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Volume4 COMUNICAÇÃO : reflexões, experiências, ensino

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COMUNICAÇÃO : reflexões, experiências, ensino ; Revista dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda / Universidade Positivo. v. 4 - n. 4 - 1º semestre 2010 - Curitiba : Universidade Positivo, 2010

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Volume 4 - Número 4 - 1º Semestre 2010

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Expediente

Publicação semestral - Jornalismo e Publici-dade e Propaganda da Universidade Positivo

ReitorJosé Pio Martins

Vice-Reitor e Pró-Reitor AdministraçãoArno Antonio Gnoatto

Pró-Reitor de GraduaçãoRenato Casagrande

Pró-Reitor de Planejamento e Avalição Institu-cionalCosmi Damião Massi

Pró-Reitora da Pós-Graduação e PesquisaBruno Henrique Rocha Fernandes

Diretor Acadêmico dos Núcleos de Ciências Exatas e Tecnológicas, Humanas e Sociais Aplicadas, e Biológicas e da SaúdeMarcos José Tozzi

Coordenador do Curso de Comunicação Social - JornalismoAlexandre Castro

Coordenador do Curso de Comunicação Social - Publicidade e PropagandaAndré Tezza Consentino

Coordenador Adjunto do Curso de Comunica-ção Social - Publicidade e PropagandaRicardo Pedrosa Macedo

Conselho Editorial

Integrantes externos

Adolpho QueirozJoão Carrascoza

Jorge Pedro SouzaJosé Marques de Mello

Maria José BaldassarMônica Cristine Fort

Integrantes da UP

Alexandre BastosAlexsandro Eugenio Ferreira

André Tezza ConsentinoCelso Rogério Klammer

Dario Luiz PaixãoEduardo Túlio Baggio

Fábio de Paula Xavier MarchioroGilmar Andrade

Hilton A. Marques CasteloIpojucan Calixto Fraiz

Marcelo Fernando de LimaMarcos Araújo

Coordenação EditorialAlexandre Castro

André Tezza ConsentinoRicardo Pedrosa Macedo

www.ricardomacedo.com.br/comunicacao

Projeto Gráfico e DiagramaçãoCristiane Pedrosa MacedoRicardo Pedrosa Macedowww.ricardomacedo.com.br

Dados internacionais de catalogação na Publicição (CIP) - Biblioteca da Universidade Positivo

COMUNICAÇÃO : reflexões, experiências, ensino ; Revista dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda / Universidade Positivo. v. 4 - n. 4 - 1º semestre 2010 - Curitiba : Universidade Positivo, 2010

Periodicidade semestralISSN 2175-5132

1. Jornalismo - Periódicos. Publicidade - Periódicos. I. Universidade Positivo.

CDU 070:659

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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Sumário

BrEvES apontamEntoS da moral mínima:adorno lEitor dE niEtzSChE

André Tezza

modErnidadE E FragmEnto: aFinidadES analítiCaS EntrE SimmEl E KraCauEr

Rafael Ginane Bezerra

Jonathan CoE & B.S. JohnSon: FiCção, hiStória E CinEma na rElação EntrE BiógraFo E BiograFado

Christian L. M. Schwartz

a Função da artE Em polêmiCaS litEráriaS dE portugal noS anoS 1930

Marcelo Lima

a rEprESEntação do ato dE Fumar no proCESSo dE ConStrução do EthoS. aCt oF SmoKing in thE ConStruCtion oF EthoS.

Hilton Castelo

a puBliCidadE x nativoS digitaiS

Ricardo Pedrosa MacedoVinícius Soares Pinto

dESaFioS na produção dE traBalhoS dE ConCluSão dE CurSo Em JornaliSmo: um EStudo dE CaSo

Carlos Alexandre Gruber de Castro Patrícia Helena Rubens Pallu

7

19

33

45

59

71

83

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um proCESSo dE aprEndizagEm ColEtiva

Emerson de Castro Firmo da SilvaDiego Henrique da Silva

o FazEr E o pEnSar do proFESSor na pErSpECtiva da ComplExidadE

Celso Rogério KlammerMarilda Aparecida Behrens

97

113

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apresentação

No tempo em que a pressão pela atualização tecnológica e pela primazia do conhecimento técnico domina as discussões do mundo do trabalho, é salutar lembrar que os grandes profissionais da comunicação, sejam acadêmicos ou do mercado, sempre foram aqueles que dominaram repertório incomum do conhecimento das humanidades. Não há nenhuma surpresa ou segredo aqui: em uma determinada comunidade de comunicação, não há possibilidade de diálogo, de entendimento e de ação sem a mínima compreensão dos códigos históricos, linguísticos, sociológicos, antropológicos e estéticos que caracterizam e habilitam seus agentes.

Este sentido reflexivo da formação em comunicação, complementado pelos desafios do ensino, é o grande tema do volume quarto da coleção Comunicação – Reflexões, Experiências, Ensino. Os artigos aqui reunidos são, de modo destacado, uma contribuição para uma formação anterior, de fundamentos, tão necessária e imprescindível quanto a técnica.

Neste caminho mais teórico, o presente volume apresenta artigos que analisam pensadores da filosofia e da sociologia que contribuíram para a fundação das teorias da comunicação ou ainda textos que investigam campos da estética e da literatura que sempre estiveram presentes nas discussões do jornalismo cultural. Há também espaço neste volume para os estudos sobre a representação do ato de fumar na publicidade, bem como sobre o novo jovem, com as suas interlocuções distintas com os meios digitais. Por fim, mas não menos importantes, os artigos também mostram o resultado de práticas pedagógicas preocupadas com a formação de excelência na comunicação.

Se o saber comunicar é, antes de qualquer ferramental técnico, entender a condição humana em sentido ampliado, entendemos que este volume quarto da coleção Comunicação – Reflexões, Experiências, Ensino é mais uma contribuição de valor para a formação e atualização do pesquisador, do profissional e do estudante nas diversas áreas da comunicação.

Alexandre Castro, André Tezza, Ricardo MacedoOrganizadores

Curitiba, setembro 2010.

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BrEvES apontamEntoS da moral mínima:adorno lEitor dE niEtzSChE

André Tezza1

rESumoEm vida, Adorno declarou que o pensador mais influente sobre sua obra

havia sido Nietzsche — mais, inclusive, do que Hegel. Este artigo pretende analisar, sem a pretensão da exaustão, alguns aspectos relevantes do pensamento de Nietzsche, sobretudo na crítica da razão e da verdade, presentes na Minima Moralia de Adorno. O objetivo, num primeiro momento, é demonstrar as semelhanças (bem como as diferenças) entre a dialética negativa de Adorno, sem síntese e sem a pretensão de uma verdade positiva sobre o mundo, com a crítica da vontade de verdade nietzschiana. Num segundo momento, o artigo revela como a preocupação sobre a vida boa, na perspectiva do amor ao destino, amor fati, de Nietzsche, é apresentada e criticada na Minima Moralia.

Palavras-chave: Adorno, Nietzsche, Teoria Crítica, Minima Moralia

aBStraCtIn life, Adorno declared that the most influential thinker of his work was

Nietzsche - more even than Hegel. This article aims to analyze, without the requirement of exhaustion, some aspects of Nietzsche’s thought, especially in the criticism of reason and truth present in Adorno’s Minima Moralia. The goal, at first, is to demonstrate the similarities (and differences) between Adorno’s negative dialectics without synthesis and without the pretense of a positive truth about the world, with a critique of Nietzschean will to truth. Secondly, the article shows how concerns about the good life from the perspective of the love of fate, amor fati, Nietzsche, is presented and criticized in Minima Moralia.

Key words: Adorno, Nietzsche, Critical Theory, Minima Moralia

1 André Tezza graduou-se em Comunicação Social pela UFPR e é mestrando em Filosofia, também pela UFPR. Atualmente, coordena o curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo, onde leciona a disciplina de Ética e Legislação Publicitária.

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1. IntroduçãoObra fundamental de Adorno, Minima Moralia foi escrita em paralelo e na mesma

época que outros dois marcos da Escola de Frankfurt: A Dialética do Esclarecimento e Eclipse da Razão. Esta trilogia, elaborada nos anos 40 e, em parte, nos anos da guerra, é o cerne privilegiado das ideias de Adorno e Horkheimer — de certo modo, há nestes textos uma crítica tão profunda e radical da sociedade que tudo o que foi escrito depois pelos autores pode ser considerado somente uma “aclaração adicional”2. O que nos interessa analisar aqui é um recorte possível da Minima Moralia: suas interlocuções com a filosofia de Nietzsche.

Antes de qualquer tentativa de investigação mais profunda, mesmo sabendo que Nietzsche não é a referência exclusiva de Minima Moralia (grosso modo, também Kant, Freud, Hegel, Schopenhauer e Marx estão na mesma primazia3), convém de início sublinhar alguns aspectos formais e temáticos que aproximam este texto frankfurtiano do genealogista da moral.

De começo, Minima Moralia é, não por acaso, um conjunto de aforismos; é a negação de qualquer sistematização última da verdade; é também uma tentativa de restabelecer, como indica Adorno nas primeiras linhas da dedicatória (a Max Horkheimer), uma tradição dos antigos que interessava a Nietzsche: “a doutrina da vida certa4”; Aliás, nas mesmas primeiras linhas da dedicatória, Adorno faz um jogo de palavras com a ciência alegre, A Gaia Ciência: “A triste ciência da qual ofereço algo ao meu amigo concerne a um domínio que por tempos imemoriais contou como específico da Filosofia, mas que desde a transformação desta em método foi relegada ao menosprezo intelectual, ao arbítrio sentencioso e, finalmente, ao esquecimento: a doutrina da vida certa”5. O título do livro é outro jogo de palavras, desta vez, com a Magna Moralia, de Aristóteles, mas é também, naturalmente, uma referência possível ao pensador que acusou o ideal moral como o ideal fundador da filosofia.6 Finalmente, mencione-se a epígrafe da primeira parte da obra, uma citação do escritor austríaco Ferdinand Kürnberger (1821-1879), que vale tanto como a marca inconfundível do niilismo oitocentista quanto para a leitura tipicamente negativa (e dialética) de Adorno sobre um mundo novo, um mundo de horror, de vida sem sujeitos, de vida lesada, de vida pós-Auschwitz: “A vida não vive”.

2 JAY, Martin. A Imaginação Dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisa Sociais, 1923-1950. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. p. 320. Apesar da observação ser de Jay, um notório comentarista da Teoria Crítica, é importante ressaltar que, sobretudo na obra de Horkheimer, há uma inflexão em seus últimos escritos, com uma abordagem bastante distinta de Eclipse da Razão e Dialética do Esclarecimento.3 Cf. resenha de Minima Moralia em DUARTE, Rodrigo. Adornos: nove ensaios sobre o filósofo frankfurtiano. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997. p. 146. Ainda sobre a influência de Nietzsche, o próprio Adorno comenta: “de todos os assim chamados grandes filósofos é a ele [Nietzsche] que eu devo mais – na verdade, mais, talvez, do que a Hegel”. Sobre este comentário e as relações da filosofia moral de Adorno e Nietzsche, cf.: ALVES JUNIOR, Douglas G. Razão e Expressão. O problema da moral em Adorno. Tese de doutoramento defendida na UFMG, 20034 ADORNO, Theodor. Minima Moralia: reflexões a partir da vida lesada. Trad. Gabriel Cohn. Rio de Janeiro: Beco do Azougue Editorial, 2008. p. 9. Gabriel Cohn, no final desta edição, no artigo “Alguns Problemas de Leitura e Tradução de Minima Moralia”, aponta que uma das dificuldades primeiras é justamente a tradução desta doutrina da “vida certa” (rightig). Luiz Bicca e Guido Almeida, em outra tradução, preferiram “vida reta”. Já o filósofo norte-americano J.M. Bernstein preferiu, assumindo o gosto pela antiguidade, a expressão “vida boa”. Sobre esta questão, cf. o comentário de Cohn, p. 251 e 252.5 ADORNO, Theodor. Op. Cit., p. 9. 6 Sobre a análise nietzschiana da moral como fundadora da filosofia, cf. RIBEIRO DE MOURA, Carlos Alberto. Nietzsche: civilização e cultura. São Paulo: Martins Fontes, 2005. pp. 57-85.

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Para além de Minima Moralia, cabem também duas outras observações pertinentes no diálogo com Nietzsche. Primeiro, uma das teses centrais de Adorno e Horkheimer, o uso da razão como instrumento de dominação, que, naturalmente, tem paralelos com a filosofia nietzschiana, não será abordada integralmente aqui, uma vez que este argumento aparece com força e nitidez em A Dialética do Esclarecimento, mas de maneira fragmentada e rarefeita em Minima Moralia. Segundo, Nietzsche e Adorno são filósofos músicos. São também filósofos que, na análise estética, igualmente privilegiaram tanto o discurso musical quanto a interpretação de alguns de seus contemporâneos mais expressivos: Wagner e Schoenberg. Se o discurso musical é decisivo ou não na obra de ambos não é tarefa deste texto — até porque, comparativamente, entre as obras de Adorno, Minima Moralia é econômica nas observações musicais —, mas convém salientar que a problemática não é secundária e já suscitou investigações de relevo7.

7 Por exemplo, cf. em especial a primeira parte de DUARTE, Rodrigo. Adorno e Nietzsche: Aproximações. In: Olímpio José Pimenta Neto; Miguel Angel Barrenechea. (Org.). Assim falou Nietzsche. 1 ed. Rio de Janeiro/ Ouro Preto: Sette Letras/UFOP, 1999, v. , p. 81-94.

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2. Sobre a concepção de verdade frankfurtiana e a crítica da vontade de verdade em Nietzsche

No aforismo 44, com o provocativo (e nietzschiano...) título “Para pós-socráticos”, Adorno comenta o constrangimento da razão:

Nada é mais constrangedor para o intelectual que se propõe fazer aquilo que antes se chamava filosofia do que procurar estar com a razão na discussão, quase se diria na condução da prova. A própria busca de manter-se certo exprime, até nas suas formas de reflexão lógicas mais sutis, aquele espírito de auto-preservação que precisamente à filosofia cabe dissolver. Conheci alguém que convidava pela ordem todas as sumidades da teoria do conhecimento, das ciências naturais ou do espírito, discutia com cada um o seu sistema e, quando nenhum deles ousava mais propor algum argumento contra o seu formalismo, considerou seu ponto como válido sem mais. Onde quer que a filosofia se assemelhe ainda que longinquamente ao gesto da persuasão se encontrará algo desta ingenuidade. Na sua base encontra-se o pressuposto de uma universitas literarum, de um consenso prévio de espíritos capazes de comunicar-se entre si, e com isso já o conformismo inteiro8.

Poderia ser, palavra por palavra, um aforismo de Nietzsche. É a crítica a um ideal de verdade e, mais do que isto, ao conformismo que o ideal de verdade inevitavelmente leva. Acreditar neste princípio de razão seria acreditar no reino dos fins, na pureza de um mundo inteligível, estável, verdadeiro, tão profundamente platônico-socrático. Provavelmente, considerando o título do aforismo, Adorno levasse em mente O Problema de Sócrates, no Crepúsculo dos Ídolos. É ali que Nietzsche mostra a sua crítica à filosofia socrática do convencimento, da demonstração, da suposta honestidade: “pouco valioso é o que tem de ser provado” 9.

Mas, nestes termos, é possível classificar Adorno como um herdeiro fiel do perspectivismo de Nietzsche? A resposta não é tão simples, porque a Teoria Crítica, ao contrário de Nietzsche, e ao contrário de O Problema de Sócrates, paradoxalmente é também herdeira da dialética — não a dos antigos, mas a de Hegel. O mesmo aforismo 44 termina reconhecendo os limites da filosofia hegeliana, que “são também os limites da verdade desta, a saber, os remanescentes da prima philosophia na suposição do sujeito como algo ‘primeiro’ apesar de tudo. Entre as tarefas da lógica dialética está a remoção dos últimos traços do sistema dedutivo, junto com os últimos gestos advocatícios do pensamento”10.

A perspectiva frankfurtiana, ou pelo menos a perspectiva que aparece em Adorno e Horkheimer, apostou no estabelecimento de uma crítica negativa da cultura, porém sem propor a solução positiva. Em outras palavras, é uma inspiração da dialética hegeliana, porém, sem síntese (e eis a aparente proximidade com Nietzsche), uma vez que depois de Hitler, na era de anulação dos sujeitos, não é mais possível qualquer esperança para uma filosofia da história:8 ADORNO, op. cit., p. 66.9 NIETZSCHE, Friedrich. O crepúsculo dos ídolos. Lisboa: Guimarães Editores. p. 28.10 ADORNO, op. cit., p. 67.

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Tivesse a filosofia da história de Hegel se estendido até este tempo, então as bombas-robô de Hitler teriam encontrado o seu lugar, junto com a morte precoce de Alexandre e imagens semelhantes, entre fatos empíricos selecionados nos quais o estado do espírito do mundo diretamente se exprime no registro simbólico. Assim como o próprio fascismo, os robôs são ao mesmo tempo lançados e sem sujeitos. Como ele, associam a mais extrema perfeição técnica à completa cegueira. Como ele, provocam terror mortal e são inteiramente em vão. — “Eu vi o espírito do mundo”, não a cavalo, mas com asas e sem cabeça, e isso no mesmo passo refuta a filosofia da história de Hegel.11

Sobre a dialética sem síntese, e contra a dialética socrática, ao término de Minima Moralia, Adorno afirma que “A desgraça se dá no que se põe à prova: servir-se da dialética ao invés de perder-se nela. Então o pensamento soberanamente dialético retrai ao estágio pré-dialético: a pachorrenta constatação de que cada coisa tem seus dois lados”12.

Perder-se na dialética, como quer Adorno, leva a alguma verdade? Para Martin Jay, a questão da verdade materialista (e dos dogmas do materialismo) sempre foi uma preocupação primordial desde o início dos trabalhos de Adorno e Horkheimer. Neste sentido, a saída encontrada pela Escola de Frankfurt se afasta, entre outros, do marxismo vulgar e mesmo de alguns pontos do marxismo que se autoproclamou ortodoxo. Para Jay, o materialismo frankfurtiano não era o materialismo que partia da hegemonia da infraestrutura econômica da sociedade, não era o antônimo do espiritualismo (uma espécie de negação da transcendência) e não comprava o ideal das certezas absolutas — em outras palavras, o marxismo frankfurtiano é um marxismo singular:

Horkheimer também criticava a tendência dos marxistas vulgares de elevar o materialismo a uma teoria do conhecimento que afirmava uma certeza absoluta, tal como fizera o idealismo no passado. Dizer que uma epistemologia materialista era capaz de explicar exaustivamente a realidade equivalia a incentivar a ânsia de dominar o mundo, o que fora exibido claramente pelo idealismo de Fichte. (...) Apesar da impossibilidade de atingir o conhecimento absoluto, Horkheimer afirmava que o materialismo não devia conduzir a uma resignação relativista. A epistemologia materialista monista do marxismo vulgar havia sido passiva demais. Fazendo eco à crítica de Marx a Feuerbach, quase cem anos antes, Horkheimer frisou o componente ativo do conhecimento, que o idealismo havia afirmado acertadamente. Os objetos da percepção, disse, resultam das ações do homem, embora a relação tendesse a ser mascarada pela reificação. A própria natureza tinha um componente histórico, no duplo sentido de que os homens a concebiam de maneiras diferentes e trabalhavam ativamente no sentido de modificá-la. Por isso, Horkheimer sustentou que o verdadeiro materialismo era dialético, envolvendo um processo contínuo de interação de sujeito e objeto. (...) Tal como Marx, mas ao contrário de muitos autoproclamados marxistas, Horkheimer se recusou a fazer da dialética um fetiche, como um processo objetivo fora do controle humano. (...) A dialética sondava o ‘campo de força’, para usar uma expressão de Adorno, entre a consciência e o ser, o sujeito e o objeto13.

11 Idem, p. 55.12 Ibidem, p. 245.13 JAY, Martin. A Imaginação Dialética. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008, p. 96-97.

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Mas, mesmo que consciente da impossibilidade de um conhecimento último sobre o mundo, é possível afirmar que a Escola de Frankfurt não foi dogmática em nenhuma instância? E, portanto, em resposta afirmativa, é impossível conceber um discurso verdadeiro frankfurtiano? Ainda que os próprios frankfurtianos buscassem um modelo dialético sem síntese para a análise da cultura (e por isto, recusavam dogmas definitivos e modelos prontos), ainda que preferissem os ensaios curtos e aforismos (próprios para as tentativas) aos grandes volumes (próprios para a definição de um sistema fechado, típicos da tradição idealista alemã), ainda que fossem conscientes de que, depois de Nietzsche, a razão se eclipsou na associação entre razão, virtude e verdade, está claro que há inequívocas convicções racionais entre eles. Em Adorno, especialmente, há um caráter tão pessimista e crítico na avaliação da Indústria Cultural que, por tal investida, o autor inúmeras vezes foi acusado de elitista. Mais do que isto, Adorno, para alguns dos críticos contemporâneos, também pode ser considerado um dogmático às avessas: seu dogma não estava nas verdades de proposição positiva ou de busca de uma síntese, mas, por exemplo, no rechaço virulento de toda a estética veiculada pelos meios de comunicação de massa, que será, na interpretação dele, invariavelmente subordinada à lógica fascista. Deste modo, diz Vattimo:

Quando Adorno nega que a arte possa realmente (ou deva) perder a aura que a isola da quotidianidade, defende certamente o poder crítico da obra em relação à realidade existente; mas adopta também, e mantém, a concepção da arte como lugar de conciliação e de perfeição que se exprime em toda tradição metafísica ocidental, de Aristóteles a Hegel. Que a conciliação seja utópica, e esteja no domínio da aparência, como Adorno sublinha retomando oportunamente Kant contra Hegel, não significa porém uma verdadeira essência, mas apenas a sua colocação num futuro indefinido, que lhes conserva o papel de ideal regulador14.

Mesmo que façamos a objeção de que, para Adorno, a aura, na contemporaneidade, aparentemente, é algo mais próxima da Indústria Cultural do que da arte séria (afinal, a arte da vanguarda do século XX, a arte válida de Adorno, está longe de um ideal aurático), Vattimo chama a atenção para uma questão da estética Kantiana que não passa despercebida na Dialética do Esclarecimento: a finalidade sem fim. Se este princípio não se constitui numa essência última na Dialética do Esclarecimento, mas como lugar indefinido, de qualquer modo, há um fundo autoral e verdadeiro que permite a Adorno diferenciar (e aprovar) Beethoven da (contra a) Indústria Cultural15.

Na diferenciação entre as proposições de Nietzsche sobre a razão e a perspectiva frankfurtiana da dialética, é o próprio Adorno quem dá pistas do que está em jogo e revela as semelhanças (livrar-se da questão verdadeiro/falso; a generalidade dominante tem suas proporções de doença) e distinções (não deter-se nos conceitos sadio/doente; ajudar na verdade dos tolos):

14 VATTIMO, Gianni. A Sociedade Transparente. Lisboa: Relógio D´Água, 1992.15 HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985, p. 147, 148.

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Contra a razão dominante a razão dialética é a não-razão: é apenas ao ultrapassar e por em suspenso aquela que ela própria se torna racional. (...) Como não montou às avessas Nietzsche todos os cavalos com que fez suas investidas, como não falsificaram com viés a imagem do mundo Karl Kraus, Kafka, mesmo Proust cada qual ao seu modo, para livrar-se da falsidade e do viés. Não cabe à dialética deter-se em conceitos como sadio e doente ou mesmo nos que lhe são aparentados, como racional e irracional. Uma vez tendo reconhecido a generalidade dominante e suas proporções como doente — no sentido mais literal, afim ao da paranóia, de ‘projeção pática’ —, então para ela só se torna célula de cura aquilo que na medida dessa ordem se apresenta como doente, extraviado, paranóide, ‘louco’ mesmo; e vale hoje como nos tempo medievais que só os tolos dizem a verdade aos poderosos. Sob esse aspecto seria dever do dialético ajudar tais verdades do tolo a ganhar consciência da sua própria razão, sem a qual certamente teria que se abismar naquela doença que o sadio bom senso dos outros decreta sem piedade.16

Para fechar este tema, um aforismo inteiro contra Nietzsche: instância de apelação (aforismo 61). Nele, num movimento típico de Minima Moralia, Adorno parte aceitando pressupostos nietzschianos, mostrando a força do argumento, para depois revelar seus possíveis pontos falhos. Aqui, na defesa positiva do argumento, a questão é a da associação entre verdade e esperança: “Nietzsche proferiu no Anticristo o mais forte argumento não somente contra a teologia como também contra a metafísica: o de que se confundia a esperança com a verdade; que a impossibilidade de pensar sem um absoluto, de viver feliz ou de simplesmente viver em nada atesta a legitimidade daquela ideia. Ele refuta a ‘prova de força’ cristã, de que a crença seja verdadeira porque torna feliz”17. Após a citação de parte do aforismo 50 de Anticristo, que mostra como Nietzsche ataca a associação entre felicidade e verdade, Adorno, na contra-argumentação, revela uma perspectiva em que o frankfurtiano não está sozinho18: a pregação do amor fati, o amor ao destino nietzschiano, não é também uma pregação de felicidade? Se sim, porque ela é mais válida, mais lícita de que a pregação de verdade teológica? Na instância de apelação, Adorno mostra o conservadorismo, inclusive com implicações políticas, que está por detrás do amor fati:

O próprio Nietzche, porém, pregou o amor fati, “deves amar teu destino”. Nisso, diz o epílogo do Crepúsculo dos deuses, consiste sua natureza mais íntima. E seria o caso de perguntar se alguém teria mais fundamento para amar o que lhe ocorre, de aceitar o estado de coisas dado porque existe, do que para considerar verdadeiro aquilo em que deposita esperança. Não haverá a mesma conclusão falaciosa quando se passa da existência dos fatos brutos à sua instalação como valor supremo, como o que ele detecta na passagem da esperança à verdade? Se ele relega ao hospício a ‘felicidade por uma única ideia’, então poderíamos

16 ADORNO, Op. Cit., p.68-69.17 Idem, p. 93.18 Atacar Nietzsche como pensador conservador, sobretudo no âmbito político, por conta da resignação ao amor fati, é um argumento típico da nova filosofia francesa, em especial Luc Ferry e Andre Comte-Sponville. Para uma defesa de Nietzsche contra os novos franceses, entendendo que a filosofia nietzschiana pensa a política de forma agonística e não conservadora, cf.: SCHRIFT, Alan. A disputa de Nietzsche: Nietzsche e as guerras culturais. In: Cadernos Nietzsche 7. São Paulo: GEN, 1999, P. 3-26

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procurar na prisão a origem do amor fati. Tomba amoroso por muros e grades quem nada mais vê ou tem para amar. (...) Não menos do que no ‘creio porque é absurdo’ a resignação ao amor fati, a sacralização do mais absurdo de tudo, submete-se à cruz perante a dominação. (...) Em uma das passagens mais poderosas [do Anticristo] ele censurou o cristianismo como mitológico: ‘O sacrifício por culpa e, na sua forma mais bárbara e repugnante, o sacrifício do inocente pelos pecados dos culpados! Que paganismo assustador!’ (Aforismo 41). O amor ao destino não passa, porém, da sanção absoluta à perenidade desse sacrifício. O mito separa da verdade a crítica de Nietzsche aos mitos.19

Adorno é consciente de que a aventura da verdade, para além de constituir um tema fundamental da história da filosofia, é algo que tem um viés particular na cultura germânica. Num momento de humor de Minima Moralia, um microaforismo resume alguns séculos de tradição: “Um alemão é uma pessoa que não consegue dizer uma mentira sem acreditar nela” 20. Com estas perspectivas frankfurtianas sobre a razão e a verdade, em parte semelhantes às de Nietzsche, em parte distintas, podemos avançar para outro ponto de convergência: a não-identidade entre sujeito e objeto.

3. Sujeito e objeto em Nietzsche e Adorno: princípio da não-identidade

A perspectiva de Nietzsche da linguagem é a de crítica do conceito: ele é a transformação do desigual ao igual — não há como existir identidade entre sujeito e objeto. Sim, porque na observação do mundo, os objetos alinhados posteriormente em um mesmo conceito não são idênticos a si mesmos. A linguagem não é a expressão de verdade de mundo, mas a expressão necessariamente retórica, em que as metáforas (aquilo que expressa de outro modo o objeto) são condição inicial para a existência do conceito:

Este [o conceito] nasce no momento em que a palavra não deve designar mais a vivência primitiva e individual que estava na origem, mas sim inúmeros casos semelhantes, quer dizer, casos rigorosamente desiguais. O conceito é a igualação do não-igual, que passará a designar certos universais que nunca existiram na natureza. E será a partir dessa volatização da imagem singular em um conceito que se iniciará a construção da grande pirâmide dos gêneros e espécies, com a qual se pensará em regular o mundo intuitivo. Mas os homens se esquecerão de que seus conceitos são apenas resíduos de metáforas; e o jogo de dados do conceito nos ensinará que devemos chamar de ‘verdade’ o uso de cada dado como ele é designado, assim como o respeito às classes hierárquicas dos conceitos21.

Nestes termos, para Nietzsche, o que será a verdade? Naturalmente, há ilusão nesta busca baseada em conceitos, pois a verdade é apenas “um batalhão móvel de

19 Ibidem, p. 93-94.20 Idem, p. 106.21 RIBEIRO DE MOURA, Carlos Alberto. Op. Cit., p. 49.

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metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”22.

Em Adorno, o princípio da não-identidade irá ser aprofundado sobretudo na Dialética Negativa 23. Novamente, Adorno parte das ideias de Nietzsche para depois complementá-las tanto com Hegel quanto com Marx. Neste caso em particular, o ponto frankfurtiano é que, em parte, a não reconciliação entre sujeito e objeto está não só na linguagem: é a consequência do processo de reificação. Neste caso, até pode existir a coincidência entre sujeito e objeto, mas no sentido de anulação do sujeito:

Em termos filosóficos, a cultura do consumo é, para Adorno, exatamente um aspecto daquele “pensar a identidade” que permeia a consciência moderna. Como noções similares em Lukács e Marcuse, essa expressão remonta ao problema hegeliano original de sujeitos e objetos. A cultura do consumo promove a falsa sensação de que sujeito e objeto, indivíduo e bem de consumo, público e cultura são pares perfeitos e reconciliados agora, nas condições sociais presentes. Na verdade, essa identificação é verdadeira na medida em que os indivíduos foram, eles próprios, reduzidos de fato a objetos, a unidades funcionais, administrativas, no interior dos sistemas de produção e consumo. Nesse sentido, a cultura de massa e a cultura do consumo refletem ambas (ou “têm uma relação homóloga com”) a realidade e desempenham um papel crucial na reprodução dessa realidade. Mas são falsas no sentido de que as coisas não têm de ser assim e, no entanto, a cultura do consumo — sendo idêntica ao sistema em vez de distanciada dele criticamente — exclui qualquer visão e até mesmo qualquer desejo de uma alternativa. O atrito e a insatisfação crítica reduzem-se a zero24.

Na Minima Moralia, a impossibilidade da identidade entre sujeito e objeto aparece em muitos aforismos. Em geral, no sentido de apontar o não sujeito, o sujeito não mais em si que surge depois do campo de concentração, como Adorno expressa nesta passagem da dedicatória:

(...) resta muito de falso nas considerações feitas a partir do sujeito sobre a vida como mera aparência. Pois, como na fase contemporânea do movimento histórico a esmagadora objetividade deste consiste em primeiro lugar na dissolução do sujeito sem que por ora tivesse surgido um novo, necessariamente a experiência individual se apoia no antigo sujeito condenado historicamente, que ainda é para si embora não mais em si. Embora ele ainda se imagine seguro de sua autonomia, a demonstração de nulidade que lhe foi imposta pelo campo de concentração já atinge a própria forma de subjetividade25.

22 NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, Obras incompletas, apud RIBEIRO DE MOURA, Carlos Alberto. Op. Cit., p. 49.23 Sobre esta aproximação entre a Dialética Negativa e Nietzsche, cf.: DUARTE, Rodrigo. Adorno e Nietzsche: Aproximações. Op. Cit.24 SLATER, Don. Cultura do consumo e modernidade. São Paulo: Nobel, 2002, p. 12125 ADORNO, Op. Cit., p. 10.

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Breves AponTAmenTos dA morAl mínimA Adorno leiTor de nieTzsche

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Por fim, no final de Minima Moralia, a conclusão a que se pode chegar num mundo sem sujeitos. Ao contrário do que pregou certa tradição das leituras de Adorno, sua filosofia não é sem saída, não é a recusa do pensamento. A conclusão é uma defesa da construção das perspectivas de mundo (novamente, algo similar a Nietzsche) e daquilo que podemos entender como a tarefa lícita da filosofia, o ponto de vista da redenção (e estamos novamente longe de Nietzsche26):

Da filosofia só cabe esperar, na presença do desespero, a tentativa de ver todas as coisas tal como se apresentam do ponto de vista da redenção. Não tem luz o conhecimento senão aquela que se irradia sobre o mundo a partir da redenção: tudo mais se esgota na reprodução e se limita a peça da técnica. Caberia construir perspectivas nas quais o mundo se ponha, alheado, com suas fendas e fissuras à mostra tal como alguma vez se exporá indigente e desfigurado à luz messiânica. É na capacidade de obter essas perspectivas sem arbítrio e violência, inteiramente a partir do sentimento dos objetos, que, só nela, consiste a tarefa do pensamento27.

26 Ainda que certa leitura crítica de Nietzsche possa defender que o “além do homem” é um projeto de redenção.27 Idem, p. 245.

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rEFErênCiaSADORNO, Theodor. Minima Moralia: reflexões a partir da vida lesada. Trad. Gabriel Cohn. Rio de Janeiro: Beco do Azougue Editorial, 2008ALVES JUNIOR, Douglas G. Razão e Expressão. O problema da moral em Adorno. Tese de doutoramento defendida na UFMG, 2003DUARTE, Rodrigo. Adorno e Nietzsche: Aproximações. In: Olímpio José Pimenta Neto; Miguel Angel Barrenechea. (Org.). Assim falou Nietzsche. 1 ed. Rio de Janeiro/ Ouro Preto: Sette Letras/UFOP, 1999DUARTE, Rodrigo. Adornos: nove ensaios sobre o filósofo frankfurtiano. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997. p. 146.HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985JAY, Martin. A Imaginação Dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisa Sociais, 1923-1950. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. p. 320.NIETZSCHE, Friedrich. O crepúsculo dos ídolos. Lisboa: Guimarães EditoresRIBEIRO DE MOURA, Carlos Alberto. Nietzsche: civilização e cultura. São Paulo: Martins Fontes, 2005.SCHRIFT, Alan. A disputa de Nietzsche: Nietzsche e as guerras culturais. In: Cadernos Nietzsche 7. São Paulo: GEN, 1999SLATER, Don. Cultura do consumo e modernidade. São Paulo: Nobel, 2002VATTIMO, Gianni. A Sociedade Transparente. Lisboa: Relógio D´Água, 1992.

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modErnidadE E FragmEnto: aFinidadES analítiCaS EntrE SimmEl E KraCauEr

rafael Ginane Bezerra1

rESumoOs diagnósticos sobre a modernidade elaborados por Georg Simmel e

Siegfried Kracauer guardam significativa atualidade. Em parte, esta atualidade pode ser atribuída aos procedimentos analíticos que ambos utilizaram. Abrindo mão do trabalho com teorização abstrata, estes autores optaram por centrar suas reflexões em manifestações superficiais e fragmentárias que emergiram com a modernidade. Ilustrados pelas noções de panteísmo estético / instantâneos sub specie aeternitatis e exemplos paradigmáticos de realidade, tais procedimentos analíticos representam recursos vigorosos a serem opostos ao ceticismo tipicamente pós-moderno em relação à possibilidade do conhecimento sobre a realidade social.

Palavras-chave: Modernidade, fragmento, Georg Simmel, Siegfried Kracauer.

aBStraCtThe studies about modernity elaborated by Georg Simmel and Siegfried

Kracauer hold significant aspects. This can be explained by the analytical procedures used by them. Refusing abstract theorizing, these authors chose to focus their reflections on fragmentary and superficial elements that emerged with modernity. Illustrated by the notions of aesthetic pantheism and paradigmatic examples of reality, these procedures represent valid analytical resources to be opposed to the postmodern skepticism in relation to the possibility of knowledge about social reality.

Key words: Modernity, Fragment, Georg Simmel, Siegfried Kracauer.

1 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná, Professor de Sociologia para o Curso de Comunicação Social da Universidade Positivo.

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Abdicar de explicações orientadas por um modelo causal de tipo determinista. Deixar em segundo plano o trabalho com teorização abstrata. Recorrer à lógica aberta do ensaio para promover a aproximação com o real e sua dinâmica. A combinação destes procedimentos é possível? Em caso afirmativo, como pode ser analiticamente operada? E por fim, que tipo de ganho analítico ela pode proporcionar?

Este pequeno artigo pretende explorar estas questões. Para tanto, toma as obras de Georg Simmel e Siegfried Kracauer como referência, sustentando que os seus diagnósticos sobre a modernidade, apesar do recuo temporal em que foram elaborados, guardam um vigor que deriva em grande parte dos procedimentos analíticos que os sustentaram. Desta forma, objetiva-se discutir as características destes procedimentos e demonstrar os pontos de contato que aproximam os dois autores.

Seguindo pistas deixadas originalmente por Charles Baudelaire e Karl Marx, Simmel e Kracauer não tratam a modernidade como etapa final do desenvolvimento histórico. Insistem no seu caráter transitório e na idéia de que o novo traz consigo o fado de desaparecer. Conseqüentemente, enquadram a sociedade e as relações sociais em estado de fluxo, destacando o seu movimento. Precisamente por conta da consciência desta fluidez, rejeitam as perspectivas que concebem a sociedade através da noção de totalidade. Não a percebem como estrutura ou conjunto de instituições. Ao contrário, valorizam como ponto de partida os aspectos mais superficiais da realidade social.

Além disto, prestam particular atenção nos novos modos de percepção e experiência que a modernidade desencadeou. Chamam a atenção para uma experimentação descontínua do tempo e do espaço, associada principalmente à instantaneidade das relações sociais. E o fazem, localizando esta experiência descontínua no âmbito da metrópole e dos vínculos – ou falta deles – com o passado.

É justamente por conta do interesse destes autores em obter analiticamente a partir do fragmento os reflexos de um contexto social transitório que suas estratégias de análise são tomadas como o eixo de reflexão deste artigo.

Leopoldo Waizbort (2006) observa que numa das ocasiões em que refletiu sobre sua postura analítica – ou atitude – perante a realidade, Simmel formulou a noção de panteísmo estético.

A essência da consideração e da apresentação estéticas repousa, para nós, no fato de que no singular se evidencia o tipo, no contingente a lei, no superficial e fugaz a essência e o significado das coisas. Essa redução àquilo que é significativo e eterno nelas parece não poder se subtrair a nenhum fenômeno. [...] Quando nós pensamos esta possibilidade de aprofundamento estético até o fim, então não há mais nenhuma diferença nos valores de beleza das coisas. A visão de mundo torna-se um panteísmo estético, cada ponto abriga a possibilidade da redenção rumo a um significado estético absoluto, de cada um reluz, para o olhar suficientemente afiado, a beleza completa, o sentido total do todo universal. (SIMMEL, 1992, p. 198)2

2 Traduzido do alemão por Leopoldo Waizbort a partir do texto Soziologische Aesthetik.

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Aqui é preciso observar que o argumento de Simmel opera através da metáfora. Ao usar a expressão “panteísmo” ele faz referência ao fato de que, como numa figura religiosa, deus está em todas as coisas e que tudo emana dele. Portanto, a totalidade pode ser encontrada num ponto singular. A realização desta possibilidade, por sua vez, pressupõe uma conotação estética da realidade, o que significa contemplá-la como uma obra de arte. Neste caso, o tipo de conhecimento sugerido por Simmel está associado ao uso do símbolo, pois é através dele que se concretiza a relação entre o fragmento e o universal. Quando o particular é tomado como símbolo, pode-se extrair dele um conhecimento que o extrapola e o transcende.

Da mesma forma, o conhecimento através do símbolo pressupõe que aquilo que se busca não é imediatamente compreensível. Deve ser interpretado. E para Simmel, este trabalho de interpretação é feito através do estabelecimento de relações.

De relação em relação, o mundo de Simmel torna-se um mundo de relações. Tudo está em relação com tudo. Como tudo está em relação com tudo, a partir de qualquer ponto há vias virtuais de acesso a tudo, de qualquer ponto podemos iniciar inúmeros caminhos. Como não há fim, meta, finalidade, e sim processo, trabalho, escavação, a totalidade não é nunca acabada, fixa e definitiva, ela apenas reluz por um instante em meio a um nexo feliz de relações que o sujeito elabora e põe a descoberto. (WAIZBORT, 2006, p. 87)

Este mundo de relações construído analiticamente, colocando em relevo a possibilidade de múltiplas formas de interação, valoriza o princípio da sincronia. Isto por sua vez subverte a lógica causal de tipo tradicional. Ao invés de dispor os elementos da interação numa seqüência temporal, um após o outro, Simmel os situa um ao lado do outro. É por isto que em seus estudos os objetos analisados sempre são situados num contexto de tempo presente. Como um fotógrafo, ele os congela para então abordá-los. Ele não confere tratamento histórico àquilo que descreve. Sob esta ótica peculiar, por exemplo, ao pensar a modernidade, ele coloca em destaque uma tendência geral relacionada ao crescente predomínio dos aspectos técnicos da vida em detrimento do seu aspecto interior.

Para Simmel, a modernidade é marcada pela imposição da cultura objetiva sobre a subjetiva, o que leva os indivíduos, envolvidos em atividades meio, a tornarem-se incapazes de atribuir um sentido à realidade em que vivem. Assim, sob a noção de tragédia da cultura, ele constrói as relações que resultam em sua interpretação do fenômeno da alienação. O fato desta interpretação não implicar em análise histórica está associado ao privilégio que sua abordagem dedica à experiência vivida. Simmel relaciona as reações dos indivíduos com o fluxo da modernidade e, fazendo isto, procura explicar como ocorre a incorporação dos fragmentos deste fluxo à vida interior.

Conseqüentemente, este procedimento impõe um desafio metodológico: como identificar os fragmentos da modernidade convertidos em experiência?

Há uma resposta para este desafio que pode ser ilustrada através do estudo que Georg Simmel (1971) faz sobre Rodin. Ponderando sobre as formas de expressão

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capazes de proporcionar esta identificação, ele comenta os atributos da arte moderna que capta os indivíduos no fluxo da vida e salienta sua natureza cada vez mais dinâmica. Ela reflete um mundo em movimento e, acima de tudo, origina uma imagem para o precário. Novamente o seu argumento deve ser tratado como metafórico. Ele não sugere que a arte moderna deve ser o ponto de partida para a análise da modernidade. Antes, ele procura uma ilustração para justificar o seu método, ou a sua atitude intelectual. Ainda de acordo com Waizbort, esta ilustração está em conformidade com o caráter ensaísta e com a orientação estética de sua reflexão, adequadamente representados pela idéia de instantâneos sub specie aeternitatis.

A idéia dos instantâneos sub specie aeternitatis é exatamente esta: congelar algo que é momentâneo e considerá-lo em sua intemporalidade, o que vale dizer, em uma outra temporalidade que não a sua. Mas é nesta que é possível apreender os traços que são significativos do que é momentâneo, contingente, fugaz, efêmero, maleável, móvel. [...] Tudo que é contingente possui algo de eterno. Basta que nosso olhar seja atento e perspicaz o suficiente para desvendar, para saber ver. Esse método, esse modo de análise, mesmo de posicionamento frente ao mundo e à vida, é de extração estética. (Waizbort, 2006, p. 76)

Esta idéia não deve ser confundida com um conceito formal. Ela indica um modo específico de observação que está presente, por exemplo, na análise que Georg Simmel (1998)3 faz sobre o dinheiro numa economia monetária plenamente desenvolvida. O dinheiro é justamente a superfície, o fragmento. E como foi dito acima, para ele os detalhes e superficialidades podem dar acesso aos elementos mais profundos e essenciais. Na análise sobre o dinheiro, ele sublinha a ausência do significado econômico de suas observações. O que ele pretende abordar são as relações práticas que as pessoas estabelecem entre si e com as coisas ao seu redor. Partindo do pressuposto de que a modernidade está vinculada ao fenomenal desenvolvimento da economia monetária, ele postula que a sua compreensão é imprescindível para a explicação das transformações que afetam as relações sociais.

Sob a modernidade, estas relações conectam-se como se fossem um labirinto e é justamente o dinheiro que constitui e mantém as conexões deste emaranhamento. Não há objeto que simbolize de forma mais bem acabada o caráter relacional e dinâmico do mundo moderno. O dinheiro é um objeto cujo significado essencial consiste em converter qualquer coisa em equivalente, separando e entrelaçando singularidades. Assim, o dinheiro é um objeto privilegiado para Simmel trabalhar sua abordagem. Nela, a interação entre os indivíduos é tomada como a origem das formas sociais. Como estas formas são experimentadas de maneira fluida, encontram na perspectiva das relações a expressão mais apropriada.

Simmel também associa o dinheiro à objetividade do estilo de vida moderno. Sua capacidade de intermediar tudo o converte em meio supremo, uma ferramenta ou um instrumento indiferente que se coloca no centro da sociedade como se fosse o seu princípio natural de organização. Explorando a inversão da teleologia entre meios e fins operada pelo dinheiro, ele revela o efeito da economia monetária na experiência 3 Este ensaio está presente na coletânea organizada por SOUZA, J. & ÖLZE, B. Simmel e a modernidade. Brasília: UNB, 1998. p. 109-117.

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interior dos indivíduos. Isto, por sua vez, lhe permite refletir sobre a cultura de um modo mais geral. Daí resulta o seu diagnóstico sobre a alienação que se expressa através da noção de tragédia da cultura.

Enredados nas interações mediadas pelo dinheiro, os indivíduos vivem o fluxo da modernidade como um eterno presente, experiência que é potencializada pela forma social da moda. Através dela, a economia monetária associada à circulação das mercadorias recria constantemente o aspecto de atualidade daquilo que se vive. Desta maneira, na realidade construída pela modernidade, é a moda que direciona a consciência dos indivíduos para o presente, mesmo quando parece almejar a eternidade.

Refletindo sobre a moda, Georg Simmel (2008) argumenta que esta forma social combina dois elementos antagônicos: a lógica da mudança e da diferenciação com a lógica da similitude e da conformidade. Portanto, sob esta forma, a experiência da vida social oscila entre a tendência ao pertencimento ou absorção e a tendência à distinção. E, em consonância com o seu diagnóstico sobre a tragédia da cultura, concebendo-a como um meio destituído de finalidade, ele atribui à moda o aspecto ilusório de uma força objetiva que segue com autonomia o próprio curso.

Ela não é um traço exclusivo da modernidade. Mas no contexto da vida moderna, esta forma social interage progressivamente com as condições de funcionamento da economia monetária. Não se trata mais do surgimento casual de tendências que serão apresentadas como moda. Trata-se da produção consciente e planejada de tendências com o propósito expresso de estarem na moda.

Ainda que o vínculo entre a moda e o funcionamento da economia monetária voltada para a circulação de mercadorias seja evidente, Simmel considera mais relevante explorar o fato de que o padrão de mudança incorporado por esta forma social carrega consigo uma contradição. Uma moda surge com o objetivo de se disseminar pela sociedade. Mas quando esta meta é concluída, ela encontra o seu fim. É por isto a forma social da moda resulta numa percepção específica do tempo. Ela desperta uma predileção pela novidade e oferece aos indivíduos uma experiência de atualidade. Como esta atualidade é provisória, acaba por orientar a consciência a concentrar-se no transitório.

Aparentemente, uma moda é sempre nova. Sua aparência oculta, no entanto, uma essência que é sempre a mesma. Eis o aspecto central da análise orientada pela noção de instantâneos sub specie aeternitatis que pretende captar imagens fugazes da modernidade e traduzi-las em formas universais. Ou ainda, visa tornar possível a identificação do que há de imutável por trás das aparências efêmeras da realidade.

Em seu ensaio, Simmel também aborda o fato de que alguns indivíduos são mais afetados do que outros pela moda. Se a sua experimentação está baseada numa combinação de identificação e diferenciação, ela atrai particularmente indivíduos com pouca independência interior, que necessitam de uma espécie de apoio externo e que, ao mesmo tempo, anseiam por distinção. Justamente na moda eles encontram a forma social privilegiada para expressar uma individualidade que não possuem.

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Neste ponto, Simmel finalmente identifica o cenário por excelência para as relações que estabelece entre dinheiro e moda. Se por um lado ele pondera que as conseqüências da vida moderna estão associadas em grande medida à economia monetária, por outro ele aponta que suas manifestações mais notórias podem ser observadas na metrópole. É por isto que este espaço social representa o palco privilegiado das suas análises sobre a modernidade.

Além de desdobramento da economia monetária, a metrópole é uma manifestação do apego da era moderna ao desenvolvimento científico e tecnológico, o que a converte num poderoso mecanismo de objetivação. Ela afasta os indivíduos em relação à natureza e os deixa enredados numa existência particularmente abstrata. A experiência da metrópole expõe os indivíduos a um constante estado de agitação. Ela os destitui de sua segurança interior, substituindo-a por uma combinação de angústia e urgência. Assim, origina uma espécie de afastamento entre o indivíduo e o meio social. É neste sentido que Georg Simmel (1987) fala de uma distância psicológica que pode adotar a forma de hipersensibilidade, ou de uma indiferença que se traduz em tédio perante a vida.

Como conseqüência, a experiência da metrópole origina uma permanente necessidade de preservação, um nervosismo ou personalidade neurastênica que tem impactos nas formas de interação. Reserva, indiferença e aversão são suas marcas características. Com isto, sua experiência também pode ser convertida em resistência à nivelação. Aqui, é notório que o autor manifesta o anseio pessoal de enfrentar a separação inevitável entre cultura objetiva e cultura subjetiva. Ele pretende identificar estratégias possíveis para reconstruir a experiência interior.

Não é fortuito, então, que as experiências individuais em sua análise sobre a modernidade resultem na construção de tipos sociais. Em seu ensaio sobre a aventura, por exemplo, Georg Simmel (1998) procura explicar os traços peculiares ao tipo social do aventureiro como uma forma de experiência. Na medida em que o próprio autor identifica-se como um filósofo e este último como um aventureiro intelectual passeando pelo mundo, é possível interpretar este ensaio como uma descrição de sua própria estratégia para abordar a modernidade. A forma da aventura implica na experiência do extraordinário. O seu traço mais geral é que ela está fora da vida cotidiana e de sua rotina. Como um aventureiro que se afastou desta vida, Simmel percebe-se à vontade para observar a realidade com desapego.

Além disto, ele enfatiza a natureza circunscrita da aventura: ela sempre tem começo e fim delimitados. Portanto, a atitude do aventureiro também constitui uma ruptura em relação à monotonia da existência alienada. E se a aventura possui uma dinâmica peculiar, pautada numa forma diferente de experimentar o tempo, se ela é um fragmento que se extrai da totalidade, então o seu sentido igualmente resulta da abordagem expressa pelos instantâneos sub specie aeternitatis.

De acordo com Waizbort, o pensamento de Simmel, ainda que de forma subterrânea, influenciou uma variedade invulgar de intelectuais alemães, tais como Max Weber, Georg Lukács, Ernst Bloch, Martin Heidegger, Karl Mannheim, Walter Benjamin, Norbert Elias e Theodor Adorno. De todos eles, no entanto, Siegfried

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Kracauer parece ter sido aquele que se manteve mais próximo em relação à sua abordagem peculiar sobre a realidade.

A este respeito, como observou David Frisby (1992), o próprio diagnóstico de Kracauer sobre a modernidade seguiu caminhos muito semelhantes ao de Simmel: um contexto marcado pelo descompasso entre a cultura material e a atrofia da vida interior no qual os indivíduos encontram-se desorientados e afastados dos meios para realizar a sua própria essência.

Para Kracauer, esta realidade, cujo sentido escapa aos próprios indivíduos, é incompatível com qualquer teorização orientada pelo princípio da totalidade. O seu estudo implica num retorno ao mundo material e às suas manifestações concretas na vida cotidiana. Em função disto, Kracauer define em traços gerais a sua abordagem como uma tentativa de resgatar os aspectos da vida social que usualmente não recebem atenção.

Sua predileção por temas exóticos – ou tratados com desprezo pela reflexão acadêmica – representa uma opção metodológica consciente em face da realidade moderna. E, mantendo a proximidade com Simmel, o traço distintivo desta opção consiste em derivar tendências sociais a partir de fenômenos culturais efêmeros.

Siegfried Kracauer (2009)4 dedicou um ensaio a Simmel. Salientou o seu pioneirismo nas investigações que partem da própria realidade, aprovou sua opção pelo fragmentário e sua tentativa de identificar o fluxo da modernidade na experiência vivida pelos indivíduos. Neste diálogo, ele fundamentou inclusive os procedimentos de análise a serem adotados pela Sociologia.

Sobre estes procedimentos, ele sugere que a Sociologia abdique dos princípios de causalidade e universalidade para abordar o seu objeto de reflexão – o mundo moderno que se apresenta ilegível para os indivíduos. Este objeto demanda que os esforços da disciplina orientem-se para as experiências imediatamente vividas. E sob esta orientação ela deve ocupar-se com fragmentos da realidade convertidos em exemplos paradigmáticos.

A novela policial é um destes exemplos explorados por Siegfried Kracauer (2009)5. Fenômeno superficial da cultura popular, ela reflete o mundo alienado da modernidade que se orienta por uma racionalidade sem sentido. Mas para expressá-lo, como gênero literário que é, ela cria a sua própria realidade, combinando originalmente uma série de elementos estéticos. Esta realidade aparece de forma encoberta para os indivíduos. Confusos, eles agem num espaço moral cujos valores são relativizados. Acima deles, pairam normas jurídicas regidas por um princípio de legalidade formal que aparenta ter existência autônoma. A objetividade destas normas faz às vezes de uma rede que integra os indivíduos. Integrando-os, não chega a constituir laços comunitários efetivos. Daí que os personagens nas novelas policiais, mesmo quando em proximidade uns com os outros, sentem constantemente uma solidão sufocante.

É por isto que um dos cenários mais característicos deste gênero literário é o

4 O ensaio intitulado “Georg Simmel” está presente na coletânea O ornamento da massa. Adiante, os outros ensaios desta coletânea utilizados neste artigo, referenciados pela mesma data, serão identificados pelo título através de notas de rodapé.5 Aqui se faz referência ao ensaio intitulado “O saguão de hotel”.

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saguão de hotel. Nele, encontram-se indivíduos que não criam vínculos sólidos. São todos desconhecidos que estão de passagem num ambiente marcado pelo transitório. Até mesmo a iluminação deste cenário realça a penumbra, metáfora para o fato de que a realidade está envolta em segredo. Além disto, ela também serve como recurso para insinuar que este segredo só pode ser desvendado através dos procedimentos formais da razão. Obviamente, o representante privilegiado destes procedimentos é o detetive.

Na narrativa, ele ocupa uma posição intermediária entre o criminoso e a polícia. Esta é animada pelo princípio abstrato da legalidade e desempenha a função de manter a ordem. Ao criminoso, por sua vez, cabe a tarefa de negar esta orientação. Entre estes dois pólos, portanto, a missão do detetive, ao ajudar na identificação e na captura do criminoso, corresponde à conservação de um princípio que, por ser abstrato, é destituído de sentido.

Mas não é a captura do criminoso que constitui o ápice da novela policial. Ele é remetido à decodificação do segredo que encobre a realidade e que só pode ser efetivada pelo detetive. Se no início a realidade estava embaralhada em fragmentos, no seu desfecho ela ganha legibilidade graças ao trabalho analítico. Então, este gênero literário acaba por consagrar a racionalidade representada pelo detetive como um fim em si mesmo, uma imagem característica da alienação que marca o mundo moderno

Nesta última proposição, o tom crítico do argumento de Kracauer é evidente. Não se deve esquecer, contudo, o propósito do autor em usar o estudo sobre a novela policial para ilustrar os elementos de sua abordagem sobre a modernidade: adotar, como ponto de partida, imagens que refletem um mundo sem sentido; acatar o pressuposto de que a realidade pode ser convenientemente apreendida através de casos que exageram os seus traços; buscar, seguindo o exemplo do detetive, fragmentos da realidade que numa primeira aproximação aparentam ser aleatórios; relacionar estes fragmentos para reconstruir um sentido; e, finalmente, como conclusão, extrair da desordem aparente do real aquilo que está oculto. Pois bem, isto torna perfeitamente compreensível o motivo que leva Kracauer a converter a novela policial em exemplo paradigmático de realidade.

Ao longo de sua obra, este padrão de abordagem é aplicado a uma infinidade de exemplos, dos quais alguns serão brevemente comentados a seguir.

No seu estudo sobre o espaço urbano de Berlim, Siegfried Kracauer (2009)6 distingue entre dois tipos de imagens: as convencionais, criadas intencionalmente como as de cartão postal; e as não intencionais, composições fortuitas como a visão que uma criança tem da cidade, ainda marcada por assombro e admiração. Para ele, estas últimas têm a virtude de revelar o espaço urbano em estado bruto, expressando suas contradições e também o seu encanto. Kracauer procura estas imagens expressivas, construídas através de fragmentos, com o objetivo de revelar o seu significado oculto, os traços de modernidade que restam escondidos.

O seu procedimento não se limita à simples descrição. Ele constrói uma possibilidade de interpretação que consiste em tornar estranho um lugar familiar. Assim, alguns fragmentos de arquitetura podem ser conhecidos, mas apenas um olhar 6 Aqui se faz referência ao ensaio intitulado “Adeus à Passagem das Tílias”.

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educado pode decifrá-los – eis a presença da figura recorrente do detetive. É por isto que ele julga um recurso apropriado colher os segredos da modernidade através de imagens urbanas expressivas.

Neste sentido, tomando como ponto de partida para sua análise as ruas de Berlim, ele explora a temporalidade peculiar que associa à modernidade. Kracauer pondera que, enquanto algumas ruas transpiram eternidade, outras manifestam o vazio do tempo. Nestas, nada foi concebido para durar. São ruas nas quais o passado encaminha-se rapidamente para desaparecer, enquanto o novo já nasce com o fado do provisório.

Ele percebe por trás das ruas em constante mudança um motivo econômico. Casas e estabelecimentos comerciais tornam-se imprestáveis quando perdem a viabilidade econômica. E o princípio desta viabilidade desencadeia um fetiche por novidade que produz nos indivíduos uma experiência de vida centrada num tempo sem história. Através da imagem expressiva de uma rua, Kracauer pensa em Berlim como a manifestação moderna do esquecimento, como um lugar que possui os mecanismos necessários para eliminar as lembranças. Dentre estes mecanismos, ele confere destaque especial aos meios concebidos para distrair uma parcela cada vez maior da sociedade, alienando-a de suas condições reais de vida.

Os meios de distração, por conseguinte, também originam exemplos paradigmáticos de realidade. Isto não significa, contudo, que o objetivo de Kracauer limite-se a criticá-los. Como já foi dito, para ele o conteúdo essencial da modernidade pode ser iluminado com suas manifestações mais superficiais. Esta proposição encontra a formulação mais lapidada no seu ensaio sobre as danças coreografadas. Eis o comentário inicial.

O lugar que uma época ocupa no processo histórico pode ser determinado de modo muito mais pertinente a partir da análise de suas discretas manifestações de superfície do que dos juízos da época sobre si mesma. Estes, enquanto expressão de tendências do tempo, não representam um testemunho conclusivo para a constituição conjunta da época. Aquelas, em razão de sua natureza inconsciente, garantem um acesso imediato ao conteúdo fundamental do existente. Inversamente, ao seu conhecimento está ligada sua interpretação. O conteúdo fundamental de uma época e os seu impulsos desprezados se iluminam reciprocamente. (KRACAUER, 2009, p. 91)7

A partir deste comentário, Kracauer apresenta o mote de sua análise: nos espetáculos de danças coreografadas, a precisão geométrica dos movimentos rouba a individualidade das bailarinas. Por isto, o entretenimento não é originado por indivíduos com personalidades distintas. Origina-se da própria massa, que apaga singularidades, agrupa mulheres de forma indissociável e as envolve com uma coordenação matemática.

Kracauer reforça com insistência a idéia de que este tipo de espetáculo, no qual a evolução das dançarinas passa a ser um fim em si mesmo, não requer a participação efetiva dos indivíduos. Basta que se siga mecanicamente um roteiro abstrato e 7 Aqui se faz referência ao ensaio intitulado “O ornamento de massa”.

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previamente estabelecido. Ele enfatiza, desta forma, que este tipo de espetáculo é o reflexo estético da racionalidade econômica moderna. Para se estabelecer, ela elimina os elementos que lhe oferecem resistência. Se a objetividade da organização demanda que os indivíduos submetam-se ao ritmo das máquinas, então os vínculos comunitários e a personalidade individual devem desaparecer. Trata-se de uma organização que pressupõe a eliminação de diferenças e a criação de massas de trabalhadores que possam atuar de forma homogênea em qualquer lugar. Como o entretenimento de massas, a organização capitalista é um fim em si mesmo.

Daí o desfecho do argumento de Kracauer: os movimentos das dançarinas nos grandes espetáculos representam a tradução estética dos movimentos dos trabalhadores nas fábricas concebidas por Taylor!

Ao lado dos espetáculos coreografados, a fotografia oferece a Siegfried Kracauer (2009)8 outro exemplo privilegiado para refletir sobre o entretenimento de massa. Ela aponta para o divórcio entre a realidade cotidiana experimentada pelos indivíduos e a maneira como é representada, cristalizando uma imagem que torna opaco o referente original. Para ele, a fotografia produz fragmentos da totalidade de um referente cuja imagem é sua própria história. Então, por trás da fotografia de um referente está a sua história. E esta, para ser adequadamente percebida, pressupõe a superação da mera representação.

Kracauer sugere que a imagem fotográfica expressa com o tempo um vínculo da mesma ordem daquele estabelecido pela moda. Ela tem o poder de converter o antigo em uma realidade espectral e sem sentido. Assim, a fotografia não comporta o conhecimento sobre o referente original, mas uma configuração específica num dado momento do tempo.

Fixado este argumento, Kracauer pondera a respeito das relações entre a imagem fotográfica e a cultura de massas, tomando como objeto de análise a crescente popularidade dos periódicos ilustrados. Com sua abundante justaposição de imagens, estes periódicos reduzem o mundo ao fotografado, diminuindo a possibilidade de se conhecer efetivamente a realidade. O mundo visto passa a ser aquele cuja percepção encontra-se circunscrita aos próprios periódicos. Ou seja, sua aplicação nos periódicos ilustrados leva a fotografia a modificar a percepção da realidade. Isto ocorre, no entanto, em articulação com as próprias transformações que a modernidade produz sobre a realidade perceptível. Se a modernidade tem como corolário uma vida fragmentada e sem sentido, composta por um presente desprovido de história, esta realidade é precisamente a que se consagra através da imagem fotográfica.

Novamente, portanto, como nos ensaios mencionados anteriormente, apesar do tom crítico, percebendo a fotografia como uma espécie de segunda realidade que aparenta ter existência completamente autônoma, Kracauer a reivindica como ponto de partida privilegiado para evidenciar os traços fundamentais da modernidade.

Novela policial, ruas de Berlim, espetáculos coreografados e fotografia. Ao lado destes fragmentos tomados como exemplos paradigmáticos de realidade é conveniente comentar o estudo de Siegfried Kracauer (2002) sobre as operetas 8 Aqui se faz referência ao ensaio intitulado “A fotografia”.

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de Jacques Offenbach e a Paris de sua época. Ao contrário de narrar a saga de um protagonista que tem como pano de fundo a sociedade, ele tentou construir uma biografia social, proporcionando uma visão de Offenbach baseada, a um só tempo, na sua atuação como músico e na sociedade que possibilitou o surgimento de sua música.

Offenbach foi o compositor mais destacado no gênero das operetas. Sua ascensão, segundo Kracauer, coincidiu com a aparição das condições sociais favoráveis à produção deste gênero musical: a ditadura imposta por Luís Napoleão, a dominação do capital financeiro, as reformas urbanas promovidas por Haussman, o surgimento do boulevard e a formação de uma numerosa boemia. O argumento de Kracauer não sugere, no entanto, que Offenbach refletiu mecanicamente estas condições sociais. Ele as traduziu esteticamente em canções satíricas que ridicularizavam as instituições, os cargos oficiais e todo o universo de coisas que aparentavam sacralidade, mesmo quando desprovidas de essência. Através desta marca, a mania por sua música acompanhou o contexto contraditório inaugurado pela ditadura de Luís Napoleão. Terror, perseguição e exílio aos opositores, abolição do sufrágio, restrições à imprensa e toda sorte de violência caracterizavam uma de suas faces. A outra, uma espécie de moeda de troca para legitimar a barbárie, era expressa pela vigorosa prosperidade econômica.

Neste contexto, Kracauer comenta que a música de Offenbach não teria florescido se a própria sociedade da época não fosse regida pela lógica da opereta. Vivia-se num mundo de sonho e negava-se o encontro com a realidade. Com a burguesia politicamente paralisada e as esquerdas impotentes, as operetas de Offenbach, insinuando uma despretensiosa forma de diversão, quebraram o silêncio. F o i assim que, enfraquecidas as estruturas imperiais e recompostas as forças sociais cujo lugar havia sido ocupado pelas operetas, a música de Offenbach perdeu o seu valor e encerrou o seu ciclo.

O que se pode reter a partir destes argumentos de Georg Simmel e Siegfried Kracauer?

Em primeiro lugar, é preciso reforçar o parentesco entre as perspectivas que se expressam através das noções de panteísmo estético / instantâneos sub specie aeternitatis e de exemplos paradigmáticos de realidade. Elas refletem a preocupação metodológica de integrar o que se encontra em fluxo ao que é estático e a manifestação do que é universal ao que é tópico.

Em segundo lugar, compartilhando o conteúdo dos seus diagnósticos sobre a modernidade, é notório que os dois autores demonstram predileção por fragmentos do real que possam comportá-lo. Sobre estes fragmentos, também é notório que eles são tratados como imagens a serem interpretadas. Não é ao acaso que a obra de ambos é repleta de referências a “saber ver”, “olhar afiado”, “observador sensível” e assim por diante.

Em terceiro lugar, Simmel e Kracauer operacionalizam o trabalho de interpretação através do estabelecimento de relações que se valem principalmente da lógica da analogia. Aproximam elementos que, à primeira vista, parecem estar desarticulados, sem reduzi-los um em função do outro. Preservando suas respectivas singularidades,

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posicionando-os um ao lado do outro, derivam uma condição na qual tais elementos se iluminam reciprocamente.

Em quarto lugar, por fim, eles remetem o sentido extraído destas imagens a um quadro mais amplo que contém indicadores gerais de tendências macro-sociais. Portanto, relacionar indutivamente aspectos fragmentários da realidade ao seu processo dinâmico de mudança, aquela como fragmento e este como totalidade, constitui algo plausível. O problema principal que Simmel e Kracauer nos deixam consiste justamente na escolha dos elementos que serão colocados em relação.

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Jonathan CoE & B.S. JohnSon: FiCção, hiStória E CinEma na rElação EntrE BiógraFo E BiograFado

Christian L. M. Schwartz1

rESumoO presente artigo se ocupa das relações teóricas entre literatura e história, ficção

e biografia, cinema e “realidade”. Propõe-se a investigar que tipo de mimese se dá na obra do autor britânico Jonathan Coe e a influência devida a B.S. Johnson – escritor e cineasta experimentalista, também inglês, uma espécie de ídolo literário para Coe – nesse processo. A vida e a obra de B.S. Johnson, morto em 1973, se tornaram uma obsessão para Jonathan Coe a ponto de ter escrito a biografia de Johnson. A obra experimental deste autor recusa, na mimese literária, a mediação de um discurso estabelecido. Johnson pretendia abolir a representação na literatura: queria o próprio mundo habitando seus livros. Discute-se ainda o papel do cinema na mimese de O Legado da Família Winshaw, principal romance de Coe, e de alguns de seus contos. Coloca-se em debate, em suma, não só os estatutos de “verdade” e “falsidade” na arte como a posição do cinema e da literatura frente à “realidade” – aí incluída a própria História.

Palavras-chave: Jonathan Coe; B.S. Johnson; ficção & História; cinema & representação.

aBStraCtThis article investigates the theoretical relations between literature and history,

fiction and biography, film and “reality”. Jonathan Coe’s process of representation is examined on a par with the extent to which his choices of mimesis are influenced by the British experimentalist author and film-maker B.S. Johnson, his literary idol. The life of and the works by B.S Johnson, dead in 1973, became an obsession to Coe to the point of his being now Johnson’s biographer. This author’s experimental works refused, at the literary mimesis, the mediation of any established discourse. Johnson intended to abolish representation in literature: he wanted the world itself inhabiting his books. Also in debate is the role of film in the mimesis of What a Carve Up!, Coe’s best known novel, as well as in some of his short stories. Not only the statuses of “true” and “false” in art are at stake, but also the places occupied by film and literature in relation to “reality” – including that of History itself.

Keywords: Jonathan Coe; B.S. Johnson; fiction & History; film & representation.

1 Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (1997), cumpriu créditos do Master of Arts in Literary Studies na University of Central England – UCE (2002-2003), em Birmingham, Inglaterra, etapa de sua formação que concluiu na UFPR (2005-2007), obtendo o título de Mestre em Estudos Literários. Atuou como jornalista profissional em grandes veículos da imprensa, como a revista Veja e a rádio CBN, tornando-se professor a partir de 2002. Atualmente, ensina na Universidade Positivo (graduação e extensão), nas áreas de Publicidade e Jornalismo, com ênfase em Produção de Texto e Literaturas Brasileira e Estrangeira Modernas. É também tradutor do inglês para o português de obras de ficção e não-ficção e doutorando em História Social na Universidade de São Paulo (USP).

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Tenho uma confissão horrível a fazer: parei de me divertir lendo ficção de qualquer tipo. [...] Leio jornais, livros de História, livros de não-ficção. E me tornei incrivelmente seletivo. Acho que tem a ver com B.S. Johnson. Essa noção dele de que “escrever histórias é escrever mentiras”. Isso começou a me obcecar um pouco. E a não ser que me contem uma mentira muito boa, tenho preferido verdades tediosas.

Jonathan Coe

A epígrafe acima pode se revelar um precioso guia de leitura para a obra de Jonathan Coe e, particularmente, para um livro como O Legado da Família Winshaw. Além deste, Coe é autor de outros dois romances de cunho histórico-político, embora menos ousados na forma: Bem-Vindo ao Clube, que se passa nos anos 70 e termina às vésperas da escolha de Margareth Thatcher como primeira-ministra da Inglaterra; e O Círculo Fechado, que retoma a trama de Bem-Vindo ao Clube vinte anos mais tarde, já no governo Tony Blair. O Legado, cuja ação retrocede até a Segunda Guerra Mundial e avança até a primeira Guerra do Golfo, em 1991, se concentra nos acontecimentos turbulentos dos anos 80, na Inglaterra e no mundo, ao narrar a decadência de uma família influente na Era Thatcher. É, portanto, evidente a tentativa de Coe de oferecer a seus leitores a crônica de uma época recentíssima, vinculando as vidas íntimas de personagens fictícios à trajetória e às decisões de figuras históricas: políticos, jornalistas, banqueiros e até um traficante de armas.

Registre-se a importância, em se tratando de investigar as relações entre ficção, História e cinema na obra de Jonathan Coe, da “confissão horrível” que nos faz o autor: “Parei de me divertir lendo ficção. [...] Leio jornais, livros de História, livros de não-ficção. [...] Acho que tem a ver com B.S. Johnson”. À primeira vista inusitadas para um romancista, essas preferências de leitura talvez sejam apenas coerentes com a temática dominante na obra de Coe em anos recentes, particularmente em O Legado – um romance facilmente reconhecível como metaficção historiográfica, conforme a definição de Linda Hutcheon (1991) para o conjunto da ficção pós-moderna: segundo a autora, um recontar legítimo da História.

Mas quem é B.S. Johnson? E como se deu a influência decisiva desse personagem na formação de Jonathan Coe como romancista e cronista da história recente de seu país? Aqui é preciso revelar a outra face autoral de Jonathan Coe: além de romances, escreveu biografias – a maioria em início de carreira e, segundo o autor, “por dinheiro” (Negrello & Schwartz, 2004, p.113). Mas uma delas tem lugar privilegiado em sua produção: Like a Fiery Elephant – The Story of B.S. Johnson (2005), um relato minucioso, embora fragmentado, da trajetória desse autor que se tornou, para Coe, uma espécie de obsessão literária.

Somente o entendimento dessa intensa relação pode lançar luzes sobre questões tais como: que história da Inglaterra sob Thatcher e, mais além, de um mundo diante da encruzilhada pós-Guerra Fria nos conta a metaficção historiográfica O Legado da Família Winshaw? Que representação desses fatos históricos recentíssimos encontramos no romance de Jonathan Coe? Quais os procedimentos miméticos

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usados pelo autor para nos colocar diante dos olhos um relato desse passado que é tão confiável – ou, ao contrário, tão ficcional – quanto qualquer outro (histórico, sociológico)?

As respostas a essas perguntas podem estar no diálogo com o cinema que o romance intertextual de Coe estabelece. Ainda que miniaturizada, minimalista, uma certa concepção filosófica sobre o que é a “realidade” – e, portanto, sobre como nossa História é construída – acha-se encravada bem no centro da trama: a sala escura de um cinema provinciano; um filme visto pela primeira vez na infância; ou, antes, as lembranças algo confusas dessa experiência longínqua que o protagonista de O Legado, Michael Owen, carregará pela vida afora – e cujas sombras fantasmagóricas se lançam, como veremos, sobre vida e obra de Jonathan Coe.

B.S. Johnson e o cinemaSuicida aos 40 anos, Bryan Stanley Johnson escreveu e publicou, entre as décadas

de 60 e 70, um punhado de romances bastante experimentais na forma – embora o próprio autor rejeitasse o rótulo de “experimentalista”. Entre seus livros mais conhecidos e com recepção crítica mais favorável à época da publicação, está Albert Angelo, um romance que em suas primeiras edições continha um buraco retangular atravessando duas páginas – da 147 à 149 – que permitia ao leitor antecipar um evento futuro, à página 151 (Coe, 2005b, p.18). Albert Angelo, cujo enredo se resume às agruras de um arquiteto desempregado que é obrigado a dar aulas em uma escola primária como meio de sobrevivência (experiência pela qual passou o próprio autor), utiliza ainda outros recursos menos engenhosos, mas nem um pouco menos originais.

Numa passagem em que Albert, o personagem-título, tem a atenção dividida entre o que se passa na sala de aula ao seu redor e um livro de arquitetura que tenta ler ao mesmo tempo, obviamente de maior interesse para o professor frustrado, B.S. Johnson cria duas colunas de texto, correndo lado a lado por páginas a fio, e assim desdobra a narrativa entre os pensamentos do professor e a balbúrdia dos alunos. Ao reproduzir trechos de redações dos alunos, em outro momento, Johnson prefere não inventá-los: transcreve literalmente os textos de alguns de seus próprios pupilos. O romance termina numa curiosa intervenção do “autor empírico” (Eco, 2004), ou seja, B.S. Johnson. Em meio a uma frase das mais banais naquela história um tanto comum, ele toma o lugar do narrador e solta um tremendo palavrão – “FUCK ALL THIS LYING”2, assim, em letras capitais. Passa então a revelar o conteúdo totalmente autobiográfico do texto num fluxo quase incompreensível de pequenas sentenças, até chegar àquele que se tornou o mantra de Johnson, citado por Jonathan Coe na epígrafe acima: “Escrever histórias é escrever mentiras”.

Vida real, eis o que esse autor peculiar, mesmo para a revolucionária década de 60, pretendia que sua literatura expressasse. “Não uma representação da vida – a própria vida. Não à toa tudo o que acontecia a seus personagens nos livros – a rotina, a profissão, os encontros amorosos, a morte de um amigo querido – sucedera ao próprio Johnson para, em seguida, passar por um estranho processo de transcrição quase

2 Em tradução livre e preservando as boas maneiras: “Às favas com esse monte de mentiras”.

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literal” (Negrello & Schwartz, 2004, p.112). O homem cuja vida e obra Jonathan Coe obsessivamente perseguiu, viveu e morreu, ele também, obcecado: mas no caso de Johnson, por essa necessidade de um “naturalismo extremo”.

Por um lado, temos o que B.S. Johnson chamava “a enormidade da vida”: caótica, multifacetada, complexa, infinita. De outro, temos o romance: um pequeno objeto contando, digamos, trezentas ou quatrocentas páginas, drasticamente limitado pela habilidade e pela experiência do autor [...]. Como o segundo poderia conter a primeira? Se naturalismo significa fidelidade absoluta à “enormidade da vida”, então mesmo os romances mais ambiciosos – os de Proust ou Perec, Musil ou Broch – não seriam capazes de obtê-lo. A mera tentativa já seria uma espécie de insanidade. (Coe, 2003, pp.33-34)3

Johnson concebe, então, seu experimento mais radical: o romance The Unfortunates. Publicado originalmente em 1969 e reeditado na Inglaterra no final dos anos 90, consiste em 27 libretos – cada um correspondendo a um capítulo – soltos dentro de uma pequena caixa com formato de livro. Podem-se ler os capítulos avulsos em qualquer ordem (com exceção de dois deles, marcados como “primeiro” e “último”). Revelam-se, ali, as lembranças de um narrador (Johnson) cujo melhor amigo (Tony Tillinghast, que o autor conheceu nos tempos de faculdade) adoece de câncer e está à beira da morte. Esses fragmentos de memória, arranjados de modo aleatório – exatamente como, na visão de B.S. Johnson, funcionaria a memória humana –, se alternam com os eventos presentes da vida do narrador, em viagem até a cidade onde vivia o amigo morto – presumivelmente a própria Nottingham de Tony Tillinghast – para cobrir um jogo de futebol como repórter (previsivelmente, uma atividade que o próprio Johnson exerceu para complementar seus parcos rendimentos como escritor). Para Jonathan Coe, “foi sua tentativa mais extrema de permanecer fiel à realidade – cuja característica definidora era agora, para ele, o caos” (2003, p.21).

Óbvia, a pergunta se impõe: se a linguagem literária lhe parecia insuficiente a esse ponto, por que Johnson insistia no romance? Por que não tentou meios narrativos mais adequados à sua obsessiva empreitada de captar o caos em estado bruto? Em dado momento de sua trajetória, B.S. Johnson de fato procurou uma alternativa – e aqui pela primeira vez ele cruzaria, sem o saber, o caminho de seu futuro biógrafo.

Na introdução a Like a Fiery Elephant, Jonathan Coe relata a ocasião em que, aos treze anos, assistiu a um programa de televisão chamado Fat Man on the Beach. Era um dos experimentos de B.S. Johnson no mundo da imagem. Como diretor de filmes para o cinema e para a TV, todos de curta duração, Johnson seguia preceitos tão singulares quanto aqueles que o norteavam como romancista. No programa televisivo a que o adolescente Jonathan Coe assistiu, nos anos 70, Johnson passeava por locações no litoral do País de Gales, enquanto conversava com a câmera sobre experiências de sua juventude transcorridas naqueles mesmos lugares. Quase no final do filme, encontra uma solução desconcertante para narrar um dos episódios mais delicados daquele período de sua vida. Refletido num espelho em que inevitavelmente aparecia, além dele, parte da equipe de filmagem, Johnson declarava: “Algumas coisas só podem ser

3 Os trechos de obras originalmente em inglês foram traduzidos pelo autor deste artigo.

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ditas indiretamente. Pode-se apenas vislumbrar o reflexo da verdade delas. Não estou exatamente seguro de que sei a verdade dessa coisa em particular sobre a qual vou agora falar indiretamente” (in Coe, 2005b, p.137).

Johnson voltava incessantemente, em seus filmes, às mesmas questões de literalidade que o atormentavam nos livros. Ao adaptar Albert Angelo, por exemplo, procurou ser totalmente fiel ao texto original, colocando-se ele próprio em cena no momento em que, no romance, a chamada “suspensão da descrença”, o conhecido “pacto ficcional” requerido entre autor e leitor para que subsista o relato literário, é deliberadamente implodida pela intervenção mal-educada do “autor empírico”: “FUCK ALL THIS LYING”. Outra das soluções engenhosas para o roteiro de Albert Angelo – nunca filmado, diga-se, como várias outras das adaptações de Johnson – tentava reproduzir literalmente a famosa passagem das duas colunas de texto: uma para os acontecimentos externos à mente do professor Albert, outra para os pensamentos do mestre-escola durante mais uma de suas tumultuadas aulas. O roteirista Johnson queria que, ao mesmo tempo que a seqüência da sala de aula se desenrolasse, com áudio direto, as reflexões do personagem principal, sentado em silêncio à sua mesa, olhando para o livro de arquitetura à sua frente, aparecessem em legendas – como se um filme mudo invadisse o outro, bastante barulhento, protagonizado pelos alunos em algazarra (Coe, 2005b, pp.242-243).

Em última análise, Johnson se debatia com os problemas da referência, da “verdade” e da “falsidade” na arte – e, por um momento, o milagre da imagem parece tê-lo feito acreditar que era possível, sim, expressar o mundo em (quase) toda a sua complexidade. Chegou a declarar, algo ingenuamente: “Quero muito ter a chance de fazer cinema de verdade, mesmo que em pequena escala, pois como Robbe-Grillet sinto que esse meio pode ser mais satisfatório que o romance” (in Coe, 2005b, p.214). De forma reveladora, são palavras quase idênticas às de um personagem de O Legado, um universitário idealista de nome Graham:

– Ora, para ser franco, eu não entendo muito bem por que as pessoas ainda escrevem romances. Acho que é uma irrelevância total, a coisa toda. Passou a ser desde que inventaram o cinema. Ah, sim, tem umas pessoas por aí que ainda fazem coisas interessantes com a forma – Robbe-Grillet e o pessoal do nouveau roman – mas qualquer artista moderno sério que deseja usar a narrativa devia estar trabalhando com cinema. (Coe, 2002, p.312)

Vê-se por aí que o tipo de filmes que Johnson reputava como “cinema de verdade” caracterizava-se, ainda uma vez, pela peculiaridade de métodos e idéias. Alguns artistas franceses contemporâneos do autor embarcaram numa dupla aventura – Alain Robbe Grillet, cineasta e romancista, foi um caso típico – que se chamou nouveau roman, na literatura, e nouvelle vague, no cinema. Bem conhecidas, essas duas manifestações narrativas buscavam o viés naturalista que tanto agradava a Johnson. Ou, conforme a análise de Metz (1977) para um dos filmes mais conhecidos de Jean-Luc Godard, “uma espécie de seqüência potencial – uma seqüência não determinada –, que oferece um tipo sintagmático novo, uma forma inédita da lógica da ‘montagem’, mas que continua sendo de fio a pavio uma figura de narratividade” (p.208, grifo original). A

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definição parece talhada para um romance como The Unfortunates.Embora muito provavelmente inconsciente das teorias que sustentavam esse

movimento artístico, Johnson parecia seduzido pela pretensa possibilidade de uma narrativa – cinematográfica, neste caso – que prescindiria, segundo aquelas teorias, da mediação lingüística. Ou, pelo menos, da mediação das línguas humanas como sistemas rígidos: em suma, daquela “camisa-de-força” que era a linguagem para Johnson (Coe, 2005b, p.165). Aqui convém relembrar a definição de Saussure (1997) para o signo lingüístico: a conjugação de um “conceito” (o significado) a uma “imagem acústica” (o significante).

A idéia central de um dos principais teóricos da nouvelle vague francesa, Christian Metz, era a de que, no cinema, significante e significado se confundem. Portanto, denotação (simples designação do conceito) e conotação (seu sentido em determinado contexto) tampouco se diferenciam: uma mesa que aparece num filme é aquela mesa, única, e não mais o conceito “mesa”, ali representado por um significante (a imagem “mesa”). Ainda segundo Metz (1977), enquanto na língua existem o som “mesa” e o vocábulo escrito “mesa” como significantes – e a literatura, por exemplo, fará uso deste vocábulo único (só há uma maneira de grafá-lo...), dando-lhe este ou aquele sentido no texto – num filme, ao contrário, haverá tantas mesas diferentes quantas houver no mundo, enquadradas de cima ou de baixo, com tal ou qual cenário ao fundo etc. Elas nunca serão um “conceito” apenas, mas sempre elas mesmas, por assim dizer.

Em outras palavras, a literatura depende de um código – a língua – do qual, ao mesmo tempo, se nutre e se diferencia. O cinema inventaria um código próprio a cada filme: o melhor dos mundos para um escritor como B.S. Johnson, ele próprio um auto-proclamado reinventor do romance a cada livro. Conclui Metz (1977, p.102, grifo original): “[...] Face à dupla literatura/língua, encontramos um único cinema, o qual se parece mais com a literatura que com a língua”. As diferenças entre livro e filme – que, ainda assim, Johnson parece falhar em perceber, em sua tentativa de adaptar os próprios romances de forma literal para o cinema – podem lançar mais luzes sobre a capacidade de cada um desses artefatos em capturar a “realidade” externa a eles.

Muitos hão de se lembrar do começo do último capítulo de Educação Sentimental, de Flaubert: “Viajou. Conheceu a melancolia dos vapores, os frios despertares sob a tenda, o encanto das paisagens e das ruínas, a amargura das simpatias truncadas”. O texto não diz para onde o protagonista viajou, que paisagens contemplou. Deixa que nós imaginemos. (Eco, 2005, p.98)

Em tal situação, como conceber a transposição literal do livro para as telas? (Ou, além, a transcrição do mundo, em toda a sua “verdade”, para as páginas de um romance?) De volta à analogia lingüística, observe-se a óbvia diferença entre uma tradução comum de Flaubert e essa outra tradução, livro-filme, à qual Eco, na seqüência do artigo citado acima, se refere pelo termo mais exato “adaptação”: “[...] de uma ‘tradução’ de Flaubert em outra língua espera-se que a indeterminação e a reticência do trecho mencionado sejam respeitadas, ao passo que num filme, seja lá como for, os navios a vapor têm de ser mostrados, assim como as paisagens, as

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tendas, e os tons que a melancolia da personagem assume”. Ou seja, de uma língua a outra, há ainda a relação fixa – embora arbitrária – entre significante e significado. No cinema, são múltiplas as possibilidades de significação – e Metz preferirá, aqui, o termo “expressão”.

Há expressão quando um “sentido” é de algum modo imanente a uma coisa, emana diretamente dela, confunde-se com a sua própria forma. [...] A significação, pelo contrário, relaciona externamente um significante isolável a um significado que é por sua vez – sabemo-lo desde Saussure – um conceito e não uma coisa. [...] Um conceito significa, uma coisa se expressa. (1977, p.96, grifos originais)

Segundo essa perspectiva, o cinema não passa pela significação: “expressa-se”, simplesmente. O que Metz falha em perceber – e muito nos diz sobre as afinidades que B.S. Johnson enxergava entre seus próprios preceitos teóricos e os de seus contemporâneos franceses – é que

também no filme, às vezes mais do que no romance, existem os “vazios” das coisas não ditas (ou não mostradas) que o espectador tem de preencher se quiser dar sentido à história. Aliás, se um romance pode ter páginas à disposição para tracejar a psicologia de uma personagem, o filme, não raro, tem de limitar-se a um gesto, a uma fugaz expressão do rosto, a uma fala de diálogo. Então o espectador “pensa”, ou melhor, diria, deveria pensar. (Eco, 2005, p.98)

Eco defende, como de hábito, esse papel ativo do espectador como co-autor da obra de arte, denunciando a fragilidade daquela suposta ditadura do “já-significado” no cinema. O espectador atuaria nessa espécie de “não-dito” ou “não-mostrado” do filme – o que, ressalte-se, vale também, ou talvez ainda mais, para o leitor de romances. No fim de contas, era contra essa entrega, essa divisão da responsabilidade autoral, que Johnson se rebelava. Deveria ser ele o único autor e, mais além, sua obra decretaria a “verdade” do mundo. Era-lhe intolerável pensar que “a ‘verdade’ do discurso artístico não se articula diretamente com a verdade não escrita (tida como ‘verdade da vida’), mas passa pela mediação de comparações (explícitas ou não) interiores ao campo artístico” (Metz, 1977, p.238). Johnson debatia-se, finalmente, com a dicotomia da verossimilhança, ainda conforme Metz: “A obra verossímil quer ser e quer ser tida como diretamente traduzível em termos de realidade. É aqui que o Verossímil encontra seu pleno funcionamento: trata-se de se fingir de verdadeiro” (p.239, grifo e maiúscula originais). Johnson, numa palavra, queria ser nada menos do que “realmente verdadeiro” – e nisso nem o romance, que mesmo Christian Metz e os autores do nouveau roman reputavam como um meio de “expressão” legítimo, nem o cinema, com suas convenções de verossimilhança e a participação decisiva do espectador, poderiam satisfazê-lo.

Jonathan Coe e o cinemaÉ na diferença em relação a seu herói literário que Jonathan Coe, paradoxalmente,

parece continuá-lo. (Pensando bem, tal dialética talvez seja, de fato, a responsável

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primeira por todos os herdeiros literários mais bem-sucedidos, aqueles que escaparam à mera imitação.) Há, na obra de Jonathan Coe, o recurso freqüente à intertextualidade – uma das características definidoras do romance pós-moderno, segundo Linda Hutcheon. É Hutcheon (1991), ainda, quem sugere a substituição de intertextualidade por interdiscursividade, “um termo mais preciso para as formas coletivas de discurso das quais o pós-moderno se alimenta parodicamente: a literatura, as artes visuais, a História, a biografia, a teoria, a filosofia, a psicanálise, a sociologia” (p.169). Mas é prudente não esquecer que o texto individualmente, ainda que inserido num sistema discursivo estabelecido, é a matéria-prima essencial à teia de sentidos históricos que tanto ficcionistas quanto historiadores contemporâneos – voltando ao mote principal da ficção de Coe, a História – se esforçam para tecer.

Num de seus contos, V.O., por exemplo, Coe (2005c, pp.29-43) relata a história de um compositor britânico, autor de trilhas sonoras, com sérias dificuldades em separar a rotina monótona de jantares e drinques à beira da piscina, num festival de cinema alternativo na França, daquilo que se passa nos filmes a que o personagem assiste como jurado do concurso. A monotonia só é interrompida pelas investidas – profissionais, mas muito íntimas – de uma repórter francesa. O protagonista, casado, acaba por rejeitar a moça.

Aparece, então, um segundo complicador na vida afetiva do famoso compositor: um dos filmes do festival, o concorrente alemão, havia sido roteirizado por uma ex-amante sua, que ele conhecera em Berlim anos antes, e retratava cenas da vida íntima do casal. Coe causa um belo efeito de entrelaçamento entre ficção e “realidade” e, ao mesmo tempo, de virtuosismo intertextual ao descrever, na cena final do conto, a repórter francesa atuando como intérprete de nosso confuso jurado – ao pé-do-ouvido deste, literalmente – durante a exibição do filme alemão.

Os diálogos são reproduzidos, simultaneamente, em alemão (língua da versão original do filme, daí o título do conto), em francês (idioma em que apareciam as legendas na projeção) e inglês (correspondendo, finalmente, à tradução que era sussurrada para o personagem do compositor por sua fã francesa). Em dado momento, já não se sabe se os diálogos são mesmo do filme, se reminiscências do caso amoroso que o personagem central manteve com a autora do roteiro em Berlim ou – hipótese também provável por conta do conteúdo sentimental e, sobretudo, rancoroso das falas – se uma espécie de desforra da repórter-intérprete contra o ídolo que a havia rejeitado.

Em outro de seus textos curtos, Diary of an Obsession (Coe, 2005c, pp.44-55), Coe faz um relato autobiográfico, bem ao gosto de B.S. Johnson, sobre sua fixação pelo personagem de Sherlock Holmes e, particularmente, pela adaptação do diretor Billy Wilder para uma das histórias mais picantes do célebre detetive: The Private Life of Sherlock Holmes. O diário parte da década de 70, quando o autor primeiro teve contato com o livro e o filme. Descreve sua obsessão especial pela estranha trilha sonora e, finalmente, a busca incansável, que lhe custou alguns milhares de libras, por uma cópia caseira do filme a que o narrador – ele mesmo, Coe – pudesse assistir até enjoar.

Ecos dessa pequena história ficam evidentes, em O Legado da Família Winshaw,

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na idêntica obsessão do narrador Michael Owen por um filme – e particularmente por um trecho “proibido” dele – desde a infância. O enredo de O Legado pode ser resumido em poucas palavras: escritor em crise tenta concluir a biografia de família influente na Inglaterra thatcherista. No início do livro, ainda em seu prólogo, o menino Owen, acompanhado dos pais e dos avós num passeio comemorativo de seu nono aniversário, assiste ao filme What a carve up! – mesmo título, aliás, da edição inglesa de O Legado, um recurso à citação paródica e intertextual que, desta vez, infelizmente se perde no título da edição americana que deu origem à tradução brasileira. Mas, no meio do filme, uma comédia com ares de mistério que se passa em uma mansão assombrada (como a dos Winshaw, no romance), certa cena sugerindo a aproximação sexual de dois personagens leva a mãe do menino, horrorizada, a arrancá-lo à força da sala de projeção, obrigando o resto da família a encerrar o passeio por ali.

A ação sexual não se consuma no filme (que de fato existe, uma produção de 1962 dirigida por Pat Jackson e estrelada por Sid James e Kenneth Connor). Mas era tarde: trinta anos depois, reencontramos o agora escritor Michael Owen, então às voltas com a biografia da poderosa família Winshaw, ainda obcecado pelo mesmo filme, e particularmente por aquela seqüência “proibida”, à qual finalmente pode assistir em reprises obsessivas no vídeo-cassete. Parece, por um peculiar trauma de infância, contrariar a idéia – amplamente aceita – “de que de um filme, só se guarda o enredo, quando muito, algumas imagens” (Metz, 1977, p.62, grifo original).

Para Owen, o papel de co-autor daquele filme interrompido tornara-se o trabalho de uma vida; e a forte “impressão de realidade”, conforme a expressão de Metz, que lhe causara a história, e sua “não-seqüência” em particular, um problema ontológico – de confusão entre a “verdade” da arte e a “verdade da vida” – comparável ao dilema insolúvel de B.S. Johnson. Esse talvez seja o mais que apropriado corolário sobre o quanto as visões de mundo desses dois personagens, Owen e Johnson (ambos, recorde-se, tributários de uma mesma entidade autoral, embora cindida em romancista e biógrafo), foram essenciais para as opções miméticas de Jonathan Coe tanto em O Legado da Família Winshaw – um romance claramente determinado a recontar, paródica e ironicamente, a grande reviravolta político-ideológica dos anos 80 – quanto em Like a Fiery Elephant, a história de vida do próprio Johnson.

“A História não é menos uma forma de ficção do que o romance é uma forma de representação histórica” (White, 1994, pp.137-138), parece querer nos dizer o autor de O Legado da Família Winshaw. É a versão de Jonathan Coe para aquele período histórico. O próprio Coe ajuda a esclarecer as diferenças e coincidências entre duas “verdades” possíveis – a histórica e a ficcional:

[...] Acho que tanto ao escrever um romance como ao fazer uma biografia tem-se uma responsabilidade com a verdade – e isso é uma grande responsabilidade. A diferença no caso das biografias é que você tem uma responsabilidade com os fatos. É um outro tipo de responsabilidade, mas de certa forma uma responsabilidade não tão pesada. (Negrello & Schwartz, 2004, p.113)

Sobre Like a Fiery Elephant, Coe apresenta novamente a visão do romancista.

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Penso nesse livro como meu livro mais pessoal [...]. Também acho que é uma biografia muito romanceada. Foi só quando estava a meio caminho de terminá-la que percebi que era assim que deveria ser, e foi nesse ponto que ficou, não exatamente fácil escrever o livro, mas se tornou possível fazê-lo, porque eu estava realmente lutando com ele até então. Pode parecer uma coisa óbvia de se concluir, mas assim que me permiti pensar que esse livro era uma narrativa, o mesmo tipo de narrativa que eu usava para escrever romances, foi uma libertação. [...] Queria que meu livro fosse verdadeiro do mesmo jeito que tento fazer meus romances serem verdadeiros. Isso não tem tanto a ver com precisão, mas sim com achar essa espécie de “realidade emocional”. (Negrello & Schwartz, 2004, p.113)

Percebe-se, finalmente, que o autor procura relativizar as noções de real e imaginário. Entre as duas, prefere ficar com sua “realidade emocional” – esta, sim, para Coe, fundadora tanto da literatura quanto dos relatos biográficos e, por extensão, da historiografia. Todas atividades autorais, afinal de contas, com a carga de subjetividade que isso implica. A aceitação dos estatutos peculiares de “verdade” e “falsidade” em qualquer narrativa, ao mesmo tempo que torna possíveis romances como O Legado da Família Winshaw, os autoriza a “fazer História” tanto quanto textos propriamente historiográficos, sociológicos ou antropológicos. Nas palavras de Hutcheon (1991, p.128), “elevar a ‘experiência privada à consciência pública’ na metaficção historiográfica pós-moderna não equivale a expandir o subjetivo; equivale, isso sim, a entrecruzar o público e o histórico, o privado e o biográfico”.

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rEFErênCiaSECO, U. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.______. ‘A diferença entre livro e filme’. Revista Entrelivros, nov. 2005, n° 7, p.98. São Paulo: Duetto Editorial.HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Rio de Janeiro: Imago, 1991.METZ, C. A significação do cinema. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1977. SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. 20a ed. São Paulo: Cultrix, 1997.WHITE, H. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 1994.

Bibliografia de Jonathan CoeCOE, J. O legado da família Winshaw. Rio de Janeiro: Record, 2002.______. ‘Death by naturalism’. Prospect, fev. 2003, pp.32-35.______. Bem-vindo ao clube. Rio de Janeiro: Record, 2004.______. The closed circle. London: Penguin, 2005a.______. Like a fiery elephant: the story of B.S. Johnson. New York: Continuum, 2005b.______. 9th & 13th. London: Penguin, 2005c.NEGRELLO, L. & SCHWARTZ, C. ‘Jonathan Coe: “Sinto que escrevi todos os romances de um certo estilo que seria capaz de escrever”’. Revista Et Cetera, set. 2004, n° 4, pp.110-119. Curitiba: Travessa dos Editores.

Bibliografia de B.S. JohnsonJOHNSON, B.S. The Unfortunates. London: Picador, 1999.______. Albert Angelo (as part of B.S. Johnson Omnibus). London: Picador, 2004.

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a Função da artE Em polêmiCaS litEráriaS dE portugal noS anoS 19301

Marcelo Lima2

resumoO objetivo deste artigo é discutir polêmicas travadas por intelectuais

portugueses no final dos anos 1930 em torno da atitude empenhada da arte literária, num contexto marcado por oposições ideológicas entre esquerda e direita. O estudo busca definir os conceitos de cultura, de arte e o papel dos intelectuais, ideias que permeiam os textos críticos e literários publicados por integrantes de duas gerações de intelectuais portugueses: uma ligada à revista Presença e a outra, ao grupo neorrealista. Entrincheirada e impermeável, a polêmica mostra a fidelidade dos contendores a duas imagens de intelectual diversas: a tradicional e a engajada.

Palavras-chave: Literatura portuguesa, cultura, ideologia.

résuméLe but de cet article c’est discuter les polémiques des intellectuels portugais

dans les années 1930 en ce qui concerne l’attitude engagée de l’art littéraire dans un contexte marqué par une opposition idéologique entre la gauche et la droite. L’étude définit des notions telles que la culture, l’art et discute aussi le rôle des idées intellectuelles qui imprègnent les textes littéraires et critiques publiés par les membres de deux générations d’intellectuels portugais: l’une liée à la revue Presença et l’autre, au groupe des écrivains néo-réalistes. Retranché et imperméable, la controverse montre la fidélité des prétendants à deux images intellectuelles différentes: une traditionnelle et autre engagée.

Mots-clés: littérature portugaise, culture, idéologie.

1 Trabalho apresentado em novembro de 2008 à disciplina de Literatura e Modernidade, no curso de Doutorado em Estudos Literários da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob orientação do professor Dr. Luís Bueno.2 Marcelo Lima é jornalista e professor da Universidade Positivo (UP) e do Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba), onde atua nas áreas de jornalismo gráfico e literatura. É mestre em Estudos Literários e conclui doutorado na mesma área na UFPR. É autor de Sobre galhos, esqueletos: A poesia de Sérgio Rubens Sossélla (Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999) e Nas Trilhas de Saint-Hilaire (Curitiba, 2001).

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na era de extremos

“A greve fora novamente para o negro Antônio Balduíno uma verdadeira revelação. A princípio ele a amara como luta, como barulho e briga, coisa de que gostava desde criança (...). Era qualquer coisa mais séria que barulho, que briga. Era uma luta bonita. Ali na greve todos se amavam, se defendiam e lutavam contra a escravidão. A greve merecia um ABC.” (Jorge Amado, Jubiabá, 1935).

A década de 1930 é marcada no mundo ocidental pela oposição entre ideologias3. Num período de redefinição geopolítica da Europa como resultado da Grande Guerra (1914-1918), forças de direita e de esquerda, a retomada dos ideais católicos e espiritualistas, secundados pela ascensão do Estado laico e do anticlericalismo republicano do final do século XIX, têm grande evidência.

Da União Soviética, espalhava-se a ideologia da revolução proletária, resultando na criação do Partido Comunista em várias partes do mundo a partir dos anos 1920, e desperta o interesse dos intelectuais; da Itália e da Alemanha vêm o pensamento fascista, que prega ideias como a eugenia, a preservação de valores tradicionais para a coesão social — como a família, a pátria e, em alguns casos, a religião. De vários países, grupos católicos reabilitam o espiritualismo como forma de afugentar a decadência do humanismo e do liberalismo.

O contexto político de Portugal no início do século XX é conturbado. Depois da Proclamação da República, em 1910, o país viveu um período de incertezas. De 1910 a 1926, diversos governos se sucederam, sem que os mandatos fossem concluídos. O clima de instabilidade favoreceu a chegada ao poder do professor de economia António de Oliveira Salazar, principal líder de uma das mais longas ditaduras do século XX (1926-1974).

Portugal, sob o comando de Salazar, incorporava a ideologia fascista na Constituição de 1932, que deu origem ao Estado Novo. Com a criação de uma polícia secreta e o controle sobre greves, o Estado Novo lusitano era “essencialmente um regime católico autoritário” (MAXWELL, 2006, p. 35), que utilizava os modernos instrumentos de propaganda — o rádio, os jornais impressos, os grandes comícios — para disseminar a ideologia anticomunista em prol do estado conservador.

No plano cultural, Salazar contava com o apoio dos fascistas — em geral funcionários de segundo e terceiro escalões da burocracia do Estado —, promovia a arte que lhe beneficiasse e mantinha controle ferrenho, por meio de um aparelho repressor eficiente, sobre a produção artística que lhe representasse ameaça.

A polícia política disseminou sua insidiosa influência em todo o país, recorrendo a uma rede de colaboradores e espiões. (...) Como o perigo espreitava em cada conversa de teor político, as pessoas tornaram-se furtivas, desconfiadas e caladas. A Guarda Republicana e a Polícia de Segurança Pública (PSP)

3 Neste trabalho, usamos o termo ideologia como um conjunto de crenças políticas que possibilitam a coesão social, de uma forma hegemônica, mas também como uma falsa consciência da realidade movida pelas contradições de classe e pela luta em busca do controle político, na definição marxista. Ver BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. 12 ed. Brasília: Editora UnB, 2002, p. 586.

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postavam seguranças uniformizados em todas as casas de espetáculo e outros lugares de reunião (MAXWELL, 2006, p. 35).

Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago faz, na ficção, um retrato da repressão, ao mostrar a suspeição sobre o protagonista Ricardo Reis. De volta a Portugal em 1936, é vigiado pela polícia de Salazar, a que teve de prestar depoimento mais de uma vez. Em diversas ocasiões, Reis encontra-se ao acaso com o oficial Vítor, cujo hálito de cebola caracteriza o mal-estar causado pelo regime. A violência da ditadura é também encenada em Levantado do chão, de Saramago, em que é narrada a história dos Mau-Tempo, família de camponeses do sul de Portugal explorada havia séculos por latifundiários. A organização dos trabalhadores era combatida com a prisão, execuções e torturas — às quais foi submetido, entre outros, o personagem João Mau-Tempo.

A política de Salazar, em consonância no seu autoritarismo com a de líderes como Mussolini, Hitler e Franco, era contrária à modernização do país, a que o líder lusitano considerava nociva para a harmonia portuguesa. O Portugal de Salazar era agrário, recusava-se à industrialização para evitar as lutas de classe, dava grande importância à família e à figura paterna, limitando a participação das mulheres na esfera pública. Seu regime acabou apenas com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974. A saúde de Salazar piorara depois de ele ter levado um tombo, em 1968. Mesmo em coma, “resolutamente se recusava a morrer” (MAXWELL, 2006, p. 43). Em seu lugar ocuparam o comando do país o presidente Américo Tomás e o primeiro-ministro Marcello Caetano.

Apesar de o governo de Caetano ter-se preocupado com a modernização da economia, fatores como o descontentamento dos agricultores, o malogro das tropas portuguesas na África e os anseios de mudança da sociedade contribuíram para a revolução e garantiu a volta ao país de pessoas que teriam papel de destaque durante o regime democrático, como o socialista Mário Soares e o comunista Álvaro Cunhal — o primeiro exilado em Paris e o segundo em Moscou.

O contexto autoritário de Portugal teve repercussão sobre a produção artística. Assim como os líderes dos regimes autoritários da primeira metade do século XX, Salazar via na arte, na propaganda e no jornalismo formas de manter a coesão social — daí o controle sobre o conteúdo que era veiculado. Alguns artistas que se opunham a Salazar viam na arte a possibilidade de transformação social. Para eles, encarar a produção artística somente a partir do estético era, de alguma forma, concordar com as aspirações do ditador.

A geração que levantou a bandeira da oposição foi a dos artistas neorrealistas, que iniciaram suas atividades como críticos na imprensa, para depois se expressarem em prosa literária. Seu principal foram os intelectuais ligados à revista Presença, que defendiam uma noção de arte balizada, sobretudo, pelo estético. Como se verá a seguir, a principal polêmica dos dois grupos é quanto à utilidade da arte, a sua suposta capacidade de promover a consciência e a mudança social. Antes desse debate, cabe fazer um breve panorama da produção literária em Portugal do início do século XX.

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o modernismo em portugalOs decênios de 1910 e 1920 são marcados pelo interesse na atualização estética

com a edição de várias obras modernistas — o ano de 1922 é emblemático, com a publicação de livros como Ulysses, de James Joyce; The Waste Land, de T.S. Eliot; O quarto de Jacob, de Virginia Woolf — além da realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Em 1924, era publicado outro grande livro modernista, A montanha mágica, de Thomas Mann.

Uma das marcas dessa literatura é o seu cosmopolitismo, com “sutilíssimo processo de globalização literária” (JUNQUEIRA, 2004), a multiplicidade de matrizes e a experimentação da linguagem. O modernismo se insurgia contra os padrões da arte do século XIX, criando novas convenções estéticas e conteúdos. Em países como o Brasil e os Estados Unidos, o modernismo representou um movimento de ruptura com as tradições artísticas europeias.

Em Portugal, o Primeiro Modernismo é uma manifestação que se opôs ao Realismo e ao Naturalismo, cuja permanência evidenciava a resistência no país às inovações. Na literatura, o Primeiro Modernismo, da década de 1910, é o da geração da revista Orpheu, articulada em torno de Fernando Pessoa (1888-1935), Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), Almada-Negreiros (1893-1970), entre outros. O principal objetivo da geração de Orpheu foi — em consonância com as vanguardas europeias — atualizar a cultura literária portuguesa.

O grupo “põe-se a criar uma poesia alucinada, chocante, irreverente, com o fito de provocar o burguês, símbolo acabado da estagnação em que se encontrava a cultura portuguesa” (MOISÉS, 1970, p. 286). Ganha relevo a poesia, pelo alto grau de experimentação que esse gênero teve no modernismo em vários países, sem um compromisso direto com as questões políticas e ideológicas.

A produção literária da geração de Fernando Pessoa é destacada por Eugénio Lisboa: “O Orpheu foi mais do que uma viragem: foi um abalo sísmico de uma tal intensidade e fulgor, que ainda hoje se lhes sentem os efeitos” (LISBOA, 1984, p. 9).

Embora gozem de grande reconhecimento na atualidade, os integrantes de Orpheu tiveram pouco prestígio em sua época, tendo dificuldade em publicar livros e sendo condenados ao ostracismo. Em partes, devido à tradição literária portuguesa e às mudanças políticas e econômicas do país com o golpe de estado de 1926.

Em 1927, surge o Segundo Modernismo em Portugal, com a fundação da revista Presença, em Coimbra, em torno de intelectuais como José Régio (1901-1969), João Gaspar Simões (1903-1987) e António Branquinho da Fonseca (1905-1974). A publicação duraria até 1940, com várias interrupções.

Em seus manifestos, José Régio defende a autonomia estética da arte e o combate ao academicismo, que tomava conta de Portugal na década de 1920, apesar de todo o empenho de Orpheu. O pensamento de José Régio sustentava a busca de originalidade e a invenção na literatura portuguesa. Para ele, a produção literária do país na década de 1920, influenciada ainda pelo século XIX, passava por um período de falta de “originalidade” e “sinceridade”.

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A literatura não original, isto é, não nascida da “parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima de uma personalidade artística”, cedo se mostrava como aquilo que era: uma obra não profundamente necessitada, não sincera, um tronco morto, uma retórica sediça (RÉGIO apud LISBOA, 1984, p. 13).

Paradoxalmente, a cruzada de Presença contra o formalismo e a verbosidade da literatura portuguesa não redimiu o grupo de ser acusado de formalista, mantendo um esteticismo fechado, do escritor que se refugia na torre de marfim e mantém uma posição de superioridade em relação à massa.

Os “presencistas” baseavam-se em Théophile Gautier, para quem a utilidade é feia e não tem valor na arte. Daí o slogan “arte pela arte”, que livrava o artista da necessidade imediata de utilidade. Típica do final de século XIX, essa visão foi comum, sobretudo num personagem que queria se afastar da suposta vulgaridade do arrivismo burguês. De Wilde a Huysmans, o herói dessa literatura foi o dândi, que em seu isolamento fugia ao pragmatismo do mundo, refugiando-se num universo artístico supostamente puro.

No romance Às avessas, o conde Floressas des Esseintes, filho celibatário e doente de uma família nobre, isola-se em sua casa de campo nas proximidades de Paris, onde passa a maior parte do tempo lendo literatura grega e latina. Seu lema é: “Viver? Ora, nossos criados farão isso por nós”. Assim, cabia ao artista e ao leitor mergulhar na floresta dos signos, deixando de lado a insignificância da vida da sociedade das massas humanas (HUYSMANS, 1987).

Sobre os escritores que faziam parte de Presença, afirma Mário Dionísio: “São os que se preocupam mais com os símbolos do que com aquilo que eles simbolizam” (DIONÍSIO, 15/03/1938, p. 7). A principal crítica que se fez sobre os “presencistas” foi o seu apego a uma concepção conformista de arte, numa época — a do regime autoritário de Salazar — em que se exigia o posicionamento dos intelectuais. “O artista encantava-se em colocar-se a desafiar a sua própria classe, mas muito longe de desejar que a ordem social, tal como a conhecia, sofresse qualquer modificação” (TORRES, 1983, p. 38).

Assim, nas palavras do principal autor presencista, a “finalidade da Arte é apenas produzir-nos esta emoção tão particular, tão misteriosa, e talvez tão complexa: a emoção estética”. José Régio pede desvinculação entre arte e política: “O ideal do Artista, nada tem com o do moralista, do patriota, do crente, ou do cidadão (...)”. E a “finalidade da Obra será, consciente ou inconscientemente, a finalidade estética” (RÉGIO apud MOISÉS, 1970, p. 308).

O ideal estético de José Régio dava grande primazia ao indivíduo em relação ao meio social, retomando aspectos românticos da literatura, que entendem o autor como uma espécie de gênio artístico, capaz de captar em sua obra o mistério e a espiritualidade do mundo. Presença dá destaque à obra de autores europeus como Cocteau, Apollinaire, Gide e Valéry. A Presença se aproximaram escritores como Miguel Torga, Adolfo Casais Monteiro, António Botto, Votorio Nemédio, Tomás de Figueiredo, Aquilino Ribeiro.

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Quase simultânea, a geração neorrealista defendia uma atitude empenhada da obra de arte, sob influência do marxismo. Os neorrealistas, que se expressavam primeiramente na crítica literária e depois no romance, a partir de 1939, cobravam uma atitude mais preocupada com a realidade social, principalmente dos presencistas. A maior queixa da geração dos novos em relação aos presencistas era que, numa época de grandes mudanças no cenário político de Portugal e do mundo, sua literatura — sobretudo a poesia — mergulhava em subjetivismo e egocentrismo, literalmente voltada ao próprio umbigo, conforme análise do crítico Álvaro Cunhal sobre a poesia de José Régio.

Integraram o grupo dos neorrealistas autores como Alves Redol (1911-1969), Mário Dionísio (1916-1993), Álvaro Cunhal (1913-2005)4.

intelectuais na encruzilhadaNa passagem da geração de Orpheu para a de Presença, praticamente não há

embates ideológicos e estéticos. Ocorre, pelo menos do ponto de vista teórico, a continuidade dos ideais artísticos. O grupo de José Régio só não conseguiu manter o brilho e o alto grau de inventividade da literatura dos artistas que se reuniram em torno de Orpheu. Presença, inclusive, teve um importante papel na divulgação da obra de artistas como Fernando Pessoa, que passou por um longo período de ostracismo. João Gaspar Simões foi seu primeiro biógrafo.

A oposição ocorreu entre os intelectuais de Presença e os escritores ligados ao neorrealismo português. A principal discussão aconteceu em torno dos conceitos de cultura, de arte e do papel do intelectual e do artista como agentes de mudanças sociais, sobretudo no final da década de 1930, quando o regime de Salazar já se havia firmado, e o vizinho Francisco Franco — para quem Portugal dera importante apoio militar — saía vitorioso da Guerra Civil Espanhola. Com o governo controlado por Salazar, a resistência era feita pelos intelectuais.

A discussão sobre o papel empenhado da arte não era algo exclusivo da sociedade portuguesa; em boa parte do Ocidente, a emergência de ideologias de direita e de esquerda e o crescente papel da arte como instrumento de divulgação ideológica contribuíram para isso. Veja-se o caso do “realismo socialista” e da ação de propaganda nos governos de direita, de que o uso do rádio e do cinema por Joseph Goebbels é bastante expressivo.

No ensaio “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin já reclamava o uso do cinema, não como instrumento de firmação da ideologia capitalista, mas como um veículo para a conscientização dos trabalhadores. O filósofo confere papel de grande importância à arte da era da reprodutibilidade, já que “no momento em que o critério de autenticidade deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma. Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a política”.

Mais adiante, antevê o uso do espetáculo como substituição da política, ao afirmar

4 Cunhal dedicou boa parte da sua vida ao Partido Comunista e à oposição ao Estado Novo. Ficou preso durante 13 anos. Depois da redemocratização do país, ocupou cargos importantes no governo português.

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que as democracias pressupõem a relação direta do líder com seu público. Com a ascensão dos meios de comunicação de massa, em que o líder pode ser ouvido por um público infinito, a democracia perde o sentido e esses meios ganham importância política (BENJAMIN, 1993, p. 182).

Portugal, nesse momento, sucumbia sob o regime salazarista. Na ficção, esse domínio é a atmosfera que respiram as personagens do romance O ano da morte de Ricardo Reis, de José Saramago (2008). O ano a que refere o livro é o de 1936, quando ocorre o levante dos marinheiros comunistas contra a ditadura de Salazar, movimento que é sufocado. O romance conta a volta e a readaptação de Ricardo Reis a Portugal. Reis, que morava no Brasil desde 1916, retorna a sua terra natal para ver o túmulo de Fernando Pessoa, morto em 30 de novembro de 1935. A história transcorre ao longo dos nove meses posteriores à morte de Pessoa, cujo fantasma aparece e dialoga com um hesitante Ricardo Reis, alheio às transformações políticas de Portugal e ao apoio deste aos rebeldes liderados por Franco.

O artista Ricardo Reis, cujas odes refletem uma mitologia distante de um Portugal cindido, divide-se entre o amor de Marcenda, filha de um notário de Coimbra, e da criada de hotel semi-analfabeta Lídia. Esta é um dos personagens mais interessantes do romance: representa a resistência do povo ao domínio político de Salazar. Daniel Martins, irmão de Lídia, é um dos marinheiros mortos na repressão ao levante. Enquanto o regime de direita triunfa, Lídia, grávida de Ricardo Reis e enlutada pela morte do irmão, não consegue mais ficar ao lado de alguém que se mantém impassível às transformações do mundo.

Em meio ao torvelinho das mudanças políticas, a geração dos neorrealistas olhava com desconfiança a defesa de uma “arte pura”, desvencilhada da política, defendida pelos “presencistas”, como uma Lídia que deixava a casa de um Ricardo Reis a vagar indeciso por um Portugal em turbulência.

ideias entrincheiradasAs gerações de Presença e do neorrealismo se diferenciam, sobretudo, quanto às

posições teóricas que assumem diante dos conceitos de cultura, de arte e do papel dos intelectuais na sociedade.

as ideias de presença João Gaspar Simões, Adolfo Casais Monteiro e José Régio defendem a arte

espiritualizada e idealista. Num dos artigos em que trava polêmica com Álvaro Cunhal, José Régio se diz adepto das ideias de Julien Benda, que no livro La trahison des clercs (1927) defende que o intelectual não deve tomar partido das questões políticas; ele está acima delas. Segundo Benda, no “final do século XIX, produz-se uma mudança capital: os intelectuais se põem a fazer o jogo político; aqueles que representavam um freio para o realismo dos povos passam a ser seu estimulante (BENDA, 1927, p. 126)”.

Para Benda, os intelectuais constituem um grupo muito pequeno de reis-filósofos

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que formam a consciência da humanidade. Os verdadeiros intelectuais estariam acima dos interesses humanos; defendem “padrões eternos de verdade e de justiça, que não são precisamente deste mundo (Idem)”. Justifica-se o termo “clérigo” usado no título do livro para definir o verdadeiro intelectual, pois este se contrapõe aos seres humanos convencionais, interessados em vantagens pessoais e no poder.

Benda defende que os verdadeiros intelectuais são aqueles “cuja atividade é essencialmente não buscar objetivos práticos, eles são aqueles que buscam sua felicidade na prática de uma arte ou ciência ou especulação metafísica para se apoderar de vantagens imateriais, e assim podem dizer, de uma certa maneira: ‘Meu reino não é deste mundo’” (Ibidem, p. 127).

Apesar de reconhecer que o intelectual deve defender a humanidade, Benda entende o intelectual como alguém à parte da sociedade, e cujo maior interesse é a arte elevada, sem aplicação prática. O intelectual é entendido como um ser superior, que pertence a uma classe diferente de homens. Excluem-se, neste caso, as mulheres.

No artigo “Discurso sobre a inutilidade da arte” (SIMÕES, 01/10/1937), João Gaspar Simões questiona se é adequada a atitude de quem, em face das grandes transformações por que passa o mundo naquele período, permanece observando a arte de maneira desinteressada. O escritor afirma que um determinado grupo de intelectuais preza nos artistas apenas as qualidades que lhes interessa. Contra eles, defende a ideia de que a “arte é inútil” e “perigosa”, porque não tem uma aplicação prática na solução dos problemas, como a ciência, por exemplo.

Questiona, então, que valor teria a arte. E diz que a arte deve afirmar mais os valores do humano do que os da própria sociedade. A arte serve, assim, para desautomatizar o ser humano. Os artistas são os perturbadores do sono de seus leitores, porque não trazem certezas. E compara a arte com a ciência: “Penetrar nos segredos da natureza humana pela mão do cientista é ter-se a certeza de que o nosso sono não será perturbado (Ibidem, p. 115).” No entanto, ouvir “um artista não é tornar-nos mais penetrantes ou mais sábios: é, sim, tornar-nos mais nós próprios, identificar-nos com a essência de nossa personalidade (Ibidem, p. 116).”

A noção de intelectual e de arte de José Régio é semelhante à de Benda e à defendida por João Gaspar Simões. Para Régio, a arte não deve ser condicionada ao meio social e ao econômico; o artista precisa ter autonomia para transcender essas limitações:

(...) todo verdadeiro artista sente que uma obra de arte é grande não na medida em que se mostra condicionada por tais contingências, não na medida em que fica sujeita ao espacial, ao temporal, ao particular — sim em que deles se liberta para atingir aquela eternidade, aquela universalidade, aquele absoluto que são verdadeiro único fim das criações do espírito (RÉGIO, 19/02/1938).

No mesmo texto, Régio entende a arte num lugar privilegiado, fora do alcance do ser humano comum: “É que qualquer que haja sido a atualidade dessas obras universais, eterna, a sua eternidade resultam de nelas se debaterem, em termos de sempre, as questões de sempre do homem de sempre.”

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Ao comentar, na seqüência de artigos denominada “Cartas intemporais do nosso tempo”, o sucesso da literatura brasileira entre os novos de Portugal, Régio atribui essa simpatia mais à posição política dos romancistas do que a suas qualidades literárias. Nisso, procura mais uma vez definir o que entende por literatura:

Não distingo, pois, os livros por uma distinção de classes dos personagens, não avalio a humanidade duma obra pelos partidarismos, dogmatismos, exclusivismos e restrições do autor, e, muito longe de considerar as características de atualidade e localidade valores da obra de arte (ou, em geral, das obras do espírito) julgo que, atuais e locais ou não, só são realmente grandes aquelas obras que o selo da eternidade e da universalidade distingue. Não é isto ignorar que o pitoresco e o anedótico sejam muitas vezes necessários à obra de arte: só é julgar que não é por eles que as obras de arte sobem, duram, valem (RÉGIO, 09/04/1939)

Na sequência do artigo, José Régio faz rápida crítica a Os Corumbas (1933), de Amando Fontes. O crítico português não considera o romance do brasileiro uma obra de arte por ter, na opinião dele, intenções políticas muito claras, o que contrariava seu conceito de arte e do papel de intelectual. Para ele, o livro “deixa de interessar como obra de criação artística. Não nasceu (...) duma profunda necessidade de criador; não é a projeção duma autêntica personalidade de artista: é produto dum abstrato propósito de propaganda social e política” (RÉGIO, 15/04/1939).

Nos mesmos artigos, pode-se antever o pensamento de Álvaro Cunhal e dos novos pelos defeitos que José Régio lhes aponta. Na visão de Régio, Cunhal considera mais importante a literatura que leve em conta o contexto social e político. Escreve Régio: “Parece que para ti [Cunhal] o artista é tanto mais humano quanto mais se ressentir a sua obra das condições e circunstâncias históricas, sociais, políticas etc., no momento em que se realiza”. E mais adiante: “É, pois, do critério de atualidade, de utilidade, de acessibilidade, que te serves para julgar a humanidade duma obra (...). Ela te levará a julgar mais humanas as obras de certos escritorzinhos atuais do que as de Shakespeare ou Racine, de Goethe ou Dostoievski” (RÉGIO, 19/02/1939).

Ele defende que a arte deve manter-se livre da obrigação de ter influência direta sobre o contexto social:

Conheço vários homens cuja obra de pensamento, crítica ou arte se mantém alheia, ou relativamente alheia, aos problemas urgentes do nosso momento histórico — sem que, na vida, tenham fugido a tomar as atitudes mais categóricas e a manifestar o mais ativo interesse por esses mesmos problemas (RÉGIO, 24/01/1939).

De uma maneira geral, a geração de Presença se esquivava em relação à política e ao uso do argumento de que as obras de arte produzidas a pretexto da ação política traíam a noção de intelectual e de artista — como no título da obra de Benda — e não apresentavam, em termos de forma, uma arte realmente nova. Na verdade, os “presencistas”, na década de 1930, criticavam a arte engajada estrangeira, já que a geração dos novos de Portugal ainda não havia produzido obras literárias naquele período; manifestara-se somente por meio de artigos em revistas e jornais.

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a crítica dos novosInfluenciados pelo pensamento de esquerda que circulava na época, os novos de

Portugal buscam misturar a produção artística com uma noção de arte, cultura e de intelectual voltada para a ação de transformação da sociedade. Eles se opõem à ideia de Benda e a dos “presencistas”, que veem o intelectual como uma consciência isolada da sociedade e a arte como algo distante, referindo-se apenas ao plano do idealismo.

O grupo dos novos defende um intelectual mais próximo da sociedade, capaz de levar a consciência para a massa, como escreve Mando Martins no texto “Literatura humana”: “O escritor é um produtor social de Beleza útil ao serviço da multidão” (MARTINS, 15/03/1937, p. 11).

O pensamento dos neorrealistas sobre a noção de intelectual deriva de uma mudança na ação do intelectual que se iniciou no final do século XIX, com o caso Dreyfus, na França. O oficial havia sido condenado por suposta traição à sua corporação militar. Mesmo sendo inocente, fora condenado, numa atitude racista, já que era judeu. Para mudar os rumos da condenação, um grupo de intelectuais intercedeu a seu favor, fazendo uma campanha pública pela libertação. O documento mais famoso é o artigo “J’accuse”, assinado pelo prestigiado escritor Émile Zola e dirigido ao presidente da República, em 13 de fevereiro de 1898.

Com a eclosão da Primeira Guerra, vários intelectuais de países europeus conheceram os campos de batalha e incorporaram a noção de que o intelectual deve participar ativamente das questões políticas da sociedade. Nesse mesmo período, a Revolução Russa tornou possível, grosso modo, a implantação de um regime surgido a partir de um grupo de intelectuais.

Em meio a essas transformações, o filósofo italiano Antonio Gramsci fez uma separação, nos seus Cadernos do cárcere, de duas categorias de intelectual: o tradicional e o orgânico. O tradicional é “uma classe ou comunidade à parte – [em que há] isolamento irreal que se reflete em toda filosofia idealista”; o orgânico é aquele que produz a partir de sua comunidade ou grupo político. Na visão de Gramsci, todo ser humano é intelectual. Segundo ele, os intelectuais “são edificadores práticos da sociedade, e não simplesmente oradores” (BOTTOMORE, 1988, p 195). Nisso, sua definição difere da de Benda, que imaginava o intelectual como alguém que estava acima dos interesses da sociedade.

Conforme o pensador italiano, todo tipo de produção intelectual deve gerar a consciência de classe. Assim, o jornalismo, a literatura, a arte e a escola têm um importante papel para despertar a consciência do indivíduo em busca de uma sociedade igualitária. Para Gramsci, o intelectual tradicional reproduz as estruturas de dominação e a hegemonia das classes sociais (GRAMSCI, 1995).

A visão dos novos propõe que o intelectual desça de sua torre de marfim ou de sua montanha, numa alusão que Álvaro Cunhal faz à personagem Zaratustra, de Friedrich Nietzsche, para o calor da multidão. Só assim poderá promover a mudança social.

As ideias marxistas passaram a ter ressonância em Portugal a partir dos anos

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1930, quando a revista Pensamento começou a divulgar as palavras-chaves do vocabulário de esquerda, como “mais-valia”, “luta de classes”. Em agosto de 1930, a revista reivindicava um papel participativo do intelectual na luta política. Naquele decênio, a maior influência marxista sobre os portugueses eram os escritores de língua francesa. Além disso, havia a influência da Frente Popular, formada por diversas organizações francesas em combate ao fascismo.

Exigia-se, portanto, o engajamento dos intelectuais contra o fascismo, que já governava Portugal havia dez anos em 1936, época em que movimentos de direita eclodiam também na Espanha. Assim, levando em conta o contexto de luta contra o fascismo, “não podia haver realmente grandes complacências para com aqueles escritores (por muito modernistas que fossem) que se encontrassem ou se confessassem mais ou menos desligados dos ‘destinos do mundo’” (TORRES, 1983, p. 33).

Os neorrealistas, no entanto, não chegam a uma noção tão radical como a de Gramsci quanto ao intelectual orgânico; no conceito do pensador italiano, todos são intelectuais e todos produzem cultura, numa noção antropológica. O conceito dos novos entende que o intelectual deve descer para chegar até as massas, deve levar a consciência às massas, numa visão ainda marcada por uma concepção tradicional de cultura e de arte literária. Nessa visão, a massa passaria a ser tema de reflexão dos intelectuais, e não necessariamente produtora de obras artísticas.

Ao rebarbativo título “Cartas intemporais do nosso tempo”, escritas por José Régio, Álvaro Cunhal reagiria com o texto “Numa encruzilhada dos homens”. O artigo, provocativo, vê os defeitos dos “presencistas” resumidos na poesia e na ação pública de Régio, fazendo um jogo de palavras com suas obras. Ao título “As encruzilhadas de Deus”, livro de Régio, antepõe a dos homens; à poesia voltada para o próprio umbigo, prefere o escritor que fala ao povo e que desce para aprender com o povo; a atitude desinteressada de Régio num tempo de lutas políticas não é vista como neutra por Cunhal, mas exprime, ela própria, uma posição. Sobre a relação entre a arte e a política, Cunhal diz o seguinte:

É transparente como água que a literatura não é política nem sociologia e que arte literária não é propaganda. Mas não é menos transparente que toda a obra literária — voluntária ou involuntariamente — exprime uma posição política e social e que toda ela faz propaganda seja do que for (inclusive do próprio umbigo). Simplesmente, há quem prefira, pelas razões atrás expostas, as obras literárias que exprimem determinada posição política e social. E uma posição política e social não existe só quando se afirma claramente a preferência por um ou outro dos caminhos que saem da encruzilhada. Mas existe ainda quando há um afastamento da encruzilhada. Creio — digo-o quase sem ironia — que a “adoração do próprio umbigo” exprime também uma posição (e até uma atitude) política e social.

Assim, não havia como a geração de José Régio se manter na torre de marfim, como “zaratustrazinhos”, enquanto a convulsão social ocorria a seu redor. A atitude correta seria produzir uma arte mais objetiva e realista. O autor ainda critica o psicologismo da obra de José Régio, afirmando que o conhecimento do ser humano

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não se resume ao da sua consciência, mas deve levar em conta o meio social em que ele vive.

A posição de Régio já havia sido atacada momentos antes por Mando Martins, no artigo “Resposta a José Régio que é uma carta aos mais escritores portugueses”, de fevereiro de 1938. No texto, Martins afirma: “A poesia de Régio é uma casa fechada sem janelas para a rua; lá dentro às escuras um homem torce-se em combates e dores que não procuram comunicação para se lavarem em amor humano”. O mesmo autor defende que a literatura tem por função revelar o que existe de complexo no humano, o que seria impossível de outra forma. E, por isso mesmo, o escritor estaria a serviço da multidão.

ideias opostasA leitura de textos críticos das duas gerações de escritores portugueses revela

importantes valores atribuídos à arte numa época de oposição política e, ao mesmo tempo, a mudança da função atribuída ao estético.

O grupo de intelectuais neorrealistas conseguiu destacar a relevância da arte como instrumento de comunicação para as mudanças sociais. Nisso, suas ideias encontraram eco em teóricos como Gramsci e Lúkacs, cujas formulações tiveram vasta repercussão no século XX. Isso é notado, principalmente, nas críticas dos novos à literatura produzida no Brasil nos anos 1930. Os novos de Portugal viam os romances de autores como Jorge Amado e Graciliano Ramos como instrumento de conscientização sobre os problemas sociais.

Os neorrealistas tinham uma noção de intelectual como participante da vida política do país. Para eles, uma das funções do artista era produzir consciência social e mudanças por meio da arte, vislumbrando uma possibilidade real de realização de um projeto político e social. Nisso, opunham-se à geração de Presença, para quem o intelectual deveria estar acima da sociedade e de seus interesses. Os presencistas defendiam um conceito de arte como manifestação do belo, distante, portanto, do pragmatismo buscado pelos novos. Nesse ponto, seu pensamento é legítimo e atual. Ao longo do século XX, movimentos estéticos ora reclamavam a autonomia da arte, ora o vinculavam ao uso político.

O maior problema está nos desdobramentos dos conceitos apresentados pelos intelectuais de Presença, e que, no momento em que a polêmica ocorreu, revelavam a posição conservadora e elitista de escritores como José Régio, João Gaspar Simões e Adolfo Casais Monteiro. Eles consideravam que o intelectual estava acima dos interesses da sociedade, era considerado um líder, aproximando-se do fascismo.

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a rEprESEntação do ato dE Fumar no proCESSo dE ConStrução do EthoS1. aCt oF SmoKing in thE ConStruCtion oF EthoS.

Hilton Castelo2

rESumoO objetivo deste artigo é analisar imagens do enunciador e do co-

anunciador, em um discurso de natureza não-verbal que tenha o cigarro como elemento comunicacional emblemático, sustentando-se na sintaxe do ver, conforme Landowski, e na teoria do ethos, na perspectiva de Eggs, Amossy e Maingueneau. Para tanto, a partir de foto jornalística veiculada numa coluna social do jornal Folha de S.Paulo, discutem-se os regimes de visibilidade, a construção do ethos e sua força comunicacional, a cena da enunciação, para, enfim, analisar o ato de fumar em um ethos específico.

Palavras-chave: Regimes de visibilidade; ethos; cena da enunciação; ato de fumar.

aBStraCtThe objective of this article is to analyze images of the enunciating

and the co-announcer in a non-verbal speech that have the cigarette as the emblematic element, as seen in Landowski, in the theory of ethos, and also in the perspective of Eggs, Amossy and Maingueneau. And for that, starting by a journalistic photo published by Folha de S.Paulo newspaper, the modes of visibility are discussed, and so the construction of ethos and its communicational strength, and the scene of enunciation, for finally, analyze the act of smoking in a specific ethos.

Keywords: Modes of visibility; ethos; scene of enunciation; act of smoking.

1 Trabalho apresentado no GP Semiótica da Comunicação, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Intercom, em 2009. 2 Mestrando em Comunicação e Linguagens (Universidade Tuiuti do Paraná), especialista em Leituras de Múltiplas Linguagens (PUC-PR), graduado em Publicidade e Propaganda (UFPR). Professor de Publicidade e Propaganda (Universidade Positivo - PR).

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A represenTAÇÃo do ATo de FUmAr no processo de consTrUÇÃo do eThos

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1. introduçãoA imagem é exemplar. Trata-se de uma foto jornalística tirada por João Sal,

veiculada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, na coluna social assinada por Mônica Bergamo, em 15 de novembro de 2006 (Figura 1). O quadro em que a imagem foi inserida está dividido em duas colunas. Do lado esquerdo, visão do leitor, ocupando um terço do espaço, uma coluna na cor branca traz em sua parte superior um quadro menor, sutilmente inclinado, na cor preta, que apresenta a legenda da foto vazada em texto branco. Do lado direito, a segunda coluna apresenta-nos a foto propriamente dita, cuja composição vertical divide a imagem em dois blocos, cada com dois elementos: na parte de cima, um relógio de parede, modelo bastante convencional, e um aviso público; na parte inferior, a imagem de uma mulher e botões de emergência para casos de incêndio.

O quadro-legenda, destacado em sua coluna pela ausência de outros elementos gráficos e pelo contraste com a cor de fundo, cujo formato remete à idéia de etiqueta da foto, traz a seguinte informação:

FUMACINHA [grifo do jornal] A cantora Rita Lee faz piada com o aviso “Não Fume” no camarim do show de Maria Bethânia, na noite da última sexta-feira, no Tom Brasil Nações Unidas.

Os ponteiros do relógio indicam vinte minutos para a uma hora da manhã. Abaixo do relógio, vê-se o que aparenta ser uma folha comum de papel sulfite colada na parede, e, nela, dois signos de tamanhos semelhantes, um verbal e outro não-verbal, com a informação redundante de ser proibido o uso de cigarros.

FIGURA 1: Rita Lee em Camarim de Show - Fonte: Folha de São Paulo

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A mulher, Rita, veste blusa cor grafite de manga comprida. Ao redor do pescoço, echarpe de estampa multicolorida, combinando com a cor da blusa e com longos cabelos ruivos e lisos que escorrem sobre os ombros, dá a Rita certo clima de modernidade. O corte de cabelo franjado acentua a presença dos óculos redondos, já um tanto desproporcional em relação ao tamanho ao rosto. O vermelho forte do batom acentua o tamanho dos lábios.

Rita está com a cabeça levemente inclinada para a esquerda do leitor, encostada contra a parede. A posição do corpo e, principalmente, as dobras na blusa indicam que ela está sentada. Os olhos fechados, detrás dos óculos, denotam a idéia de casualidade, enquanto o braço esquerdo levantado exclui a possibilidade de que ela esteja dormindo.

No canto direito da boca, pendendo para baixo, está um cigarro, ainda pouco consumido pelo fogo, e que vai desafiadoramente de encontro ao aviso “Não fume”. Confronto, aliás, que se acentua por um “V” formado pelos dedos de Rita – talvez como sinal de vitória ou da expressão “paz e amor” –, e pelos botões de emergência no canto inferior esquerdo da foto.

No conjunto, o registro contundente de um indivíduo que se mostra blasé, indiferente às normas estabelecidas por convenções legais ou sociais.

Quem está na cena enunciativa: Rita Lee, a roqueira, ou Rita Lee Jones Carvalho, uma senhora que, em setembro de 2006, estava a três meses de tornar-se sexagenária? O público ou privado? Em que medida esse ato comunicacional serve para a representação e manutenção de um ethos desejado naquela cena enunciativa?

Está claro que a imagem de Rita Lee veiculada pela Folha de S.Paulo possibilita análise de múltiplas situações comunicacionais, cada qual com suas especificidades e, portanto, de contextos discursivos díspares: do fotógrafo para o jornal; do jornal para um leitor eventual e desinteressado em notícias culturais, do jornal para o leitor contumaz de cadernos de cultura; de Mônica Bergamo para leitores exclusivamente interessados em notícias sociais, de Bergamo para a intelligentsia paulistana; de Rita Lee para os presentes no camarim, da cantora para seus fãs. A este trabalho, consciente de não estar respondendo a todas as possibilidades interpretativas oferecidas pelo objeto, interessa, nesse momento, os dois últimos contextos e seus regimes específicos de visibilidade.

2. tornando-se visívelLandowski (1992, pp. 86-89) constata que os termos de “regime de visibilidade”,

ao nortear as relações entre o público e o privado, subordinam-se à “sintaxe do ver” e a relações de reciprocidade entre “um que vê” e “outro que é visto” – ou, conforme Émile Benveniste, citado por Landowski (1992), num processo no qual “Cada membro só descobre seu ‘si’ no ‘entre si’”. Porém, apesar da existência de condicionantes relacionais nos modos de ver e de ser compreendido, o jogo discursivo, em casos de exposição voluntária de figuras públicas, dificilmente ocorre em condições de descontrole.

A foto da cantora em coluna social, veiculada por um periódico sabidamente

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dirigido a um público de melhor formação cultural, insere-se num jogo discursivo entre sujeitos que comungam interesses socioculturais, num processo de reafirmação de si a partir de expectativas comportamentais de uma platéia. Ao posar para a foto, Rita Lee expõe sua condição de pessoa pública e privada ao julgamento de uma platéia pré-julgada pela própria cantora, criando condições para a reafirmação de si a partir de atitudes consideradas previsíveis no Outro. Diferente, portanto, para melhor situar a questão, do caso de um flagrante de paparazzi, em foto tirada às escondidas, revelando o uso pela artista de um cigarro de maconha. Ideia que se sustenta em Michel Pêcheux, citado por Amossy (2005, p. 11), ao observar que, “nas duas pontas da cadeia de comunicação”, o emissor A e o interlocutor B compartilham de expectativas imagéticas: “o emissor A faz uma imagem de si mesmo e de seu interlocutor B; reciprocamente, o receptor B faz uma imagem do emissor A e de si mesmo” e, completando com Landowski (1992, pp. 89-90), “dois protagonistas unidos por uma relação de pressuposição recíproca (...) e entre os quais circula o próprio objeto de comunicação”. Mas em que medida e especificações modais? É o próprio Landowski quem responde:

Uma vez colocada como necessária e suficiente, a relação mínima constitutiva do ver admite, em níveis mais superficiais, diferentes especificações modais (essencialmente do tipo querer, dever, saber, poder ver), cujo emprego condiciona a maneira como os actantes, no caso os dois agentes – individuais ou coletivos – designados como o que “vê” e o que “é visto”, entram em relação. (...) em particular quando (...) necessário atribuir um lugar aos dispositivos de “iluminação” (que “permitem ver”) e aos procedimentos de “captação” (que “garantem ser visto”). (Landowski, 1992, p. 90)

A partir das especificações modais preconizadas em Landowski, aplicadas graficamente no esquema do quadrado semiótico (Figura 2), percebe-se na foto de João Sal atos comunicacionais que revelam em Rita a tentativa de construção de ethos em situação de publicização de papéis privados.

FIGURA 2: Esquema do Quadro Semiótico

Fonte: VOLLI, 2007, p. 72

O quadrado semiótico (Figura 2), dispositivo lógico aristotélico usado sobretudo pela escola de Greimas, conforme explica Volli (2007, pp. 72-74), é “marcada por oposições estabelecidas e organizadas pelas convenções culturais”. Em síntese, de forma breve e superficial: 1) s1 e s2 são contrários (branco e preto, conforme exemplo

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de Volli); 2) s1 e não-s1, como s2 e não-s2, são contraditórios (branco e não-branco; preto e não-preto); 3) não-s1 e não-s2 são subopostos (não-branco e não-preto). Volli (2007, p. 73) ressalta que os subopostos “podem ter em comum zonas intermediárias”. No exemplo do semioticista italiano, o não-branco poderia se entendido como escuro, enquanto o não-preto, claro. Nesse caso, ter-se-ia, em zona comum intermediária, a cor acizentado.

Aplicando o esquema do quadrado semiótico à presença discursiva do ator diante de seu público, Landowski (Figura 3) coloca, na condição de contrários, o “querer ser visto” – a representação pública do artista em cena – ao “querer não ser visto” – a presença do artista, em papel privado, nas coxias, em um momento proposital e desejado de isolamento. Em contradição ao “querer ser visto”, situa-se o “não querer ser visto” – a privatização dos papéis públicos, a exemplo do ensaio, do momento de preparação para a encenação. Contradizendo o “querer não ser visto”, há a presença do artista no camarim, ainda em momento de representação, porém agora encenando papéis privados, ou, para usar os termos de Landowski, em “publicização” de papéis privados. Como situação(ões) comunicacional(ais) subopostas, em zona intermediária entre o ensaio e o camarim, o “não querer ser visto” e o “não querer não ser visto”, ou seja, em termos de Landowski, entre a “privatização dos papéis públicos” e “publicização dos papéis privados”.

FIGURA 3: Presença discursiva de Landowski

Fonte: LANDOWSKI, 1992, p. 92

Baixado o pano (terminada a representação), ainda é preciso “representar”, não mais, decerto, no palco e para o grande público, mas em outro palco (o camarim) e para um petit comité (os “íntimos”, os “admiradores”). Se isso não é mais propriamente “representar” é, pelo menos, o que se chama familiarmente “fazer encenação”. (Landowski, 1992, p. 92)

No camarim do show de Maria Bethânia, ao posar para a coluna de Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo, Rita Lee (re)apresenta-se em ato comunicacional de “não querer não ser visto”, procurando construir um ethos – um caráter – que ela imagina compatível, desejado e passível de ser compartilhado com um auditório duplamente válido: a dos amigos presentes no camarim e dos fãs leitores do jornal. Como bem observa Maingueneau (2008, p. 29), o ethos traz aos processos de interpretação a ordem da experiência sensível, a partir de modos de dizer que – destaque-se – são também modos de ser, aproximando o ethos e seu vínculo com a “reflexividade anunciativa” dos regimes de visibilidade de Landowski.

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3. imagem de si no discursoDe que modo Rita Lee constrói-se diante de seu público e como o ato de fumar

torna-se representativo para a construção de uma imagem negociada com a platéia no presente no camarim e na situação de leitor do jornal?

Para a construção da própria imagem, ensina Amossy (2005, p. 9), “não é necessário que o locutor faça seu auto-retrato, detalhe suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de si”, baste que tome a palavra, ou, em outros termos, que esteja em ação discursiva, de forma deliberada ou não. É o que basta para o ethos do orador manifestar um tipo social – a partir de gestuais, modos de se expressar – e ter como um auditório3, um interlocutor e co-autor na produção de significados – como “juiz da conveniência da expressão afetiva do orador” (EGGS, 2005, p. 43).

Ethos, termo advindo da retórica antiga, que, em grego significa personagem, “designa a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre seu alocutário” (Charaudeau; Maingueneau, 2006, p. 220). Tal imagem, de acordo, com Discini (2008, p. 34) é “o caráter que o orador deve ter” ou – como entendemos ser mais adequado – traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para dar uma boa impressão (...) O orador enuncia uma informação e, ao mesmo tempo, diz: eu sou isto, não aquilo lá” (Barthes, apud Maingueneau, 2008, p. 13).

Rita Lee está com a palavra na ação discursiva, e, por meio de representações simbólicas, apresenta no camarim, para julgamento do auditório, o que ela imagina ser adequado a um “não querer não ser visto” do ethos de rebeldia. Expressar-se de forma conservadora seria negar o plano de fundo apto a traduzir a condição de roqueira perante o público.

À semelhança de Amossy (2005, p. 31), Maingueneau (2008, pp. 14-18) afirma que o ethos, por sua natureza, encontra-se em plano de fundo da enunciação4. Constata ainda que o ethos apresenta-se como comportamento articulador, em nível verbal e não-verbal, de efeitos multisensoriais em percepções complexas, para um destinatário que tira seu conhecimento do ambiente, em processos interativos, analisáveis e integrados a contextos sócio-históricos. Ao alargar o alcance do ethos para além da retórica tradicional – ou seja, situações de eloqüências, de falas públicas –, Maingueneau o aceita “abarcando todo tipo de texto, tanto os orais como os escritos”, além de recobrir não só a dimensão verbal, mas também o conjunto de determinações físicas e psíquicas, a uma corporalidade, situações estereotípicas comportamentais.

Ainda que não haja fala ou, de outra forma, a expressão da palavra oralizada da cantora, o ethos da rebeldia é construído pela dimensão corporal. Concepção apoiada também em Antoine Auchlin (apud Maingueneau, 2008, pp. 16-17), quando este assume o ethos como caráter de concepções variadas entre o mais concreto e o abstrato, podendo, assim, ser concebido de modo “singular ou coletivo”, “implícito ou visível”, “ousado ou convencional”, “próximo ou distante”, “modesto ou imodesto”.3 Auditório é empregado aqui no sentido de destinatário coletivo idealmente imaginado.4 Na definição de (Charaudeau & Maingueneau, 2006, p. 192), “A enunciação constitui o pivô da relação entre a língua e o mundo: por um lado, permite representar fatos no enunciado, mas, por outro, constitui por si mesma um fato, um acontecimento único definido no tempo e no espaço”.

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E nesse diálogo entre Rita Lee e seu auditório há um elemento primordial para a construção do ethos da rebeldia: o cigarro dependurado no canto direito da boca. O cigarro, conforme muito observa Klein (1997, p. 47) – que normalmente é considerado mero acessório do rosto no retrato, com seu papel nem essencial e nem diminuto, de utilidade reservada à esfera incidental do lazer e da distração –, na foto da cantora, porém, desloca-se para lugar diverso: sai da condição de objeto periférico para o centro das atenções, e assume o lugar de elemento emblemático na representação corporal, na construção de um ato comunicacional antes sugerido do que explicitado. Mas por quê? Por que o cigarro, ainda aos olhos de Klein (1997, p. 49) por natureza “tão insignificante e supérfluo, tão frívolo e depreciado, que mal tem uma identidade ou natureza precisa”, toma para si tal importância?

Maingueneau constata que o ethos está sempre presente no discurso humano, participando daquilo que é mostrado, mas não é falado explicitamente, porém num limite opaco entre o dito e o sugerido:

O ethos de um discurso resulta da interação de diversos fatores: ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado), mas também os fragmentos do texto nos quais o enunciador evoca sua própria enunciação (ethos dito) (...) ou indiretamente, por meio de metáforas ou de alusões a outras cenas da fala, por exemplo. A distinção entre ethos dito e mostrado se inscreve nos extremos de uma linha contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida entre o “dito” sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação. (Maingueneau, 2008, p. 19)

É precisamente no contexto sutil entre o dito e o não dito, na força simbólica das entrelinhas, que o cigarro de Rita Lee encontrará sua força comunicacional. Na história cultural de estilo e fumaça que fez Klein (1997) afirmar que “Cigarros são sublimes”, calcado “no glamour que envolve o ato de fumar, ou segurar um cigarro”. Ato afiançado por tradições cinematográficas, fotográfica, obras literárias e musicais, representações simbólicas estereotipadas da intelectualidade. Imaginário coletivo, na acepção antropológica do termo, e contradições da modernidade refazendo-se como “capital simbólico”5 para a construção de um corpo anunciante na cena de enunciação.

Para Maingueneau (2008, pp. 70-82), o ethos manifesta-se como voz e corporalidade anunciante – seja no sentido físico ou na forma de uma presença qualitativa no espaço social –, resultando da ação mútua de co-anunciadores, ou seja, o destinador e o sujeito ideal, aquele visado pelo destinador, em repertórios que variam de acordo com a especificidade do discurso. Desse modo, o ethos torna-se parte constitutiva de uma cena de enunciação6 – constituída por “cena englobante”, “cena genérica” e “cenografia” –, afiançada em atos (im)explícitos e presumida como adequada ao discurso e ao contexto.

De acordo com Charaudeau & Maingueneau (2006, p. 96), “enquanto a ‘cena englobante’ atribui um sentido pragmático ao tipo de discurso” (exemplo: discurso jornalístico, publicitário, político), e “a ‘cena genérica’ é definida pelos gêneros de 5 O termo “capital simbólico”, da sociologia de Pierre Bourdieu, prevê o uso das regras de conduta como capital mediador para a obtenção de vantagens efetivas nas relações sociais.6 Dimensão construtiva do discurso, conforme Charaudeau & Maingueneau, 2006, p. 95.

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discursos particulares” (exemplo: folheto, libelo, artigo), a “cenografia” é instituída no próprio discurso:

Não empregamos aqui “cenografia” no sentido que tem seu uso teatral, mas dando-lhe um duplo valor: (1) Acrescentando à noção teatral de “cena” a de -grafia, da “inscrição”: para além da oposição empírica entre o oral e o escrito, uma enunciação se caracteriza, de fato, por sua maneira específica de inscrever-se, de legitimar-se, prescrevendo-se um modo de existência no interdiscurso; (2) Não definimos a “cena enunciativa” em termos de “quadro”, de decoração, como se o discurso se manifestasse no interior de um espaço já construído e independente desse discurso, mas consideramos o desenvolvimento da enunciação como a instauração progressiva de seu próprio dispositivo de fala. (...) apreendida ao mesmo tempo como quadro e como processo. (Maingueneau, 2005, pp. 76-77)

A “cenografia”, em Maingueneau (2005, p. 77) – assim como o enunciador e o co-enunciador –, é ligada a um momento (cronografia) e a um lugar (topografia), de onde emerge qualquer discurso. Pode-se, portanto, afirmar que a “cenografia” é origem discursiva e legitimadora de enunciado. O leitor do discurso, por isso, não é apenas decodificador de sentido, mas implicado intrinsecamente na “cenografia”, constituindo-se, então, como, nas palavras de Maingueneau (2005, p. 90), “como fiador do mundo representado”.

A “cenografia” da cena de enunciação em que se encontra Rita Lee traz, portanto, atos implícitos presumivelmente adequados tanto ao público presente no camarim do show de Maria Bethânia – provável habitué de espaços culturais – quanto ao destinatário do caderno Ilustrada de a Folha de S.Paulo – leitor habituado e receptivo a tais capitais simbólicos. Desse modo, legitimado pelo momento e lugar de onde emerge o discurso, o cigarro, como instrumento de representação social, toma a cena como índice apontando para si próprio. Apontando para a contradição?

4. o valor indicial do ethosAo contrapor-se o caráter rebelde constituído na imagem de Rita Lee à expressão

de rebeldia presente na imagem de Che Guevara7 (Figura 4), percebem-se as diferentes formas que o mesmo ethos pode assumir na cena enunciativa.

7 Disponível em: http://phoenixworks.net/userimages/procart9.htm. Acesso: 27 de junho de 2009.

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FIGURA 4: Rita Lee e Che Guevara.

Fonte: detalhe da Figura 1 e internet.

Se, em Ernesto Guevara, o ato comunicacional de fumar coopera para construir um ethos da rebeldia como índice de altivez e respeitabilidade, em Rita Lee, por sua vez, o ethos conota humor e cinismo. Ou, de outra forma, o cigarro como corpo discursivo santificado e decaído.

Conforme Klein (1997, p. 46) “o cigarro é (...) uma entidade (...) uma categoria geral das coisas”, um índice que “aponta para si mesmo”. No caso de Rita Lee – um cigarro respaldado em inúmeras representações cinematográficas e literárias –, que aponta para o ofício de roqueira e tudo o que isso representa no imaginário coletivo desde meados do século passado. Um cigarro que se apaga como cigarro para reencarnar-se em ato comunicacional semelhante a quebrar ou incendiar guitarra no palco, definindo-se, assim, aos olhos do auditório, como “ficção idealizada ou uma ilusão tecnicamente persuasiva.” (Klein, 1997, p. 47).

O confronto explícito entre Rita Lee e o aviso de “Não fume” torna a cantora porta-voz da intelligentsia contra as limitações governamentais impostas ao ato de fumar em espaços públicos, contra a subordinação do momento histórico-social, um tempo simbolicamente inscrito na imagem pelo relógio na parede, àquilo que se costuma chamar de politicamente-correto. Entretanto, não é a ação de um ethos rebelde panfletário. O corpo largado e relaxado, os olhos fechados, o braço levantado, os dedos em “V”, os botões de emergência e, principalmente, o cigarro caído no canto da boca entreaberta, entre lábios exageradamente vermelhos, desvelam um “não querer não ser visto”, na acepção de Landowski, de um ethos rebelde burlesco. O que está ali é o tom de galhofa de um Dom Quixote pós-moderno a tentar utilizar sua lança caída contra àquilo que enunciador e co-enunciador apreendido pelo ethos entendem como o ridículo socialmente constituído.

Curioso o fato de a legenda de Mônica Bergamo fazer questão de explicitar que “Rita Lee faz piada com o aviso ‘Não Fume’ no camarim do show de Maria Bethânia”. É como se a colunista, após a inexistência de qualquer problema no camarim, tivesse

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agora a certeza da existência de um público não compreensível ao ato comunicacional ali implícito. Porém, ao tentar evitar o julgamento de Rita Lee pelo auditório, Bergamo a julga pela redundância entre legenda e o contexto da foto e, ao mesmo tempo, aponta nas entrelinhas o motivo para a condenação. Sutilezas do discurso.

5. Considerações finaisApesar da cronografia e da topografia situarem a cena enunciativa em espaço

privado, o camarim de um show, fica claro que é da figura pública, da roqueira Rita Lee, da “mãe do rock brasileiro”8 que estamos falando. Em situação estabelecida de modo contraditório ao que seria um papel realmente privado, consagra-se aquilo que Landowski chama de “publicização dos papéis privados” ou, em outros termos, de um “não querer não ser visto”. Ou seja, outro palco em que Rita Lee faz encenação para um petit comitê formados por íntimos e admiradores.

Os traços de caráter que a cantora mostra ao auditório, implicados numa “cenografia”, constroem o ethos rebelde burlesco, no qual a cantora reflete e consagrada um modo de ser – a representação simbólica desejada por ela perante o seu público –, ao mesmo tempo em que procura negar o contrário daquela aparência.

O ethos implicado na cena, construído particularmente pela atuação física de Rita Lee, tem como centro comunicacional o ato de fumar e seus entornos, que leva o leitor do discurso, conforme Maingueneau (2005, p. 90), a não apenas decodificar o sentido, mas também participar do mesmo mundo, como “parceiros dotados de competência correspondente” para jogos ópticos de situações e posições de comunicação (Landowski, 1992).

O ethos da rebeldia burlesca coloca nas mãos de Rita Lee o “Cetro de Dionísio” e o simbolismo que o ato de fumar, em sua dimensão comunicativa, pode oferecer:

O cigarro é em si mesmo um volume, um livro ou um pergaminho que revela suas associações múltiplas, heterogêneas, discrepantes (...) O cigarro é um tirso, o cetro de Dionísio (...) que representa a intenção poética e o propósito criativo (...) que requer exércitos de romancistas, cineastas, compositores e poetas (Klein, 1997, pp. 49-50).

Cetro e Dionísio. Bastão de apoio, poder real instintivo e confuso, evanescente, inspiração criadora e compartilhada de um deus profano da alegria e do vinho. E – por que não? – do dionisíaco cigarro.

8 Expressão pela qual a cantora Rita Lee é conhecida no meio musical brasileiro, cf. Revista Época On-Line, em http://epoca.globo.com/edic/20000417/cult8.htm, acessada em 27 de junho de 2009.

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referências Amossy, R. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: AMOSSY, R. (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005.Charaudeau, P. & Maingueneau, D. (2006). Dicionário de análise do discurso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.Discini, N. Ethos e estilo. In: Motta, A. R. & Salgado, L. (orgs.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008.Eggs, E. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: Amossy, R. (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005.Klein, R. Cigarros são sublimes: uma história cultural de estilo e fumaça. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.Landowski, E. A sociedade refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: EDUC/Pontes, 1992.Maingueneau, D. A propósito do ethos. In: Motta, A. R. & Salgado, L. (orgs.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008._____. Ethos, cenografia, incorporação. In: Amossy, R. (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005.Volli, U. (2007). Manual de semiótica. São Paulo: Edições Loyola.

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a puBliCidadE x nativoS digitaiS

Ricardo Pedrosa Macedo1

Universidade Positivo

Vinícius Soares Pinto2

rESumoO presente artigo tem como objetivo analisar a relação entre os jovens

da Geração “Y” – nascidos a partir dos anos 90, que cresceram juntos com a revolução digital na era da interface do computador e da Internet - com a miscelânea de informação que a todo momento lhe é transmitida através da convergência dos meios de comunicação. Compreender como que esse jovem lida e se relaciona com as novas tecnologias, com o excesso de informação, e a sua empatia com a comunicação de marcas que promovem não apenas a publicidade tradicional, mas conteúdo interativo e de interesse.

PALAVRAS-CHAVE: geração “Y”; nativos digitais; publicidade e propaganda.

aBStraCtThis article aims to analyze the relation between young people of

Generation Y - those born in the 90’s who grew up during the digital revolution in the age of computer interface and the Internet - and the variety of information which is constantly transmitted to them through converging means of communication. Understand how the aforementioned youngsters manage and relate to new technologies, the overflow of information and their empathy to communication of brands that promote not only traditional publicity, but also interesting interactive content.

KEYWORDS: Generation “Y”, digital natives, publicity and advertising.

1 Coordenador-adjunto do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo, Doutorando em Gestão Universidade pela UTAD, Portugal, Mestrado em Engenharia da Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Designer graduado e especialista em Desenvolvimento em Ambiente Web pela PUCPR, Professor nas áreas de Publicidade, Design e Fotografia. Professor convidado na ESIC e UTFPR nos cursos de pós-graduação. - [email protected] 2 Bacharel do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo, e-mail: [email protected]

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A pUBlicidAde X nATivos diGiTAis

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introduçãoA maneira como a geração de jovens nascidos após a revolução tecnológica lida

com a informação e a mensagem publicitária, numa realidade em que a convergência dos meios de comunicação transformou noções culturais de espaço e tempo, norteia este estudo. O problema levantado aqui é questionar até que ponto a Geração “Y”, acostumada com a alta velocidade dos fatos, mediada pela interface da tela de um computador, realmente interage e consegue absorver a infinidade de conteúdo que lhe é dirigida. Será que por estes jovens nascerem numa realidade digital e estimulada por diferentes linguagens, não desenvolveram maneiras diferentes de reflexão e interpretação da informação, quando comparados com gerações anteriores?

Para uma breve exposição do tema e mostrar caminhos que possam elucidar as questões levantadas até aqui, este artigo é divido em quatro partes: Uma geração veloz e conectada; Os “Y” e a informação; Imigrantes digitais x Nativos digitais; A Publicidade x Nativos digitais.

Na primeira parte, Uma geração veloz e conectada, o objetivo é identificar quem é a geração “Y” e contextualizá-la historicamente e culturalmente. Em seguida, em Os “Y” e a informação, o foco é apontar e compreender como o jovem “Y” se relaciona com a informação, levando em consideração uma realidade altamente estimulada por diferentes linguagens e meios de comunicação.

Após as duas primeiras partes do trabalho, responsáveis por identificar quem são e como se comportam os representantes da geração “Y”, no terceiro momento: Imigrantes digitais x Nativos digitais, discute-se as diferentes maneiras de como gerações distintas, nascidas antes e depois da revolução tecnológica, lidam com a informação e como que estas diferenças podem entrar em conflito nas relações sociais em diferentes ambientes, como no trabalho e no ensino.

Por fim, em A Publicidade x Nativos digitais, o estudo concentra-se nas mudanças sofridas na publicidade nos últimos anos com a revolução tecnológica, e a necessidade da comunicação publicitária se adaptar às novas maneiras de se relacionar com a informação para que consiga ser eficiente diante dos hábitos da geração “Y”.

uma geração veloz e conectadaQuem são esses indivíduos que já nasceram numa realidade íntima da Internet, da

telefonia móvel e de inúmeros apetrechos tecnológicos que, interligados, criam uma enorme rede de informação, quebrando barreiras de tempo e espaço? É a chamada geração “Y”, que tem o seu início nos meados dos anos 1990 e que de acordo com Mariane Cara (2008), é identificada como a geração das novas mídias, cercada por tecnologia e regida pela experiência online, hipermídia e sem raízes.

O texto “O EAD, a Geração “Y” e o Relógio”, publicado pela jornalista Jacqueline Sobral em seu blog na Internet, transcreve um pequeno trecho da apresentação do educador Jeff Borden, no 14º Congresso Internacional ABED de Educação a Distância, sobre esses novos jovens: “Os jovens de hoje fazem mil coisas ao mesmo

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tempo – falam ao celular, respondem mensagens no MSN, assistem à TV e brincam com o cachorro - e o seu habitat natural inclui jogos tridimensionais e interativos.”

É essa facilidade de lidar com a velocidade da informação e as diferentes plataformas e interfaces que caracteriza a geração “Y”. Diferente da geração “X3” e dos “Baby Boomers4” – ambos seus antecessores –, quem nasceu a partir dos anos 1990 não passou por nenhuma brusca transformação nas principais plataformas dos meios de comunicação, pois desde que nasceram já conviveram com o rádio, a televisão e a Internet, todos de forma simultânea. Enquanto as gerações anteriores à “Y” precisaram se adaptar com o surgimento do poder de transmissão da televisão sobre o rádio e em seguida da Internet sobre a televisão.

Portanto, esses novos jovens já são criados e frutos da chamada “cultura da convergência”, que de acordo com o professor de estudos de mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Henry Jenkins (2009), é o momento em que uma mesma mensagem é construída e transmitida através do diálogo simultâneo de diferentes meios de comunicação.

Uma geração nascida já altamente conectada e no ritmo da velocidade da informação, onde o real e o mecânico são absorvidos pela realidade virtual, através da tela do computador, cria-se a necessidade de representação do real por ícones e símbolos.

No cotidiano da pós-modernidade, a máquina é substituída pela informação e o contato entre pessoas passa a ser mediado pela tela eletrônica. O mundo social se desmaterializa, transforma-se em signo e simulacro. (...) Sente-se um mundo fragmentado, seu sentido se perdendo nessas fraturas, com múltiplos significados, orientações e paradoxos (DUPAS, 2001, p. 16).

Ao contrário do pensamento de Dupas, que acredita vivermos numa realidade fragmentada e com dificuldade de se ler os múltiplos significados daquilo que nos cerca, é possível acreditar na geração “Y” como dotada de uma facilidade de avaliação sobre os formatos e meios de transmissão das mensagens. Nas palavras de Steven Johnson (2001), é o surgimento das novas mídias no século XX que possibilitou comparar e avaliar o funcionamento dos diferentes meios.

Um mundo governado exclusivamente por um único meio de comunicação é um mundo governado por si mesmo. Não se pode avaliar a influência de uma mídia quando não se tem com que compará-la” (JOHNSON, 2001, p.9).

A habilidade dos “Y” de fazerem muitas coisas ao mesmo tempo e estarem em contato com “a era digital da interface gráfica” (JOHNSON, 2001), cuja riqueza de metáforas é enorme para representar o mundo real, é também um desafio para marcas e empresas se adequarem a esses novos consumidores e futura massa de mão de obra da sociedade. Don Tapscott (2009), especialista em estratégia corporativa 3 Segundo Cezar Taurion – Gerente de Novas Tecnologias – IBM: Geração de pessoas nascidas entre 1961 e fins dos anos 80.4 Segundo Cezar Taurion – Gerente de Novas Tecnologias – IBM: Geração de pessoas nascidas entre 1946 e início dos anos 60, que viveram adolescência e grande parte da vida profissional sem acesso ou sem quase nenhum acesso às tecnologias digitais e a Internet.

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e transformação organizacional, afirma que os novos jovens apresentam interesse e disposição para trabalhar em ambientes dinâmicos e de mudanças constantes. Dessa forma, é necessário que companhias e suas respectivas estruturas deem suporte para os anseios desses novos profissionais, que nas palavras de Tapscott: “querem feedbacks instantâneos, primam por balancear a vida profissional e pessoal e anseiam por relacionamentos fortes no ambiente de trabalho”. As empresas que conseguirem manter e atender os interesses dos profissionais “Y” serão recompensadas em competitividade e inovação.

Sendo assim, a geração “Y” precisa compreender e refletir sobre como lidar de forma consciente e inteligente com esse grande e, quem sabe, ilusório facilitador contemporâneo: a informação veloz e em abundância.

os “Y” e a informaçãoEm gerações antecessoras aos “nativos digitais” (ANDERSON, 2006), as fontes

para as pessoas se informarem não eram tão diversificadas quanto a realidade que a Internet, hoje, possibilita. Diariamente as pessoas acompanhavam os mesmos noticiários, assistiam aos mesmos filmes, novelas, todos transmitidos pelos poucos veículos de comunicação disponíveis.

A idade de Ouro da Televisão marcou o pico do chamado efeito bebedouro, expressão que descrevia a conversa homogeneizada nos escritórios em torno de um mesmo evento cultural. Nas décadas de 1950 e 1960, era seguro supor que quase todo o mundo no escritório tinha visto a mesma coisa na noite anterior (ANDERSON, 2006, p. 27).

Essas escassas opções faziam com que pessoas se identificassem com os poucos nichos culturais existentes (exemplo na música: roqueiros, punks, hippies, jazzistas). E a partir do momento que pertenciam-se a uma determinada tribo, a maneira de se fazer presente era através de encontros, freqüentar algum clube na cidade, adquirir os discos e correr atrás de alguma rara publicação especializada.

Hoje, a situação é completamente diferente. Essa geração “Y” já faz parte de uma cultura povoada de nichos e tribos de pessoas que compartilham de diferentes gostos e interesses. Foi a Internet quem possibilitou essa revolução, pois a partir do surgimento dos inúmeros sites, blogs e redes sociais na web, dedicados a reunirem usuários com interesses em comum, torna-se possível que qualquer pessoa se relacione com facilidade com quem quer que seja no mundo inteiro.

Estamos deixando para trás a era do bebedouro, quando quase todos víamos, ouvíamos e líamos as mesmas coisas, que constituíam um conjunto relativamente pequeno de grandes sucessos. E estamos entrando na era da microcultura, quando todos escolhemos coisas diferentes (ANDERSON, 2006, p. 183).

Um jovem “Y” não precisa necessariamente compartilhar dos seus gostos e interesses com aqueles que estão geograficamente mais acessíveis a ele. Para ele pode ser muito mais fácil e conveniente compartilhar os seus interesses culturais com

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outros jovens localizados em qualquer outra parte do mundo, mas desde que estejam compartilhando do mesmo canal da Internet, que pode ser uma rede social, um blog ou semelhante. Nas palavras de Anderson (2006, p. 38), “Estamos evoluindo de um mercado de massa para uma nova forma de cultura de nicho, que se define agora não pela geografia, mas pelos pontos em comum.”

Paralela a essa facilidade de encontro, propagação e diversificação da informação, levanta-se a questão do quanto essas infinitas opções de escolhas, aliadas à personalização e customização daquilo que se quer ver, são benéficas ou negativas para o jovem e a sociedade como um todo. O estudioso Cass Sustein (apud ANDERSON 2006, p. 187) indica o perigo da proliferação de tantos nichos provocada pela cultura online: “À medida que aumenta a customização ou personalização de nosso universo de comunicação, a sociedade corre o risco de fragmentar-se e as comunidades compartilhadas estão em perigo de dissolver-se”.

Mas contrapondo o pensamento de Sustein, e agora analisando essa fragmentação a partir das convergências dos meios, a geração “Y” apresenta um forte potencial de construir relações, raciocínios e paralelos com as fontes – mesmo que fragmentadas – recebidas das diversas plataformas e meios.

Outro ponto importante a ser levantado é a eliminação da posse autoral de textos e obras, por parte desses novos leitores e geradores de conteúdo na web. Talvez por facilidade, preguiça ou até mesmo esquecimento devido a tanta informação a que as pessoas são submetidas a todo momento, ao se produzir ou reproduzir um texto em algum canal virtual, percebe-se o quanto a verdadeira autoria do material é omitida por aqueles que a reproduzem. Apenas apropriam-se da obra, do conteúdo produzido e continuam passando para frente, fato que causa uma grande miscelânea de informação e conteúdo sem autoria verdadeira. Toda essa necessidade de apenas produzir e reproduzir, sem medo de se preocupar com questões autorais e do gênero, é denomina por TIM Wu (apud ANDERSON 2006, p. 72), professor de direito da Columbia University, como “cultura da expressão”. Ele afirma que o grande pecado dessa cultura da expressão não é copiar, mas deixar de citar de maneira adequada a autoria dos conteúdos reproduzidos e utilizados como referências.

Portanto, após a invenção da Internet, é inegável a quantidade de transformações na maneira de lidar com as informações e como tudo isso ajudou a transformar as rotinas das pessoas. E, principalmente, a geração “Y”, também considerada “leitores virtuais” (SANTAELLA, 1998). Nas palavras da estudiosa, esses leitores são caracterizados da seguinte maneira:

Não mais um leitor que segue as seqüências de um texto, virando páginas, manuseando volumes, percorrendo com seus passos a biblioteca, mas um leitor em estado de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multi-sequencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir com os nós entre palavras, imagens documentação, músicas, vídeo etc (SANTAELLA, 1998).

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Com estas mudanças nas formas de escrita e leitura, fica o desafio para que empresas e instituições de ensino aprofundem estudos para compreender essas novas formas dos jovens se relacionarem via uma interface informatizada, pois serão estes que determinarão os novos modelos de gerenciamento e geração de conteúdo, já que em breve a grande força de trabalho da sociedade será substituída pelos nativos digitais.

imigrantes digitais x nativos digitaisA relação de lidar com a tecnologia e dominar com facilidade as inovações e

conceitos que são apresentados a todo o momento é semelhante à maneira como as pessoas se relacionam com a língua mãe e um idioma estrangeiro. O falante nativo de uma língua se sente seguro no manejo das palavras, expressões e na oralidade do seu idioma, mesmo que isso se faça, muitas vezes, de maneira intuitiva. E na tecnologia isso não é muito diferente.

De acordo com Prensky (2001), é possível distinguir dois grupos na maneira de se relacionar com a tecnologia: os “Nativos Digitais”, e os “Imigrantes Digitais”. O primeiro refere-se exatamente à geração “Y”, os jovens que já nasceram integrados com a tecnologia, e o segundo grupo são aqueles que nasceram antes dessa revolução digital da Internet e precisou migrar, rever conceitos e aceitar a tecnologia. Dessa forma, os imigrantes digitais utilizam a tecnologia de maneira menos instintiva do que os nativos, que lidam desde pequenos com a tecnologia como sendo algo completamente integrado em suas vidas.

Os nativos digitais estão a crescer a par da própria tecnologia e o fato de serem acompanhados na sua aprendizagem formal por imigrantes causa situações de incompatibilidade. Os nativos recebem e processam a informação mais rapidamente que os imigrantes. Estes dão primazia ao texto ao invés dos nativos que dão prioridade à imagem (PRENSKY, 2006, p. 169).

Um exemplo prático e de fácil percepção - comentado por Prensky - da diferença desses dois grupos pode ser percebido na necessidade que os imigrantes digitais têm em materializar a informação. Não basta ter o arquivo de texto, ou o e-mail na caixa de entrada no computador, muitas vezes, eles sentem a necessidade de imprimir e lidar com a informação “tangível”, mesmo que essa materialização não tenha um fim justificável. Já essa necessidade não é presente nos nativos, os quais não lêem manuais de instruções, possuem grande parte de suas fotos, músicas e contatos pessoais apenas em arquivos de computadores, ou nem mais em seus computadores pessoais, mas em servidores de sites especializados na Internet. Outra característica dos nativos digitais, agora afirmada por Pinto (2009), é a necessidade que eles têm de que os conteúdos dos produtos da indústria do entretenimento – filmes, jogos, séries de televisão, livros – estabeleçam relações e continuações em plataformas diferentes, ou seja, a história da série de televisão precisa transformar-se em filme, livro, jogo, conteúdo interativo na Internet, para que seja aceita e consumida.

A revolução tecnológica fez com que a interface dos computadores e a proliferação

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da Internet, realmente, mudassem a maneira das pessoas lidarem com certos hábitos. A leitura e a escrita são exemplos de fatores que ganharam uma nova dinâmica no mundo contemporâneo digital. Imigrantes digitais, forçados pelas imposições de velocidade e de quebras de barreiras geográficas, precisaram aos poucos migrar do uso exclusivo do papel e caneta para os softwares de texto e posteriormente aos e-mails e textos na Internet em geral.

A utilização de uma nova interface para o uso da escrita, que possibilitou o apagar, a junção, a edição e a construção de textos inteiros de maneira muito simples e ágil, provoca mudanças no modo de raciocinar das pessoas. A partir do momento em que pode jogar várias informações fragmentadas na tela, depois apagar ou adicionar novo conteúdo, e por fim editar e construir um texto de verdade, sem desgaste físico de se perder em milhares de papéis e anotações, o nativo digital tem um raciocínio sobre a escrita e leitura, muito mais dinâmico do que o de um imigrante digital. Nas palavras de Johnson:

O uso de um processador de textos muda nossa maneira de escrever – não só porque estamos nos valendo de novas ferramentas para dar cabo da tarefa, mas também porque o computador transforma fundamentalmente o modo como concebemos nossas frases, o processo de pensamento que se desenrola paralelamente ao processo de escrever (JOHNSON, 2001, p. 105).

Hoje, ao mesmo tempo em que alguém escreve um texto no computador, tem um universo de informação relevante e irrelevante na própria máquina que utiliza para redigir. A pessoa escreve, mas paralelamente está com a caixa de entrada do e-mail aberta, conversando com amigos no chat, e pesquisando e apropriando-se de conteúdo encontrado na web, para alimentar o seu texto. Esse processo de aparência meio caótica, em que as ligações e seleções de construção de um texto são construídas de maneira não linear, feita através de conexões múltiplas e ligações hipertextuais, é denominada, para Lévy (1996), de continuum variado. Toda essa velocidade e dinamicidade de ações e transmissão de informação fez com que se criasse uma maneira característica de se escrever na web, em que palavras são encurtadas, a escrita sofre mutação, mas o fato é aceito e integrado pelos jovens contemporâneos. Mas fica a pergunta: “Seria apenas uma criação ou invenção de novos códigos ou uma necessidade linguístico-discursiva do usuário?” (COSTA, 2000, p.5).

Já que entramos na discussão sobre questões sobre a maneira de se ler e escrever na era digital, podemos ao invés de falar imigrantes e nativos digitais, agora tratar de “leitor fragmentado” e ”leitor virtual” (SANTAELLA, 1998). De acordo com a autora, o leitor fragmentado, ou movente, é aquele que esbarra em signos físicos e materiais criados pelo advento dos jornais, revistas e televisão. Ele é um leitor ágil, porém, de memória curta, e que devido ao excesso de estímulos recebidos, precisa esquecer muita coisa para dar espaço ao conteúdo do presente. Em contrapartida, o leitor virtual não sofre desse mal de se perder e esquecer significados de múltipos signos físicos e materiais; ele programa suas leituras e através da disposição da tela do computador, ele se organiza e mantém sempre ao seu alcance os símbolos e metáforas da sua era para consulta, quando necessário.

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Essa distinta diferença nas maneiras de lidar com a informação e de compreensão e interpretação de signos, faz com que se torne um desafio para pais, educadores, administradores - as gerações anteriores -, para que sejam aptos de produzir conteúdo de interesse aos olhos desses jovens nativos digitais e leitores virtuais.

a publicidade x nativos digitaisAo contrário de pais e educadores que ainda parecem engatinhar diante da

velocidade de processamento de informação dessa nova geração, a publicidade e o marketing já vêm fazendo muito bem seu papel de encantar e seduzir os “Y”. São agências de publicidade e departamentos de marketing, com novos departamentos e profissionais altamente especializados, preocupados em desenvolver estratégias de relacionamento e vendas, fundamentadas em estudos de fenômenos sociológicos, antropológicos e psicológicos, ou seja, tudo para entender e se fazer atraente aos olhos desses jovens.

Executivos das empresas, em consonância com o trabalho das agências publicitárias, efetivamente desempenham o papel de “intelectuais”, considerando-se que seus técnicos e profissionais apropriam-se cada vez mais dos saberes sociológico, antropológico, psicológico, etc., no sentido de produzir “um saber empírico que lhes permite estabelecer uma mediação entre o pensamento e os interesses políticos e econômicos de suas empresas” (ORTIZ, 1994, p. 148).

Além disso, novos modelos de empresas e de agências surgem a todo momento, como as agências especializadas em desenvolver conteúdo e pesquisar tendências sobre interesses de públicos específicos. Outras são dedicadas apenas a desenvolver mensagens de natureza digital, buscando realizar alta segmentação e interatividade com o público final de seus clientes. Sem dizer que muitos profissionais dessas novas maneiras de se pensar comunicação, publicidade e marketing, possuem menos de trinta anos, ou seja, também são pessoas que passaram boa parte de suas vidas lidando com a interface de computares e a web.

Mas é, realmente, necessária essa especialização e dinamicidade na comunicação voltada para esses jovens contemporâneos? Hoje, os jovens possuem infinitas opções de escolhas de conteúdo e entretenimento nos mais variados meios de comunicação. Portanto, torna-se necessário muita pesquisa e intuição para desvendar onde, como e quando, esse jovem está vulnerável a receber as mensagens produzidas, e disposto a interagir e gastar o seu tempo com as mesmas.

A categoria adolescente-juvenil, independentemente da origem de classe, de seu nível de renda e de sexo (…) é sensível e receptiva à publicidade. No contexto brasileiro, dada a significância deste segmento populacional, as indústrias, destacadamente as de alimento, refrigerante, vestuário e tênis, têm direcionado seus esforços promocionais para este público (SOUZA, 2000, p. 28).

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Um exemplo que demonstra bem esse formato de comunicação que preza pela interatividade, com entretenimento agregado, entre os consumidores e as marcas, é o slogan da agência de publicidade JWT Brasil: “Criamos ideias para que o consumidor passe mais tempo com elas”. É a partir desse pensamento, de se criar ideias sedutoras capazes de prenderem a atenção, buscando a interatividade, que vem sendo o caminho para conquistar o gosto dessa nova geração.

Afinal, os “Y” são acostumados a lidar com a velocidade da informação e com a facilidade de acessar conteúdos de seus respectivos interesses em diferentes plataformas – televisão, revistas, Internet, brinquedos - restando assim, o desafio para marcas se apropriarem desses espaços em convergência para anunciar seus produtos, aliando-se a personagens, valores e ícones de interesses dessa juventude. E é no meio dessa miscelânea de informação e escolhas que a pesquisa torna-se essencial:

Os conteúdos transmitidos estão baseados em valores, atitudes, comportamentos, padrões estéticos, etc. detectados, por meio de sondagens qualitativas ou mesmo quantitativas, elaboradas pelas agências publicitárias (SOUZA, 2000, p. 27).

Dessa forma, produtos de interesse do público infanto-juvenil, aliados à mais sofisticada comunicação segmentada, fundamentada nas mais variadas pesquisas, são comunicados, muitas vezes, através de mensagens fragmentadas que ganham força e poder com a utilização da convergência dos meios. Portanto, torna-se comum presenciarmos um brinquedo sendo anunciado na televisão vinculado a algum desenho, e depois essa mensagem ser adaptada para virar conteúdo no celular, jogos em sites interativos da empresa anunciante, ou seja, um simples produto utiliza inúmeras ferramentas de persuasão para tornar-se visível e atraente aos interesses dos “Y”.

Mas voltando à afirmação de Souza (2000): “A categoria adolescente-juvenil, independentemente da origem de classe, de seu nível de renda e de sexo (…) é sensível e receptiva à publicidade”, outra questão a ser levantada é um suposto encurtamento da infância nessa geração de nativos digitais. A partir do momento em que anunciantes apropriam-se da identidade de ícones, figuras famosas - muitas vezes, enaltecendo erotismo, antecipação da sexualidade e aspectos de desejo e competição -, para representar e prover de identidade suas respectivas marcas e produtos, e utilizam-se da convergência dos meios de comunicação para dar força às mensagens que propagam, correm o risco de estarem invertendo valores de sexualidade, rivalidade e posse, não condizentes com o que espera-se do público infanto-juvenil.

Tal adiantamento da fase adulta desvaloriza a infância, além de convencer as crianças de que seus atributos físicos e trejeitos sensuais podem ajudá-las a obter o que desejam. Por que uma garotinha de quatro, cinco anos necessita de um batom ou, ainda, de uma sandália de salto alto, algo que, certamente, contraria não só a infância, mas sua própria anatomia em formação? (PROJETO CRIANÇA E CONSUMO, 2009).

E hoje, realmente, não é difícil encontrar exemplos de mensagens publicitárias de produtos infanto-juvenis que utilizam cantoras e apresentadoras famosas, verdadeiros símbolos sexuais, como garotas propagandas de produtos destinados a meninas, e

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o mesmo acontece com os meninos, quando mencionamos campanhas que prezam pela rivalidade do mais forte e do mais veloz. “O jovem e a criança, dentro de uma temporalidade de construção de valores, são levados a ver, digerir as imagens, até mesmo como fins de simulacros para novas identidades” (VASCONCELOS, 2003, p. 5). Ainda nas palavras do autor, sobre a problemática da exposição dos jovens contemporâneos à publicidade dirigida, na construção de suas respectivas identidades:

O banquetear midiático dos jovens e crianças são as imagens em movimento. O consumo desse tempo se dá numa estratégia de jogo de identidades. Nesse sentido, mais uma vez a publicidade é modelo básico de experimentos de identidades temporais e imagens em metamorfose (VASCONCELOS, 2003, p. 5).

Portanto, independente se para o bem ou para o mal, a publicidade e o marketing, amparados por muita pesquisa, vêm sabendo utilizar muito bem as novas ferramentas de comunicação para criar desejo e chamar a atenção dos jovens “Y”. Uma tarefa, como já dito aqui, nada fácil quando se tem na mão um público altamente conectado, de leitura e escrita fragmentada e não linear, com a facilidade de amar e odiar, como o clique de um mouse.

ConclusãoSão claras as diferenças entre a geração “Y” e das seus gerações anteriores.

Diferenças de aspectos culturais, refletidas nos diversos modos de lidar com a velocidade da informação, que, através dos avanços tecnológicos, transformaram os conceitos de tempo e espaço. Por outro lado, a geração “Y” precisa compreender e exercer o senso critico sobre como lidar de maneira madura e produtiva com a informação veloz e em abundância da Internet.

Com uma geração marcada pelo imediatismo das relações e a necessidade de interação com a informação a qual é apresentada, fica o desafio para os profissionais de publicidade oferecerem, cada vez mais, conteúdo e entretenimento através das marcas, ao invés de mensagens publicitárias impostas e inseridas no meio do conteúdo de interesse do jovem. Ou seja, fazer com que o jovem “Y” procure determinada marca por ela oferecer um benefício que lhe é de agrado, e não o caminho contrário, pois esta nova geração, no meio de tanta informação, não gosta de ser interrompida.

A distinta diferença nas maneiras de lidar com a informação e de compreensão e interpretação de signos, faz com que se torne um desafio para pais, educadores e os profissionais de comunicação, serem aptos para produzir conteúdo de interesse aos olhos desses jovens nativos digitais e leitores virtuais. Desta forma, é fundamental que empresas e instituições de ensino aprofundem estudos para compreender essas novas formas dos jovens se relacionarem via uma interface informatizada, pois serão estes que determinarão os novos modelos de gerenciamento e geração de conteúdo, já que em breve a grande força de trabalho da sociedade será substituída pelos nativos digitais.

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SOARES, D. A Globalização numa perspectiva sociocibernética, In: RevistaContracampo, nº1. Mestrado da UFF, jul/dez/1997. Disponível em:http://www.uff.br/mestcii/cc2.htm. Acesso em: 24/05/2009SOBRAL, Jacqueline. O EAD, a Geração “Y” e o relógio. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/18557+o+ead+a+geracao+y+e+o+relogio. Acesso em: 25/03/2009.SOUZA, Luiz Carlos Carneiro de Faria. Educação e publicidade. São Paulo Perspec. [online]. 2000, vol.14, n.2, pp. 23-31.TAPSCOTT, Don. Geração “Y” vai dominar força de trabalho. Entrevista concedida a Roberta Prescott. Disponível em: http://www.itweb.com.br/noticias/index.asp?cod=48473 . Acesso em: 23/03/2009. TAURION, Cezar. Quem é esta geração Y?. Disponível em: http://www.adadigital.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2094:quem-e-esta-geracao-y-&catid=74:debates&Itemid=211. Acesso em: 25/03/2009. TELLES, André. Orkut.com. São Paulo: Editora Landscape, 2006._____. Geração Digital. São Paulo: Editora Landscape, 2009.TREVISAN, Nanci Maziero. O Mito da Comunicação Integrada. São Paulo: 2003.VASCONCELOS, Paulo Alexandre Cordeiro. Mídia e educação imagem – tempo e o jovem. UNIP, Anhembi-Morumbi, LAPIC- ECA-USP. 2003.

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dESaFioS na produção dE traBalhoS dE ConCluSão dE CurSo Em JornaliSmo: um EStudo dE CaSo

carlos Alexandre Gruber de castro1

patrícia helena rubens pallu2

rESumoCriado em 1999, o curso de Jornalismo da Universidade Positivo, de

Curitiba, formou 16 turmas de 2002 a 2009. Nesse período, os 603 formandos produziram 544 Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), dos quais 170 monografias e 374 produtos. No corrente ano, estão sendo produzidos 68 TCCs, dos quais 12 monografias e 56 produtos. O objetivo deste artigo é analisar os temas de todos os referidos TCCs e, por meio de questionários aplicados junto a professores e alunos, identificar os principais desafios e motivações para a produção em cada área e apresentar sugestões à comunidade acadêmica.

Palavras-chave: Pesquisa – Metodologia – Jornalismo

aBStraCtSince 1999, 603 students have graduated from the BA in Journalism

from Positivo University. During this period, they have produced 544 End-of-Course Projects, 170 of which were monographs and 374 journalistic products (Newspapers, Magazines, TV programmes, Radio Programmes, for instance). This year, 68 projects are being produced, including 12 monographs and 56 products. The aim of this paper is to analyze the themes of all these projects and through interviews with teachers and students, identify key challenges and motivations for the production of monographs or journalistic products and make suggestions to the academic community.Key-words: Research – Methodology – Journalism

1 Carlos Alexandre Gruber de Castro – jornalista, professor, coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Positivo, diretor do Instituto Cultural de Jornalistas do Paraná, graduado em Jornalismo Gráfico e Áudio-Visual (UFRGS), especialista em Pensamento Contemporâneo Século XX (PUC-PR), mestrando em Administração (UP). Email: [email protected] 2 Patrícia Helena Rubens Pallu – professora do curso de Jornalismo da Universidade Positivo, coordenadora de TCC, coordenadora de Estágios Supervisionados e de Atividades Complementares e de Extensão, graduada em Letras-Inglês (UFPR) e em Administração de Empresas (FAE), mestre em Educação (UDESC). Email: [email protected]

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1. introduçãoOriginários de graduações mais antigas da área de Ciências Humanas e Sociais

Aplicadas, como Filosofia e Direito, os cursos de Jornalismo historicamente têm enfrentado um dilema – ou até uma crise de identidade: dar ênfase à reflexão teórica e humanística e à produção científica, ou privilegiar os aspectos técnicos e pragmáticos do exercício da profissão; ou, ainda, como equilibrar os dois pilares de conteúdos em seus projetos pedagógicos.

A solução desse dilema, muitas vezes precária, nem sempre ocorre por opção deliberada. Não é incomum dirigentes de cursos, novos ou antigos, optarem por ênfase teórica pela falta de recursos para montar uma infraestrutura laboratorial adequada às atividades práticas. Do mesmo modo, cursos, especialmente os novos, podem ser direcionados mais para a área prática porque, embora disponham de recursos para instalações laboratoriais, ainda não adquiriram tradição e vocação para a pesquisa teórica.

O curso de Jornalismo da Universidade Positivo busca, segundo seus dirigentes, equilibrar as formações teórica e prática de seus alunos, adotando uma série de projetos que contemplem as duas áreas. Nos últimos anos, todavia, quando da opção pelo Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), verificou-se que os alunos têm se direcionado maciçamente – na proporção de mais de 4 para 1 – para a elaboração de produtos jornalísticos, considerados de características mais práticas, em detrimento das reflexões teóricas, metodológicas e científicas das monografias.

Este trabalho tem o objetivo de identificar os desafios e as motivações dos alunos do curso para a produção dos TCCs em cada área, e apresentar reflexões e sugestões à comunidade acadêmica.

O artigo está dividido em 10 seções. Após esta introdução, apresentam-se o histórico e a identidade dos cursos de Jornalismo; depois, descreve-se o projeto de conciliação de atividades teóricas e práticas do curso da UP e suas normas para elaboração dos TCCs; seguem-se a exposição de estatísticas de produção, as hipóteses de pesquisa, a metodologia utilizada e a exposição dos resultados. Conclui-se com as considerações finais, limitações da pesquisa, sugestões de novos trabalhos e referências bibliográficas.

2. histórico e identidade dos cursos de JornalismoA Universidade Positivo originou-se das Faculdades Positivo, criadas em 19883.

No âmbito da instituição, o curso de Jornalismo é considerado de médio porte, contando com cerca de 300 alunos e 20 professores. O curso funciona em dois turnos, com quatro turmas no período matutino e quatro no período noturno.

Os cursos de graduação em Jornalismo (CASTRO, 2006, p. 84) derivaram, no Brasil, de outras graduações mais antigas das áreas de Ciências Humanas e Sociais 3 Para saber mais sobre o histórico da UP, veja CASTRO, A., PALLU, P. H. R. Projeto Teatro Shakespeare em Inglês: uma experiência de ensino de Língua Inglesa em curso de Jornalismo. In: Comunicação, Reflexões, Experiências, Ensino, v. 2, n. 2, Curitiba: Universidade Positivo, 2009.

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Aplicadas – como Filosofia e Direito – e ao longo de décadas carregam em seu bojo uma indagação central: se o processo ensino-aprendizagem deve receber ênfase na formação “humanística” ou na formação “técnica” – em outras palavras, se o “saber pensar”, o conhecimento, ao menos em nível básico, de temas como Teoria Política, Economia, Filosofia, Sociologia, Psicologia, Ética etc, deve sobrepor-se a questões de domínio técnico específico da profissão, como normas de redação, diagramação, fotografia e, posteriormente, de filmagem, dicção, posturas de apresentação etc. Na história dos cursos de Jornalismo, essa balança tem oscilado de acordo com a visão, os projetos pedagógicos e a ideologia das diversas instituições de ensino, além de questões financeiras.

3. teoria e prática na upDesde sua primeira versão, em 1999, o projeto pedagógico do curso de Jornalismo

da Universidade Positivo, segundo seus dirigentes, busca equilibrar os pilares dos conteúdos teóricos e práticos, levando em conta tanto as cargas horárias de atividades em sala de aula, quanto as atividades extraclasse previstas.

Com relação às cargas horárias do currículo do curso, sempre foram mantidas basicamente as mesmas proporções, apesar de mudanças de disciplinas promovidas por iniciativa da própria instituição para atualização de conteúdos, ou pelo surgimento de novas disposições legais.

A grade curricular em vigor em 2010 estabelece carga horária total de 3.040 horas para o curso. Destas, 1.560 horas (51,31%) são destinadas a disciplinas eminentemente teóricas, como Sociologia Geral e da Comunicação, Psicologia, Economia, Teoria Política, Geopolítica Contemporânea etc. As restantes 1.480 horas (48,69%) são previstas para disciplinas técnicas específicas da profissão, como Fotojornalismo, Jornalismo Gráfico, Telejornalismo, Radiojornalismo, Redação Jornalística etc.

A divisão teoria x prática, todavia, é relativa. No projeto pedagógico do curso, mesmo disciplinas consideradas práticas têm previstos 50% das suas cargas horárias para conteúdos teóricos. Das 1.480 horas de disciplinas práticas, somente 80 podem ser consideradas totalmente práticas – a carga horária prevista para Estágio Supervisionado. As disciplinas responsáveis pelas demais 1.400 horas têm previsão equitativa de horas de atividades – metade para conteúdos teóricos, metade para prática.

Nesse caso, a balança desequilibra-se para o lado da teoria, com 2.260 horas de carga horária teórica para o curso (74,34%) e 780 para atividades práticas (25,66%), conforme indica o quadro abaixo.

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NATUREZA DA DISCIPLINA

CARGA HORÁRIA PRÁTICA

CARGA HORÁRIA TEÓRICA

CARGA HORÁRIA

TOTALDisciplinas teóricas 0 1.560 1.560Disciplinas práticas divisíveis 700 700 1.400Disciplina exclusivamente prática (Estágio)

80 0 80

TOTAIS 780 2.260 3.040

A ênfase na formação teórica é contemplada ainda por um programa de leituras consolidado desde a implantação do curso. Para cada disciplina, o aluno tem indicado um livro de leitura obrigatória por bimestre. É aplicada uma prova individual e sem consulta sobre o conteúdo de cada livro, com peso 3 na média bimestral. Após a prova, é feito um seminário para análise da obra.

Como os alunos têm, em média, 10 disciplinas por ano, e devem ler um livro por disciplina a cada bimestre, o projeto é de que leiam 40 livros por ano. Como o ano letivo na Universidade Positivo tem 40 semanas, o aluno deve ler, em média, um livro por semana.

Essa expectativa é confirmada, ao menos em tese, pelas estatísticas da Biblioteca da instituição. Nos últimos três anos (2007, 2008 e 2009), a média de empréstimos alcançou 42,28 livros por aluno por ano – média, portanto, até ligeiramente superior a um livro por semana letiva por aluno.

Esse aparente desequilíbrio em favor da teoria e em detrimento da prática, no entanto, é compensado, segundo os dirigentes do curso, por diversos projetos que contemplam atividades práticas extraclasse. Desde agosto de 2004, por exemplo, o curso de Jornalismo da Universidade Positivo é o único do Brasil que mantém um jornal-laboratório gráfico de circulação diária4, mobilizando alunos de todas as séries do curso. Desde 2005, produz também um telejornal diário, igualmente o único telejornal-laboratório diário do País; e mantém extensa programação radiofônica, com vários programas diários e ao vivo, na Rádio Teia, emissora do curso na internet. Há, ainda, dentre vários outros projetos, os trabalhos da Central de Coberturas, que organiza em média mais de 100 coberturas jornalísticas de eventos por ano pelos alunos, dentro e fora do câmpus universitário. O conjunto de veículos do curso forma, desde 2005, a Rede Teia de Jornalismo.

4. normas de produção dos tCCsNo sexto período do curso, os alunos cursam a disciplina de Pesquisa em

Jornalismo, na qual devem produzir, ao final do semestre, um pré-projeto de pesquisa. Os alunos são incentivados durante esse semestre a escolher seu tema de TCC e o pré-projeto já deve ser escrito com base no mesmo tema. O pré-projeto servirá, no 4 Para saber mais, veja CASTRO, A. Laboratório da Notícia: estudo de caso do primeiro jornal acadêmico de circulação diária do País. In: Castro, A., Lima, M., Barreiros, T. (org.) Jornalismo: reflexões, experiências, ensino, v. 1, pp 81-111. Curitiba: Pós-Escrito, 2006.

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ano seguinte, para direcionar a distribuição dos professores orientadores dos TCCs.No sétimo período, os alunos iniciam a disciplina de Produção Científica em

Jornalismo I, que engloba todo o processo de produção dos TCCs.No início do semestre são ministradas aulas para explicar as normas de

elaboração dos TCCs, e revisar o conteúdo da disciplina de Metodologia Científica, que foi cursada no segundo período. Em seguida, inicia-se o processo de orientações individuais aos alunos, em reuniões semanais com os professores.

Os alunos que escolhem produzir monografia devem: 1) no primeiro bimestre elaborar um Projeto de Pesquisa que englobe: Tema, Problema, Objetivo Geral, Objetivos Específicos, Justificativa, Metodologia, Cronograma e Referências; 2) no segundo bimestre, escrever a Fundamentação Teórica, na qual as teorias que servirão de base para a pesquisa e análise da monografia serão apresentadas em certo grau de profundidade.

Os alunos que escolhem elaborar um Produto Jornalístico trabalham de modo semelhante. No primeiro bimestre, elaboram um Projeto de Pesquisa com os mesmos itens já citados no parágrafo anterior. No segundo bimestre, escrevem uma Fundamentação Teórica, na qual as teorias sobre o assunto escolhido – por exemplo, a pobreza na Região do Vale do Ribeira – e as teorias que servirão de base para a produção do produto jornalístico (videodocumentário, radiodocumentário, revista, jornal, livro-reportagem, assessoria de comunicação, entre outros) devem ser apresentadas.

A disciplina de Produção Científica em Jornalismo II, no oitavo período, prevê que os alunos desenvolvam, no primeiro bimestre, pesquisa e análise dos dados e concluam a redação de sua Monografia, e, no segundo bimestre, dediquem-se aos últimos ajustes antes da defesa perante a Banca Examinadora.

Para os alunos que escolhem o Produto Jornalístico, a disciplina de Produção Científica em Jornalismo II prevê que eles, no primeiro bimestre, elaborem seus produtos integralmente, e, no segundo bimestre, dediquem-se aos últimos ajustes antes da defesa perante a Banca Examinadora.

As Monografias devem ser desenvolvidas individualmente pelos alunos, e os Produtos Jornalísticos podem ser elaborados por equipes de até três alunos. Os alunos têm a prerrogativa de escolha entre elaborar Produto ou Monografia.

5. Exposição de estatísticasA idéia para a elaboração do presente trabalho surgiu da constatação de que,

apesar de o projeto pedagógico do curso contemplar, em tese, um equilíbrio entre atividades teóricas e práticas, nos últimos anos evidenciou-se uma clara preferência dos alunos pela escolha de elaboração de produtos jornalísticos em seus TCCs, em detrimento da produção de monografias.

Nas seis turmas que primeiro colaram grau no curso, nos anos de 2002, 2003 e 2004, houve um certo equilíbrio na escolha entre produtos jornalísticos e monografias. Já nos anos de 2005 e 2006, ocorreu uma significativa redução das escolhas por

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monografias, e em 2007 as monografias quase desapareceram. A partir de 2008, verificou-se uma recuperação das escolhas por monografias, mas em níveis ainda muito inferiores ao das escolhas por produtos jornalísticos. Os dados estão detalhados no quadro abaixo.

ANO TCCs PRODUTO RELAÇÃO MONOGRAFIA RELAÇÃO

2002 73 36 49,31% 37 50,68%2003 54 30 55,55% 24 44,44%2004 76 41 53,94% 35 46,05%2005 87 62 71,26% 25 28,73%2006 87 61 70,11% 26 29,88%2007 49 47 95,91% 2 4,08%2008 58 48 82,75% 10 17,24%2009 60 49 81,66% 11 18,33%TOTAIS CONCLUÍDOS 544 374 68,75% 170 31,25%

2010 EM ANDAMENTO 68 56 82,35% 12 17,64%

Na análise das estatísticas, emergiram, dentre outras, duas questões relevantes: 1) quais fatores levaram à elevação abrupta das escolhas dos alunos por produtos jornalísticos a partir de 2005?; e 2) por que essa tendência acentuou-se, ainda mais, a partir de 2007?

6. hipóteses de pesquisaNa busca de respostas às questões suscitadas pela análise das estatísticas, uma

das hipóteses foi a de que o direcionamento do curso – por fatores intencionais ou despercebidos – passou a induzir os alunos, com marcos em 2005 e 2007, à escolha pela elaboração de produtos jornalísticos em seus TCCs, em detrimento da elaboração de monografias.

Entre os fatores que poderiam contribuir para a explicação desse redirecionamento, dois principais foram aventados.

O primeiro poderia explicar as mudanças ocorridas a partir de 2005. Em agosto de 2004, o jornal-laboratório do curso, que desde 1999 tinha periodicidade mensal, passou a ser produzido diariamente. Isso causou grande impacto não apenas no âmbito interno do curso, mas também na comunidade acadêmica externa, de vez que se tratava do primeiro (e até agora único) jornal-laboratório de circulação diária do País. Os efeitos mais significativos dessa mudança sobre a escolha dos TCCs só poderiam passar a ser percebidos a partir de 2005, uma vez que as escolhas de 2004 já haviam sido feitas no início daquele ano, e o jornal só alterou sua forma de produção

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no segundo semestre.Além disso, em 2005 foram implantados dois outros projetos de grande

repercussão nas atividades práticas do curso: a produção de um telejornal diário, o primeiro telejornal-laboratório de produção diária do País, com exibição em duas emissoras das redes NET e TVA; e a criação da Rádio Teia, emissora do curso na internet, que passou a produzir vários programas diários e ao vivo.

O segundo fator poderia explicar as mudanças verificadas a partir de 2007. Naquele ano, foi ofertada, pela primeira vez, a disciplina de Projetos Inovadores em Jornalismo. Essa disciplina concluía o primeiro ciclo da criação do chamado Eixo de Empreendedorismo do curso, que ministrava conteúdos nessa área desde 2005. Em 2005, para os alunos da segunda série, foi ofertada a disciplina de Teoria Geral da Administração. Em 2006, os mesmos alunos, já na terceira série, tiveram a disciplina de Planejamento em Jornalismo, culminando na quarta série, em 2007, com Projetos Inovadores em Jornalismo. O Eixo de Empreendedorismo foi implantado para incentivar os alunos a criar seus próprios produtos e empresas de comunicação, aproveitando as novas possibilidades surgidas no mercado, decorrentes especialmente do avanço da informática e das novas mídias. A maturação desse incentivo poderia ter se refletido na escolha dos alunos pela elaboração de produtos jornalísticos em seus TCCs – ressaltando-se que, naquele ano de 2007, a escolha por monografias atingiu o seu nível baixo na história do curso até o momento, apenas 4,08%.

Se essas reflexões se mostrassem verdadeiras, o curso poderia ter se direcionado de modo a privilegiar as atividades práticas, não oferecendo aos alunos preparo em iguais condições para as produções teóricas. Uma menor preparação para a produção científica poderia levar os alunos a considerar “mais fácil” a elaboração de um projeto jornalístico no TCC, em relação à elaboração de uma monografia.

Com base nesses fatores, foram elaboradas duas hipóteses de pesquisa, a serem testadas junto a professores orientadores de TCC e alunos orientandos.

H1: Os alunos chegam ao período de definição do TCC acreditando que a elaboração de um produto é mais fácil que a de uma monografia.

H2: Os incentivos do curso à produção prática predominam em relação à reflexão teórica, levando os alunos a optarem preferencialmente pela elaboração de produtos no TCC.

A metodologia definida para a execução dessa pesquisa é descrita na seção a seguir.

7. metodologiaApesar de não se tratar de uma narrativa pessoal dos autores, o presente trabalho

tem características de autoetnografia, “estratégia de pesquisa em que alguém estuda a cultura em que se insere, sendo ao mesmo tempo sujeito da produção do conhecimento e objeto de observação, influenciado pela mesma cultura que deseja desvendar” (RODRIGUES e MALO, 2006, p. 39). No caso, os dois autores deste trabalho atuam no curso em que aplicaram a pesquisa – um como coordenador do curso, outra como

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coordenadora da disciplina na qual são produzidos os TCCs.O cientificismo do método, ressaltam Rodrigues e Malo (2006: 39), é descrito

por diversos autores, como Mitroff e Killmann (1981, p. 49), que “realizaram estudo em que desenvolveram uma tipologia de estilos pessoais de trabalho científico. Nele, enfatizaram a importância de cientistas cuja forma de produzir conhecimento está baseada em experiências pessoais e passionais, denominando-as humanismo conceitual e humanismo específico”. Tais estilos de trabalho, acrescentam, “baseiam-se em sentimentos e percepções do próprio pesquisador, envolvendo a intenção de promover o desenvolvimento humano na maior escala possível ou de responder a uma questão que ele coloca a si próprio.” (RODRIGUES e MALO, 2006, p. 39).

O trabalho estrutura-se como estudo de caso, que, conforme Yin (2005, p. 19), representa “a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real”.

O estudo de caso, agrega Yin, além de valer-se de muitas das técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas, “acrescenta duas fontes de evidências que usualmente não são incluídas no repertório de um historiador: observação direta dos acontecimentos que estão sendo estudadas e entrevistas das pessoas neles envolvidas.” (YIN, 2005, p. 26).

Ainda entre os procedimentos metodológicos utilizados no presente trabalho, optou-se pela pesquisa exploratória, por tratar-se da que “apresenta menor rigidez no planejamento. Habitualmente envolve levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não-padronizadas e estudos de caso.” (GIL, 1999, p. 43).

Foram também utilizadas técnicas de pesquisa descritiva, que tem como objetivo principal “a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relação entre variáveis”, sendo uma de suas características mais significativas a utilização padronizada de coleta de dados, por meio da observação, da entrevista e do questionário. (CERVO e BERVIAN, 2022, p. 66).

De acordo com Gil (1999, p. 44), “este tipo de pesquisa desenvolve-se, principalmente, nas ciências humanas e sociais, abordando aqueles dados e problemas que merecem ser estudados e cujos registros não constam de documentos”.

Ponto fundamental da metodologia deste trabalho foi a aplicação de questionário junto a professores orientadores de TCCs e alunos orientandos. No caso dos professores, a amostragem foi intencional: escolheram-se os 7 professores orientadores com formação em Jornalismo, dos quais 6 atuam em regime de Tempo Integral no curso, e 3 são orientadores desde as primeiras turmas do curso formadas em 2002. Não fizeram parte da amostra 4 professores orientadores não jornalistas, que têm pouco mais de um ano de atuação como orientadores no curso, pequena carga horária e poucos orientandos.

Os questionários com os alunos orientandos, todos do sétimo período e dos dois turnos de funcionamento do curso, foram aplicados pelo critério de amostra aleatória,

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tendo sido respondidos por 34 dos 86 concluintes.

8. Exposição dos resultadosAs duas hipóteses de pesquisa do presente trabalho foram testadas, isoladamente,

entre os professores orientadores e os alunos orientandos, conforme as amostras indicadas na seção anterior.

8.1 professores As consultas aos professores assentaram-se em duas questões básicas: 1) quais

as principais dificuldades e facilidades para a produção de TCCs de Jornalismo na Universidade Positivo?; e 2) quais motivos levam os alunos a optar pela produção de produtos ou elaboração de monografias?

Das respostas, ficaram evidentes duas percepções majoritárias – porém não unânimes – dos professores. Uma, de que a maioria dos alunos, mesmo ao chegar ao último ano do curso, não apresentam preparo adequado para o trabalho científico. Outra, de que o curso tem um viés predominantemente prático, minimizando a reflexão teórica.

Algumas afirmações dos professores:“Os alunos da UP optam, majoritariamente, pela elaboração de produtos no

TCC porque a ênfase do curso é na prática profissional. O produto é entendido como ‘mais fácil’ (...), menos exigente em termos de reflexão teórica e com volume, tendencialmente, menor de leituras. O fato de nossos alunos não serem estimulados à produção de artigos científicos (...) também serve para amedrontar em relação à monografia”.

“Acredito que a dificuldade (em produzir monografia) esteja na falta de familiaridade do aluno com a pesquisa”.

“Como dificuldade (para a produção de monografia) enxergo a reflexão científica e a pouca prática de texto acadêmico”.

“Outra hipótese (para a opção por produtos) é a tendência de as instituições darem pouca importância às humanidades e à pesquisa pura.”

“Com a globalização e a ‘mão invisível’ do mercado, seguindo o modelo norte-americano, as universidades brasileiras têm tido uma tremenda preocupação com a viabilidade prática e financeira dos projetos, deixando de lado a filosofia, as letras, as ciências sociais. E esse discurso cientificista, de alguma forma, bate forte nos alunos, que esperam da universidade certo pragmatismo que é o espírito do tempo”.

“Acredito que a tendência quando se escolhe produto é de acordo com a lógica do curso, que é eminentemente prático”.

“No caso da opção pela monografia, creio que ela se dá para alunos que se sentem mais à vontade com o trabalho teórico, com a produção de texto de nível acadêmico, mais elaborado, o que não coincide com o perfil atual da maioria dos alunos do curso”.

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“Em geral, quem faz produto tem muita dificuldade com a fundamentação teórica (...). Há desconhecimento dos princípios básicos de metodologia científica”.

“O aluno entende ser mais fácil (a elaboração de um produto)”.Assim, o resultado das consultas confirmou, no âmbito dos professores, as duas

hipóteses da pesquisa:H1. Os alunos chegam ao período de definição do TCC acreditando que a

elaboração de um produto é mais fácil que a de uma monografia. Confirmada no âmbito dos professores.

H2. Os incentivos do curso à produção prática predominam em relação à reflexão teórica, levando os alunos a optarem preferencialmente pela elaboração de produtos no TCC. Confirmada no âmbito dos professores.

8.2 alunosAos alunos, após a identificação de estarem elaborando um produto ou

monografia, foi apresentada uma única questão, em aberto: quais foram os motivos para a sua escolha?

As respostas foram significativamente diferentes das dos professores. Nenhum aluno afirmou que o curso não lhe ofereceu preparo adequado para o trabalho científico, e nenhum aluno indicou que a elaboração de um produto é mais fácil que a de uma monografia.

Na justificativa pela opção por produtos, predominaram três fatores: 1) o suporte de um formato jornalístico é mais adequado a um TCC de curso de Jornalismo, pois permite colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do curso; 2) o produto permite abordar, em formato jornalístico, temas de relevância social e de interesse especial do aluno que não são tratados pelos grandes veículos da mídia tradicional; e 3) o alcance das monografias é limitado, ficando restrito ao meio acadêmico.

Outras justificativas apresentadas, entretanto em menor número de ocorrências, referiram-se ao interesse no enriquecimento do próprio currículo, à falta de tal produto no mercado, à identificação do aluno com a área jornalística escolhida e a percepção de que o produto produzido colaborará com a sociedade e a imprensa paranaense. Entre os alunos que estão produzindo monografias, a justificativa foi de que o trabalho poderá ajudá-los em pesquisas posteriores e permite aprofundamento nos temas escolhidos.

A seguir, algumas afirmações dos alunos:“Através de um produto, pesquisa-se sobre um tema, investiga-se seus assuntos,

lados, e também coloca-se em prática tudo o que se aprendeu durante o curso de Jornalismo.”

“O produto é mais atraente, pois a profissão é prática e poder fazer um trabalho aprofundado na área em que se identifica é uma grande oportunidade para o mercado de trabalho.”

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“Meu TCC já poderá servir para a minha carreira, ainda mais sendo ligado a um livro, área que pretendo seguir.”

“Maior abrangência para que o tema possa chegar aos interessados no assunto.”“Porque o livro-reportagem tem um alcance maior do que a monografia,

principalmente para o nosso público alvo. (...) A monografia se restringe muito ao meio acadêmico.”

“Uma das possibilidades de se estudar jornalismo é aprender a usar isto para poder informar a sociedade sobre questões que geralmente não estão em pauta na mídia convencional.”

“Observação de que não havia nenhum produto – no caso um livro-reportagem – que fizesse um registro histórico sobre o assunto.”

Assim, as consultas com os alunos não confirmaram nenhuma das duas hipóteses da pesquisa:

H1. Os alunos chegam ao período de definição do TCC acreditando que a elaboração de um produto é mais fácil que a de uma monografia. Não confirmada no âmbito dos alunos.

H2. Os incentivos do curso à produção prática predominam em relação à reflexão teórica, levando os alunos a optarem preferencialmente pela elaboração de produtos no TCC. Não confirmada no âmbito dos alunos.

9. Considerações finaisO presente trabalho teve o objetivo de analisar a temática de todos os TCCs

produzidos no âmbito do curso de Jornalismo da Universidade Positivo desde a formação de suas primeiras turmas, em 2002, e, por meio de questionários aplicados junto a professores e alunos, identificar os principais desafios e motivações para a produção nas diversas áreas e apresentar sugestões à comunidade acadêmica. Diante da constatação da expressiva prevalência nos últimos anos de escolha dos alunos pela elaboração de produtos jornalísticos, em detrimento da elaboração de monografias, foram levantadas duas hipóteses de pesquisa: H1. Os alunos chegam ao período de definição do TCC acreditando que a elaboração de um produto é mais fácil que a de uma monografia; H2. Os incentivos do curso à produção prática predominam em relação à reflexão teórica, levando os alunos a optarem preferencialmente pela elaboração de produtos no TCC. As duas hipóteses foram confirmadas no âmbito dos professores e rejeitadas no âmbito dos alunos.

Os resultados da pesquisa indicaram, assim, uma profunda dicotomia entre as percepções majoritárias dos professores entrevistados e dos alunos em relação ao curso. Enquanto a maioria dos professores ouvidos apontou que o projeto pedagógico do curso tem um viés predominantemente prático e menos indutor à reflexão teórica – o que não capacitaria adequadamente os alunos à produção científica –, os alunos consideraram que a opção majoritária pela elaboração de produtos não se deve à falta de preparo teórico, e sim a uma opção consciente por suporte midiático que julgam

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desAFios nA prodUÇÃo de TrABAlhos de conclUsÃo de cUrso em JornAlismo: Um esTUdo de cAso

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mais adequado às próprias características da profissão.Esta pesquisa apresenta, como uma limitação, o fato de terem sido consultados

apenas professores e alunos que atuam hoje no curso. É possível que ex-professores orientadores de TCCs, que já não atuam na instituição, e alunos formados em turmas mais antigas possam fazer análises sob outros vieses.

Além da superação desta limitação, em futuros estudos, indica-se a promoção, no âmbito do curso, de análises que levem à adoção de medidas de ajuste das visões dos professores e dos alunos, de vez que, enquanto os primeiros indicam restrições ao que seria ênfase excessivamente prática de atividades, os segundos mostram-se satisfeitos com o suposto viés mais prático.

Parece promissora, ainda, a futura promoção de estudos múltiplos de caso, comparando as experiências dos cursos de Jornalismo da Universidade Positivo e de outras instituições, para o que os autores do presente trabalho desde já se mostram dispostos.

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cArlos AleXAndre GrUBer de cAsTro e pATríciA helenA rUBens pAllU

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rEFErênCiaSCASTRO, A. Laboratório da Notícia: estudo de caso do primeiro jornal acadêmico de circulação diária do País. In: Castro, A., Lima, M., Barreiros, T. (org.) Jornalismo: reflexões, experiências, ensino, v. 1, pp 81-111. Curitiba: Pós-Escrito, 2006. CASTRO, A., PALLU, P. H. R. Projeto Teatro Shakespeare em Inglês: uma experiência de ensino de Língua Inglesa em curso de Jornalismo. In: Comunicação, Reflexões, Experiências, Ensino, v. 2, n. 2, Curitiba: Universidade Positivo, 2009.CERVO, A. L., Bervian, P. A. Metodologia Científica. 5ª Ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002.GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1999.MITROF, I., KILMANN, R. Methodological Approaches to social science. In: P. Reason & J. Rowan. Human Inquiry: a sourcebook of new paradigm research. (pp. 43-52). London: John Wiley & Sons, 1981.RODRIGUES, A. L., MALO, M. C. Estruturas de Governança e Empreendedorismo Coletivo: o Caso dos Doutores da Alegria. In RAC, v. 10, n. 3, Jul/Set. 2006: 29-50.YIN, R. K. Estudo de Caso, Planejamento e Métodos. Bookman, 2005.

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um proCESSo dE aprEndizagEm ColEtiva

emerson de castro Firmo da silva1

diego henrique da silva2

rESumoCompreender a comunicação interna em sua plenitude – sua importância

como elemento que integra e desenvolve uma comunidade – é só uma das atribuições do Núcleo de Assessoria em Comunicação – Naco, parte da Rede Teia de Jornalismo que é composta pelos veículos laboratoriais do curso de Jornalismo da Universidade Positivo. Além de estabelecer um processo pedagógico sobre o jornalismo dirigido a grupos internos, contribui para uma reflexão ética sobre a produção de conteúdo para esses públicos.

Palavras-chave : Comunicação – aprendizagem – mural

aBStraCtUnderstanding internal communication in its plenitude and its

importantce4 as an element that integrates and develops the community is just one of the tasks of the Center for Communication Consultancy – NACO. This center is part of the Network Web of Journalism which is composed of laboratorial courses of Journalism at Positivo University. It establishes in addition, an educational process in journalism directed to internal groups and contributes to an ethical reflection on journalistic material content.

Key words:Communication – learning - mural

1 Jornalista e professor de Jornalismo da Universidade Positivo – responsável pelo Núcleo de Assessoria em Comunicação - Naco.2 Graduando do 6º período em Jornalismo pela Universidade Positivo, ex-estagiário do Núcleo em Assessoria de Comunicação e atualmente um dos editores do Jornal Laboratório do curso – Lona.

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Compreender a importância da comunicação interna e a responsabilidade social no jornalismo são dois aspectos que compõem a formação dos estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Positivo. Isso ocorre dentro do Núcleo de Assessoria em Comunicação – Naco, um dos componentes da Rede Teia, conjunto de veículos impresso, televisivo, radiofônico e digital vinculados ao curso.

Além de criar produtos de comunicação interna para o curso, o Naco incentiva ações voluntárias de responsabilidade social vinculadas às entidades parceiras do curso. Para isso, estampa em seus veículos as sugestões de pauta enviadas pelas instituições parceiras do curso, as notícias dessas instituições e suas necessidades de estagiários voluntários ou remunerados.

Também é responsabilidade do Naco gerenciar a produção de veículos, organizar e controlar listagens de contato e promover a circulação de informações de interesse de alunos e professores no curso. Ações de comunicação externa (como planejamento de divulgação de eventos, assessoria de imprensa, produção de jornais para instituições sem fins lucrativos, veículos em outras mídias visando públicos dirigidos ou segmentados) também estão entre as possibilidades de atuação do Naco. Os trabalhos são orientados pelo professor responsável pelo Naco e executados por estudantes remunerados, escolhidos em seleção aberta, ou por voluntários de qualquer das séries. Atualmente o Naco dispõe de dois estagiários fixos.

É um processo de aprendizagem coletivo, que envolve num primeiro momento os alunos que atuam diretamente no Núcleo – com a compreensão efetiva dos processos de produção da notícia – e, indiretamente, os demais alunos do curso que também participam dessa produção. Sobre este processo serão apresentadas abaixo as considerações dos alunos envolvidos nos anos de 2007, 2008 e 2009, quando foram criados os produtos Nacos de Notícias (boletim eletrônico), Teia na Parede (jornal mural) e Personalidade (jornal mural/perfil).

histórico do naco na rede teiaCriado em agosto de 2005, o Núcleo de Assessoria em Comunicação (Naco)

teve o próprio curso de Jornalismo da Universidade Positivo como primeiro trabalho. O desafio inicial foi desenvolver projeto editorial e gráfico de um produto eletrônico (Portal) para integrar a Rede Teia de Jornalismo e divulgar as atividades do curso na internet. Desde que foi implantado, o Portal tem sido instrumento de informação e de serviços para a comunidade universitária e visitantes. Na sequência vieram outros produtos: Agência de Notícias Jornalismo Expresso (2006), o informativo eletrônico Nacos de Notícia (2007), e os jornais murais Teia na Parede (2007) e Personalidade (2008).

O projeto gráfico e editorial do Portal foi idealizado pelos alunos do curso de Jornalismo, sendo que o conteúdo do Portal era produzido e atualizado por estagiário sob a supervisão da então professora responsável, Rosângela Stringari. Alunos de todas as séries puderam e podem contribuir com o conteúdo de texto e fotografias para o Portal. Nesse caso, o material é encaminhado ao Núcleo de Assessoria de Comunicação para edição e inserção. Somente o professor responsável e os estagiários

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emerson de cAsTro Firmo dA silvA e dieGo henriqUe dA silvA

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do Naco têm acesso ao uso das ferramentas que permitem editar, deletar e propor novas configurações gráficas.

Durante o ano de 2006, o Naco divulgou todos os eventos do curso de Jornalismo e atividades promovidas por outros cursos da UP (então UnicenP). Por meio do endereço eletrônico http://jornalismo.unicenp.edu.br (atualmente http://jornalismo.up.com.br), jornais, emissoras de rádio e televisão, e assessorias de imprensa públicas e privadas, além do público em geral, podem acessar o material produzido pelos alunos de Jornalismo. No primeiro ano de existência o Portal já havia sido acessado por mais de 50 mil usuários. Atualmente já acumula mais de 150 mil acessos.

Atualmente, o Núcleo de Assessoria em Comunicação (Naco) cumpre decisivo papel ao incentivar a comunicação interna no curso de Jornalismo, reforçando a idéia da importância da comunicação em todos os âmbitos, sobretudo num curso diretamente ligado à comunicação.

O entrelaçamento de três veículos (boletim eletrônico Nacos de Notícia e jornais murais Teia na Parede e Personalidade) é estratégico, pois seu conteúdo pode ser apreciado numa leitura rápida diante de um mural ou pelo boletim informativo que chega aos alunos via e-mail, o que se adéqua a uma realidade contemporânea do consumo da notícia de forma rápida.

Mesmo que os veículos de comunicação congregados pelo Naco possam parecer efêmeros, por trazerem em si conteúdos não aprofundados (geralmente expressos em pequenas notas e fotos), sua política informativa e linha editorial sumária apontam o despertar para grandes ações profundas e concretas. O que se faz é lançar bases para que o leitor tome a atitude de buscar aprofundamento acadêmico e intelecto-cultural em outros meios, mas a partir de estímulos dos veículos do Naco.

O público-alvo direto do Naco hoje são os 350 alunos no curso de Jornalismo da UP. O uso de jornais-murais e do boletim eletrônico como canais estratégicos de comunicação interna constituem linguagens informativas para quem precisa de informação ágil e sucinta. Além de terem que se informar sobre um grande leque de assuntos locais, regionais e nacionais — por cursarem Jornalismo —, também devem estar cientes a respeito de tudo que ocorre no curso.

Em meio à necessidade de ler tantos jornais, revistas e livros do programa de leituras obrigatórias do curso, é preciso fazer com que os veículos de comunicação do Naco sejam atrativos ao público-alvo, na maioria jovens entre 17 e 25 anos. Para tanto, além de se investir num conteúdo interessante é imprescindível que o conceito visual, tanto dos jornais-murais, quanto do boletim eletrônico sejam adequados, contribuindo para conquistar a atenção do leitor.

Há de se considerar que todos os alunos do curso possuem acesso à internet. Seja por meio de computador pessoal, pelos laboratórios de comunicação do curso ou pelo Centro Informatizado de Apoio ao Aluno, existente na universidade, os estudantes podem acessar seus e-mails e ler o Nacos de Notícias.

Outro ponto a se observar é a existência de murais fixos em todas as salas de aula e laboratórios de comunicação. O reflexo disso é a evolução do Naco no último triênio

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(2007-2009), em que a cada ano os processos de produção vão melhorando, sobretudo nos aspectos gráficos, de conteúdo textual e imagético/ fotográfico.

Deve-se destacar 2009 como um novo marco no projeto Naco. O conteúdo fotográfico dos veículos impressos e a ousadia na diagramação dos produtos em cada uma das edições é característica intrínseca e diferenciada em relação aos outros anos. No início, segundo o então editor Antonio Senkovski (2008), o boletim eletrônico contava apenas com os textos editados no Microsoft Word, sem editoração eletrônica.

A valorização da construção coletiva da comunicação, que respeite a diversidade e a pluralidade de vozes, é fator extremamente benéfico à sociedade. Pensando nesse valor, o Naco adota uma política de comunicação voltada à participação voluntária dos alunos. Isso acarreta prática de incentivo à democratização do conteúdo veiculado.

Pensando no que foi exposto, pode-se considerar coerente a postura adotada pelo Naco, uma vez que se mantém sempre aberto à participação dos alunos. Tal participação vai muito além do que uma simples caixinha de sugestões. Os estudantes podem produzir conteúdo textual e fotográfico sempre que desejarem, colaborando para fomentar a veiculação dos produtos jornalísticos do Naco. Como exemplo, cita-se que seis edições do jornal-mural Personalidade foram produzidas por alunos que não atuavam no Naco em 2009, com perfis de diversos estudantes do curso.

Ao longo do ano foram produzidas 22 edições do boletim digital Nacos de Notícias; 19 do jornal-mural Teia na Parede; 11 do jornal-mural Personalidade. Houve também participação na cobertura de eventos relevantes como o 32° Intercom3; 10° Intercom Sul4; e das manifestações em defesa da formação em jornalismo realizadas em Curitiba.

Em termos de premiação o Nacos de Notícia foi vencedor do 15º Prêmio Sangue Novo (promovido pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná) e na 5Expocom Sul (ambos em 2010), e o Personalidade foi vencedor no Expocom Sul (2010).

Em seguida, cada um dos veículos que pertencem ou já pertenceram ao Naco serão analisados em detalhes a partir da opinião dos seus próprios produtores.

agência de notícias Jornalismo Expresso No início – 2005 –, o Naco criou um veículo on-line, a Agência de Notícias

Jornalismo Expresso. O objetivo era capacitar os alunos no uso das novas tecnologias. Ao produzir para este veículo, o aluno era qualificado a trabalhar em webjornalismo, em todas as suas peculiaridades.

Atualmente a agência Jornalismo Expresso integra a Rede Teia de Jornalismo e segue a mesma linha editorial da Rede, fazendo jornalismo social. Jornalismo Expresso veicula em tempo real, os trabalhos produzidos pelos acadêmicos do curso e os disponibiliza via internet. Em qualquer hora e local, conforme a necessidade e a importância do fato jornalístico, as matérias são produzidas e colocadas no ar para 3 Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em Curitiba (PR) de 04 a 07 de setembro de 2009.4 Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da região Sul, realizado em Blumenau (SC) de 29 a 31 de maio de 2009.5 Exposição de Comunicação Sul

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todos que acessem a Rede Teia de Jornalismo.O projeto gráfico e editorial da Agência Jornalismo Expresso foi pensado e

implementado nas aulas da disciplina Preparação e Revisão de Textos e Originais. Nesse período inicial (2005-2006) a professora responsável pelo Núcleo de Assessoria em Comunicação teve à disposição dois alunos que atuaram como estagiários responsáveis – Isabela Ignácio Camargo (um semestre) e André Oliveira, este premiado por seu trabalho tanto na Agência Jornalismo Expresso quanto pelo Naco.

mural e informativo eletrônicoA partir de abril de 2007 o Núcleo de Assessoria de Comunicação passou a voltar-

se mais ao público interno – alunos e professores –, embora a Agência Jornalismo Expresso permanecesse ativa, sobretudo nas coberturas ligadas à Rede Teia. A nova incumbência foi uma necessidade identificada pela ausência quase total de comunicação interna e, sobretudo, da possibilidade de maior articulação informativa entre a Coordenação e os alunos dos diferentes períodos, e entre alunos e professores.

Dadas as circunstâncias de concentração física do público principal (alunos) nas salas de aula e nos laboratórios do bloco Azul do campus, e de sua faixa etária, optou-se pela criação de um jornal mural e de um boletim eletrônico a ser enviado por e-mail, ambos semanais, sempre produzidos por estagiários remunerados e orientados pelo professor que coordena o Naco.

A proposta de jornal mural para público interno levou em conta pontos potencialmente positivos e limitadores a serem considerados. São positivos o apelo visual e de proximidade física (mural nas salas) e de linguagem com o público leitor do produto (diagramação explorando cores, formas, tipos de fonte que remetem a uma proposta dinâmica e menos compromissada com padrões formais), se coerentemente elaborados. Na mesma condição está a possibilidade de trabalhar conteúdos noticiosos cujo teor deve ser bastante direcionado aos leitores, sobretudo por ser feito, neste caso, por alunos do curso de Jornalismo, principalmente para seus próprios pares. Já entre os pontos limitadores estão a área de impressão (o jornal é impresso no tamanho A3) e a quantidade de assuntos (matérias) a serem abordados neste espaço, a necessidade de uma atenção especial para as condições de recepção do leitor (altura e distância ideais da afixação do jornal, combinada com fonte e corpo do texto), a impossibilidade de controle sobre a permanência do produto sem adulterações.

Em relação ao boletim eletrônico, algumas destas questões levantadas para o jornal mural têm uma tradução bastante diferente. Os pontos positivos do boletim neste formato começam pelo meio, mais adequado ao acesso em qualquer lugar e a qualquer tempo, especialmente em se tratando do referido público, passam pela liberdade maior quanto a amplitude do volume de assuntos a serem abordados – a rigor não há um tamanho específico a ser seguido, embora seja razoável não estendê-lo em demasia; e inclui possibilidade de elaborar apelo visual e linguagem textual de modos mais experimentais, o que aparentemente agrada o gosto do público jovem.

O primeiro grupo de estagiárias a trabalhar pelo Naco nesses novos veículos teve as alunas Louise Possobom, Marion Ceschini e Verônica Medeiros, no primeiro

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semestre de 2007, orientadas pelo professor Emerson Castro. A produção começou pelo boletim eletrônico Nacos de Notícias, em maio, e em junho com o Teia na Parede, que não tinha nome definido inicialmente, sendo publicado nos murais das salas e laboratórios do curso com o nome provisório de Jornal Mural.

nacos de notíciasA criação coletiva do Nacos de Notícias, veículo semanal virtual - newsletter,

remetido sempre às sextas-feiras para todos os alunos do curso de Jornalismo, além dos professores, não foi diferente.

Para refletir sobre essa produção, após a quinta edição, foi distribuído entre os estagiários um questionário com sete perguntas, solicitando respostas amplas, detalhadas e, sobretudo, que transmitissem a real experiência vivenciada.

O boletim eletrônico é produzido de maneira simplificada, sem imagens, visando a agilidade na recepção. Os textos têm linguagem coloquial, aceitando gírias utilizadas pelos alunos, mas mantêm a exatidão nas informações dentro de parâmetros jornalísticos. Prioritariamente é feito com notícias exclusivas do curso, cuja fonte principal é a ata semanal das reuniões do Conselho de Coordenação, composto pelos professores com dedicação de 40 horas e o coordenador do curso. Considere-se aqui notícias ou informes sobretudo que envolvem alunos, professores, disciplinas, atividades extra-classe, mas com abrangência para notas sobre acontecimentos artístico-culturais da cidade ou de temas que porventura sejam de interesse dos alunos de Jornalismo.

Vale citar aqui o fato de que essas atas do Conselho já são normalmente distribuídas para alunos e professores pela coordenação, como mensagem eletrônica anexada, com caráter oficial de divulgação de decisões e acontecimentos do curso. A avaliação informal que se faz, no entanto, é que poucos as lêem, em razão da linguagem e da formatação não jornalística.

Assim, a discussão sobre o informativo ocorreu primeiro para definição do conceito do novo veículo: deveria ser ágil, com notícias curtas escolhidas a partir da ata semanal do Conselho – ainda que sua edição seja desvinculada do propósito da ata; sem restrição a outras fontes, desde que as informações sejam de interesse dos alunos, e principalmente, com uma linguagem adequada ao público alvo.

Após essas análises e definições conceituais, extraídas na discussão entre o professor orientador e as estagiárias – que confirmaram a avaliação de não leitura das atas, apesar do seu recebimento periódico, e as razões para tal – passou-se ao planejamento de pauta. Uma das estagiárias ficou encarregada como editora daquela primeira edição, tendo outra sido colocada na posição de sub-editora e a terceira como repórter (ainda que com atribuição de envolver-se nas atividades das demais).

Sobre essa primeira etapa, ao serem perguntadas após a produção e envio de cinco informativos, as estagiárias tiveram impressões complementares, de acordo com o grau de responsabilidade que cada uma teve na produção.

A estagiária-editora, Marion Ceschini, considerou que “foi estranho fazer

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o primeiro boletim. Nós estamos sendo ‘treinados’ há três anos para a clareza e a seriedade de um jornalismo comprometido socialmente e, realmente, foi bem difícil mudar minha linguagem e idéias.”

Implícita na resposta uma visão conceitual do trabalho de comunicação empresarial, espalhada e reproduzida por inúmeros jornalistas, considerando este um trabalho menor, menos sério, de pouca relevância social em comparação ao feito em veículos tradicionais, que também têm natureza capitalista.

Perguntada sobre se sua visão havia mudado, após a produção dos informativos, a estagiária manteve a posição, mas com análise mais receptiva: “como eu conhecia muito pouco desse mercado, a única idéia concreta que eu tinha continua a mesma: é preciso incentivar as pessoas (o público alvo) a se interessarem pelo produto que você oferece. Fora isso, acho que é um trabalho prazeroso e com ótimos retornos”.

Já para a sub-editora, Verônica Medeiros, a visão é outra: “as discussões foram de grande importância para que o Nacos [de Notícias] saísse o quanto antes, bem pensado, organizado e principalmente bem feito. As idéias foram analisadas para que o Nacos ficasse com uma leitura leve, prática, para que os alunos queiram ler as notícias mais recentes sobre o curso”.

A repercussão do envio do primeiro Nacos de Notícias teve seus efeitos:

Achei muito legal o trabalho. Ouvi críticas, mas também recebi elogios. Talvez só depois do primeiro exemplar é que eu percebi que a idéia era ser como um folhetim. Aí tudo ficou mais fácil. Na primeira edição houve erros, claro, mas nada comprometedor. Os dois erros da primeira edição foram corrigidos na segunda. (CESCHINI, 2007)Problemas sempre são percebidos, cada revisão mostra um erro ou outro. Por isso há preocupação em revisar várias vezes os exemplares antes que sejam mandados. Mas achei que o Nacos atingiu as expectativas. (MEDEIROS, 2007)Percebi problemas que estamos discutindo até hoje. Como, por exemplo, o formato, a parte gráfica; as notícias que valem mesmo a pena (como aquela “missão do jornalista”), mas acho que está tudo ao seu tempo. É melhor pensar bem e discutir antes das mudanças. (POSSOBOM, 2007)

A questão do aprendizado durante o processo de produção induzido torna-se uma lógica natural em vez de imposta, o que não só é mais eficaz como método, mas ao mesmo tempo mais estimulante à responsabilidade pelo que está sendo feito.

A divisão de responsabilidades foi uma estratégia que deu resultados tanto em termos de resposta às necessidades de ação e liderança, quanto de envolvimento conjunto, o que também foi sentido pelas estagiárias.

A maior dificuldade até os dois primeiros números foi encontrar a “afinação” ideal entre o poder de síntese, o visual de apresentação (com títulos adequados ao formato proposto) e a linguagem adequada ao público alvo. A editora-estagiária foi quem mais expressou essas questões.

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(...)passei a escrever com mais naturalidade, exagerando menos naquela idéia do “informal”. Mesmo porque, para mim, radiojornalismo possui uma linguagem informal, então eu procurei manter uma linguagem intermediária. (...) Não é tão fácil resumir textos e conseguir colocar em três linhas o que de fato é interessante para os alunos.(...) Eu sou um pouco perfeccionista demais e isso eu percebo em alguns boletins. Por exemplo: quadros para separar melhor as idéias e evitar confusões, são coisas que eu procuro fazer. (CESCHINI, 2007)

Em meio à avaliação, percebem-se situações de aprendizagem de diferentes dimensões como a capacidade de transitar no domínio do texto e na percepção da interdisciplinaridade, a compreensão da relação entre lógica e estética jornalísticas ou mesmo no peso da responsabilidade e o quanto este obriga a uma tomada de posição.

Seria possível pensar em algumas formas que pudessem deixar o texto mais chamativo, o título poderia ser maior e com cores fortes. Com o tempo é provável que os textos sejam escritos de forma mais clara e resumida, facilitando ainda mais a leitura. (MEDEIROS, 2007Quando eu tive a oportunidade de coordená-lo eu senti tais problemas. Mas como o professor mesmo falou, está aberto a debates e discussões para as melhorias do Naco. (POSSOBOM, 2007)

O efeito do contato com a reação do público-alvo pelo trabalho produzido também foi importante. Esse item, considerando as etapas de aprimoramento descritas anteriormente, complementa o processo de aprendizagem sob um aspecto normalmente não programado, mas pressentido pela experiência profissional de quem orienta. Aprende-se não só pela ação especificamente profissional, mas também pela sensação positiva e motivadora que um trabalho bem feito gera em seu produtor.

Essa sensação vivenciada é insubstituível como aprendizado em matéria de itens a serem cumpridos na ação profissional custe o que custar, para chegar-se a um produto final de boa qualidade e que atenda as necessidades do público-alvo.

Falam as estagiárias:

É bastante gratificante receber elogios de algo feito por você. Poucas pessoas sabem que existe um trabalho em torno disso. (CESCHINI, 2007) A maioria dos alunos não comentou o boletim, mas grande parte dos professores elogiou o trabalho. Eu me senti recompensada e surpresa, uma vez que nunca havia feito aquilo e não sabia se daria certo. (MEDEIROS, 2007)Não tive muito retorno, uma vez que as pessoas não liam esses e-mails de faculdade. Mas no boca-a-boca é que nós, “naconianas”, fomos espalhando. Recebi elogios por alguns e críticas de outros: normal. Foi positiva, tanto uma coisa quanto outra. Só assim a gente percebe os erros e tem motivação para mudá-los. (POSSOBOM, 2007)

Já para Diego Henrique da Silva, que em 2009 produziu o Nacos de Notícias, o veículo passou por mudanças de conceito:

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Não possui dimensões pré-determinadas; seu tamanho é justificado pelo espaço necessário para veicular todo o conteúdo produzido. Entretanto, possui largura que se adapta à visualização nos campos de leitura de todos os visualizadores de e-mails, bastando utilizar a barra de rolagem vertical do mouse para ver o restante do boletim. Tal característica é grande importância para não chatear o leitor que, de modo geral não gosta de utilizar a barra de rolagem horizontal.Para tanto, há uma preocupação com a atratividade visual do boletim digital. A cada edição traz uma diagramação diferenciada, dando-lhe uma característica inovadora, não optando por um projeto gráfico único e permanente durante todo o ano. (SILVA, 2009)

teia na paredePara refletir sobre essa produção em 2007, após a segunda edição, foi distribuído

entre as estagiárias um questionário com seis perguntas, solicitando respostas amplas, detalhadas e, sobretudo, que transmitissem a real experiência vivenciada na realização do produto.

O Jornal é produzido em formato A3, com papel couché 150g, colorido, contendo prioritariamente notícias exclusivas do curso – considerando-se aqui informes sobretudo que envolvam alunos, professores, disciplinas, atividades extra-classe, mas com abrangência para notas sobre acontecimentos artístico-culturais da cidade ou de temas que porventura sejam de interesse dos alunos de Jornalismo.

O primeiro momento em que se discutiu o Jornal Mural foi logo após a criação do boletim eletrônico Nacos de Notícias, veículo noticioso (nos mesmos moldes do jornal acima detalhado, mas com especificidades referentes ao meio eletrônico) enviado por correio eletrônico aos alunos e professores da UP (então UnicenP) no final de maio de 2007. Depois de três números do boletim, foi impresso o primeiro Jornal, na segunda quinzena de junho.

Para concepção da formatação do veículo (linguagem, diagramação, cores, fontes, corpo de texto e de títulos) as estagiárias, inicialmente, foram estimuladas a fazer uma sugestão do produto acabado, contendo todos estes itens, e sempre tendo como foco o público alvo: os estudantes do curso de Jornalismo. O professor orientador, até então, não havia discutido qualquer detalhe do que estava sendo produzido pelas estagiárias para o Jornal Mural.

Essa elaboração durou aproximadamente duas semanas, com ações individuais e conjuntas, na medida do possível e da coincidência de horários entre as estagiárias.

Terminado o prazo, chegado o momento de fechar a primeira edição, estagiárias e professor orientador reuniram-se para discutir a proposta. A fim de aproximá-las o mais possível de um exercício profissional, as três alunas tiveram funções e responsabilidades diferentes, considerando-se uma editora, outra sub-editora assistente e a outra repórter (também responsável por ajudar as outras duas nas suas atividades). Essas funções foram alternadamente trocadas nas edições seguintes, sempre com a ressalva evidenciada de que alguém, no caso a editora, precisava ser a responsável maior pelo produto, enquanto as demais estão sob seu comando.

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Detalhes de checagem de informações, escolha de fontes, cores, disposição de notícias na página, adaptação da linguagem ao meio impresso a ser exposto em mural, possibilidades de estabelecer concepções próprias para um produto, enfim, os vários detalhes que compunham essa elaboração eram discutidos. Em todos, fez-se observações de orientação segundo as lógicas jornalísticas correntes, com abertura para inovações.

Paralelamente, ocorriam questionamentos das estagiárias sobre essas lógicas, as quais eram revisadas; em seguida, o retrabalho e a compreensão da lógica aplicada. Um processo simples, mas rico no aprendizado, sobretudo porque o que se adquiriu não foi mera destreza prática, mas conhecimento reelaborativo e reaplicável em inúmeras outras situações.

A percepção das estagiárias sobre o momento vivenciado e a riqueza do processo são evidentes em suas falas para a pergunta Como foi para você discutir os detalhes de produção do Jornal Mural, antes de sair o primeiro número?

Essa experiência me entusiasmou mais que o boletim [Nacos de Notícias, veículo eletrônico], porque era uma coisa que exigia criatividade e nós podíamos ver o trabalho ali, diante dos nossos olhos na diagramação. (CESCHINI 2007) Tão importante quanto as discussões feitas antes da produção do Nacos. Mas o Jornal Mural é um pouco mais complicado por causa da diagramação, tem que ser bem pensado e organizado, porque a intenção do Jornal é ser claro e objetivo com pouco texto e muita informação. (MEDEIROS, 2007)Acho que me preocupei bem mais. Como seria impresso e colocado nas salas, com certeza seria visto e lido por mais gente. Discutir a primeira diagramação foi bastante intensa, vários testes foram necessários para chegar a um acordo entre as meninas. E como aconteceu no Naco, as melhorias só viriam depois do primeiro exemplar. (POSSOBOM, 2007)

A questão do aprendizado durante o processo de produção induzido torna-se uma lógica natural em vez de imposta, o que não só é mais eficaz como método, mas ao mesmo tempo mais estimulante à responsabilidade pelo que está sendo feito.

A divisão de responsabilidades foi uma estratégia que deu resultados tanto em termos de resposta às necessidades de ação e liderança, quanto de envolvimento conjunto, o que também foi sentido pelas estagiárias.

Para Louise Possobom, por exemplo, “O produto é feito um pouquinho por cada uma, mas dá para saber que aquilo foi feito por você, ou tem sua visão de trabalho”. Já Marion Ceschini destaca a participação coletiva, sem perder de vista sua parte no processo: “Como a produção é dividida semanalmente, teoricamente cada semana tem mais o jeito de uma do que de outra (nada gritante de diferente). Na realidade, eu participei bem ativamente da produção dos dois e acho que tem características pessoais de cada uma em pequenos detalhes, como disposição da foto, ou dos textos”.

O aspecto interdisciplinaridade também foi outro item identificado:

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Tudo que se aprende em sala, é utilizado na produção do Nacos [Nacos de Notícias, veículo eletrônico] e do Jornal. Textos bem escritos, diagramação bem feita. O que fazemos dentro do Naco resume um pouco do que poderia ser feito dentro de uma Assessoria, como por exemplo, separar os assuntos mais importantes pautados nas reuniões feitas pelo coordenador do curso, selecionando o que de fato é interessante (funciona como um clipping). (MEDEIROS, 2007)

O aumento da acuidade revisora ficou igualmente evidenciado no processo. Ao perceber que a cada edição é possível consertar erros e aprimorar as propostas gráfico-visuais e de linguagem, o futuro profissional descobre que a falha é parte do processo, mas precisa ser percebida.

Para as três, a compreensão da necessidade de revisões múltiplas (checagem das informações, dos textos produzidos, das formas da diagramação) e contínuas (ao longo dos números) ficou evidente. Para Verônica Medeiros, por exemplo, “A atenção se redobrou para os erros e diagramações e tendem a melhorar a cada exemplar”, enquanto Louise Possobom assume visão de longo prazo, admitindo que continuarão a implantar soluções para melhorar o jornal.

Até porque, para o bem ou para o mal, de modo menos ou mais cruel, o que não for percebido como erro por quem produz será apontado em seguida pelo público.

Sobre esse ponto as estagiárias foram unânimes em avaliar a resposta da comunidade.

(...) achei muito legal mesmo, porque esse trabalho levou todos (tanto alunos quanto professores) a conversar conosco. Eles comentavam, elogiavam, criticavam, foi muito legal. (CESCHINI, 2007)(...) muitas pessoas gostaram do Jornal, pela forma, cores e é importante que os alunos dêem opiniões. Até agora todas foram positivas. (MEDEIROS, 2007)(...) A princípio não percebi muitos defeitos. Conversando depois com as pessoas elas me apontaram alguns, mas nada que comprometesse o jornal. (POSSOBOM, 2007)

Esse item, considerando as etapas de aprimoramento descritas anteriormente, complementa o processo de aprendizagem sob um aspecto normalmente não programado, mas pressentido pela experiência profissional de quem orienta. Aprende-se não só pela ação especificamente profissional, mas também pela sensação positiva e motivadora que um trabalho bem feito gera em seu produtor.

Essa sensação vivenciada é insubstituível como aprendizado em matéria de itens a serem cumpridos na ação profissional custe o que custar, para chegar-se a um produto final de boa qualidade e que atenda as necessidades do público alvo.

Falam as estagiárias:

Foi muito bom ouvir os alunos comentarem e se entusiasmarem com a chegada de um jornal mural novo. Fiquei muito orgulhosa do nosso trabalho. (CESCHINI, 2007)

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Aumentou o ânimo em fazer um jornal cada vez melhor e interessante, já que os efeitos estão sendo tão positivos. (MEDEIROS, 2007)Foi a sensação de trabalho comprido, por que diferente do boletim on line, o jornal mural é concreto e os efeitos são imediatos. Foi muito bom ver nosso esforço colado nos murais. (POSSOBOM, 2007)

Vale citar que no decorrer do primeiro semestre de 2007 o Naco passou a ter como estagiária a aluna Suziê de Oliveira (substituindo Marion Ceschini, que foi para o TelaUn – telejornal laboratório do curso), já formada em Design e que contribuiu muito para melhorar a qualidade gráfica do Teia na Parede.

Para 2009, uma nova concepção foi estabelecida por Diego Henrique da Silva, o que tornou o veículo mais aberto à participação dos demais alunos do curso:

O jornal-mural valoriza, entre outros aspectos, a importância da objetividade e concisão no jornalismo. Durante sua produção, a prática da edição é constante, uma vez que, é constituído de diversas notas, que de maneira resumida deve deixar o leitor bem informado. Tais textos pequenos devem ser capazes de condensar o conteúdo de forma a facilitar o processo de leitura dinâmica.Apesar da existência de um responsável para produzir o Nacos de Notícias, há grande abertura para a participação de outros alunos da instituição. Com isso, estimula-se a valorização de um modelo coletivo de comunicação, que respeita a diversidade e a pluralidade de vozes. Pensando nesse valor, o Teia na Parede adota uma política de comunicação voltada à participação voluntária dos alunos, constituindo-se um veículo democrático. (SILVA, 2009)

Jornal mural personalidadeDas descobertas à maturidade. Em 2008 os novos estagiários – Antonio Senkovski

e Gabrielle Chamiço – assumiram a incumbência de retomar os veículos já existentes, mas por iniciativa própria propunham criar mais um veículo. Antes de se materializar o novo veículo, Antonio Senkovski passou a ser editor do jornal laboratório Lona e foi substituído por Luis Gustavo Fonseca. Este último e Gabrielle formularam um novo jornal mural. Mais tarde, em substituição a Gabrielle Chamiço, veio a estagiária Rhuana Ramos.

A idéia foi produzir um novo veículo, também de periodicidade semanal, que desse conta de atingir o mesmo público, mas a partir de um foco noticioso diferente: apresentar os alunos como pessoas que têm vida e história fora da Universidade, especialmente antes de iniciar o curso. Nasceu então o Personalidade (nome escolhido também por votação), um jornal mural A3, semanal, publicado sempre às quintas-feiras no início da noite, com tiragem de dez exemplares afixados em seis salas de aula e quatro laboratórios (TV, Rádio, Fotografia, Central de Jornalismo).

Era uma proposta inovadora de comunicação interna que adquiriu forma, conteúdo e até nome a partir da prática semanal e da repercussão, que atingiu dimensão inesperada. O objetivo era focar a vida de um aluno, seu perfil biográfico.

Mais que efeito no público a que se destinava, o projeto provocou ganhos bastante

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positivos entre seus produtores. Eles afirmam categoricamente terem percebido melhoras em termos de redação, concepção gráfica, mas, sobretudo, em perceber o quanto a questão ética está envolvida quando se trata de histórias de vida.

A marca do jornal era a diagramação absolutamente livre, bastante colorida e especialmente enfocando a história de vida de um estudante, com suas particularidades, autocríticas e percepções de mundo, incluindo seu propósito em fazer jornalismo.

O novo veículo chamou a atenção dos alunos, criou avaliações polêmicas, fez com que muitos surgissem querendo contar suas histórias de vida, mostrar-se aos colegas. Descobriram alunas que tocavam violino, jogavam futebol, fotografavam partos; alunos que eram amigos, mas torciam para times adversários (Atlético e Coritiba), um produtor de jornal de bairro com o pai, outro que se dizia adorador de Bob Dylan.

Luis Gustavo conta que

a idéia surgiu como uma iniciativa dos dois primeiros estagiários do Naco, Antonio Senkovski e Gabrielle Chamiço. Com a saída do Antonio, eu e a Gabrielle o colocamos em prática. A idéia era fazer com que os alunos se identificassem com o jornal, e tivessem interesse em participar também. E isso foi possível com uma linguagem mais direcionada, a diagramação mais ‘arrojada’. Muitos alunos vieram conversar comigo, com a Gabi e, posteriormente, com a Rhuana para dar dicas e sugestões. (FONSECA, 2008)

Para Gabrielle há a sensação da necessidade de criar algo que levasse os estudantes a interagir mais entre si. E isso podia ser feito por meio de um jornal mural diferente do que já era produzido. Rhuana Ramos vê no veículo “uma forma de dar voz e cara a todos. Digamos que os alunos se sentem importantes”.

Sobre a concepção gráfica e de texto, Gabrielle revela que “tinha que ser mais despojada e também ter a ‘cara’ da personalidade da semana”. Também havia o elemento cor associado à juventude e a uma identidade única, como a do personagem em destaque, segundo Luis Gustavo. Ele acrescenta: “as pessoas foram gostando e querendo participar cada vez mais. Eles se viam nas histórias dos colegas e sempre queriam saber quem seriam as próximas caras a estampar o jornal. O texto é direto e mais literário, deixa sempre as características da personalidade da pessoa evidenciadas, conta algum diferencial do personagem, como é sua vida, coisas que geram curiosidade nas pessoas”.

Ainda sobre o texto, Rhuana Ramos destaca algumas peculiaridades como títulos provocativos como “Vocês podem fazer isso...”, “Dá tempo para você se inscrever”, e acrescenta: “tem que chamar a atenção, porque o jornal mural é lido nos intervalos, então tem que ser descontraído, pra tirar um pouco a “tensão” de algumas aulas”.

O aprendizado propiciado na criação e elaboração desse jornal mural foi amplo. Parte principalmente das questões éticas, profissionais e quanto a responsabilidade de produzir notícias, até o convívio com os colegas em ambiente de trabalho, produção textual e gráfica. Gabrielle Chamiço destaca a aplicação do que foi ensinado em aula nas várias disciplinas. Sobre ética, por exemplo, diz ela: “é muito importante saber

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como ressaltar características em um perfil. Ter cuidado com os termos usados e prestar atenção na estrutura para que seja coerente. Todo o texto é revisado para evitar erros e as fotos publicadas têm a autorização do aluno. Caso contrário, o aluno pode ser prejudicado e isso não é o objetivo do ‘Personalidade’ ”.

Outro aspecto no mesmo campo da ética é destacado por Rhuana Ramos ao falar da forma de lidar com as pessoas que não conhecem. “É complicado você chegar para alguém que você nunca falou na faculdade e perguntar tudo sobre a vida dela para escrever o perfil. Tem que saber como falar, senão acaba passando por ‘bisbilhoteira’ ”.

A maior parte do que foi dito pelos alunos acima está relacionado com a repercussão do projeto, que visivelmente foi boa, ultrapassando os limites do curso (professores e alunos de outros cursos, que têm aulas nas mesmas salas do Jornalismo, acabaram gostando da idéia e manifestaram o desejo de tê-los no próprio curso).

Luis Gustavo, por exemplo, admitiu-se surpreso com o retorno, mas tanto ele quanto Rhuana Ramos observam como todos queriam ter suas histórias estampadas:

“as pessoas começaram a ter uma relação engraçada com o jornal. Viviam falando sobre suas histórias para verem se os escolheríamos para o jornal da vez (davam indiretas que queriam participar, mas raramente eram diretos). Chegou a formar uma fila de nomes por umas três semanas. Nós sempre definíamos o perfil uma semana antes da produção do jornal. E sempre no dia da impressão, todos ficavam ansiosos para verem o texto, a diagramação e o design usados. Tentávamos sempre surpreender. Muitas vezes conseguimos”. (FONSECA, 2008)

Mas nem tudo foi tranquilo. Houve polêmica e até quem achasse o material desnecessário. Gabrielle Chamiço comenta que já na primeira edição o material provocou a divisão de opiniões.

“Muitos encararam como um material desnecessário, mas grande parte achou que o jornal mural causou impacto, ficou diferente e atingiu o objetivo de interação. Nas outras edições a aceitação ficou maior. Hoje o interesse em ler e procurar a redação do Personalidade aumentou. Os alunos de todos os períodos do curso passaram a se conhecer melhor e até ter mais contato por causa de algumas notas que divulgavam eventos. Os professores também acreditam nessa interação. Como um bom material jornalístico o Personalidade gera opiniões diversas, dá espaço para os leitores e, sendo veículo de um Núcleo de Assessoria, garante a comunicação”. (CHAMIÇO, 2008)

No segundo ano de produção (2009), o Personalidade manteve suas principais características, mas tornou-se bem mais aberto a participações dos demais alunos, na medida em que houve uma diminuição de dois para um estagiário no Núcleo. Mais que participação, o exercício de produzir perfis

leva os alunos participantes do projeto a entrarem em contato com a prática jornalística literária, constituindo uma forma mais livre de criação narrativa.

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Além disso, explora diversas outras vertentes do jornalismo como a infografia, a fotografia, a pesquisa jornalística, edição, planejamento em comunicação e prática dos conceitos básicos de diagramação e design. (SILVA, 2009)

Mas o traço mais marcante continua sendo o efeito de aproximação produzido entre os alunos. A falta de contato humano causado pela tribulação dos afazeres no dia a dia acaba sendo minimizada com a possibilidade da criação de vínculos comunicativos entre o repórter (emissor), o receptor (leitor) e o conteúdo principal da mensagem (personagem) utilizando-se de outras ferramentas de comunicação como o celular, o e-mail e mídias sociais digitais, que geralmente são divulgadas ao final dos textos.

Através da exposição dos perfis, fotos e contato dos entrevistados, os estudantes têm uma oportunidade de se conhecerem mais. O veículo não possui a proposta de anular a importância dos encontros interpessoais, mas acaba sendo uma alternativa de socialização dentro do curso de jornalismo. A criação desses laços de comunicação é relevante, sobretudo num curso de comunicação social onde o estabelecimento de fontes de contato pode facilitar muito o trabalho dos(as) futuros(as) jornalistas. (SILVA, 2009)

Levando em consideração as declarações dos leitores, emitidas verbalmente ou via e-mail, pode-se dizer que o veículo tem obtido bastante aceitação. Portanto, o jornal-mural cumpre sua missão no que diz respeito a agradar seu público-alvo que precisa, cada vez mais, estar informado de forma prática e rápida, tendo em vista a sua demanda diária de leitura e estudo.

Considerações finais Este relato, ao contar a evolução histórica do Núcleo de Assessoria em

Comunicação – Naco, e detalhar o passo a passo da produção extra-classe dos seus veículos, procurou identificar como alunos de Jornalismo, que vivenciam um processo de elaboração induzida e ao mesmo tempo orientada, adquirem conhecimentos profissionais extrapolando e complementando a aprendizagem de sala de aula.

Mais que compreender todos os detalhes que se deve seguir para produzir corretamente um veículo, adotando padrões técnicos coerentes e boa dose de liberdade criativa, enriquece-se a aprendizagem com a experimentação da pré-elaboração, do trabalho coletivo, da avaliação posterior à publicação, da recepção do público-alvo.

Não há aqui, talvez, novidade pedagógica a ser destacada efetivamente, posto que todo professor que se propôs a trabalho semelhante em metodologia colheu e percebeu tais resultados. Mas é fundamental reafirmar a necessidade de se manter e ampliar estas experiências, inatingíveis em salas de aula nem tampouco em trabalhos que não contem com esse tipo de orientação específica, que siga raciocínio e propósito pedagógicos, portanto respeitando tempo e espaço da aprendizagem discente.

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rEFErênCiaSCESCHINI, M. Depoimento a partir de questionário, em 2007CHAMIÇO, G. Depoimento a partir de questionário, em 2008FONSECA, L.G. Depoimento a partir de questionário, em 2008MEDEIROS, V. Depoimento a partir de questionário, em 2007POSSOBOM, L. Depoimento a partir de questionário, em 2007SILVA, D.H. Depoimento a partir de relato escrito, em 2009STRINGARI, R. Depoimento a partir de relato escrito em 2007RAMOS, R. Depoimento a partir de questionário, em 2008SENKOVSKI, A. Depoimento, em 2009

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o FazEr E o pEnSar do proFESSor na pErSpECtiva da ComplExidadE1

Celso Rogério Klammer2

Marilda Aparecida Behrens3

rESumoNeste artigo partiu-se do pressuposto que a ação do professor em sala

de aula consiste num conjunto de atitudes que revelam o seu fazer e o seu pensar pedagógico. Sendo assim, optou-se por um processo de pesquisa-ação realizado por vinte e um professores envolvidos na disciplina Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica. Durante o processo da pesquisa, por meio de leituras críticas, discussões e produções individuais e coletivas, foi possível pesquisar até que ponto os referenciais teóricos dos paradigmas pedagógicos inovadores podem contribuir para uma revisão do fazer e do pensar pedagógico do professor universitário de maneira que oportunize uma aprendizagem significativa, crítica, criativa e transformadora. Para tanto procurou-se enfocar os referenciais teóricos à luz dos paradigmas newtoniano-cartesiano e da complexidade e nesse viés contextualizar a ação pedagógica do professor. Assim, utilizando-se da pesquisa-ação, o grupo de vinte e um professores universitários buscaram subsídios metodológicos para a reflexão e superação do paradigma cartesiano que caracterizavam as ações docentes conservadoras.

Palavras-Chave: Paradigma newtoniano-cartesiano; Paradigma da comple-xidade; Professor

1 Artigo publicado no VIII Congresso Nacional de Educação.2 Doutorando em Educação pela PUC-PR. Mestre em Educação pela UFPR. Professor de Teoria e Método da Pesquisa em Comunicação e Metodologia da Pesquisa na Universidade Positivo e Coordenador de TCC nos cursos de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda e Pedagogia.3 Doutora e Mestre em Educação pela PUC-SP. Professora Titular da PUC-PR.

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1. marco teóricoAcredita-se que a ação do professor em sala de aula consiste num conjunto de

atitudes que revelam o seu fazer e o seu pensar pedagógico seja no processo de seleção de conteúdo, na sua proposta de avaliação, na sua concepção de sujeito que pretende formar, na sua metodologia de ensino.

Neste sentido entende-se que além do domínio do conteúdo técnico e científico que se propõe a ensinar, o professor deve ser comprometido politicamente com o que faz. É neste compromisso que ele revela seu projeto de sociedade e de sujeito que pretende formar através da sua forma de organizar a realidade e as suas ações diárias. Quando o professor não elabora um sentido específico para a sua ação, ele apenas assegura a manutenção do ritual tradicional da docência: transmissão do conteúdo; controle da disciplina e rigorosos instrumentos de avaliação para que os alunos reproduzam o que foi ensinado.

Por este viés Masetto (2002, p. 23) afirma que

O professor, ao entrar na sala de aula para ensinar uma disciplina, não deixa de ser um cidadão, alguém que faz parte de um povo, de uma nação [...] Ele tem uma visão de homem, de mundo, de sociedade, de cultura e de educação que dirige suas opções e suas ações mais ou menos conscientemente. Ele é um cidadão, um ‘político’, alguém comprometido com seu tempo, sua civilização e sua comunidade, e isso não desprega de sua pele no instante em que ele entra em sala de aula. Pode até querer omitir esse aspecto em nome da ciência que deve transmitir, e que, talvez ingenuamente, ainda entenda que possa fazê-lo de forma neutra. Mas o professor continua cidadão e político e, como profissional da docência, não poderá deixar de sê-lo.

Contudo, ao estudar a ação pedagógica do professor, particularmente da Educação Superior, na convivência com os vinte e um participantes do processo da pesquisa-ação, na disciplina de Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica do Programa de Pós Graduação – Mestrado e Doutorado de uma universidade particular de grande porte, constatou-se nas elaborações e discussões, que o fazer e o pensar desse docente, tende para uma postura pautada no paradigma newtoniano-cartesiano. Esse paradigma marcou, de forma contundente, a ciência do século XIX e boa parte do século XX.

As transformações vividas no mundo contemporâneo, trazidas pelas tecnologias da informação, passam a invadir o cotidiano dos indivíduos. Todos os segmentos sociais têm acesso à televisão, ao rádio, ao vídeo cassete, que transmitem informações a uma velocidade meteórica. O acesso a essas informações reformulam as regras de convivência, gerando novos hábitos e novas formas de pensar e agir, além de traçar um novo perfil de trabalhador com maior escolaridade e cultura mais sofisticada.

Neste contexto, a escola não pode ser um espaço em que apenas se transmitam informações, mas um lugar de análise crítica da informação, onde, por meio do conhecimento elaborado, a ela dê significado. Numa sociedade em que as pessoas têm facilidade de acesso à televisão, ao rádio, a escola deve formar o aluno para pensar

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celso roGÉrio KlAmmer e mArildA ApArecidA Behrens

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de modo reflexivo e flexível para poder selecionar informações. Neste sentido, cabe a contribuição de Kenski (1996, p. 143), que alerta:

As informações vêm de forma global e desconexa através dos múltiplos apelos da sociedade tecnológica. A escola precisa aproveitar essa riqueza de recursos externos, não para reproduzi-los em sala de aula, mas para polarizar essas informações, orientar as discussões, preencher as lacunas do que não foi aprendido, ensinar os alunos a estabelecer distâncias críticas com o que é veiculado pelos meios de comunicação.

No que diz respeito à atual educação escolar, defende-se que somente com o uso de cadernos e do quadro de giz a difusão do saber escolar, não terá muito significado para o jovem aluno, pois a tecnologia tem um impacto cada vez maior na vida de todos os indivíduos. O professor não é mais o único meio de acesso às informações, pois

(Os alunos) aprendem em múltiplas e variadas situações. Já chegam à escola sabendo muitas coisas, ouvidas no rádio, vistas na televisão, em apelos de outdoors e informes de mercados e shopping centers que visitam desde bem pequenos. Conhecem relógios digitais, calculadoras eletrônicas, video games, discos a laser, gravadores e muitos outros aparelhos que a tecnologia vem colocando à disposição para serem usados na vida cotidiana. Estes alunos estão acostumados a aprender através dos sons, das cores; através das imagens fixas das fotografias, ou em movimento, nos filmes e programas televisivos... As novas gerações têm um relacionamento totalmente favorável e adaptativo às novas tecnologias de informação e de comunicação e um posicionamento cada vez mais aversivo às formas tradicionais de ensino. (KENSKI, 1996, p. 133)

Na visão de Charlot (2001, p. 36)

a escola é o principal lugar de convivência social [...] alguns professores queixam-se de que, para muitos dos jovens, a escola é ‘apenas um ponto de encontro’ [...] No entanto, o encontro é uma das condições necessárias para que as relações de ensino/aprendizagem sejam realmente frutíferas.

Porém, pode-se afirmar que o paradigma newtoniano-cartesiano, de caráter conservador, impregnou a concepção moderna de ciência desencadeando a fragmentação do pensamento e a unilateralidade na análise dos fenômenos. Essa tendência é perceptível nas diferentes áreas do conhecimento como a medicina, a farmacologia, a psicologia, entre outras. Weil (1991) afirma que o paradigma newtoniano-cartesiano tem afetado também a medicina e o conceito de saúde. Nessa área de conhecimento, o paciente é considerado como objeto de estudo e o corpo como uma máquina a ser consertada. No entanto, numa visão complexa, a constituição do ser humano agrega corpo e mente, razão e emoção, objetividade e subjetividade, entre outras dualidades.

Na educação, em especial na prática pedagógica, a fragmentação e a unilateralidade na análise dos fenômenos também se faz presente por intermédio de determinações

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imperativas, propostas pelo professor, como: leia, escute, copie, reproduza, decore, repita. Como afirma Moraes (2004, p. 34)

O determinismo da ciência clássica está também muito presente no cotidiano da escola e se traduz na visão unilateral e reducionista a respeito do processo de construção do conhecimento, determinismo este que também se manifesta ao deixar prevalecer o valor da homogeneidade sobre a singularidade, da objetividade sobre a intersubjetividade, bem como da uniformização sobre a diferenciação.

No contexto da escola humanista tradicional, a instituição escolar tinha um aluno que vinha de uma estrutura familiar patriarcal, rigidamente hierarquizada, para ouvir, obedecer e reproduzir. Assim,

[...] a escola era uma continuação da família em tudo que se referia à socialização da moral e aos estilos de vida. A escola transformava a criança naqueles aspectos que fortaleciam a coesão social: adesão à nação, aceitação da disciplina e dos códigos de conduta, etc (TEDESCO, 1998, p. 36-37)

Esta pedagogia vinha ao encontro às demandas de uma sociedade pautada na rigorosa divisão entre o trabalho manual e o intelectual e de uma tecnologia de base rígida, por meio de máquinas eletromecânicas que não exigiam muitas habilidades. Bastava memorizar os movimentos necessários a cada operação e repetir à medida que precisasse. Para desempenhar esta atividade, não era necessária outra formação escolar e profissional que não fosse memorizar conhecimentos.

A escola também se organizou nesta mesma perspectiva. Os conteúdos eram organizados de forma linear e fragmentada, por meio do método expositivo e a habilidade cognitiva fundamental era a memorização. O acesso ao conhecimento estava centrado no livro didático e no professor. Este concebia o conhecimento como um saber pronto, fechado em si mesmo, organizado e estruturado que devia ser transmitido por tópicos menores. Esse docente ensinava na certeza do paradigma conservador.

Hoje, com as mudanças da sociedade

a profundidade do processo de mudança social que ocorre atualmente nos obriga a reformular as perguntas básicas sobre os fins da educação, sobre quem assume a responsabilidade de formar as novas gerações, e sobre qual legado cultural, quais valores, qual concepção de homem e de sociedade desejamos transmitir. (TEDESCO, 1998, p. 23)

Ou seja, acredita-se que as instituições que outrora assumiam um papel de disciplinamento, socialização e moralização, sofreram uma profunda transformação, inibiram-se ou perderam seu significado. No que diz respeito a escola, ela também mudou. No dizer de Enguita (2004, p. 66)

Se antes ela ocupava apenas um lugar discreto na vida das pessoas (4 a 6 anos para a maioria, menos ou nada para muitos, e mais do que isso apenas para

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alguns poucos encaminhados às profissões liberais e burocráticas), passou a absorver praticamente a infância, a adolescência e boa parte da juventude [...] É desnecessário dizer que esse tempo a mais na escola é tempo a menos na família, na comunidade e no trabalho, o que por si só, já justifica um papel maior da escola na moralização das crianças.

Acredita-se que a sociedade contemporânea diante das tecnologias da informação, passa a exigir um indivíduo de novo tipo. Não mais o bom orador com ótima cultura geral formado pela escola humanista, mas um cidadão com capacidade de inovar e aprender cada vez mais, compreender o mundo que participa, desenvolver a capacidade de resolver problemas e saber operacionalizar e interpretar as informações adquiridas. Numa sociedade em que as pessoas têm facilidade de acesso às informações, a escola deve formar o aluno para pensar de forma reflexiva para poder selecionar as informações.

Segundo Behrens (2005), a partir do século XX a ciência que se sustentava em certezas entrou em crise questionando posições cristalizadas como por exemplo a concepção positivista, a unilateralidade do pensamento. Nesse momento histórico, vislumbrava-se uma visão mais ampliada e imbricada de vida e de mundo em que o sujeito se percebe como sujeito atuante numa teia de relações sociais, políticas, econômicas e culturais.

Neste sentido, busca-se um novo paradigma numa perspectiva inovadora e diferenciada de mundo. Para Behrens (2006), essa busca demanda uma revisão na visão de mundo, de sociedade e de homem.

Capra (1996, p.25), afirma que esse novo paradigma pode ser chamado de

uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado de visão ecológica, [...] numa percepção profunda que reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedade, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza.

Para Morin (2006, p.89), na busca de um novo paradigma, é necessário “substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une, um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto”.

Nesse novo paradigma Morin (1995) afirma que a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, acasos, desordem, ambigüidade e incertezas. Neste contexto as contradições são vistas como “descoberta de uma camada profunda da realidade que nossa lógica seria incapaz de dar conta [...]” (MORIN, 2003, p.44).

Por esse viés, deve-se superar a visão reducionista e estanque que a mentalidade clássica incutiu nos seres humanos, para uma visão dialógica e questionadora entre unidade e diversidade, quantidade e qualidade que contribua para a transformação na

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maneira de pensar, de se relacionar e integrar novas perspectivas nas ações cotidianas. Como bem afirma Moraes (2004, p. 129)

Pensar o complexo é ser capaz de unir conceitos divergentes e que normalmente são catalogados de maneira fechada e com visão limitada. É ter um pensamento capaz de pensar o contraditório, de analisar e sintetizar, de construir, desconstruir e reconstruir algo novo.

Na educação, essa concepção inovadora exige novas reflexões e atitudes que incluem, o questionamento constante, a dúvida e a incerteza num enfoque globalizador e interdisciplinar do conhecimento. Nesse viés busca-se a superação de uma visão mecânica e fragmentada de mundo para uma visão dinâmica e integrada; de uma perspectiva reducionista para a sistêmica e interconectada num grande elo de relações; do isolamento e individualismo para a partilha e à construção coletiva.

Sendo assim, o modelo tradicional do paradigma newtoniano-cartesiano entra em crise atingindo a sociedade como um todo. Nesse contexto a instituição escolar não pode ficar alheia a essas transformações. Ela deve estar aberta para incorporar a constante instabilidade da sociedade emergente, e manter-se aberta às discussões e vivenciá-las com seus atores pedagógicos por meio de uma proposta democrática, crítica, participativa e decisiva na formação dos cidadãos. Estar aberta, significa também rever o papel do professor e do aluno; as concepções de avaliação, metodologia e da escola propriamente dita.

No que diz respeito ao professor, acredita-se que a sua ação em sala de aula consiste num conjunto de atitudes que revelam o seu fazer e o seu pensar pedagógico seja no processo de ensino propriamente dito, na avaliação, na seleção de conteúdos ou no uso de recursos tecnológicos. Como afirmar Pimentel (1994, p. 37) “significa questionar profundamente as próprias posições filosóficas, epistemológicas, políticas e ideológicas; significa entender-se como ser histórico e perguntar-se sobre suas intencionalidades [...]”.

Sobre o professor, pode-se afirmar que existe a exigência de uma nova postura na sua relação com o conhecimento e com o processo cognitivo de aprendizagem de seus alunos. Esse professor, deve estar preocupado com a aprendizagem e desenvolver seu trabalho baseado na incerteza do paradigma da complexidade.

[...] o professor deverá ultrapassar seu papel autoritário, de dono da verdade , para se tornar um investigador, um pesquisador do conhecimento crítico e reflexivo [...] precisa saber que pode romper barreiras mesmo dentro da sala de aula, criando possibilidades de encontros presenciais e virtuais que levem o aluno a acessar as informações disponibilizadas no universo da sociedade do conhecimento. [...] precisa servir-se da informática como instrumento de sua prática pedagógica [...] (BEHRENS, 2006 a, p. 71-74)

O paradigma da complexidade exige uma articulação entre múltiplas visões. Por essa vertente,

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a prática pedagógica do professor precisa desafiar os alunos a buscarem uma formação humana, crítica e competente, alicerçada numa visão holística, com uma abordagem progressista, e num ensino com pesquisa que levará o aluno a aprender a aprender. O aprendizado deve ser impulsionado pela curiosidade, pelo interesse, pela crise, pela problematização e pela busca de soluções [...] (BEHRENS, 2006 a, p. 84).

Por esse viés o aluno deve ser formado para a autonomia, como um ser complexo, que vive num mundo de relações, que está em constante construção e que busca infinitas possibilidades para sua realização.

Desenvolver um trabalho nessa perspectiva, torna-se necessário ao docente fazer opções metodológicas que favoreçam a construção de uma prática pedagógica calcada com os princípios e finalidades da Educação Superior e com a formação do novo tipo de ser humano numa visão inovadora.

As opções metodológicas na visão inovadora favorecem a formação do indivíduo como ser histórico cuja prática se encaminhe dialeticamente através da ação/reflexão/ação pautada no diálogo e no trabalho coletivo. Nesta direção, contempla-se um trabalho de parceria entre professor e aluno, numa prática pedagógica crítica, reflexiva e transformadora.

No paradigma da complexidade, a avaliação permeia todo o processo educativo. Assume um caráter contínuo e transformador, estimulando a construção do conhecimento e o crescimento gradativo do aluno, a unidade na diversidade e tem no erro a possibilidade de encontrar novos caminhos.

Tendo em vista a tentativa de caracterização dos paradigmas conservadores e inovadores na educação, e considerando a crise que se instala nesse início de século, acredita-se que não há como o professor se isentar do desafio que se coloca: rever o seu fazer e o seu pensar pedagógico por meio dos referenciais teóricos e práticos que a contemporaneidade coloca.

Contudo, destaca-se a necessidade do professor estar atento à sua prática e ao seu pensar para transformá-los numa práxis educacional verdadeiramente comprometida com a transformação da sociedade para melhor e em formar um ser holístico, assim como afirma Cardoso (1995, p. 47)

Hoje, ser holístico é saber respeitar diferenças, identificando a unidade dialética das partes no plano da totalidade. A atual abordagem hoslística na educação não pretende ser uma nova verdade que tenha a chave única das respostas para os problemas da humanidade. Ela é essencialmente uma abertura incondicional e permanente para o novo, para as infinitas possibilidades de realização do ser humano.

Neste sentido, levando em conta o período de crise vivenciado na sociedade do conhecimento, urge que metodologias inovadoras, parcerias colaborativas e diálogo constante tornem-se prerrogativas indispensáveis na relação professor-aluno. Para

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tanto, trilhar os caminhos da pesquisa e da leitura são varáveis fundantes na construção da competência docente e discente.

Contudo, convém ressaltar que para promover essa mudança, além da competência técnica, é premente que os agentes desse processo estejam convencidos da necessidade do seu envolvimento. Defende-se que para esse envolvimento é necessário comprometimento político e ter paixão pelo que se faz. Estar comprometido politicamente significa compreender a sociedade em que se vive e ter clareza daquilo com que a sua ação está comprometida. E sobre a paixão pelo que se faz, Gramsci (1991) lembra que os intelectuais, na maior parte das vezes esquecem-se do sentimento em suas atividades. O processo educativo exige também envolvimento afetivo. Um professor que faz da sua atividade algo neutro, sem envolvimento, dificilmente será um professor comprometido com a emancipação dos seus alunos. Portanto, além do compromisso teórico e político é preciso também ter compromisso afetivo com o que se faz.

2. problematizaçãoEntende-se que o professor deve estar constantemente ocupado consigo mesmo

em rever, analisar e inventariar a sua concepção de mundo. Deve estar atento aquilo que dá sustentação à sua ação docente, para torná-la a cada dia mais unitária, coerente e consistente. Nessa dimensão deve pensar e executar seu projeto de sociedade e de aluno que pretende formar ciente que a contemporaneidade, passa a exigir um indivíduo de novo tipo com capacidade de inovar e aprender cada vez mais, compreender o mundo que participa e desenvolver a capacidade de resolver problemas.

Como afirma Gramsci (1986, p.12)

Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido. Significa, portanto, criticar, também, toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um ‘conhece-te a ti mesmo’ como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário.

Nesse contexto defende-se que o professor deve dar sentido e significado à sua ação. No entanto, considera-se que o docente deve estar preparado

[...] para assumir novas perspectivas filosóficas, que contemplem visões inovadoras de ensino e escola, aproveitando-se das amplas possibilidades comunicativas e informativas das novas tecnologias, para a concretização de um ensino crítico e transformador de qualidade. (KENSKI, 2006, p. 73)

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Levando em conta esse contexto e considerando a importância da pesquisa como característica fundante de um programa de pós graduação e do compromisso que move a ação dos alunos do mestrado e doutorado, colocou-se, no processo da pesquisa-ação, dentro da disciplina, o desafio de se investigar: Até que ponto os referenciais teóricos dos paradigmas pedagógicos inovadores podem contribuir para uma revisão do fazer e do pensar pedagógico do professor universitário de maneira que oportunize uma aprendizagem significativa, crítica, criativa e transformadora? Quais os referenciais que caracterizam o paradigma da complexidade e como aplicá-lo na prática pedagógica na Educação Superior?

Assim, buscou-se na produção acadêmica, subsídios que desse sustentação a uma prática pedagógica inovadora dos professores universitários.

3. na busca de um caminho: pesquisa -açãoPor conta da proposta de trabalho pedagógico apresentada, o enfoque da pesquisa

será qualitativo, tomando como referência a abordagem de Lüdke e André (1986, p. 11-13) com as seguintes características básicas: o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação investigada; a descrição de situações; ao estudar um determinado problema o pesquisador deve verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas.

Segundo Polit; Beck e Hungler (2001) essa abordagem permite um delineamento flexível de estudo numa perspectiva holística para a compreensão do todo, além de permitir o uso de várias estratégias para coleta de dados. Além disso exige um intenso envolvimento do pesquisador que torna-se o próprio instrumento da pesquisa. Neste movimento exige também uma análise contínua e constante dos dados.

Para dar conta dessa abordagem, optou-se pelo método de pesquisa-ação. Thiollent (2000) afirma que trata-se de um método ou de uma estratégia de pesquisa.

[...] a pesquisa- ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 2000, p. 14; 19)

Portanto, o desafio que se colocou para os professores universitários, foi o de buscar uma prática pedagógica inovadora. Acredita-se que a construção de um espaço coletivo para discussões dos pressupostos teóricos e práticos, possibilitou a reflexão individual e coletiva para uma opção metodológica, crítica, criativa e inovadora.

Para o desenvolvimento da pesquisa-ação, contou-se com a participação de 21 mestrandos e doutorandos em Educação, de uma universidade particular de grande porte, que conviveram na disciplina de Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica. Cabe ressaltar que a proposta da disciplina foi idealizada e discutida com o objetivo de oferecer um processo de formação continuada dos professores, dentro do stricto sensu, para refletir, produzir e alicerçar uma prática pedagógica

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que atenda as exigências do paradigma da complexidade. Esses participantes são professores universitários oriundos de diversas áreas do conhecimento (sociais aplicadas, humanas, biomédicas e tecnológicas) e que atuam em universidades públicas (estaduais e federais); universidades particulares e faculdades isoladas.

Para estimular a pesquisa, foi apresentada uma proposta de trabalho para que os professores investigassem os quadros de referências sobre os paradigmas inovadores. A proposta referia-se a produção de conhecimento, leituras, discussões, produção individual e coletiva. Os sujeitos ouviram, leram, discutiram, questionaram e entenderam como se desencadearia todo o processo, mesmo porque eles seriam os agentes que fariam os trabalhos individuais e coletivos, as discussões e a pesquisa como um todo. Enfim, como afirma Thiollent (2000, p. 15), “na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas [...]”

Sendo assim, deu-se início à pesquisa com a participação dos docentes como sujeitos do processo, na crença de que o professor pode produzir seu próprio conhecimento. A pesquisa foi dividia em cinco etapas.

A primeira etapa consistiu na apresentação de um contrato didático com destaque à problematização que nortearia as reflexões dos professores universitários na busca de referenciais para repensarem a ação docente numa perspectiva do paradigma da complexidade.

A segunda etapa optou-se pela leitura e reflexão crítica de textos e artigos que contemplassem a proposta. Nessa fase, adotou-se a produção individual para a construção de um quadro sinóptico. O propósito era sistematizar os pressupostos dos paradigmas conservadores da abordagem tradicional, escolanovista e tecnicista e dos paradigmas inovadores da complexidadade da abordagem progressista, holística e do ensino com pesquisa. Para compor o referido quadro foram eleitas as seguintes categorias: aluno, professor, metodologia, escola e avaliação acreditando-se que esses são os conceitos fundamentais na relação do professor com a sala de aula e que passaram a nortear a pesquisa.

A terceira etapa consistiu na discussão dos referenciais pesquisados. A cada quadro construído, nas diferentes abordagens acima referenciadas, houve discussão e partilha das experiências, dificuldades e avanços vivenciados pelos professores. E assim, pela diversidade, incerteza e unidade refletiu-se sobre as contribuições desses referenciais no sentido de se rever o fazer e o pensar do professor universitário em sala de aula e a possibilidade de incrementar a sua força articuladora de agente transformador da sociedade.

Encontrando guarida em Thiollent (2000, p. 26) organizou-se a quarta etapa, pois para o autor

[...]no desenvolvimento da pesquisa-ação, os pesquisadores recorrem a métodos e técnicas de grupos para lidar com a dimensão coletiva e interativa da investigação [...] Trata-se de um método [...] que se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa ao nível da captação da informação.

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Nesse sentido, a partir do aprofundamento teórico e prático das pesquisas, buscou-se inserir as produções individuais num trabalho coletivo. Portanto, a partir da organização de pequenos grupos de três integrantes, procurou-se construir quadros sinópticos que refletissem as reflexões individuais. Esse trabalho seguiu-se de apresentação e discussão dessas sistematizações e ainda apontando alternativas para um aprofundamento da prática pedagógica do professor universitário na dimensão dos paradigmas inovadores.

A quinta etapa, com base nos referenciais estudados, os mestrandos e doutorandos produziram textos próprios. Primeiro individualmente e após a troca em grupo, houve a produção coletiva de elaboração de artigos em trios. A proposta foi elaborar um texto que contemplasse uma reflexão acerca da prática pedagógica à luz do paradigma inovador.

4. Considerações FinaisA vivência desse trabalho trouxe muitos aspectos positivos. Um aspecto relevante,

foi a discussão do processo por todo o grupo, a cada passo. Desde a elaboração dos quadros sinópticos até a produção final do texto.

A partir das reflexões teóricas e práticas, buscou-se despertar no grupo o espírito crítico e de investigação, a autonomia intelectual e a criatividade como características a serem analisadas e exigidas dos alunos e professores contemporâneos. Assim, numa dimensão dialética, ao mesmo tempo que procuravam entender a produção teórica-prática da ação do professor, em meio a acertos e erros, angústias e resoluções satisfatórias, buscavam subsídios para a sua própria experiência enquanto acadêmicos do stricto-sensu..

Neste sentido pode-se afirmar que os docentes envolvidos, encontram significados para suas reflexões; aprenderam enquanto alunos envolvidos na formação continuada e como profissionais da educação superior, puderam repensar suas atividades cotidianas de sala de aula.

Além disso, destaca-se que os mestrandos e doutorandos são oriundos de diferentes áreas do conhecimento possibilitando uma maior convivência com a diversidade de pensamento e nessa diversidade busca-se a unidade pois um empresta para o outro a sua vivência, caracterizando a riqueza do trabalho.

Porém, é importante questionar, até que ponto os mestrandos e doutorandos, a partir desses estudos, mudaram sua prática pedagógica. Considerando a participação desses docentes no processo investigativo, acredita-se que houve uma reflexão consistente acerca da sua ação docente. Optar por uma mudança de paradigma, depende do grau de convencimento e do compromisso estabelecido por cada um. Como foi abordado anteriormente, o professor deve estar constantemente ocupado consigo mesmo em rever, analisar e inventariar a sua concepção de mundo, ou seja, aquilo que dá sustentação à sua ação docente, para torná-la a cada dia mais unitária, coerente e consistente. Ao pensar em seu projeto de sociedade, deve também se dar

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conta que a sociedade contemporânea, passa a exigir um indivíduo de novo tipo com capacidade de inovar e aprender cada vez mais, compreender o mundo que participa e desenvolver a capacidade de resolver problemas.

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Volume 4 - Número 4 - 1º Semestre 2010

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