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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu – MESTRADO EM DIREITO WILSON CARLOS DE CAMPOS FILHO A REPERCUSSÃO JURÍDICA, SOCIAL E ECONÔMICA DA TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS PAGOS POR PESSOA JURÍDICA NO BRASIL CURITIBA 2012

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu – MESTRADO EM DIREITO

WILSON CARLOS DE CAMPOS FILHO

A REPERCUSSÃO JURÍDICA, SOCIAL E ECONÔMICA DA TRIBU TAÇÃO DOS

LUCROS E DIVIDENDOS PAGOS POR PESSOA JURÍDICA NO BRASIL

CURITIBA 2012

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WILSON CARLOS DE CAMPOS FILHO

A REPERCUSSÃO JURÍDICA, SOCIAL E ECONÔMICA DA TRIBU TAÇÃO DOS

LUCROS E DIVIDENDOS PAGOS POR PESSOA JURÍDICA NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestra-do em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor José Roberto Vieira

CURITIBA 2012

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Presidente: _________________________________ Professor Doutor José Roberto Vieira

________________________________________ Professor Doutor Roberto Quiroga Mosquera

_____________________________________ Professor Doutor Octávio Campos Fischer

Curitiba, 30 de agosto de 2012.

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À Deus, pela força e presença viva em todos os momentos da minha vida.

À minha mamãe Eva Alves de Campos (in memoriam), pelo amor incondicional demons-trado e vivido pelos seus filhos durante toda a sua vida; pelo exemplo de retidão e bondade enquanto ser humano e pelo sonho de um dos filhos, que não teve tempo de ver realizar.

À Mariana Haruê, filha amada, pela alegria e amor que transparece em todos os nossos mo-mentos.

À Nylce Maki, pelo incentivo e paciência com as minhas ausências do convívio familiar.

Às minhas irmãs Tatiana e Ana Paula, pelo amor que sempre nutriram pelo único irmão e pela torcida e grande incentivo para conseguir concluir esse mestrado.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Doutor José Roberto Vieira, pela paciência e sabedoria em compartilhar seus co-nhecimentos durante a elaboração desta disser-tação; pelas aulas ministradas e pelos vários momentos em que tivemos a oportunidade de discutir pontos de vista sobre o Direito Tributá-rio Empresarial; pelo tempo que lhe “furtei” do convívio familiar; ao mestre, com carinho e gratidão.

Ao professor Daniel Ferreira, que na difícil missão de coordenar o curso de mestrado, e na apenas aparente frieza, soube entender e ajudar no momento mais difícil da minha vida. Pro-fessor Daniel, jamais esquecerei as suas pala-vras ao telefone e a ajuda recebida.

Ao amigo Clélio Chiesa, pelas discussões que tivemos e trocas de ideias, que foram essenci-ais para o desenvolvimento deste trabalho.

Aos colegas de escritório, pelo incentivo e tor-cida para que este projeto fosse concluído. Em Especial aos amigos Marcos de Lacerda Aze-vedo e Mohamed Reni Alves Akre, pela ajuda na execução das tarefas que eram de minha responsabilidade, enquanto dedicava todo o meu tempo escrevendo esta dissertação.

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“O Milagre da Vida Pode ser que um dia deixemos de nos falar... Mas, enquanto houver amizade, Faremos as pazes de novo. Pode ser que um dia o tempo passe... Mas, se a amizade permanecer, Um do outro se há de lembrar. Pode ser que um dia nos afastemos... Mas, se formos amigos de verdade, A amizade nos reaproximará. Pode ser que um dia não mais existamos... Mas, se ainda sobrar amizade, Nasceremos de novo, um para o outro. Pode ser que um dia tudo acabe... Mas, com a amizade construiremos tudo no-vamente, Cada vez de forma diferente. Sendo único e inesquecível cada momento, Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre. Há duas formas para viver a sua vida: Uma é acreditar que não existe milagre. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre”.

Albert Einstein

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar quais serão as repercussões normativa, social e eco-nômica da implantação da tributação, pelo Imposto sobre a Renda, dos lucros ou dividen-dos pagos por pessoas jurídicas aos seus sócios, mediante a tentativa de revogação, por par-te dos projetos de Lei números 3.007/2008, 3.091/2008 e 2.610/2011, da isenção concedida por prazo indeterminado pela Lei n° 9.249/1995. Aplicando-se a teoria dos sistemas; de-monstrando o contato existente entre as ciências jurídica, social e econômica; associando-se à investigação a teoria da norma jurídica e o exame da regra-matriz de incidência do Impos-to sobre a Renda, verifica-se que não existe óbice à revogação, no plano normativo, da isenção mencionada; entretanto, tal medida encontra limites nos princípios da Legalidade e da Anterioridade. Ademais, o estudo da responsabilidade tributária permitiu visualizar que a norma de retenção na fonte não tem natureza jurídica de norma de responsabilidade ou substituição tributárias, sendo mero dever instrumental ou formal, de forma que eventual descumprimento de tal dever, apenas poderá ensejar a aplicação de sanção pecuniária, ja-mais o dever de pagar o tributo. Da mesma forma, a sistemática de retenção na fonte é in-compatível com o Imposto sobre a Renda, pois esse imposto incide sobre outra realidade, que não renda ou proventos de qualquer natureza. No campo da repercussão econômica e social dessa modalidade de tributação, verificou-se a existência de dupla tributação econô-mica, eis que o lucro tributado no âmbito da pessoa jurídica passará a sê-lo, também, no âmbito dos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, o que gerará um estimulo à informalidade, com redução de postos de trabalho e recolhimento de tributos pelo aumento do custo em-presarial e consequente repasse desse incremento de carga tributária no preço das mercado-rias ou serviços. A sociedade é que pagará o custo de uma impensada medida do Poder Le-gislativo.

PALAVRAS-CHAVE

Imposto sobre a renda. Tributação dos lucros. Impactos normativo, econômico e social.

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ABSTRACT

This paper aims to examine what are the normative, social and economic implications from taxation deployment, by income tax, of profits or dividends paid by corporations to their shareholders, by the attempt of revocation, through the Law drafts numbers 3.007/ 2008, 3.091/2008 and 2.610/2011, of the exemption indefinitely granted by Law number 9.249/1995. Applying the systems theory; showing the contact between the legal, social and economic sciences; joining in the investigation the theory of the law rule and the examina-tion of the matrix rule incidence of the income tax; it appears that there is no obstacle to the repeal, in legislative terms, of the exemption mentioned; however, this measure is limited by the principles of Legality and Anteriority. Furthermore, the study of the tax liability al-lowed visualization that the standard withholding tax has no legal nature of liability or re-placement tax standard, being merely instrumental or formal duty, so that any breach of this duty, can only give rise to the application of penalty, never the duty to pay tax. Likewise, the withholding tax systematics is incompatible with the income tax because this tax reach-es another reality, not income or earnings of any nature. In the field of economic and social repercussions of this type of taxation, it was found that there is double economic taxation, because the profit taxed as income of the corporate entity will be also taxed as income of the shareholders, individuals or entities, thereby generating a stimulus to informality, reduc-ing jobs and tax collection by increasing the cost of business and consequent transfer of tax burden increase in the price of the goods or services. Society will pay the cost of an impru-dent Legislature measure.

Keywords: Income Tax. Taxation of Profits. Normative, Economic and Social Impacts.

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RESUMO

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ............................................ Erro! Indicador não definido. 1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA ................................................. Erro! Indicador não definido.

1.1.1 A tributação dos lucros e dividendos e os projetos de Lei números 3.007/2008, 3.091/2008 e 2.610/2011 .......................................................... Erro! Indicador não definido.

1.2 INTRODUÇÃO ..................................................................... Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO ....................... Erro! Indicador não definido. 2.1. AS FONTES DO DIREITO, A TEORIA DO SISTEMA JURÍDICO E A TEORIA DA NORMA JURÍDICA ................................................................... Erro! Indicador não definido.

2.1.1 Nota Introdutória ............................................................. Erro! Indicador não definido. 2.2 AS FONTES DO DIREITO ................................................... Erro! Indicador não definido. 2.3 A TEORIA DOS SISTEMAS DE NIKLAS LUHMANN ....... Erro! Indicador não definido. 2.4 A TEORIA DA NORMA JURÍDICA..................................... Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO 3 – A REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOST O SOBRE A RENDA ..................................................................................... Erro! Indicador não definido.

3.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS .................................................. Erro! Indicador não definido. 3.2 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA Erro! Indicador não definido.

3.2.1 Nota Introdutória ............................................................. Erro! Indicador não definido. 3.2.2 A Regra-Matriz de Incidência Tributária ......................... Erro! Indicador não definido. 3.2.3 A Regra-Matriz de Incidência do Imposto sobre a Renda . Erro! Indicador não definido. 3.2.3.1 Nota Introdutória ....................................................... Erro! Indicador não definido. 3.2.3.2 O Antecedente Normativo ......................................... Erro! Indicador não definido. 3.2.3.2.1 O critério material .................................................. Erro! Indicador não definido. 3.2.3.2.2 O critério temporal ................................................. Erro! Indicador não definido. 3.2.3.2.3 O critério espacial ................................................... Erro! Indicador não definido. 3.2.3.3 O Consequente Normativo ........................................... Erro! Indicador não definido. 3.2.3.3.1 O Critério Pessoal ................................................... Erro! Indicador não definido. 3.2.3.3.2 O Critério Quantitativo: A Base de Cálculo ............ Erro! Indicador não definido. 3.2.3.3.3 O Critério Quantitativo: A Alíquota ........................ Erro! Indicador não definido.

3.3 SÍNTESE DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA .................................................................................................... Erro! Indicador não definido.

3.3.1 Principais Sistemáticas de Apuração da Renda do IRPJ ... Erro! Indicador não definido. 3.3.2 A Regra-Matriz do IRPJ na modalidade do “lucro real” ... Erro! Indicador não definido. 3.3.3 A Regra-Matriz do IRPJ na modalidade do “lucro presumido” ....... Erro! Indicador não definido. 3.3.4 A regra-matriz do IRPF ................................................... Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO 4 – A SISTEMÁTICA DE RETENÇÃO NA FONTE DO IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA ..... Erro! Indicador não definido.

4.1 NOTA INTRODUTÓRIA ...................................................... Erro! Indicador não definido. 4.2 APONTAMENTOS SOBRE A FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA DA NORMA JURÍDICA ................................................................................... Erro! Indicador não definido. 4.3 A COMPETÊNCIA E A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIAS; OS DEVERES INSTRUMENTAIS OU FORMAIS E A RETENÇÃO NA FONTE ............ Erro! Indicador não definido.

4.3.1 Nota Introdutória ............................................................. Erro! Indicador não definido. 4.3.2 A Competência Tributária ............................................... Erro! Indicador não definido.

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4.3.3 A responsabilidade e a substituição tributárias: relação jurídico-tributária ou mero dever instrumental ? .......................................................................... Erro! Indicador não definido. 4.3.4 Os deveres instrumentais ou formais ............................... Erro! Indicador não definido. 4.3.5 A sistemática da retenção na Fonte do IR. A retenção na “novel” modalidade de tributação................................................................................. Erro! Indicador não definido. 4.3.5.1 Nota Introdutória ....................................................... Erro! Indicador não definido. 4.3.5.2 A natureza jurídica da sistemática da retenção na Fonte do IR... Erro! Indicador não definido. 4.3.5.3 A retenção na Fonte da nova modalidade de tributação pelo IR. Há compatibilidade da retenção na Fonte com o IR ? .............................................. Erro! Indicador não definido.

4.4 A DISTINÇÃO ENTRE LUCROS, DIVIDENDOS E PRO LABORE. .. Erro! Indicador não definido.

4.4.1 Nota Introdutória ............................................................. Erro! Indicador não definido. 4.4.2 Os lucros e os dividendos ................................................ Erro! Indicador não definido. 4.4.3 O “pro labore”................................................................. Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO 5 – OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁR IOS APLICÁVEIS AO IMPOSTO SOBRE A RENDA E A REVOGAÇÃO D A ISENÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS ............. Erro! Indicador não definido.

5.1 NOTA INTRODUTÓRIA ...................................................... Erro! Indicador não definido. 5.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS APLICÁVEIS AO IR Erro! Indicador não definido.

5.2.1 Introdução ....................................................................... Erro! Indicador não definido. 5.2.2 Princípio da Capacidade Contributiva .............................. Erro! Indicador não definido. 5.2.3 Princípio do Mínimo Existencial ..................................... Erro! Indicador não definido. 5.2.4 Princípios da Generalidade e da Universalidade ............... Erro! Indicador não definido. 5.2.5 Princípio da Progressividade ........................................... Erro! Indicador não definido.

5.3 A NORMA JURÍDICA DE ISENÇÃO E A LIMITAÇÃO À SUA REVOGAÇÃO ....... Erro! Indicador não definido.

5.3.1 A norma jurídica de isenção ............................................ Erro! Indicador não definido. 5.3.2 A alíquota zero e a isenção “parcial” ............................... Erro! Indicador não definido. 5.3.3 Os limites à revogação da isenção ................................... Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO 6 – A REPERCUSSÃO JURÍDICA, SOCIAL E ECONÔ MICA E AS CONSEQUÊNCIAS DA TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS PAGOS POR PESSOAS JURÍDICAS .................................................. Erro! Indicador não definido.

6.1 NOTA INTRODUTÓRIA ...................................................... Erro! Indicador não definido. 6.2 A ANÁLISE NORMATIVA DA TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS PAGOS OU CREDITADOS POR PESSOA JURÍDICA ........................... Erro! Indicador não definido.

6.2.1 Nota Introdutória ............................................................. Erro! Indicador não definido. 6.2.2 A tributação dos lucros da pessoa jurídica pelo IRPJ e pela CSLL .. Erro! Indicador não definido. 6.2.3 A existência, ou não, de dupla tributação jurídico por ser tributada, a Pessoa Jurídica, pelo IRPJ e pela CSLL ............................................................. Erro! Indicador não definido.

6.3. REPERCUSSÃO ECONÔMICA E SOCIAL DA TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS PAGOS OU CREDITADOS POR PESSOA JURÍDICA .... Erro! Indicador não definido.

6.3.1 Notas introdutórias .......................................................... Erro! Indicador não definido. 6.3.2 A dupla tributação econômica do lucro empresarial ......... Erro! Indicador não definido. 6.3.3 A repercussão econômica e social da dupla tributação do lucro empresarial ............ Erro! Indicador não definido.

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6.3.4 Casos práticos: As Sociedades Simples e por Quotas de Responsabilidade Limitada ................................................................................................ Erro! Indicador não definido. 6.3.4.1 As Sociedades Simples .............................................. Erro! Indicador não definido. 6.3.4.2 A Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada ............ Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO 7 – PONDERAÇÕES CONCLUSIVAS ........... Erro! Indicador não definido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................... Erro! Indicador não definido.

ABREVIATURAS UTILIZADAS

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

AgR – Agravo Regimental

ARE – Agravo no Recurso Extraordinário

Art. – Artigo

c/c – Combinado com

CF – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

Coord. – Coordenador

CTN – Código Tributário Nacional

DARF – Documento de Arrecadação de Receitas Federais

DCTF – Declaração de Contribuições e Tributos Federais

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

DIRF – Declaração de Imposto sobre a Renda Retida Na Fonte

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DJ – Diário da Justiça

DJe – Diário da Justiça eletrônico

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal

IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados

i. é., – Isto é

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor

IR – Imposto sobre a Renda

IRPF – Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Física

IRPJ – Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Jurídica

ITBI – Imposto Incidente sobre a Transmissão Causa “Mortis” e Doação, de Quaisquer Bens ou Direitos

ITR – Imposto Territorial Rural

LC – Lei Complementar

NP – Norma Punitiva de Aplicação de Multa por Descumprimento de Dever Instrumental

NPFI – Norma Punitiva Decorrente de Fato Ilícito, Consubstanciando no Descumprimento do Dever de Reter e Repassar o Imposto sobre a Renda Retido na Fonte

NRS – Norma de Retenção pela Substituição

NRT – Norma de Responsabilidade Tributária

NSP – Norma de Substituição Tributária Parcial

NST – Norma de Substituição Tributária

op. cit., – Opere citato

PIS – Contribuição para os Programas de INTEGRAÇÃO SOCIAL

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PL – Projeto de lei

RE – Recurso Extraordinário

RESP – Recurso Especial

RIR/99 – Regulamento do imposto sobre a renda de 1999

SAs – Sociedades Anônimas

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

1.1.1 A tributação dos lucros e dividendos e os projetos de Lei números 3.007/2008,

3.091/2008 e 2.610/2011

O setor empresarial, considerada a gama de atividades de possível atuação, desen-

volve importantes funções na sociedade, pois, além de realçar o valor da função social da

empresa no desenvolvimento de qualquer sociedade com a geração de emprego, de renda,

de desenvolvimento econômico e de alimentação da estrutura pública mediante o pagamen-

to de tributos, ainda exerce a importante função de gerar lucro.

Não se pode olvidar, outrossim, que a necessária geração de lucro, além de repre-

sentar destacado papel no desenvolvimento social e econômico do país, já que a maior parte

dessa mais-valia gerada é reempregada na própria atividade empresarial, ainda representa a

contrapartida para o empresário, que, em verdade, é aquele que promove o investimento –

tanto inicial, quanto ao longo da vida empresarial – e assume o risco do desenvolvimento

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da atividade econômica, sendo natural a sua busca, e o seu direito, pelo retorno do investi-

mento.

Nesse sentir, tem o empresário, assim considerado enquanto pessoa física, o retor-

no do seu investimento, mediante a distribuição de lucros ou o pagamento de dividendos

realizados pela pessoa jurídica, cujos percentuais são definidos pelo contrato social ou, se

for o caso, por assembleia dos sócios.

A importância dessa informação, no momento, é demonstrar que, pela atual siste-

mática da tributação do Imposto sobre a Renda, os lucros ou dividendos pagos ou credita-

dos pelas pessoas jurídicas aos seus sócios ou acionistas estão isentos do pagamento do Im-

posto sobre a Renda, nos termos do artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.1-

2 Em outras palavras, os sócios estão isentos de recolher o Imposto sobre a Renda em rela-

ção aos valores recebidos a título de distribuição de lucros ou pagamento de dividendos rea-

lizados pela pessoa jurídica.

Não obstante isso, em período anterior à publicação da Lei nº 9.249/95, os lucros

ou dividendos pagos ou creditados por pessoas jurídicas aos seus sócios, pessoas físicas ou

jurídicas, eram tributados à alíquota de 15% (quinze por cento), mediante desconto exclusi-

vo na Fonte; ou seja, de fato, o artigo 10 da lei federal ora citada concedeu isenção por pra-

zo indeterminado, ao retirar da base de cálculo do Imposto sobre a Renda, os lucros ou di-

videndos que lhes foram pagos por pessoa jurídica, e do critério material, parte dos rendi-

mentos tributáveis, composto, no caso, pelos lucros ou dividendos recebidos.

Justamente em razão dessa concessão é que, em verdade, possibilitou-se maior jus-

tiça tributária aos empreendedores, que tinham, na distribuição de lucros ou pagamento de 1 Pela palavra “lucro”, refere-se, a legislação, à distribuição de valores realizadas pela pessoa jurídica, em

benefício dos sócios. 2 Lei nº 9.249/95: “Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir

do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro re-al, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integra-rão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Parágrafo único. No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por in-corporação de lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista”.

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dividendos, uma das suas fontes de renda; havendo, em termos econômicos, uma desonera-

ção tributária, pois esses valores recebidos por sócios ou acionistas, pagos por pessoas jurí-

dicas, deixaram de ser tributados.

Apesar disso, tal medida de desoneração jamais convenceu a Administração Públi-

ca, que vem buscando meios para inserir, novamente, os valores de lucros e dividendos re-

cebidos por pessoas físicas ou jurídicas, e pagos por pessoas jurídicas, como base de cálcu-

lo do Imposto sobre a Renda devido pelas primeiras, ou seja, em termos práticos, buscando

mecanismo para revogar a isenção concedida.

Nesse sentido, como medida prática tendente à reimplantação dessa faixa de tribu-

tação pelo Imposto sobre a Renda, tramitam, perante a Câmara dos Deputados os Projetos

de Lei números 3.007/2008, 3.091/2008 e 2.610/2011, que têm por objetivo revogar a isen-

ção por prazo indeterminado concedida pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/953; de forma que os

lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoa jurídica aos seus sócios ou acionistas

passem a integrar a base de cálculo do Imposto sobre a Renda.

Além disso, pela nova sistemática de tributação que pretende adotar a União,

quando os beneficiários do pagamento dos dividendos ou da distribuição de lucros forem

domiciliados no exterior, estarão sujeitos à sistemática de retenção na Fonte do Imposto so-

bre a Renda, à alíquota de 15% (quinze por cento), por parte da pessoa jurídica que efetuar

o pagamento do dividendo ou a distribuição dos lucros.

1.2 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo examinar os impactos normativos, sociais e

econômicos que a instituição da tributação, pelo Imposto sobre a Renda, dos lucros ou divi-

dendos pagos por pessoas jurídicas aos seus sócios ou acionistas poderá causar. Isso porque

3 A tramitação dos referidos Projetos de Lei pode ser acompanhada junto à “home page” da Câmara dos

Deputados: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=386673

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tramitam, perante a Câmara dos Deputados, os projetos de lei números 3.007/2008,

3.091/2008 e 2.610/2011, que pretendem revogar a isenção por prazo indeterminado, con-

cedida pela Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995, restabelecendo, pois, a incidência

daquele imposto, à alíquota de 15%, com sistema de arrecadação mediante retenção na

Fonte por parte da Fonte pagadora.

A atenção, portanto, nas linhas que seguem, estará voltada para o exame dessa nova

modalidade de tributação que se pretende implantar no Brasil e, notadamente, se o sistema

jurídico pátrio consente nesse aumento de carga tributária. Contudo, a apreciação dessa no-

va tributação não poderá ficar adstrita ao plano jurídico-normativo, eis que essa nova forma

de onerar a atividade empresarial irá repercutir, também, nos planos econômico e social.

Para desvendar os problemas propostos, no capítulo dois, buscar-se-á fundamentos da

Teoria Geral do Direito, aplicando-se as teorias das fontes do direito, dos sistemas e das

normas jurídicas, no estudo que se realizará, preparando, pois, o caminho para o estudo, no

capítulo três, da estrutura normativa da regra-matriz do Imposto sobre a Renda, que possi-

bilitará, mais adiante, examinar se é viável, ou não, a revogação da isenção desse Imposto

para os lucros ou dividendos pagos por pessoas jurídicas aos seus sócios ou acionistas e, em

caso positivo, quais os limites dessa revogação.

Em razão da “novel” modalidade de tributação a ser implantada prever que a sis-

temática de arrecadação se dará por retenção na fonte, por parte da fonte pagadora, no capí-

tulo quatro, estudar-se-á o instituto da responsabilidade e da substituição tributárias, com

vistas a demonstrar se a sistemática de retenção na Fonte assume a natureza jurídica de um

desses dois institutos, ou, ao contrário, se o caso é de mero dever instrumental ou formal

imposto pela legislação.

A importância dessa distinção reside no fato de que, em se tratando de responsabili-

dade ou substituição tributárias, poderá o retentor, em caso de descumprimento normativo,

ser obrigado a assumir o ônus do pagamento do tributo, enquanto que, em se tratando de

mero dever instrumental ou formal, não poderá o retentor ser responsabilizado pelo paga-

mento da obrigação tributária, mas tão somente, em razão do ato ilícito cometido, ser-lhe

imposta multa por descumprimento de uma obrigação de fazer.

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Será objeto de exame, dessarte, a compatibilidade da sistemática de retenção na Fonte

com o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, inclusive sob o viés do

conceito constitucional de renda. Entretanto, não seria possível tratar de tão complexo te-

ma, como é o caso da responsabilidade e da substituição tributárias, bem como da retenção

na Fonte, sem antes examinar a teoria da incidência da norma jurídica e a competência tri-

butária.

A resolução do problema proposto demanda, também, que se faça a necessária distin-

ção entre lucros, dividendos e “pro labore” , isso porque o primeiro instituto, quando dis-

tribuído aos sócios, e os dividendos, são o alvo da incidência do Imposto sobre a Renda que

se pretende implantar, enquanto que o “pro labore” , embora seja uma forma de remunera-

ção dos sócios, possui natureza jurídica distinta da dos dois anteriores.

Não se pode, entretanto, promover um estudo científico envolvendo o Imposto sobre

a Renda sem, também, promover o exame dos princípios específicos aplicáveis a esse im-

posto, daí a necessidade, no capítulo cinco, de estudar os princípios da Capacidade Contri-

butiva, do Mínimo Existencial, da Generalidade e da Universalidade e da Progressividade.

Levadas a termo as análises até aqui enunciadas, já se terá fundamentos suficientes

para examinar a norma jurídica de isenção tributária e, por necessário, os limites para a sua

revogação, considerando, pois, o caso específico da isenção do Imposto sobre a Renda a in-

cidir sobre os lucros ou dividendos pagos aos sócios ou acionistas de pessoas jurídicas, na

forma do artigo 10 da Lei n° 9.249/95. Ainda como objeto de estudo acerca das isenções,

examinar-se-á, também, as chamadas alíquota zero e isenção parcial.

Não obstante a análise jurídico-normativa que será empreendida, não será ela, entre-

tanto, suficiente para demonstrar a existência ou não de impactos econômicos ou sociais,

sendo essa a razão de se investigar, no capítulo seis, as repercussões e consequências que

esse aumento de carga tributária irá causar no Brasil.

É nesse sexto capítulo que se buscará analisar, do ponto de vista normativo, se é ou

não possível a revogação de isenção por prazo indeterminado, como é a vigente atualmente

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e, em caso positivo, quais serão os impactos econômicos e sociais que essa nova incidência

tributária irá fomentar.

Entretanto, não se mostraria viável tal análise sem a demonstração dos tributos que

incidem sobre o lucro empresarial, sendo imperioso demonstrar que o lucro compõe o con-

ceito constitucional de renda para efeito de incidência do Imposto sobre a Renda da pessoa

jurídica e, ainda, que esta, a pessoa jurídica, está submetida também à incidência da Contri-

buição Social sobre o Lucro Líquido.

Com isso, será possível a demonstração de que, do ponto de vista econômico, haverá

uma dupla tributação do lucro empresarial pelo Imposto sobre a Renda, sendo uma vez na

esfera de disponibilidade da pessoa jurídica e outra na do sócio ou acionista, isso porque o

lucro não tem descaracterizada sua natureza jurídica pelo fato de ser distribuído ou objeto

de pagamento de dividendos.

Ademais, buscar-se-á examinar se existem outros óbices a essa nova incidência tribu-

tária, como por exemplo, violação ao Princípio Constitucional da Livre Iniciativa; aumento

do custo empresarial e consequente repasse desse ônus ao preço da mercadoria ou serviço,

que implica a transmissão desse impacto econômico para a sociedade; estímulo ao pequeno

e médio empresário para permanecer na informalidade, em razão de não ser vantajosa a

constituição de pessoa jurídica, ao se lhe agregar mais essa despesa, implicando, também,

violação à função social do lucro; violação ao Princípio da Função Social da Empresa, im-

plicando redução no recolhimento de tributos e não de carga tributária; diminuição da ofer-

ta de emprego e renda e estagnação do desenvolvimento econômico e social do país.

A tarefa é árdua, mas possível, esperando-se que, ao final, este trabalho possa ser

mais uma contribuição da comunidade científica para o desenvolvimento do Brasil, que não

pode ser buscado a qualquer custo, especialmente do empresariado, que é uma das mais

importantes forças produtivas desse país.

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CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. AS FONTES DO DIREITO, A TEORIA DO SISTEMA JURÍDICO E A TEORIA DA

NORMA JURÍDICA

2.1.1 Nota Introdutória

Como caminho necessário para compreender a sistemática de tributação dos lucros

e dividendos pagos ou creditados por pessoa jurídica aos seus sócios ou acionistas e, indo

além, para possibilitar a análise normativa e a repercussão, do ponto de vista social e eco-

nômico, que esse implemento de carga tributaria poderá ocasionar, notadamente em razão

da aplicação dos Princípios constitucionais que informam o sistema tributário nacional e,

especificamente, que informam o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Nature-

za, desde que todas as medidas tendentes a criar ou majorar tributos devem estar de acordo

com os respectivos ditames constitucionais, deve-se, ainda que de forma sucinta e sem

qualquer pretensão de esgotar o tema, analisar as fontes do direito, a teoria dos sistemas de

NIKLAS LUHMANN e a teoria da norma jurídica.

2.2 AS FONTES DO DIREITO

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A doutrina tradicional, talvez por não emprestar a devida atenção a esse importan-

te instituto jurídico que são as fontes do direito, dedica-lhe poucas páginas e contenta-se em

descrevê-la como a origem primária do direito, fazendo uma associação com as fontes da

água, transparecendo a ideia de que se trata do nascedouro do direito, de onde promanam as

normas jurídicas4. É por essa razão que, se perguntado à maioria dos operadores do direito,

o que são fontes do direito, a maioria deles responderá tratar-se das leis, da doutrina, da ju-

risprudência e dos costumes.

Na seara do Direito Tributário, o problema não é diferente, pois, essa doutrina es-

pecializada, em sua maioria, afirma que a Lei é a fonte única do Direito Tributário, especi-

almente em função da aplicação quase que irrestrita do Princípio constitucional da Legali-

dade Estrita, que impõe sejam todas as medidas tendentes a criar ou majorar tributos reali-

zadas por intermédio de lei, entendida como conjunto de enunciados com conteúdo prescri-

tivo decorrentes do exercício da atividade do Poder Legislativo5.

Revela-se importante esclarecer, outrossim, que a expressão “fontes do direito”

não é dotada de univocidade semântica e, tendo em vista os limites deste trabalho, que não

se dirige ao estudo das “fontes do direito” como seu objetivo principal, deve-se ressaltar

que se está a considerá-las como se referindo ao sistema do direito positivo.

Não sendo, os signos “fontes” e “direito” unívocos, tratar-se-á de fontes do direito

em relação ao direito positivo, mesmo sendo ele passível de estudo por diversas áreas do

conhecimento, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, a História, a Ciência Polí-

tica e Econômica, entre outras, não sendo demasiado afirmar, todavia, que o nascedouro do

Direito será alterado de acordo com a ciência que o estuda6.

É por isso que TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM assevera:

4 A título de exemplo: LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES, Introdução ao Estudo do Direito, p. 71. 5 Art. 150 da CF/88. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;” 6 TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM, Fontes do Direito Tributário , p. 102.

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Apenas para exemplificar: o sociólogo não enxerga outra origem para o “direito” que não a própria sociedade, ou melhor, o fato social, entre eles o costume. Para a história, o “direito” não é senão fruto de conquistas ao longo do tempo. Assim, diz-se que são produtos históricos a democracia, a liberdade, a igualdade, etc. Por sua vez, a psicologia vislumbra na mente humana a força motriz para a criação do “direito”, é campo fértil às suas investigações os motivos psicológicos que leva-ram o legislador a produzir uma lei (reduzir a criminalidade, diminuir a sonega-ção, amenizar os delitos de trânsito, etc.), ou um juiz proferir uma sentença “x”, em virtude de tal ou qual doutrinador, citado em uma petição, tê-lo influenciado. Do ponto de vista político, perguntar-se-ia qual fonte deveria ter determinando ordenamento ou que fonte seria a mais conveniente (sic).7

Embora o tema das fontes do direito não seja o objetivo principal deste trabalho,

dado o seu objeto de investigação, valendo-se de uma concepção diferente daquela comu-

mente descrita pela doutrina acerca da análise desse instituto – fugindo, outrossim, daquilo

que ALFREDO AUGUSTO BECKER chamava de “...sistema dos fundamentos óbvios..”8;

buscar-se-á demonstrar uma concepção diferente, embora não inédita, de enxergar tal fe-

nômeno jurídico, onde fontes do direito são os focos ejetores de normas jurídicas, enquanto

processos de enunciação9.

Importante destacar, dessarte, o pressuposto de que a “enunciação” é o processo de

produção de norma jurídica, ou seja, a atividade produtora de “enunciados” prescritivos,

sendo que o enunciado é estudado neste trabalho como sendo o produto da enunciação, ou

seja, o resultado do processo de produção de norma jurídica realizado pela autoridade com-

petente e segundo o procedimento adequado e previsto pelo sistema10. Nesse sentido, é a

enunciação a fonte do direito, e não o enunciado dela decorrente.

Assevera PAULO DE BARROS CARVALHO:

7 Ibidem, p. 105. 8 Teoria Geral do Direito Tributário , p. 11. 9 LOURIVAL VILANOVA, Causalidade e Relação no Direito, p. 56. Pode-se destacar, quanto ao não

ineditismo, apenas a título de exemplo, o trabalho de PAULO DE BARROS CARVALHO, na obra Curso de Direito Tributário , p. 47-56.

10 Sustenta RICCARDO GUASTINI: “Diz-se ‘enunciado’ qualquer expressão linguística sob forma acaba-da. Considera-se que o enunciado não coincide (necessariamente) com o isolado artigo de lei, ou com o isolado parágrafo. Um artigo de lei ou um parágrafo seu pode muito bem ser constituído, como acontece frequentemente, por uma pluralidade de enunciados” – Das Fontes às Normas, p. 25.

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... por fontes do direito havemos de compreender os focos ejetores de regras jurí-dicas, isto é, os órgãos habilitados pelo sistema para produzirem normas, numa organização escalonada, bem como a própria atividade desenvolvida por esses en-tes, tendo em vista a criação de normas. Significa dizer, por outros torneios, que não basta a existência de órgão devidamente constituído, tornando-se necessária sua atividade segundo as regras previstas no ordenamento11.

Todavia, o mesmo PAULO DE BARROS CARVALHO adverte:

Tratar de fontes do direito deve levar o intérprete a refletir sobre o fato de que re-gra jurídica alguma ingressa no sistema do direito positivo sem que seja introdu-zida por outra norma, tratada pela doutrina como veículo introdutor de normas jurídicas. Isso nos autoriza a falar em “normas introduzidas” e “normas introdu-toras”. (...). Nos limites dessa proposta, fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, que juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzam no ordenamento outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas12.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar, na linha de investigação proposta por PAULO

DE BARROS CARVALHO, que o sistema do direito positivo é integrado por normas “in-

trodutoras” e “introduzidas”, enquanto que o conjunto de fatos aos quais a ordem jurídica

atribuiu teor de juridicidade, se tomados na qualidade de “enunciação” e não como “enun-

ciados”, estarão formando o território das fontes do direito posto. Valendo-se da distinção

proposta, mostra-se possível operar com as fontes do direito como algo diferente do direito

posto.

Diante dos pressupostos firmados, é possível sustentar que o estudo das fontes do

direito está voltado para os fatos enquanto enunciação, que fazem nascer regras jurídicas in-

trodutoras, de forma que tais eventos só assumem essa condição por estarem previstos em

outras normas jurídicas.

É por essa razão que LOURIVAL VILANOVA entende:

11 Curso..., op. cit., p. 47. 12 Ibidem, p. 48.

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As normas de organização (e de competência), e as normas do “processo legisla-tivo”, constitucionalmente postas, incidem em fatos e os fatos se tornam juríge-nos. O que denominamos “fontes do direito” são fatos jurídicos criadores de normas: fatos sobre os quais incidem hipóteses fácticas, dando em resultado nor-mas de certa hierarquia. Assim, as normas, potencialmente incidentes sobre a classe de fatos que delinearam, resultam de fatos que, por sua vez, são qualifica-dos como fatos jurídicos por outras normas do sistema.13

O direito nasce, portanto, dos fatos que desencadeiam o processo de produção de

normas jurídicas (enunciação), culminando com o produto legislado ou com os “enuncia-

dos” prescritivos, que, nessa concepção, nada mais são, senão veículos introdutores de

normas jurídicas, ou seja, normas de estrutura.

Em sendo assim, as alterações propostas pelos projetos de lei números 3.007/2008,

3.091/2008 e 2.610/2011 – sem incorrer em análise prematura de tema que será objeto de

exame adiante – somente poderão ser realizadas por alterações legislativas, criando-se no-

vas normas jurídicas, cujos enunciados prescritos serão inseridos no sistema de direito posi-

tivo brasileiro por intermédio das regras de estrutura, ou seja, por veículos introdutores de

normas jurídicas.

Mas é preciso ressaltar que, se o direito nasce dos fatos sociais, materializados em

enunciados prescritivos, tendo em vista o sistema jurídico do estado brasileiro, em tese, a

alteração legislativa proposta pelos projetos de lei números 3.007/2008, 3.091/2008 e

2.610/2011, se aprovadas, decorreriam da vontade da sociedade. Todavia, sabe-se que, do

ponto de vista pragmático essa afirmação não se confirma. Apesar disso, tendo em vista o

sistema democrático brasileiro e a representação parlamentar do povo, não se pode deixar

de ressaltar que o Congresso Nacional legisla para o povo e em nome do povo, daí a corre-

ção normativa da afirmação de que, se aprovados os projetos de leis citados, estar-se-á rea-

lizando a vontade da sociedade, enquanto produtora de fatos sociais.

Importantes são as palavras de RODRIGO SANTOS NEVES, que assevera:

13 Causalidade e Relação..., op. cit., p. 24.

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Como poderia o direito nascer de uma lei, ou de um julgado de um tribunal? O direito nasce do seio da sociedade, devido às necessidades desta e para supri-las. O direito não nasce da vontade do legislador – como afirmam os positivistas – nem do entendimento de um tribunal sobre uma determinada matéria (pois isto é apenas uma interpretação do direito).14

Logo, diante da perspectiva apresentada, as fontes do direito deixam de ser

analisadas como fontes formais – que, nas palavras de PAULO DE BARROS CAR-

VALHO, são as fórmulas que a ordem jurídica estipula para introduzir regras no siste-

ma – por serem elas veículos introdutores de normas jurídicas no sistema, e passam a

ser analisadas apenas sob a perspectiva de fontes materiais – que na visão do mesmo

autor, ocupam-se dos fatos da realidade social que, descritos hipoteticamente nos su-

postos normativos, têm o condão de produzir novas proposições prescritivas para inte-

grar o direito posto –, e que, se encaradas como atos de enunciação, são fontes de nor-

mas jurídicas15.

Arremata-se na mesma linha trilhada por TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM,

que analisou o pensamento de LOURIVAL VILANOVA:

Portanto, constatam-se duas espécies de fontes no pensamento de Lourival Vilanova: as normas de produção normativa, sobre-normas, ou ainda normas de estrutura [normas de produção normativa] como fontes formais que juridi-cizam o fato-procedimento e o fato-agente, fazendo-os lançar normas no sis-tema do direito positivo. Aos fatos jurídicos designa fontes materiais (sic).16

É por essa razão que doutrina e jurisprudência não podem ser consideradas

como fontes do direito, eis que não decorrem de fatos sociais, enquanto que as leis em

sentido amplo, assim entendidos os instrumentos primários e secundários introdutores

14 Função Normativa e Agências Reguladoras – Uma contribuição da Teoria dos Sistemas à Regulação

Jurídica da Economia, p. 39. 15 Curso..., op. cit., p. 52. 16 Fontes..., op. cit., p. 118.

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de normas jurídicas, são, nessa perspectiva, apenas veículos utilizados para inserir as

normas jurídicas no sistema posto. Os costumes também não são fontes do direito, por-

que a possibilidade, neles encontrada, de modificar a ordem jurídica, apenas se sustenta

porque tal possibilidade encontra previsão normativa.

Apresentada a teoria das fontes do direito, o próximo passo é o de ocupar-se da

teoria dos sistemas, nos termos apresentados por NIKLAS LUHMANN.

2.3 A TEORIA DOS SISTEMAS DE NIKLAS LUHMANN

Neste trabalho, considerando o objeto de investigação e a relação existente entre a

ciência jurídica e as ciências sociais e econômicas, e em que pesem opiniões em sentido

contrário, parte-se do pressuposto de que o direito é um sistema autopoiético, na esteira

do pensamento de NIKLAS LUHMANN, pois, enquanto sistema complexo possui as ca-

racterísticas de ser auto-regulável e auto-referenciável17. CRISTIANO CARVALHO pon-

dera que “os sistemas jurídicos modernos têm em si mesmos as regras de sua autoprodu-

ção, são, portanto, auto-referenciáveis” 18.

Esclarece NIKLAS LUHMANN:

Llegados a este punto – la diferenciación del derecho –, se pueden poner las car-tas sobre la mesa. La cuestión planteada se puede resolver si se logra describir el derecho como un sistema autopoiético y autodiferenciador. Este programa de teoría implica que el derecho mismo es quien produce todas las distinciones y descripciones que utiliza, y que la unidad del derecho no es más que el hecho de

17 Afirma NIKLAS LUHMANN: “Por ‘sistema’ no entendemos nosotros, como lo hacen muchos teóricos

del derecho, un entramado congruente de reglas, sino un entramado de operaciones fácticas que, como operaciones sociales, deben ser comunicaciones, independientemente de lo que estas comunicaciones afirmen respecto al derecho. Esto significa entonces que el punto de partida no lo buscamos en la norma ni en una tipología de los valores, sino en la distinción entre sistema y entorno” – El Derecho de la So-ciedad, p. 96. Deve-se ressaltar que para efeito deste trabalho, lança-se mão da dinâmica de NIKLAS LUHMANN com sua teoria dos sistemas, contudo, deixa-se de adotar a sua estrutura de sistema.

18 Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação, p. 130.

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su autoproducción: “autopoiesis”. De acuerdo con esto, la sociedad debe ser tratada como un entorno que posibilita y soporta eso.19

Por sua vez, CELSO FERNANDES CAMPILONGO ressalta:

Luhmann entende a observação e o conhecimento como construções de quem ob-serva. Assim, essas construções não guardam correspondência com a realidade externa. São baseadas em distinções. O ponto de partida é a distinção siste-ma/ambiente. Diversas outras distinções são construídas e conectadas à distinção inicial (por exemplo: operação/observação; real/possível; identidade/diferença). Um sistema caracteriza-se pela diferença com seu ambiente e pelas operações in-ternas de auto-reprodução de seus elementos. A sociedade é um grande sistema social que compreende, no seu interior, todas as formas de comunicação. A soci-edade não é composta por homens ou relações individuais, mas sim por comuni-cações. Os homens, enquanto sistemas psíquicos e orgânicos, são o ambiente ne-cessário e indispensável da sociedade. Os sistemas sociais das sociedades moder-nas são funcionalmente diferenciados em diversos sistemas parciais. São exem-plos de sistemas parciais os sistemas econômico, jurídico e político. Cada sistema parcial possui seu próprio código (esquema binário que caracteriza a comunica-ção do sistema), suas operações específicas de reprodução, ou seja, sua clausura operativa (ou fechamento operativo) e sua abertura ao ambiente. A questão então, é saber como aplicar todas essas referências conceituais na descrição dos sistemas político e jurídico.20

Os sistemas autopoiéticos são caracterizados, como destacou CAMPILONGO,

porque todos os elementos necessários às suas operações são produzidos internamente, no

próprio sistema, ou seja, o sistema auto-alimenta-se. A autopoiese, teoria desenvolvida pe-

los chilenos HUMBERTO MATURANA e FRANCISCO VARELLA, tomou como objeto

o ser vivo enquanto sistema ao mesmo tempo “fechado” em sua “organização interna”, e

“aberto” para as informações advindas do “ambiente”.

Fazendo uma síntese das propriedades de funcionamento do sistema autopoiético,

CRISTIANO CARVALHO adota a seguinte classificação:

19 El Derecho..., op. cit., p. 18. 20 Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial, p. 66.

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(i) é auto-regulável: significa que o sistema consegue manter o seu equilíbrio in-terno através da troca de informação com o ambiente. As respostas (“feedback”) do ambiente às mensagens que envia o fazem ajustar a sua ação futura;

(ii) é auto-gerativo: significa que o sistema produz seus próprios elementos;

(iii) é auto-referenciável: significa que o sistema tem em si mesmo as regras de sua auto-produção, i. é., o sistema fala sobre si mesmo (função metalinguística).21

Em verdade, o sistema autopoiético é “fechado sintaticamente” e “aberto semanti-

camente”, ou seja, é fechado operacionalmente, mas aberto cognitivamente, razão de ser

auto-regulável e auto-referenciável; mas, apesar de produzir os elementos necessários à sua

manutenção, há interação com o meio ambiente, que não o influencia diretamente, mas esse

contato faz com que a sua estrutura processe as informações e perturbações advindas do

ambiente, fazendo-o evoluir, pois “descrever um sistema como operativamente fechado não

significa dizer que, na totalidade de suas condições empíricas, esse sistema não mantenha

contato com o ambiente” 22.

Tratando da característica do sistema enquanto operacionalmente fechado,

NIKLAS LUHMANN esclarece:

Primero, pues, se hace necesario aclarar que es el lo que debe observarse (aun-que se pretenda investigar las interdependencias entre sistema y entorno). Por operativamente clausurados deben definirse los sistemas que, para la producción de sus propias operaciones, se remiten a la rede de sus propias operaciones y en este sentido se reproducen a sí mismos. Con una formulación un poco más libre se podría decir: el sistema debe presuponerse a sí mismo, para poner en marcha mediante operaciones suyas su propia reproducción en el tiempo; o con otras pa-labras: el sistema produce operaciones propias anticipando y recurriendo a ope-raciones propias y, de esta manera, determina qué es lo que pertenece al sistema y qué al entorno.23

21 Sistema, competência e princípios, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (coord.), Curso de Espe-

cialização em Direito Tributário – Estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 862.

22 Política..., op. cit., p. 67. 23 El Derecho..., op. cit., p. 99-100.

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Da mesma forma, a abertura semântica permite que o sistema autopoiético se co-

munique com outros subsistemas, que, apesar de serem fechados operacionalmente, são in-

terdependentes. O sistema autopoiético é formado por subsistemas que, não obstante fecha-

dos, intercomunicam-se, sendo essa característica que o torna vivo.

Esclarece, ainda, CELSO FERNANDES CAMPILONGO:

Segundo Luhmann, os problemas de abertura e fechamento do sistema não po-dem ser respondidos em termos causais ou a partir do esquema “input/output”. A clássica contraposição entre sistemas abertos e fechados perde sentido nesse con-texto. Fechamento operacional não é sinônimo de irrelevância do ambiente ou de isolamento causal. Por isso, paradoxalmente, o fechamento operativo de um sis-tema é condição para sua própria abertura.24

Essa conclusão de CAMPILONGO pode ser extraída das palavras do próprio LU-

HMANN:

Para responder a esto la antigua teoría de sistemas propuso la forma de los "sis-temas abiertos”. El punto de acometida de esta tesis fue que, debido a la ley de la entropía, los sistemas que están cerrados frente a su entorno, poco a poco, se irían identificando con él. Por consiguiente, se desvanecerían al perder energía, dado que están determinados por la irreversibilidad termodinámica del calor. En cambio, para la construcción de complejidad, para la producción y sostenimiento de la neguentropía, era necesario un continuo intercambio con el entorno – ya se tratara de energía como tal, o de información. Descrito esto de manera un poco más formal: los sistemas, abiertos, transforman inputs en outputs según la medi-da de una función de transformación, que posibilita una ganancia tanto en favor de la propia conservación como de la preservación del nivel alcanzado de com-plejidad mediante evolución.

La actual teoría de los sistemas clausurados en su operación no contradice este entendimiento. Aunque, en la conceptuación, esta nueva teoría pone el acento en otros lugares (por ejemplo en lo que se refiere a la información). Ya el modelo input/output había pensado que un sistema podía utilizar su output como input.

El desarrollo posterior internaliza este peralte del feedback y explica por qué es necesario. El avance de teoría consiste en la afirmación de que para que el sis-tema construya su propia complejidad es necesaria la clausura de operación – frecuentemente esto se formula como condición para extraer “orden del ruido”25.

24 Política..., op. cit., p. 67. 25 El Derecho..., op. cit., p. 97-98.

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Assim, o fato de o sistema ser operacionalmente fechado não leva à conclusão de

que não há contato com o ambiente. Ao contrário, o próprio LUHMANN esclarece que a

clausura operacional do sistema é necessária para que ele consiga construir sua própria

complexidade, autoalimentando-se e mantendo-se vivo perante o desenvolvimento da soci-

edade. Relembra-se a afirmação de CELSO FERNANDES CAMPILONGO, no sentido de

que “... paradoxalmente, o fechamento operativo de um sistema é condição para sua pró-

pria abertura”26.

É por isso que HUMBERTO MATURANA afirma que o sistema autopoiético, por

produzir a si próprio, de forma contínua, apresenta uma característica de “clausura organi-

zacional”, o que significa que o sistema é “autônomo” no sentido de processar as informa-

ções enviadas pelo ambiente, pois são as mensagens desse ambiente que irão estimular o

sistema autopoiético.

LUHMANN e GUNTHER TEUBNER afirmam categoricamente a autopoiese do

sistema jurídico, que é fechado operacionalmente (ou normativamente), mas aberto cogniti-

vamente, i. é., aberto às mensagens do ambiente, o que é condição para o processo auto-

poiético. A consequência da autopoiese para o domínio jurídico é a consagração da auto-

nomia sistêmica, em relação aos demais sistemas sociais27.

LUHMANN faz importante afirmação, ao ponderar:

Cuando estas exigencias se cumplen, el sistema del derecho se establece como un sistema autopoiético. El sistema jurídico constituye y reproduce unidades emer-gentes (incluyéndose a sí mismo) que no existirían sin la unidad de operación. De esta manera, el sistema logra una reducción de complejidad singularmente pro-pia, una operación selectiva frente a posibilidades inmensas que, aunque no se tomen en cuenta, no interrumpen la autopoiesis del sistema.28

26 Política..., op. cit., p. 67. 27 Apud CRISTIANO CARVALHO, Teoria do Sistema..., op. cit., p. 130. 28 El Derecho…, op. cit., p. 117.

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Qual a importância da autopoiese para o estudo do impacto normativo, com con-

sequências sociais e econômicas que se avizinham da tributação, pelo Imposto sobre a Ren-

da, dos lucros e dividendos pagos ou creditados por pessoa jurídica aos seus sócios, medi-

ante a aprovação dos projetos de lei números 3.007/2008, 3.091/2008 e 2.610/2011? É que

essa análise, necessariamente, dependerá da conjugação de várias disciplinas, distribuídas

em vários sistemas. É o passeio pela Sociologia e pela Ciência Política que possibilitará a

identificação do impacto social dessa nova tributação; enquanto que as repercussões eco-

nômicas serão estudadas mediante lampejos da análise econômica do Direito e da Ciência

Econômica em si; e as possibilidades de alterações normativas, como as propostas desejam,

serão objeto de enfrentamento tendo por base a Ciência Jurídica.

Como se pode verificar, a viabilidade da proposta em estudo depende da análise de

vários segmentos da realidade social, organizados em sistemas, que, apesar de conterem su-

as regras próprias, intercomunicam-se e interrelacionam-se, demonstrando a perfeita sub-

sunção do problema proposto com a teoria sistêmica de NIKLAS LUHMANN.

Feitas essas considerações sobre as fontes do direito e sobre a teoria dos sistemas –

“autopoiesis” – e considerando que parte importante deste trabalho diz respeito à análise da

regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda, enquanto norma geral e abstrata, já é

possível avançar e tratar de outro ponto fundamental, que é a teoria da norma jurídica.

2.4 A TEORIA DA NORMA JURÍDICA

As relações intersubjetivas em sociedade, naturalmente, mostram-se conflituosas,

seja pelo fato de existirem interesses antagônicos e, ao mesmo tempo, conflitantes, seja

porque a simples relação de convivência humana exige que se imponham limites à atuação

do homem, regrando a sua liberdade para a prática de atos da vida, sejam eles negociais ou

não.

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O fato de essa relação intersubjetiva ser de conflito é decorrência direta do fato de

o homem ser um animal social e, como tal, a existência de colisões de interesses, na convi-

vência, são inevitáveis. É justamente em razão dessa realidade que se concebe o direito co-

mo mecanismo de pacificação social, como meio para se realizar o fim, que é a convivência

harmônica entre os cidadãos.

Por outras palavras, o direito utiliza-se de mecanismos para estimular determina-

das condutas da sociedade, disciplinar o comportamento humano e impor regras e limites

para que as relações interpessoais se concretizem segundo os critérios pretendidos pela lei.

É função primordial do direito estabelecer normas para direcionar o comportamento huma-

no segundo os anseios da sociedade expressos na ordem jurídica.

NORBERTO BOBBIO, tratando sobre um mundo de normas, pondera que “(...) o

melhor modo para aproximar-se da experiência jurídica e apreender seus traços caracte-

rísticos é considerar o direito como um conjunto de normas, ou regras de conduta. Come-

cemos então por uma afirmação geral do gênero: ‘a experiência jurídica é uma experiên-

cia normativa’” 29.

O Direito, organizado na forma de sistema, utiliza-se dos textos de enunciados

prescritivos para veicular normas jurídicas, que deverão ser cumpridas pela sociedade30.

Nesse sentido, o direito positivo utiliza-se de uma linguagem “prescritiva”, eis que direcio-

nada para disciplinar o comportamento humano, para regular as condutas sociais31. Por ou-

tro lado, tem-se a Ciência do Direito, cujo objetivo é estudar os enunciados normativos, ex-

plicando e construindo as possibilidades da sua significação; por essa razão, a Ciência do

Direito utiliza-se de uma linguagem “descritiva, explicativa e construtivista”, justamente

29 Teoria da Norma Jurídica, p. 23. 30 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, tratando sobre “sistemas”, pondera: “Eis que poderíamos, então, encarar o

sistema como um conjunto de elementos (repertório) que se relacionam (estrutura), compondo um todo coerente e unitário (ordenação e unidade). Essa ‘noção de sistema, a que chamamos de terceira’, incor-pora a ‘característica da ordenação ou coerência’ dado tido como fundamental para a maioria daqueles que já se debruçaram sobre a questão sistemática” – A Noção de Sistema no Direito, Revista da Facul-dade de Direito da UFPR, v. 33, p. 55.

31 PAULO DE BARROS CARVALHO acentua que “O direito positivo está vertido numa linguagem, que é o seu modo de expressão. E essa camada de linguagem, como construção do homem, se volta para a dis-ciplina do comportamento humano, no quadro de suas relações de intersubjetividade. As regras do direito existem para organizar a conduta das pessoas, uma com relação às outras, daí dizer-se que ao direito não interessam os problemas intrasubjetivos (...)” (sic) – Curso..., op. cit., p. 2.

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porque, a partir do processo interpretativo, descreve, explica e constrói o conteúdo norma-

tivo dos textos do direito positivo32.

Em síntese, tem-se o direito positivo, valendo-se de uma linguagem “prescritiva”

porque tem por função prescrever as condutas humanas, regrando comportamentos e, por

outro lado, há a Ciência do Direito, que, por intermédio de uma linguagem “descritiva, ex-

plicativa e construtiva”, apresenta o conteúdo normativo dos textos de direito positivo, es-

clarecendo e ordenando suas significações33.

32 PAULO DE BARROS CARVALHO destaca: “O objeto da ciência do direito há de ser precisamente o

estudo desse feixe de proposições, vale dizer, o contexto normativo que tem por escopo ordenar o proce-dimento dos seres humanos, na vida comunitária. O cientista do Direito vai debruçar-se sobre o universo das normas jurídicas, observando-as, investigando-as, interpretando-as e descrevendo-as segundo deter-minada metodologia. Como ciência que é, o produto de seu trabalho terá caráter descritivo, utilizando-se de uma linguagem apta para transmitir conhecimentos, comunicar informações, dando conta de como são as normas, de que modo se relacionam, que tipo de estrutura constroem e, sobretudo, como regulam a conduta intersubjetiva” – Ibidem, p. 3.

33 Falar que a Ciência do Direito utiliza-se de uma linguagem apenas “descritiva” implica em reduzir seu ob-jeto de estudo e levaria o intérprete a utilizar tal expressão no sentido mais largo do termo, o que levaria a um comprometimento do rigor científico que se espera da ciência jurídica, pois deixa, à margem, as im-portantes funções de explicar o conteúdo dos enunciados prescritos e, notadamente, a construção da norma jurídica, que é algo que se extrai a partir do exercício mental do exegeta. O escólio de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES é lapidar acerca do assunto: “Se estritamente considerado, o atributo da descritividade pode induzir à objeção de que as proposições doutrinarias seriam supérfluas com relação às normas que elas descrevem. Se a descritividade for havida estritamente, essa objeção será inelutável. (...) Sem embar-go, num sentido lato estipulativo, a função de descrever a ordem jurídico-positiva pode ser entendida – sem contra-indicação – com um âmbito de abrangência de tal forma aberto que envolve um amplíssimo leque de significações: comentar, interpretar, descrever em sentido estrito, enunciar, formular hipóteses e deduzir-lhes as implicações, generalizar, expor, etc. (...) Em síntese: o objeto da ciência jurídica não é apenas ‘descrever’ (num sentido estrito) fenômenos, senão amplamente explicá-los, com sua metodologia própria: função objetivamente cognoscente da ordem jurídico-positiva. A utilização inadvertidamente es-trita ou restritiva da terminologia ‘proposições descritivas’ dar-se-ia a custa do abandono da riqueza de significação semântica da nomenclatura: ‘proposições explicativas’. Contudo, é possível estipulativamen-te incluir a explicatividade como um atributo das proposições descritivas da ordem jurídica, sem sacrifi-car-se o rigor da exposição científica. Nesse sentido lato estipulativo, a proposição descritiva pratica-mente se distingue da proposição prescritiva pela contraposição radical de significação entre uma e ou-tra: descritiva será então toda proposição cognoscente da ordem jurídica: toda proposição que tenda a explicá-la com os recursos metodológicos da ciência rigorosa. (...) Como o uso da expressão ‘proposi-ções descritivas’ é imemorial na ciência jurídica, poder-se-á preservá-la com uma significação lata. Sem contudo foros de exclusividade. Serão essas proposições ampla e objetivamente cognoscente, qualificadas tanto como descritivas, quanto como explicativas, de acordo com a conveniência semiótica de sua respec-tiva manutenção em determinados textos”(sic) – O Direito como Fenômeno Linguístico, o Problema de Demarcação da Ciência Jurídica, sua Base Empírica e o Método Hipotético-Dedutivo, in Anuário do Mestrado em Direito, p. 12-13 e 16. Complementarmente, invoca-se a lição precisa de JOSÉ ROBERTO VIEIRA, que aduz: “Convém ainda esclarecer mais: não se entenda essa ideia de retirar a norma jurídi-ca das dobras do direito positivo como implicando afirmar que ela já ali estava pronta e acabada, apenas escondida em suas pregas. Debruçando-se sobre o direito posto, investigando todos os ângulos de sua linguagem (sintático, semântico e pragmático), conhecendo-o, descrevendo-o e explicando-o, em verdade, ao cientista do direito cabe, isso sim, ‘construir a norma jurídica’. Com razão Miguel Reale: ‘... o traba-

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É preciso destacar, ademais, que o direito alcança seu objetivo de regrar o compor-

tamento humano e disciplinar as relações intersubjetivas, por intermédio de normas jurídi-

cas, que não podem ser confundidas com os enunciados prescritivos que as veiculam. A

norma jurídica não tem existência física, não é palpável, mas é ínsita aos textos legislativos

produzidos pelos órgãos competentes.

A norma jurídica, então, pode ser definida como o comando normativo que o in-

térprete extrai a partir da leitura do texto da lei (enunciado prescritivo), ou seja, é a regra ju-

rídica emitindo ordem no sentido de “permitir”, “proibir” ou “obrigar” determinado com-

portamento ou estado de coisas, cuja determinação se extrai pela interpretação dos textos do

direito positivo34. PAULO DE BARROS CARVALHO, tratando sobre o tema, demonstra:

A norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do di-reito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos. Vejo os símbolos linguísti-cos marcados no papel, bem como ouço a mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão sensorial propicia outro, no qual associo ideias ou noções para formar um juízo, que se apresenta, finalmente, co-mo proposição.35

A norma jurídica tem por característica a imperatividade: a ordem que se recebe, a

partir de comandos mentais produzidos pela conjugação da leitura do texto da lei associado

com as características do intérprete, seu conhecimento técnico-jurídico, sua formação cultu-

ral e social, seu caráter, sua personalidade. É importante deixar em destaque que é o proces-

lho do intérprete... representa um trabalho construtivo...’. Não é por outro motivo que Paulo de Barros Carvalho, que antes expunha o labor científico do jurista como o ‘... desvelar o conteúdo, sentido e al-cance da matéria legislada’ passou a referi-lo como o ‘... construir o conteúdo, sentido e alcance da ma-téria legislada’. (...) Em linguagem clássica, o texto é o dado, a norma o construído. Nós não interpreta-mos normas jurídicas, mas os textos do direito positivo, pois ‘a norma não é o objeto da interpretação, mas o seu resultado’” – Ciência do Direito, in A Semestralidade do PIS: Favos de Abelha ou Favos de Vespa ?, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 83, p. 90.

34 Não se ignora a ambiguidade que a expressão “norma jurídica” apresenta, todavia, tendo em vista os limi-tes deste ensaio, opta-se por adotar a nomenclatura consagrada pela Ciência Jurídica sem qualquer contes-tação, no momento, quanto à precisão ou não dos seus termos. Havendo interesse, o aprofundamento no tema pode ser direcionado pela consulta à obra de PAULO DE BARROS CARVALHO intitulada “Direito Tributário – linguagem e método”, publicada pela editora Noeses.

35 Curso..., op. cit., p. 8.

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so de interpretação que possibilitará a construção de conteúdo, sentido e alcance das nor-

mas jurídicas, sendo o intérprete, portanto, que constrói a regra jurídica, partindo do enun-

ciado prescritivo produzido pela autoridade competente36.

Convém apenas abrir um parêntese, para definir como se entende o fenômeno da

interpretação, para efeito deste trabalho, e, para tanto, recorre-se às lições de RICCARDO

GUASTINI, que assevera:

Entendo por “interpretação (jurídica)” a atribuição de sentido (ou significado) a um texto normativo (...). A interpretação constitui, a rigor, uma atividade mental: uma atividade do “espirito”, como se costuma dizer. Mas considerada como ati-vidade mental, a interpretação não seria suscetível de análise lógica: no máximo, poder-se-ia submetê-la à investigação psicológica. Querendo, ao contrário, sub-meter a interpretação à análise lógica, convém concebê-la não bem como uma atividade intelectual, mas antes como uma atividade discursiva, ou, caso se prefe-rir, convém examinar não a atividade interpretativa enquanto tal, mas em melhor medida o seu produto literário (seja este uma obra doutrinária, uma medida judi-cial ou outro). Desse ponto de vista, a interpretação ganha destaque enquanto ex-pressão discursiva de uma atividade intelectual: a interpretação é o discurso do intérprete.37

É exatamente em função dessa característica que diferentes normas jurídicas po-

dem ser extraídas a partir do mesmo texto do direito positivo; pois, como a norma jurídica é

36 NORBERTO BOBBIO pontifica: “Quando dizemos que uma norma jurídica é uma proposição, queremos

dizer que é um conjunto de palavras que têm um significado. Com base no que dissemos acima, a mesma proposição normativa pode ser formulada com enunciados diversos. O que interessa ao jurista, quando interpreta uma lei, é o seu significado” – Teoria da Norma..., op. cit., p. 74. Em sentido contrário à afir-mação de que a norma jurídica é extraída a partir do processo interpretativo, destaca-se a lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, que assim disserta: “Descabe afirmar portanto que as normas jurídicas so-mente são construídas pela interpretação. Essa conclusão necessitaria de temperamentos, mesmo se esti-pulativamente circunscrita ao ato de interpretação oficial do direito, porque, nem mesmo no ato adminis-trativo ou jurisdicional (atos aplicativos de leis) a norma se confunde com o resultado da interpretação, ou seja, com o simples esclarecimento do sentido deôntico do preceito. A norma somente nasce com o ‘dispositivo’ (preceito), algo diverso da interpretação. Esta é mero pressuposto (fundamento jurídico) da decisão jurisdicional. Isso nos ensina a ciência do processo judicial, quando descreve os atos senten-ciais” (sic) – Curso de Direito Comunitário, p. 4.

37 Das fontes às normas, p. 23-24.

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um comando sensorial, cada intérprete, de acordo com suas características próprias, poderá

construir diferentes regras jurídicas, ao interpretar o mesmo enunciado prescritivo38.

EUGÊNIO BULYGIN e DANIEL MENDONÇA destacam:

En este estudio, entenderemos por <<norma>> una prescripción emitida por un agente humano, denominado <<autoridad normativa>>, dirigida a uno o varios agentes humanos, denominados <<sujetos normativos>>, que obliga, prohíbe o permite determinadas acciones o estados de cosas. Ordenes o mandatos están in-cluidos en esta noción de norma. La formulación de la norma por medio de ora-ciones deónticas (oraciones con términos con <<obligatorio>>, <<prohibi-do>> o <<permitido>>) u oraciones en modo imperativo y aun indicativo puede variar de un caso a otro.39

Mais adiante, os mesmos autores afirmam:

Una de las finalidades principales que persigue la autoridad normativa al dictar normas es motivar ciertas conductas sociales. Para lograr esa finalidad es esen-cial comunicar la norma a aquellos en cuya conducta se pretende influir, los su-jetos normativos. Los sujetos normativos pueden ser personas determinadas, co-mo ocurre con las normas individuales, o solamente determinables, como ocurre con las normas generales dirigidas a una clase de personas. (...).

La captación del sentido de la formulación normativa por parte del destinatario es condición necesaria para que la norma pueda cumplir el papel que le asigna la autoridad: la de motivar determinadas conductas. Si el destinatario no captó ese sentido, no podrá ser motivado por la norma y no podrá obedecerla ni apli-carla (sic).40

Depois de definido e delimitado o papel da norma jurídica, enquanto regra de con-

duta, não se pode deixar de ressaltar que ela, – a norma –, não tem por função, apenas,

38 No mesmo sentido é a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO: “ A norma jurídica é exatamente o

juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognos-cente tenha dos termos empregados pelo legislador. Ao enunciar os juízos, expedindo as respectivas pro-posições, ficarão registradas as discrepâncias de entendimento dos sujeitos, a propósito dos termos utili-zados” (sic) – Curso..., op. cit., p. 8.

39 Normas y Sistemas Normativos, p. 15. 40 Ibidem, p. 15-16.

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prescrever comportamentos e atuar diretamente no regramento do estilo de vida das pessoas

e nas suas relações de intersubjetividade. Tem, a norma jurídica, também, importante papel

de veículo introdutor de outras regras jurídicas no sistema de direito positivo, e exercendo

essa função, passa a ser compreendida como norma de estrutura ou de competência.

Em Teoria Geral do Direito, tem-se a divisão das normas jurídicas em “regras de

conduta ou comportamento” e “regras de estrutura ou de competência”. As primeiras se

voltam a regular diretamente o comportamento das pessoas, da sociedade, enquanto que as

segundas têm por finalidade disciplinar, de forma direta, a produção de novos comandos

normativos, regulando, outrossim, como essas normas serão inseridas, modificadas e até

mesmo retiradas, total ou parcialmente – derrogação ou ab-rogação – do sistema de direito

positivo, e, de forma indireta, os comportamentos, pois a norma de conduta é decorrência

da norma de competência, possibilitando, pois, o regramento das condutas intersubjetivas41.

Por outros torneios, as regras de estrutura disciplinam o modo como as normas ju-

rídicas serão produzidas, dispondo sobre o procedimento e os órgãos credenciados pelo sis-

tema para a emissão de novos comandos normativos, inclusive quanto à competência para

editar enunciados prescritivos que, após passarem pelo processo de interpretação, possibili-

tarão a construção de novas normas jurídicas, desta vez, da categoria das regras de compor-

tamento.

Ocorre que essa dicotomia entre normas de estrutura e norma de comportamento

não é unânime, em sede doutrinária, encontrando-se numerosas críticas a essa distinção.

Entretanto, tendo em vista que o objetivo principal deste trabalho não é o estudo das nor-

mas jurídicas no sentido ora tratado – regras de conduta e de estrutura –, destaca-se o pen-

41 Para ALF ROSS, “Las normas jurídicas pueden ser divididas en dos grupos, según su contenido inmedia-

to: normas de conducta y normas de competencia. El primer grupo incluye aquellas normas que prescri-ben una cierta línea de acción. Por ejemplo, la regla de la Ley Uniforme de Instrumentos Negociables, Sección 62, que prescribe que el aceptante de un instrumento negociable queda obligado a pagarlo de acuerdo con el tenor de su aceptación. El segundo grupo contiene aquellas normas que crean una compe-tencia (poder, autoridad). Ellas son directivas que disponen que las normas que se creen de conformidad con un modo establecido de procedimiento serán consideradas normas de conducta. Una norma de com-petencia es, así, una norma de conducta indirectamente expresadas que prescriben comportamiento de acuerdo con las ulteriores normas de conducta que sean sancionadas por vía legislativa” – Sobre El De-recho Y La Justicia, p. 32.

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samento de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, que demonstra de forma precisa a crítica es-

tabelecida a essa distinção, verbis:

Ponderamos: logo, essas normas de estrutura acabam por regular, também elas, determinados comportamentos. Um órgão, enquanto centro de imputação norma-tiva, não pode por si só produzir normas. Mesmo quando destinatário expresso de uma competência, por hipótese, tributária, não pode exercitá-la senão pela inter-mediação dos seus titulares e agentes. Logo as normas de estrutura regulam com-portamentos dos titulares e agentes dos órgãos. O comportamento produtor de re-gras o é porque norma de conduta do órgão prescreve essa atuação, somente exercitável no âmbito de sua competência, pelas pessoas que o integram. Essa distinção é desafortunada, porque toda norma de estrutura é norma de competên-cia e portanto de comportamento. (...).

Normas de comportamento e normas de estrutura diferem entre si apenas pelos seus destinatários imediatos (a conduta determinada de uma pessoa) e mediatos (a conduta dos órgãos, inclusive os indivíduos-órgãos, agentes públicos e privados) (sic)42.

E por conhecer as críticas tecidas à dualidade norma de comportamento/norma de

estrutura, quando definimos tais regras jurídicas, é que chamamos a atenção, nas normas de

estrutura, para sua atuação direta, – enquanto norma de competência propriamente dita –, e

indireta, – porque, nesse caso, está com feição de norma de comportamento43.

Avançando na teoria da norma jurídica, é preciso ter presente o entendimento de

importante segmento doutrinário, ao entender que, por veicular relações jurídicas e fatos, as

regras jurídicas constituem a noção fundamental do direito; e, por prescrever comportamen-

tos, sua estrutura lógica será composta por uma proposição-hipótese (antecedente) e uma

proposição-tese (consequente), por ser ela, – a norma jurídica –, na linguagem de PAULO

42 Teoria Geral..., op. cit., p. 377-378 43 JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, ainda tratando da dualidade norma de estrutura/norma de comporta-

mento, explica que “... esse dualismo porém não resiste a uma crítica severa. Não é correto afirmar-se que as normas de estrutura, porque só indiretamente o vinculam, desvinculam-se do comportamento hu-mano. Uma norma que dispõe sobre um determinado funcionamento orgânico (competência funcional), seria dentro dessa classificação, norma de estrutura. Mas o órgão não personificado é uma ficção jurídi-ca: por trás dessa ficção esconde-se uma realidade (‘fictio est falsitas pro veritate accepta’): a conduta norma dos indivíduos investidos nas funções de titulares da competência orgânica. Nesse sentido, pode-se falar de indivíduos – órgãos de uma pessoa jurídica determinada. A União é pessoa jurídica de direito público interno e o Senado e a Câmara, seus órgãos. Mas o órgão – por hipótese, o Congresso Nacional – só se manifesta por intermédio de seus membros, senadores e deputados. Por isso, a norma de compe-tência (estrutural) é também ela norma de comportamento” (sic) – Ibidem, p. 378.

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DE BARROS CARVALHO, uma “... unidade mínima e irredutível de significação do

deôntico...”44.

Assim, a norma jurídica tem sua estrutura lógica dividida em hipótese e conse-

quência, possuindo, pois, a mesma estrutura das normas da natureza, ou seja, a de um juízo

hipotético, i. é., se “A”, então “B” (se é “A” então é “B”), pela regra da causalidade – algo

inevitável, inafastável

Na seara do Direito a estrutura das normas jurídicas é a mesma, também de um ju-

ízo hipotético, mas da seguinte forma: se “A”, então deve ser “B” – sempre que ocorrer a

hipótese “A”, dê-se como resultado a consequência “B” –, pela imputação. É o legislador,

então, que imputa o resultado “B” à ocorrência de “A” – LOURIVAL VILANOVA chama

de causalidade jurídica o que KELSEN chama de imputação45. Do ponto de vista sintático,

“A” é a hipótese e “B” é a consequência ou mandamento. Do ponto de vista semântico, a

hipótese descreve um evento, por isso chamada de “descritor”, já a consequência prescreve

uma relação jurídica que nasce a partir da ocorrência do fato que corresponde àquele des-

crito na hipótese, por isso chamado de termo “prescritor”.

Em termos jurídicos, portanto, o legislador descreve, na hipótese, um evento de

possível ocorrência no mundo fenomênico, acrescido de coordenadas de tempo e de lugar,

que, se e quando acontecido, fará desencadear a relação jurídica prescrita no consequente

da norma jurídica, i. é., a causalidade jurídica fazendo nascer os efeitos prescritos pela

norma quando subsumido o fato à norma.

Não obstante a estrutura lógica que a norma jurídica encerra, é fato que, desde

KELSEN, em sua “Teoria Pura do Direito”, já havia manifestação de inquietação com o

plano da eficácia da norma jurídica, ou seja, preocupação no sentido de que houvesse, de

fato, o atendimento da sociedade aos comandos prescritos pela autoridade competente, ain-

da que sob o pretexto de evitar a aplicação de sanção. 44 Direito Tributário – Fundamentos..., op. cit., p. 21. 45 Anota NORBERTO BOBBIO: “Se o ‘proprium’ da norma é, como dissemos até agora, pertencer à cate-

goria das prescrições prescritivas, a teoria de Kelsen, para quem a norma jurídica se converte em juízo hipotético, não é uma teoria contrária à tese da norma jurídica como prescrição, porque o juízo em que se expressa a norma é sempre um juízo hipotético prescritivo e não descritivo, isto é, um juízo que na se-gunda parte contém uma prescrição (“.... deve ser B”) ” – Teoria da Norma..., op. cit., p. 139.

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Dessa forma, a norma jurídica de sentido completo tem feição dúplice, ou seja,

além da hipótese, que descreve um evento de possível ocorrência, e a consequência, que

prescreve a relação jurídica, deve-se acrescer a sanção a ser aplicada, para o caso de des-

cumprimento normativo. Nessa perspectiva, pode-se dizer que se terá a norma primária,

como aquela que estabelece a conduta, e a norma secundária, como aquela que prescreve

sanção por descumprimento da norma primária46.

É por essa razão que PAULO DE BARROS CARVALHO destaca:

Inexistem regras jurídicas sem as correspondentes sanções, isto é, normas sancio-natórias. A organização interna de cada qual, porém, será sempre a mesma, o que permite produzir-se um único estudo lógico para a análise de ambas. Tanto na primária como na secundária, a estrutura formal é uma só [D(p->q)]. Varia tão-somente o lado semântico, porque na norma secundária o antecedente aponta, ne-cessariamente, para um comportamento violador de dever previsto na tese de norma primária, ao passo que o consequente prescreve relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado, exercitando sua função jurisdicio-nal, passa a ocupar a posição de sujeito passivo.47

CARLOS COSSIO, com a Teoria Egológica do Direito, chama a primeira norma,

ou seja, aquela que estabelece a conduta, de “endonorma”, enquanto que à norma jurídica

que estabelece a sanção, denomina como “perinorma”, de forma que a endonorma estabele-

ce os comportamentos desejados em sociedade (“endo”), havendo necessidade, outrossim,

de que elas estejam protegidas por outras normas que lhe confiram eficácia, ou seja, circun-

dadas por perinormas que fixam sanção pelo descumprimento (“peri”).

Em síntese, a norma jurídica tem sua estrutura lógica em antecedente e consequen-

te; sendo que no antecedente, descreve-se um evento de possível ocorrência, em determina-

do lugar e tempo, que, se e quando ocorrido, fará irromper a relação jurídica que está pres-

crita no consequente. Mas a norma jurídica de sentido completo agrega uma relação jurídi-

46 Anota, neste sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO: “Na completude, as regras do direito têm fei-

ção dúplice: (i) norma primária (ou endonorma, na terminologia de Cóssio), a que prescreve um dever, se e quando acontecer o fato previsto no suposto; (ii) norma secundária (ou perinorma, segundo Cóssio), a que prescreve uma providência sancionatória, aplicada pelo Estado-Juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária” (sic) – Direito Tributário – Linguagem ..., op. cit., p. 138.

47 Idem (sic).

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ca de cunho sancionador, pois, uma vez descumprida a norma primária, – composta pela

hipótese e consequência acima mencionadas –, “deve ser” a aplicação da sanção, que se en-

contra prescrita na norma secundária.

Contudo, importante ressaltar que existe outra linha de pensamento quanto à ne-

cessidade, ou não, de previsão de sanção para o cumprimento normativo, ou seja, corrente

doutrinária que entende existir norma jurídica sem sanção. Para essa linha de entendimento,

não se pode refutar o fato de que existem normas jurídicas que são desprovidas de sanções

e que, mesmo diante dessa situação, não perdem a natureza de norma jurídica.

A análise do sistema normativo confirma essa assertiva, havendo, inclusive, os ins-

titutos das sanções premiativas, que nada mais são que normas jurídicas que, além de não

possuírem a previsão de sanção negativa na sua estrutura lógica, ainda veiculam, na sua es-

trutura hipotético-condicional, uma consequência positiva para o destinatário normativo.

Em outras palavras, existem normas jurídicas que veiculam sanções positivas, e o sujeito

passivo, no caso de cumprir com a “vontade da lei”, acaba sendo premiado.

É o caso das legislações tributárias sobre o IPTU, por exemplo, que estabelecem

que os contribuintes que efetuarem o pagamento do respectivo imposto até a data de ven-

cimento e em pagamento único, serão beneficiados com um desconto maior que aquele que,

apesar de pagar pontualmente, o faz parceladamente. Além disso, em ambas as situações,

muitas vezes, como forma de estímulo à adimplência, prescreve a mesma legislação que

tais contribuintes ainda concorrerão a prêmios.

NORBERTO BOBBIO, evoluindo no seu pensamento acerca da estrutura da nor-

ma jurídica, reconhece que a presença da sanção não tem apenas a função protetivo-

repressiva, mas no atual estágio dos Estados Sociais, agrega a função promocional, i. é., a

norma jurídica também pode ser composta de uma sanção positiva, cujo objetivo é estimu-

lar o comportamento humano em direção a um comportamento socialmente aceito48. Desta-

ca o autor:

48 Acerca dessa evolução no pensamento de NORBERTO BOBBIO, esclarece JOSÉ ROBERTO VIEIRA:

“Mas foi exatamente a relevância do seu papel que esteve na essência da passagem para o último estádio do percurso teórico-jurídico do pensamento de Norberto Bobbio, esse grande filósofo italiano do Direito

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Quando assumimos também o ponto de vista da técnica do encorajamento, é im-possível deixar de notar que ela age mediante dois expedientes distintos, isto é, seja pela resposta favorável ao comportamento já realizado, no que consiste pre-cisamente a sanção positiva, seja pelo favorecimento do comportamento quando ainda está para ser realizado. (...) ...pode desencorajar um comportamento não de-sejado tanto ameaçando com uma pena (expediente da sanção), sempre que o comportamento vier a se realizar, quanto tornando o próprio comportamento mais penoso.

(...).

... Como se vê, a técnica do desencorajamento tem uma função conservadora. Se, ao contrário, o mesmo ordenamento jurídico julga positivamente o fato de o agente servir-se o máximo possível da sua liberdade, procurará encorajá-lo a se valer dela para mudar a situação existente: a técnica do encorajamento tem uma função transformadora ou inovadora. O exemplo mais interessante que se pode oferecer hoje, fazendo referência aos ordenamentos jurídicos de Estados dirigistas ou planificadores, é o das chamadas leis de incentivo, as quais, na vertente das medidas negativas, têm a sua correspondência nas leis de desincentivo. Partindo de uma situação jurídica em que a atividade empresarial é qualificada como ativi-dade lícita, o incentivo tende a induzir certos empreendedores a modificar a situa-ção existente, enquanto o desincentivo tende a induzir outros empreendedores à inércia.

(...).

... Hoje, no entanto, a constatação que a função do direito deixou de ser exclusi-vamente protetivo-repressiva, desde que o Estado deixou de ser indiferente ao de-senvolvimento econômico, impõe-se cada vez mais ao observador sem pré-conceitos. O instrumento jurídico clássico do desenvolvimento econômico, em uma sociedade na qual o Estado não intervém no processo econômico, foi o ne-gócio jurídico, a que o direito, precisamente como ordenamento coativo, limita-se a garantir a eficácia. Mas a partir do momento em que o Estado assume a tarefa não apenas de controlar o desenvolvimento econômico, mas também de dirigi-lo, o instrumento idôneo para essa função não é mais a norma reforçada por uma sanção negativa contra aqueles que a transgridem, mas a diretiva econômica, que, frequentemente, é reforçada por uma sanção positiva em favor daqueles que a ela se conformam, como ocorre, por exemplo, nas denominadas leis de incentivo, que começam a ser estudas com atenção pelos juristas. Daí a função do direito não ser mais apenas protetivo-repressiva, mas também, e com frequência cada vez maior, promocional. Nos dias de hoje, uma análise funcional do direito que queira levar em consideração as mudanças ocorridas naquela “específica técnica

e da Política. Numa visão conservadora do Direito como forma de controle social; contraposta a uma vi-são transformadora e inovadora do Direito, característica do Estado Social, em que lhe compete também uma função promocional, de estimular as ações desejáveis, exprimindo uma concepção do Direito não só como forma de controle social, mas também, de direção social. Ora, a primeira função é alcançável pela via das sanções negativas (penas), enquanto a segunda é atingível pela senda das sanções positivas (prêmios), como ocorre nas normas indutoras, do tipo da denúncia espontânea tributária. Esse avanço de Bobbio, na direção das normas de sanções positivas, entre as quais as indutoras, é o transitar de uma preocupação meramente estrutural – ‘que tipo de organização é o direito ?’ (normas e ordenamento) – para uma aproximação também funcional ‘‘qual é a função do direito ?’’; descartado qualquer resquício de invalidade da visão anterior, já que ambas devem conviver e desempenhar o respectivo papel, sem que qualquer uma delas venha a eclipsar a outra; (....)” – Denúncia Espontânea e Multa Moratória: Confissão e Crise na “Jurisdição” Administrativa, in Jurisdição – Crise, Efetividade e Plenitude Institucional, p. 385-386.

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de organização social” que é o direito não pode deixar de integrar a sua função promocional ao estudo da sua tradicional função protetivo-repressiva. A meu ver, essa integração é necessária se o que se deseja é elaborar um modelo teórico re-presentativo do direito como sistema coativo. Trata-se de passar de concepção do direito como forma de controle social para a concepção do direito como forma de controle e direção social (sic).49

Vislumbra-se, da citação destacada, que NORBERTO BOBBIO consegue de-

monstrar a possibilidade da existência de normas jurídicas com sanção positiva e ainda es-

clarece que não é a sanção negativa que irá estabelecer se determinada regra de comporta-

mento é ou não norma jurídica, mas sim o critério de validade dela, da sua referibilidade em

relação ao sistema normativo, já que a sanção se refere à eficácia e à validade50. Em verda-

de, as normas constitucionais como um todo, salvo raras exceções, são desprovidas de san-

ção e, mesmo assim, não se concebe que não têm, tais comandos constitucionais, “status”

de norma jurídica.

DANIEL FERREIRA pondera a respeito dos ensinamentos de BOBBIO:

Noberto Bobbio, por sua vez, e ainda que indiretamente, fez especial alusão às normas jurídicas às quais espontaneamente aderem os seus destinatários e às des-

49 Da Estrutura à Função, p. 17, 20, 208-209. 50 O mesmo NORBERTO BOBBIO ressalta em seus escritos: “Compreende-se que o legislador tende a

produzir normas, além de válidas, eficazes: mas pode-se observar que ali onde topamos com normas não providas de sanções, nos encontramos geralmente frente a estes dois casos típicos: 1) ou se trata de nor-mas com cuja eficácia se consente, dada a sua reconhecida oportunidade ou correspondência à consciên-cia popular ou, em uma palavra expressiva, dada a sua justiça, sobre a adesão espontânea, onde a san-ção é considerada inútil; 2) ou então, trata-se de normas estabelecidas por autoridade tão alta na hierar-quia das normas que se torna impossível, ou pelo menos pouco eficiente, a aplicação de uma sanção. Em ambos os casos, a falta de sanção não depende de um defeito do sistema no seu conjunto, mas de circuns-tancias específicas das normas singulares, circunstâncias que tornam, naquele determinado caso, e só ne-le, ou ‘inútil’ ou ‘impossível’ a aplicação de uma sanção, sem que, por outro lado, seja afetado o princí-pio que inspira o acionamento do mecanismo da sanção, ou seja, o princípio da eficácia reforçada, que vale quando esta eficácia reforçada é possível, e quando, sendo possível, é também necessária ou, pelo menos, particularmente útil” – Teoria..., op. cit., p. 167-168. DANIEL FERREIRA destaca elucidativos exemplos de normas jurídicas desprovidas de sanções, nos seguintes termos: “Para exemplificar, a segun-da hipótese [se referindo ao número 2 na transcrição da lição de BOBBIO] bem poderia se revelar nas normas constitucionais ditas programáticas e a primeira [se referindo ao número 1 nos escritos de BOB-BIO] se enquadraria em disposições legais que conferem prerrogativas, mas não revelam – quando do seu descumprimento – a possibilidade de imposição de sanção aos transgressores. É o caso do Estatuto do Idoso, que prevê embarque prioritário e reserva de assentos em coletivos, mas aparentemente não es-tatui sanções específicas para os outros usuários do serviço não-idosos e que não observam dita prote-ção” – Teoria Geral da Infração Administrativa, p. 85-86. Esclareceu-se nos colchetes.

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providas de sanção, para contraditar, desde logo, a teoria de que esta seria um dos elementos constitutivos do ordenamento jurídico.

No seu dizer, sempre existiriam normas jurídicas individualmente consideradas desprovidas de sanção, mas que, analisadas dentro do sistema jurídico, nem por isso deixariam de ser normas.

A sanção estaria, então, ligada à eficácia da norma, e não à sua juridicidade, ou seja, à sua pertinência ou não ao sistema51.

Avançando, é fato que HANS KELSEN, com sua “Teoria Pura do Direito” e, pos-

teriormente com a “Teoria Geral das Normas”, prestou relevantes contribuições aos estudos

da Teoria da Norma Jurídica e à evolução do próprio Direito. Apesar disso, a sua classifica-

ção de norma jurídica de sentido completo como sendo composta por norma primária san-

cionadora e norma secundaria dispositiva, ou, ainda, em norma primária dispositiva e se-

cundária sancionadora, como constou de sua obra publicada postumamente, não consegue

responder por todo o fenômeno jurídico, justamente por existir, e parece não haver dúvida,

normas jurídicas desprovidas de sanção negativa.

Diante desses fundamentos, na linha da corrente não-sancionista, a exemplo de

PONTES DE MIRANDA e de KARL LARENZ, a norma jurídica, para ser proposição de

sentido completo, bastará prever, em sua hipótese um evento de possível ocorrência no

meio social e, na consequência, o surgimento de uma relação jurídica correspondente.

A existência de um suporte fático e de um preceito, expressão também utilizada

por PONTES DE MIRANDA e MARCOS BERNARDES DE MELLO é suficiente para

que se tenha uma norma jurídica de sentido completo, diferenciando-se, pois, da corrente

capitaneada por HANS KELSEN, que reputa a sanção negativa como elemento essencial da

norma jurídica de sentido completo52.

Importante por em relevo as ideias de MARCOS BERNARDES DE MELLO, que

estabelece críticas cirúrgicas à proposta kelseniana, destacando-se:

51 Sanções Administrativas, p. 16. 52 Teoria..., p. 32.

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I – ao recusar às normas que não contém sanção específica o caráter de normas jurídicas típicas, se não chega a excluir do universo do Direito – porque as consi-dera auxiliares – normas de altíssima relevância, como é o caso, e. g., das normas que definem os direitos fundamentos do homem, ao menos não lhes reconhece a importância e sua verdadeira posição no plano jurídico. Não há como negar, pa-rece-nos, que é muito mais significativa para o direito e para a convivência social a norma segundo a qual “todos são iguais perante a lei”, do que aquela outra que estabelece a pena de prisão para o ladrão que furta, muitas vezes, para dar de co-mer aos filhos;

II – segundo, porque fazendo da sanção algo especial ao direito, confunde a obri-gatoriedade das normas jurídicas com a coação, quando essas não são expressões sinônimas. (...). Na obrigatoriedade pode haver coação, pena, sanção, sempre, portanto, com caráter de possibilidade, nunca, porém, de necessidade. (...).

III – e, finalmente, porque nega uma das funções típicas das normas jurídicas que é, precisamente, a de obter a adaptação social do homem, o que envolve, essenci-almente, um cunho educativo e promocional. As normas jurídicas, embora muitos o neguem, mais do que a obrigar, proibir e permitir, se destinam a alcançar dos homens, em suas relações intersubjetivas, um determinado comportamento julga-do conveniente e necessário à harmonia social.53

Por tais fundamentos, vê-se que polarizadas essas duas posições doutrinárias de

conteúdos opostos, ou seja, uma defendendo a necessidade da previsão de sanção negativa

para a existência de norma jurídica e outra, ao revés, entendendo ser prescindível a sanção

negativa para afirmar-se a natureza jurídica normativa. Em que pese constituírem opiniões

em sentido contrário, parece difícil afastar, no âmbito da Teoria Geral do Direito, a existên-

cia de normas jurídicas desprovidas de sanção.

Feitas essas considerações, já se pode avançar para o estudo da estrutura normativa

do Imposto sobre a Renda das pessoas jurídicas, consubstanciada na sua regra-matriz de in-

cidência, verdadeira norma jurídica, que possui a mesma estrutura lógica ora delineada, por

ser importante tributo que grava a atividade empresarial. Em sendo assim, repassados os re-

ferenciais teóricos que darão sustentação a este trabalho, já se mostra possível ingressar no

tormentoso campo da tributação, pelo Imposto sobre a Renda, da atividade empresarial.

53 Idem, p. 33-34.

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CAPÍTULO 3 – A REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOST O SOBRE A

RENDA

3.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

A atividade empresarial, como toda atividade econômica desenvolvida no Brasil,

está sujeita à incidência de vários tributos, dos mais variados matizes e de diferentes mate-

rialidades. São exações que gravam o patrimônio, a renda, a produção, o faturamento e a

receita auferida, além dos tributos cujas bases de cálculo levam em consideração a folha de

pagamentos dos colaboradores. Está-se a falar de impostos e contribuições, sejam elas soci-

ais, de intervenção no domínio econômico ou sindicais, que incidem sobre a atividade em-

presarial em razão de a pessoa jurídica apresentar “... fatos-signos presuntivos de rique-

za...”, como dissera ALFREDO AUGUSTO BECKER54.

Ocorre que o Poder Constituinte Originário, ao tratar do Sistema Tributário Nacio-

nal, procurou quase esgotar toda a matéria referente à competência tributária, especialmente

quando tratou dos impostos – como é o caso do Imposto sobre a Renda e Proventos de

Qualquer Natureza das pessoas jurídicas – IRPJ – e das pessoas físicas – Imposto sobre a

Renda e Proventos de Qualquer Natureza da pessoa física; – e, para tanto, promoveu a dis-

tribuição de competências impositivas entre os entes da federação, especificando, entre ou-

tros elementos, quais as materialidades – aspecto material, na linguagem de GERALDO

54 Teoria Geral..., p. 488. Não se ignora a possibilidade de a atividade empresarial ser gravada, ainda, com a

incidência de Taxas e Contribuições de Melhoria, todavia, por se tratar de tributos vinculados a uma ativi-dade estatal, valendo-se da classificação de GERALDO ATALIBA, tais exações apenas representam custo para a pessoa jurídica, no caso das taxas, quando da utilização efetiva ou potencial de serviço público ou, ainda, quando se sujeitar ao exercício regular da atividade de polícia por parte do Poder Público; ou, no caso das contribuições de melhoria, quando da realização de obra pública que gere valorização imobiliária em imóveis do ativo permanente da empresa, de forma que ela se acabe beneficiando de tal valorização. Acrescenta-se que, dada a história recente do Brasil – últimos vinte e poucos anos – poderão, em tese, também, ser instituídos empréstimos compulsórios e/ou impostos extraordinários, que poderão, também, repercutir na sustentabilidade econômica da empresa, ao gravar sua atividade ou o seu resultado econômi-co.

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ATALIBA ou critério material, como propõe PAULO DE BARROS CARVALHO – pas-

síveis de sofrer a imposição tributária, no caso, por intermédio de impostos, delimitando o

âmbito de competência de cada Pessoa Política de Direito Público Interno.

De outra sorte, como o sistema constitucional tributário brasileiro, especialmente

quanto aos impostos, é rígido, quis o Poder Constituinte descrever o arquétipo constitucio-

nal dos tributos, não conferindo muita discricionariedade ao legislador infraconstitucional,

no exercício da competência tributária, restando-lhe desenvolver sua atividade legislativa

nos estritos termos permitidos pela Carta da República.

E foi além, o legislador constituinte, pois, com a rígida distribuição de competên-

cias impositivas, ainda distribuiu, entre as unidades da federação, as materialidades passí-

veis de sofrer a incidência de normas tributárias, de forma que um evento social determina-

do seja tributado uma única vez e que não haja sobreposição de incidências, em relação à

mesma situação fática, por unidades federativas distintas55.

Desse modo, os entes públicos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –

receberam competências da Constituição Federal para tributar. No entanto, a Carta Política

delimitou o campo tributável para cada ente, não podendo o legislador infraconstitucional

alterar ou ampliar as materialidades constitucionalmente fixadas, ou submeter ao mesmo

regime de tributação hipótese de incidência já tributada. Sendo assim, todas as unidades da

federação, a depender da atividade e do ramo de atuação da pessoa jurídica, têm a possibi-

lidade de instituir tributo de sua competência que irá gravar, de alguma maneira, a atividade

empresarial.

Tratando do imposto objeto de investigação neste trabalho, a União, utilizando-se

da prerrogativa que lhe foi conferida pelo legislador constituinte, instituiu, mediante ativi-

dade legislativa do Congresso Nacional, o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer

55 Excetuando-se nessa afirmação, os impostos extraordinários, previstos no art. 154, II, da Constituição Fe-

deral, que, de forma excepcional, e atendidos os pressupostos prescritos pela própria norma constitucional, possibilita à União, e apenas a ela, a instituição desse imposto específico em relação a materialidades que, originariamente, foram distribuídas a outras unidades federativas; ou seja, poderá a União, nesse caso, pa-ra efeito de instituição do chamado “imposto extraordinário”, eleger como materialidade aquele fato que se encontra no seu âmbito de competência impositiva ou na esfera de disponibilidade de outros entes fede-rativos.

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Natureza das pessoas físicas e jurídicas, a incidir sobre o resultado financeiro “positivo”

experimentado pelos contribuintes de tal imposto56.

Em síntese que inclui aspectos históricos, PAULO DE BARROS CARVALHO

destaca:

Dentre os impostos que compõem o sistema tributário nacional, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza sempre ocupou lugar importante, inde-pendentemente do volume de receita que é capaz de produzir para os cofres pú-blicos. Sua dimensão histórica; seus amplos recursos econômicos, políticos e ju-rídicos; sua potencialidade de atingir em cheio a capacidade contributiva do sujei-to passivo; sua compostura tão propícia à realização de valores supremos como a “justiça tributária”; tudo isso foi criando, ao longo da tradição, um ambiente favo-rável ao desenvolvimento desse tributo. Em princípio, mais no plano contábil; depois, no campo da política e da economia, passando a interessar fortemente os juristas.57

No exercício da sua competência tributária, a União fez instituir o Imposto sobre a

Renda e Proventos de Qualquer Natureza no âmbito do Direito brasileiro, fazendo-se ne-

cessária a sua análise sob a óptica da regra-matriz para compreender o feixe de incidência

desse imposto, limitando-se a análise, no caso, à atividade empresarial.

E a investigação sob a óptica da norma geral e abstrata que representa a regra-

padrão de incidência, justifica-se porque não se mostra possível conceber tributo que não

contenha os elementos mínimos para a sua instituição – “...unidade mínima e irredutível de

significação do deôntico...”58 – como as condicionantes da realidade social eleitas para fa-

zer ocorrer o fato jurídico tributário, as coordenadas de espaço e tempo em que o imposto

poderá surgir, e, ainda, a identificação daquele que tem o Direito subjetivo de exigir o cum-

primento da obrigação tributária, em detrimento do sujeito que tem o dever jurídico de

56 Assevera PAULO DE BARROS CARVALHO: “Se a exação alcança disponibilidade econômica ou jurí-

dica de renda, entendida esta como o resultado do trabalho, do capital ou da combinação de ambos, cla-ro está que ali onde não houver a disponibilidade econômica ou jurídica não haverá a plataforma sobre que incida a regra-matriz do imposto. Diremos, por outro giro, que inocorreu o ‘factum’ tributário, por insuficiência dos elementos de sua composição material. Tudo na conformidade dos termos da Lei Mai-or” – Direito Tributário – Linguagem ..., op. cit., p. 668.

57 Ibidem, p. 662.

58 Direito Tributário: fundamentos ..., op. cit., p. 21.

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adimplir com tal obrigação, cujo “quantum debeatur” será extraído a partir da conjugação

da base de cálculo com a alíquota, ambas prescritas normativamente.

Entretanto, como medida preliminar à análise da regra-matriz de incidência do Im-

posto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, mister se faz compreender qual o

conteúdo dos signos “renda” e “proventos de qualquer natureza”, possibilitando, desta for-

ma, a identificação de quais fatos sociais serão passíveis de tributação e, por outro lado,

quais estarão fora do liame obrigacional inaugurado pela legislação que instituiu tal impos-

to.

3.2 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA

3.2.1 Nota Introdutória

Antes de promover a análise do sentido e alcance da palavra “renda” e da expres-

são “proventos de qualquer natureza”, importante empreender, ainda que a passos largos,

estudo acerca da regra-matriz de incidência, isso porque a análise dos seus elementos será

importante para as conclusões deste trabalho no sentido da possibilidade ou não de os lu-

cros pagos ou creditados pela pessoa jurídica aos seus sócios/acionistas serem tributados

pelo imposto sobre renda.

3.2.2 A Regra-Matriz de Incidência Tributária

Conforme estudado no item 2.4 acima, a estrutura lógica da norma jurídica é com-

posta de antecedente e consequente, em cujo antecedente se encontra a descrição de um

evento de possível ocorrência no mundo fenomênico, enquanto que, no consequente, estará

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prescrita uma relação jurídica, que se instalará tão logo ocorra, em determinado tempo e es-

paço, o fato nela descrito59.

É a imputação deôntica – dever-ser interproposicional, nas palavras de PAULO

DE BARROS CARVALHO – que promove o elo entre a hipótese e a consequência, pro-

duzindo os efeitos jurídicos pretendidos pelo sistema60. A regra-matriz de incidência de um

certo tributo, por ser verdadeira norma jurídica, também tem sua estrutura lógica composta

por antecedente e consequente, em cuja hipótese haverá a descrição de um evento, que, se e

quando acontecido, fará surgir uma obrigação patrimonial, prescrita no consequente, que

deverá ser cumprida pelo sujeito passivo em benefício do sujeito ativo61.

A regra-matriz de incidência tributária é criação doutrinária que muito deve a

PAULO DE BARROS CARVALHO, e corresponde a um esquema lógico-formal que pos-

sibilita a identificação de todos os dados (critérios) que são indispensáveis à compostura da

exação tributária, permitindo-se, pois, a perfeita individualização do perfil tributário que se

está a instituir. Em outras palavras, a norma-padrão de incidência tributária permite o co-

nhecimento da unidade mínima e irredutível de significação do deôntico na norma institui-

dora de determinado tributo62.

É evidente que os critérios que identificarão o evento tributável, as coordenadas de

tempo e espaço em que tal evento sofrerá a incidência normativa, bem como a relação jurí-

dica que surgirá a partir da sua realização, identificando os sujeitos pretensor e devedor, as-

sim como as grandezas que permitirão a apuração do “quantum debeatur” do tributo, deve-

rão constar, expressamente, do texto da lei – aplicação do Princípio da Legalidade.

Portanto, os enunciados prescritivos que veiculam a instituição de um tributo deve-

rão conter, como estrutura mínima, todos os dados da regra-matriz de incidência, para que

59 Item 2.4 retro, p. 37-38. 60 Curso..., op. cit., p. 356. 61 Afirma PAULO DE BARROS CARVALHO que “... a regra-matriz de incidência tributária é, por exce-

lência, u’a norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súdi-tos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-se a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pes-soa (sujeito passivo) ‘obrigada’ a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o ‘dever-ser’ modalizado” – Curso..., op. cit., p. 357.

62 Direito Tributário: fundamentos ..., op. cit., p. 21.

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seja possível o surgimento da relação jurídica prescrita no consequente normativo, a partir

da ocorrência do fato descrito no antecedente da norma jurídica.

PAULO DE BARROS CARVALHO afirma:

A esquematização formal da regra-matriz de incidência tem-se mostrado um uti-líssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a iden-tificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a feno-menologia básica da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extre-mamente operativo e prático, permitindo, quase que de forma imediata, penetrar-mos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisando-a de maneira minuciosa. Em seguida, experimentando o binômio base de cálcu-lo/hipótese de incidência, colhido no texto constitucional para marcar a tipologia dos tributos, saberemos dizer, com rigor e presteza, da espécie e da subespécie da figura tributária que investigamos.63

A regra-matriz de incidência tributária, enquanto norma jurídica, da categoria das

gerais e abstratas, tem seu antecedente composto pelos seguintes critérios:

I – Hipótese Tributária

(i.i) “material”, que é representativo de um comportamento pessoal, – seja ele físi-

co ou jurídico – realizado em determinado tempo e espaço, e que revele a ocorrência do

mundo fenomênico eleita para atribuir uma consequência tributária, comportamento com-

posto sempre por um verbo pessoal e transitivo e um complemento. A análise do critério

material, parafraseando PAULO DE BARROS CARVALHO deve ser derivada do desli-

gamento das condicionantes espaço-temporais, possibilitando a sua análise de modo parti-

cular64;

(i.ii) “temporal”, consubstanciado em referencial de tempo em que “... se conside-

ra ocorrido o fato jurídico tributário, dando-se a subsunção, verificando-se a incidência, e

desabrochando o nexo jurídico que prende credor e devedor, o primeiro com o direito sub-

63 Ibidem, p. 360. 64 Curso..., op. cit., p. 267.

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jetivo, o segundo com o dever jurídico, ambos, direito e dever, em autêntico trabalho de

parto”65;

(i.iii) “espacial”, como referência do local em que a legislação entende que se deve

realizar o evento, de forma a irradiar os efeitos previstos no consequente normativo, ou se-

ja, o critério espacial é o local em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário. Im-

portante ressaltar a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO, no sentido de que esse

critério pode: a) fazer menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) aludir

a áreas específicas, de modo que o evento apenas ocorrerá se nelas estiver contido e; c) ser

genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto territorial da lei instituidora,

estará apto a desencadear seus efeitos peculiares66;

Já o consequente da norma-padrão de incidência, por sua vez, é composto dos cri-

térios pessoal e quantitativo.

II. Consequência Tributária

II.I Critério pessoal

(ii.i.i) “sujeito ativo”, representado pelo titular da competência tributária para insti-

tuir o gravame ou, ainda, podendo ser o titular apenas da capacidade ativa de arrecadar, i.

é., o titular do Direito subjetivo de exigir o cumprimento da obrigação, na forma em que a

lei determinar.

Importante ressaltar que o artigo 119 do Código Tributário Nacional restringe a su-

jeição ativa apenas ao titular da competência tributária, o que implica indevida redução das

possibilidades de composição do sujeito titular do Direito de exigir o tributo67. Essa mitiga-

ção da sujeição ativa realizada pelo Código Tributário Nacional não se sustenta, porque, no

Brasil, é deveras comum a utilização dos institutos da parafiscalidade e da delegação da ca-

pacidade ativa de arrecadar.

65 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, A regra-matriz de incidência do IPI – texto e contexto, p. 101. 66 Curso..., op. cit., p. 273. 67 Código Tributário Nacional: “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público,

titular da competência para exigir o seu cumprimento”.

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A previsão normativa contida no artigo 119 do Código Tributário Nacional é inó-

cua e verdadeira letra morta; a uma, porque a outorga de competência impositiva tributária,

realizada pela Constituição Federal de 1988, já atribui ao titular da competência para legis-

lar sobre tributos a prerrogativa de ser sujeito ativo da obrigação tributária; e, a duas, por-

que existem casos em que o titular da competência tributária não é sujeito ativo da obriga-

ção tributária, como são os casos da mera delegação da capacidade ativa de arrecadar e da

parafiscalidade.

Assim, além de o artigo 119 do Código Tributário Nacional se limitar a repetir

comando normativo extraído da própria Constituição Federal de 1988, ainda está ignorando

a parafiscalidade, que é consagrada constitucionalmente, como, por exemplo, no caso das

contribuições sociais prescritas no artigo 195 da Carta Magna. Ademais, o titular da capa-

cidade ativa de arrecadar poderá ser outra pessoa jurídica de Direito público interno, dife-

rente daquela titular da competência tributária; poderá ser pessoa jurídica de Direito priva-

do e, até mesmo, pessoa física que esteja no exercício de funções públicas, como é o caso,

por exemplo, nos cartórios de registro de imóveis – do cartorário –, em relação ao imposto

incidente sobre a transmissão causa “mortis” e doação, de quaisquer bens ou direitos –

ITBI.

(ii.i.ii) “sujeito passivo”, é o titular do dever jurídico de pagar o tributo, i. é., pes-

soa – física ou jurídica – de quem se pode exigir o cumprimento da obrigação tributária. A

considerar o que prescreve o artigo 121 do Código Tributário Nacional, seria sujeito passi-

vo da obrigação principal a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuni-

ária68.

A segunda parte do “caput” do destacado artigo demonstra a infelicidade do legis-

lador, ao prescrever que sujeito passivo de “obrigação tributária” estaria obrigado ao paga-

68 Código Tributário Nacional: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pa-

gamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato ge-rador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.

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mento de penalidade pecuniária. Ocorre que a imposição de penalidade pecuniária tem co-

mo pressuposto lógico a ocorrência de ato ilícito, havendo, pois, relação jurídica de cunho

sancionador, o quê dista de se equiparar à relação jurídica tributária.

A definição de tributo é constitucional; é a partir das disposições constitucionais,

das materialidades fixadas pela Constituição Federal de 1988 e da repartição de competên-

cias tributárias por ela realizadas que se extrai o conceito de tributo. Consoante o ordena-

mento brasileiro, o cidadão “entrega” dinheiro ao Estado, basicamente, de quatro maneiras

diferentes, a saber: “... (a) multa; (b) obrigação convencional; (c) indenização por dano;

(d) tributo”69.

Assim, comparando esses quatro elementos com a competência tributária e as hi-

póteses de incidências constitucionalmente fixadas, permite-se extrair a seguinte caracterís-

tica constitucional de tributo: “compulsoriedade” e “licitude da hipótese de incidência”. A

soma desses dois fatores, para GERALDO ATALIBA, é que constitui o conceito constitu-

cional de tributo70. A hipótese de incidência, portanto, jamais poderá consistir em fato ilíci-

to.

No plano infraconstitucional, como não poderia ser diferente, a realidade é a mes-

ma; i. é., para que determinada cobrança por parte do Poder Público tenha natureza jurídica

tributária é imprescindível, como prescreve o artigo 3º do Código Tributário Nacional, que

a relação jurídica que fará irromper o vínculo obrigacional seja decorrente de ato “lícito”,

não podendo, pois, a cobrança ser decorrente de sanção de ato ilícito71. Por outras palavras,

é premissa inafastável que a relação jurídica tributária seja decorrente de ato lícito, de for-

ma que a determinação da parte final do “caput” do artigo 121 do Código Tributário Naci-

onal atenta contra a harmonia do sistema e vulnera os pressupostos estampados constitucio-

69 Hipótese de Incidência Tributária, p. 36. 70 GERALDO ATALIBA esclarece a necessidade de que o vínculo obrigacional tributário seja decorrência

de fato lícito, nos seguintes termos: “Se, pelo contrário, o vínculo obrigacional nascer independentemente da vontade das partes – ou até mesmo contra essa vontade – por força da lei, mediante a ocorrência de um fato jurídico lícito, então estar-se-á diante de tributo, que se define como obrigação jurídica legal, pe-cuniária, que não se constitui sanção de ato ilícito, em favor de uma pessoa pública. Ter-se-á obrigação de indenização por dano, se o fato de que nascer a obrigação for ilícito” – Ibidem, p. 37.

71 Código Tributário Nacional: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

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nalmente e no artigo 3º deste Código, enunciados prescritivos que permitem a identificação

se determinada cobrança possui natureza jurídica tributária.

Verifica-se, portanto, a atecnia do legislador ao prescrever, quando tratou da sujei-

ção passiva tributária, que se reputa sujeito passivo aquela pessoa obrigada ao pagamento

de penalidade pecuniária.

Feita a ressalva, vale destacar que os sujeitos passivos da obrigação tributária po-

derão ser o contribuinte, ou seja, o realizador do fato jurídico tributário, i. é., aquele que

possui relação direta com o fato que sofreu a incidência da norma jurídica tributária. Por

outro lado, será responsável tributário aquele que, embora não tenha realizado o fato jurídi-

co tributário, a lei atribua a este a condição de responsável pelo pagamento do tributo, sen-

do imprescindível, entretanto, que esta figura possua, ao menos, relação indireta com a

“ocorrência do fato” que desencadeou a incidência normativa72.

II.II Critério quantitativo

Por sua vez, o critério quantitativo é composto pela:

(ii.ii.i) “base de cálculo”, que, segundo a lição de PAULO DE BARROS CAR-

VALHO, “... é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz tributária, e que se

destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no nú-

cleo do fato jurídico, para que se combinando à alíquota, seja determinado o valor da

prestação pecuniária” 73. Por outras palavras, é a base de cálculo grandeza que possibilitará

dimensionar, em termos econômicos, o evento descrito no critério material da hipótese

normativa possibilitando, após a conjugação com a alíquota, a apuração do “quantum de-

beatur” do tributo. A base de cálculo há de dimensionar – função mensuradora – o evento

descrito na hipótese normativa; e, em razão de imposição constitucional – artigos 145, § 2º

e 154, I – por ser o binômio “hipótese de incidência x base de cálculo” constituído de ele-

72 O Código Tributário Nacional: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de

modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter su-pletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

73 Curso..., op. cit., p. 341-342.

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mentos imprescindíveis para a identificação da natureza jurídica de um tributo – função

comparativa – assim como da sua quantificação em pecúnia – função objetiva74.

Importante, pois, chamar a atenção para as funções desempenhadas pela base de

cálculo e, para tanto, vale-se das palavras de JOSÉ ROBERTO VIEIRA, que assim enun-

cia:

Antes de tudo, avivemos na retentiva, por um curto intervalo, as respeitáveis fun-ções desta entidade tributária: colaborar na determinação da dívida (objetiva), dimensionar o fato jurídico (mensuradora) e afirmar, confirmar ou infirmar o cri-tério material da hipótese de incidência tributária (comparativa). Avivamento que se deve estender à participação da base de cálculo naquele binômio identifi-cador do tributo, de par com a hipótese de incidência tributária, do que se deduz a sua característica de imprescindibilidade.75

Firme nessas lições, portanto, pode-se dizer que a base de cálculo possui três fun-

ções bem definidas pelo sistema. São elas: funções objetiva, mensuradora e comparativa;

todas elas contribuindo decisivamente para a determinação da natureza jurídica da exação

instituída e, ainda, para a quantificação da importância devida a título de tributo e para o

seu dimensionamento econômico.

(ii.ii.ii) “alíquota”, é grandeza que uma vez associada à base de cálculo, “... dá a

compostura numérica da dívida, produzindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ati-

vo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico”76. Im-

74 Constituição Federal: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir

os seguintes tributos:

§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no art. anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição” ; (grifo nosso).

75 A regra-matriz ..., op. cit., p. 114. 76 PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 352. A lição de GERALDO ATALIBA é no

mesmo sentido: “Não basta para a fixação do ‘quantum debeatur’, a indicação legal da base imponível. (...). A lei deve estabelecer outro critério quantitativo que – combinado com a base imponível – permita a fixação do débito tributário, decorrente de cada fato imponível. Assim, cada obrigação tributária se ca-racteriza por ter certo valor, que só pode ser determinado mediante a combinação de dois critérios: a ba-se imponível e a alíquota” – Hipótese..., op. cit., p. 114-115.

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portante ressaltar, no entanto, que essa grandeza não tem apenas a função da determinar o

valor da dívida tributária, isso porque nos tributos sujeitos ao Princípio da Seletividade,

como é o caso do IPI e do ICMS, a variação das alíquotas exerce importante mecanismo de

realização dos Princípios da Capacidade Contributiva e da Igualdade. Nesse sentido são as

lições de JOSÉ ROBERTO VIEIRA:

Mencionado seu trabalho numérico, parece esgotar-se o tema da alíquota tributá-ria. Não nos enganemos, contudo, especialmente nos domínios do IPI, onde esta entidade assume foros de maior relevância, porque instrumento de realização do Princípio da Seletividade, assim consagrado no Texto Magno: “O imposto previs-to no inciso IV será seletivo, em função da essencialidade do produto.” (art. 153, § 3º, I); comando reproduzido ao pé da letra pelo artigo 48 do Código Tributário Nacional.

Na seletividade em função da essencialidade dos produtos está, com efeito, a pre-ocupação do legislador constitucional com a capacidade contributiva (Consti-tuição, art. 145, § 1º). É certo, como assegura ALIOMAR BALEEIRO, que “a natureza da mercadoria vale presunção do seu destino a pessoas de hábitos re-quintados, largas posses ou que dispõem de recursos outros além dos estritamen-te necessários à satisfação das necessidades fundamentais”77.

Por fim, deve-se ressaltar que a alíquota pode aparecer consubstanciada em: a) va-

lor monetário fixo ou variável em função de escalas progressivas da base de cálculo (p.ex.:

$ 1,20 por metro linear, até 100 metros; $ 2,40 por metro linear, de 100 a 300 metros, e as-

sim por diante); ou b) uma fração, percentual ou não, da base de cálculo – que neste caso

será representada por uma quantia monetária78.

Apresentada, na forma exposta, a estrutura lógica da regra-matriz de incidência

tributária, e demonstrada, ainda que a passos largos, a importância dos critérios que com-

põem o antecedente e o consequente normativos, para a identificação da figura tributária, já

se pode avançar um pouco, tratando do alcance da expressão “renda e proventos de qual-

quer natureza” e especificamente da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda

da Pessoa Jurídica.

77 A regra-matriz ..., op. cit., p. 125-126. No mesmo sentido: JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Imposto sobre

Produtos Industrializados: Uma Águia Garciamarquiana entre os Tributos, Tributação das Empresas, p. 193.

78 PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 353.

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3.2.3 A Regra-Matriz de Incidência do Imposto sobre a Renda

3.2.3.1 Nota Introdutória

Nesta seção, pretende-se aprofundar os estudos das definições de “renda” e “pro-

ventos de qualquer natureza” e, aproveitando esses conceitos, já se trabalhar conjuntamente

com os dados da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda, para, ao final deste

terceiro capítulo, ser possível apresentar, de forma estruturada, a norma padrão de incidên-

cia desse imposto, levando-se em conta a apuração pelas modalidades do lucro real e do lu-

cro presumido.

3.2.3.2 O Antecedente Normativo

3.2.3.2.1 O critério material

Importante destacar, na linha argumentativa até aqui desenvolvida, que, embora a

Constituição Federal de 1988, no artigo 153, III, não trate, de forma expressa, de qual seria

o conteúdo semântico da expressão “renda e proventos de qualquer natureza”, parece evi-

dente que tal conceito pode ser deduzido desse suporte normativo, bem como do contexto

da Carta da República, considerando-a como fundamento de validade de todo o ordenamen-

to jurídico brasileiro79-80.

79 Constituição Federal de 1988: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

II - renda e proventos de qualquer natureza”.

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Os vocábulos “renda” e “proventos” são signos plurissignificativos, podendo as-

sumir diversas significações, a depender do objeto de estudo e do campo do conhecimento

a que esteja afeto o intérprete. Essa é a razão da importância de buscar-se uma significação

do que vem a ser “renda” e “proventos” de qualquer natureza, para efeito deste trabalho,

evitando-se, pois, que eventuais ambiguidades dos termos comprometa os resultados encon-

trados.

Numerosos foram os esforços doutrinários, ante a complexidade que envolve a tri-

butação do contribuinte pelo Imposto sobre a Renda, para chegar a um conceito satisfatório

de qual seja o conteúdo e alcance do vocábulo renda. Esse esforço é retratado, em breves

linhas, por MISABEL ABREU MACHADO DERZI, ao sustentar:

Os esforços doutrinários para buscar um conceito de renda, no Brasil e alhures, como roteiro a ser seguido pelo legislador ordinário, são muito antigos. Basta ci-tar que a primeira tendência constitucional expansionista desse conceito adveio da 16ª Emenda à Constituição dos EUA, de 1913, que assim dispôs: “O Congres-so terá o poder de aplicar e cobrar impostos sobre ingressos, que derivem de qualquer fonte, sem dividi-los entre os distintos Estados e sem relacioná-los com algum censo ou lista”. Além disso, a Corte Suprema daquele país já havia fixado a inteligência de que renda “é o ganho derivado do capital, do trabalho ou de am-bos combinados, sempre que se entenda incluído o benefício ganho através da venda ou conversão do capital”.81

Não obstante isso, tendo em vista que o arquétipo do Sistema Constitucional Tri-

butário brasileiro foi desenhado pelo Legislador Constituinte Originário, com modificações

por parte da competência reformadora, de forma que, sendo a Constituição Federal que le-

gitima a invasão do fisco na esfera do Direito de propriedade privada, impondo, aos parti-

culares, o dever de recolher tributos, não se pode conceber uma análise do conteúdo do sig-

no “renda” sem que o pressuposto de tal análise seja o Texto Supremo.

80 Nas palavras de ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “O vocábulo ‘renda’, do Latim ‘reditius’ (em Latim

vulgar, ‘renditia’), que deriva de ‘reddere’, algo que se repete, passou, com o significado, primeiro, ‘de algo que se produz na terra’ e, depois, de qualquer ‘riqueza nova’, ao Italiano ‘reddito’, e daí ao Espa-nhol ‘renta’ e ao Francês ‘revenue’. seguindo na mesma linha, ‘renda’ em inglês é ‘income (come in)’, denotando aquilo que ‘entra’; em Alemão é ‘Einkonamen’, significando ‘ingresso’ ou ‘entrada’ – Impos-to sobre a Renda – perfil constitucional e temas específicos, p. 33.

81 ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário Brasileiro , p. 288.

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A análise do que vem a ser renda e a necessidade de que ela seja considerada ape-

nas em função do transcurso de um determinado tempo já permite, ademais, identificar os

dois primeiros dados da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos

de Qualquer Natureza, tratando-se, pois, dos critérios material e temporal da norma tributá-

ria, sendo este último objeto de análise na sequência.

Ao enfrentar o conceito de renda, o saudoso ALIOMAR BALEEIRO esclarece

que a caracterização da renda, para fins de incidência do Imposto sobre a Renda, deve pres-

supor quatro fatores, a saber: (i) a existência de fonte permanente, considerada (ii) durante

um período de tempo, sendo (iii) as utilidades de caráter periódico e (iv) a aplicação da ati-

vidade do titular na gestão da fonte82.

Nas palavras do próprio BALEEIRO:

Em princípio, do ponto de vista jurídico-tributário, a existência da renda pressu-põe: a) fonte permanente, como a casa, a fábrica, a atividade física ou intelectual do indivíduo; b) o decurso dum período de tempo, geralmente de um ano; c) cará-ter periódico ou regular das utilidades; d) aplicação da atividade do titular na ges-tão da fonte (o aménagement da fonte, segundo Allix e Lacerclé).83

Pode-se identificar, outrossim, com base na obra de PAULO DE BARROS CAR-

VALHO, três correntes doutrinárias que buscam conceituar o vocábulo “renda”, fazendo-o,

da seguinte forma:

a) “teoria da fonte”, para a qual “renda” é o produto de uma fonte estável, suscep-tível de preservar sua reprodução periódica, exigindo que haja riqueza nova (pro-duto) derivada de fonte produtiva durável, devendo esta subsistir ao ato de produ-ção;

82 MIZABEL ABREU MACHADO DERZI esclarece que “Tanto a ideia de renda nacional, como de renda

para fins de tributação, repousam, assim, na ideia de remuneração dos fatores de produção, ganho ou adição de riqueza nova. Mas, como alerta Bulhões Pedreira, nem o conceito econômico de renda nacio-nal, nem o de produto nacional, prestam-se à noção de renda, que é sempre pessoal, para fins de imposto de renda” – Nota in ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário ..., op. cit., p. 289.

83 Direito Tributário ..., op. cit., p. 283.

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b) “teoria legalista”, que considera “renda” um conceito normativo, a ser estipu-lado pela lei: renda é aquilo que a lei estabelecer que é; e

c) “teoria do acréscimo patrimonial”, onde “renda” é todo ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitó-rio ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe um incremento líqui-do do patrimônio de determinado indivíduo, em certo período de tempo.84

O mesmo autor assevera que prevalece, em face do ordenamento jurídico brasilei-

ro, a teoria do acréscimo patrimonial, aduzindo:

... prevalece, no direito brasileiro, a terceira das teorias referidas, segundo a qual o que interessa é o aumento do patrimônio líquido, sendo considerado como lucro tributável exatamente o acréscimo líquido verificado no patrimônio da empresa, durante período determinado, independentemente da origem das diferentes parce-las.85

Por outro lado, RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA, também tratando das teorias

que buscam definir o conceito de renda e proventos de qualquer natureza, esclarece:

Realmente, pondo de lado algumas ideias específicas de menor relevância, duas são as correntes que definem renda: uma que considera renda como produto ou resultado de uma fonte econômica da qual ela se origina e outra que considera renda como acréscimo patrimonial originado de qualquer fonte eficiente, interna ou externa ao patrimônio aumentado, sendo, portanto, irrelevante a participação deste na obtenção do acréscimo.

(...).

As consequências de uma e de outra corrente podem ser sentidas pelos respecti-vos alcances. Basta dizer que, para a primeira corrente, as doações e outros in-gressos no patrimônio que não sejam produzidos por ele próprio ou por seu titular não se configuram como renda, ao passo que, para a segunda corrente, esses in-gressos representam renda simplesmente por ocorrer o acréscimo patrimonial, in-dependentemente da sua origem ou causa produtora.

84 Direito Tributário – Linguagem ..., op. cit., p. 671. 85 Ibidem, p. 671. MARY ELBE QUEIROZ, citando HUGO DE BRITO MACHADO, corrobora essa con-

clusão:“... sem acréscimo não há renda nem proventos. Portanto, fica estreito o âmbito de liberdade do legislador ordinário ‘que não poderá definir como renda, ou proventos, algo que não seja na verdade um acréscimo patrimonial’” – Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 70.

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Já franca e exclusivamente no campo jurídico, em que estas duas correntes tam-bém se manifestam, surge uma terceira corrente, chamada “legalista”, para a qual não interessa o que as ciências pré-jurídicas entendam por renda, pois renda é o que a lei disser que é.

Muito embora ela se volte principalmente para o conteúdo da base de cálculo, e não para o fato gerador em si, não é necessário ir muito fundo para se saber que a corrente legalista somente pode ser aceita no plano da definição constitucional de competências tributárias, em virtude do amplo poder detido por Constituição ori-ginária, mas mesmo assim sob alguns limites derivados, principalmente da natu-reza das coisas e da necessidade de haver real densidade econômica nos signos de capacidade contributiva eleitos como fatos passíveis de tributação86.

A seguir, analisando a compatibilidade dessas teorias com o Sistema Constitucio-

nal tributário e o Código Tributário Nacional, conclui RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA:

Em síntese, mesmo sem ingressar nas críticas justamente assacadas contra a lega-lista, a Constituição e o CTN não se filiaram a ela, assim como não se filiaram necessariamente a uma das duas correntes definidoras da renda em sentido amplo, isto é, nem à da renda-produto, nem à da renda-acréscimo. O que se constata é que as duas leis fundamentais do imposto de renda ficaram num terreno híbrido em que as ditas teorias foram acolhidas, na Constituição, como uma possibilidade ante a extensão da denominação constitucional atribuída ao imposto e, no CTN como uma certeza decorrente dos incisos I e II do seu art. 43, aquele reflexo pleno da renda-produto, e este reflexo limitado da renda-acréscimo. Em outras palavras, há vestígios das duas correntes na definição do fa-to gerador fornecida pelo art. 43 do CTN87.

GISELE LEMKE, tratando das teorias (i) da renda-produto, (ii) da renda acrésci-

mo-patrimonial e (iii) legalista, chega a conclusões distintas em relação a PAULO DE

BARROS CARVALHO e RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA, aduzindo a primeira:

Pode-se ensaiar uma conclusão, diante dos pressupostos acima. A legislação fis-cal não está jungida à adoção do conceito de renda das teorias econômicas. Isto porque a Ciência Jurídica e a Ciência Econômica têm objetos distintos. Esta últi-ma não está preocupada com a renda como objeto de tributação e muito menos com a observância dos princípios constitucionais. Ademais, são tantos e tão di-versos os conceitos econômicos de renda que se tornaria muito difícil a escolha

86 Fundamentos do Imposto de Renda, p. 176-177. 87 Ibidem, p. 200.

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de um deles como base para a legislação fiscal. Isso não significa, porém, que a Ciência Jurídica deva ignorar completamente a existência de conceitos econômi-cos de renda. Sobretudo o legislador ordinário não pode fazê-lo, pois os pressu-postos das normas tributárias é a existência de riqueza, conceito este estudado pe-la Economia, sendo a renda um de seus índices. Como parâmetro para as normas jurídicas, são fundamentais, portanto, as teorias econômicas sobre a renda.

(...).

Como se pode deduzir, adota-se o entendimento de que a teoria mais adequada em termos jurídicos é a legalista. Mas aqui é preciso fazer uma distinção, que já foi adiantada em algumas notas de rodapé. Há que se distinguir as teorias legalis-ta em sentido estrito e em sentido amplo. Aquela defende o ponto de vista de que a lei ordinária pode determinar livremente os fatos que indicam renda para o efei-to de incidência do IR. Essa teoria é adotada, algumas vezes, pela nossa jurispru-dência. Já a teoria legalista em sentido amplo afirma a autonomia do ordenamento jurídico para estabelecer o que seja renda, devendo a legislação ordinária, porém, atender aos parâmetros constitucionais.

Na verdade, a diferença entre essas teorias verificar-se-á, na prática, somente quando a Constituição, embora fazendo menção ao vocábulo “renda” para delimi-tar a competência tributária do legislador ordinário, não explicitar o sentido em que o tomou. Nessa hipótese, adotando-se a primeira daquelas teorias, simples-mente seria desconsiderada a menção da Lei Maior a referido vocábulo, pelo fato de não constar de seu texto uma definição expressa dele. É essa a teoria do Fisco em nosso país. Já em se adotando a teoria legalista em sentido amplo, tem-se que não poderá a lei ordinária instituir IR, tomando por base fatos que evidentemente não constituem renda, pois há que se pressupor a incorporação pela Constituição do significado mínimo dos vocábulos por ela utilizados. De outro modo, ruiria todo o sistema constitucional de repartição de competências tributárias. Por essas razões, reputa-se preferível esta última teoria88.

Dessas definições destacadas, se pode observar a forte influência que o Princípio

da Capacidade Contributiva exerce sobre a delimitação do conceito de renda, isso porque

somente pode ser considerado como renda o acréscimo patrimonial efetivamente experi-

mentado pelo contribuinte, i. é., aqueles valores que representam um incremento patrimoni-

al se comparado com uma situação anterior89. Valores que representam, de fato, um aumen-

to de patrimônio por parte do sujeito que “auferiu renda”.

Na lição de PAULO AYRES BARRETO:

88 Imposto de Renda – os Conceitos de Renda e de Disponibilidade Econômica e Jurídica, p. 29-30. 89 Adverte JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES que “... somente a parcela do faturamento que remanesça

na titularidade da sociedade empresária após a consideração das saídas relevantes é que passa a mani-festar certa capacidade contributiva” – Imposto sobre a Renda – pressupostos constitucionais, p. 177.

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Tomado um determinado patrimônio pertencente a uma pessoa (física ou jurídi-ca), verifica-se a configuração de renda se ocorrer um acréscimo ao patrimônio originalmente considerado, observado um intervalo de tempo suficiente a que se proceda o efetivo cotejo entre determinados ingressos e desembolsos, entradas e certas saídas

Temos, pois, como cediço, que a expressão renda e proventos de qualquer nature-za é de ser interpretada, nos estritos termos em que constitucionalmente plasma-da, como acréscimo a um dado conjunto de bens e direitos (patrimônio), perten-cente a uma pessoa (física ou jurídica), observado um lapso temporal necessário para que se realize o cotejo entre determinados ingressos, de um lado, e certos de-sembolsos, de outro. Tomaremos a expressão proventos de qualquer natureza como espécie do gênero renda, pressupondo-se sempre a verificação de efetivo acréscimo patrimonial.

(...).

Em súmula, só há de se cogitar a respeito da tributação sobre a renda se estiver-mos diante de acréscimo patrimonial. A síntese do critério material possível deste imposto é auferir renda e proventos de qualquer natureza, tomando essa expres-são no sentido de acréscimo patrimonial90.

JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES conceitua a renda como sendo:

... o saldo positivo resultante do confronto entre certas entradas e certas saídas, ocorridas ao longo de um dado período. (...) a ideia de saldo positivo representa um “plus”, algo que foi acrescido ao patrimônio original do contribuinte, de for-ma que renda haverá, portanto, quando houver sido detectado um acréscimo, um plus; tenha ele, ou não, sido consumido; seja ele, ou não, representado por ins-trumentos monetários, direitos, ou por bens materiais, imateriais ou físicos, mó-veis ou imóveis, agora não importa.91

Não obstante o conceito constitucional de renda demonstrar que a incidência do

Imposto sobre a Renda apenas se pode concretizar ao ser caracterizada a renda, assim en-

tendida como um “plus” em relação à situação jurídica anterior e que serviu de referência,

experimentando verdadeira mutação positiva do patrimônio, não se pode deixar de ressaltar

90 Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência, p. 71-72. 91 Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 180.

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que esse imposto apenas poderá incidir se houver efetiva disponibilidade econômica ou ju-

rídica de renda92.

Em termos singelos, a aquisição da disponibilidade econômica de renda está ligada

ao recebimento de valores decorrentes de bens ou serviços, de algo material, enquanto que

a disponibilidade jurídica está relacionada ao recebimento de direitos93. MARY ELBE

QUEIROZ estabelece a diferença entre disponibilidade econômica e jurídica, nos seguintes

termos:

Entende-se por disponibilidade econômica a percepção efetiva da renda ou pro-vento. A aquisição se dá pelo fato material, independentemente da legalidade, ou não, do modo de obtenção. Portanto, a disponibilidade pode ocorrer de forma não acolhida pela ordem jurídica. A interpretação doutrinária e jurisprudencial que

92 Sustenta IVES GANDRA DA SILVA MARTINS que “... o imposto sobre a renda, longa tradição na his-

tória brasileira e na mundial – desde Willian Pitt, que desenhou seu perfil moderno, na Inglaterra, em 1799, para financiar a guerra contra a França – é, de rigor, um imposto incidente sobre o acréscimo pa-trimonial, bem definido pelo legislador complementar como a ‘aquisição de disponibilidade jurídica e econômica de renda ou de proventos de qualquer natureza’. Incide, pois, sobre a renda e sobre proventos, desde que representem, uns e outros, aquisição de disponibilidade econômica e jurídica” (sic) – O Fato Gerador do Imposto sobre a Renda e a Aquisição de Disponibilidade Econômica ou Jurídica que implique Acréscimo Patrimonial – Inteligência do art. 43 do Código Tributário Nacional – Ilegalidade de Pretendi-da Incidência sem Ocorrência de Acréscimo, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 137, p. 110.

93 GISELE LEMKE apresenta a seguinte definição para disponibilidade econômica de renda: “Portanto, renda disponível economicamente seria toda a riqueza nova, em bens ou em dinheiro, livre e usualmente negociada no mercado. Ou seja, toda riqueza passível de conversão em dinheiro, mediante trocas no mercado. Não importa pesquisar a origem dessa riqueza, se ela é legitima ou não. Basta que exista rique-za nova e que ela possa ser facilmente negociada no mercado. Isso costuma acontecer, no que se refere à riqueza consubstanciada em direitos de propriedade”. Quanto à definição para disponibilidade jurídica de renda, ressalta: “A interpretação que se tem por mais satisfatória para a expressão ‘disponibilidade jurí-dica’ é a de Bulhões Pedreira, ora apresentada, no sentido de que a disponibilidade jurídica é a disponi-bilidade econômica presumida por força de lei. A esse resultado não se pode chegar, evidentemente, atra-vés de uma interpretação meramente gramatical ou lógico-sistemática. É preciso fazer uso também dos métodos histórico-sociológico e axiológico (ou teleológico) os quais, nesse caso, se confundem um pouco. Assim, pode-se ler em Bulhões Pedreira, conforme examinado na seção 6.3.1, que a expressão em tela surgiu para possibilitar a tributação pelo IR sobre rendimentos ainda não recebidos em moeda, como era o caso dos juros creditados em contas correntes bancárias ou dos lucros creditados aos sócios. Vale di-zer, para tributar renda cuja percepção em moeda pelo contribuinte podia ser seguramente presumida, por depender essa percepção, basicamente, de ato próprio do contribuinte” – Imposto..., op. cit., p. 110 e 115. Não se pode deixar de ressaltar, por outro lado, que essa distinção entre aquisição econômica e jurídi-ca de renda não é unânime na doutrina, a exemplo de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, que aduz: “Sempre tive pra mim – no que fui acompanhado pelo Ministro Sebastião Reis, do Superior Tribunal de Justiça –, que não há aquisição de disponibilidade econômica que não seja jurídica, pois, se não o fosse, não estariam no mundo do direito. De qualquer forma, à luz do art. 116 do CTN, tem a doutrina entendi-do que a aquisição de disponibilidade econômica corresponde àquela disponibilidade real – ou a obten-ção de fato de recursos – e a aquisição de disponibilidade jurídica, à aquisição de direitos sobre disponi-bilidades possíveis, com os temperamentos do art. 117” – O Fato Gerador..., op. cit., p. 111.

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vem sendo dada à matéria é a de que a disponibilidade e a respectiva tributação alcançam, inclusive, os ganhos decorrentes de contravenções penais, como ren-dimentos percebidos de atividades de jogo do bicho, prostituição, corrupção, des-vios de recursos, etc.

Já disponibilidade jurídica diz respeito à aquisição de um título jurídico que con-fere direito de percepção de um valor definido, ingresso de forma legal, no patri-mônio. É a aquisição por meio de uma das formas legítimas e legais, de acordo com o direito. Pressupõe disponibilidade econômica, enquanto disponibilidade fi-nanceira é o ingresso físico do valor cuja disponibilidade econômica ou jurídica foi previamente adquirida. Nesse caso existe a posse efetiva dos valores (sic).94

Apenas se poderá falar, então, na incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos

de Qualquer Natureza quando houver, por parte do contribuinte, efetiva experiência de au-

mento patrimonial, ou seja, se restar concretizada a disponibilidade econômica ou jurídica

da renda. Não havendo essa disponibilidade ou, por outro lado, inexistindo o “plus” que se

acresce ao patrimônio anterior e que serviu de referência, não se poderá admitir a incidên-

cia do mencionado imposto, sob pena de a tributação recair sobre o patrimônio, e não sobre

a renda.

MARY ELBE QUEIROZ lembra que o Princípio adotado para as pessoas jurídicas

é o da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, independentemente da disponi-

bilidade financeira, pois é o regime de registro e apuração dos resultados, indicados pela

contabilidade, de acordo com o regime de competência, que demonstrará a existência ou

não da disponibilidade de renda. Sintetiza a autora:

Em relação às pessoas jurídicas, a lei adota como princípio o da aquisição da dis-ponibilidade econômica ou jurídica do ganho, independentemente da disponibili-dade financeira, ao consagrar como regra, salvo exceções expressas, o registro e apuração dos resultados pelo regime de competência, desvinculado do efetivo in-gresso ou dispêndio de caixa/banco da pessoa jurídica. Esse regime de competên-cia é acolhido pelas Ciências Contábeis e pelas Leis Comerciais como sendo o que melhor retrata a situação patrimonial da pessoa jurídica em cada período.95

94 Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 72-73. 95 Ibidem, p. 74.

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Dessa forma, tendo em vista a necessidade de a renda representar efetivo acrésci-

mo no patrimônio do contribuinte e que seja experimentada pela sua real disponibilidade

econômica ou jurídica, é que o faturamento da pessoa jurídica, por ser “mero ingresso fi-

nanceiro decorrente da realização do objeto social da empresa”, ou seja, “o fruto da venda

de bens e serviços”, sendo a soma dos valores das faturas ou notas fiscais emitidas, não po-

der ser confundido com o conceito constitucional de renda96. JOSÉ ARTUR LIMA GON-

ÇALVES esclarece, acerca do assunto, que:

(...) a noção de faturamento é neutra e imprestável para a significação de capaci-dade contributiva. Deveras, isoladamente considerado, o faturamento não é ele-mento idôneo para a avaliação de capacidade contributiva, posto que, confrontado com eventuais saídas, pode ter sua aparente vocação para “signo presuntivo de ri-queza” (na expressão de Becker) totalmente aniquilada.

E a razão é simples: (...) Somente a parcela do faturamento que remanesça na titu-laridade da sociedade empresaria após a consideração das saídas relevantes é que passa a manifestar certa capacidade contributiva. Antes dessa operação (de dedu-ção) o faturamento é neutro.97

A forma como foi construído o arquétipo constitucional do Imposto sobre a Renda

da Pessoa Jurídica, portanto, não permite a incidência desse imposto sobre o faturamento, a

uma, porque tal materialidade já é objeto de tributação por outra espécie tributária, a exem-

plo da contribuição para o PIS e da COFINS, entre outras e, a duas, porque a hipótese de

incidência do Imposto sobre a Renda difere do faturamento, por levar em consideração a

renda efetivamente experimentada, e não os ingressos financeiros decorrentes da atividade

empresarial.

96 Asseverou o Min. MARCO AURÉLIO, no RE 350.950-9/RS: “A jurisprudência do Supremo, ante a re-

dação do art. 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as a venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o art. § 1º, do art. 3º, da Lei 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídi-cas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada (sic)” – RE 357.950-9/RS, relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28357950%2ENUME%2E+OU+357950%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos, acesso em: 26/08/2012.

97 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 177.

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Além da renda, como demonstrado, não poder ser confundida com a noção de fa-

turamento; insta salientar que essa confusão conceitual também não deve ocorrer em rela-

ção à definição de rendimento, que parte da ideia de que se resume em “ganho”, cuja defi-

nição independe de um período de tempo determinado.

Rendimento é signo que pode assumir vários significados, a depender do contexto

em que inserido, todavia, considerando-se a realidade empresarial e os limites da análise

efetuada neste trabalho, os rendimentos podem ser os resultados financeiros obtidos com o

desenvolvimento da atividade da pessoa jurídica ou, ainda, os frutos advindos da remunera-

ção de aplicação financeira efetivada pela empresa, apenas para ficar em dois exemplos.

Para o Direito Tributário, os rendimentos são a totalidade dos ingressos financeiros que,

após a dedução das despesas permitidas em lei, possibilitarão a composição do conceito

constitucional de renda.

GISELE LEMKE, destaca:

É preciso evitar a confusão entre renda e rendimento. A empresa pode ter, num dado período, rendimentos decorrentes de suas aplicações financeiras. Mas isso não significa que tenha tido renda. Esses rendimentos serão computados como elementos positivos no cálculo da renda. A existência ou inexistência desta, po-rém, somente será conhecida ao final do período, quando forem somados os ele-mentos positivos e subtraídos os elementos negativos. (...) uma vez se aceitando a tributação autônoma de determinados rendimentos, abrem-se as portas para a cri-ação de um sistema complexo, em que todos os rendimentos seriam tributados separadamente, com o que a empresa sofreria tributação pelo IR, sem embargo de ter apurado resultado negativo ao final do período, o que fere os princípios da re-partição constitucional de competências (com a tributação do patrimônio) e da capacidade contributiva.98

Ampliando um pouco mais a análise, sem, no entanto, perder o foco da compreen-

são de como se dá a construção do conceito de renda, também não poderá tal conceito ser

confundido com o de “receitas”, pois, naquele caso, serão considerados aqueles ingressos

financeiros que, além de pertencerem à pessoa jurídica, ainda representem incremento pa-

trimonial para a empresa. Note-se que, na receita, leva-se em consideração apenas a “entra-

98 Imposto de Renda..., op. cit., p. 134-135.

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da de valores” que promove o incremento de uma situação patrimonial, todavia, não se co-

gita, ainda, de promover-se as deduções autorizadas por lei para extrair-se o conceito de

renda.

No conceito de receita, portanto, incluem-se todas aquelas entradas de recursos

experimentados pela pessoa jurídica, não se limitando, entretanto, a apenas os ingressos de-

correntes da venda de bens ou serviços, como ocorre no faturamento, mas devendo-se con-

siderar, para a composição de receita, todos os ingressos financeiros, decorrentes do desen-

volvimento da atividade empresarial ou não.

AIRES FERNANDINO BARRETO trata, de forma clara, sobre o tema:

As receitas são entradas que modificam o patrimônio da empresa, incrementan-do-o. Os ingressos envolvem tanto as receitas quanto as somas pertencentes a ter-ceiros (valores que integram o patrimônio de outrem): são aqueles valores que não importam modificação no patrimônio de quem os recebe, porém mero trânsi-to para posterior entrega a quem pertencerem. (...) Apenas os aportes que incre-mentem o patrimônio, como elemento novo e positivo são receitas. (...). Receita é, pois, a entrada que, sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, se integra ao patrimônio da empresa, acrescendo-o, incrementando-o.99

EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO trilha o mesmo entendimento:

[...] os contribuintes dos tributos citados têm o direito de não considerar, como receitas próprias, valores que apenas transitam por seus livros fiscais, sem repre-sentar, entretanto, acréscimo patrimonial. Tal é o caso, v.g., dos montantes a ele repassados para satisfação de despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, ou para pagamento, aos efetivos prestadores, por serviços por eles apenas inter-mediados.100

99 Apud SACHA CALMON NAVARRO COELHO, O ICMS não integra a Base de Cálculo do PIS/Cofins –

ADC nº 18, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 196, p. 153. 100 Base imponível do ISS e das contribuições para o PIS e COFINS, Repertório IOB de jurisprudência nº

23, p. 667.

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Por sua vez, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, debatendo sobre o conteúdo

do signo “receitas públicas”, diz:

No âmbito das receitas públicas (critérios aplicáveis às receitas privadas, equiva-lentes aos preços), clássica doutrina assentara os conceitos seguintes:

3. Entradas ou ingressos – As quantias recebidas pelos cofres públicos são gene-ricamente designadas como ‘entradas’ ou ‘ingressos’. Nem todos esses ingressos, porém, constituem receitas públicas, pois alguns deles não passam de ‘movimen-tos de fundo’, sem qualquer incremento ao patrimônio governamental, desde que estão condicionados a restituição posterior, ou representam mera recuperação de valores emprestados ou cedidos pelo Governo.101

AIRES FERNANDINO BARRETO, embora tratando sobre ISS, faz importante

distinção entre receita e meros ingressos, mas que se aplica perfeitamente ao caso do Im-

posto sobre a Renda, para demonstrar a impossibilidade de confundir os conceitos de renda,

antes retratado, e de receita:

Tenha-se presente que os valores que transitam pelo caixa das empresas (ou pelos cofres públicos) são de duas espécies: os que configuram receitas e os que se ca-racterizam como meros ingressos (que, na Ciência das Finanças, recebem a de-signação de movimentos ou fundo de caixa). Receitas são entradas que modifi-cam o patrimônio da empresa, incrementando-o. Ingressos envolvem tantos as re-ceitas como as somas pertencentes a terceiros (valores que integram o patrimônio de outrem). São aqueles valores que não importam modificação no patrimônio de quem os recebe, para posterior entrega a quem pertencem. Apenas os aportes que incrementam o patrimônio, como elemento novo e positivo, são receitas. Os me-ros ingressos não configuram receitas – e só estas integram a base de cálculo do ISS, porque delas se pode dizer que remuneram a atividade econômica desenvol-vida. Só elas representam o preço dessa atividade. Só elas podem consubstanciar pagamento da prestação contratual correspondente.102

As distinções entre os conceitos de renda, faturamento, rendimentos e receitas dei-

xam absolutamente clara a impossibilidade de tributar qualquer grandeza que não seja o

101 ISS – Aspectos teóricos e práticos, p. 137. 102 ISS na Constituição e na Lei, p. 389.

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“plus” efetivamente experimentado pelo contribuinte, ou seja, o acréscimo concreto de pa-

trimônio, após considerar os ingressos financeiros e deduzir as despesas permitidas pela lei.

Por sua vez, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, defendendo igualmente que o

conceito de renda e proventos de qualquer natureza se extrai a partir do texto da Constitui-

ção Federal, destaca que “‘... rendas e proventos de qualquer natureza’ são ganhos econô-

micos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de

ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio,

num certo lapso de tempo”103.

Como já se pode perceber, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, para efeito de defi-

nição, promove uma equiparação dos conceitos de renda e proventos de qualquer natureza,

considerando ambos como

... acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte ao longo de um de-terminado período de tempo. Ou, caso preferirmos, são o resultado positivo de uma subtração que tem por minuendo os rendimentos brutos auferidos pelo con-tribuinte em dois marcos temporais, e por subtraendo o total das deduções e aba-timentos que a Constituição e as leis que com ela se afinam permitem fazer.104

Não parece haver problema na equiparação dos conceitos de “renda” e “proventos

de qualquer natureza”, como o faz ROQUE CARRAZZA, desde que se trabalhe com uma

definição ampla, ou seja, com a ideia de acréscimo patrimonial, independentemente da ori-

gem ou da natureza jurídica dos valores, bens ou direitos que compõem esse acréscimo pa-

trimonial, considerando-se todos os ingressos, financeiros ou não, experimentados pelo

contribuinte.

Essa ressalva faz-se importante, pois não se pode ignorar que, ao tratar específica e

individualmente dos bens, valores ou direitos que compõem o conceito de renda, ter-se-á

que considerar a diferença conceitual existente, como, por exemplo, na impossibilidade de

equiparar-se a “remuneração”, que, nessa perspectiva, comporia o conceito de renda, com

103 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 35. 104 Ibidem, p. 36.

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os valores recebidos em decorrência de doação, prêmio de loteria ou recebimento de heran-

ça, que seriam, todos eles, considerados no conceito de proventos105.

Nesse sentido, para efeito dessas linhas, não se vê óbice em trabalhar com a equi-

paração, sugerida por ROQUE CARRAZZA, entre renda e proventos de qualquer natureza;

no entanto, deve-se estar atento para a advertência de que se consideram tais definições em

sentido amplo e, se for o caso de trabalhar com alguma categoria específica, como por

exemplo, os rendimentos oriundos do jogo do bicho, far-se-á, então, o esclarecimento ne-

cessário, no sentido de que se considera tais valores como “proventos de qualquer nature-

za”, eis que não decorrentes do capital ou do trabalho, considerando-se, agora, os conceitos

em sentido estrito106.

Na mesma linha de raciocínio, equiparando renda e proventos de qualquer nature-

za, para efeito de definição, encontra-se o pensamento de LUÍS CÉSAR SOUZA DE

QUEIROZ, para quem:

105 Embora se parta do pressuposto de que não há óbice em equiparar os conceitos, em sentido lato, de “ren-

da” e “proventos de qualquer natureza”, mostra-se relevante, entretanto, demonstrar que parte da doutrina entende haver diferença conceitual entre eles, a exemplo de MISABEL ABREU MACHADO DERZI, pa-ra quem “ * renda é produto, fluxo ou acréscimo patrimonial, inconfundível com o patrimônio de onde promana, assim entendido o capital, o trabalho ou a sua combinação; provento é forma específica de rendimento tributável, tecnicamente compreendida como o que é ‘fruto não da realização imediata e si-multânea de um patrimônio, mas sim, do acréscimo patrimonial resultante de uma atividade que já ces-sou, mas que ainda produz rendimentos’, como os benefícios de origem previdenciária, pensões e aposen-tadoria. Já proventos em acepção ampla, como acréscimos patrimoniais não resultantes do capital ou do trabalho, são todos aqueles de ‘origem ilícita e bem aqueles cuja origem não seja identificável ou com-provável’ (cf. Modesto Carvalhosa, op. cit., p. 194); * os acréscimos patrimoniais sempre pressupõem a disponibilidade econômica ou jurídica, sendo certo que, mesmo não havendo a jurídica, a incorporação física e material ao patrimônio do contribuinte é sempre necessária” – nota in ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário ..., op. cit., p. 291.

106 MARY ELBE QUEIROZ lembra que “... a expressão de ‘qualquer natureza’, que acompanha o vocábulo proventos, serve para conferir-lhe uma maior amplitude, no sentido de englobar, no aspecto material da hipótese de incidência do imposto, quaisquer tipos de proventos, independentemente da natureza de que eles se revistam. O caráter do rendimento é conferido sem considerar a sua natureza, tipo, denominação, origem (capital, trabalho, produção, aposentadoria), localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte ou da forma de percepção” – Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 70. JOSÉ ARTUR LIMA GON-ÇALVES, trilhando o mesmo caminho, ressalta: “Antes de qualquer outra cogitação, saliente-se que, pa-ra nós, o conceito de renda é gênero que encampa a espécie ‘proventos de qualquer natureza’ razão pela qual referiremos aqui apenas o gênero, sem preocupação de trabalhar separadamente a espécie” – Im-posto sobre a Renda..., op. cit., p. 174.

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Renda e proventos de qualquer natureza (ou renda em sentido amplo, ou sim-plesmente renda) é conceito que está contido em normas constitucionais relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que designa o acrés-cimo de valor patrimonial, representativo da obtenção de produto ou de simples aumento no valor do patrimônio, apurado, em certo período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem para o acréscimo de valor do pa-trimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos que, estando relacionados ao aten-dimento das necessidades vitais básicas ou preservação da existência, com digni-dade, tanto da própria pessoa quanto de sua família, contribuem para o decrésci-mo de valor do patrimônio (fatos-decréscimos).107

A demonstração do entendimento dos autores até aqui citados possui um ponto de

contato que é fundamental para a percepção do conceito de renda e proventos de qualquer

natureza: somente têm essa característica os valores que efetivamente representam acrésci-

mo patrimonial, depois de considerados ingressos e saídas financeiras da órbita de disponi-

bilidade do contribuinte.

LUIGI VITTORIO BERLIRI sintetiza com muita precisão o conceito ora exposto,

aduzindo:

A renda tributável não pode ser constituída senão por uma nova riqueza, produzi-da do capital, do trabalho ou de um e outro conjuntamente, e que seja destacada de uma causa produtiva, conquistando uma autonomia própria e uma aptidão pró-pria e independente para produzir concretamente outra riqueza108.

ROBERTO QUIROGA MOSQUERA, com precisão cirúrgica, esclarece:

(...).

q) o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza incide sobre o ele-mento patrimonial que se constitui numa majoração de patrimônio, isto é, incide

107 Imposto..., op. cit., p. 239. 108 Em italiano: “Il reddito tassabile non puo essere constituito che da una nuova ricchezza da capitale, o da

lavoro, o dall’uno e dall’altro insieme e che si sia distaccata dalla sua causa produtiva, acquistando una propria autonomia ed una propria ed independente idoneità a produrre concretamente altra ricchezza”. Citação e tradução extraídos de ROQUE ANTONIO CARRAZZA. Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 35.

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sobre riqueza nova; “renda e proventos de qualquer natureza” são elementos pa-trimoniais que não existiam antes no conjunto de direitos pré-existentes das pes-soas e que não representam uma mera reposição de elementos patrimoniais ou permuta. Acréscimo, incremento ou majoração de elementos patrimoniais (rique-za nova) não se confunde com ingresso, entrada ou reposição de direitos patrimo-niais (riqueza velha)109.

A essa altura, já se pode trabalhar com os conceitos estático e dinâmico de patri-

mônio, segundo a prescrição legal contida no artigo 43 do Código Tributário Nacional, de-

monstrando-se, dessa forma, que a necessidade de que haja um efetivo e concreto incre-

mento patrimonial na situação jurídica do contribuinte é premissa inafastável do conceito

de renda110.

Nesse particular, o legislador tem como ponto de partida a ideia de patrimônio, na

qual está inserida a necessidade de se levar em consideração ingressos – todos – menos

obrigações – despesas autorizadas por lei –, ou, caso prefira, direitos menos obrigações, pa-

ra ter-se como resultado o patrimônio líquido. O patrimônio “estático” é aquele que não so-

fre modificações, a exemplo de imóvel urbano ou rural, dos veículos, eis que já incorpora-

dos ao patrimônio de seus respectivos proprietários e submetidos, outrossim, à incidência

de tributação específica, i. é., IPTU, ITR e IPVA, respectivamente111.

109 Renda e Proventos de Qualquer Natureza: o Imposto e o Conceito Constitucional, p. 118-119. 110 Código Tributário Nacional: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de

qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1 A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lei Complementar nº 104, de 10.1.2001)

§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste art.. (In-cluído pela Lei Complementar nº 104, de 10.1.2001)”.

111 ROBERTO QUIROGA MOSQUERA, apresenta a tributação sobre o patrimônio estático, nos seguintes termos: “Quando falamos de tributação no seu sentido ‘estático’, estamos afirmando que o legislador, nessas hipóteses, elencou como realidade fática passível de incidência tributária, elementos do patrimô-nio quando estes não sofrem mutações. Melhor dizendo, o Texto Maior atribuiu competência às pessoas políticas para tributar o patrimônio – com impostos – quando não houvesse circulação ou transmissão ju-rídica de seus elementos. Tributa-se a ‘permanência’ em um determinado patrimônio de direitos reais e pessoais. O legislador toma como signo-presuntivo de riqueza o fato do contribuinte manter, no conjunto de seus bens e direitos, um determinado elemento. O que revela capacidade contributiva do contribuinte é

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Há, por outro lado, a tributação do patrimônio “dinâmico”, sendo aquele que está

sujeito a modificações, alterações essas que, entretanto, podem ou não resultar em acrésci-

mo patrimonial. No patrimônio dinâmico, por exemplo, temos as mercadorias sujeitas à cir-

culação jurídica, os rendimentos oriundos da prestação de serviços ou a realização de ope-

rações com produtos industrializados, todos eles sujeitos à incidência de tributação especí-

fica, no caso, do ICMS, do ISS e do IPI, respectivamente112.

Dito isso, é imprescindível esclarecer que é a tributação do patrimônio “dinâmi-

co”, mediante o atendimento da exigência de representar efetivo acréscimo patrimonial para

o seu titular, que possibilita a incidência do Imposto sobre a Renda. Em síntese: na perspec-

tiva do patrimônio “estático”, encontra-se a riqueza velha, não submetida ao Imposto sobre

a Renda; por outro lado, é no aspecto “dinâmico” do patrimônio que se encontra a riqueza

nova, a renda, esta sim, afeta à incidência daquele imposto113.

Conclui com precisão ROBERTO QUIROGA MOSQUERA:

(...).

n) a tributação do patrimônio em seu sentido estático ocorre quando este não so-fre mutações; já a tributação do patrimônio em seu sentido dinâmico ocorre quando há mutação de seus elementos. O imposto sobre a renda e proventos de

a acumulação de direitos patrimoniais e não a sua transmissão ou transferência. No caso, não há acrés-cimo ou decréscimo de direitos ou obrigações. O contribuinte optou por manter em seu patrimônio certos bens que, por razões pessoais, atribuem a ele segurança, comodidade, liberdade, etc. Tendo em vista essa opção, a pessoa deverá levar aos cofres públicos determinados valores em dinheiro. O Estado, ao tributar essas realidades fáticas, retira dos indivíduos parte do patrimônio acumulado, uma vez que tal situação é reveladora de capacidade econômica” – Renda e Proventos..., op. cit., p. 95.

112 Tratando o patrimônio, em seu aspecto dinâmico, ensina ROBERTO QUIROGA MOSQUERA: “Por ou-tro lado, identifica-se uma repartição de competências tributárias que levou em consideração a realidade econômica de haver ingressos, circulação, transferência, transmissão e cessão de elementos patrimoniais. É o aspecto ‘dinâmico’ da tributação do patrimônio. Nessa hipótese, tem relevância para o Estado a ‘mu-tação de elementos pertencentes ao patrimônio ou, mesmo, a mutação do patrimônio em sua inteireza’. A saída e entrada de elementos patrimoniais revela a capacidade contributiva dos respectivos contribuintes. A tributação do patrimônio sob o ponto de vista ‘dinâmico’ traduz a incidência de exações tributárias so-bre circulação de riqueza” – Ibidem, p. 96.

113 JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES destaca: “Deveras, se não se constata acréscimo, não se vislumbra ‘plus’, a não ser a partir de um dado preestabelecido, sobre o qual o acréscimo, o ‘plus’, possa ser repu-tado como havido. Essa colocação evidencia, de forma extraordinária, a contraposição da (1) “dinâmi-ca” ínsita à ideia de renda à (2) “estática” peculiar à ideia de patrimônio” (sic) – Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 180.

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qualquer natureza, pelo que já demonstramos nos capítulos precedentes, enqua-dra-se nessa segunda hipótese114.

Por fim, antes de encerrar o exame do critério material da regra-matriz de incidên-

cia do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, importante destacar que,

na composição dos conceitos de “renda” e “proventos de qualquer natureza”, para efeito de

determinar a possibilidade ou não de incidência desse imposto, devem-se levar em conside-

ração, quando se tratar de pessoas jurídicas, os prejuízos fiscais eventualmente por elas ex-

perimentados. Não obstante isso, mostra-se relevante, também, identificar, ainda que a pas-

sos largos, quais são as entradas e saídas financeiras que contribuem na formação do con-

ceito de renda e proventos de qualquer natureza.

Insta salientar, em nota inicial, que por aproximadamente cinquenta anos foi per-

mitida a compensação de prejuízos no Brasil, limitada, todavia, ao aspecto temporal – prazo

quinquenal – para as empresas enquadradas no lucro real, cuja sistemática foi interrompida

pelo advento da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, que, em seu artigo 42, limitou em

30% a compensação dos prejuízos acumulados pelas pessoas jurídicas, para efeito de apu-

ração do lucro para determinar a incidência do Imposto sobre a Renda115.

Essa limitação imposta pela legislação brasileira que trata do Imposto sobre a

Renda das pessoas jurídicas, encontra forte resistência da doutrina, a exemplo de SACHA

CALMON NAVARRO COELHO, que disserta:

Limitar-se a dedução dos prejuízos acumulados ao montante de 30% do lucro re-al, ou lucro líquido apurado, não é tributar o lucro real. O lucro real, como deter-mina a Lei das Sociedades Anônimas, somente aparece após a dedução integral daqueles prejuízos. Se o tributo incide antes dessa dedução integral, então permi-te-se a incidência do imposto sobre o patrimônio, e não raramente, sobre a perda patrimonial.

114 Renda e Proventos..., op. cit., p. 118. 115 Lei nº 8.981/95: “Art. 42. A partir de 1º de janeiro de 1995, para efeito de determinar o lucro real, o lucro

líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento. (Vide Lei nº 9.065, de 1995)

Parágrafo único. A parcela dos prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, não compensada em razão do disposto no caput deste artigo poderá ser utilizada nos anos-calendário subsequentes”.

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Quebra-se, com isso, a unicidade do imposto sobre a renda, princípio de suma re-levância para se apurar a pessoalidade e a capacidade contributiva do sujeito pas-sivo, conforme impõe o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição. Ora, como já anotamos, a renda tributável como lucro real, realizado no período, corresponden-te ao aumento de patrimônio líquido gerado pela empresa, que seja efetivo, isto é, deduzido dos prejuízos anteriores. O lucro acrescenta-lhes valor e o prejuízo re-duz-lhe valor. Tributar lucro contábil, fictício, simples recuperação de perdas an-teriores, embora inexista real acréscimo patrimonial, é converter o imposto de renda em imposto sobre o patrimônio, sem edição de lei complementar, sem li-cença constitucional.116

Nesse viés, os prejuízos experimentados pela pessoa jurídica devem ser compen-

sados com os lucros auferidos nos períodos de apuração subsequentes, para a exata quanti-

ficação da renda auferida pela pessoa jurídica, sob pena de, não o fazendo, configurar-se

violação do Princípio da Capacidade Contributiva e do conceito constitucional de renda e

proventos de qualquer natureza 117.

Em verdade, a necessidade de o sistema de Direito positivo prever mecanismos de

compensação dos prejuízos experimentados pela pessoa jurídica é imperativo constitucional

decorrente do próprio conceito de renda e proventos de qualquer natureza, especialmente

em relação às “despesas”, ou fatos-decréscimos, para utilizar a expressão de LUÍS CÉSAR

SOUZA DE QUEIROZ, pois somente haverá renda, no sentido constitucional, depois que

116 SACHA CALMON NAVARRO COELHO e EDUARDO MANEIRA, Falência e Imposto sobre a Renda

no Brasil, Revista Dialética de Direito Tributário nº 190, p. 144. 117 Por outras palavras, leciona ROQUE ANTONIO CARRAZZA: “ O conceito de ‘renda’ inclui seu contrá-

rio – vale dizer, o de ‘perda’. Para que não reste esgarçado o patrimônio do contribuinte, devem ser aba-tidas, dos resultados líquidos obtidos, as perdas por ele sofridas – a menos, evidentemente, que resultan-tes de atividades ilícitas (v.g. da apreensão de ‘produtos de crime’)” – Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 35. JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES, chega à mesma conclusão, com os seguintes argumentos: “Para completar a referência a saldo positivo, é necessário abordar a noção de prejuízos (saldos negati-vos) anteriormente sofridos pela sociedade empresária. É que os prejuízos, confrontados com os saldos positivos posteriores, devem ser totalmente recuperados antes que se possa cogitar da existência de renda (saldo positivo). Deveras, prejuízos anteriores têm que ser deduzidos do saldo positivo, para que possa contemplar acréscimo real e efetivamente obtido; do contrário, estará sendo tributado o próprio patrimô-nio da sociedade empresária. É que prejuízo implica, sempre, uma redução de patrimônio, que, depen-dendo da sua intensidade, pode eliminar o efeito incrementador de entradas relevantes que, por sua vez, até o montante do prejuízo, não fazem mais que recompor o patrimônio previamente existente” – Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 181. Já LUÍS CÉSAR SOUZA DE QUEIROZ destaca: “Por fim, ao se mani-festar sobre a constitucionalidade da limitação a 30% da compensação dos prejuízos de exercícios ante-riores, BULHÕES PEDREIRA é taxativo: ‘É incompatível com o conceito constitucional de ‘renda e pro-ventos de qualquer natureza’, tal como explicitado pelo art. 43 do CTN, a norma do art. 42 da Lei 8.981/95 que, para efeito de determinar o lucro real que constitui a base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas, limita a 30% a compensação dos prejuízos anteriores’” – Imposto sobre a Ren-da..., op. cit., p. 287.

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todas as perdas acumuladas forem compensadas, sob pena de estar-se tributando o próprio

patrimônio empresarial118.

Assevera LUÍS CÉSAR SOUZA DE QUEIROZ, com excelente percepção do or-

denamento jurídico brasileiro:

O valor do prejuízo fiscal “a compensar” por força da Constituição corresponde exatamente ao saldo de valor dos fatos-decréscimos necessariamente dedutíveis que, em certo período, superou o montante do valor dos fatos-acréscimos e que deve ser obrigatoriamente considerado em período(s) de apuração subsequen-tes(s), isto é, deve ser obrigatoriamente combinado, até sua total eliminação, com os fatos-acréscimos e fatos-decréscimos apurados nos período(s) subsequente(s).

Qualquer tipo de limitação, seja quantitativa, seja temporal, que o legislador in-fraconstitucional estabeleça para a “compensação” do prejuízo fiscal que se apresenta como imposição da Constituição, significa uma inaceitável ofensa ao conceito constitucional de “renda e proventos de qualquer natureza”, em função de esse conceito ser necessariamente informado por aqueles fatos-decréscimos que estão relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou à pre-servação da existência, com dignidade.119

Essa necessidade de a legislação possibilitar a compensação integral dos prejuízos

experimentados pela pessoa jurídica, nos exercícios anteriores, decorre, a uma, da aplicação

do Princípio da Capacidade Contributiva e, a duas, da necessidade de evitar que seja tribu-

tado o próprio patrimônio da pessoa jurídica – cuja materialidade é distinta da do IRPJ –,

pois, quando ela registra balanço negativo, há um encolhimento do seu patrimônio e so-

mente se poderá cogitar de existência de lucro passível de tributação pelo Imposto sobre a

Renda a partir da recomposição patrimonial, na exata medida da redução experimentada, is-

118 Assevera LUÍS CÉSAR SOUZA DE QUEIROZ: “O conceito de ‘prejuízo fiscal’ opõe-se ao conceito de

“acréscimo de valor patrimonial” (elemento nuclear do conceito constitucional de ‘renda’). Na sistemáti-ca relativa ao IR, este é o resultado positivo da combinação de todos os fatos-acréscimos (positivos) com certos fatos-decréscimos (negativos) realizados em certo período de tempo. Aquele (prejuízo fiscal) é o resultado negativo da combinação de todos os fatos-acréscimos (positivos) com certos fatos-decréscimos (negativos) realizados em certo período de tempo. Consequentemente, é condição necessária para que ha-ja ‘prejuízo fiscal’ que, em certo período de tempo, o montante de ‘fatos-decréscimos necessariamente dedutíveis’ supere o montante de ‘fatos-acréscimos’. Daí ter sido afirmado anteriormente que o tema ‘prejuízo fiscal’ está intimamente ligado ao tema dos fatos-decréscimos que necessariamente informam o conceito constitucional ‘renda e proventos de qualquer natureza’” (sic) – Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 283-284.

119 Ibidem, p. 285.

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so porque a aquisição de renda que, no entanto, foi precedida de prejuízos acumulados, sig-

nifica, em outros termos, mera recomposição do patrimônio anteriormente existente e não

acréscimo patrimonial.

Em síntese, a compensação entre lucros e prejuízos experimentados, para efeito de

apurar a renda e os proventos de qualquer natureza tributáveis pelo Imposto sobre a Renda,

além de ser imperativo constitucional, ainda decorre da plena aplicação do Princípio da

“não paridade de tratamento entre o lucro e o prejuízo”, oriundo do Direito alemão, mas

plenamente aplicável ao Direito brasileiro, em razão da estrutura desse imposto, desenhada

pela Constituição Federal de 1988120.

Por outras palavras, o lucro auferido ou a renda experimentada pela pessoa jurídi-

ca, segundo o Princípio da Capacidade Contributiva e o conceito constitucional de renda,

apenas será passível de ser tributado se houver mudança patrimonial, representativa de

acréscimo de valor, efetivo, concretamente absorvido pelo contribuinte. A mera probabili-

dade de auferir renda não leva à incidência do imposto, enquanto que o prejuízo ainda não

absorvido deve ser considerado pela lei – e de fato o é, mas apenas no percentual atual de

30% – para efeito de compensação com os lucros e posterior apuração da renda tributá-

vel121.

Não se pode deixar de reconhecer, nesse sentido, que o artigo 43 do Código Tribu-

tário Nacional, ao determinar que a tributação somente poderá incidir sobre a disponibili- 120 Esclarece MISABEL ABREU MACHADO DERZI: “(...) esse patrimônio, destinado à atividade produti-

va, capaz de gerar renda, é cercado de cuidado especial. É renda apenas o que dele deriva, o que dele se cria ou se acresce. Para a pessoa jurídica empresarial, o resultado negativo, ou prejuízo, é perda de capi-tal próprio, perda decorrente de trocas externas que são fluxos financeiros, que saem do patrimônio da sociedade em valor superior ao dos que entram. Mas, além disso, o prejuízo pode decorrer também da perda de valor dos bens do patrimônio, causada pela ocorrência dos riscos a que estão sujeitos, indepen-dentemente da saída de fluxo financeiro (ver Bulhões Pedreira, Finanças e demonstrações financeiras da companhia, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1989, p. 454). Ou seja, ainda que o fluxo de receita e despesa, relativo à atividade comercial e produtiva da empresa, se mantenha no mesmo nível, o prejuízo pode ad-vir da perda de bem do ativo por ação da natureza, baixa por se ter tornado inservível, ou venda abaixo do preço de custo. Enfim, o patrimônio da pessoa empresarial, afetado às suas atividades, está sujeito a outros riscos, que podem desgastá-lo, reduzir-lhe a utilidade econômica, ou torná-lo obsoleto. Esses de-créscimos de valor não são e não podem ser ignorados pelo legislador, permitindo-lhes a dedução, afim de que possa ser reposto, recomposto e mantido o patrimônio empresarial, do qual depende a sobrevivên-cia do empreendimento econômico” – Notas in ALIOMAR BALEEIRO. Direito Tributário ..., op. cit., p. 290.

121 No mesmo sentido: SACHA CALMON NAVARRO COELHO e EDUARDO MANEIRA, Falência e Im-posto..., op. cit., p. 141.

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dade econômica ou jurídica da renda ou dos proventos de qualquer natureza está adotando,

no Direito brasileiro, o Princípio da não paridade de tratamento entre lucro e prejuízo122.

Demonstrado, portanto, que os prejuízos fiscais experimentados pelas pessoas ju-

rídicas devem ser abatidos “integralmente” dos lucros registrados em períodos subsequen-

tes, para que se tenha a exata quantificação de quanto foi a renda auferida e possibilitar a

recomposição patrimonial, importante demonstrar, também, algumas entradas e saídas fi-

nanceiras que contribuem para a formação do conceito de renda e, consequentemente, para

a incidência da norma de tributação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Na-

tureza.

Levando-se em consideração que o período de apuração do Imposto sobre a Renda

é anual ou trimestral, para as pessoas jurídicas submetidas à apuração pelo lucro real, e tri-

mestral para aquelas enquadradas na sistemática do lucro presumido, sabe-se que nesses in-

tervalos de tempo, a depender da área de atividade e do porte da empresa, numerosos in-

gressos financeiros podem ocorrer, todavia, nem todos poderão ou deverão ser considera-

dos para efeito de apurar, ao final do período, a existência ou não de lucro – renda.

É bem verdade, outrossim, que a expressão “proventos de qualquer natureza”, a

que alude o artigo 43 do Código Tributário Nacional, impõe que os ingressos financeiros

que não componham o conceito de renda sejam também considerados para efeito de tribu-

tação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da pessoa jurídica, to-

davia, tal regra também não é absoluta, na medida em que existem ingressos financeiros

que permanecem na órbita de disponibilidade da pessoa jurídica e, consequentemente, não

podem compor o conceito constitucional de renda ou proventos de qualquer natureza.

Dessa forma, (i) o ingresso decorrente de financiamento ou aumento de capital pe-

los sócios; (ii) os ingressos financeiros recebidos como pagamento pela alienação de ele-

mentos integrantes do patrimônio apenas serão relevantes a partir do valor pela qual tais

122 Código Tributário Nacional: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de

qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

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bens foram adquiridos/incorporados pela empresa, ou seja, se houver ganho de capital; (iii)

pagamento de indenizações, até o limite necessário para recompor o patrimônio – verba de

caráter indenizatório e de mera recomposição de patrimônio, como, por exemplo, deixa de

existir o bem desapropriado e passar a existir disponibilidade financeira; (iv) ingresso de

capitais de terceiros, como financiamentos, onde há incremento no caixa, todavia, concomi-

tantemente haverá uma obrigação a ser saldada – dívida – de mesma intensidade, não ha-

vendo, pois, incremento de patrimônio líquido123.

MISABEL ABREU MACHADO DERZI pontua:

Configuram pagamentos de capital os meros fluxos de moeda, bens ou serviços que correspondam a simples trocas onerosas entre patrimônios distintos, de forma equivalente, de modo que não advenha daí nenhum acréscimo para algum deles (com a consequente perda no outro). O valor da compra e venda em que não há excedente ou lucro, mas mera reposição do capital aplicado, não pode ser tributa-do. Por essa razão, o imposto de renda não pode atingir o faturamento ou a receita bruta das empresas, mas tão-só o lucro (que é remuneração de um fator de produ-ção). Nas transferências de capital há fluxo de bens, moeda ou serviços de um patrimônio para outro, sem correspondente contraprestação, troca ou ônus. Re-duz-se o estoque de bens em um patrimônio, de forma unilateral, havendo o equi-valente acréscimo em patrimônio alheio, como nas transmissões gratuitas, ocorri-das em heranças e doações.124

Igual raciocínio deve ser traçado em relação às saídas, ou seja, da mesma forma

que nos ingressos financeiros, quanto às saídas, nem todas deverão ser consideradas como

relevantes, para efeito de configuração da renda e dos proventos de qualquer natureza da

pessoa jurídica, em determinado período, quando o assunto é determinar o “quantum debe-

atur” do Imposto sobre a Renda. JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES acentua que “... as

saídas que representem consumo – utilização, disponibilização, pelo titular do patrimônio

– de acréscimos que sejam relevantes para o cômputo e eventual configuração de saldo

123 Exemplos obtidos em JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES, Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 182-

183. 124 Apud ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 39.

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positivo no período considerado não recebem a qualificação jurídica de elementos reduto-

res no confronto” (sic)125.

A partir dessas lições já se pode extrair um importante elemento na composição

normativo-estrutural do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, que é o

critério material da hipótese da regra-matriz desse imposto. O critério material identifica-se

pela realização de acréscimo patrimonial, representado por um “plus”, uma mais-valia, na

órbita de patrimônio do contribuinte, depois de consideradas entradas e saídas financeiras e

comparadas com o patrimônio existente em momento anterior à aferição da renda, conside-

rando-se um determinado período de tempo.

3.2.3.2.2 O critério temporal

Demonstrado o âmbito de abrangência do critério material, necessário se faz estu-

dar o critério temporal da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda. O critério

temporal é delimitado por um período de tempo determinado em que esse acréscimo patri-

monial será medido, quantificado, hiato esse que deve ser suficiente para demonstrar a exis-

tência de Capacidade Contributiva por parte do contribuinte desse imposto126.

Precisas são as palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO, que, citando

RUBENS GOMES DE SOUSA, enquanto autor do anteprojeto do Código Tributário Naci-

onal, pontifica:

Nessa linha de raciocínio, a hipótese de incidência da norma de tributação da “renda” consiste na aquisição de aumento patrimonial, verificável pela variação de entradas e saídas num determinado lapso de tempo. É imprescindível para a

125 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 183. 126 “A fixação desse intervalo para fins de comparação do patrimônio nos instantes inicial e final é indisso-

ciável do conceito de renda. Daí a relevância da identificação do critério temporal da hipótese normativa tributária, átimo terminal para as mutações patrimoniais em dado período e momento em que se conside-ra ocorrido o fato jurídico ‘renda’” – Direito Tributário – Linguagem ..., op. cit., p. 672.

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verificação de incrementos patrimoniais, a fixação de intervalo temporal para sua identificação, dado o caráter dinâmico ínsito à ideia de renda. Nesse sentido, Ru-bens Gomes de Sousa escreveu ser insuficiente o processo de medição de riqueza pela extensão do patrimônio, sendo necessário distinguir o capital do rendimento pela atribuição, ao primeiro, de um caráter estático, e ao segundo, de um caráter dinâmico, ligando-se à noção de renda um elemento temporal. Capital seria, por-tanto, o montante do patrimônio encarado num momento qualquer de tempo, ao passo que renda seria o acréscimo do capital entre dois momentos determina-dos.127

Como antecipado, quando do estudo do critério material da hipótese de incidência

do Imposto sobre a Renda, tanto o conceito de “renda” quanto o de “proventos de qualquer

natureza”, em última análise, pressupõem entradas e saídas, direitos e obrigações, que se-

jam relevantes para a aferição de um efetivo incremento patrimonial se considerado em re-

lação a uma situação anterior. É a busca pelo saldo líquido, obtido pela comparação do pa-

trimônio atual com aquele existente anteriormente, para quantificar qual foi o acréscimo pa-

trimonial experimentado pelo contribuinte.

Mas essas entradas e saídas relevantes apenas terão o condão de demonstrar se

houve ou não incrementos de renda se forem consideradas em função de um determinado

período de tempo, lapso temporal esse que precisará ser suficiente para permitir ao contri-

buinte levar em consideração todos os ingressos de bens e direitos, em contrapartida das

despesas autorizadas por lei, entre elas, aquelas necessárias para possibilitar o ingresso de

tais bens e direitos, viabilizando-se, pois, a certeza a respeito da existência ou não de acrés-

cimo patrimonial128.

Outro não é o entendimento de JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES:

127 Idem. 128 Esclarece PAULO AYRES BARRETO: “A União tem competência para instituir o imposto sobre a ren-

da, tributando o acréscimo verificado em relação ao conjunto de bens e direitos pertencentes a uma pes-soa – física ou jurídica –, respeitando o lapso temporal necessário a que se verifique o cotejo entre recei-tas, de um lado, custos e despesas, de outro (pessoa jurídica) ou renda bruta e deduções e abatimentos (pessoa física) (...) A noção de período é ínsita ao imposto sobre a renda. Não há como medir a grandeza a ser tributada, apurar o acréscimo patrimonial, se não identificarmos seus marcos temporais, inicial e final, ou, em outros termos, o período a ser considerado para conformação do fato que comporá a base de cálculo do imposto sobre a renda” – Imposto..., op. cit., p. 78-79.

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É necessário considerar-se um período de tempo dentro do qual serão considera-das as entradas e saídas relevantes.

Trata-se do lapso de tempo compreendido entre (a) um dado marco inicial e (b) um dado marco final. No (a) marco inicial parte-se (a.i) de uma situação patrimo-nial prévia, para confronto, e (a.ii) começam a ser juridicamente relevantes as en-tradas e saídas. No (b) marco final, procede-se ao confronto (b.i) entre as entradas e saídas – juridicamente relevantes – ocorridas no período e (a.ii) entre o saldo do período considerado – que termina neste marco final – e a situação existente no início do período.

Sem a noção de período – e tempo –, todos os ingressos e saídas perdem qualquer significado comparativo. Sem o termo final – que só existe se se pressupõe exis-tente um período e um termo inicial – não há corte para processamento do con-fronto entre ingressos e saídas.129

Esse período em que os ingressos de bens e direitos e as despesas autorizadas se-

rão considerados é de observância obrigatória, primeiro, para ter-se segurança jurídica de

que o Imposto sobre a Renda estará incidindo sobre acréscimo patrimonial efetivo, e, se-

gundo, para que se mantenha a unidade do sistema constitucional tributário, especialmente

em razão do respeito aos Princípios da Capacidade Contributiva, da Pessoalidade e da Pro-

gressividade.

Em síntese, portanto, delinear a compostura do Imposto sobre a Renda demanda

considerar entradas e saídas em relação a um determinado período de tempo, pois “... so-

mente quando todos os elementos necessários e suficientes para a respectiva conformação

com o tipo legal estiverem presentes é que, nesse preciso instante, poderá dar-se por ocor-

rida a materialidade do fato gerador e instaurado o liame que vincula sujeito ativo e sujei-

to passivo” (sic)130.

ROBERTO QUIROGA MOSQUERA, arremata:

(...).

129 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 183-184. 130 MARY ELBE QUEIROZ. Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 128-129.

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r) por fim, ao falar-se em mutação patrimonial que se constitui num acréscimo de direitos, emerge a noção da existência de um elemento temporal. Não há como aferir o incremento sem um referencial de período. O aspecto temporal da hipóte-se de incidência tributária é característica fundamental do próprio conceito de acréscimos patrimoniais. Devem-se computar todos os ingressos e saídas de direi-tos patrimoniais, num determinado período de tempo, com o intuito de apurar se o saldo é positivo (elementos patrimoniais acrescidos) ou negativo (elementos pa-trimoniais decrescidos)131.

Sob outra perspectiva, falar do critério temporal da regra-matriz do Imposto sobre

a Renda, definido precedentemente como o momento em que se dá por ocorrido o fato jurí-

dico tributário – ou “fato gerador”, para utilizar da linguagem imprecisa do Código Tributá-

rio Nacional – e, portanto, que possibilita o nascimento da obrigação tributária, demanda o

estudo, ainda que a passos largos, a respeito da classificação dos “fatos geradores” em fun-

ção do momento da sua ocorrência.

O Código Tributário Nacional, ao tratar do fato que possibilita a incidência norma-

tiva, denomina-o de “fato gerador”132. Ocorre que o legislador incorreu em atecnia, por ser

tal expressão ambígua, possibilitando mais de um significado e, no caso, busca retratar dois

momentos distintos na individualização da obrigação tributária. Está sendo usada pelo le-

gislador como a descrição legal do evento – mundo abstrato ou plano da norma geral e abs-

trata – e também para referir-se à ocorrência real e efetiva desse mesmo evento – mundo

concreto ou plano da norma individual e concreta.

131 Renda e Proventos..., op. cit., p. 119. 132 Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tribu-to ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos ter-mos de direito aplicável”.

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Essa ambiguidade impede a utilização da expressão “fato gerador” em linguagem

que se quer técnica. Daí a doutrina buscar outras denominações para as duas realidades, que

são distintas. ALFREDO AUGUSTO BECKER fala em “hipótese de incidência” para o

plano da norma geral e abstrata e “hipótese de incidência realizada” para o plano da norma

individual e concreta133; GERALDO ATALIBA prefere denominar de “hipótese de inci-

dência” a previsão abstrata do fato e “fato imponível” a ocorrência concreta desse fato134; já

PAULO DE BARROS CARVALHO, fala em “hipótese tributária” para a previsão norma-

tiva abstrata e em “fato jurídico tributário” para o relato, em linguagem competente, da

ocorrência concreta do evento previsto na hipótese tributária135.

Para efeito deste trabalho, opta-se por utilizar a expressão cunhada por GERALDO

ATALIBA quando se refere à previsão abstrata do fato, ou seja, “hipótese de incidência” e,

por outro lado, utilizar-se-á da expressão desenvolvida por PAULO DE BARROS CAR-

VALHO, quando se refere à ocorrência concreta do fato descrito na hipótese, i. é., “fato ju-

rídico tributário”.

Mas a discussão acerca da impropriedade da utilização da expressão “fato gera-

dor” ainda leva a outro questionamento. Descortina-se a necessidade de apreciação da clas-

sificação existente em sede doutrinária dos “fatos geradores” instantâneos, continuados e

complexivos. A primeira nota a ser lançada é o fato de que a escolha do momento da ocor-

rência do fato jurídico tributário cabe ao legislador, ou seja, é o Poder Legislativo, no uso

da sua competência legiferante, que vai escolher qual o momento mais adequado para que

haja a incidência normativa e surja a norma individual e concreta que dará vida à obrigação

tributária.

Essa classificação em “fatos geradores” instantâneos, continuados e complexivos

surgiu com A. D. GIANNINI e EZIO VANONI no Direito italiano e com VILHELM

MERK, no direito alemão, que influenciaram AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO, no âm-

bito do Direito brasileiro136. Para esses autores, “fato gerador” continuado é aquele que se

133 Teoria Geral..., op. cit., p. 262 e 307. 134 Hipótese ..., op. cit., p. 58 e 65. 135 Curso..., op. cit., p. 258. 136 Ibidem, p. 279.

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repete a intervalos certos de tempo – v.g., todo dia 1º de janeiro nasce o dever de pagar o

IPTU ao Município, ou ainda o caso do ITR. “Fato gerador” complexo é aquele fato que

acontece ao longo de um período de tempo – o caso do Imposto sobre a Renda, cuja renda

vai sendo auferida ao longo de um determinado período;137 e o “fato gerador” instantâneo,

como sendo aquele que ocorre em um determinado instante, sendo todo o fato ou toda hipó-

tese instantânea – como o ICMS, o IPI138.

O Imposto sobre a Renda, então, pela doutrina que faz a distinção do “fato gera-

dor” pelo momento da sua ocorrência, seria um caso de imposto submetido ao “fato gera-

dor” complexo, ou complexivo, como afirmam os autores.

Ocorre que não há falar em “fato gerador” continuado ou complexo, ou complexi-

vo, eis que a hipótese de incidência é sempre instantânea, ocorrendo no último instante de

tempo da previsão contida no critério temporal da hipótese de incidência tributária. A hipó-

tese de incidência do IPTU, que parte da doutrina entende ser do tipo continuado, no mais

das vezes, considera-se ocorrido em 1º de janeiro, mas nada impede que a legislação atribua

uma data diferente. Apesar disso, o certo é que a hipótese de incidência se reputa ocorrida

apenas no dia em que estabelecido no critério temporal da regra-matriz de incidência do

imposto, ocorrendo de forma instantânea. Por exemplo: considerando-se a data de 1º de ja-

neiro, todos aqueles que forem proprietários de imóvel predial e territorial, situado na zona

urbana do Município, naquela data, realizarão, de forma instantânea o evento corresponden-

te à hipótese de incidência do IPTU.

Por outro lado, a hipótese de incidência do Imposto sobre a Renda, que parte da

doutrina entende ser do tipo complexo, ou complexivo, considera-se ocorrido no último ins-

tante do final do período compreendido pela legislação, ou seja, no final do exercício finan-

ceiro anual para as pessoas físicas, dia 31 de dezembro; e, para as pessoas jurídicas, será 137 É que o termo complexivo é de origem do idioma italiano – complesso – que em verdade, quer significar

complexo. Sendo assim, o termo correto a se utilizar é complexo e não complexivo. 138 PAULO DE BARROS CARVALHO, sintetiza essa classificação da seguinte forma: “Os fatos geradores

seriam instantâneos, quando se verificassem e se esgotassem em determinada unidade de tempo, dando origem, cada ocorrência, a uma obrigação tributária autônoma. Os continuados abrangeriam todos os que configurassem situações duradouras, que se desdobrassem no tempo, por intervalos maiores ou me-nores. Por fim, os complexivos nominariam aqueles cujo processo de formação tivesse implemento com o transcurso de unidades sucessivas de tempo, de maneira que, pela integração dos vários fatores, surgiria o fato final” – Curso..., op. cit., p. 279.

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trimestral, para aquelas enquadradas no lucro presumido e anual ou trimestral para aquelas

que se enquadram no lucro real. Seja como for, a hipótese de incidência será instantânea e,

o evento ocorrerá, no caso das pessoas físicas e das pessoas jurídicas enquadradas no lucro

real, no último instante do dia 31 de dezembro, enquanto que, para as pessoas jurídicas en-

quadradas no lucro presumido ou aquelas do lucro real, mas que optarem pela apuração

trimestral, reputar-se-á ocorrido o evento que corresponde à hipótese de incidência, no úl-

timo instante do trimestre139.

Demonstrado que a ocorrência do evento que corresponde à hipótese de incidência

é sempre instantânea, carece ainda afirmar que a periodicidade de incidência do Imposto de

Renda, enquanto regra geral, e considerando as pessoas jurídicas, é anual ou trimestral, co-

mo no caso do lucro real que é o regime básico dessa modalidade de tributação, podendo a

pessoa jurídica optar, pois há autorização legislativa, pela modalidade do lucro presumido,

cujo período de apuração é trimestral.

Dessa forma, destaca ROQUE ANTONIO CARRAZZA:

139 No caso do Imposto de Renda, assim como ocorre com o IPTU, o evento correspondente à hipótese de in-

cidência reputa-se ocorrida apenas no dia em que prescrito no critério temporal da regra-matriz de inci-dência do imposto, ocorrendo de forma instantânea. Por exemplo: considerando-se o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, a empresa certamente estará recebendo rendimentos durante determinado período, que se-rão importantes para a aferição ou não da renda, todavia, tais rendimentos apenas serão considerados ao final do período trimestral para o lucro presumido, e ao final do ano para o lucro real, de forma que o “fato gerador” desse imposto apenas se reputará ocorrido no final desses períodos, e não no momento em que os rendimentos vão sendo recebidos pela empresa. O fato de existir antecipação do pagamento do Imposto Sobre a Renda não infirma a premissa ora firmada, pois, como se verá adiante, nesse momento, sequer houve a formação do conceito de renda, pois se leva em consideração, para efeito de incidência do referi-do imposto, tão-somente os rendimentos experimentados, desconsiderando-se as despesas ocorridas. MARY ELBE QUEIROZ, tratando da periodicidade do Imposto sobre a Renda para as pessoas jurídicas, destaca: “A periodicidade de ocorrência do fato gerador é, de regra, trimestral (31 de março, 30 de ju-nho, 30 de setembro e 31 de dezembro), momento em que deverão ser apurados os resultados definitivos (lucro real ou prejuízo fiscal), de acordo com as leis comerciais e fiscais. A lei, todavia, faculta à pessoa jurídica poder optar pela tributação com base no lucro real anual, a opção é para que os resultados da pessoa jurídica possam ser apurados anualmente, em 31 de dezembro de cada ano. Nesse momento, con-sidera-se ocorrido o fato gerador do imposto. Nessa hipótese, contudo, a pessoa jurídica fica obrigada a efetuar recolhimentos mensais, com base em estimativas, a título de ‘antecipação’ do imposto, os quais serão compensados na apuração anual. As pessoas jurídicas que optarem por apurar os resultados com base no lucro presumido ou arbitrado, estão obrigadas à trimestralidade” – Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 133.

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Mas qual deve ser esta periodicidade?

Estamos convencidos de que anual. Por quê? Porque este é o período necessário para verificar os resultados econômicos do capital, do trabalho ou da conjugação de ambos. Este lapso de tempo, diga-se de passagem, é o adotado para que a pes-soa jurídica apure seus resultados econômicos e planeje seus investimentos.

De efeito, só após transcorrido um ano é que se pode avaliar a renda da pessoa (física ou jurídica), descontando-se os investimentos e despesas que a ensejaram. Ressalte-se que as empresas invariavelmente planejam seus orçamentos, metas e atividades em termos anuais.

Por outro lado, esta periodização é idêntica à que norteia o agir das pessoas polí-ticas, obrigadas a levar em conta o Orçamento, sabidamente anual, tanto que tam-bém conhecido como “lei ânua”. Efetivamente, o exercício financeiro público é anual, coincidindo com o ano civil (de 1º de janeiro a 31 de dezembro).140

PAULO AYRES BARRETO corrobora a conclusão de ROQUE CARRAZZA, nos

seguintes termos:

No plano constitucional temos que o artigo 165, parágrafo 8º, fixa ser a lei orça-mentária anual. O parágrafo 9º do mesmo artigo estabelece que cabe à Lei Com-plementar definir o exercício financeiro. Nos termos do artigo 150, III, b, é veda-do cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. A interpretação sistemática da Carta Magna aponta seja de um ano o período adequado para se aferir se ocorreu acréscimo patrimoni-al141.

Para encerrar a análise do critério temporal da regra-matriz de incidência do Im-

posto sobre a Renda, há, ainda, que se analisar a chamada sistemática de “bases correntes”.

Por essa sistemática, o imposto em destaque passa a ser devido à medida em que os rendi-

mentos ou ingressos financeiros vão sendo percebidos pelo contribuinte, ou seja, deixa de

ser considerado o critério temporal com sendo o último dia do ano para as pessoas físicas,

ou do ano ou trimestre para as empresas submetidas ao lucro real, ou, ainda, o último dia do

140 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 120. No mesmo sentido das conclusões ora expostas: JOSÉ ARTUR

LIMA GONÇALVES, Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 184-185. 141 Imposto..., op. cit., p. 80.

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trimestre para as empresas enquadradas no lucro presumido, e passa-se a efetivar o reco-

lhimento do “imposto” devido mensalmente142.

142 Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, que Institui a Unidade Fiscal de Referência, altera a legislação

do Imposto de Renda e dá outras providências, quanto às Pessoas Jurídicas:

“Art. 38. A partir do mês de janeiro de 1992, o imposto de renda das pessoas jurídicas será devido men-salmente, à medida em que os lucros forem auferidos.

§ 1° Para efeito do disposto neste art., as pessoas jurídicas deverão apurar, mensalmente, a base de cál-culo do imposto e o imposto devido.

§ 2° A base de cálculo do imposto será convertida em quantidade de Ufir diária pelo valor desta no últi-mo dia do mês a que corresponder.

§ 3° O imposto devido será calculado mediante a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo expressa em Ufir.

§ 4° Do imposto apurado na forma do parágrafo anterior a pessoa jurídica poderá diminuir:

a) os incentivos fiscais de dedução do imposto devido, podendo o valor excedente ser compensado nos meses subsequentes, observados os limites e prazos fixados na legislação específica;

b) os incentivos fiscais de redução e isenção do imposto, calculados com base no lucro da exploração apurado mensalmente;

c) o imposto de renda retido na fonte sobre receitas computadas na base de cálculo do imposto.

§ 5° Os valores de que tratam as alíneas do parágrafo anterior serão convertidos em quantidade de Ufir diária pelo valor desta no último dia do mês a que corresponderem.

§ 6° O saldo do imposto devido em cada mês será pago até o último dia útil do mês subsequentes.

§ 7° O prejuízo apurado na demonstração do lucro real em um mês poderá ser compensado com o lucro real dos meses subsequentes.

§ 8° Para efeito de compensação, o prejuízo será corrigido monetariamente com base na variação acu-mulada da Ufir diária.

§ 9° Os resultados apurados em cada mês serão corrigidos monetariamente (Lei n° 8.200, de 1991).

Art. 39. As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real poderão optar pelo pagamento, até o últi-mo dia útil do mês subsequente, do imposto devido mensalmente, calculado por estimativa, observado o seguinte:

I - nos meses de janeiro a abril, o imposto estimado corresponderá, em cada mês, a um duodécimo do im-posto e adicional apurados em balanço ou balancete anual levantado em 31 de dezembro do ano anterior ou, na inexistência deste, a um sexto do imposto e adicional apurados no balanço ou balancete semestral levantado em 30 de junho do ano anterior;

II - nos meses de maio a agosto, o imposto estimado corresponderá, em cada mês, a um duodécimo do imposto e adicional apurados no balanço anual de 31 de dezembro do ano anterior;

III - nos meses de setembro a dezembro, o imposto estimado corresponderá, em cada mês, a um sexto do imposto e adicional apurados em balanço ou balancete semestral levantado em 30 de junho do ano em curso.

§ 1° A opção será efetuada na data do pagamento do imposto correspondente ao mês de janeiro e só po-derá ser alterada em relação ao imposto referente aos meses do ano subsequentes.

§ 2° A pessoa jurídica poderá suspender ou reduzir o pagamento do imposto mensal estimado, enquanto balanços ou balancetes mensais demonstrarem que o valor acumulado já pago excede o valor do imposto calculado com base no lucro real do período em curso.

§ 3° O imposto apurado nos balanços ou balancetes será convertido em quantidade de Ufir diária pelo valor desta no último dia do mês a que se referir.

§ 4° O imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos computados na determinação do lucro real poderá ser deduzido do imposto estimado de cada mês.

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Em outras palavras, pelo sistema de bases correntes, as pessoas jurídicas, por

exemplo, passam a sujeitar-se à incidência do Imposto sobre a Renda tão logo as receitas

são por elas auferidas e contabilizadas, ou seja, a base de cálculo daquele imposto passou a

ser apurada mensalmente, ficando as empresas obrigadas, pois, a efetuar o recolhimento

mensal do Imposto sobre a Renda.

Assim, pela sistemática das bases correntes, todos os argumentos relativos à ne-

cessidade de que a renda seja considerada em função de determinado período, em atendi-

mento, especialmente, ao Princípio da Capacidade Contributiva, acaba por ruir, pois consi-

dera a legislação que o “imposto” sobre a renda deve ser antecipado mensalmente, não le-

vando em consideração se a “renda” ou os “proventos de qualquer natureza”, enquanto efe-

tivos acréscimos patrimoniais na órbita de disponibilidade do contribuinte, foram realmente

auferidos.

Mas a sistemática de bases correntes também leva à ruína o sistema constitucional

tributário quanto ao Imposto sobre a Renda, pois promove a tributação de valores que ainda

não se revestiram da característica de renda, para tributar meros ingressos financeiros, des-

caracterizando, pois, o perfil do imposto mencionado, pois grava a pretexto do Imposto so-

bre a Renda, algo que renda não é, o quê acaba por violar gravemente o Princípio da Capa-

cidade Contributiva. Não há e nem poderia haver a incidência do imposto em análise a cada

ingresso financeiro, pois, além de não existir a necessária periodicidade, ainda porque a hi-

pótese de incidência do tributo é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de

renda e proventos, isto é, o “plus” acrescido ao patrimônio do contribuinte143.

§ 5° A diferença entre o imposto devido, apurado na declaração de ajuste anual (art. 43), e a importância paga nos termos deste art. será:

a) paga em quota única, até a data fixada para a entrega da declaração de ajuste anual, se positiva;

b) compensada, corrigida monetariamente, com o imposto mensal a ser pago nos meses subsequentes ao fixado para a entrega da declaração de ajuste anual, se negativa, assegurada a alternativa de requerer a restituição do montante pago indevidamente”.

O Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda:

“Art. 218. O imposto de renda das pessoas jurídicas, inclusive das equiparadas, das sociedades civis em geral e das sociedades cooperativas em relação aos resultados obtidos nas operações ou atividades es-tranhas à sua finalidade, será devido à medida em que os rendimentos, ganhos e lucros forem sendo aufe-ridos (Lei nº 8.981, de 1995, art. 25, e Lei nº 9.430, de 1996, arts. 1º e 55)”.

143 O Excelso Pretório não analisou, ainda, a constitucionalidade da sistemática de bases correntes no imposto sobre a renda, eis que a análise realizada na ADI 513/DF, que teve por Relator o Ministro Célio Borja ti-

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A comprovação cabal de que o sistema tributário é violado e o valor “antecipado”

pela sistemática de bases correntes não tem natureza jurídica de Imposto de Renda é o fato

de que, ao final do período de apuração da renda, – anual ou trimestral, conforme o caso, –

poderá haver demonstração de prejuízo por parte da pessoa jurídica, situação que, primeiro,

comprova que os valores antecipados não poderiam ser considerados “renda ou proventos

de qualquer natureza”; e, segundo, que, nessa hipótese, haverá a premente necessidade de

promover a repetição de indébito, eis que o valor pago, além de indevido, acabou por inci-

dir verdadeiramente sobre o patrimônio e não sobre a renda.

ALEXANDRE BARROS CASTRO sintetiza:

A rigor, a dedução do imposto de renda a bases correntes, em que a arrecadação se dá exclusivamente na fonte, não é uma incidência sobre o fato gerador do im-posto, que supõe a existência de renda (como rendimentos líquidos ou exceden-te), mas, quer em relação à pessoa física, quer em relação à jurídica, incidência sobre rendimentos brutos, faturamento ou receita. A transformação da incidência-fonte em exclusiva agride os princípios da pessoalidade do imposto, da unicidade e da capacidade econômica. (arts. 145, § 1º, 153, § 2º, I).144

E, no plano da Ciência do Direito, quando se trata de verificar a veracidade ou a

falsidade de uma premissa, basta que, por um argumento, seja ela desconstituída para fazer

ruir toda a construção empreendida. Dessa forma, verificado que existe, de fato, a possibili-

dade de apurar prejuízos, ao final do período, os valores antecipados jamais poderiam as-

sumir a característica de Imposto sobre a Renda, uma vez que não há dúvida, estaria inci-

dindo, pois, sobre o patrimônio, rendimentos, receita ou faturamento, i. é., materialidades

nha por pano de fundo o manual para o preenchimento da declaração do Imposto de Renda, pessoa física, ano base 1990, exercício 1991, no ponto relativo às instruções sobre a aplicação do coeficiente de correção monetária do imposto e de sua restituição. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, analisando a te-mática sob o viés da legalidade, reputou legal tal sistemática, nos seguintes termos: “O recolhimento ante-cipado, mês a mês, de parcelas do Imposto de Renda da pessoa jurídica não altera o fato gerador ou a base de cálculo da exação, na medida em que a introdução da sistemática das bases correntes modificou apenas o sistema de cálculo e de pagamento do tributo, que passou a ser feito mensalmente, para acerta-mento quando findo o exercício financeiro” – RESP 723856/RJ, relator Ministro Castro Meira, julgado em 06/12/2005 e publicado em 19/12/2005, Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=723856&b=ACOR, acesso em: 26/08/2012.

144 Sujeição Passiva..., op. cit., p. 380.

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absolutamente distintas daquela prevista para o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídi-

ca.145

Ante o exposto, já se pode avançar para tratar do terceiro dado da hipótese da re-

gra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda, que é o critério espacial.

3.2.3.2.3 O critério espacial

Tão importante quanto os critérios material e temporal, na identificação do perfil

do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza é a identificação do critério

espacial da hipótese de incidência normativa, que se circunscreve ao local, eleito pelo legis-

lador, para dar por ocorrido o fato jurídico tributário.

Nessa linha, o Imposto sobre a Renda será devido por todas as pessoas jurídicas

domiciliadas no território brasileiro, incluindo-se aquelas que, embora sua matriz esteja si-

tuada no exterior, possuem sucursal ou filial estabelecida em território brasileiro. As filiais

de empresas de origem estrangeira, estabelecidas no Brasil, para efeito de tributação do Im-

posto sobre a Renda, são equiparadas a empresas brasileiras e a elas se aplica a separação

promovida pela legislação tributária pátria, no sentido de considerar a matriz e suas filiais

145 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, esclarece: “Logo, um imposto sobre ‘bases correntes’ – isto é, exigível

à medida que forem percebidas riquezas – poderia ser tudo, menos o previsto no art. 153, III, da CF. E nem se alegue que tal imposto estaria no campo residual da União, ‘ex vi’ do art. 154, I, do mesmo Di-ploma Supremo. Deveras, para que válido fosse, deveria ser instituído por meio de lei complementar, ob-servar o ‘princípio da não-cumulatividade’, possuir hipótese de incidência e bases de cálculo diversa dos impostos previstos nos arts. 153, 155 e 156 do Diploma Supremo e ter 20% do produto de sua arrecada-ção partilhado pelos Estados e pelo Distrito Federal” – Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 122. MARY ELBE QUEIROZ, por sua vez, aduz: “Releva observar que as ‘antecipações’ não se revestem da natureza de imposto, pois, quando ao final do período há prejuízo (só para pessoa jurídica), ou não existe base de cálculo, ou essa é menor que aquelas sobre as quais se exigiu antecipação, exsurge a hipótese de recolhimentos a maior ou indevidos, que serão objeto de restituição ou compensação” (sic) – Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 135.

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como estabelecimentos empresariais distintos, de forma que a tributação incide separada-

mente para cada uma dessas unidades econômicas146.

Ademais, a situação contrária também é possível, ou seja, havendo empresa brasi-

leira com filial domiciliada no exterior, esta também estará sujeita à incidência do Imposto

sobre a Renda da pessoa jurídica. Essa situação é possível em razão da aplicação do “Prin-

cípio da Universalidade”, a partir da edição da Lei nº 9.249/95, que foi associado ao “Prin-

cípio da Territorialidade”, para efeito de determinação do imposto devido por pessoas jurí-

dicas nacionais que possuam atividades no exterior147.

Avançando na análise da regra-matriz do Imposto sobre a Renda e Proventos de

Qualquer Natureza, é chegado o momento de estudar o consequente normativo dessa figura

exacional, composto pelos critérios pessoal e quantitativo, ou, em termos mais específicos,

por sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota.

3.2.3.3 O Consequente Normativo

3.2.3.3.1 O Critério Pessoal

Antes de ingressar na análise da sujeição ativa e passiva do Imposto sobre a Ren-

da, deve-se ressaltar que, especialmente na sujeição passiva, existem importantes questio-

146 Código Tributário Nacional: “Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio

tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:

II - quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento”.

147 PAULO DE BARROS CARVALHO lembra que “No direito tributário brasileiro, até dezembro de 1995, as pessoas físicas submetiam-se ao princípio da universalidade, ao passo que, em matéria de imposto so-bre a renda de pessoas jurídicas, vigorava o princípio da territorialidade. Ocorre que, com a Lei nº 9.249/95, o Brasil passou a adotar o princípio da universalidade também para as pessoas jurídicas, de modo que, atualmente, são estas tributadas pelas rendas produzidas no exterior, regime que tende a con-solidar-se, em face dos últimos aperfeiçoamentos implementados pelas Leis ns. 9.430/96 e 9.532/97” – Direito Tributário – Linguagem ..., op. cit., p. 677.

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namentos a serem enfrentados, quando se tratar de responsabilidade tributária, especialmen-

te em razão de que um dos objetivos da investigação deste trabalho é definir se a retenção

na Fonte é regra de responsabilidade ou dever instrumental ou formal.

Dessa forma, como a discussão mencionada é relevante e demanda algumas linhas,

opta-se, por critério meramente didático, por tratar de tais questões no capítulo seguinte, ra-

zão pela qual neste momento, a preocupação estará voltada, apenas, para a determinação

daquelas pessoas, físicas ou jurídicas, que poderão compor os polos ativo e passivo da

obrigação relativa ao Imposto sobre a Renda.

Feita essa importante delimitação, volta-se ao assunto deste item para ressaltar que

a determinação dos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária recebe a influência dire-

ta do Princípio da Estrila Legalidade, devendo, pois, ser veiculada por lei148.

Dessa maneira, não apenas o titular da competência tributária, mas qualquer pes-

soa jurídica seja ela de Direito público ou privado, ou mesmo pessoa física que, eventual-

mente, venha a compor a sujeição ativa do Imposto sobre a Renda – em razão, por exem-

plo, de delegação da capacidade ativa de arrecadar ou da existência de parafiscalidade –

deve encontrar amparo em prévia prescrição legal. A mesma situação se verifica em relação

à sujeição passiva, ou seja, não apenas o contribuinte, mas qualquer pessoa, física ou jurídi-

ca, que se enquadre na condição de sujeito passivo da obrigação tributária, apenas estará

nessa condição por existir disposição de lei.

Mas a Constituição Federal de 1988 não apenas fincou balizas, pela aplicação do

Princípio da Estrita Legalidade, para a determinação dos sujeitos ativos e passivos, pois, em

verdade, o legislador constituinte, ao delimitar a materialidade passível de ser tributada pelo

Imposto sobre a Renda, expressa ou implicitamente já delineou, também, quem são os su-

jeitos dessa relação jurídica obrigacional de natureza tributária.

148 Constituição Federal: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-

tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liber-dade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;...”

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Em outras palavras, ao outorgar competência para instituir o Imposto sobre a Ren-

da e Proventos de Qualquer Natureza à União, o legislador constituinte também possibilitou

que ela componha a sujeição ativa do imposto. Todavia, a Constituição Federal de 1988 não

vedou a possibilidade de outros sujeitos comporem o polo ativo da relação do imposto inci-

dente sobre a renda, de forma que, além da União, qualquer outra pessoa física ou jurídica,

de Direito Público ou Privado, poderá compor o sujeito ativo da regra-matriz de incidência,

desde que haja autorização legal para tanto.

E será possível a sujeição ativa do Imposto sobre a Renda ser composta por pessoa

física ou jurídica diferente daquela titular da competência tributária se, no plano pragmáti-

co, a legislação instituir, por exemplo, uma parafiscalidade, onde a União delega a capaci-

dade ativa de arrecadar para um terceiro, pessoa jurídica, de Direito Público ou Privado, e

esta, além de receber por delegação o direito subjetivo de exigir o cumprimento da presta-

ção tributária, ainda ficar com a titularidade do produto da arrecadação. Era o caso, por

exemplo, do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, quando o titular da competência

tributária para instituir, por exemplo, as contribuições previdenciárias, era a União, por in-

termédio do Congresso Nacional, que, todavia, delegava a capacidade de arrecadar àquela

autarquia, que desempenhava os atos tendentes ao recebimento de tais recursos e ficava

com o produto da arrecadação para cumprir com seus objetivos sociais149.

Por outro lado, estar-se-á diante de um caso de mera delegação da capacidade ativa

de arrecadar, quando o titular da competência tributária outorga a terceiro, pessoa física ou

jurídica de Direito Público ou Privado, as atribuições para exigir o cumprimento da obriga-

ção tributária, repassando, a delegatária, todavia, todo o produto arrecadado para a unidade

federativa titular da competência tributária. Nesse caso, as receitas oriundas da tributação

retornam aos cofres do titular da competência tributária.

Sintetizando: pode ser considerado sujeito ativo do Imposto sobre a Renda, a Uni-

ão, por ser a titular da competência tributária e por não ter havido delegação; bem como

qualquer pessoa jurídica, de Direito Público ou de Direito Privado, além de pessoa física

149 Utiliza-se do verbo no passado, pois, a partir da criação da “Super Receita”, a arrecadação ficou centrali-

zada na Secretaria de Receita Federal do Brasil.

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que desempenhe função pública, bastando, para tanto, que haja expressa disposição em lei a

respeito dos casos de delegação da capacidade ativa de arrecadar ou de parafiscalidade.

Já em relação à sujeição passiva, também a Constituição Federal de 1988 sinalizou

quem deverá ser, como definido por MARÇAL JUSTEN FILHO, o destinatário constituci-

onal da carga tributária: trata-se do contribuinte, ou seja, aquele titular do capital ou da for-

ça de trabalho que, ao final do período determinado pela legislação, experimenta acréscimo

em seu patrimônio, por auferir renda ou proventos de qualquer natureza150. Em outras pala-

vras, é sujeito passivo o contribuinte, pessoa física ou jurídica, que tem um acréscimo pa-

trimonial passível de ser tributado pelo Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer

Natureza.

Todavia, a Constituição Federal de 1988 também não impediu, embora seja o con-

tribuinte o destinatário constitucional da carga tributária, que outra pessoa, física ou jurídi-

ca, seja alçada à condição de sujeito passivo da obrigação tributária, bastando, para tanto,

que a legislação infraconstitucional estabeleça essa relação de responsabilidade tributária,

atribuindo a terceiro, vinculado à ocorrência do fato jurídico tributário, o dever jurídico de

adimplir com a obrigação tributária151.

Nem se diga, outrossim, que a classificação ora adotada não pode ser sustentada,

por apegar-se a aspectos econômicos e não jurídicos152. Não se está misturando as ciências

econômica e jurídica para defender determinado ponto de vista, isso porque está muito cla-

ro, nas linhas que antecederam, que a vinculação do sujeito é em relação ao “evento” que

permite a incidência normativa e não em relação à repercussão econômica da tributação.

Em síntese, no caso do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica, por exemplo,

será contribuinte aquela empresa que realizar o fato jurídico tributário, ou seja, que efeti-

150 Sujeição Passiva Tributária..., p. 263. 151 Código Tributário Nacional: “Art. 128 Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de mo-

do expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter su-pletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

152 Baseada na distinção de que será contribuinte o realizador do fato jurídico tributário e responsável aquele a quem, por disposição de lei, for imposto tal deveres por possuir vinculo indireto com a realização do fato típico.

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vamente experimentar aumento patrimonial, nos termos já aqui definidos. Por outro lado,

assumirá a condição de responsável tributário pelo imposto devido aquele que, sem estar na

condição de contribuinte, for alçado à condição de sujeito passivo do tributo pela legislação

infraconstitucional e tenha relação indireta com a ocorrência do fato típico153.

E o Código Tributário Nacional corrobora a afirmação feita, quando prescreve, no

artigo 45, que “Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o ar-

tigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos

bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis”, pois fica evidente que a menção ao

titular da disponibilidade referida no artigo 43 diz respeito ao contribuinte, enquanto que a

segunda parte do mencionado artigo está a se referir ao responsável tributário.

É afirmação assente na Ciência do Direito que o legislador não se utiliza de lin-

guagem técnica, no seu ofício legiferante, todavia, essa imprecisão não afasta, via de regra,

a aplicação do enunciado prescritivo veiculado. Busca-se ressaltar, com isso, que, se apenas

será contribuinte o realizador do fato jurídico tributário, por imposição constitucional, não

poderá a lei atribuir essa condição, de contribuinte, ao possuidor dos bens produtores de

renda, de forma que, adequando a prescrição legal ao sistema constitucional tributário, evi-

dencia-se que o tal possuidor não assume a condição de contribuinte, mas sim de responsá-

vel tributário, em razão da sua participação apenas indireta na realização do fato típico.

Em síntese: será sujeito passivo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica, por

exemplo, na qualidade de contribuinte, aquela empresa que efetivamente auferir renda, no

período determinado pela legislação, inclusive as estrangeiras que desenvolvam atividade

no país e as empresas individuais. Será também sujeito passivo de tal imposto, mas na qua-

lidade de responsável tributário, aquele a quem a lei impuser o dever jurídico de cumprir

com a obrigação de levar recursos aos cofres públicos a título de Imposto de Renda, que, no

entanto, não realiza o fato jurídico tributário.

153 Reafirma-se, por importante, que, na análise ora efetuada, não se está levando em consideração o regime

de fonte e qual a sua natureza jurídica, por ser objeto de análise específica no próximo capítulo.

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Analisado o aspecto pessoal da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a

Renda, já se pode passar a análise do aspecto quantitativo, composto pela base de cálculo e

pela alíquota.

3.2.3.3.2 O Critério Quantitativo: A Base de Cálculo

Preambularmente, insta salientar que, em razão do objeto de estudo do presente

trabalho, na análise da grandeza que compõe a base de cálculo do Imposto sobre a Renda,

no caso das pessoas jurídicas não serão consideradas aquelas optantes pelo regime de tribu-

tação intitulado de “SIMPLES” ou “SUPERSIMPLES”, que, sabidamente possuem um re-

gime de escrituração contábil e declaração de ajuste simplificados e, por isso, um regime de

tributação distinto.

Não obstante isso, e retornando à análise iniciada, já se realçou, linhas atrás, que o

fato possível de ser tributado pelo Imposto sobre a Renda está delineado pela Constituição

Federal de 1988. Dessarte, parte-se do pressuposto de que não apenas a materialidade, mas

também as sujeições ativa e passiva, ainda que de forma implícita, encontram diretrizes

constitucionais. O mesmo ocorre com a base de cálculo, que encontra assento no Diploma

Supremo, mas de forma implícita.

A base de cálculo do Imposto sobre a Renda, enquanto grandeza que tem por obje-

tivo quantificar o critério material da hipótese de incidência e diante de todos os argumen-

tos expostos, quando se tratou do antecedente da regra-matriz do imposto, especialmente

dos critérios material e temporal, só pode ser composta pela renda efetivamente auferida

pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Advirta-se, outrossim, que se a base de cálculo encontra suporte, ainda que implí-

cito, na Constituição Federal de 1988, o legislador infraconstitucional não tem liberdade pa-

ra quantificá-la em grandeza ou valor que fuja das balizas fixadas pela Lei Maior.

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E essa afirmação denota coerência com a hipótese de incidência constitucional-

mente pressuposta, pois a quantificação do Imposto sobre a Renda só pode corresponder ao

valor que represente a materialidade da regra-matriz de incidência. Logo, se por materiali-

dade do Imposto sobre a Renda se encontra a aquisição de disponibilidade econômica ou

jurídica, representada por acréscimo patrimonial efetivamente experimentado pelo sujeito

passivo, a base de cálculo do imposto só pode corresponder ao valor representativo desse

acréscimo patrimonial, sendo que, nessa identificação da base de cálculo, valem, em tudo e

por tudo, as observações no sentido de que nem todos os ingressos financeiros e nem todas

as saídas são relevantes para a determinação do conceito de renda.

A afirmação de que a base de cálculo do Imposto sobre a Renda é composta pelo

acréscimo patrimonial experimentado pelo contribuinte é corroborada pelo artigo 44 do

Código Tributário Nacional, que prescreve: “A base de cálculo do imposto é o montante,

real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”; e pelo artigo 219 do

Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, o Regulamento do Imposto sobre a Renda –

RIR/1999154. Diante da prescrição legal destacada, deve-se entender o funcionamento de

cada uma das modalidades de tributação citadas.

O lucro real é a modalidade por excelência e, bem assim, a única que tem a possi-

bilidade de descortinar, efetivamente, o acréscimo patrimonial experimentado pela pessoa

jurídica, ou seja, é essa modalidade que permite, na forma do Princípio da Capacidade Con-

tributiva, a caracterização e quantificação da existência de renda passível de ser tributada

pelo Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, eis que leva em considera-

ção todos os ingressos financeiros da empresa e, ao mesmo tempo, permite-se a dedução de

154 Decreto nº 3.000/1999 – RIR/1999: “Art. 219. A base de cálculo do imposto, determinada segundo a lei

vigente na data de ocorrência do fato gerador, é o lucro real (Subtítulo III), presumido (Subtítulo IV) ou arbitrado (Subtítulo V), correspondente ao período de apuração (Lei nº 5.172, de 1966, arts. 44, 104 e 144, Lei nº 8.981, de 1995, art. 26, e Lei nº 9.430, de 1996, art. 1º).

Parágrafo único. Integram a base de cálculo todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada, independentemente da natureza, da espécie ou da existência de título ou contrato escrito, bastando que decorram de ato ou negócio que, pela sua finalidade, tenha os mesmos efeitos do previsto na norma específica de incidência do imposto (Lei nº 7.450, de 1985, art. 51, Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 2º, e Lei nº 9.430, de 1996, arts. 25, inciso II, e 27, inciso II)”.

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todas as despesas autorizadas por lei e que, direta ou indiretamente, possibilitam o desen-

volvimento da atividade empresarial155.

A regra prevista pelo sistema para apuração da renda submetida à tributação é o

lucro real, podendo, no entanto, haver a opção da empresa pela sistemática do lucro presu-

mido. Ocorre que o artigo 14 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, prescreve as si-

tuações fáticas em que a pessoa jurídica está “obrigada” à apuração mediante o lucro re-

al156.

155 Decreto nº 3.000/1999 – RIR/1999:

“Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Decreto (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º).

§ 1º A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período de apu-ração com observância das disposições das leis comerciais (Lei nº 8.981, de 1995, art. 37, § 1º).

§ 2º Os valores que, por competirem a outro período de apuração, forem, para efeito de determinação do lucro real, adicionados ao lucro líquido do período de apuração, ou dele excluídos, serão, na determina-ção do lucro real do período de apuração competente, excluídos do lucro líquido ou a ele adicionados, respectivamente, observado o disposto no parágrafo seguinte (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 4º).

§ 3º Os valores controlados na parte "B" do Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR, existentes em 31 de dezembro de 1995, somente serão atualizados monetariamente até essa data, observada a legislação então vigente, ainda que venham a ser adicionados, excluídos ou compensados em períodos de apuração posteriores (Lei nº 9.249, de 1995, art. 6º).

Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro operacional (Capítulo V), dos resultados não operacionais (Capítulo VII), e das participações, e deverá ser determinado com ob-servância dos preceitos da lei comercial (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 1º, Lei nº 7.450, de 1985, art. 18, e Lei nº 9.249, de 1995, art. 4º)”.

156 Lei nº 9.718/98: “Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:

I - cuja receita total, no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de reais), ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) me-ses; (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)

II - cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliá-rio, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mo-biliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta;

III - que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior;

IV - que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou re-dução do imposto;

V - que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento mensal pelo regime de estimativa, na forma do art. 2° da Lei n° 9.430, de 1996;

VI - que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).

VII - que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio. (Incluído pela Medida Provisória nº 472, de 2009)

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Por outro lado, a apuração da base de cálculo pela sistemática do lucro presumido

pressupõe três características marcantes: (i) primeiro, que a opção por tal modalidade de

tributação é facultativa, pois a regra é que a apuração do imposto devido se dê por intermé-

dio do lucro real; (ii) segundo, que se faz necessário conhecer a receita bruta da pessoa ju-

rídica, pois será sobre esse montante que será aplicado o percentual da base de cálculo es-

pecificado pela legislação; e, (iii) terceiro, não estejam obrigadas à apuração do lucro real,

na forma do artigo 14 da Lei nº 9.718/98.

Ocorre que a determinação do Imposto sobre a Renda pelo lucro presumido tem a

desvantagem de que a pessoa jurídica jamais terá a possibilidade de registrar resultado ope-

racional negativo ou prejuízo, pois, como se leva em consideração a receita bruta, para ser

aplicado o percentual previsto pela legislação – sintetizado nos artigos 518 e 519 do

RIR/1999 – para apurar a base de cálculo do imposto, mesmo que o caso seja de prejuízo

registrado, para efeito de tributação, haverá imposto a pagar uma vez que se está diante de

uma presunção de existência de lucro157. Há, no entanto, o aspecto positivo, embora não de

VII - que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegó-cio.(Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)”.

157 Decreto 3.000/99: “Art. 518. A base de cálculo do imposto e do adicional (541 e 542), em cada trimestre, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida no período de apuração, observado o que dispõe o § 7o do art. 240 e demais disposições deste Subtítulo (Lei no 9.249, de 1995, art. 15, e Lei no 9.430, de 1996, arts. 1o e 25, e inciso I).

Art. 519. Para efeitos do disposto no art. anterior, considera-se receita bruta a definida no art. 224 e seu parágrafo único.

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este art. será de (Lei no 9.249, de 1995, art. 15, § 1o):

I - um inteiro e seis décimos por cento, para atividade de revenda, para consumo, de combustível deriva-do de petróleo, álcool etílico carburante e gás natural;

II - dezesseis por cento para a atividade de prestação de serviço de transporte, exceto o de carga, para o qual se aplicará o percentual previsto no caput;

III - trinta e dois por cento, para as atividades de:

a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares;

b) intermediação de negócios;

c) administração, locação ou cessão de bens, imóveis, móveis e direitos de qualquer natureza.

§ 2º No caso de serviços hospitalares aplica-se o percentual previsto no caput.

§ 3º No caso de atividades diversificadas, será aplicado o percentual correspondente a cada atividade (Lei no 9.249, de 1995, art. 15, § 2o).

§ 4º A base de cálculo trimestral das pessoas jurídicas prestadoras de serviços em geral cuja receita bru-ta anual seja de até cento e vinte mil reais, será determinada mediante a aplicação do percentual de de-zesseis por cento sobre a receita bruta auferida no período de apuração (Lei no 9.250, de 1995, art. 40, e Lei no 9.430, de 1996, art. 1o).

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viés econômico, que é o fato de a empresa optante pelo lucro presumido ficar dispensada de

realizar a escrituração fiscal.

No lucro presumido, a pessoa jurídica, após a apuração da receita bruta auferida no

período, promove a aplicação do percentual previsto pela legislação sobre tais valores, para

ser possível quantificar a base de cálculo do Imposto sobre a Renda, valores esses que serão

considerados para efeito de aplicação da alíquota correspondente. Portanto, é pela aplicação

do percentual previsto pela legislação sobre o valor da receita bruta que se apura a base de

cálculo do Imposto sobre a Renda pelo lucro presumido.

Enfim, quanto ao lucro arbitrado, tem-se que a utilização dessa modalidade de

apuração da base de cálculo poderá ser feita opcionalmente, quando se conhecer a receita

bruta auferida pela pessoa jurídica ou quando esta deixou de optar pelo lucro real ou pre-

sumido, no caso de não haver vedação à utilização de qualquer dessas duas últimas modali-

dades. As hipóteses de arbitramento da base de cálculo estão sintetizadas no artigo 47 da

Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, e artigos 529 e 530 do RIR/1999158.

§ 5º O disposto no parágrafo anterior não se aplica às pessoas jurídicas que prestam serviços hospitala-res e de transporte, bem como às sociedades prestadoras de serviços de profissões legalmente regulamen-tadas (Lei no 9.250, de 1995, art. 40, parágrafo único).

§ 6º A pessoa jurídica que houver utilizado o percentual de que trata o § 5o, para apuração da base de cálculo do imposto trimestral, cuja receita bruta acumulada até determinado mês do ano-calendário ex-ceder o limite de cento e vinte mil reais, ficará sujeita ao pagamento da diferença do imposto postergado, apurado em relação a cada trimestre transcorrido.

§ 7º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, a diferença deverá ser paga até o último dia útil do mês subsequente ao trimestre em que ocorreu o excesso”.

158 Lei nº 8.981/95: “Art. 47. O lucro da pessoa jurídica será arbitrado quando:

I - o contribuinte, obrigado à tributação com base no lucro real ou submetido ao regime de tributação de que trata o Decreto-Lei nº 2.397, de 1987, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fis-cais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal;

II - a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte revelar evidentes indícios de fraude ou contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para:

a) identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária; ou

b) determinar o lucro real.

III - o contribuinte deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o livro Caixa, na hipótese de que trata o art. 45, parágrafo único;

IV - o contribuinte optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido;

V - o comissário ou representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de cumprir o disposto no § 1º do art. 76 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958;

VI - (Revogado pela Lei nº 9.718, de 1998)

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Dessa forma, quando o contribuinte conhecer a receita bruta auferida, a base de

cálculo do Imposto sobre a Renda será apurada com base no lucro líquido, e serão aplicadas

as alíquotas sintetizadas pelo artigo 519 do RIR/1999, acrescidas, em qualquer caso, de

20%, nos termos do artigo 532 do mesmo regulamento159. Será a partir do montante apura-

do segundo essa sistemática que se aplicará a alíquota prevista para a incidência do impos-

to.

Por outro lado, quando a receita bruta não for conhecida, a apuração da base de

cálculo do Imposto sobre a Renda com base no lucro arbitrado será precedida de procedi-

mento administrativo, instaurado de ofício pela Administração Pública Federal, valendo-se,

pois, das alternativas de cálculo prescritas pelo artigo 51 da Lei nº 8.981/95 e artigo 535 do

RIR/1999160.

VII - o contribuinte não mantiver, em boa ordem e segundo as normas contábeis recomendadas, livro Ra-zão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Di-ário.

VIII – o contribuinte não escriturar ou deixar de apresentar à autoridade tributária os livros ou registros auxiliares de que trata o § 2o do art. 177 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e § 2o do art. 8o do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)

§ 1º Quando conhecida a receita bruta, o contribuinte poderá efetuar o pagamento do Imposto de Renda correspondente com base nas regras previstas nesta seção.

§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior:

a) a apuração do Imposto de Renda com base no lucro arbitrado abrangerá todo o ano-calendário, asse-gurada a tributação com base no lucro real relativa aos meses não submetidos ao arbitramento, se a pes-soa jurídica dispuser de escrituração exigida pela legislação comercial e fiscal que demonstre o lucro real dos períodos não abrangido por aquela modalidade de tributação, observado o disposto no § 5º do art. 37;

b) o imposto apurado com base no lucro real, na forma da alínea anterior, terá por vencimento o último dia útil do mês subsequente ao de encerramento do referido período”.

159 Decreto nº 3.000/99: “Art. 532. O lucro arbitrado das pessoas jurídicas, observado o disposto no art. 394, § 11, quando conhecida a receita bruta, será determinado mediante a aplicação dos percentuais fi-xados no art. 519 e seus parágrafos, acrescidos de vinte por cento (Lei nº 9.249, de 1995, art. 16, e Lei nº 9.430, de 1996, art. 27, inciso I)”.

160 Lei nº 8.981/85: “Art. 51. O lucro arbitrado das pessoas jurídicas, quando não conhecida a receita bruta, será determinado através de procedimento de ofício, mediante a utilização de uma das seguintes alterna-tivas de cálculo:

I - 1,5 (um inteiro e cinco décimos) do lucro real referente ao último período em que pessoa jurídica man-teve escrituração de acordo com as leis comerciais e fiscais, atualizado monetariamente;

II - 0,04 (quatro centésimos) da soma dos valores do ativo circulante, realizável a longo prazo e perma-nente, existentes no último balanço patrimonial conhecido, atualizado monetariamente;

III - 0,07 (sete centésimos) do valor do capital, inclusive a sua correção monetária contabilizada como reserva de capital, constante do último balanço patrimonial conhecido ou registrado nos atos de consti-tuição ou alteração da sociedade, atualizado monetariamente;

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O lucro arbitrado, então, apenas será utilizado para a apuração da base de cálculo

do Imposto sobre a Renda de forma excepcional, ou seja, quando a pessoa jurídica não se

utilizar ou não puder apurá-la pelo lucro real ou presumido, se conhecida a receita bruta ou,

de ofício pela União, mediante prévio procedimento administrativo, quando não for conhe-

cida a receita bruta e de outra maneira não for possível a apuração da base de cálculo do

imposto. Fica evidente, portanto, que essa forma de apuração é a mais onerosa para o cálcu-

lo do tributo.

Identificada a base de cálculo do Imposto sobre a Renda nas suas três facetas de

incidência – lucro real, presumido ou arbitrado –, pode-se analisar quais as alíquotas apli-

cadas para, enfim, definir-se o “quantum debeatur” do tributo.

3.2.3.3.3 O Critério Quantitativo: A Alíquota

Para encerrar o estudo da regra-matriz do Imposto sobre a Renda e Proventos de

Qualquer Natureza, faz-se necessário identificar, dado o objeto de investigação, quais são

as alíquotas aplicáveis em função das rendas auferidas pelos contribuintes. Nunca é demais

lembrar que a determinação da alíquota desse imposto sofre influência direta do Princípio

IV - 0,05 (cinco centésimos) do valor do patrimônio líquido constante do último balanço patrimonial co-nhecido, atualizado monetariamente;

V - 0,4 (quatro décimos) do valor das compras de mercadorias efetuadas no mês;

VI - 0,4 (quatro décimos) da soma, em cada mês, dos valores da folha de pagamento dos empregados e das compras de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem;

VII - 0,8 (oito décimos) da soma dos valores devidos no mês a empregados;

VIII - 0,9 (nove décimos) do valor mensal do aluguel devido.

§ 1º As alternativas previstas nos incisos V, VI e VII, a critério da autoridade lançadora, poderão ter sua aplicação limitada, respectivamente, às atividades comerciais, industriais e de prestação de serviços e, no caso de empresas com atividade mista, ser adotados isoladamente em cada atividade.

§ 2º Para os efeitos da aplicação do disposto no inciso I, quando o lucro real for decorrente de período-base anual, o valor que servirá de base ao arbitramento será proporcional ao número de meses do perío-do-base considerado.

§ 3º Para cálculo da atualização monetária a que se referem os incisos deste art., serão adotados os índi-ces utilizados para fins de correção monetária das demonstrações financeiras, tomando-se como termo inicial a data do encerramento do período-base utilizado, e, como termo final, o mês a que se referir o arbitramento”.

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Constitucional da Estrita Legalidade, de forma que não é dado ao Poder Executivo fixar,

por decreto, por exemplo, as alíquotas do Imposto sobre a Renda, vez que se trata de maté-

ria adstrita ao Poder Legislativo.

Dessa forma, não fixando a Constituição Federal de 1988 quais são os percentuais

aplicáveis sobre a base de cálculo, deverá ela ser buscada na legislação infraconstitucional.

Assim, quanto às pessoas jurídicas, o artigo 2º, §§ 1º e 2º, ambos da Lei nº 9.430, de 27 de

dezembro de 1996, estabelecem que a alíquota será de 15% (quinze por cento) a incidir so-

bre a base de cálculo encontrada. Entretanto, prevê a legislação que, se a base de cálculo

apurada mensalmente exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), será devido o adicional de

Imposto de Renda, no importe de 10% (dez por cento)161, sobre o excedente.

No que se refere às pessoas físicas, as alíquotas aplicáveis, para o exercício de

2012, quanto aos rendimentos anuais, são as seguintes: (i) até R$ 19.645,32, estar-se-á di-

ante da faixa de isenção do IRPF; (ii) de R$ 19.645,33 até R$ 29.442,00, a alíquota será de

7,5%, com parcela a deduzir de R$ 1.473,40; (iii) de R$ 29.442,01 até R$ 39.256,56, a alí-

quota será de 15%, com parcela a deduzir de R$ 3.681,55; (iv) de R$ 39.256,57 até R$

49.051,80, alíquota será de 22,5%, com parcela a deduzir de R$ 6.625,79; e, (v) para ren-

dimentos acima de R$ 49.051,80, a alíquota aplicável será de 27,5%, com parcela a deduzir

de R$ 9.078,38.

161 Lei nº 9.430/1996: “Art. 2º A pessoa jurídica sujeita a tributação com base no lucro real poderá optar pe-

lo pagamento do imposto, em cada mês, determinado sobre base de cálculo estimada, mediante a aplica-ção, sobre a receita bruta auferida mensalmente, dos percentuais de que trata o art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 e nos arts. 30 a 32, 34 e 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995. (Regu-lamento)

§ 1º O imposto a ser pago mensalmente na forma deste art. será determinado mediante a aplicação, sobre a base de cálculo, da alíquota de quinze por cento.

§ 2º A parcela da base de cálculo, apurada mensalmente, que exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil re-ais) ficará sujeita à incidência de adicional de imposto de renda à alíquota de dez por cento”.

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106

3.3 SÍNTESE DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A REN-

DA

3.3.1 Principais Sistemáticas de Apuração da Renda do IRPJ

Feita essa aproximação com a regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Ren-

da e Proventos de Qualquer Natureza, que, por se tratar de norma jurídica geral e abstrata,

submete-se à teoria da norma jurídica e estrutura-se em antecedente e consequente, é im-

portante ressaltar, uma vez mais, que a sistemática de apuração da renda tributável das pes-

soas jurídicas, base de cálculo do imposto, consolida-se pelos métodos denominados de (i)

lucro real, (ii) lucro presumido e (iii) lucro arbitrado; constituindo, os dois primeiros, as

principais sistemáticas de apuração da renda.

No lucro real, cujo conceito legal “... é o lucro líquido do período de apuração

ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas...”, extraído

do artigo 247 do RIR/1999, a apuração do resultado financeiro será alcançada mediante o

confronto de todos os ingressos financeiros que compõem o faturamento do empreendimen-

to, descontadas as despesas expressamente autorizadas por Lei e que digam respeito ao de-

senvolvimento da atividade empresarial162.

162 RIR/99: “Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões

ou compensações prescritas ou autorizadas por este Decreto (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º).

§ 1º A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período de apu-ração com observância das disposições das leis comerciais (Lei nº 8.981, de 1995, art. 37, § 1º).

§ 2º Os valores que, por competirem a outro período de apuração, forem, para efeito de determinação do lucro real, adicionados ao lucro líquido do período de apuração, ou dele excluídos, serão, na determina-ção do lucro real do período de apuração competente, excluídos do lucro líquido ou a ele adicionados, respectivamente, observado o disposto no parágrafo seguinte (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 4º).

§ 3º Os valores controlados na parte "B" do Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR, existentes em 31 de dezembro de 1995, somente serão atualizados monetariamente até essa data, observada a legislação então vigente, ainda que venham a ser adicionados, excluídos ou compensados em períodos de apuração posteriores (Lei nº 9.249, de 1995, art. 6º)”.

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É desse encontro de contas – faturamento “menos” as despesas autorizadas – que

se encontrará, de forma simplista, o resultado financeiro da pessoa jurídica163.

163 O Regulamento do imposto sobre a renda – Decreto nº 3.000/1999, que disciplina a tributação, fiscaliza-

ção, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, prescreve:

Adições

“Art. 249. Na determinação do lucro real, serão adicionados ao lucro líquido do período de apuração (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 2º):

I - os custos, despesas, encargos, perdas, provisões, participações e quaisquer outros valores deduzidos na apuração do lucro líquido que, de acordo com este Decreto, não sejam dedutíveis na determinação do lucro real; II - os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores não incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com este Decreto, devam ser computados na determinação do lucro real.

Parágrafo único. Incluem-se nas adições de que trata este art.:

I - ressalvadas as disposições especiais deste Decreto, as quantias tiradas dos lucros ou de quaisquer fundos ainda não tributados para aumento do capital, para distribuição de quaisquer interesses ou desti-nadas a reservas, quaisquer que sejam as designações que tiverem, inclusive lucros suspensos e lucros acumulados (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 43, § 1º, alíneas "f", "g" e "i "); II - os pagamentos efetu-ados à sociedade civil de que trata o § 3º do art. 146 quando esta for controlada, direta ou indiretamente, por pessoas físicas que sejam diretores, gerentes, controladores da pessoa jurídica que pagar ou creditar os rendimentos, bem como pelo cônjuge ou parente de primeiro grau das referidas pessoas (Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, art. 4º); III - os encargos de depreciação, apropriados contabilmen-te, correspondentes ao bem já integralmente depreciado em virtude de gozo de incentivos fiscais previstos neste Decreto; IV - as perdas incorridas em operações iniciadas e encerradas no mesmo dia (day-trade), realizadas em mercado de renda fixa ou variável (Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 3º); V - as despesas com alimentação de sócios, acionistas e administradores, ressalvado o disposto na alínea "a" do inciso II do art. 622 (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso IV); VI - as contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da previ-dência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso V); VII - as doações, exceto as referidas nos arts. 365 e 371, caput (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso VI); VIII - as despesas com brindes (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso VII); IX - o valor da contribuição social sobre o lucro líquido, registrado como custo ou despesa operacional (Lei nº 9.316, de 22 de novembro de 1996, art. 1º, caput e parágrafo único);�X - as perdas apuradas nas operações re-alizadas nos mercados de renda variável e de swap, que excederem os ganhos auferidos nas mesmas ope-rações (Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 4º); XI - o valor da parcela da Contribuição para o Financiamen-to da Seguridade Social – COFINS, compensada com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, de acordo com o art. 8º da Lei nº 9.718, de 1998 (Lei nº 9.718, de 1998, art. 8º, § 4º)”.

Exclusões e Compensações

“Art. 250. Na determinação do lucro real, poderão ser excluídos do lucro líquido do período de apura-ção (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 3º):

I – os valores cuja dedução seja autorizada por este Decreto e que não tenham sido computados na apu-ração do lucro líquido do período de apuração; II - os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer ou-tros valores incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com este Decreto, não sejam compu-tados no lucro real; III - o prejuízo fiscal apurado em períodos de apuração anteriores, limitada a com-pensação a trinta por cento do lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas neste Decreto, desde que a pessoa jurídica mantenha os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comproba-tórios do prejuízo fiscal utilizado para compensação, observado o disposto nos arts. 509 a 515 (Lei nº 9.065, de 1995, art. 15 e parágrafo único).

Parágrafo único. Também poderão ser excluídos:

a) os rendimentos e ganhos de capital nas transferências de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, quando auferidos pelo desapropriado (CF, art. 184, § 5º); b) os dividendos anuais mínimos dis-tribuídos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento (Decreto-Lei nº 2.288, de 1986, art. 5º, e Decreto-Lei

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No lucro presumido, por sua vez, o resultado financeiro será alcançado de forma

distinta daquela apresentada para o lucro real. Na sistemática do lucro presumido, leva-se

em consideração a receita bruta experimentada pela empresa, em determinado lapso tempo-

ral, todavia, a base de cálculo será apurada mediante a aplicação de uma alíquota fixada pe-

la legislação – não se deve confundir, pois a alíquota ora aplicada serve apenas para a apu-

ração da base de cálculo – e, cujo percentual dependerá da atividade desenvolvida pelo em-

preendimento. Após a determinação da base de cálculo, sobre esse resultado aplicar-se-á a

alíquota prevista pela legislação, apurando-se, dessa forma, o Imposto sobre a Renda devi-

do pela pessoa jurídica.

Enquanto na sistemática do lucro real leva-se em consideração, além da receita

bruta, todas as despesas diretamente relacionadas à sua obtenção, possibilitando uma con-

clusão mais próxima da realidade, quanto à renda auferida, na sistemática do lucro presu-

mido, presume-se qual a base de cálculo sobre a qual irá incidir a alíquota prevista pela lei

para a apuração do Imposto sobre a Renda, fornecendo um resultado que, nem sempre, es-

pelha a real situação de lucratividade experimentada pelo empreendimento, que, nessa úl-

tima modalidade, não tem a possibilidade de registrar prejuízo.

Contudo, a sistemática do lucro presumido, a considerar o conceito constitucional

de renda e proventos de qualquer natureza, encerra uma inconstitucionalidade, isso porque

o critério material da sua norma-padrão de incidência apenas poderia ser composto pela

“renda ou proventos” auferidos, enquanto que, em realidade, parte-se de uma presunção,

onde o ponto de referência é a receita bruta e a riqueza efetivamente experimentada é extra-

ída por presunção, de forma que tal materialidade consubstancia-se na receita bruta e não

nº 2.383, de 1987, art. 1º); c) os juros produzidos pelos Bônus do Tesouro Nacional - BTN e pelas Notas do Tesouro Nacional - NTN, emitidos para troca voluntária por Bônus da Dívida Externa Brasileira, ob-jeto de permuta por dívida externa do setor público, registrada no Banco Central do Brasil, bem assim os referentes aos Bônus emitidos pelo Banco Central do Brasil, para os fins previstos no art. 8º do Decreto-Lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.105, de 24 de janeiro de 1984 (Lei nº 7.777, de 19 de junho de 1989, arts. 7º e 8º, e Medida Provisória nº 1.763-64, de 11 de março de 1999, art. 4º); d) os juros reais produzidos por Notas do Tesouro Nacional – NTN, emitidas pa-ra troca compulsória no âmbito do Programa Nacional de Privatização - PND, controlados na parte "B" do LALUR, os quais deverão ser computados na determinação do lucro real no período do seu recebi-mento (Lei nº 8.981, de 1995, art. 100); e) a parcela das perdas adicionadas conforme o disposto no inci-so X do parágrafo único do art. 249, a qual poderá, nos períodos de apuração subsequentes, ser excluída do lucro real até o limite correspondente à diferença positiva entre os ganhos e perdas decorrentes das operações realizadas nos mercados de renda variável e operações de swap (Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 5º)”.

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na renda efetivamente experimentada, razão pela qual fica evidente o descompasso entre

critério material e base de cálculo, o que fulmina a legalidade – em sentido amplo – da in-

cidência do imposto sobre a renda na modalidade do lucro presumido.

Feitas essas considerações acerca das principais sistemáticas de apuração das ren-

das das empresas, pode-se, sem demora, passar a demonstrar a estrutura da regra-matriz de

incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica, apurado mediante o lucro real e o

lucro presumido, assim como do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.

3.3.2 A Regra-Matriz do IRPJ na modalidade do “lucro real”

* hipótese:

“Critério material”: auferir renda e proventos de qualquer natureza, caracterizados

como riqueza nova em relação a patrimônio anterior, com disponibilidade econômica e ju-

rídica.

“Critério temporal”: o último instante do último dia do exercício financeiro, ou se-

ja, do dia 31 de dezembro, eis que a apuração é anual; ou, se for o caso de a pessoa jurídica

optar pela apuração trimestral, o fato jurídico tributário reputar-se-á ocorrido no último ins-

tante dos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-

calendário.

“Critério Espacial”: será considerada toda a renda obtida no território brasileiro,

inclusive aquela auferida no exterior, tendo em vista o critério internacional de tributação

pelo Imposto sobre a Renda.

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* consequência:

“Critério Pessoal”:

“Sujeito Ativo”: União ou aquele a quem a lei atribuir a capacidade ativa de arre-

cadar.

“Sujeito Passivo”: quem auferir renda, caracterizado como contribuinte, ou aquele

a quem a lei atribuir a responsabilidade pelo pagamento do imposto, chamado de responsá-

vel tributário.

* consequência:

“Critério Quantitativo”:

“Base de cálculo”: montante real da renda ou proventos de qualquer natureza efe-

tivamente experimentados pela pessoa jurídica, apurado segundo a sistemática prevista pela

legislação.

“Alíquota”: 15%. No caso de faturamento, pela pessoa jurídica, de valor superior a

R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mensais, será acrescida do adicional de 10%, incidindo, o

adicional, sobre o excedente.

3.3.3 A Regra-Matriz do IRPJ na modalidade do “lucro presumido”

* hipótese:

“ Critério material”: auferir receita bruta.

“Critério temporal”: a apuração será trimestral, de forma que o fato jurídico tribu-

tário reputar-se-á ocorrido no último instante dos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de se-

tembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário.

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“Critério Espacial”: será considerada toda a renda obtida no território brasileiro,

inclusive aquela auferida no exterior, tendo em vista o critério internacional de tributação

adotado pelo Imposto sobre a Renda.

* consequência:

“Critério Pessoal”:

“Sujeito Ativo”: União ou aquele a quem a lei atribuir a capacidade ativa de arre-

cadar.

“ Sujeito Passivo”: quem auferir renda, caracterizado como contribuinte, ou aquele

a quem a lei atribuir a responsabilidade pelo pagamento do imposto, chamado de responsá-

vel tributário.

* consequência:

“Critério Quantitativo”:

“Base de cálculo”: montante presumido da renda ou proventos de qualquer nature-

za, estabelecida a presunção, mediante a aplicação dos percentuais sintetizados nos artigos

518 e 519 do RIR/1999 sobre a receita bruta auferida trimestralmente.

“ Alíquota”: 15%. No caso de faturamento, pela pessoa jurídica, de valor superior a

R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mensais, será acrescida do adicional de 10%, incidindo, o

adicional, sobre o excedente.

3.3.4 A regra-matriz do IRPF

* hipótese:

“Critério material”: auferir renda e proventos de qualquer natureza, caracterizados

como riqueza nova em relação a patrimônio anterior, com disponibilidade econômica, jurí-

dica e financeira (pela adoção do regime de caixa);

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“Critério temporal”: o último instante do último dia do exercício financeiro, ou se-

ja, do dia 31 de dezembro;

“Critério Espacial”: será considerada toda a renda obtida no território brasileiro,

inclusive aquela auferida no exterior, tendo em vista o critério internacional de tributação

adotado pelo Imposto sobre a Renda.

* consequência (critério pessoal):

“Critério Pessoal”:

“Sujeito Ativo”: União ou aquele a quem a lei atribuir a capacidade ativa de arre-

cadar.

“Sujeito Passivo”: quem auferir renda, caracterizado como contribuinte, ou aquele

a quem a lei atribuir a responsabilidade pelo pagamento do imposto, chamado de responsá-

vel tributário.

* consequência (critério quantitativo):

“Critério Quantitativo”:

“Base de cálculo”: montante real da renda ou proventos de qualquer natureza efe-

tivamente experimentados pela pessoa física, apurado segundo a sistemática prevista pela

legislação.

“Alíquota”: Isento para rendimentos até R$ 19.645,32; (ii) 7,5% para rendimentos

de R$ 19.645,33 até R$ 29.442,00; (iii) 15% para rendimentos de R$ 29.442,01 até R$

39.256,56; (iv) 22,5% para rendimentos de R$ 39.256,57 até R$ 49.051,80 e, (v) 27,5%,

para rendimentos acima de R$ 49.051,80.

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CAPÍTULO 4 – A SISTEMÁTICA DE RETENÇÃO NA FONTE DO IMPOSTO

SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA

4.1 NOTA INTRODUTÓRIA

Analisou-se, no capítulo dois, a teoria da norma jurídica, para que, a partir dos

aportes teóricos lá mencionados, fosse possível partir para o estudo da regra-matriz de inci-

dência tributária como ensaio para o estudo da estrutura normativa do Imposto sobre a

Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Jurídica.

Outrossim, recordando que o objeto deste estudo é a tributação dos lucros e divi-

dendos e as implicações jurídico-normativas dos projetos de lei números 3.007 e 3.091,

ambos de 2008 e nº 2.610, de 2011, cujo objetivo, em última análise, é possibilitar a tribu-

tação dos lucros e dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas aos seus sócios,

mediante a revogação da isenção por prazo indeterminado hoje vigente.

Ocorre que o projeto de lei nº 3.007/2008 faz inserir, no artigo 10 da Lei nº

9.249/95, o parágrafo primeiro, onde consta a determinação de que, se o caso for de lucro

ou dividendo pago ou creditado a beneficiário, pessoa física ou jurídica, cujo domicílio seja

no exterior, dever-se-á promover a retenção na Fonte à alíquota de 15%164. Já o projeto de

lei nº 2.610/2011 determina a revogação do artigo 10 supracitado e introduz, no sistema,

novo enunciado prescritivo, cujo artigo 1º, “caput” , determina que o pagamento de lucro

164 PL 3.007/2008: Art. 1º O Art. 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, passa a vigorar com nova

redação, acrescido do seguinte parágrafo primeiro, transformando o seu parágrafo único em parágrafo segundo:

“Art. 10. Os lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no país, integrarão a base de calculo do imposto de renda do beneficiário.

Parágrafo primeiro. Os rendimentos auferidos sob a forma de distribuição de lucros e dividendos credi-tados a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no exterior, ficarão sujeitos à incidência de imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento”.

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ou dividendo pela pessoa jurídica integrará a base de cálculo do Imposto sobre a Renda do

beneficiário, estando este sujeito à retenção do imposto na Fonte, à alíquota de 15%165.

O ponto de contato dos projetos de lei em destaque, além da revogação da isenção

e da tributação dos lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas aos

seus sócios, é que estes, os beneficiários, sujeitar-se-ão à retenção na Fonte do valor que,

em tese, seria devido a título de Imposto sobre Renda da Pessoa Física, quando ocorrido o

fato jurídico tributário.

Diante dessa particularidade, faz-se necessário o estudo da sistemática de retenção

na Fonte do Imposto sobre a Renda, para que se possa entender o mecanismo de concreti-

zação da tributação a ser instituída; e, indo além, averiguar qual a natureza jurídica de tal

retenção, ou seja, se o caso é de norma de responsabilidade tributária ou de mero dever ins-

trumental ou formal do retentor, pois, a depender das conclusões encontradas, diferentes se-

rão as consequências jurídicas da nova normatização.

Entretanto, para chegar-se ao ponto pretendido, deve-se analisar, anteriormente, o

mecanismo da incidência normativa e o momento de nascimento da obrigação tributária,

bem como os deveres de fazer ou não-fazer que o Código Tributário Nacional, no seu artigo

113, chama de “obrigações acessórias”, e que, para efeito deste trabalho, opta-se por deno-

minar como “deveres instrumentais ou formais”, tudo a possibilitar a análise científica da

regularidade ou não da sistemática de retenção na Fonte166.

165 PL 2.610/2011: “Art. 1º O lucro ou dividendo, pago ou creditado pela pessoa jurídica integrará a base de

cálculo do imposto de renda do beneficiário, e estará. sujeito à incidência da alíquota de quinze por cento na fonte, como antecipação do que for devido na declaração”.

166 Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tribu-to ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.

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115

4.2 APONTAMENTOS SOBRE A FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA DA NORMA

JURÍDICA

O estudo sobre o fenômeno da incidência normativa é assunto de Teoria Geral do

Direito, isso porque o mecanismo da incidência é comum a todos os “ramos didáticos” do

Direito, ou seja, a subsunção do fato à norma ocorrerá da mesma forma e acarretará as

mesmas consequências jurídicas, independentemente de o estudo encontrar-se voltado para

uma categoria específica no terreno de qualquer das subáreas do Direito. A mecânica da in-

cidência normativa é a mesma, por exemplo, na seara do Direito Penal, do Direito Civil e

do Direito Tributário167.

O mecanismo de incidência da norma jurídica há muito vem possibilitando debates

em sede doutrinária, em que os autores, das mais variadas gerações tentam responder aos

seguintes questionamentos: a incidência normativa é ou não automática e infalível ? Quanto

ao Direito Tributário e atendendo a critérios lógicos, qual é o momento que se considera

como o do nascimento da obrigação tributária ? Reputa-se nascida a obrigação tributária

após a subsunção do fato à norma geral e abstrata ou quando a pessoa competente realiza o

ato de aplicação do Direito e extrai a norma individual e concreta da tributação ?

Tais questionamentos são complexos e, em verdade, a doutrina, até o momento,

não conseguiu chegar a uma única conclusão de consenso, acerca de como ocorre a inci-

dência normativa. Essa discussão, certamente, seria suficiente, por si só, para uma disserta-

ção de mestrado ou uma tese de doutoramento. Todavia, como o fenômeno da incidência é

apenas aspecto indireto no objeto deste estudo, não se tem a pretensão de esgotar o tema e

enfrentar aqueles questionamentos – por não ser adequado, dado o objeto de investigação –, 167 Ressalta JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, a respeito do estudo da incidência da norma jurídica pela Teo-

ria Geral do Direito, que “A apreensão conceitual da incidência tampouco pode ser obtida a partir das ci-ências jurídico-positivas especializadas (dogmática jurídica)”; e mais adiante ressalta: “A esta [a Teoria Geral do Direito] incumbe descrever um campo, por isso mesmo que ‘geral’, mais abrangente que os campos preenchidos pelas disciplinas jurídicas especializadas. (...) A incidência reveste uma peculiarida-de que a distingue dos outros conceitos jurídicos fundamentais. Porque ela não é categoria de direito po-sitivo, senão puro fenômeno, mostra-se insusceptível de apropriação por uma província especializada do jurídico, como se fora privativa dela, ao contrário do que geralmente pretende a doutrina do direito tri-butário. ‘Incidência tributária’ estudada como algo distinto da incidência noutras províncias de especia-lização jurídica” – Curso de Direito Comunitário, p. 23 e 26 (Esclarecemos, nos colchetes).

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mas, tão somente, apresentar as correntes doutrinárias que mais debatem sobre o assunto,

possibilitando uma tomada de posição, para efeito de concluir o estudo da sistemática de re-

tenção na Fonte.

O pressuposto para a possibilidade de ocorrer a incidência normativa é que haja

uma prévia qualificação jurídica dos eventos, ou seja, que o legislador, olhando para a rea-

lidade social, para o mundo fenomênico que o cerca, entenda necessário prescrever que o

acontecimento de determinados eventos, tais quais previstos na norma, acarretarão a ocor-

rência de consequências jurídicas, também normativamente prescritas. Assim, se o legisla-

dor entende que determinados comportamentos sociais são relevantes para fazer surgir con-

sequências jurídicas, tipifica esses eventos em normas gerais e abstratas e, uma vez obser-

vados concretamente tais comportamentos, desencadeiam-se as relações jurídicas decorren-

tes. E o surgimento dessas relações jurídicas é possibilitado pelo fenômeno da incidência

normativa168.

Em outras palavras, já foi aqui enunciado, em momentos anteriores, que o Direito

é o mecanismo por excelência para estimular a conduta social. O Direito é concebido para

que a sociedade possa existir, para que os membros dessa coletividade possam conviver

harmonicamente, regrando comportamentos e direcionando condutas, mesmo diante das di-

vergências de pensamentos que é ínsita ao homem. Diante dessa realidade, torna-se precisa

a afirmação de PONTES DE MIRANDA, no sentido de que “... se quisermos concretizar o

pensamento, basta trazer-se para o mundo social, para a vida comum, a afirmação con-

cernente ao mundo atmosférico: onde há espaço social há direito, como onde há espaço

atmosférico, há corpos sólidos, líquidos ou fluídos que o ocupam” 169.

É a norma jurídica, ao prescrever comportamentos, que permite ao homem viver

enquanto animal social. É a previsão hipotética dos fatos que leva o homem a cumprir com

os desígnios legais, sendo por conta da incidência normativa que nascem as relações jurídi-

168 Esclarece ALFREDO AUGUSTO BECKER: “Todo o fato é, pois, mudança no mundo. O mundo compõe-

se de fatos, em que novos fatos se dão. O mundo jurídico compõe-se de fatos jurídicos. Os fatos, que se passam no mundo jurídico, passam-se no mundo; portanto; são. O imundo não é mais do que o total dos fatos e, se excluíssemos os fatos jurídicos, que tecem, de si mesmo, o mundo jurídico, o mundo não seria a totalidade dos fatos” – Teoria Geral..., op. cit., p. 300.

169 Sistema de ciência positiva do direito, Tomo I, p. 116.

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cas prescritas no consequente e que se formam, minimamente, entre duas pessoas, tendo

por base um objeto170.

Feitas essas considerações iniciais, urge destacar que, ao tratar do fenômeno da in-

cidência, pode-se estar diante de: a) normas juridicizantes; b) normas desjuridicizantes e; c)

normas não juridicizantes. As “normas juridicizantes” são aquelas que acolhem, no mundo

jurídico, um fato ocorrido no mundo fenomênico. Essas normas colorem um fato e traz para

o mundo jurídico, transformando-o em fato jurídico. Por outro lado, as “normas desjuridici-

zantes”, são aquelas que afastam um fato do mundo jurídico, ou seja, um fato que já estava

no terreno do jurídico é retirado desse mundo, quando sofre a incidência da norma desjuri-

dicizante. Enfim, as “normas não juridicizantes” são aquelas que impedem a entrada de um

fato no mundo jurídico, i. é., atingem um fato para evitar que ele ingresse no mundo do Di-

reito171.

Deve-se ressaltar que, para efeito destas linhas, está-se levando em consideração

as normas juridicizantes, e, ao ingressar especificamente na discussão acerca da importân-

cia dos fatos para a ocorrência da incidência, ALFREDO AUGUSTO BECKER destaca:

170 Destaca MARCOS BERNARDES DE MELLO que “... a incidência é o efeito da norma jurídica de trans-

formar em fato jurídico a parte do suporte fáctico que o direito reputou relevante, segundo critérios valo-rativos, para ingressar no mundo jurídico” – Teoria do Fato Jurídico – plano da existência, p. 57. Já GABRIEL IVO pondera que “... o efeito da norma jurídica é a incidência, que por sua vez tem o efeito de juridicizar o fato, tornando-o jurídico, destacando-o do mundo enquanto mundo, e inserindo-o no mundo jurídico. Dessa composição, que adquire existência através da linguagem (ninguém toca ou vê a incidên-cia), decorre a eficácia legal” (sic) – Norma Jurídica – produção e controle, p. 43-44. Por sua vez, pondera JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, sobre a incidência normativa: “Em suma: a incidência não é uma categoria jurídica distinta da norma – é a sua essência. Nesse sentido, a afirmação de que a norma incide tem algo de pleonástico. A norma é em si mesmo indissociável da sua incidência atual ou futura. A norma cuja vigência esteja sujeita a ‘vacatio legis’ pode indiferentemente ser descrita como normativida-de futura (ainda não-norma) ou, com mais rigor lógico, norma cuja incidência está suspensa por efeito desse tempo futuro. Mas em qualquer das duas alternativas, o caráter essencial de sua incidência resta intacto” (sic) – Curso..., p. 26.

171 Comunga desse entendimento PONTES DE MIRANDA, para quem “se a regra jurídica diz que o suporte fático é suficiente, a regra jurídica dá-lhe entrada no mundo jurídico: o suporte fático juridiciza-se (= faz-se fato jurídico). Se ela, diante de fato jurídico, enuncia que o fato jurídico vai deixar de ser jurídico, isto é, vai sair, ou desaparecer do mundo jurídico, desjuridiciza-o. Ali, a regra jurídica é juridicizante; aqui, desjuridicizante” – Tratado de Direito Privado..., op. cit., p. 75. No mesmo sentido: ALFREDO AUGUSTO BECKER, Teoria..., op. cit., p. 303-304.

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O mundo total compõe-se de fatos, em que novos fatos acontecem e com o acon-tecer de novos fatos realiza-se a hipótese de incidência da regra jurídica, desenca-deando a incidência desta sobre a sua hipótese de incidência realizada. Esta inci-dência juridiciza a hipótese de incidência e a hipótese de incidência juridicizada é fato novo que entrou para dentro do mundo jurídico: o fato jurídico.172

Indo direto ao ponto e estabelecido que os fatos sociais irão compor a hipótese de

uma norma geral e abstrata, entende ALFREDO AUGUSTO BECKER que, uma vez ocor-

ridos, na realidade empírica, os fatos juridicamente previstos na norma, acontece a incidên-

cia automática e infalível da norma sobre o fato, fazendo nascer, desde logo, as consequên-

cias jurídicas que estão prescritas no consequente daquela norma geral. Por outros torneios,

ressalta o autor que, ocorrido o fato previsto na norma, desabrocha a relação jurídica pres-

crita em lei, isso porque a incidência é automática e infalível, ensinando que “... a incidên-

cia da regra jurídica somente ocorre depois de realizada sua hipótese de incidência e as

consequências desta incidência (ex.: irradiação da relação jurídica ou desconstituição do

ato jurídico anulável ou negação de juridicidade ao fato) são aquelas predeterminadas pe-

la regra”173.

Complementando suas ideias e demonstrando que a incidência da norma jurídica

sobre o fato realizado é automática e infalível, de forma a surgir, desde logo, a relação jurí-

dica correspondente, ALFREDO AUGUSTO BECKER é enfático ao assinalar que:

Entretanto, a hipótese de incidência somente se realiza quando se realizaram (aconteceram e, pois, existem) todos os elementos que a compõem. Basta faltar um único elemento para que a hipótese de incidência continue não realizada; e enquanto não se realizar este último elemento, não ocorrerá a incidência da regra jurídica. Porém, realizando-se este último elemento, a regra jurídica incide sobre a hipótese de incidência realizada e a sua incidência é imediata, instantânea e in-falível.

(...).

172 Teoria..., op. cit., p. 300. 173 Idem.

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A juridicidade tem grande analogia com a energia eletromagnética e a incidência da regra jurídica projeta-se e atua com automatismo, instantaneidade e efeitos muito semelhantes a uma descarga eletromagnética.174

É importante ressaltar, outrossim, que BECKER não está sozinho no seu entendi-

mento, pois bebeu na fonte de PONTES DE MIRANDA, que, por sua vez, considera neces-

sário a presença do suporte fático, ou seja, sobre o que as normas jurídicas irão incidir, para

que se dê o fenômeno da incidência normativa. Por suporte fático concreto, entende este au-

tor, a realidade fática – fato do mundo fenomênico – que é considerado relevante para a or-

dem jurídica e, portanto, é alçado à condição da hipótese da norma jurídica. O fato, na con-

dição de componente da hipótese de incidência normativa, é suporte fático abstrato175.

Nessa esteira de pensamento, portanto, entende PONTES DE MIRANDA que a

incidência normativa pressupõe a existência de regra jurídica em que, no antecedente, en-

contra-se a previsão de um fato hipotético – suporte fático abstrato – que, se e quando ocor-

rido, fará desabrochar as consequências jurídicas prescritas no consequente da mesma regra

jurídica, irradiando, pois, relações jurídicas. Destaca o autor que “... os elementos do supor-

te fático são pressupostos do fato jurídico; o fato jurídico é o que entra, do suporte fático,

no mundo jurídico, mediante a incidência da regra jurídica sobre o suporte. Só de fatos ju-

rídicos provém eficácia jurídica”176.

174 Ibidem, p. 303. Reafirmando o que já restou destacado no texto, o mesmo ALFREDO AUGUSTO BEC-

KER, exemplifica seu pensamento, para depois concluir da seguinte forma: “Ora, com o acontecer dos fa-tos, vão se realizando (existindo no presente e no pretérito), um a um, os elementos previstos na composi-ção da hipótese de incidência, quando ‘todos’ os elementos se realizaram (existem no presente e no preté-rito), a hipótese de incidência realizou-se e, então, automaticamente (imediata, instantânea e infalivel-mente) aquele instrumento entra em ‘dinâmica’ e projeta uma descarga (incidência) de energia eletro-magnética (juridicidade) sobre a hipótese de incidência realizada. Recebendo esta carga de energia (de juridicidade), a hipótese de incidência fica carregada de energia eletromagnética (juridiciza-se) em esta-do dinâmico, cujo efeito é a ‘irradiação’ (pela hipótese de incidência já juridicizada) ‘da eficácia jurídi-ca’: a relação jurídica e seu conteúdo jurídico de direito e correlativo dever, de pretensão e correlativa obrigação, de coação e correlativa sujeição. ‘A irradiação da eficácia jurídica é a irradiação de um ar-co-íris eletromagnético (a relação jurídica) que vincula o sujeito passivo (situado no polo negativo do arco-íris) ao sujeito ativo (situado no polo positivo)’” (grifos, nossos) – Teoria..., op. cit., p. 308-309.

175 Tratado..., op. cit., p. 13-82. 176 Ibidem, p. 51. Destaca PONTES DE MIRANDA: “A regra jurídica é norma com que o homem, ao querer

subordinar os fatos a certa ordem e a certa previsibilidade, procurou distribuir os bens da vida. Há o fato de legislar, que é edictar a regra jurídica; há o fato de existir, despregada do legislador, a regra jurídica; há o fato de incidir, sempre que ocorra o que ela prevê e regula. O que é por ela previsto e sobre o qual

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É por decorrência dessa afirmação que se pode entender que o núcleo do pensa-

mento de PONTES DE MIRANDA, quanto à incidência, estava no fato de a juridicização

ser processo típico do Direito, de forma que este, o direito, qualifica os fatos para que se

tornem jurídicos, i. é., para que ingressem no mundo jurídico. São as palavras do autor: “...

para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que regras jurídicas — isto é, normas abstratas

— incidam sobre eles, desçam e encontrem os atos, colorindo-os, fazendo-os ‘jurídi-

cos’” 177.

Em síntese, trazendo essa visão pontiana do fenômeno da incidência normativa pa-

ra os lindes do Direito Tributário, ter-se-á a seguinte significação: a norma incide sobre o

fato e juridiciza-o, tornando-o, portanto, fato jurídico, fazendo nascer a obrigação tributária,

circunstância na qual, o lançamento tributário, enquanto norma individual e concreta, ape-

nas formaliza, declara, o crédito tributário, uma vez que a relação jurídica obrigacional tri-

butária, nessa perspectiva, já nascera quando da subsunção da norma geral e abstrata ao su-

porte fático.

As lições ora transcritas parecem demonstrar que PONTES DE MIRANDA, em

sua obra, parte da distinção entre “fato” – acontecimentos sociais que ocorreu, ou ocorre,

ou vai ocorrer, e que são reputados relevantes para o Direito e que poderão compor o supor-

te fático –, “suporte fático abstrato” – na qualidade de fato social já previsto na hipótese de

uma norma geral e abstrata – e “fato jurídico” – que corresponde à incidência da norma ju-

rídica sobre o fato, irradiando os efeitos ou relações jurídicas previstas no consequente

normativo –, para efeito de detalhar o aspecto que, para ele, é o mais importante, ou seja, o

fato jurídico, que se faz presente por decorrência da incidência normativa, que é automática

e infalível.

ela incide é o suporte fático, conceito da mais alta relevância para as exposições e as investigações cien-tíficas” – Tratado..., op. cit., p. 49.

177 Pode-se, ainda, destacar outra passagem do brilhantismo pontiano, nos seguintes termos: “Como funciona o incidir das regras jurídicas ? O problema de como incidem não se confunde com o de porque incidem, nem com o da especificidade do fato da incidência, em relação às outras regras sociais. A regra jurídica lá está, despregado o cordão umbilical ao órgão legislativo, se o houve; se o não houve, o mecanismo foi mais rudimentar: fatos passados realizavam a norma, ao mesmo tempo que ela os regia (costume). Numa e noutra espécie, ocorridos certos fatos-conteúdo, ou suportes fácticos, que têm de ser regrados, a regra jurídica incide. A sua incidência é como a da plancha da máquina de impressão, deixando a sua imagem colorida em cada folha” – Tratado..., op. cit., p. 52-57.

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São essas as palavras do laureado autor:

A incidência das regras jurídicas não falha; o que falha é o atendimento a ela. Se se escreve, por exemplo, que, “se há infração da regra jurídica, a incidência da regra falha em realidade”, está-se a falar em acontecimento do plano do atendi-mento (aí, dito da realidade), com os olhos fitos no plano das incidências, que é o do mundo jurídico, o plano do pensamento.

(...).

Infalibilidade da incidência. A incidência da lei, pois que se passa no mundo dos pensamentos e nele tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros “pon-tos” do mundo, em que tenha de ocorrer, segundo as regras jurídicas. É, portanto, infalível.

(...).

A causação, que o mundo jurídico prevê, é infalível, enquanto a regra jurídica existe: não é possível obstar-se à realização das suas consequências; e a aplicação injusta da regra jurídica, ou porque se não haja aplicado a regra jurídica, com a interpretação que se esperava, ou porque não se tenha bem classificado o suporte fático, não desfaz aquele determinismo: é o resultado da necessidade prática de se resolverem os litígios, ou as dúvidas, ainda que falivelmente; isto é, da necessi-dade de se julgarem os desatendimentos à incidência.178

Diante da clareza de pensamento do saudoso jurista alagoano, a conclusão que se

reputa consentânea com seu posicionamento é a de que a incidência é automática e infalível

por não haver meios de impedir que a regra jurídica incida sobre o fato que encontra pres-

crição no seu antecedente, mormente porque a incidência ocorre no plano do pensamento –

psique, nas palavras do autor –, de forma que, tão logo ocorra o fato prescrito na norma ju-

rídica geral e abstrata, desencadeiam-se os efeitos jurídicos pretendidos pela legislação, au-

tomática e infalivelmente, dando azo ao nascimento da relação jurídica correspondente.

Em síntese, tanto PONTES DE MIRANDA e, sob a perspectiva do Direito Tribu-

tário, ALFREDO BECKER, no que tange ao fenômeno da incidência normativa, entendem

que ela ocorre tão logo aconteça, no mundo fenomênico, o fato previsto hipoteticamente no

antecedente da norma geral e abstrata, incidindo automática e infalivelmente; essa incidên-

cia, no pensamento de BECKER, faz nascer a obrigação tributária correspondente, vez que

178 Tratado..., op. cit., p. 58-62-65.

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a coloração do fato torna-o fato jurídico, não havendo, ainda, crédito tributário declarado.

Será o lançamento que, posteriormente, terá o condão de formalizar o crédito tributário.

Em linha oposta à defendida por ALFREDO AUGUSTO BECKER e PONTES

DE MIRANDA está o pensamento capitaneado por PAULO DE BARROS CARVALHO,

que ao contrário dos anteriores, acompanhando TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR,

parte da distinção entre evento, fato e fato jurídico, para tratar sobre o assunto da incidência

normativa; não obstante isso, considera, segundo as lições da Teoria Geral do Direito, ab-

surdo a existência de obrigação sem o crédito correspondente, daí a impossibilidade de sus-

tentar que da incidência automática e infalível do fato à norma nasce, desde logo, a obriga-

ção correspondente179.

Invertendo-se a ordem das ideias destacadas no parágrafo anterior, em relação ao

segundo argumento utilizado por PAULO DE BARROS CARVALHO, ou seja, a impossi-

bilidade de existência de obrigação sem crédito, pede-se licença para remeter o leitor ao su-

bitem “4.3.4”, no qual se trabalham os fundamentos dos deveres instrumentais ou formais,

eis que, nesse momento, faz-se uma análise da possibilidade ou não da existência de obri-

gação sem crédito, aplicando-se tais fundamentos, em tudo e por tudo, na reflexão ora em-

preendida. Por outro lado, em relação ao primeiro argumento, i. é., a distinção entre evento,

fato e fato jurídico, parte o autor das lições de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, que

aduz:

179 Sobre essa perspectiva diferente de visualizar o fenômeno da incidência normativa e, por consequência, de

identificar o exato momento de nascimento da relação jurídica obrigacional tributária, extraída a partir do pensamento de PAULO DE BARROS CARVALHO, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI assim ex-põe: “Por um lado, a norma jurídica só nasce quando objetivada pela linguagem, nos documentos jurídi-cos aceitos pelo direito para veiculá-las. Por outro lado, o direito é o conjunto das normas construídas a partir desses documentos jurídicos. Assim, não se pode entender que o ‘fato jurídico’ e a ‘obrigação tri-butária’ pertençam ao direito, pois tais entidades ainda não foram objetivadas por ato de aplicação que as transformasse em normas individuais e concretas, por um veículo introdutor como, por exemplo, o ‘au-to de infração’ ou a ‘notificação de lançamento’. Prova disso é que, se houver qualquer distorção na ver-são desse ato de aplicação sobre a materialidade desse ‘fato’ e dessa ‘obrigação’, o que prevalece juridi-camente é o conteúdo objetivado na regra individual e concreta, que é produto desse ato” – Introdução: Norma, evento, fato, relação jurídica, fontes e validade no direito, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (coord.), Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho..., op. cit., p. 24-25.

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É preciso distinguir entre fato e evento. A travessia do Rubicão por Cesar é um evento. Mas “Cesar atravessou o Rubicão” é um fato. Quando, pois, dizemos que “é um fato que Cesar atravessou o Rubicão”, conferimos realidade ao evento. ‘Fato’ não é pois algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade.180

É possível sintetizar o pensamento ora destacado e compreender a linha de pensa-

mento de PAULO DE BARROS CARVALHO, chegando-se, em síntese, às seguintes dis-

tinções: a) por “evento”, compreende o autor que se trata dos acontecimentos do mundo fe-

nomênico, i. é., da realidade social, que, apesar de ocorridos, ainda não foram exterioriza-

dos em linguagem para a comunidade que o cerca; b) já em relação aos “fatos”, entende tra-

tar-se dos eventos já exteriorizados, ou seja, já relatados em linguagem “social”, de forma

que o evento foi externado para a comunidade que o cerca, transformando-se, pois, em fa-

tos; c) por fim, considera por “fato jurídico” o relato em linguagem “jurídica” competente

do evento anteriormente ocorrido. É o resultado da subsunção, ou seja, a norma incide so-

bre o fato e torna-o jurídico, abrindo, a ele, as portas do mundo jurídico, fazendo-o assumir

a posição de antecedente da norma individual e concreta que documentou a incidência

normativa181.

180 Introdução ao Estudo do Direito..., p. 253. 181 Externando o posicionamento ora em destaque, pondera EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI: “Disso

nos interessam, por ora, os conceitos de ‘evento’ e ‘fato’. Este como a articulação linguística de uma da-da realidade; aquele, como a própria realidade sem revestimento de linguagem jurídica. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho define fato jurídico tributário como o ‘enunciado protocolar, denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta, emitindo, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de positivação do direito’ e evento, como ‘os fatos da chamada realidade social, enquanto não forem constituídos em linguagem jurídica própria’” – Introdu-ção: Norma, evento, fato, relação jurídica, fontes e validade no direito, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (coord.), Curso..., op. cit., p. 26. Na mesma linha de raciocínio, mas explicitando, de forma didá-tica, como se deve entender o fato jurídico, invoca-se a lição de MARIA RITA FERRAGUT: “O direito não se satisfaz com a linguagem ordinária, e se os eventos não estiverem relatados de forma adequada, não ingressam no mundo jurídico. A linguagem há de ser a competente, apta a produzir os efeitos que lhe são próprios. Disso resulta que: (i) a diferença substancial existente entre fato e fato jurídico é que o pri-meiro é descrito apenas por meio da linguagem natural, social, ao passo que o segundo é relatado em linguagem competente para o direito, que por força da incidência torna-o jurídico e, por consequência, passa a vincular a conduta humana obrigando-a, proibindo-a ou permitindo-a; e (ii) quando tivermos a descrição juridicamente adequada, a norma geral e abstrata ‘incidirá’, transformando por meio de um ato humano o suporte fático (conceito de evento) em fato jurídico” (sic) – Crédito Tributário, Lançamento e Espécies de Lançamento, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (coord.), Curso..., op. cit., p. 311. Dada a importância da sua definição, por ser premissa de todo e qualquer estudo que se faça sobre o fe-nômeno da incidência normativa, invocam-se as lições de LOURIVAL VILANOVA: “ Fato jurídico é o fato qualificado por hipótese fáctica, de norma do costume, legislada, jurisprudencial: pelas fontes dog-

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Parte-se do seguinte exemplo, embora simples, para demonstrar a distinção entre

evento, fato e fato jurídico, na forma ora empreendida: duas pessoas, antes de casar-se, re-

solvem que já podem morar juntos e, sem nada comentar, efetivamente, o fazem. Eis um

“evento”. O casal, posteriormente, resolve contar aos parentes, aos vizinhos e aos amigos a

sua decisão, e relatam, a essas pessoas os acontecimentos. A realidade, que era um “even-

to”, tendo em vista a manifestação em linguagem, a exteriorização dos acontecimentos, tor-

nou-se um ‘fato’, mas tão somente um “fato social”, pois, até o momento, não lhe foi dada

a roupagem jurídica exigida pelo sistema para ser considerado casamento. A constituição

jurídica do fato casamento irá ocorrer quando os interessados se dirigirem ao Cartório de

Registro Civil e manifestarem a intenção de casar-se. O juiz de paz, investido juridicamente

na função de constituir o matrimônio, expedirá norma individual e concreta, em cujo ante-

cedente estará o fato jurídico do casamento e, no consequente, constituir-se-ão as relações

jurídicas prescritas pelo sistema e advindas da manifestação de vontade do agora casal182.

Ocorre que a norma geral e abstrata, que tem a previsão hipotética de um fato so-

cial de possível ocorrência em sua hipótese e de uma consequência jurídica no prescritor,

reclama a emissão de uma norma individual e concreta, que surgirá mediante ato de aplica-

ção do Direito pela pessoa competente e possibilitará, assim, o efetivo nascimento da rela-

ção jurídica tributária prescrita normativamente.

máticas do sistema jurídico. Justamente as fontes intra-sistêmicas” – Causalidade e Relação no direito, op. cit., p. 34.

182 Não se ignora que o ordenamento jurídico brasileiro entende como centro de deveres e obrigações a cons-tituição de união estável. Entretanto, também não se tem dúvida de que o mesmo ordenamento diferencia a condição de companheira, na união estável, de esposa, no casamento, para efeito de partilha dos bens ad-quiridos durante a constância da união, no primeiro caso, e do vínculo conjugal, no segundo, quando se tratar, por exemplo, de direitos sucessórios – artigo 1.790 e 1.723 e seguintes, todos do Código Civil, e ar-tigo 3º da Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994). Assim, o casamento possui um regime mais privilegia-do de partilha de bens que a união estável. PAULO DE BARROS CARVALHO trabalha com o seguinte exemplo: “Pensemos num exemplo singelo: nasce uma criança. Isto é um evento. Os pais, entretanto, contam aos vizinhos, relatam os pormenores aos amigos e escrevem aos parentes de fora para dar-lhes a notícia. Aquele evento, por força dessas manifestações de linguagem, adquiriu também as proporções de um fato, num de seus aspectos, ‘fato social’. Mas não houve o fato jurídico correspondente. A ordem jurí-dica, até agora ao menos, não registrou o aparecimento de uma nova pessoa, centro de imputação de di-reitos e deveres. A constituição jurídica desse fato vai ocorrer quando os pais ou responsáveis compare-cerem ao cartório de registro civil e prestarem declarações. O oficial do cartório expedirá norma jurídi-ca, em que o antecedente é o fato jurídico do nascimento, na conformidade das relações jurídicas em que o recém-nascido aparece como titular dos direitos subjetivos fundamentais (ao nome, à integridade física, à liberdade etc.), oponíveis a todos os demais da sociedade” (sic) – Direito Tributário: fundamentos ..., op. cit., p. 97-98.

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Ficou demonstrado que o entendimento manifestado por PAULO DE BARROS

CARVALHO, quanto à fenomenologia da incidência da norma jurídica, está, também, fun-

dada na distinção feita pelo autor entre evento e fato, cujas definições foram satisfatoria-

mente examinadas. Entretanto, essa dicotomia evento/fato não escapou da crítica pontual e

direta de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, ao mencionar que essa dualidade “... nada ex-

plica sob o pretexto de tudo explicar” 183.

183 Curso..., op. cit., p. 35. Acerca da dualidade fato e evento mencionada por SOUTO MAIOR BORGES,

encontra-se a crítica de ANDRÉ PARMO FOLLONI: “Exigir-se, do evento, que seja provado em lingua-gem escrita em documento competente, para que se constitua como fato, significa, ao contrário, fazer o evento retornar, imediatamente, à condição de evento. Torna-se, novamente, uma ocorrência empirica-mente verificável: antes era o evento, agora é a prova, ou o documento – sentença, ato administrativo, guia de lançamento –, empiricamente verificável; isto é: também um evento. Desses documentos, pode-se afirmar, procedentemente, que são algo no mundo, ‘cosas’ ou ‘sucesos’ empiricamente verificáveis: na distinção de STRAWSON e HABERMAS, são eventos, e não fatos. A sentença, o ato administrativo, a pro-va, a petição, a certidão, a guia de IPTU; em suma, a linguagem competente do dualismo: todos são ‘al-go’. Mas o ‘hecho’ strawson-habermasiano não seria ‘algo’ experimentável, apenas uma idealidade lin-guística, insuscetível de verificação empírica. Ora, ser insuscetível de verificação empírica, ser ‘hecho’ em HABERMAS E SRAWSON, é exatamente o contrário da prova do evento, o contrário do documento em linguagem competente: se este fosse insuscetível de verificação empírica, não seria uma prova, nem um documento, nem uma ‘linguagem competente’. Mas, o dualismo chama essa prova de ‘fato’, para con-trapor ao evento. Seu fato, em realidade, é um evento. A linguagem competente constitui o evento enquan-to fato:essa linguagem competente, se confrontada à concepção de STRAWSON, HABERMAS, APEL e TERCIO, não é um fato, mas um evento. Aqui, o dualismo já revela alguma incoerência entre suas construções e as teorias filosóficas que aponta como fundamento. (...) Uma segunda premissa doutriná-ria, que sustenta a teoria do dualismo entre fato e evento, é a seguinte: não se transita livremente do mundo do dever-ser para o mundo do ser, da esfera das normas para o âmbito das condutas. Essa afir-mação é admitida como uma premissa-postulado que não é posta à prova. O argumento, assim desenvol-vido, envolve uma petição de princípio: a premissa que sustenta todo o dualismo, que provaria que a norma abstrata e geral não toca a conduta, deveria ser provada de antemão. Admitir que a premissa é impossível de ser provada implica aceitar que o dualismo busca fundamento num princípio metafísico. Suspenda-se, todavia, esse ponto, para ir adiante. A doutrina admite que não se transita do mundo do de-ver-ser para o mundo do ser e, por isso, as normas abstratas e gerais não tocam materialmente a condu-ta. Daí a necessidade de que, delas, extraiam-se ‘normas individuais e concretas’, tarefa a ser realizada pelo ser humano. Ele criará, ao editar a ‘norma individual e concreta’, o dever e o direito, que antes não havia; ele criará a relação jurídica, fará a incidência, porque as normas jurídicas não incidiriam por sua própria força. O sujeito do verbo incidir não seria a norma, mas o ser humano. Essa segunda premissa do dualismo, então, admite como postulado que a norma ‘geral e abstrata’ não incide por força própria, e requer o ser humano aplicando-a, criando outras normas, para que haja incidência. No entanto, nenhuma prova dessa afirmação é oferecida. Um exemplo: a norma abstrata e geral que proíbe dirigir a 200 km/h não incide por força própria. Como, nos pressupostos pontesianos do dualismo, as relações jurídicas, dentre elas as proibições, só surgem quando há incidência, não havendo essa incidência-aplicação inexis-te proibição para um sujeito concreto. Assim, as normas do Código de Trânsito nada proíbem. O mesmo valeria para todas as normas, de todas as leis ou constituições: elas nada proíbem, permitem ou obrigam. O ser humano precisaria criar a ‘norma individual e concreta’. Que norma é essa ? No direito tributário é o lançamento; no exemplo dado, deveria ser a multa de trânsito. Quer dizer: é multando que o guarda proibiria, finalmente, o sujeito de dirigir a mais de 200 km/h. A partir da multa, ele estaria proibido; an-tes, não. Porém, ocorre, de fato, situação diversa: o ato administrativo impõe o pagamento de um valor, uma obrigação; não impõe a proibição de dirigir em alta velocidade. Esta é imposta pela norma abstrata e geral, e por nenhuma outra. É ela, aliás, que autoriza a sanção ao infrator: sem ela, a conduta não po-

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Ingressando na crítica traçada à dualidade evento/fato, assevera JOSÉ SOUTO

MAIOR BORGES:

Diversamente o evento é categoria fáctica não revestida de juridicidade, a rigor não porque carente de linguagem formalizada, mas porque sobre ele não incidiu norma jurídica alguma. Logo é categoria extrajurídica (= extradogmática) e a sua simples consideração, em sede dogmática, viola o critério de demarcação do ob-jeto normativo de investigação das diversas disciplinas jurídicas (como o direito constitucional, administrativo e tributário). Mesmo quando estipulativamente se situe um evento no rol dos acontecimentos e condutas contingentes (= possíveis), que, de iure condendum, poderiam ou não observar preceituações normativas, ele ainda não estaria, ainda assim, previsto pela ordem jurídica (leis e regulamentos) e, pois, não é fato jurídico. É dizê-lo categoria simplesmente estranha ao direito positivo. Também aqui (fato jurídico/evento) o dualismo se insinua como ele-mento perturbador da teoria jurídica. Para a dogmática jurídica, só têm relevo os fatos jurídicos – não os simples eventos, que são dados extrajurídicos. (...).

(...).

Essa análise põe a descoberto que a dualidade fato/evento em nada contribui para o desenvolvimento dos estudos jurídicos. É mais um dualismo desafortunado que nada explica sob pretexto de tudo explicar. No sentido aqui adotado o fato jurídi-co stricto sensu, independente portanto da vontade humana, não é também ele fa-to-evento. Para a dogmática jurídica têm relevo tanto os fatos naturais (eventos) juridicizados quanto os fatos humanos lícitos e ilícitos. Não porém os fatos-eventos ou fatos-condutas não situados em plano de relações jurídicas (sic).184

A crítica ora citada é contundente e deve levar o estudioso do Direito à reflexão,

especialmente por ser o evento, de categoria extrajurídica, conforme as lições de SOUTO

MAIOR BORGES, o que implicaria a utilização de objeto estranho à ciência jurídica para

tentar explicar fenômeno normativo. Estaria estabelecida a contradição por conta do insis-

deria ser considerada um ilícito, e sanção alguma poderia ser aplicada. Aquela norma geral a abstrata, ou incide, necessariamente, ou não há proibição jurídica de dirigir nessa velocidade. Como o dualismo afasta a ideia de incidência necessária e automática, mas continua a entender que só há relação jurídica quando há o fato jurídico, agora transmudado em linguagem competente, precisa concluir que, antes des-se fato, nenhuma obrigação, permissão ou proibição existiria. Antes da linguagem competente, nada exis-tiria para o mundo do direito, nenhum efeito jurídico seria verificado. É dizer: sem a aplicação concreta da multa de trânsito, que se reporta a um fato passado, não haveria nenhuma obrigação de dirigir dentro dos limites da lei. E essa obrigação, criada pela multa, remete-se à ocorrência anterior, mas não juridici-za eventos futuros: depois da multa, já volta a inexistir qualquer obrigação jurídica de respeitar os limites de velocidade. antes da multa de trânsito, nada existiria para o mundo do direito, porque daquela norma abstrata e geral não se transitaria livremente para o mundo do ser das condutas. A conduta permaneceria indiferente ao direito, por ele intocada” (sic) – Clareiras e Caminhos do Direito Tributário: Crítica da Ciência do Direito Tributário a partir da Obra de José Souto Maior Borges, p. 289 e 291-293.

184 Ibidem, p. 34-35.

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tente combate, por exemplo, que PAULO DE BARROS CARVALHO trava quanto à utili-

zação de fundamentos das outras ciências na Ciência do Direito.

Por outros torneios, ainda na linha proposta por PAULO DE BARROS CARVA-

LHO, para que a relação jurídica tributária possa efetivamente surgir, a norma geral e abs-

trata tem que ser submetida ao ciclo de positivação do Direito, isto é, mediante ato de apli-

cação do Direito pela pessoa competente – positivação – será extraída a norma individual e

concreta, cujo antecedente será composto pelo fato jurídico tributário específico, enquanto

que, no consequente, constará o nascimento da relação jurídica tributária, ou seja, o tributo.

Verifica-se, portanto, que, diante dos fundamentos articulados, para PAULO DE

BARROS CARVALHO, ter-se-á o seguinte “iter” procedimental para o nascimento da

obrigação e correspondente crédito tributários: a ocorrência no mundo fenomênico do even-

to que exprime “signo presuntivo de riqueza” fará com que a norma geral e abstrata incida

sobre o evento. Até aqui não há, pois, qualquer modificação na esfera de direitos da Admi-

nistração Pública ou do contribuinte, pois ainda não se fala de obrigação tributária. O sujei-

to competente, um homem, surpreendendo a ocorrência daquele evento, relata o aconteci-

mento em linguagem competente, ou seja, promove o ato de aplicação do Direito e extrai a

norma individual e concreta que documentará a incidência, pois, no seu antecedente, estará

o fato jurídico tributário, com todos os condicionantes do fato ocorrido, num determinado

tempo e espaço, fazendo nascer, no consequente, a relação jurídica obrigacional tributária

que constituirá o Direito subjetivo do sujeito ativo de exigir o pagamento de uma prestação,

no caso, tributária, em contraponto ao dever jurídico do sujeito passivo, que estará obrigado

ao pagamento dessa mesma prestação185.

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, trabalhando no enfoque da constituição do lan-

çamento, também trata da necessidade de aplicação do Direito para extrair a norma indivi-

dual e concreta a partir da norma geral e abstrata, destacando que “... para a aplicação do

185 PAULO DE BARROS CARVALHO ensina: “Creio ser inevitável, porém, insistir num ponto, que se me

afigura vital para a compreensão do assunto: a norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor de sua juridicidade, reivindica, incisivamente, a edição de norma individual e concreta. Uma ordem jurídica não se realiza de modo efetivo, motivando alterações no terreno da realidade social, sem que os coman-dos gerais e abstratos ganhem concreção em normas individuais” – Direito Tributário – fundamen-tos..., op. cit., p. 227.

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Direito impõe-se estabelecer se concretamente ocorre um determinado fato, o fato jurídico

tributário. Nisso consiste, em parte, a função concretizadora da norma individual posta pe-

lo ato administrativo de lançamento”186.

Nos termos do entendimento de PAULO DE BARROS CARVALHO, não se con-

cebe a ideia de que primeiro surge a obrigação tributária e depois declara-se, por norma in-

dividual e concreta, o crédito tributário, como defende ALFREDO AUGUSTO BECKER,

ao contrário, apenas após a edição da norma individual e concreta é que surgirá, no mesmo

momento lógico, a obrigação e o crédito tributários. São as palavras do autor:

Inexiste cronologia entre a verificação empírica do fato e o surgimento da relação jurídica, como se poderia imaginar, num exame mais apressado. Instaura-se o vínculo abstrato, que une as pessoas, exatamente no instante em que aparece a linguagem competente que relata o evento descrito pelo legislador. Para o direito são entidades simultâneas, concomitantes.187

Em obra específica sobre o tema, o autor é ainda mais enfático:

Mantendo coerência com aquilo que já foi dito, o instante em que nasce a obriga-ção tributária é exatamente aquele em que a norma individual e concreta, produ-zida pelo particular ou pela Administração, neste último caso por meio do lança-mento, ingressar no sistema do direito positivo, o que implica reconhecer que a

186 Lançamento Tributário , p. 56. No mesmo sentido, pode-se destacar a lição de EURICO MARCOS DI-

NIZ DE SANTI: “... ato que constitui o fato jurídico suficiente juridicizado por normas de estrutura, fon-te material de normas, ato de criação de direito, é o que denominamos como aplicação”. (...). “Aplica-ção, reiteramos, definindo estipulativamente, é fato jurídico suficiente, realizado por ato jurídico de auto-ridade, para produção de normas jurídicas” – Lançamento Tributário, p. 69-70. Por outras palavras, as-severa PAULO DE BARROS CARVALHO: “... agora, ‘é importante dizer que não se dará a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina’. As normas não incidem por força própria. Numa visão antropocêntrica, requerem o homem, como elemento intercalar, movimentando as estruturas do direito, extraindo de normas gerais e abstratas outras gerais e abstratas ou individuais e concretas e, com isso, imprimindo positividade ao sistema, quer dizer, impulsionando-o das normas superiores às regras de inferior hierarquia, até atingir o nível máximo de motivação das consciências e dessa forma tentando mexer na direção axiológica do comportamento in-tersubjetivo”. Mais adiante, arremata o autor: “E essa participação humana no processo de positivação normativa se faz também com a linguagem, que certifica os acontecimentos factuais e expede novos co-mandos normativos sempre com a mesma compostura formal: um antecedente de cunho descritivo e um consequente de teor prescritivo” (sic) – Fundamentos Jurídicos..., op. cit., p. 11-12.

187 PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 261.

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relação se dá juntamente com a ocorrência do fato jurídico. Daí falar-se em ins-tauração automática e infalível do vínculo obrigacional, ao ensejo do aconteci-mento do “fato gerador” (...)”188.

Portanto, é o surgimento da norma individual e concreta que fará nascer a relação

jurídica tributária, estando incluído nesta expressão o crédito tributário, requer um ato de

aplicação do Direito que, em última análise, possibilita a incidência normativa. Daí porque

se defende que a norma jurídica não incide, mas é incidida, pois a incidência depende da

aplicação do Direito. EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, consegue demonstrar essa

mecânica nas seguintes linhas:

(...). O fato jurídico e o crédito nascem, concomitantemente, com o ato de aplicação do direito. Se a autoridade não lavra o ato de lançamento, ocorre a de-cadência do direito de lançar, e aí não há como cobrar o crédito. Juridicamente o fato não existiu nem nasceu a obrigação tributária com a mera “incidência”.

Dizer que, ocorrendo o fato, a norma automaticamente incide sobre ele sem qual-quer contato humano é subsumir-se a uma concepção teórica que coloca o ho-mem à margem do fenômeno normativo, qual mero espectador, que, somente quando instado a isto, declara o funcionamento autônomo do direito. Ora, o direi-to não funciona sozinho, mas mediante a ação dos homens, juízes, autoridades administrativas e legislativas: é para isso que alerta essa inovadora proposta.

Assim, em verdade, a norma é “incidida” sobre o fato, que não é declarado, mas construído pela autoridade. Instala-se no passado, trazendo-o para o pre-sente: é a partir dessa reconstituição que se dimensionam no lançamento, a moti-vação e o respectivo crédito tributário. Operou-se, desse modo, o deslocamento da “incidência” da ocorrência do evento para o momento do ato de aplicação que é o lançamento. Ou seja, a incidência jurídica efetiva dá-se com o ato de lançamento” (grifos, nossos) 189.

Para encerrar o enfoque do fenômeno da incidência normativa sob a visão de

PAULO DE BARROS CARVALHO, nada melhor que as palavras do próprio autor:

188 PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito Tributário – fundamentos ..., op. cit., p. 191-192. 189 Introdução: Norma, evento, fato, relação jurídica, fontes e validade no direito, in EURICO MARCOS DI-

NIZ DE SANTI (coord.), Curso..., op. cit., p. 25-26. Destaca-se o posicionamento de GABRIEL IVO, ao mencionar que “... a incidência também precisa ser relatada em linguagem. A linguagem é constitutiva da incidência. não há uma incidência além da linguagem, que ninguém vê” – Norma Jurídica..., op. cit., p. 43.

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(...) creio que seja a hora de dizer, novamente, e com todas as letras, que a previ-são abstrata que a lei faz, na amplitude de sua generalidade, não basta para disci-plinar a conduta intersubjetiva da prestação tributária. Sem uma norma individual e concreta, constituindo em linguagem o evento contemplado na regra-matriz [norma geral e abstrata], e instituindo também em linguagem o fato relacional, que deixa atrelados os sujeitos da obrigação, não há que se cogitar de tributo. Se-ria até um desafio mental interessante tentar imaginar caso de incidência específi-ca de regra-padrão, numa hipótese individualizada, sem a expedição de ato de aplicação. Eis uma tarefa impossível! E nesse ato aplicativo será, inexoravelmen-te, um segmento de linguagem que tanto pode ser produzido pela entidade tribu-tante como pelo próprio sujeito passivo, nos casos em que a lei assim determi-nar.190

Não há dúvida, então, de que, para a visão de PAULO DE BARROS CARVA-

LHO, a incidência não poderá ser automática e infalível, se o objeto de referência é a norma

geral e abstrata, já que ela requer a aplicação do Direito para que se possa extrair a norma

individual e concreta que, tendo o fato jurídico tributário por antecedente, fará irromper a

relação jurídica tributária, desencadeando o laço obrigacional que une os sujeitos pretensor

e devedor da prestação tributária191.

Não se pode, outrossim, encerrar o enfoque ora tratado, sem destacar as palavras

de GABRIEL IVO:

O momento da aplicação não significa uma mera adequação com a incidência que ocorreu, mas a concreção da incidência. Não há uma incidência que seja incom-patível com a aplicação. O aplicador não é um desvelador da incidência, não é porque antes ela não existia. Ninguém sabe, ou não poderá dizer, qual é a inci-dência correta. Ora, se não é o aplicador quem diz qual é a incidência, quem dirá?

190 Ibidem, p. 228. Esclarecemos, nos colchetes. 191 Assevera adequadamente GABRIEL IVO: “Assim, a automaticidade e a infalibilidade da incidência da

norma jurídica nada mais significam que a sua obrigatoriedade. Atestada (= construída) a incidência pe-lo homem, e na medida em que ele atesta (= constrói), os efeitos produzidos pelo fato jurídico são obriga-tórios. É relação intranormativa, que se instala entre a hipótese e a tese. A incidência ocorreu no passa-do, mas todo o sentido dela é construído pelo intérprete no momento da aplicação; no presente” – Norma Jurídica..., op. cit., p. 53. Manifestando entendimento consonante, chama-se a atenção para a lição de MARIA RITA FERRAGUT: “Assim, não basta a existência da regra-matriz de incidência tributária [leia-se, norma geral e abstrata] instituindo um tributo. Para que o indivíduo realmente torne-se obrigado a pagá-lo, uma vez praticado o evento descrito no fato jurídico tributário, faz-se necessário o disciplina-mento da conduta por meio de uma norma individual e concreta que, em seu antecedente, descreva o fato e, em seu consequente, estabeleça os sujeitos da relação e seu exato objeto. É com essa norma que o di-reito positivo estará apto a regulamentar efetivamente o comportamento humano” – Crédito Tributário, Lançamento e Espécies de Lançamento, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (coord.), Curso..., op. cit., p. 309. Esclarecemos, nos colchetes.

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É a aplicação, portanto, que dá o sentido da incidência. Separar os dois momentos como se um, o da incidência, fosse algo mecânico ou mesmo divino, que nunca erra ou falha, e o outro, o da aplicação, como algo humano, vil, sujeito a erro, é inadequado. É pensar que nada precisa da interpretação. E mais, a incidência au-tomática e infalível reforça a ideia de neutralidade do aplicador. Assim, a inci-dência terá sempre o sentido que o homem lhe der. Melhor: a incidência é reali-zada pelo homem. A norma não incide por força própria: é incidida.192

Apesar da clareza da posição adotada por PAULO DE BARROS CARVALHO, na

qual é acompanhada por outros autores de destaque, é importante trazer a lume a crítica

contundente que faz JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES à afirmação da necessidade do ato

humano de aplicação do Direito para que a incidência normativa se possa aperfeiçoar, nos

seguintes termos:

Essa perspectiva doutrinária, ao caracterizar a aplicação como condicio iuris sine qua non da incidência, e ao negar a incidência da norma sem a sua aplicação, re-vela-se redutora da incidência à aplicação do direito. A incidência seria assim in-corporada pela aplicação, ambas estranhamente objeto de fusão numa só catego-ria dogmática, independentemente da denominação que se lhe desse. Todavia, a incidência nem sempre está atrelada à aplicação do direito. Norma que incidiu pode restar desaplicada. Norma que não incidiu pode ser aplicada. Norma que in-cidiu pode ser espontaneamente observada em ato de conformação de conduta, que não se confunde com aplicação do direito. Essas relações entre incidência e aplicação põem a descoberto a sua recíproca autonomia.

(...)

A relação entre incidência e aplicação é, em sentido negativo, assimétrica. Dá-se a incidência sem aplicação e ocorre a aplicação sem incidência da norma, o que lhes revela a recíproca autonomia. Confundir o plano dogmático (existência da norma) com o do ato de sua aplicação (eficácia) é baralhar campos que não de-vem ser confundidos. A norma está no preceito, mesmo incompleta (normas jurí-

192 Norma Jurídica..., op. cit., p. 61-62. Em sentido contrário, ou seja, que a norma não é incidida, mas inci-

de em razão da causalidade normativa, destaca-se o pensamento de ADRIANO SOARES DA COSTA: “A norma jurídica, nesse sentido, não é ‘incidida’; ela ‘incide pela causalidade normativa’. À pergunta sobre qual o sujeito da oração ‘a norma jurídica incide’, só pode haver uma resposta, gramatical e jurídica: a norma. É ela que incide, no ‘mundo do pensamento’. Incide independentemente da vontade psicológica do sujeito cognoscente: incide como processo histórico-social do simbolismo jurídico. Ou, como preferia Pontes de Miranda: “Se bem meditarmos, teremos que admitir que a incidência é no mundo social, mun-do feito de pensamentos e outros fatos psíquicos, porém nada tem o que se passa dentro de cada um, no tocante à adesão à regra jurídica, nem se identifica com a eventual intervenção da coerção estatal. A in-cidência da lei independe da sua aplicação; sem aqui trazermos à baila que os homens mais respeitam que desrespeitam as leis, ou que as sanções são menos frequentes que as observâncias, porque, então, es-taríamos no plano fático (físico) da Sociologia do Direito, em vez de nos mantermos no plano lógico da Teoria Geral do Direito” – Teoria da Incidência da Norma Jurídica: Crítica ao realismo linguístico de Paulo de Barros Carvalho, p. 54.

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dicas não-bastantes-em-si) e sua incidência se consuma quando ocorrentes, no plano fáctico, os seus pressupostos abstratos. Se a condicionasse em qualquer hi-pótese, o ato-de-aplicação seria sempre expressão necessária e suficiente de inci-dência, pois nele é que esta se manifestaria (regra de co-extensividade entre inci-dência e aplicação do direito). Esta regra simplesmente inexiste (sic).193

Ainda criticando a equiparação entre aplicação e incidência, assevera SOUTO

MAIOR BORGES que, na tese desenvolvida por PAULO DE BARROS CARVALHO, fi-

cam fora do mundo jurídico todas as normas que forem espontaneamente cumpridas por

seus destinatários, sem documentação. São as palavras do autor:

A hipótese teórica da inexistência de significado ou, quando menos, insuficiência de significado normativo no preceito, enquanto não interpretado e aplicado, en-volve outra consequência: ela exclui do campo jurídico a simples observância do direito positivo (subsunção da conduta à norma). Observância que dispensa apli-cação. E isso ocorre na imensa maioria dos casos. Dá-se subsunção (conforma-ção) da conduta à preceituação normativa (p. ex., não praticar homicídio, ato qua-lificado como ilícito penal ou respeitar o motorista os sinais de trânsito). Mas a incidência da norma jurídica – pretende-se em equívoco – estaria condicionada sempre a um ato humano (conduta), ato de aplicação do preceito (os signos lin-guísticos). Como pode um preceito (algo abstrato em seu significado) conformar-se à conduta humana (algo concreto)? Como se dá a adequação entre norma de conduta (abstrata) e conduta (concreta) normada? Como pode a proposição dou-trinária corresponder à norma? São indagações que restam sem resposta. No en-tanto, essa resposta é condicionante de legitimidade da utilização, pela dogmática, do conceito de verdade jurídica como relação de correspondência entre interpre-tação e norma interpretada (verdade por correspondência)194.

Assim, ao tratar do fenômeno da incidência normativa, JOSÉ SOUTO MAIOR

BORGES, levando a efeito o verdadeiro espírito do cientista do Direito, estabelece críticas

à dualidade evento/fato e, depois, à submissão da incidência à aplicação, pelo homem, da

lei ao caso concreto, levando o cientista à reflexão sobre ser o ato de aplicação do Direito

indispensável, ou não, para a incidência normativa.

Em que pese o respeito e aprofundamento das críticas traçadas por JOSÉ SOUTO

MAIOR BORGES, tendo em vista que o objetivo deste trabalho não é enfrentar os aspectos 193 Curso..., op. cit., p. 36-37 e 39. 194 Ibidem, p. 42.

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controvertidos da incidência jurídica para, depois, buscar possíveis soluções, mas, tão so-

mente, situar o fenômeno da incidência no contexto do Imposto sobre a Renda, mesmo por-

que não se pode falar em teoria da norma jurídica sem, ao mesmo tempo, tratar da incidên-

cia normativa, opta-se pela linha de entendimento manifestada por PAULO DE BARROS

CARVALHO, que servirá de apoio teórico para o desenvolvimento das linhas que seguem.

4.3 A COMPETÊNCIA E A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIAS; OS DEVERES

INSTRUMENTAIS OU FORMAIS E A RETENÇÃO NA FONTE

4.3.1 Nota Introdutória

As administrações tributárias, cada vez mais, têm-se utilizado da sistemática de re-

tenção na Fonte, na arrecadação dos tributos afetos às suas respectivas competências. Esse

expediente mostra-se eficaz para evitar o inadimplemento, possibilita o ingresso antecipado

de recursos nos cofres públicos e facilita a tarefa fiscalizadora da administração tributária,

pois atribui ao retentor a tarefa de reter o valor devido a título de tributo pelo contribuinte.

Em outras palavras, a utilização da sistemática de retenção na Fonte tem por finalidade

atender ao legítimo interesse da administração tributária na arrecadação dos seus tributos, já

que, a um só tempo, aumenta a certeza e a agilidade da arrecadação, facilita a fiscalização

dos contribuintes e dificulta a evasão fiscal.

A linha, para responder à indagação que iremos propor, no sentido de constituir a

retenção na Fonte, norma de responsabilidade tributária ou dever instrumental ou formal

imposto ao retentor, necessariamente, deve passar pelo exame desses institutos, analisando-

os na sua estrutura constitutiva. Não se poderá, outrossim, falar de responsabilidade tributá-

ria ou de deveres instrumentais, sem, antes, tratar da competência tributária das unidades da

federação.

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Feito o recorte metodológico necessário, a importância de procurar essas respostas

está no fato de que, sendo norma de responsabilidade, poderá o retentor ser submetido ao

pagamento da obrigação tributária, juntamente com ou em substituição do contribuinte, en-

quanto que, em se tratando de mero dever instrumental ou formal, o máximo que se pode

fazer, em termos jurídicos, é impor a ele, o retentor, o pagamento de multa pelo descum-

primento do seu dever de fazer, ou seja, penalidade decorrente de relação jurídica sancio-

nadora, o que não se confunde com a relação jurídica de natureza tributária, no caso de tra-

tar-se de norma de responsabilidade.

4.3.2 A Competência Tributária

Tratar dos temas da responsabilidade e da substituição tributárias, pressupõe, por

conta da própria natureza jurídica de tais institutos, o estudo acerca da competência tributá-

ria, ainda que seja – nos três casos, i. é., competência, responsabilidade e substituição – sem

a pretensão de esgotar o tema, pois, para efeito deste estudo, trabalhar-se-á apenas com as

premissas inafastáveis, consideradas como pano de fundo para resolver a problemática pro-

posta, afeta ao Imposto sobre a Renda. Para efeito deste trabalho, o estudo da competência

ainda se revela importante, por conta da isenção hoje vigente e que se pretende revogar.

Em outras palavras, a análise da competência tributária não é importante apenas

para o estudo da reponsabilidade e substituição tributárias, mas também para o exame das

isenções, isso porque quem tem competência para instituir tributos a tem para isentá-los e,

como não poderia ser diferente, também, para revogar a isenção concedida. Não se pode

deixar de ressaltar, ainda, que a Constituição Federal de 1988 é exaustiva quanto à outorga

de competência tributária, traçando todas as diretrizes necessárias ao pleno exercício da

competência legislativa pelos entes tributantes.

Ocorre que tratar de competência tributária, ainda que seja em linhas gerais, como

é o objetivo ora proposto, deve, necessariamente, levar o interprete a um recuo no tempo,

mais precisamente à Assembleia Nacional Constituinte que deu origem à Constituição Fe-

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deral de 1988. Isso porque foi a partir do texto constitucional que se estabeleceu o Estado

brasileiro enquanto Federação, ou, mais precisamente, enquanto República Federativa195.

Assim, por imposição da Constituição Federal de 1988, O Estado brasileiro é ca-

racterizado pelo regime federativo. A noção de Federação, etimologicamente conduz à

ideia de pacto, aliança, como sendo, em outras palavras, e já trazendo para a realidade bra-

sileira, a associação firmada entre as unidades federativas, cada qual dotada de autonomia,

formando, em sua unidade constitutiva, o Estado brasileiro196.

É nesse caminho de pensamento que surge o entendimento de GERALDO ATA-

LIBA, ao ensinar:

Exsurge a federação como a associação de Estados (foedus, foederis) para forma-ção de novo Estado (o Federal) com repartição rígida de atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela “autonomia recíproca da União e dos Estados sob a égide da Constituição Federal” (Sampaio Dória), caracterizado-

195 Constituição Federal: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Es-

tados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fun-damentos (...)”.Em razão de um necessário recorte metodológico e até por não ser esse o foco principal do estudo, deixa-se de ingressar na discussão se os Municípios integram ou não a Federação brasileira, bem como deixa-se de examinar a forma de Estado, segundo o regime jurídico da Constituição de 1967, com a Emenda nº 01, de 1969.

196 A federação pode surgir por intermédio de um movimento centrípeto, do qual o exemplo mais ilustrativo é a Federação dos Estados Unidos da América, na qual as treze colônias se reuniram numa federação, asse-gurando a autonomia para cada ente e para o poder central, ou seja, partiu-se da separação para a Unidade, formando-se a federação, sem prejuízo, no entanto, das respectivas autonomias. Por outro lado, a federa-ção pode ser resultado, também, de um movimento centrífugo, como é o caso brasileiro, em que havia uma única autoridade, que se separou em diversas autoridades dotadas de autonomia. A federação brasilei-ra surgiu de modo inverso à americana, todavia, os resultados são semelhantes. Entendimento convergente manifesta TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, ao destacar que a federação brasileira “... resultou de um movimento histórico de centrifugação (...). O país não nasceu federativo. As antigas províncias, enti-dades preponderantemente administrativas, transformaram-se imediata e diretamente em Estados. Não houve, entre nós, um processo centrípeto, de agregação, com a decisão de entidades independentes de se associarem politicamente. O poder central, preexistente, é que assumiu a forma federativa. Assim, en-quanto nos casos de agregação, a distribuição das competências é, analiticamente, controvertida, no Bra-sil deve-se partir, historicamente, de uma hegemonia do todo para a constitucionalização das competên-cias parciais” – Guerra Fiscal, Fomento e Incentivo na Constituição Federal, in LUIZ EDUARDO SCHOUERI (coord.), Direito Tributário, Estudos em homenagem a Brandão Machado, p. 276-277. Ensina, ainda, JOSÉ AFONSO DA SILVA que “... o modo de exercício do poder político em função do território dá origem ao conceito de ‘forma de Estado’. Se existe unidade de poder sobre o território, pes-soas e bens, tem-se estado unitário. Se, ao contrário, o poder se reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de poderes), gerando uma multiplicidade de organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de uma ‘forma de Estado composto’, denominado ‘Estado federal ou Federação de Estados’” – Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 100.

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ra de sua igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambos extraem suas compe-tências da mesma norma (Kelsen).197

A república está tão arraigada na ideia de federação, entre nós, que desta não pode

ser integralmente separada, consolidando-se na autonomia isonômica existente entre as

unidades federativas, ou seja, União, Estados e Municípios, sempre sob o pálio da Consti-

tuição Federal de 1988, para não fugir das lições de RUY BARBOSA198.

Ocorre que, para restar formada uma federação, três características precisam estar

presentes, quais sejam: (i) repartição de competências entre as entidades dotadas de auto-

nomia; (ii) participação das vontades parciais na formação da vontade nacional e (iii) auto-

constituição, com cada unidade autônoma elaborando a sua própria Constituição. A primei-

ra dessas características é que interessa para efeito deste trabalho.

E para tratar da primeira dessas características – e apenas dela, ressalta-se – reto-

ma-se ao início dessas linhas, onde se afirmou que o estudo da competência deve retroagir à

Assembleia Nacional Constituinte, que culminou com a Constituição Federal de 1988, pois

demonstrado que, para existir federação, deve haver, necessariamente, repartição de compe-

tências entre as entidades dotadas de autonomia, essa repartição de competências somente

poderá ser outorgada pela Carta Magna. Fala-se, pois, até aqui, de competência político-

legislativa e administrativa.

Entretanto, sabia o legislador constituinte que não bastava adotar o modelo de Es-

tado Federado e distribuir competências. Havia a necessidade de possibilitar às ordens au-

tônomas – as unidades federativas, nas quais se incluem os Municípios – o efetivo exercício

de tais competências. Indo além, o constituinte tinha ciência de que se não promovesse a

“autonomia financeira” daquelas unidades autônomas, as autonomias administrativas e po-

lítico-legislativas seriam apenas fictícias, pois, na prática, estariam fadadas ao insucesso. 197 República e Constituição, p. 37. 198 Destaca GERALDO ATALIBA: “Não é por outra razão que desde o primeiro instante surge o regime já

batizado de ‘republicano-federativo’ pela própria pena de Ruy Barbosa. E foi por afeto à federação que esse notável civilista aderiu à república. Para ele, essas duas ideias tornam-se associadas tão intimamen-te, que já não podem ser separadas. Assim, surge positivamente a república, entre nós, na linha de uma pregação que deita raízes bem antes da Independência, na Inconfidência Mineira” (sic) – República..., op. cit., p. 44.

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Busca-se, com isso, significar que, para falar-se em autonomia administrativa e po-

lítico-legislativa deve-se, também, associar outro importante aspecto: a autonomia financei-

ra, pois sem esta, as duas primeiras não resistem. Sem autonomia financeira, em verdade,

não há autonomias administrativa e político-legislativa. Traz-se um exemplo à colação, sin-

gelo, é verdade, mas que parece aclarar o que ora se busca apresentar: um jovem, ao adqui-

rir a maioridade, entende que já possui autonomia para guiar sua vida como bem lhe convi-

er, saindo, assim, da aba de proteção dos pais. Entretanto, se não for assegurada a ele auto-

nomia financeira, a verdade é que a liberdade de que acha ser titular é apenas ‘ilusória’,

pois como falar de autonomia, ou seja, de liberdade para ‘ser dono do seu nariz’, se o pagar

as contas, independente da espécie, ainda depende dos pais ? Esse jovem do exemplo hipo-

tético jamais será independente se não tiver meios econômicos para subsidiar essa liberda-

de; sua independência depende da sua autonomia financeira.

É a partir desse contexto que se deve iniciar, ao que parece, o estudo das compe-

tências tributárias. É claro que as receitas estatais não são compostas apenas de tributos,

mas, ao mesmo tempo, não se questiona que tais receitas compõem a maior fatia do bolo ar-

recadatório estatal. Assim, é preciso garantir, às unidades federativas a autonomia econô-

mica, para que se possa exercitar suas autonomias administrativas e político-legislativas.

Sem a primeira, não se concebem as duas últimas. O legislador constituinte foi sensível a

essa necessidade, tanto que promoveu a repartição das competências tributárias entre os in-

tegrantes da ordem federativa brasileira.

Transpondo esses ensinamentos para o objeto de estudo, torna-se claro que, ao fa-

lar de competência tributária, está-se a dizer sobre a capacidade legiferante das unidades

componentes da federação brasileira. Em outras palavras, a competência tributária está as-

sociada à possibilidade que as unidades da federação têm para editar enunciados prescriti-

vos que tratem de matéria tributária, alterando/inovando a ordem jurídica vigente199. É a

possibilidade de legislar sobre matéria tributária200.

199 Acerca da competência tributária, pondera com precisão JOSÉ ROBERTO VIEIRA: “Leciona com auto-

ridade Roque Antonio Carrazza: ‘Em boa técnica, não se deve dizer que as pessoas políticas têm, no Bra-sil, ‘poder tributário. Poder tributário’ tinha a Assembleia Nacional Constituinte, que era soberana’. E leciona hoje a lição que ontem aprendemos todos com Geraldo Ataliba: ‘Poder tributário só o poder constituinte tem. Só o Estado brasileiro, como um todo, tem. Mas nenhuma daquelas pessoas políticas,

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Em sendo a competência tributária a possibilidade afeta às unidades federativas de

legislar sobre matéria tributária, duas premissas podem ser fixadas, de plano: a) competên-

cia tributária é tema de índole constitucional, eis que trata da outorga de atribuições legife-

rantes, que, segundo a ordem jurídica vigente, somente pode ser realizada pela Constituição

da República; b) aplica-se, em sua plenitude, o Princípio da Legalidade, pois, a partir da ou-

torga de competências realizada pela Constituição às Pessoas Políticas de Direito Constitu-

cional Interno, seu pleno exercício, especialmente em matéria tributária, no que diz respeito

à instituição e majoração de tributos, por exemplo, deverá ser realizado por lei201.

Nessa perspectiva, comunga-se com o entendimento de PAULO DE BARROS

CARVALHO, para quem:

Competência Legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela obser-vância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo. (...).

A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possi-bilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.202

criadas pela Constituição, recebeu poder; em matéria tributária, portanto, União, Estados e Municípios só tem competência tributária’” – E, afinal, a Constituição cria Tributos !, in HELENO TAVEIRA TÔR-RES (coord). Teoria Geral da Obrigação Tributária: estudos em homenagem ao professor José Sou-to Maior Borges, p. 619-620.

200 E justamente por conta dessa clara tomada de posição, por escapar dos lindes deste trabalho, é que não se vai tratar da capacidade ativa de arrecadar, uma vez que esta não correspondente à possibilidade de editar leis tributárias, de construir a regra-matriz de incidência de determinado tributo, mas, tão-somente ao re-cebimento, via delegação, de atribuições para a arrecadação e fiscalização de tributos, ou seja, de creden-ciais que possibilitam à delegatária compor a sujeição ativa da norma-padrão de incidência tributária, ja-mais se podendo confundir com a possibilidade de editar normas jurídicas inaugurais ou modificativas do sistema jurídico tributário. Sobre o tema capacidade ativa, vide PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 228-229.

201 Constituição Federal: “Art. 5º. omissis

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. 202 Curso..., op. cit., p. 227-228.

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No mesmo sentido é a lição de ROQUE ANTONIO CARRAZA, ao destacar que

“... competência tributária é a aptidão para criar, ‘in abstracto’, tributos. No Brasil, por

injunção do princípio da legalidade, os tributos são criados, ‘in abstracto’, por meio de lei

(artigo 150, I, da CF), que deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica

tributária”203.

Assim, se a competência tributária é a possibilidade, concedida pela Constituição

Federal de 1988 às unidades da federação, para legislar, segundo seus interesses, sobre ma-

téria tributária, utilizando-se como veículo introdutor a lei em sentido estrito, ou seja, aque-

la decorrente do Poder Legislativo, conclui-se que a possibilidade, que as Pessoas Políticas

de Direito Constitucional Interno possuem, de prescrever os elementos da regra-matriz de

incidência tributária e regular sua operatividade nada mais é, senão, o exercício da compe-

tência tributária outorgada pela Carta Republicana204.

203 Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 471. Comungam do mesmo entendimento: GIULIANO

FONROUGE, Conceitos de Direito Tributário, p. 37; SAINZ DE BUJANDA, Poder Financeiro, in No-tas de Derecho Financiero, p. 5; e HÉCTOR B. VILLEGAS, Curso de Direito Tributário , p. 82. AL-FREDO AUGUSTO BECKER, com sua precisão peculiar, assim se manifesta sobre a competência tribu-tária: “Estes órgãos, ‘com’ ou ‘sem’ personalidade jurídica, exercem o Poder – não como um direito cujo uso lhes assiste – mas como um dos elementos essenciais aos quais eles (Órgãos) devem sua existência. O órgão não é titular de um ‘direito’ ao Poder. O Órgão, por sua própria natureza de ‘Órgão funcional’ do ser social, tem – imediata e conaturalmente à sua existência – uma parcela de Poder: aquela parcela de Poder que foi delimitada (qualitativa e quantitativamente) pelas regras jurídicas que criaram o Órgão e disciplinaram sua função específica. Esta parcela de Poder, delimitada quantitativa e qualitativamente, é a ‘competência’” (...). “Competência (parcela de Poder Limitado quantitativa e qualitativamente) para criar a regra jurídica tributária” – Teoria Geral..., op. cit., p. 269-273. Trilhando o mesmo entendimen-to, pode-se invocar, ainda, a lição de CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO: “O poder de tributar, inerente ao Estado soberano, realiza-se, então, com subordinação à ordem jurídico-constitucional, su-bordinação que caracteriza a competência do Estado na instituição de tributo. A competência tributária, ou a partilha constitucional do poder de tributar, representa, portanto, ela própria, limitação ao poder de tributar. Convém registrar, como fazem Paulo de Barros Carvalho e Humberto Bergmann Ávila, que a competência constitucional tributária há de ser visualizada, ademais, em conjunto com as limitações constitucionais à tributação, assim presentes os princípios constitucionais tributários e as imunidades tri-butárias, que delimitam as regras impositivas, porque estabelecem normas que afastam a tributação. Cer-to é que o poder de tributar encontra limitação na Constituição e na Lei. Leciona Roque Antonio Carraz-za que ‘no Brasil, por força de uma série de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo direi-to)’ dado que, ‘entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo” – Competência Constitucional Tributária, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, CARLOS VALDER DO NASCIMENTO E ROGÉRIO GANDRA DA SILVA MARTINS (coord.), Tratado de Di-reito Tributário, v. 1., p. 335.

204 É evidente que se teria muito mais a dizer sobre Teoria Geral da Competência Tributária, bem como acerca das nuances que cercam esse instituto e que causam debate na doutrina. Contudo, dado o objeto de inves-tigação deste trabalho, compreende-se que a noção ora trazida de competência tributária, associada com as ideias trabalhadas no capítulo precedente, que, embora não fosse o foco, lá, tratar de competência tributá-

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Avançando para tratar da competência tributária para legislar sobre impostos, uma

importante ressalva deve ser feita: como o objeto deste trabalho é o Imposto sobre a Renda,

especificamente quanto à possibilidade ou não de gravar os lucros ou dividendos pagos ou

creditados por pessoas jurídicas, a análise que se segue, à medida do possível, terá esse im-

posto como norte.

Feito esse esclarecimento necessário, insta destacar que o constituinte originário,

ao tratar do Sistema Tributário Nacional, procurou esgotar toda a matéria referente à com-

petência tributária, especialmente quando tratou dos impostos e, para tanto, promoveu uma

rígida distribuição de competência impositiva entre os entes da Federação, especificando,

entre outros elementos, quais as materialidades – fatos que exprimem riqueza tributável –

passíveis de sofrer a imposição tributária, caberiam às unidades federativas, delimitando,

pois, o âmbito de competência de cada Pessoa Política de Direito Público Interno205.

Isso significa dizer que, em razão de o Sistema Constitucional Brasileiro, especi-

almente quanto aos impostos, ser rígido, quis o Poder Constituinte descrever o arquétipo

constitucional dos tributos, não conferindo muita discricionariedade ao legislador infra-

constitucional. Não satisfeito em evitar grande discricionariedade infraconstitucional, a

ria, ponderações acerca desse instituto foram enunciadas, de forma que se acredita que os fundamentos até aqui desenvolvidos sejam suficientes, como premissa, para avançar no desenvolvimento do tema proposto.

205 Embora desnecessário, por conta da delimitação já empreendida, destaca-se, em matéria de impostos, as competências que foram outorgadas pela Constituição Federal de 1988 para tributar, pelas unidades Fede-rativas, as seguintes materialidades: “Competência da União” (art.s 153, 148 e 149, todos da CF/88) para tributar, por impostos, as seguintes materialidades: a) importação de produtos estrangeiros (II); b) exporta-ção, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE); c) Renda e proventos de qualquer natu-reza (IR); d) operações com produtos industrializados (IPI); e) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF); f) propriedade territorial rural (ITR); g) grandes fortunas (IGF). Poderá instituir ainda: h) empréstimos compulsórios, na forma do art. 148/CF; i) contribuições so-ciais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, na forma do art. 149/CF. Ressalta-se que se inclui, nessa análise, as letras “h” e “i”, por conta do entendimen-to de que tais tributos, se analisadas criticamente suas hipóteses tributárias e bases de cálculo, concluir-se-á que se poderá tratar de impostos, embora nominados de maneira distinta. Por outro lado, quanto à “Competência dos Estados”, pode-se tributar, por impostos, na forma do art. 155, da Constituição, as se-guintes materialidades: a) transmissão “causa mortis” e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD); b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interesta-dual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS); c) propriedade de veículos automotores (IPVA). Por fim, quanto à “Competência dos Municí-pios”, na forma do art. 156 da Carta Magna, poderão ser tributadas por impostos as seguintes materialida-des: a) propriedade predial e territorial urbana (IPTU); b) transmissão “inter vivos” , a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição (ITBI); c) serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II (ISSQN).

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Constituição Federal ainda determinou expressamente que, fora as materialidades previstas

nos artigos 153, 155, 156 e 195, se houver outra que eventualmente não tenha sido contem-

plado com um imposto específico, será ela de competência residual da União, cabendo-lhe,

portanto, na forma do artigo 154, I, a tributação de tal hipótese206.

Desse modo, os entes Públicos – União, Estados, Distrito Federal e os Municípios

– receberam outorgas de competências da Constituição Federal para tributar. No entanto, a

mesma Carta Política delimitou o campo tributável de cada ente, não podendo, o legislador

infraconstitucional, alterar, ampliando a materialidade constitucionalmente fixada.

Não se pode, ademais, deixar de mencionar que o texto constitucional, dada a ou-

torga de competências tributárias por ele realizada, já estabelece dados essenciais da regra-

matriz de incidência dos tributos, pois, nessa repartição de competências, já inclui a indica-

ção das hipóteses de incidências tributárias207.

No que importa para este estudo, a outorga de competência para a União tributar a

renda e proventos de qualquer natureza, tanto das pessoas físicas, quanto das jurídicas, está

expressamente delimitado pelo artigo 153, III, da Constituição Federal de 1988, devendo,

entretanto, respeitar os Princípios da Generalidade, Universalidade e Progressividade, nos

termos do artigo 153, § 2º, I, da Carta Constitucional.

206 Constituição Federal: “Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no art. anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição...”.

207 Leciona JOSÉ ROBERTO VIEIRA: “A ‘norma de competência tributária’, constitucional por sua natu-reza, quando confere a uma das esferas de governo a faculdade inerente ao estabelecimento de tributos, quando outorga a habilitação para assentá-los em nossa realidade de direito, quanto atribui a aptidão para fixá-los em nosso mundo jurídico, termina necessariamente por ‘oferecer dados essenciais da norma jurídica de incidência dos respectivos tributos’, como registra Roque Antonio Carrazza. Aliás, há muito já rejeitava Amílcar de Araújo Falcão a possibilidade de que nosso rol constitucional dos tributos fosse apenas nominalista, sustentando que nossa Lei Maior, muito além de tão-somente referir o ‘nomen juris’ da maioria dos tributos, nele inclui implicitamente a indicação de sua hipótese de incidência. No mesmo sentido, a teorização de Geraldo Ataliba, que, já na década de sessenta do século passado, pontificava: ‘A menção que lhes faz a Lei Magna é bastante para identificação rigorosa dos impostos, de tal forma que o legislador ordinário possa saber quais os fatos geradores de que pode dispor’; bem como a de Ro-que Carrazza, na esteira de Amílcar e de Ataliba, afirmando acerca do rol constitucional dos tributos: ‘(...) longe de ser apenas ‘nominal’, é ‘conceitual’ (...)’” – E, afinal, a Constituição cria Tributos!, in Teo-ria Geral ..., op. cit., p. 620-621.

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Delimitado o exame necessário da competência tributária, já se permite estudar a

responsabilidade e a substituição tributária, no âmbito do Imposto sobre a Renda retido na

Fonte, e enfrentar o problema de ser tal norma caso de responsabilidade/substituição ou de-

ver instrumental.

4.3.3 A responsabilidade e a substituição tributárias: relação jurídico-tributária ou mero de-

ver instrumental ?

Inicialmente, cumpre ressaltar que o tema de responsabilidade tributária, no qual

se inclui a discussão da substituição tributária, é muito rico em controvérsias e, certamente,

apenas ele teria conteúdo suficiente para um trabalho monográfico. Em vista dessa particu-

laridade, considerando que a responsabilidade tributária não é o foco central deste trabalho,

faz-se um corte metodológico, de forma que a sua análise, apesar de necessária para res-

ponder aos problemas aqui formulados, ficará restrita ao âmbito do Imposto sobre a Renda

retido na Fonte.

Feito esse esclarecimento, recapitula-se o que fora afirmado, quando se tratou, no

capítulo precedente da regra-matriz de incidência tributária, i. é., que o legislador consti-

tuinte, embora não tenha definido de forma “expressa” quem é o destinatário constitucional

da carga tributária – para valer-nos da expressão cunhada por MARÇAL JUSTEN FILHO

– ele o fez de forma “implícita”, pois, ao prever as materialidades passíveis de sofrer a im-

posição da norma tributária e promover a repartição de competências tributárias entre as

unidades da federação, indiretamente, estava a indicar quem seriam os sujeitos ativos pos-

síveis e, bem assim, os realizadores do fato tributável, permitindo-se a primeira identifica-

ção do contribuinte a partir da Constituição da República.

E a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária torna-se imprescindí-

vel, pois, é por intermédio desse critério subjetivo da norma de incidência tributária que se

possibilitará identificar quem será a pessoa, física ou jurídica, que estará na contingência de

levar recursos aos cofres públicos, ou seja, estará submetida à obrigação de pagar tributos.

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Nesse sentido, é contribuinte aquele que realiza o fato passível de sofrer a imposi-

ção da norma tributária e cuja materialidade está previamente discriminada na Carta Mag-

na. Por outras palavras, o contribuinte será aquele que a Constituição Federal, ainda que de

forma indireta, escolheu para ser o realizador do fato jurídico tributário, ou seja, é o desti-

natário constitucional da carga tributária208.

Importante ressaltar que o Código Tributário Nacional, partindo da classificação

de RUBENS GOMES DE SOUSA, autor do anteprojeto, leva em conta a repercussão eco-

nômica do fato jurídico tributário e diferencia, no artigo 121, ao tratar da sujeição passiva,

as figuras do contribuinte e do responsável tributário209. Dessa forma, segundo o critério le-

gal, optou o legislador por classificar a sujeição passiva tributária em duas modalidades: o

contribuinte e o responsável tributário.

A legislação em destaque – artigo 121 do CTN – prescreve que o contribuinte é

aquele que tem relação pessoal e direta com o fato que sofrerá a incidência da norma jurídi-

ca tributária. Segundo a sistemática legal vigente, o contribuinte, além de realizar o evento

que corresponde à hipótese tributária diretamente, será aquele que sofrerá, no seu patrimô-

nio, o efeito expropriatório da tributação, exatamente como determina o Princípio da Capa-

cidade Contributiva, nas suas vertentes objetiva e subjetiva.

Determina o mesmo artigo, 121 do CTN, que a figura do responsável tributário

decorre da lei, diferençando-o do contribuinte, pois, no caso da responsabilidade, embora se

dê por ocorrido o fato jurídico tributário, a sujeição passiva não será composta pelo realiza-

dor do fato, mas sim por terceiro, cuja condição de responsável lhe foi atribuído pela lei.

208 GERALDO ATALIBA é preciso: “Será sujeito passivo, no sistema tributário brasileiro, a ‘pessoa que

provoca, desencadeia ou produz’ a materialidade da hipótese de incidência de um tributo (como inferida na Constituição) ou ‘quem tenha relação pessoal e direta’ – como diz o art. 121, parágrafo único, I do CTN – com essa materialidade. Efetivamente, por simples comodidade ou por qualquer outra razão, não pode o Estado deixar de colher uma pessoa, como sujeito passivo, para discricionária e arbitrariamente, colher outra (RDT 34/217)” – Hipótese..., p. 87.

209 Código Tributário Nacional: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pa-gamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato ge-rador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.

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A partir dessas premissas, pode-se concluir que, segundo o Código Tributário Na-

cional, a sujeição passiva da regra-matriz de incidência tributária poderá ser composta pelo

contribuinte e/ou pelo responsável tributário, havendo, no primeiro caso, vinculação direta

e, no segundo, vinculação indireta com a realização do fato jurídico tributário.

É bom ressaltar, no entanto, que a Ciência do Direito Tributário procura afastar-se

dos conceitos de Direito Econômico, como forma de buscar o rigor científico de suas cons-

truções, e, justamente por esse fundamento, existem linhas de pensamento doutrinário no

sentido de que a sujeição passiva tributária apenas seria identificável a partir da legislação,

assim como, sob outro viso, posicionamento sustentando que a definição de contribuinte e

responsável tributários está consubstanciada na relação direta – contribuinte – ou indireta –

responsável – com a realização do evento que corresponde à hipótese tributária, na forma

prescrita pelo legislador do Código Tributário Nacional210.

No que tange à individualização da sujeição passiva tributária, é de se destacar a

linha doutrinária que busca identificar contribuinte e responsável, apartando-se da vincula-

ção direta ou indireta, respectivamente, com a realização do fato jurídico tributário, especi-

almente porque não se tem dúvidas de que a Ciência do Direito Tributário busca resistir às

influências oriundas das ciências financeira e econômica.

Entretanto, não pode, a Ciência do Direito Tributário, deixar de considerar, em sua

análise a realidade empírica existente, o plano pragmático da linguagem, eis que a sua in-

vestigação, especialmente pela plena vinculação ao Princípio da Estrita Legalidade, deve

partir da análise normativa, que retira seu fundamento de validade das normas constitucio-

nais, i. é., do sistema constitucional tributário.

Nesse particular, destaca-se a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO, ao

enunciar que “(...) Afinal de contas, o ponto de partida do trabalho cognoscitivo, para a

210 No sentido de que o sujeito passivo só pode ser extraído da legislação, pode-se destacar o escólio de JÚ-

LIA DE MENEZES NOGUEIRA: “Parece-nos que tais concepções, em que pese o esforço de seus auto-res empreender interpretação jurídica, influenciam-se ainda, excessivamente, por elementos econômicos, dos quais a Ciência do Direito Tributário hesita em se desvencilhar. O sujeito passivo de um determinado tributo só pode ser identificado a partir da análise do direito positivo, mais especificamente da legislação, sobretudo ordinária que o institui. Inútil, portanto, a distinção entre ‘contribuinte’ e ‘responsável’ com base em intangível ‘relação pessoal e direta’ com o fato gerador” (sic) – Imposto sobre a Renda na Fonte, p. 94-95.

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ciência do direito em sentido estrito, é o texto jurídico-normativo válido, recolhido ‘hic et

nunc’” .211

Diante desse quadro, tem-se que a Ciência do Direito Tributário deve, de fato,

buscar afastar-se da influência da Ciência Econômica, todavia, para suas construções, deve-

rá partir do plano pragmático, do sistema normativo posto, pois, em última análise, são as

legislações válidas que permitirão o desenvolvimento da Ciência Jurídica e, quanto ao pon-

to em estudo, não se pode descurar que o legislador do Código Tributário Nacional esco-

lheu, como critério distintivo das figuras do contribuinte e do responsável, a sua vinculação

com a realização do fato jurídico tributário e, até mesmo, com o realizador de tal fato. E

nessa tarefa, ao que parece, não fugiu daquilo que prescreve a Constituição Federal de

1988.

Apenas para que não fique dúvida acerca do que ora se afirmou, o fato de a Ciên-

cia do Direito Tributário ter que partir do plano pragmático, do Direito posto, não significa

que esteja ela jungida ao que determina a legislação. Ao contrário, sabe-se que o Poder Le-

gislativo, num país como o Brasil, é extremamente heterogêneo quanto à sua composição,

tanto no que diz respeito à formação acadêmica, quanto a nível social e econômico dos par-

lamentares, daí não haver uma linguagem técnica precisa no texto legislado.

Isso significa que a lei nem sempre respeita ou é produzida segundo os parâmetros

constitucionais, e, quando isso ocorre, não está a Ciência do Direito vinculada a tais equí-

vocos, devendo ela, pois, promover as críticas e as tomadas de posições segundo o sistema

normativo vigente. E mesmo quando a Ciência do Direito se posiciona no sentido contrário,

por exemplo, da mensagem legislada, não está, em última análise, fugindo do plano prag-

mático.

211 Curso..., op. cit., p. 258. O mesmo PAULO DE BARROS CARVALHO, linhas a frente, evidencia: “As

formulações teoréticas são portadoras de maior ou de menor potencialidade de explicação dos fenômenos que descrevem, forjando o convencimento no espírito de quem as conhece. E a ciência jurídica, narrando o sistema empírico do direito positivo, que aparece, inexoravelmente, como um corpo de linguagem, sem-pre foi espaço fecundo para o surgimento de múltiplas teorias, quantas vezes agrupadas em torno de um único tema, despertando a dúvida na mente do estudioso, que se vê impelido a escolher uma, afastando as demais” – Curso..., op. cit., p. 268.

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Partindo-se dessas lições e tendo em vista que se está no plano da Ciência do Di-

reito Tributário, na qual o discurso jurídico se distingue pela dicotomia axiológica verda-

deiro/falso, recupera-se o conceito de destinatário constitucional da carga tributária, nos

termos trabalhados no capítulo precedente, para deixar claro que a Constituição Federal de

1988, ainda que de forma implícita, estabelece que a sujeição passiva, no que tange ao con-

tribuinte, deverá ser composta, necessariamente, pelo realizador da hipótese tributária, i. é.,

o contribuinte, por imposição constitucional, deverá ter “relação pessoal e direta” com o fa-

to passível de sofrer a imposição tributária. Contribuinte é o realizador do fato jurídico tri-

butário; é o destinatário constitucional da carga tributária. E não se trata de algo discutível,

pois é determinação da Carta Magna212.

Ademais, não se pode esquecer que a outorga de competências tributárias, na for-

ma prescrita pela Constituição Federal de 1988, leva em consideração os fatos que se pre-

vistos em lei, e se e quando acontecidos, poderão autorizar o nascimento de determinada

obrigação tributária, fatos esses que, invariavelmente, até mesmo em função do Princípio

da Capacidade Contributiva, têm conteúdo econômico ou, como dissera BECKER, são “...

fatos-signos presuntivos de riqueza...”.

Partindo-se do texto constitucional, portanto, não se pode ignorar que a hipótese

tributária, ou o conteúdo econômico que ela deve conter, é importante tanto para a identifi-

cação do contribuinte, quanto para efeito de fixação da repartição das competências tributá-

rias outorgadas às unidades da federação.

No plano da legislação infraconstitucional, parece claro que o Código Tributário

Nacional elege como critério para a identificação, tanto da obrigação tributária, como do

contribuinte e até mesmo do responsável, o conteúdo econômico existente a partir da reali-

zação do fato jurídico tributário e da edição da norma individual e concreta de lançamento.

Em outras palavras, preocupa-se o legislador complementar, primeiro, com o pagamento do

212 As lições de GERALDO ATALIBA não levam a outra conclusão: “No nosso sistema constitucional, isso

é feito pelo legislador, preso estritamente ao estabelecido – embora implicitamente – na Constituição. Es-ta fixa imodificavelmente o destinatário da carga tributária, como o definiu Cleber Giardino, aprimoran-do as elaborações de Hector Villegas. Daí que o sujeito passivo designado pelo legislador, no Brasil, só pode ser aquele já constitucionalmente destinado, ou alguém que possa transferir-lhe a carga tributária imediata e automaticamente” (sic) – Hipótese..., op. cit., p. 81.

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tributo – aspecto econômico – e, segundo, com a identificação do sujeito passivo da obriga-

ção tributária, a partir da vinculação direta do contribuinte, ou indireta do responsável, com

o fato submetido à tributação, respeitando, ao que parece, especialmente neste último caso,

a determinação constitucional213.

Embora com redação duvidosa e complicada aplicação pragmática, encontra-se, no

artigo 128 do Código Tributário Nacional, complementando a prescrição do artigo 121 do

mesmo diploma legal, as regras gerais para a eleição do responsável tributário, estabelecen-

do aquele artigo que “Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo

expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato ge-

rador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuin-

do-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

Por tais regras, evidencia-se que a legislação, ao estabelecer a relação de responsa-

bilidade tributária, permite que seja atribuída a terceiro o ônus do pagamento do tributo,

podendo este assumir o dever de cumprir com a obrigação tributária isoladamente, hipótese

em que exoneraria o contribuinte da mesma obrigação ou, por outro lado, manter-se o reali-

zador do fato jurídico tributário na relação jurídica, que permanecendo vinculado ao paga-

mento do tributo, todavia, em caráter subsidiário214.

As mesmas conclusões podem extrair-se das lições de PAULO DE BARROS

CARVALHO:

213 Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tribu-to ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penali-dade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato ge-rador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.

214 O legislador do Código Tributário Nacional preocupou-se em mencionar as duas hipóteses menos comuns, deixando de contemplar as duas que a legislação dos tributos estabelece com maior habitualidade: o con-tribuinte com a responsabilidade principal e o responsável com a responsabilidade supletiva; ambos com a responsabilidade solidária.

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O caminho da eleição da responsabilidade pelo crédito tributário, depositada nu-ma terceira pessoa, vinculada ao fato gerador, nos conduz à pergunta imediata: mas quem será essa terceira pessoa? A resposta é pronta: qualquer uma, desde que não tenha relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário, pois essa é chamada pelo nome de contribuinte, mesmo que, muitas vezes, para nada contri-bua.

(...).

Em algumas oportunidades, porém, outras pessoas participam do acontecimento descrito, mantendo uma proximidade apenas indireta com aquele ponto de refe-rencia em redor do qual foi formada a situação jurídica. Está entre tais sujeitos a opção do legislador, em ordem à escolha do responsável pelo crédito tributário, caráter supletivo do adimplemento total ou parcial da prestação. Eis o autêntico responsável, surpreendido no próprio campo da concretização do fato, embora li-gado a ele por laços indiretos, e trazido ao contexto da relação jurídica para res-ponder subsidiariamente pelo debitum.215

Invocando as lições sempre lúcidas e atuais de GERALDO ATALIBA, pode-se

definir o conteúdo da responsabilidade tributária nos seguintes termos:

Há responsabilidade tributária, sempre que, pela lei, ocorrido o fato imponível, não é posto no pólo passivo da obrigação consequente (na qualidade de obrigado tributário, portanto) o promovente ou idealizador do fato que suscitou a incidên-cia (o contribuinte stricto sensu – artigo 121, parágrafo único, I, do CTN, o sujei-to passivo “natural” “direto” como usualmente designado), senão um terceiro, expressamente referido na lei. Assim, v.g., o despachante aduaneiro (o contribu-inte do imposto de importação é o importador); o transportador (o contribuinte do IPI é o industrial vendedor); a fonte pagadora (contribuinte do imposto sobre a renda é o beneficiário do rendimento) etc216. Em todos esses casos é um terceiro, diverso do “destinatário legal tributário” (Villegas), ou seja, diverso do “realiza-dor” do fato imponível, quem assume, na relação jurídico-tributária, a posição de obrigado ao pagamento do tributo. Há, portanto, visivelmente nesses casos, obri-gação de pagar “tributo alheio”, tributo pertinente a outrem, logicamente atribuí-vel ao sujeito passivo “natural”, o contribuinte, na expressiva designação de Ja-rach.217

215 Curso..., op. cit., p. 332-333. 216 Apesar do exemplo em destaque, deve-se ressaltar, como será adiante demonstrado, que se discorda parci-

almente das conclusões de GERALDO ATALIBA, quando considera que o dever da fonte pagadora de re-ter e repassar o imposto sobre a renda retido na fonte é caso de responsabilidade tributária, pois se defen-de, neste trabalho, que o dever de reter e repassar o IR fonte é caso de imposição de dever instrumental ou formal ao retentor, ou seja, não assume este o polo passivo junto ou no lugar do contribuinte.

217 Hipótese..., op. cit., p. 91. OCTÁVIO BULCÃO NASCIMENTO destaca: “... firmados tais limites, já podemos fazer uma primeira definição de ‘responsabilidade tributária’: norma jurídica tributária em sen-tido amplo, que no seu antecedente contém notas de um fato, o qual pressupõe um vínculo jurídico entre o contribuinte e o responsável, que possibilite a este cumprir a prestação cujas notas estão previstas no

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Evidencia-se, portanto, que a sujeição passiva depende da legislação, mormente

porque ela se faz necessária para que as unidades da federação exerçam sua competência

tributária. Entretanto, partindo-se da interpretação sistemática do texto constitucional e dos

enunciados prescritivos que a regulamentam, parece claro que a lei não pode atribuir a su-

jeição passiva para alguém que não tenha contato, ainda que indireto, com o fato jurídico

tributário ou com o seu realizador. Indo além, não pode a legislação, ao escolher o sujeito

passivo da obrigação tributária, afastar-se dos limites impostos pelo acontecimento factual

que permite a subsunção do fato à norma tributária.

Não se está defendendo, com tais afirmações, que a Ciência do Direito Tributário

não se deve preocupar em evitar as influências advindas do Direito Econômico, todavia, ela

não pode deixar de considerar que o próprio sistema normativo leva em consideração a rea-

lização e, portanto, a vinculação com o evento correspondente à hipótese tributária, com o

destinatário constitucional da carga tributária e, ainda, a preocupação com o pagamento do

tributo, ou seja, o aspecto econômico da tributação218.

Ante tais considerações e partindo-se da classificação legal da sujeição passiva tri-

butária em contribuinte e responsável, pode-se avançar no estudo da responsabilidade tribu-

consequente, sem ter seu equilíbrio econômico-financeiro afetado” (sic) – Sujeição Passiva Tributária, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (coord.), Curso de Especialização..., op. cit., p. 819.

218 GERALDO ATALIBA, exemplifica e explica o que se pretende ora enunciar: “Parece de evidência total que não pode a lei exigir de alguém – que mora no primeiro andar de um prédio – o imposto de renda de-vido por todos os moradores do prédio, simplesmente porque a cobrança, assim, se torna mais fácil! Nem exigir de quem more na esquina, o imposto predial de todos os contribuintes daquele quarteirão – ou ain-da que, depois, se lhe assegurem mecanismos de reembolso junto aos demais – só porque tal expediente é cômodo à Administração. Seria supremo arbítrio exigir tributo de alguém, simplesmente pela circunstân-cia de que é mais fácil colhê-lo do que ao destinatário da carga tributária, como induzido pela Constitui-ção. Esse raciocínio nos leva à conclusão de que há ‘exigência constitucional implícita’, no sentido de que um imposto somente pode ser cobrado daquela pessoa cuja capacidade contributiva seja revelada pe-lo acontecimento do fato imponível ou, nos casos de tributos vinculados, somente daquela pessoa a que a atuação estatal se refira de alguma maneira” (sic) – Hipótese..., op. cit., p. 90. CLÉLIO CHIESA, por sua vez, pontifica com propriedade: “Nem se diga que tal construção funda-se em critérios meramente econômicos, pois não procede. A construção foi erigida partindo-se do pressuposto de que o constituinte apontou os eventos considerados indicativos de riquezas que podem ser eleitos pelo legislador para serem submetidos à tributação. Tudo com vistas a se respeitar o princípio da capacidade contributiva. Vale di-zer, somente podem ser tributados por meio de impostos aqueles que revelam potencial econômico que, após juridicizado, reveste de força normativa” (sic). – A Responsabilidade Tributária do Substituído nos Casos Progressivos em face da Inadimplência do Substituto, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (co-ord.), Grandes Questões Atuais de Direito Tributário, p. 61.

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tária e firmar outra importante premissa, para efeito deste trabalho: considera-se a substitui-

ção tributária caso de responsabilidade, ou seja, não se vê óbice em tratar deste importante

segmento da sujeição passiva como responsabilidade por substituição tributária, quando

terceiro é trazido à condição de sujeito passivo da obrigação tributária.

A substituição tributária encontra seu fundamento de validade no § 7º do artigo

150 da Constituição Federal de 1988, cujo texto foi inserido pela Emenda Constitucional nº

3, de 1993, que, apesar da sua duvidosa constitucionalidade, pois autoriza a cobrança de

tributo sem que se realize o fato jurídico tributário, o Supremo Tribunal Federal entendeu-a

constitucional na aplicação ao ICMS219. Não se pode olvidar, nesse particular, que poderi-

am ser levantados vários argumentos, com a devida “venia”, para demonstrar os equívocos

do entendimento do Excelso Pretório, todavia, por escapar dos limites deste trabalho, parte-

se do pressuposto da constitucionalidade de tal Emenda Constitucional, apenas “ad argu-

mentandum tantum”.

Assim, partindo das normas jurídicas introduzidas no sistema normativo pelo arti-

go 128 do Código Tributário Nacional, é possível estabelecer a seguinte dicotomia para os

casos de responsabilidade tributária: a) poderá o responsável tributário assumir o dever de

pagar determinado tributo ao fisco, juntamente com o contribuinte, alertando-se, no entan-

to, que o dever deste último é subsidiário; b) noutra situação, o responsável assume o dever

de recolher determinada quantia em dinheiro a título de tributo, exonerando-se, pois, o rea-

lizador do fato jurídico tributário de tal incumbência.

É na segunda situação, i. é., quando o responsável assume o dever de recolher aos

cofres públicos o valor do tributo devido, exonerando-se, assim, o realizador do fato jurídi-

co tributário, que se encontra a previsão infraconstitucional da substituição tributária. Con-

219 Nesse sentir, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Agravo Regimental em Recurso Extraordi-

nário. Tributário. ICMS. Substituição tributária. Constitucionalidade. Recepção do Decreto-lei 406/1968 e Convênios Estaduais. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que é consti-tucional o regime de substituição tributária de ICMS pago antecipadamente, mesmo antes da EC 3/1993. Isso porque a disciplina desse instituto jurídico decorre da recepção do Decreto-Lei 406/1968 e dos con-vênios estaduais celebrados com suporte no § 8º do art. 34 do ADCT, até a edição da LC 87/1996. Prece-dentes. 2. Agravo regimental desprovido” – RE 428364 AgR/AM. Relator Ministro AYRES BRITTO. Julgado em 13/12/2011, Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicado no DJe nº 037. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28428364%2ENUME%2E+OU+428364%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos. Acesso em: 26/08/2012.

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tudo, não se trata de mera substituição, como o “nomem juris” do instituto pode induzir, is-

so porque, no caso da substituição tributária, não se perde o substituído de vista, já que ele

poderá ser chamado a resolver problemas que digam respeito à identificação da hipótese

tributária ou das nuances que permitem a subsunção do fato à norma.

Não é por menos que, no caso da substituição tributária, o regime jurídico aplicá-

vel é aquele relativo ao substituído e não o do substituto, exatamente porque, embora a le-

gislação atribua a terceiro o encargo de levar os recursos aos cofres públicos, ainda assim é

a atuação do substituído que permite a identificação da ocorrência do fato jurídico tributá-

rio. Tanto é assim que se o substituído for beneficiado por isenção ou imunidade, por

exemplo, o mesmo regime será aplicado ao substituto e este usufruirá dos benefícios àquele

concedidos.

Todavia, deve, o interprete, receber a determinação do artigo 128 do Código Tri-

butário Nacional com cautela, não se contentando com a mera interpretação literal do enun-

ciado prescritivo. Esse cuidado em evitar a interpretação singularmente literal justifica-se

pelo fato de que o leitor incauto poderia, por primeira impressão, compreender que o res-

ponsável tributário, por substituição ou não, assumiria o ônus parcial ou total do pagamento

do tributo, conjuntamente ou em substituição do contribuinte, situação que não é verdadei-

ra.

É que, segundo as premissas já fixadas neste trabalho, a regra-matriz constitucio-

nal dos tributos determina que o contribuinte será aquele que realizar o fato jurídico tributá-

rio, exatamente por ser ele que manifesta Capacidade Contributiva objetiva ou subjetiva e

por estar em íntimo contato com o fato tributável. Se é o destinatário constitucional que

manifesta Capacidade Contributiva e está em íntimo relacionamento com o fato tributável,

logo, somente ele pode assumir o impacto da tributação220.

Contudo, o responsável tributário, em que pese seja colocado na posição de sujeito

passivo tributário pela legislação, tanto no caso de “simples” responsabilidade, quanto no

220 Faz-se a subdivisão em Capacidade Contributiva objetiva e subjetiva porque não se está a tratar, neste ins-

tante, apenas dos impostos, espécie tributária, na qual, se aplicaria a Capacidade Contributiva objetiva, mas dos tributos de maneira geral, isso porque nas taxas e contribuições de melhoria pode ser possível a aplicação da Capacidade Contributiva subjetiva.

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caso de responsabilidade por substituição tributária, não poderá sofrer o impacto da tributa-

ção, i. é., a sua repercussão econômica, pois, em verdade, não foi o responsável – substituto

ou não – que realizou o fato com conteúdo econômico que possibilitou a incidência norma-

tiva e, por tal razão, não pode sofrer diminuição patrimonial para pagar tributo alheio.

Dessarte, analisando-se sistematicamente a Constituição Federal de 1988, os seus

dispositivos que tratam de responsabilidade tributária, da outorga de competência às unida-

des federativas e da delimitação dos elementos que comporão a regra-matriz de incidência

dos tributos, pode-se concluir que não foi a vontade do legislador constituinte permitir a ou-

tra pessoa, que não a realizadora da hipótese tributária, assumir o impacto da tributação,

mesmo porque não se admite a existência de normas constitucionais contraditórias entre si.

Busca-se significar com essa afirmação que, a Constituição Federal, ao autorizar a

possibilidade de a administração tributária valer-se do instituto da responsabilidade tributá-

ria, teve por objetivo não modificar o destinatário constitucional da carga tributária ou per-

mitir que outra pessoa, não a realizadora do fato tributável, sofra o impacto econômico da

tributação, mas sim oferecer mecanismos ao fisco para facilitar e dinamizar a arrecadação e

a fiscalização tributárias, evitando a evasão fiscal221.

Em razão desse quadro, a análise sistemática da Constituição Federal de 1988 de-

monstra que a utilização da responsabilidade tributária é lícita, entretanto, deverá o sistema

prever mecanismos que evitem, ao responsável ou substituto, assumir a carga tributária pela

realização de fato jurídico tributário de outrem, ou seja, mecanismos de ressarcimento do

responsável, quando este se vê compelido a pagar tributo cujo fato jurídico tributário não

foi por ele realizado222.

221 Pode-se citar como exemplo o art. 150, § 7º. 222 Destaca CLÉLIO CHIESA: “Nessa vereda, para que a atividade legislativa de estipular, como responsá-

vel pelo pagamento do tributo, um terceiro não realizador do evento submetido à tributação, não incorra em violação aos princípios da segurança jurídica, da capacidade contributiva e do não confisco, entre outros, impõe-se que seja assegurado ao terceiro sobre o qual recair a incumbência, a possibilidade de efetuar o recolhimento sem a necessidade de desembolso de recursos próprios. É o caso, por exemplo, daquele que efetua um pagamento, podendo descontar do valor a ser pago a tributação incidente ou, ain-da, como na venda de mercadorias, em que o vendedor repassa no preço todos os encargos. Respeitada essa diretriz, não teríamos o desvio do impacto da exação fiscal, pois o substituto não estaria cumprindo a obrigação com recursos próprios, mas do terceiro realizador do evento submetido à tributação” – Grandes..., op. cit., p. 62-63.

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Os argumentos até aqui desenvolvidos permitem estabelecer, então, que se estará

diante de caso de responsabilidade por substituição tributária sempre que terceiro for com-

pelido ao pagamento de determinado tributo, cujo fato jurídico tributário não foi por ele re-

alizado, mas que é alçado à condição de sujeito passivo no lugar do destinatário constituci-

onal da carga tributária, por expressa determinação legal.

Isso significa dizer, na linha proposta por PAULO DE BARROS CARVALHO,

que, na substituição tributária, quando houver a exclusão do contribuinte da relação jurídi-

co-tributária, sequer se poderia utilizar das expressões contribuinte e responsável, já que tu-

do se deu, por vontade do legislador, em momento anterior à incidência normativa, ou seja,

é fenômeno pré-jurídico. Todavia, vale a lembrança: o contribuinte não é simplesmente

substituído pelo responsável/substituto, eis que o primeiro pode ser chamado a esclarecer

ou resolver assuntos relacionados ao fato que permitiu o nascimento da obrigação tributá-

ria; o regime jurídico aplicável é o do substituído e não o do substituto e, ainda, poderá o

substituído, segundo a sistemática do artigo 128 do Código Tributário Nacional, ser cha-

mado a responder pelo débito tributário de forma subsidiária.

Sintetizando o raciocínio: estar-se-á diante de responsabilidade por substituição

tributária sempre que terceiro, não realizador do fato jurídico tributário, for alçado à condi-

ção de sujeito passivo da obrigação tributária no lugar do contribuinte e destinatário consti-

tucional da carga tributária. Outrossim, tanto no caso da responsabilidade como da substi-

tuição tributária, deverá o sistema prever mecanismos de restituição do responsável ou

substituto, como forma de preservar a diretriz constitucional que identifica o sujeito passivo

possível e, bem assim, o Princípio da Capacidade Contributiva.

Feitas essas considerações, pode-se retomar o questionamento que deu nome a este

subitem: a responsabilidade e a substituição tributárias, para efeito do Imposto sobre a Ren-

da retido na Fonte, tem regime jurídico de relação jurídico-tributária em sentido estrito ou

de dever instrumental ou formal ?

Em sede doutrinária, parte entende que o instituto da responsabilidade tributária –

responsabilidade e substituição – não decorre de relação jurídico-tributária, mas sim admi-

nistrativa, pois somente o contribuinte poderia ser alçado à condição de sujeito passivo da

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obrigação tributária e, dessa maneira, as sujeições passivas indiretas, i. é., compostas por

terceiros, não realizadores do fato jurídico tributário, teriam natureza jurídico-

administrativa ou sancionadora, conforme o caso223.

Em que pesem os argumentos dessa linha de pensamento e considerando as pre-

missas que foram fixadas nas linhas antecedentes, bem assim o artigo 128 do Código Tribu-

tário Nacional, pode-se chegar às seguintes conclusões quanto a natureza jurídica da res-

ponsabilidade e da substituição tributárias:

a) No que se refere à substituição tributária, quando é o caso de exoneração total

do dever atribuído ao contribuinte de pagar determinado tributo, tendo em vista que o fe-

nômeno da sua ocorrência se dá em momento pré-jurídico, antes mesmo da realização do

fato jurídico tributário e da incidência normativa, i. é., “... fora do terreno especulativo do

direito...”, como dissera PAULO DE BARROS CARVALHO, não se podendo falar de

contribuinte ou responsável, conclui-se que a relação jurídica firmada entre o substituto e o

223 A título de exemplo: LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ, Sujeição..., op. cit., p. 184-200; e ALE-

XANDRE BARROS CASTRO, Sujeição Passiva no Imposto sobre a Renda, p. 305. A respeito da su-jeição passiva indireta ser composta por terceiros, não realizadores do fato jurídico tributário, importante registar a posição divergente de SACHA CALMON NAVARRO COELHO, que considera o substituto sujeito passivo direto por fato gerador alheio e destaca: “Paulo de Barros Carvalho, ao negar na hipótese da norma o aspecto pessoal, não pôde compreender Rubens Gomes de Sousa. Nós, ao revés, operamos uma alteração no entendimento da ‘sujeição passiva indireta’ tributária, vincando a ideia de que a ‘subs-tituição tributária’ não implica, em momento algum, ‘substituição de sujeitos passivos’, categoria estri-tamente jurídica, mas a substituição de pessoas que ‘deveriam ser’, isto sim, diretamente sujeitos passi-vos, pela simples razão de, ‘economicamente’ estarem no cerne das situações eleitas como jurígenas, prestigiando o princípio da capacidade contributiva.

Casos de Transferência de responsabilidade:

I – ‘A’ pratica fato gerador e deve pagar imposto;

II – em virtude de fato posterior (morte, negócio jurídico, falência, inadimplemento ou insolvência etc.), a lei determina que a um terceiro seja ‘transferido’ o dever de pagar. Este terceiro, que podemos chamar de ‘B’, torna-se ‘ex lege responsável pelo tributo’, originariamente devido por ‘A’. Dá-se uma alteração na consequência da norma jurídica no plano do sujeito passivo. O responsável ‘sub-roga-se’ na obriga-ção.

Casos de substituição:

Inexiste sub-rogação. A norma não é alterada. A lei prevê desde logo que, se ‘A’ pratica um fato juríge-no, ‘B’ deve pagar. Em termos jurídicos, não há transferência de dever entre sujeitos passivos.

Em suma, a sujeição passiva indireta dá-se apenas nos casos de transferência com alteração de obriga-dos. Somente nestes casos ‘paga-se dívida alheia’. Nas hipóteses de substituição, não há pagamento de dívida alheia. Ao contrário, há pagamento de dívida própria, embora decorrente de fato gerador de ter-ceiro. A substituição só pode ser vista ‘economicamente’ e, nesse plano, é desnubladamente visível, ilumi-nando a instância jurídica” – Sujeição Passiva Direta e Indireta, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (coord.), Grandes Questões Atuais de Direito Tributário, v. 13, p. 359-366.

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Estado é típico caso de relação jurídico-tributária em sentido estrito, eis que a obrigação

tributária não nasce em face do contribuinte, mas sim em face do substituto tributário224.

E a afirmação de que o caso de substituição se trata de relação jurídico-tributária

em sentido estrito não é falsa, pois a eleição do substituto deve ser levada a cabo a partir da

realização do fato tributável, de forma que o sujeito passivo será retirado da hipótese pre-

vista na regra-matriz de incidência tributária, bem como porque o regime jurídico aplicável,

como já afirmado, é o do substituído e não o do substituto, não havendo dúvida, pois, que o

regime do substituído é típico caso de relação jurídico-tributária225.

b) Por outro lado, quando se está a tratar da responsabilidade, têm-se duas alterna-

tivas possíveis: i) quando o sujeito passivo, eleito pela lei na qualidade de responsável, tem

vinculação indireta com a realização do fato jurídico tributário; ii) quando esse sujeito pas-

sivo eleito pela legislação tributária não tem relação jurídica com a ocorrência factual que

permite a imposição da norma tributária.

Na primeira alternativa, quando o responsável eleito pela norma possui vinculação

indireta com a realização do fato jurídico tributário, tem-se que, na relação jurídica respon-

sável x Estado o caso é típico de relação jurídico-tributária em sentido estrito, ou seja, po-

derá o responsável vir a compor a regra-matriz de incidência juntamente com o contribuinte

ou no lugar dele – substituição tributária –, justamente porque a relação de responsabilidade

foi extraída a partir dos contornos e dos limites impostos pelo próprio legislador quando

traçou a compostura do fato tributável.

Já na segunda alternativa possível, i. é., quando for eleito pela legislação “respon-

sável” que não tenha qualquer contato ou participação com o fato jurídico tributário, ter-se-

á, no caso, uma relação jurídica de caráter administrativo-sancionador, isso porque o “res-

ponsável”, no caso, apenas será alçado a essa condição por não ter sido diligente quanto às

suas obrigações legais ou até mesmo negociais, sendo o caso, por exemplo, da maioria das 224 Curso..., op. cit., p. 333. 225 PAULO DE BARROS CARVALHO destaca: “Essa é a conformação jurídica da responsabilidade tribu-

tária, sempre que o sujeito escolhido saia da compostura interna do fato tributário. Em ambas as hipóte-ses instaura-se uma relação obrigacional, de natureza tributária, visto que os sujeitos passivos foram re-tirados do interior da realidade objetiva descrita no suposto da regra-matriz” – Direito Tributário – fundamentos..., p. 166.

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hipóteses previstas nos artigos 130 e seguintes do Código Tributário Nacional, quando trata

da responsabilidade dos sucessores, por infração e de terceiros. Esse tipo de responsabilida-

de, então, tem por pressuposto a realização de um fato ilícito.

Em outras palavras, sempre que o legislador alçar à condição de “responsável tri-

butário” pessoa que não tem relação com a realização do fato jurídico tributário, essa rela-

ção jurídica será decorrente de norma jurídica sancionadora, e não tributária; primeiro, por-

que não se tem, no sujeito passivo eleito, vinculação, ainda que indireta, com o fato tributá-

vel e, segundo, porque o caso é decorrência de fato ilícito, ou seja, demanda a aplicação de

sanção administrativa por não ter sido o responsável diligente quanto à observância das im-

posições legais.

PAULO DE BARROS CARVALHO, que é o expoente dessa linha de pensamen-

to, confirmando o caráter administrativo-sancionador em situações tais, assim se manifesta:

“Reitero o entendimento de que as relações jurídicas integradas por sujeitos passivos

alheios ao fato tributado apresentam a natureza de sanções administrativas”226.

Exemplificando-se: não há dúvida de que o fato de alguém ser proprietário de

imóvel predial e territorial urbano leva-o ao dever de pagar o IPTU e, até aqui, não há qual-

quer ilicitude em tal fato; bem como não há dúvida de que, eventual comprador desse imó-

vel não teve qualquer participação na realização do fato jurídico tributário daquele imposto,

antes da aquisição da propriedade. Assim, trata-se de terceiro, que não teve participação no

fato tributável, sendo alçado à condição de “responsável tributário”, por típica relação jurí-

dica administrativo-sancionadora, ou porque deixou de ser diligente ao se certificar da exis-

tência de ônus gravando a propriedade a ser adquirida ou porque deixou de exigir a quita-

ção do tributo devido por parte do alienante.

OCTÁVIO BULCÃO NASCIMENTO detalha esse exemplo nos seguintes termos:

Na compra de imóveis, existiria um dever imposto ao adquirente de verificar, ao tempo da aquisição, se o alienante quitou todos os tributos devidos, em face do imóvel em questão, até a data do negócio jurídico. A inobservância desse dever

226 Ibidem, p. 167.

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embutido na norma que proclama a responsabilidade é que colocaria o adquirente na incômoda posição de devedor perante o Fisco. O descumprimento desse dever antes mencionado possibilitaria a aplicação de uma norma sancionatória, ou seja, uma norma cuja hipótese contém a descrição de um fato ilícito (inobservância de um dever) (sic)227.

Diante de todos esses argumentos, pode-se sintetizar o raciocínio para sustentar

que o ponto de contato existente nas figuras do contribuinte, do responsável propriamente

dito e do responsável por substituição tributária trata-se do fato de que na sujeição passiva

onde se encontra a pessoa de quem se exige o cumprimento da obrigação pecuniária ou dos

deveres instrumentais ou formais, excluindo apenas o terceiro desvinculado do fato tributá-

vel. É esse o entendimento de PAULO DE BARROS CARVALHO:

Sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – físi-ca ou jurídica, privada ou púbica, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros deveres instrumentais ou formais.228

Portanto, independentemente de quem venha a compor a sujeição passiva tributá-

ria, se o realizador do fato jurídico tributário ou outra pessoa, desde que vinculada àquela

ocorrência factual, a verdade é que será nela que se encontrará o sujeito de quem se exigirá

o pagamento da obrigação tributária ou o cumprimento dos deveres instrumentais ou for-

mais impostos pela legislação.

Por fim, para encerrar este subitem, deve-se destacar que PAULO DE BARROS

CARVALHO, até mesmo por apresentar uma teoria aprofundada e por ter se posicionado

no sentido de ser a responsabilidade tributária, quando eleito sujeito passivo alheio à ocor-

rência do fato jurídico tributário, típica relação jurídica de cunho administrativo-

sancionador, sustenta que não há óbice para o legislador, primeiro, estabelecer que a sanção

– pecuniária, diga-se – possa ser fixada no mesmo valor da obrigação tributária primitiva-

227 Sujeição Passiva..., op. cit., p. 819. 228 Curso..., op. cit., p. 314.

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mente devida e, segundo, que o pagamento daquela sanção, se assim desejar o legislador,

possa acarretar a extinção da obrigação tributária229.

Não há dúvida de que a lição do mestre PAULO DE BARROS CARVALHO, no

sentido da natureza sancionadora da responsabilidade, quando se elege sujeito passivo

alheio ao fato jurídico tributário, é rigorosamente consentânea com o sistema tributário bra-

sileiro, sendo adotada, inclusive, neste trabalho. Entretanto, as suas conclusões, no sentido

de reconhecer a possibilidade de a extinção da relação jurídica sancionadora também extin-

guir a relação jurídico-tributária é que causa alguma inquietação e atrai o ônus da argumen-

tação. Explica-se!

Não se questiona que a investigação da natureza jurídica tributária de determinada

exação deve partir do conceito constitucional de tributo e, como decorrência, dos pressu-

postos prescritos pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional e, dentre tais exigências, tal-

vez a mais importante delas, ao lado da necessidade de lei e da sua compulsoriedade, seja

que a cobrança exacional não possa ser decorrente de sanção por ato ilícito. Assim, se a

análise da compostura de determinada cobrança se subsumir ao disposto naquele artigo, te-

rá a prestação natureza jurídica de tributo. O tributo, portanto, origina-se de “fato lícito”230.

Por outro lado, a penalidade pecuniária imposta ao sujeito passivo de obrigação

tributária não tem origem em fato lícito, ao contrário, sempre será decorrente do descum-

primento, por parte do destinatário da norma, de alguma imposição legalmente instituída. É

o descumprimento normativo que gera a aplicação da sanção, no caso, de penalidade pecu-

niária. A multa, então, não tem natureza jurídica de tributo por constituir sanção por fato

“ilícito”.

Desses breves apontamentos já se pode extrair uma importante diferença entre tri-

buto e penalidade pecuniária: as naturezas jurídicas de um tributo e da penalidade pecuniá-

ria são absolutamente distintas e inconfundíveis entre si, decorrendo, ambas, de relação ju-

rídica obrigacional com conteúdo patrimonial, todavia, diferençando-se no fato que deu

229 Ibidem, p. 337-338. 230 Código Tributário Nacional: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo

valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

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origem à obrigação, ou seja, lícito no caso do tributo e ilícito no caso da penalidade pecuni-

ária.

É justamente na apontada diferença da natureza jurídica do tributo e da penalidade

pecuniária que reside a inquietação quanto às conclusões de PAULO DE BARROS CAR-

VALHO, no sentido de entender possível que a extinção de uma relação jurídica obrigacio-

nal sancionadora – pelo pagamento da penalidade pecuniária – possa levar à extinção da re-

lação jurídica obrigacional tributária.

Quanto ao particular, ousa-se divergir do mestre para firmar posição contrária, i.

é., pela impossibilidade de a extinção da relação jurídica obrigacional sancionadora levar à

extinção da relação jurídica obrigacional tributária. E o fundamento para essa divergência

extrai-se dos pressupostos do sistema constitucional tributário e do artigo 3º do Código Tri-

butário Nacional, ou seja, até se concebe que uma obrigação possa ser extinta por outra, to-

davia, para não ruir o sistema tributário que é calcado na realização de fatos lícitos, as obri-

gações para terem esse mútuo efeito extintivo, devem ter a mesma natureza jurídica, ou se-

ja, lícito/lícito ou ilícito/ilícito, privilegiando-se, inclusive, o Princípio da Segurança Jurídi-

ca.

Por outros torneios, como a relação jurídico-tributária necessariamente decorre de

“fato lícito”, entende-se que o efeito extintivo dessa relação quanto a outra obrigação deve

levar em conta, necessariamente, que ambas tenham a mesma natureza jurídica. Ora, se não

pode uma obrigação tributária ser decorrente de “fato ilícito” – para nascer, depende de fato

lícito, portanto – por faltar-lhe um dos pressupostos exigidos pelo sistema – artigo 3º do

CTN – da mesma forma, não se pode conceber que se permita a extinção de uma obrigação

tributária pelo cumprimento de uma obrigação de cunho sancionador.

Não obstante isso, o entendimento manifestado por PAULO DE BARROS CAR-

VALHO , em última análise, com a devida “venia”, vulnera o Princípio da Isonomia, que

tanto é direcionado ao legislador, quanto deve ser aplicado aos administrados. Para explici-

tar o que se pretende, valemo-nos do exemplo já citado linhas atrás, que consiste no seguin-

te: supondo-se que “A” resolva adquirir a propriedade urbana de “B”, mas não toma todas

as diligências necessárias para se certificar da regularidade da quitação dos tributos que in-

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cidem sobre a propriedade do referido imóvel. No caso de o negócio jurídico ser ultimado e

existirem dívidas de IPTU, por exemplo, gravando aquele imóvel, será “A”, por aplicação

do artigo 130 do Código Tributário Nacional, responsável tributário quanto ao pagamento

do débito231.

No caso de “A”, parece ser inegável, consoante os fundamentos já apresentados,

que se está diante de uma relação jurídica de cunho sancionador. Haveria, então, uma rela-

ção jurídico-tributária que une “B” com o Município e outra relação jurídica, de cunho san-

cionador, que une “A” ao mesmo Município. Em termos de teoria da norma jurídica, ter-se-

ia uma norma jurídica tributária, vinculando “B” e o Município, bem como outra norma ju-

rídica, desta feita, de caráter administrativo-sancionador, vinculando “A” e o mesmo sujeito

ativo.

Aplicando-se o entendimento de PAULO DE BARROS CARVALHO àquela situ-

ação hipotética, o pagamento do débito por “A”, mesmo sendo decorrente de relação jurídi-

co-sancionadora, levaria à extinção da obrigação tributária, exonerando-se a si mesmo e a

“B” do encargo de pagar o IPTU devido. Extinguir-se-iam as obrigações tributária e sanci-

onadora.

A violação ao Princípio da Isonomia reside no fato de que “outro contribuinte”,

que, por exemplo, tenha descumprido um dever instrumental ou formal qualquer e, por isso,

tenha sofrido a aplicação de penalidade pecuniária e, ainda, seja também o devedor da obri-

gação tributária, apenas conseguirá se exonerar das duas obrigações realizando a quitação

de ambas. O pagamento de uma não leva à extinção da outra, justamente por se tratar de na-

turezas jurídicas distintas.

E nem se diga que no caso desse “outro contribuinte”, não se aplica a mesma regra

por ele ter tomado a atitude de promover o descumprimento de um dever instrumental que

gerou a aplicação da penalidade pecuniária (sanção), pois, no caso anterior, de “A”, tam-

bém houve o descumprimento, no sentido de o adquirente verificar se o alienante quitou to-

231 Código Tributário Nacional: “Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja

a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação”.

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dos os tributos devidos; ele não foi diligente, havendo, por consequência, o nascimento de

uma relação jurídico-sancionadora. Enfim, o fato é que, em ambos os casos, está-se diante

de uma relação jurídica sancionadora, todavia, se houver o cumprimento, no primeiro caso,

a consequência será a extinção da relação jurídica obrigacional tributária – caso de “A” –

enquanto que, no segundo caso, a obrigação tributária apenas será extinta se cumprida sepa-

radamente – o caso do “outro contribuinte”.

Esse tratamento desigual para situações jurídicas equivalentes é que vulnera o

Princípio da Isonomia, se aplicadas as conclusões de PAULO DE BARROS CARVALHO,

sendo esse, pois, o motivo da inquietação com o posicionamento daquele mestre.

Com relação ao Princípio da Isonomia, deve-se destacar que, embora fosse desne-

cessária a existência de previsão específica, no capítulo que trata do Sistema Tributário Na-

cional, em razão da previsão contida no artigo 5º, “caput” , da Constituição Federal de

1988, o legislador constituinte originário optou por prescrever a incidência do Princípio es-

pecificamente em matéria tributária, na forma preconizada pelo artigo 150, II, da Carta da

República232.

Fazendo valer a cláusula que impõe a necessidade de tratamento isonômico entre

contribuintes que se encontrem em situação equivalente e comentando o Princípio da Iso-

nomia, GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO

GUSTAVO GONET BRANCO sustentam:

Em que pese a clareza dessa redação, ou até mesmo por causa dela, impõe-se ter presente que a igualdade aqui exigida, como de resto a igualdade em geral, não proíbe, antes exige, que o legislador, como o juiz, tenha presentes as desigualda-des reais, discriminando onde, quando e em relação a quem se deve discriminar – obviamente de modo razoável e fundamentado –, a fim de alcançar a igualdade

232 Constituição Federal de 1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]”.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:...

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.

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real, que outra coisa não significa senão tratar igualmente os iguais e desigual-mente os desiguais, na medida de sua desigualdade.233

Por sua vez, o saudoso GERALDO ATALIBA, com seu brilhantismo peculiar, en-

frentando o tema do Princípio da Igualdade, sustentou:

A igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quan-tas funções o povo, republicanamente, decidiu criar. A isonomia há de se expres-sar, portanto, em todas as manifestações de Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar ou subtrair-se às exigên-cias da igualdade.234

No mesmo sentido é o escólio de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,

em livro específico, quando enuncia quatro elementos para que a discriminação legal seja

compatível com o primado da Isonomia, sendo que no último deles, descreve o autor, que o

vínculo de correlação lógica entre os fatos diferenciais existentes e a distinção do regime

jurídico seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos235.

Com tal posicionamento, BANDEIRA DE MELLO está afirmando que

As vantagens calçadas em alguma peculiaridade distintiva hão de ser conferidas prestigiando situações conotadas positivamente, ou, quando menos, compatíveis com os interesses acolhidos no sistema constitucional.

[Aduz ao mesmo tempo que] ... não podem ser colocadas em desvantagem pela lei situações a que o sistema constitucional empresta conotação positiva.236

233 Curso de Direito Constitucional, p. 1281. 234 República..., op. cit., p. 160. 235 Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 41. 236 Ibidem, p. 42. Esclarecemos, nos colchetes.

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Dessa forma, com a devida “venia” do entendimento contrário, não parece que o

sistema quer estabelecer algum tipo de privilégio para o contribuinte obter a extinção de

uma relação jurídico-tributária mediante a extinção de uma relação jurídica sancionadora

sem que, do mesmo modo, outro contribuinte, que igualmente esteja diante de duas relações

jurídicas distintas – tributária e sancionadora – não se possa valer do mesmo benefício, va-

lendo, por tudo e em tudo, como se o sistema previsse que “os contribuintes que estejam em

situação de Igualdade, devem ser tratados de maneira desigual”.

Nessa esteira de pensamento, invoca-se, novamente, as lições de CELSO ANTÔ-

NIO BANDEIRA DE MELLO:

À guisa de conclusão deste tópico, fica sublinhado que não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos para que a lei distinga situações sem ofensa à iso-nomia. Também não é suficiente poder-se arguir fundamento racional, pois não é qualquer fundamento lógico que autoriza desequiparar, mas tão-só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima. Fora daí ocorrerá incompatibilidade com o preceito igualitário.237

Em tempo, cumpre registrar que é válida a tentativa de PAULO DE BARROS

CARVALHO, de dar ao pagamento da penalidade pecuniária a possibilidade de extinguir

uma obrigação tributária, o que, conforme seu entendimento evitaria até mesmo que o Fisco

recebesse, “em tese”, duas vezes quase que pelo mesmo fato, embora de devedores distin-

tos. Entretanto, apesar de louvável, entende-se que não é “verdadeira”, do ponto de vista do

sistema jurídico brasileiro, a uma porque não se permite que o pagamento da prestação de

uma relação jurídica sancionadora culmine com a extinção de uma relação jurídico-

tributária, que diversa e sabidamente exige fato lícito e, a duas, porque tal possibilidade es-

taria a vulnerar o Princípio da Isonomia e, portanto, em manifesta incompatibilidade com o

texto constitucional.

237 Ibidem, p. 43.

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Feitas essas considerações, já se pode seguir no estudo e passar em revista os de-

veres instrumentais ou formais, que o artigo 113 do Código Tributário Nacional chama,

impropriamente, de obrigações acessórias.

4.3.4 Os deveres instrumentais ou formais

A investigação sobre a natureza jurídica da norma de retenção na Fonte, realizada

no Imposto sobre a Renda, passa pela análise da responsabilidade tributária, bem assim dos

deveres instrumentais, neste caso, para demonstrar a ausência de conteúdo obrigacional, de

cunho patrimonial, tratando-se de mero dever de fazer ou não-fazer.

O Código Tributário Nacional trata dos deveres instrumentais ou formais no artigo

113, nominando-os de “obrigações acessórias”. Tal enunciado prescritivo provoca discus-

sões doutrinárias no sentido de terem ou não, as “obrigações acessórias”, conteúdo patri-

monial e, a partir daí, sobre a precisão dos signos utilizados pelo legislador do Código Tri-

butário Nacional. Entretanto, os problemas do citado artigo 113 não são apenas quanto ao

conteúdo das “obrigações acessórias”, mas também acerca da sua “conversão” em obriga-

ção principal238.

No sentido da discussão doutrinária ora enunciada, destaca-se o posicionamento de

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, que não aceita a tese da patrimonialidade das obrigações

e, portanto, não poderiam as “obrigações acessórias” a que alude o artigo 113 do Código

Tributário Nacional perder a característica obrigacional por retratarem obrigações positivas

e negativas adotadas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Em verda-

de, SOUTO MAIOR BORGES não aceita a simples transposição da teoria civilista, que 238 Código Tributário Nacional: “Art. 113/CTN. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tribu-to ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.

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atesta a necessidade de as obrigações revestirem conteúdo patrimonial, para o Direito Tri-

butário, por inaplicável nesta seara. Afirma esse professor que obrigação não é conceito de

Teoria Geral do Direito, mas sim de Direito positivo e, nesse particular, analisando o Direi-

to positivo brasileiro, encontrar-se-ão obrigações que, no entanto, são carentes de conteúdo

patrimonial, citando, por exemplo, o próprio artigo 113 do Código Tributário Nacional239.

Comunga-se, no entanto, para efeito deste trabalho, de posicionamento oposto, ou

seja, no sentido de defender a necessidade de que as obrigações tenham conteúdo patrimo-

nial e, por não terem as “obrigações acessórias”, conteúdo econômico, não seriam obriga-

ções. Destaca-se, no particular, a linha de pensamento de PAULO DE BARROS CARVA-

LHO, para quem, o critério predominante para determinar uma relação jurídica obrigacio-

nal é que ela tenha conteúdo patrimonial, sublinhando o autor, que “... tais relações são co-

nhecidas pela designação imprecisa de obrigações acessórias, nome impróprio, uma vez

que não apresentam o elemento caracterizador dos laços obrigacionais, inexistindo nelas

prestação passível de transformação em termos pecuniários”240.

239 Destaca JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES: “Quando a doutrina do Direito Tributário, para afirmar a pa-

trimonialidade ‘essencial’ da obrigação tributária, se socorre da teoria civilista, não se apercebe que es-ta objetivamente não se aplica além do Direito Civil. E não importa, até porque é impossível reconstituí-lo, o que, na ordem das intenções, pretendeu a doutrina do Direito Civil, ou seja, qual a extensão que subjetivamente ela intentou conferir às duas construções sobre a obrigação. Essa delimitação do âmbito de referibilidade é puramente objetiva e impessoal. Por isso mesmo, a transposição é indevida: asserção apenas aplicável ao Direito Civil é transposta para o campo do Direito Tributário, prescindindo de qual-quer esforço de demonstração de sua aplicabilidade nessa última província do Direito. A demarcação, necessariamente implícita nos enunciados da teoria do Direito Civil, é desconsiderada pela teoria do Di-reito Tributário. Enunciados limitados, no conteúdo de explicação, porque apenas descrevem a obrigação civil, são convertidos, no campo do Direito Tributário, em enunciados ilimitados. Porque revestidos de universalidade estrita. Percebe-se o descaminho teórico. Em face do direito positivo brasileiro, não há como extrair a conclusão pela patrimonialidade genérica da obrigação tributária, precisamente porque ele distingue – inauguralmente no CTN – entre obrigação tributária principal, suscetível de avaliação econômica (art. 113, § 1º), e obrigação tributária acessória, insuscetível de valoração econômica (art. 113, § 2º). Nada impede, contudo, a formulação de uma proposição doutrinária que descreva o atributo da patrimonialidade como característica específica da obrigação principal. Porque o conteúdo da obri-gação tributária principal é o dar ao ente tributante dinheiro ou algo que pecuniariamente possa expri-mir-se. Assim sendo, é atributo da obrigação tributária principal o ser economicamente avaliável; a sua expressão em termos pecuniários ou redutíveis à pecúnia. Daí, a sua patrimonialidade. Sem embargo, o conteúdo específico das obrigações acessórias é radicalmente diverso, porque consiste apenas num fazer, não fazer ou tolerar, ou seja, na linguagem do objeto, a do CTN, em prestações positivas ou negativas a cargo do sujeito passivo e instituídas no interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º). Assim sendo, tanto as prestações de cunho patrimonial, quanto as prestações que não o têm, são, pelo direito positivo brasileiro, caracterizadas como obrigacionais” (sic) – Obrigação Tributária ..., p. 80-81.

240 Curso..., op. cit., p. 302. Sustenta o autor: “Por sem dúvida que a prestação pecuniária a que alude o art. 3º do Código dá uma feição nitidamente patrimonial ao vinculo tributário, pois o dinheiro – pecúnia – é a

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Acerca da necessidade de as obrigações revestirem-se de conteúdo patrimonial,

destaca-se a lição de ORLANDO GOMES, para quem:

Encarada em seu conjunto, a relação obrigacional é um vínculo jurídico entre du-as partes, em virtude do qual uma delas fica adstrita a satisfazer uma prestação patrimonial de interesse da outra, que pode exigi-la, se não for cumprida, median-te agressão ao patrimônio do devedor.241

Dessa forma, ante a necessidade de que a relação jurídica obrigacional seja perme-

ada de conteúdo econômico, verifica-se a imprecisão técnica do legislador do Código Tri-

butário Nacional quando nominou os deveres consubstanciados num fazer ou não-fazer,

atribuídas ao sujeito passivo da obrigação tributária, de “obrigações acessórias”. Assim, em

razão dessa característica de não ter conteúdo patrimonial, adota-se, com PAULO DE

BARROS CARVALHO, a denominação deveres instrumentais ou formais para aludir às

“obrigações acessórias” referidas pelo artigo 113 do Código Tributário Nacional.

“Ad argumentandum”, deve-se, então enfatizar que a relação jurídica tributária,

por consubstanciar o Direito subjetivo do fisco de exigir o cumprimento da prestação do su-

jeito passivo, que possui o dever jurídico de pagá-la, é, nessa linha de pensamento, obriga-

ção por excelência, e tributária, por conta da aplicação do artigo 3º do Código Tributário

Nacional.

Demonstrado que os deveres consubstanciados num fazer ou não-fazer não são

obrigações, ainda se deve ressaltar que nem sempre tais expedientes impostos ao sujeito

passivo serão acessórios, isso porque a sua realização, muitas vezes, independe do nasci-

mento da obrigação principal. Exemplos são fartos nesse sentido, mas mencionam-se dois:

a) a maioria das pessoas físicas e as pessoas jurídicas, mesmo que não tenham auferido

“renda”, são obrigados a apresentar a declaração de Imposto sobre a Renda ao Fisco, mes-

mais viva forma de manifestação econômica. Esse dado, que salta à evidência, nos autoriza a tratar o la-ço jurídico, que se instala entre sujeito pretensor e sujeito devedor, como uma autêntica e verdadeira obrigação, levando-se em conta a ocorrência do fato típico, previsto no descritor da norma. Mas é inapli-cável àqueloutras relações, também de índole fiscal, cujo objeto é um fazer ou não-fazer, insuscetível de conversão para valores econômicos” – Ibidem, p. 301.

241 Obrigações, p. 10.

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mo não tendo imposto a pagar; b) a mesma coisa se passa em relação, por exemplo, às pes-

soas jurídicas beneficiadas com imunidades ou isenções, isso porque, embora não se tenha

o nascimento da obrigação tributária, em tais casos, não estão, os beneficiados com tal de-

soneração fiscal, exonerados do cumprimento dos deveres de fazer ou não-fazer a eles im-

postos pela legislação, ou seja, mesmo não pagando tributos, estão obrigados ao cumpri-

mento dos deveres instrumentais.

Essa situação demonstra que os deveres instrumentais não guardam relação de

acessoriedade quanto à obrigação tributária, já que devem ser cumpridos independentemen-

te da existência ou não do ônus da pagar determinado tributo. Daí também não poderem ser

chamados de “acessórios”, pois de acessórios nada têm.

Outra impropriedade cometida pelo legislador do Código Tributário Nacional está

na prescrição constante do parágrafo terceiro, no sentido de que, se descumprida a “obriga-

ção acessória”, ela converte-se em obrigação principal, prevendo a possibilidade da “con-

versão” do dever de fazer ou não fazer em obrigação com conteúdo patrimonial242.

Não é possível a conversão aludida pelo citado enunciado prescritivo, a uma, por-

que se tratam de institutos com naturezas jurídicas distintas, o quê, por si só, consubstancia-

ria óbice para a intenção do legislador e, a duas, porque, mesmo no caso de aplicação de

penalidade pecuniária, o dever instrumental continua a existir e ser de observância obriga-

tória, não havendo, pois, possibilidade jurídica de uma obrigação de dar – penalidade pecu-

niária – ser transformada em dever consubstanciado em fazer ou não-fazer – dever instru-

mental – e vice-versa.

Apesar das atecnias descritas, deve-se buscar, ao máximo, aproveitar o produto le-

gislado, de forma que se deve construir o sentido e alcance – interpretação – do referido pa-

rágrafo terceiro no sentido de que, quando o legislador prescreve a conversão de “obrigação

acessória” em obrigação principal, está, em verdade, pretendendo enunciar que, do des-

cumprimento do dever instrumental, que não perde sua característica e nem se converte em

242 Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória...

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.

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outro instituto, nasce o dever de pagar a penalidade pecuniária, que, segundo a sistemática

do Código Tributário Nacional, seria obrigação principal. Há, portanto, a partir da interpre-

tação dada, a convivência harmônica e simultânea do dever instrumental e da penalidade

pecuniária aplicada em razão do seu descumprimento.

Encerra-se o presente subitem lançando mão, uma vez mais, das lições de PAULO

DE BARROS CARVALHO:

Nossa preferencia recai, por isso, na expressão deveres instrumentais ou formais. Deveres, com o intuito de mostrar, de pronto, que não têm essência obrigacional, isto é, seu objeto carece de patrimonialidade. E instrumentais ou formais porque, tomados em conjunto, é o instrumento de que dispõe o Estado-Administração pa-ra o acompanhamento e consecução dos seus desígnios tributários. Ele (Estado) pretende ver atos devidamente formalizados, para que possa saber da existência do liame obrigacional que brota com o acontecimento fático, previsto na hipótese da norma. Encarados como providências instrumentais ou como a imposição de formalidades, tais deveres representam o meio de o Poder Público controlar o fiel cumprimento da prestação tributária, finalidade essencial na plataforma da insti-tuição do tributo.243

Demonstrado, portanto, que a melhor forma de tratar as “obrigações acessórias” é

nominá-las de deveres instrumentais ou formais, primeiro, porque não apresentam conteúdo

patrimonial; segundo, porque não mantêm a característica da acessoriedade em relação à

obrigação principal; e terceiro, porque não têm a possibilidade de se converter em obriga-

ção principal, havendo, em verdade, aplicação de penalidade pecuniária pelo descumpri-

mento de deveres instrumentais, penalidade esta cuja relação correspondente, segundo a le-

tra do Código Tributário Nacional, possui natureza de obrigação principal.

Repassados os fundamentos que, para efeito deste trabalho, entende-se sustentar a

sistemática de retenção na Fonte no Imposto sobre a Renda, pode-se, enfim, passar ao estu-

do desse instituto.

243 Curso..., op. cit., p. 304.

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4.3.5 A sistemática da retenção na Fonte do IR. A retenção na “novel” modalidade de tribu-

tação

4.3.5.1 Nota Introdutória

A sistemática de retenção na Fonte está sendo cada vez mais utilizada pelas admi-

nistrações tributárias, na arrecadação dos seus respectivos tributos, pois essa forma de arre-

cadação é eficaz para evitar o inadimplemento, possibilita o ingresso antecipado de recur-

sos nos cofres públicos e facilita a tarefa fiscalizadora da administração tributária, pois atri-

bui ao retentor a tarefa de reter o valor devido a título de tributo, pelo contribuinte, repas-

sando o valor retido diretamente aos cofres públicos. A retenção na Fonte, portanto, agiliza

e antecipa a arrecadação de recursos, possibilita maior e mais eficaz fiscalização dos con-

tribuintes, com menor custo para o Erário, inclusive de pessoal, e dificulta a evasão fiscal.

Em sendo assim, como a tributação dos lucros e dividendos pagos ou creditados

por pessoas jurídicas aos seus sócios estarão submetidos à sistemática da retenção na Fonte,

nos termos do respectivo projeto, imprescindível se mostra, portanto, analisar essa modali-

dade de arrecadação e, até mesmo, a tomada de posição quanto à sua adequação ao nosso

sistema constitucional tributário, no que tange ao Imposto sobre a Renda.

4.3.5.2 A natureza jurídica da sistemática da retenção na Fonte do IR

A sistemática de retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda é decorrência da

obrigatoriedade, imposta à Fonte pagadora de rendimentos ao contribuinte, de promover a

retenção e posterior recolhimento, aos cofres públicos, do montante retido e devido pelo re-

alizador do fato jurídico tributário. Trata-se, pois, de “recolhimento antecipado” do Imposto

sobre a Renda que “seria” devido pelo contribuinte ao final do período aquisitivo da renda

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– diga-se, ao ser realizado o fato jurídico tributário – depois de abatidas integralmente as

despesas autorizadas por lei, ressalvando-se, no particular, os casos de rendimentos sujeitos

à tributação exclusiva na Fonte – como é o caso de rendimentos decorrentes de aplicações

financeiras e no mercado de capitais.

A premissa ora firmada é aplicável tanto para o caso das pessoas jurídicas, quanto

das pessoas físicas, pois, em verdade, em ambas as situações, o aspecto temporal da regra-

matriz de incidência do Imposto sobre a Renda estabelece um prazo mínimo para comple-

tar-se o “período aquisitivo” da renda, havendo diferença, apenas, quanto ao tempo neces-

sário para tal período de aquisição, a depender da natureza jurídica do destinatário constitu-

cional da carga tributária, pois a legislação estabelece diferenças, de acordo com o contri-

buinte e com a sistemática de apuração em que ele se enquadrar.

RENATO LOPES BECHO, com simplicidade, indica, precisamente, o funciona-

mento da sistemática de retenção na Fonte:

O mecanismo da tributação na fonte, ou retenção do tributo na fonte não é com-plexo. A pessoa, física ou jurídica, que for receber os valores decorrentes de uma operação qualquer, cujo produto deva ser oferecido à tributação, já recebe tais va-lores reduzidos da carga tributária, que será recolhida aos cofres públicos a título de pagamento de tributo por quem estiver realizando o pagamento (fonte pagado-ra) (sic)244.

A retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda é sistemática que se originou na

Inglaterra, no início do século XX, quando se cobrava um imposto da pessoa que pagava a

renda, justificando-se tal medida pela praticidade da arrecadação, pela diminuição nos cus-

tos arrecadatórios e para evitar a evasão fiscal. Essa sistemática de tributação antecipada foi

aperfeiçoada nos Estados Unidos, tornando-se conhecida pela expressão “pay-as-you-go-

system”245.

244 Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária, p. 120 245 MARY ELBE QUEIROZ, Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 384.

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No Brasil, essa sistemática de retenção na Fonte foi introduzida pela Lei nº 2.354,

de 29 de novembro de 1954, apenas em relação aos rendimentos percebidos por residentes

e domiciliados no exterior, simplificando-se a tributação das pessoas físicas assalariadas e

remuneradas por uma única fonte pagadora. Foi, no entanto, a Lei nº 4.506, de 30 de no-

vembro de 1964, sob o pálio de diminuir o “déficit” de caixa do Tesouro Nacional, que ins-

tituiu a sistemática de retenção na Fonte para todas as pessoas físicas assalariadas, conside-

rando-a uma antecipação do imposto que seria devido quando da declaração de rendimen-

tos246.

Com o passar do tempo, essa sistemática foi sendo aperfeiçoada, passando a ser

aplicada, também, para os rendimentos percebidos pelas pessoas jurídicas, quando pagos

por outras pessoas jurídicas. Com a Lei nº 7.450, de dezembro de 1985, instituiu-se, no

Brasil, a sistemática de bases correntes – tratada no capítulo antecedente – de forma que o

Imposto sobre a Renda vai incidindo, diretamente na Fonte, na medida em que os “rendi-

mentos” vão sendo pagos ao contribuinte, permitidos apenas os descontos previstos em Lei

– artigo 646 c/c artigo 644, ambos do RIR/99.

Visto que a retenção na Fonte, no caso do Imposto sobre a Renda, é o dever im-

posto à fonte pagadora de promover a retenção e posterior repasse do imposto que supos-

tamente seria devido pelo contribuinte, quando da consumação do fato jurídico tributário, e

da entrega da declaração de renda, abre-se a possibilidade de realizar dois importantes

questionamentos: a) Considerando o objeto deste trabalho, a retenção na Fonte do Imposto

sobre a Renda, a ser realizada pela sociedade, em face da distribuição de lucro pago aos

seus sócios, tem natureza de responsabilidade tributária ou de mero dever instrumental ou

formal ? b) Além disso, a análise sistemática do sistema tributário brasileiro permite a con-

clusão de que a retenção na Fonte é compatível com o Imposto sobre a Renda ?

O primeiro questionamento, sobre a natureza da sistemática de retenção na Fonte

no Imposto sobre a Renda, no caso em tela é de importante esclarecimento, pois, sendo o

caso de responsabilidade, segundo as premissas até aqui firmadas, poderá o retentor, no ca-

so de não promover a retenção, ser alçado à condição de sujeito passivo e assumir o ônus

246 Ibidem, p. 385.

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do pagamento do imposto, sem prejuízo da penalidade pecuniária prescrita em lei; enquanto

que, no caso de considerar-se dever instrumental, não poderá o retentor compor a sujeição

passiva da regra-matriz de incidência, sendo a ele imposto, no máximo, penalidade pecuni-

ária pelo seu descumprimento normativo, hipótese em que o realizador do fato jurídico tri-

butário continuará com o encargo de recolher o Imposto sobre a Renda supostamente devi-

do.

Recuperando-se os motivos dessa discussão, enunciou-se, linhas atrás que trami-

tam, perante o Congresso Nacional, três projetos de leis – PL números 2610/2011,

3007/2008 e 3091/2008 –, nos quais o objetivo é revogar a isenção concedida, por prazo

indeterminado, que retirou da base de cálculo do Imposto sobre a Renda dos beneficiários

os lucros ou dividendos recebidos de pessoas jurídicas das quais são sócias ou acionistas,

fazendo-se, pois, com que tais rendimentos – os lucros ou dividendos percebidos – voltem a

compor a base de cálculo do Imposto sobre a Renda devido pelos sócios ou acionistas.

Ademais, busca-se, com os projetos de lei destacados no parágrafo anterior, que,

além de restabelecer a tributação, pelo Imposto sobre a Renda, dos lucros ou dividendos

pagos ou creditados aos sócios ou acionistas das pessoas jurídicas, ainda determinar que tal

imposto deverá ser retido na Fonte, diretamente pela fonte pagadora, à alíquota de 15%247.

Como a nova modalidade de tributação que se quer implantar, prevê a retenção do

Imposto de Renda diretamente na Fonte, à alíquota de 15%, imprescindível se mostra, por-

tanto, a necessidade de analisar qual a natureza jurídica desse instituto, e mais, se a sua sis-

temática é compatível com as nossas regras constitucionais atinentes ao Imposto sobre a

Renda. 247 Projeto de Lei nº 2610/2001: “Art. 1º O lucro ou dividendo, pago ou creditado pela pessoa jurídica inte-

grará a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, e estará. sujeito à incidência da alíquota de quinze por cento na fonte, como antecipação do que for devido na declaração”.

Projeto de Lei nº 3007/2008: Art. 1º O Art. 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, passa a vigo-rar com nova redação, acrescido do seguinte parágrafo primeiro, transformando o seu parágrafo único em parágrafo segundo:

“Art. 10. Os lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no país, integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário.

Parágrafo primeiro. Os rendimentos auferidos sob a forma de distribuição de lucros e dividendos credi-tados a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no exterior, ficarão sujeitos à incide�ncia de imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento”.

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A doutrina do Direito Tributário, apesar de ainda carente de obras que tratem com

profundidade do Imposto sobre a Renda e, especialmente, da sua sistemática de retenção na

Fonte, é majoritária no sentido de entender que a retenção na Fonte é típico caso de norma

de responsabilidade tributária, havendo alguns, no entanto, que a consideram como norma

de responsabilidade por substituição tributária.

LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ, ao tratar da sistemática de tributação na

Fonte, expõe:

A denominada “tributação na fonte” é, em verdade, uma espécie de “substituição tributária”, onde o substituto repassa aos cofres públicos quantia equivalente àquela originariamente devida pelo contribuinte. Como já se teve oportunidade de expor, o denominado “substituto tributário”, que não se confunde com a figura do “contribuinte” (sujeito passivo tributário), atua como sendo um mero agende ar-recadador do Estado-Fiscal (sujeito ativo tributário).248

MARY ELBE QUEIROZ, tratando do tema, defende que,

Nesse caso, de acordo com a periodicidade a que estiver submetido o rendimento, a lei impõe à fonte pagadora, como responsável tributário, a obrigação de efetuar a “retenção” e o “recolhimento” do imposto sobre a renda que for considerado como incidente sobre o valor pago, admitidas, apenas, algumas deduções.249

Para RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA

A responsabilidade da fonte pagadora é exclusiva e tem de estar prevista em lei, isto é, ela exclui a responsabilidade do contribuinte que aufere a renda ou proven-to. [Segundo esse autor] ... a exclusividade decorre do fato de que uma relação tributária se estabelece desde o momento em que a lei não estabelece a condi-ção.250

248 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 298. 249 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 385. 250 Ibidem, p. 391. Esclarecemos, nos colchetes.

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Por sua vez, JULIA DE MENEZES NOGUEIRA, concordando com RICARDO

MARIZ DE OLIVEIRA, ensina:

... se ela (a fonte pagadora) não desconta o imposto ao efetuar o pagamento da renda, continua obrigada ao recolhimento e torna-se responsável pelo próprio ônus econômico do valor do tributo e seus acréscimos legais devidos pelo não re-colhimento ou pelo atraso na sua efetivação (RIR/99, artigo 722; antes RIR/94, artigo 919) (sic)251.

PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA, seguindo a mesma linha de raciocínio,

sustenta:

A responsabilidade tributária da fonte pagadora constitui uma hipótese de sujei-ção passiva indireta, autorizada pelo artigo 128 do CTN, que decorre de previsão expressa em lei. Assim, no caso do Imposto sobre a renda e proventos de qual-quer natureza da pessoa física, uma pessoa que efetuar o pagamento de renda ou provento a outrem pode se tornar sujeito passivo da obrigação tributária, se hou-ver previsão legal. (...). Por conseguinte, neste regime jurídico, ocorrido o fato ju-rídico tributário, a relação jurídico-tributária se estabelece entre a União e a fonte pagadora. Assim, a responsabilidade da fonte é originária e própria, o que não re-tira, todavia, a possibilidade de quem aufere a renda ou o provento de se insurgir contra o pagamento do tributo, inclusive na esfera judicial (sic)252.

ALIOMAR BALEEIRO, tratando da retenção na Fonte sob a óptica da fonte pa-

gadora de rendimentos, assevera: “Ainda por simples facilidade ou comodidade de arreca-

dação e controle, a lei poderá determinar que a fonte pagadora da renda ou dos proventos

assuma a posição de responsável pelo tributo, calculando-o, descontando-o do pagamento

ao titular, e recolhendo-o, nos prazos, à repartição arrecadadora”.253

Por fim, MARIA RITA FERRAGUT assim se manifesta: 251 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 179. 252 Imposto sobre a renda retido na fonte por estado-membro: consequências jurídicas da previsão contida no

art. 157, I, da Constituição Federal, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 193, p. 142. 253 Direito ..., op. cit., p. 313.

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Finalmente, temos a repercussão jurídica por retenção na fonte. A repercussão ocorre por meio da incidência de uma norma jurídica que permita ao sujeito pas-sivo abater do valor que por ele deveria ser pago ao terceiro (realizador do fato jurídico tributário), o valor do tributo por ele (sujeito passivo) devido, em função da norma de responsabilidade (na modalidade substituição).254

O ponto de contato entre os autores acima citados, embora divirjam quanto aos

fundamentos de suas posições, é que a retenção na Fonte é norma de responsabilidade tri-

butária, alguns deles, inclusive, considerando-a como caso de responsabilidade por substi-

tuição tributária. Apenas para efeito de rememorar premissa já fixada anteriormente, para

efeito deste trabalho, considera-se a responsabilidade por substituição tributária espécie do

gênero responsabilidade tributária, nos termos do modelo traçado pelo legislador do Código

Tributário Nacional.

Em que pese o respeito e a eficiência com que os autores mencionados defendem

suas posições, no sentido de entender a retenção na Fonte como caso de responsabilidade

tributária, demonstrar-se-á, a seguir, que tal posicionamento, trazendo a discussão para o

âmbito do Imposto sobre a Renda, e partindo-se de uma análise sistemática do sistema tri-

butário brasileiro, não resiste a uma análise mais detalhada e, ao mesmo tempo, menos

complexa, de como funciona a sistemática da retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda,

e a sua relação com as regras de responsabilidade tributária e de deveres instrumentais ou

formais impostos pela lei.

Uma primeira observação a ser feita é que, diante do destinatário constitucional da

carga tributária, nos termos do que determina a Constituição Federal de 1988, de forma im-

plícita, bem assim a regra geral de responsabilidade tributária prescrita pelo artigo 128 do

Código Tributário Nacional, a eleição de responsável tributário deve, necessariamente, ser

precedida de uma relação do responsável com o fato jurídico tributário e com o realizador

desse fato255. Como se trabalha com a premissa de que a substituição tributária é espécie do

254 Responsabilidade..., op. cit., p. 46. 255 Código Tributário Nacional: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de mo-

do expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da

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gênero responsabilidade, mesmo nesse caso há que se ter um contato do substituto com o

fato jurídico tributário e com o substituído.

Em ambos os casos, estar-se-á diante de relação jurídica tributária. Se o responsá-

vel ou substituto tributário não tiver relação com a realização do fato jurídico tributário,

neste caso, ter-se-á relação jurídica de cunho administrativo-sancionador, onde o valor pago

é correspondente a penalidade pecuniária por descumprimento de algum dever atribuído ao

responsável ou substituto e que foi descumprido.

No caso da responsabilidade e/ou da substituição tributária, o responsável ou subs-

tituto compõe, por expressa disposição legal, a sujeição passiva tributária, isto é, compõe a

norma jurídica de incidência tributária. Quanto à responsabilidade, o responsável compõe o

polo passivo da obrigação tributária juntamente com o contribuinte, enquanto que, na subs-

tituição, o substituto ocupará a sujeição passiva em lugar do substituído/contribuinte, embo-

ra não seja este completamente excluído da relação jurídica tributária, porque poderá ser

chamado a esclarecer fatos importantes acerca da incidência da norma sobre o fato, em tudo

contribuindo para a efetividade da norma tributária de substituição.

No caso da responsabilidade e/ou substituição tributária, como já defendido, linhas

atrás, ao responsável/substituto é atribuído o dever de arcar com o pagamento de determi-

nado tributo, juntamente com ou em lugar do contribuinte, por expressa disposição legal.

Entretanto, para que não haja violação ao destinatário constitucional da carga tributária de-

finido pela Carta da República, bem como ao Princípio da Capacidade Contributiva, deverá

o sistema prever mecanismos de ressarcimento do responsável/substituto, que não pode as-

sumir o ônus de tributo alheio256.

respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter su-pletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

256 Não se ignora, nesta tomada de posição, o entendimento divergente de OCTÁVIO BULCÃO NASCI-MENTO, que considera não haver aplicação do princípio da Capacidade Contributiva na relação jurídica de responsabilidade tributária, por ser aplicável, no caso, o regime do substituído e não do substituto. Ar-gumenta o autor: “A figura do responsável será instituída visando a aumentar as possibilidades jurídicas de o Fisco receber o valor equivalente ao crédito tributário do contribuinte. Assim, o responsável estará sempre adimplindo prestação vinculada à dívida do contribuinte, ou seja, o regime jurídico de sua pres-tação será sempre o do contribuinte. Mesmo porque, se assim não fosse, estaríamos diante de nova regra-matriz e, consequentemente, de novo contribuinte, e não responsável. Firmadas tais premissas, a saber, de que o regime da prestação do responsável é o do contribuinte, não há mais que se falar em capacidade

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Ocorre que, por tratar-se de relação jurídico-tributária, o responsável ou substituto

poderá insurgir-se não apenas em face da imposição de responsabilidade, que contra si foi

atribuída pela lei, mas também possui interesse jurídico, e até mesmo processual, em discu-

tir a legitimidade da própria exação tributária, questionando, pois, os aspectos formais e

materiais que compõem a estrutura do tributo. Poderá, por exemplo, provocar o Poder Judi-

ciário, no sentido de arguir se a cobrança possui ou não caráter confiscatório; se respeitou a

Pessoalidade e a Progressividade, no caso do Imposto sobre a Renda; enfim, tem, o respon-

sável ou substituto, os mesmos direitos de defesa atinentes ao contribuinte.

Por outro lado, não se comunga do entendimento de que a retenção na Fonte do

Imposto sobre a Renda se reveste da característica de norma de responsabilidade ou substi-

tuição tributária. Não se considera a norma de retenção na Fonte como relação jurídico-

tributária. Parte-se do pressuposto de que, primeiro, não se trata de obrigação, mas de dever

instrumental ou formal atribuído à fonte pagadora e, segundo, de que a fonte pagadora não

assumirá a condição de sujeito passivo da norma tributária.

Utiliza-se de exemplo para tornar a tomada de posição mais clara e objetiva: A

empresa “X”, ao remunerar seus empregados, não se encontrando eles na faixa de isenção,

está obrigada a promover a retenção do Imposto sobre a Renda na Fonte, à alíquota, por

exemplo, de 15%; assim, tais empregados, ao receberem o contracheque de seus vencimen-

tos e o pagamento em espécie pelo trabalho desenvolvido, já estarão submetidos à retenção

na Fonte do Imposto de Renda “supostamente” devido, i. é., do valor recebido pelos em-

pregados já estará deduzido o Imposto sobre a Renda na Fonte. A empresa “X”, depois de

promover a retenção de tais valores, está obrigada a consolidar as retenções realizadas em

único documento e a “repassar” este numerário ao sujeito ativo, no caso a União – pois o

retentor não é Estado ou Município – na data estipulada por lei; o repasse dos recursos, em-

bora seja realizado por documento de arrecadação da fonte pagadora – DARF – é comple-

mentado pela DCTF – Declaração de Contribuições e Tributos Federais – em que se leva ao

Fisco a descrição detalhada dos contribuintes que sofreram a retenção na Fonte; isso signi-

contributiva do responsável. E não se falando mais em capacidade contributiva do responsável, pouco importa o tema do vínculo ao fato jurídico tributário. Pois bem, se o tema da vinculação é irrelevante, já que o responsável nunca terá uma prestação com base em sua capacidade contributiva, permanece a dú-vida se ele poderá ter seu patrimônio afetado por uma norma tributária” – Curso..., op. cit., p. 818-819.

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fica que os recursos são entregues ao Fisco em nome dos contribuintes e não da empresa re-

tentora. Ao final do exercício financeiro, estará a empresa “X” obrigada a entregar declara-

ção de Imposto sobre a Renda retido na Fonte – DIRF – em que, novamente, constarão os

nomes dos contribuintes que sofreram a retenção na Fonte em seus vencimentos, e os valo-

res consolidados que foram retidos, ao longo do exercício financeiro, comprovando-se,

pois, que a retenção e o repasse, embora realizados pela empresa “X”, foram feitos em no-

me dos contribuintes.

Por outro lado, quando se trata de retenção na Fonte de contribuinte pessoa jurídi-

ca, a sistemática não se altera, ou seja, a empresa “X”, na qualidade de Fonte pagadora, de-

verá reter diretamente, na nota fiscal emitida pela empresa “Y”, enquanto prestadora do

serviço, o Imposto sobre a Renda na Fonte, à alíquota, por exemplo, de 1,5%, de forma que

o pagamento do serviço é realizado já com o desconto do Imposto de Renda na Fonte257. A

empresa retentora deverá repassar o valor retido ao fisco, na data estipulada por lei, e in-

formar a retenção e o pagamento na DCTF – Declaração de Contribuições e Tributos Fede-

rais – na qual já identificará que o contribuinte é a empresa “Y”. Posteriormente, ao final do

exercício financeiro, entregará Declaração de Imposto sobre a Renda retido na Fonte –

DIRF – na qual novamente constarão os nomes dos contribuintes que sofreram a retenção

na Fonte, confirmando, pois, que a retenção e repasse, no caso do exemplo, foram realiza-

dos em nome da empresa “Y” e não da empresa “X”.

A análise da sistemática da retenção na Fonte, tanto no caso do contribuinte pessoa

física como no do contribuinte pessoa jurídica, demonstra que a empresa retentora não

compõe, em nenhum momento, a sujeição passiva do Imposto sobre a Renda, estando ela,

apenas, obrigada a cumprir com um dever instrumental imposto pela legislação de regência,

que lhe atribui o dever de “reter” e “repassar” os valores retidos ao Fisco.

Não é o caso de a retentora compor o polo passivo da obrigação tributária, junta-

mente ou no lugar do contribuinte, ao contrário, em se tratando de retenção na Fonte, para

257 RIR/99: “Art. 647. Estão sujeitas à incidência do imposto na fonte, à alíquota de um e meio por cento, as

importâncias pagas ou creditadas por pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas, civis ou mercantis, pe-la prestação de serviços caracterizadamente de natureza profissional (Decreto-Lei nº 2.030, de 9 de junho de 1983, art. 2º, Decreto-Lei nº 2.065, de 1983, art. 1º, inciso III, Lei nº 7.450, de 1985, art. 52, e Lei nº 9.064, de 1995, art. 6º)”.

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efeito de antecipação do pagamento de tributo, no caso de Imposto sobre a Renda que será

devido apenas posteriormente, quando da consumação do fato jurídico tributário, leva-se

em consideração apenas a realização, pelo contribuinte, do evento correspondente à hipóte-

se tributária prevista na norma geral e abstrata, não se considerando, para efeito de determi-

nação da obrigação tributária, a realidade empírica da fonte pagadora.

Em sendo assim, consoante as premissas fixadas, i. é., a responsabilidade e substi-

tuição tributárias consubstanciam relação jurídico-tributária, evidencia-se, pois, que a nor-

ma de retenção na Fonte não tem natureza jurídica tributária, mas sim de dever instrumental

ou formal, para valer-se da expressão de PAULO DE BARROS CARVALHO, de índole

meramente administrativa.

Ante o exposto, podem-se firmar as seguintes premissas:

(i) a responsabilidade e a substituição tributárias, enquanto normas jurídicas tribu-

tárias, dependem da relação indireta do responsável/substituto com a ocorrência do fato ju-

rídico tributário ou com o realizador dele, ou seja, nesse caso, dependem da ocorrência de

“fato lícito”, em razão da interpretação sistemática dos artigos 3º, 121 e 128, todos do Có-

digo Tributário Nacional com o contexto Sistema Constitucional Tributário;

(ii) a legislação poderá atribuir “responsabilidade ou substituição tributária” a ter-

ceiro, “não vinculado à realização do fato jurídico tributário”, que nesse caso, terá natureza

jurídica de norma administrativo-sancionadora e, portanto, pressupõe a ocorrência de “fato

ilícito”; Portanto, está-se diante de caso, cuja natureza jurídica é diferente daquela prevista

na premissa “i”, mesmo porque a situação fática que a pressupõe é também distinta.

Por outro lado, analisando-se a afirmação da doutrina, no sentido de que a retenção

na Fonte do Imposto sobre a Renda consubstancia caso de responsabilidade ou substituição

tributária, à luz da teoria da norma jurídica, as conclusões serão as mesmas, ou seja, trata-se

de dever instrumental ou formal atribuído à fonte pagadora.

Em outras palavras, examinando-se a sistemática de retenção na Fonte, segundo a

doutrina majoritária, à luz da teoria da norma jurídica, ter-se-iam cinco possibilidades, que

precisam ser analisadas individualmente. São elas: (i) norma jurídica de substituição, com

pagamento integral pelo substituto; (ii) norma jurídica de substituição, com pagamento par-

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cial pelo substituto; (iii) norma jurídica de substituição, com retenção pelo substituto, mas

sem repasse ao sujeito ativo; (iv) norma de responsabilidade por fato lícito e (v) norma de

responsabilidade por fato ilícito. Reafirmando-se que o esquema abaixo está sendo desen-

volvido dentro da premissa da doutrina majoritária para efeito de analisar ser ela verdadeira

ou não, analisa-se, individualmente, cada uma dessas hipóteses:

(i) Em relação à primeira hipótese, ou seja, retenção do Imposto sobre a Renda na

Fonte como norma de substituição e com pagamento “integral” por parte do substituto, ter-

se-iam duas normas jurídicas, a saber:

Norma 1 (Nst)258:

Na hipótese, relata-se o acontecimento do fato jurídico tributário,

enquanto que, no consequente, tem-se o nascimento da obrigação

tributária e a presença do substituto, que é o retentor;

Norma 2 (Nrs)259:

Na hipótese, tem-se ocorrência do fato jurídico da substituição, en-

quanto que, na consequência, identifica-se o dever do substituto de

arcar com o valor devido na norma “Nst”, retendo o valor corres-

pondente do substituído/contribuinte e repassando-o ao sujeito ati-

vo.

Diante desse quadro hipotético, afasta-se a norma de retenção como substituição

tributária, pelas seguintes razões:

a) Apesar de o contribuinte aparecer na norma “Nrs”, ele apareceu apenas em rela-

ção jurídica que envolve o substituto, eis que a obrigação tributária, nessa perspectiva, nas-

ceu em face deste. Isso significa dizer que não pode, o destinatário constitucional da carga

tributária, do ponto de vista jurídico, sofrer a imposição tributária se, contra ele, não nasceu

a respectiva obrigação, que surgiu em face do substituto apenas. E apenas nasceu em face

258 Significa, a sigla “Nst”, norma de substituição tributária. 259 Significa, a sigla “Nrs”, norma de retenção pela substituição.

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do substituto porque sustenta a doutrina que a substituição é fenômeno pré-jurídico, anteri-

or à incidência normativa, de forma que não haveria previsão de nascimento de obrigação

tributária em face do contribuinte/substituído, mas apenas diante do substituto. Nesse senti-

do, parece ilógico sustentar que a extinção da norma “Nrs” levaria à extinção de uma obri-

gação do contribuinte que sequer nasceu;

b) O cumprimento, por parte do substituto, da obrigação prescrita em “Nst”, deve-

ria, necessariamente, gerar um efeito extintivo da obrigação do contribuinte, ainda que seja

gerando um crédito para ele – pois ainda não nasceu sua obrigação – pelo pagamento efetu-

ado pelo substituto, evitando-se, pois, uma sobreposição de tributação, isso porque no cam-

po jurídico, é o pagamento e não a retenção que gera a extinção da obrigação tributária260;

c) Não há substituição, porque, como demonstrado anteriormente, a fonte pagado-

ra cumpre seu dever instrumental de reter e repassar os recursos retidos em face do contri-

buinte e em nome deste, não havendo, pois, qualquer participação da retentora na ocorrên-

cia do fato jurídico tributário, que, em rigor, sequer aconteceu, primeiro, porque houve a re-

tenção em face de “rendimentos” e não de “renda” e, segundo, porque não foi documenta-

do, por norma jurídica, o nascimento do dever do contribuinte de pagar o imposto na Fonte;

d) Considerando-se a doutrina que entende pela substituição e o aspecto da reper-

cussão econômica, que não pode ser desconsiderada pela Ciência do Direito Tributário, em

verdade, não há verdadeira substituição, pois, no caso das pessoas jurídicas, o percentual

retido – 1,5%, por exemplo – representa parcela muito pequena daquele que efetivamente

deve ser considerado – 15% + 10%, por exemplo –, não se levando em consideração outros

acréscimos financeiros e tampouco os abatimentos permitidos por lei para a identificação

do fato jurídico tributário, que, em tese, estaria sendo antecipado, e que, inclusive, pode ge-

rar restituição ou até mesmo demonstrar prejuízo por parte do contribuinte. A mesma situa-

ção se observa no caso das pessoas físicas, isso porque a substituição não leva em conside-

ração os abatimentos, integrais, permitidos por lei, situação que pode demonstrar, quando

da declaração do ajuste anual, que sequer imposto havia a ser pago, gerando restituição ou,

260 Código Tributário Nacional: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I - o pagamento...”.

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ainda, que o valor devido é maior que aquele “pago por substituição”, havendo diferença a

ser saldada pelo substituto;

(ii) Em relação à segunda hipótese, ou seja, retenção do Imposto sobre a Renda na

Fonte como norma de substituição e com pagamento “parcial” por parte do substituto, tam-

bém haveriam duas normas jurídicas, quais sejam:

Norma 1 (Nst):

Na hipótese, relata-se o acontecimento do fato jurídico tributário,

enquanto que, no consequente, tem-se o nascimento da obrigação

tributária e a presença do substituto;

Norma 2 (Nsp)261:

Na hipótese, tem-se a ocorrência do fato jurídico da substituição,

enquanto que, na consequência, identifica-se o dever do substituto

de arcar com o valor devido na norma “Nst”, retendo apenas parci-

almente o valor do substituído/contribuinte e repassando-o ao sujei-

to ativo.

Nessa situação, também não se visualiza a retenção na Fonte como substituição

tributária, pelas seguintes razões:

a) Aplicam-se, nesta segunda hipótese, em tudo e por tudo, as justificativas lança-

das nas letras “a”, “c” e “d” da primeira hipótese, pelos mesmos fundamentos;

b) O cumprimento parcial, por parte do substituto, da obrigação prescrita em

“Nsp”, deveria, necessariamente, gerar um crédito para o contribuinte, pelo pagamento par-

cial efetuado pelo substituto – decorrente de dever que sequer nasceu para o contribuinte –

a ser utilizado por este quando da composição do pagamento do imposto devido, evitando-

se, pois, uma sobreposição de tributação com a retenção parcial sofrida pelo realizador do

fato jurídico tributário;

261 Significa, a sigla “Nsp”, norma de substituição tributária parcial.

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c) O fato de o substituto realizar apenas o pagamento parcial, por intermédio da re-

tenção, demonstra que, em verdade, não há exclusão do contribuinte do dever de pagar o

Imposto sobre a Renda, como sói acontecer nos casos de substituição tributária e, tampou-

co, responsabilidade supletiva deste, eis que a supletividade significa subsidiariedade e, no

caso, não há subsidiariedade, pois o contribuinte continua obrigado a oferecer o rendimento

que sofreu a retenção parcial à tributação, quando da consumação do fato jurídico tributá-

rio.

d) Pelo fato de o substituto não compor a sujeição passiva tributária, a ele não po-

deria ser imputado o dever de pagar pelo tributo não retido, ficando submetido, apenas, à

imposição de penalidade por descumprimento do dever instrumental. Assim, o pagamento

dessa penalidade pela retentora não gera efeito extintivo da parcela que deixou de ser retida

anteriormente do contribuinte, ou seja, não retira deste o dever de pagar o Imposto sobre a

Renda.

(iii) Em relação à terceira hipótese, ou seja, retenção do Imposto sobre a Renda na

Fonte como norma de substituição e sem pagamento por parte do substituto, haverão três

normas jurídicas, a saber:

Norma 1 (Nst):

Na hipótese, relata-se o acontecimento do fato jurídico tributário,

enquanto que, no consequente, tem-se o nascimento da obrigação

tributária e a presença do substituto;

Norma 2 (Nrs):

Na hipótese, tem-se ocorrência do fato jurídico da substituição, en-

quanto que, na consequência, identifica-se o dever do substituto de

arcar com o valor devido e previsto na norma “Nst”, devendo reter

o valor correspondente do contribuinte e repassá-lo ao sujeito ativo.

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Norma 3 (Np)262:

Na hipótese, tem-se a ocorrência da retenção por parte do substituto

e o não repasse do montante para o sujeito ativo, enquanto que, na

consequência, identifica-se o nascimento de relação jurídico-

sancionadora – aplicação de multa – em face do substituto, por não

cumprir o dever instrumental de repassar os valores retidos ao sujei-

to ativo.

Nesta situação, também é de se afastar a existência de substituição tributária, pelas

seguintes razões:

a) Apesar de o contribuinte aparecer na norma “Nrs”, ele apareceu apenas em rela-

ção jurídica que envolve o substituto, eis que a obrigação tributária, nessa perspectiva, nas-

ceu em face deste. Isso significa dizer que não pode, o destinatário constitucional da carga

tributária, do ponto de vista jurídico, sofrer a imposição tributária se, contra ele, não nasceu

a respectiva obrigação, que surgiu em face do substituto apenas. E apenas nasceu em face

do substituto porque, sustenta a doutrina em análise que a substituição é fenômeno pré-

jurídico, anterior à incidência normativa, de forma que não haveria previsão de nascimento

de obrigação tributária em face do contribuinte/substituído, mas apenas diante do substitu-

to. Nesse sentido, parece ilógico sustentar que a extinção da norma “Nrs” levaria à extinção

de uma obrigação do contribuinte que sequer nasceu.

b) O cumprimento parcial, pelo substituto, do dever prescrito em “Nrs”, ou seja,

cumpriu o dever instrumental de reter o valor do Imposto de Renda retido na Fonte, deverá,

necessariamente, gerar um efeito extintivo da obrigação do contribuinte – que nessa pers-

pectiva, sequer nasceu – ainda que seja gerando um crédito a ser por este utilizado em razão

da retenção efetuada pelo substituto, mesmo que este não venha a repassar os valores reti-

dos ao sujeito ativo. É o caso em que a fonte pagadora retém mas não repassa o numerário

retido.

262 Significa, a sigla “Np”, norma punitiva de aplicação de multa por descumprimento de dever instrumental.

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Neste caso, comunga-se inteiramente com o pensamento de CLÉLIO CHIESA,

que entende estar o contribuinte exonerado, quanto ao valor retido, do dever de pagar o im-

posto devido, eis que já sofreu a retenção, sob pena de o realizador do fato jurídico tributá-

rio ser submetido a um indevido “bis in idem”. São essas as palavras do autor:

Como dissemos alhures, a nosso ver, realizada a retenção do valor integral do tri-buto devido, impõe-se, a previsão de norma extintiva da obrigação do substituído, pois, caso contrário, admitir-se-ia a possibilidade de uma cobrança dúplice do substituído. Uma pelo agende arrecadador (o substituto) e outra pelo próprio Fis-co, na hipótese de os valores retidos não serem repassados aos cofres públicos. Isso implicaria violação, entre outros princípios, o da segurança jurídica, o da ca-pacidade contributiva e o do não confisco.

(...).

Sendo assim, não vislumbramos, ainda que exista previsão em lei, a possibilidade válida de se admitir que o substituído seja compelido a arcar com o pagamento do tributo mediante a retenção realizada pelo substituto e, depois ocorrida a inadim-plência deste, ser submetido novamente à tributação com relação ao mesmo even-to. Tal sistemática, como dito, ofenderia os princípios da segurança jurídica, da capacidade contributiva e do não confisco. Razões estas, suficientes, para afastar tal possibilidade (sic).263

c) Não há substituição, porque à fonte pagadora cabe apenas cumprir com seu de-

ver instrumental de reter e repassar os recursos retidos em face do contribuinte e em nome

deste, não havendo, pois, qualquer participação da retentora na ocorrência do fato jurídico

tributário, que, em rigor, sequer aconteceu, primeiro, porque houve a retenção em face de

“rendimentos” e não de “renda” e, segundo, porque não foi documentado, por norma jurídi-

ca, o nascimento do dever do contribuinte de pagar o imposto na Fonte; o mesmo raciocínio

se aplica, mesmo diante do fato de a fonte pagadora reter e não repassar o valor retido,

apropriando-se do numerário, pois, mesmo neste caso, não há substituição, mas apenas re-

lação jurídica administrativo-sancionadora por descumprimento de dever instrumental;

d) Considerando-se a doutrina que entende pela substituição e o aspecto da reper-

cussão econômica, que não pode ser desconsiderada pela Ciência do Direito Tributário, em

verdade, não há verdadeira substituição, pois no caso das pessoas jurídicas, o percentual re-

263 Responsabilidade Tributária..., op. cit., p. 73.

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tido – 1,5%, por exemplo – representa parcela muito pequena daquele que efetivamente de-

ve ser considerado – 15% acrescido do adicional de 10%, por exemplo –, não se levando

em consideração outros acréscimos financeiros e tampouco os abatimentos permitidos por

lei para a identificação do fato jurídico tributário, que, em tese, estaria sendo antecipado, e

que, inclusive, pode gerar restituição ou até mesmo demonstrar prejuízo por parte do con-

tribuinte. A mesma situação se observa no caso das pessoas físicas, isso porque a substitui-

ção não leva em consideração os abatimentos, integrais, permitidos por lei, situação que

pode demonstrar, quando da declaração do ajuste anual, que sequer imposto havia a ser pa-

go, gerando restituição ou, ainda, que o valor devido é maior que aquele “pago por substi-

tuição”, havendo diferença a ser saldada pelo substituído;

e) O pagamento posterior, por parte do substituto, do valor antes retido, deverá ge-

rar um efeito extintivo da obrigação do contribuinte, ainda que seja gerando um crédito pa-

ra este, evitando-se, pois, uma sobreposição de tributação. O pagamento realizado pelo

substituto deverá gerar, também, a extinção da norma jurídica “Nrs”, ainda que a destempo,

pois estaria cumprindo com a obrigação de reter e repassar o montante devido. O pagamen-

to da penalidade pecuniária imposta poderá gerar, apenas, a extinção da relação jurídica

surgida por intermédio da norma “Np”. Isso é possível porque se considerou que houve o

pagamento, ainda que intempestivo, do valor retido e da multa. Outra será a conclusão no

caso de pagamento apenas da multa, isso porque, nessa hipótese, ter-se-á apenas a extinção

da norma “Np”, permanecendo intocadas as normas “Nst” e “Nrs”, e sem possibilidade de

gerar o crédito para o contribuinte que sofrera a retenção, justamente porque o pagamento é

decorrente de ato ilícito e, portanto, somente poderá extinguir a relação jurídica correspon-

dente, ou seja, sancionadora.

(iv) Em relação à quarta hipótese, ou seja, a retenção do Imposto sobre a Renda na

Fonte como norma de responsabilidade por decorrência de fato lícito, também se identifica

duas normas jurídicas:

Norma 1 (Nt):

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Na hipótese, relata-se o acontecimento do fato jurídico tributário,

enquanto que, no consequente, tem-se o nascimento da obrigação

tributária e a presença do contribuinte;

Norma 2 (Nrt)264:

Na hipótese, tem-se ocorrência do fato jurídico da responsabilidade

tributária, enquanto que, na consequência, identifica-se o dever do

responsável de arcar com o tributo nascido com a “Nt”, retendo o

valor correspondente do contribuinte e repassando-o ao sujeito ati-

vo;

Nesta situação hipotética, não se sustenta a natureza jurídica da norma de retenção

como sendo responsabilidade tributária, pelas seguintes razões:

a) Não se teriam duas normas jurídicas tributárias, mas apenas uma, ou seja, “Nt”,

pois, conforme as premissas fixadas, a norma de responsabilidade “Nrt” é norma jurídico-

tributária, no passo que a norma de retenção, enquanto dever instrumental consubstanciado

em reter e repassar, não detém essa mesma natureza jurídica, sendo, pois, imposição de cu-

nho administrativo-instrumental, cuja finalidade é auxiliar o Fisco na tarefa de arrecadar

tributos.

b) Para sustentar-se a natureza de responsabilidade tributária do dever de reter e

repassar, haveria o sistema que prever a existência de outra norma jurídica, que, no antece-

dente, previsse o fato de o responsável ter que arcar com o tributo devido pelo contribuinte

e, na consequência, autorizasse a retenção do responsável, em face do contribuinte, do valor

necessário ao pagamento do Imposto sobre a Renda na Fonte. É essa a posição de MARIA

RITA FERRAGUT:

Finalmente, temos a repercussão jurídica por retenção na fonte. A repercussão ocorre por meio da incidência de uma norma jurídica que permita ao sujeito pas-sivo abater do valor que por ele deveria ser pago ao terceiro (realizador do fato

264 Significa, a sigla “Nrt”, norma de responsabilidade tributária.

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jurídico tributário), o valor do tributo por ele (sujeito passivo) devido, em função da norma de responsabilidade (na modalidade de substituição).265

Neste caso, ao que parece, haveria indevida confusão pragmática das normas de

responsabilidade e de substituição tributária, pois para seguir essa sistemática, primeiro, ter-

se-ia que admitir a substituição do contribuinte por um substituto, o que afastaria mera res-

ponsabilidade tributária, caindo-se, pois, na hipótese “i”, retro; depois, o dever de pagar o

Imposto sobre a Renda retido na Fonte passaria a ser do sujeito passivo e não mais do con-

tribuinte e, por fim, ainda haveria que se admitir existência de uma terceira norma jurídica,

desta vez para autorizar o substituto, que foi colocado na posição de sujeito passivo, a reter

o valor devido por este, efetuando o recolhimento do valor devido.

A construção em tela é tentadora, mas não convence, pois exige a presença e a

atuação concomitante de três normas jurídicas distintas – a norma tributária, a norma de

substituição e a norma de retenção – o que provoca excesso de complexidade e desnecessá-

ria manipulação do sistema tributário, tudo para justificar uma posição doutrinária que, com

a devida “venia” , não encontra respaldo jurídico, quando se poderia simplificar a aplicação

e, consequentemente, a análise da sistemática de retenção na fonte do Imposto sobre a Ren-

da, admitindo-se a existência de apenas duas normas jurídicas, de atuação independente,

onde na primeira estar-se-ia a falar da própria norma jurídico-tributária, tratando da inci-

dência e do nascimento da obrigação tributária, enquanto que na segunda, independente

desta, haveria mero dever instrumental ou formal imposto à fonte pagadora, determinando a

esta que retenha e repasse o valor devido única e exclusivamente pelo contribuinte.

c) O cumprimento, por parte do responsável, do dever prescrito em “Nrt” deveria,

necessariamente, gerar um efeito extintivo de “Nt”, ainda que seja gerando um crédito para

o contribuinte, pelo pagamento efetuado pelo responsável, evitando-se, pois, uma sobrepo-

sição de tributação;

d) Não há relação jurídica de responsabilidade tributária, pois a fonte pagadora

cumpre seu dever instrumental de reter e repassar os recursos retidos em face do contribuin-

265 Responsabilidade..., op. cit., p. 46.

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te e em nome deste, não havendo, pois, qualquer participação da retentora na ocorrência,

ainda que presumida, do fato jurídico tributário, não vindo a compor a sujeição passiva do

tributo devido;

(v) Em relação à quinta hipótese, ou seja, a existência de norma de responsabilida-

de por fato ilícito, considerando-a na sistemática da retenção do Imposto sobre a Renda na

Fonte, identificam-se três normas jurídicas:

Norma 1 (Nt):

Na hipótese, relata-se o acontecimento do fato jurídico tributário,

enquanto que, no consequente, tem-se o nascimento da obrigação

tributária e a presença do contribuinte;

Norma 2 (Nrt):

Na hipótese, tem-se ocorrência do fato jurídico da responsabilidade

tributária, enquanto que, na consequência, identifica-se o dever de o

responsável reter o valor decorrente da incidência da norma “Nt” e

repassá-lo ao sujeito ativo;

Norma 3 (Npfi)266:

Na hipótese, tem-se a ocorrência do descumprimento, por parte da

fonte pagadora, do dever de promover a retenção e o repasse do Im-

posto sobre a Renda retido na Fonte e devido pelo contribuinte, en-

quanto que, na consequência, identifica-se a aplicação de sanção –

penalidade pecuniária – por descumprimento de dever imposto ao

responsável;

Nesta situação hipotética, também não se sustenta a natureza jurídica de responsa-

bilidade da norma de retenção, pelas seguintes razões:

266 Significa, a sigla “Npfi”, norma punitiva decorrente de fato ilícito, consubstanciando o descumprimento

do dever de reter e repassar o Imposto sobre a Renda retido na Fonte.

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a) Não se teriam duas normas jurídicas tributárias, mas apenas uma, ou seja, “Nt”,

pois, conforme as premissas fixadas, a norma de responsabilidade “Nrt” é norma jurídico-

tributária, enquanto que a norma de retenção, como dever instrumental, consubstanciado

em reter e repassar, não detém essa mesma natureza jurídica, sendo, pois, imposição de cu-

nho administrativo-instrumental, cuja finalidade é auxiliar o Fisco na tarefa de arrecadar

tributos.

b) Não se pode falar em assunção de responsabilidade para a fonte pagadora, por

conta do descumprimento do dever legal de reter e repassar, porque, em verdade, consoante

as premissas fixadas, se o caso é de responsabilidade de terceiro vinculado indiretamente ao

fato jurídico tributário, essa relação pressupõe fato lícito. No caso, a fonte pagadora tem

vinculação indireta e, além disso, o fato que, em tese, justificaria a responsabilidade, é de-

corrente de ato ilícito, não se podendo, pois, nessa situação, admitir a existência de norma

jurídica de responsabilidade;

c) A fonte pagadora, tendo em vista a natureza jurídica distinta das normas do de-

ver instrumental de reter e repassar e da norma sancionadora-administrativa da qual decorre

a aplicação de penalidade pecuniária, estaria submetida, apenas, à aplicação de multa por

decorrência do seu descumprimento normativo, jamais podendo, em decorrência desse des-

cumprimento, ser alçada à condição de responsável tributário, que presume fatos lícitos em

razão da sua vinculação indireta com o fato jurídico tributário;

d) Como a natureza jurídica da penalidade pecuniária por descumprimento do de-

ver de reter e repassar o Imposto sobre a Renda retido na Fonte é distinta na norma de res-

ponsabilidade e da norma jurídica que documentou a incidência e o nascimento da obriga-

ção tributária, o pagamento da penalidade decorrente da incidência da norma “Npfi”, ainda

que seja decorrente de relação jurídica obrigacional, mas por fato ilícito, não terá o condão

de extinguir as normas jurídicas “Nt” e “Nrt”, que pressupõem fatos lícitos;

e) Não há relação jurídica de responsabilidade tributária, como o afirma a doutrina

em análise, pois a fonte pagadora apenas cumpre com dever instrumental de reter e repassar

os recursos retidos em face do contribuinte e em nome deste, não havendo, pois, qualquer

participação da retentora na ocorrência, ainda que presumida, do fato jurídico tributário.

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Por tais fundamentos, acredita-se que se tenha demonstrado que a sistemática de

retenção na Fonte é decorrente de norma jurídica de imposição de dever instrumental, não

se tratando, pois, de normas jurídicas de responsabilidade ou substituição tributárias.

RENATO LOPES BECHO, embora não comungue do entendimento de que a

norma de retenção na Fonte é mero dever instrumental ou formal, traz importantes funda-

mentos para demonstrar que não se trata de substituição tributária e, portanto, de relação ju-

rídico-tributária:

Pela linguagem atécnica do legislador, podemos compreendê-lo e desculpá-lo. Ao jurista cabe perquirir a natureza legal de tal evento, podendo utilizar-se do méto-do tópico da interpretação, perguntando-se quais regras e princípios se aplicam ao caso. São os da fonte retentora ou daquele que sofreu a retenção? Cabe à fonte re-tentora arguir a nulidade da lei que instituiu o tributo (tem legitimidade processu-al)? Pode ela valer-se do Estatuto do Contribuinte e buscar guarida no Poder Ju-diciário com argumentos, como o descumprimento do princípio da capacidade contributiva e do não-confisco? Tem direito, a fonte retentora, de declarar no momento oportuno que recolheu a mais, não em relação à alíquota prevista – que foi correta – mas em relação a despesas dedutíveis de outra ordem?

Se todas as respostas forem negativas para a fonte retentora, mas positivas para a pessoa que sofreu a retenção, cabe uma última pergunta da série: quem é o sujeito passivo tributário? Só pode ser quem sofreu a retenção.267

A transcrição foi longa, mas, importante, pois corrobora, de forma insofismável,

que a norma de retenção na fonte não pode ter natureza jurídico-tributária e, sendo assim,

não tem a possibilidade de se revestir das características de responsabilidade ou substitui-

ção tributárias, eis que estas são típicas normas tributárias.

No mesmo sentido, destaca-se o pensamento de PAULO DE BARROS CARVA-

LHO:

Quando se faz referências a entregas de dinheiro ao Estado, comportamento que realiza a prestação tributária, é sumamente importante salientar que a quantia en-tregue deve sair do patrimônio do sujeito passivo. Do contrário, não teremos tri-buto, mas outro tipo de relação jurídica. É o caso do chamado ‘imposto de renda

267 Sujeição..., op. cit., p. 124.

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na fonte’. Não cremos existir relação jurídica tributária entre a União e a empresa que retém, mas tão-somente uma obrigação estabelecida pelo legislador federal com a finalidade de facilitar o cumprimento da prestação, a cargo do verdadeiro sujeito passivo (a pessoa física que teve parte do seu dinheiro retida na fonte pa-gadora). E por isso que é dever, de conteúdo patrimonial, há penalidades pecuniá-rias que garantem ao Estado o cumprimento dessa prestação por parte das pessoas jurídicas que devam promover a retenção. É curioso notar que quase todos os au-tores se referem a esse tipo de vinculo como sendo de índole tributária.268

Dessa forma, no caso do Imposto sobre a Renda retido na Fonte, se a fonte paga-

dora não está vinculada ao sujeito ativo por uma relação jurídico-tributária, não se pode

conceber a ideia de que a imposição de retenção na Fonte é caso de responsabilidade ou

substituição tributária. Não bastasse isso, outros argumentos, logo a seguir apresentados,

podem ser suscitados para demonstrar que a retenção na Fonte é mero caso de dever ins-

trumental ou formal.

SACHA CALMON NAVARRO COELHO também compartilha do entendimento

de que a retenção na Fonte não se caracteriza como caso de substituição tributária, salien-

tando:

(...). O segundo desses desvios é representado pela concepção da tributação na fonte como exemplo típico de substituição tributária. Na verdade, se fosse melhor analisada nossa tributação do imposto de renda na fonte, verificaríamos que o tri-buto sempre foi retido e recolhido em nome do beneficiário, ou seja, do contribu-inte, cabendo à fonte pagadora e retentora mero dever acessório (obrigação de fa-zer). Só mais recentemente, na área de tributação dos rendimentos auferidos por estrangeiro, é que se vem utilizando a figura do contribuinte substituto do impos-to de renda.

(...).

Quanto aos “retentores de tributos” (desconto na fonte), estes são pessoas obriga-das pelo Estado a um ato material de fazer (fazer a retenção de imposto devido por terceiros). Devem, assim, reter e recolher ao Estado o tributo devido. Não são sujeitos passivos de obrigação tributária, mas antes sujeitados a uma potestade administrativa.269

268 Teoria..., op. cit., p. 89. A citação em destaque afirma que o dever de reter imposto da fonte pagadora tem

conteúdo patrimonial, todavia, esse conteúdo patrimonial não tem o condão de alterar a natureza jurídica da retenção de dever de fazer, pois para efeito deste trabalho, como se demonstrará adiante, entende-se que o dever de reter e repassar está consubstanciando num dever de fazer, ou seja, de reter e levar o recur-so retido aos cofres públicos, de forma que o conteúdo patrimonial aqui existente é secundário ao “face-re” existente na norma jurídica de retenção e repasse.

269 Sujeição Passiva Direta e Indireta – Substituição Tributária, in Grandes..., op. cit., p. 367-375.

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Outrossim, diante da sistemática e do “iter” procedimental a que se submete a

fonte pagadora, demonstrou-se que ela não faz a retenção e o repasse do Imposto sobre a

Renda na Fonte em seu nome, mas sim em nome do contribuinte, exatamente pelo fato de

ter sido ele o realizador do fato jurídico tributário e que demonstrou Capacidade Contribu-

tiva.

Logo, no caso em análise, a existência de norma jurídica atribuindo à fonte paga-

dora o dever de promover a retenção na Fonte não exclui o contribuinte da sujeição passiva

e da obrigação de pagar Imposto sobre a Renda, como afirma RICARDO MARIZ DE

OLIVEIRA, tanto é assim que, ao final do exercício, o destinatário constitucional da carga

tributária terá que promover a declaração de ajuste anual, realizando verdadeiro encontro de

contas entre todos os rendimentos percebidos, descontando-se as despesas autorizadas por

lei e os valores já retidos na Fonte. Havendo saldo positivo, ou seja, renda, deverá pagar

Imposto sobre a Renda. Havendo saldo negativo, o valor retido na Fonte será devolvido ao

seu titular, ou seja, ao contribuinte.

Se houvesse a exclusão do contribuinte, como afirma parte da doutrina nacional, o

reflexo na sistemática da retenção na Fonte seria inevitável, primeiro, porque exoneraria o

realizador do fato jurídico tributário da obrigação de pagar o imposto devido e, por conse-

quência, atribuir-se-ia tal dever à fonte pagadora, que sofreria redução do seu patrimônio

em razão de se ver obrigada a pagar tributo cujo fato jurídico tributário não foi por ela rea-

lizado; segundo, porque no caso de exclusão do contribuinte, não poderia ele se valer do

imposto retido na Fonte e recolhido pela fonte pagadora, eis que, juridicamente, o repasse

teria sido feito em nome do retentor, i. é., não poderia o realizador do fato jurídico tributá-

rio se ver desobrigado do pagamento do Imposto de Renda na Fonte e, ao mesmo tempo,

valer-se desses valores, para efeito de abatimento, quando da sua declaração de ajuste anu-

al. As situações são inconciliáveis.

Ressalta-se que é o relato em linguagem competente que possibilita a um evento

ingressar no mundo jurídico, ou seja, sem esse relato, o evento nunca irá transpor a realida-

de social para ingressar no terreno jurídico. Dessa forma, mesmo que o contribuinte, no

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plano pragmático, sofra a retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda, no plano jurídico,

tendo em vista sua exclusão do polo passivo, o repasse do numerário seja realizado em no-

me da fonte pagadora, o “desconto” sofrido pelo contribuinte não ingressará no mundo do

Direito, impedindo, pois, que ele promova a dedução do imposto recolhido antecipadamen-

te quando da declaração do ajuste anual.

Ademais, sustentar que o contribuinte fica eximido da responsabilidade quanto ao

Imposto sobre a Renda retido na Fonte significa, em outras palavras, atribuir à fonte paga-

dora o dever de pagar por um tributo cujo fato jurídico tributário não foi por ela realizado,

situação que vulnera a destinação constitucional da carga tributária e, ainda, resvala no

Princípio da Capacidade Contributiva, já que a demonstração dos fatos signos-presuntivos

de riqueza não é do retentor, mas sim do contribuinte, enquanto realizador do fato jurídico

tributário.

Não obstante esses fundamentos, com a devida “venia” , também não se deve ig-

norar, no caso da retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda, que não há, por parte da

fonte pagadora, constituição do crédito tributário em favor do contribuinte, como afirma

MARY ELBE QUEIROZ270.

Não há constituição do crédito tributário porque o ato administrativo de lançamen-

to é privativo da administração pública, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Na-

cional, não havendo, portanto, por parte da fonte pagadora, competência para expedir a

norma individual e concreta do lançamento direto271.

270 Afirma a autora: “Na verdade, a fonte pagadora, ao proceder à apuração da ocorrência do fato gerador,

identificar o sujeito passivo (contribuinte) da obrigação tributária e apurar o montante do tributo por ele devido, pratica um ato de constituição do crédito tributário, em tudo igual àquele ato de ofício da autori-dade administrativa, previsto no art. 142 do CTN, que é denominado de lançamento” – Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 396.

271 Código Tributário Nacional: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de res-ponsabilidade funcional”.

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Também não é o caso de constituição do crédito tributário pela norma individual e

concreta lavrada pelo contribuinte, que o Código Tributário Nacional, artigo 150, denomina

impropriamente de “lançamento por homologação”, porque este ato é de competência do

sujeito passivo da obrigação tributária e, como já demonstrado, não é o caso da fonte paga-

dora, que tem apenas o dever instrumental de reter e repassar o Imposto sobre a Renda na

Fonte272.

Dessarte, não se pode perder de vista que os valores pagos pela fonte pagadora não

são “renda”, mas sim rendimentos, duas realidades distintas, e dado que permite demonstrar

que o recebimento de rendimentos não corresponde à realização do fato jurídico tributário

do Imposto sobre a Renda, logo, não se mostra possível, por meros rendimentos, sem con-

siderar integralmente as deduções permitidas e o critério temporal da regra-matriz de inci-

dência desse imposto, falar-se em constituição do crédito tributário, pela fonte pagadora, no

momento em que paga rendimentos ao contribuinte e promove a retenção na Fonte do Im-

posto de Renda que, em tese, seria devido.

Diante de todos esses fundamentos, verifica-se que a sistemática de retenção na

Fonte do Imposto sobre a Renda não se reveste da característica de relação jurídico-

tributária, não sendo, portanto, responsabilidade ou substituição tributárias, e caracterizan-

do-se, pois, como mero dever instrumental ou formal imposto pela lei à fonte pagadora dos

recursos.

“Ad argumentandum”, tendo em vista que para a Ciência do Direito Tributário é

aplicada a dicotomia de valores verdadeiro/falso, quanto ao discurso empreendido pelo ci-

entista, e para demonstrar que os argumentos até aqui desenvolvidos têm consistência teóri-

ca, ainda que não reflitam, em sua essência, o pensamento dominante da doutrina pátria, há

272 Código Tributário Nacional: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos

cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autori-dade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”.

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que enfrentar as disposições contidas no artigo 722 do Regulamento do Imposto sobre a

Renda, bem como o artigo 103 do Decreto-Lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943273.

O contentar-se com a interpretação singularmente literal dos enunciados prescriti-

vos mencionados no parágrafo precedente, poderá resultar na conclusão de que a retenção

na Fonte, prevista em tais diplomas normativos, trata-se de caso de responsabilidade tribu-

tária. Entretanto, não pode o intérprete, cuidadoso com as regras jurídicas que informam o

sistema tributário, que é unitário, satisfazer-se com a mera interpretação literal, com a apli-

cação do brocardo “in claris cessat interpretatio”. Não resta dúvida de que a interpretação

literal é uma etapa do processo interpretativo, todavia, esse exegeta deve, sempre, chegar à

interpretação sistemática, tendo como seu fundamento de validade a Constituição Federal

de 1988274.

Assim, a interpretação sistemática do artigo 722 do RIR/99 e do artigo 103 do De-

creto-Lei nº 5.844/1943 acaba por levar o intérprete à conclusão oposta àquela que a litera-

lidade dos dispositivos legais aparentemente encerra. É por conta dessa particularidade que

se faz necessário o enfrentamento de tais disposições normativas, permitindo-se a análise

da sua adequação ao sistema constitucional tributário.

A “primeira” observação a ser feita é que o artigo 722 do RIR/99 e o artigo 103 do

Decreto-Lei nº 5.844/43, mesmo referindo a hipótese como de responsabilidade, promove

indevida confusão com a substituição tributária, pois impõe ao retentor a incumbência de

273 RIR/99: “Art. 722. A fonte pagadora fica obrigada ao recolhimento do imposto, ainda que não o tenha re-

tido (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 103).

Parágrafo único. No caso deste art., quando se tratar de imposto devido como antecipação e a fonte pa-gadora comprovar que o beneficiário já incluiu o rendimento em sua declaração, aplicar-se-á a penali-dade prevista no art. 957, além dos juros de mora pelo atraso, calculados sobre o valor do imposto que deveria ter sido retido, sem obrigatoriedade do recolhimento deste”.

Decreto-Lei nº 5.844/ 1943: “Art. 103. Se a fonte ou o procurador não tiver efetuado a retenção do impos-to, responderá pelo recolhimento dêsde, como se o houvesse retido”. (sic).

274 Acerca da interpretação literal, cristalinas são as palavras de RENATO LOPES BECHO: “Lembremo-nos da pobreza da interpretação gramatical. A interpretação normativa tem uma função muito além da mera leitura. Não é uma tarefa para simples alfabetizados. É uma atividade profissional, que encontra em seu ápice os juristas, profissionais especializados e profundos conhecedores da legislação e das técnicas jurí-dicas. Uma interpretação pobre não condiz com a estatura sistemática da Constituição Federal” – Tri-butação das Cooperativas, p. 219.

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recolher o valor devido aos cofres públicos e nada estabelece a respeito da situação do con-

tribuinte, que parece ficar exonerado de tal dever.

Pelos argumentos até aqui desenvolvidos, sustenta-se a ideia de que a substituição

é espécie do gênero responsabilidade, todavia, tratando-se de institutos distintos. No que

importa, demonstrou-se que, na substituição tributária, por ser nítido o caráter de repercus-

são econômica, o substituto assume a sujeição passiva no lugar do contribuinte, embora es-

te não abandone, por completo, a relação jurídica existente, mesmo porque é o seu regime

jurídico que guiará o recolhimento do tributo devido.

Já se demonstrou que, na sistemática de retenção na Fonte, não assume, o retentor,

a sujeição passiva tributária, promovendo a retenção e o recolhimento do montante devido

em nome do contribuinte, sendo este, também, que assume o impacto da tributação, situa-

ção que, de plano, já afasta a possibilidade de se tratar de substituição tributária.

A “segunda” observação é que a relação jurídica de retenção e repasse não pode

ser considerada como responsabilidade tributária, uma vez que o responsável, por imposi-

ção legal, compõe a sujeição passiva do tributo devido, o que não acontece na relação jurí-

dica de retenção, pois o retentor retém e recolhe o valor devido em nome e com recursos do

contribuinte.

Ademais, no caso dos enunciados prescritivos em análise, a determinação legal é

no sentido de que a responsabilidade pode ser decorrente (i) de fato lícito, quando prescreve

“A fonte pagadora fica obrigada ao recolhimento do imposto...”, ou (ii) ilícito, quando as-

severa “... ainda que não o tenha retido”. No caso de ser decorrente de fato lícito, não po-

derá ser responsabilidade, como já enunciado, porque o retentor não será alçado à condição

de sujeito passivo tributário, situação que afasta a regra de responsabilidade por fato lícito.

Por outro lado, em se tratando de fato ilícito – no caso em que a retentora não

promove, como deveria, a retenção na Fonte – não se pode sustentar a existência de respon-

sabilidade tributária, de vez que esta, além de decorrer da lei, integra a relação jurídica tri-

butária, pois exige ligação indireta com o fato jurídico tributário ou com o seu realizador,

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ou seja, pressupõe fatos lícitos, já que dos fatos ilícitos não decorre relação jurídica tributá-

ria, mas sim relação administrativo-sancionadora, i. é., relação jurídica distinta.

Assim, nesta segunda hipótese, de ocorrência de fato ilícito por parte retentor, não

se pode sustentar a existência de responsabilidade tributária porque a relação jurídica, aqui,

é decorrente de fato ilícito, que apenas poderá ensejar o nascimento de relação jurídica san-

cionadora. Por outras palavras, como a relação jurídica de responsabilidade, como determi-

nado no artigo 722 do RIR/99 e no artigo 103 do Decreto-Lei nº 5.844/43, é decorrente de

descumprimento de dever instrumental, não se sustenta a moldura jurídica dada pelo legis-

lador.

Em síntese: como esses dispositivos determinam que o retentor será “responsável”

pelo recolhimento ainda que não tenha feito a retenção, verifica-se a ocorrência do descum-

primento do dever instrumental de reter atribuído à fonte pagadora, logo, tem-se fato ilícito,

em sendo assim, a natureza jurídica da retenção não poderá ser de responsabilidade tributá-

ria, que ao modificar a sujeição passiva de determinado tributo, inegavelmente deve ter re-

lação com fato lícito.

A “terceira” observação que se pretende lançar para reflexão é baseada nas duas

primeiras, ou seja, se a sistemática de retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda não tem

natureza jurídica de responsabilidade e, tampouco, de substituição tributária, a conclusão é

que a retenção é mero dever instrumental ou formal atribuído à fonte pagadora, de forma

que se impõe a ela deveres de fazer ou não fazer, que não possuem, para determinação da

sua natureza jurídica, conteúdo patrimonial.

Isso não significa, entretanto, que os enunciados prescritivos nos artigos 722 do

RIR/99 e 103 do Decreto-Lei nº 5.844/43 devam ser considerados inválidos e, portanto,

inaplicáveis aos casos concretos de retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda. É que o

legislador brasileiro não se utiliza de linguagem técnica, até mesmo pela heterogeneidade

da composição do Poder Legislativo, resultando que o texto legal produzido se mostra, no

mais das vezes, repleto de atecnias, que, embora dificultem, e, por vezes, até impeçam sua

aplicação, devem ser aproveitados sempre que possível, dando-se a ele a interpretação que

seja mais consentânea com o sistema constitucional brasileiro.

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Partindo-se dessa ideia de aproveitamento do texto legal, deve-se interpretar sis-

tematicamente os dispositivos em questão, para sustentar que, apesar do texto legal nominar

o dever imposto à fonte pagadora de responsabilidade, na verdade, o caso é de verdadeiro

dever instrumental ou formal, e a obrigação de recolher o imposto devido, em caso de não

retenção, tem natureza jurídica sancionadora e não tributária. Explica-se !

Não se podendo trabalhar com a perspectiva de responsabilidade ou substituição

tributária, a atribuição à fonte pagadora da obrigação de recolher o imposto devido, tendo

em vista que decorre de descumprimento de dever instrumental, apenas pode ser considera-

do como penalidade pecuniária, ou seja, obrigação decorrente de relação jurídica adminis-

trativo-sancionadora.

Nesse caso, como o valor recolhido aos cofres públicos tem natureza jurídica de

sanção, não poderá, o contribuinte, que nesse caso, não foi submetido à retenção, valer-se

do pagamento realizado pela fonte pagadora, que possui natureza jurídica distinta, para

efeito de compensar com o tributo eventualmente devido quando da declaração de renda.

É que, se o contribuinte não foi submetido à retenção, não se poderá valer de valo-

res que dele não foram retidos, para compensar, no momento da declaração de renda, pois

haveria indevido enriquecimento sem causa do contribuinte, na medida em que promoveria

a redução da base de cálculo do imposto por ele eventualmente devido. Nem se fala, ou-

trossim, que, no caso, haveria recebimento dúplice por parte do Fisco, por ser falsa tal afir-

mativa, eis que o valor recolhido pela fonte pagadora, cumprindo o que determina o artigo

722 do RIR/99 e o artigo 103 do Decreto-Lei nº 5.844/43, tem natureza jurídica de penali-

dade pecuniária, enquanto que o valor devido pelo contribuinte é decorrente de típica rela-

ção jurídica tributária.

Nesse sentir, continua o contribuinte, que não sofreu a retenção na Fonte, com o

dever de oferecer à tributação, quando da declaração de renda, os rendimentos auferidos, e

a recolher o imposto devido, independentemente de eventual pagamento que tenha sido rea-

lizado pela fonte pagadora, já que, neste caso, estaria ela apenas cumprindo com o paga-

mento de penalidade por descumprimento de dever instrumental: não promover a retenção

na Fonte em face do contribuinte.

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Diante de tais considerações, deve-se promover uma “quarta” e última observação,

no sentido de que o artigo 725 do RIR/99 não permite, ao contrário do que se possa imagi-

nar, o aproveitamento, por parte do contribuinte, do valor pago pela fonte pagadora com re-

cursos próprios, justamente pelo fato de que esse pagamento é decorrente de aplicação de

multa, não sendo possível ao realizador do fato jurídico tributário, primeiro, valer-se de

crédito que não foi dele retido e, segundo, porque não se permite que a extinção de relação

jurídica administrativo-sancionadora leve ao desaparecimento de relação jurídico-

tributária275.

Por fim, antes de ingressar no segundo questionamento formulado, e tendo em vis-

ta que os deveres instrumentais são deveres de fazer ou não-fazer despidos de conotação

patrimonial, deve-se analisar se essa particularidade não entra em contradição com o dever

de reter e repassar o Imposto sobre a Renda na Fonte, que, em princípio, parece ostentar

conteúdo patrimonial.

A contradição suscitada é apenas aparente. É estreme de dúvidas que o ponto de

divergência entre a obrigação tributária e os deveres instrumentais ou formais, segundo as

premissas aqui fixadas, é a existência de conteúdo patrimonial na primeira – obrigação de

dar – e a ausência desse teor de riqueza nos segundos – deveres de fazer ou não fazer). Por

conta disso, a maioria da doutrina entende que, na retenção na Fonte há conteúdo patrimo-

nial276.

Ora, a consequência de existir conteúdo patrimonial no dever de reter e repassar

não leva à impossibilidade de considerá-lo como mero dever instrumental, ou seja, dever de

275 RIR/99: “Art. 725. Quando a fonte pagadora assumir o o�nus do imposto devido pelo beneficiário, a im-

porta�ncia paga, creditada, empregada, remetida ou entregue, será considerada líquida, cabendo o rea-justamento do respectivo rendimento bruto, sobre o qual recairá o imposto, ressalvadas as hipóteses a que se referem os arts. 677 e 703, parágrafo único (Lei nº 4.154, de 1962, art. 5º, e Lei nº 8.981, de 1995, art. 63, § 2º)”.

276 Como já citado anteriormente, neste trabalho, sustenta PAULO DE BARROS CARVALHO, na parte que interessa ao debate ora em destaque: “É o caso do chamado ‘imposto de renda na fonte’. Não cremos exis-tir relação jurídica tributária entre a União e a empresa que retém, mas tão-somente uma obrigação es-tabelecida pelo legislador federal com a finalidade de facilitar o cumprimento da prestação, a cargo do verdadeiro sujeito passivo (a pessoa física que teve parte do seu dinheiro retida na fonte pagadora). E por isso que é dever, de conteúdo patrimonial, há penalidades pecuniárias que garantem ao Estado o cumprimento dessa prestação por parte das pessoas jurídicas que devam promover a retenção. É curioso notar que quase todos os autores se referem a esse tipo de vinculo como sendo de índole tributária” (grifo nosso) – Teoria..., op. cit., p. 89.

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fazer ou não fazer. Ocorre que o conteúdo patrimonial referido por PAULO DE BARROS

CARVALHO é secundário em relação ao objetivo principal dos deveres instrumentais ou

formais, que é a imposição de dever de fazer à fonte pagadora, no sentido de reter determi-

nada quantia em dinheiro, a titulo de Imposto de Renda retido na Fonte, e repassar tais va-

lores ao sujeito ativo277.

Comparando as valências desses dois dados, ou seja, do “facere” e do conteúdo

patrimonial mencionado, não parece haver dúvida de que o dever de fazer é preponderante

em relação à manifestação de riqueza nesse tipo de dever instrumental, pois o objetivo da

legislação, ao estabelecer o dever de reter e repassar determinada quantia em dinheiro ao

Fisco, é impor um fazer, ou seja, uma conduta positiva ao retentor, no sentido de “fazer” a

retenção, ainda que essa conduta venha a ter, eventualmente, conteúdo patrimonial.

SACHA CALMON NAVARRO COELHO, em duas passagens, primeiro espo-

sando entendimento próprio, e depois, trazendo à colação o escólio de MARCO AURÉLIO

GRECO, ressalta, respectivamente:

O que retém tributos não é sujeito passivo. É um sujeitado à potestade do Estado. O seu dever é puramente administrativo. Fazer algo para o Estado, em nome e por conta do Estado. Noutras palavras, o dever do retentor de tributos é um dever de fazer: fazer a retenção.

(...).

O dever do retentor é de fazer (facere) – fazer a retenção e fazer a entrega do tri-buto retido. O dos responsáveis é de dar (dare).278

Assim, mesmo que se admita existir conteúdo patrimonial no dever de reter, esse

aspecto econômico é secundário e de valência muito inferior àquela que é preponderante no

dever instrumental ou formal, que, no caso, é o dever de fazer. Na hipótese da retenção do

Imposto sobre a Renda na fonte, portanto, a eventual existência secundária de conteúdo pa-

trimonial não altera a sua natureza jurídica de norma de dever instrumental ou formal.

Ademais, não se pode ignorar que, como o recurso é oriundo do patrimônio do beneficiário, 277 Idem. 278 Sujeição Passiva Direta e Indireta – Substituição Tributária, in Grandes..., op. cit., p. 372-377.

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não do retentor, o conteúdo só seria patrimonial em relação ao primeiro, não em relação ao

segundo.

Diante dessas considerações, pode-se partir para responder ao segundo questiona-

mento, formulado nas primeiras linhas deste subitem, que, por questão didática, opta-se por

examinar em item próprio.

4.3.5.3 A retenção na Fonte da nova modalidade de tributação pelo IR. Há compatibilidade

da retenção na Fonte com o IR ?

Uma vez demonstrado que, segundo as premissas fixadas neste trabalho, a norma

de retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda é caso de dever instrumental ou formal, po-

de-se avançar, primeiro, para destacar a forma de recolhimento prevista pelos Projetos de

Lei números 3.007 e 3.091, ambos de 2008, e 2.610, de 2011; e, depois, por ser tema inter-

ligado, responder ao segundo questionamento formulado no subitem anterior, ou seja: a

análise sistemática do sistema tributário brasileiro permite a conclusão de que a retenção na

Fonte é compatível com o Imposto sobre a Renda ?

Como já enunciado nessas linhas, o objetivo buscado com os Projetos de Lei em

tela, em última análise, são dois, quais sejam: a) revogar a isenção concedida por prazo in-

determinado e que retirou da base de cálculo do Imposto sobre a Renda, os lucros ou divi-

dendos pagos ou creditados por pessoas jurídicas a seus sócios ou acionistas, nos termos da

atual redação do artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995; b) restabelecer a

tributação até então beneficiada com a isenção, à alíquota de 15%, mediante retenção, pela

fonte pagadora.

Diante dos argumentos até aqui delineados, a respeito, primeiro, do Imposto sobre

a Renda e sua regra-matriz, assim como acerca da natureza jurídica da tributação na Fonte,

até mesmo como forma de evitar indesejável tautologia, passa-se direto ao texto dos proje-

tos de lei em destaque: Dispõe o Projeto de Lei nº 3007/2008:

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Artigo 1º O Artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, passa a vigo-rar com nova redação, acrescido do seguinte parágrafo primeiro, transformando o seu parágrafo único em parágrafo segundo:

Artigo 10. Os lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas ju-rídicas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, a beneficiário, pes-soa física ou jurídica, domiciliado no país, integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário.

Parágrafo primeiro. Os rendimentos auferidos sob a forma de distribuição de lucros e dividendos creditados a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no exterior, ficarão sujeitos à incide�ncia de imposto de ren-da na fonte à alíquota de quinze por cento.

Parágrafo segundo...

Artigo 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Por outro lado, consta do Projeto de Lei nº 3091/2008:

Artigo 1º Ficam revogados os artigos 9º e 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro

de 1995.

Artigo 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Enfim, o Projeto de Lei nº 2610/2011 pretende promover as seguintes alterações

na Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995:

Artigo 1º O lucro ou dividendo, pago ou creditado pela pessoa jurídica integrará a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, e estará" sujeito à inci-de�ncia da alíquota de quinze por cento na fonte, como antecipação do que for devido na declaração.

§ 1º O montante de lucro ou reserva que venha a ser capitalizado está sujeito à in-cide�ncia do imposto de renda à alíquota de quinze por cento.

Artigo 2º Esta lei entra em vigor no dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao de sua publicac�ão, ficando revogado o artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezem-bro de 1995.

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Com exceção do Projeto de Lei nº 3091/2008, no qual consta, apenas, a revogação

dos artigos 9º e 10 da Lei 9.249/95, os Projetos de Lei números 3007/2008 e 2610/2011

possuem um importante ponto de contato, i. é., ambos prevêem que os lucros ou dividen-

dos, pagos ou creditados por pessoas jurídicas aos seus sócios, comporão a base de cálculo

do Imposto sobre a Renda do beneficiário, à alíquota de 15%, cujo montante será retido di-

retamente na Fonte.

Estabelecidos os objetivos dos Projetos de Lei em destaque, e já tendo sido enfren-

tadas as possibilidades e desdobramentos do Imposto sobre a Renda e sua retenção na Fon-

te, resta verificar se a análise unitária do Sistema Tributário Brasileiro permite a conclusão

de que a sistemática de retenção na Fonte é compatível com o Imposto sobre a Renda.

Para a resposta ao questionamento formulado, parte-se das seguintes premissas:

análise dos conceitos de rendimento, receita, faturamento e renda definidos no capítulo pre-

cedente, especialmente em razão deste último ser conceito que retira seu fundamento de va-

lidade da Constituição Federal de 1988; ainda, não se perde de vista que o critério material

da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda é, precisamente, “auferir renda e

proventos de qualquer natureza, caracterizadas como riqueza nova em relação a patrimônio

anterior, com disponibilidade econômica e jurídica”; por fim, como última premissa para

responder ao questionamento proposto, chama-se a atenção para o fato de que a legislação

do Imposto sobre a Renda, consolidada no Regulamento do Imposto sobre a Renda –

RIR/99, impõe o dever de reter em razão do recebimento de “rendimentos” pelo contribuin-

te279.

Pois bem, realizada a delimitação, e considerando que as duas primeiras premissas

fixadas já foram devidamente trabalhadas no capítulo precedente, enquanto que a última

depende apenas da leitura do texto legislado – RIR/99 – pode-se chegar às seguintes con-

clusões:

i) A sistemática de retenção na Fonte “não” é compatível com o Imposto sobre a

Renda, tanto da pessoa física, quanto da jurídica; isso porque leva em consideração a per-

279 Àqueles que pretendem aprofundar o assunto, especialmente em relação a esta última premissa fixada, vi-

de especialmente os artigos 620 a 640 do RIR/99.

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cepção de “rendimentos” ou “importâncias pagas”, quando a materialidade, constitucio-

nalmente fixada, determina que tal imposto somente poderá incidir sobre a realidade “aufe-

rir renda e proventos de qualquer natureza, caracterizados como riqueza nova em relação a

patrimônio anterior, com disponibilidade econômica e jurídica”280;

ii) A definição de rendimentos, nos termos do que foi exposto no capítulo anterior,

não se confunde com o conceito constitucional de renda, eis que não leva em consideração

a periodicidade determinada pelo critério temporal da regra-matriz de incidência do Impos-

to sobre a Renda e, ainda, desconsidera, por completo, a possibilidade legalmente admitida

de promover deduções e, até mesmo, compensações de prejuízos acumulados para chegar,

com precisão, à renda auferida, esta considerada como riqueza nova281.

iii) “Rendimentos” ou “importâncias pagas” pela fonte pagadora, por corresponde-

rem, de forma singela, a meros ingressos financeiros sob a óptica do destinatário constitu-

cional da carga tributária, não se confundem com riqueza nova efetivamente experimenta-

da, e que representa incremento patrimonial ao final do período de aquisição, pelo critério

temporal da regra-matriz do Imposto sobre a Renda;

iv) A autorização prevista no § 7º do artigo 150 da Constituição Federal de 1988

não permite a retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda quando a materialidade prevista

pela legislação infraconstitucional, que trata da retenção na Fonte, é “rendimentos” ou “im-

portâncias pagas” e não “renda” ou “proventos de qualquer natureza”, isso porque “rendi-

mentos” ou “importâncias pagas” não podem ser considerados como fato jurídico tributário

presumido, por escapar da materialidade prevista pelo texto constitucional;

280 Estabelece o Regulamento do Imposto sobre a Renda, enquanto diploma de consolidação da legislação do

Imposto sobre a Renda:

“Art. 646. A base de cálculo do imposto na fonte, para aplicação da tabela progressiva (art.620), será a diferença entre (Lei nº 9.250, de 1995, art. 4º):

I - o somatório de todos os rendimentos pagos, no mês, pela mesma fonte pagadora, exceto os tributados exclusivamente na fonte e os isentos; e

II - as deduções permitidas na Seção VI”. 281 As deduções autorizadas pela legislação para efeito de apuração do Imposto de Renda retido na Fonte, por

não compreender a totalidade das deduções possíveis, não permitem a apuração da renda e dos proventos de qualquer natureza, na forma determinada pela Constituição Federal de 1988.

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v) As previsões constitucionais de retenção na Fonte do Imposto sobre a Renda

não infirmam as conclusões ora extraídas, isso porque se deve interpretar a Constituição

Federal de 1988 de forma sistemática, conciliando, pois, a autorização constitucional para a

retenção na Fonte com a outorga de competência que possibilita a tributação da “renda” e

dos “proventos de qualquer natureza”282. Nesse particular, estará autorizada a retenção na

Fonte do Imposto sobre a Renda quando a legislação levar em consideração, para efeito da

incidência, o conceito constitucional de “renda” e de “proventos de qualquer natureza”, ou

seja, subtraindo-se integralmente dos rendimentos percebidos pelo contribuinte todas as

despesas legalmente autorizadas, inclusive aquelas decorrentes da manutenção da própria

Fonte produtiva, bem como a compensação de eventuais prejuízos acumulados em períodos

anteriores – neste caso, em se tratando de pessoa jurídica –, afastando-se, pois, a incidência

do mencionado imposto apenas sobre os “rendimentos” ou “importâncias pagas”, como faz

a legislação consolidada no Regulamento do Imposto sobre a Renda.

vi) O máximo que se pode fazer, para “tentar” acomodar a sistemática de retenção

na Fonte do Imposto sobre a Renda atualmente em vigor no Brasil, é considerá-la como

mera antecipação do imposto que seria devido quando da efetiva realização do fato jurídico

tributário e da apuração da existência ou não de renda tributável. Ainda assim, tendo em

vista as características do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza e os

argumentos até aqui desenvolvidos, bem como considerando que essa antecipação não en-

contra respaldo no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal de 1988, reconhece-se, que por

uma análise jurídica das normas aplicáveis ao caso, é, tal posição, de difícil defesa.

282 Destaca-se como exemplos das previsões constitucionais da retenção na fonte do imposto sobre a renda os

seguintes dispositivos:

“Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:

I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, inci-dente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, inci-dente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem”.

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Para encerrar este capítulo, faz-se necessário o estudo as definições de lucros, di-

videndos e “pro labore” , como caminho necessário para o esgotamento do problema pro-

posto neste trabalho.

4.4 A DISTINÇÃO ENTRE LUCROS, DIVIDENDOS E PRO LABORE.

4.4.1 Nota Introdutória

Como o objetivo dos Projetos de Lei números 3.007 e 3.091, ambos de 2008, e

2.610 de 2011, é tributar, pelo Imposto sobre a Renda, dos lucros e dividendos pagos ou

creditados pelas pessoas jurídicas aos seus sócios ou acionistas, faz-se necessário promover

a análise desses institutos jurídicos, acrescendo-se, ainda, a definição de “pro labore” , ape-

nas com o objetivo de demonstrar a distinção das respectivas naturezas jurídicas.

4.4.2 Os lucros e os dividendos

A ideia de lucro encontra respaldo desde a Constituição Federal de 1988, eis que

diversos dispositivos constitucionais aludem a tal vocábulo, especialmente para determinar

que o lucro compõe o conceito de renda para efeito de tributação do Imposto sobre a Ren-

da283. Ressalta-se, outrossim, que a preocupação dessas linhas é trazer o conceito jurídico

de “lucro”, que extrai seu fundamento de validade da Constituição Federal de 1988, desde

que tal expressão é também empregada, e muitas vezes, com significados diversos, por ou-

tras ciências.284-285

283 A título de exemplo, citam-se os seguintes dispositivos constitucionais onde aparece, expressamente, a re-

ferência a “lucro”: art. 7º, XI; 172, 173, § 4º e 195, I. Também o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias alude a “lucro”, no art. 72, III.

284 MARIA HELENA DINIZ esclarece as várias roupagens que pode abrigar o signo “lucro”, trazendo, pois, os seus respectivos significados: “ LUCRO. Direito comercial. 1. Ganho líquido obtido com especulações,

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Diante desse panorama, invoca-se a lição de JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES,

para quem “... a expressão “lucro” é tomada como resultado positivo da atividade empre-

sarial, de mais-valia obtida por sociedade empresária. É, portanto, noção parcial em rela-

depois de descontadas as despesas. 2. Proveito ou vantagem decorrente de uma operação empresarial. 3. Cota-parte do produto ou do respectivo preço que cabe ao empresário (Papaterra Limongi). 4. Resultado pecuniário advindo de um negócio. 5. Diferença entre o capital empregado e aquilo que ele produziu. LUCRO ARBITRADO. Direito tributário. É o estipulado na legislação, relativo a imposto sobre a renda, para determinação do lucro de pessoas jurídicas, sendo aplicado, por exemplo, se: o contribuinte não fi-zer a escrituração exigida pelas leis fiscais e comerciais ou se sua escrituração contiver vícios que impos-sibilitem a verificação do seu lucro ou que revelem fraudes; o contribuinte recusar-se a apresentar seus livros à autoridade fiscal etc. LUCRO BRUTO. Economia política. Diferença existente entre o preço de venda e o de compra, sem dedução das despesas havidas. LUCRO CAMBIAL. Vantagem obtida numa operação de câmbio com moeda estrangeira (Geraldo Magela Alves). LUCRO CESSANTE. Direito civil. 1. Dano negativo ou privação de um ganho lícito esperado pelo credor do adimplemento da prestação pe-lo devedor. Trata-se do lucro que se deixou de auferir, em razão do descumprimento de uma obrigação pelo devedor. 2. Benefício que o lesado deixou de obter em virtude de uma lesão. 3. Aquele que, razoa-velmente, se deixou de ter; é a diminuição potencial do patrimônio (Clóvis Beviláqua). 4. Lucro de que se foi privado pela ocorrência de ato ou fato alheio à vontade. LUCRO DA EXPLORAÇÃO. Direito tribu-tário. Espécie de redução do imposto sobre a renda devido pela pessoa jurídica sujeita ao lucro real. É apurado a partir do lucro líquido, deduzido da parte das receitas financeiras excedentes às despesas, dos rendimentos e dos prejuízos das participações societárias etc. (Eduardo M. F. Jardim). LUCRO ILÍCI-TO. Direito penal. É a vantagem obtida por meios ilegais. LUCRO INFLACIONÁRIO. 1. Economia po-lítica. Saldo credor da conta de atualização monetária, que se ajusta pela diminuição das variações mo-netárias, das receitas e despesas financeiras computadas no lucro líquido do período-base (Geraldo Magela Alves). 2. Direito tributário. Aquele que, segundo a legislação do imposto sobre a renda, resulta da diferença entre o ativo permanente e o patrimônio líquido da pessoa jurídica. LUCRO LÍCITO. Direi-to comercial. 1. É o decorrente de alguma atividade econômica ou empresarial autorizada legalmente. 2. Aquele empresarial com observância dos preceitos legais. LUCRO LÍQUIDO. Direito comercial. provei-to real representado pela diferença entre o preço da aquisição e o total dos gastos na efetivação da ope-ração ou na produção da mercadoria. Decorre, portanto, da compensação entre a receita e a despesa. É o apurado após todas as deduções legais relativas às despesas, amortizações etc. LUCRO NASCENTE. Direito civil. Ganho produzido por certa quantia pecuniária ou por coisas fungíveis, em razão de contrato de empréstimo, contendo cláusula fixando juros. LUCRO PRESUMIDO. Direito tributário. modalidade de determinação do imposto sobre a renda devido por pessoa jurídica com receita bruta anual igual ou inferior ao teto legal, ou seja, 9.600.000 UFIRs (Eduardo M. F. Jardim) [teto esse estipulado quando da edição da obra citada]. LUCRO REAL. 1. Direito comercial. lucro líquido, já abatida a carga tributária (Geraldo Magela Alves). 2. Direito tributário. Formula de apuração do imposto sobre a renda da pessoa jurídica com escrituração regular e receita anual igual ou superior ao teto legal, ou seja, 9.600.000 UFIRs (Eduardo M. F. Jardim) [teto esse estipulado quando da edição da obra citada]” (esclarecemos nos colchetes) – Dicionário Jurídico. v. 2, p. 197-198.

285 Esclarece MARY ELBE QUEIROZ que o signo lucro é plurissignificativo, salientando que a palavra lu-cro tem por significado: i) ganho, aquisição, proveito, vantagem, rédito, ganhança, pechincha, ágio; ii) qualquer vantagem, benefício (material, intelectual ou moral) que se pode tirar de alguma coisa; iii) ganho auferido durante uma operação comercial ou no exercício de uma atividade econômica, dividendo, sob o aspecto econômico; iv) aquele que é dado pela diferença efetiva entre o preço de aquisição, ou de custo, e o preço de venda alcançado; v) no âmbito psicanalítico, lucro é benefício que contribui à motivação da própria neurose” – Imposto..., op. cit., p. 78-79.

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ção à renda; é, por assim dizer, espécie do gênero renda. Lucro é noção menos ampla que

renda”286.

JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA leciona que “... lucro, em sentido econômico,

é a remuneração que, na repartição da renda, cabe ao empresário. Para esse conceito, ti-

tular do lucro é sempre empresário” 287.

Por sua vez, FÁBIO ULHOA COELHO destaca que “... no plano conceitual, os

lucros remuneram o capital investido na sociedade. Todos os sócios, empreendedores ou

investidores, têm direito ao seu recebimento, nos limites da politica de distribuição contra-

tada entre eles”288.

Já LUÍS FERNANDO LOBÃO MORAIS, estabelece a dicotomia entre “lucro

bruto” e “lucro líquido”, para ressaltar:

Lucro bruto das empresas é aquele constituído pela diferença entre a receita lí-quida (receita bruta menos as deduções referentes a vendas, abatimentos e impos-tos) e o custo da produção. Lucro líquido é a soma do lucro bruto e das receitas não operacionais menos as despesas operacionais e não operacionais, o imposto de renda, as contribuições para entidades assistenciais de empregados e as parti-cipações de debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes bene-ficiárias.289

RUBENS REQUIÃO destaca que o fim da sociedade comercial é a busca pelo lu-

cro. Ressalta o autor:

O lucro é o sobrevalor que a sociedade pode produzir, como resultado da aplica-ção do capital e outros recursos na atividade produtiva. O lucro final é o que se verifica no momento da liquidação da sociedade, pago todo o passivo e restituí-dos o capital e os resultados remanescentes aos sócios o produto líquido, expres-são tão do agrado dos antigos fisiocratas, constitui o lucro final que a sociedade gerou no curso de sua existência. O lucro de exercício é o que resulta do balanço

286 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 178. 287 Imposto de Renda – Pessoas Jurídicas, p. 23. 288 Curso de Direito Comercial, p. 423. 289 A função social do Lucro e a sociedade pós-capitalista, p. 433-434.

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contábil das contas no fim do exercício social. A lei conceitua como “lucro líqui-do do exercício”, no artigo 191, o resultado periódico que remanescer depois de deduzidos os prejuízos acumulados de exercícios anteriores e a provisão do im-posto de renda e mais as participações do artigo 190. (sic) (grifos nossos).290

MARY ELBE QUEIROZ, salienta que o significado que melhor se enquadra ao

lucro é considerá-lo como “... o resultado positivo da pessoa jurídica, obtido após a dedu-

ção das receitas, de todos os custos, gastos e despesas necessários à manutenção da fonte

produtora e à produção dos rendimentos, depois de compensados os prejuízos havidos na

exploração da atividade” 291.

A mesma autora também traz as definições de lucro, segundo suas subdivisões, cu-

ja citação limita-se àquelas não definidas pelo Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de

1977, citado logo a seguir:

O lucro contábil é o lucro obtido como resultado positivo líquido da pessoa jurí-dica, apurado com base em registros contábeis (livros e documentos), com obser-vância das leis comerciais e princípios contábeis. Já o lucro fiscal, lucro real, é apurado com base nas leis do imposto sobre a renda, a partir do resultado (positi-vo ou negativo) contábil, ajustado pelas adições, exclusões e compensações ex-pressamente previstas na lei fiscal.

(...).

Lucro presumido – A lei dá a opção às pessoas jurídicas, que não estejam obriga-das à tributação com base no lucro real, de poderem apurar a base de cálculo do imposto de renda, trimestralmente, mediante a “presunção”, estimativa, do mon-tante do seu lucro pela aplicação de um coeficiente sobre o valor das receitas, so-bre o qual, posteriormente, incidirá a alíquota do imposto, independentemente do resultado real obtido na escrituração contábil.

(...).

O “arbitramento” é feito mediante a aplicação de coeficientes previstos na lei so-bre o valor da receita bruta da atividade que for conhecida. Caso a receita bruta não seja conhecida, a autoridade administrativo-fiscal, com exclusividade, poderá utilizar outras bases (valor do capital social, lucro real de período anterior, valo-res dos ativos, valor da folha de salários, valor do aluguel etc.) que, igualmente, constem de modo expresso na legislação fiscal.292

290 Curso de Direito Comercial..., p. 243. 291 Imposto sobre a Renda..., p. 79. 292 Ibidem, p. 80, 151 e 152.

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Verifica-se, pois, das lições doutrinárias transcritas que são fartas as definições de

“lucro”, muito embora mantenham elas uma mesma linha de identificação. Não obstante is-

so, para efeito de Imposto sobre a Renda, há, também, definição legal de “lucro”, inclusive

em função das subdivisões estabelecidas pela legislação, diferençando, por exemplo, lucro

real, operacional e líquido, apenas para ficar nesses três exemplos. Eis a definição de lucro,

segundo prescreve o Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:

Artigo 6º - Lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, ex-clusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária.

§ 1º - O lucro líquido do exercício é a soma algébrica de lucro operacional (arti-go 11), dos resultados não operacionais, do saldo da conta de correção monetária (artigo 51) e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial.

§ 2º - Na determinação do lucro real serão adicionados ao lucro líquido do exer-cício:

a) os custos, despesas, encargos, perdas, provisões, participações e quaisquer ou-tros valores deduzidos na apuração do lucro líquido que, de acordo com a legisla-ção tributária, não sejam dedutíveis na determinação do lucro real;

b) os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores não incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com a legislação tributária, devam ser computados na determinação do lucro real.

§ 3º - Na determinação do lucro real poderão ser excluídos do lucro líquido do exercício:

a) os valores cuja dedução seja autorizada pela legislação tributária e que não te-nham sido computados na apuração do lucro líquido do exercício;

b) os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com a legislação tributária, não sejam computados no lucro real;

c) os prejuízos de exercícios anteriores, observado o disposto no artigo 64.

Artigo 11 - Será classificado como lucro operacional o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica...

§ 2º - Será classificado como lucro bruto o resultado da atividade de venda de bens ou serviços que constitua objeto da pessoa jurídica...

Artigo 19. Considera-se lucro da exploração o lucro líquido do período-base, ajustado pela exclusão dos seguintes valores: (Redação dada pela Lei nº 7.959, de 1989)

I - a parte das receitas financeiras que exceder das despesas financeiras, sendo que, no caso de operações prefixadas, considera-se receita ou despesa financeira a parcela que exceder, no mesmo período, à correção monetária dos valores aplica-dos; (Redação dada pela Lei nº 7.959, de 1989)

II - os rendimentos e prejuízos das participações societárias; e

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III – outras receitas ou outras despesas de que trata o inciso IV do caput do artigo 187 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)

IV - a parte das variações monetárias ativas (artigo 18) que exceder as variações monetárias passivas (artigo 18, parágrafo único). (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.065, de 1983) (Revogado pelo Decreto-lei nº 2.303, de 1986)

§ 1º - Aplicam-se ao lucro da exploração:

a) as isenções de que tratam os artigos 13 da Lei nº 4.239, de 27 de junho de 1963; 34 da Lei nº 5.508, de 11 de outubro de 1968; 23 do Decreto-lei nº 756, de 11 de agosto de 1969; 1º do Decreto-lei nº 1.328, de 20 de maio de 1974; e 1º e 2º do Decreto-lei nº 1.564, de 29 de julho de 1977; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)

b) a redução da alíquota do imposto de que tratam os artigos 14 da Lei nº 4.239, de 27 de junho de 1963; 35 da Lei nº 5.508, de 11 de outubro de 1968; e 22 do Decreto-lei nº 756, de 11 de agosto de 1969; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)

c) a isenção de que trata o artigo 80 do Decreto-lei nº 221, de 28 de fevereiro de 1967; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)

d) as isenções de que tratam os artigos 2º e 3º do Decreto-lei nº 1.191, de 27 de outubro de 1971; (Incluído pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)

e) a redução da alíquota do imposto de que tratam os artigos 4º a 6º do Decreto-lei nº 1.439, de 30 de dezembro de 1975. (Incluído pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979).

(grifos nossos).

São essas as considerações que caberiam ser tecidas acerca do lucro e de suas ca-

racterísticas principais, especialmente em se tratando de grandeza que compõe o conceito

de renda; já sendo possível, dessa forma, analisar a definição de dividendos.

A ideia de dividendos se destaca em razão do dever de parte do lucro líquido apu-

rado no exercício social ser distribuído aos acionistas, na forma de dividendos, possibilitan-

do-lhes ser remunerados pelo capital investido na companhia. O dividendo corresponde à

distribuição de lucro líquido entre os acionistas.293

293 A Lei 6.404/76 estabelece: “Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o aci-

onista dos direitos de: I - participar dos lucros sociais”. Importante ressaltar, ademais, a lição de FABIO ULHOA COELHO, ao ensinar: “Note-se, porém, que, embora todos os acionistas tenham direito à parce-la dos lucros, não o têm em igualdade de condições. É possível, em certos casos, que alguns recebam, por ação, dividendo maior do que outros; ou que uma parte dos acionistas, em determinado exercício, deixe de receber dividendos, porque o pago aos demais consome a totalidade do lucro líquido destinado aos só-cios. Cada acionista participa dos lucros sociais de acordo com a espécie, classe e quantidade de ações que titulariza” – Curso..., op. cit., p. 329.

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A doutrina classifica os dividendos da seguinte forma: a) dividendo obrigatório,

como sendo a parcela dos lucros líquidos da companhia que a lei destina forçosamente à

distribuição entre os acionistas; b) dividendo preferencial, ou prioritário, é o dispositivo es-

tatutário que delimita a vantagem conferida particularmente a uma ou mais classes de ações

preferenciais no exercício do Direito de participação nos lucros da sociedade; dividendo

preferencial esse que ainda subdivide-se em (i) fixo e (ii) mínimo e; c) dividendos interme-

diários, que poderão ser pagos quando a companhia, por imposição legal ou mediante auto-

rização do estatuto, levantar balanço semestral, à conta do lucro liquido nele apurado, caso

os sócios assim concordem, por deliberação, em assembleia294.

294 FABIO ULHOA COELHO, Curso..., op. cit., p. 329-338. No mesmo sentido: RUBENS REQUIÃO,

Curso..., op. cit., p. 244-247. Por outro lado, MARIA HELENA DINIZ, traz os seguintes significados pa-ra dividendos: “ DIVIDENDO . 1. Direito Comercial. a) percentagem dos rendimentos ou lucros líquidos cabíveis aos sócios ou acionistas de uma sociedade, proporcionais ao capital que nela tiverem ou ao va-lor de suas ações ou cotas, distribuídos a cada exercício social. b) cota-parte que cabe a cada credor no rateio da massa falida. 2. Direito processual civil. Diz-se do imóvel que está sendo dividido em decorrên-cia de ação divisória. DIVIDENDO CUMULATIVO . Direito Comercial. É o dividendo pago às ações preferenciais da sociedade anônima, havendo, então, uma duplicidade de rendas auferidas pela aplicação do capital. Dá-se quando o dividendo não pago em certo exercício é acumulado e somado aos dividendos do exercício posterior. DIVIDENDO FICTÍCIO . Direito comercial. É o que não existe, isto é, não cor-responde ao lucro real. É distribuído ilegalmente, o que implica a responsabilidade solidária dos direto-res da sociedade anônima, que deverão repor à caixa social a importância distribuída de maneira ilegal, pois os acionistas de boa-fé não têm o dever de restituir o dividendo recebido. DIVIDENDO FIXO . Di-reito comercial. Trata-se do dividendo invariável, que tem taxa pre-fixada como consequência de ações preferenciais. Tal dividendo fixo poderá ser: a) cumulativo, ou seja, se não for pago num exercício, será acrescido ao seguinte; ou b) simples, concernente à soma que por ele é atribuída às ações acima mencio-nadas. DIVIDENDO OBRIGATÓRIO. Direito comercial. é a parcela dos lucros fixados no estatuto da sociedade anônima que devem ser obrigatoriamente distribuídos em cada exercício. Se o estatuto for omisso a respeito, equivalerá a distribuição de 50% do lucro líquido do exercício ou acrescido dos se-guintes valores: cota destinada à reserva legal; valor destinado à formação de reservas para continuida-de e reversão das constituídas em exercícios anteriores; lucros a realizar antes nesta registrados realiza-dos no exercício. Se houver omissão estatutária, e a Assembleia resolver alterar o estatuto para introduzir norma a respeito, o dividendo obrigatório deverá ser equivalente a, no mínimo, 25% do lucro liquido apurado. DIVIDENDO REAL . Direito comercial e direito civil. Parcela de lucros ou rendimentos divi-dida entre os sócios ou acionistas de uma sociedade. DIVIDENDOS INTERCALARES. Direito comer-cial. são os distribuídos por conta de balanços levantados num exercício, ainda que pagos no seguinte, antes porém da aprovação das demonstrações financeiras pela assembleia geral (Modesto Carvalhosa). DIVIDENDOS INTERMEDIÁRIOS . Direito comercial. são aqueles pagos num exercício por conta de lucros acumulados no anterior, referindo-se aos balanços levantados e aprovados pela assembleia geral ordinária (Modesto Carvalhosa). Na regulamentação dos dividendos intermediários que são distribuídos por períodos menores, há permissão legal para que sejam pagos sobre os lucros acumulados ou os do ba-lanço semestral sobre as reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral de acordo com o estatuto” – Dicionário Jurídico ..., v. 2, op. cit., p. 249. RICARDO NEGRÃO destaca que “... di-videndo é a parte do lucro líquido do exercício, dos lucros acumulados ou da reserva de lucros a ser dis-tribuída em dinheiro aos acionistas, na proporção que cada um possuir da fração do capital social. Se os estatutos não fixarem um dividendo mínimo, a companhia deverá distribuir pelo menos vinte e cinco por cento do seu lucro líquido no final de cada exercício, sendo que as ações preferenciais devem receber dez

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Nas palavras de RUBENS REQUIÃO, o dividendo pode ser fixo ou variável, e o

define da seguinte forma:

O dividendo é a parcela de lucro que corresponde a cada ação. Verificado o lucro líquido da companhia, pelo balanço contábil, durante o exercício social fixado no estatuto, a administração da sociedade deve propor à assembleia geral o destino que se lhe deva dar. Se for esse lucro distribuído aos acionistas, tendo em vista as ações, surge o dividendo. Até então o acionista teve apenas expectativa de direito do crédito dividendual. Resolvida a distribuição, surge o dividendo integrado pelo pagamento, no patrimônio do acionista.295

Exploradas as ideias existentes sobre o lucro e os dividendos, para efeito deste tra-

balho, especialmente quanto à possibilidade de tributação, pelo Imposto sobre a Renda, dos

lucros e dividendos distribuídos, interessa o lucro líquido, para as sociedades anônimas, e o

lucro real, para os demais tipos societários, pois é a partir deles que as pessoas jurídicas

promoverão a distribuição de parcela do seu resultado positivo aos sócios ou acionistas.

Convém ressaltar que, por escapar do objeto deste trabalho, não se vai ingressar na

discussão de quando as pessoas jurídicas estariam ou não autorizadas a promover a distri-

buição de lucros ou dividendos, presumindo-se, pois, que não se aplica a vedação legal à tal

distribuição, razão pela qual estará a empresa hipotética com sua situação tributária regular,

ou seja, com suas obrigações tributárias em dia.

Dito isso, destaca-se que, em relação às Sociedades Anônimas – SAs – a Lei Fede-

ral nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, prescreve expressamente que, na omissão do esta-

tuto, estarão as pessoas jurídicas obrigadas a distribuir, no mínimo, vinte e cinco por cento

(25%) do lucro líquido, na forma de pagamento de dividendos, de modo que será esse per-

centual o ponto de partida para calcular o valor que cada acionista receberá, a título de di-

videndos distribuídos296. Não se pode perder de vista que, nos termos do que prescreve o

por cento a mais que as ordinárias (art. 17, § 1º, I e II, da Lei n. 6.404/76)” – Manual de Direito Co-mercial e de Empresa, p. 410.

295 Curso...., op. cit., p. 243. 296 Lei nº 6.404/76: “Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir: (Reda-

ção dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

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artigo 201 da Lei nº 6.404/76, a companhia somente poderá pagar dividendos à conta de lu-

cro líquido do exercício, lucros acumulados ou de reserva de lucros.

Por outro lado, em relação aos demais tipos societários, não há determinação legal

acerca do percentual mínimo dos lucros que deverão ser distribuídos aos sócios, cabendo a

previsão dos valores que serão distribuídos ao contrato social ou à assembleia realizada en-

tre os sócios, de forma que é a partir dessa definição que se poderá falar na tributação dos

lucros distribuídos297.

4.4.3 O “pro labore”

O “pro labore” surgiu da necessidade de remunerar o sócio administrador ou os

sócios que realmente trabalham na empresa. Funciona como uma contraprestação pelo ser-

viço que o sócio desenvolve na atividade empresarial. É a remuneração paga ao sócio que

dedica seu tempo ao desenvolvimento do objeto empresarial e, cujo pagamento, depende

exclusivamente de previsão no contrato social. Havendo previsão no contrato, mesmo o só-

cio que, no plano pragmático, não trabalha, terá Direito a receber o “pro labore” , aplican-

do-se, pois, a mesma regra para o sócio que trabalha, mas quando o contrato social silencia,

não terá este o Direito ao recebimento da contraprestação. Ensina RUBENS REQUIAO:

§ 1º Independentemente do direito de receber ou não o valor de reembolso do capital com prêmio ou sem ele, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício deste direito, somente serão admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários se a elas for atribuída pelo menos uma das seguintes preferências ou vantagens:(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte crité-rio:(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)...

§ 2º Quando o estatuto for omisso e a assembleia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste art.. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)”

297 A sociedade limitada, por exemplo, poderá dispor expressamente, em seu contrato social, a aplicação sub-sidiária da Lei das Sociedades Anônimas, consoante prescreve o parágrafo único do art. 1.053, do Código Civil, que tem a seguinte redação: “Art. 1.053. ‘omissis’. Parágrafo único. O contrato social poderá pre-ver a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”.

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Cabe ao contrato social estabelecer a remuneração, ou o modo de fazê-la, dos só-cios-gerentes. Em virtude dos efeitos da inflação, que aviltam anualmente os va-lores expressos em moeda, tornou-se prática normal prever no contrato social a variação do pro labore dos sócios-gerentes, em função dos limites de dedução admitidos pelo Imposto de Renda como despesas gerais.298

Por sua vez, assinala FÁBIO ULHOA COELHO que “... já o ‘pro labore’, ainda

no plano dos conceitos, remunera o trabalho de direção da empresa. Seu pagamento, as-

sim, deve beneficiar apenas os empreendedores, que dedicam tempo à gestão dos negócios

sociais” (sic)299.

Não se pode olvidar, outrossim, que, pelo fato de o “pro labore” ser matéria afeta

ao contrato social, i. é., esse instrumento é que irá decidir pelo seu pagamento ou não, fica a

cargo dos atos constitutivos da empresa a fixação do valor devido a titulo da remuneração

do sócio trabalhador. Apesar de não ser obrigatório o pagamento de “pro labore” ao sócio

administrador, procede a ponderação de FABIO ULHOA COELHO, nos seguintes termos:

A sociedade não está obrigada a pagar pro labore ao sócio-administrador. Deve, contudo, fazê-lo, por uma questão fiscal. As normas de custeio da seguridade so-cial preveem a filiação obrigatória dos sócios administradores de qualquer empre-sa. O valor da respectiva contribuição é definido pela aplicação do percentual de 15% sobre o pro labore. Mas, se não tiver sido feito pagamento nenhum a esse título, a base de cálculo da contribuição, em alguns casos, será o valor total das importâncias pagas ao sócio, seja a que título for (lucros, antecipação de lucros, juros sobre o capital etc.).300

298 Curso..., op. cit., p. 449. 299 Curso..., op. cit., p. 423. Uma vez mais, lançamos mão das lições de MARIA HELENA DINIZ, que traz

as seguintes definições para “pro labore” : “1. Locução latina. Pelo trabalho. 2. Direito administrativo. Qualificativo da gratificação a que tem direito o servidor público que vier a prestar serviço extraordiná-rio. Essa gratificação é paga por hora de trabalho antecipado ou prorrogado. 3. Direito civil e direito comercial: a) denominação da posse produtiva; b) diz-se do ‘quantum’ pago ao sócio ou diretor de em-presa pela atividade nela desenvolvida. Tal verba é computada como despesa geral do estabelecimento empresarial. 4. Direito do trabalho. a) gratificação pelo trabalho (Othon Sidou); b) ganho percebido co-mo compensação do trabalho realizado (De Plácido e Silva)” – Dicionário Jurídico ..., v. 3., p. 957.

300 Curso..., op. cit., p. 424.

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Em síntese: é o “pro labore” a remuneração paga pela empresa ao sócio adminis-

trador ou àquele que desenvolve atividade na empresa, cuja autorização de pagamento e fi-

xação do valor a ser pago mensalmente cabe, exclusivamente, ao contrato social, estando,

pois, tal atribuição, dentro do poder diretivo da empresa.

Analisados, neste capítulo, a sistemática da incidência da norma jurídica e a com-

petência tributária, e examinadas as nuances e implicações que cercam a sistemática de re-

tenção na Fonte do Imposto sobre a Renda, assim como realizada a distinção necessária en-

tre lucros, dividendos e “pro labore” , já se mostra possível avançar mais um degrau e rea-

lizar a análise normativa da tributação dos lucros e dividendos pagos ou creditados por pes-

soas jurídicas, à luz dos princípios constitucionais do Imposto sobre a Renda e da norma de

isenção tributária.

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CAPÍTULO 5 – OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁR IOS APLICÁ-

VEIS AO IMPOSTO SOBRE A RENDA E A REVOGAÇÃO DA ISEN ÇÃO DOS

LUCROS E DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS

5.1 NOTA INTRODUTÓRIA

Como se pode notar dos capítulos anteriores, tentou-se, até aqui, sedimentar o ca-

minho para chegar às respostas aos questionamentos formulados neste trabalho. Nos capítu-

los precedentes, não houve apenas os apontamentos dos referenciais teóricos que possibili-

tarão uma tomada de posição, mas também, ao longo do seu desenvolvimento, foi possível

ir enfrentando questões que, direta ou indiretamente, refletem nos resultados deste estudo.

Diante dos fundamentos já desenvolvidos, mostra-se possível, então, avançar para

o estudo de alguns dos Princípios previstos pelo sistema e que são aplicáveis ao Imposto

sobre a Renda. Na sequência, promove-se o estudo da isenção tributária para concluir pela

possibilidade, ou não, do ponto de vista normativo, de instituir a tributação dos lucros e di-

videndos pagos ou creditados por pessoas jurídicas aos seus sócios ou acionistas.

5.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS APLICÁVEIS AO IR

5.2.1 Introdução

Como aspecto introdutor e, ao mesmo tempo, basilar do estudo que se pretende fa-

zer neste capítulo, faz-se necessário examinar os Princípios constitucionais que são aplicá-

veis ao Imposto sobre a Renda. Entretanto, a análise, para não pecar pela horizontalidade e

deixar de ser empreendida na verticalidade, será precedida de um recorte metodológico, fo-

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cando os estudos nos Princípios que informam esse imposto, especificamente301. Isso não

significa dizer, entretanto, que outras normas constitucionais, que se opta por chamar, ape-

nas para efeito distintivo, de “Princípios gerais”, como por exemplo, a Irretroatividade, Le-

galidade, Anterioridade, Não-confisco, não sejam aplicáveis a essa modalidade de tributa-

ção. Devem ser aplicados, entretanto, em razão dos limites deste trabalho, opta-se por não

enfrentar, individualmente, o conteúdo desses “Princípios gerais”.

Feito esse recorte necessário, é importante que se diga que o ordenamento jurídico

é formado por um conjunto ordenado de normas jurídicas, cujo ápice é a Constituição Fede-

ral, sendo esta, portanto, o fundamento de validade de todas as normas jurídicas postas no

sistema. E quando se fala que a Carta Constitucional é o fundamento de validade do orde-

namento jurídico, está-se a ressaltar que será ela a inspiração, tanto para os enunciados com

conteúdo prescritivo emanados do Órgão Legislativo – lei em sentido estrito – quanto aque-

les concebidos em caráter regulamentar. Em outras palavras, ressalta-se que os enunciados

infralegais – decretos, por exemplo – irão buscar seu fundamento de validade na lei que,

por sua vez, retirará o seu fundamento da Constituição Federal.

É justamente nesse sentido a lição de J. J. GOMES GANOTILHO, ao ressaltar a

superioridade hierárquica da Constituição, que servirá de fundamento da validade de todo o

sistema normativo. São palavras do autor lusitano, ao ressaltar que a superioridade hierár-

quica da Constituição se revela de três maneiras, quais sejam:

(1) as normas do direito constitucional constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas de direito constitucional são normas de normas (norma normarum), afirmando-se como fontes de produção jurídica de outras normas (normas legais, normas regu-lamentares, normas estatutárias etc.); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os actos dos pode-res políticos com a Constituição.302

301 Isso significa dizer, por outros torneios, que alguns princípios constitucionais, apesar de basilares ao sis-

tema tributário e aplicáveis ao imposto sobre a renda, mas apenas genericamente, deixarão de ser estuda-dos neste momento, podendo-se destacar como exemplos não exaustivos, os primados da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade e do não-confisco, entre outros.

302 Direito Constitucional, p. 141.

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A ideia de princípio corresponde, em sentido etimológico, a começo, origem, po-

dendo ser considerado, portanto, fundamento, no caso, de um ordenamento jurídico. Essa

característica privilegiada em um sistema normativo, dá ao princípio a noção de “... pedra

angular de qualquer sistema” e demonstra a sua posição de superioridade em relação a ou-

tras normas jurídicas, inclusive constitucionais303.

Tratar sobre Princípios deve levar o estudioso, por absolutamente necessário, a es-

tabelecer a distinção entre eles e as regras, isso porque essa distinção “... constituye la base

de la fundamentación iusfundamental y es una clave para la solución de problemas centra-

les de la dogmática de los derechos fundamentales”304.

Uma primeira característica que se deve ter em mente é que tanto as regras, quanto

os Princípios, possuem a mesma estrutura lógica, ou seja, são normas jurídicas e, portanto,

estão afetos ao seu conceito, de forma que a distinção entre Princípios e regras fica restrita

à distinção entre dois tipos de normas jurídicas.

Ao tratar dos princípios, as lições de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MEL-

LO não deixam dúvida acerca da sua importância, no contexto de um ordenamento jurídico,

sublinhando que o princípio:

... é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espirito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exata-mente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.305

303 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 37. 304 ROBERT ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales..., p. 81. O mesmo autor, afirma linhas a

frente: “La distinción entre reglas y principios constituye, además, el marco de una teoría normativo-material de los derechos fundamentales y, con ello, un punto de partida para responder a la pregunta acerca de la posibilidad y los limites de la racionalidad en el ámbito de los derechos fundamentales. Por todo esto, la distinción entre reglas y principios es uno de los pilares fundamentales del edificio de la teo-ría de los derechos fundamentales” – Ibidem, p. 81-82.

305 Curso de Direito Administrativo, p. 902-903. ROQUE ANTONIO CARRAZZA apresenta a seguinte definição para princípio: “... princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo,

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Dessa forma, os Princípios são normas jurídicas de superior hierarquia que ditam

as bases para a construção de novas normas jurídicas e, ainda, orientam, enquanto vetores

interpretativos, a exata compreensão, – interpretação – e aplicação que deve ser dada às

demais normas jurídicas validamente inseridas no sistema.

A importância manifestada pelos princípios, enquanto normas basilares do sistema

constitucional mesmo se comparadas com outras normas constitucionais, é explicitada por

AGUSTÍN GORDILLO, ao sintetizar:

Diremos entonces que los principios de derecho publico contenidos en la Consti-tución son normas jurídicas, pero no sólo eso; mientras que la norma es un mar-co dentro del cual existe una cierta libertad, el principio tiene sustancia integral. La simple norma constitucional regula el procedimiento por el que son produci-das las demás normas inferiores (ley, reglamento, sentencia) y eventualmente su contenido: pero esa determinación nunca es completa, ya que la norma superior no puede ligar en todo sentido e en toda dirección el acto por el cual es ejecuta-da; el principio es limite y contenido. La norma de a la ley facultad de interpre-tarla o aplicarla en más de un sentido, y el acto administrativo la facultad de in-terpretar la ley en más de un sentido; pero el principio establece una dirección estimativa, un sentido axiológico, de valoración, de espíritu. El principio exige que tanto la ley como el acto administrativo respeten sus limites y además tengan su mismo espíritu. Pero aún mas, esos contenidos básicos de la Constitución ri-gen toda la vida comunitaria y no sólo los actos a que más directamente se refie-ren o a las situaciones que más expresamente contemplan.306

Apesar de, a essa altura, já estar bem demonstrado como se visualiza o Princípio e

qual a sua importância, no contexto do sistema jurídico, ainda há que se fazer a distinção

das regras; essa separação faz-se necessária porque, embora tanto as regras quanto os prin-

cípios encontrem fundamento de validade na Constituição Federal, não podem ser confun-

didos, pois se tratam de institutos diferentes. ROBERT ALEXY oferece importante distin-

ção, nos seguintes termos:

vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conec-tam” – Curso..., op. cit., p. 39.

306 Introducción al Derecho Administrativo, p. 176-177.

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El punto decisivo para la distinción entre reglas e principios es que los ‘princi-pios’ son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posi-ble, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son ‘mandatos de optimización’, que están caracterizados por el he-cho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos.

En cambio, las ‘reglas’ son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni me-nos. Por lo tanto, las reglas contienen ‘determinaciones’ en el ámbito de lo fácti-ca y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y princi-pios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un princi-pio.307

As regras, portanto, segundo a lição de ROBERT ALEXY, são normas jurídicas,

que mesmo quando de “status” constitucional, apresentam grau de generalidade inferior ao

dos princípios, ou seja, possuem uma concretude maior que estes, que se apresentam como

normas estruturantes, fundantes, e, portanto, podem ser cumpridos de diferentes modos e

graus de abstração; enquanto as regras são mais concretas, de forma a ser possível sua apli-

cação, por exemplo, para resolver determinado caso particular.

Enfim, ao se tratar de princípios, dados os seus vários significados, não cabe ao in-

térprete “... disputar qual seria a melhor acepção...”, como ensina PAULO DE BARROS

CARVALHO308. Assim, na esteira do pensamento de JOSÉ ROBERTO VIEIRA, “... toma-

remos a expressão nos sentidos de normas jurídicas de posição privilegiada, portadoras

de valor expressivo ou que estipulam limites objetivos” 309.

307 Teoría de los…, op. cit., p. 86-87. 308 Enunciados, Normas e Valores Jurídicos Tributários, in Revista de Direito Tributário , nº 69, p. 52. 309 Bocage e o Terrorismo Constitucional das Medidas Provisórias Tributárias: A Emenda pior que o Soneto,

in ROBERTO VAZ (coord.). Princípios e Limites da Tributação, p. 688. Ademais, assim como RO-NALD DWORKIN, em excelente trabalho, HUMBERTO ÁVILA oferece importante contribuição para a distinção entre regras e princípios, fazendo-a, nos seguintes termos: “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensa decidibilidade e abrangência, para cuja aplica-ção se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição nor-mativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primari-amente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua produção” – Teoria dos Princípios, p. 70.

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Enfrentado a noção de princípio, nos termos necessários ao objetivo deste trabalho

e, concomitantemente, estabelecida a sua dicotomia em relação às regras, já se pode avan-

çar para estudar os mais importantes Princípios constitucionais tributários aplicáveis no

âmbito do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.

5.2.2 Princípio da Capacidade Contributiva

O Princípio da Capacidade Contributiva encontra seu fundamento de validade no

artigo 145, § 1º, da Constituição Federal de 1988, estando, portanto, positivado no Sistema

Constitucional Tributário brasileiro310. Esse Princípio determina, segundo a prescrição

constitucional, que o legislador, ao buscar, no mundo fenomênico, os fatos sociais que po-

derão vir a ser tributados por impostos deverá, necessariamente, escolher situações que te-

nham repercussão econômica ou “... fatos signos presuntivos de riqueza...” como dissera

ALFREDO BECKER311. O fato que será submetido à tributação, precisa ostentar conteúdo

patrimonial para que, assim, seja possível falar na incidência da norma tributária e que se

possa distribuir, de forma equânime, o peso da carga tributária entre os sujeitos passivos,

realizando, pois, o Princípio da Igualdade312.

Essa busca por “fatos signos presuntivos de riqueza” mostra-se determinante para

efeito de incidência da norma tributária, porque não se concebe o surgimento de obrigação

tributária em relação a evento que não tenha conteúdo econômico. Não fosse assim, poder-

310 Constituição Federal: “Art. 145. Omissis

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os ren-dimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

311 Teoria Geral...., op. cit., p. 488. 312 ALFREDO AUGUSTO BECKER lança crítica contundente à expressão “Capacidade Contributiva”, asse-

verando haver, inclusive, “a constitucionalização do equívoco” por ser a expressão ambígua, dizendo que tais signos não constituem um conceito científico – Teoria Geral..., op. cit., p. 481-490.

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se-ia sustentar que falar, sorrir, sonhar e ler poderiam ser alçados à condição de hipótese

tributária, o que seria um tremendo despautério313.

O legislador, ao escolher o contribuinte realizador da hipótese tributária, deverá

procurar aquele que possui condições de arcar com parcela dos gastos públicos, à medida

da sua possibilidade. Isso significa dizer, pois, que “Capacidade Contributiva” é diferente

de “capacidade econômica”; a primeira é a capacidade para pagar tributos, ou, por outros

torneios, de realizar o fato jurídico tributário. É a exteriorização de “fatos-signos presunti-

vos de riqueza”, no sentido de revelar a disponibilidade de uma riqueza superior ao mínimo

necessário para uma vida com dignidade. Outra coisa é a capacidade econômica, pautada na

mera disponibilidade de alguma riqueza, mesmo que inferior àquele mínimo. Um exemplo

pode elucidar a diferença: a senhora aposentada, que vive com um salário mínimo mensal,

acaba por ganhar, por exemplo, como prêmio de loteria, uma casa de elevado valor ou um

carro alemão, cuja possibilidade de aquisição é para poucos. A aposentada, inequivocamen-

te, demonstra ter Capacidade Contributiva e capacidade econômica, entretanto, não possui

capacidade financeira, pois não dispõe de liquidez para arcar com os tributos incidentes so-

bre tais bens, i. é., não tem recursos para manter esse patrimônio. O fato de não ter capaci-

dade financeira não significa que não terá que pagar o imposto predial e territorial urbano –

IPTU – ou o imposto sobre a propriedade de veículo automotor – IPVA – respectivamente.

Entretanto, a análise do Princípio da Capacidade Contributiva leva em considera-

ção duas situações distintas, mas importantes, para o Direito Tributário. Pode-se falar em

Capacidade Contributiva “objetiva” ou “absoluta” e Capacidade Contributiva “subjetiva”

ou “relativa”. 313 Importante a lição de ALFREDO AUGUSTO BECKER acerca da Capacidade Contributiva: “A regra ju-

rídica constitucional que juridicizou o ‘princípio da capacidade contributiva’ tem eficácia jurídica exclu-sivamente perante o legislador ordinário. Somente o legislador ordinário está juridicamente obrigado por esta regra constitucional e sua obrigação consiste no seguinte: ele deverá escolher, para a composição da hipótese de incidência da regra jurídica criadora do tributo, exclusivamente fatos que sejam signos presuntivos de renda ou de capital. A desobediência, pelo legislador ordinário a esta regra constitucio-nal, tem como consequência a inconstitucionalidade da lei. Por exemplo: será inconstitucional a criação de tributo ou a criação de sua alíquota segundo uma discriminação racial. Note-se que se este fosse o único alcance da eficácia jurídica da regra constitucional em exame, já seria suficiente para se reconhe-cer a natureza jurídica desta regra, pois, caso inexistisse, seria perfeitamente constitucional uma tributa-ção favorecendo a discriminação racial” – Teoria Geral..., op. cit., p. 454. No mesmo sentido, ou seja, que a determinação constitucional é no sentido de que os fatos tributados por impostos devem apresentar conteúdo econômico é a lição de GERALDO ATALIBA e AIRES F. BARRETO, in Substituição e Res-ponsabilidade Tributária ..., p. 49.

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A Capacidade Contributiva “objetiva” ou “absoluta” impõe o dever, ao legislador,

como já apontado, de escolher, para submeter à tributação, apenas eventos que ostentem, na

sua realização, conteúdo econômico, i. é., riqueza economicamente apreciável. É essa Ca-

pacidade Contributiva funcionando “... como pressuposto ou fundamento jurídico do tribu-

to...”314; tal princípio encontra seu fundamento constitucional de validade na “... distribui-

ção das competências dos impostos – 153, 155 e 156...” , como demonstra JOSÉ ROBER-

TO VIEIRA, fundado nos ensinamentos de REGINA HELENA COSTA315.

Por outro lado, a Capacidade Contributiva “subjetiva” ou “relativa” leva em consi-

deração as particularidades do participante do fato jurídico tributário, ou seja, considera as

circunstâncias pessoais contribuinte, enquanto realizador da hipótese tributária, sendo, nes-

sa situação, justamente por levar em consideração as características pessoais do contribuin-

te, que se aplica o brocardo “quem pode mais, paga mais, quem pode menos, paga menos”,

significando dizer que é a capacidade “subjetiva” que realiza, em última análise, o Princípio

Constitucional da Isonomia, encontrando seu fundamento de validade no artigo 145, § 1º,

da Constituição Federal316.

Contudo, na linha de pensamento de JOSÉ ROBERTO VIEIRA, a Capacidade

Contributiva subjetiva ou relativa, ainda realiza duas outras funções, quais sejam: “estabe-

lecer a contribuição à medida das possibilidades econômicas de determinado sujeito passi-

vo, adequando o ‘quantum’ do tributo ao porte econômico do fato ocorrido e adequando-

os às circunstâncias pessoais do cidadão; aspecto que cumpre a função de critério de gra-

duação do tributo e de fixação dos seus limites”317.

314 REGINA HELENA COSTA, Princípio da Capacidade Contributiva, p. 27. 315 O IRPF e o Direito Fundamental à Igualdade: Um Tributo de Dupla Personalidade !, no prelo. 316 Idem. Não se pode deixar de ressaltar, entretanto, que a realização da Capacidade Contributiva “subjetiva”

pressupõe a existência de Capacidade Contributiva “objetiva”, já que sem a eleição de fato que ostente conteúdo econômico, para fazer nascer uma imposição tributária, não se fala na análise das características pessoais do contribuinte que estará submetido a tal tributação.

317 JOSÉ ROBERTO VIEIRA desenvolve tais ideias da seguinte forma: “É clássica a distinção entre a Ca-pacidade Contributiva absoluta ou objetiva e a relativa ou subjetiva. No primeiro caso, cabe ao legisla-dor selecionar, para a hipótese de incidência das normas tributárias, fatos que sejam reveladores de ca-pacidade contributiva, – ou, na célebre expressão de ALFREDO AUGUSTO BECKER, ‘fatos-signo pre-suntivos de capacidade contributiva’, ou, em outras palavras, fatos que constituam sinais que permitam estabelecer a presunção da existência dessa capacidade; – aspecto que desempenha a função de pres-suposto ou fundamento jurídico do imposto. No segundo caso, cabe estabelecer a contribuição à medida

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Diante desses argumentos, pode-se concluir que a Capacidade Contributiva “obje-

tiva” aplica-se aos impostos, porque nas taxas e nas contribuições de melhoria, quem reali-

za o fato é o Estado – é o Estado que presta serviço ou realiza a obra pública –; entretanto,

na Capacidade Contributiva “subjetiva”, desde que leva em consideração as características

pessoais do contribuinte, ela poderá ser aplicada às taxas e às contribuições de melhorias,

pois, neste caso, são os contribuintes que realizam a hipótese tributária, de forma que se le-

va em consideração, por exemplo, a intensidade da utilização do serviço público318.

Em síntese: a Capacidade Contributiva “objetiva” revela-se quando o legislador,

ao eleger o evento para servir como hipótese tributária, busca aquela situação reveladora de

Capacidade Contributiva. Aplica-se fundamentalmente aos impostos. A Capacidade Con-

tributiva “subjetiva” leva em consideração a adequação do “quantum” do imposto à situa-

ção individual do sujeito submetido à tributação, ou seja, a Capacidade Contributiva de

quem está pagando o tributo. A Capacidade Contributiva “subjetiva” é aplicável a qualquer

espécie de tributo, inclusive às taxas e contribuições de melhoria.

Importante mostra-se a discussão se o Princípio da Capacidade Contributiva é

aplicável ou não às pessoas jurídicas. Por isso, em razão dos fundamentos até aqui expos-

das possibilidades econômicas de determinado sujeito passivo, adequando o ‘quantum’ do tributo ao por-te econômico do fato ocorrido e adequando-o às circunstâncias pessoais do cidadão; aspecto que cumpre a função de critério de graduação do tributo e de fixação dos seus limites. A primeira espécie de capaci-dade contributiva, atinente à hipótese das normas de incidência tributárias, especificamente à sua mate-rialidade; a segunda, adstrita à consequência ou ao mandamento dessas normas. Diversamente daquelas correntes doutrinárias que optam por apenas uma das formas de capacidade contributiva, identificando uma unilateral consagração constitucional, parece-nos mais próprio e acertado admitir-lhe ‘...una doble función’, como sustenta ALVARO RODRÍGUEZ BEREIJO, catedrático da Universidade Autônoma de Madri; ou aludir às funções de fundamento e de graduação do tributo com dois momentos sequenciais da capacidade contributiva, como prefere GIARDINA. Procedente, nessa linha, os fundamentos constitucio-nais da capacidade contributiva identificados por REGINA HELENA COSTA: o artigo 145, § 1º, para a capacidade contributiva relativa; e os artigos relativos à distribuição das competências dos impostos – 153, 155 e 156 – para a capacidade contributiva absoluta” – Idem.

318 Sustenta ROQUE ANTONIO CARRAZZA, que a “... capacidade contributiva à qual alude a Constitui-ção e que a pessoa política é obrigada a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é ‘objetiva’, e não ‘subjetiva’. É ‘objetiva’ porque se refere ‘não’ às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente considerado, mas às suas ‘manifestações objetivas de rique-za’ (ter um imóvel, possuir um automóvel, ser proprietário de joias ou obras de arte, operar em bolsa, praticar operações mercantis etc.) assim, atenderá ao princípio da capacidade contributiva a lei que, ao criar o imposto, colocar em sua ‘hipótese de incidência’ fatos deste tipo. Fatos que Alfredo Augusto Bec-ker, com muita felicidade, chamou de ‘fatos-signos presuntivos de riqueza (fatos que, ‘a priori’, fazem presumir que quem os realiza tem riqueza suficiente para ser alcançado pelo imposto específico). Com o ‘fato-signo presuntivo de riqueza’, tem-se por incontroversa a existência de capacidade contributiva” – Curso de Direito..., op. cit., p. 89.

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tos, em que pese opiniões em sentido contrário, opta-se, para efeito deste trabalho, em con-

siderar tal Princípio aplicável às empresas, que, cabe verificar, possuem, ou não, inegável

capacidade econômica para contribuir com os gastos públicos, muitas vezes, em melhores

condições que as pessoas físicas319.

Não se pode deixar de destacar, outrossim, que o fundamento teórico da existência

de Capacidade Contributiva das pessoas jurídicas mostra-se evidente em razão delas pos-

suírem, em comparação com as pessoas físicas, uma condição muito maior de obtenção de

crédito e produção de riqueza, o que as habilita a conseguir sucesso produtivo. Esse poder

econômico é muito maior que o conjunto de forças econômicas dos sócios, o que justifica o

tratamento distinto das pessoas jurídicas quanto ao viés da Capacidade Contributiva320.

5.2.3 Princípio do Mínimo Existencial

O Princípio do Mínimo Existencial está diretamente relacionado ao Princípio da

Capacidade Contributiva, implicando, no mais das vezes, que, na análise de um, deve o ou-

tro ser considerado. Em verdade, o respeito ao mínimo vital, permite que seja aferida, com

maior precisão e respeito, especialmente ao Princípio da Isonomia, a real Capacidade Con-

tributiva do sujeito passivo. Está tal princípio, ainda, atrelado umbilicalmente ao conceito

de renda disponível, àquilo que a Constituição Federal entende por renda, na forma traba-

lhada no capítulo três deste trabalho321.

319 Em sentido contrário, ou seja, pela inaplicabilidade do Princípio da Capacidade Contributiva às pessoas

jurídicas, pode-se destacar o escólio de JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, que sustenta que somente os sócios das pessoas jurídicas é que detêm Capacidade Contributiva, pois, em sentido econômico, as rendas das pessoas jurídicas são, em verdade, rendas dos sócios ou daqueles que participam do seu capital social – Imposto de Renda Pessoas Jurídicas, p. 09.

320 PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO, A Bitributação Econômica do Lucro Empresarial, p. 43-44.

321 A esse respeito, reputa-se importante destacar as lições de LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ: “Por outro ângulo, por força do princípio do Mínimo Existencial, certos fatos-decréscimos devem ser obrigato-riamente considerados. Assim, é correto afirmar que: todos os fatos-decréscimos que se caracterizam por estarem relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou à preservação da existência com dignidade, da própria pessoa ou de sua família, devem informar necessariamente o conceito de ‘renda e

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O Princípio do Mínimo Existencial, aplicável ao Imposto sobre a Renda, em sua

essência, busca proteger o sujeito passivo do apetite arrecadatório do Estado, no sentido de

evitar que este faça o imposto incidir sobre valores que representem o mínimo indispensá-

vel à sobrevivência do contribuinte e sua família, com dignidade322. No caso das pessoas ju-

proventos de qualquer natureza’. Daí ser correto dizer que apenas surgirá capacidade contributiva rela-tiva ao IR quando alguém for titular de um montante de riqueza que ultrapasse os limites do mínimo exis-tencial. (...). ‘Dessarte, de acordo com a Constituição, são ‘fatos-decréscimos necessariamente dedutí-veis’ apenas aqueles relacionados ao ‘atendimento das necessidades vitais básicas ou à preservação da existência, tanto as da própria pessoa quanto as de sua família, com dignidade’” – Imposto sobre a ren-da..., op. cit., p. 271.

322 FERNANDO AURÉLIO ZILVETI, faz importante retrospectiva histórica e análise de direito comparado acerca do Princípio do Mínimo Existencial, lição que se reputa de importante destaque neste trabalho. As-severa, o autor, ao fazer o retrospecto histórico: “A preocupação social, nascida timidamente com a Revo-lução Francesa, com os ideais clássicos do ‘laissez faire laissez passer’, adquiriu uma forma mais inter-vencionista a partir da segunda metade do século XIX, quando se foi buscar a diminuição das desigual-dades físicas e morais mediante a estipulação do mínimo existencial. Assim, estabeleceu-se que quem não tivesse condições de prover seu mínimo para viver com dignidade, deveria estar isento da obrigação de pagar tributos, além de receber do Estado a garantia do direito a um auxílio social e econômico. Esse preceito foi desenvolvido pelos Estados europeus, em especial pela legislação da Alemanha, onde encon-trou grandes preceptores. A lei alemã de 25 de maio de 1873 introduziu a primeira noção de mínimo exis-tencial no direito positivo tributário. A lei do Reich alemão fixou em 1.000 ‘thalers’ (moeda alemã na época) a isenção fiscal para o contribuinte, que seria o mínimo necessário para a sua subsistência. Essa iniciativa pioneira da legislação fiscal alemã produziu um forte impacto no número de contribuintes do imposto de renda da época”. Posteriormente, faz, o autor, a análise do Mínimo Existencial segundo o Di-reito Comparado, destacando quanto à doutrina ALEMÃ : “... somente em maio de 1990, como se fosse um presente de aniversário para ele [o prof. KLAUS VOGEL], o Tribunal Constitucional Federal deci-diu, diferentemente do que julgara antes em novembro de 1976, que, na tributação da renda, uma quantia para o mínimo existencial da família deve ficar isenta de imposto; apenas a renda que ultrapasse esse mí-nimo pode ser submetida à tributação. (...). TIPKE propõe, também, que o mínimo existencial pessoal es-teja integrado numa tarifa, que opere diretamente na redução da base de cálculo. Para ele, tecnicamente, a aplicação dessa tarifa seria a forma mais adequada para atender ao princípio da capacidade contribu-tiva. Com efeito, tanto uma pessoa com posses como aquela sem elas, têm necessidades básicas mínimas comuns, como alimentação, vestuário, moradia, etc., porém disponibilidades diferentes. (...). Assim, para a doutrina que defende o mínimo existencial, alçado a nível de princípio constitucional, quem não tem condições de prover seu mínimo para viver com dignidade, deve receber do Estado um auxílio social e econômico, além de ser isento de qualquer tributação. TIPKE reconhece essa obrigação do Estado, po-rém, trata da obrigação do Estado social de Direito quanto ao direito tributário e quanto à capacidade contributiva da seguinte forma: a) o direito tributário deve preservar da tributação o mínimo existencial, porém, pode transpor a capacidade, extraindo da renda e do patrimônio o necessário para redistribuir a renda (líquida); b) a capacidade contributiva orienta a tributação pessoal, não no auxílio do Estado, mas na capacidade do cidadão, impedindo a tributação do mínimo existencial”. No que se refere à doutrina ITALIANA , destaca o autor: “Essa doutrina foi além dos limites do direito tributário, incentivando a ci-ência das finanças, a economia e a sociologia a criar meios que impedissem o imposto de dizimar as chances de reintegração da fonte produtora da renda. A exação, ao comprometer a fonte produtora, força o próprio mercado a repassar esse custo ao preço dos produtos, causando ineficiência econômica, o que leva à conclusão de que, além de preservar o mínimo existencial nos impostos diretos, esse dever se es-tende, também, aos indiretos. O ‘minimum esente’ como trata a doutrina, é diretamente ligado ao princí-pio da ‘capacità contributiva’, sob um aspecto irrenunciável, e deve prever na legislação do imposto de renda isenções para os rendimentos mínimos. A quantificação do mínimo existencial, com amplo espaço para a discricionariedade, deve, então, prever o suficiente para uma existência livre e digna do contribu-

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rídicas, mantendo-se o necessário para manutenção da fonte produtora, assim entendidos os

recursos necessários ao pagamento de empregados, custeio da produtividade e, até mesmo,

reinvestimentos necessários na manutenção da fonte produtora.

FERNANDO AURÉLIO ZILVETI, ao tratar sobre o tema, leciona:

O que vem a ser, então, o mínimo existencial ? É a menor quantia de renda abso-lutamente necessária para a sobrevivência digna do contribuinte. É preciso haver um consenso entre o Fisco e o contribuinte de modo que o imposto não fira direi-tos fundamentais do cidadão, como o direito à alimentação, saúde, educação, ha-bitação, ao exercício profissional, etc. (...). O que excede o mínimo existencial se-ria então passível de tributação. No imposto sobre a renda líquida, assim entendi-da aquela passível de ser alcançada pelo tributo, o Fisco somente pode tributar o excedente do mínimo existencial. Não lhe é permitido tributar despesas com a manutenção individual e da família.323

No que tange ao Direito brasileiro, especialmente quanto ao Imposto sobre a Ren-

da, o Princípio do Mínimo Existencial, assim considerado como “o mínimo necessário a

atender às necessidades vitais básicas do cidadão”, encontra sustentação jurídica na aplica-

ção conjunta e interpretação sistemática dos artigos 1º, III – Princípio da Dignidade da Pes-

soa Humana; 3º, III (objetivo da República brasileira); e 7º, IV – Direito Social ao salário

mínimo –, todos da Constituição Federal de 1988324. Trata-se de Princípio implícito que,

todavia, possui a mesma força normativa daqueles explícitos, não sendo demais ressaltar

que os dois primeiros são corolários da República, enquanto que o terceiro é Direito e ga-

inte e de sua família” (sic) – Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva, p. 206-212. Esclarecemos, nos colchetes.

323 Princípios de Direito Tributário ..., op. cit., p. 203. 324 Constituição Federal de 1988:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a digni-dade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua con-dição social:...

IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, trans-porte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

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rantia individual do cidadão, portanto, todos eles de aplicabilidade imediata, consoante o

artigo 5º, § 1º, da Carta Magna325.

Outrossim, o Princípio do Mínimo Existencial tem, por parâmetro, não o salário

mínimo, como se poderia supor, mas sim o limite de isenção da tabela do Imposto sobre a

Renda da Pessoa Física, que, para o exercício 2012, ano calendário 2011, é de R$

19.645,32 (dezenove mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e trinta e dois centavos) anu-

ais, ou R$ 1.637,11 (um mil, seiscentos e trinta e sete reais e onze centavos) mensais326.

Ocorre que é de sabença comum que o salario mínimo não é capaz de atender

àqueles direitos expressamente prescritos pelo artigo 7º, IV, da Constituição Federal de

1988, e os Tribunais brasileiros reconhecem essa insuficiência, daí a impossibilidade de

quantificação daquele Princípio pelo critério da variação do salário mínimo. Utiliza-se,

pois, a faixa de isenção da tabela do Imposto sobre a Renda, porém, tal critério, ou o valor

considerado, também se mostra insuficiente e, ainda, não se tem dúvida de que, para efeito

de incidência desse imposto, não se levam em consideração “todas” as despesas necessárias

à manutenção da fonte produtora, mas somente aquelas autorizadas expressamente por lei.

Clarificando essa insuficiência do valor previsto na tabela do Imposto sobre a

Renda, ressalta-se que o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos So-

cioeconômicos – informa que o valor “mínimo” necessário para a “manutenção de uma fa-

mília”, no mês de maio de 2012, é de R$ R$ 2.383,28 (dois mil, trezentos e oitenta e três

reais e vinte e oito centavos), ou seja, R$ 746,17 (setecentos e quarenta e seis reais e dezes-

sete centavos) superior à faixa de isenção da tabela do Imposto sobre a Renda e, R$

1.761,28 (um mil, setecentos e sessenta e um reais, vinte e oito centavos) superior ao valor

325 Constituição Federal de 1988: “Art. 5º. ‘Omissis’.

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. 326 A tabela progressiva do imposto sobre a renda da pessoa física poderá ser encontrada diretamente na “ho-

me page” da Receita Federal do Brasil, disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/tabprogressiva2012a2015.htm, com acesso em 15 de junho de 2012. Tabela aprovada pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, alterada pelo artigo 1º da Lei nº 12.469, de 26 de agosto de 2011.

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do salário mínimo brasileiro, que no mesmo mês é de R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois

reais)327.

ROBERTO QUIROGA MOSQUERA oferta importante contribuição no estudo do

Princípio do Mínimo Existencial, aplicável ao Imposto sobre a Renda:

Nas dobras dos princípios fundamentais e basilares acima comentados é que se revela a necessidade de se dar ao cidadão brasileiro condições mínimas de exis-tência, isto é, supri-lo de bens materiais que atendam às suas necessidades básicas e que lhe permitam assegurar a vida, a saúde, o bem estar, a dignidade e a liber-dade. Dar condições mínimas de existência consiste, outrossim, em não tributar os va-lores recebidos e utilizados na consecução desse objetivo. O mínimo vital, por-tanto, é insuscetível de tributação328.

Enfim, vale fazer menção à definição de “Mínimo Existencial” segundo o enten-

dimento do Supremo Tribunal Federal, extraído de voto da lavra do Ministro CELSO DE

MELLO:

A noção de mínimo existencial, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, artigo 1º, III, e artigo 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condi-ções adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efeti-vo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o di-reito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direi-

327 A tabela onde consta o salário mínimo nominal e o mínimo necessário pode ser encontrado na “home

page” http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu09-05.xml, com acesso em 15 de junho de 2012. Im-portante ressaltar, outrossim, que consta da referida tabela que a renda necessária leva em consideração uma família com dois adultos e duas crianças. Eis a observação constante no referido sítio eletrônico: “Sa-lário mínimo necessário: Salário mínimo de acordo com o preceito constitucional ‘salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim” (Constituição da República Federativa do Brasil, capítulo II, Dos Direitos Sociais, art. 7º, inciso IV). Foi considerado em cada Mês o maior valor da ração essencial das localidades pesquisadas. A família considerada é de dois adultos e duas crianças, sendo que estas consomem o equivalente a um adulto. Pon-derando-se o gasto familiar, chegamos ao salário mínimo necessário”.

328 Renda e Proventos..., op. cit., p. 127.

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to à saúde , o direito à assistência social, o direito à moradia , o direito à alimen-tação e o direito à segurança.329

Diante dos fundamentos articulados, primeiro, verificou-se a autoaplicabilidade e,

portanto, a obrigatoriedade do Princípio do Mínimo Existencial, que já se ressaltava pela

simples condição de “princípio”; segundo, que tanto o salario mínimo quanto o valor de re-

ferência para a faixa de isenção do Imposto sobre a Renda são insuficientes para cobrir es-

sas necessidades “vitais básicas”; e, terceiro, que, nesse particular, evidencia-se a distorção

que existe na tabela do Imposto sobre a Renda, já que a faixa de isenção está abaixo do mí-

nimo necessário à existência digna do ser humano.

Por fim, importante ressaltar que, apesar de, à primeira vista parecer que o Princí-

pio do Mínimo Existencial seria aplicável apenas às pessoas físicas, esclarece-se que se par-

te do entendimento de que tal Princípio pode ser aplicado, também, para as pessoas jurídi-

cas, considerando-se as necessidades mínimas para a manutenção da atividade empresarial,

ou seja, o mínimo para a manutenção da fonte produtora, invocando-se, nesse caso, como

fundamento, os Princípios da função social da empresa e da Livre Iniciativa, ambos extraí-

dos da Constituição Federal de 1988.

No particular, ROQUE ANTONIO CARRAZZA assim leciona: “Abrimos ligeiro

parêntese para frisar que no caso da pessoa jurídica o ‘mínimo vital’ corresponde ao in-

dispensável para que remunere seus empregados, renove o estoque, mantenha capital de

giro – enfim, continue existindo, como empresa” (sic)330.

329 ARE 639337 AgR/SP – São Paulo – Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo. Relator(a): Min.

CELSO DE MELLO. Julgado em 23/08/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicado no DJe-177 do dia 15/09/2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28639337%2ENUME%2E+OU+639337%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos. Acesso em: 26/08/2012.

330 Imposto sobre a Renda..., op. cit., p. 50. DIEGO MARÍN-BARNUEVO FABO ensina: “En un desarro-llo sistemático encomiable, el Tribunal Constitucional alemán declara como punto de partida de su expo-sición el reconocimiento de un mandato constitucional que impone al Estado ‘dejar exentas las rentas del sujeto pasivo en la medida en que éstas sean necesarias para garantizar las condiciones de vida mínimas de una vida humana digna’. Este mandato constitucional lo deduce el Tribunal, siguiendo una línea juris-prudencial precedente, del derecho fundamental a la dignidad, contenido en el art. 1 GG, en conexión con el principio de Estado social del art. 20.1 GG. (...) mediante los que se afirma que ‘del mismo modo que el Estado está obligado – según estas normas constitucionales – a garantizar a los ciudadanos sin recur-

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5.2.4 Princípios da Generalidade e da Universalidade

Outros dois Princípios que informam o Imposto sobre a Renda, por expressa de-

terminação constitucional, são os primados da “Generalidade” e da “Universalidade”331.

São Princípios constitucionais que, além da sua importância individual, em razão das res-

pectivas definições, ainda possibilitam o atendimento aos Princípios da Igualdade e da Ca-

pacidade Contributiva.

O Princípio da Generalidade liga-se diretamente ao critério pessoal do consequente

da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda, especialmente no que tange ao su-

jeito passivo, isso porque, em razão da aplicação de tal princípio, o imposto em destaque

deve atingir a todos os contribuintes que apresentem Capacidade Contributiva.

Por outros torneios, esse princípio busca significar que todas as pessoas que reali-

zem a hipótese tributária serão alcançadas pela obrigação de recolher o Imposto sobre a

Renda, de forma que deverão contribuir com o erário todos aqueles que demonstrem Capa-

cidade Contributiva, de acordo com as características pessoais de cada contribuinte, indivi-

dualmente considerado.

Por outro lado, o Princípio da Universalidade tem sua ligação com o critério quan-

titativo e, porque não dizer, com o próprio critério material, ambos da norma-padrão de in-

cidência tributária, isso porque envolve as rendas e os proventos percebidos pelo particular,

de forma que sejam elas alcançadas pela tributação, na medida em que sejam auferidas.

Sob outro viso, esse princípio informa que as rendas ou proventos, de todas as es-

pécies e gêneros, independentemente da denominação, localização, condição jurídica, naci-

sos unas condiciones mínimas de vida digna mediante la concesión de subvenciones sociales, no puede sustraer a los ciudadanos dicha cantidad de renta por sí mismos obtenida, en la medida em que ésta cons-tituye el mínimo existencial’” – La Protección Del Mínimo Existencial en el Ámbito del IRPF, p. 35-37.

331 Constituição Federal de 1988:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:...

III - renda e proventos de qualquer natureza;

I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”;...

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onalidade da fonte e da sua origem, salvo as exceções previstas em lei, na sua acepção am-

pla, dever-se-ão submeter à incidência do Imposto sobre a Renda; isso significa dizer que

serão alcançadas pela tributação todas as rendas e proventos das pessoas que demonstrem

Capacidade Contributiva332.

Como se verifica, os Princípios da Generalidade e da Universalidade, ainda que

indiretamente, se relacionam com o Princípio da Capacidade Contributiva e, essa associa-

ção, é considerada pela doutrina ao defini-los. JOSÉ JUAN FERREIRO LAPATZA, asso-

ciando o estudo dos Princípios da Generalidade, Igualdade e Capacidade Contributiva, des-

taca:

O princípio de generalidade pode ser formulado da seguinte maneira: todos de-vem suportar as cargas tributárias. O princípio da igualdade acrescenta: todos são iguais no momento de contribuir para o sustento do Estado. Os dois princípios podem, portanto, ser resumidos nesta breve afirmação: todos devem suportar de igual forma as cargas derivadas dos tributos. não devem existir privilégios, nem tratamentos diferenciados. (...). Todos têm que pagar tributos. mas todos os que possam, naturalmente. Todos os que tenham capacidade econômica para suportar os ônus que representam.333

No que se refere especificamente ao Princípio da “Generalidade”, consoante as

premissas adotadas neste trabalho, importante ressaltar o entendimento de RICARDO

MARIZ DE OLIVEIRA, ao aduzir:

332 Interessante a construção realizada por ALEXANDRE BARROS CASTRO, escorado na lição de HÉC-

TOR VILLEGAS, que, em termos jurídicos, não nega a postura aqui adotada, mas possibilita, contudo, vi-sualizar o primado da Universalidade sob outro matiz. Afirma o autor: “Dessa forma, como Héctor Ville-gas vislumbrou com brilho literário próprio, entendemos que este princípio da universalidade refere-se mais a um aspecto negativo do que positivo, pois em realidade, não se trata de que toda a renda deve ser tributada, mas sim que nenhuma o deixará de ser ante a concessão de privilégios excludentes, salvo aque-les expressamente previstos. Por outro raciocínio, podemos dizer que o gravame recairá sobre a totalida-de das rendas, de modo que todas que se subsumirem ao comando normativo a ele se sujeitarão, supor-tando redução quantitativa limitada à capacidade contributiva, à vedação ao confisco e à garantia consti-tucional que afirma o direito de propriedade (art. 5º, XXII e XXIV, da CF)” (sic) – Sujeição passiva..., op. cit., p. 140.

333 Direito Tributário – teoria geral do tributo ..., p. 22-23.

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Generalidade significa que o imposto deve tratar por igual todo e qualquer tipo de renda ou provento, melhor dizendo, todo acréscimo patrimonial deve receber o mesmo tratamento. Generalidade contrasta com seletividade, sabendo-se que em nossa Constituição há um imposto que obrigatoriamente deve ser seletivo (...). Já no caso do imposto de renda, a seletividade é vedada expressamente, por exclu-são decorrente da adoção obrigatória do princípio da generalidade, que se contra-põe à seletividade.334

Por outro lado, quanto ao Princípio da Universalidade, confirmando o posiciona-

mento aqui adotado, invoca-se a lição de ALEXANDRE BARROS CASTRO, que asseve-

ra:

Definida a generalidade plasmada pelo legislador no artigo 153, § 2º, da CF, po-de-se mencionar com a mesma ênfase que, ante o principio da universalidade, a tributação deve alcançar o total dos aspectos materiais de incidência descritos pe-la lei instituidora dos tributos. Em outro giro, podemos avençar que por força de tal garantia a tributação deve recair sobre a totalidade, o universo das condutas

334 Princípios Fundamentais do Imposto de Renda, in LUIZ EDUARDO SCHOUERI E FERNANDO AU-

RÉLIO ZILVETI (coord), Direito Tributário – Estudos em Homenagem a Brandão Machado..., p. 214. JOSÉ ANTONIO MINATEL, observa: “Entendida a generalidade como o atingimento da totalidade das pessoas com aptidão contributiva, sem exceções de qualquer natureza, objetivas ou subjetivas, esse comando será alcançado por decorrência da aplicação de outros princípios, aqui já abordados. Com efeito, generalidade é característica própria e inerente à LEI – ordem geral e abstrata. Quando falamos do princípio da legalidade, já relevamos o comando que, em matéria tributária, só a LEI (geral e não in-dividual) tem o condão de inovar a ordem jurídica, exigindo de todos aqueles que se subsumem à descri-ção hipotética normativa o tributo correspondente. Quer a CARTA que a eleição do sujeito passivo seja ampla e genérica, e não particularizada, consumando com esta pretensão o efetivo apego ao postulado da isonomia tributária, fonte de inspiração da norma em análise” (sic) – apud ALEXANDRE BARROS CASTRO, Sujeição passiva..., op. cit., p. 131. Por seu turno, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, manifes-tando-se no mesmo sentido, assim leciona: “Por ‘generalidade’ entendemos que o imposto há de alcançar todas as pessoas que realizam seu ‘fato imponível’. E isto independentemente de raça, sexo, convicções políticas, credo religioso, cargos ocupados etc. Noutros falares, este critério veda discriminações e privi-légios entre os contribuintes” – Curso de Direito..., op. cit., p. 62. Já MARY ELBE QUEIROZ, assim se posiciona acerca da Generalidade: “A generalidade tem o seu uso mais como referindo-se a pessoas, no sentido de que todos, salvo os casos de imunidade, deverão submeter-se à imposição dos tributos desde que realizem os respectivos fatos geradores. Saliente-se que somente poderá existir a possibilidade de o legislador poder criar exceções à generalidade, se destinadas a realizar a isonomia em consideração à capacidade contributiva. A generalidade diz respeito a pessoas e tem como pressuposto que todos aqueles que tenham capacidade deverão contribuir, de acordo com a medida de cada um, na repartição do ônus tributário. A adoção da generalidade busca resolver as desigualdades, evitando que sejam feitas discri-minações tributárias em razão de condições ou características pessoais dos contribuintes, procurando com isso atingir a capacidade contributiva e realizar a isonomia por meio da tributação” – Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – tributação das pessoas físicas, In EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI (coord.), Curso de Especialização..., p. 445.

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prescritas pelo legislador e que sejam ensejadoras da gênese obrigacional daquela natureza. Assim, podemos inferir sem maiores arroubos que, se a lei tributária não contemplar tal universalidade, perecerá indubitavelmente ante vício insanável (sic)335.

Demonstrada, portanto, a aplicabilidade dos Princípios da Generalidade e da Uni-

versalidade já se mostra possível estudar outro princípio que, justamente como os anterio-

res, informa o Imposto sobre a Renda. Trata-se do Princípio da Progressividade.

335 Sujeição passiva...., op. cit., p. 139. No sentido de que a Universalidade envolve todas as rendas e proven-

tos percebidos pelo particular, pode-se destacar o entendimento de LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ, ao aduzir que o “... o Princípio Constitucional da Universalidade é o complemento, necessário e condici-onante, do aspecto ‘declaração’ prescritiva do antecedente das normas constitucionais de produção nor-mativa relativas ao IR, portadoras de elevada carga axiológica, o qual exige que, ao se produzir a ‘nor-ma complementar de produção normativa relativa ao IR' ou a ‘norma de IR’, seja, respectivamente, de-terminado ou incluído como critério material do antecedente e como base de cálculo (no critério material quantitativo do consequente) o conceito ‘renda e proventos de qualquer natureza’, o qual deve ser infor-mado por todos os fatos (positivos e negativos) que contribuam para a sua identificação, não importando quais sejam suas fontes, origens ou natureza” – Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 99. Por sua vez, MIZABEL ABREU MACHADO DERZI, em lição emblemática, coloca pá de cal no tema da Universali-dade, ao ressaltar que “... a Constituição brasileira consagra a unicidade do imposto de renda, pois esta-belece que ele deve ser, a um só tempo, universal (art. 153, § 2º, I) e pessoal (art. 145, § 1º). Como se sa-be, a universalidade é um imperativo de justiça, princípio por força do qual nenhuma forma de renda, ad-vinda do trabalho, do capital ou da combinação de ambos, pode estar fora do campo de incidência do tri-buto. A universalidade da renda, não obstante, deve ser pessoal e não objetiva, ou seja, deve ser unitária, global e uniformemente tratada” – Nota in ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário ..., op. cit., p. 292. Outro não é o entendimento de ROQUE ANTONIO CARRAZZA: “Já, por ‘universalidade’ temos que o IR deve alcançar ‘todos’ os ganhos ou lucros, de quaisquer espécies ou gêneros, obtidos pelo con-tribuinte no território brasileiro e – desde que respeitados os acordos que visam a evitar a bitributação internacional – também no exterior. Em linha de princípio, nada deve escapar à sua incidência, pouco importando a denominação dos rendimentos, sua origem, a condição jurídica de quem os aufere ou a na-cionalidade da fonte. Tal avaliação global conecta o tributo aos princípios da capacidade contributiva e igualdade. O critério da universalidade também impede que apenas uma parte dos rendimentos obtidos pelo contribuinte seja levada à tributação, ainda que isto possa revelar-se, na prática, socialmente justo e economicamente adequado, como ocorreria caso os salários menos expressivos não fossem alcançados pelo imposto em tela. Pelo contrário, a renda e os proventos de qualquer natureza devem ser visualizados como um todo, de sorte a desvendar o real acréscimo patrimonial experimentado pelo contribuinte duran-te o período aquisitivo. Mais: não pode haver impostos diferentes, dependendo do tipo de rendimentos au-feridos, de sua proveniência ou da qualificação jurídica de quem os recebe” (sic) – Imposto sobre a renda..., op. cit., p. 63.

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5.2.5 Princípio da Progressividade

O Princípio da Progressividade, assim como os da Generalidade e da Universali-

dade, respeitando-se as particularidades do Sistema Constitucional Tributário brasileiro,

ainda que de forma indireta, também se liga ao Princípio da Capacidade Contributiva, com

o objetivo de conformar as normas jurídicas que tratam do Imposto sobre a Renda e, assim,

fazer valer a materialidade constitucionalmente fixada desse imposto, tornando aplicável, o

Princípio da Isonomia, não apenas em sentido amplo, mas também materializando-se na

busca pela Igualdade Tributária. Essa é, pois, a razão de GERALDO ATALIBA afirmar

que “... a progressividade dos impostos consiste (...), aos olhos de uma política tributária

baseada nas melhores elaborações de ciência das finanças, numa excelente maneira de re-

alizar o princípio da capacidade contributiva informador dos impostos (artigo 150, § 1º,

da CF.)”336.

O Princípio da Progressividade encontra assento no artigo 153, § 2º, II da Consti-

tuição Federal de 1988, e direciona-se ao critério quantitativo da regra-matriz de incidência

do Imposto sobre a Renda, sujeitando a alíquota de acordo com a variação da base de cálcu-

lo. O objetivo de tal princípio consiste na previsão legal de alíquotas crescentes e progres-

sivas, na medida em que haja aumento das respectivas bases de cálculo; por outros torneios,

aumenta o impacto do Imposto sobre a Renda na exata medida em que aumenta a Capaci-

dade Contributiva do sujeito passivo.

Consoante acabamos de enfatizar, esse princípio é corolário e modo de realização

dos Princípios da Capacidade Contributiva e da Igualdade, levando-se em consideração as

336 Progressividade e Capacidade Contributiva, in GERALDO ATALIBA e ANTONIO ROBERTO SAM-

PAIO DÓRIA (coord.), Princípios Constitucionais Tributários, p. 49. Importante destacar a obra de LUCIANO AMARO, segundo a qual “... a progressividade não é uma decorrência necessária da capaci-dade contributiva, mas sim um refinamento desse postulado” para a seguir esclarecer que “a proporciona-lidade implica que riquezas maiores gerem impostos proporcionalmente maiores (na razão direta do au-mento da riqueza). Já a progressividade faz com que a alíquota para as fatias mais altas da riqueza seja maior” (sic) – Direito Tributário Brasileiro ..., p. 139.

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características pessoais do contribuinte, equilibrando, assim, as desigualdades sociais e

buscando-se a aferição do real montante devido a título de Imposto sobre a Renda337.

A Progressividade foi uma característica determinante para o nascimento do Im-

posto sobre a Renda no Brasil, sistemática essa que continua mantida pela Constituição Fe-

deral de 1988. Tal imposto sempre foi progressivo, desde a sua criação, entretanto, antes da

atual Carta Republicana, a exigência era veiculada apenas por legislação infraconstitucio-

nal, passando a ter “status” constitucional a partir de 1988.

GERALDO ATALIBA faz importante revelação sob a Progressividade no âmbito

dos impostos, salientando:

(...). Todo imposto, em maior ou menor escala, tem efeitos econômicos (Baleei-ro), desejados, indesejados (Hensel) pelo legislador, ou mesmo imprevisíveis ou de difícil previsão (Sainz de Bujanda). A literatura internacional de ciência das finanças (public finance, finances publiques, scienza dele finanze) ou de econo-mia política (desde Adam Smith até Mário Simonsen) dedica boa parte de suas atenções ao estudo desse fenômeno. A despeito de todas as discrepâncias, uma conclusão é universal: não há verdadeiro imposto neutro. Logo, mesmo o leigo pode inferir com imediata lógica: cada imposto será regressivo ou progressivo, sempre e inescapavelmente, em maior ou menor grau.

Todo imposto, destarte, no nosso sistema, deve ser progressivo, por imperativo constitucional. Não há exceção para esta regra, sob pena de negação não só das diretrizes específicas do ‘sistema tributário’ (arts. 145 a 150 da CF) como – o que é mais grave – do espírito da Constituição de 1988.

(...).

337 Em opinião contrária à tese de que a Progressividade está ligada à Capacidade Contributiva, destaca-se o

escólio de JÚLIA DE MENEZES NOGUEIRA: “Discordamos da doutrina que entende estar a norma ou princípio da progressividade diretamente ligada ao princípio da capacidade contributiva e, consequente-mente, à diretriz da igualdade. Cremos que, na hipótese específica do imposto sobre a renda (diferente-mente do que se dá com a progressividade do IPTU prevista pelo art. 182, § 4º, da Constituição, cujo ob-jetivo é desestimular que se conserve solo urbano não edificado) a progressividade busca alcançar o va-lor da redistribuição de riquezas, positivado em vários artigos da Constituição” – Imposto sobre a ren-da..., op. cit., p. 70. Também manifestando opinião contrária ao argumento da Progressividade estar ligado à Capacidade Contributiva e à Igualdade, destaca-se, ainda, FERNANDO AURÉLIO ZILVETI, que sus-tenta: “A vinculação do princípio da capacidade contributiva à progressividade, hoje questão superada no Direito Comparado, ainda encontra adeptos no Direito pátrio. Alguns autores entendem, inclusive, que não há como respeitar a capacidade contributiva sem a progressividade. Essa teoria não encontrou respaldo na doutrina comparada moderna devido às dificuldades de medir a capacidade contributiva a partir da aplicação da progressividade nos impostos. A progressividade é um critério econômico de apli-car maior carga tributária àquele que tem melhores condições econômicas para custear o Estado, distri-buindo sua riqueza para atender aos direitos sociais das pessoas menos favorecidas. A progressividade é, portanto, um meio de distribuição de riquezas, no exercício da justiça social” – Capacidade Contributiva e Mínimo Existencial, in Direito Tributário – Estudos em Homenagem a Brandão Machado..., p. 41.

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Lei que crie imposto progressivo está rigorosamente conforme com as prescrições constitucionais e com as diretrizes consagradas no sistema; realiza os desígnios constitucionais. Dá eficácia ao espírito da Constituição.338

MARY ELBE QUEIROZ, em linguagem clara, descortina o entendimento acerca

do Princípio da Progressividade, ao lecionar:

Na imposição dos tributos, a progressividade sintetiza-se por meio de alíquotas crescentes e progressivas, em função do aumento das respectivas bases de cálcu-lo, isto é, a incidência do tributo aumenta em percentuais à medida que aumentam as grandezas de valores que compõem a base de cálculo.

A progressividade é corolário e modo de realização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade. Tem seu fundamento na busca de justiça fiscal e so-cial, à medida que procura equilibrar as desigualdades sociais. O substrato do princípio reside em fazer com que os que tenham mais, os que podem arcar com maior ônus na distribuição da carga tributária, paguem mais imposto.

Em relação ao Imposto sobre a Renda, a progressividade revela-se mediante a in-cidência gradativa, em percentual maior e, pretensamente, de modo progressivo, à medida que se dá o correspondente aumento da base de cálculo do imposto ou acréscimo patrimonial. Quanto ao IR, a progressividade deve levar em considera-ção as características pessoais.339

Para efeito deste trabalho, mostra-se importante sublinhar que não convém ingres-

sar na discussão acerca da conveniência ou não de o Imposto sobre a Renda ser informado

pelo Princípio da Progressividade. Tal postura se justifica, primeiro, porque implicaria em

escapar dos limites impostos pelo estudo em evolução e, segundo, porque em se tratando de

Imposto sobre a Renda, a imperatividade da aplicação da Progressividade decorre de norma

338 Progressividade e Capacidade Contributiva, in GERALDO ATALIBA e ANTONIO ROBERTO SAM-

PAIO DÓRIA (coord.), Princípios..., op. cit., p. 53. 339 Imposto sobre a Renda..., op. cit., 446. Por sua vez, MISABEU ABREU MACHADO DERZI destaca

acerca da Progressividade: “A progressividade nos tributos é a única técnica que permite a personaliza-ção dos impostos, como determinam expressamente, o art. 145, § 1º, da Constituição de 1988. É que, na medida em que o legislador considera as necessidades pessoais dos contribuintes, passa, também, a con-ceder reduções e isenções. Tais renúncias de receitas, ocorrentes em favor do princípio da igualdade, têm de ser compensadas por meio da progressividade, a fim de que o montante da arrecadação se mantenha o mesmo no total. Por isso, apesar do movimento neo-liberal desencadeado em toda a parte na última dé-cada, a progressividade persiste nos países mais desenvolvidos, permanecendo mais suave em países co-mo a Inglaterra e EUA, porém, mais agressiva na Alemanha, França, ou nos países nórdicos” (sic) – No-ta in ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário ..., op. cit., p. 293.

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expressamente prevista na Constituição Federal e, diga-se de passagem, com redação origi-

nária.

Por fim, antes de encerrar o item dos Princípios aplicáveis ao Imposto sobre a

Renda, importante ressaltar que atualmente, para o ano-calendário 2012, exercício 2013, tal

imposto, no que se refere às pessoas físicas, possui tabela com cinco faixas de aplicação da

Progressividade, partindo desde a faixa dos isentos, para renda anual igual ou inferior a R$

19.645,32 (dezenove mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e trinta e dois centavos) até a

alíquota de 27,5% para renda anual igual ou superior a R$ 49.051,80 (quarenta e nove mil,

cinquenta e um reais e oitenta centavos), variando as alíquotas entre: a) isento; b) 7,5%; c)

15%; d) 22,5% e; e) 27,5%340.

No que tange às pessoas físicas, em que pesem as alterações legislativas que modi-

ficaram as faixas de incidência do Imposto sobre a Renda, as quatro zonas de incidência

prescritas, acrescido da faixa de isenção, acabam por não realizar, de maneira minimamente

satisfatória, a Progressividade prevista constitucionalmente para aquele imposto pessoal, is-

so porque o limite superior das faixas de incidência – 27,5% – não foi objeto de alteração

no sentido de reduzir o impacto do imposto a partir de um determinado patamar de renda.

Contudo, a situação é ainda pior em relação às pessoas jurídicas, isso porque estão

submetidas à alíquota de 15% e, no caso de o faturamento trimestral ser superior a R$

60.000,00 (sessenta mil reais), ou anual, limitado a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil

reais), aplicar-se-á adicional de alíquota de 10%. Assim, no caso do Imposto sobre a Renda

das Pessoas Jurídicas, parece evidente o descompasso das alíquotas previstas normativa-

mente com o primado constitucional da Progressividade, não se respeitando, pois, além do

próprio princípio, ainda a Capacidade Contributiva e a Igualdade.

Feitas essas considerações acerca de alguns dos Princípios aplicáveis ao Imposto

sobre a Renda, já se pode avançar no caminho do esgotamento da matéria objeto deste tra-

balho e passar a estudar a norma jurídica de isenção e as possibilidades da sua revogação.

340 Acessando a “home page” da Receita Federal do Brasil, mediante o endereço eletrônico

http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/tabprogressiva2012a2015.htm, encontrar-se-á a tabela do Im-posto sobre a Renda da Pessoa Física, com atualização até 2015. Para efeito das informações aqui presta-das, o acesso ocorreu em 15/06/2012.

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5.3 A NORMA JURÍDICA DE ISENÇÃO E A LIMITAÇÃO À SUA REVOGAÇÃO

5.3.1 A norma jurídica de isenção

Ao tratar de isenção, um aspecto inicial a ser esclarecido é que, em razão da ainda,

e inexplicável, confusão existente entre imunidade e isenção341; cabe, desde logo, fazer cla-

ro que se parte da premissa de que são fenômenos jurídicos diferentes, com pressupostos

distintos e, portanto, inconciliáveis entre si, embora do ponto de vista econômico-

pragmático, ambos os institutos têm por reflexo o não pagamento de tributo342. Assim, nas

linhas que seguem, exatamente por conta da distinção jurídica existente entre imunidade e

isenção, tratar-se-á apenas da segunda, e as referências eventuais que possam surgir sobre a

imunidade, dizem respeito não à confusão entre os institutos, mas às obras jurídicas objeto

de citação.

Feita essa observação inicial, como já enunciado, a atual redação do artigo 10 da

Lei Federal nº 9.249/95 retirou da base de cálculo do Imposto sobre a Renda do beneficiá-

rio, mediante concessão de isenção, os lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoa

jurídica. Entretanto, pretendem os projetos de lei nºs 3.007 e 3.091, ambos de 2008, e 2.610,

de 2011, reestabelecer a tributação, revogando a isenção concedida. Daí a necessidade de

341 A imunidade, trata-se de fenômeno constitucional, atuando no campo das competências tributárias, signi-

ficado, em outras palavras, a incompetência das unidades federativas em tributar determinados fatos con-siderados relevantes pela Constituição Federal. Em relação a esses fatos, não dispõem as Pessoas Políticas de Direito Público Interno competência legislativa para tratar sobre os tributos. A isenção, por sua vez, é fenômeno de índole infraconstitucional, que por ser norma de estrutura, impede a incidência da norma ju-rídica tributária em razão da mutilação de um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, ocasionada por um entrechoque normativo entre as normas de incidência tributária e de isenção.

342 Destaca-se, por exemplo, a imunidade das contribuições sociais concedidas às entidades beneficentes de assistência social, em razão na norma prescrita no § 7º, do art. 195, da Constituição: “São isentas de con-tribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigên-cias estabelecidas em lei”. Apesar de a Constituição tratar de “isenção”, não se tem dúvida que o caso é mera atecnia do legislador constituinte, devendo-se ler como “imunidade”. A despeito disso, a interpreta-ção literal do dispositivo tem levando o Fisco federal a promover interpretação torta do Sistema Constitu-cional Tributário, entendendo, por exemplo, que a regulamentação a que alude o dispositivo constitucional é o art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, quando, em verdade, deve-se aplicar o art. 14 do Códi-go Tributário Nacional.

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estudar o fenômeno da isenção e os limites que o sistema jurídico prevê para a sua revoga-

ção.

Muito se tem escrito sobre a norma jurídica de isenção, e a doutrina, no mais das

vezes, na consegue chegar à unanimidade de entendimento sobre esse fenômeno jurídico.

Para o caso deste trabalho, como o foco de estudo não é unicamente a norma de isenção,

opta-se por apresentar as correntes doutrinárias mais respeitadas e, posteriormente, fazer-se

uma tomada de posição para efeito de desenvolvimento das ideias.

Já se trabalhou, no capítulo precedente, acerca da competência tributária, e os fun-

damentos lá articulados serão importantes para o desenvolvimento do presente tópico, isso

porque a unidade federativa tem competência para conceder isenção somente porque, antes,

dispõe de competência legislativa para editar normas sobre tributos. E se é possível tributar,

ao mesmo tempo se permite conceder isenções, e a lógica do raciocínio demonstra que

também é possível revogá-la343.

No âmbito do Direito brasileiro, a isenção tributária encontra assento legal no arti-

go 175 do Código Tributário Nacional, que possui a seguinte redação: “Excluem o crédito

tributário: I – a isenção...”. O “codex” Tributário, além de estabelecer as regras gerais

aplicáveis à isenção, ainda permite uma importante conclusão: a isenção tributária é fenô-

meno de índole infraconstitucional, portanto, sua concessão e revogação dependem exclu-

sivamente de lei da pessoa política que detém a competência tributária para instituir o tribu-

to que se quer isentar344.

343 JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES lembra que “... o poder de isentar apresenta certa simetria com o poder

de tributar. Tal circunstância fornece a explicação do fato de que praticamente todos os problemas que convergem para a área do tributo podem ser estudados sob o ângulo oposto: o da isenção. Assim como existem limitações constitucionais ao poder de tributar, há limites que não podem ser transpostos pelo poder de isentar, porquanto ambos não passam de verso e reverso da mesma medalha” – Teoria Geral da Isenção Tributária, prefácio, p. 8.

344 Código Tributário Nacional: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: VI - as hipóteses de exclusão, sus-pensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”. É por conta dessa conclusão, que SACHA CALMON NAVARRO COELHO assevera: “a distinção em relação à imunida-de, na espécie, é feita a partir da hierarquia normativa. Enquanto a norma imunitória é constitucional-mente qualificada, a norma isencional heterônoma é legalmente qualificada (lei complementar da Consti-tuição)” – Manual de Direito Tributário, p. 67.

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Firmada a premissa de que a isenção tributária é fenômeno de competência legal,

já se pode ingressar nas definições encontradas nas melhores doutrinas. Uma primeira linha

de pensamento, capitaneada por RUBENS GOMES DE SOUSA e AMÍLCAR DE ARAÚ-

JO FALCÃO, influenciados pela doutrina italiana, especialmente de A. D. GIANNINI, en-

tendem a isenção como caso de dispensa legal do pagamento do tributo. Destacam os refe-

ridos autores: RUBENS GOMES DE SOUSA: “A isenção é o favor fiscal concedido por

lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo devido”345. Já AMÍLCAR DE

ARAÚJO FALCÃO: “Na isenção, diversa é a hipótese. Nela, há incidência, ocorre o fato

gerador. O legislador, todavia, seja por motivos relacionados com a apreciação da capa-

cidade econômica do contribuinte, seja por considerações extrafiscais, determina a inexi-

gibilidade do débito tributário”346.

A doutrina dos autores em destaque, ao considerar a isenção como caso de dispen-

sa legal do pagamento do tributo está admitindo uma desoneração tributária no sentido de

liberar o sujeito passivo do pagamento da obrigação tributária já constituída. Por outras pa-

lavras, reputa-se constituída a obrigação tributária, porque houve a incidência normativa,

com posterior dispensa do pagamento do tributo. Em termos de teoria da norma jurídica, a

norma tributária incide sobre o fato, nasce a obrigação tributária e, posteriormente, outra

norma jurídica, agora de isenção, dispensaria o pagamento do débito.

Ocorre que, segundo a Teoria Geral do Direito, todas normas jurídicas, quando di-

ante de fatos sociais idênticos, incidem no mesmo instante lógico, ou seja, possuem a mes-

ma “velocidade” de incidência, de forma que não se sustenta a afirmação de que primeiro

incide a norma tributária para, depois de nascida a obrigação, incidir a norma de isenção e

dispensar o pagamento do tributo347. Sobre o assunto, para afastar o entendimento de RU-

345 Compêndio de Legislação Tributária, p. 97. 346 Fato Gerador da Obrigação Tributária, p. 132. 347 Sobre a afirmação de RUBENS GOMES DE SOUSA, disserta com sua peculiar propriedade JOSÉ SOU-

TO MAIOR BORGES, da seguinte forma: “Sucede entretanto que, em decorrência do princípio da reser-va de lei, natureza legal da obrigação tributária, não se converte o fato gerador, por uma espécie de tran-substanciação legal, em fato isento. Se fosse possível tal fenomenologia, a norma que estabelecesse a isenção estaria a rigor em contradição com a norma que definisse o fato gerador da obrigação tributária, e duas proposições normativas contraditórias não poderiam ser ambas válidas (‘princípio jurídico de contradição’)” (...). “Constitui uma contradição insanável ter como ‘ex lege’ a obrigação tributária (o que não se discute) e, ao mesmo tempo, admitir que esta possa surgir, embora dispensado o pagamento do tributo, até mesmo nas hipóteses em que a própria lei, ao delimitar o campo de incidência da tributa-

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BENS GOMES DE SOUSA e de AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO, discorre PAULO

DE BARROS CARVALHO:

Não há cronologia na atuação de normas vigorantes num dado sistema, quando contemplam idêntico fato do relacionamento social. Equivaleria a atribuir maior velocidade à regra-matriz de incidência tributária, que chegaria primeiro ao even-to, de tal sorte que, quando chegasse à norma de isenção, o acontecimento do mundo real já se encontrasse juridicizado. Sobre ferir concepções elementares do modo como se processa a normatização dos fatos sociais, a tese confere predica-dos à dinâmica de atuação das normas, que elas verdadeiramente não têm.348

ALFREDO AUGUSTO BECKER, por sua vez, primeiro apresenta os fundamen-

tos que demonstram a inconsistência do pensamento de RUBENS GOMES DE SOUSA,

para depois externar seu posicionamento acerca da norma jurídica de isenção, fazendo-o

nos seguintes termos:

Na verdade, não existe aquela anterior relação jurídica e respectiva obrigação tri-butária que seriam desfeitas pela incidência da regra jurídica de isenção. Para que pudesse existir aquela anterior relação jurídica tributária, seria indispensável que, antes da incidência da regra jurídica de isenção, houvesse ocorrido a incidência da regra jurídica de tributação. Porém, esta nunca chegou a incidir porque faltou, ou excedeu, um dos elementos da composição de sua hipótese de incidência, sem o qual ou com o qual, ela não se realiza. Ora, aquele elemento faltante, ou exce-dente, é justamente o elemento que, entrando na composição da hipótese de inci-dência da regra jurídica de isenção, permitiu diferenciá-la da regra jurídica de tri-butação, de modo que aquele elemento sempre realizará uma única hipótese de incidência: a da isenção, e desencadeará uma única incidência: a da regra jurídica da isenção, cujo efeito jurídico é negar a existência de relação jurídica tributária. A regra jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir.349

O posicionamento de BECKER, portanto, demonstra que a norma de isenção inci-

de para que a norma da tributação não venha a incidir, i. é., a norma de isenção impede a

ção, coloca o fato isento fora dele. Nada mais equivocado do que admitir, na hipótese, a existência de obrigação tributária insusceptível de produzir efeito jurídico” – Teoria Geral da Isenção..., op. cit., p. 164.

348 Curso..., op. cit., p. 500-501. 349 Teoria Geral..., op. cit., p. 306.

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incidência da norma tributária. Indo além, parte da distinção das normas jurídicas como

sendo normas juridicizantes, desjuridicizantes e não juridicizante, na forma trabalhada

quando se tratou da incidência normativa, no capítulo anterior. Assim, a regra de isenção,

para ALFREDO AUGUSTO BECKER, é regra não juridicizante.

Apesar de BECKER, com muita acuidade, perceber que, no fenômeno da isenção,

não há a incidência normativa, PAULO DE BARROS CARVALHO direciona críticas à li-

nha de desenvolvimento das premissas desse autor, ressaltando:

Quando assevera que a regra de isenção incide para que a de tributação não pos-sa incidir, outorga maior celeridade ao processo de percussão do preceito isenci-onal, que deixa para trás a norma do tributo, na caça ao acontecimento do mundo físico exterior. Inverte, como se vê, a dinâmica da juridicização do evento que, ao invés de sofrer primeiramente o impacto da regra de tributação, como queria a te-se tradicional, recebe a incidência da norma isentiva.350

Não se concebe, portanto, ao falar-se do mesmo fenômeno fático, que, por injun-

ção do sistema, ele esteja submetido à incidência de duas normas jurídicas, normas tributá-

ria e isentiva, de forma concomitante; e que possa haver maior celeridade de uma em rela-

ção à outra, de forma a permitir que a norma de isenção alcance primeiramente o evento,

par, depois, ativar a norma de isenção.

Há ainda, outro pensamento importante a definir o fenômeno da isenção tributária,

encontrado nas lições de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, que assim se manifesta:

Tal distinção é criticável [realizada no caso de não-incidência, onde não chega a surgir a própria obrigação tributária, em contraponto da isenção, hipótese em que o tributo seria devido, existindo a obrigação, mas a lei dispensaria seu pagamen-to] de vez que a isenção, contrariamente ao que pretende a quase generalidade da doutrina, configura hipótese de não-incidência legalmente qualificada, como a imunidade configura hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada. Ocorre não incidência quando os requisitos previstos na lei tributária não se veri-

350 Curso..., op. cit., p. 501-502.

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ficam concretamente, de modo que não surge para o contribuinte a obrigação tri-butária.351

Portanto, na visão de SOUTO MAIOR BORGES, a isenção é típico caso de não-

incidência qualificada pela lei, não havendo que se falar em dispensa do pagamento do tri-

buto, como o faz grande parte da doutrina, porque, em verdade, este sequer chega a nascer.

Por outras palavras, em razão da incidência da norma de isenção, não nasce a obrigação tri-

butária.

Ocorre que, quando SOUTO MAIOR BORGES define a isenção como norma de

não-incidência legalmente qualificada, está, em outras palavras, sustentando que a norma

de isenção incide para que a norma de tributação não incida. Diante de tal pensamento, por-

tanto, ao analisar o núcleo do entendimento deste autor, a conclusão será de que ele possui

a mesma visão de BECKER, quanto ao fenômeno isentivo. SOUTO MAIOR BORGES

admite, portanto, que a norma de isenção é norma não-juridicizante, como o faz ALFREDO

AUGUSTO BECKER.

Isso significa dizer, em outros torneios, que à visão de SOUTO MAIOR BORGES

se aplicam as mesmas objeções lançadas por PAULO DE BARROS CARVALHO à visão

de ALFREDO AUGUSTO BECKER, que confere maior celeridade à norma de isenção,

que incide primeiro sobre o fato para impedir que a norma de tributação sobre ele possa in-

cidir. Essa maior velocidade da uma norma jurídica em relação à outra, quando se deveria

falar em incidir concomitantemente sobre o mesmo fato, não encontra respaldo na Teoria

Geral do Direito, daí a impossibilidade de sustentação de tal entendimento.

Não obstante isso, não se pode descurar de que a razão de ser da norma jurídica,

do ponto de vista normativo, é a incidência, i. é., a norma é idealizada para incidir, situação

que encerra contradição com a definição do mestre SOUTO MAIOR BORGES, que propõe

a existência de uma norma para evitar que ela exerça o papel para o qual fora concebida, ou

seja, impedir que haja a incidência. Essa objeção à tese da não incidência legalmente quali-

ficada foi bem delimitada por LUÍS EDUARDO SCHOUERI, ao sustentar:

351 Teoria Geral..., op. cit., p. 183.

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A tese da não incidência legalmente qualificada, posto que mais forte que a de mera dispensa do pagamento de tributo, tem a seu desfavor a dificuldade de ex-plicar o que seria uma “não incidência” por lei. Afinal, a norma se caracteriza exatamente pela possibilidade de sua incidência, uma vez verificada, no mundo fenomênico, a realização da hipótese legal. (sic)352

Muitos outros autores de envergadura trataram da isenção, contudo, em razão dos

limites deste trabalho, não convém examinar cada um deles, de forma que já se pode, a essa

altura, tomar posição acerca do fenômeno isentivo e, a partir disso, colocar a descoberto a

isenção concedida pelo artigo 10 da Lei 9.249/95 e a proposta da sua revogação353.

352 Direito Tributário ..., p. 582. 353 Ao tratar da isenção, MISABEL ABREU MACHADO DERZI entende que a definição daquele instituto

deve ser considerada na forma desenvolvida pela visão unitária do tributo. Declara a autora: “A isenção, sim, conjuga-se à norma de tributação, delimitando negativamente seu âmbito de incidência. Dela se po-de dizer, com propriedade, que a regra isencional está dentro do campo da não incidência, legalmente qualificada”. (...). A seguir, leciona: “Em resumo, podemos dizer que as exonerações totais endógenas criam, em relação aos fatos e pessoas isentos, inclusive sujeitos à alíquota zero, uma área de não inci-dência qualificada”. A autora, no mesmo trabalho, traz o posicionamento dessa corrente unitária antes tratada, nos seguintes termos: “Não sendo possível, juridicamente, a existência da relação jurídico-tributária, em função de isenção (ou de imunidade), não há de se falar em fato gerador, pressuposto ou hipótese. Por meio da isenção, o legislador recorta a realidade fática que poderia integrar a hipótese – para isso sendo competente – para dela excluir o fato isento”. Escorando suas lições no autor alemão ALBERT HENSEL, finaliza a autora: “‘Dada a multiplicidade e relações da vida que era necessário con-siderar e a necessidade de definir o pressuposto de modo mais simples, por razões de técnica legislativa, nasce a oportunidade de diferenciar a cláusula geral, em uma primeira etapa aplicada para determinados elementos do pressuposto, de modo que certas relações da vida fiquem excluídas do pressuposto geral. Tais disposições podem ser chamadas de isenções segundo o pressuposto. Elas são concebíveis para to-dos os elementos do pressuposto’. Observe-se que, para Hensel, os elementos do pressuposto configuram todos os aspectos da norma reguladora do tributo, material, espacial, temporal, subjetivo – sujeitos ativo e passivo e quantitativo –, base de cálculo e alíquota” – Imunidade, Isenção e não incidência, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, CARLOS VALDER DO NASCIMENTO E ROGÉRIO GANDRA DA SILVA MARTINS (coord.), Tratado de Direito Tributário ..., p. 361, 366-367. Destaca-se o enten-dimento de ROQUE ANTONIO CARRAZZA sobre as isenções: “‘Isenção’ como vimos de ver, é uma li-mitação legal do âmbito de validade da norma jurídica tributária que impede que o tributo nasça. Ou, se preferirmos, é a nova configuração que a lei dá à norma jurídica tributária, que passa a ter seu âmbito de abrangência restringido, impedindo, assim, que o tributo nasça (evidentemente naquela hipótese descrita na lei isentiva)” – Curso de Direito..., op. cit., p. 861. Também ao tratar das isenções, HUMBERTO ÁVILA, assim se posiciona: “A isenção é a exclusão de parcela da hipótese de incidência da regra de tributação por meio de regra constante de lei ordinária. Diferentemente do que ocorre com a imunidade, a isenção não é resultado da delimitação (constitucional) da competência tributária, mas efeito do exercí-cio legal daquela competência. (...). O que importa, para os propósitos deste artigo, é saber que a isenção (enquanto norma, portanto) é uma norma legal delimitadora do exercício do poder de tributar por meio da exclusão de uma parcela da hipótese de incidência da regra de tributação. Entre a regra de tributação e a regra de exoneração há uma relação de implicação lógica (ou de hierarquia lógica ou de conexão substancial por dependência conceitual): a regra de isenção pressupõe a regra de tributação. Ali onde houver uma norma legal excludente de uma parcela da hipótese de incidência da regra de tributação ha-verá uma norma de tributação” – Imunidades e Isenções, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, FERNANDO AURÉLIO ZILVETI E ROBERTO QUIROGA MOSQUERA (coord.), Tributação das

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Em que pesem os vários posicionamentos que se pode encontrar na doutrina, opta-

se por entender que os argumentos mais sustentáveis são aqueles que amparam a posição de

PAULO DE BARROS CARVALHO sobre a norma de isenção.

É preciso ressaltar, de início, que PAULO DE BARROS CARVALHO, ao tratar

da norma de isenção, parte da classificação de norma de comportamento e norma de estru-

tura, na forma já trabalhada em linhas anteriores, destacando que, enquanto a regra-matriz

de incidência tributária é típica norma comportamental, a norma de isenção, por sua vez, é

do tipo de regra de estrutura354.

Empresas..., p. 307. Por sua vez, SACHA CALMON NAVARRO COELHO, ao tratar da isenção, faz a seguinte proposta: “‘Data venia’, ousamos discordar do Mestre nordestino [Souto Maior Borges]. Acha-mos que a norma, de isenção não é. E, se não é, não pode ser ‘não juridicizante’. Não sendo, também não incide. As normas não derivam de textos legais isoladamente tomadas, por isso que se projetam do ‘con-texto jurídico’. A norma é a resultante de uma combinação de leis ou de artigos de leis (existentes no sis-tema jurídico). As leis e artigos de leis (regras legais) que definem fatos tributários conjugam-se com as previsões imunizantes e isencionais para compor uma única hipótese de incidência: a da norma jurídica de tributação. Assim, para que ocorra a incidência da norma de tributação é indispensável que os fatos jurígenos contidos na hipótese de incidência ocorram no mundo. E esses ‘fatos jurígenos’ são fixados após a exclusão de todos aqueles considerados não tributáveis em virtude de previsões expressas de imu-nidade e isenção” (Esclarecemos, nos colchetes) – Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da Exoneração Tributária, p. 209-210 e também: Tipologia Exonerativa: Imunidades, Isenções e outras Formas de Exonerar os Contribuintes às Luzes da Teoria da Norma Jurídica, in Direito Tributário Con-temporâneo..., p. 787. Sublinha-se, ainda, o pensamento de ELIUD JOSÉ PINTO DA COSTA: “O nosso entendimento, como facilmente observa-se, não considera mutilações nos critérios das normas jurídicas. Não considera, de igual modo, que as leis isentantes funcionem como ‘escudos’ da intributabilidade, im-pedindo a incidência da norma de tributação, como afirmam outros autores. Entendemos, diversamente, que ao diminuir o âmbito de validade em qualquer um dos critérios normativos, o legislador provoca o surgimento de outra norma, diferente da anterior, com profundas implicações em certos princípios como o da legalidade e da anterioridade. Ressalta-se que a instituição das isenções tributárias pode ocorrer, basicamente, de duas formas: a primeira pressupõe a conjunção de duas normas distintas: a que descreve o fato jurídico tributário, elegendo para o mundo do direito, situações descritoras do nascimento de obri-gações, e a que exclui alguns fatos ali descritos como hábeis à materialização do elo obrigacional. Ob-serve que a segunda norma refere-se necessariamente à primeira. Neste caso, relembramos, a norma an-terior deixa de existir, dando lugar à segunda, resultante da simbiose de ambas, com critérios diferentes” – A norma Jurídica e as Isenções Tributárias, p. 113.

354 Sustenta o autor: “Esse preâmbulo tem um escopo bem determinado, porque as normas de isenção per-tencem à classe das regras de estrutura, que intrometem modificações no âmbito da regra-matriz de inci-dência tributária, esta sim, norma de conduta” – Curso..., op. cit., p. 503-504. Em posicionamento con-trário, entendo a isenção como norma de comportamento, invoca-se os ensinamentos de PEDRO GUI-LHERME ACCORSI LUNARDELLI: “Particularmente, arriscamos dissentir desta respeitável opinião, por entender que a norma de isenção poderá apresentar-se também como norma de comportamento, atin-gindo diretamente a conduta do particular. (...) Entendemos que o fenômeno em tela não apresenta uni-camente tal dimensão, porquanto os conjuntos poderão estar formando uma estrutura normativa típica de comportamento, que também poderá relacionar-se com a regra-matriz tributária. A possibilidade de composição dessa estrutura normativa, que denominamos regra-matriz isencional, haveremos de ter uma regra-matriz de isenção, com antecedente e consequente prevendo, hipotética e respectivamente, o evento isento e a relação jurídica de isenção entre fisco e contribuinte” – Isenções Tributárias, p. 75 e 87.

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Diante disso, considerando que se têm duas normas jurídicas, aptas a incidir, de

forma concomitante, sobre o mesmo evento, e que, em Teoria Geral do Direito não há cro-

nologia de incidência das regras jurídicas, o que de fato acontece, no caso da isenção, é que

esta investe contra a regra-matriz de incidência tributária, mutilando-a parcialmente em um

ou mais de seus critérios, seja no antecedente ou no consequente, inibindo sua operativida-

de na parte em que sofreu o impacto da norma isentiva.

Por outras palavras, a norma de isenção investe contra a regra-matriz de incidên-

cia, no plano lógico, chocando-se contra esta e provocando sua parcial inoperatividade. E

fala-se que essa mutilação é parcial porque, se for total, estará a isenção por retirar um dos

critérios da regra-matriz de incidência, o que equivale a dizer, em termos jurídicos, que ha-

verá verdadeira revogação da norma tributária, pois, consoante as premissas já fixadas, a

norma padrão de incidência contém os elementos mínimos exigíveis para a imposição tribu-

tária, – daí a expressão “...mínimo irredutível de sentido deôntico...”, utilizada por PAULO

DE BARROS CARVALHO –, e na falta de qualquer desses elementos, o que aconteceria

no caso de mutilação total, não haveria possibilidade de a norma tributária operar os efeitos

para os quais foi concebida.

É importante que se diga, pois, que, em razão do entrechoque normativo ocorrido

entre um ou mais critérios da regra-matriz de incidência e a norma de isenção, a mutilação

parcial faz com que a norma-padrão não incida em relação ao evento considerado relevante

para a isenção, não permitindo, pois, a incidência tributária, no que tange à realidade fática

hipoteticamente prevista na isenção e, por isso, não surge sequer a obrigação tributária. A

colisão da norma de isenção com a regra-matriz impede a incidência desta quanto ao evento

tratado na isenção; todavia, em relação às situações fáticas não atingidas pela isenção, con-

tinuará a norma-padrão de incidência a produzir seus regulares efeitos e, portanto, incidin-

do.

Essas são as palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO:

Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a des-

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truir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o precei-to de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do ante-cedente ou do consequente. Vejamos um modelo: estão isentos do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza os rendimentos do trabalho assalariado dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros. É fácil notar que a norma jurídica de isenção do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (pessoa física) vai de encontro à regra-matriz de incidência daquele imposto, al-cançando-lhe o critério pessoal do consequente, no ponto exato do sujeito passi-vo. Mas não o exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governo estran-geiro, e mesmo assim quanto aos rendimentos do trabalho assalariado.355

Para efeito de exemplificar o que ora se sustenta, utiliza-se do seguinte exemplo: O

Município ‘X’, valendo-se de sua competência tributária, publica lei geral e abstrata crian-

do o IPTU, que será devido por todos os que forem proprietários de imóvel predial e territo-

rial, localizado na zona urbana do Município, sem exceção. Posteriormente, outro enuncia-

do com conteúdo prescritivo, desta feita isentivo, é criado, determinando que os aposenta-

dos, que contarem com mais de sessenta e cinco anos de idade, cujos imóveis urbanos, além

de únicos, não sejam superiores a oitenta metros quadrados, e desde que os seus proventos

sejam iguais ou inferiores a dois salários mínimos, estarão isentos do pagamento de IPTU.

Nesse exemplo, a norma de isenção investe contra dois critérios da regra-matriz de

incidência, ou seja, ataca o critério material, fazendo com que a norma geral e abstrata, que

incide em relação ao fato “ser proprietário de imóvel predial e territorial urbano”, seja atin-

gida, ao estabelecer, no entanto, que “os imóveis inferiores a oitenta metros quadrados, se

de propriedade de aposentados cujos proventos não sejam maiores que dois salários míni-

mos” estarão fora do âmbito de abrangência da materialidade prevista. Ainda, a regra de

isenção irá mutilar parcialmente o critério pessoal, especificamente na sujeição passiva,

pois será sujeito passivo “o proprietário, com exceção daquele que for aposentado e que

não tenha rendimento de aposentadoria superior a dois salários mínimos mensais”. A regra-

matriz de incidência, para os aposentados que estiverem na situação fática especificada pela

norma de isenção, tornar-se-á inoperante, impedindo, pois, que a obrigação tributária nasça

355 Curso..., op. cit., p. 504-505. O mesmo autor traz outro exemplo bem elucidativo: “(...) estão isentos do

IPI os produtos industrializados na Zona Franca de Manaus. Neste caso, o critério atacado foi o espacial, do antecedente normativo. Sua extensão, que cobre ao território nacional, viu-se diminuída daquela par-cela geográfica” – Ibidem, p. 505.

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em relação àqueles sujeitos. Contudo, nos demais casos, continuará a incidir normalmente,

fazendo nascer o direito subjetivo do fisco de exigir o pagamento do IPTU.

A norma de isenção, portanto, inibe apenas parcialmente a operação da regra-

matriz, pois, em relação aos fatos sociais que escaparem do campo de abrangência daquela

regra, a norma-padrão de incidência continuará a incidir, gerando a obrigação tributária.

Não haverá obrigação tributária, apenas, em relação àquelas situações fáticas precisamente

delineadas pela regra de isenção356.

Sintetizando o entendimento: a isenção, enquanto regra de estrutura, é a mutilação

parcial de um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, enquanto norma de compor-

tamento; e o choque, ocorrido eminentemente no plano normativo, entre a regra-matriz e a

de isenção, impede o nascimento da obrigação tributária, por não haver incidência da nor-

ma na parte em que foi mutilada, produzindo, entretanto, todos os seus efeitos, em relação

aos fatos que não fazem parte da hipótese normativa de isenção357.

5.3.2 A alíquota zero e a isenção “parcial”

Apenas para não passar despercebido, por estar-se a tratar de isenção, convém te-

cer algumas considerações acerca da “alíquota zero” e da “isenção parcial”.

Parte da doutrina nacional entende que a “alíquota zero” enquanto fenômeno de

desoneração tributária, distingue-se da norma de isenção, eis que, na primeira, de fato, há a

356 Importante ressaltar que LUIZ EDUARDO SCHOUERI parece concordar com PAULO DE BARROS

CARVALHO, quanto ao entendimento do que seja o fenômeno isentivo à luz do direito brasileiro, pois afirma: “É teoria de Paulo de Barros Carvalho a que tem, hodiernamente, maior acolhimento doutriná-rio, dada a solidez de seus fundamentos. Com efeito, não parece sustentável a ideia de que exista uma obrigação em caso de isenção. Que vínculo surgiria entre Estado e contribuinte na presença de isenção ? Qual a pretensão que o Estado (sujeito ativo) poderia ter diante daquele que incorreu na hipótese previs-ta em lei ?” – Direito ..., op. cit., p. 586.

357 Imprescindível, pois, trazer a importante observação de PAULO DE BARROS CARVALHO, que, após enfrentar o tema da isenção, firmando seu posicionamento, que é o adotado neste trabalho, assevera: “Acreditamos haver respeitado, pelo caminho que escolhemos, o princípio da simultaneidade da dinâmi-ca normativa” – Curso..., op. cit., p. 511.

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incidência da norma jurídica tributária, nascendo a respectiva obrigação, não havendo, con-

tudo, “quantum debeatur” a ser pago, eis que a alíquota, quando da subsunção da norma ao

fato, é “zero”358. O entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de

justiça também é no sentido de que os fenômenos da isenção e da alíquota zero são institu-

tos jurídicos distintos359.

358 A título de exemplo, destaca-se o escólio de SACHA CALMON NAVARRO COELHO, que entende a

“alíquota zero” como instituto diferente da isenção. Ressalta a obra deste autor: “Por outro lado, ontolo-gicamente, isenção e alíquota zero são, mesmo, profundamente diversas. A isenção exclui da condição de “jurígeno” fato ou fatos. A alíquota é elemento de determinação quantitativa do dever tributário. Se é ze-ro, não há o que pagar”. O autor, correlacionando a alíquota zero com norma penal exonerativa da puni-bilidade, destaca: “‘Mutatis mutandis’, é o que ocorre com a alíquota zero. Existe a hipótese de incidên-cia (descrição do fato gerador) apropositadora da tributação. Só não há tributo porque, no plano da con-sequência da norma tributária, existe ressalva expressa de intributabilidade, traduzida na fixação de uma alíquota zero, elemento impossibilitador de quantificação do dever tributário”. Mais adiante, arremata o autor: “A alíquota zero insere-se, assim, no vasto campo dos fenômenos ocorrentes no mandamento das normas tributárias, propiciadores de tipos exonerativos diversos da isenção, limitada a alterar a descri-ção do fato jurígeno, sem nenhuma interferência da modulação do dever posto no preceito jurídico” – Ti-pologia Exonerativa..., op. cit., p. 799, 800 e 805.

359 O Supremo Tribunal Federal demonstra sua inclinação pela distinção entre isenção e alíquota zero, como se vê nos dois arestos em destaque: “Embargos de declaração rejeitados. ... Frise-se que, como bem es-clareceu o voto condutor, 'a não-exigência do IPI se dá sempre que essa é adquirida sob os regimes, in-distintamente, de isenção (exclusão do imposto incidente), alíquota zero (redução da alíquota ao fator ze-ro) ou de não incidência (produto não compreendido na esfera material de incidência do tributo)” (sic) – Entendimento manifestado no RE nº 370.682 – ED, da relatoria do Ministro GILMAR MENDES, publi-cado no DJe de 17/11/10, p. 15. No mesmo sentido é a decisão exarada no RE nº 475.551/PR, da relatoria original do Ministro CEZAR PELUSO, mas que teve como relatora para o acórdão a Ministra CARMEN LÚCIA, publicado no DJe do dia 13/11/2009, p. 486. Entretanto, no próprio Pretório Excelso, existem precedentes divergentes, com o seguinte teor: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMEN-TO. INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. Se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referi-das figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação sub-seqüente, se não admitido o crédito. Recurso não conhecido” – RE 350446/PR, Relator(a): Min. NEL-SON JOBIM, Julgamento: 18/12/2002. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28350446%2ENUME%2E+OU+350446%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos. Acesso em 29/08/2012. O Superior Tribunal de Justi-ça, por sua vez, entende a isenção e a alíquota zero como institutos jurídicos distintos. Confira-se os se-guintes julgados: “A alíquota zero e a isenção são figuras exonerativas ontologicamente diversas, razão pela qual resta inaplicável, às operações de importação de mercadorias, cujos similares nacionais são tributados pelo ICMS à alíquota zero, a norma insculpida no art. 1º, § 4º, VI, do Decreto-Lei 406/68, no sentido de isenta-las também do recolhimento do ICMS. (Precedentes do STF: RE 81132/SP; Relator(a): Min. Eloy da Rocha; Julgamento: 30/11/1976; RE 81000/SP; Relator(a): Min. Antonio Neder; Julgamen-to: 06/05/1977)” (sic) – Entendimento manifestado no REsp 896928/SP, da relatoria do Ministro Luiz Fux, publicado no DJe do dia 03/06/2009. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=896928&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1. Acesso em: 26/08/2012. No mesmo sentido é a decisão proferida pelo Ministro Garcia Vieira, cuja ementa tem o seguinte teor: “ICM - BACALHAU - ALIQUOTA ZERO DO IMPOSTO IMPORTAÇÃO. NÃO SE CONFUNDE ISENÇÃO COM REDUÇÃO. A DISTINÇÃO E CLARA NO DEL. N. 2433, DE 19.05.1988. A LEI COMPLEMENTAR N. 24 NÃO OS IDENTIFICA. LECIONA SACHA CALMON, EM

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Em que pese o entendimento manifestado por parte da doutrina nacional e que,

como se viu, encontra ressonância na jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros,

pede-se “venia” para divergir, e adotar entendimento contrário, ou seja, que a alíquota zero

é norma isentiva, embora não seja assim nominada, mesmo porque o nome se mostra irre-

levante, pois o determinante é a natureza jurídica do instituto.

Em sendo assim, pelo entendimento ora manifestado, a norma jurídica que deter-

mina a alíquota zero, investe contra a regra-matriz mutilando-a parcialmente, especialmente

no critério quantitativo, atingindo a alíquota. Não há, pois, diferença entre alíquota zero ou

isenção, pois em ambos os casos, estar-se-á diante de inoperância parcial da norma padrão

de incidência tributária.

Entender de forma diversa, com o devido respeito, seria o mesmo que equiparar os

casos de “alíquota zero” à “dispensa legal do pagamento de tributo” na forma definida por

RUBENS GOMES DE SOUSA ao tratar da isenção, o que, pelos argumentos já aqui deli-

neados, não se sustenta e, nessa trilha, aplicar-se-iam as mesmas objeções lançadas pela

doutrina em resistência à tese do autor do anteprojeto do Código Tributário Nacional.

PAULO DE BARROS CARVALHO destaca:

Importa referir que o legislador muitas vezes dá ensejo ao mesmo fenômeno jurí-dico de recontro normativo, mas não chama a norma mutiladora de isenção (...). É o caso da alíquota zero. Que expediência legislativa será essa que, reduzindo a alíquota a zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra-matriz do IPI? A conjuntura se repete: um preceito é dirigido à norma padrão, investindo contra o critério quantitativo do consequente. Qualquer que seja a base de cálcu-lo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação. Que diferença há em inutilizar a regra de incidência, atacando-a num critério ou noutro, se todos são imprescindíveis à dinâmica da percussão tributária? Nenhuma. No entanto, o legislador designa de isenção alguns casos, porém, em outros, utiliza fórmulas es-tranhas, como se não se tratasse do mesmo fenômeno jurídico. Assim ocorre com supressões do critério temporal (suspensão ou diferimento do imposto) e do crité-

TEORIA GERAL DO TRIBUTO, QUE "ONTOLOGICAMENTE ISENÇÃO E 'ALIQUOTA ZERO' SÃO MESMO PROFUNDAMENTE DIVERSOS: A ISENÇÃO EXCLUI DA CONDIÇÃO DE 'JURIGENO' FA-TO OU FATOR. A ALIQUOTA E ELEMENTO DE DETERMINAÇÃO QUANTITATIVA DO DEVER TRIBUTARIO. SE É ZERO, NÃO HA O QUE PAGAR". RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO” – REsp 15298/BA. Publicado no DJ do dia 06/04/1992, p. 4467. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=15298&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=5. Acesso em: 26/08/2012.

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rio material, quando se compromete o verbo (chamada de definição negativa da incidência).360

Dessa forma, no caso da alíquota zero, assim como no da isenção, tem-se uma

inoperância parcial da regra-matriz tributária, que impede a sua incidência e, portanto, não

nasce a obrigação tributária em desfavor do sujeito passivo.

Por outro lado, existe, também, certa linha doutrinária que entende a redução, por

lei, do “quantum debeatur” do tributo devido como “isenção parcial”, como é o caso, por

exemplo, de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES:

As isenções podem, ainda, classificar-se em totais e parciais. As isenções totais excluem o nascimento da obrigação tributária, enquanto nas isenções parciais, surge o fato gerador da tributação, constituindo-se, portanto, a obrigação tributá-ria, embora o quantum do débito seja inferior ao que normalmente seria devido se não tivesse sido estabelecido preceito isentivo.

(...).

A isenção parcial consiste, mais propriamente, numa redução tributária.361

Em que pese o entendimento manifestado por parte da doutrina, ao entender a re-

dução do valor do tributo, pela redução da alíquota ou da base de cálculo, como caso de

360 Curso..., op. cit., p. 505-506. No mesmo sentido é o entendimento manifestado por MISABEL ABREU

MACHADO DERZI, ao pontuar: “Não pensamos dessa forma e não reconhecemos os fatos geradores que nada geram. Para nós, a alíquota zero e NT (Não tributados) não são diferentes da isenção. Os fatos que abrangem estão dentro da área de não incidência e configuram tão somente um dos modos de criar isenção, ou seja, por meio de um dos aspectos quantitativos da consequência, técnica que afetará a pró-pria hipótese ou fato gerador tributário” – Imunidade, Isenção e não incidência, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, CARLOS VALDER DO NASCIMENTO E ROGÉRIO GANDRA DA SILVA MARTINS (coord.). Tratado de Direito..., op. cit., p. 363.

361 Teoria Geral..., op. cit., p. 279. Importante ressaltar, quanto ao ponto, que, SOUTO MAIOR BORGES, apesar de adotar a nomenclatura de “isenções parciais” ao longo de seu texto, esclarece que “... nas hipó-teses da chamada isenção parcial, seria lícito falar-se, com maior rigor terminológico e conceitual, em redução tributária, porque o ‘fato gerador de obrigação tributária se produz’” – Ibidem, p. 280. No mesmo sentido, i. é., considerando a possibilidade de existência das isenções parciais, tem-se as lições de PONTES DE MIRANDA, que assevera: “As isenções são ‘totais’ ou são ‘parciais’. Dizem-se parciais as isenções que deduzem do percentual do imposto, ou do imposto fixo. As isenções totais são pré-excludentes da imposição: o imposto não recai no objeto, ou no negócio jurídico, a que se refere a regra jurídica de isenção. As isenções parciais são minorações isentivas do imposto” – Questões Forenses, p. 90.

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“isenção parcial”, considerando as premissas aqui fixadas, conclui-se que tal posicionamen-

to se mostra insustentável. É que a isenção pressupõe a inoperância parcial da regra matriz

pela sua mutilação pela norma isentiva, naquilo que for objeto da regra de isenção, de for-

ma que, nesse caso, sequer ocorre a incidência da norma, não havendo, pois, que se falar

em nascimento da obrigação tributária.

Por outro lado, no caso da redução do “quantum debeatur” do tributo, em verda-

de, verifica-se que não ocorre o mesmo que na isenção, isso porque, nesse caso, há incidên-

cia da norma jurídica tributária, que, após o ato de aplicação do Direito, fará surgir a obri-

gação e créditos tributários, situação que, de plano, afastaria o regime jurídico das isenções.

Ora, uma vez constituído o direito subjetivo do sujeito ativo, pelo nascimento da obrigação,

não mais se pode falar de isenção, eis que, nesse momento, já houve a incidência da norma

jurídica tributária.

Partindo-se desse pressuposto, a redução legal do valor do tributo devido, de

“isenção parcial” não se trata. O caso é de mera redução do valor devido a título de tributo

pelo sujeito passivo, não se podendo confundir, então, com o regime jurídico da isenção362.

5.3.3 Os limites à revogação da isenção

Para encerrar o item que trata da isenção tributária, faz-se necessário analisar os

limites impostos pelo sistema para a sua revogação. Importante ressaltar que o estudo ora

em destaque se justifica plenamente em razão das disposições dos projetos de lei nºs 3.007 e

3.091, ambos de 2008, e 2.610, de 2011, que, em outras palavras, buscam incluir na base de

362 Esse é o entendimento de SACHA CALMON NAVARRO COELHO, ao sustentar: “Ocorre, no entanto,

que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de ‘isenção parcial’ para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua ‘essentialia’ consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As re-duções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias do ‘quantum’ da obrigação, via base de cálculo rebaixada ou alíquota reduzida” – Tipologia Exonerativa..., op. cit., p. 809.

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cálculo do Imposto sobre a Renda os lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoa

jurídica aos seus beneficiários, mediante revogação da isenção concedida pelo artigo 10 da

Lei Federal nº 9.249/95.

Essa justificativa também permite realizar um corte metodológico no exame ora

empreendido, isso porque, trata-se de isenção concedida por prazo indeterminado, e é nesse

aspecto que se concentrará a análise que segue.

Sem maiores delongas, não se identifica, examinando-se o Sistema Constitucional

Tributário, a impossibilidade de revogação da isenção concedida, todavia, pode-se afirmar

que se vislumbram dois limites a tal desiderato – dados que não implicam dizer de impossi-

bilidade de revogação, mas apenas de limites à ela – que se resumem à aplicação dos prin-

cípios da Legalidade e da Anterioridade.

Ao introduzir-se o tema das isenções, foi observado que a competência para legis-

lar pressupõe a competência para exonerar, ficando evidente, ademais, que o exercício des-

sa competência exonerativa deve ser realizada por intermédio de lei, sendo precisamente

essa a redação dos artigos 150, I, da Constituição Federal e 178 do Código Tributário Naci-

onal363.

De sorte que, não fosse a expressa exigência de lei – portanto, um limite – para a

concessão e revogação da isenção, ainda assim, não se poderia falar que por ato infralegal

se poderia revogar isenção antes concedida. É que, no caso, aplica-se, em toda a sua pujan-

ça, o princípio do paralelismo das formas, ou seja, instituto criado por lei, apenas pelo

mesmo veículo introdutor de normas jurídicas poderá ser retirado do sistema – revogado.

Dessa forma, o primeiro limite aplicável à revogação das isenções é que esta so-

mente poderá ser retirada do sistema por intermédio de lei. Não se está a afirmar que a

363 Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:...

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”;

Código Tributário Nacional: “Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de de-terminadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. (Redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 7.1.1975)”.

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isenção é irrevogável, ao contrário, mas tal revogação deve atender ao Princípio da Legali-

dade.

O outro limite à revogação da isenção encontra-se na aplicação do Princípio da

Anterioridade, assim consideradas a Anterioridade Genérica – na qual, a lei que instituir ou

majorar tributos, via de regra, apenas produzirá efeitos no primeiro dia do exercício seguin-

te ao da instituição ou majoração – e a Anterioridade Nonagesimal – na qual, a lei que insti-

tuir ou majorar tributos, via de regra, apenas produzirá efeitos no prazo de noventa dias da

instituição ou majoração364.

Antes, porém, é preciso ressaltar que a discussão sobre ser a isenção dispensa legal

do pagamento do tributo ou mutilação parcial da regra-matriz de incidência, impedindo o

nascimento da obrigação tributária, não é estéril e sem aplicabilidade prática. É que a toma-

da de posição por um ou outro entendimento implicará, pois, na consideração, ou não, dos

Princípios da Anterioridade como limites à revogação da isenção.

Por outros torneios, no caso de considerar-se a isenção mero favor legal ou dispen-

sa do pagamento do tributo, a consequência prática é que, havendo incidência da norma tri-

butária, a isenção apenas dispensa o sujeito passivo do pagamento do tributo isento; contu-

do, a revogação da isenção não implica em nova incidência, ou seja, em instituição ou ma-

joração de tributo que, até então, não existia ou não era cobrado; isso significa dizer que,

neste caso, os Princípios da Anterioridade Genérica e Nonagesimal são inaplicáveis. Con-

tudo, se o posicionamento for no sentido de que a norma de isenção não permite a incidên-

cia da regra-matriz na parte atingida pela isenção, a consequência prática é a não existência

de incidência e, sendo assim, tornam-se plenamente aplicáveis, como limites à revogação

da isenção, os princípios da Anterioridade Genérica e Nonagesimal, eis que estar-se-á dian-

te de incidência nova e, portanto, de novo tributo.

364 Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:...

III - cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumen-tou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”...

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Quanto ao ponto, manifesta-se precisamente LUÍS EDUARDO SCHOUERI, nos

seguintes termos:

A discussão [sobre a natureza jurídica da isenção], que pode parecer apenas teóri-ca, tem uma consequência prática bastante importante: se a isenção é uma dispen-sa de pagamento, a revogação da isenção não cria uma obrigação antes inexisten-te; apenas deixa de dispensar o pagamento. Já a ideia de uma isenção investindo contra a própria incidência, mutilando-a, implica dizer que a revogação da isen-ção cria hipótese de incidência antes inexistente.

Como já se viu no Capítulo VII, em matéria tributária vige o Princípio da Anteri-oridade, que assegura determinado intervalo entre a lei que cria uma hipótese de incidência e sua efetiva aplicabilidade. Assim, se a revogação da isenção não cria nova incidência (apenas deixa de dispensar o pagamento), aquela revogação vale-rá imediatamente. Se, por outro lado, entender-se que com a revogação da isenção surge uma nova incidência, então se deverá observar o referido princípio da ante-rioridade para que a nova exigência passe a produzir efeitos. (sic)365

Diante desses argumentos e tendo em vista as premissas que foram fixadas, parece

claro que, em razão de considerar-se a isenção como mutilação parcial da regra-matriz de

incidência, a sua revogação implica a criação de tributo novo, eis que se estará diante de

nova incidência e, sendo assim, mostram-se plenamente aplicáveis, como limites à revoga-

ção da isenção, os princípios da Anterioridade Genérica e Nonagesimal. Isso significa dizer

que somente se poderá falar em tributo, decorrente da revogação da isenção, no primeiro

dia do exercício seguinte, aplicando-se, ainda, o prazo de noventa dias, a contar da revoga-

ção, em razão da Anterioridade Nonagesimal, que têm aplicação cumulativa, ressalvadas as

exceções constitucionais expressas366.

E a aplicação dos princípios da Anterioridade tem razão de ser, primeiro, porque a

revogação da isenção implica exigência de tributo novo, que, até então, não se exigia, apli-

cando-se, pois, as mesmas garantias do contribuinte como se de isenção não se tratasse; e

365 Direito ..., op. cit., p. 585-586. 366 Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:...

III - cobrar tributos:...

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumen-tou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

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depois, porque o Código Tributário Nacional, expressamente, prevê a aplicação do Princí-

pio da Anterioridade no artigo 104, III367. Convém ressaltar que a redação do citado artigo é

anterior à Constituição Federal de 1988, portanto, atualmente, deve-se interpretá-lo siste-

maticamente, no sentido de aplicar a Anterioridade Genérica e, ainda, a Anterioridade No-

nagesimal, nos termos da determinação da parte final do artigo 150, III, alínea “b” da Carta

da República.

Enfim, é por essas razões que se considera equivocado o posicionamento do Su-

premo Tribunal Federal, espelhado na súmula 615, eis que, em se tratando de tributo novo,

com nova incidência, aplica-se por tudo e em tudo o Princípio da Anterioridade, mesmo

porque a legislação infraconstitucional, artigo 104, III, CTN, assim prevê expressamente, e,

ao que se tem notícia, não houve decisão do Excelso Pretório considerando tal enunciado

prescritivo não recepcionado pela ordem constitucional de 1988368.

Feitas essas ponderações acerca dos Princípios específicos aplicáveis ao Imposto

sobre a Renda, bem como demonstrado que o sistema prevê a possibilidade de revogação

da norma isencional, impondo, todavia, limitações que devem ser observadas pelo legisla-

dor, já se pode analisar se a tentativa de revogação da isenção do Imposto sobre a Renda in-

cidente sobre os lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoas jurídicas aos benefi-

ciários, encontra autorização jurídico-normativa e, ainda, se existem repercussões econômi-

cas e sociais advindas da nova modalidade de tributação, isso porque a análise meramente

jurídica se mostra insuficiente para a investigação completa dessa nova modalidade de tri-

butação.

367 Código Tributário Nacional: “Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em

que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:...

III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuin-te, e observado o disposto no art. 178”.

368 Súmula 615 do STF: “O Princípio Constitucional da Anualidade (§ 29 do Art. 153 da Constituição Fede-ral) não se aplica à Revogação de Isenção do ICM”.

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CAPÍTULO 6 – A REPERCUSSÃO JURÍDICA, SOCIAL E ECONÔ MICA E AS

CONSEQUÊNCIAS DA TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS PAGOS

POR PESSOAS JURÍDICAS

6.1 NOTA INTRODUTÓRIA

Nos capítulos anteriores, buscou-se a fixação das premissas que serviriam de su-

porte para o desenvolvimento do presente capítulo. Tentou-se trabalhar com os aspectos

teóricos que, direta ou indiretamente, serão aqui aplicados, possibilitando uma tomada de

posição. Contudo, uma análise da repercussão jurídica da tributação dos lucros e dividendos

pagos ou creditados por pessoas jurídicas não tem o condão de demonstrar, de forma com-

pleta, os impactos que a instituição de novo tributo acarreta, especialmente porque se deve

levar em conta, no estudo empreendido, os aspectos econômicos e sociais.

É neste momento, então, que se pretende desvendar a possibilidade normativa de

instituição da tributação dos lucros e dividendos pagos por pessoas jurídicas, assim como

os impactos sociais e econômicos que tal modalidade de tributação poderá causar tanto à

empresa, quanto à sociedade civil, enquanto destinatária da atividade empresarial, aqui in-

seridos o custo da produção e o consequente repasse desse custo ao consumidor final; é ho-

ra de desvendar se há, ou não, a existência de dupla tributação com a inserção dos lucros e

dividendos na base de cálculo do Imposto sobre a Renda devido pela pessoa física ou jurí-

dica beneficiárias de tal pagamento.

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6.2 A ANÁLISE NORMATIVA DA TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS

PAGOS OU CREDITADOS POR PESSOA JURÍDICA

6.2.1 Nota Introdutória

Como restou demonstrado, nos capítulos precedentes, com a edição da Lei nº

9.249/95, instituiu-se uma isenção por prazo indeterminado, de forma a retirar da base de

cálculo do Imposto sobre a Renda, os lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoas

jurídicas aos seus sócios. Não obstante isso, por intermédio dos projetos de lei nºs 3.007 e

3.091/2008 e 2.610/ 2011, pretende-se, em última análise, revogar a isenção concedida e,

ato contínuo, restabelecer a incidência daquele imposto federal sobre os lucros e dividendos

pagos, que voltariam, pois, a compor a base de cálculo da tributação sobre a renda dos be-

neficiários.

Em sendo assim, a primeira análise a ser feita diz respeito à possibilidade normati-

va de tributar o beneficiário dos lucros ou dividendos pagos por pessoa jurídica e, se assim

ocorrer, se não haveria uma dupla tributação, já que sobre o lucro distribuído já fora reali-

zado o pagamento do Imposto sobre a Renda da pessoa jurídica titular do lucro e que reali-

zará a sua distribuição ou o pagamento de dividendos – IRPJ – e da Contribuição Social

sobre o Lucro Líquido – CSLL369.

369 É indene de dúvidas que a “bitributação” ocorre quando duas unidades Federativas, dotadas, portanto, de

competência tributária, instituem tributo em relação ao mesmo fato jurídico tributário. Por outro lado, ha-verá “bis in idem” quando a mesma unidade federativa instituir, por exemplo, dois impostos em relação ao mesmo fato jurídico tributário. O escólio de ROQUE ANTONIO CARRAZZA é no mesmo sentido: “... dá-se ‘bis in idem’ quando o ‘mesmo fato jurídico’ é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa po-lítica. Já a ‘bitributação’ é o fenômeno pelo qual ‘o mesmo fato jurídico’ vem a ser tributado por duas ou mais pessoas políticas” – Curso de Direito..., op. cit., p. 561. A lição de HENRY TILBERY, fundamen-tando-se nos escritos de RUY BARBOSA NOGUEIRA, assim é formulada: “Não se trata de bitributa-ção, no sentido jurídico correto da palavra, mas de ‘bis in idem’, isto é, o mesmo poder tributante, dentro dos limites de sua competência, grava duas vezes a mesma matéria. Lembramos a explicação desse fenô-meno e da apropriada terminologia, conforme os ensinamentos do ilustre mestre Ruy Barbosa Nogueira, quando falou das ‘mesmas relações econômicas, acabando sofrendo sobreposições de incidência, o que entre nós chamamos de ‘bis in idem’ ou bitributação econômica e não se confunde com a bitributação ju-rídica” – Imposto de Renda Pessoas Jurídicas: integração entre sociedade e sócios, p. 40. Nesse sen-

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6.2.2 A tributação dos lucros da pessoa jurídica pelo IRPJ e pela CSLL

Inicialmente, cumpre ressaltar que, em razão dos limites deste trabalho, não se vai

ingressar na discussão que, por muito tempo, manteve-se nos bastidores da Ciência do Di-

reito Tributário, ou seja, se a pessoa jurídica tem ou não possibilidade de ser tributada sepa-

radamente, em relação aos seus sócios, i. é., se a pessoa jurídica pode ser considerada uma

entidade autônoma para efeito de sofrer a tributação, do seu lucro apurado, pelo Imposto

sobre a Renda. Dessa forma, parte-se do pressuposto, na esteira da legislação brasileira, que

as empresas têm existência distinta das pessoas físicas ou mesmo jurídicas que a compõem

e, por isso, torna-se lícito sua tributação em separado, pelo Imposto sobre a Renda.

Este item não tem por escopo repisar os fundamentos já trabalhados quando do

exame da regra-matriz do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e da definição de

lucro, tarefa empreendida nos capítulos precedentes, mas sim, ressaltar que o lucro apurado

pela pessoa jurídica compõe o conceito constitucional de renda e, com isso, submete-se à

incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica.

Isso significa dizer que, uma vez apurado o lucro do exercício, tais valores deve-

rão, necessariamente, ser inseridos no conceito de renda, possibilitando-se, pois, a averi-

guação da disponibilidade jurídica e econômica de renda e a consequente incidência do Im-

posto sobre a Renda, à alíquota de 15%, para os lucros mensais não superiores a R$

20.000,00 (vinte mil reais) ou, se for o caso de lucratividade superior ao montante referido,

acrescido do adicional de Imposto de Renda, à alíquota de 10%, significando dizer que as

pessoas jurídicas que auferem lucro superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil re-

ais) anuais, estarão submetidas ao Imposto sobre a Renda, com alíquota mais elevada.

tir, evita-se tratar a dupla oneração do Imposto sobre a Renda, sobre o lucro e a distribuição destes ou o pagamento de dividendos, como bitributação econômica, preferindo-se, pois, lançar mão da expressão “dupla tributação econômica”.

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Entretanto, não é o Imposto sobre a Renda o único tributo a incidir sobre o lucro

apurado no exercício financeiro da pessoa jurídica. É que, nos termos do artigo 195, I, “c”,

da Constituição Federal de 1988, e do artigo 1º e seguintes da Lei nº 7.689, de 15 de de-

zembro de 1988, incide ainda a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, à alí-

quota de 15% ou 9%, conforme o caso.

Tal Contribuição Social incide sobre o Lucro Líquido experimentado pela pessoa

jurídica (contribuinte), domiciliada no Brasil (critério espacial), durante o período de apu-

ração, que pode ser anual ou trimestral, conforme a modalidade de apuração (critério tem-

poral – último instante), incidente sobre o montante do lucro apurado pela sistemática do

lucro real, presumido ou arbitrado (base de cálculo), com alíquotas de 15% (quinze por cen-

to), no caso das pessoas jurídicas de seguros privados, das de capitalização e das referidas

nos incisos I a VII, IX e X, todos do § 1º do artigo 1º da Lei Complementar nº 105, de 10

de janeiro de 2001, e de 9% (nove por cento), no caso das demais pessoas jurídicas370.

Isso significa dizer que as pessoas jurídicas que auferem lucro no exercício finan-

ceiro estão submetidos, portanto, à incidência de dois tributos distintos, i. é., o Imposto so-

bre a Renda das pessoas jurídicas – IPRJ –, com alíquota próxima de até 25% e, também, a

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL –, com alíquota de 9% ou 15%, de

forma que o lucro das pessoas jurídicas está submetido a uma carga tributária próxima de

34% ou 40%, conforme o caso.

Não se pode deixar de sublinhar, como fundamento “obter dictum”, que sobre o

faturamento mensal, que compõe parcialmente o conceito constitucional de renda, ainda in-

cide a Contribuição para os Programas de Integração Social – PIS, com alíquota de 1,65% e

370 Importante ressaltar a dissensão doutrinária existente, pois parte da doutrina entende ser a Contribuição

Social sobre o Lucro Líquido um adicional do Imposto de Renda, já que a base de cálculo dessa contribui-ção é o lucro apurado. Nesse sentido, confira-se: WAGNER BALERA, Seguridade Social na Constitui-ção de 1988, p. 57; e ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, A incidência da Contribuição Social prevista na Constituição de 1988 sobre lucros com isenção condicionada de Imposto de Renda. Inconstitu-cionalidade, Revista de Imposto de Renda, p. 22. Em sentido contrário, vislumbrando que a Contribui-ção Social sobre o Lucro Líquido não se confunde com o Imposto sobre a Renda, refutando a tese de que aquela contribuição seria um adicional desse imposto, por serem distintas as respectivas bases de cálculo, destaca-se o escólio de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, Contribuições Sociais no Sistema Tri-butário , p. 234.

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a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com alíquota de

7,6%371.

6.2.3 A existência, ou não, de dupla tributação jurídica por ser tributada, a Pessoa Jurídica,

pelo IRPJ e pela CSLL

Passados em revista os pontos nodais acerca da incidência do Imposto sobre a

Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, cabe uma refle-

xão sobre a possibilidade ou não, do ponto de vista normativo, de revogar-se a isenção e in-

serir os lucros ou dividendos recebidos na base de cálculo do Imposto sobre a Renda do seu

beneficiário, pessoa física ou jurídica.

Como trabalhado nos capítulos precedentes, ficou demonstrado que a materialida-

de do Imposto sobre a Renda é composta pela renda e pelos proventos de qualquer natureza

auferidos, caracterizados como riqueza nova em relação a patrimônio anterior, com dispo-

nibilidade econômica e jurídica por parte do beneficiário, enquanto que a base de cálculo é

composta pelo montante real da renda ou proventos de qualquer natureza efetivamente ex-

perimentados pelo beneficiário, apurados segundo a sistemática prevista pela legislação.

Demonstrou-se, também, inexistir óbice à concessão de isenção em relação ao Im-

posto sobre a Renda e, se concedida, tal fenômeno consubstanciará mutilação parcial de um

ou mais critérios da regra-matriz de incidência daquele imposto, não havendo, pois, inci-

dência da norma tributária (regra-matriz) na parte que foi atingida pela norma isencional. A

revogação da isenção mostra-se possível ? Sim, desde que seja realizada pelo mesmo veícu-

lo normativo, ou seja, por lei – lei concede e, somente ela, poderá revogar – e respeitados

os limites impostos pela próprio sistema, a exemplo dos Princípios da Legalidade e da An-

terioridade.

371 Para o caso dos produtores rurais, ainda existe a Contribuição do Empregador Rural Pessoa Física –

FUNRURAL, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, com alí-quota de 2,1%, nos termos do artigo 195, § 8º, da Constituição Federal de 1988, e artigo 25, da Lei Federal nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

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Diante das premissas fixadas ao longo deste trabalho, e que foram sintetizadas nos

dois parágrafos anteriores, a conclusão a que se pode chegar, quanto ao aspecto jurídico, é

que, segundo o Sistema Constitucional Tributário brasileiro, não há óbice para a revogação

da isenção concedida pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95. Sob esse mesmo viés normativista,

também não se vislumbra óbice à tributação, pelo Imposto sobre a Renda, dos lucros ou di-

videndos recebidos pelos beneficiários respectivos. Contudo, em relação a essa segunda

afirmação, faz-se necessária uma análise um pouco mais aprofundada.

Não é segredo que todo tributo possui a sua regra-matriz de incidência, ou seja, os

elementos normativos mínimos que a exigência precisa possuir para ser reputada válida se-

gundo o sistema constitucional brasileiro. O mesmo se passa em relação ao Imposto sobre a

Renda, e, entre tais elementos mínimos, encontra-se o critério pessoal, especialmente a su-

jeição passiva, que é determinante para a conclusão de inexistência de óbice à incidência do

Imposto sobre a Renda dos beneficiários dos lucros ou dividendos recebidos.

Isso porque, do ponto de vista “jurídico-normativo”, antes da distribuição, os lu-

cros auferidos pela pessoa jurídica eram submetidos à tributação do Imposto sobre a Renda

– IRPJ – e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, o que, a princípio, pode-

ria conduzir ao entendimento de que restaria impedida, normativamente, nova tributação

por tal imposto – IRPJ – dos lucros ou dividendos pagos ou distribuídos aos beneficiários.

Entretanto, no aspecto ora trabalhado, tem-se que tanto a regra-matriz do Imposto

sobre a Renda da pessoa jurídica, quanto a da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

são compostas, nas suas materialidades, pelo lucro auferido. No caso do Imposto sobre a

Renda, o lucro irá compor o conceito constitucional de renda, enquanto que, no caso da

Contribuição Social, os lucros experimentados serão considerados para efeito de incidência

sobre o resultado do exercício, antes da provisão para o Imposto sobre a Renda.

Em sendo assim, no que tange ao critério material da norma-padrão de incidência

tributária, aquele imposto e aquela contribuição incidem sobre a mesma realidade fática, i.

é., os lucros auferidos pela pessoa jurídica, ressalvando-se que, no caso do Imposto sobre a

Renda, do lucro apurado ainda será objeto de dedução das despesas autorizadas por lei. En-

tretanto, a análise da regra-matriz do Imposto sobre a Renda da pessoa jurídica e da Contri-

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buição Social sobre o Lucro Líquido não se restringe apenas à materialidade, devendo-se,

pois, investigar também o critério pessoal, especialmente quanto ao sujeito passivo.

Nesse viés, focando a análise no critério pessoal do consequente da regra-matriz

de incidência do Imposto sobre a Renda do beneficiário, seja ele pessoa física ou jurídica,

uma conclusão parece ser inafastável: o sujeito passivo, assim entendido como aquele que

recebe os lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoa jurídica, é diferente daquele

sujeito passivo que compõe o critério pessoal da regra-matriz do Imposto sobre a Renda da

pessoa jurídica e da Contribuição Social incidente sobre o Lucro Líquido, ou seja, daquele

que promove a distribuição do lucro ou o pagamento do dividendo. No primeiro caso, i. é.,

do beneficiário dos lucros ou dividendos pagos, o sujeito passivo será o titular da participa-

ção societária ou das ações da pessoa jurídica que promover a distribuição dos lucros, ou

seja, será o sócio ou acionista. Já no segundo, sob o viés de quem está pagando o lucro ou

dividendo distribuído, a sujeição passiva, tanto do Imposto sobre a Renda, quanto da Con-

tribuição Social sobre o Lucro será composta pela pessoa jurídica que auferiu lucros e pro-

moveu a sua distribuição.

Assim, tem-se, no que diz respeito à pessoa jurídica que paga lucros ou dividen-

dos, duas regras-matrizes específicas, uma para o imposto e outra para a contribuição inci-

dentes sobre o lucro; há, no caso, identidade de sujeição passiva e, no critério material do

imposto constará a renda auferida, enquanto que na materialidade da contribuição aparecerá

o lucro obtido.

Por outro lado, quanto ao destinatário dos lucros ou dividendos pagos, seja ele

pessoa física ou jurídica, ter-se-á outra regra-matriz para o Imposto sobre a Renda, diferen-

te das duas primeiras, desde que, neste caso, o critério material será composto pela renda

auferida, onde os lucros ou dividendos recebidos comporiam o conceito constitucional de

renda372; a sujeição passiva, por sua vez, será composta exclusivamente pela pessoa benefi-

ciada com a distribuição dos lucros ou pagamento de dividendos.

372 Se revogada a isenção da tributação, pelo Imposto sobre a Renda, dos lucros distribuídos ou dividendos

pagos, por pessoas jurídicas, aos seus sócios. Por outro lado, no caso de manutenção da isenção em desta-que, tem-se que os lucros ou dividendos recebidos pelo beneficiário não comporão o conceito constitucio-nal de renda.

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Percebe-se, então, que se está diante de incidências tributárias distintas, não ha-

vendo, pois, identidade entre as regra-matrizes do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídi-

ca e da Contribuição Social incidente sobre o Lucro Líquido, onde o sujeito passivo será a

pessoa jurídica que auferiu renda e posteriormente distribuirá os lucros ou dividendos, e,

aquela norma-padrão de incidência cuja sujeição passiva será composta pela pessoa, física

ou jurídica, que receber os lucros ou dividendos.

Em síntese, havendo regras-matrizes distintas para cada tipo de incidência, não se

pode, do ponto de vista jurídico-normativo, considerar que haverá dupla tributação na inci-

dência do Imposto sobre a Renda dos lucros ou dividendos pagos por pessoas jurídicas; eis

que, num primeiro momento, a pessoa tributada é a jurídica, titular dos lucros que serão dis-

tribuídos, enquanto que, noutro momento, será submetida à tributação aquela pessoa, seja

ela física ou jurídica, que receber os lucros ou dividendos pagos na primeira situação. Está-

se diante de regras-matrizes independentes e, portanto, de incidências distintas373.

Em sendo assim, do ponto de vista normativo, não há óbice para que seja revogada

a isenção concedida pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95, passando a ser tributados, à alíquota

de 15%, os lucros ou dividendos recebidos pelos beneficiários. Por outras palavras, do pon-

to de vista da norma-padrão de incidência tributária, não haverá dupla tributação com a ins-

tituição da incidência do Imposto sobre a Renda em relação ao beneficiário da distribuição

de lucros ou pagamento de dividendos, realizados por pessoa jurídica.

373 Importante ressaltar, contudo, a lição de ALBERTO XAVIER, que, apesar de não concordar com ela, co-

loca em destaque segmento doutrinário que possui entendimento diferente do ora defendido: “Divergên-cias específicas tem suscitado, porém, a regra da identidade de sujeitos. Alguns autores entendem que es-ta regra não é essencial à caracterização do conceito de dupla tributação, que se bastaria com as três ‘restantes’ identidades. Para esta corrente, a definição de dupla tributação deve ser encarada à luz de um critério geral de valoração fornecido pelo próprio Direito Tributário – e esse critério deve ser um ‘crité-rio objetivo’, deduzido do princípio da capacidade contributiva. O que caracterizaria a identidade de fa-to, segundo UDINA, seria o elemento subjetivo ou aspecto material da hipótese de incidência, de tal modo que se verificaria concurso de normas e dupla tributação ainda que o elemento subjetivo, o sujeito, fosse diferente. Assim, existiria verdadeiro concurso se o mesmo rendimento fosse tributado por normas tribu-tárias distintas, das quais uma o atinge na sociedade, pessoa jurídica onde se gerou, e outra no sócio a quem foi distribuído e, em geral, sempre que o mesmo fato (ou aspecto material do fato) é tributado cada vez que muda de titular, operando-se assim o que se tem designado por dupla tributação ‘por discrimina-ção de contribuintes’” (sic) – Direito Tributário Internacional do Brasil: Tributa ção das Operações Internacionais, p. 35.

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Entretanto, demonstrar-se-á, a seguir, que essa conclusão, ou seja, a possibilidade

de serem tributados, pelo Imposto sobre a Renda, os lucros ou dividendos pagos ou credita-

dos por pessoa jurídica, não se confirma, quando se amplifica a análise e se leva em consi-

deração aspectos econômicos e sociais.

6.3. A REPERCUSSÃO ECONÔMICA E SOCIAL DA TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS E

DIVIDENDOS PAGOS OU CREDITADOS POR PESSOA JURÍDICA

6.3.1 Notas introdutórias

O estudo analítico que a “novel” modalidade de tributação poderá causar, se im-

plantada, não se contenta apenas com a análise normativista. É preciso ir além, e estudar,

do ponto de vista econômico e social, qual será a repercussão pragmática do aumento de

carga tributária com a tributação, pelo Imposto sobre a Renda, dos lucros e dividendos pa-

gos e creditados por pessoas jurídicas aos seus sócios ou acionistas.

Buscar-se-á, nos subitens seguintes, analisar se, do ponto de vista econômico e so-

cial, a revogação da isenção concedida pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95 é medida consen-

tânea com o ordenamento jurídico brasileiro e com a característica de país em desenvolvi-

mento, como é o Brasil. Não se pretende, pois, ingressar, propriamente, nas ciências eco-

nômica e social, para cumprir com tal mister, mas, tão somente, trazer argumentos pontuais,

para buscar uma tomada de posição que seja coerente com as premissas até aqui fixadas.

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6.3.2 A dupla tributação econômica do lucro empresarial

Para que seja possível examinar a existência, ou não, de dupla tributação econômi-

ca, com a inclusão dos lucros e dividendos pagos ou creditados por pessoa jurídica na base

de cálculo do Imposto sobre a Renda dos beneficiários, importante se faz uma breve digres-

são sobre os sistemas de tributação do lucro das pessoas jurídicas.

Nesse sentido, podem-se destacar três sistemas: (i) o sistema de integração total;

(ii) o sistema clássico de integração e, (iii) o sistema de integração do lucro distribuído.

Pelo “sistema de integração total”, o Imposto sobre a Renda seria apurado apenas

na esfera de disponibilidade dos sócios, não havendo, pois, tributação, por tal imposto, no

âmbito da pessoa jurídica que auferiu a renda, que ficaria excluída de tal encargo econômi-

co374. No caso, a pessoa jurídica não teria os seus lucros tributados, contudo, tais valores se-

riam tributados integralmente no âmbito dos sócios, aos receberem os lucros distribuídos ou

os dividendos, aplicando-se, pois, a tabela progressiva de alíquotas de acordo com o benefi-

ciário, que poderá ser pessoa física ou jurídica.

Acerca do método de integração total ou “Total Integration Methods”, assevera

HENRY TILBERY:

Neste método, a tributação em separado dos lucros nas pessoas jurídicas (separa-te corporation income tax) seria eliminada, de vez, mas os dividendos recebidos e os ganhos de capital das pessoas físicas seriam tributados nas pessoas físicas pela alíquota aplicável na tabela progressiva375.

Não obstante o método em destaque, tendo em vista que o sistema de referência

utilizado para efeito deste trabalho é o brasileiro, já se percebe que tais considerações não 374 Destaca PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO, quanto ao ponto: “Pelo sistema de Integração

Total (‘full integration, Integrations theorie’), a tributação da pessoa jurídica é, geralmente, aferida no âmbito dos sócios. Neste sistema, a tributação conforme o Princípio da Capacidade Contributiva é efeti-vada na esfera das pessoas físicas, excluindo-se a tributação das pessoas jurídicas” – A bitributação ..., op. cit., p. 71.

375 Imposto de Renda..., op. cit., p. 45.

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são aplicáveis no âmbito do Direito brasileiro, que promove uma tributação em separado,

ou seja, tributa-se, pelo Imposto sobre a Renda, tanto a pessoa física quanto a jurídica, ra-

zão pela qual não carece, tal ponto, de maiores comentários, servindo, entretanto, para visu-

alizar que existem métodos de tributação diferentes daqueles utilizados no Brasil.

O segundo sistema de tributação dos lucros das pessoas jurídicas é o “Sistema

Clássico de Separação”, onde os lucros são tributados tanto no âmbito das pessoas jurídi-

cas, na medida em que auferidos, como dos sócios, quando distribuídos, seja na forma de

distribuição de lucros propriamente dita ou como pagamento de dividendos.

Importante ressaltar a lição de PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO, ao

destacar:

Não há na forma pura deste sistema uma desoneração ou alívio da carga nem das pessoas jurídicas que distribuem o lucro nem no campo do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, sócias da sociedade distribuidora. Trata-se de uma bitributação econômica não amenizável376.

Apesar de, nesse sistema, haver uma dupla tributação econômica, desde que o lu-

cro da pessoa jurídica é tributado pelo Imposto sobre a Renda e, posteriormente, o sócio

também sofre a incidência do mesmo imposto quando recebe a distribuição do lucro ou o

pagamento de dividendo, DUARTE FILHO ressalta, como vantagens de tal sistemática, a

simplicidade e a praticidade na sua aplicação, e a facilidade de seu uso como instrumento

político-econômico do governo, podendo ser utilizado como mecanismo de extrafiscalida-

de. Por outro lado, como desvantagem, destaca-se o desrespeito ao Princípio da Igualdade,

ao critério da Progressividade e à justiça na tributação377.

Enfim, o terceiro sistema de tributação dos lucros da pessoa jurídica é o “Sistema

de Integração do Lucro Distribuído”, que, em verdade, é mais um sistema de mitigação ou

eliminação da dupla tributação econômica, cujos métodos são subdivididos em relação à

pessoa jurídica que promoverá a distribuição dos lucros e dos sócios.

376 A bitributação ..., op. cit., p. 72. 377 Ibidem, p. 73-74.

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Em relação à “pessoa jurídica”, destacam-se os métodos (i) de diminuição da alí-

quota do IRPJ e o (ii) Método de Dedução dos Dividendos.

No método “de diminuição de alíquota do IRPJ”, havendo distribuição de lucros

ou pagamento de dividendos, a alíquota do Imposto sobre a Renda da pessoa jurídica será

reduzida, podendo ser, “a priori” , quando na apuração do lucro empresarial já se registra a

previsão de distribuição de lucros ou pagamento de dividendos e qual o montante; ou, ain-

da, “a posteriori” , ocorrendo quando não houver previsão de distribuição de lucros ou pa-

gamento de dividendos, podendo, a pessoa jurídica, se promover tal pagamento aos sócios,

noutro momento, deduzir do lucro tributável do próximo exercício o valor correspondente à

diferença do imposto pago com alíquota cheia378.

Já o “Método da Dedução dos Dividendos” permite à pessoa jurídica deduzir os

lucros ou dividendos pagos do lucro tributável. Por outras palavras, mantém a tributação

separada da pessoa jurídica e dos sócios, todavia, estes serão tributados pelos lucros ou di-

videndos recebidos, podendo a pessoa jurídica pagadora deduzir da base de tributação os

dividendos pagos, havendo, como resultado, a eliminação da tributação em dobro dos divi-

dendos379.

Por outro lado, em relação aos métodos utilizados no âmbito dos “sócios”, pode-se

destacar: (i) o método de diminuição da alíquota ou base de cálculo do IRPF, que se subdi-

vide em método de tributação definitiva na Fonte e métodos de divisão ao meio, que vai se

subdividir em divisão ao meio da alíquota e dos rendimentos; (ii) método do crédito ou im-

putação e, (iii) método de isenção total.

O “primeiro” deles, chamado de “método de diminuição da alíquota ou base de

cálculo do IRPF”, tem por objetivo buscar a desoneração da cadeia tributária em relação ao

Imposto sobre a Renda da pessoa física e da pessoa jurídica. Esse método vai subdividir-se

em métodos de tributação definitiva na fonte e de divisão ao meio.

378 Ibidem, p. 86. 379 HENRY TILBERY, Imposto de Renda..., op. cit., p. 44.

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No “método de tributação definitiva na Fonte”, o Imposto sobre a Renda incide

separadamente quanto a pessoa jurídica pagadora de lucros ou dividendos e quanto aos só-

cios, pessoas físicas ou jurídicas. Nesse método, os beneficiários serão tributados por aque-

le imposto, todavia, submeter-se-ão a uma alíquota diferenciada e proporcional, que será in-

termediária entre o teto e piso das alíquotas aplicáveis à pessoa física, de forma que a base

de cálculo será composta, apenas, pelos lucros ou dividendos recebidos, possuindo caráter

de definitividade e devendo ser retido, direto na Fonte, pela pessoa jurídica pagadora dos

lucros ou dividendos380.

Por sua vez, o método de divisão ao meio, também se subdivide em dois, quais se-

jam, “método de divisão ao meio da alíquota” e o “método de divisão ao meio dos rendi-

mentos”. O método da divisão ao meio da alíquota utiliza a metade da alíquota que nor-

malmente seria aplicada no cálculo do Imposto sobre a Renda do beneficiário dos lucros

distribuídos ou dividendos pagos, variando a alíquota de acordo com a Progressividade dela

em função da renda. Já o método da divisão ao meio dos rendimentos, divide a base de cál-

culo do Imposto sobre a Renda por metade e aplica a alíquota progressiva correspondente à

renda tributável do beneficiário dos lucros ou dividendos381.

O “segundo” dos métodos utilizados no âmbito dos sócios é o “método do crédito

ou imputação”: os lucros ou dividendos são distribuídos depois de terem sido tributados pe-

lo Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica. Nesse caso, os beneficiários que receberem os

lucros distribuídos ou dividendos, em virtude de tais valores já terem sido tributados no

âmbito da pessoa jurídica pagadora, adquirirão uma nota de crédito no valor correspondente

ao imposto anteriormente pago, para que possa ser compensado quando do pagamento do

Imposto sobre a Renda por parte do beneficiário382.

Por fim, a “terceira” metodologia utilizada no âmbito dos sócios é o “método de

isenção total”, onde os lucros ou dividendos pagos pela pessoa jurídica aos seus sócios esta-

rão isentos do Imposto sobre a Renda do beneficiário por já terem sido objeto de tributação,

pelo mesmo imposto, no âmbito da pessoa jurídica pagadora.

380 PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO, A bitributação ..., op. cit., p. 77. 381 Ibidem, p. 80-81. 382 Ibidem, p. 82.

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É este terceiro método que se utiliza atualmente no Brasil, por força do artigo 10,

da Lei nº 9.249/95, ao retirar da base de cálculo do Imposto sobre a Renda dos beneficiários

os lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoa jurídica.

Feita essa breve digressão acerca dos métodos utilizados para tributação, pelo Im-

posto sobre a Renda, das pessoas jurídicas e dos beneficiários dos lucros ou dividendos pa-

gos, já se percebe que a preocupação é definir se o Imposto sobre a Renda incidirá apenas

no âmbito da pessoa jurídica pagadora, somente na esfera dos beneficiários ou de ambos; e

se a incidência ocorrer em face de ambos, se poderá ser usado algum mecanismo para evitar

a tributação em cascata. A justificativa para tal preocupação reside no fato de que haverá,

invariavelmente, uma dupla tributação econômica ao se promover a tributação, por tal im-

posto, tanto no âmbito da fonte pagadora quanto no dos beneficiários.

No exemplo brasileiro, foi justamente para evitar essa dupla tributação, que se

concedeu a isenção prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249/95, pois, em verdade, ao se pro-

mover a tributação, por aquele imposto, dos lucros distribuídos, ainda que na forma de di-

videndos, estar-se-á permitindo uma dupla incidência de imposto sobre a mesma base eco-

nômica, pois o lucro não tem a sua natureza jurídica alterada pelo fato de ser distribuído aos

sócios ou acionistas.

PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO, acerca da existência de dupla tri-

butação dos lucros, ao se cumular a tributação no âmbito da pessoa jurídica pagadora e,

também, no dos beneficiários, assevera:

(...), considerando o lucro obtido pela pessoa jurídica em um período fiscal, como um conjunto único de rendimentos (como o princípio do Montante Puro da Ren-da, adotado, por exemplo, no direito Suíço), o lucro apurado por ela e sua parte distribuída aos sócios constituem uma mesma base econômica. Consequentemen-te, este lucro, sendo distribuído, sofreria, pelo menos duas vezes, a tributação pe-lo Imposto de Renda: uma no âmbito da pessoa jurídica e outra no dos sócios. Caso o destinatário da distribuição seja outra pessoa jurídica, poderia haver uma pluritributação, a não ser que alguma medida de contenção desta sobre-tributação fosse colocada em prática (sic)383.

383 A bitributação ..., op. cit., p. 67.

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Duas observações importam, neste momento: primeiro, que é evidente a existência

de dupla tributação se o lucro distribuído aos sócios for submetido, na esfera destes, à tribu-

tação pelo Imposto sobre a Renda, isso porque tais valores já foram tributados, no âmbito

da pessoa jurídica, seja pelo mesmo imposto, seja pela Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido.

Como antes mencionado, o fato de o lucro auferido, após ser tributado na pessoa

jurídica, ser distribuído aos sócios, não implica modificação na sua natureza jurídica, i. é., o

lucro continuará tendo essa mesma natureza, seja na esfera de disponibilidade da pessoa ju-

rídica pagadora, seja sendo distribuído aos sócios ou acionistas. Economicamente, a base é

a mesma. A repercussão econômica da dupla tributação é inevitável e, ademais, o fato de

não existir, no caso, uma dupla tributação jurídico-normativa, não significa dizer que, sob o

aspecto econômico, a mesma situação se verifica.

A segunda observação a ser feita é que o Brasil está buscando um caminho na con-

tra mão dos países desenvolvidos, ao tentar revogar a isenção concedida aos lucros e divi-

dendos pagos ou creditados aos sócios ou acionistas de pessoas jurídicas, isso porque é po-

lítica econômica dos países desenvolvidos, especialmente os europeus, buscar medidas de

desoneração tributária, ou seja, evitar essa tributação em cascata, o que não se verificaria no

âmbito brasileiro.

Apenas a título de rápida e superficial análise de Direito Comparado, destaca-se:

(i) o sistema clássico de separação é adotado na Suíça e na Albânia; (ii) o método de dimi-

nuição da alíquota ou base de cálculo do IRPF é utilizado na Alemanha, Áustria, Bélgica,

Dinamarca, Finlândia, França, Hungria, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Polônia, Portu-

gal, República Tcheca, Suécia e Estados Unidos; (iii) o método do crédito ou imputação foi

utilizado na Alemanha de 1976 a 2000; é ainda utilizado no Canadá e no Japão e, ainda, na

Espanha e no Reino Unido, quando se trata de distribuições entre residentes; (iv) O método

da isenção total, além do Brasil, é utilizado também por Grécia, Letônia, Índia, Equador,

Egito, Hong Kong, Cazaquistão, Irlanda, México, Marrocos, Estônia e Eslováquia384.

384 Ibidem, p. 72-85.

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Dessa forma, em se confirmando a revogação da isenção concedida pelo artigo 10

da Lei nº 9.249/95, o Brasil deixará de utilizar o método da isenção total e passará a utilizar

o método clássico, ou seja, tributa-se, pelo Imposto sobre a Renda, tanto a pessoa jurídica

pagadora, quanto os sócios beneficiários. Em outras palavras, enquanto a maioria dos paí-

ses desenvolvidos, como demonstrado, buscam mecanismos para desonerar a carga tributá-

ria e evitar a dupla tributação do lucro empresarial, o Brasil, ao contrário, procura onerar

ainda mais o setor empresarial, aumentando carga tributária.

6.3.3 A repercussão econômica e social da dupla tributação do lucro empresarial

Já se demonstrou que, do ponto de vista econômico, haverá dupla tributação do lu-

cro empresarial com a revogação da isenção concedida pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95.

Essa dupla tributação implica em outros problemas de ordem econômica, e também social,

cuja linha distintiva é muito tênue. Ter-se-á um desestímulo para que o empresário deixe a

informalidade e, ainda, o repasse de tal aumento de carga tributária no custo empresarial,

que, em última análise, será aumentado e, por evidente, tal impacto será repassado para o

consumidor, ou seja, o apetite arrecadatório do Governo Federal será suportado pela socie-

dade.

Não se pode, dessarte, perder de vista a função social exercida pelas empresas, que

geram emprego e renda, alavancam a economia do país, injetam dinheiro no mercado, fa-

zendo-o desenvolver-se, aumentam a arrecadação estatal, mediante o pagamento de tribu-

tos, e alimentam a concorrência de mercado, tudo a afirmar o Princípio da Livre Iniciativa,

prescrito constitucionalmente385.

385 Acerca da função social da empresa, LUIZ ROBERTO BARROSO doutrina: “Tais ideias [tratando do di-

reito subjetivo à livre concorrência, livre iniciativa e busca pelo lucro], naturalmente, não são incompatí-veis com o conceito moderno de função social da empresa. Embora não referido de modo expresso no tex-to constitucional, integra ele o sistema jurídico, como decorrência da ideia de Estado democrático de Di-reito, inspirada por valores como justiça social e participação. A empresa há de ter compromisso social com os parceiros com os quais interage e com a sociedade como um todo. Tem, assim, deveres para com seus empregados e com a valorização social do trabalho, na forma da lei, bem como com a oferta de em-

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Outrossim, mostra-se relevante ressaltar que não se concebe o lucro como a força

motriz principal das empresas; embora seja uma riqueza por elas buscada, certamente não é

a mais importante386. Defende-se essa ideia, pois, parte-se do pressuposto de que a preser-

vação da empresa, com a manutenção de suas atividades econômicas e, notadamente, a pro-

teção do seu capital social, chega a ser prioritário em relação à busca pelo lucro. Nesse sen-

tido é a lição de LUÍS FERNANDO LOBÃO MORAIS:

Essa diferença entre o valor de venda e de produção das mercadorias é parte da lógica do capitalismo. O lucro é um dos mais importantes desses interesses, po-rém não o único, nem o principal. (...) a proteção social do capital social das em-presas chega a ser prioritária em relação ao lucro. O mesmo pode ser dito do im-perativo de expansão da produção. Tudo isso parece indicar que o lucro não é o interesse maior, nem a razão hegemônica de o capitalismo adotar as característi-cas que o distinguem, como Esteván Mészaros registrou: “Mesmo na variedade capitalista do sistema do capital, em que o lucro representa um papel importante, a determinação primária não é o lucro (...) mas o imperativo expansionista do sis-tema que não pode se reproduzir com sucesso a menos que possa fazê-lo em esca-la constantemente ampliada” (sic)387.

prego e, em uma análise, com a existência digna para todos. De parte isto, tem obrigações para com seus fornecedores, que asseguram o ciclo produtivo, e com os consumidores, a quem se destina a atividade econômica e cujos direitos limitam seu exercício. Há também os vizinhos e a comunidade como um todo, titulares, em última análise, do direito ao meio ambiente saudável e beneficiários indiretos da utilização produtiva da propriedade (sic)” (esclarecemos, nos colchetes) – A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços, Revista Diálogo Jurídico, p. 15; disponível em: HTTP://www.direitopublico.com.br, acesso em 24/6/2012. Tratando sobre o mesmo tema, invoca-se a li-ção de MIZABEL ABREU MACHADO DERZI, que leciona: “Se a empresa cumpre uma função social e é geradora de emprego e riqueza, então a sua preservação não interessa apenas a seus credores investi-dores, mas ainda ao Fisco, que se alimenta de sua capacidade econômica, e aos trabalhadores em geral. O Direito Tributário, Previdenciário e do Trabalho deverão ser alimentados por essa nova visão que pri-vilegia a empresa, em detrimento do empresário” – O Princípio da Preservação das Empresas e o Direito à Economia de Imposto, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (coord.), Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, p. 336.

386 Acerca dessa busca das empresas pelo lucro, assevera JOSEPH E. STIGLITZ: “As empresas buscam o lu-cro e isso significa que ganhar dinheiro é a prioridade máxima delas. As companhias sobrevivem dimi-nuindo, dentro da legalidade, seus custos ao máximo”. Mais a frente, ressalta: “Pode-se fazer vista grossa para um ou dois exemplos de mau comportamento empresarial, mas os problemas são claramente sistê-micos, e, sempre que há problemas desse tipo, os economistas procuram causas sistêmicas. A principal é óbvia: o negócio das empresas é ganhar dinheiro, não fazer caridade. Nisso residem tanto sua força co-mo sua fraqueza” – Globalização: como dar certo, p. 303-305. No mesmo sentido de que o objetivo principal das empresas é a busca pelo lucro: EROS ROBERTO GRAU. O direito posto, o direito pressu-posto e a doutrina efetiva do direito, in ALAÔR CAFFÉ ALVES et al. O que é a Filosofia do Direito, p. 46.

387 A função social..., op. cit., p. 475.

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Mas não é só, pois o lucro também exerce importante “função social”, desde que,

ao contrário do que se pensa, inclusive considerando a exposição de motivos dos projetos

de lei nºs 3.007 e 3.091/2008 e 2.610/ 2011, não fica, em sua maior parte, na mão do em-

presário, pois grande percentual da lucratividade auferida pelas pessoas jurídicas retornam

para a sociedade, seja na forma de reinvestimento na própria empresa, de pagamento aos

trabalhadores e, ainda, estimula o crescimento econômico, que beneficia toda a sociedade.

Nesse sentido são as conclusões de LUÍS FERNANDO LOBÃO MORAIS388:

Se dividirmos o lucro em três partes, a primeira das quais é distribuída aos pro-prietários das empresas, a segunda é investida em capital constante e a terceira em capital variável será fácil perceber que a maior das três parcelas tende a ser a que vai ter às mãos do proletariado (o capital variável). A segunda maior parcela é o capital constante também investido na produção. Por razões como essas não é possível negar que, além de não ser resultado de um processo de exploração, o lucro possui caráter eminentemente social.

(...).

Além disso, como os melhores estudos demonstram que 75% do lucro é investido na produção, deve-se concluir que uma parte do lucro investido se transforma em capital variável, chegando às mãos dos trabalhadores e beneficiando a sociedade em geral. Outra parte é investida em capital constante e também estimula a pro-dução. Tudo isso provê fundamento à afirmação de que a função principal do lu-cro, nas sociedades capitalistas, é social.

(...).

A parte reinvestida do lucro não tem função social apenas por gerar empregos, embora também o faça. A principal maneira pela qual o lucro desempenha função social é estimulando o crescimento econômico. Se cada qual recebesse pagamen-to justo pelo papel exercido na produção social e nenhum lucro fosse cobrado, a tendência seria de a economia não crescer ou crescer muito lentamente. O lucro garante que, a cada período produtivo, os investimentos na produção aumentem. Como o consumo normalmente acompanha esse crescimento, a tendência é de a produção de bens materiais ser mantida em constante aumento pelo reinvestimen-to do lucro. Em poucas e claras palavras: o lucro faz aumentar, constante e expo-nencialmente, a riqueza social389.

A citação foi longa, mas importante, pois, por tais motivos, verifica-se que, ao se

tributar o lucro, por via obliqua, está o Estado impedindo que essa importante fonte de de- 388 Destaca o autor, acerca da retirada do lucro pelos sócios: “Embora seja parcialmente utilizado para pro-

veito pessoal do capitalista, o lucro é em muito maior medida, reinvestido na produção. De acordo com Adrian Wood, na Inglaterra, mais de três quartos dos investimentos produzidos advêm da reinversão dos lucros”. Mais adiante, sustenta: “... a parte do lucro retirada pelos sócios da empresa não constitui de-senvolvimento das forças produtivas, seria uma espécie de rendimento do capital. Mas como a grande maioria do lucro é reinvestida na empresa, a parcela retirada não muda a natureza do lucro de uma con-tribuição para ser rendimento do capital” – A função social..., op. cit., p. 339 e 342.

389 Ibidem, p. 345-346 e 447.

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senvolvimento exerça seu papel social. Não se está, aqui, defendendo a completa exonera-

ção do lucro da incidência tributária, todavia, não se pode perder de vista que, no Brasil, já

existem duas espécies tributárias incidindo sobre o evento “auferir lucro” – o Imposto sobre

a Renda das Pessoas Jurídicas e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – daí que criar

uma terceira incidência, dessa vez na figura dos sócios, somente terá por consequência um

impacto negativo, tanto na economia, quanto na sociedade, que em última análise, pagará a

conta dos excessos legislativos dos Poderes Constituídos.

Não é tributando o lucro distribuído que se vai conseguir aumentar o desenvolvi-

mento econômico ou alcançar uma pseudo “justiça tributária”. A atitude governamental de-

veria ser exatamente o contrário, ou seja, estimular a produção de lucro, pois, junto com

ele, haverá maiores investimentos no país, aumento dos postos de trabalho, aumento na ar-

recadação tributária e, como fim último, desenvolvimento econômico desse país que é ávi-

do por crescimento390.

Mas a repercussão econômica e social não para por aí. É estreme de dúvidas que as

empresas, ao calcularem seu custo operacional, para efeito de determinar o preço do seu

produto – seja ele mercadoria, produto industrializado ou até prestação de serviço – faz in-

serir, também, a margem de lucro que espera receber pelo desenvolvimento da sua ativida-

de. Por outras palavras, no preço do produto, pago pelo consumidor final, está também in-

serida a lucratividade empresarial391.

390 Uma vez mais, vale-se da lição de LUÍS FERNANDO LOBÃO MORAIS, que acentua: “Pode-se concluir

que, enquanto a economia trabalha para a mais ampla inclusão de pessoas na produção e circulação de bens, o Estado trabalha por uma inclusão muito mais limitada. Acredito, por tudo isso, que o Estado fis-cal e não o capitalismo seja responsável pela miséria do proletariado excluído da produção social nas grandes cidades do Terceiro Mundo. Embora uma parte dos 36% da renda nacional administrados pelo Estado Brasileiro acabem chegando às mãos de trabalhadores, a eficácia distributiva desse tipo de circu-lação de bens é inferior à da distribuição operada por meio do investimento do capital na produção. Essa é uma das causas mais fundamentais do fato de os países capitalistas, principalmente no Terceiro Mundo, não conseguirem reduzir a exclusão social” – A função social..., op. cit., p. 381.

391 Acerca da distinção entre custo e despesa, destaca EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO: “Existem di-ferenças entre custo e despesa. Os valores relativos aos custos de produção de bens e serviços transitam por contas de Ativo antes de afetar o resultado de determinado período; certos valores relativos à despe-sa também, mas de forma excepcional. As despesas, via de regra, fluem direta e imediatamente para o re-sultado no momento em que os bens, serviços e utilidades correspondentes são adquiridos ou consumidos. Os custos, por outro lado, são agregados em contas de ativo (estoques ou serviços em andamento) e só efetuam os resultados no momento em que a empresa obtém receita pela venda das mercadorias ou pela prestação de serviços” – Imposto de Renda das Empresas, p. 128.

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Assim sendo, ao inserir a lucratividade no preço final do produto, as empresas es-

tão, em verdade, transferindo para a sociedade o encargo da geração do seu lucro. Essa é a

lei de mercado e não há nada de errado nisso.

Ocorre que, na medida em que a empresa, na figura dos sócios ou acionistas, é

surpreendida com aumento de carga tributária por intermédio de um novo tributo – no caso,

a revogação da isenção do Imposto sobre a Renda dos lucros e dividendos pagos – e como a

margem de lucro precisa ser mantida, o valor desse novo encargo será transferido para o

custo operacional e, por consequência, para o preço dos produtos. Por outros torneios, a

pretexto de tributar os sócios ou acionistas, em última análise, a tributação dos lucros e di-

videndos irá refletir diretamente no consumidor, i. é., na sociedade392.

Isso significa dizer que o impacto dessa nova modalidade de tributação, se real-

mente implementada, será sentido não apenas pelas empresas pagadoras do lucro ou divi-

dendos aos seus sócios ou acionistas, mas também por toda a sociedade, que pagará a conta

de uma medida impensada e sem estudo que comprove, empiricamente, a necessidade de

instituição do Imposto sobre a Renda sobre os lucros e dividendos pagos.

Outro impacto econômico e social que será causado por um desnecessário aumen-

to de carga tributária será sentido na velha política governamental de trazer, especialmente

o pequeno empresário, para a formalidade. Isso porque uma das grandes vantagens de de-

senvolver atividade econômica devidamente formalizada, além da questão da responsabili-

dade civil, haja vista a distinção entre a pessoa física dos sócios e a pessoa jurídica, verifi-

ca-se na isenção do Imposto de Renda do lucro recebido pelo empresário.

Na medida em que esse lucro passa a ser tributado, deixa de existir, na concepção

da maioria daqueles que estão na informalidade, o maior atrativo para a constituição de

392 Sobre a necessidade de a taxa de lucro ser inserida no preço do produto, destaca LUÍS FERNANDO LO-

BÃO MORAIS: “(...) O investimento do lucro é o principal mecanismo pelo qual a produção capitalista se mantém em crescimento. Se o lucro não fosse incluído no preço das mercadorias, as empresas termina-riam cada período produtivo, no máximo, com as disponibilidades monetárias que possuíam no início. A atribuição aos produtos de um valor superior ao dos investimentos feitos no início do período produtivo teria caráter meramente inflacionário. A única maneira de uma economia com essas características cres-cer seria a repetição mais frequente dos procedimentos produtivos, ou seja, a aceleração da produção. Como essa aceleração encontra um limite na capacidade física do ser humano, é de se concluir que uma economia sem lucro apresentaria crescimento econômico pífio” – A função social..., op. cit., p. 422.

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pessoa jurídica, pois afeta, diretamente, o bolso daquele que desenvolve, com dificuldade,

sua atividade econômica. Qual a razão de formalizar-se uma atividade econômica, subme-

tendo-se a todos os encargos, inclusive tributários, afetos à pessoa jurídica, se, na informa-

lidade, tais despesas poderão ser evitadas, ainda que à custa de sonegação ?

O raciocínio é correto ? Não, pois se deve estimular a formalidade, todavia, é

aquele desenvolvido pelo pequeno empresário, que constitui maioria, no Brasil, e não tem,

no mais das vezes, instrução educacional adequada para entender os benefícios que atuar na

formalidade lhe pode trazer.

Como consequência, ainda, desse desestimulo que será gerado para o empresaria-

do, também se vislumbra a contrariedade ao Princípio da Livre Iniciativa, Princípio consti-

tucional autoaplicável e que não é respeitado, na medida em que as providências tributárias

tomadas são apenas de oneração, e não de desoneração do setor produtivo393.

Pode-se definir o Princípio da Livre Iniciativa, com JOSÉ AFONSO DA SILVA,

da seguinte forma:

(...) a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Consti-tuição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que “liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo”. É le-gitima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário. Daí por-que a iniciativa econômica pública, embora sujeita a outros tantos condiciona-mentos constitucionais, se torna legítima, por mais ampla que seja, quando desti-nada a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (sic)394.

393 Constituição Federal: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Es-

tados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fun-damentos:...

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;...

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:...

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente-mente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

394 Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed., p. 794.

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Por sua vez, GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COE-

LHO E PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, primeiro, citando GASTÃO ALVES DE

TOLEDO e, depois, MIGUEL REALE, ao tratar do Princípio da Livre Iniciativa, susten-

tam:

(...) enquanto a livre iniciativa aponta para a liberdade política, que lhe serve de fundamento, a livre concorrência significa a possibilidade de os agentes econômi-cos poderem atuar sem embaraços juridicamente justificáveis, em determinado mercado, visando à produção, à circulação e ao consumo de bens e serviços. (Gastão Alves de Toledo).

Ora, livre iniciativa e livre concorrência são conceitos complementares, mas es-sencialmente distintos. A primeira não é senão a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas, assegurando não apenas a livre escolha das profissões e das atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados mais adequados à consecução dos fins visados. Liberdade de fins e de meios informa o princípio da livre inicia-tiva, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta da interpretação conjugada dos citados arts. 1º e 170395.

Embasado nas lições transcritas, pode-se concluir que o Princípio da Livre Inicia-

tiva representa importante mecanismo de liberdade no exercício da atividade econômica,

nos termos do interesse público-social e, como tal, impõe deveres de cunho positivo e nega-

tivo, tanto para o Estado, quanto para a sociedade.

Para o Estado, os deveres positivos consubstanciam-se na atuação como agente

normativo e regulador da atividade econômica – artigo 174, da Constituição Federal – e na

imposição para que o Poder Público tome medidas que estimulem o desenvolvimento da

atividade econômica, por parte da iniciativa privada, buscando o fortalecimento da econo-

mia e o desenvolvimento nacional, que se dá, basicamente, às custas de um mercado forte e

competitivo, sem aumento de carga tributária. Já os deveres negativos impostos ao Estado

demonstram que a regra geral é de não intervenção, salvo os casos previstos expressamente

na própria Constituição, como a possibilidade de o Estado desenvolver atividade econômica

– artigo 173, da CF/88.

395 Curso de Direito..., op. cit., p. 1292.

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Por outro lado, existem também os deveres impostos à sociedade em geral pelo

Princípio da Livre Iniciativa. Os deveres positivos são no sentido de que a atividade empre-

sarial não pode ter por objetivo apenas a busca pelo lucro, mas também o desenvolvimento

nacional, a geração de emprego e renda, a realização da justiça social e o respeito ao Prin-

cípio da Dignidade da Pessoa Humana. Já os deveres negativos, de certa forma, estão inti-

mamente relacionados aos positivos, e vislumbram-se na proibição da prática de monopó-

lio, de forma que seja estimulada o livre exercício da atividade econômica como forma de

estimular a concorrência, assim como proibir a prática de “dumping” por parte das empre-

sas brasileiras ou que possuam sede ou sucursal no território brasileiro, entre outras.

Os argumentos ora desenvolvimentos demonstram que, a despeito do fato de que

do ponto de vista normativo, não exista óbice para a revogação da isenção concedida pelo

artigo 10 da Lei nº 9.249/95, analisando-se a questão sob o viés econômico e social, a con-

clusão é diametralmente oposta, havendo, pois, numerosos motivos para evitar essa dupla

tributação, que, ao contrário do que pretende, somente refletirá em atraso no desenvolvi-

mento do país.

6.3.4 Casos práticos: As Sociedades Simples e por Quotas de Responsabilidade Limitada

Para encerrar este capítulo, mostra-se salutar aplicar os apontamentos teóricos até

aqui desenvolvidos em exemplos práticos, tudo para ficar demonstrado que o sistema brasi-

leiro, ainda que sob o viés econômico e social, não deseja nem permite a dupla tributação

dos lucros.

Nesse sentir, buscar-se-á examinar a situação das sociedades simples e por quotas

de responsabilidade limitada, tudo como mote de comprovação da existência de dupla tri-

butação econômica se aprovada a incidência do Imposto de Renda sobre os dividendos pa-

gos ou lucros distribuídos.

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6.3.4.1 As Sociedades Simples

A sociedade simples, enquanto típica sociedade de pessoas e que não tem por obje-

to atividade própria de empresário sujeito a registro – artigo 982 do Código Civil – é carac-

terizada, na esteira do que prescreve o parágrafo único do artigo 966 do Código Civil, como

aquela composta por profissionais que exercem profissão intelectual, de natureza científica,

literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o

exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Assim, as sociedades tipicamente constituídas por pessoas, cujo objeto não é ex-

ploração de empresa e onde os sócios desenvolvem o trabalho diretamente, serão, segundo

prescreve a lei substantiva civil, caracterizadas como sociedades simples. RUBENS RE-

QUIÃO, acerca do tema, disserta:

Sylvio Marcondes, descrevendo a noção do empresário, e considerando o seu per-fil subjetivo, dele expressamente exclui quem exerce profissão intelectual: “Dessa ampla conceituação, exclui, entretanto, quem exerce profissão intelectual, mesmo com o concurso de auxiliares ou colaboradores, por entender que, não obstante produzir serviços, como o fazem os chamados profissionais liberais, ou bens, como o fazem os artistas, ‘o esforço criador se implanta na própria mente do au-tor, de onde resultam, exclusiva e diretamente, o bem ou serviço’, sem interferên-cia exterior de fatores de produção, cuja eventual ocorrência é, dada a natureza do objeto alcançado, meramente acidental”. Assim, emprestando-se o preceito do art. 966 e parágrafo único como apoio para fixar o conceito, será sociedade simples a que tiver por objeto o desenvolvimento de atividade intelectual, de natureza cien-tífica, literária ou artística. Segundo o texto do Código Civil, tal atividade não pode ser objeto de exploração direta, pois não pode constituir elemento de empre-sa (art. 966, parágrafo único, parte final)396.

Dessarte, será sociedade simples, então, a sociedade de médicos, engenheiros, ad-

vogados, artistas plásticos, enfim, profissionais que se reúnem para desenvolver atividade

de cunho intelectual.

Voltando a atenção para o objeto deste subitem, e considerando que a sociedade

simples não desenvolve atividade empresarial, uma característica se destaca: o faturamento

396 Curso de Direito..., op. cit., p. 403.

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desse tipo de sociedade é composto, unicamente, pela retribuição ao trabalho executado di-

retamente pelos sócios. Em outros termos, todo o faturamento de uma sociedade de médi-

cos, é composto pelos honorários que eles recebem, na execução de consultas ou cirurgias;

já o faturamento da sociedade de advogados, é composto pelos honorários pagos pelos cli-

entes ou verbas sucumbenciais, enquanto que a mesma situação se verifica no caso de uma

sociedade de engenheiros.

Esse faturamento descrito propiciará a existência de lucro, sobre o qual incidirá a

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e, ainda, irá compor o conceito constitucional

de renda para efeito de tributação, pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica. Essa par-

ticularidade precisa ser retida: são os honorários decorrentes da atuação direta e pessoal dos

sócios que alimenta o faturamento da sociedade simples. E esses profissionais organizam-se

na forma de pessoa jurídica, justamente porque o tratamento tributário, até o momento, é

mais favorecido, isso porque, em termos de responsabilidade civil, os sócios respondem

com seu patrimônio pessoal397.

A partir do momento em que os lucros distribuídos pela sociedade simples aos só-

cios passa a ser tributado pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Física, o regime tributário

deixa de ser favorecido, já que os mesmos honorários, ou seja, a mesma base econômica,

passará a sofrer uma dupla tributação por tal imposto. Os honorários recebidos serão tribu-

tados no âmbito da pessoa jurídica e, também, no dos sócios.

Dessa forma, do ponto de vista da repercussão econômica da tributação, no caso

das sociedades simples, ter-se-á a mesma base econômica – o lucro – sendo tributado duas

vezes, pelo mesmo imposto, situação que poderá levar ao desestímulo na manutenção da

sociedade.

E essa conclusão de desestímulo na manutenção da sociedade, é simples: do ponto

de vista da responsabilidade, não há diferença, pois o sócio responde com seu patrimônio

pessoal; quanto ao aspecto tributário, a sociedade está sujeita a uma carga, apenas conside-

rando o IRPJ e a CSLL, de até aproximadamente 34%, sem se considerar, nesse total, os

397 Exceção feita para os casos em que sociedade simples opta pelo regime limitado, por exemplo, mas neste

caso, juridicamente, passa a ser considerada sociedade empresária.

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15% do Imposto sobre a Renda a incidir no lucro distribuído, enquanto que, no âmbito da

pessoa física, essa alíquota, na pior das hipóteses, será de 27,5%398.

Como se vê, à medida que o lucro distribuído passa a ser tributado pelo Imposto

sobre a Renda, o cenário é pouco animador para os titulares de sociedades simples, que, por

via transversa, serão estimulados a retornar para a informalidade, situação que causará re-

percussão negativa, tanto no aspecto econômico, quanto social – considerando-se, em am-

bos os casos, a geração de emprego, renda, pagamento de tributos, injeção de dinheiro na

economia, etc.

6.3.4.2 A Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada é um tipo de sociedade em-

presária, que se distingue da sociedade simples, por exemplo, em razão da aplicação do

Princípio da autonomia patrimonial, de forma que a responsabilidade dos sócios é limitada

ao capital social integralizado na sociedade.

FÁBIO TOKARS, dissertando em obra específica sobre as sociedades limitadas,

assim a conceitua:

A característica essencial das sociedades limitadas, que as distingue das demais espécies societárias, é o regime de responsabilização dos sócios pelas obrigações sociais. Desta forma, podemos afirmar que a sociedade limitada é a espécie socie-tária em que os sócios gozam do benefício da limitação da responsabilidade. Afi-nal, é evidente que os acionistas também têm responsabilidade limitada. O que caracteriza esta sociedade é, antes de tudo, o fato de a responsabilidade estar limi-tada à integralização de todo o capital social, já que, no campo das sociedades anônimas, a responsabilidade de cada acionista limita-se ao pagamento do preço de emissão das ações pelo mesmo subscritas ou adquiridas399.

398 Considerando-se um faturamento superior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mensais. 399 Sociedades Limitadas, p. 32.

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Dessa forma, se o empresário resolve desenvolver alguma atividade empresarial,

poderá escolher, entre os diversos tipos societários, a sociedade por quota de responsabili-

dade limitada, onde sua responsabilidade, pelas dívidas sociais, ficará restrita ao capital so-

cial integralizado, respondendo solidariamente, apenas em relação ao capital ainda não in-

tegralizado400.

Voltando os olhos ao objetivo deste trabalho, é sabido que o lucro da sociedade

por quotas de responsabilidade limitada é tributado tanto pela Contribuição Social sobre o

Lucro Líquido quanto compõe o conceito constitucional de renda, para efeito de incidência

do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica.

Assim, semelhantemente ao que acontece com a sociedade simples, à medida em

que a sociedade limitada distribui lucro aos seus sócios e estes, por sua vez, sofrem a inci-

dência do Imposto sobre a Renda, ter-se-á uma dupla incidência desse imposto sobre a

mesma base econômica, isso porque o mesmo lucro, tributado no âmbito da pessoa jurídica,

será também tributado na esfera de direitos do beneficiário dos rendimentos, pois que tal

lucro não perde a sua natureza jurídica ou tem-na alterada.

Diante dessa realidade, como já mencionado linhas atrás, o empresário, apesar de

aplicar a maior parte do lucro auferido na própria sociedade, não irá sofrer uma redução do

lucro retirado da sociedade, de forma que esse impacto econômico será transferido, sem

qualquer dúvida, para o preço da mercadoria ou do serviço por ele prestado, fazendo au-

mentar o custo operacional do empreendimento e, consequentemente, o preço do produto

que será pago pela sociedade, causando os impactos econômicos e sociais já destacados

neste capítulo.

400 FÁBIO TOKARS ressalta: “Percebe-se que a essência desta forma societária reside na consagração do

princípio da autonomia patrimonial, não havendo, em regra, responsabilização dos patrimônios dos só-cios em face das dívidas sociais. (...). Se somarmos essa percepção à conclusão no sentido de que as soci-edades limitadas foram concebidas como instrumento de estímulo à empresariedade em consequência da diminuição dos riscos impostos aos sócios, constataremos que o desvirtuamento da essência das socieda-des limitadas gera um consequente desestímulo à empresariedade, principalmente de pequeno e médio porte. (...). Como bem destacou ‘Avelãs Nunes’, ‘o desenvolvimento econômico do mundo moderno con-funde-se com o das empresas, centros coletivos de atividade econômica, células fundamentais da prospe-ridade dos povos’” – Ibidem, p. 32-33.

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CAPÍTULO 7 – PONDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Buscou-se, na elaboração deste trabalho monográfico, pontuar os fundamentos

que, direta e indiretamente, influenciariam as conclusões acerca de saber se a implantação

da modalidade de tributação dos lucros e dividendos pagos ou creditados por pessoas jurí-

dicas aos seus sócios encontra respaldo no Direito brasileiro, que não se limita, evidente-

mente, a uma análise meramente normativa, mas também econômica e social.

Para chegar a essas conclusões, foi necessário trabalhar com diversas categorias do

Direito, especialmente estudar a regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda, para

ser possível a identificação de quais eventos econômicos comporiam o conceito constituci-

onal de renda e proventos de qualquer natureza, permitindo-se, a partir daí, identificar todos

os critérios daquela norma padrão de incidência tributária.

Como um dos aspectos importantes de modificação do sistema tributário capitane-

ado pelos projetos de lei nºs 3.007/2008, 3.091/2008 e 2.610/2011, é a retenção na Fonte, à

alíquota de 15%, do Imposto sobre a Renda dos beneficiários dos lucros ou dividendos pa-

gos por pessoas jurídicas, foi necessário trabalhar com os fundamentos que sustentam a fe-

nomenologia da incidência da norma jurídica e a responsabilidade tributária, considerando-

se, para efeito deste trabalho, que a substituição tributária é espécie do gênero responsabili-

dade.

Depois de analisar os fundamentos que constituem a responsabilidade e a substi-

tuição tributárias, foi possível chegar à conclusão de que, quando o caso for de substituição

tributária, a relação jurídica firmada entre o substituto e o Estado é típico caso de norma ju-

rídico-tributária, enquanto que, na responsabilidade tributária, se o responsável eleito pela

norma possui vinculação indireta com a realização do fato jurídico tributário, o caso é típi-

co de norma jurídico-tributária; entretanto, quando for eleito pela legislação um responsável

que não tenha qualquer contato ou participação no fato jurídico tributário, ter-se-á, no caso,

uma relação jurídica de caráter administrativo-sancionador, por ser decorrente de fato ilíci-

to.

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Contrariamente ao que defende PAULO DE BARROS CARVALHO, sustenta-se

o entendimento pela impossibilidade de a extinção da relação jurídica obrigacional sancio-

nadora levar à extinção da relação jurídica obrigacional tributária, isso porque, em decor-

rência das distintas naturezas jurídicas de tais obrigações, não se concebe a extinção de uma

obrigação tributária pelo cumprimento de outra obrigação, de cunho sancionador, bem co-

mo porque tal situação acabaria por violar o Princípio da Isonomia.

Depois de fundamentar que as “obrigações acessórias” a que alude o artigo 113 do

Código Tributário Nacional, dada a ausência de conteúdo patrimonial, em verdade, deveri-

am ser tratadas como deveres instrumentais ou formais, foi possível trazer à reflexão duas

ideias: “primeiro”, que as normas de retenção na Fonte não podem ser consideradas casos

de responsabilidade ou substituição tributárias, mas apenas meros deveres instrumentais,

cuja consequência prática é a impossibilidade de o retentor que descumprir com seu dever

ser submetido ao pagamento do tributo, mas apenas ao da penalidade pecuniária por des-

cumprimento de dever instrumental; e “segundo”, que a feição jurídico-constitucional do

Imposto sobre a Renda é incompatível com a sistemática de retenção na Fonte, que leva em

consideração os “rendimentos” e não “a renda ou os proventos” auferidos.

Outro ponto importante do presente trabalho diz respeito a delimitar a definição da

norma jurídica de isenção, como norma de estrutura no sentido da mutilação parcial de um

ou mais critérios da regra-matriz de incidência tributária, de forma a inibir a sua operativi-

dade, impedindo, por consequência, que haja a incidência da norma jurídica tributária. De-

fendeu-se, também, a ideia de que a alíquota zero é caso de isenção, por atacar especial-

mente o critério quantitativo da norma-padrão de incidência e que, por outro lado, a mera

redução do “quantum debeatur” do tributo, pela simples redução da base de cálculo ou da

alíquota, não pode ser considerado caso de isenção parcial, porque de isenção não se trata.

Ao mesmo tempo, ficou demonstrado que não existe óbice jurídico à revogação da

isenção concedida por prazo indeterminado – como é o caso do artigo 10 da Lei nº 9.249/95

– de forma que os únicos limites existentes no sistema à supressão da isenção são os Prin-

cípios constitucionais da Legalidade e da Anterioridade Genérica e Nonagesimal.

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Todos os pontos trabalhados nessas linhas tiveram por objetivo permitir o exame

da repercussão normativa, econômica e social da implantação da tributação, pelo Imposto

sobre a Renda, dos lucros e dividendos pagos ou creditados por pessoas jurídicas aos seus

sócios ou acionistas.

Assim, no capítulo sexto, aliando-se os fundamentos articulados no decorrer do

trabalho e depois de demonstrado que os lucros das pessoas jurídicas estão submetidos à

tributação por intermédio do Imposto sobre a Renda da pessoa jurídica, pois compõem o

conceito constitucional de renda e, também, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,

chegou-se às seguintes conclusões:

(i) Segundo o Sistema Constitucional Tributário brasileiro “não” há óbice para a

revogação da isenção concedida pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95; sob esse mesmo viés

“normativista”, também não se vislumbra vedação à tributação, pelo Imposto sobre a Ren-

da, dos lucros ou dividendos recebidos pelos beneficiários respectivos.

(ii) O critério material da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda e

da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido leva em consideração a mesma realidade fá-

tica, ou seja, o lucro auferido pela pessoa jurídica, sendo que, no caso do imposto, esse lu-

cro comporá o conceito constitucional de renda e serão deduzidas as despesas autorizadas

por lei.

(iii) Quanto ao critério pessoal do consequente da regra-matriz de incidência do

Imposto sobre a Renda do beneficiário, o sujeito passivo é diferente daquele que compõe a

regra-matriz do Imposto sobre a Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social inciden-

te sobre o Lucro Líquido, não havendo, portanto, identidade nas regras-matrizes do Imposto

sobre a Renda de quem paga os dividendos, em relação à daquele que os recebe.

(iv) Havendo regras-matrizes distintas, não se pode, do ponto de vista “jurídico-

normativo”, considerar que haverá dupla tributação na incidência do Imposto sobre a Renda

dos lucros ou dividendos pagos por pessoas jurídicas, pois são de sujeitos passivos diferen-

tes e, portanto, são incidências também distintas.

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(v) Quanto à repercussão econômica e social dessa nova modalidade de tributação,

foi possível demonstrar que o Brasil adota o “método de isenção total”, onde os lucros ou

dividendos pagos pela pessoa jurídica aos seus sócios estarão isentos do Imposto sobre a

Renda do beneficiário, por já ter sido objeto de tributação, pelo mesmo imposto, no âmbito

da pessoa jurídica pagadora. Se confirmada a revogação da isenção concedida pelo artigo

10 da Lei nº 9.249/95, o Direito pátrio passará a adotar o “Sistema Clássico de Separação”,

onde os lucros são tributados tanto no âmbito das pessoas jurídicas, à medida em que aufe-

ridos, como no dos sócios, quando distribuídos, seja na forma de distribuição de lucros pro-

priamente dita ou como pagamento de dividendos.

(vi) Com essa medida de oneração tributária, por decorrência da revogação da

isenção do Imposto sobre a Renda dos lucros ou dividendos recebidos pelos beneficiários

de pessoa jurídica, haverá, invariavelmente, uma dupla tributação econômica, ao se promo-

ver a tributação, por tal imposto, tanto no âmbito da fonte pagadora, quanto no dos sócios

ou acionistas beneficiários de tal pagamento, porque tais valores já foram tributados, no

âmbito da pessoa jurídica, seja pelo mesmo imposto, seja pela Contribuição Social sobre o

Lucro Líquido, bem como porque o lucro não deixa de ser “lucro” pelo fato de ser distribu-

ído aos sócios ou acionistas, ou seja, não tem a sua natureza jurídica alterada.

(vii) Lamentavelmente, enquanto os países desenvolvidos procuram estimular seu

crescimento econômico com a desoneração tributária, especialmente em relação ao lucro

auferido pelas empresas, desenvolvendo métodos para evitar a sua tributação em cascata –

no âmbito da pessoa jurídica e dos sócios – o Brasil estaria buscando um caminho oposto,

pois pretenderia revogar a isenção que evita, justamente, essa incidência em cascata do Im-

posto de Renda, para fomentar a dupla tributação dos lucros, fazendo-o incidir tanto no âm-

bito da pessoa jurídica, quanto no dos sócios beneficiários.

(viii) Com a implantação dessa nova modalidade de tributação dos lucros, haveria

um desestímulo para que o empresário deixe a informalidade e, certamente, o repasse de

tal aumento de carga tributária no custo empresarial, que, em última análise, crescerá e, por

evidente, tal impacto será sentido pelo consumidor, significando dizer que, em última análi-

se, o apetite arrecadatório do Governo Federal será suportado pela sociedade.

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(ix) Não se pode perder de vista que o lucro exerce importante “função social”,

pois, não fica, em sua maior parte, na mão do empresário, já que grande percentual da lu-

cratividade auferida pelas pessoas jurídicas retorna para a sociedade, seja na forma de rein-

vestimento na própria empresa, ou como pagamento aos trabalhadores; e, ainda, estimula o

crescimento econômico, beneficiando toda a sociedade.

(x) A tributação do lucro distribuído não vai levar ao aumento do desenvolvimento

econômico ou ao alcance de uma pseudo “justiça tributária”. A atitude governamental de-

veria ser exatamente o contrário, ou seja, estimular a produção de lucro, pois, junto com

ele, haverá maiores investimentos no país, aumento dos postos de trabalho, da arrecadação

tributária e, como fim último, desenvolvimento econômico.

(xi) Ao se implementar a tributação dos lucros e dividendos pagos pelas pessoas

jurídicas aos seus sócios ou acionistas, tendo em vista a transferência do encargo econômi-

co, o aumento do custo empresarial e o desestímulo para que o micro e pequeno empreen-

dedor saia da informalidade, em última análise, encerra uma violação ao Princípio da Livre

Iniciativa, prescrito constitucionalmente;

(xii) Na prática, considerando que, na sociedade simples, não se desenvolve ativi-

dade empresarial, e o faturamento desse tipo de sociedade é composto, unicamente, pela re-

tribuição ao trabalho executado diretamente pelos sócios, é esse faturamento que propiciará

a existência de lucro, sobre o qual incidirá a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e

que, ainda, irá compor o conceito constitucional de renda para efeito de tributação, pelo

Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica. Dessa forma, se os lucros distribuídos por tal

sociedade passarem a ser tributados na esfera dos sócios, pelo Imposto sobre a Renda, o re-

gime tributário deixa de ser favorecido, já que os mesmos honorários, ou seja, a mesma ba-

se econômica, passará a sofrer uma dupla tributação por tal imposto. Os honorários recebi-

dos serão tributados no âmbito da pessoa jurídica e também no dos sócios.

(xiii) O cenário, com essa modalidade de tributação é pouco animador para os titu-

lares de sociedades simples, que, por via transversa, serão estimulados a retornar para a in-

formalidade, situação que causará repercussão negativa, tanto no aspecto econômico, quan-

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to social – considerando-se, em ambos os casos, a geração de emprego, renda, pagamento

de tributos, injeção de dinheiro na economia etc.

(xiv) A sociedade por quotas de responsabilidade limitada também está sujeita ao

Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,

assim, semelhantemente ao que acontece com a sociedade simples, a tributação do lucro ou

dividendo recebido pelos sócios levará a uma dupla incidência econômica daquele imposto,

em razão da mesma base econômica, isso porque o mesmo lucro tributado, no âmbito da

pessoa jurídica, será também tributado na esfera de direitos do beneficiário dos rendimen-

tos, pois que tal lucro não perde a sua natureza jurídica ou tem-na alterada.

Assim, consoante todos os argumentos aqui expostos, conclui-se que a tentativa de

tributar os lucros ou dividendos pagos por pessoas jurídicas, em verdade, tem apenas o

condão de buscar um aumento de arrecadação, sem que se faça uma análise dos impactos

negativos que tal atitude trariam. Não está a União agindo em defesa dos interesses da soci-

edade, se não dos seus próprios, sem se importar com as repercussões indesejáveis que tal

postura irá fomentar.

Enfim, espera-se que, com este trabalho, possa ser dada uma contribuição à socie-

dade, demonstrando, com argumentos, que não se deve insistir na ideia de aumentar a carga

tributária, num país em que a iniciativa privada já está estrangulada com tantos tributos a

pagar; e da infelicidade da decisão de implementar mais um tributo a gravar a lucratividade

empresarial, um dos mais importantes atores do desenvolvimento econômico desse país.

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