PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E RECONHECIMENTO SOCIAL: REFLEXÕES CRITICAS.
Professor Enio Rodrigues da Rosa.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4110820541546263
"Ao tachar de complicação obscura e, de preferência, de alienígena o pensamento que se aplica negativamente aos fatos, bem como às formas de pensar dominantes, e ao colocar assim um tabu sobre ele, esse conceito mantém o espírito sob o domínio da mais profunda cegueira. É característico de uma situação sem saída que até mesmo o mais honesto dos reformadores, ao usar uma linguagem desgastada para recomendar a inovação, adota também o aparelho categorial inculcado e a má filosofia que se esconde por trás dele, e assim reforça o poder da ordem existente que ele gostaria de romper" (THEODOR W. ADORNO E MAX HORKHEIMER). "Ora, concluem Diderot e seus adeptos: "Sendo a vista o mais precioso, o mais aplicado dos sentidos, o indivíduo que não vê será completamente diverso dos outros." Que concepção acanhada da vida humana!" (PROF. AIRES DA MATA MACHADO FILHO, 1932, grifos do autor).
Início este ensaio tomando como referência norteadora o conteúdo dessas
duas epigrafes e recordando um fato interessante que eu tive a oportunidade de
presenciar. Um dia eu estava numa assembléia dos servidores públicos do
município de Cascavel. Num dado momento, após pedir a palavra, um colega meu
virou-se para o prefeito que estava presente e disse: "O bom senso diz que eu
deveria me manter calado.
“Porém, minha consciência diz que eu devo falar”. E ele expressou sua
critica sem a preocupação com possíveis retaliações, perseguições e outras
coisas do gênero.
Tomando esta observação como preocupação e ponto de partida, também
pensei muito antes de manifestar aqui algumas ideias preliminares sobre as
dificuldades identificadas nas relações de trabalho, envolvendo servidores com
deficiência e determinados posicionamentos do setor de Recursos Humanos da
Secretaria de Estado da Educação (SEED). Esses posicionamentos estão
1
articulados com a constante e sistemática falta de reconhecimento profissional de
servidores com deficiência aprovada por concurso público, no exercício das suas
respectivas atividades laboral.
Evidentemente que eu não precisaria aqui recordar dos dispositivos
constitucionais que garante aos cidadãos e cidadãs deste país a liberdade de
expressão e manifestação do pensamento. Todavia, de qualquer maneira, parece
instrutivo conferir a redação de dois incisos do Artigo N. 5 da Constituição Federal
(CF) de 1988. Os respectivos incisos vertem:
"IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
“IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”.
Partindo-se dessas garantias constitucionais, embora eu relate neste ensaio
algumas de minhas próprias experiências negativas vivenciadas como servidor
público do Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná (professor
pedagogo), esclareço que muitas experiências semelhantes também são
vivenciadas por outros servidores com deficiência, particularmente, cegos ou com
baixa visão, em alguns municípios do interior do Estado e na própria capital.
Deste modo, os apontamentos aqui formulados fazem parte de práticas e
atos recorrentes que atingem servidores com deficiência que clamam e lutam por
"reconhecimento" profissional individual e coletivo.
Para tornar um pouco mais claro meu objetivo, num primeiro momento,
apresento algumas ideias da obra de Axel Honneth, intitulada: "Luta por
reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais" (2003).
Trata-se de um material bastante interessante e revelador do quão certos
segmentos sociais historicamente marginalizados/excluídos, não obstante os
poucos avanços legais/formais já conseguidos nas últimas três ou quatro décadas,
ainda sofrem com a falta de reconhecimento social e profissional.
Depois, num segundo momento, relato algumas de minhas experiências
negativas como servidor público do magistério estadual, por algumas
incompreensões, interpretações e decisões equivocadas tomadas por
determinados setores da SEED. Algumas dessas decisões acabam trazendo
2
como consequência violações de direitos que se configuram crime por atos ou
práticas discriminatórias, previstas no parágrafo primeiro do Artigo N. 4 da Lei
Brasileira da Inclusão -- Lei N. 13.146 de 2015.
Com esta iniciativa, muito mais do que formular apenas algumas criticas,
busco fornecer alguns elementos preliminares que possam subsidiar uma reflexão
mais aprofundada e ampla sobre as práticas, atitudes e posturas, não apenas
relacionadas com a falta de reconhecimento profissional desses servidores, mas,
também em relação aos estudantes com deficiência que estão matriculados nas
escolas públicas estaduais.
Na obra: "Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais"
(2003), Axel Honneth, concentra seus estudos em três pontos centrais, buscando
na filosofia de Hegel, as ideias do amor, do direito e da estima, os fios condutores
e articuladores de sua importante argumentação teórica.
Logo no início do prefácio, ele esclarece as razões que o levaram a buscar na filosofia de Hegel os fundamentos constituintes necessários que serviram de base nas suas formulações. Diz ele:
"Nesse escrito, proveniente de uma tese de livre-docência, tento desenvolver os fundamentos de uma teoria social de teor normativo partindo do modelo conceitual hegeliano de uma "luta por reconhecimento". O propósito dessa iniciativa surgiu dos resultados a que me levaram meus estudos em Kritik der Macht [Crítica do poder]: quem procura integrar os avanços da teoria social representados pelos escritos históricos de Michel Foucault no quadro de uma teoria da comunicação se vê dependente do conceito de uma luta moralmente motivada, para o qual os escritos hegelianos do período de Jena continuam a oferecer, com sua ideia de uma ampla "luta por reconhecimento", o maior potencial de inspiração.1 A reconstrução sistemática das linhas argumentativas de Hegel, que constitui a primeira parte do livro, conduz a uma distinção de três formas de reconhecimento, que contêm em si o respectivo potencial para uma motivação dos conflitos. Contudo, o retrospecto sobre o modelo teórico do jovem Hegel torna evidente também que suas reflexões devem parte de sua força a pressupostos da razão idealista, os quais não podem ser mantidos sob as condições do pensamento pós-metafísico. Daí a segunda grande parte sistemática do trabalho tomar seu ponto de partida no cometimento de dar à ideia hegeliana uma inflexão empírica, recorrendo à psicologia social de G. H. Mead; desse modo, origina-se no plano de uma teoria da intersubjetividade um conceito de pessoa em que a possibilidade de uma autorrelação imperturbada se revela dependente de três formas de reconhecimento (amor, direito e estima)" (HONNETH, 23/24, 2003, grifos do autor).
3
Primeiramente, parece necessário deixar claro aqui que a obra de Honneth
não aborda a questão relacionada com pessoas com deficiência. Sua teoria social
do reconhecimento de teor normativo trata de questões e problemas filosóficos
abrangentes, relacionados com os objetivos gerais da sua importante
investigação.
No entanto, compreendo que o coletivo das pessoas com deficiência,
assim como outros coletivos de pessoas historicamente marginalizadas,
enquadradas no conceito de minorias sociais, desde o final dos anos 60 do século
passado, de forma organizada em movimentos políticos/ sociais, trava lutas por
reconhecimento social. As lutas por direitos civis, políticos, sociais, econômicos,
etc., desencadeadas por mulheres, jovens, negros, homossexuais, pessoas com
deficiência, entre outras minorias, tinham e continuam tendo no seu cerne os
conflitos sociais como forças motivadoras das suas lutas políticas e sociais.
Para Honneth, os três eixos estruturadores e motivadores dessas lutas
morais por reconhecimento social, respectivamente, são o amor, o direito e a
estima. Essas três categorias analíticas constituem o núcleo de sua argumentação
filosófica na defesa de sua tese, segundo a qual os conflitos sociais são à base
das lutas por reconhecimento social.
Esclareço que por falta de espaço neste escrito e principalmente de
conhecimento mais aprofundado da obra de Honneth, não pretendo avançar para
além de expor algumas ideias do autor. Faço isso muito mais como uma forma de
divulgar a obra, pois identifico no conjunto de sua argumentação filosófica, daquilo
que já consegui apreender no pensamento, material bastante interessante na
perspectiva de se buscar relações e conexões históricas com as lutas por
"reconhecimento" pessoal, profissional e social, por parte das pessoas com
deficiência e de outros coletivos com demandas semelhantes.
Falando sobre a necessidade da reciprocidade entre as pessoas como
elemento indispensável nas relações de reconhecimento e na formação da
intersubjetividade humana das pessoas, Honneth enfatiza:
4
"Para a relação de reconhecimento, isso só pode significar que está embutida nela, de certo modo, uma pressão para a reciprocidade, que sem violência obriga os sujeitos que se deparam a reconhecerem também seu defrontante social de uma determinada maneira: se eu não reconheço meu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa, eu tampouco me posso ver reconhecido em suas reações como o mesmo gênero de pessoa, já que lhe foram negadas por mim justamente aquelas propriedades e capacidades nas quais eu quis-me sentir confirmado por ele" (2003, p. 78).
Ora, se eu como pessoa dotada de propriedades e capacidades humanas,
na interação, não reconhece na outra pessoa as mesmas propriedades e
capacidades humanas que estão presentes na minha personalidade integral, eu
não posso pretender que a outra pessoa reconheça na minha pessoa
propriedades e capacidades que são comuns a todas as pessoas humanas.
Por isso, na negação das propriedades e capacidades humanas das
pessoas com deficiência, acha-se presente o núcleo central de todas as formas de
desrespeito dos seus direitos humanos. Reconhecer apenas direitos formais
inscritos nas leis de uma moral normativa socialmente valida, sem considerar
questões intersubjetivas relacionadas com os sentimentos de aceitação e
pertencimento familiar e social, parece ser o mesmo que garantir o direito de
participação num concurso público por exigência legal, sem o devido e necessário
reconhecimento de que no exercício das atividades sociais do trabalho, estão
presentes determinadas necessidades objetivas e subjetivas que precisam ser
contempladas pelos agentes públicos e pelas empresas que empregam esta força
de trabalho.
Nas primeiras linhas do último capítulo de sua teoria social do
reconhecimento, Honneth afirma que da experiência do amor, existe a
possibilidade da autoconfiança, da experiência do reconhecimento jurídico, a
possibilidade do autorrespeito e da experiência da solidariedade a possibilidade da
autoestima. "... os indivíduos se constituem como pessoas unicamente porque, da perspectiva dos outros que assentem ou encorajam, aprendem a se referir a si mesmos como seres a que cabem determinadas propriedades e capacidades. A extensão dessas propriedades e, por conseguinte, o grau da autorrealização positiva cresce com cada nova forma de reconhecimento, a qual o indivíduo pode referir a si mesmo como sujeito: desse modo, está
5
inscrita na experiência do amor a possibilidade da autoconfiança, na experiência do reconhecimento jurídico, a do autorrespeito e, por fim, na experiência da solidariedade, a da autoestima" (2003, p. 272).
De fato, no caso das pessoas com deficiência, esses três elementos
mereceriam uma profunda reflexão, pois autoconfiança, autorespeito e autoestima,
são, precisamente, as três principais formas de desqualificação e estão
diretamente vinculadas e articuladas com os aspectos morais e materiais da falta
de reconhecimento dessas pessoas, em todos os aspectos e espaços da vida
social.
Finalizando sua investigação, Honneth sugere que tanto o projeto de Hegel
como o projeto de Mead, fracassou em relação aos objetivos inicialmente traçados
pelos próprios pesquisadores. Ele assim se expressa:"Em seus escritos de Jena, o jovem Hegel buscou colocar no local assim traçado somente a "solidariedade" de todos os cidadãos, entendida como forma de comunicação; mas a vantagem da maior formalidade possível, que sem dúvida sua proposta lhe havia trazido, foi paga com a desvantagem de não dispor mais de nenhuma referência acerca das experiências às quais se deve o surgimento desses sentimentos de solidariedade. Por sua vez, em analogia com Durkheim, um autor mais ou menos da mesma época, George H. Mead havia concebido a divisão social do trabalho como finalidade coletiva, de que deve partir a força solidarizante por meio da qual todos os sujeitos podem saber-se estimados. Sua proposta, porém, tinha de fracassar, porque a organização do trabalho social, mas mais ainda a avaliação das diversas realizações laborais, depende por seu lado de representações de valores éticos, que justamente como tais iriam ser neutralizadas com a referência às exigências técnicas.
Ambos, Hegel não menos que Mead, não atingiram o objetivo, estabelecido por eles mesmos, de determinar um horizonte abstrato de valores éticos, abertas às mais distintas metas de vida, sem perder a força solidarizante da formação coletiva da identidade. Mas agora os duzentos anos que nos separam dos primeiros escritos de Hegel e os quase cem anos que nos distanciam das especulações de Mead somente intensificaram a necessidade de tal forma de integração: nesse meio-tempo, as transformações socioestruturais nas sociedades desenvolvidas ampliaram objetivamente a tal ponto as possibilidades da autorrealização que a experiência de uma diferença individual ou coletiva se converteu no impulso de uma série inteira de movimentos políticos; certamente, suas exigências só podem ser cumpridas em longo prazo quando ocorrem mudanças culturais que acarretam uma ampliação radical das relações de solidariedade. Nessa nova situação, a concepção aqui esboçada pode tirar do fracasso dos projetos de Hegel e de Mead somente o ensinamento de contentar-se com uma tensão insuperável: ela não pode renunciar à tarefa de introduzir os valores materiais ao lado
6
das formas de reconhecimento do amor e de uma relação jurídica desenvolvida, os quais devem estar em condições de gerar uma solidariedade pós-tradicional, mas tampouco pode preencher por si mesma o lugar que é assim traçado como local do particular na estrutura das relações de uma forma moderna de eticidade -- pois saber se aqueles valores materiais apontam na direção de um republicanismo político, de um ascetismo ecologicamente justificado ou de um existencialismo coletivo, saber se eles pressupõem transformações na realidade econômica e social ou se mantêm compatíveis com as condições de uma sociedade capitalista, isso já não é mais assunto da teoria, mas sim do futuro das lutas sociais" (HONNETH, 2003, p. 279/280, grifos do autor).
De fato, as especulações psicológicas de Mead só poderiam fracassar,
pois a divisão social do trabalho, em vez da força coletiva solidarizante por ele
imaginada, abriram o caminho para o aprofundamento da competição e o
individualismo entre os próprios colegas de trabalho. Em processos competitivos o
que menos importa são os aspectos da solidariedade, enquanto formas de
cooperação individual e coletiva.
Processos competitivos e individualistas, levados ao extremo como
estamos vendo, constituem o núcleo central e são próprios desta forma atual mais
desenvolvida e perversa de capitalismo, onde praticamente tudo e todos foram
transformados em mercadorias lucrativas, colocadas a disposição de "todos" no
mercado de bens de consumo.
A divisão social do trabalho como força coletiva solidarizante, só pode ser
concebida numa perspectiva idealista. Na sua forma moderna mais desenvolvida
(fordismo/teylorismo/toyotismo, por exemplo), ela teve o propósito de retirar dos
trabalhadores o controle da produção, criando assim a divisão entre aqueles
especialistas (de RHS, por exemplo) que concebem e os trabalhadores que
executam as tarefas nos seus respectivos postos de trabalho. No capitalismo
atual, a ideia de trabalho colaborativo não tem outra finalidade se não aquela de
ocultar os interesses antagônicos das classes sociais e enfatizar a necessidade da
colaboração entre patrões e empregados. A força solidarizante almejada por Mead
sucumbiu diante da fragmentação do trabalho e da competição entre as categorias
de trabalhadores.
7
Num modelo societário onde ainda predomina as leis dos mais fortes e
inteligentes, fala num projeto social verdadeiramente inclusivo parece mais
cinismo do que uma ideia séria que mereça credibilidade.
Tivemos avanços legais e conceituais importantes nas últimas décadas,
mas que ainda não se traduziram em reconhecimentos sociais nem mesmo na
concretização das políticas públicas, também determinadas pelas leis do mercado.
Diante desta realidade sombria, Honeth conclui que as garantias inscritas
na forma das Leis morais sem as devidas e necessárias garantias materiais e
mudanças culturais radicais correspondentes de longo prazo, já se revelaram
insuficientes e incapazes no intento de assegurar às pessoas o reconhecimento
social e individual tão almejado.
Particularmente, diante desta realidade nada animadora, se eu ainda não
perdi de vez as esperanças nas capacidades humanas na busca de um novo
projeto societário, efetivamente e verdadeiramente baseado no bem comum da
coletividade, por sua vez, já não acredito mais no projeto iluminista baseado na
liberdade, igualdade e fraternidade.
A única liberdade que vejo prosperar no capitalismo é evidentemente a
liberdade do mercado, a liberdade da deixa fluir, deixa passar. O mercado é, pois,
o novo Deus que dita às regras da vida das pessoas.
Se as coisas vão bem, é porque o mercado quer; se as coisas estão ruins,
é porque o mercado está nervoso; se eu sou discriminado, por exemplo, também é
por culpa do mercado e suas exigências, por mais indecentes que elas sejam. Em
nome de este ser abstrato, pessoas rouba e pessoas matam, governos suprimem
direitos históricos dos trabalhadores, porque esta é simplesmente a vontade do
mercado.
Parece já não existir mais a separação entre mercado e sociedade. Até
mesmo os direitos foram transformados em mercadorias e são comercializados
pelos agentes públicos e nos tribunais. As próprias famílias já não são mais
núcleos onde se ensinam valores do bem comum, do respeito e da verdadeira
solidariedade humana, se não o lugar onde todos são educados para o consumo,
o individualismo e a competição.
8
Nossas escolas, registro com pesar, vão pelo mesmo caminho, na medida
em que estão mais preocupadas em formarem trabalhadores adestrados do que
formarem cidadãos e cidadãs dotados de consciência critica.
Na prática, é como afirma Meszáros, me diga onde está o trabalho em uma
dada sociedade e eu te direi onde está a educação. Esta é precisamente a
contradição da educação do nosso tempo: algumas escolas ainda resistem e
procuram formar cidadãos e cidadãs, mas o mercado exige trabalhadores
disciplinados, passivos e ordeiros. Assim, nossas escolas são, em sua maioria,
verdadeiros "cães" de guarda a serviço da reprodução dos ideais capitalistas.
Para ilustrar o que estou pretendendo tornar claro, destaco que
"Com o aguçamento das contradições do capitalismo e o consequente acirramento da luta de classes, a burguesia intensifica o uso de todos os recursos possíveis para não permitir o avanço da luta pela socialização dos meios de produção. Nesse contexto a educação escolar dos filhos da classe trabalhadora é constantemente reestruturada em todos os seus níveis, desde a educação infantil até o ensino superior, num complexo jogo político e ideológico cujo objetivo, por parte da classe dominante e dos intelectuais a seu serviço, é o de assegurar que os conteúdos ensinados e aprendidos na escola pública se limitem ao que é demandado pela reprodução da divisão social do trabalho e da concepção burguesa de sociedade, de conhecimento, de vida humana e de individualidade; em poucas palavras, que a educação escolar se limite à adaptação" (DUARTE, 2013, p. 27).
Na sequencia, citando Leontiev, Duarte esclarece o conceito de adaptação: "A perspectiva da psicologia histórico-cultural é, porém, bastante distinta e Leontiev (1981) foi bastante claro em sua crítica à centralidade do conceito de adaptação na psicologia burguesa: A despeito das concepções capitalistas do desenvolvimento ontogenético humano como "uma adaptação ao meio", esta adaptação não constitui de modo algum o princípio desse desenvolvimento. Ao contrário, o progresso no desenvolvimento do individuo pode consistir em ir além das limitações desse meio imediato e não numa adaptação às mesmas que, em tais circunstâncias, tornam-se empecilhos à expressão mais plena possível da riqueza das verdadeiras características e capacidades humanas. “Eis por que falar da adaptação do indivíduo ao seu meio social é no mínimo ambíguo tanto no aspecto social como ético” (DUARTE, 2013, p. 27, grifos do autor).
9
Da mesma forma, a única igualdade é aquela baseada na igualdade de
oportunidades, também submetida e aprisionada nas leis do mercado, nas leis da
competição, do egoísmo e do individualismo exacerbado.
Somos todos iguais na forma da Lei, mas, acontece que a Lei não é igual
para todos e nem todos são iguais na forma da Lei. Trata-se de uma velha
contenda liberal que garante aos sujeitos apenas o direito de participarem da
competição. Acontece que as desigualdades já estão presentes no marco zero
das largadas, pois nem todas as pessoas iniciam a competição com as mesmas
condições materiais. Trata-se de uma igualdade de oportunidades meramente
ilusória.
Já a fraternidade, não é outra se não aquela baseada na velha caridade,
nas suas formas medievais, ou na filantropia, nas suas formas modernas mais
desenvolvidas. De qualquer maneira, ambas não reconhecem as pessoas com
deficiência como sujeita de direitos, nos termos filosóficos e conceituais dos atuais
direitos humanos com todas suas complexidades e dimensões particulares e
abrangentes. Se eu e meus semelhantes com deficiência, não somos reconhecido
como sujeitos de direito, logo, nós somos meros objeto da filantropia. Acredite isso
não é apenas uma retórica ou força de expressão, mesmo nos dias atuais.
Desta forma, depois de buscar em Honneth os fundamentos filosóficos dos
pontos de vistas que pretendo sustentar nesta exposição, bem como também de
demonstrar que a experiência moral do amor, do direito e da solidariedade,
efetivamente, não resultou na autoconfiança, no autorrespeito e na autoestima das
pessoas com deficiência, em virtude de não serem reconhecidas como pessoas
dotadas das mesmas propriedades e capacidades humanas das pessoas sem
deficiência, o que entra perfeitamente nos princípios e nos valores da sociedade
capitalista.
Neste exercício de apreender o concreto em pensamento, meu esforço
consistirá em demonstrar que as práticas equivocadas e recorrentes da SEED, na
relação de trabalho com os servidores com deficiência, em vez de contribuir
enquanto experiência na geração da possibilidade da autoconfiança, do
autorrespeito e da autoestima, aponta justamente no sentido contrario, gerando
10
um sentimento de insegurança, desrespeito profissional e, por conseguinte,
reforçando nessas pessoas o seu sentimento de inferioridade e autoestima
rebaixada.
Deste modo, a importante experiência do trabalho que do ponto de vista
social e das condições elementares de sobrevivência poderiam ser altamente
encorajadoras e recompensatórias, por tudo o que o trabalho representa na vida
das pessoas, acaba traduzindo-se em experiências negativas justamente pelo tipo
de relação desrespeitosa estabelecida pelos agentes públicos. Casos e situações
que poderiam ser resolvidas com diálogos, bom senso e um pouco mais de
temperança, geram conflitos e tensões desnecessárias que poderiam ser evitadas.
O mais intrigante e preocupante em muitos desses casos e situações,
consiste em compreender que nos dois extremos das relações conflituosas estão
servidores públicos que ingressaram no Quadro Próprio do Magistério pelas
mesmas vias, quer dizer, por meio de concurso público de provas e títulos. Isso
apenas demonstra que nas relações de trabalho mesmo dentro do serviço público,
o que importa não é a condição de servidor, mas qual a posição ocupada na
escala das hierarquias, o poder de mando e de decisão que o servidor exerce no
interior da estrutura estatal.
Esclareço que não pretendo, nesta exposição, transformar minha própria
experiência negativa como professor num ponto de eventual comoção social em
face dos descasos enfrentados desde que ingressei no Estado pela primeira vez
em 2005, quando enfrentei e fui aprovado no meu primeiro concurso público.
Embora não focado apenas na minha própria experiência, já desenvolvi
com mais vagar e detalhe este assunto no quarto capítulo de minha dissertação
de mestrado, intitulada: "O trabalho das pessoas com deficiência e as relações
sociais de produção capitalista: uma análise critica da política de cotas no Brasil"
(2009).
O mesmo assunto também se encontra no livro de minha autoria,
recentemente publicado na versão digital, intitulado: "Deficiência e trabalho: a luta
pelo direito de ser explorado" (2016).
11
A luta pelo direito de ser explorado é parte do título de um importante e
esclarecedor artigo, escrito por Eduardo Joli, um ativista político argentino, usuário
de cadeira de rodas. Ele demonstra que a força e trabalho das pessoas com
deficiência é tão desqualificada, depreciada, rejeitada, pela incapacidade produtiva
na produção da mais valia, que elas lutam pelo direito de serem exploradas.
Enquanto muitos trabalhadores sem deficiência estão buscando libertar-se da
exploração do trabalho, o que as pessoas com deficiência mais desejam é serem
exploradas pelo capital.
Nos dois casos (na dissertação no livro), demonstrei com farta
documentação e exemplos que as práticas dos agentes públicos não se
diferenciam em nada das práticas dos agentes privados quando o assunto envolve
a seleção, contratação e aproveitamento da força de trabalho das pessoas com
deficiência. Em ambas as situações, essas pessoas somente são contratadas por
imposição legal e ainda assim precisando enfrentar e superar inúmeros atos de
preconceitos e discriminação nos processos de seleção e posteriormente nos
locais de trabalho.
Essas práticas não são novas e estão agravando-se ainda mais nos últimos
anos, sobretudo, em face da crise econômica e de um recrudescimento dos atos e
práticas de preconceito e discriminação contra as pessoas com deficiência. Para
muitos, essas pessoas são privilegiadas com as leis protetivas dos seus direitos.
No caso em tela, minha primeira experiência negativa apareceu logo após
eu ter vencido todas as fases do concurso público, em 2005. Mesmo eu tendo
declarado ser pessoa cega no ato de inscrição, conforme determina a Lei, o que
me garantia o direito de participar do certame na reserva de vagas, no momento
do exame médico pré admissional, o médico da pericia me considerou inapto
temporariamente para o trabalho.
Ora, flagrante ato de discriminação, nos termos da legislação brasileira. Eu
cursei quatro anos de universidade e fui devidamente titulado por instituição de
ensino credenciada pelo Ministério da Educação (MEC). Logo, se eu fui habilitado
pela universidade, o médico da perícia não poderia ter me declarado inapto, por
três razões básicas elementares:
12
a) Eu já havia feito a inscrição como pessoa cega.
b) O exame médico pré-admicional não tem a finalidade de avaliar ou identificar
deficiência, mas apenas e tão somente a condição de saúde do candidato.
c) A declaração de inaptidão feita pelo médico é o mesmo que dar a ele o poder
de cassar diploma. Tanto lá como nos dias de hoje, trata-se de ato discriminatório
e porque não dizer, um certo abuso de autoridade e arrogância profissional.
Naquele contexto, eu só consegui assumir a vaga que conquistei por mérito
próprio após muitas lutas políticas. Se não fosse à pressão, na "Luta por
reconhecimento", talvez eu estivesse até hoje esperando para ser chamado, como
já aconteceu com vários colegas meus com deficiência que também foram
declarados inaptos.
Mesmo assim, depois de ter tomado posse, fui simplesmente enviado para
uma escola sem nenhum tipo de preocupação com as questões de acessibilidade.
Nesses casos, a legislação brasileira prevê que os candidatos com deficiência,
tanto no momento da realização do concurso como também depois, no decorrer
do estágio probatório e mesmo na realização das suas atividades profissionais,
precisam contar com equipe de apoio especializado e com os devidos e
necessários recursos acessíveis que são utilizados no desempenho das funções.
Nada disso, eu e outros tantos colegas também com deficiência tivemos por parte
da SEED e dos núcleos regionais onde assumimos nossas respectivas vagas.
Da mesma forma que aconteceu comigo, ocorreu também com outras
pessoas com deficiência no momento da escolha das escolas onde iriam exercer
as suas respectivas funções. Como o critério da chamada é a lista de
classificação, acontece que pessoas com deficiência melhor selecionadas nas
listas gerais dos aprovados nos respectivos concursos, por um erro de
interpretação legal dos HRS dos NRES, acabavam sempre sendo chamadas por
último. Por isso, quando chegava à vez dessas pessoas escolherem as vagas, na
maioria das vezes, só restava escolas distantes e sem nenhuma condição dos
candidatos com deficiência exercerem suas funções profissionais.
Durante o período que estive em Cascavel, atuei em três locais de trabalho
diferentes, sendo duas escolas e um centro especializado na área da deficiência
13
visual. Não posso dizer que não tive experiências positivas em nenhum desses
locais, pois estaria faltando com a verdade. Porém, nas duas escolas fui marcado
pela falta de reconhecimento, não vou nem dizer pessoal, mas de reconhecimento
profissional.
A falta da visão impossibilita ou dificultam que uma pessoa cega possa
exercer algumas das atribuições destinadas aos professores (as) pedagogos (as).
Isso realmente poderia ser bem diferente, se as funções desses profissionais não
tivessem sido reduzidas as práticas de "vigiar e punir", nos termos desenvolvidos
por Foucault.
Além do mais, na maioria das escolas, os processos de trabalho onde os
pedagogos (as) atuam, não possuem as condições de acessibilidade, de modo a
atender as necessidades específicas de servidores cegos ou cegas.
Para ilustrar, certo dia, numa das escolas, eu estava na sala da pedagogia
e entra o diretor e ao perceber que eu estava ali sozinho indaga: mas, não tem
nenhum pedagogo aqui? Ora, embora eu fosse lá naquela escola pedagogo
assim como os outros meus colegas, a atitude do diretor indicava que não havia
por parte dele o reconhecimento da minha condição profissional de pedagogo.
Exemplos de situações como essas, eu e tantos outros servidores com
deficiência estamos cansados de enfrentar nos locais de trabalho e na vida social
em geral. Não obstante as leis, o fato é que do ponto de vista da cultura, ainda
somos reconhecidos como inválidos, inúteis, incapazes e improdutivos.
No final de 2009, fui convidado pela então chefa do Departamento da
Educação Especial (DEE), para assumir a função de interventor judicial provisório
no Instituto Paranaense de Cegos (IPC).
Para isso, deixei família, meus estudos relacionados com assuntos sobre a
educação e a vida de pessoas com deficiência visual e um projeto de doutorado já
bem encaminhado. Abri mão dos meus projetos pessoais para dedicar tempo e
esforço num projeto coletivo, de acordo com meus ideais de vida.
O IPC é uma organização particular sem fins lucrativos e, nesta condição,
presta serviços públicos, nos termos da legislação brasileira que regula as
parcerias firmadas entre o poder público e essas organizações (Lei Federal,
14
13.019, de 2015). Desta forma, como o IPC já tinha com a SEED/DEE, termo de
convênio, meu padrão foi colocado na Escola de Educação Especial, Professor
Osny Macedo Saldanha, mantida pelo instituto. Foi a maneira mais apropriada
para que eu pudesse regularizar a vida do IPC e manter a continuidade dos
serviços públicos prestados pela Escola Osny.
A sugestão do meu nome, segundo a chefia do DEE, aconteceu por três
motivos principais:
a) Como eu era servidor público e havia recurso público envolvido nos desvios
constatados pelo Ministério Público, que resultou no afastamento judicial da
direção do IPC, eu parecia o nome mais indicado naquele contexto.
b) Eu fazia parte do Conselho Estadual dos Direitos das Pessoas com Deficiência
- COEDE, justamente representando a área visual. Nesse sentido, meu nome
tinha uma representatividade e legitimidade de base.
c) Eu era pessoa cega, o que poderia aliviar um pouco o argumento de que o
Ministério Público estava retirando as pessoas cegas da direção e colocando ali
pessoa vidente. Isso poderia ser um ponto maior de conflito entre o Ministério
Público e as pessoas cegas afastadas da direção do IPC.
Contudo, havia ainda um quarto argumento, que eu era uma pessoa
coerente e comprometida com as políticas públicas. De fato, sempre conduzi
minha atuação profissional/pessoal nas lutas sociais e políticas pela defesa dos
direitos das pessoas com deficiência e das políticas públicas enquanto forma de
concretização dos direitos humanos deste segmento social.
Deste modo, em Curitiba, num período eu exercia a função de pedagogo na
escola do IPC e no outro a função de interventor. Porém, em 2015, fui aprovado
em outro concurso de pedagogo, classificado em 11º lugar para o Núcleo de
Educação de Curitiba, numa disputa entre centenas de participantes.
Num primeiro momento, pensei muito seriamente em não assumir a vaga. Depois
de refletir e fazer algumas consultas jurídicas decidi assumir o novo padrão e
assim fiquei os dois períodos, manhã e tarde na Escola do IPC, desenvolvendo
minhas atribuições profissionais.
15
Não demorou e logo apareceu uma denuncia que eu estava acumulado
funções. Esta denuncia foi feita por Luiz Cesar Trevisan, ex advogado do IPC,
afastado da função quando eu assumi.
Mesmo sem meu conhecimento, por escrito, bem como o direito ao
contraditório e a ampla defesa, do que e por quem estava sendo acusado, o fato
foi investigado pela Comissão de Acumulo de Cargos da SEED e o resultado foi
de que não havia ilegalidade na minha condição."No ano de 2015 houve denuncia, através Sistema
Integrado para Gestão de Ouvidorias - SIGO, atendimento número, 36329/2015 de 18/11/2015, quando o denunciante solicitava análise quanto à acumulação ilegal do cargo de interventor com os cargos de professor QPM, sendo a mesma protocolada por esta Pasta e encaminhada para análise da Comissão de Acúmulo de Cargos - CAC/SEAP protocolo número 13.736.088-8. Em resposta, por meio do parecer 2012/2015 - SEAP/CAC e despacho número 1802/2015 - GS/SEAP, foi considerado legal à acumulação dos cargos ocupados pelo professor, desde que houvesse compatibilidade de horário" (PARANÁ, 2015).
Como evidenciado pelo resumo do parecer da Comissão de Acúmulos de
Cargos, existia apenas uma questão da compatibilidade de horário e não uma
possível ilegalidade, conforme pleiteava o denunciante.
Quando o Juiz do processo (autos N. 1630/2009, da 22 Vara de Curitiba),
fez minha nomeação como administrador provisório do IPC, não fixou dias e
horários estabelecidos. Eu exercia e continuo exercendo minhas atribuições de
interventor nos dias e horários que não estou na função de professor do Estado.
Além do mais, trata-se de uma função provisória e sem nenhum tipo de prejuízo
financeiro ao poder público, já que o meu pró-labore é pago pela própria
instituição.
Por isso, naquela ocasião não foi tomado pela SEED nenhuma medida
drástica como esta de agora e eu continuei exercendo minhas funções na escola
do IPC com os dois padrões. Diante do arquivamento da denúncia, a vida seguiu
seu curso e eu continuei fazendo no IPC as devidas e necessárias mudanças, no
intento de regularizar, inclusive, a situação do próprio convênio com a SEED,
tendo em vista haver dinheiro público envolvido.
16
No final de 2016, houve outra denuncia com o mesmo teor e pela mesma
pessoa, quer dizer, o ex advogado do IPC, Luiz Cesar Trevisan. Desta vez,
porém, a denuncia foi feita ao Ministério Público – Promotoria de Defesa do
Patrimônio Público. Como precisava investigar, a Promotoria pediu
esclarecimentos da SEED sobre a minha situação funcional. O GRHS da SEED,
se assim desejasse, poderia simplesmente responder que denuncia semelhante já
havia sido feita em 2015 e que o resultado acabará por concluir que não havia
ilegalidade no acumulo de funções.
No entanto, o GRHS passou a solicitar várias informações da direção da
Escola Osny sobre minha situação, mais precisamente no período do meu
segundo padrão, onde ainda estava em estágio probatório. Foram vários
documentos enviados, todos devidamente esclarecedores sobre minha situação
funcional e que eu vinha exercendo as atribuições educacionais designadas pela
direção da escola e previstas no Termo de colaboração firmado entre o IPC e a
SEED/DEE.
Não satisfeitas com as explicações, técnicas do GRHS estiveram na escola
do IPC e lá eu mesmo pude responder algumas perguntas formuladas por elas.
Durante toda esta fase de levantamento de informações e de questionamentos
sobre minha situação, em nenhum momento eu fui comunicado, por escrito,
conforme prevê a Lei, sobre o que eu estava sendo investigado ou mesmo
acusado.
Em outras palavras, além de não ter o conhecimento do que estava sendo
supostamente acusado, eu ainda tive o direito cerceado de exercer o meu direito
ao contraditório e a ampla defesa, conforme prevê a CF de 1988. Ora, seu eu
estou sendo acusado eu preciso saber qual é precisamente a acusação para que
eu possa exercer o direito de apresentar minha defesa.
Depois, por outras vias, acabei sabendo que se tratava da mesma denuncia
de 2015, do suposto acumulo de funções. Aproveitando-se da situação e mesmo
sem haver ilegalidade constatada, o GRHS da SEED simplesmente decidiu que
durante o ano letivo de 2017, eu deveria sair da escola do IPC no período da
manhã e exercer minha função em outra escola.
17
Valendo-se do meu direito entrei com recurso contra a decisão que considerei
arbitraria, já que as motivações não estavam claras. Ora, se a denuncia era de
acumulo de função e se a própria SEED, em 2015, havia constatado que não
havia nenhuma ilegalidade, porque então eu estava sendo visivelmente
prejudicado com aquela decisão?
Depois de certo tempo veio à resposta negativa do meu recurso. As explicações
são simplesmente que cabe ao agente público, na defesa do interesse público,
designar onde os servidores irão exercer suas atribuições profissionais.
Transcrevo aqui o teor da resposta do GRHS:
"Através do Despacho nº599/2017, a Assessoria Jurídica solicita manifestação acerca do recurso apresentado pelo professor Ênio Rodrigues da Rosa, sobre os fatos ali apresentados. O Professor Ênio Rodrigues da Rosa entende ser ato arbitrário da administração pública que, a partir do ano de 2017, em uma das linhas funcionais, desempenhe suas funções docentes em outro estabelecimento de ensino, visto que afirma conciliar dois cargos de professor com a função de interventor junto ao Instituto Paranaense de Cegos. Considerando os esclarecimentos já prestados pela informação Nº1529/2016, fls.46 e após análise da situação dos cargos desempenhados pelo professor/interventor, este GRHS/CT determinou que o professor Ênio Rodrigues da Rosa, a partir deste ano, cumpra sua jornada de trabalho, de um de seus dois padrões QPM, em outro estabelecimento para não haver sobreposição de funções. Ainda que se julgue apto para desempenhar suas funções dentro de uma mesma jornada, esse acúmulo de atribuições a médio ou longo prazo poderiam comprometer a qualidade do serviço público prestado, bem como a própria saúde do servidor. É importante ressaltar que a distribuição de aulas para professores é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço público, além disso, o princípio da impessoalidade garante que o administrador público não trabalhará voltado a determinadas pessoas e sim em prol do interesse público (CARVALHO FILHO, 2011). Diante do exposto o professor Ênio Rodrigues da Rosa, neste ano desempenhará as funções de professor, em uma linha funcional, em outro estabelecimento de ensino para não haver sobreposição de funções" (PARANÁ, 2017).
Ora, se eu estou interpretando corretamente a manifestação do GRHS, a
decisão acha-se amparada no poder discricionário do agente público, no momento
de determinar onde o servidor público deve exercer sua função.
Sobre isso, o STF já se manifestou da seguinte forma:
18
"Nessa hipótese, de revogação de um ato válido que se tornou inconveniente - verdadeiro poder da administração pública, exercido com suporte, também, no poder discricionário -, somente a própria administração que editou o ato tem a possibilidade de controle. Vale dizer, o Poder Judiciário não pode retirar do mundo jurídico atos válidos editados por outro Poder.
O princípio da autotutela administrativa está consagrado na Súmula 473 do STF, nestes termos: 473 - A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Não obstante tratar-se de um verdadeiro poder-dever da administração pública, convém ressaltar que nossa Corte Suprema entende que o exercício da autotutela-administrativa, quando implique desfazimento de atos administrativos que afetem interesse do administrado, modificando desfavoravelmente sua situação jurídica, deve ser precedido da instauração de procedimento no qual se dê a ele oportunidade de contraditório, isto é, de apresentar alegações que eventualmente demonstrem ser indevido o desfazimento do ato (RE 594.296/MG)" (ALEXANDRINO, 2012, grifos meus).
Nesta pegada, parece evidente que a decisão do GRHS foi tomada
violando-se o princípio constitucional do direito ao contraditório e da ampla defesa.
Pois, não houve a instauração de um procedimento administrativo oficialmente
constituído, com notificação amparada nos termos legais, dando ciência das
motivações que levaram a instauração do procedimento e abrindo o devido prazo
legal para que eu pudesse exercer o meu direito ao contraditório e a ampla
defesa.
Deste modo, se é verdade que o agente público tem o poder discricionário,
ele não pode utilizar-se deste poder de forma abusivo, causando danos e
prejuízos ao servidor público. Mesmo que eu estivesse exercendo uma ilegalidade
devidamente demonstrada e justificada nos termos legais, parece necessário
esclarecer que isso vinha acontecendo com o devido conhecimento e
concordância da própria SEED.
Quando a primeira denuncia apareceu em 2015, aliás, lá também não foi
instaurado um ato administrativo, visto que nunca fui notificado sobre isso, se
houvesse uma efetiva ilegalidade, as providencias deveriam ter sido tomadas.
Naquela ocasião, é bom recordar, a Comissão de Acumulo de Funções não
identificou ilegalidade, conforme parecer já exposto linhas antes.
19
Ora, se não havia ilegalidade lá, provavelmente não havia ilegalidade em
2017. Se não há ilegalidade, pois é isso que estou aqui buscando conferir,
significa dizer que a minha permanência na Escola do IPC, não seria nenhuma
ilegalidade. Restaria, então, o poder discricionário do agente público. Porém,
ainda que tal discricionariedade tenha sido exercida na defesa do interesse
público, conforme aparece no parecer do GRHS, exposto linhas antes, a decisão
desconsiderou que na Escola do IPC eu estava também exercendo minha função
de professor concursado realizando atividades educacionais que também são de
interesse público.
Por isso, em nenhum momento o GRHS levou em conta os transtornos e os
reflexos negativos desta decisão na minha vida pessoal e profissional. Se
estivesse efetivamente preocupado com a minha saúde, não teria conduzido o
processo desta maneira. Esclareço: não estou nem mesmo questionando o mérito
da decisão, mas uma dada maneira de abordar e conduzir um processo cheio de
dúvidas e que envolve, queiram ou não, a vida de um servidor público que deveria
ter merecido ao menos o direito de manifestação no processo. Se havia denúncia,
no mínimo, eu deveria ser informado e ter garantido o direito de dizer o que
pensava da acusação.
Antes mesmo do parecer final sobre meu recurso, por iniciativa própria, eu
estive na SEED, no GRHS, falando pessoalmente com as duas técnicas que
estavam cuidando deste caso. Pedi reconsideração, ponderei que eu estava
sendo prejudicado por denuncias de pessoas que faziam parte da diretoria
afastada do IPC, demonstrei que eu estava sendo penalizado simplesmente pelo
fato de ser interventor, estar contribuindo com a própria SEED, na boa gestão do
recurso público repassado ao IPC, argumentei o quão aquela decisão estava
trazendo transtornos na minha vida pessoal, já que eu organizará minha vida
próxima do IPC, meu local de trabalho, os desgastes físicos e emocionais, além
de prejuízos financeiros com deslocamento, a falta de tempo de almoço em face
do pouco tempo para o deslocamento entre uma e a outra escola, entre outros
tantos argumentos plausíveis que poderiam ter sido considerados sem nenhum
comprometimento do interesse público.
20
Naquele momento, fui novamente informado por uma das técnicas que
nada daquilo estava ocorrendo por conta do suposto acumulo de funções, porque
não havia ilegalidade constatada. Ora, se não havia o acumulo de cargos e se a
denuncia, segundo consta, já que não tive acesso aos autos, tratava disso, então,
porque mesmo eu fui retirado de onde eu estava? Esta é a resposta que eu
procurava e ela não foi dada pelo GRHS e nem pelo jurídico da SEED.
Diante desta situação, pedi interferência da então chefa do DEE, no
sentido de buscar manter minha permanência na escola do IPC. Ainda na fase
anterior, no parecer interno solicitado pelo GRHS, a então chefe do DEE, havia
sugerido que aquele Departamento acompanharia minha situação durante o ano
letivo de 2017, no próprio local onde eu já estava atuando antes. Em outras
palavras, o DEE não opinou pela minha transferência, mesmo sendo ele o
responsável direto pelo acompanhamento dos convênios com as instituições sem
fins lucrativos, como é o caso do IPC.
Na continuidade, foi o próprio representante do DEE da área visual que
sugeriu, como uma alternativa, a minha transferência para o CAP -- Centro de
Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência visual.
Ele teria feito isso a pedido da então chefa. Na ocasião, eu ainda indaguei
se havia a possibilidade de uma negativa do GRHS, pois, se tal acontecesse
poderia tornar minha situação um tanto embaraçosa na escola onde eu havia sido
realocado. Em resposta, ele acha muito pouco provável que tal negativa pudesse
ocorrer dado ser um pedido do próprio DEE e ainda mais se considerando que lá
havia carga horária disponível.
Então, confiante nesta possibilidade, dei início no processo de
transferência. Preenchi e assinei o formulário; recolhi a assinatura da chefia do
DEE; peguei a assinatura da direção da escola e do chefe do NRE e depois deixei
o documento no DEE. Foi o próprio DEE quem protocolou o pedido junto ao
GRHS, solicitando minha transferência para o CAP, com a intenção de fortalecer
aquele espaço pedagógico, principalmente com a presença de servidores com
deficiência visual qualificado e preparada para atuarem na formação continuada
dos professores (as) da Rede Estadual de Ensino.
21
No pedido enviado ao GRHS, a chefia do DEE escreveu:
"O Departamento de Educação Especial – DEE encaminha o presente protocolado para análise e providências. Informamos que a solicitação de prestação de serviço do professor Enio Rodrigues da Rosa, não é demanda de substituição, a vaga que será ocupada pelo profissional encontra- se em aberto no CAP-PR - CENTRO DE APOIO PEDAGÓGICO PARA ATENDIMENTO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL" (PARANÁ, 2017).
Entretanto, em resposta o GRHS informou o que segue:
"Encaminhamos o presente protocolado para ciência da impossibilidade de atendimento à solicitação da prestação de serviços em pauta, uma vez que não há demanda para suprimento requerente. Lembramos que foi deferida licença, especial para dois servidores que compõe aquele centro, no entanto, eles permanecem ocupando aquela demanda. Ressaltamos que o Art.5º da resolução nº3869/02 as fls.12. Estabelece a carga horária total máxima admitida no CAP.
Não obstantes às necessidades desse Departamento, esclarecemos que neste momento não há possibilidade de ampliação da demanda, considerando os seguintes pontos:
a) No ano de 2016 o CAP já apresentava demanda total de 340 (trezentos e quarenta horas semanais);
b) Não há disponibilidade orçamentária para atendimento;c) “As prestações de serviços de professores e pedagogos
somente são autorizadas, entre outros critérios, mediante a indicação de servidor ser substituído, devido ao seu retorno para instituição de ensino da Rede Estadual” (PARANÁ, 2017).
Diante da negativa, o DEE enviou o processo ao NRE de Curitiba para que
eu tomasse ciência da decisão do GRHS. Quando lá estive, deixei registrada a
seguinte declaração:
"Lamento, não pela decisão em si, mas pelo fato desta decisão não observar a necessidade dos estudantes com deficiência visual matriculados nas escolas públicas, bem como, da necessidade de uma efetiva e urgente implementação de uma política de formação continuada que de conta de garantir a formação dos professores".
De acordo com o DEE, havia carga horária disponível no CAP para o meu
suprimento. Porém, o GRHS argumenta diferente e ainda acrescenta outras
informações que são mais preocupantes. Elas explicitam muito bem o conflito
entre os interesses financeiros do Estado e as necessidades pedagógicas.
22
Durante uma reunião ocorrida entre a equipe do DEE e os representantes
das instituições conveniadas da área visual de Curitiba, onde fiquei sabendo que o
meu pedido havia sido negado, eu afirmei que o principal obstáculo que a então
chefia do DEE precisaria transpor, estava dentro da própria SEED, mais
precisamente no GRHS e não nas instituições parceiras. Na ocasião,
apresentamos um documento com inúmeras reivindicações da área, entre elas
justamente o fortalecimento dos CAPS, não apenas com recursos humanos, mas
também com recursos financeiros e recursos materiais (equipamentos de
tecnologias assistivas).
Diante da negativa, não apenas no meu caso, mas também de outros
profissionais na mesma situação, só me restou Lamentar pela falta de prestigio
deste importante Departamento dentro da estrutura da SEED.
Naquela ocasião, eu não imaginava como a Secretária da Educação
concebia as questões relacionadas com a inclusão educacional dos estudantes
com deficiência nas escolas da Rede. Se fosse do mesmo jeito que o GRHS, eu
projetava que as coisas ainda deveriam piorar muito além do que já estavam.
Como pedagogo, independentemente da minha cegueira e desta questão
envolvendo minha transferência para o CAP, continuo vendo com muitas
restrições e sérias preocupações decisões, posicionamentos, atitudes e posturas
meramente burocráticas se sobrepondo as questões e os interesses pedagógicos.
O argumento da indisponibilidade orçamentária era totalmente infundado e
improcedente, pois eu já era servidor do Quadro Próprio. Esta tese só se
sustentava na seguinte hipótese: o GRHS negará minha transferência para evitar
mandar outro pedagogo para a escola onde eu fora lotado.
Diante disso, ficará visível a falta de força política do DEE frente a certas
decisões que atingem as questões relacionadas com as diversas áreas das
deficiências. A própria área da deficiência visual que em outros tempos era muito
mais atuante nas questões pedagógicas, atualmente, conta apenas com uma
pessoa que precisa desdobrar-se na realização de todas as demandas. Isso
revela o quão estamos andando de ré nesses últimos anos na educação escolar
das pessoas com deficiência visual.
23
Na mesma perspectiva, desejo agora abrir uma fenda e lançar luzes em
alguns dispositivos previstos no capítulo sobre o direito ao trabalho das pessoas
com deficiência, constante na Lei Brasileira da Inclusão - Lei 13.146 de 2015.
Inicialmente, vamos conferir o que verte o Artigo N. 34 deste diploma:
"Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".
Grifei a expressão "... ambiente acessível e inclusivo...". Portanto, as
pessoas com deficiência não só têm garantido o direito ao trabalho, como os
ambientes de trabalho devem ser acessíveis e inclusivos.
Ora, o que são ambientes acessíveis e inclusivos, se não aqueles que
garantem todas as condições de acessibilidade, de acordo com as necessidades
objetivas e subjetivas específicas de cada trabalhador com deficiência.
O parágrafo primeiro do mesmo Artigo supracitado verte: "§ 1º As pessoas
jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza estão obrigadas a
garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos".
Grifei a expressão "... estão obrigadas...". Aqui entra a questão central
trazida por Honneth, da falta de reconhecimento. Já relatei quais foram e
continuam sendo as condições de trabalho que eu e meus colegas com deficiência
nos deparamos nas escolas públicas estaduais. Nem de longe esses ambientes
são acessíveis e inclusivos. Se não são, logo, não estão dentro do que estabelece
o dispositivo legal.
Já o parágrafo dois do mesmo Artigo, afirma:
"§ 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo a igual remuneração por trabalho de igual valor".
Destaquei a expressão "... condições justas... e igual remuneração por
trabalho de igual valor". Mas, qual é mesmo o valor do trabalho das pessoas com
deficiência numa sociedade, ou numa organização do trabalho onde nem elas
mesmas têm valor como pessoa humana? Eis aqui o nó que precisa ser desatado,
24
se pretendemos conferir seriedade nas questões e situações envolvendo o direito
ao trabalho às pessoas com deficiência.
Por sua vez, o parágrafo três do mesmo Artigo já supracitado, proíbe a
restrição ao trabalho e veda a discriminação e a exigência da aptidão plena.
"§ 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como a exigência de aptidão plena".
Destaquei da redação legal a "permanência no emprego e a aptidão
plena", pois desejo aqui fazer alguns comentários com mais vagar.
Primeiramente, em relação à permanência no emprego, as condições são
precárias e difíceis, não apenas pela falta das condições materiais de
acessibilidades, mas principalmente pela falta de reconhecimento das
capacidades profissionais dos servidores com deficiência.
Constantemente desacreditados nas suas potencialidades e capacidades,
em regra, esses servidores ajeitam-se como podem dentro dos espaços
pedagógicos (escolas, centros, etc.) tentando mostrar aos seus colegas sem
deficiência a necessidade do trabalho colaborativo, como forma de garantir e
viabilizar que todos sejam aproveitados na realização das atividades pedagógicas.
De acordo com o princípio da divisão social do trabalho, no processo de
trabalho, nenhum trabalhador consegue realizar todas as tarefas necessárias
existentes no processo do trabalho pedagógico, sem contar com a cooperação de
outros trabalhadores. Na essência, a concretização do trabalho pedagógico só é
possível quando consideramos a soma da parcela de cada trabalhador no
processo. Neste processo, existem determinadas atividades que pessoas cegas
podem perfeitamente realizar, desde que haja mudanças no processo de trabalho
e espírito de solidariedade dos trabalhadores sem deficiência em relação a
compreensão sobre a importância e a necessidade do trabalho também para as
pessoas com deficiência.
25
Além do mais, no que se constitui efetivamente a aptidão plena de um
trabalhador, com ou sem deficiência? Minha aptidão, não obstante a cegueira que
possuo, é plena na realização de algumas atividades e não é no exercício de
outras. Uma coisa sou eu não poder exercitar minha aptidão plena por aquilo que
a cegueira, enquanto u dado biológico realmente impede. Outra vem diferente é
eu não poder exercitar minha aptidão plena porque o empregador não me garante
os devidos e necessários instrumentos e ferramentas de trabalho, de acordo com
as minhas necessidades específicas. Mas, não basta garantir essas necessidades
se os empregadores e meus próprios colegas de trabalho também não acreditam
nas minhas capacidades de realização das atividades laborais.
Todos os trabalhadores sem deficiência desempenham suas respectivas
funções em processos de trabalho desenvolvidos de acordo com as suas
necessidades e recebendo os instrumentos e ferramentas de trabalho.
Ora, no caso dos trabalhadores com deficiência, a coisa é totalmente o
contrario e eles ainda precisam provar que são aptos? Coloque um ou mais
trabalhadores sem deficiência numa função para a qual ele nunca trabalhou e
ainda assim sem os instrumentos necessários e vamos verificar como eles vão se
sair? Então, a aptidão plena precisa ser relativizada, ainda mais se considerando a
divisão social do trabalho, com suas inúmeras funções e recursos instrumentais.
Como cego, por óbvio, eu não posso ser motorista. Por outro lado, eu não posso
realizar determinadas atividades pedagógicas dentro de uma escola não por
minha incapacidade, mas porque determinados processos de trabalhos e certas
atividades estão preparadas apenas para trabalhadores com visão.
Ora, se existe a reserva de vagas, é porque esses trabalhadores não
possuem aptidão plena, pelo menos não em todas as situações relacionadas com
os postos de trabalho. Logo, para que esses trabalhadores sejam tratados com a
mesma igualdade de oportunidades e sem discriminação, eles precisam de
abordagens, ferramentas e instrumentos de trabalho diferenciados (são as
tecnologias assistivas), bem como exigência de avaliação e produtividade
diferente do padrão exigido dos trabalhadores sem deficiência.
26
Vamos conferir a redação dos parágrafos quatro e cinco do Artigo N. 34 da
Lei N. 13.146 de 2015:"§ 4º A pessoa com deficiência tem direito à participação e
ao acesso a cursos, treinamentos e educação continuada, planos de Carreiras, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em igualdade de oportunidades com os demais empregados.
§ “5º É garantida aos trabalhadores com deficiência a acessibilidade nos cursos de formação e capacitação”.
Para fechar a exposição sobre os dispositivos que garantem o trabalho às
pessoas com deficiência, previsto na LBI, resta observar o disposto no Artigo N.
35:
"Art. 35. É finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e
emprego promoverem e garantir condições de acesso e permanência da pessoa
com deficiência no campo do trabalho".
Grifei a expressão "... as condições de acesso e permanência das pessoas
com deficiência...". Se fosse minha intenção, eu poderia aqui listar mais de uma
centena de exemplos, incluindo o setor público e privado, em que pessoas com
deficiência foram prejudicadas nas condições de acesso, mas, principalmente em
relação à permanência. Por isso, garantir as condições de permanência vai muito
além de garantir apenas a presença desses trabalhadores nos locais de trabalho.
Nos termos filosóficos que o paradigma da inclusão vem sendo discutido e
defendido, incluir não significa apenas trazer para dentro, para junto do mesmo
espaço físico aquelas pessoas que antes estavam impedidas de convivência com
os seus semelhantes.
Ora, se eu sou aceito num local de trabalho ou numa escola apenas por
uma exigência legal, mas não sou aceito afetivamente como trabalhador dotado
das mesmas propriedades e capacidades humanas dos meus colegas de trabalho,
logo, eu não estou ali sendo reconhecido como pertencente daquela comunidade,
porque aquela comunidade não me pertence e eu não faço parte dela. Portanto, a
permanência liga-se e tem implicações com um conjunto de fatores objetivos e
subjetivos, ou materiais e imateriais, que vão para muito além de simplesmente
dizer onde este ou aquele servidor deve cumprir sua jornada de trabalho, ainda
27
mais quando não se conhece nem o servidor e muito menos ainda o local de
labor.
Muitos setores de Recursos Humanos, tanto do setor público como do
privado, nos dias de hoje, excluíram das suas atribuições as preocupações com a
vida real dos trabalhadores. Gerir uma efetiva, eficiente e eficaz política de
Recursos Humanos distante da vida real das escolas e dos trabalhadores com
deficiência, fixados apenas numa tela de computador vendo gráficos, tabelas e
mapas, efetivamente, não parece à postura mais apropriada dos técnicos desses
setores, se o objetivo realmente for o interesse público, no sentido verdadeiro da
coisa pública.
Além dos fatos que já descrevi, outros tantos que poderia relatar, para
ilustrar minha observação critica, destaco dois exemplos bem concretos que
atingiram diretamente duas colegas minhas ambas as professoras concursadas,
uma delas cega e a outra com baixa visão. Nos dois casos, uma afastou-se para o
mestrado e a outra para o PDE. Como se trata de estudo, ambas ficaram
licenciadas com os respectivos salários pagos pela SEED. Em outras palavras, o
Estado investiu na formação dessas professoras da rede com a perspectiva que
depois elas dessem retorno aos colegas demonstrando/aplicando os
conhecimentos que obtiveram nas respectivas formações.
Uma dessas professoras, antes de sair de licença, trabalhava num CAP, 40
horas, na formação de professores. Eu imagino que ela buscou ampliar sua
formação pensando em depois retornar para o mesmo local de trabalho e
continuar contribuindo na formação, agora, com muito mais conhecimento e
qualificação. Talvez, muitas pessoas assim como eu, tenham imaginado a mesma
coisa.
Todavia, o GRHS da SEED não pensou assim. Depois de concluir o
mestrado e buscando retornar, esta servidora pública perdeu o seu lugar onde
antes trabalhava e foi deslocada para outros espaços pedagógicos.
Resumindo, a professora foi simplesmente prejudicada porque buscou
ampliar sua qualificação. Como premio, simplesmente perdeu seu lugar de
trabalho.
28
O mesmo sucedeu-se também com a outra professora que saiu para o
PDE. Ao tentar retornar para o CAP, também perdeu seu lugar onde antes atuava,
porque para os técnicos do GRHS, nada disso importou. Afinal, não envolve a vida
profissional deles e eles também não estão nem um pouco preocupados se os
estudantes com deficiência visual estão ou não recebendo os materiais
adaptados, muito menos ainda se os professores estão ou não preparados.
Resumindo, o Estado investe na formação de professores com deficiência e
depois mandam eles para qualquer lugar, sem nenhuma preocupação com o
aproveitamento dos seus respectivos conhecimentos específica, na realização de
atividades de formação dos professores da rede.
Para ilustrar, transcrevo na sequência, o desabafo de uma das
professoras, recebido por e-mail em um de nossos diálogos: "A notícia que me foi
repassada pelo NRE no dia de hoje me deixou desanimada... somente técnicos
administrativos nos CAPs e para trabalhar com formação é suficiente o número de
professores que já estão no CAP... e seguem com a violação dos nossos direitos
quanto a acessibilidade, não só isto, mas de nós contribuirmos efetivamente
enquanto trabalhadores da educação... Lembram que no ano de 2015 a APP
bancou a ida do pessoal de Cascavel para aquela reunião no DEE, a qual ainda
não resultou em encaminhamentos concretos? Poderíamos retomar aquela pauta.
Qual a possibilidade do envolvimento do COED nessa discussão? Aqui em
específico da postura do RH de Curitiba. É eles que estão indeferindo nossos
processos. No meu caso há o parecer favorável do DEE, do PDE, da
superintendência de educação, da chefia do NRE de Cascavel, uma justificativa
da coordenadora do CAP falando da necessidade do trabalho... muito frustrante. A
... falou que meu processo já foi e voltou 11 vezes, um absurdo".
Também em diálogo por e-mail, a outra professora escreveu:
"É angustiante ver essas situações em relação a um trabalho que acreditamos tanto. Por hora estou me achando na vida de um professor com sete alunos com deficiência visual e necessidades diferentes... E mais 18 com deficiência intelectual e dificuldades de aprendizagem com necessidades também diferentes... E não me aceitando como prof. haja visto estarem na 3 prof. este ano. Me tratam super bem pessoalmente mas um ou dois alunos já foram até outras instâncias se queixarem de mim.
29
Paciência, porque outro sentimento para além da certeza de que poderia contribuir muito mais no CAP não só com alunos e professores mas com os colegas cegos. E tem os colegas, professores videntes, que com um jeitinho dizem que também não me querem: "prof. você com tanto conhecimento, mestre, poderia ter um cargo no NRE e contribuir muito mais" (grifos da professora).
De fato, angustiante é precisamente o sentimento quando observamos o
quão somos discriminados como servidores lutando pelo direito de sermos
explorados. Trata-se de uma discriminação que começa lá por cima e acaba lá
dentro das escolas públicas. Efetivamente, não são poucas as reclamações sobre
essas práticas esparramadas por todos os NRES das regiões do Estado.
Ainda hoje, um dos discursos mais recorrentes dentro das escolas públicas
estaduais, continua sustentando a falta de formação dos professores regentes,
dos professores (as) pedagogos (as), dos diretores (as) e funcionários (as),
quando envolve a relação com os estudantes com deficiência. De fato, trata-se,
efetivamente, de um problema muito sério que precisaria ser definitivamente
enfrentado pela SEED/DEE.
Uma política de formação continuada, estratégica e abrangente, deveria
considerar o efetivo aproveitamento das duas professoras antes mencionada,
assim como tantos outros servidores públicos com deficiência também
qualificados. São pessoas que hoje na condição de trabalhadores com deficiência,
além dos conhecimentos acadêmicos que já contam, possuem tantas outras
experiências de vida que poderão servir de exemplos, estímulos e encorajamento
nos cursos de formação.
Entretanto, há um discurso plantado e tende a ganhar força se não for
contido, ou pelo menos criticamente problematizado. Este discurso está ancorado
na ideia segundo a qual, se esses servidores com deficiência fizeram concurso
para trabalharem nas escolas comuns, é lá que eles devem atuar no exercício das
suas respectivas atividades profissionais.
Deixo claro que nem eu e nem meus colegas estamos questionando ou
pretendendo atuar apenas na Educação Especial, dentro dos espaços
pedagógicos como os Centros de Apoio Pedagógico às pessoas cegas ou com
30
baixa Visão (CAPS), nas Salas de Recursos ou nos Centros de Atendimentos
Educacionais Especializados (CAEES).
Inicialmente, é necessário esclarecer que, a enorme maioria dos
professores (as) especializados (as) que atuam na Educação Especial, em todas
as áreas da deficiência, não possuem o concurso específico na Educação
Especial. Logo, são profissionais que além das suas respectivas formações,
contam com pós graduação em educação especial, mestrado e mesmo doutorado.
Deste modo, para esta discussão ser levada a sério, é necessário
considerar e incluir na mesma reflexão outros professores (as) que estão na
mesma situação minha e de alguns de meus colegas com deficiência visual,
formados também em pedagogia, em outras disciplinas específicas e estão
atuando nos CAPS.
Para ilustrar o que estou aqui problematizando e refletindo, trago a baila a
realidade dos cinco CAPS existentes no Estado. Nesses centros pedagógicos
especializados, trabalham servidores com e sem deficiência visual. A grande
maioria dessas pessoas são professores (as) e técnicos (as) sem deficiência.
Entre esses servidores públicos sem deficiência estão professores (as) das
disciplinas específicas (matemática, história, química, geografia, pedagogo, etc.).
Ora, se nós pedagogos e pedagogas com deficiência visual, em razão do
nosso concurso, deveram atuar nas escolas públicas, qual seria, então, a
justificativa para os professores (as) das respectivas disciplinas estarem atuando
nos CAPS? Se estiverem lá é porque são necessários, possuem especialização
em Educação Especial e a legislação permite. Nos últimos dois critérios, eu e
meus colegas nos enquadramos. Restaria a hipótese de que não somos
considerados necessários na realização daquelas atividades pedagógicas.
Os CAPS desenvolvem (ou deveriam desenvolver) basicamente duas
funções: a produção dos livros didáticos escolares em Braille e realiza cursos de
formação continuada aos professores (as) das escolas públicas, sobre o
Atendimento Educacional Especializado (AEE). O AEE consta no Artigo N. 208 da
CF de 1988, no inciso III, com a seguinte redação: "Atendimento Educacional
Especializado, preferencialmente na rede regular de ensino".
31
Existem outros dois núcleos previstos como sendo de responsabilidade dos
CAPS, tecnologias e convivência, respectivamente, mas nenhum deles funciona.
A ideia dos quatro núcleos, pedagógico e de produção de material acessível, além
dos dois antes mencionados, fazia parte do projeto original desses centros,
quando foram concebidos pelo Ministério da Educação (MEC).
Deste modo, os CAPS realizam atividades pedagógicas essenciais que
demandam recursos materiais e recursos humanos especializados. Em todas
essas atividades a presença de servidores públicos com deficiência visual é
necessário, por vários motivos e razões pedagógicas que não pretendo aqui
detalhar porque escapa do meu foco principal. Apenas para ilustrar, parece
importante citar um motivo: são esses espaços os que estão mais preparados do
ponto de vista das condições de acessibilidade e são nesses espaços que os
servidores com deficiência visual, efetivamente, poderão dar maior contribuição,
inclusive com as suas próprias experiências de vida.
Diante desta realidade presente nos cincos CAPS, nas Salas de Recursos
e nos CAEES, criticar apenas os professores (as) com deficiência visual porque
eles (as) estão lutando pelo direito de atuarem em locais que ofereçam maiores e
melhores possibilidades no exercício das suas atividades profissionais, sem que a
mesma crítica seja também direcionada aos professores (as) sem deficiência, não
só parece uma tentativa de "queimar" os servidores com deficiência, como pode
configurar-se num verdadeiro ato de discriminação, como mostrarei linhas adiante.
Se for para utilizar argumentos rasteiros com a nítida intenção de
desqualificar os servidores com deficiência, então, o que dizer dos professores
que hoje estão atuando apenas na burocracia de toda a estrutura da educação?
Por óbvio, não pretendo aqui abrir conflito com os meus colegas servidores sem
deficiência, se não qualificar uma reflexão coletiva que precisa ser urgentemente
enfrentada no interior da Rede Estadual de Ensino.
Nesta perspectiva, eu compartilho integralmente com a tese vigotskiana,
segundo a qual a colaboração com pessoas videntes deve constituir a base da
educação laboral das pessoas com deficiência visual. "A colaboração com o vidente deve constituir a base da
educação laboral. Sobre esta base se cria uma relação verdadeira
32
com os videntes e o trabalho resultará ser a porta estreita através da qual o cego entrará na vida" (VIGOTSKI, 1997, p. 64-65).
De fato, tanto quanto eu defendo a participação de estudantes com
deficiência junto com estudantes sem deficiência nas escolas comuns, defendo
também e luto exatamente pelo mesmo em relação aos trabalhadores com
deficiência: estar junto com seus colegas sem deficiência nos mesmos locais de
trabalho.
Mais uma vez, sustento esta tese com base em outro pressuposto
vigotskiano:
"Tão logo se incorpora ao processo tiflopedagógico um novo elemento, isto é, a experiência de outra pessoa, a utilização do olho alheio, a colaboração com o vidente, nesse mesmo momento nos encontramos em um terreno novo, em princípio, e o cego adquire seu microscópio e o seu telescópio que ampliam imensamente sua experiência e o inserem estreitamente no tecido geral do mundo" (VIGOTSKI, 1997).
Portanto, a diferença entre estar juntos nas escolas ou nos espaços
pedagógicos especializados que prestam o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) aos estudantes com deficiência visual, consiste
simplesmente em, por mais paradoxo que tal afirmativa pareça poder extrair da
força de trabalho dos servidores com deficiência maior e melhor produtividade.
Nisso deveria estar à preocupação principal do GRHS, se a questão era
efetivamente o interesse público quando me tirou da escola do IPC e mandou para
outra escola, sem pensar se lá eu poderia ser mais produtivo.
Muito provavelmente não viverei até ver chegar o dia em que o trabalho
colaborativo realmente seja, compreendido e colocado em prática entre os
servidores com e sem deficiência. As pessoas que falam e defendem o verdadeiro
trabalho colaborativo, precisam compreender que ele só se realiza, não pela
competição, divisão e individualismo nos locais e trabalho, se não pela soma do
esforço coletivo onde cada trabalhador deixa registrado nos produtos materiais ou
imateriais um pouco da sua humanidade objetivada. O que menos deveria
importar aqui é qual o tamanho da porção de humanidade, quer dizer, de trabalho
33
cada trabalhador com ou sem deficiência está colocando na realização do trabalho
colaborativo.
Porém, para que de fato isso realmente pudesse acontecer, ou fluir, uma
série de barreiras, ou bloqueios objetivos e subjetivos precisaria ser efetivamente
superado. Partes desses bloqueios estão nas mentes das pessoas e estão
relacionados com os nossos preconceitos. A outra parte está precisamente nesta
forma capitalista de organização do trabalho, onde o que de fato importa não é o
interesse público, se não a reprodução da competição e do individualismo nos
espaços pedagógicos.
Nesta forma de organização do trabalho, presente na própria estrutura
estatal, os trabalhadores com deficiência, se não são de tudo impedidos,
encontram muitas dificuldades e bloqueios para colocarem em movimento as suas
propriedades humanas e demonstrarem as suas capacidades laborais. Por certo,
alguns mais afoitos poderão dizer que sustento esta tese em minha própria
defesa. Trata-se de um ponto de vista particular e eu com certeza respeito muito.
Evidentemente que ao escrever manifestas concepções, pensamentos e ideias e,
por conseguinte, também acabo agindo na minha defesa. Por óbvio, essas idéias
não são neutras e além do mais estão carregadas de afetividades e emoções. Isso
é próprio do humano que age e ao agir assume posicionamentos que nem sempre
agradam todos.
Particularmente, penso que eu atenderia muito mais o interesse público se
fosse mantido onde eu estava antes de ser desenraizado pela decisão do GRHS.
Como segunda alternativa, também atenderia mais o interesse público se o meu
pedido de transferência para o CAP, feito inclusive com o aval da chefia do DEE,
tivesse sido atendido.
Para o Estado, para as escolas públicas, para os estudantes com
deficiência visual e também para os seus familiares, minhas experiências de vida,
meus conhecimentos acadêmicos e minhas pesquisas/estudos
científicos/pedagógicos, sem nenhuma dúvida, seriam muito mais úteis atuando
no CAP. Certamente eu seria muito mais produtivo, criativo e feliz com o trabalho
coletivo realizado.
34
Aparentemente, como nada disso importa ao GRHS da SEED e como eu
sou um simples "barnabé" do serviço público, por enquanto, ainda me resta a
liberdade de poder manifestar meus pensamentos em escritos como este e tantos
outros que já tornei público. Se objetivamente eu não tenho como controlar o
tempo de minha vida que vendo ao Estado em troca de um parco salário que
recebo ao final de cada mês, porque ele determina onde eu devo cumprir minha
carga horária de trabalho, ao menos me resta a liberdade de dar asas a minha
imaginação e deixar parte de minha humanidade degradada objetivada nessas
poucas linhas que deixo aqui registradas como contribuição, para quem desejar
fazer uma reflexão critica sobre as ideias que sustento neste ensaio.
Por ora, deixo de lado o mérito das decisões do GRHS, para retomar o fio
da meada e retornar na escolha da outra escola onde eu fui mandado a fim de
cumprir a minha carga horária no período da manha.
Desta vez, aconteceu o mesmo que eu já havia enfrentado em Cascavel
quando entrei no serviço público pela primeira vez. Tanto lá como agora, não
houve nem do GRHS e nem mesmo do NRE, nenhuma preocupação preliminar
sobre as questões legais prevendo as devidas e necessárias condições de
acessibilidades.
Nesta situação, independentemente de quem quer que seja o servidor com
deficiência, parece que o mais apropriado seria mesmo considerar as condições e
as necessidades específicas do caso. Como já demonstrei antes, não apenas a
LBI assegura este direito, mas também outras leis sobre o trabalho das pessoas
com deficiência também contemplam as mesmas preocupações.
No entanto, como nada disso aconteceu, o fato é que tive de escolher outra
escola sem nenhuma segurança sobre as condições de acessibilidades. Por sorte,
acabei sendo indicado para uma escola na região central da cidade de Curitiba.
Do ponto de vista da segurança, o local não é lá tão animador devido o fato de ser
considerada barra pesada.
Na nova escola, fui muito bem recebido pela direção, não posso negar.
Acontece que entre uma recepção formal, marcada pela troca de poucas palavras
35
e as reais e verdadeiras condições de trabalho, existe uma distância muito grande
que precisa ser considerada numa situação como esta.
No meu primeiro contato com as colegas pedagogas, foi visível certo
desconforto de ambos os lados, tanto minha que estava chegando como delas
que estavam surpresas com a presença de um pedagogo cego.
De acordo com minhas experiências, já vivenciadas em outras situações
parecidas, elas ficaram meio atordoadas imaginando coisas que aqui não é o lugar
e o momento de colocar.
Quando entraram na pauta as atividades dos profissionais da pedagogia
naquela escola, eu concluo que na última década nossas escolas não mudaram
nada em relação ao processo de trabalho dos pedagogos (as).
Muitas tarefas eram manuais, envolviam a manipulação de cadernos,
fichas, documentos e outros papeis que exigiam a visão. Existiam tarefas
realizadas pelo sistema informatizado, mas com acesso possível somente para as
pessoas com visão.
Se eu busco no Regimento Escolar das escolas públicas do Estado, são
mais de 30 as atribuições dos pedagogos (as). No entanto, três ou quatro dessas
atribuições são as mais recorrentes. E, essas, são normalmente aquelas que
exigem a visão.
De toda sorte, lá estava eu precisando mostrar serviço. Então, acertamos
que eu ficaria responsável por fazer as palestras que eram realizadas para
aquelas pessoas que estavam buscando o estabelecimento pela primeira vez.
Num primeiro momento, as palestras eram feitas todos os dias. Deste modo, eu
chegava à escola, arrumava a sala, aguardava as pessoas, fazia a palestra e lá
por volta dás dez horas eu já estava liberado.
Depois, as palestras passaram a ser apenas nas terças e quintas-feiras.
Significa dizer que nos outros dias da semana eu ficava praticamente sem fazer
nada de mais importante.
Após certo tempo, mentalmente, eu já estava me vendo como um
verdadeiro invalido, e meus colegas acreditando nesta ideia ainda muito presente
nas escolas, no Estado e na sociedade em geral. Diante daquela situação
36
constrangedora, por duas vezes procurei a direção e manifestei minha
preocupação com aquela situação.
Dentro do seu campo conceitual e da sua compreensão sobre o assunto,
creio eu de boa fé, ela simplesmente me disse que eu deveria ficar lá no setor
pedagógico fazendo o que fosse possível, contribuindo com o que estava ao meu
alcance.
Pela primeira vez, compreendi com mais profundidade as várias
reclamações trazidas por trabalhadores com deficiência empregados nas
empresas privadas. Seus relatos demonstram o quão eles se sentem
inferiorizados e sua estima profundamente abalada, quando as empresas
contratam e simplesmente deixam lá num lugar qualquer no mais puro ostracismo.
Por isso, se tem uma coisa que joga a estima de uma pessoa para bem
abaixo da sola do sapato, é a percepção critica de que você poderia dar mais do
que está dando e que as pessoas de sua volta não acreditam ou duvidam de sua
capacidade de realização. Trata-se de um tipo de sentimento que só reforça na
pessoa com deficiência a sua percepção de invalidez. É uma espécie de produção
social das incapacidades humanas.
Na realidade, como já indiquei, buscando em Honneth os fundamentos, se
eu não reconheço no meu semelhante às mesmas propriedades e capacidades
que também são minhas, eu não posso esperar deles, na interação, pela
reciprocidade, o reconhecimento das minhas propriedades e capacidades
humanas reconhecida por eles.
Eu poderia relatar aqui as várias vezes que fui e me vi sendo constrangido
em razão da deficiência, em vários momentos e nas diversas situações da vida
social. Falo em razão da deficiência, porque pessoas sem deficiência não
precisam passar por determinadas situações constrangedoras que somente
pessoas com deficiência enfrentam. Nada disso importa, para aqueles que não
sofrem na carne práticas e atos de preconceito em razão de uma deficiência, da
cor da pele ou por opção sexual, por exemplo. Nada disso interessa para essas
pessoas, enquanto não acontecer com elas próprias e elas não precisar sentir na
própria carne os danos psicológicos e emocionais das práticas e atos de
37
discriminação. Certas pessoas julgam-se imunes de tudo isso pela posição que
ocupam nas estruturas de mando e de poder.
Deixo claro que não culpo diretamente a escola e meus colegas de
profissão pelos atos ou práticas conscientes ou inconscientes que, sem nenhuma
dúvida, configuram-se atitudes discriminatórias. Quando um ato ou prática
configura-se discriminação em razão da deficiência? Na busca desta resposta,
recorro a Lei Brasileira da Inclusão -- Lei N. 13.146 de 2015. Em resumo, qualquer
ato ou prática baseada na deficiência, configura-se crime de discriminação.
Todos os atos ou práticas até o momento narrados nesta exposição
envolvendo minha pessoa na relação de trabalho, ou outras situações
semelhantes também envolvendo servidores com deficiência, a bem da verdade,
mereceriam uma reflexão mais aprofundada e quem sabe poderiam muito bem ser
enquadrados na tipificação de crime de discriminação. Pelo menos é isso que eu
posso extrair da interpretação da redação do parágrafo primeiro do Artigo N. 4 da
Lei Brasileira da Inclusão, 13.146 de 2015.
"Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1° Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou exercício dos direitos e liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e do fornecimento de tecnologias assistivas".
Parece que a redação não deixa nenhuma dúvida sobre em que situações e
circunstâncias, práticas ou atos configuram-se crime de discriminação. Não basta
mais dizer eu não tinha a intenção ou não sabia, já que o suposto
desconhecimento da Lei não pode ser alegado como defesa ou justificativa para
continuar cometendo práticas discriminatórias.
Depois, Grifei a expressão "reconhecimento", constante na redação do
referido parágrafo. Independentemente do caso em tela, é importante deixar claro
que as pessoas com deficiência travam todos os dias uma verdadeira luta
"sangrenta" por reconhecimento social. Esta luta por reconhecimento começa
38
dentro da própria casa, esparrama-se pelo conjunto da sociedade, passa pelas
escolas e universidades e chega aos locais de trabalho, quando elas conseguem
um emprego.
Também grifei a expressão "... incluindo a recusa de adaptações razoáveis
e o fornecimento de tecnologias assistivas". Ressalto que este é um direito que
vem sendo constante e sistematicamente negado, não apenas aos servidores com
deficiência que necessitam desses recursos, mas também aos estudantes com
deficiência matriculados nas escolas públicas estaduais.
Conheço professora cega que, para poder trabalhar numa determinada
escola, precisam levar de casa seus equipamentos pessoais de tecnologias
assistivas. Isso, depois de ter chegado à escola e ser recebida com profunda
indiferença pelos seus próprios colegas de trabalho. Tanto no caso dela, como de
resto em outras situações, isso acontece porque os RHS do NRES apenas
indicam qual escola o trabalhador com deficiência deve se apresentar. Nenhuma
outra preocupação existe no sentido de verificar se lá estão presentes as
condições materiais (ferramenta, instrumento, etc.) de trabalho.
Esta mesma realidade, com algumas ressalvas, atinge também os estudantes
cegos ou com baixa visão matriculada nas escolas públicas estaduais. Faltam os
livros didáticos em Braille, com caracteres ampliados, máquinas Braille, refletem
materiais adaptados e principalmente aqueles equipamentos mais sofisticados de
tecnologias assistivas. Além disso, esses estudantes também são recebidos e
tratados nas escolas com tamanha indiferença, distinção e restrição que, a luz da
redação do parágrafo primeiro da LBI, já exposto linhas antes, grande parte deles
sofrem crime de discriminação em razão da deficiência.
Se eu fosse relatar aqui com detalhes tudo o que já presenciei nas escolas
públicas estaduais, seja envolvendo diretamente a minha pessoa em
determinadas situações, envolvendo outros servidores com deficiência ou
estudantes com deficiência, a triste conclusão que eu poderia chegar é que os
agentes públicos são os principais e maiores violadores dos direitos humanos das
pessoas com deficiência. Digo maiores, porque a eles cabe o dever constitucional
de cumprir e fazer cumprir a Lei.
39
Algumas das práticas e atos já presenciados ou sofridos por mim mesmo, ferem
também o princípio da dignidade humana, de acordo com o que verte o inciso III
do Artigo N. 1 da CF de 1988.
"Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: ... III - a dignidade da pessoa humana;...".
Na mesma perspectiva, lanço luzes no inciso IV do Artigo N. 3 da CF de
1988, cuja redação coloca entre os objetivos do Estado Democrático de Direito, a
promoção do bem de todos, sem preconceito e discriminação.
"Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Diante do exposto, penso que do ponto de vista dos fundamentos legais,
estão demonstrados os requisitos necessários que poderiam justificar o
enquadramento de alguns dos atos e práticas aqui descritos, como crime por
discriminação em razão da deficiência. Da mesma forma, tais atos e práticas
recorrentes também ferem o princípio da dignidade humana, valor inalienável e
inquestionável do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Entretanto, como deixei claro desde o início desta exposição, meu objetivo
aqui não é formular uma peça de teor jurídico com fim de buscar reparação pelos
danos sofridos. Meu objetivo principal foi suscitar uma reflexão critica sobre o atual
"estado da arte" e fornecer alguns elementos preliminares que possam subsidiar
uma discussão coletiva sobre os apontamentos presentes neste ensaio.
Marcos Nobre, na apresentação da obra de Honneth, destaca:
"A reconstrução da lógica dessas experiências do desrespeito e do desencadeamento da luta em sua diversidade se articula por meio da análise da formação da identidade prática do indivíduo num contexto prévio de relações de reconhecimento. E isto em três dimensões distintas mas interligadas: desde a esfera emotiva que permite ao indivíduo uma confiança em si mesmo, indispensável para os seus projetos de autorrealização pessoal, até a esfera da estima social em que
40
esses projetos podem ser objeto de um respeito solidário, passando pela esfera jurídico-moral em que a pessoa individual é reconhecida como autônoma e moralmente imputável, desenvolvendo assim uma relação de autorrespeito. No entanto, é somente nas duas últimas dimensões que Honneth vê a possibilidade de a luta ganhar contornos de um conflito social, pois na dimensão emotiva não se encontra estruturalmente, segundo ele, uma tensão moral que possa suscitar movimentos sociais, o que não faltaria às formas de desrespeito como a privação de direitos e a degradação de formas de vida, ligadas respectivamente às esferas do direito e da estima social" (NOBRE, 2003. p. 18).
De fato, essas três dimensões, respectivamente, o amor, o direito e a
estima, guardam relações entre si, mas as duas com maior força potencial de
despertar conflitos sociais e com isso pressões políticas de movimentos
organizados travando lutas por reconhecimento parecem ser efetivamente a
privação de direitos e uma vida social marcada por processos degradantes que
atingem aspectos relacionados com a formação das individualidades humanas.
Efetivamente, são as constantes e sistemáticas violações dos direitos das
pessoas com deficiência que produzem efeitos e reflexos materiais, psicológicos,
emocionais e afetivos extremamente negativos, porque essas pessoas não se
sentem estimadas por seus pais/mães e a sociedade em geral.
Estudo mais completo e consistente, porém, mereceria a dimensão do
amor, por tudo o que ele abarca do ponto de vista da formação dos sentimentos,
emoções, afetividades, enfim, da formação da subjetividade humana.
Ainda não conheci casais que afirmaram não amar seus filhos com
deficiência. Da mesma forma, também ainda não conheci casais que tenham
sustentado que planejaram e desejaram ter filhos com deficiência, tanto como
também não conheço ninguém que tenha dito que gostaria de ficar com alguma
deficiência, porque isso lhe traria benefícios pessoais e sociais nas relações com
outras pessoas.
Pelo que já vivi enquanto experiências próprias, pelo que já presenciei de
outras experiências e pelo que já estudei, penso que tenho alguns elementos para
suspeitar que não se trata do mesmo tipo de amor dedicado aos filhos sem
deficiência. Não deixa de ser amor, mas é um amor diferente, tanto quanto
também são diferentes os filhos com e sem deficiência. Por mais que se negue no
plano da linguagem, lá no intimo, no plano da consciência, o fato é que os filhos
41
com deficiência são vistos, compreendidos, tratados, cuidados e encaminhados na
vida com perspectivas diferentes.
Por isso, no caso da formação e desenvolvimento da personalidade integral
das pessoas com deficiência, o amor contêm dimensões e complexidades
objetivas e subjetivas que podem ser a resposta para muitos fatos ainda pouco
investigados e compreendidos sobre aspectos psicológicos envolvendo o
reconhecimento, pertencimento, aceitação e valorização social dessas pessoas.
Tudo isso e muito mais envolve um conjunto de relações sociais que vão
moldando (plasmando) a formação de uma subjetividade com propriedades e
capacidades marcadas por sentimentos de inferioridade.
Deste modo, os filhos com deficiência, assim como as pessoas com
deficiência em geral, independentemente da idade, sempre são vistos com
olhares, expectativa, perspectivas, entendimentos e compreensões diferentes
daquelas sem deficiência. O que ainda predomina nas relações entre pessoas
com e sem deficiência, infelizmente, são as marcas da indiferença, do
estranhamento e do distanciamento.
O sentimento de rejeição, de não sentir-se amado, desejado e estimado, é
o pior dos sentimentos humanos. Pessoas com deficiência precisam conviver com
esses sentimentos todos os dias, como fantasmas rondando suas confusas
mentes. Mesmo no meu caso, depois de já ter passado por todas as experiências
que já fui submetido; ter enxergado enfrentada a baixa visão e hoje cego; ser por
mais de vinte anos militante dos movimentos sociais de defesa dos direitos das
pessoas com deficiência; ser formado em pedagogia, concluído duas
especializações e mestrado em educação; enfrentado e aprovado em dois
concursos públicos para o magistério estadual, honestamente, tem momentos que
fraquejo e me bate uma forte vontade de desistir de lutar pelo meu próprio
reconhecimento social, pelo reconhecimento dos meus colegas e por um novo
modelo societário, mais justo e verdadeiramente igualitário, onde o preconceito, a
discriminação e esta cultura histórica que considera pessoas com deficiência
seres inferiores e incapazes, sejam definitivamente e verdadeiramente abolidos
das relações humanas.
42
Se eu, depois de 57 anos já vivido e com o coro já sovado de tanto levar
pancada da vida, fraquejo em certos momentos, imagine então aquelas pessoas
com menos resistências que ainda estão buscando compreender os "conflitos
sociais", marca característica de uma sociedade capitalista onde impera o
egoísmo, o individualismo e outras formas de manifestações que só reforçam a
ideia que nesta sociedade só tem lugar para os mais fortes, inteligentes e
competitivos.
Na mesma perspectiva da conclusão da obra de Honneth, só que desta vez
focado nas condições históricas e nas especificidades das pessoas com
deficiência, com pesar, também concluo que o projeto social baseado apenas nos
direitos legais da igualdade de oportunidades, também fracassou no intento de
garantir o reconhecimento individual e uma verdadeira e irrestrita inclusão social
das pessoas com deficiência.
Antes de encaminhar a finalização deste ensaio, retorno no início e uma
vez mais destaco o teor de uma das epigrafes lá registrada.
"Ora, concluem Diderot e seus adeptos: "Sendo a vista o mais precioso, o mais aplicado dos sentidos, o indivíduo que não vê será completamente diverso dos outros." Que concepção acanhada da vida humana!"
De fato, ainda hoje, predomina na nossa cultura esta concepção acanhada
e tacanha da vida humana e da humanidade dos trabalhadores com deficiência.
Trata-se de uma espécie de cegueira coletiva que reforça a falsa e recorrente
ideia segundo a qual pessoas com deficiência são tão diversas das outras,
infelizmente, ainda impera na cabeça das pessoas e nos diversos espaços da vida
social.
O que era para ser direito das pessoas com deficiência, como forma de
reconhecimento legal, social e afetivo em face das suas dificuldades e limitações
impostas por um modelo societário que oprime e não garante as condições de
acessibilidades, por meio de discursos eivados de preconceitos, vem sendo
desconstruído e transformado em privilégios. Se já não bastasse a falta do
reconhecimento social e histórico da nossa condição de humanidade, os poucos
avanços legais que tivemos nas últimas três décadas no Brasil, estão sofrendo
43
ataques e sendo desconstruídos por práticas e discursos de organizações e
pessoas que se consideram dotadas de propriedades e capacidades humanas
verdadeiramente diferentes daquelas que também estão presentes na
personalidade integral das pessoas com deficiência.
Na interpretação dessas organizações, pessoas e agentes públicos e
privados, eu não luto ou reclamo por meus direitos, mas desejo apenas privilégios
que outras pessoas sem deficiência não possuem. Se eu luto pelos mesmos
direitos das outras pessoas, logo, eu deveria ser igual elas, fazer o mesmo que
elas fazem com os mesmos recursos e do mesmo jeito que elas fazem, aliás, sem
reclamações, de preferência.
Efetivamente, eu preciso ser padronizado dentro do mesmo padrão das
pessoas sem deficiência para ser aceito como trabalhador dotado de capacidades
produtivas.
Na realidade, estamos diante do chamado modelo social e modelo
individual da deficiência. No modelo individual, enfatiza nas pessoas os aspectos
médicos, biológicos, clínicos, psicológicos e individuais.
Para ilustrar, destaco: viu as árvores, não viu a floresta; viu a cegueira, não
viu a pessoa; viu o rabo, não viu o cachorro.
Ora, nos três exemplos, existe um ponto em comum: fala-se de uma
particularidade e esquece-se que esta parte só existe dentro da totalidade de um
sistema de conjunto integrado. Portanto, quando eu enfatizo a deficiência e
esqueço a pessoa de "carne e osso", com todas suas complexidades (aspectos
biológicos, psicológicos, emocionais, afetivos, objetivos e subjetivos, etc.), eu tomo
o rabo pelo cachorro e não levo em conta que é do mais complexo que se explica
o menos complexo. Por isso, na análise dos aspectos, características e
subjetividade...
44
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso: 15 out.2006. ________. Presidência da República. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Secretaria Especial dos Direitos Humanos Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília. Setembro de 2007. _________. Lei Brasileira da Inclusão -- Lei 13.146/2015. Presidência da República, Casa Civil, disponível em http://dx.doi.org/10.14572/nuances.v24i1.215 HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. ed. São Paulo: Loyola, 1992.HONNETH, Axel H747l Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais / Axel Honneth; tradução de Luiz Repa; apresentação de Marcos Nobre. -- São Paulo: Ed. 34, 2003. 296 p. Carvalho, Alfredo Roberto de; Orso, Paulino José. As Pessoas com Deficiência e a Lógica da Organização do Trabalho na Sociedade Capitalista. In: Pessoa com deficiência na sociedade contemporânea: problematizando o debate/organização do Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais-PEE Cascavel. Cascavel, PR: Edunioeste, 2006. Duarte. Newton. Vigotski e a Pedagogia Histórico-Crítica: A Questão do Desenvolvimento Psíquico. Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente, SP, v. 24, n. 1, p. 19-29, jan./abr. 2013.MÉSZÀROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002. ________. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. ________. A teoria da alienação em Marx. Tradução Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006.PICCOLO. Gustavo Martins. Contribuições a um pensar sociológico sobre a deficiência. Tese apresentada à Comissão de Pós Graduação em Educação Especial (PPGEES) da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar - como exigência para defesa de Doutorado. Área de concentração: Educação do Indivíduo Especial. Área de Conhecimento: Educação Especial. UFSCar SÃO CARLOS - SP 2011. VIEIRA, valdo. Democracia e política social. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo; v. 49. São Paulo: Cortez, 1992. VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de Defectologia. Obras completas. Tomo V. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. Vygotsky, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. 2 ed. São Paulo, SP : M.Fontes, 2000. Alexandrino, Marcelo Resumo de direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. - 5. ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. ROSA, Enio Rodrigues da R788t O trabalho das pessoas com deficiência e as sociais de produção capitalista: uma análise crítica da política de cotas no Brasil/Enio Rodrigues da Rosa. -- Cascavel, PR: [s. n.], 2009. 246 f. Orientador: Dr. Roberto Antonio Deitos Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual doOeste do Paraná. Campus de Cascavel. Centro de Educação, Comunicação e
45
Artes.ROSA, Enio Rodrigues da Deficiência e trabalho [livro eletrônico] : a luta pelo direito de ser explorado / Enio Rodrigues da Rosa. -- Curitiba: Ed. do Autor, 2016. 1,3 Mb; PDF Disponível em: www.amazon.comTHEODOR W. Adorno e Max Horkheimer. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Tradução: Guido Antonio de Almeida Professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: Le Livros. Site
46