
instrumentais ou normas universais. Ao contrário, são regularidades ou padrões mutáveis e auto-
organizados que guiam o processo de decisão no direito. São essas formações cibernéticas e dinâmicas
que propiciam a decisão (SOBOTA, 1991, p. 47; BALLWEG, 1989, p. 229). Portanto, se o que se deseja
é de fato compreender como funciona o direito, é aconselhável procurar observar o modo de
funcionamento desses padrões. Mais do que especular a respeito de regras e modelos de decisão
supostamente racionais.
Para esse tipo de teoria, o silogismo judicial é mais propriamente uma ilusão com grande
potencial de produzir efeitos de persuasão. Isso se deve ao fato de que o recurso à lógica e à aparência
de logicidade do discurso jurídico somado à ampla difusão da própria ideia de silogismo como modelo de
raciocínio dedutivo em nossa cultura assegura uma espécie de aura racional aos processos de decisão. O
silogismo “é uma das mais fortes ideias do pensamento ocidental e da decisão judicial, e, enquanto tal,
1 “L’eliminazione di una parte solletica la vanità e fa appello all’intelligenza del destinatario”.
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molda o discurso jurídico, por vezes até o ponto de confundi-lo com a própria realidade – como se o
raciocínio jurídico fosse silogístico”2 (SOBOTA, 1991, p. 49).
De um ponto de vista retórico, portanto, o silogismo seria apenas um modo de apresentação da
decisão e não um método para se decidir. Nesse sentido, o silogismo é uma forma retórica de expressão,
mas não de elaboração do pensamento. Ou seja, o silogismo judicial é na verdade um entimema.
O que fundamenta esta tese é o fato de que seria contraproducente ou mesmo impossível seguir
as exigências da dialética e explicitar todas as premissas de um raciocínio judicial. A recomendação dos
acadêmicos aos estudantes de direito de se verbalizar todas as normas empregadas como fundamento para
uma decisão, isto é, as premissas maiores de um silogismo judicial, não deveria e, na verdade, nem
poderia ser efetivamente observada.
Muitas vezes, o que se pode vislumbrar em decisões judiciais é a simples referência a fragmentos
de textos normativos, mas não a normas completas. Além disso, mesmo que todos os textos legais
apontados em uma decisão fossem citados ipsis literis, sabemos que isso não seria suficiente para revelar
todas as normas ou premissas maiores em jogo. Nesse sentido, a hermenêutica jurídica contemporânea
sustenta categoricamente a distinção entre texto normativo e norma jurídica. Para essas teorias
(MÜLLER, 1976, p. 249-251; 2009, p. 196), a norma concretizada transcende o teor literal dos textos
normativos e inclui elementos dogmáticos, teóricos, não-textuais, contextuais (políticos, sociais,
econômicos, históricos etc.), pré-compreensivos, dentre vários outros.
Com razão, os textos legais e suas combinações propiciam inúmeras normas diferentes. Não é
possível afirmar que, para cada texto, há apenas uma norma. Pelo contrário, há geralmente muitas
possibilidades interpretativas para os mesmos enunciados, sobretudo quando confrontados com a
experiência e em contextos determinados. Como sabemos, as leis jurídicas não são nem necessárias como
as leis da física, nem precisas como os comandos de computadores. A comunicação normativa viabilizada
por textos que formam leis, códigos, precedentes, contratos, tratados ou qualquer outro documento dotado
de validade jurídica é sempre aberta a uma potencial semiose ilimitada.
Os textos normativos, pois, implicam sempre diferentes possibilidades de construção normativa.
Segundo uma perspectiva retórica, explicitar todas essas construções implícitas seria sem sentido e
destrutivo (SOBOTA, 1991, p. 51) para o próprio sistema jurídico. De fato, não mencionar a norma é o
padrão quando se trata de decisões judiciais. Assim como as premissas implícitas do entimema, as normas
parecem tão auto-evidentes no contexto de uma cultura jurídica determinada que não precisariam ser nem
ao menos verbalizadas (SOBOTA, 1991, p. 52), mas apenas sugeridas, pressupostas e tidas como certas.
2 “It is one of the strongest underlying ideas of western thought and legal decision-making, and as such it molds legal discourse, sometimes to such an extent that it is confused with reality itself -- as if legal reasoning were syllogistic”.
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É como se as normas fossem truísmos ou obviedades que devessem ser silenciados (SOBOTA, 1991, p.
53).
As decisões judiciais, portanto, fazem no máximo alusões a silogismos, mas dificilmente contêm
silogismos completos ou explícitos. Pode-se ir mais além e dizer que mencionar todas as premissas do
raciocínio judicial seria embaraçoso e mesmo disfuncional para quem julga.
Não verbalizar todas as premissas é uma forma estratégica de evitar contradições e
inconsistências do sistema jurídico. Além disso, por meio do discurso entimemático, pode-se tanto
modificar o sentido da norma de acordo com cada situação concreta, como também propiciar o
entrelaçamento de regularidades emotivas não verbalizadas e racionalizações explicitamente
formuladas (SOBOTA, 1991, p. 57).
Assim, portanto, decisões tornam-se paradigmáticas e o processo retórico de construção de novas
decisões termina por ser uma rede complexa de deduções retóricas a partir de um conjunto de textos por
um lado e, por outro lado, de referências a exemplos que vêm do passado e são dotados de autoridade.
De um lado, a dedução de decisões a partir das normas gerais que supostamente se encontram em
códigos, leis e constituições é feita de forma entimemática. De outro lado, a analogia e a indução
realizadas a partir da jurisprudência dos tribunais e dos precedentes judiciais são feitas de forma
paradigmática.
Esta é uma tentativa de demonstrar como a Retórica de Aristóteles continua atual para
compreender os processos de tomada de decisão no direito e as formas de sua representação. Concluo
minha fala, sustentando, assim, que o entimema e o paradigma, enquanto noções retóricas, têm um papel
fundamental tanto na produção do direito, quanto na apresentação dessa produção.
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