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XVII SEMINÁRIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO
SOCIAL.
Itinerários da memória: interpelações produzidas por familiares de
desaparecidos políticos no Brasil. Slets-17-029.
Maria Lídia Souza da Silveira 1
E-mail: [email protected]
Eixo temático: Cidadania. Mesa de Trabalho: Direitos Humanos.
Palavras Chaves: Estado autoritário, sujeitos, mulheres, memória histórica,
lutas sociais.
RESUMO:
O presente trabalho se propõe a empreender uma reflexão a partir de um
entre os muitos acontecimentos ocultados da sociedade brasileira no período da
ditadura militar: o dos desaparecidos políticos.
Para além de sua dimensão de barbárie, trata-se de recuperar o
envolvimento efetivo de alguns familiares – em particular, mães – na busca pela
localização de seus filhos. Nesse movimento, sentimentos se alternam ou podem
se apresentar como paradoxais, ao conciliar perda e luta, dor e recalque,
esquecimento e indignação, conformismo e busca por justiça...
A cotidianidade de suas vidas é rompida, não só implodindo e alterando
profundamente suas próprias existências, mas provocando em alguns outros –
indivíduos, setores da sociedade -, registros diferenciados de interpelação e
afetação.
Há uma amálgama de sentimentos, sentidos e comportamentos vividos que
vão tensionar esferas da memória individual e coletiva, via processos de
esquecimento e de construção de saídas dentro da própria história que se
movimenta. Não há como enfrentar sem marcas a questão dos desaparecimentos.
1 Brasil - Professora titular de Serviço Social da Universidade Federal
Fluminense/Pesquisadora Visitante da FAPERJ – Fundação de Amparo à
Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro - na Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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A análise de alguns depoimentos de mães permite que se pense no âmbito
dos percursos da memória, a presença de uma certa nostalgia aberta, numa
abertura para o mundo, a instaurar mudanças de lugares que podem permitir a
problematização do tempo presente, o que significa pensarmos as possibilidades
de sua própria ultrapassagem e, portanto, a retomada de um outro projeto
humano.
Se há razão para lembrar é que o silêncio e o
esquecimento são as constantes da repressão dos últimos anos. É
preciso furar o segredos e o pavor, fazer de recordações dispersas a
reflexão comum na consciência coletiva. Irene Cardoso
O presente trabalho retoma de forma ainda que indireta, os processos de
manutenção da desigualdade social, via conformação da indiferença que vem
sendo produzida em majoritários segmentos da população brasileira, o que vai
implicar em assustadora naturalização frente à pobreza, a indigência, o
desemprego, a falta de oportunidades culturais e de processos concretos de
humanização dos sujeitos humanos. Esse apartamento do Outro num contexto de
enorme desenvolvimento tecnológico e de rapidez dos processos de informação e
comunicação, que globaliza, aparentemente unindo o conjunto dos povos, deveria,
no mínimo, produzir algum grau de inquietação e interpelação. No entanto, a
produção desses sentidos moldadores da vida social no capitalismo,
complexificada mais ainda por apropriações conservadoras da religiosidade,
gerando graus de fanatismo múltiplos e diferenciados, quase que direciona os
sentidos da existência, em sua maioria conformadas pela sociedade das
mercadorias. Se esse reinado mercantil é o hegemônico, concomitante a ele tem
se constituído historicamente a sua negação e resistência, no que pese a sua
pouca significação numérica, ou ainda, a sua frágil eficácia histórica.
Nesse percurso, imperioso se faz registrar a efetiva movimentação destes
contrapontos à hegemonia vigente - que permanecem em constituição,
absolutamente atuais e necessários na contemporaneidade -. Entre um conjunto
de experimentos, destaco pontualmente alguns que dizem respeito à recuperação
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da memória histórica. Nessa perspectiva, merece ser trilhado o tempo histórico de
maneira diferenciada do tempo reificado do capital - calcado num presente sem
nexos com o passado, a supor, contínuo processo de apagamento destas
resistências conformadoras da própria história humana -. Vinculado a esta
elaboração ideologizada do presente, ressaltadas serão níveis de produção
contra-hegemônicas, através das distintas e socialmente desconhecidas lutas pela
constituição de uma outra racionalidade, de uma forma nova de organização
societária.
Será a partir, portanto, destas referências, que retomaremos um período
muito próximo, o da ditadura militar brasileira implantada no Brasil em 1964, que,
afora o seu conteúdo de barbárie, produtor de trágicos acontecimentos obliterados
à sociedade brasileira, foi palco também de outros gestos, dotados de
invisibilidade e opacidade, através das formas de apropriação ideológica adotadas
pela ditadura, a saber, a generosidade de homens e mulheres que buscaram
realizar o projeto de constituição de uma sociedade igualitária, desprovida de
injustiças sociais. Entre estes sujeitos humanos, ressalta-se nos limites destes
texto, os desaparecidos políticos.
No entanto a centralidade da reflexão não incindirá sobre o protagonismo
ou mesmo o sentido dos «desaparecimentos.» A partir deste acontecimento,
buscar-se-á compreender os processos de subjetivação que marcaram os seus
familiares, num movimento que conjuga, às vezes até paradoxalmente, perda e
luta, esquecimento e indignação, recalque e busca por justiça, e que, de alguma
forma produz em alguns setores da sociedade, formas de interpelação e afetação.
Este tradutibilidade de sentidos que se intenta dimensionar, se ancora em
pesquisa em curso no âmbito do GECEM – Gênero, Etnia, Classe: Estudos
Multidisciplinares -da Escola de Serviço Social da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro).
Para tratar dessas questões, a conjuntura política dos anos 68 se impõe, na
consideração das tensões presentes neste período. Conjuntura que vai expressar
visões de mundo que se contrapunham, calcadas de um lado, no desejo de
mudanças, a partir de uma leitura da conjuntura social que expressava, de um
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lado, a possibilidade objetiva da revolução, enraizada em componentes
socialistas, e, de outro, a violência deflagrada pelo Estado, respaldada no discurso
de manutenção da ordem, da pátria e dos interesses legítimos dos cidadãos.
Para além dos projetos de organização da vida política que estavam a se
degladiar, 1968 trouxe também revoluções no campo dos comportamentos, em
especial o da sexualidade, e no universo da cultura, com destaque para a música,
o teatro e a poesia.
Irene ARRUDA (2001) destaca as marcas existenciais produzidas naqueles
que efetivaram opções de buscar as necessárias transformações radicais do
ordenamento social. Assim, a clandestinidade apresentou-se como exigência para
os que optaram pela luta armada, assim como a adoção de uma falsa identidade.
Esta opção poderia ainda implicar na vivência da tortura, das prisões, do exílio,
dos desaparecimentos e mortes.
O experimento desses sofrimentos e perdas subjetivas é tratado com
sensibilidade em obra de Maren e Marcelo VIÑAR (1992), Através do relato da
prisão de um militante, para além da retirada de pertences, relógio, dinheiro,
documentos e cinto – para impedir possível suicídio – ressaltam eles as
resignificações que objetos passam a ter nesse contexto de brutal desumanização.
Assim, ao acariciar o pulôver tricotado por sua mulher, o prisioneiro se sente
envolvido por um sentimento de ternura, gerando-lhe proteção frente ao
imponderável que está à sua frente.
Na busca de compreensão do novo experimento do aprisionamento, os
autores observam que este passa a ser «o mundo da obscuridade, do silêncio e
dos barulhos insensatos, onde o tempo é outro, onde o corpo é outro, onde tudo
muda para uma ordem e uma lógica nas quais não somos mais nada.»(VIÑAR:23)
Num outro registro, Irene CARDOSO ressalta a partir das reflexões de
Edgar MORIN,2 a presença de um certo caráter enigmático nos acontecimentos de
1968, produzindo inquietações com a marca do trágico, que tendem a ser
2 O artigo intitula-se “O jogo que tudo mudou” e foi publicado no jornal ‘O Estado de São Paulo, suplemento especial “Maio de 1968, a primavera do nada” em 07/05/1978.
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recalcadas pelos seus sobreviventes. É como ‘alguma coisa do passado que ficou
em suspenso’ (p.148).
Essa dificuldade de nomeação de alguns fatos traumaticamente
vivenciados, pode ser enfrentada, ainda que com limitações na esfera subjetiva,
através dos instrumentos conceituais das ciências sociais, em especial a história
oral, com potencialidade de oferecer-lhes algum grau de tradutibilidade.
No âmbito dessa perspectiva é que nos voltamos para esse período,
buscando tratar de forma prioritária, da articulação entre memória e história, assim
como os processos de constituição diversificada do esquecimento.
No que tange à memória, um dos eixos considerados, se refere à sua
capacidade potencial de tensionar - exercendo efetiva problematização sobre o
vivido -, ou, como ressalta Irene CARDOSO, questionando o modo de sua
dominante apropriação no mundo contemporâneo.
Nesse percurso, o rompimento com a coloração atribuída ao passado pelo
presente – para usar uma formulação de Michael POLLAK (1989) -, implica em
rebuscar na memória coletiva de certos segmentos sociais, os experimentos e
lembranças com capacidade de efetivar rupturas com a produção de um aceite da
sociabilidade existente, plasmado numa ideologizada memória coletiva. E este
movimento implica em exercício da crítica a partir da recuperação das histórias
subterrâneas, escondidas pela história e memória oficiais, o que significa portanto,
que a análise não vai ter como referência os grandes acontecimentos e
personagens organizados assepticamente a partir do ordenamento hegemônico
vigente.
“A imposição ao esquecimento iniciou-se ainda em abril de 1964,
quando os primeiros assassinatos promovidos pelo regime militar apareceram
mascarados pela versão de suicídio e, quando a partir de 1973,
principalmente, a destruição de opositores perdia sua eficácia, surgiram os
desaparecidos: não mais havia a notícia da morte, um corpo, atestados de
óbito – essas pessoas perderam seus nomes, perderam a possibilidade de
ligação com seu passado, tornando penosa a inscrição dessa experiência na
memória coletiva. Sinistra construção do esquecimento esta orquestrada por
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meio do terror do desaparecimento de opositores políticos, porque deixa viva
a morte dessas pessoas através da tortura que é a ausência de informações e
de seus corpos. Aos seus familiares só é permitido lembrar sempre a
ausência, reacendendo permanentemente o desejo de libertar-se de um
passado que, no entanto, permanece vivo.”
Este texto de apresentação, ‘Mortos e Desaparecidos políticos: Reparação
ou Impunidade?’, que vai sistematizar o Seminário com o mesmo título realizado
em São Paulo, em abril de 1997, nos permite adentrar nestes dramáticos fatos
históricos, na busca de recuperação, dentro do movimento da história, de
dimensões das lutas, resistências e perdas, que vão não apenas conformar as
subjetividades de determinados sujeitos, como vão, igualmente, produzir e/ou
fazer refluir as sociabilidades e os projetos sociais em curso.
Tal apresentação repõe uma inquietação, que longe de ser de minha
autoria ou da ordem da minha observação e sensibilidade, tem sido explicitada
com competência inquestionável por autores com vínculos com a teoria crítica, em
especial por Marcuse, Horkheimer, Lefort e Hobsbawn, entre outros: trata-se da
absoluta irrelevância no âmbito do mundo contemporâneo, da memória e da
história. Nesse contexto o tempo presente é vivido não apenas intensamente, mas
de forma unidimensional, operando brutal cisão do fluxo da própria temporalidade.
O conceito de “presenteísmo,” proposto por HOBSBAWN (1995), esclarece
tal movimento, ao ressaltar a constituição desse ‘presente contínuo’ que, ao
conformar um corte com o passado, reifica o presente, dele retirando-lhe os nexos
e as possibilidades existentes em termos de futuro.
Os ‘desaparecimentos’ - plasmados na dramaticidade das atrocidades
cometidas pela ditadura militar - têm na atualidade do mundo mercantilizado,
perdido sistematicamente seus nexos com a história.
H. ARENDT (1972) ressalta a necessidade do tempo histórico ser
interrogado, não só na perspectiva de compreensão desse tempo, como
igualmente de efetivação da crítica do presente.
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Retomar esta temática a partir dos familiares dos desaparecidos, e em
particular, a partir das figuras das mães, vai implicar do nosso ponto de vista, em
negar o lugar privado, ‘o culto doméstico das famílias das vítimas’, - como
ressalta Luís Felipe ALENCASTRO (2000:31). - no necessário movimento de
romper com a imposição ideológica do silêncio e do esquecimento, construindo
uma memória que pode ser compartilhada.
“...Ser mãe de um subversivo na época, ser pai de um subversivo não era
uma tarefa fácil, assim como ser irmão, e em especial um irmão menor, eram
conversas a serem feitas a portas fechadas, entendeu, ninguém queria tocar
nesse assunto, não era motivo de orgulho na família...”( Mãe – A –
entrevistada pelas bolsistas de Iniciação Científica Daniele Ribeiro do Val e
Elisonete Ribeiro em 14/03/99)
Diante das prisões, perseguições e torturas existentes, tecia-se no âmbito
da vida social neste período, uma vivência de aparente normalidade. Frente às
atrocidades supostas ou sabidas, o silêncio, o aceite da vida social atomizada e
esvaziada de ações coletivas. Há uma intencionalidade, como afirma Ximena
BARRAZA (1980:141), em fazer da sociedade disciplinada uma necessidade, um
fim em si mesma.
Este disciplinamento se faz presente em todas as esferas da vida social.
Assim, no âmbito das famílias, por exemplo, aparece de forma bastante explícita
num processo cruel de internalização, não apenas uma visão de família
harmoniosa, saudável, sintonizada com o lugar profissional dos jovens -
priorizando a perspectiva de ascensão social -. São igualmente constituídos
processos de culpabilização, com capacidade de inculcar nos pais, sentimentos de
fracasso, denotativos de sua irresponsabilidade social e afetiva, face a existência
de filhos ‘subversivos’.
Cecília COIMBRA (1995:31) ressalta que
“(...) filhos ‘desviantes’ e ‘diferentes’ são produzidos pelos problemas
por que essas famílias passam. Se algum militante é sequestrado, torturado e
assassinado, se algum hippie após experiências com drogas não retorna da
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‘viagem’, eles e suas famílias são os responsáveis e não o estado de terror
que grassa em toda a sociedade. As famílias aceitam tal discurso,
culpabilizando seus filhos e culpabilizando-se, acreditando plenamente que
algo está errado”.
Este aceite vivenciado pela grande maioria de familiares precisa ser
compreendido como parcela da necessária e contínua conformação hegemônica
em curso, a exigir construção de um certo conformismo. Que impõe ao ‘outro’ – ao
filho, ao vizinho, ao marido, ao que se insurge e se diferencia do modelo de
organização da vida - individual e coletiva –, não apenas culpabilização pelas
escolhas ‘loucas’ de se insurgir contra as naturais injustiças do mundo, como
rejeição pela vida militante escolhida, na óbvia constatação de um
‘desajustamento’ à vida normal de todos os mortais.
Por outro lado, o ‘desaparecimento’ traz também um experimento de
sofrimento e perdas afetivas absolutamente intransferível para um determinado
sujeito individual, que precisa encontrar nos outros sujeitos não afetados por
aquela perda, o ancoradouro da solidariedade. A ausência de uma morte que se
pressente ou mesmo se sabe real, sem o seu reconhecimento oficial, recalca a
perda que se impõe administrar, impõe o esquecimento pela repressão do
acontecido ou, pior ainda, como “inexistencialismo”, para usar terminologia de
VIDAL-NAQUET, adotada por Irene CARDOSO (p.150), no sentido das realidades
que passam a ser consideradas inexistentes pelos ‘assassinos da memória’.
Assim, o passado não pode se tornar passado porque esta morte insepulta não
pode ser esquecida, apenas recalcada. E porque, do ponto de vista da sociedade,
convive-se com uma “normalização” que se almeja e um passado que de alguma
forma se interdita, através da imposição do esquecimento instaurado via processo
de anistia.
Enfrentar este paradoxo implica no movimento de torná-lo inteligível, ‘com a
marca da lucidez e pela separação entre razão e paixão, entre conhecimento e
emoção” segundo Renato MEZAN( 1987:126)
Nesse contexto, na contra-maré negadora deste presente desprovido de
referências substantivas que se intenta eternizar, importante efetivar o registro de
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que outras famílias, outras mães, refazem este percurso afirmando outros
sentidos.
Assim, ao se resgatar a movimentação de mães e familiares de
desaparecidos da ditadura militar, se busca um percurso negador desse presente
desprovido de passado, desencarnado de lutas sociais e dos sujeitos que lhes
deram significado através de seus sonhos e resistências. Afirma-se, como reitera
Ximena BARRAZA (1989) a partir do experimento do autoritarismo chileno, a
importância da memória, dos valores coletivos e do projeto partilhado. Diz ela:
«Recordar não é voltar atrás, é refazer a história. Lembrar o
passado é sempre também um modo de recorrer ao amanhã, de construir
um projeto. A memória tende, quando não num sonho onírico, à
comunicação. É uma recriação coletiva, através do outro e com ele,
afirmamos o passado, já não como biografia pessoal, mas como história
compartilhada.»(Idem.167)
Ora, ao assumirem a crítica à ordem burguesa, ao se colocarem claramente
contra o ordenamento social que vai subordinar a organização da vida dos sujeitos
aos ditames do capital, os jovens e segmentos de intelectuais e trabalhadores que
intentaram vivenciar a constituição de um outro projeto societário para o Brasil,
colocaram em cheque esta ‘moral da morte’- para usar uma terminologia de
BARRAZA, norteada pela lógica da acumulação capitalista; moral que vai supor a
imposição, também aos sujeitos individuais, não apenas de perdas na ordem da
materialidade, mas igualmente, perdas em seu contínuo processo de
humanização e emancipação.
A postura de conformação de uma ‘moral da vida’ vai implicar na afirmação
vigorosa de que
“o direito à vida é direito de todos, abrange a vida de todos. A
satisfação das necessidades não pode depender do poder de negociação de
um ou outro grupo social. Não se transa no mercado conforme seu valor
mercantil. A aspiração por uma vida melhor é um assunto público.”(p.146)
A dor e indignação expressas pela autora ao pensar a vida cotidiana numa
ordem autoritária, traz à tona as feridas que ocultamos para continuar
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sobrevivendo, as concessões que fazemos sem sequer sermos tomados pelo
constrangimento, no interior de uma sociabilidade que transmuda o licito pelo
ilícito; ressalta ela algo absolutamente essencial: da necessidade de uma certa
‘idiotia’ para surpreender-se, da necessidade de ser ‘louco’ para tomar consciência
do que nos circunda.
Algumas mães de desaparecidos políticos efetivaram esse movimento de
sábia loucura e partiram em busca da localização de seus filhos. Movimento
inicialmente individual - para algumas sempre solitário - mas para outras tantas,
aprendizado da união e da força coletiva:
« Queria preservar a vida, queria preservar a vida de minha filha, pois eu já
estava lendo, testemunhando o destino daqueles que se meteram no
movimento, que foram barbaramente torturados, mortos ou então exilados(...)»
Mãe entrevistada A – Entrevista realizada por Roseane Silva e Elisonete
Ribeiro, bolsistas de Iniciação Científica, em 18/03/99)
« Eu sei que eu comecei a tomar partido nas reuniões do Tortura-Nunca –
Mais(...) ». - Entrevistada A -
A formulação de Ximena BARRAZA traduz com muita sensibilidade este movimento:
« Mas como nomear o desespero sem assinalar a ação capaz de
consolar-nos? Não haveria - num sentido muito literal – que descobrir as
cicatrizes, abrir a dor silenciada, para trazer à luz o protesto e a rebeldia?»
(Ibidem:147)
Vozes de familiares, em especial vozes de mães e esposas, ecoam num
registro não apenas de dor e perda, mas de rebeldia e luta, com ferramentas às
mais díspares, frente a uma conjuntura para a maioria delas, inexplicável e
desprovida de sentidos.
« Eu fiquei obcecada com isso, naturalmente não podia tocar no
assunto. Comecei a escrever panfletos espalhando por todo o canto, sabe,
espalhava no cemitério, nas conduções que eu ía. Você vê que eu fui presa
no Teatro Municipal (...)Era uma maneira de transmitir a alguém aquilo que
eu estava sentindo» -Entrevistada A -
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« A prisão dele foi pública, na feira(...) A partir daí fiz uma carta para D.
Helder, para ele contratar um advogado. Foi contratado um advogado, mas
não tinha habeas-corpus nesta época (...) e aí a mãe dele foi para Recife
procurar nas prisões, a gente teve com o pessoal do IV Exército, mas ela não
teve nenhuma resposta(...) No início quem fez mais foi a mãe dele, assim que
foi para Brasília foi falar com o Golbery(...) Aí começou um movimento entre
as famílias para localização dos desaparecidos. Já não era mais para um,
para dois, era mais gente, aí começaram então a fazer um movimento em
conjunto(...) - Entrevistada B - mulher de desaparecido e também militante-
realizada por Daniele Ribeiro e Roseane Silva, em 10/05/99.-
A ordem autoritária brasileira que produziu o silêncio como autodefesa, que
engendrou um certo tipo de conformismo com capacidade de obliterar da vida
social os sujeitos concretos – com história, lugar e projetos -, que buscou
fundamentar a vida social pautada na sua concepção de mundo como se esta a de
todos fosse, que investiu na conformação da vida social atomizada e repleta de
silêncios e medos, tinha uma estratégia muita clara para a manutenção de sua
dominação: a destruição de qualquer esperança de construção de uma alternativa
frente ao que se vivia, internalizando nos sujeitos sociais a crença desta
inviabilização.
Este silêncio, esta atomização e passivização construída, é rompida em
várias níveis e formas concretas. Uma delas não menos importante que tantas
outras lutas de resistência, diz respeito à tentativa de localização dos
desaparecidos políticos, a denuncia desta violência perpetrada pelo Estado
autoritário e a busca de justiça.
“ O Grupo Tortura-Nunca-Mais representa aquela luta que não
acaba, que a pessoa que tem esses pensamentos luta sempre por isso,
não é?” - Entrevistada C- entrevista feita por Daniele Ribeiro e Roseane
Silva em 13/05/99.
A incursão das mães no espaço público, regido por este autoritarismo que
exige, na sua lógica, a destruição do outro – seja na qualidade de sujeito ou na de
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projeto – repõe com nebulosa visibilidade, mas repõe, os sentidos da luta e de
alguns entre os muitos sujeitos reais que lhes plasmaram concretude.
A análise de alguns depoimentos de mães pode nos permitir pensar, a
partir da variedade de percursos da memória, na presença de uma certa nostalgia
aberta, numa abertura para o mundo, a instaurar mudanças de lugares com
potencialidade de problematização do tempo presente e sua ultrapassagem. Tal
movimento que vai se embeber na crítica do que está nos próprios sujeitos e no
seu ´entorno´, repõe duas ordens de questão, absolutamente vitais: a de que é
possível a existência de subjetividades não aderentes ao ´existente´ - como
qualifica ADORNO-; e desse ponto de vista, adquire nexo afirmar-se a
possibilidade de produção de novos sentidos e perspectivas, da retomada,
portanto, de um outro projeto humano, apesar do vitorioso presenteísmo no qual
estamos imersos.
Parafraseando Irene Cardoso (2001:176), diria da importância de sair do
registro da história bem ou mal contada, para retirar dos registros existentes “a
construção de vias significativas de acesso ao passado, não como a verdade
essencial e originária da história, mas como verdades que são produzidas pelo
jogo claro/escuro da memória e do esquecimento.”
Trazer estas questões dos subterrâneos de um passado tão próximo para o
tempo presente - conformado por descontinuidades históricas, apartado da
experiência acumulada dos sujeitos, a retirar-lhes não só o sentido de história,
mas de sua própria inserção e papel ativo na construção da vida social - vai
implicar em repor a política num outro lugar. Um lugar no qual possa ser vista e
experimentada como natural exercício da imaginação de formas mais justas e
melhores de viver, nos termos de Jurandir FREIRE (1995).
Nesse sentido, a busca por garantir a esses sujeitos a expressão de sua
dor, de suas ações de resistência, de seus comportamentos transgressores ou
pelas suas derrotas, significa assumir de maneira inequívoca um posicionamento
que dê visibilidade às experiências coletivas silenciadas, subvertendo assim, nos
termos de Lucília NEVES (1993:102), “a reprodução da dominação e do silêncio.”
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Sobre os processos de constituição dos sujeitos.
A presença desses sujeitos-mães, sujeitos-familiares na cena pública nos
permitem algumas reflexões.
A primeira, de caráter mais geral, posta a partir desse quadro dos
acontecimentos de 1968, em particular os relacionados aos anos de chumbo da
ditadura militar brasileira, nos impõem a necessária afirmação de uma referência
mais geral que nos situe num certo campo; o da democratização da vida social. E
desse campo nos cabe a contínua indagação sobre os processos democráticos
em curso na particularidade de nossa formação social, buscando decifrar quais
são, de fato, os fundamentos dos direitos, as formas de distribuição da justiça, as
formalidades democráticas numa sociedade extremamente desigual. Nessa
perspectiva Maria Célia PAOLI (1989) vai pensar a dinâmica política de uma
sociedade a partir da singularidade de seu experimento, através de seus
componentes de historicidade, construção de referencias simbólicas e nas suas
formulações p róprias de emancipação e vivência da questão democrática.
Tal concepção vai se opor à presente no âmbito do pensamento pós-
moderno que vai propugnar o fim da história, das classes sociais e das ideologias,
e portanto, dos antagonismos entre projetos societários.
Ao negarmos tal ponto de vista entendemos que este é estratégico para a
ordem vigente, pois não só oblitera o real - no caso estamos a apontar para a
brutal desigualdade humana – como o naturaliza, buscando enrijecer seus
componentes de tensão e conflito, na tentativa de congelar a memória histórica e
refrear a dimensão de porvir.
Nesse percurso, tal ordenamento reificador do presente – existente na
sociabilidade capitalista - não só supõe a destruição dos vínculos que humanizam
os sujeitos, como os situam numa perspectiva de mediaticidade, na qual o
efêmero e o fragmentário, a produção de curto prazo e a insensibilidade perante o
outro são componentes fundantes da constituição das subjetividades. A questão
de Richard SENNET (1999) é absolutamente pertinente:
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“Como os sujeitos podem buscam objetivos de longo prazo numa
sociedade de curto prazo? Como pode um ser humano desenvolver uma
narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de
episódios e fragmentos?” (p.23)
Necessário se faz a compreensão de que o sujeito que se intenta plasmar
no interior dessa lógica que conforma as relações sociais, é o sujeito auto -
centrado, descrente das esferas coletivas, competitivo, eficiente, que vai delegar
ao Estado a interpretação dos problemas e a resolução dos conflitos.
Nessa delegação torna-se absolutamente secundário as desigualdades
sociais existentes, assentadas num ordenamento social fundado no reinado
mercantil, a delimitar para o homem, o caráter de ser também mercadoria.
Tal base material enraizada na expropriação do trabalho humano e na sua
simultânea desqualificação - bem como em processos naturalizados de
desigualdade social -, vai afetar brutalmente os processos de subjetivação.
Assim, para além do visível empobrecimento material, são engendradas
formas de sociabilidade cujos traços essenciais podem ser reconhecíveis no
exacerbado individualismo, na proliferação das personalidades narcísicas, na ode
ao consumo e num continuo apartamento dos campos coletivos, formulador de
outros possíveis .
Possíveis estes com capacidade de proceder ao exercício de elaboração de
novas referências valorativas, impulsionadoras de ações transgressoras à ordem
vigente.
Conformando esta sociabilidade, nos defrontamos com uma avassaladora
apropriação ideológica das experiências humanas, atribuindo-lhes significados
com enorme capacidade de obscurecer os conflitos, as diferenciações de classe,
fabricando falsos consensos e produzindo nos sujeitos um processo de
naturalização das relações sociais desiguais.
Podemos dizer que mais que naturalizar estas desigualdades, o processo
hegemônico vitorioso, consegue internalizar, em especial nos segmentos mais
empobrecidos e subalternizados socialmente, a noção de que este lugar da
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pobreza, da exclusão, da necessária diferenciação, este não lugar social é o seu
lugar.
Marilena Chauí (1995) chama a atenção para a forma de subjetividade que
está sendo plasmada no interior do capitalismo, a se sustentar, menos nas
relações intersubjetivas e mais numa subjetividade conformada pela mídia e pela
publicidade. No seu interior a capacidade de simbolização, de transcender ao que
está dado, de relacionar-se com o possível não tem espaço para se expressar.
Walter BENJAMIN (1980) ao refletir sobre o papel da imprensa nos anos 30
já detectava as formas de trato das informações na cultura contemporânea,
especialmente pela substituição que processa ao transmutar as narrativas e os
acontecimentos vivenciados - na qualidade de experimentos históricos -, em
meras informações. E estas tem seu aparecimento público de forma
descontextualizada, retiradas de seus componentes de sentido e, principalmente,
rapidamente substituídas, pela necessidade que têm os meios de comunicação de
apresentar outra novidade para o consumo público.
Este caráter do efêmero presente no conjunto das relações
contemporâneas, vai comportar igualmente que os acontecimentos,
independentemente de seu grau de importância humana, sejam tratados como
coisas rapidamente descartáveis.
Necessário se torna nesse percurso plasmador, valorar no plano dos
indivíduos, a presença de uma forma de ser sujeito: um sujeito auto-centrado e
auto-referenciado, extremamente subordinado à mídia.
Nesse quadro, o consumo passa a ser um componente determinante,
menos na sua realização efetiva e mais nas referências simbólicas que conforma,
e no imaginário que põe a circular referentes a certos valores e condutas,
realizáveis essencialmente no plano do indivíduo, de um indivíduo cada vez mais
apartado dos significados de suas ações.
O consumo exerce uma particular subordinação do sujeito à dimensão dos
valores de troca no âmbito das mercadorias, impregnando seus interesses
pessoais e mergulhando-o na dimensão das realizações de curto prazo,
componentes estes estruturantes de seu processo de subjetivação.
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Neste contexto, os desejos que vão movimentar os sujeitos serão
marcados, como destaca Joel BIRMAN (1999) por uma direção exibicionista e
auto-centrada, que não vai comportar a presença de trocas inter-humanas.
Segundo Christopher LASCH (1983) a cultura do narcisismo não só delimita
no próprio sujeito a sua referência para o que está fora dele, mas tal auto -
centramento impede-o de visualizar os outros, na qualidade de outros sujeitos. O
registro no qual se vê, a imagem que tem de si mesmo apenas permite que o
outro lhe apareça na qualidade de instrumento de uso e prazer - também com a
marca da fugacidade - situação banalizada no âmbito das relações sociais
informadas pelo usufruto mercantil. Determinante é o esvaziamento de um
imaginário fertilizado por projetos a serem perseguidos e construídos, que
ultrapassem o plano dessa imediaticidade.
Dessa feita, pulveriza-se a solidariedade social visto que os interesses
pessoais e o prazer imediato se impõem, frente a projetos de longo prazo que
reponham o futuro na qualidade de possibilidade histórica. Até porque não se
coloca no horizonte dos narcísicos assumir algum tipo de vinculação e
compromisso no âmbito do social. Lasch vai afirmar que
"Viver para o momento é a paixão predominante - viver para si, não para
os que virão a seguir, ou para a posteridade. Estamos rapidamente
perdendo o sentido de continuidade histórica, o senso de pertencermos a
uma sucessão de gerações que se originaram no passado e que se
prolongarão no futuro. É o enfraquecimento do sentido de tempo
histórico(...)(1983:25)
Ancorando-se no pensamento de Lasch, Jurandir Freire COSTA(1984)
afirma que no universo social do narcísico, as condutas individuais tendem à
desintegração da sociabilidade: inexiste sentimento de responsabilidade com o
que está em torno, e as subjetividades produzidas no caldo desta cultura tendem
para a perda de referenciais sociais.
Ora, os relatos de algumas mães e esposas dos desaparecidos políticos,
suas movimentações em busca de seus filhos/esposos, caracterizam do nosso
ponto de vista, não só uma subtração a estes referenciais, num processo de
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nítida diferenciação dos perseguidores, torturadores e sujeitos responsáveis pela
violência Estatal; seus relatos de seus sentimentos e experiências de luta e
resistência, apontam para a instauração de uma particular ruptura, conformando
um outro lugar na ordem de suas subjetividades. Sobretudo estabelecem na
particularidade do próprio tempo presente, os nexos essenciais com o passado.
Esta subjetividade, portanto, que estamos a considerar é produzida a partir
da objetividade do mundo, se conformando no plano das relações sociais, não se
circunscrevendo ao plano da individualidade e da interioridade.
Ela se constrói a partir do mundo real, de seus componentes valorativos e
materiais em contínua circulação, com capacidade de produzir interpelações nos
sujeitos. As elaborações singulares daí decorrentes conformam um certo desenho
pessoal, fruto das identificações e/ou das diferenciações por ele determinadas
frente ao Outro (sujeitos, classe, projeto humano).
Ao resistirem frente aos desaparecimentos de seus familiares, as mães se
posicionam não só ao modelo político de dominação, mas ao assujeitamento e
passivização que se intenta produzir nos sujeitos.
A retomada da referência coletiva, no caso o Grupo Tortura -Nunca-Mais,
não só repõe com outra qualidade a importância dos campos coletivos para os
sujeitos individuais, assim como potencializa as capacidades já presentes de luta
e resistência política. Igualmente, revaloriza esse lugar como o lugar da
solidariedade humana, gestor de outros afetos, negador da produção de
subjetividades formadas na indiferença à dor do outro.
Estas negociações de sentido que os sujeitos podem refazer ao longo de
suas existênc ias, se apresentam no horizonte de suas histórias de vida na medida
em que, se afirme e se garanta visibilidade a uma expressão da vida humana que
o ordenamento hegemônico busca aprisionar, a dimensão do possível dialético, do
porvir.
Nesse itinerário, o não conformismo com o estabelecido e a ruptura com a
forma naturalizada de visualização dos acontecimentos, condição é para a não
eternização do presente. A supor a importância dos sujeitos serem provocados por
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situações que os instiguem ao exercício de pensar, contestar e de construir
alternativas com outros sujeitos.
Nesse circuito que supõe estrutura social, conjunturas históricas, relações
sociais e sujeitos, nessa tensão entre produção e reprodução da vida social,
destaco três registros pertinentes à perspectiva continuamente instituinte de
efetiva democratização da vida social, frente à racionalidade que nos conforma: a
importância das referências coletivas, a dimensão micro e sua presença nos
processos de subjetivação e, finalmente, a articulação entre estes dois níveis,
em condições históricas dadas, com o intuito de negar a perspectiva de
imediaticidade que organiza a vida social.
Em Seminário organizado na Universidade das Mães da Praça de Maio, na
Argentina, creio que se intenta a materialização deste estabelecimento de nexos
entre o passado e o presente, encarnados nas conjunturas neoliberais dos países
da América Latina. Reproduzimos algumas de suas considerações, pertinentes às
reflexões em curso, de alguma forma demarcando uma certa agenda de
posicionamentos possíveis:
- «A presença da globalização na perspectiva do mercado. Esta perspectiva
fortalece em verdade, a globalização da exploração e a fragmentação dos sujeitos,
em especial, o dos sujeitos coletivos.
- Investe-se assim, na deterioração das identidades coletivas, caminho necessário à
deterioração da solidariedade, da resistência, das ações comuns.
- Busca-se a liquidação das conquistas sociais dos trabalhadores neste último
século;
- Transmuda-se os desejos por mudança sociais, igualdade, justiça para os limites
do consumo individual;»
A efetivação desse processo de reciclagem do capital via globalização vai
implicar, igualmente, do ponto de vista das classes subalternas, na sua
descartabilidade.
Esta cultura da dominação assentada numa base material, produz,
concomitantemente valores. Valores que circulam e conformam sociabilidades
que vão marcar os sujeitos. Entre alguns destes valores podemos destacar a
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cultura da impunidade, a alienação, o consumo, a ausência de referências
substantivas e a égide ao individualismo...
Finalizando, apenas sinalizaríamos dois aspectos relevantes nesse
processo de pesquisa e reflexão. O primeiro se refere às mudanças efetivas
operadas nas subjetividades dessa mulheres- mães, seja no trato que
conseguiram dar à sua dor, nas formas de reinvenção que foram obrigadas a
fazer da própria estrutura familiar e de suas relações afetivas, seja na
modificações que o experimento do terror da violência estatal produziu nos seus
processos identitários, seja na descoberta para algumas, de outros espaços
existentes para além do seu mundo privado e aparentemente protegido da
família. O segundo diz respeito á necessidade de se afirmar a importância da
presença viva dos sujeitos na construção de seu tempo histórico, o que supõe,
igualmente, a recuperação da categoria transgressora do devir.
Entendemos que continua atual não só uma perspectiva anti-capitalista,
mas igualmente, a peremptória afirmação em torno da necessidade de um
projeto de emancipação humana, que, do nosso ponto de vista, na nossa
particular formação social inscrita numa sociedade capitalista, só advirá do
campo do trabalho. Estamos considerando que este tempo histórico que
estamos a viver, parafraseando Marilena Chauí, é o "de um presente grávido de
futuro."
Como Cornelius CASTORIADIS (!992) pensa-se que a história humana
nunca está finalizada. Esta consiste exatamente na criação de novas formas de
convivência humana e podemos afirmar, como ele, que não há um tipo de vida
social na qual a imaginação humana se amálgame definitivamente.
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