WAUTIER, A. M. Para uma sociologia da experiência

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    Sociologias, Porto Alegre, ano 5, n 9, jan/jun 2003, p. 174-214

    Para uma Sociologia da Experincia.Uma leitura contempornea:Franois Dubet

    ANNE MARIE WAUTIER*

    )firmar que a Sociologia procura entender as mudanas queocorrem na sociedade seria uma tautologia; desde sua cri-ao, de Comte at hoje, ela no tem feito outra coisa.Mas o que faz a diferena hoje , em primeiro lugar, epara citar apenas alguns aspectos mais relevantes, a ex-

    tenso dessas mudanas. Elas no se limitam a uma rea geogrfica ou auma parte hegemnica do mundo, como no sc. 19. Encontram-se hojenos pases do norte como nos do sul os mesmos problemas econmicos esuas conseqncias polticas e sociais: difcil transformao e sobrevivn-cia da pequena agricultura, marginalizao das minorias tnicas e de gne-ro, mudanas na estrutura do mundo do trabalho, e outras tantas. tam-bm ntida a conscincia de que estas mudanas no so mais inerentes

    modernidade antes entendida como progresso. O progresso, e suas con-seqncias, chegou, de uma maneira ou outra, em toda parte (por exem-plo, a poluio e os acidentes ecolgicos, ou, num outro registro, a exten-so das redes de comunicao). Novas configuraes sociais se desenham,qualquer que seja o desenvolvimento econmico dos pases, e novas de-mandas (educao, autonomia e reconhecimento das minorias, participa-o poltica) podem ser at tratadas com violncia quando no atendidas:

    * Professora na UNIJU (RS), doutoranda em Sociologia na UFRGS.

    DOSSI

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    manifestaes de rua, atentados, seqestros. Enfim, a diferena aparecetambm nas aparentes contradies ou incoerncias que pontuam essasmudanas; os movimentos de libertao nacional assemelham-se mais aretrocessos comunitrios do que a avanos democrticos (Pas Basco,Afeganisto, Indonsia); os ltimos basties comunistas abrem as portasaos maiores smbolos capitalistas (Bolsas de valores, fast-food); recrudes-cncia dos movimentos carismticos, gerenciados como negcios rent-veis (ingressos venda para uma missa-show de um conhecido padre,comrcio dos anjinhos, etc.).

    Resumindo, a sociedade, no mundo inteiro, parece ter perdido abssola e as instituies tradicionais parecem no ser mais capazes deenquadrar novas demandas que traduzem uma nsia de reconhecimentoe de respeito de sua especificidade, seja na Igreja, na famlia, na escola,nos partidos polticos, nas organizaes de produo. Como podemos lere interpretar essas mudanas nos valores e condutas que faziam parte de

    nosso horizonte at h bem pouco tempo? A Sociologia est em busca deoutras balizas para a compreenso desta nova configurao social em queh, pelo menos, acordo sobre um ponto: as explicaes fornecidas athoje no cabem mais neste admirvel mundo novo.1

    Entretanto, esta situao crtica no era inteiramente imprevisvel. Jno sc. 19, no auge da ideologia do progresso e da concepo ordenadada sociedade, Simmel, este pensador mal amado por sua originalidade eindependncia, advertia: o homem moderno no pode mais fazer partedas unies tradicionais ou engajar-se em vnculos estreitos que no respei-

    tam suas preferncias e sua sensibilidade pessoal.2 Sua interrogao sobre asociedade e o indivduo, sobre suas aes recprocas, so prximas dasidias desenvolvidas mais tarde por Weber. Simmel vai ser redescobertona Frana e influenciar o pensamento de Touraine e da equipe de pesqui-

    1 Em referncia obra de Aldous Huxley: Um admirvel mundo novo.

    2 Simmel, Georg. Sociologie. Recherche sur les formes de socialisation. 1908. In: Van Meter, Karl. p. 253.

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    sadores do CADIS (Centro de Anlise e de Interveno Sociolgica). Entreeles, quem d uma ateno particular anlise terica da sociedade con-tempornea vinculada ao estudo dos fundamentos tericos e metodolgicosdas pesquisas empricas Franois Dubet, atravs do conceito de experi-ncia social.

    O objetivo deste artigo aprofundar a compreenso deste conceito,no s de um ponto de vista terico, mas nas suas possibilidades deoperacionalizao. Isto , como pode esse conceito, fundamentado teori-camente, permitir a compreenso das expresses contemporneas da so-ciedade, na sua aparente crise de valores, ambigidades e incoerncias?Em primeiro lugar, apresentar-se- a reflexo feita por Dubet, assim comoo desdobramento dessa reflexo na sua tentativa de resposta pergunta:Em que sociedade vivemos?.3 Em segundo lugar, ser feita uma rpidaincurso ao pensamento de dois autores referenciados por Dubet: Simmele Schutz, que ilustram as duas vertentes da experincia: a ao social e a

    subjetividade.

    A Experincia Social

    1 A construo do conceito

    A decomposio do modelo clssico de anlise da sociedade

    O ponto de partida de Dubet a constatao de uma mudana pro-funda na concepo da sociedade, do indivduo e da ao social, de umadecomposio da representao do social oferecida pela sociologia cls-sica. Esta poderia ser identificada, segundo ele, de maneira ampla, no

    3 Para Dubet, Sociologie de lexprience, 1994: as citaes feitas neste texto so da edio original em francs. Para Dubet eMartuccelli, Dans quelle socit vivons-nous?, 1998: as citaes so da edio argentina. Ver referncias completas na bibli-

    ografia. Para as duas obras, as tradues so minhas.

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    desprovida de arbitrariedade, s obras de Durkheim e de Parsons, assimcomo apresentao feita por Nisbet da tradio sociolgica(Dubet, 1994,p. 11). E, mesmo que vrios socilogos de renome no se enquadremnesta perspectiva clssica, foi ela que forneceu referncias bsicas comuns Sociologia, compartilhadas durante tanto tempo que elas acabaram ad-quirindo um carter clssico(Id., p. 22).

    No pensamento clssico, a sociedade uma noo central, umarealidade altamente integrada e integradora:A sociedade existe como umsistema integrado identificado modernidade, a um Estado-Nao e a uma

    diviso do trabalho elaborada e racional. Ela tambm existe porque produz

    indivduos que interiorizam seus valores e realizam suas diversas funes

    (Id., p. 21). Definir a sociedade na sociologia clssica equivale a traar seunvel de desenvolvimento, seu grau de racionalidade, sua capacidade deassegurar a ordem e a segurana no quadro de um Estado apoiado eminstituies slidas. Se a idia de sociedade a representao da ordem e

    progresso, ela tambm intimamente vinculada idia de sociedadeindustrial, hierarquizada e, logo, conflituosa (diviso do trabalho). Mas oconflito, mesmo que seja tido como disfuno, fator de elaborao denovos ajustes e acaba tendo uma funo de adaptao e de integrao dosatores em conflito (...) estabelecendo fronteiras mais ntidas entre os diver-

    sos grupos(Id., p. 49). Esta representao est hoje colocada em xeque.A idia de sociedade associada modernidade e ao progresso reve-

    lou-se, nos fatos, mais na ruptura do que numa evoluo harmoniosa, sejanos Estados revolucionrios marxistas ou nos novos Estados descolonizados.A ideologia do progresso gerou reaes nacionalistas e uma dualizaoeconmica e social das sociedades, provocando a crtica no s por parteda sociologia marxista como tambm dos prprios funcionalistas. O Esta-do-Nao no mais a encarnao da idia de sociedade, j que ainternacionalizao da economia e da cultura colocam em questo a so-berania nacional e as identidades culturais. Aparecem novas formaes

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    polticas (Mercosul, Unio Europia) e, ao mesmo tempo, descentralizaode certas prerrogativas e responsabilidades em polticas pblicas.4 Enfim,assiste-se ao declnio da sociedade industrial e da conscincia de classeque estavam no cerne da vida social, tanto na perspectiva marxista quantona perspectiva funcionalista: as relaes de produo no so mais a nicafonte de identificao dos atores. Hoje se leva tambm em conta o sexo, aetnia, a qualificao, entre outras. A focalizao dos problemas sociais sedesloca da fbrica para a cidade,5 da dominao econmica para outrasformas de desigualdades, da integrao produo para uma participaosocial mais ampla.

    Na sociologia clssica, o ator individual definido pela interiorizaodo social(Id., p. 12), o que implica um importante autocontrole, tal comoa interiorizao das normas, a conscincia do dever e das obrigaes mo-rais; tambm submete o indivduo a um rgido controle social, o indivduo produto de uma socializao que visa a incorporao de valores e de

    condutas socialmente adaptadas ao funcionamento da sociedade. O eusem o ns patolgico, segundo Elias, citado por Dubet. Questiona-sehoje esta concepo do ator individual. A crtica da modernidade, j inici-ada por Simmel e Weber (Id., p. 19) e continuada, entre outros, por Touraine(Id., p. 73), no defende mais, como na sociologia clssica, o papel socialdo indivduo e a unidade da sociedade, mas a autenticidade e a identida-de do sujeito, a afirmao de si e o desejo de ser autor da sua vida: afigura clssica de um indivduo constitudo por um todo social homogneo

    no parece maisaceitvel (Id., p. 74). Mas, por outro lado, esta mesmacrtica no deixa de censurar o individualismo que se sobrepe ao indiv-duo, o individualismo da sociedade de consumo incapaz de fazer seus

    4 No caso do Brasil, seria, por exemplo, a municipalizao da sade, do ensino...

    5 Cidade, entendida como espao mais amplo de embates sociais do que apenas a fbrica, muito tempo considerada comoterreno privilegiado das relaes sociais. Seja nas sociedades ocidentais ou nas sociedades dependentes, Dubet sublinha osurgimento de problemas sociais, tnicos e religiosos que se superpem s diferentes formas de excluso do trabalho (Dubet,1994).

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    alguns valores essenciais a partir dos quais ele constri a sua identidade e asua ao(Id., p. 70). Esta forma de individualismo leva, no neurose daera vitoriana, mas a uma profunda crise de identidade e a uma indiferen-a que ameaa a sociedade e a democracia.

    Enfim, na sociologia clssica, a ao social a realizao de um papelintegrado, interiorizando normas e princpios reconhecidos pelos atores evisando a coeso do sistema. Existe um vnculo de incluso do ator e dosistema(Id., p. 13), uma identificao total entre os dois, isto , a identida-de do ator e do sistema pelo vis da noo de ao (Id., p. 50). Hoje emdia, esta perspectiva se desfaz. Numa sociedade que se caracteriza peladiversidade cultural, pela multiplicidade das formas de conflito e de aosocial, os atores no podem mais ser reduzidos a um s tipo de papelprogramado, no podem atuar segundo uma lgica nica e determinada:o ator e o sistema se separam. No existe mais um paradigma nico daao. A ao social no determinada to somente pelo sistema. O indiv-

    duo se destaca pela capacidade de distanciamento em relao ao sistemae pela sua capacidade de iniciativa e de escolha. Segundo Dubet, naao que se constri um conhecimento da sociedade. Ele distingue umavertente comunicacional ou fenomenolgica: a ao interao (Goffmane as relaes face to face) e linguagem (Schutz e Garfinkel). Outra avertente da ao racional, que pode ser estratgica (Crozier e Friedberg e aracionalidade limitada dos atores), ou princpio de utilidade (Boudon e oindividualismo metodolgico).

    Dessa forma, estamos presenciando uma fragmentao do modeloclssico de anlise da sociedade e uma multiplicidade de paradigmas daao: a disperso se tornou regra e a combinao dos modelos substitui aantiga unidade (Id., p. 90). A diversidade das lgicas de ao pode seratualmente o problema mais crucial da anlise sociolgica. Mas a reflexosobre a ao social parece estabelecer hoje um princpio de unidade do

    pensamento sociolgico alm da diversidade dos paradigmas(Id., p. 90).

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    Um modo de recomposio do real: a experincia social

    Segundo Dubet, a diversidade das lgicas de ao e as exigncias deindividualizao que aparecem nas condutas sociais hoje so as formastomadas pela experincia social moderna, j anunciadas por Weber (di-versas formas de ao social) e Simmel. Para este, a fragmentao da expe-rincia social era o fundamento mesmo da modernidade (a figuraemblemtica o estrangeiro; Id., p. 74-75), em contraposio

    homogeneidade funcional e institucionalizao das condutas. A experi-ncia social se apresenta, assim, como capaz de dar um sentido s prticassociais. Ela designa as condutas individuais ou coletivas dominadas pelaheterogeneidade de seus princpios constitutivos e pela atividade dos indi-

    vduos que devem construir o sentido de suas prticas no meio desta

    heterogeneidade(Id., p. 15).O conceito evidencia trs traos essenciais que aparecem nas mais

    diversas condutas sociais. O primeiro a heterogeneidade dos princpiosculturais e sociais que organizam as condutas (Id., p. 16): a identidadesocial, construda a partir desses princpios, no um ser (posio social)mas um fazer, um trabalho, uma construo, uma experincia. Enquan-to, na concepo clssica da ao, a personalidade (o ator) determinadapelos papis (normas, meios), nesse caso, o papel produzido pela perso-nalidade, isto , uma nova capacidade de gerenciar a experincia. Osegundo trao a distncia subjetiva que os indivduos mantm com o

    sistema(Id., p. 17). A pluralidade das lgicas de ao presente na experi-ncia social vivida como um problema e produz uma atitude dedistanciamento, de mal-estar. Os indivduos precisam explicar a si mesmoscomo constroem suas prticas, sua adeso (relativa) a papis e valores aosquais eles no conseguem aderir completamente.6 Esta distncia crtica(reflexividade), quando ocorre, define a autonomia dos atores, torna-ossujeitos, j que os atores no podem ser enclausurados nos seus papis,

    6 Podemos citar o exemplo, como o faz Dubet em vrias ocasies, do professor diante da instituio escolar.

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    prpria. A experincia social o resultado de uma articulao aleatriaentre estas trs lgicas:- a integrao: o ator definido pelos seus vnculos na comunidade;- a estratgia: o ator definido por seus interesses num mercado;- a subjetivao: o ator um sujeito crtico frente a uma sistemtica de

    produo/ dominao, de alienao.8

    Lgicas autnomas e no hierarquizadas, ao contrrio da idia clssi-ca de sociedade em que o Estado-Nao articulava e confundia a comuni-dade, o mercado e a cultura. melhor, segundo Dubet, falar em experin-cia do que em ao, para destacar mais a autonomia de cada uma destas

    lgicas(Id., p. 112). E, neste momento de sua reflexo, Dubet reconhecesua herana tourainiana no uso das categorias analticas de identidade,oposio e totalidade (IOT), que inspiram sua tipologia da ao: Toda for-mao social definida pela co-presena de uma capacidade de integrao

    comunitria opondo o ns aos outros, de um sistema de convivncia

    regulada e de uma cultura definindo a capacidade crtica e a capacidade deao voluntria(Id., p. 111).

    Temos, no Quadro 1, uma esquematizao destas trs lgicas apre-sentadas a partir de quatro critrios: a forma da identidade do ator, a natu-reza das relaes sociais, o que fundamenta a ao dos atores e a que tipode viso de sociedade, de sistema social se refere.

    A primeira, a integrao, a lgica de ao da sociologia clssica,assim como foi definida anteriormente. Para essa lgica, a identidade adscrio, submisso pela interiorizao de valores institucionalizadosatravs dos papis. O ator reconhecido na medida em que ele est inte-grado. As relaes sociais so caracterizadas pela oposio entre eles ens.9 O outro definido pela sua diferena, definido como o estranho

    8 Na perspectiva de Dubet, a subjetivao uma postura crtica, uma lgica de ao fundada na subjetividade, entendida comoalicerce da experincia social e prpria a um indivduo (mas no sinnimo de individualismo).

    9 Dubet d o exemplo dos ritos de passagem ( assim que se poderia entender tambm o trote de iniciao vida universitria).

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    contrrio a ns, ao grupo (in-group/out-group). O que fundamenta a aoso os valores. Para o ator, a cultura, ao mesmo tempo, fundamenta aidentidade, uma moral e perpetua a ordem. (Dubet d o exemplo dareligio e da escola, Id., p. 117). Enfim, a lgica da integrao considera ascondutas de crise, como patolgicas, como falhas da socializao e daintegrao ao sistema. Nessa lgica, que domina a viso clssica da socie-dade, os indivduos tm como objetivo manter a continuidade de sua iden-tidade.

    Na lgica da estratgia, a identidade um recurso, um meio, nummercado concorrencial, mercado entendido no s do ponto de vista eco-nmico, mas em todas as atividades sociais. A identidade vinculada aoconceito de status e no mais a um papel. O ator reconhecido na medidaem que ele pode, em que tem recursos para influenciar os outros a partirda posio que ele ocupa; no se trata mais de posio social, mas deposio relativa, porque depende das oportunidades e dos recursos dis-

    ponveis nessa posio. A identidade o meio para atingir determinadosfins, e a integrao substituda pela regulao: as regras do jogo. As rela-es sociais so definidas em termos de concorrncia, de rivalidade deinteresses individuais ou coletivos. O que est em jogo na ao, nestecaso, o poder. Os atores vo definir seus objetivos, escolher o queparaeles til, enfrentar aconcorrncia com os outros (pode ser pelo dinheiro,mas tambm competio poltica, conquista amorosa) e vo desenvolverestratgias para influenciar os outros, isto exercer um poder. Nesta pers-pectiva, a ao coletiva mais mobilizao que adeso, os movimentossociais so uma ao racional e no espontnea, e visam a exercer influn-cia sobre o sistema poltico. A referncia a sociologia da ao estratgica, a ao orientada para o sucesso (Habermas citado por Dubet. Id., p.126), identificada ideologia do capitalismo. Mas tambm uma visoliberal, que denuncia tudo o que pode impedir a formao de equilbriosharmoniosos numa sociedade aberta s trocas concorrenciais.

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    A subjetivao, como lgica do sujeito, um conceito de difcil defi-nio visto, segundo Dubet, o uso que foi feito do termo numa perspectivadeterminista ou individualista. Entretanto, a lgica do sujeito no podereduzir o ator a seus papis ou a seus interesses. Ela uma atividade crti-ca. a lgica pela qual o ator se diferencia da lgica de integrao e dalgica estratgica. Quanto identidade, o ator , na qualidade de sujeito,na medida em que ele capaz de se distanciar de si mesmo e da socieda-de. Sua identidade definida como um engajamentopermitindo a ele dese perceber como o autor de sua prpria vida(Id., p. 128), engajamentorealizado no sofrimento: pela necessidade de distanciamento crtico e peladificuldade de alcanar esta qualidade de sujeito. As relaes sociais so

    percebidas em termos de obstculos ao reconhecimento e expresso des-

    ta subjetividade(Id., p. 130). O conflito social no nem defesa da identi-dade nem mobilizao racional; a luta contra a alienao, no sentido daimpotncia, do sentimento de no ser nada mais do que o espectador de

    sua prpria vida. Esta lgica da ao/subjetivao permite entender o irra-cional e o excessivo nos movimentos sociais nos quais podemos encontrarum ator que se percebe como sujeito. O que est em jogo nesse caso, acultura, entendida como definio histrica do sujeito e no mais ape-nas e unicamente valor que sustenta a sociedade, funda a moral, a ordem(Durkheim, Parsons). A cultura o que torna possvel a crtica social comofundamento da ao, no a partir de princpios transcendentais, mas comoexperincia social banal do senso comum (Id., p. 132). A lgica dasubjetivao, na sua referncia ao sistema social, est associada a umapostura crtica que denuncia a alienao e a dominao. A alienao seentende como privao da capacidade de ser sujeito (Id., p. 133) pelareificao das relaes sociais; entende-se como desencantamento queesvazia a experincia social do seu sentido, atravs da racionalidade ins-trumental.

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    Quadro 1. O conjunto social: As lgicas de ao

    Fonte: Dados elaborados a partir da obra de Dubet

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    Existem, assim, trs lgicas que remetem a trs elementos do con-junto de uma formao social, a trs sistemas que so trs tipos deexplicao da sociedade. Mas para o ator, existe uma circulao entreesses trs pontos de vista, que apaga a idia clssica de sociedade comosistema fechado, como mquina. Os atores enfrentam identidades e rela-es sociais cada vez mais diversificadas. Eles no escolhem, mas se depa-ram com todas elas, ao mesmo tempo.

    A relao entre experincia social e sistema

    A experincia social no algo sem relaes com o sistema social: oator constri uma experincia que lhe pertence, a partir de lgicas de ao

    que no lhe pertencem, e que so dadas pelas diversas dimenses do siste-

    ma que vo se separando na medida em que a imagem clssica de unidade

    funcional da sociedade se desfaz(Id., p. 136). Assim, as experincias soci-ais so combinaes subjetivas de elementos objetivos, combinao de

    vrios tipos de ao. Mas como podem estas lgicas ser articuladas comum dos modos de explicao da sociedade? Por que tipo de mecanismos?

    O Quadro 2 desenha a relao entre lgicas de ao e sistema.10

    Num sistema integrador, a socializao - reproduo que funda a lgicade integrao. Seja sob forma de educao ou sob forma de controle soci-al, ela orienta as condutas e a ao social. No sistema de interdependncia,a racionalidade do ator submetida a vrios tipos de coeres e limita-da. Mas o mercado preexiste e a otimizao da escolha fixada peladistribuio dos recursos. Na relao ator/sistema, falar-se- em termosde jogos de interesses e de regras do jogo (Crozier e Friedberg). O sistemaimpe regras e coeres aos jogadores, mas nem todos jogam como gosta-riam de faz-lo. A ao articula a racionalidade dos atores com regras esituaes que dificultam o jogo e fazem uma distribuio desigual das capa-

    cidades de jogar(Id., p. 147).

    10 Este quadro incorpora dados complementares fornecidos pela pesquisa: Em que sociedade vivemos?.

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    Enfim, na lgica de subjetivao, o ator pode afirmar-se como sujeitocrtico, na distncia ou no engajamento, na tenso entre cultura e rela-es sociais, entre comunidade e mercado. O que sustenta essa lgica, a historicidade, no sentido dado por Touraine de capacidade que umasociedade tem para construir as suas prticas a partir de modelos culturais

    e atravs dos conflitos(Touraine, 1996, p. 11), isto , de dar um sentido asuas prticas. Se a socializao aparecia como recurso imposto pelo siste-ma, o jogo de interesses como forma de manipulao pelo sistema, ahistoricidade, sob sua forma de tenso dialtica, de reflexibilidade, cons-tri-se na luta contra a alienao e contra a dominao social. E, nestesentido, esta atividade crtica pode ter, segundo Dubet, a forma de ummovimento social,11 apontando para a sociedade como um sistema deao histrica.

    Existe, assim, uma pluralidade de sistemas: no h unidade do social.Cada lgica da ao remete a um sistema, a um tipo de explicao social

    que coexiste com outras formas de explicao, na diversidade. Numamesma realidade social, podemos encontrar processos de socializao,mecanismos de jogo e tenso dialtica. O fato de que a sociedade parececoesa no significa que seja um sistema (Id., p. 150). A diversidade daslgicas de ao convida a aceitar uma diversidade de tipos de explicaese a conceber a sociedade como um todo desprovido de centro(Id., p. 152).

    O ator: de que maneira constri sua experincia e se constitui como

    sujeito?

    A experincia social a atividade, o trabalho pelo qual o indivduopode construir uma identidade social, quando articula as diversas lgicasde ao nas quais ele est engajado. Em outras palavras, este trabalhoque aproxima o indivduo de uma representao do sujeito, e este traba-

    11 Idia que se encontra tambm em Touraine: Le retour de lacteur(1984) e Pourrons-nous vivre ensemble?(1997), entreoutros escritos.

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    perincia social est no cerne da ao coletiva em geral e dos movimentossociais em particular. E segundo Dubet, o feliz xito da ao coletiva noest apenas (...) na fuso da conscincia individual e da conscincia coleti-

    va: ele procede tambm de uma autonomia individual mais forte, de uma

    subjetividade afirmada(Id., p. 186). Situao que ele vai ilustrar na anliseda experincia da excluso dos jovens das periferias urbanas e na experi-ncia escolar, concluindo: o sentido da experincia social no mais dado,nem pela vida social, nem pela unidade do sistema, o produto de uma

    atividade (Id., p. 222). Isto , a experincia social no s construda,manifestada no discurso dos atores, mas ela uma atividade crtica, umareconstruo que s possvel porque o ator no totalmente socializado(Id., p. 93)12 e porque ele capaz de construir um projeto tico: alm daprocura de realizao pessoal, ele capaz de ser algum que, apesar deviver sua liberdade na angstia (diante das conseqncias de suas esco-lhas), quer ser autor de sua prpria vida(Id., p. 99).

    Em que sociedade vivemos?

    Em Sociologie de lExprience, Dubet fornece um quadro terico euma grade de anlise da sociedade centrada sobre dois eixos: a ao sociale a subjetividade. Em Dans quelle socit vivons-nous?, ele13 declaraque, se participou, como outros autores, do movimento de desconstruo

    da idia de sociedade(Dubet e Martuccelli, 2000, p. 14),14

    nem por issoest renunciando idia de sociedade. Seu objetivo aqui , em primeirolugar, no ceder ao pessimismo, ao desencantamento provocado pela cri-se da sociedade, buscando situar-se entre idealizao de um passado im-

    12 No sentido dado a esta palavra pela sociologia clssica, tal como definida na p. 177.

    13 No por desconsiderar a contribuio de D. Martuccelli ao trabalho conjunto Dans quelle socit vivons-nous?mas parasimplificar a expresso, falarei, no decorrer deste artigo, da primeira e segunda obra de Dubet.

    14 Sociedade tal como entendida pela sociologia clssica (Dubet, 1994).

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    provvel e o horror econmico da mundializao(Id., p. 17). Em segundolugar, ele procura redefinir a sociedade para devolver-lhe suas capacida-des de ao: da a importncia dada temtica da democracia, na lutacontra a dominao e a alienao. Enfim, ele quer fazer uma tentativa dedescrio articulada e raciocinada da sociedadecomo participao ao pro-jeto da modernidade (Id., p. 20). Sua anlise um constante vai-e-vementre dois planos: o terico e o emprico, tentando explorar as tensessociais de um ponto de vista intelectual e prtico. Aps um diagnsticoda sociedade, ele analisa as esferas vinculadas ao mercado (classes sociais,trabalho e excluso) e comunidade (as instituies) para abrir a reflexosobre uma nova representao da sociedade como forma de construoda experincia social.

    1 A idia de sociedade

    A idia de sociedade uma representao, um tipo ideal, um objeto

    de conhecimento: um conjunto de imagens, de metforas, de histriasnas quais os atoresreconheceram-se mais ou menos totalmente (...) Osatores que deixaram as maiores marcas - os movimentos sociais, os polti-

    cos, as instituies como a escola - participaram amplamente desta repre-

    sentao (Id., p. 25). E, acrescenta Dubet, a vocao da sociologia aconstruo de uma representao da vida social.

    Dados estes preliminares, ele vai, como na sua primeira obra, fazer o

    balano da idia de sociedade e do mundo social hoje, como ela aparecee como est sendo interpretada. Segundo ele, a idia de sociedade estem declnio. A representao clssica da vida social no satisfaz mais. Elafoi uma resposta s mudanas ocorridas na sociedade do Sculo 19,construda em volta dos eixos sociedade/modernidade, sociedade/sistemaintegrado, sociedade autoproduzida pelo trabalho/classes sociais e socie-dade/Estado-Nao. A sociedade era interpretada como uma totalidade,um conjunto coerente e organizado no qual o ator era o sistema.

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    Hoje o debate diferente. O mundo social um patchworke existeuma multiplicidade de abordagens e de tentativas de interpretaes: ocampo intelectual parece decompor-se(Id., p. 13-14). A modernidade estem crise: a histria venceu o evolucionismo e o historicismo (...) A chamadamundializao no se apresenta como o triunfo da sociedade moderna

    universal(Id., p. 40). A idia de sociedade como totalidade est em declnio,dissolvida numa rede de sistemas com racionalidade prpria (Dubet d oexemplo dos sistemas autopoiticos de Luhmann; Id., p. 44). O esgota-mento da sociedade industrial, marcou o incio do fim do movimentooperrio. No significa o declnio dos movimentos sociais, mas no se podemais sustentar a idia de um conflito central. Enfim, o Estado-Nao en-contra-se fragilizado pelas fragmentaes nacionalistas e tnicas, e pelainternacionalizao da economia. Perda de sentido da sociedade ou buscade um outro sentido? O tema da crise est presente em todo lugar e atra-vessa a obra de Dubet.

    Entretanto possvel reconstruir a idia de sociedade. Como?A ex-perincia social a atividade pela qual cada um de nos constri uma ao

    cujo sentido e coerncia no so mais dados por um sistema homogneo e

    por valores nicos(Id., p. 58). Redescobre-se um indivduo cada vez maisautnomo na reivindicao da liberdade de ser o dono de si e de seusprojetos, mas tambm cada vez mais capaz de tomar suas distncias, deviver nas tenses. Descobre-se uma outra idia de sociedade, caracteriza-da pela justaposio de elementos heterogneos, pela separao das esfe-ras econmicas e culturais, proporcionando o surgimento da subjetividadeno quotidiano. A experincia social, como maneira de perceber o mundo, uma construo inacabada de sentido, que permite de se construir,atravs do conflito e do engajamento na ao coletiva, e de construir omundo social atravs de uma combinao de lgicas diferentes.

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    Aps uma apresentao rpida de sua teoria, Dubet traa o rumo dasua reflexo:

    Se as sociedades so construdas a partir de vrios prin-cpios e vrias lgicas, como nos ensina a observaodas condutas sociais, preciso tentar descrever estaslgicas a partir dos conjuntos prticos onde se reali-

    zam: as classes sociais, as instituies, as representa-es(Id., p. 87).15

    2 Os componentes da idia de sociedade: os conjuntosprticos

    As classes sociais e as relaes de dominao

    As classes sociais foram durante muito tempo a dimenso essencial

    da vida social, seu principal fator explicativo. Esta realidade est mudando:se ainda existem classes sociais, elas no do mais conta da estrutura dasociedade, de seus conflitos e, sobretudo de sua unidade(Id., p. 93).

    As trs dimenses apontadas pelo autor para caracterizar as classessociais so trs chaves de anlise que tambm encontraremos nos seuscorolrios: o trabalho e a excluso. A primeira a relao posio social:o lugar ocupado no processo produtivo e no a funo decorrente do nas-

    cimento vai definir a classe. A segunda a comunidade de vida, os modosde vida que ela implica, a identidade induzida por ela. A terceira a classecomo ator coletivo, numa sociedade dividida, antes organizada em funode um conflito entre classes com fronteiras estanques.16 O que ontem seapresentava como balizas para a compreenso da sociedade, hoje se ca-

    15 Cada um destes conjuntos prticos ao mesmo tempo dimenso essencial da vida social num sistema social sustentadopor uma lgica especfica, e tambm perspectiva analtica. Ver Quadro 2.

    16 Dimenses nas quais se pode perceber o entrelaamento entre as trs lgicas de ao j apresentadas por Dubet: a regulao

    dos intercmbios sociais, a integrao e o engajamento.

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    racteriza pela confuso, as cartas esto embaralhadas. Temos em primeirolugar um embaralhamento das posies de classe na superposio emistura de classes antes estanques e que hoje se subdividem. Existem hojeoutras formas de diviso da sociedade. No mais apenas a partir da pro-duo, mas tambm pela etnia, o gnero, a religio; os fatores de domina-o social se diversificam, no h mais um s princpio de explicao.Embaralhamento das comunidades de vida, porque, se antes, a rendadeterminava o modo de vida das diferentes classes e as representaescoletivas vinculadas a ele, hoje no sempre o caso. As fronteiras entreclasses se tornam mais fracas e transponveis, seja em termos de progres-so ou de regresso social (podemos citar o caso do jogador de futebolprofissional comprado por um grande clube ou, por outro lado, do quadrode empresa desempregado).Com a mobilidade social, a distncia entreclasses pode at amenizar-se, mudando os estilos de vida inter ouintrageracionais. As causas so diversas - migraes internas, escolaridade

    mais alta, diversificao das profisses - e desafiam as anlises sociolgicasem termos de categorias socioprofissionais. Embaralhamento, enfim, dovnculo entre classes e ao coletiva. Tanto na prtica social quanto naanlise terica, encontram-se defensores e detratores da importncia des-se vnculo. Mas o fato que surgem novas lutas sociais, novos conflitosmarcados pela ambigidade da noo de classe (por exemplo a classe dosservios) e pela diversidade dos modos de expresso desses conflitos(por exemplo, o movimento ecolgico).

    Para a anlise sociolgica, torna-se difcil demonstrar o vnculo entreos fenmenos de dominao, os conflitos sociais e as classes sociais, quedeixam de ser grupos sociais concretos e estveis: as posies construdas

    para explicar a dominao social no permitem mais descrever de maneira

    satisfatria a situao social de um indivduo dado(Id., p. 116). Significariaisso o desaparecimento das classes sociais? Significa sobretudo o esgota-mento de um paradigma central e o surgimento de espaos (tericos e

    prticos) multidimensionais, cada um com sua lgica prpria.

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    Fica claro ento que, apesar das mudanas que esto ocorrendo naestruturao social, no desaparecem as relaes de dominao, em parti-cular num campo econmico tambm em transformao profunda: o tra-balho. Aps anos de ouro (os chamados Trinta Gloriosos) caracterizadospela prosperidade econmica, pela paz poltica e social, quando todos ossonhos da modernidade pareciam concretizar-se, a mecnica enguiou.Mudaram os mecanismos de produo e distribuio da riqueza, de estru-tura do emprego, de construo da identidade a partir do trabalho. Aquitambm paira o embaralhamento. Do ponto de vista do status do traba-lho, a instabilidade e a fragmentao do mercado do trabalho, a extensodo trabalho feminino, a diferenciao dos salrios no interior de uma mes-ma categoria social do uma outra definio das carreiras, da estabilidadedo emprego e do status do trabalho (status precrios, status de desempre-gado e outros). Do ponto de vista do trabalho como modo de vida criadorde identidade, a significao subjetiva do trabalho muda. Se por um lado,

    observa-se um declnio da percepo do trabalho como sendo hegemnico,por outro lado, h revalorizao do emprego, devido extenso do de-semprego. O trabalho ainda importante para a realizao de si, masdescobrem-se outros valores, no materiais, outros vnculos criadores deidentidades: o trabalho ainda o espao privilegiado de construo deuma das representaes dominantes do sujeito em nossa sociedade (...)

    mas no mais verdadeiramente uma matriz de significaes(Id., p. 148-149). Quanto solidariedade no trabalho, seus fundamentos so debilita-dos atravs de polticas de recursos humanos que valorizam o capitalhumano, a performance, promovem a individualizao das carreiras eapelam implicao pessoal (mas no grupo) e mobilizao no trabalho.Novos conflitos e novas formas de dominao aparecem: o culto daperformance e o superinvestimento fsico e psquico no trabalho apa-gam progressivamente as fronteiras entre vida pessoal, vida social e vidaprofissional, gerando efeitos perversos no quotidiano. O sofrimento do tra-

    balho cria a vulnerabilidade psquica.

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    Analisando a situao, torna-se difcil ainda considerar o trabalho comofator de integrao social e o emprego como meio de insero: nenhumarepresentao conjunta e, de momento, nenhum compromisso institucional

    coerente e global esto substituindo as articulaes sobre as quais se funda-

    va a sociedade industrial(Id., p. 152). Ainda permanece a concepo dotrabalho como ocupao em tempo integral, por tempo indeterminado,em contradio com o desaparecimento progressivo da civilizao do tra-balho. E Dubet prope uma tipologia das possibilidades de estruturaodas relaes sociais pelo trabalho: as experincias so diferentes em fun-o do status (mais ou menos protegido), da autonomia mais ou menosforte e da renda elevada ou baixa.

    Antes vinculado s condies de trabalho (ou falta de trabalho), oconceito de pobreza mudou. Fala-se de novos pobres, conseqncia dodeclnio da sociedade salarial que tambm gera novas categorias de exclu-dos: imigrados, mulheres. A excluso no mais apenas o efeito da cri-

    se, nem a diferena entre ganhadores e perdedores; o produto de umconjunto de relaes sociais e polticas, uma maneira de construir e gerenciar

    a sociedade(Id., p. 163). E entre as conseqncias da decomposio dasociedade industrial, est o declnio do movimento operrio, j citado. Oque h de interessante a ser observado neste caso, que o resultado foi odeslocamento dos problemas sociais da fbrica para a cidade: no mais afbrica que encarna o escndalo da injustia, a periferia urbana(Id., p.169) com seus problemas de violncia, drogas e racismo.

    A anlise sociolgica do fenmeno fragmentada: ou se situa naanlise dos mecanismos da excluso, ou na experincia e no percurso dosexcludos. preciso, diz Dubet, analisar a excluso em termos de relaessociais, definir sociologicamente os grupos excludos pela natureza de seusvnculos com o conjunto da sociedade(Id., p. 174). Ele vai prosseguir nasua reflexo seguindo a trs dimenses j anunciadas: a relao posio

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    social, a relao comunidade e a relao ao coletiva. Assim, a exclu-so um mecanismo que atinge no s os pobres, mas ameaa tambmoutras camadas sociais, em particular as camadas mais frgeis das classesmdias: a excluso no designa uma categoria social precisa, mas uma situ-ao compartilhada em graus diferentes, j que no necessrio acumular

    todas as desvantagens para sentir-se excludo (Id., p. 174). E se ascategorizaes da linguagem (pobres, classes populares, classesdesfavorecidas, e outras) no correspondem sempre s categorias prti-cas dos interessados, estes tm entre si um princpio de unidade: o senti-mento de ser segregados, de ser estigmatizados. Mas este sentimento no suficiente para criar uma comunidade popular. O sentimento de des-valorizao em relao s aspiraes; a coabitao difcil e s vezes perigo-sa; a dependncia dos servios sociais e as tenses geradas nas relaescom as instituies, isolam mais do que renem. Em situao de precarie-dade e de frustrao, cada um v no outro o reflexo de sua infelicidade,

    aquilo que ele ou pode vir a ser.Enfim, os excludos so duplamente marginalizados, ao mesmo tem-

    po no plano das relaes de produo e no plano da reproduo: Existesimultaneamente uma luta declasses e uma luta para lugares17 no meiode uma multiplicao dos nveis de participao sociedade de consumo

    de massa(Id., p. 192). Desta forma, os excludos no representam nemuma classe fechada, nem um ator coletivo, mas um problema: rejeitados

    por uns e colonizados pelos outros (assistncia pblica), eles so vincu-lados sociedade unicamente por sua identificao aos valores de consu-

    mo cujas migalhas eles aproveitam(Id.). Segundo Dubet, a excluso no o resultado da fatalidade ou da competio internacional, mas de um sis-tema complexo e diversificado de relaes sociais. E ele prope uma tipologiadas posies estruturais encontradas na sociedade: os competitivos, os

    17 Em francs: lutte des classes e lutte des places.

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    protegidos, os precrios e os excludos, a partir do cruzamento dos status edos contratos de trabalho com as posies no mercado.

    As instituies desinstitucionalizadas

    A representao das instituies como sendo fundamentais porquegarantem a estabilidade social e preparam atores adaptados sociedadeno cabe mais hoje. A desinstitucionalizao no designa uma crise dasinstituies, mas uma maneira de ver valores e normas como co-produ-es sociais. Ela gera a separao entre dois processos confundidos pelasociologia clssica: a socializao e a subjetivao(Id., p. 202).

    A partir da anlise de trs casos (escola, famlia e Igreja), Dubet mos-tra como no existe mais homogeneidade de valores capaz de fundar aintegrao social, atravessados que so eles pela lgica de mercado e pelareivindicao de subjetividade.A reflexividade, a distncia em relao a si,a percepo dos interesses, a construo das identidades, se tornaram prin-

    cpios reguladores da ao(Id., p. 231). O que no significa que se devaabandonar o modelo de integrao social porque a experincia individualque se cria atravs da desinstitucionalizao continua sendo vivida emrelaes de desigualdade e sofrimento, e tambm porque os indivduosprocuram construir a individualidade atravs das identidades coletivas.

    Mais a sociedade se desinstitucionaliza, mais o sujeitoest definido de modo herico, mais ele deve produ-

    zir ao mesmo tempo sua ao e o sentido de sua vida.Mais ele ganha liberdade, mais ele perde solidez e cer-tezas, menos a socializao garante a subjetivao(Id.,p. 238).

    A desinstitucionalizao coloca o indivduo frente a provaes social-mente definidas pelo seu meio. Elas so trs:- a exposio do eu: o princpio de responsabilidade vinculado idia

    do sujeito. A afirmao da individualidade cria a conscincia infeliz, o

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    senso de culpabilidade porque, em caso de fracasso ou derrota, o indi-vduo considerado o nico responsvel;

    - a experincia impossvel: a experincia deve ser construda sobre amotivao, condio fundamental de sua autenticidade. Isso implicaum custo psicolgico caracterizado pelo distanciamento, pela crise,pela fadiga do ator(Id., p. 257);

    - a experincia generalizada do desprezo, quando o indivduo no con-segue ser dono de si mesmo, no consegue construir sua autonomia eno pode, desta maneira, ser tratado como um sujeito (por exemplo, odesempregado convidado a tomar conta de si mesmo e que no conse-gue, acaba acreditando que ele o autor do seu problema, sente-sedesprezado e desprezvel - Id., p. 262).

    As provaes so o resultado do encontro entre a exigncia deherosmo do sujeito, estruturas de dominao e chances que o indivduotem ou no. Isso torna essencial o problema da construo da identidade:

    Como ser um sujeito individual?(Id., p. 267), como estruturar as diferenasde identidades? (gnero, sexualidade, etnia, gerao). A resposta est naprocura de outras formas de comunidades onde ancorar a experincia,comunidades que so projetos e so capazes de proteger os indivduos.

    O tema das identidades no constitui uma volta tra-dio (...) ele impe a exigncia de uma nova articula-o entre indivduos e sociedade quando os valorescomuns e as identidades coletivas no garantem maisum princpio de continuidade e de integrao(Id., p.300).

    A representao social

    O sistema de ao e representao constitudo por trs conjuntosem que a idia de sociedade se vai construindo: os movimentos sociais, oespao pblico e a vida poltica. A hiptese de Dubet que cada um destes

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    elementos (...) fundados em princpios e lgicas autnomas, constitui osistema de representao e de ao pelo qual se realiza hoje uma socieda-

    de(Id., p. 307).Os movimentos sociais so o produto de uma sociedade que

    praxis, o que explica seu papel fundamental na construo da sociedadeindustrial e do movimento operrio total, porque carregam um contra-projeto de sociedade. Hoje no existe mais um movimento social central,mas mobilizaes coletivas caracterizadas pelo crescimento do individua-lismo e da fragmentao das identidades: a coerncia dos movimentossociais no mais dada por um s destes movimentos mas pelo sistema

    que eles constituem e que o sistema dos debates e as maneiras atravs das

    quais a sociedade toma conta de si mesma(Id., p. 308). Existem trs formasde ao desenvolvidas pelos movimentos sociais hoje. Temos, em primeirolugar, as lutas unidimensionais que so lutas reivindicativas, identitrias oumorais (a favor dos direitos humanos, por exemplo), lutas nas quais se

    cruzam a lgica do mercado, de integrao social e de distanciamentocrtico. Em segundo lugar, h lutas ambivalentes, em que se expressamtenses entre o instrumental e o comunitrio (os imigrados, por exemplo);entre a cultura e a ao poltica (os ecologistas); entre mercado e sujeito(movimentos com a participao de voluntrios: movimento feminista, porexemplo). Enfim, existem as lutas que renem todas as dimenses da ao,muitas vezes de maneira conjuntural, movimentos que vo orientar suaao em torno de diferentes maneiras de lutar contra a dominao e a

    mudana no-controlada, como, por exemplo, em torno da temtica dacompetio mundial e/ou da defesa dos direitos sociais. Assim, a socieda-de um campo de lutas esparsas que tentam, cada uma a seu modo, arti-cular orientaes sociais heterogneas(Id., p. 336) e de movimentos soci-ais acionados esporadicamente, segundo as circunstncias. Entretanto,aparentemente frgeis, eles conseguem mexer com a sociedade.

    A mdia de massa, em particular a televiso, um aglomerado ml-

    tiplo e heterogneo que abre espao para vrios tipos de interpretao

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    social. Objeto de propaganda e de alienao, ela tambm espelho, eno apenas janela, isto espao de projeo da sociedade e dos indiv-duos(Id., p. 358), espao de socializao, ela revela os problemas sociais,ensina estratgias de comportamento. A experincia do telespectador seconstri, assim, na tenso entre diferentes lgicas que se confundem. Ateleviso um objeto de consumo, mas tambm uma forma de vnculosocial (e assim produz sentido); ela tambm permite um distanciamentona formao e expresso da opinio (sobre o contedo dos programas ousobre a prpria TV). Desta forma, a televiso umpalco de representaosocial, e a mdia em geral no s d uma definio do mundo, mas o regis-tra e o constri(Id., p. 369).

    Quanto ao poltico, nota-se hoje um enfraquecimento de suas duasdimenses fundamentais: a dimenso simblica (o elemento paixo, aideologia) e a dimenso funcional (o elemento racional, isto o direito, aintegrao prtica). Questiona-se ento o Estado sobre sua capacidade de

    integrao, crtica da burocracia, da noo de interesse da Nao. Ocor-rem mudanas:- na interveno pblica: na monitorizao da economia pelo Estado

    (instaurao de polticas de modernizao do Estado) e nogerenciamento da crise social (instaurao de reformas institucionaisbaseadas na descentralizao). Instaura-se uma poltica visando esta-belecer a sociedade como projeto, como combinao de exignciascontraditrias atravs de polticas pblicas, mais do que pela afirmao

    de uma legitimidade e de uma racionalidade geral(Id., p. 384);- na representao poltica: instabilidade do eleitorado e eroso do vn-

    culo simblico entre o indivduo e as instituies, atravs do poltico

    (Id., p. 385), entre o indivduo e o Estado. Alem do mais, assiste-se aodeclnio da polarizao poltica entre a esquerda e a direita.

    Deste modo, a esfera poltica no mais hegemnica e se divide emtrs espaos independentes, mas rivais: o espao poltico, a opinio pblica

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    e a ao coletiva, que geram reflexividade e capacidade de distncia. Oespao poltico, onde cresce a capacidade individual do cidado de julgaras prticas polticas, denota um progresso da democracia. a opinio p-blica que invade o espao pblico. Por outro lado, a ao coletiva, comsua vontade de restabelecer uma relao entre a atividade social e a mani-festao da vontade poltica constri um espao de representao paralelo

    ao espao dos partidos(Id., p. 396). Se assistimos ao declnio da capacida-de de informao e de formao de opinio da sociedade por parte dosistema poltico em benefcio da mdia e da ao coletiva, ele ainda tem amaior capacidade de ao. Temos assim trs espaos de construo daidia de sociedade que se desenvolvem atravs dos conflitos e das capaci-dades de ao; no so nem sistema natural nem contrato, mas capacida-de de articulao de lgicas diferentes.

    Concluindo sua obra, Dubet insiste sobre o esgotamento das duastemticas que fundaram a idia de sociedade, a saber as classes sociais e as

    instituies, mesmo que a dominao social no desaparece. Ela tomouuma outra forma: fraturas sociais e desigualdades so o resultado das ten-ses que se estabelecem entre o econmico e o social. A idia de socieda-de deve ser construda na mudana, na conscincia de seu inacabamento,porque ela dinmica, o resultado de um trabalho constante. na auto-representao que se constri hoje a idia de sociedade, atravs de umconjunto de imagens, de desafios e de debates dos quais ela objeto(Id., p.412). E a condio fundamental da construo da sociedade a democra-cia: ela que produz uma verdadeira representao da vida social, atravsdo jogo dos atores.

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    Compreender Dubet

    1 A pertinncia da anlise

    Franois Dubet um socilogo francs, e seu campo de pesquisaemprico a Frana, com suas instituies, seu sistema poltico e seusproblemas sociais. O seu objetivo no fazer um estudo comparado queteria a finalidade de construir um tipo de sociedade: a tarefa, muito

    complexa, corre o risco de ser caricatural, pensa ele. Ele opta ento poruma observao minuciosa da Frana, reconhecendo no ser a soluomais elegante nem a mais brilhante(Dubet e Martuccelli, 2000, p. 17). Aoutra razo dessa opo que, segundo ele, os modelos de mudanaadotados na modernizao so mltiplos e originais, visto que cada socie-dade gerencia e ordena sua transformao de maneira nacional.

    Esta advertncia inicial permite uma atitude crtica em relao So-

    ciologia da Experincia e a seus eventuais limites em relao realidadebrasileira. Poder-se-ia perguntar se o conceito de experincia social podelevar compreenso das expresses contemporneas da sociedade brasi-leira? Quais seriam os modos originais de ordenar sua transformao? Avalidade da teoria foi demonstrada num contexto cultural preciso: a Fran-a. Mas no Brasil, vive-se, de maneira bem mais evidente, a contradio ea competio entre as instncias da comunidade, do mercado e da auto-nomia Aqui os atores ainda esto muito determinados pelos papis (o Dou-

    tor, o Coronel), num jogo de relaes de dominao e de dependncia(clientelismo, corrupo), que ainda um trao marcante da cultura sul-latina, tanto na Europa, como na Amrica. Ademais, a experincia socialmoderna caracterizada, segundo Dubet, no s pela diversidade das lgi-cas de ao, mas tambm pela exigncia de individualizao,18 em

    18 Isto : de diferenciao, de reconhecimento (para uma pessoa ou uma comunidade) de caractersticas prprias. O termo

    no tem nada a ver com individualismo, no seu sentido utilitarista e egocntrico.

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    contraposio homogeneidade funcional e institucionalizao das con-dutas. Na pobreza, injustia, excluso social, violncia e abandonoinstitucional, que tm no Brasil um peso maior no quotidiano, a questono seria s a reivindicao de individualizao por parte dos atores, masdas condies de surgimento e desenvolvimento da reflexividade, da ca-pacidade de distanciamento crtico como fundamento da subjetivao. um problema vinculado socializao (no apenas formao, mas educa-o sensibilidade social), histria de vida de cada um e estrutura dasociedade brasileira A existncia do sujeito s possvel numa sociedadeque produz as condies culturais de surgimento de um sujeito social,lembra Dubet. E, de fato, que parcela da populao brasileira vive emcondies que lhe permitam tencionar ser um sujeito social (isto , aqueleque pode questionar-se, criticar, organizar-se) mesmo em movimentos so-ciais? E ser ela reconhecida como tal pelos prprios atores sociais?

    Mais profundamente, o que se deve perguntar, o que Dubet enten-

    de mesmo quando ele fala de Sujeito? O conceito, prolongamento dareflexo feita por Touraine, no aparece bem claro e necessita uma expli-cao mais fina. O Sujeito no um estado de fato. Segundo o prprioDubet,19 o Sujeito noexiste. um tipo ideal, uma construo cultural. Oque existe o sentimento de ser sujeito, de construir sua vida em adequa-o com aquilo que se tenciona ser. uma aproximao, um projeto noapenas individual, mas tambm social (elaborado nas relaes sociais). Esteprojeto passa pela construo da experincia social, pela articulao entrelgicas de ao diferentes e vinculadas a um sistema social. Construorealizada no conflito e no sofrimento: no h sempre possibilidade deencaixamento entre as diversas lgicas, mas nem por isso enguia neces-sariamente o trabalho do ator na sua aproximao da representao doSujeito. Este, afinal, poderia ser caracterizado como sendo um processo,

    19 Interveno no seminrio ministrado por Dubet no CADIS - Paris, ano acadmico 2002.

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    uma dinmica original... no forosamente a mesma no Brasil e na Frana.O que sugere Dubet quando fala de ordenao nacional das sociedades.

    Essas consideraes no diminuem em nada o interesse do estudo deDubet para a sociedade brasileira, pelo contrrio. Em primeiro lugar, pelocarter extensivo de seu quadro terico;20 lgicas de integrao e lgicasestratgicas impregnam a sociedade brasileira tanto quanto a francesa, eno faltam exemplos na histria recente. Em segundo lugar, numerososproblemas e prticas sociais se assemelham: violncia, racismo, gnero,crise sindical, mdia, vida poltica, movimentos sociais, mesmo que seusurgimento seja vinculado a uma histria diferente. Num caso como nooutro, so as respostas que diferem, j que, afinal, segundo Dubet, a soci-edade o que fazem dela os atores individuais e coletivos. Finalmente aquesto levantada por Dubet, o lugar da subjetividade na ao social, estatualmente tambm em debate na sociologia brasileira, que tem as mes-mas referncias clssicas que a sociologia francesa, ainda que com nfase

    diferente. Pelo menos dois estudos recentes colocam a subjetividade nocentro do debate sociolgico no Brasil. O primeiro, desenvolvido por RicardoAntunes,21 centra a reflexo sobre o sentido do trabalho. Segundo ele,precisa-se adotar uma concepo abrangente e ampliada do trabalho, queo contempla tanto na sua dimenso coletiva quanto na subjetiva(Antunes,2000, p. 182), o que ele chama de subjetividade dotada de sentido.Quanto a Jos Maurcio Domingues,22 numa perspectiva mais ampla dereflexo sobre a teoria social hoje e de compreenso da modernidadecontempornea, ele utiliza o conceito de subjetividade coletiva para expli-car os fenmenos coletivos, numa reflexo cujas grandes linhas parecemaproximar-se das obras estudadas neste artigo.

    20 Fato demonstrado pelo prprio autor nos seus estudos empricos, nos quais tenta entender o surgimento e o sentido de aesdesenvolvidas por atores especficos (jovens marginalizados, alunos e professores, enfermeiros, trabalhadores sociais), assimcomo de situaes que so o resultado da transformao da sociedade: mudanas no mundo do trabalho para os outros, aexcluso social e a desigualdade (ver a bibliografia das obras de Dubet).

    21 Os sentidos do trabalho: ver bibliografia.

    22 Criatividade social, subjetividade coletiva e a modernidade brasileira contempornea: ver bibliografia.

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    2 A contribuio de Dubet construo do pensamento socialO fato que talvez chama mais a ateno na leitura de Dubet sua

    preocupao com o carter unvoco do quadro clssico de anlise da soci-edade. Ele prope uma desconstruo desse quadro, sem, no entanto,reneg-lo, e, muito pelo contrrio, apoiando-se nele para pr um olharnovo sobre a realidade e suas representaes. Assim como Simmel, elesoube dedatar o que pertence ao passadotornando-o ao mesmo tempo

    presente e reflexo crtica sobre o futuro (Vieillard-Baron, 1989, p. 27). Emnenhum momento ele rejeita a leitura clssica, em nenhum momento eledicotomiza o ator e o sistema (ele ou no sistema), mas procura umamediao, uma sntese entre as contradies aparentes da sociedade dehoje e a continuidade existente entre essas contradies: a permannciado fenmeno da dominao, a permanncia da alienao, apesar dasmudanas ocorridas.

    Destaca-se tambm a continuidade e a coerncia da reflexo na cons-truo do quadro de anlise e na sua operacionalizao, fundamentada naescuta do ator, o que ele tem a dizer sobre sua vida, sua experincia, naprocura das diferentes lgicas presentes no discurso e nas estratgias, narecomposio e no cruzamento dessas lgicas, a fim de reconstruir a expe-rincia social. Este mtodo, na linha da interveno sociolgica de Touraine,deve ser adaptado a cada caso concreto e transparece de maneira bemclara nas pesquisas que exemplificam a teoria (Dubet, 1994).

    Em Sociologie de lExprience, ele apoia sua teorizao no estudocrtico dos clssicos da sociologia, mas tambm traa um quadro das tenta-tivas de compreenso da sociedade de hoje pelas teorias contemporneas,caracterizadas pela diversidade e pela heterogeneidade. O que, segundoele, pode costurar essa diversidade a experincia social como modode ao social assentada na subjetividade do ator. Os dois conceitos chave

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    - ao e subjetividade - so lanados e vo atravessar toda a sua reflexo,seja para se contrapor s lgicas da modernidade clssica, seja para de-monstrar sua coexistncia na construo da experincia social. Talvez sepossa lamentar que, na apresentao de Dubet, a descrio da lgica desubjetivao parea s vezes um pouco abstrata, principalmente na suareferncia ao sistema social: a idia de democracia, no apenas tipo degoverno, mas condio de construo das experincias sociais(Dubet, 1994,p. 262) aparece apenas na concluso, como espcie de tributo ao pensa-mento de Touraine. A idia ser retomada e bem mais desenvolvida na suaanlise da sociedade francesa. Tambm, quando ele tenta mostrar comose d a passagem para a ao coletiva atravs do conflito, pelo engajamentoque ele implica (Id., p. 186), o autor no s revela sua postura militantecomo deixa uma dvida: ser que todo conflito resulta mesmo emengajamento coletivo? E que tipo de engajamento? O movimento social,particularmente destacado por Dubet no o nico exemplo de

    concretizao do trabalho do ator (ele pode estar presente nas ONGs,entre outros exemplos).

    A reflexo terica vai ser concretizada em Dans quelle socit vivons-nous?. A mensagem de Dubet: no h unidade do social ser apresen-tada nessa obra de maneira muito mais prtica, apoiada numa revisobibliogrfica ampla e crtica para cada assunto tratado. Aps esclarecer oquadro geral da reflexo, isto , a crise da sociedade (francesa) manifesta-da no declnio da representao da sociedade e no surgimento da afirma-o da autonomia individual, Dubet vai analisar trs dimenses centraispara os tipos de explicaes da sociedade fornecidas pela sociologia: clas-ses sociais, instituies e cultura que so as dimenses analticas (jfornecidas em Sociologie de lExprience) que permitem entender o con-texto da obra. No decorrer desta, o autor vai passar da descrio de fatosempricos, largamente documentados, s pistas para a compreenso, pas-sando pela reflexo sociolgica crtica. Para cada dimenso abordada, suas

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    variveis de anlise sero as categorias selecionadas na teoria: natureza dasrelaes sociais, o que fundamenta a ao dos atores e a referncia aosistema social (ver quadros 1 e 2). Coerentemente com sua teoria, paracada dimenso, Dubet sublinha a necessria articulao entre as diferen-tes lgicas e o vnculo destas com os mecanismos que articulam lgicas esistemas sociais. Resulta um estudo extremamente coerente, mas cuja l-gica no aparece primeira leitura. Sem uma boa assimilao da teoriaapresentada no seu primeiro livro, o segundo aparenta ser um grandeafresco, o romance social da grandeza e decadncia da idia de socieda-de cujogrand finalno fica bem claro: como sair deste caos? E se corre orisco de perder a riqueza e a originalidade do trabalho. Mas, afinal, Dubet fiel a seu discurso: ler esse livro um exerccio prtico de experinciasocial na tenso entre a co-construo do conhecimento e a tentao derecada na lgica pedaggica tradicional!

    3 Os conceitos-chaveDois conceitos perpassam a obra de Dubet: ao social e subjetivida-

    de. Mas nem esses conceitos nem a preocupao do autor em propor umaao social subjetiva so novidade no pensamento sociolgico. A insatisfa-o com as explicaes totalizantes da sociedade faz a teoria social sevoltar para uma releitura dos clssicos (muitos dentre eles esquecidos) epara explicaes fundadas no paradigma da ao social; ser o caso de

    Touraine, presente em toda a obra de Dubet. Estas duas atitudes provo-cam tambm o triunfo das micro-sociologias, do interacionismo(Dubet eMartuccelli, 2000, p. 13). este mesmo caminho que Dubet vai seguir.

    clara a referncia corrente interacionista: Mead, Schutz, Goffman e,atravs deles, dos clssicos inspiradores, aqueles que recolocam no centrodo debate o indivduo, sua ao, sua busca de sentido: Simmel, Weber, mastambm Mauss. Os limites deste artigo no permitem infelizmente mergu-

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    lhar na obra destes pensadores para destacar os traos comuns, os paralelismosdo pensamento, enfim, a herana deixada a Dubet. Mas no deixa de sertentador aproximar alguns aspectos com pinceladas rpidas. Assim, GeorgSimmel, faz uma pergunta cujo sentido reencontramos em Dubet: Como possvel a sociedade?, sob que condies?.23, 24 Ele vai construir sua refle-xo na linha do pensamento de Kant: O conhecimento no regulado pelosobjetos, mas so os objetos que regulam o conhecimento, isto , uma coisaexiste quando pode ser posta pelo sujeito do conhecimento (Kunzmann eoutros, 1994, p. 137). Segundo Simmel, a sociedade existe no sentido amploda palavra, quando existe uma ao recproca dos indivduos.25 A sociedadenasce ento das interaes entre indivduos, e Simmel demonstra preocupa-o em manter o lugar do indivduo no social, mas tambm sublinha como asociedade vive a tenso entre a tendncia continuidade e coeso que lhepermite manter-se, e a tendncia diviso, que reivindicao individualistado pensamento moderno. Para ele, o individualismo um componente es-

    sencial da modernidade; responsvel dele mesmo, o homem moderno res-sente uma inquietude permanente(Vieillard-Baron, 1989, p. 33). O individu-alismo tenso, reivindicao de liberdade pessoal, autonomia: a deter-minao indefinvel da vida que chamamos individualidade significa que um

    ser vive ao mesmo tempo (...) o ser eu auto-suficiente e (...) a tendncia a

    identificar-se ou a retirar-se, em relao a um todo ao qual pertence o ser

    (Simmel, 1989, p. 283, tomo 1). Este respeito da dimenso individual dohomem e suas preocupaes com as transformaes da sociedade subli-nham a modernidade de Simmel.

    Estas pinceladas, evidentemente insuficientes, podem, entretanto,apontar para elementos fundamentais desenvolvidos por Dubet. O resgateda individualidade, as tenses presentes na sociedade e no indivduo, a

    23 Simmel. La sociologie de lexprience et du monde moderne, citado por Vieillard-Baron (ver bibliografia)

    24 Dubet e Martuccellei. A sociedade sociedade porque ela no pra de se perguntar sob que condies a vida social possvel, 2000, p. 373.

    25 Simmel. Sociologie et Epistmologie, 1981, p. 165. Citado por Durand e Weil (ver bibliografia).

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    ao recproca criadora de sociedade, a reivindicao de autonomia, sotemas permanentes da anlise de Dubet. O paralelismo pode continuarcom os textos de Simmel sobre o conflito e sobre a modernidade, cujafigura emblemtica o estrangeiro (Dubet, 1994, p. 74).26

    Alfred Schutz tambm deixa sua marca nos textos de Dubet; poucocitado, talvez, mas sua fenomenologia social transparece em toda a obra.Inspirando-se em Weber (a sociologia compreensiva) e em Husserl (afenomenologia), Schutz vai desenvolver uma sociologia das relaes entreatores individuais dentro do quadro da vida quotidiana; o que funda-menta sua teoria da ao. Dois conceitos (entre outros) se destacam:- O mundo da vida:

    o mundo da vida cotidiana significar o mundointersubjetivo que existia muito antes de nosso nasci-mento, vivenciado e organizado por outros (...) Ele sed nossa experincia e interpretao. Toda interpre-

    tao deste mundo se baseia num estoque de experi-ncias anteriores dele (...) O mundo da vida cotidiana a cena e tambm o objeto de nossas aes einteraes (...) Mundo, neste sentido, algo que temosde modificar, atravs de nossas aes, ou que modificanossas aes(Wagner, 1979, p. 72-73).

    - A intersubjetividade:

    o mundo da minha vida diria no de forma alguma

    meu mundo privado, mas , desde o incio, um mundointersubjetivo compartilhado com meus semelhantes,vivenciado e interpretado por outros (Id., p. 159). E oalter ego significa que o outro como eu, capaz de agir ede pensar (Id., p. 161). A ao uma conduta que

    prevista e a conduta, as experincias de significado subje-tivo que emanam de nossa vida espontnea(Id., p. 123).

    26 Idia que tambm se encontra em Schutz (o estranho) e em Touraine (o imigrado: Pourrons-nous vivre ensemble. Fayard,

    1997).

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    As noes de estoque de experincia e de conhecimentos, o mun-do da vivncia compartilhada, intersubjetiva, no mundo da vida diria, comotambm a noo de ao como capacidade de construir o mundo, no soapenas retomados formalmente por Dubet (Dubet, 1994, p. 81), mas atra-vessam toda sua Sociologia da Experincia. Poderamos citar tambm a inte-ressante anlise que Schutz faz do grupo (e os significados objetivo e subje-tivo de pertencer a um grupo, introduzindo a figura do estranho) e dalinguagem como meio social de orientao e interpretao, tambm re-tomada por Dubet (Id., p. 84).

    Concluso

    No cabe concluir este estudo apenas esboado. A apresentao daobra de Dubet poderia ser agora completada, tanto do ponto de vista te-rico como do ponto de vista emprico.

    - Terico: completando esta volta s origens do pensamento do autor, nopor satisfazer uma sede de erudio, mas para melhor entender as con-tinuidades e descontinuidades entre o pensamento clssico e a teoriasocial contempornea e melhor fundamentar a anlise de aspectos parti-culares de nosso quotidiano que so herana da sociedade industrial (otrabalho, por exemplo).Tambm, neste campo disperso e nestamultiplicidade de paradigmasdenunciado pelo prprio Dubet (Dubet,

    1994, p. 11), seria interessante comparar a sua perspectiva com a dosoutros socilogos que compartilham a mesma preocupao de entenderas transformaes de nossa sociedade, a fim de tentar fazer aqui nossaprpria experincia de reconstruo do social, tarefa nada fcil.

    - Emprico: aplicando a grade de anlise oferecida por Dubet realidadede nossa vida cotidiana, aqui no Brasil. O que, alis, poderia fornecerum estudo comparativo interessantssimo entre situaes vividas noNorte e no Sul do planeta. Por exemplo: os bandos de jovens e a vio-

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    lncia, a transformao das relaes intergeraes na famlia e as novassolidariedades, o surgimento dos grupos neonazistas e as relaes entreetnias no Brasil, os movimentos sociais, entre outros tantos fenmenos.

    A descoberta da Sociologia da Experincia foi a ocasio de realizaruma viagem atravs do pensamento sociolgico histrico e contempor-neo, rica em descobertas e reflexes que, infelizmente, no podem sertraduzidas no quadro restrito deste artigo: experincia de distncia eengajamento, de tenso e sofrimento, de construo de uma reflexo soci-al que, ao mesmo tempo, d a medida de nossas lacunas, mas tambmabre perspectivas para uma representao crtica da sociedade, de seusmecanismos, de suas dimenses. Trabalho sempre inacabado...

    Referncias

    ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmao e a nega-

    o do trabalho. 2 ed. So Paulo: Boitempo, 2000.

    DUBET, Franois. Sociologie de lexprience. Paris: Seuil, 1994.

    DUBET, Franois e MARTUCCELLI, Danilo. Dans quelle socit vivons-nous?Paris: Seuil, 1998. Ed. Argentina: En qu sociedad vivimos? Buenos Aires: Losada,2000.

    DURAND, Jean Pierre e WEIL, Robert. Sociologie contemporaine. Paris: Vigot,1993.

    DOMINGUES, Jos Maurcio. Criatividade social, subjetividade coletiva e amodernidade brasileira contempornea. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.

    KUNZMANN, P., BURKARD, F. P., WIEDMANN, F. Atlas de Philosophie. Paris:Librairie Gnrale Francaise, 1994.

    SIMMEL, Georg. Philosophie de la Modernit. Paris: Payot, 1989. Vol.1 e 2.

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    TOURAINE, Alain. Le retour de lacteur. Paris: Fayard, 1984. Traduo portu-guesa: O retorno do actor. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.

    TOURAINE, Alain. Pourrons-nous vivre ensemble? Paris: Fayard, 1997.

    VAN METER, Karl M. (org.) La Sociologie. Textes essenciels. Paris: Larousse, 1992.

    VIEILLARD-BARON, Jean Louis. Introduo a Georg Simmel. Philosophie de laModernit. Paris: Payot, 1989. Vol.1 e 2.

    WAGNER, Helmut R. (org.) Fenomenologia e relaes sociais. Textos escolhidosde Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

    As obras mais importantes de Dubet:

    La galre: jeunes en survie. Paris: Fayard, 1987.

    Les lycens. Paris: Seuil, 1991.

    Les quartiers dexil (com Didier Lapeyronnie). Paris: Seuil, 1992.Sociologie de lexprience. Paris: Seuil, 1994.

    A lcole. Sociologie de lexprience scolaire (com Danilo Martuccelli). Paris: Seuil,1996.

    Ecole, familles: le malentendu(org.). Paris: Textuel, 1997.

    Dans quelle socit vivons-nous? (com Danilo Martuccelli). Paris:Seuil, 1998.

    Pourquoi changer lcole? Paris: Textuel, 1999.

    Lhypocrisie scolaire. Pour un collge enfin dmocratique (com MarieDuru-Ballat). Paris: Seuil, 2000.

    Le dclin de linstitution. Paris: Seuil, 2002.

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    Resumo

    O objetivo deste artigo divulgar um pensamento sociolgico ainda poucodifundido no Rio Grande do Sul: a Sociologia da Experincia, teorizada pelo soci-logo francs Franois Dubet. Pretende-se aprofundar a compreenso dos concei-tos por ele desenvolvidos, no s do ponto de vista terico, mas tambm nas suaspossibilidades de aplicao ao campo emprico. a razo pela qual ser feita a

    sntese de duas obras de Dubet: Sociologie de lExprience(Sociologia da Experi-ncia) e Dans quelle socit vivons-nous? (Em que sociedade vivemos?), numatentativa de entender as expresses contemporneas da sociedade, na sua apa-rente crise de valores, ambigidades e incoerncias. A reflexo desembocar numconjunto de perguntas ainda em aberto: qual o interesse da Sociologia da Experi-ncia para a sociedade brasileira?

    Palavras-chave: experincia social, lgicas de ao, ator social, subjetividade.