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Volume 12, Ano 2005

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REVISTA DAFACULDADE DE DIREITO

MILTON CAMPOS2005

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REVISTA DAFACULDADE DE DIREITO

MILTON CAMPOS

Lucia Massarae

Carlos Alberto Rohrmann

Coordenadores

Belo Horizonte – 2005

Volume 12

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Revista da Faculdade de Direito Milton Campos – v. 12 (2005). – BeloHorizonte: Del Rey, 2006.

Anual.Revista da Faculdade de Direito Milton CamposDescrição baseada em: ano 1, n. 1, 1994.ISSN 1415-0778.

1. Direito – Periódicos – Faculdade de Direito Milton Campos.

CDU – 34 CDU – 340

Toda correspondência deverá ser endereçada à:

REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOSCaixa Postal 3268 – Belo Horizonte – MG – 30140-970

Copyright © 2005 by: REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

Produção Editorial: EDITORA MANDAMENTOSRua Espírito Santo, 1025 – Loja H – CentroBelo Horizonte – MG – CEP 30160-031Tel.: (31) 3226 -7717E-mail: [email protected]

Nenhuma parte deste periódico poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meiosempregados, sem a permissão, por escrito, da FDMC.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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Apresentação

Há três números, a Faculdade de Direito Milton Campos retornoua publicação de sua Revista, agora em rica parceria com a Editora DelRey. A retomada da publicação, entretanto, não foi um movimentoisolado, destinado apenas ao registro e à veiculação de idéias, análisese estudos de colaboradores da própria faculdade ou convidados.

A nova etapa de ediçãoda Revista está estreitamente ligada aofortalecimento da Pós-Graduação na Milton Campos, atestado pelocrescente número de defesas de dissertações e pela expansão daEspecialzação, em áreas de grande demanda profissional e acadêmi-ca, como o Direito Tributário, o Direito Civil, o Direito Internacional eo Direito Diplomático, em que atuamos.

Desta forma, a Revista vem cumprindo seu papel não só porabrir espaço para que professores e pesquisadores convidados expo-nham suas pesquisas e análises, mas principalmente porque tem sidoum valioso canal de debates sobre o pensamento jurídico. E esta éuma missão da qual a pós-graduação não pode se furtar.

Lucia MassaraDiretora da FDMC e da Revista

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REVISTA DA FACULDADE DE DIREITOMILTON CAMPOS

FUNDADA EM JUNHO DE 1993Caixa Postal 3268 – Cep 30140-970

Belo HorizonteMinas Gerais

Brasil

DIREÇÃO DA REVISTAProfessora Lucia Massara

DIRETORA

Professor Adauto Junqueira RebouçasSECRETÁRIO

COMISSÃO EDITORIALAdauto Junqueira RebouçasHumberto Theodoro Júnior

Lucia MassaraMiriam de Abreu Machado CamposMisabel de Abreu Machado Derzi

Osmar Brina Corrêa LimaRicardo Arnaldo Malheiros Fiúza

Sálvio de Figueiredo TeixeiraSidney F. Safe Silveira

Sônia Diniz VianaSylvia Mercado Kierkegaard

Wenio Balbino de Castro

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CENTRO EDUCACIONAL DE FORMAÇÃO SUPERIOREntidade Mantenedora

Prof. Sidney Safe F. SilveiraPresidente

Prof. José Barcelos de SouzaVice – Presidente

Prof. Osmar Brina Corrêa LimaDiretor Financeiro

Prof. Haroldo da Costa AndradeSecretário geral

Faculdade de Direito Milton CamposProf. Lucia Massara

Diretora

Prof. Marcos Afonso de SouzaVice – Diretor e Coordenador Didático - Pedagógico

Faculdade de Administração e Ciências Contábeis/Pós - Graduação em Direito Empresarial

Prof. Wille Duarte CostaDiretor

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REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOSFUNDADA EM JUNHO DE 1993

Caixa Postal 3268 – CEP 30140-970Belo Horizonte

NORMAS EDITORIAIS

1. A Revista da Faculdade de Direito Milton Campos divulga trabalhoselaborados pela Diretoria da Faculdade, seus professores e artigos decolaboração de terceiros, limitados à área do Direito e ciências afins, que serelacionem com a Ciência do Direito.

2. Serão publicadas, de preferência, colaborações inéditas.3. Os originais recebidos não serão devolvidos.4. O recebimento do artigo enviado à Revista não implica a obrigatoriedade

de sua publicação.5. A Direção da Revista poderá reapresentar os originais ao autor para que os

adapte às normas editoriais ou esclareça dúvidas.6. Os originais deverão ser digitados em computador, de preferência usando-

se o programa Word 2000 da Microsoft e impressos em papel de formatoA4, ou não sendo possível, datilografados em espaço simples, em papelbranco, de um só lado da folha, de preferência com margens superior 2,4 cme inferior de 2 cm.

7. Resumo e abstract (em língua inglesa), com até 200 palavras.7. Junto do trabalho, deve ser enviado de disquete contento a gravação do

texto, o qual deverá ser feito em editor Microsoft Word ou compatível.Também poderá o texto ser enviado via e-mail para o seguinte endereço:[email protected] , com os esclarecimentos necessários. No texto doe-mail deverá constar os títulos do autor do artigo.

8. Para evitar esquecimentos, o artigo deverá conter, após o título, o nomecompleto do autor, principais títulos e endereço para comunicação ou retornode correspondência.

9. Os desenhos, gráficos, ilustrações, tabelas etc. (estritamente necessários àclareza do texto), com respectivas legendas, serão apresentados à parte, empapel branco ou vegetal, sem dobras, indicando-se no texto o lugar ondedeverão ser incluídos.

10. As referências bibliográficas deverão ser completas e numeradasseguidamente, obedecendo às normas da ABNT, observando-se o seguinte:- Publicações avulsas (livro, folheto, tese, etc.) sobrenome do autor seguido

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de vírgula; prenome(s) seguido de ponto; título seguido de ponto; edição elocal seguido de dois pontos; nome do editor, seguido de vírgula; ano dapublicação seguido de vírgula; se for o caso indicar o volume ou tomo e finalmentea página da fonte. O nome da publicação deve estar em itálico.- Artigo periódico – autor(es) seguido de ponto; título do artigo seguidode ponto. Título do periódico em itálico, seguido de ponto. Indicação dovolume, mês e ano da publicação, página de referência ou, na bibliografia,indicar página inicial e final.

11. Os originais que não puderem ser entregues pessoalmente deverão serenviados para a Caixa Postal 3.268 - Belo Horizonte - MG - CEP 30140-970,Belo Horizonte(MG)-Brasil, aos cuidados da Professora Lucia Massara. As provas tipográficas não serão enviadas para o autor mas, a não ser paracorreção do texto, se for o caso. Publicado o artigo, o autor receberá , nomínimo, dois exemplares da Revista.

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Escreveram neste número:

ALEXANDRE BUENO CATEBProfessor de Direito Comercial da Faculdade de Direito MiltonCampos. Doutor em Direito Comercial pela UFMG. Advogado . 23

LUIZ FERNANDO DA SILVEIRA GOMESDoutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.Professor das Faculdades Milton Campos, nos Cursos de Di-reito e Mestrado. Professor no Curso de Direito da PUC –Minas. Ex-Assessor de Gabinete no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região. Advogado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

JASON SOARES DE ALBERGARIA NETOProfessor de Direito Processual Civil na Faculdade Milton Cam-pos e no Curso de Mestrado da Faculdade Milton Campos,Doutor em Direito na UFMG, Advogado . . . . . . . . . . . . . . . 53

NANCI DE MELO E SILVAJuíza Federal do Trabalho, aposentada, Especialista, Mestre eDoutora em Direito Civil pela UFMG, Professora dos Cursosde Graduação e Pós-Graduação da Faculdade Milton Campos 89

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JOSÉ BARCELOS DE SOUZAProfessor titular e ex-diretor da Faculdade de Direito MiltonCampos. Vice-presidente do CEFOS. Professor titular da Fa-culdade de Direito da UFMG e subprocurador-geral da Repú-blica aposentado. Diretor do Departamento de Direito Proces-sual Penal do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Mem-bro da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e daAcademia Mineira de Direito Militar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

CARLOS ALBERTO ROHRMANNProfessor da Faculdade de Direito Milton Campos. Doutor emDireito pela Universidade da Califórnia em Berkeley – UCBerkeley. Mestre em Direito pela UCLA. Mestre em DireitoComercial pela UFMG. Bacharel em Direito pela FDMC. Ba-charel em Ciência da Computação pela UFMG. Procurador doEstado de Minas Gerais. Advogado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

FÁBIO BELOProfessor de Sociologia na Faculdade de Direito Milton Cam-pos. Mestre em Teoria Psicanalítica, doutorando em LiteraturaBrasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

DAN MARKUS KRAFTSócio da Kraft Advogados Associados (www.kraft.adv.br), MAin International Commercial Law (UFMG), LL.M. in InternationalBanking and Finance Law (QMUL), Professor da Fundação DomCabral e da Faculdade de Direito Milton Campos . . . . . . . . 145

CARINNA GONÇALVES SIMPLÍCIOAdvogada. Mestranda em Direito Empresarial . . . . . . . . . . . 165

HILDEBRANDO PONTES NETOAdvogado. Professor universitário da FDMC. Mestrando emDireito Empresarial. Membro do Conselho Nacional de DireitoAutoral, do Instituto Interamericano de Direitos de Autor e doInstituto dos Advogados do Estado de Minas Gerais . . . . . . 165

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PATRÍCIA DUARTE COSTA MENTAController. Professora universitária, formada em Direito e emAdministração. Mestranda em Direito Empresarial. Especialistaem Gestão Cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

KELLE GRACE MENDES CALDEIRA E CASTRO Mestranda em Direito Empresarial (Faculdade de Direito Mil-ton Campos). Especialista em Direito Empresarial (Escola Su-perior de Advocacia da OAB/ Centro UniversitarioNewtonPaiva). Bacharel em Direito (Universidade Estadual deMontes Claros – UNIMONTES). Licenciatura em Letras (Uni-versidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES). Pro-fessora de Direito das Faculdades Santo Agostinho e Facul-dades Integradas Pitágoras. Advogada . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

MARIZA ALVES RIBEIROCoordenadora da câmara-escola (Câmara Municipal de Go-vernador Valadares-MG). Mestranda em direito empresarial(Faculdade de Direito Milton Campos- Belo Horizonte). Espe-cialista “lato sensu” em , ambiental, agrário e direito público(Fadivale – Governador Valadares). Advogada. Bacharela emDireito (Fadivale – Governador Valadares) . . . . . . . . . . . . . . 195

VALÉRIA DUARTE COSTAMestranda em Direito Empresarial (Faculdade de Direito Mil-ton Campos – Belo Horizonte/MG). Bacharela em Direito(Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Belo Hori-zonte/MG). Procuradora do Estado de Minas Gerais . . . . . . 195

CYNTHIA BELÉMGraduanda em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos 195

FABIANO FERREIRA FURLANPromotor de Justiça em Belo Horizonte. Mestrando em direitoempresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos . . . . . 221

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HERBERT JOSÉ ALMEIDA CARNEIROJuiz de Direito em Belo Horizonte. Mestrando em direito em-presarial pela Faculdade de Direito Milton Campos . . . . . . . 221

JOSÉ OSWALDO CORREA FURTADO MENDONÇAJuiz de Direito em Belo Horizonte. Mestrando em direito em-presarial pela Faculdade de Direito Milton Campos . . . . . . . 221

DANIEL B. GARRIEJ.D. pela Rutgers University School of Law, M.A. e B.A. em Ciênciada Computação pela Brandeis University . . . . . . . . . . . . . . 247

SHIRA KAUFMANGraduada pela University Washington . . . . . . . . . . . . . . . . . 247

ASLÝ DENIZ HELVACÝOÐLUDoutora em Direito da União Européia e professora do Depar-tamento de Direito Comercial Internacional da Bogazici Uni-verstiy, Turquia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269

RACHEL SZTAJNProfessora da Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, coordenadora de pesquisa da Universidade Cidade de SãoPaulo, Livre-Docente (USP), Doutora em Direito pela USP. 297

LUCAS DE ALVARENGA GONTIJODoutor e Mestre em Filosofia do Direito pela UFMG. Professordas disciplinas de História do Direito e Filosofia do Direito daFaculdade de Direito Milton Campos e dos cursos de gradua-ção e pós-graduação em Direito da PUC-MINAS. Entre emcontato com o autor pelos e-mails [email protected] [email protected] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329

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MISABEL ABREU MACHADO DERZIProfa. dos Cursos de Graduação e Pós-graduação da UFMG.Profa. Titular de Direito Tributário das Facs. Milton Campos.Advogada e Consultora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345

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Sumário

Artigos

ALEXANDRE BUENO CATEBAção anulatória de ato judicial e ação rescisória . . . . . . . . . . 23

LUIZ FERNANDO DA SILVEIRA GOMESA Execução de Sentença, desde a “actio iudicati” romana, até anova sistemática de seu cumprimento, na reforma do Código deProcesso Civil de 22 de dezembro de 2005 . . . . . . . . . . . . . 41

JASON SOARES DE ALBERGARIA NETOEstudo histórico de parte no processo . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

NANCI DE MELO E SILVAA capacidade civil e o direito do trabalho a importância da pro-va médico-pericial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

JOSÉ BARCELOS DE SOUZAUm símbolo de tribunal do júri . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

CARLOS ALBERTO ROHRMANNReflexão sobre as empresas de telecomunicação e o paradigmaeconômico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

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FÁBIO BELODireito, Literatura e Interpretação A controvérsia entre RonaldDworkin e Stanley Fish . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

DAN MARKUS KRAFTLegal Aspects of Financial Services Global Liberalisation . . . 145

CARINNA GONÇALVES SIMPLÍCIOHILDEBRANDO PONTES NETOPATRÍCIA DUARTE COSTA MENTACARLOS ALBERTO ROHRMANNObras derivadas sob a ótica da Licença Pública CreativeCommons – CCPL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

KELLE GRACE MENDES CALDEIRA E CASTROMARIZA ALVES RIBEIROVALÉRIA DUARTE COSTACYNTHIA BELÉMA informação em obra literária como objeto da relação de con-sumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

FABIANO FERREIRA FURLANHERBERT JOSÉ ALMEIDA CARNEIROJOSÉ OSWALDO CORREA FURTADO MENDONÇAAspectos penais e processuais penais do crime de violação dedireito autoral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

DANIEL B. GARRIESHIRA KAUFMANWarning: software may be hazardous to your privacy! . . . . . 247

ASLÝ DENIZ HELVACÝOÐLU1Copyright and the liability of online intermediaries in the EUharmonizatoin process: the case of turkey . . . . . . . . . . . . . . . 269

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RACHEL SZTAJNNotas sobre as Assembléias de Credores na Lei de Recupera-ção de Empresas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297

LUCAS DE ALVARENGA GONTIJOLógica dialética-discursiva e teoria do direito: ensaio crítico so-bre metodologia jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329

MISABEL ABREU MACHADO DERZIBoa-fé objetiva no direito tributário. princípio ou cláusula geral? 345

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AÇÃO ANULATÓRIA DE ATOJUDICIAL E AÇÃO RESCISÓRIA

ALEXANDRE BUENO CATEB

Sumário

1. Introdução; 2. Atos do Juiz; 2.1. Classificaçãodos atos judiciais; 2.2. A Adjudicação em face daclassificação dos atos judiciais; 3. Revisão ou re-vogação do ato judicial; 3.1. Meios processuais ca-bíveis; 3.1.1. Ação rescisória do ato judicial; 3.1.2.Ação anulatória; 3.2. Juiz competente para decla-rar a ineficácia do ato; 4. Conclusão. 5. Referên-cias bibliográficas.

ResumoO autor desenvolve argumentos favoráveis à ação anulatória de

ato judicial. Confronta as hipóteses de cabimento com as previstaspara a ação rescisória, de aplicação restrita segundo a sistemática doCódigo de Processo Civil. Conclui pela possibilidade de revisão dedecisão judicial transitada em julgado, apresentando um meio jurídicode se modificar, suspender a eficácia ou até mesmo anular ato judicialviolador do direito de terceiros, não envolvidos na lide.

AbstractThe author develops arguments in favor of the law suit for voiding

judicial acts. He deals with the hipothesis of allowing for the terms ofthe Brazilian Civil Procedure Code. He concludes that it is possible toreview the final judicial decision through a juridical means that modifies,suspends the effects or even voids the judicial act that violates rights ofthird parties that were not parties to the original law suit.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 23-40 2006

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ALEXANDRE BUENO CATEB

1 INTRODUÇÃO

Fomos recentemente consultados acerca de uma sentença judi-cial, passada em julgado, que conferia a um credor a propriedade deum determinado bem, adjudicado por ausência de litigantes em praçapública. No entanto, o bem penhorado (e que não fora dado em pe-nhora pelo devedor, mas indicado pelo credor, a partir de informaçõesobtidas junto à Receita Federal – Declaração de Ajuste do IRPF dodevedor) pertencia a um terceiro (registrado no Cartório de Registrode Imóveis competente), que não fôra parte naquele processo.

Esse bem aparecia naquela Declaração de Ajuste de Impostode Renda porque, alguns anos antes, o ora devedor havia comprado,em parcelas, referido bem do ora terceiro. Não cumpriu suas obriga-ções pecuniárias e, a fim de resguardar seu direito, o então vendedorobteve sentença judicial (também passada em julgado) que anulouaquela compra e venda. Entretanto, o comprador, não se sabe o mo-tivo, permaneceu informando em suas Declarações Anuais de Ajustedo Imposto de Renda a propriedade do referido bem.

No processo em que houve a adjudicação do bem, vale tam-bém informar que o juiz, após sentença que julgou perfeita a adjudica-ção, determinou a expedição de mandado, dirigido ao Cartório deRegistro Imobiliário, para que este procedesse à averbação daquelatransferência de propriedade.

Notando a irregularidade do ato, e em prudente atitude, o Sr.Tabelião se recusou em proceder a mencionada averbação, restandoapenas prenotada a determinação judicial. Não houve mais, da partedo credor-adjudicante, do devedor, do Juiz ou do Tabelião, qualqueralteração na situação jurídica. Passaram-se, da expedição da carta deadjudicação, quatro anos e dois meses.

Recentemente, o legítimo proprietário do bem incorretamenteadjudicado realizou um contrato de compra e venda, à vista, lavrandoa respectiva escritura que dava ao comprador o direito de transferirpara si o imóvel. No entanto, ao pretender averbar junto à matrículado bem seu título aquisitivo, o comprador constatou o óbice daprenotação existente em virtude da determinação judicial.

Como discutir e obter a anulação daquela sentença, homolo-gatória da adjudicação realizada? Esse é o objetivo do presente traba-

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AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JUDICIAL E AÇÃO RESCISÓRIA

lho: estudar as diferenças existentes entre a ação rescisória, previstano art. 4851 do Código de Processo Civil, e a ação anulatória depronunciamento judicial, consubstanciada no art. 4862. Para facilitar acompreensão do tema proposto, utilizaremos o método de estudo decasos, com referências à lide mencionada. Também serão analisadasdecisões judiciais em ações rescisórias, publicadas em RepertóriosOficiais de Jurisprudência ou obtidas nos Tribunais Mineiros.

Buscaremos analisar as espécies de atos judiciais, segundo suaclassificação doutrinária. Devido ao objetivo do estudo, faremos apenasbreves remissões aos demais remédios processuais, a fim de não desvi-armos do tema.

Finalmente, após identificar em qual das categorias acima seenquadra a sentença de homologação da adjudicação, será estudadoo meio processual cabível para revogação desse provimento, o juízocompetente para apreciar e julgar o litígio e, finalmente, qual o efeitodessa decisão perante as partes.

1 Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou decolusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;IV - ofender a coisa julgada;V - violar literal disposição de lei;VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ouseja provada na própria ação rescisória;VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava,ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamentofavorável;VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em quese baseou a sentença;IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;X – a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for manifesta-mente superior ou inferior ao preço de mercado, objeto da ação judicial.* Inciso acrescentado pela Medida Provisória n.º 1.798-4, de 06.05.1999, DOU07.05.1999§ 1º. Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerarinexistente um fato efetivamente ocorrido.§ 2º. É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia,nem pronunciamento judicial sobre o fato.

2 Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta formeramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral,nos termos da lei civil.

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ALEXANDRE BUENO CATEB

2 ATOS DO JUIZ

O juiz está, sempre, adstrito à condução do processo, segundofaculdades inerentes ao seu poder jurisdicional que lhe são outorgadaspela lei.

Essa atividade, vinculada, tem o objetivo de propiciar ao magis-trado meios para decidir a demanda. Dentre esses, podemos citar pro-vimentos com o fim de dirigir a instrução processual e que encerram oprocesso; solicitações e pedidos a outras autoridades; e diversos ou-tros atos que não têm qualquer relevância jurídica, mas são inerentes àatividade do juiz, ainda que não correspondam ao exercício da funçãojurisdicional.

“A impossibilidade física e moral da decisão causa sua nulidade.A primeira pela sua própria natureza em contradição com a fina-lidade da sentença; a segunda porque os atos jurídicos e, emconseqüência, os atos judiciais, máxime a sentença, têm de serlícitos por definição.”3

As atividades do juiz, portanto, restringem-se a provimentos ouatividades de tomada do material de cognição. Apenas os primeirosnos interessam, pois enquanto meramente condutor da instrução pro-cessual, decidindo e provendo atos que objetivarão, exclusivamente, ainstrumentalizar o processo para seu efetivo julgamento, não trazemqualquer vinculação para terceiros alheios ao processo.

Trataremos, a seguir, da classificação dos atos judiciais, segun-do a relevante influência para as partes e terceiros, no sentido de alte-rar as situações jurídicas das pessoas entre si e em relação aos bensobjeto dos litígios.

2.1 Classificação dos Atos Judiciais

Há no Direito Processual Brasileiro a possibilidade de o juiz semanifestar através de decisões, atos de caráter decisório, e despachos

3 FONSECA, Tito Prates da. As Nulidades em face do Código de Processo Civil. 1.ed.Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1941, p. 339.

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AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JUDICIAL E AÇÃO RESCISÓRIA

em geral, que portam conteúdo meramente administrativo, com o fimde dar movimento ao processo. Interessa-nos, apenas, as decisões deconteúdo decisório, pois apenas elas poderão alterar a situação fáticaque envolve o bem litigioso, as partes e eventuais terceiros interessados.

Dentro da sistemática adotada por nosso Código de ProcessoCivil, dá-se a denominação genérica de decisão a todo ato do juiz decaráter decisório. No entanto, em decorrência de sua eficácia, os re-cursos cabíveis contra cada um, a forma, o conteúdo e até o prazopara o proferimento, a doutrina4 os divide em:

a) despachos de expedientes ou ordenatórios, que tratam ape-nas do regular andamento do processo. Através desses atos,o processo anda em direção ao seu desfecho regular. Nessesdespachos, a legislação não prevê recursos, por terem cará-ter meramente burocrático;

b) despachos interlocutórios, que decidem questões contro-versas relativas à regularidade do processo, sem, no entanto,dar-lhe fim. Para esses atos, a lei reservou a possibilidade deapresentação do recurso de agravo;

c) decisões terminativas do processo, que não resolvem omérito. Em virtude de um defeito de constituição ou desen-volvimento válido do processo ou do procedimento5, o juiz

4 Cf. ensinamento do Prof. Enrico Liebman, nas notas à obra Instituições de DireitoProcessual Civil, de Giuseppe Chiovenda, p. 47/48.

5 Para Elio Fazzalari, procedimento é a seqüência lógica de normas, atos e condutassubjetivas: “Il procedimento si presenta, poi, come una sequenza di ‘atti’, qualiprevisti e valutati dalle norme. Il procedimento va, infine, riguardato come una seriedi ‘facoltà’, ‘poteri’, ‘doveri’: quante e quali sono le ‘posizioni soggetive’ che è datotrarre dalle norme in discorso; e che risultano anch’esse, e necessariamente, collegatein modo che, ad esempio, un potere spetti ad un soggetto quando un dovere sai statocompuito, da lui o da altri, e, a sua volta, l’esercizio di quel potere costituisca ilpresupposto per l’insorgere di un altro potere (o facoltà, o dovere).” (FAZZALARI,Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8.ed. Padova: Casa Editrice Dott. AntonioMilani, 1996, p. 78). Continuando sua lição, esclarece que o procedimento é oprocesso em contraditório. Não é preciso o exercício do contraditório, mas apenas aoportunidade de exercê-lo: “Come ripetuto, il ‘processo’ è un procedimento in cuipartecipano (sono abilitati a partecipare) coloro nella cui sfera giuridica l’atto finaleè destinato a svolgere effetti: in contraddittorio, e in modo che l’autore dell’atto nonpossa abliterare le loro attività.” (FAZZALARI, Elio. Istituzioni di DirittoProcessuale. 8.ed. Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1996, p. 82).

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põe fim ao mesmo, por considerar6 que a condução do pro-cedimento até o final previsto na lei não trará qualquer bene-fício para as partes, ou por entender que a falta de qualquerdesses pressupostos poderão viciar irremediavelmente o pro-cedimento. Põe fim ao processo sem decidir o mérito dacausa. No regime do Código de Processo Civil de 1.939,estavam sujeitas ao agravo de petição. Pela nova sistemáticado Código de 1.973, desafiam a apelação;

d) decisões definitivas, que são as que decidem, no todo ouem parte, a lide. Também, pondo fim ao processo, podemser atacadas pelo recurso de apelação. É o ato mais impor-tante e solene do processo. A sentença definitiva fixa o provi-mento judicial a respeito do fato controvertido e, pela siste-mática atual, passando em julgado sem a apresentação derecurso, se lhe atribui a autoridade da coisa julgada.

2.2 A Adjudicação em face da Classificação dos AtosJudiciais

Adjudicado o bem, dado em garantia de uma execução, há al-guns fatores a se considerar. Em primeiro lugar, na fase de execução,não há mais controvérsia quanto ao direito da parte. Este já foi decididoatravés de uma sentença de mérito passada em julgado7 ou sequer foiquestionado, se a execução se originou em um título executivoextrajudicial.

6 As manifestações do juiz no processo não são sempre vinculadas à disposição legal.É verdade que o entendimento do magistrado deve estar arrimado na lei, mas hátambém o lado pessoal do juiz, um sentimento quanto à eficácia do provimento, quelhe dá a oportunidade de recusar determinada providência, bem como o faz decidir alide segundo os interesses do autor ou do réu.

7 Quando se fala em sentença de mérito passada em julgado, estamos tratando daqueladecisão que faz coisa julgada material e, conseqüentemente, constitui um títuloexecutivo judicial. Ainda que seja passível de rescisão (nos exatos termos do art. 485do CPC), este ato judicial já permite a execução do julgado. Da mesma forma,verifica-se a possibilidade de execução forçada de um título extrajudicial, sobre o qualnão haveria sequer a possibilidade de pender um processo de conhecimento, comoportunidade de produção de provas.

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“De qualquer modo, a decisão que defere o requerimento deadjudicação (e melhor diríamos o pedido) é sentença, e não sóaceitação.Adjudicação é sentença. Atribui-se, judicialmente, ao credor,ou a quem tem direito, em adimplemento de dívida, a proprie-dade do bem ou outra titularidade.”8

E prossegue a doutrina, atribuindo à sentença efeito constitutivo,a despeito da abalizada opinião de Liebmann, que lhe atribuiu caráterexecutivo, por ser ato de transferência coativa:

“O juiz, ao conceder a adjudicação, lavra uma sentença consti-tutiva; pratica um ato de império; e ao executado ficam apenas afaculdade de fiscalizar o ato, embargando a adjudicação, quan-do, em seu prejuízo, haja qualquer defeito nos pressupostosdaquela transferência, e a faculdade de impedir a adjudicação,operando a remissão dos bens.”9

“Ao julgar a adjudicação, o juiz constitui, porque transfere atitularidade do direito. Se não há interposição de recurso, ouinterposto, é julgado improcedente, ou incabível, a decisão transitaem julgado, salvo se do novo julgamento se interpõe, com resul-tado favorável, recurso, que reforma a sentença.”10

Ainda segundo o art. 715 do Código de Processo Civil, a adju-dicação se consideraria perfeita e acabada, havendo um só preten-dente, independente de sentença. Bastaria apenas a assinatura do autoe a conseqüente extração da carta. O conteúdo decisório estaria con-tido no auto de adjudicação.

Este procedimento, no entanto, independe de sentença que de-cida fato controverso. Seria, entretanto, necessária a sentença para

8 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, T. X. 1.ed. Riode Janeiro: Companhia Editora Forense, 1976, p. 429.

9 NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil, V v. 1.ed. Rio de Janeiro:Companhia Editora Forense, 1974, p. 143.

10 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, T. X. 1.ed. Riode Janeiro: Companhia Editora Forense, 1976, p. 429.

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declarar a adjudicação em favor de um ou outro dos pretendentes aoimóvel. Para a efetivação da transferência da propriedade, necessárioé que se o faça mediante sentença homologatória daquele ato, sendo,após transcrito no Registro Imobiliário. Assim, explica Pontes deMiranda, o conteúdo decisório contido na carta de adjudicação:

“Se há um só pretendente à adjudicação, essa se tem comoperfeita e acabada com a assinatura do auto e independente-mente de sentença. Pergunta-se: não houve qualquer decisãoquanto à adjudicação? Houve: a assinatura do auto pelo juiz foisuficiente para a transferência, mas a carta de adjudicação temde ser conforme o art. 703, que passa a ser título sentencial.”11

Havendo mais de um pretendente ao bem (conseqüentemente,mais de um credor), dúvida não há. O juiz realiza uma licitação e aproposta mais vantajosa para o devedor prevalece. Diante dessa situa-ção, portanto, julga-se vencedor aquele que deu o maior lançe. A sen-tença é também de caráter constitutivo. Lavra-se, como acima, umacarta de adjudicação que irá conferir ao credor, observados os prazoslegais para que se passe em julgado, o decisum.

Para Pontes de Miranda, dois seriam os possíveis atos jurídicosnesse momento praticados:

“(1) O ato jurídico da parte, suscetível de desconstituição se-gundo os princípios do direito que o rege, seja material (e.g.,renúncia à res deducta, isto é, à pretensão de direito material,ou transação), ou processual (e.g., desistência da ação propos-ta), ou ato do juiz em lugar da parte (e.g., se as partes acorda-ram em que o juiz determinasse alguma prestação).O ato jurídico processual do juiz, pelo qual ele manda inserir, outomar por termo nos autos o que declara a parte, ou declaram

11 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, T. X. 1.ed. Riode Janeiro: Companhia Editora Forense, 1976, p. 434.

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as partes, ou pelo qual homologa meramente o que foi insertoou tomado por termo nos autos.”12

No entanto, fica identificado claramente o conteúdo decisórioque envolve a adjudicação. Cumpre apenas discernir esse ato em rela-ção à classificação dos atos judiciais acima exposta.

Não é despacho de expediente ou ordenatório, que promove oandamento regular do feito, pois tem conteúdo decisório. Também nãose equipara aos despachos interlocutórios, porque não decide questãoprocessual. As decisões terminativas objetivam encerrar o caminhoprocessual em virtude de um defeito de constituição ou desenvolvi-mento válido do processo. Também não o é, pois não se dirige a ne-nhum pressuposto processual. Por último, restam as decisões definiti-vas, que solucionam a lide. Se havia pluralidade de licitantes, é certoque a decisão tem este conteúdo, pois decide em favor de um emdetrimento de outros. Se, no entanto, há apenas um pretendente, residea dúvida: há conteúdo decisório. Pois, sem dúvida, podemos afirmarque sim, uma vez que o ato tem caráter constitutivo de direito e, tam-bém, porque a sentença, para gerar efeitos materiais, não depende deefetiva controvérsia, mas apenas de sua possível existência.

3 REVISÃO OU REVOGAÇÃO DO ATO JUDICIAL

Concluímos que a adjudicação se dá por ato judicial equipara-do à sentença definitiva. Se assim o é, facilmente se percebe que podeser revista. E, como conclusão lógica, decorre que, não exercitado odireito à revisão do ato, este passa em julgado, dando origem a coisajulgada.

Mas essa decisão pode ser atacada? Quem terá legitimidadepara fazê-lo? Por que meios? Em que prazo? Quem deverá rever adecisão? E qual o alcance desta coisa julgada?

12 MIRANDA, Pontes de. Tratado da Ação Rescisória. 5.ed. Rio de Janeiro: Compa-nhia Editora Forense, 1976, p. 413.

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3.1 Meios Processuais Cabíveis

Caracterizada por se equiparar a sentença, a adjudicação dobem pode sofrer, como todo ato desta natureza no direito brasileiro,sua revisão por via de apelação.

“Da sentença que concede ou nega a adjudicação, que o mes-mo é dizer-se da sentença que julga procedente ou improce-dente o pedido de constituição do negócio jurídico da adjudica-ção, metido no processo de execução, cabe o recurso de ape-lação.”13

Como negócio jurídico que é, a adjudicação também pode serrevista por meio de embargos do devedor, por nulidade da adjudica-ção, ainda que em virtude de nulidade anterior, porém posterior à pe-nhora.

Não sendo exercitada no prazo legal (15 dias, segundo o art.508 do CPC), é passível ainda de ação rescisória, desde que obser-vados os requisitos do art. 485 do Código de Processo Civil, ou açãoanulatória, nos termos do art. 486.

Ao nosso estudo não interessa a hipótese de apelação, pois ointeressado é terceiro que sequer sabia da lide existente entre as partese muito menos que seu patrimônio estava a garantir dívida de outrem.Por idênticos motivos, despreza-se a análise da reapreciação da deci-são por via de embargos do devedor. Restam, finalmente, as hipótesesde ação rescisória e ação anulatória.

A primeira diria respeito a sentenças de mérito, que fazem coisajulgada material e cujo conteúdo transforma a relação jurídica entre aspartes e seus bens. Não é aqui o caso, pois o bem objeto da adjudica-ção não pertencia, antes da sentença, a nenhuma das partes. Mas, poruma decisão judicial, passou para o patrimônio do credor.

No entanto, para demonstrar que a ação rescisória não teriacabimento para dirimir esta dúvida, passaremos em revista por todas

13 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, T. X. 1.ed. Riode Janeiro: Companhia Editora Forense, 1976, p. 434.

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as hipóteses possíveis de ação rescisória para, finalmente, concluir quenão serviria para a revisão do julgado.

3.1.1 Ação rescisória14

A ação rescisória só será cabível nas hipóteses do art. 485 doCPC, de enumeração taxativa. São elas:

I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão oucorrupção do juiz – não é o caso, pois o ato do juiz fora meramentehomologador da adjudicação. Assim, não há sequer que se questionarse havia interesse do juiz nesse sentido.

II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompe-tente – também não é o caso. Se fosse percebido o impedimento ouincompetência absoluta, estar-se-ia questionando todo o processoexecutivo. A possibilidade de retroação da situação para circunstânci-as anteriores à adjudicação não busca esse suporte.

III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento daparte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei– nesse caso, deveria ter sido verificado um vício de vontade ou, nomínimo, a utilização do processo para fins outros além do apazigua-mento social.

IV - ofender a coisa julgada – não há aqui coisa julgada. Aofensa foi ao direito de propriedade do interessado, que não era parteno processo executivo.

V - violar literal disposição de lei – a adjudicação de bens dodevedor, caso não se apresentem licitantes, é prevista na norma pro-cessual.

VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apuradaem processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória

14 Esclarecendo cada uma das hipóteses de cabimento da ação rescisória, Pontes deMiranda escreveu seu Tratado da Ação Rescisória, do qual não ousamos retirarpequenos excertos a fim de não desvirtuar o objeto da presente monografia. Nãodeixa de ser obrigatória, no entanto, a análise de sua obra, de conteúdo e valorindiscutíveis na análise do tema “Ação Rescisória”.

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– a sentença não se fundou em prova. Foi meramente homologatóriade um ato concluído entre as partes, ainda que com a interveniência doPoder Judiciário.

VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo,cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz,por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável – essa hipó-tese diz respeito tão somente ao exercício da ação rescisória pelo autor.Não é também o caso, pois o credor se viu satisfeito com a adjudica-ção do bem.

VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desis-tência ou transação, em que se baseou a sentença – a sentença nãoestá baseada em qualquer desses requisitos. Houve, sim, a homologa-ção, passada em julgado, de um procedimento judicial.

IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de do-cumentos da causa – não é decisória de situação fática, mas apenashomologatória de um negócio jurídico.

X – a indenização fixada em ação de desapropriação diretaou indireta for manifestamente superior ou inferior ao preço demercado, objeto da ação judicial – não se trata de ação indenizatória.

3.1.2 Ação anulatória de ato judicial

Como explica Pontes de Miranda em seu Comentários aoCódigo de Processo Civil, a adjudicação de um bem imóvel é negó-cio jurídico entre as partes (exeqüente e executado). E tem validadeno mundo jurídico, ainda que não se tenha a livre manifestação davontade do expropriado. Isto porque a interveniência do Estado, comoparte na relação jurídica processual existente entre as partes, tem ocondão de suprir essa aparente coação.

“O credor é parte no processo de execução de sentença e noexecutivo de outros títulos extrajudiciais, de modo que a suaproposta, – o exercício do seu ius offerendi, para que se lheadjudique o bem, exercício que consiste em declaração de von-tade do exeqüente, dependente de recepção e de sentença

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constitutiva integrativa, – tem de ser ao se declarar que não houvelançado, portanto, finda a praça.”15

É declaração de vontade do credor a manifestação de que pre-tende exercer o seu ius offerendi, fazendo uma proposta de recebi-mento do bem para pagamento de seu crédito. Chegando ao juiz essamanifestação de vontade, e esse a recebendo, está o credor vinculadoa sua oferta, obrigando-se por cumpri-la.

E, como declaração de vontade, deve observar os requisitosprevistos na lei civil, sob pena de se constituir um ato jurídico anulá-vel, nulo ou inexistente. Quanto ao ato anulável, a doutrina o distin-gue como aquele ato que visa à proteção dos interesses privados. “Aanulabilidade visa à proteção do consentimento ou refere-se à inca-pacidade do agente.”16

“É o vício que retira todo ou parte de seu valor a um ato jurídi-co, ou o torna ineficaz apenas para certas pessoas.VAMPRÉ a conceitua como o nenhum efeito do ato, ou o seuefeito limitado a certas pessoas, como pena contra a infração dalei (VAMPRÉ, Man. de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, § 80).Outros costumam definir a nulidade como sendo a declaraçãolegal de que o ato não tem eficácia jurídica por falta de algumasolenidade essencial na sua forma interna ou externa.E em verdade a nulidade não é senão uma sanção da violaçãoda autoridade da lei, isto é, uma sanção dos atos praticadoscontra a disposição das leis proibitivas ou preceptivas, qualquerque seja o elemento do ato jurídico, que tenha sido visado pelopreceito legal: sujeito, objeto, conteúdo, cláusulas, formalidadesinternas e externas, publicidade, etc.”17

15 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, T. X. 1.ed. Riode Janeiro: Companhia Editora Forense, 1976, p. 431.

16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. 11.ed. Rio deJaneiro: Editora Forense, 1989, p. 442.

17 SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, v. III. 10.ed. Riode Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1961, p. 225/226.

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Ensina Caio Mário da Silva Pereira que nulo seria o “negóciojurídico quando, em razão do defeito grave que o atinge, não podeproduzir o almejado efeito.”18

Finalmente, continua o mestre, atentando para a dificuldade dadoutrina que chega a confundir o ato inexistente com o ato nulo e oanulável, que inexistente é aquele negócio jurídico a que falta um pres-suposto material de sua constituição.

E, para esclarecer sua lição, analisa comparativamente as hipó-teses de atos nulos e inexistentes, em função da inobservância dosrequisitos previstos no art. 82 do Código Civil. Seguindo sua orienta-ção, acabamos por concluir que a adjudicação de um bem que nãopertencia ao devedor equivale a ato jurídico inexistente19, o que, naopinião de Carvalho Santos, não induz a nenhuma conclusão prática:

“Acresce que há alguma vacilação em estremar as duas figuras:a da nulidade e a da inexistência, não apresentando essa dife-renciação, por outro lado, nenhuma importância prática, a nãoser no tocante ao casamento, o que mostraremos nos comentá-rios aos artigos que se referem à nulidade e anulação do casa-mento.O que importa em reconhecer, em última análise, que, emborateoricamente evidente a diferenciação entre ato nulo e inexistente,não há vantagem em distingui-los no terreno da prática, a nãoser em se tratando de casamento. Isto porque, como acentua oProfessor ESPÍNOLA, de modo geral, não produz qualquer efeitoo ato nulo, da mesma sorte que o inexistente, pelo menos emnosso Direito positivo (Manual Paulo Lacerda, vol. 3, quartaparte, n. 53)”20

Entendemos, no entanto, que a adjudicação de um bem imóvelque não era de propriedade do executado configura um ato jurídico

18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. 11.ed. Rio deJaneiro: Editora Forense, 1989, p. 439.

19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. 11.ed. Rio deJaneiro: Editora Forense, 1989, p. 447/450.

20 SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, v. III. 10.ed. Riode Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1961, p. 229.

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nulo, por interpretação do art. 145, que considera nulo o ato jurídicoquando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito, em vir-tude da enumeração legal, prevista no art. 655 do Código de ProcessoCivil, dos bens passíveis de indicação, pelo devedor, para penhora econseqüente garantia do juízo.

De qualquer forma, formamos o convencimento, arrimados naspalavras de Carvalho Santos, de que a diferenciação terá mero efeitoteórico. Na prática, o ato é ineficaz em relação ao proprietário dobem, sendo necessária, apenas, sua declaração pelo juiz.

Pontes de Miranda nos traz a noção do ato jurídico ineficaz, aocomentar a hipótese de sofrer o adjudicatário a evicção:

“O adjudicatário (exeqüente) pode ser evicto, se alguém lhe rei-vindica o bem adjudicado. Perguntava-se se, com isso, lhe nas-cia a pretensão a executar a dívida, ou se era em tudo equipara-do ao terceiro que arrematara. PANTALEÃO DE ARAÚJO NETO EGUERRA (Commentaria ad Ordinationes Portugaliae Regni,364) entendia, seguindo a alienígenas, que o crédito renascia,com os seus privilégios e garantias. Mas sem razão; pois aarrematação da coisa alheia não é nula, e sim apenas ineficaz,como acontecia e acontece à compra-e-venda de coisa que nãopertence ao vendedor.”21

Nesse mesmo sentido versa a legislação processual pátria, quan-do enumera os bens sujeitos à execução (art. 655) e, adiante, quandodispõe ser ineficaz a nomeação dos bens se não obedecer à ordemlegal (art. 656). Mutatis mutandis, entendemos que a penhora, praçae adjudicação de bem, quando também não se observa o rol previstonessa parte da legislação processual, induz no entendimento de que aadjudicação poderia ser julgada ineficaz.

“Ao desconstituir-se a sentença nula não se destroem efeitos,porque a sentença nula não se surte efeitos. A decisão sobre efeitos dasentença nula é que é declarativa, e isso leva os juristas, por vezes, a

21 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, T. X. 1.ed. Riode Janeiro: Companhia Editora Forense, 1976, p. 433.

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graves confusões: como os efeitos não são, concluem que a sentençanula não é. Ora, a sentença é, mas é nula e, por ser nula, dela não seirradiam efeitos.”22

Cumpre, então, refletir sobre a chamada ineficácia deste ato deadjudicação. Dividindo em ineficácia lato sensu e stricto sensu, CaioMário da Silva Pereira ensina que “a validade do negócio jurídico éuma decorrência da emissão volitiva e de sua submissão às determina-ções legais.”23 E, adiante, ensina:

“Ineficácia, stricto sensu, é a recusa de efeitos quando, obser-vados embora os requisitos legais, intercorre obstáculoextrínseco, que impede se complete o ciclo de perfeição do ato.Pode ser originária ou superveniente, conforme o fato impeditivode produção de efeitos, seja simultâneo à constituição do ato ouocorra posteriormente, operando contudo retroativamente.”24

3.2 Juiz Competente para Declarar a Ineficácia do Ato

Por ser a adjudicação um ato que se aproxima bastante da no-ção dos negócios jurídicos, entendemos ser competente para declarareventual nulidade no negócio o mesmo juiz perante o qual se operou ahomologação da adjudicação.

E não há mesmo que se falar em nova manifestação, pelo juiz,em fato sobre o qual já se manifestara em outra oportunidade.

O ato judicial de homologação da vontade do credor de adjudi-car o bem penhorado em seu favor não exclui do juiz a possibilidadede reapreciação do fato, principalmente se há uma nulidade que tornao negócio ineficaz.

Esse mesmo juiz teria competência para declarar aquele vícioinsanável de que se revestia a adjudicação. E esse pronunciamento

22 MIRANDA, Pontes de. Tratado da Ação Rescisória. 5.ed. Rio de Janeiro: Compa-nhia Editora Forense, 1976, p. 451.

23 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. 11.ed. Rio deJaneiro: Editora Forense, 1989, p. 437.

24 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. 11.ed. Rio deJaneiro: Editora Forense, 1989, p. 439.

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poderia ter sido, até, de ofício, se o Tabelião do Registro Imobiliáriocompetente tivesse suscitado a dúvida quanto à legitimidade do pro-nunciamento judicial para promover a averbação de uma transferênciapatrimonial em que não figurava o legítimo proprietário do bem adjudi-cado.

4 CONCLUSÃO

Deve, pois, a adjudicação, considerada como negócio jurídicoentre exeqüente e executado ser apreciada em toda sua formação,como qualquer acordo de vontades.

Verificando-se a impossibilidade daquela convenção produzirefeitos, poderá ser suscitada a nulidade, perante o próprio juiz queexpediu o auto de adjudicação, para que ele declare nulo aquele atojudicial, em razão da própria evicção do bem, ocorrida em decorrên-cia da ausência de título legitimador do domínio nas mãos do executa-do, que sofreu a expropriação de um bem que não fazia parte de seupatrimônio.

Quanto ao credor que incorretamente adjudicou bem de ou-trem, estará sujeito aos efeitos da evicção. Entendemos que sequerpoderá renovar a penhora sobre novo bem, porque não cuidou deverificar a procedência do anterior.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil,v. III. 1.ed. São Paulo: Saraiva & Cia., 1945. 478p.FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8.ed. Padova:Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1996. 739p.FONSECA, Tito Prates da. As Nulidades em face do Código deProcesso Civil. 1.ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos,1941. 420p.GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no Processo. 1.ed. Rio deJaneiro: Aide Editora, 1993. 141p.LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença. 1.ed.Rio de Janeiro: Revista Forense, 1945. 211p.

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MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil,T. VI. 1.ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1975. 543p.MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil,T. X. 1.ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1976. 602p.MIRANDA, Pontes de. Tratado da Ação Rescisória. 5.ed. Rio deJaneiro: Companhia Editora Forense, 1976. 728p.MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Pro-cesso Civil, V v. 1.ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense,1974. 548p.NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil, V v.1.ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1974. 363p.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I.11.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989. 498p.ROSA, Inocêncio Borges da. Nulidades do Processo. 1.ed. PortoAlegre: Livraria do Globo, 1935. 434p.SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado,v. III. 10.ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1961, 512p.SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado,v. VII. 7.ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1961. 452p.

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AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JUDICIAL E AÇÃO RESCISÓRIA

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A EXECUÇÃO DE SENTENÇA, DESDE A“ACTIO IUDICATI” ROMANA, ATÉ A NOVA

SISTEMÁTICA DE SEU CUMPRIMENTO, NAREFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005

LUIZ FERNANDO DA SILVEIRA GOMES

Sumário

1. A Fundação de Roma e a “actio iudicati”. 2. Perí-odos do Direito Romano. 3. Antes da “actio iudicati”.4. A “actio iudicati.” 5. A execução na idade média.6. Títulos Executivos Extrajudiciais. 7. No DireitoBrasileiro antes do CPC de 1939. 8. Os códigos deprocesso estaduais. 9. O código unitário de 1939.10. A unificação das execuções pelo Código Buzaidde 1973. 11. As alterações que tiveram início em1994. 12. A execução das sentenças condenatóriasem quantia certa.13. Referências bibliográficas.

ResumoO presente trabalho examina os principais fatos e alterações, na

longa evolução do processo e do procedimento da execução, desde oprimeiro período do processo civil no Direito Romano, denominadodas Legis Actiones, até a publicação da Lei 11.232, de 22 de dezem-bro de 2005, que reformou o processo de execução por quantia certa,no direito brasileiro, abolindo a necessidade de citação do devedorpara outro processo, ou seja, suprimindo a antiga dicotomia que existia

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antes, entre o processo de conhecimento e o de execução. Ficou determi-nada, entretanto, a vigência subsidiária dos artigos 655 e seguintes doCPC, que tratam do procedimento da execução e seus atos típicos, noque couber, nos termos do artigo 475-R do CPC, em sua nova redação.

AbstractThis article examine the most important facts and statutes in the

evolution of the judicial enforcenent, since the first period of the RomanLaw called ‘‘Legis Actiones’’, till the brasilian statute n0. 11.232, ofDec., 22,2005, wich intoduced modifications in the judicial enforcementsistem with focus in improvements in judicial apparatus.

1 A FUNDAÇÃO DE ROMA E A “ACTIO IUDICATI”

1. Em Roma, nos primórdios do Direito Romano, não havia umprocesso de execução bem estruturado. As decisões dos magistrados eramentregues às partes e elas tinham liberdade de torná-las efetivas comomelhor lhes aprouvesse, ou de acordo com os costumes de cada época.

2. Nas fases iniciais, não havia, ainda, portanto, de forma clara,regulamentação, no que se refere à incidência dos atos de execução, seiriam recair sobre a pessoa física ou sobre o patrimônio da parte queperdia a ação. Naquela época, era comum tais atos incidirem sobre apessoa física do vencido. Antes do advento da chamada “actio iudicati”,(que melhor estruturou a execução, para os padrões da época), o Direi-to Romano passou, entretanto, pela adoção de algumas leis que dispu-seram sobre a questão, sem constituírem, ainda, um processo ou simplesprocedimento de execução, como conhecemos hoje. Algumas delasabrandaram a execução sobre a pessoa física do devedor, fazendo comque recaísse sobre os seus bens, como se verá mais adiante.

3. Sabe-se que a fundação de Roma acha-se cercada de lendase, talvez por esta razão, os romanistas divergem quanto à data, algunsdizendo ter sido em 753 a.C, outros em 754 a.C. A lenda mais conhe-cida é a que diz ter sido Roma fundada por Rômulo e Remo. Rômulo,irmão gêmeo de Remo, teria sido o primeiro rei de Roma (Rex). Oshistoriadores registram que, depois de Rômulo, os reis foram: Numa

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Pompilius, Tullus Hostilius, Ancus Martius, Tarquinius Priscus, ServiusTullius e Tarquinius Superbus. A História registra, ainda, que os reis àépoca eram eleitos, e esses primeiros o foram para se tornarem chefesdas gentes, as quais habitavam o território romano e criaram um cen-tro de defesa no Monte Palatino, cercado de muralhas, o que teriadado origem a Roma (Roma quadrata). Há, entretanto, outras hipóte-ses defendidas por historiadores, que não serão examinadas aqui porse tratarem de temas mais próximos da História do que do DireitoRomano, propriamente dito.

2 PERÍODOS DO DIREITO ROMANO

4. Por volta de 510 a.C., os Romanos, ainda subjugados aTarquinius Superbus, lograram libertar-se dele, aboliram a Realeza e fun-daram a República. O poder passou para os magistrados, chamadosPretores e depois denominados Cônsules. Assim, percebe-se, em se-qüência, que a Realeza vigorou de 754 a.C. a 510 a.C. A República, de510 a.C. até 27 a.C., ( editada a Lei das XII Tábuas, por volta de 451a.C.). O Alto Império, de 27 a.C. a 285 d.C. (principado). O BaixoImpério, de 285 d.C. (Diocleciano) a 565 d.C, (dominato), ano da mor-te do Imperador Justiniano. Foi esse Imperador que determinou a ela-boração do Corpus Iuris Civilis, em 528 d.C., que consistiu em umacompilação de obras sobre o direito da época, feita por uma comissãode jurisconsultos presidida por Triboniano. Essa grande obra era com-posta pelo Digesto, pelas Institutas, pelo Código e pelas Novelas.

Para muitos, aqui termina o chamado período do Direito Roma-no. Para outros historiadores, deve-se incluir o período Bizantino (deBizâncio, antiga Constantinopla, hoje Istambul, na Turquia), que vai de565 d.C. até 1453 d.C., ano em que ocorreu a queda deConstantinopla, tomada pelos turcos otomanos (Maomé II). Nesseperíodo ainda vigeu o Direito Romano, embora fosse perdendo,gradativamente, sua pureza, misturando-se com outras normas jurídi-cas advindas dos invasores (Germânicos).

5. Voltando a atenção a Roma, após a fundação, teve início alenta, mas eficiente, construção do mais completo sistema jurídico daantiguidade e que deu origem aos sistemas modernos de direito, per-

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tencentes ao chamado sistema romano-germânico, ao lado do outroque vigora nos Países de origem anglo-saxônica, o denominado Judgemade law ou Common Law (Estados Unidos da América e Paísesque compõem o Reino Unido).

6. Relativamente ao Direito Processual, vigoraram em Roma trêsimportantes sistemas que foram objeto de uma lenta evolução, desde achamada “legis actiones” (ações da lei), usada na fase inicial do DireitoRomano – no direito pré-clássico –, passando pelo “per formulas”(processo formular) – no direito clássico – até o último desses siste-mas, o da “cognitio extraordinaria” (processo extraordinário), no di-reito pós-clássico.

Nos dois primeiros, a justiça era privada (ordo iudiciorumprivatorum) e no último, processo extraordinário, era pública, ou seja,seus funcionários eram do estado. No período das ações da lei, haviaum extremo formalismo, quanto ao andamento do processo, chegan-do ao ponto de a parte perder a demanda por deixar de pronunciarcerta palavra, considerada necessária, ou mencioná-la de forma erra-da. Nos sistemas posteriores, período formular (per formulas) e pro-cesso extraordinário (cognitio extraordinaria), tais inconvenientes fo-ram sendo abolidos gradualmente.

3 ANTES DA “ACTIO IUDICATI”

7. Como já foi observado acima, mesmo antes da “actio iudicati”já existiam algumas leis que procuraram regulamentar a forma de inci-dência dos atos de execução, se devem recair sobre a pessoa física dodevedor ou sobre seus bens.

Uma delas, a “manus injectio”, prescrevia que se o devedor nãopagasse a dívida, após a sentença condenatória e esgotado o prazo(30 dias), o credor podia levá-lo para casa e acorrentá-lo. Se aindaassim e depois de três feiras seguidas não fosse o débito solvido, ocredor podia matar o devedor ou vendê-lo como escravo. Essa últi-ma, porém, parece ter sido a forma preferida pelos credores, poisapuravam o dinheiro necessário à quitação da dívida.

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8. Mais tarde, no século V, a prisão, a morte e a venda dosdevedores como escravos, foram proibidas pela Lei Poetelia, que inau-gurou uma forma mais humana para as execuções das sentenças quecondenavam ao pagamento de quantias em dinheiro.

Neste mesmo sentido a Lei Pignoris Capio autorizava que ocredor apreendesse os bens do devedor, mas apenas para coagi-lo apagar a dívida, o que, ocorrendo, seriam devolvidos. Essas duas leistiveram vigência com maior intensidade no período das “legis actiones”e a partir do período seguinte, o “per formulas”, foram perdendo im-portância, sobretudo por causa do advento da “actio iudicati”, que,em definitivo, aboliu as penas de caráter pessoal e regulamentou deforma mais completa a execução sobre o patrimônio do devedor.

9. Fazendo incidir atos de execução sobre o patrimônio do de-vedor vigorou ainda, por volta do século VII, o procedimento daBonorum venditio, que parece ter sido uma situação em que o deve-dor concordava com o pedido do credor na “Actio iudicati”, havendoalgo parecido com concurso de credores, os quais nomeavam um ad-ministrador dos bens do devedor, chamado “curator bonorum.” Noinício do período Imperial, vigorou, também, um procedimento deno-minado “Distractio bonorum” quando o devedor fizesse parte da or-dem senatorial, no princípio, e depois ampliado a qualquer deles. Nes-ta forma de execução, somente os bens que bastassem ao valor dadívida é que eram apreendidos e alienados para solver o débito, de-vendo haver concordância de todos os credores.

Após a Distractio bonorum veio a Bonorum cessio que tambémevitava a execução sobre a pessoa física do devedor. E, finalmente, nosistema da Cognitio Extraordinária, passou a funcionar a “Pignus incausa iudicati captum” na qual também a execução era feita nos bensdo devedor, respeitando-se o limite do valor do débito e com a inova-ção no sentido de que eram utilizados funcionários que se assemelha-vam aos atuais oficiais de justiça, conforme observação de A. de Men-donça Lima1, in Comentários ao Código de Processo Civil, Forense,6. ed. 1991, vol.VI.

1 LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil .6.ed.Forense, Rio de Janeiro,1991, v.VI.

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4 A “ACTIO IUDICATI”

10. Foi no período formulário que surgiu a denominada “ActioJudicati” ou “Actio iudicati”. Nesse período, havia em Roma a possi-bilidade de se executar tão somente as sentenças, depois de ultrapas-sado o prazo que o devedor tinha para efetuar o pagamento de formavoluntária, que era o chamado “tempus iudicati”, na lição de HumbertoTheodoro Jr2., in Processo de Execução, Ed. Leud, l4a. edição, pg.4. Não havia, ainda, pois, o hoje denominado título executivoextrajudicial.

11. A “Actio iudicati” era bastante complexa e demorada, equi-valendo, na prática, à quase repetição do processo anterior, o de co-nhecimento, com amplo e novo contraditório. De novidade e moderno,à época, era que confirmava a execução incidindo somente sobre osbens do devedor, nos casos de execução de sentença condenatória aopagamento de quantia em dinheiro. Por esta actio, não mais ocorriamatos executivos sobre a pessoa física do devedor.

5 A EXECUÇÃO NA IDADE MÉDIA

12. No período justinianeu, entendido como o último períodojurídico de Roma, por alguns, continuou vigorando a “actio judicati”,com suas imperfeições. Após a invasão bárbara, o choque entre asduas culturas impôs aos juristas medievais um trabalho de conciliaçãoentre a demorada “actio iudicati” e a tendência do direito germânicodos invasores, de privilegiar a rapidez nas execuções dos julgados.Segundo o Prof. Humberto Theodoro Júnior3, a partir do ano 1000,aproximadamente, foi sendo abandonada a “actio iudicati” e, em seulugar, veio um novo procedimento de execução forçada, como ativi-dade complementar do juiz que proferira a sentença condenatória, querecebeu o nome de execução “per officium iudicis.”

2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. l4.ed.São Paulo: ed.Leud.1990, 533 p.

3 Ob. cit. p. 4.

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6 TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS

13. Como já ficou registrado acima, até então conhecia-se ape-nas a execução de sentenças. Não se podia executar outro título querepresentasse algum débito ainda que confessado expressamente. Como desenvolvimento das atividades comerciais percebeu-se a necessi-dade de criar um mecanismo que permitisse a execução de títulos quepudessem ser objeto de execução, com adiantamento de atos típicosdesse processo (penhora), mesmo sem sentença de reconhecimentoda dívida.

14. Surgiram, então, como a origem dos títulos executivosextrajudiciais, os instrumentos lavrados perante o tabelião, com forçaexecutiva. Tais instrumentos, que continham confissão de dívida, fo-ram sendo equiparados às sentenças, para efeito de execução, nasdiversas legislações dos países europeus. Posteriormente, outros do-cumentos também passaram a ser equiparados às sentenças para finsde execução. Hoje, na lei processual brasileira, como se sabe, váriossão os títulos executivos extrajudiciais, conforme previsão do artigo585 do CPC.

15. Assim, já na Idade Média, a execução com apoio em títuloextrajudicial, ao contrário da execução de sentença, exigia citação ini-cial do devedor e lhe permitia ampla defesa dentro dos próprios autose terminava com uma sentença.

7 NO DIREITO BRASILEIRO, ANTES DO CPC DE1939

16. No Brasil, antes do CPC unitário de 1939, vigorou o Regu-lamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, que, como se sabe,tinha aplicação apenas às causas comerciais e, depois, por força doDecreto n. 3.272, de 05 de outubro de 1885, teve sua aplicação am-pliada para os feitos civis. Os registros históricos mostram, entretanto,que, antes do Regulamento 737, vigoraram, na área do processo civil,as Ordenações Filipinas e algumas leis processuais lusitanas.

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17. Alcides de Mendonça Lima4 lembra que, no regime do Re-gulamento n. 737, entre outras, a que se tornou mais conhecida foi a“ação de assinação de dez dias”, de origem portuguesa, em que ojuiz fixava o prazo de dez dias para o réu pagar ou oferecer embargos.Não apresentados, ou não acolhidos, o juiz proferia sentença. Estaação servia para a cobrança dos documentos mencionados em seuart. 247: escrituras públicas, contratos comerciais, letras de câmbio,promissórias, e outros títulos, conforme o mesmo A. de MendonçaLima. Os demais créditos podiam ser cobrados através de ação exe-cutiva, conforme previsão no art. 308: fretes de navios, despesas comtransportes fluviais, marítimos ou terrestres e despesas e comissões decorretagem.

Havia, ainda, a execução de sentença, que corria segundo osistema “per officium iudicis” quando o título era uma sentença nãocumprida espontaneamente pelo vencido na ação.

8 OS CÓDIGOS DE PROCESSO ESTADUAIS

18. Entre 1908 e 1930 os estados brasileiros foram publicandoseus Códigos de Processo Civil, alguns deles acrescentando que regu-lavam também o processo comercial. Como se sabe, esta possibilida-de de promulgação de códigos de processo estaduais, ocorreu emface da competência atribuída aos estados membros, para legislaremsobre processo, pela Constituição então vigente, a de 1891.

No Código de Minas Gerais havia a ação executiva e a execu-ção de sentença.

A ação executiva prestava-se à cobrança dos créditos da Fa-zenda Pública, dos relativos aos honorários de profissionais liberais,de serventuários da justiça, dívidas representadas por títulos cambiaise outras.

A defesa, segundo A. de Mendonça Lima, era oferecida, à épo-ca, através de embargos. Na execução de sentença, havia, no Código

4 Ob. cit. pp. 33 e 34.

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de Minas Gerais, divisão dos procedimentos segundo as finalidades.Assim, havia dispositivos separados para a execução de entrega decoisa certa, prestação de fato, (obrigação de fazer), coisas fungíveis,dissolução de sociedade conjugal, (desquite, à época), e execuçãopor quantia certa. O executado podia oferecer defesa, apresentandoembargos.

9 O CÓDIGO UNITÁRIO DE 1939

19. A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 5º, incisoXIX, atribuiu competência exclusiva à União para legislar sobre pro-cesso, o que foi mantido pela Carta outorgada por Getúlio Vargas, em1937 e assim permanece até hoje.

Pelo Decreto-Lei 1.608, de 18.09.39, foi publicado o Códigode Processo Civil de abrangência nacional, entrando em vigor em marçode 1940.

Nele, a execução foi dividida em duas modalidades, criando-sea ação executiva e a execução de sentença, que era também co-nhecida como ação executória. A ação executiva era destinada aostítulos executivos extrajudiciais e admitia contestação e a açãoexecutória, ou execução de sentença, servia para promover a execu-ção das sentenças condenatórias e admitia embargos e tinham, ambas,sentença, ao final. Importante lembrar que nessas execuções, uma vezoferecida a defesa, nos próprios autos, (contestação ou embargos,conforme o caso), o feito continuava no rito ordinário. Aliás, pelo art.301 do Código de 1939, a idéia era que o feito tivesse normaltramitação, pelo rito ordinário, mesmo não havendo defesa.

10 A UNIFICAÇÃO DAS EXECUÇÕES, PELO CÓDIGOBUZAID, DE 1973

20. A unificação dos processos de execução veio, afinal, com apublicação do Código de Processo Civil, pela Lei 5.869, de 11 dejaneiro de 1973, conhecido como Código Buzaid, por ter sido a Co-missão que o elaborou presidida pelo então Ministro da Justiça, AlfredoBuzaid.

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A alteração que ocorreu, trazida por este Código, foi a unificaçãoentre a execução de sentença e a ação executiva dos títulos extraju-diciais em uma só modalidade de execução: a ação de execução for-çada. Esta ação foi regulamentada, pelo Código de 1973, como Pro-cesso de Execução e ocupou todo o Livro II do citado código e foireconhecido pela doutrina processual como o segundo gênero da ju-risdição.

21. Neste processo não há contraditório: a cognição é bastantereduzida e a eventual defesa do executado deve ser feita através dautilização de embargos do devedor, que correm em autos distintos,mas apensados aos da execução. Esse processo, autônomo, aindavigora para a execução dos títulos executivos extrajudiciais, mesmoapós as últimas reformas que alteraram a execução de sentenças. Oprocesso de execução de títulos extrajudiciais continua no Livro II doCódigo de Processo como um processo autônomo, mantida a formade defesa do devedor-executado através dos embargos do devedor,que admitem ampla defesa, com alegação de quaisquer matérias quepossam ser deduzidas no processo de conhecimento, nos termos doartigo 745.

Ficou mantida, ainda, a necessidade de citação do executado,requerida através de petição inicial.

11 AS ALTERAÇÕES QUE TIVERAM INÍCIO EM 1994

22. A partir de 1994 o CPC passou a sofrer modificações como escopo de acelerar o andamento dos feitos e uma das alterações,que foram sendo introduzidas em três etapas, recaiu sobre o processode execução de sentença. A primeira, realizada através da Lei 8.952,de 13.12.94, modificou a redação do artigo 461, com seus parágra-fos, regulamentando a ação que tenha por objeto o cumprimento deobrigação de fazer ou não fazer, anteriormente conhecida como açãocominatória, prevista no artigo 302 do Código de 1939 e previstatambém no artigo 287 do CPC de 1973.

O art. 461 trata, outrossim, da chamada – execução específica– de tais obrigações, criando a prevalência desta forma de execução

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sobre a conversão em perdas e danos, – execução genérica – noscasos de inexecução das ditas obrigações de fazer ou não fazer. Alémdisso, por essa regulamentação, não há mais necessidade de outraação para se obter a efetivação da sentença condenatória em tais obri-gações. Foi adotada a sistemática das ações sincréticas (ou de ritoexecutivo “lato sensu”) para a efetivação de todas as sentenças profe-ridas nas ações relativas às obrigações de fazer ou não fazer.

Interessante observar que o Prof. Humberto Theodoro Júnior jáhavia sugerido, antes, por ocasião de sua tese de doutoramento, de-fendida na UFMG, que as execuções de sentença tivessem curso semnecessidade de processo autônomo, dispensando-se, portanto, novacitação e petição inicial, o que foi agora adotado pelo legislador.

23. Do mesmo modo, a hipótese do artigo 461-A, que veiopara o CPC de 1973, pelas mãos da Lei n. 10.444, de 07.05.2002,remeteu o intérprete para o disposto no artigo 461 do mesmo código,em seus parágrafos 1º a 6º e dispôs sobre a execução específica dasobrigações de entrega de coisa certa. Dessa forma, a partir de 2002,as ações relativas ao cumprimento das obrigações de entrega de coisapassam também a ser processadas sob o chamado rito executivo “latosensu”, em que a fase de conhecimento corre juntamente com a deexecução, como já se comentou acima (ações sincréticas).

12 A EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS CONDENATÓRIASEM QUANTIA CERTA

24. E, finalmente, em face da Lei 11.232, de 22.12.2005, com-pletou-se, agora, o ciclo de reformas, incluindo a última modalidadede execução de sentença, qual seja, a de quantia certa. Assim, as duasprimeiras se efetivarão através de cumprimento, nos termos do novoartigo 475-I, do CPC, quando se tratar das modalidades dos citadosartigos 461 e 461-A e, por execução, quando se tratar de obrigaçãode pagar quantia certa. Nas três modalidades de cumprimento de sen-tença, pois, foi abolida a necessidade de citação, requerida por meiode petição inicial, suprimidos os embargos do devedor nos casos dos

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artigos 461 e 461-A e substituídos os embargos pela Impugnação dodevedor, no caso da execução prevista no novo artigo 475-J.

Importante lembrar que falta apenas a aprovação de um projetode lei que simplificará o processamento da penhora e da arrematação,para que todo o conjunto de reformas da execução cumpra a sua fina-lidade de acelerar o andamento dos feitos.

Convém, ainda, ressaltar que, como já foi mencionado acima, aexecução dos títulos executivos extrajudiciais continuará sendo regu-lamentada pelos dispositivos contidos no Livro II do CPC, e os pro-cessos respectivos continuarão tendo curso mediante ação de execu-ção autônoma, com necessidade de petição inicial e citação do deve-dor, como já ocorre desde 1973.

13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ESTUDO HISTÓRICO DEPARTE NO PROCESSO

JASON SOARES DE ALBERGARIA NETO

Sumário

1. Perspectiva histórica. 2. Direito romano. 3. Direi-to medieval. 4. Direito luso-brasileiro – época doimpério. 5. Direito brasileiro – época da república. 6.Códico de Processo Civil de 1939. 7. Código deProcesso Civil de 1973. 8. Considerações finais.

ResumoNo estudo histórico de qualquer instituto encontram-se respos-

tas para as diversas dúvidas existentes. Este estudo visa aprofundar oexame de quem deve e pode participar e atuar no processo, afastandoterceiros estranhos à lide. O viés histórico explica o desenvolvimentodo conceito de parte durante o tempo, retomando a fases primitivas dahumanidade, o que nos permite entender a atual sistemática, justifican-do sua existência e vislumbrando tendências inevitáveis que estão porvir. Neste sentido, historicamente, os conceitos de parte e de terceirostêm três mudanças significativas, que se operaram:- primeiro, no as-pecto quantitativo da participação no processo, ou seja, a abrangência,maior ou menor de pessoas para solução de uma lide; - segundo, emrelação aos poderes que as partes possuem durante o processo; -terceiro, demonstrando que o conceito vem, a cada dia, se fixando nosentido processual ou formal, tendo sua autonomia em relação às ou-tras disciplinas. Predominando a idéia de parte, ora fixando em quem

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faz o pedido, ora fixando em quem participa do contraditório, comotambém quem sofre os efeitos do provimento, o certo é que a noçãode parte, historicamente, vem se ampliando, eis surge somente com oautor e réu, e posteriormente é acrescentado o terceiro que dá ênfasea quem participa do contraditório perante o juiz, como também a quemsofre os efeitos do provimento.

PALAVRAS CHAVES: Parte, conceito de parte, terceiro, pedido,contraditório, efeitos do provimento.

ObstractIn the historical study of any institute, we find answers for

the diverse existing doubts. This study deepens into the examinationof who must, can participate and act in the process, moving awaythird strangers to deals. The historical bias explains the developmentof the part concept during the time, retaking the primitive phasesof the humanity, what allows us understand current systematic,justifying its existence and glimpsing inevitable trends that arecoming. In this direction, the concepts of part and thirds havethree significant changes that had been operated: - first, in thequantitative aspect of the participation in the process, that is, thegreater or minor people for solution of one deals; - second, inrelation to the parts possess during the process; - third,demonstrating that the concept comes, each day, fixing in theprocedural or formal direction, having its autonomy in relation toothers disciplines. Predominating the part idea, sometimes fixingin who makes the order, sometimes fixing who participates of thecontradictory, as well as who suffers the effects of the provisions,the certainty is that the notion of part has been extending and hereit is appears only with the author and the defendant, and later isadded the third that gives emphasis to who participates of thecontradictory before the judge, as also to who suffers the effectsfrom the provisions.

WORDS KEYS: Part, concept of part, third, order, contradictory,effect of the provisions.

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1 PERSPECTIVA HISTÓRICA

O presente trabalho busca analisar na teoria do processo, maisespecificamente na visão histórica do instituto da parte no processo,quem deve e pode participar e atuar nele, afastando qualquer contro-vérsia em relação a terceiros que não possuem interesse e dando umaperspectiva de como o legislador estará tratando do tema.

A perspectiva histórica busca explicar o desenvolvimento doconceito de parte diante do fenômeno tempo. A parte, seja no sentidoprocessual ou no material, sempre teve um papel de fundamental im-portância, e este retorno a fases primitivas da humanidade permite en-tender a atual sistemática, justificando sua existência e vislumbrandotendências inevitáveis que estão por vir.

A idéia de parte é de fundamental importância em qualquer sis-tema jurídico do direito contemporâneo, pois visa evitar que o proces-so tenha interferências danosas ao seu devido desenvolvimento legal.

Incontroverso que o dado histórico é uma perspectiva essencialao estudo de parte, eis que analisa o passado (ser o que já não é),aproveita para descortinar o futuro (ser o que ainda não é) e a desven-dar o presente (o que flui de um ao outro). 1

Ressalta-se a fundamental importância da integração entre osmomentos históricos existentes, principalmente em nosso direito brasi-leiro contemporâneo, que descende diretamente do sistema “romano-germânico”, berço das grandes legislações contemporâneas.

Neste sentido, não interessa historicamente diferenciar os con-ceitos de parte e de terceiros, mas tão-somente oferecer uma visãodescritiva, aprofundando a idéia de parte, na sua pluralidade, e deterceiros na sua intervenção.

2 DIREITO ROMANO

Inicialmente, no processo romano, as denominações dos sujei-tos que integravam o processo eram partes, ou adversarii, e, bem noprincípio, réus.

1 CARMO SILVA, Carlos Henrique do. Tempo, logos. In: ENCICLOPÉDIA Luso-Brasileira de Lisboa, Lisboa: Verbo, s/d, v.5, p.60, apud TUCCI, José Lauria.Tempo e processo. 1.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.17.

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Fixou-se, posteriormente, a seguinte nomenclatura: quem pro-movia uma ação (autor), is qui agere vult; este após completar arelação processual, com a realização da defesa, actor; e quem erademandado (réu), is cum quo agitur, ou réu.

A demanda, em geral, competia ao indivíduo – parte – para aproteção de seu direito privado (actio privata).

Originariamente entre os romanos, prevalecia o “princípio dasingularidade”, segundo o qual o processo era realizado entre as par-tes litigantes, e sua decisão vinculava somente as partes que estiveramno processo.2

Neste sentido, a decisão final se submetia ao princípio da limita-ção da coisa julgada. Sua eficácia se prendia entre as partes, não pre-judicando quem não participara da lide.3

É notório que o estudo do direito sempre se preocupou com aspessoas, uma vez que sem elas o direito esvazia-se, não justificandoqualquer sentido, pois sem titulares de direito este não pode existir.4

Na antigüidade, a noção de parte provém da própria idéia de“pessoa”, ente reconhecido pela ordem jurídica e que detém direitos eprerrogativas.

Toda a ordem jurídica é estabelecida em função do homem,uma vez que é o sujeito de direito, muito embora nesta época nemtodos os homens fossem reconhecidos como sujeitos de direito. Oescravo e o “ser disforme,”5 que na verdade são homens, eram consi-derados apenas seres, não caracterizando no sistema jurídico da épo-ca como sujeito, sendo equiparados a res.6

Considerados objetos, não gozavam de qualquer espécie dedireito. Eram comprados e vendidos como simples mercadoria. Seusproprietários (dominus) podiam abandoná-los, fustigá-los e, mesmo,matá-los, pois tinham sobre eles o poder de vida e morte.7

2 GRECO FILHO, Vicente. Da intervenção de terceiros, 2. ed., São Paulo: Saraiva,1986, p. 3.

3 Constitutum est res inter alios iudicatas aliis non praeiudicare. (Digesto 42.1.63).4 Et prius de pesonis videamus. Nam parum est jus nosse, si personae, quarum causa

constituum est, ignorentur”(Institutas, I, 2, 12).5 Considerado o indivíduo com anomalias, sejam físicas ou mentais, na época denomi-

nados de monstros ou prodígios.6 Coisa, objeto.7 ROLIM, Luis Antonio. Instituições de direito romano. 1. ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2.000, p. 35.

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Denominava-se pessoa aquele que, além de ter forma humana,não estava na condição de escravo. Pessoa e homem possuem con-ceitos diversos para o romano, uma vez que só o homem que reúnecertos requisitos passa a ser considerado pessoa. Assim, pessoa é oser humano acompanhado de atributos. Pessoa é o sujeito de direitose obrigações.8

Para ser parte, exigiam-se a capacidade de direito e a capaci-dade de comparecer em juízo, de modo a completar a noção de pes-soa, do ponto de vista jurídico.9

Assim, o cidadão romano, sujeito e titular de direitos, para de-fender seus interesses lesados, deveria buscar uma proteção judiciária,a fim de que seu ius fosse assegurado, tornando-se parte em umademanda.

O ius violado das pessoas romanas era defendido através deuma atividade estatal, que era exercida pela actio. Atualmente, o signi-ficado de ius não corresponde àquela da época romana. Ius era com-preendido, ao mesmo tempo, como interesse e poder. O direito subje-tivo apresenta-se como um interesse juridicamente protegido e comgrande ênfase também; é o poder permitido e garantido pelo direitopositivo.

No direito romano, a parte, sendo titular do direito subjetivo,tem o poder de solicitar ao Estado uma proteção judiciária. Este po-der de ter a atividade estatal para proteger o direito subjetivo do sujeitoromano, genericamente, é chamado de actio.

Utilizando-se da actio, o titular do direito subjetivo – actor –procura concretizar a defesa de seus direitos movimentando a máqui-na judiciária do Estado para que nesta atividade esteja salvaguardadoseu direito.

Através da actio é que se manifesta um dos elementos diferen-ciais da norma jurídica: a sanção. A idéia de ius e de actio são correlatase interdependentes, pois somente pode-se ter um ius enquanto se temuma actio, e só existe actio quando há um ius. O direito clássico não

8 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano, 11. ed. Rio de Janeiro: Fo-rense, 1987, p. 84.

9 SCIALOJA, Vittorio. Procedimiento civil romano, trad. S. Sentis Melendo e M.Ayerra Redin. Buenos Aires: EJEA, 1954, p. 183–184.

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chegou a formular um conceito abrangente de actio, mas tão-somentea concessão das actiones.

Neste sentido, o titular do interesse lesado – actor – deveria,em regra, comparecer pessoalmente perante o praetor para postularo seu pedido. Nesta fase, o direito romano era extremamente formal erigoroso, pois as formas dos processos eram sacramentais, tendo ges-tos simbólicos e palavras solenes pré-determinadas sendo repetidasrigorosamente.10

No princípio do direito romano, na fase do processo legisactiones e em parte da fase per formulas, a representação no pro-cesso não era admitida,11 inexistindo, a princípio, a figura do procura-dor da parte.

Excepcionalmente, em algumas demandas,12 a parte titular dointeresse lesado poderia fazer-se substituir por outra pessoa.

Somente no período do processo per formulas é que se insti-tuiu a faculdade de constituir um procurator para postulare pro alio.

Assim, as figuras dos tutores, curadores, defensores de pessoasjurídicas e cognitores de pessoas ausentes ou impedidas passaram aser amplamente reconhecidas perante o magistrado.

Desta forma, a parte não necessitava de estar pessoalmente emjuízo, fazendo-se substituir por um terceiro, eleito por ela.

A investidura do cognitor era realizada de forma solene pe-rante o praetor e a parte contrária, devendo o representante daparte garantir a execução do julgado13 no início da lide. Mas se a re-presentação fosse do autor, tornava-se desnecessário apresentarqualquer garantia.

A representação por procurador realizava-se sem solenidades esem conhecimento da parte contrária, podendo inclusive comparecersem a apresentação do mandato. Deveria prestar garantia de que a

10 ROLIM, Luis Antonio. Instituições..., cit., p. 39.11 Nemo alieno nomine lege agere potest.12 pro tutela, pro libertate, pro populo, e pro lege Hostilia, ou seja, na tutela (o tutor no

interesse do pupilo, nas questões sobre liberdade, (pois muitas vezes o réu estavaausente ou preso), na defesa de um interesse público, nas vítimas ausentes emdecorrência de guerra ou serviço público, respectivamente.

13 Satisdatio iudcatum solvi.

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parte titular do interesse ratificaria sua atividade ou pagaria uma inde-nização.14

Durante todo o desenvolvimento do processo romano, o repre-sentante da parte autora passou a ser dispensado de prestar caução,mas o representante do réu continuou com o dever de prestar a préviagarantia. Assim, resta delineado como a parte se representava peranteo Poder Judiciário da época.

Em regra, o processo se desenvolvia entre duas pessoas, o au-tor e o réu,15 envolvidas diretamente no conflito. Observa-se que umadelas quer solucionar seu interesse, que não fora resolvido, contra ointeresse da outra, que não se submeteu ao dela.

Tal característica do processo mantinha a singularidade no con-flito; entretanto, excepcionalmente, era também possível a intervençãode um terceiro.

Além do demandante e do demandado, o terceiro vinha a inter-vir no processo. Fazia-o por ter genuíno interesse na controvérsia emdebate, para evitar ser prejudicado pelos efeitos da sentença.

No direito romano, esta participação do terceiro no processosomente foi reconhecida no período imperial da cognitio extra ordinem,em primeira instância, antes da sentença, com intuito de impedir queocorressem conluio, dolo ou negligência da parte e, também, que efei-tos da sentença inter alios viessem causar-lhe prejuízo.16

Esta presença de um terceiro no processo, em posição diferenteda parte que tinha proposto e da parte contra qual fora proposto,denominou-se inicialmente de intervenção adesiva,17 em razão daposição processual do terceiro em relação às partes principais.

Sua atuação poderia ser acessória – para ajudar uma das partes– ou principal – quando esta intervenção possibilitasse defesa de seuspróprios direitos. Esta participação do terceiro surge como espontâ-nea quando o mesmo livremente ingressa no processo. Também pode

14 Satisdatio ratam rem dominum habiturum ou caução de rato.15 SCIALOJA, Vittorio. Procedimiento, cit., p. 427.16 COSTA, Moacyr Lobo da. Assistência – Processo civil brasileiro,1.ed., São Paulo:

Saraiva, 1968, p.8.17 SEGNI, Antonio. L’intervento adesivo, 1. ed., Roma: Foro Itálico, 1919, p. 17.

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ser provocada por uma das partes originárias da demanda, que o con-voca para o feito.18

Fica evidente que os romanos não formularam nem fixaram pre-viamente um conceito de parte orientando-se, muitas vezes, pelo sen-tido prático da situação de fato que é levado ao magistrado.

O interessado apresentava sua questão perante um magistrado,19

que verificava a existência de lide e das pessoas que poderiam fazerparte desta.

Ocorria, neste momento prévio, uma análise sumária do interes-se lesado, para verificar se verdadeiramente este interesse redundava emuma lide. Igualmente, observava-se se as partes ora presentes peranteo magistrado eram as pessoas que deveriam ser partes do processo.

Em uma segunda fase processual, as partes litigantes já presen-tes no processo elegiam perante o magistrado um árbitro particular20

para julgar o processo. Assim, as partes desempenharam um papelrelevante no direito romano.21

O processo tinha sua existência condicionada à iniciativa de umadas partes e a presença da outra parte. Perante o magistrado, ambaselegiam um “árbitro” para fixar a seqüência dos atos processuais. Tais

18 CRUZ, José Raimundo Gomes da, Pluralidade de partes e intervenção de terceiros.1. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 19.

19 In jure. Nos primeiros tempos o magistrado é o próprio rei, pois tudo concentra-sena mão do monarca. Em Roma, dentro do desenvolvimento político da época, o reipassa a delegar a dois cônsules. Em momento subseqüente é instituído a figura dopraetor para cuidar da administração da justiça. Cria-se primeiro o praetor urbanus(para julgar os litígios que a parte é romano) e posteriormente, com crescimento dacidade, o praetor peregrinus (para julgar lides em que a parte é estrangeiro) e o edilcurul (para julgar questões de venda de animais e escravos). Na Itália existem ospraefecti jure dicundo e nas Províncias Romanas os governadores assessoradospelos questores. Todos eram considerados magistrados cuidavam da primeira fasedo processo.

20 Apud judicem. O Judex era um cidadão comum, que era escolhido pelas partes dentreos senadores e convocado para julgar um determinado caso. Igualmente, tinha oarbiter que era eleito pelas partes dentre os cidadãos comuns e encarregado dedecidir a lide. Ainda, no mesmo sentido, escolhidos entre os particulares existiam osrecuperadores que funcionam como órgão coletivo e também os tribunais permanen-tes, triumviri capitales, deceemviri litibus judicanti e os centumviri que ficavamdestinados para julgar determinada categoria de processos.

21 CRETELLA JÚNIOR. Curso ..., cit., p. 414.

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atos somente ocorriam diante da efetiva presença das partes diante domagistrado. Tudo porque as partes eram as principais interessadas nodeslinde da questão. Sugere-se que o processo, na maioria do tempo,era um negócio jurídico de natureza privada, ou melhor, um negóciojurídico processual. 22

Existia, desse modo, o caráter privado da iurisdictio na jurisdi-ção civil.23 A seqüência dos atos processuais somente se efetiva emrazão da presença e da participação das partes perante o magistrado;inicia-se com a verba certa24 e pode ser objeto de infitatio.25

Resta patente que o processo somente se desenvolve em de-corrência da iniciativa das partes, pois na Lei das XII Tábuas é o autorque tem o poder de tomar a iniciativa, chamando o réu ao tribunal. Seeste não atende, o autor arranja testemunhas e o prende,26 podendoempregar a força, e prendendo-o, torce-lhe o pescoço27 e o conduz àforça, perante o magistrado.

As partes, perante o judex, realizam os embates. Se um doslitigantes não comparece, o juiz prolata a decisão em favor do quecompareceu, pois, na tradição romana, a parte que se esquiva do pro-cesso nunca tem razão.28

Nesse sentido, no período arcaico – legis actiones – e no perí-odo clássico – per formulas – o cumprimento do julgado era realiza-do pela própria parte – credor –, uma vez que o Estado ainda nãoconseguira impor-se imperativamente aos súditos,29 passando, o refe-rido julgado, para ser executado pela própria parte vencedora.

22 SILVA, Ovídio Araújo Batista da, Jurisdição e execução na tradição romano-canônica,2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.73.

23 PUGLIESE Giovanni. Il processo civile romano. Milano, 1961, p. 161.24 palavras específicas, solenes e certas que o autor dirige ao réu para comparecer ao

tribunal.25 Defesa em que o réu se opõe a pretensão do autor. Ao resistir a pretensão do autor,

o réu perante o magistrado pode confessar – confessio ou indefensio - comomagistrado pode reconhecer o direito, entregando ao autor o que é por ele pleiteado- addicit

26 Igitur en capito.27 Obtorto collo.28 CRETELLA JÚNIOR. Curso ..., cit., p. 415.29 DINAMARCO, Candido Rangel. Execução civil, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 1994,

p. 34.

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Somente no período pós-clássico romano – cognitio extraordinem – é que o Estado, politicamente mais organizado, fecha ociclo da jurisdicionalização.30 A parte vencedora, por autoridade pró-pria ou autorizada pelo magistrado que procedia a execução, deixade fazê-lo, passando aos órgãos auxiliares do magistrados(apparitores).31

Resta patente que durante todo os períodos do processo roma-no a parte era figura essencial no processo, instaurando-o, conduzin-do-o, realizando-o e executando-o.

A parte processual é a mola mestre do procedimento e se con-funde, naquela época, com a parte titular do direito material. Emmuito, o que contribui para que a parte tivesse papel destacado noprocesso foi o reflexo do nexum, que responsabilizava o própriopostulante vencido. Nesta fase inicial, a responsabilidade, sendo pes-soal, deixava as partes litigantes interessadas na conclusão do pro-cesso, pois sua vida dependia, muitas vezes, deste deslinde. Insta-lando-se o processo com esta dimensão, as partes interessavam-sepelo processo.

Depois que a responsabilidade passou a ser patrimonial –obligatio –, o interesse de uma das partes – o réu – pela solução dalide passou a ser pela demora e pela indefinição do deslinde do feito,muitas vezes não se importando com a efetiva solução da mesma, poispermaneceria viva independentemente de sentença.

Observa-se que a noção de partes no período romano das legisactiones e do procedimento per formulas restringe-se somente aoautor e ao réu, pois a intervenção de terceiros não tem cabimento, emdecorrência da natureza contratual do judicio.32 As próprias partesfixando os termos do contrato, este rege e vincula-se somente a elas,não atingindo terceiros.

Ademais, como era perante o magistrado que se instaurava alide, as partes ali presentes eram verificadas. Ou seja, o magistrado

30 DINAMARCO. Execução..., cit., p.47.31 SCIALOJA, Vittorio. Procedimiento... , cit., 39, p.297–298.32 COSTA, Moacyr Lobo da. Assistência..., cit., p.2.

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apurava se as partes realmente eram partes, isto é, se tanto o actorcom o reu detinham a titularidade do direito objeto do litígio.

Depois dessa verificação é que, uma vez fixadas, as partes fir-mavam o pacto judicial, elegendo o árbitro. E assim, iniciava-se oprocessamento e julgamento do litígio.

Somente no último período do processo romano – cognitioextra ordinem – é que a noção de partes foi acrescida, posto emevidência que o terceiro poderia participar do procedimento.

Essa participação do terceiro decorre do fato de o procedimen-to passar à tutela estatal, deixando de ser um contrato entre as partes.O terceiro tinha a faculdade, decorrente da lei, de intervir no processo,a fim de afastar o risco de a sentença causar-lhe prejuízo, em virtudedo conluio ou dolo das partes.

A intervenção se dava voluntariamente pelo terceiro ou quandoo terceiro era chamado ou denunciado através da nominatioauctoris.33

Essa atuação bastante limitada do terceiro no feito sugereum tímido acréscimo no conceito de parte, pois a condição de serparte, que a princípio pertencia apenas ao autor e ao réu, é esten-dida aos terceiros, que podem comparecer, a fim de intervir noprocesso.

Essas situações procedimentais, que eram previamente pactua-dos pelas partes, passam a ter uma característica de generalidade,dando uniformidade na atuação das partes no procedimento. Por de-corrência, as partes perdem esta autonomia de fixar as regrasprocedimentais, enfraquecendo, de certa maneira, sua atuação no pro-cedimento.

O fortalecimento do Estado, que passa a ditar as regrasprocedimentais e traz para si o monopólio da jurisdição, faz com queas regras procedimentais sejam cumpridas, passando a fiscalizar a atua-ção das partes.

33 GRECO FILHO, Vicente. Da intervenção..., cit., p. 4.

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3 DIREITO MEDIEVAL

Esta fase histórica, mesmo considerada como um retrocesso natécnica processual, em razão da profunda modificação havida do con-flito entre a evoluída cultura jurídica romana e os costumes ainda rudi-mentares dos invasores,34 deu, positivamente, ao conceito de parte,uma amplitude maior do que aquela que havia no período romano.

As inúmeras conquistas que o processo romano realizou caíramno esquecimento e foram suplantadas pelos costumes dos povosgermânicos, sabidamente muito mais atrasados que os vencidos.35

Entretanto, por serem procedimentos que utilizavam a forma oral,não se encontram maiores detalhes históricos para um estudoaprofundado.

Como restou demonstrado, a noção de parte no direito romano,de certo modo, restringia-se às pessoas que participavam da lide noprocesso instaurado para esse fim, evidenciando o sistema da singula-ridade. As normas processuais da época eram previstas através de umcontrato entre as partes e o magistrado, determinando àquelas pesso-as ali envolvidas a submissão ao poder jurisdicional, restando indicadoquem poderia ser parte e a quem afetaria aquela sentença estatal.

Nos povos bárbaros, como se perceberá, a visão de parte esta-rá além das pessoas que participam da lide, abrangendo todos os pre-sentes nas Assembléias populares ou quem quer que tenha notícia,denotando o sistema universal.

No processo criado e instituído pelos costumes da época, asolução da lide pertencia à Assembléia dos homens livres, na qualinexistia o poder Estatal. A assembléia advinha de autoridade privada.36

Sabe-se que o direito romano foi suplantado pelo domínio bár-baro na Itália em meados do século II, em decorrência da crise social,econômica e política do Império Romano. Ocorrem, assim, as inva-

34 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da denunciação da lide, 1. Ed., Rio de Janeiro: Fo-rense, 1983, p. 15.

35 DINAMARCO. Execução... , cit., p 51.36 No costume barbárico, a assembléia dos homens livres é que tem o poder de jurisdi-

ção, existindo o juiz que simplemente dirige os trabalhos da assembléia.

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sões e os assentamentos bárbaros dentro das fronteiras do Império,onde o povo romano muitas vezes se submeteu, como também foisubmetido, às novas regras de convívio e de solução de litígios.

O Império Romano, ao centralizar a atividade legislativa no im-perador e ao impor uma codificação, minava o modo de vida tradicionaldo romano. Existiu, assim, uma barbarização crescente e cotidiana dosromanos que passaram para o lado dos bárbaros, diante da injustiça ecrueldade a que foram submetidos37 e pelos próprios compatriotas.

Esse colapso da civilização romana coincidiu com o períododas invasões bárbaras. Esses povos, por serem e estarem emconstante fuga, por causa da fome e das guerras, não se organiza-vam em centros urbanos nem tinham os direitos individuais definidoscomo os romanos.

Desta forma, os bárbaros se organizavam em pequenos agrupa-mentos nômades, onde ocorria uma pessoalização das leis, aplicando-se as lides, os costumes e a tradição de cada agrupamento bárbaro.

É uma fase de total regressão: regressão demográfica da popu-lação, que é diminuída em razão de guerras e pestes; regressão econô-mica, com o fim de campos cultivados, artefatos, estradas, aquedutose, principalmente, da moeda; regressão espiritual, com o paganismo,no qual predominavam as superstições, encantamentos e penitências,e regressão jurídica, com o abandono do direito e do processo exis-tente, fazendo ceder espaço à violência e ao casuísmo.

Os romanos tinham eliminado a autotutela e a execução pessoal,que os bárbaros traziam no bojo de sua experiência jurídica. Umagama de instituições e de métodos que os romanos esqueceram, vol-tou a ser estabelecida, como a responsabilidade pessoal pelas obriga-ções, a existência de cárcere privado para o pagamento de dívidas, etudo dentro do regime individualista e de autotutela.38

Eram grandes os contrastes entre o direito culto dos romanos eos costumes bárbaros dos povos germânicos.39

37 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito na história – Lições introdutórias, 1.ed., SãoPaulo: Max Limonad, 2000, p. 65.

38 DINAMARCO, Candido Rangel. Execução ..., cit., p.52.39 CRUZ, José Raimundo Gomes da. Pluralidade ..., cit., p 21.

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Por razões políticas, os conquistadores preferiram manter vi-gente o direito romano, implantando o sistema da personalidade dasleis, segundo o qual vigoravam em um mesmo lugar, ao mesmo tempo,duas legislações: para os romanos, a romana; para os bárbaros, agermânica.40

Assim, inúmeras facções políticas e religiosas são criadas, que,sumariamente, dividiam-se em francos, ostrogodos e visigodos, dentreoutros. Basicamente, este mundo é dividido entre o direito bárbaro e odireito romano vulgarizado.

O direito dos bárbaros é o resultado, em geral, da consolidaçãode costumes, tendo como exemplo mais acabado a Lex SalicaEmendata de 802.41 A referida lei nada mais é do que uma consolida-ção dos costumes da época que se traduziam no juízo popular e cos-tumeiro. Traz, também, a sofisticação conceitual do direito, para criaruma coleção de casos especiais, uma relação de desigualdades e pe-nas à vinculadas a vingança privada, como torturas e castigos.

Ao lado dessa legislação, outros reinos bárbaros conservaramalgumas situações do direito romano. A lex romana barbarorum de-sempenhava importante papel nos territórios onde anteriormente eraocupado pelo Império Romano. Assim, surgiram: Lex Burgundiorum,Lex Romana Visigothorum, Codex Theodosianus, Codex Revisus,Liber Gii, Liber Iudiciorum e outras.

Tais legislações não tiveram grande sucesso, pois naquela épocaa cultura escrita era mínima, e o livro, mais do que um utensílio, era umtesouro. Chegava-se à conclusão de que a sua aplicação era mínima.42

O que predominava mesmo era o mero costume.Deflui que a parte voltava a ter importância fundamental no an-

damento do processo, mas sofria em razão da regressão histórico-científica do direito.

Os pontos que mais ressaltam são a participação da parte pe-rante um tribunal popular – elas se faziam presentes para a sua defesa– e a intervenção de terceiros, que, uma vez presentes às assembléias,

40 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da denunciação ..., cit., p. 15.41 LOPES, José Reinaldo de Lima.. Direito na história..., cit., p. 68.42 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito na história..., cit., p. 71.

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podiam integrar a lide, sendo certo que a decisão vinculava todos aque-les que compareciam.

Nota-se que foi por grande influência germânica que surgiramas diversas intervenções de terceiros, instituto que se surgiu no final doprocesso romano e que veio a se aflorar com as invasões bárbaras,tendo em vista que as mesmas já existiam e eram comuns no sistemagermânico.

Observa-se a liberdade do terceiro interessado em intervir noprocesso pelo sistema germânico, o que fazia com que se alterasse,muitas vezes, a própria parte no processo, como na laudatio auctoris43.Assim, o terceiro, ao ingressar no feito, passava a ser parte.

A maior amplitude de participação do terceiro no processo, comorecurso do terceiro interessado, e até na intervenção em recurso daparte no processo, denota um aspecto de contraste com o direito pro-cessual romano.44

Essa época tornou-se um momento obscuro para as instituiçõesdo direito. Os historiadores não a relatam com precisão. Por volta doano 1.000, instaurou-se nova ordem, diante das novas necessidades eproblemas surgidos.

Os estudos realizados pela Universidade de Bolonha resgata-ram novamente os estudos romanísticos, tirando os poderes da par-te, em contrapartida ao crescimento da autoridade estatal, mitigaçãodas sanções corporais. Pondera-se que o direito na Idade Médianão era um ressuscitar das normas do direito romano, mas o nasci-mento de um direito novo, para uma nova realidade, atenta às situa-ções da época.45

Essas transformações fizeram surgir o direito canônico sob ainfluência da tradição romana, que se propalou por toda a EuropaCentral e Ocidental, fazendo com que os reinados existentes buscas-sem nas glosas ao Corpus Juris Civilis e dos brocardos, inspiraçãopara as duas legislações.

43 Chamamento do possuidor mediato.44 CRUZ, José Raimundo Gomes da. Pluralidade ..., cit., p 22.45 LIEBMAN, Tulio Enrico.Le opposizioni di merito nel processo d’esecuzione, 1. ed.,

Roma: Foro Itálico, 1931, p.30.

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Nos séculos seguintes à nova ordem, disseminaram-se os co-nhecimentos das universidades italianas, através dos mestres famo-sos, fazendo o aperfeiçoamento e a evolução de diversos institutosjurídicos.

A noção de parte passou a ser compreendida de maneira maisampla, pois mantinha-se, de certa forma, o princípio da singularidade,evidenciado no sistema romano, acrescido da figura do terceiro, queingressava no processo por via das assembléias populares, para a de-fesa de seus direitos.

Essa dicotomia: de um lado, a limitação de pessoas no processoe do outro, a possibilidade de participação de pessoas por via da in-tervenção de terceiros no processo para defesa de seus direitos – fezcom que a noção de parte fosse, daí em diante, objeto de estudo, paraser fixada com maior precisão.

4 DIREITO LUSO-BRASILEIRO – ÉPOCA DOIMPÉRIO

A primeira noção de parte no direito brasileiro vem carregada,ainda, pelas instituições formadas na Idade Média, de caráter feudal ecorporativo, pois a formação do direito luso-brasileiro descendia dodireito ibérico.

Na Península Ibérica, antes da criação do Reino de Portugual,na época da dominação visigótica e, depois, na dos árabes, o direitopraticado na região, em razão de existir sempre população romana, foio Breviário de Alarico, que era um diploma legislativo de caracterís-ticas romanas, uma vez que tinha a prerrogativa de reger suas relaçõespelo seu próprio direito. Posteriormente, foi instituída uma lei comum,a – liber judicum ou Fuero Juzgo –, que já integrava mais os povosali existentes.46

Em 1139, quando Portugal tornou-se independente da tutelaespanhola, vigoraram e dominaram os afamados forais, que eram car-tas reais concedendo privilégios e direitos aos súditos. Estes forais

46 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução..., cit., p.62.

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foram distribuídos pelo rei Afonso Henrique, após seu reconhecimentopelo Papa Inocêncio II. Tal legislação era caótica e fragmentária, man-tendo-se por muito tempo. 47

Verifica-se que as instituições jurídicas estabelecidas na regiãotinham elementos romanos, árabes e feudais. A primeira reformanormativa significante deu-se no reinado de D. Diniz:48 a tradução dacélebre Lei das Sete Partidas (Rei de Castela, Afonso X). Tambémcomo parte da reforma, determinou que fosse ensinado no seu reino odireito romano, fundando-se para tanto a primeira universidade portu-guesa, situada em Lisboa, em 1289, a qual foi transferida mais tarde,em 1308, para Coimbra.

No século XV, a grande legislação portuguesa que vigorou noreinado foram as Ordenações Afonsinas. Trazia como característicaprincipal a grande recepção da legislação canônica e papal. Não tevevida longa, sendo substituída após meio século, já no século XVI, poroutra compilação: as Ordenações Manoelinas. Eram semelhantes àlegislação anterior, mas com pequenas alterações.

O século XVII foi regido pelas Ordenações Filipinas, que vi-goraram por um longo período, tanto na vida jurídica portuguesa comona brasileira, tendo afrouxado os laços que a ligavam ao direito roma-no e papal, pois o mesmo passou para um status de fonte subsidiáriado direito português.

A característica principal deste período luso-brasileiro foi o aper-feiçoamento do sistema legal, que já não apresentava regressões nasua ordem de evolução.

Mesmo o Brasil estando independente em 7 de setembro de1822, a legislação portuguesa continuou vigente. Uma lei publicada 25de março de 1832, aprovada pela Assembléia Geral Constituinte esancionada pelo monarca, determinou que vigorassem as ordenações,leis, regimentos, alvarás, decretos e resoluções promulgadas pelo reide Portugal. Dessa forma, o processo civil continuou a ser regido pe-las Ordenações Filipinas, que no seu Livro III continha normas relati-vas ao processo civil.

47 REZENDE FILHO, Gabriel José de Rodrigues. Curso de direito processual civil. 3.ed., São Paulo: Saraiva, 1952, v 3, p. 54.

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Neste livro das Ordenações, autor é aquele que vem a juízo eréu aquele que é chamado para se defender,49 preservando-se ainda, aintervenção de terceiros em juízo através da oposição, da assistência eda autoria.

Observa-se que existe a certeza de que autor e réu serão sem-pre partes. Em algumas situações, o terceiro pode comparecer emjuízo para intervir no processo. Esse terceiro tem previsão contida so-mente nas hipóteses legisladas.

Assim, a intervenção de terceiros tem como figura a oposição,que tinha lugar quando o oponente buscava excluir o autor com tam-bém o réu, dizendo que a coisa da demanda lhe pertencia. A assistên-cia prevê o ingresso para assistir o autor ou o réu, tomando o feito nostermos em que estiver, sem ser ouvido acerca do que já foi processa-do, defendendo a sua própria causa juntamente com a alheia. E, porfim, a autoria era o ato pelo qual o réu, sendo demandado, chamava ajuízo aquele de quem houve a coisa.

Ressalta-se que a atuação das partes era fundamental, pois oprocesso era dirigido pelo autor e réu, com o mínimo de iniciativa dosjuízes.50

O interesse da parte no processo dependia de sua presença,pois os juízes, que na época eram eleitos (Ordenações, Livro I, Título65, 73), em vários casos decidiam, informal e verbalmente, sem sobreisso fazer processo.

Em processo em que as contendas tinham valor até 100 réis, osjuízes ordinários e não letrados podiam conhecer e determinar as lides.Já nos processos em que passassem de 200 vizinhos (Ordenações,Livro I, Título 65,7), teriam jurisdição nos móveis até 600 réis e nosbens de raiz até 400 réis, casos em que ouviriam as partes e, verbal-mente, decidiriam sem processo, fazendo o tabelião o protocolo dadecisão, denominado de assento, que custava para a parte até 7 réis,

48 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da denunciação ... , cit., p. 84.49 PEREIRA E SOUZA, Joaquim José Caetano. Primeiras linhas sobre processo civil,

accomodadas ao foro do Brasil até 1877 por Teixeira de Freitas, 1. ed., Rio deJaneiro: Garnier, 1907, p. 137.

50 REZENDE FILHO, Gabriel José de Rodrigues. Curso ..., cit., p. 55

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e para a execução utilizava-se o alvará, que custaria 8 réis e que eraentregue à parte interessada.51

Nas causas além desses valores, tudo se processava perante ojuiz, tendo sempre a presença do tabelião. O processo continha inú-meras regras formais, cumprindo à parte realizar alegações. Assim,poderia argüir as questões preliminares em exceções peremptórias edilatórias (Ordenações, Livro III, Título 20, 15 e 16). As exceçõesperemptórias eram alegadas pela parte ré com o intuito de indicar aojuiz que o autor não teria ação, em razão de o negócio principal tersido quitado, transacionado, e de todas aquelas hipóteses que conclu-am de o autor não ter ação para demandar. Já as dilatórias não pu-nham fim ao litígio; apenas impediam que o processo não prosseguisse(Ordenações, Livro III, título 49).

A presença e a atuação das partes eram primordiais, sob pena detornar nula a sentença, pois não se permitia a falta de citação da parteno processo, mesmo que no começo da demanda inexistisse a tentati-va de conciliação das partes (Ordenações, Livro III, Título, 20, 1).

5 DIREITO BRASILEIRO – ÉPOCA DA REPÚBLICA

O marco inicial da nacionalização do processo civil está na Dis-posição Provisória Acerca da Administração da Justiça Civil, que,com 27 artigos, foi promulgada em 29 de novembro de 1832. Tratoude ser o primeiro texto legal brasileiro, constituído em um lento traba-lho de emancipação do nosso direito processual.52

A noção de partes neste período encontra-se, de certo modo,legislada, pois admitia-se em juízo somente quem preenchesse as situ-ações previstas no ordenamento jurídico da época.

Durante esse período, especialmente após a proclamação daindependência até 1890, as normas processuais que regiam as partesrestavam divididas em duas legislações. As causas cíveis eram regidas

51 LOPES, José Reinaldo Lima de. Direito na história ..., cit., p. 295.52 COSTA, Moacyr Lobo da . Breve notícia histórica do direito processual civil bra-

sileiro e de sua literatura, 1. Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 5.

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pelas Ordenações Filipinas e as causas comerciais tiveram a regula-mentação pelo Regulamento n. 737, aprovado em 25.11.1850.

O referido Regulamento n. 737 de 1850, somente passou a re-ger os processos das causas cíveis quando da publicação do Decreton. 763, de 19 de setembro de 1890. A partir daí, o Governo Provisóriomandou observar no processo das causas cíveis em geral, o referidoRegulamento n. 737. O processo civil brasileiro iniciou sua autonomiaem relação à legislação portuguesa, uma vez que passou a ser consti-tuído unicamente de normas positivas do direito brasileiro.

O sistema processual foi introduzido pelo Regulamento n. 737 eestruturou-se segundo a técnica legislativa da época, rompendo as fór-mulas tradicionais portuguesas anteriores e alinhando-se com outraslegislações européias.

No tocante ao significado do abandono ao processo tradicio-nal, formalista, complicado e moroso das Ordenações do Livro III, foiainda matéria de divergência entre os juristas da época.53

A partir do final do ano de 1890, o Regulamento n. 737 passoua ser nossa lei processual civil, mesmo após a promulgação da Cons-tituição Republicana. Teve longa duração (até 1930), servindo aindade modelo para os Códigos Estaduais.54

A referida normatização serviu de fato como o Código de Pro-cesso Civil do Império, vigorando até a Primeira República, sendo quesomente o Código de Processo de 1939 é que foi capaz de substituí-lo completamente.

Os Códigos de Processo Estaduais promulgados em substitui-ção ao Regulamento nada mais fizeram que reproduzir, na sua gene-ralidade, os dispositivos simples, claros e precisos do referido regu-lamento.55

53 COSTA, Moacyr Lobo da. Assistência..., cit., p.3454 MILHOMENS, Jônatas. Manual de prática forense (civil e comercial), Parte geral,

2. ed., Rio de Janeiro : José Konfino, t.I, 1952, p. 8. e GOMES DA CRUZ.Pluralidade..., cit., p. 123.

55 Historicamente, a doutrina tem divergido sobre a evolução do processo civil emrazão da normatização trazida pelo regulamento, pois Lopes da Costa, (Direitoprocessual civil brasileiro, ed. 1959), Gabriel Rezende Filho, (Curso de direitoprocessual civil, 4ª ed., v. I, p. 56), Moacyr Amaral Santos, (Primeiras linhas de

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A noção de parte não foi alterada substancialmente no Regula-mento n. 737, uma vez que o processo apenas tornou-se mais ordenadoe sistematizado.

Especialmente, no conceito de partes e de terceiro no referidoRegulamento n. 737, observa-se que o legislador buscou não enfrentardiretamente os referidos institutos, deixando para a doutrina e a juris-prudência a interpretação das diversas espécies de atuação no pro-cesso.

Surgem, neste sentido, as primeiras manifestações dos juristaspátrios sobre a legislação nacional, que foram nesta época muito influ-enciados pelas doutrinas alemã e italiana.

Verifica-se que o art. 61 do Regulamento n. 737 refere-se àhipótese de litisconsórcio de modo indireto, fazendo tratar de sua pos-sibilidade ao estabelecer critérios de competência para ajuizamento dademanda.56

Outros institutos ligados a parte e a terceiros, como a oposição,surgem no art. 113 do Regulamento n. 737, em grande semelhança ao§ 32 do título 20 do livro III das Ordenações Filipinas, como um mistode demanda autônoma e intervenção no processo.

Já a assistência, foi disposta nos art. 123 a 126 do Regulamenton. 737, diversamente do que dispunha no § 32 do título 20 do Livro IIIdas Ordenações Filipinas, com a definição de que “assistente é aqueleque intervém no processo para defender o seu direito juntamente como do autor ou réu”.

direito processual civil. 2. ed., 1965, v. I, p. 76) propalavam que tal legislação emrazão de uma linguagem simples, clara e precisa, era a grande legislação já publicadano Brasil e na América, opinião diferente de Pontes de Miranda, (Tratado da açãorescisória, 3 ed. 1957, p. 77) e José Frederico Marques, (Instituições de direitoprocessual civil, 1958, v. I, p. 130 que afirmam tratar de uma legislação defeituosa,superficial, sem o rigor científico adequado que denota a falta de cultura jurídica nocampo do processo civil, da época que foi elaborado.

56 ESTELITA, Guilherme. Do litisconsórcio no direito brasileiro, 1.ed., Rio de Janei-ro: F. Bastos, 1955, p.55, Acrescenta o autor que somente com a Lei 221 de 20/11/1894, art. 46, viria prever e admitir o litisconsórcio, sem que o os autores ou réusestivessem presos a uma única relação jurídica, permitindo-se cumular entre asmesmas pessoas e na mesma ação diversos pedidos quando a forma do processopara eles estabelecida fôr a mesma.

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Neste instituto, especificamente, a doutrina durante, muito tem-po, realizou a interpretação literal do referido dispositivo, dando a elea figura meramente de auxiliar do autor ou do réu, retirando do assis-tente o direito próprio e primário.

Resta, assim, a crítica ao Regulamento n. 737 de 1850, queconfunde o “instituto da assistência com o do litisconsórcio”, pois quemintervém para defender direito juntamente com autor ou réu “não ésimples assistente, senão verdadeiro litisconsorte, com parte no pro-cesso.”57

Tanto na redação do dispositivo do Regulamento n. 737, de1850, como em inúmeros Códigos Estaduais, a exemplo da Consoli-dação Ribas,58 a imprecisão técnica fazia com que a doutrina reconhe-cesse um tipo de assistência, noutras vezes dois tipos de assistência(simples e qualificada) e, ainda, três tipos de assistência (simples, qua-lificada e litisconsorcial).59

Já o chamamento à autoria, previsto no art. 115 do Regulamen-to n. 737, de 1850, destacou que o chamado à autoria será aquele queatendendo o chamado à autoria, com ele prosseguirá o processo, semque seja lícito ao autor escolher entre litigar com o réu originário oucom o chamado à autoria. Mantiveram-se, assim, as mesmas caracte-rísticas que existiam no direito das Ordenações e, igualmente, nosCódigos estaduais de Processo Civil.60

Quanto à nomeação à autoria, o Regulamento n. 737, de 1850,mostrou-se omisso.61

57 CRUZ, José Raimundo Gomes da. Pluralidade ..., cit., p 125.58 Com a publicação da Lei 2.033 de 20 de setembro de1871, o Governo designou o

Conselheiro Antonio Joaquim Ribas para organizar e reunir a legislação referente aoprocesso civil, uma vez que o Regulamento n. 737 de 1850, regia o processo dascausas comerciais e as Ordenações Filipinas continuavam a regular o processamentodos feitos civeis. Assim, o trabalho de mera compilação das leis processuais vigentesdeu-se o nome de Consolidação Ribas, que em virtude da Resolução Imperial, de 28de dezembro de 1876, passou a ter força de lei.

59 COSTA, Moacyr Lobo da. Assistência..., cit., p. 65.60 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, Do chamamento à autoria – Denunciação da

lide, 1. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 48.61 COSTA, Alfredo A Lopes da. Da intervenção de terceiros, 1ª ed., São Paulo:Teixeira,

1930, p. 80, GOMES DA CRUZ. Pluralidade, cit., p. 127, ARAÚJO CINTRA,Antônio Carlos Arújo. Do chamamento ... , cit., p. 49.

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Assim, na doutrina, mencionavam-se os institutos de partes e deintervenção de terceiros, reunindo a oposição, assistência, chamamentoe nomeação à autoria, junto com os embargos de terceiro, concursocreditório e recurso do terceiro prejudicado.

Observa-se, ainda, que o instituto da denunciação da lide regia-se indiretamente, contendo uma norma pertinente ao capítulo do cha-mamento e da nomeação à autoria, como comunicação do litígio aterceiro, que, se pretendesse, poderia intervir como assistente.

Enfim, pode-se dizer que, além dos Códigos dos Estados do Riode Janeiro e do Ceará, que se filiaram à corrente do direito germânicoantigo, e, ainda, dos Códigos da Bahia, de Pernambuco, de São Pauloe de Minas Gerais, que dispuseram sobre a denunciação da lide comonotificação do litígio a terceiro que, se quisesse, poderia intervir, osdemais diplomas estaduais, de modo geral, apegaram-se ao que atéentão tradicionalmente existia, no que diz respeito ao chamamento àautoria, nada havendo de relevo que merecesse destaque.62

Todavia, a referida legislação e a doutrina ainda não teriam assi-milado os efeitos da obra de Oscar Von Bülow, Teoria das exceçõese pressupostos processuais, reconhecida como nascimento da ciên-cia processual63 e marco de renovação dos estudos processuais,64 in-clusive da noção de partes.

6 CÓDICO DE PROCESSO CIVIL DE 1939

O Código de Processo Civil de 1939 é resultado da Revoluçãode 1930, que estabeleceu na Constituição Republicana de 16 de julhode 1934, a competência privativa da União para legislar sobre direitoprocessual (art. 5º, item XIX, alínea a), rompendo por completo coma tendência descentralizadora da Constituição Republicana de 1891,que, por orientação federativa, delegara aos Estados a competênciapara legislar sobre o processo civil e comercial.

62 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da denunciação..., cit., p. 111.63 COSTA, Moacyr Lobo da. Breve notícia ..., cit., p. 32.64 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da denunciação..., cit., p. 108.

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Tal unificação já era solicitada pelos juristas da época, tanto quefoi apresentado à Assembléia Constituinte projeto que buscava aintegração nacional para o processo civil. Esse anseio foi atendido pron-tamente, tanto que no art. 11 das Disposições Provisórias foi estabele-cido que o Governo, uma vez promulgada a Constituição, nomeariauma comissão de três juristas (dois ministros da Corte Suprema e umadvogado) para, ouvidas as Congregações das Faculdades de Direito,as Cortes de Apelação dos Estados e os Institutos de Advogados,organizar-se, dentro de três meses, um projeto de Código de ProcessoCivil e Comercial e nomearia também outra comissão para elaborar oprojeto de Código de Processo Penal.65

A comissão concluiu os trabalhos em 1935, submetendo aoMinistro da Justiça66 os projetos parciais do Código, que foram enca-minhados ao Congresso Nacional, onde lá permaneceram paralisadosna Câmara dos Deputados, em decorrência do golpe de 10 de no-vembro de 1937, que revogou a Constituição de 1934 e dissolveu oCongresso.

Todavia, a Constituição de 1937 manteve a mesma unidadeprocessual, repetindo a reserva de competência privativa para legislarsobre processo civil à União Federal.

Desta forma, o Ministro da Justiça67 nomeou uma Comissão deJuristas para organizar o novo Projeto de Código de Processo Civil,que, recebidas as sugestões e feitas as revisões, foi aprovado atravésdo Decreto-Lei n. 1608, de 18 de setembro de 1939, e entrou emvigor, em caráter nacional, em 1 de março de 1940.68

Tal legislação acolheu as modernas orientações doutrinárias daépoca,69 tendo disciplinado a matéria de partes e de terceiros em capí-

65 COSTA, Moacyr Lobo da . Assistência..., cit., p. 65.66 O Ministro era o Prof. Vicente Ráo, que encaminhou o anteprojeto da 12ª subcomissão

legislativa (composta por Antonio Pereira Braga e Philadelpho Azevedo) e o ProjetoLevi Carneiro e o projeto da comissão governamental (Ministros Arthur Ribeiro eCarvalho Mourão)

67 Nesta feita, Professor Francisco Campos era o detentor da pasta do Ministério daJustiça.

68 GONÇALVES, Aroldo Plinio. Da denunciação..., cit., p.112.69 ALVIM Netto, José Arruda Manoel. Manual de direito processual civil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1977, v. I, p. 23-24.

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tulos diversos – “Disposições Gerais” – tratando das partes e dos pro-curadores em outro capítulo – a “intervenção de terceiro” –, tendo areferida disposição a clara influência do direito processual austríaco ealemão.70

Quanto ao tema de partes no Código de 1939, verifica-se queinúmeros dispositivos são dirigidos e se referem às partes; no entan-to, não há, na regulamentação, definição legal e específica sobre amatéria.

Observa-se que na doutrina há uma insegurança na construçãoda definição de parte; de outro lado, a jurisprudência oferecia a seurespeito “uma impressionante diversidade de orientações.”71

Talvez se o legislador atuasse com uma orientação mais precisae segura quanto aos sujeitos parciais principais do processo – partes eterceiros –, evitar-se-ia a confusão entre os dois institutos.

Neste sentido, verifica-se que o Código de 1939 tratava daspartes e dos procuradores, iniciando o capítulo pelos “litisconsortes” –artigos 88 a 94.

Percebe-se que não há referência a quem é autor ou réu, mas“admitir-se-á o litisconsórcio, ativo ou passivo, quando fundado nacomunhão de interesses, na conexão de causas, ou na afinidade dequestões por um ponto comum de fato ou de direito. No primeirocaso, não poderão as partes dispensá-lo; no segundo, não poderãorecusá-lo quando requerido por qualquer delas; no terceiro, poderãoadotá-lo, quando de acordo.”72

Assim, ao tratar do litisconsórcio, não se faz uma alusão diretaàs partes, mas dita que em um mesmo processo é permitido se recla-mar direitos e obrigações comuns a vários titulares, que são ligados,porque derivam do mesmo fato ou do mesmo fundamento. Especifica-mente ao aspecto do litisconsórcio, constata-se que as figuras criadasforam uma inovação que constituiu um avanço no referido diploma

70 MARTINS. Pedro Batista, Comentários do Código de Processo Civil. Rio de Janei-ro: Forense, 1940, v. I, p. 293.

71 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Intervenção listisconsorcial voluntária, Revis-ta de Direito da Procuradoria - Geral da Guanabara, Rio de Janeiro, v. 11, p. 54.

72 Teor do art. 88 do Código de Processo Civil de 1939.

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legal,73 mas no tocante ao litisconsórcio recusável, este recebeu críti-cas da doutrina mais autorizada.74

Em seguida, o art. 91 do Código de 1939 introduz a interven-ção de terceiro no processo por determinação ex-officio do juiz, de-nominando-se, na doutrina, como a intervenção iussu iudicis.75 Taldispositivo visava permitir a “integração do contraditório” pelo“litisconsorte necessário”, pois, uma vez sendo chamado o citado eeste comparece, sua posição será de litisconsorte, mas se não compa-recer, a de litisconsorte revel.”76

Tal dispositivo figura como uma manifestação publicista do pro-cesso e dos poderes do juiz, mas que na jurisprudência não encontrouguarita pacífica. No aspecto de fixar o conceito de parte e de terceiro, oreferido dispositivo denota uma falta de preocupação teórica em avan-çar no aprimoramento do instituto, deixando claro as conseqüências ne-gativas de ambientar uma norma estrangeira sem guarita no sistema bra-sileiro, o que redundou pela sua revogação pelo legislador de 1973.77

No mesmo capítulo II dos litisconsortes, o Código de ProcessoCivil de 1939 continha um outro artigo, que veio a sofrer inúmerascríticas, pois dispôs que “quando a sentença houver de influir na rela-ção jurídica entre qualquer das partes e terceiro, este poderá intervircomo assistente, equiparado ao litisconsorte.”78

Assim, o Código dispôs da assistência no capítulo do litisconsór-cio, transpondo, equivocadamente, este conceito, que é uma figuratipicamente de intervenção de terceiro, para se transformar em espéciede litisconsórcio.

Tal dispositivo mereceu censura pela doutrina,79 pois confundiutoda a sistematização sobre parte e terceiro, tratando de norma “concisa

73 CRUZ, José Raimundo Gomes da . Pluralidade ..., cit., p 131.74 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1997,

p.62-64.75 COSTA, Moacyr Lobo da. A intervenção iussu iudicis no processo civil brasileiro,

1 ed., São Paulo: Saraiva, 1961, p. 7.76 AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil, 2 ed.,

São Paulo: Saraiva, 1958, p.132.77 CRUZ, José Raimundo Gomes da. Pluralidade ..., cit., p 13578 Teor do art. 93 do Código de Processo Civil de 1939.79 REZENDE FILHO. Gabriel Jose de Rodrigues. Curso..., cit., p. 320.

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e abreviada, que descambou no lacônico”80, não passando de “umartiguinho, mal redigido.” 81

Logo na parte inicial, o Código de 1939, nas disposições gerais,permitiu inúmeras interpretações,82 pois a regulamentação legal damatéria estava tímida e insegura, sendo necessária a revisão de con-ceitos elementares do processo para que a intervenção litisconsorcialnão se confundisse com a assistência litisconsorcial.

Assim, o Código delegou à doutrina a competência de definir oque seja parte litigante, pois trata-se de uma necessidade de capitalimportância, pois autor e réu são figuras essenciais na a relação pro-cessual.83

Já no capítulo III, – da intervenção de terceiro –, o legisladorreservou os dispositivos para regular o chamamento à autoria, a no-meação à autoria e à oposição.

O chamamento à autoria trazia como inovação o fato de que oautor também poderia lançar mão de chamar, sendo a figura mais co-mum a hipótese do réu, diante de “uma relação de garantia contra osriscos da evicção entre uma das partes de uma causa pendente e oterceiro chamado à autoria”. Tal intervenção era prevista nos artigos95, 96, 97, 98 e 101.

A nomeação à autoria previa, especificamente, a permissão desubstituição do réu que possuísse em nome de outrem a coisa deman-dada pelo proprietário ou pelo possuidor indireto. O Código de Pro-cesso Civil de 1939 tratou desta matéria nos art. 99 e 100. Os dispo-sitivos se inspiram no sistema das Ordenações, aludindo somente aospossuidores em nome de outrem.84

E, por último, o instituto da oposição, regulado pelos art. 102 a105 do Código de Processo Civil de 1939, que o terceiro intervêmpara postular direito de que julga ser titular, comparecendo em juízo,

80 REIS, José Alberto dos. Código de processo civil brasileiro, Revista Forense, v. 88,p. 288.

81 COSTA, Alfredo A Lopes da. Direito processual civil brasileiro, 1ªed., Rio deJaneiro: Forense, 1959, v. I, p. 430.

82 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Intervenção ..., cit., p. 54.83 REZENDE FILHO, Gabriel Jose de Rodrigues. Curso..., cit., p. 231.84 REZENDE FILHO, Gabriel Jose de Rodrigues. Curso..., cit., p. 305.

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na demanda já instaurada, a fim de fazer prevalecer seu direito, opon-do seu direito ao do autor e do réu. O referido instituto tem origem noprimitivo processo germânico, fazendo com que o oponente se torneparte e o autor e o réu fiquem na posição de demandados, em litiscon-sórcio sui generis.

Observa-se que somente três figuras estão contidas no capítulode intervenção de terceiros do Código de Processo Civil de 1939:chamamento à autoria; nomeação à autoria; e nomeação da oposição.A assistência, como instituto próprio, ficou excluída desse capítulo.

Apesar de não estar agrupado no mesmo capítulo, a doutri-na, em geral, inclui outras figuras, como: intervenção de terceiros,como a denunciação da lide ao terceiro pretendente (art. 314 e318); embargos de terceiro (art.707); o recurso de terceiro preju-dicado (art. 815); concurso de credores, que se reveste das for-mas de intervenção espontânea (art. 1.017); e provocada (art. 929),disciplinados separadamente, sem perderem a sua peculiar nature-za jurídica.85

Resta patente que a lei não cuidou de definir o que venham a serparte e terceiro, tendo, na época, a doutrina e a jurisprudência fixadoo conceito de parte e de terceiro diante da sistematização dos diversosinstitutos ligados à parte, como litisconsórcio, assistência, eficácia dacoisa julgada, embargos de terceiro, recurso de terceiro e outras situ-ações legais.

7 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

O Código de Processo Civil de 1973 foi iniciado no Governodo Presidente Jânio Quadros, em 1961, quando o Professor AlfredoBuzaid foi convidado pelo então Ministro da Justiça, Senhor OscarPedroso Horta, para elaborar um anteprojeto de reforma, com o intuitode aprimorar a experiência de quase vinte anos do Código anterior,buscando como modelos os monumentos legislativos mais notáveis do

85 CRUZ, José Raimundo Gomes da. Pluralidade ..., cit., p. 144 e 145.

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nosso tempo, uma vez que o processo é uma instituição eminentementetécnica, e a técnica é uma conquista de valor universal.86

O anteprojeto foi apresentado em 8 de janeiro de 1964 aoMinistro da Justiça, tendo sido debatido em congressos, faculda-des e comissões revisoras, sendo remetido ao Congresso Nacio-nal, onde ainda passou por ampla discussão, com acréscimo devárias emendas.

Discutido e votado, o anteprojeto foi sancionado pelo Presi-dente da República em 11 de janeiro de 1973, pela Lei n. 5.869, comvigência a partir de 1º de janeiro de 1974.

O trabalho da referida lei foi bem recebido pela comunidadejurídica, pois representava uma norma com bastante rigor técnico, querna distribuição da matéria, quer na formulação dos institutos e no apuroda linguagem, procurando aproveitar a experiência vivida e osensinamentos hauridos nas melhores legislações estrangeiras e doutri-na alienígena.87

Para a criação da legislação de 1973, a doutrina que em muitocontribuiu no anteprojeto Buzaid, eis que existiu uma alteração subs-tancial na posição sistemática dos institutos capitulados como de inter-venção de terceiros88.

Assim, no Código de Processo Civil de 1973, Livro I – Processode Conhecimento –, constou em seu Título II, – “Das Partes e dosProcuradores”, no capítulo V, – “Do litisconsórcio e Assistência” – eno Capítulo VI, – “Da Intervenção de Terceiros”.

No capítulo VI, – “da intervenção de terceiros” –, o legisladorreuniu os institutos da oposição, da nomeação à autoria, da denunciaçãoà lide e do chamamento ao processo.

Entretanto, o recurso do terceiro prejudicado ficou no Título Xdo mesmo livro, Capítulo I (art. 499 e § 1º).

86 BUZAID, Alfredo. Exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973, n.I, cap. III.

87 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 2.ed., Rio deJaneiro: Forense, 1981, v. I, p.02.

88 GRECO FILHO, Vicente. Da intervenção de terceiros, 2 ed., São Paulo: Saraiva,1986, p.21.

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Restou na interpretação da norma legal, ainda, a falta de con-senso para fixar quem é parte e quem é terceiro. A sistematizaçãopátria de quem é parte e de quem é terceiro, pode-se dizer, a despeitodas imperfeições existentes, é mais clara e objetiva em comparaçãocom os sistemas considerados mais evoluídos estrangeiros. 89

O atual Código de Processo Civil, no tópico de litisconsórcio,art. 46, alterou a previsão da legislação anterior, fazendo com quesomente existam o litisconsórcio, por comunhão, conexidade e afini-dade, tendo como inspiração o ordenamento alemão. Resulta que nãosubsiste no atual Código de Processo Civil a figura do litisconsórciorecusável, que se incluía no diploma revogado.90

Já assistência, por ter sido sistematicamente colocada no mes-mo capítulo do litisconsórcio, recebeu muitas críticas de adequaçãotopológica, pois a assistência talvez seja o instituto que mais incorporea idéia de intervenção de terceiro.

O Código de Processo Civil de 1939 colocou a assistência comointervenção de terceiro, vista pela doutrina como típica assistência qua-lificada ou litisconsorcial. 91

No atual Código, no qual poderia ter cessado qualquer dúvidasobre a questão, a assistência não foi colocada no capítulo próprio deintervenção de terceiros. Todavia, o número de dispositivos deixouclaro a existência de duas figuras de assistência: a simples e alitisconsorcial.

Nesse sentido, surge com freqüência o questionamento se o as-sistente simples é parte ou terceiro, já que este participa do contradi-tório perante o juiz, mas não se acha sob a autoridade da coisa julgada.Talvez a nenhum interveniente melhor se aplica a posição de terceirodo que o assistente simples, uma vez que sua condição de parte aces-sória ou auxiliar não afeta sua situação no processo, pois nenhum pe-dido é realizado em relação a ele.

89 FERRAZ, Sergio. Assistência litisconsorcial no direito processual civil. 1. ed., SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1979, p.55.

90 DINAMARCO Candido Rangel. Litisconsórcio, cit. p.61, 66.91 ALBERTON, Genacéia da Silva. Assistência litisconsorcial. 1.ed., São Paulo: Revis-

ta dos Tribunais, 1994, p. 35.

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Igualmente, a assistência litisconsorcial carrega inúmeras diver-gências sobre sua situação de parte ou de terceiro. Mas apesar de ocódigo vigente “considerar” como litisconsórcio, o mesmo não élitisconsórcio, pois poderia ser incluído como parte primitiva do pro-cesso e teria a imutabilidade da coisa julgada da relação que é discutidaem juízo. Em regra, não há pedido contra o assistente litisconsorcial, oque não o impede de ser atingido por aquele processo.

Saindo do capítulo de partes e ingressando no capítulo VI – “daintervenção de terceiros” –, o atual CPC ordenou como situações deterceiros as intervenções da oposição, da nomeação à autoria, dadenunciação à lide e do chamamento ao processo.

Na oposição, verifica-se que o projeto original de Buzaid a co-locava no mesmo capítulo de litisconsórcio, por sua origem germânicabaseada na universalidade do juízo. Regulado pelos art. 56 a 61 doatual CPC, a oposição se caracteriza pela ação em que alguém ingressaem processo de conhecimento alheio, pretendendo, no todo ou emparte, a coisa ou o direito sobre o qual discutem autor e réu.92

O referido instituto visa dar maior economia e harmonia às rela-ções processuais, pois o ingresso do opositor no processo força asoutras partes a atuarem em litisconsórcio, facilitando o julgamento devárias questões no mesmo feito.

A nomeação à autoria previsto nos art. 62 a 69 do atual CPCvisa a um procedimento para a correção do pólo passivo da relaçãoprocessual. Ocorre que esta correção do pólo passivo depende davontade do nomeado como também do autor da demanda. Se algumdos dois não aceitar, não haverá intervenção. Deveria a nomeação àautoria estar capitulada como uma exceção específica ou incidente aser resolvido pelo juiz (título VIII, cap. IV, sec. IV – das alegações doréu), e não como um caso de intervenção de terceiros, pois o que sediscute nesta parte é a ilegitimidade de parte, que, em sua abrangênciagenérica, é um instituto específico para determinar a situação de direitosubstancial.93

92 GRECO FILHO, Vicente. Da intervenção..., cit., p. 77.93 CRUZ, José Raimundo Gomes da. Pluralidade ..., cit., p. 151 - 152.

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Outro instituto previsto como intervenção de terceiro é adenunciação à lide, que é o instrumento concedido a qualquer daspartes do litígio para chamar a juízo um terceiro com o qual tenha umarelação de regresso, na eventualidade de perder a demanda.94

Observa-se que o denunciado tomará posição de assistentelitisconsorcial ao denunciante na relação processual principal e de réuao denunciante na relação processual secundária.

Neste sentido, o denunciado ingressa e participa do contraditó-rio perante o juiz, e a coisa julgada em certos casos o atinge. Mas suarelação será com o denunciante,95 em nada se vinculando com a outraparte da demanda. Assim, não será parte na totalidade do conteúdoda palavra, pois a demanda principal não é contra ele.

Ainda, existe a previsão de que o réu poderá utilizar-se do cha-mamento ao processo previsto nos art. 77 a 80 do atual CPC. Oreferido instituto tem inspiração nos modelos português e italiano evisa convocar o terceiro a se tornar litisconsorte passivo, em razão deuma solidariedade decorrente de hipóteses previstas em lei.

Tornando-se litisconsorte, por conseqüência, parte se torna dademanda, tendo todas as conseqüências do réu na demanda.

Por fim, a doutrina reconhece que o terceiro poderá intervir emfase recursal, para que o terceiro prejudicado possa, na forma previstano art. 499 do CPC, demonstrar o nexo de interdependência entre oseu interesse de intervir e a relação jurídica, submetida à apreciaçãojudicial.

Assim, observa-se que o recurso de terceiro interessado apro-veita o conceito de terceiro, que insere todo aquele que pode serlitisconsorte ou terceiro interveniente, e que de modo não ingressou noprocesso.

Como a parte participa do contraditório instaurado no processo,este terceiro iria ingressar no feito somente na fase recursal, desde que

94 FLAKS, Milton. Denunciação da lide. 1. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 295 Isto porque a denunciação pode ser do próprio autor ou do réu. Sendo o autor

denunciante, o denunciado terá vínculo somente com ele, não se relacionando com oréu. Já o réu sendo o denunciamente, o denunciado não terá qualquer vínculo com oautor.

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demonstrasse o “nexo de interdependência” entre ele, o terceiro, e arelação jurídica discutida, como também a sua legitimação para recor-rer e o interesse na remoção desse prejuízo.96

Esta idéia de parte conjuga-se com o ponto essencial do pro-cesso, que como um conjunto de normas jurídicas, prescrevem umaconexão de condutas que regulam a ordem jurídica, e não mais umvínculo de direitos e obrigações entre duas pessoas.

Tem-se como ultrapassado que “... as normas jurídicas nadamais fazem que estabelecer vínculos entre duas ou mais pessoas atra-vés de obrigações e deveres de uma para outra, e, correlatamentedireitos desta; ou, direitos e deveres de uma parte em relação à outra,e, reciprocamente.97

Não há, verdadeiramente, no processo, relação entre sujeitos,mas apenas relações entre normas, e entre condutas que são por elasreguladas, formando seu conteúdo. O direito que decorre da normapassou a ser visto como uma “posição de vantagem de um sujeito em“relação a um bem”. Posição que não se funda em relação de vonta-des dominantes e vontades subjugadas, mas na existência de uma situ-ação jurídica, em que se pode considerar a posição subjetiva, ou seja,a posição do sujeito em relação à norma que a disciplina”.98

Portanto, as partes, ao se depararem, seja com as normas ma-teriais seja com as normas instrumentais, terão suas condutas previs-tas, garantindo uma posição de vantagem em relação à outrem. Destaforma, provocada pela parte, o Estado presta tutela de direitos mate-riais, instrumentalizando-a com a tutela jurisdicional.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este esboço histórico revelou claramente que a norma proces-sual é essencialmente técnica e universal, e que o conceito de parte

96 GOMES DA CRUZ. Pluralidade ..., cit., p. 206.97 ARRUDA ALVIM, José . Tratado de Direito Processual Civil, 2. ed., 1990, São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 247 e 248.98 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo, 2.ed., Rio

de Janeiro: Aide, 1992, p.92-93.

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segue os mesmos princípios essenciais do procedimento, que vem sealterando com o decorrer do tempo.

Três aspectos quanto ao conceito de parte são percebidos du-rante esta evolução temporal. O primeiro refere-se ao aspecto quanti-tativo da participação no processo, ou seja, a abrangência maior oumenor de pessoas para solução de uma lide. O segundo, refere-se aospoderes e atos que as partes possuem, ora com mais poderes, e oramenos poderes. No terceiro, o conceito vem se tornando qualitativa-mente mais técnico e científico, pertencendo o conceito ao direito pro-cessual.

8.1 No tocante ao primeiro aspecto de evolução histórica noconceito de parte, que se refere à participação do processo, observa-se que no direito romano vigorava inicialmente o princípio da singu-laridade, vinculando, em regra, somente autor e réu na relação pro-cessual, e somente no final do período romano, por exceção, admitia-se a participação de terceiro, para defender direito que estava sendodemandado.

No direito medieval, após as invasões bárbaras, a noção departes ultrapassa autor e réu, abrangendo todos os presentes nas as-sembléias populares, fazendo com que o terceiro interessado tivesseliberdade de intervir no processo, ocasionando, muitas vezes, a altera-ção da própria parte no processo.

A legislação brasileira passa a descrever sobre partes – autor eréu –, cada vez mais a limitar e regular a hipótese de terceiros intervi-rem no processo. Existe esta tendência no Regulamento n. 737, de1850, no Código de Processo Civil de 1939 e no Código de ProcessoCivil de 1973.

A legislação atual somente permite atuar no processo aquelesque tenham interesse e legitimação, prevendo as hipóteses específicasdo terceiro intervir na demanda.

8.2 Em relação ao segundo critério, que se refere aos poderesque a parte possuía, verifica-se que as partes, historicamente, possuí-am poderes maiores para a resolução da lide do que atualmente.

Originariamente, as partes é que se encarregavam da composi-ção da lide, através da autotutela, evidenciando os meios necessáriospara impor seu interesse ao de outrem. Assim, os atos necessários

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para a obtenção de um fim proposto eram de iniciativa e execuçãounicamente das partes. São as partes os personagens principais dacomposição do conflito. Posteriormente, as partes elegem a autocom-posição para solucionar o litígio, tendo as mesmas autonomias e poderpara, encontrando um ponto de comum, resolver o problema. Nestemomento eram as partes que fixavam as normas procedimentais e osatos que seriam praticados.

Com o Estado, mais forte e organizado, este passou a ditar asregras e impor seus próprios juízes, denominando a transição da justiçaprivada para a justiça pública. A característica principal deste momentoé que as partes passam a ser dirigidas por normas que ditam suascondutas, sendo o processo administrado por um juiz estatal, que exi-ge a obediência das referidas normas.

A referida normatização limita os atos das partes, fazendo comque as partes e os terceiros se submetam às previsões legais normativas.

8.3 Em relação ao terceiro aspecto, observa-se que na evolu-ção do conceito de partes, restou evidenciado, que partes eram so-mente os titulares da relação de direito material, onde pessoalmentecompareciam para se defenderem, predominando o conceito civilísticoda ação e, por conseqüência, de partes.

Somente no início do século XX é que a ciência processual ga-nhou autonomia e independência com as normas de direito material.Assim, o conceito cada dia mais vem se instrumentalizando, fixando oque venha a ser parte sempre no sentido processual ou formal.

O conceito de partes vem se demonstrando autônomo em rela-ção as outras disciplinas, predominando a idéia de parte no sentidoprocessual. Esta regulamentação legal, no decorrer do tempo vem sendoacrescida cada vez mais da figura dos sujeitos parciais.

A doutrina processual vem trazendo vários critérios na concei-tuação de partes, ora fixando em quem faz o pedido, ora fixando emquem participa do contraditório, como também quem sofre os efeitosdo provimento.

O certo é que a noção de parte historicamente vem se ampliando,eis que surge somente com o autor e réu, e posteriormente é acrescen-tado o terceiro, que dá ênfase a quem participa do contraditório pe-rante o juiz, como também a quem sofre os efeitos do provimento.

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A CAPACIDADE CIVIL E O DIREITO DOTRABALHO A IMPORTÂNCIA DA PROVA

MÉDICO-PERICIAL

NANCI DE MELO E SILVA

Sumário

1. O cidadão e o trabalho. 2. O direito do trabalho.3. A prestação de serviços – os contratos de tra-balho. 4. O contrato de trabalho subordinado. 5. Acapacidade civil dos sujeitos do contrato de traba-lho. 6. A perícia médica – o que o juiz quer saber.7. Referências bibliográficas.

ResumoSendo o contrato de trabalho subordinado uma espécie do

gênero contrato, prevê a lei civil para sua validade que o objetoseja lícito (atividade lícita) e os sujeitos contratantes capazes decontratar. Para o trabalhador a capacidade civil genérica, em pri-meiro lugar, além da capacidade específica para o tipo de trabalhoa que se propõe e que lhe é oferecido. Vale dizer: formação profis-sional adequada.

Não há uma forma específica para avaliar a capacidade civil dotrabalhador. No entanto, é freqüente a alegação de que o empregadonão tem a percepção exata de seus direitos e obrigações, que seria um“incapaz”, porque vive em permanente estado de sujeição, em grandeparte em função de sua dependência econômica, comum em trabalha-dores brasileiros.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 89-101 2005

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Surgem, assim, questões que às vezes levam o juiz a recorrer àprova médico-pericial. Prova essa que se torna fundamental para ava-liar o entendimento, pelo trabalhador, do ato que lhe é imputado, es-pecialmente nos casos de dispensa “por justa causa” que precisam seravaliados individualmente.

AbstractLabor contracts are a type of contract; therefore, civil law

mandates that their objects have to be licit and the contracting partiesare capable. For the worker, generic civil capacity, in first place, besideslabor competency specific for each kind of activity is required. In otherwords: adequate professional competency. There is no specific way toevaluate the civil capability of the worker. The allegation that the workerdoes not have the exact understanding of her rights and obligations is acommon argument because a large part of the Brazilian workers areunder a stage of economic dependency. Thus, there are issues thatrequire the judge to rely upon expert medical evidence. This evidencecan become fundamental in order to demonstrate the understanding,by the worker, of the act that he is accused, especially in the cases of“justa causa” that require individual analysis.

1 O CIDADÃO E O TRABALHO

O trabalho constitui, sem dúvidas, uma importante forma deintegração do indivíduo à sociedade. Importância que aumenta na mesmaproporção em que cresce a multidão de desempregados.

Para o cidadão comum, “normal”, estar ou não inserido no mer-cado de trabalho vem adquirindo importância e influencia cada vezmais o seu bem estar e o bem estar de sua família - seja econômico,social ou emocional. Os “excluídos” do mercado de trabalho mos-tram-se humilhados, sentem-se inúteis.

O que é, afinal, cidadania?É uma palavra da moda, freqüenta os discursos, a imprensa em

geral, as palestras de toda a ordem. Incorrendo – por isto mesmo – norisco de perder o seu real significado, o que, de resto, vem sucedendo

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com outras palavras como, por exemplo “social”, “amor”, “dignida-de”, até mesmo “direitos humanos”. Cidadania, porém, nada mais éque a qualidade do cidadão ou, do indivíduo no gozo de seus direitoscivis e políticos mas, também, do exercício de seus deveres. Deveresque de igual modo parecem vir se confundindo com “meus direitos”,perdendo sua face real – ou contraface dos “direitos”. Direitos e deve-res estão sempre juntos.

O direito ao trabalho está incluído entre as garantias constitu-cionais, e “garantia” tem o sentido de certeza, com seus correlatosdeveres. A integração do indivíduo no mercado de trabalho, no entan-to, pressupõe essencialmente a existência da demanda por mão-de-obra, além da capacidade específica do trabalhador que, por sua vez,inclui o ensino profissionalizante.

2 O DIREITO DO TRABALHO

O homem sempre trabalhou, primeiro para obter seus alimentos,já que não tinha outras necessidades ante o primitivismo de sua vida.Depois começou a sentir que precisava defender-se dos animais fero-zes e iniciou a fabricação de armas e instrumentos de defesa. Logodepois, verificando que o osso encontrado nos restos dos animaismortos partia-se com facilidade, passou a lascar pedras criando ar-mas, sua primeira atividade industrial. Usava seus produtos para caçaranimais e lutar contra outros homens.

Nos combates com os outros homens matava os feridos. Então,compreendeu que era mais útil escravizar os inimigos para utilizar seutrabalho. Os que conseguiam mais prisioneiros passaram a vendê-losou alugá-los. Surgia a escravidão.

Mais tarde alguns escravos tornaram-se livres por gratidão deseus senhores ou em dias festivos e o único direito que tinham era o detrabalhar em suas habituais atividades ou alugando-se para terceiros.

A escravidão durou longos anos, o maior golpe que recebeu foicom a Revolução Francesa.

A servidão foi um estágio intermediário – o servo não era escravo,mas na realidade não dispunha de sua liberdade. Vieram as corporações

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que tiveram como base a identidade de profissão, exercida de formaorganizada. Surgia a figura do “mestre” que determinava até mesmo odireito à mudança de domicílio. Na verdade, tratava-se de uma formamais branda de escravização do trabalhador.

A invenção da máquina levou ao desenvolvimento das indústriase foram admitidos mais trabalhadores, porém com baixos salários.

Os reais antecedentes do Direito do Trabalho, no entanto, vie-ram para dar um sentido social e humano e, finalmente, jurídico (signi-ficando a proteção pelo direito e pela lei) na conceituação e valoriza-ção do trabalho.

No Direito Romano primitivo estavam previstos três tipos decontrato de locação, pelo qual uma das partes se obriga a ceder àoutra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa nãofungível mediante retribuição: locação de coisas, de serviços e de em-preitada (obra). Como dissociar o trabalho da pessoa do trabalhador?

Embora a história do problema social – e suas soluções – tenhaimportância, a sua fermentação somente começaria no final do séculoXVIII com a revolução política e a revolução industrial ou técnico-econômica. Naquela época não interessava o trabalhador na sua dig-nidade fundamental de pessoa humana. E foram se formando duasclasses de interesses antagônicos: a proletária e a capitalista. Vivia-secom o Estado liberal o florescimento de uma ditadura – a ditadura docapitalismo – que em nome da Igualdade e da Liberdade tornava-sesenhora da sociedade trabalhadora.

Havia uma igualdade jurídica e uma desigualdade econômica. Épor demais conhecido nos meios jurídicos o preceito deLACORDAIRE: “Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é aliberdade que escraviza, é a lei que liberta”.

Começaram a surgir, então, estudos sugerindo o coletivismo oua construção social com base no Estado autoritário; falava-se em “equi-líbrio de classes”. Surgiu a idéia do socialismo com ROBERTO OWEN.Começou-se a focalizar o homem que vive não só do pensamento,mas da ação; o homem cujo verdadeiro estado na natureza é o estadoem sociedade. O Estado deveria tornar-se o instrumento da justiça –da justiça da sociedade – intervindo como representante dos interes-ses coletivos e reprimindo os interesses individuais privados.

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Passava o Estado a exercer sua verdadeira missão de órgão deequilíbrio em benefício do interesse coletivo. Tomava corpo a doutrinaintervencionista ao verificar o Estado que a liberdade econômica e alivre concorrência não conseguem harmonizar interesses individuais,ao contrário, a diversidade econômica é causa da existência de classessociais. (Hoje, observa-se uma exacerbação do intervencionismo).

O Papa Leão XIII publica no final do século XIX a Encíclica“Rerum Novarum” em que proclama a necessidade da união entre asclasses do capital e do trabalho que “têm imperiosa necessidade umada outra”. A repercussão foi imensa e incentivou o interesse dosgovernantes pela classe dos trabalhadores. À sua vez, os próprios tra-balhadores tomavam posição para pleitear os benefícios que lhes eramdevidos. Surgiram as primeiras leis de um direito que iria de certa for-ma avassalar os demais, derrogando princípios que pareciamestruturados na própria história da humanidade.

A primeira grande guerra (1914-1918) levou à morte milhõesde trabalhadores, colocando-os lado a lado com soldados de outrascamadas sociais e veio a compreensão que para lutar e morrer todosos homens eram iguais e deveriam ser iguais também para o direito deviver. Terminada a luta as leis protetoras foram “arrancadas” dos go-vernos. Essa luta preparou o campo para uma nova aurora social. Nasciao Direito do Trabalho.

3 A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – OS CONTRATOSDE TRABALHO

São diversas as formas de prestação de trabalho: há os profissi-onais liberais e os trabalhadores autônomos que organizam seu pró-prio trabalho, há os prestadores de serviços eventuais (tais como bom-beiros hidráulicos, chaveiros, etc.), há os contratos de empreitada nosquais o que interessa a quem contrata é o resultado não os meios utili-zados para sua realização, e há o contrato de trabalho regido pelaCLT, que cuida da prestação de trabalho sob subordinação que nadamais é que a intervenção do tomador de serviços nas atividades-meiodo prestador de serviços, sabendo-se que é o empregador quem as-sume os riscos da atividade econômica.

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Não se trata aqui de “dependência” de qualquer ordem,exemplificativamente a dependência econômica (há empregados quepodem manter-se sem a prestação de trabalho, por exemplo), mas defato, da interferência, fiscalização ou controle pelo empregador dasatividades do empregado. Empregado este que tanto pode ser o tra-balhador braçal como o profissional de nível superior: médico, advo-gado, engenheiro, etc.

Versando nosso tema sobre a prova pericial no processo traba-lhista cuidar-se-á da prestação de serviços na forma de contrato detrabalho subordinado – regido e regulamentado pela Consolidação dasLeis do Trabalho.

4 O CONTRATO DE TRABALHO SUBORDINADO

Sendo o contrato de trabalho uma espécie do gênero contrato,prevê a lei civil para sua validade que o objeto seja lícito (atividadelícita) e os sujeitos contratantes capazes de contratar. Para o trabalha-dor significa a capacidade civil genérica, em primeiro lugar, mas tam-bém a capacidade específica para o tipo de trabalho a que se propõee que lhe é oferecido. Vale dizer: formação profissional adequada.

Tem-se aqui o primeiro e maior obstáculo para o trabalhadorbrasileiro: a falta de qualificação. A evolução tecnológica cresce deforma geométrica e a formação profissional do trabalhador brasileiroestá estacionária. A falta de oportunidade profissional para os pais levaseus filhos a se dedicarem a pequenos biscates (“bicos”) para ajudar amanter a família. E assim, deixam até mesmo de se alfabetizar, que diráde se profissionalizar. E em um círculo vicioso serão pais de famíliaigualmente sub-empregados.

5 A CAPACIDADE CIVIL DOS SUJEITOS DOCONTRATO DE TRABALHO

Voltando à capacidade civil genérica do trabalhador, a lei consi-dera cidadãos aqueles que são plenamente capazes, aqueles apenasrelativamente incapazes e os absolutamente incapazes.

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A) Eram considerados absolutamente incapazes (“representa-dos”) pelo Código Civil promulgado em 1916:• os menores de 16 anos;• os loucos de todo o gênero (!?) (Suscitando dúvidas

até dos profissionais da área: – o que é louco? – o queé louco “de todo o gênero”?);

• os surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade;• os ausentes (aqueles desaparecidos e não comprovada-

mente mortos).

A redação em vigor alterou a redação deste artigo:• os menores de 16 anos (vedação constitucional), critério

aleatório – idade cronológica pode coincidir ou não como perfeito discernimento;

• os que, por enfermidade ou deficiência mental, nãotiverem o necessário discernimento para a prática des-ses atos;

• os que “mesmo por causa transitória” não puderemexprimir sua vontade.

B) O Código Civil de 1916 – considerava relativamente incapa-zes (“assistidos”):• os maiores de 16 anos e menores de 21 anos;• os pródigos, (aqueles incapazes de administrar seus ne-

gócios) e os• silvícolas.

O Código Civil em vigor alterou em parte este artigo:• os maiores de 16 anos e menores de 18 anos;• os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que por

deficiência mental tenham o discernimento reduzido;• os excepcionais, sem desenvolvimento mental com-

pleto, e• os pródigos.

E a capacidade civil na lei trabalhista especificamente?

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C) A lei trabalhista tem como razões de extinção do contrato detrabalho:

1. A aposentadoria por invalidez – que é considerada “provi-sória” até 5 anos da data de seu início. As causas podem ser físicas oumentais.

Surgem as primeiras dúvidas e questões para o Juiz, em se tra-tando de sofrimento mental:

• O problema (ou sofrimento) mental concretamente examina-do demanda exatos 5 anos para ser considerado “definitivo”(ou incapacitante para o trabalho especificamente realizadopor aquele sujeito?);

• O problema poderia ser reduzido com a volta do indivíduoao trabalho?

2. O problema reiteradamente apresentado da LER ou DORT(Lesão por Esforços Repetitivos ou Distúrbios Osteomusculoliga-mentares Relacionados ao Trabalho). É quase obrigatória a presençana documentação apresentada de receituários de fluoxetina, diazepans,etc. As alterações emocionais são visíveis até mesmo para o leigo.

Pergunta-se: o problema físico levou ao comprometimento emo-cional ou vice-versa? Como explicar que pessoas que cortam legumes– que nossas avós e mães executaram por décadas – agora leva àLER? ...

3. Com relação à “capacidade”; prevê ainda a lei trabalhista(CLT) como razão para dispensa por justa causa – que retira dotrabalhador muitos dos seus direitos:

• o ato de improbidade;• a incontinência de conduta ou mau procedimento, isto é, le-

var o empregado uma vida irregular incompatível com suacondição e com o cargo que exerce (incontinência) ou osatos que revelem quebra do princípio de “boa-fé” – conceito

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que de forma simplista pode ser traduzido por “inocente, atéprova em contrário”;

• a desídia – a violação da obrigação de rendimento quantita-tivo e qualitativo incluído nas obrigações do contrato de tra-balho. Pode decorrer da realização do trabalho de modo fa-lho, a escassa produção que pode derivar de negligência ouindiferença, a antítese da diligência;

• embriaguez habitual – ou não habitual, porém em serviço;• indisciplina ou insubordinação – violação a norma de ordem

geral ou a uma ordem especial determinada ao empregado;• abandono do emprego;• prática de jogos de azar;• falta contumaz de pagamento de dívidas legais.

6 A PERÍCIA MÉDICA – O QUE O JUIZ QUER SABER

Podemos resumir em duas palavras-chave “o que o juiz quersaber”:

• o entendimento do sujeito de seu ato (ou omissão);• as conseqüências ou reflexos de tal ato no ambiente e nas

relações de trabalho.

De modo geral as “justas causas” são apreciadas individualmentepelo Juiz e têm alguns requisitos:

• a gravidade da falta – que é avaliada pelo Juiz levando emconta não uma “medida padrão”, mas a personalidade doempregado, sua capacidade de discernimento. Não podeser avaliada “in abstracto”. Assume no contrato de trabalhoum aspecto nitidamente disciplinar – em face do elementosubordinação que caracteriza o contrato.

Não importa – de modo geral – a conduta fora do local detrabalho (em termos). Briga com colega à entrada ou saída do trabalho

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não pode ser considerada como “estranha” ao ambiente de trabalhoporque se reflete nele.

• caráter determinante da falta – deve haver uma relação entrea falta e a extinção do contrato de trabalho, causa esta con-cretamente especificada. E “justa” causa. Que uma vez de-terminada, não pode ser “substituída”.

• atualidade da falta – porque se for conhecida e não punidapresume-se perdoada. Exceto se, sendo antiga torna-se atu-al ao ser conhecida.

• proporcionalidade – uma falta suficientemente grave ou, en-tão, várias faltas que, reiteradas, tornam impossível a conti-nuidade do contrato.

Com raras exceções – como já observado – o exame da ques-tão limita-se ao aspecto disciplinar. No entanto, a experiência mostraque basta interrogar o empregado para vislumbrar-se algo mais doque simplesmente o cometimento de uma falta.

Exemplifica-se:

• A questão da embriaguez (ou do viciado em tóxicos). Se com-provada a doença (e não a mera embriaguez de causas factuaisou uso eventual de substância entorpecente (ou tóxica) não aembriaguez-doença ou aquele dependente químico, realmenteviciado) pode, apesar disto levar ao reconhecimento da justacausa. Por exemplo, um motorista de coletivos urbanos ouintermunicipais. Uma embriaguez ocasional pode levar a gran-de perigo não somente o empregado, mas os passageiros eos transeuntes – sem esquecer os danos ao patrimônio dosenvolvidos – que também tem a proteção da lei.

De outra face, a embriaguez-doença, que retiraria a capacidadedo indivíduo de manter-se são, torna impossível o exercício de suasfunções:

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• caso trabalhe com maquinários – arrisca-se a si próprio eaos colegas,

• caso trabalhe sozinho, pode tornar-se incapaz de decisõessimples e causar prejuízos materiais.

O sono: sabe-se que há doenças que causam sonolência ouporque debilitam o organismo ou porque levam a distúrbios do sono.Há a sonolência como conseqüência de algum medicamento. Uma sim-ples “soneca” pode ser perdoada, mas se o empregado for um vigia ouoperador de máquina como um trator, as conseqüências podem vir aser muito sérias e a falta, por isso mesmo, injustificável.

E o “cochilo” do motorista que “dobra” sua jornada e acabacausando acidentes? É ele culpado? Subjetivamente falando, justificaa dispensa por causa “justa”? ...

O critério essencial – é o discernimento do autor do ato que équestionado.

O que o Juiz quer e precisa saber através de uma perícia médicaé a capacidade do indivíduo em entender o seu ato, seu grau de enten-dimento, trate-se de ação ou de omissão. Não apenas se é ele porta-dor de “enfermidade ou deficiência mental”, mas se de fato “não tem onecessário discernimento para a prática dos atos de seu trabalho”.

Também importa saber se as “deficiências” são transitórias ounão. Ainda que se saiba que não existe o definitivo em medicina.

Tem-se, assim, de forma concreta:

a) Ato de improbidade – que pode manifestar-se pelo furto –decorrente de distúrbios de comportamento como a cleptomania.Mesmo que se trate de distúrbio impedindo a continuidade da presta-ção de serviço, não estaria caracterizada a justa causa, e sim apenasuma incompatibilidade para o trabalho, por ameaçar o patrimônio doempregador e dos outros trabalhadores.

b) A incontinência ou o mau procedimento. Decorre de des-vio de caráter no sentido leigo da expressão ou seria um problema deincapacidade de apreender o exato significado do ato ou omissão? (Orepresentante da CIPA que não usava os equipamentos de proteção

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individual – embora exigisse o uso dos demais – porque não era “destetipo de homem”).

c) A desídia – ou desinteresse, teria causas médicas? A negli-gência ou a inabilidade seriam indicativos de descaso ou de incapaci-dade – ainda que transitória – de atender as demandas quantitativas ouqualitativas de seu trabalho?

d) O abandono do emprego. A causa alegada – muitas vezessupostas enfermidades de membros da família, viagens urgentes indi-cariam apatia (ou depressão), passível de ser revertida ou não? Tran-sitória, ou não? (O pai de família que teve a mulher, filho e sogro mor-tos a facadas por antigo companheiro da mulher, deixando o trabalhosem qualquer comunicação aos empregadores).

Lembrando – sempre - que o contrato de trabalho envolve aconvivência com outras pessoas – colegas, patrões, etc – além depatrimônio da empresa (por extensão dos empregados, garantia deseu emprego, porque sem ele seria desnecessária a prestação de ser-viços). Exatamente, qual a capacidade ou incapacidade do indivíduodo ponto de vista médico (inclusive problemas exclusivamente de or-dem física) a justificar, ou não, seu comportamento, para fundamentarou não a “justa” causa ou falta grave? É o que o juiz precisa saber.

Cabe ressaltar que têm previsão legal também as “justas” cau-sas do empregador que – embora com muito menos freqüência – pre-cisam da avaliação do julgador. No entanto, em face do caráter prote-cionista do Direito do Trabalho com relação ao trabalhador não sãoobjeto de perícia determinadas pelo juiz. Como subsídio da defesa,algumas vezes são alegadas causas emocionais para justificar algunscomportamentos do empregador – especialmente se pessoa física ounatural.

O juiz trabalhista entende de contratos, de capacidade civil –tudo nos termos da lei -. Em casos concretos, no entanto, é necessáriosaber se o indivíduo pode ser considerado “culpado” de seus atos demodo a viabilizar ou não a continuidade de seu trabalho.

A própria lei prevê como auxiliar da justiça o perito que teminformações técnicas e específicas sobre matérias que o juiz desco-nhece. E em se tratando de relações humanas há que se pesquisar

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profundamente a motivação das atitudes das pessoas – especialmentenas relações de trabalho. Não somente porque para a nossa Constitui-ção são fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania,a dignidade da pessoa humana, mas também os valores sociais dotrabalho (art. 5o., incisos II, III e IV). Por isso, não se pode “tirar” doindivíduo o direito ao trabalho, e em decorrência, o direito à sua so-brevivência e à de sua família e à sua dignidade como pessoa humana,sua auto-estima.

Com os subsídios e a colaboração – imprescindível – do laudopericial, poderá então o juiz, de forma mais próxima da realidade, pro-cessar e julgar os casos concretos que lhe são apresentados envol-vendo o comportamento das pessoas que são sujeitos do contrato detrabalho. Mais que o comportamento tão somente da “pessoa-tra-balhador”.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CATHARINO, José Martins. Compêndio de Direito do Trabalho,Saraiva, São Paulo, 1982.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 17ª. Ed.,Forense, Rio de Janeiro, 1995.SÜSSEKIND, Arnaldo; Maranhão, Délio; Vianna, Segadas; Teixeira,Lima. Instituições de Direito do Trabalho, Ed. LTR, São Paulo, 2004.

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UM SÍMBOLO DE TRIBUNAL DO JÚRI

JOSÉ BARCELOS DE SOUZA

ResumoA notícia de que um deputado teria apresentado projeto no sen-

tido de proibir a colocação ou a permanência de crucifixo em lugarpúblico suscitou alguns comentários sobre a matéria, quando algumasvozes se levantaram no mesmo sentido do projeto, com os argumen-tos de que o Estado se desvinculara da Igreja e de que se tratava deum símbolo religioso.

Para o autor, essas circunstâncias não teriam relevância alguma,vez que se trata de um símbolo também histórico, mundialmente co-nhecido, e, no que diz respeito ao Tribunal do Júri, a presença docrucifixo, tradicional entre nós, é justificada não só pela religiosidadede nosso povo, desde o descobrimento, quando logo se fez celebrar achamada primeira missa, mas especialmente por ser Jesus Cristo, semconsiderar a religião que professemos, um paradigma para todos nós,advogados, promotores, juízes, jurados, serventuários da justiça epúblico presente, razão por que nenhum outro símbolo seria tão repre-sentativo. Nenhum outro seria mais adequado e respeitado.

O autor lembrou que a imagem de Cristo no primeiro Tribunaldo Júri do Rio de Janeiro, reintroduzida solenemente depois de retira-da tempos atrás, foi uma doação de advogados criminais.

AbstractA notice that a member of the Congress presented a law project

in order to prohibit the introduction of crucifix in public places broughtabout some comments on the matter, when some people suported the

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idea, under the consideration that State is now separated from theChurch and the crucifix is a religious symbol.

According to the author those circumstances would not haveany relevance at all, as the symbol is also a historical one, known all theworld over, and, as far as Jury Trial is concerned, that presence istraditional in Brazil, this being justified not only by the religiosity of theits people, since the country was discovered, when there was sooncelebrated a first mass, but specially because Jesus Christ,notwithstanding any religion one has, is a paradigm for any of us –lawyers, judges, prosecutors, jurors, officers and the audience –, andthat is why no other symbol would be so representative, appropriatedand respected.

The author reminded that Christ image in the First Jury Court inRio de Janeiro, reinaugurated after being taken away some time ago,was a gift of criminal lawyers.

Nas minhas andanças tempos atrás por comarcas do Estado,como representante de nosso valoroso Ministério Público, ouvi histó-rias interessantes. Uma delas a respeito de uma testemunha que foirecriminada por várias pessoas pelas mentiras desbragadas que re-chearam seu depoimento, prestado na sala de reuniões da CâmaraMunicipal que era utilizada também para as reuniões do Tribunal doJúri e para as audiências em geral. Sua justificativa foi a de que, dianteda cara zombeteira do sem-vergonha Fulano, rindo naquele retratopendurado na parede em sua frente, teria mesmo era de mentir. “Sepelo menos estivesse ali também um crucifixo...”, ponderava.

Símbolo tradicionalmente presente nos salões do Júri, quem te-nha familiaridade com a literatura processual penal certamente tevenotícia de manifestações, em geral de um ou outro jurado, contrárias àpresença do crucifixo, ao fundamento de que a Igreja é agora separa-da do Estado, ou de que se trata de um símbolo de uma religião.

O fato da desvinculação do Estado com a Igreja, porém, nãoimpediria a colocação de um símbolo histórico, que o fosse tambémde uma religião, desde que pertinente e conhecido. Nem a utilizaçãode símbolo de uma religião encerraria um atentado a outras.

O assunto veio à baila ante a notícia de que um deputado teria

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apresentado projeto no sentido de proibir a colocação ou a perma-nência de crucifixo em lugar público.

Para conhecido escritor e cronista que escreve para jornais di-versos, em coluna de 28 de setembro de 2005, “Não deixa de serconstrangedor um judeu ou um muçulmano internar-se num hospitalpúblico e ter uma cruz na cabeceira do leito”. Não vejo, contudo,razão para o constrangimento. Embora também símbolo de outra reli-gião, reflete a fé trazida pelos descobridores, que aqui aportando, fize-ram logo celebrar uma missa. E foi certamente a religiosidade de nos-sos antepassados que fez com que se erguessem inúmeros e belostemplos em todo o vasto território nacional. Desse modo, o que cabe-ria a pessoas de outra crença fazer seria simplesmente respeitar, pro-cedimento que também a nós caberia num país muçulmano. E nãoseria para não aborrecer turistas judeus, muçulmanos ou americanosque iríamos retirar da Cidade Maravilhosa a imagem de Cristo Redentor.

Mas foi o próprio cronista que emendou, ao considerar que nocaso dos tribunais é diferente: “Acontece que a cruz não é apenas umsímbolo religioso. Ela esfrega em nossa cara, na cara dos juízes, pro-motores, advogados e réus, um dos maiores erros judiciários de todosos tempos”, argumentou.

Medidas impertinentes já aconteceram, como mandar cobrir ocrucifixo. Ou retirá-lo. Aqui mesmo no Estado um juiz fez isso. O dig-no corregedor de Justiça, um culto e criterioso desembargador que,aliás, não era católico, não gostou do procedimento do juiz. O razoá-vel será o juiz dispensar o jurado que protestar, já que se sentiria inco-modado. Não se mostra aceitável o aplauso de eminente jurista, quefoi desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, no trechoseguinte: “Lembro que certo juiz paulista foi cassado pela gloriosa de64 justamente porque, em ato do mais elogiável bom senso, determi-nou a retirada do crucifixo do fórum, dizendo que ali não era local parase expressarem as convicções religiosas de quem quer que seja. Pontopra ele!”, pontificou o desembargador, um excelente jurista, de cujaopinião, entretanto, aqui divirjo inteiramente. O ponto, no caso, deve-ria ir era para a “gloriosa” a que se referiu o desembargador. A tradici-onal presença do crucifixo nas salas do júri não visa, de modo algum,à manifestação das convicções religiosas de ninguém. Antes, é justificada

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por ponderáveis razões outras, além da do erro judiciário mencionadapelo cronista a cuja opinião se referiu acima.

É que, num lugar em que se acusa, se defende e se julga, JesusCristo deve ser visto não como símbolo de uma religião, mas símbolodos defensores de acusados e ao mesmo tempo exemplo de um julgadorhumanitário, no episódio bíblico da mulher adúltera, que foi narrado,em página de rara beleza literária, pelo professor, matemático, filóso-fo, teólogo e penólogo Lydio Machado Bandeira de Mello, na teseTabu, Pecado e Crime, com que conquistou, décadas atrás, uma dascátedras de Direito Penal da Faculdade de Direito da UniversidadeFederal de Minas Gerais. Também, e por outro lado, deixou o Cruci-ficado uma lição contra a impunidade, num outro episódio, o da expul-são dos vendilhões do Templo. E seu notável Sermão da Montanha éuma fonte de sabedoria, que não deve faltar a quem couber a tarefa dejulgar.

Numa sala de julgamentos, porém, o crucifixo servirá, antes detudo, como exemplo histórico do que de muito negativo existe na fun-ção de julgar: a pusilanimidade, o medo de fazer justiça, que faz ojulgador ceder a pressões contrárias, de tudo o que Ele foi vítima.

Como se vê, nenhum outro símbolo seria tão representativo.Nenhum outro seria tão conhecido, aqui e em todo o mundo. Nenhumoutro seria mais adequado e respeitado.

O que muito importa considerar não é o que Cristo é para umareligião, mas que, professemos ou não essa religião, poderá ser vistopor todos nós, advogados, promotores, juízes, jurados, serventuáriosda justiça e público presente, como um paradigma.

Publicado o texto acima, aqui com pequenas correções ou alte-rações, em coluna mantida pelo Instituto dos Advogados de MinasGerais no jornal O Tempo, em dia em que me encontrava no Rio deJaneiro, aonde fora integrar uma banca examinadora de pós-gradua-ção, ali tive a oportunidade de conversar sobre o assunto com o cole-ga, amigo Dr. Antônio Carlos Barandier, conhecido e conceituado ad-vogado criminal, que se lembrou de um excelente trabalho do tambémadvogado criminal distinto Dr. Humberto Teles, saído, com o título“Cristo no Júri”, em um dos primeiros números, em 1996, da revistaDiscursos Sediciosos – Crime, Direito e Sociedade, uma publicação

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do Instituto Carioca de Criminologia. Gentilmente ofereceu-meBarandier uma cópia do artigo, que assim se inicia:

“Encimando a mesa da presidência do 1º Tribunal do Júri novelho palácio da Rua D. Manoel, no Rio de Janeiro, está a imagem deCristo. Quase não é notada. E afora a mensagem que encerra, nadamais parece sugerir. Entretanto, na agitada existência da instituição, elaviveu histórias e não foi sem lutas que ali se manteve e até hoje seconserva”.

Fiquei então sabendo mais que foi uma oferta de alguns advoga-dos. Benzida pelo Arcebispo D. Sebastião Leme, foi ali solenementerecolocada no dia 31 de janeiro de 1929. Discursou o então presiden-te do Júri, Juiz Edgard Costa (foi depois ministro do Supremo TribunalFederal), que salientou ser aquela imagem “o símbolo eterno do maiordos erros judiciários, da maior e da mais memorável das injustiças,filha do falso testemunho, da má fé dos juízes, da perversidade dosacusadores, da ausência de defesa”.

Falou-se em recolocação da imagem porque, em data anterior,março de 1892, duas pessoas penetraram no edifício do Tribunal doJúri e ali fizeram uma verdadeira depredação, destruindo, além demóveis, duas imagens de Cristo, existentes no recinto das sessões e nasala secreta. Houve prisão em flagrante de uma pessoa, processo,habeas corpus. Também protestos por ocasião de julgamentos, re-presentação contra juiz junto ao Conselho Supremo da Corte de Ape-lação. Novamente em abril de 1906, quando da reposição da imagemno recinto do júri (havia sido retirada e guardada durante um certotempo, por ocasião de conflitos na cidade, provocados pela separa-ção da Igreja do Estado), ocorreu um incidente entre um jurado e opresidente do Tribunal do Júri. E anos depois, em 1931, veio umapaixonante debate, mobilizando em torno do assunto a esclarecidaatenção de juristas, escritores e estudiosos. Um jurado chegou a re-presentar ao Ministério da Justiça, com sugestão da expedição de umdecreto para regulamentar a matéria.

Despertou-me a atenção a motivação da decisão, diante de maisum protesto de jurado, do então presidente daquela corte popular, juizAntonio Eugênio Magarinos Torres (autor do livro Processo Penal doJúri): “Não podia o juiz, entretanto, tomar nenhuma providência que

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importaria em desacato ao seu superior hierárquico, o presidente daCorte de Apelação, em cuja presença foi instalada a imagem; e apenaspara reduzir a evidência que se diz constrangedora, mandaria extinguiras luzes, única coisa ao alcance dele Juiz, que representa sacrifício dodinheiro público com a imagem religiosa. Isto faria, com absoluta re-serva dos seus sentimentos, mas decidindo, com a razão somente, aquestão jurídica que o jurado formulara no seu protesto”. O juradodeclarou conformar-se com a impossibilidade informada, disse ser su-ficiente a providência prometida e satisfatória de suas convicçõescívicas.

Assim, terminou o advogado Humberto Teles, seu artigo:“Desnecessário o Decreto sugerido. A continuação do Cristo

nos tribunais populares prescindia, como prescinde, de regulamentose atos oficiais.

No velho palácio da Rua D. Manoel a sua imagem permanece,no mesmo local onde reposta em 1929. Quis a tradição que em tornodela se reacendessem as luzes. E nunca mais nenhuma voz se levantoucontra sua presença”.

A capa do excelente livro de Ângelo Ansanelli Júnior, O Tribu-nal do Júri e a soberania dos veredictos, publicado em 2005 pelaLumen Juris Editora, obra que tive a honra de prefaciar, traz uma belafoto do interior do 1º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, o mais bonitodos quatro existentes naquela capital, todo reformado há alguns anos.Nela aparece, com destaque, o crucifixo, que se mostra um símbolodaquele tribunal.

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REFLEXÃO SOBRE AS EMPRESASDE TELECOMUNICAÇÃO E O

PARADIGMA ECONÔMICO

CARLOS ALBERTO ROHRMANN

Sumário

1. Introdução. 2. Histórico das Telecomunicações.1. Comunicar-se: breve histórico da regulamenta-ção das telecomunicações – do telégrafo à era dasfibras óticas. 2.2. A chegada do telefone no Brasil ea regulamentação dos serviços telefônicos ao longodo Século XX. 2.3. O poder e as telecomunica-ções. 3. A Regulamentação das Telecomunicaçõesno Brasil. 3.1. Os serviços públicos. 3.2. A reformada década de noventa com vista à liberalização dosetor de telefonia: a agência reguladora. 3.3. Os pri-meiros resultados e as primeiras críticas da novapolítica pública para telecomunicações. 4. Conclu-são. 5. Referências bibliográficas.

ResumoCuida-se de discutir qual seria o melhor caminho para a regula-

mentação das empresas de telecomunicação, entre adotar uma solu-ção de mercado, tendo a concorrência como mola propulsora, ou con-ferir ao Estado uma participação mais efetiva no papel de investidor efornecedor. O estudo faz uma retrospectiva da regulamentação dastelecomunicações, desde os tempos do telégrafo à era das fibras óti-

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 108-134 2005

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cas, nas mais modernas aplicações, e ressalta as quatro fontes distintasde poder que influenciam as empresas de telecomunicação. Apontapara a tendência de se estabelecer o monopólio em certos setores datelefonia fixa comutada, refletindo a teoria econômica do monopólionatural. Também analisa o aspecto constitucional das telecomunica-ções no Brasil e a reforma da década de noventa que propiciou aliberalização do setor de telefonia e a criação da agência reguladora,concluindo que os primeiros resultados que o setor apresentou no Brasil,após as privatizações, foram positivos no tocante ao aumento da ofer-ta de linhas telefônicas e na rapidez de atendimento dos pedidos deinstalação de linhas. Conclui pela atuação sistemática da ANATEL noacompanhamento da atuação das empresas de telefonia relativamenteà não-monopolização e ao bom uso da capacidade ociosa.

PALAVRAS-CHAVE: Empresas de telecomunicação. Regulamenta-ção das telecomunicações.

AbstractThis study aims to analyze the best way to regulate the

telecommunication companies, whether a system based on free-market- where competition boosts economy - or a planned economy solution,in which the State would perform the role of investor and supplier. Itlooks backward at the regulation of communication services, from thetime of the old telegraph to modern optical fiber technologies, andunderscores four different sources of power that influence thetelecommunication companies. It points out the tendency toward themonopolization of the land telephony in some sectors, which reflectsthe economic theory of natural monopoly. It also analyzes theconstitutional aspects of telecommunication services in Brazil and thereform implemented in the 90’s that provided liberalization of telephoneservice and the creation of a regulating agency. It notes that theprivatization yelded positive results, since there was an increase ofavailability of such service and reduction in waiting time for a telephoneline. It concludes that ANATEL must oversee the performance of thetelephony companies in order to ensure actions against monopolizationand to provide how the idle capacity might be used gainfuly.

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KEY WORDS: Telecommunication companies. Regulation oftelecommunications.

1 INTRODUÇÃO

Este texto é o complemento da nossa apresentação acerca daregulamentação das empresas de telecomunicação. Tal apresentaçãofoi uma das palestras proferidas na “Primeira Imersão nos Estudos deDireito Empresarial” que a Faculdade de Direito Milton Campos rea-lizou no período de 22 a 24 de outubro de 2003, em Belo Horizonte.Buscamos aqui, resumir alguns dos principais pontos tratados no dia23 de outubro, quando do debate do tema.

Há muito tempo se discute qual seria o melhor caminho para aregulamentação das empresas e da atividade de telecomunicação. Aspropostas dividem-se em dois grandes grupos distintos. O primeiropropõe uma solução de mercado no qual a concorrência seria a molapropulsora do desenvolvimento do serviço a um custo razoável. Osegundo grupo reúne-se em torno da visão segundo a qual a melhorforma de se prestar o serviço reside no Estado como o investidor efornecedor dos serviços de telecomunicações.

Este artigo analisa as duas correntes dentro de um contexto his-tórico e aponta as vantagens e os riscos de cada uma, com vista a umadefesa da liberdade de mercado em decorrência de se tratar de umaárea que requer grandes investimentos e que está constantemente su-jeita às inovações tecnológicas.

Uma vez que o estudo da matéria envolve alguns tópicos deconteúdo fortemente interdisciplinar, o artigo abordará o tema sob umaótica histórica do desenvolvimento não só da regulamentação, comotambém da própria tecnologia das telecomunicações.

O campo das telecomunicações é muito vasto e, devido às di-versas tecnologias que têm sido desenvolvidas, como rádio digital, te-levisão a cabo, internet a cabo e a telefonia celular, seria uma tarefamuito árdua abordar em uma palestra empresas de telecomunicaçãodos diversos setores. Assim, preferimos limitar o nosso estudo à regu-lamentação das empresas de telefonia fixa comutada no Brasil. Vamos

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abordar, ainda, a prestação de serviços locais e de serviços de longadistância, todavia com foco exclusivo na telefonia fixa. Embora algunsaspectos tecnológicos e de esfera interdisciplinar possam ser aborda-dos ao longo do texto, todas as demais regulamentações de telecomu-nicação, além daquelas que se referem à telefonia fixa, estão fora doescopo deste artigo.

Obviamente, a análise das comunicações através das redes decomputadores, em especial da internet, que fizeram convergir em umúnico meio muitas modalidades de telecomunicação, como a telefonialocal, de longa distância, rádio, televisão e vídeofone, também estáalém do escopo da pesquisa desenvolvida para a apresentação e queeste artigo busca refletir e embasar.

Adotada a metodologia francesa, este artigo encontra-se, pois,dividido em duas partes. A primeira tem cunho interdisciplinar e abor-da a história das telecomunicações desde o telégrafo até as comunica-ções por fibras óticas dos dias atuais. A primeira parte busca tambémsuprir algumas informações preliminares, porém relevantes da tecnologiae das manifestações do poder relacionadas às telecomunicações.

A segunda parte cuida, especificamente, da regulamentação dasempresas de telecomunicação no Brasil, começando com uma revisãodo conceito de serviços públicos. A seguir, busca-se demonstrar osdois modelos distintos de regulamentação do setor de telecomunica-ções, sendo o primeiro, o monopólio do Estado e o segundo, a entre-ga da execução dos serviços à iniciativa privada. A segunda parte ter-mina com a demonstração dos primeiros resultados colhidos com anova política, sejam positivos ou não, e apresenta os desafios postos àrealidade da telefonia fixa comutada no Brasil.

O artigo conclui que há uma tendência para o monopólio emcertos setores da telefonia fixa comutada, em especial a telefonia local,o que reflete a teoria econômica do monopólio natural. As formas dese tratar o setor, em especial devido à questão de monopólio natural,são basicamente duas: ou se reconhece o monopólio e se entrega aatividade a uma única empresa, seja ela pública ou privada (quando omonopólio deverá ser regulamentado e controlado pelo Estado, espe-cialmente no que se refere à política de preços) ou se buscam incenti-vos para os investimentos privados, com a menor ingerência possível

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do Estado, salvo no que tange à atenção para que não se termine emum monopólio exercido por uma empresa privada. Entendemos que asegunda solução é a mais adequada por deslocar os investimentos parao particular, deixando o Estado com mais recursos para a execuçãodas atividades públicas que lhe cabem.

Uma vez que o setor de telefonia fixa envolve a prestação de umserviço público, questões curiosas aparecem, como a interrupção daprestação dos serviços em face do não-pagamento e a responsabili-dade das concessionárias por débitos de suas controladas. Trata-sede questionamentos que são objeto de pesquisa por parte dos gruposde estudo da nossa Primeira Imersão.

2 HISTÓRICO DAS TELECOMUNICAÇÕES

2.1 Comunicar-se: breve histórico da regulamentaçãodas telecomunicações – do telégrafo à era das fibrasóticas

O início das modernas telecomunicações deu-se com a inven-ção do telégrafo por Morse ainda no início do Século XVIII, maisprecisamente com a concessão da patente em 1835 nos Estados Uni-dos da América. Há autores que se referem a esta fase como a própriaorigem do espaço virtual, que viria a ser amplamente utilizado mais decento e cinqüenta anos depois, com a popularização da rede internet.

O telégrafo experimentou um considerável crescimento e per-mitiu o surgimento, nos Estados Unidos, de uma grande (senão a pri-meira) empresa de telecomunicação, a Western Telegraph. Uma vezque a empresa surgiu a partir de um monopólio legal conferido pelopoder público (a patente), o seu desenvolvimento monopolizador foiconsiderável nos Estados Unidos. A primeira grande ameaça ao mo-nopólio dos serviços de telégrafo só foi possível graças ao avançotecnológico, qual seja, o surgimento do telefone.

Foi em 1876 que Alexander Graham Bell conseguiu inventaruma forma de codificar a voz humana em pulsos elétricos que podiamser transmitidos através de fios de metal (KRATTENMAKER, 1998).Tal invenção foi patenteada ainda na década de 1870, e, a partir dessa

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patente, deu-se início a uma nova era das telecomunicações: a era datelefonia.

O telefone também gozou dos benefícios da patente conferidapelo poder público. Assim, um monopólio legal foi atribuído ao seuinventor durante um prazo de proteção considerável: à época, nosEstados Unidos, dezessete anos da concessão da patente.

Os dezessete anos de proteção ao monopólio do telefone foramde enorme importância para que as empresas de Graham Bell pudes-sem crescer em boa parte do território norte-americano como as úni-cas prestadoras de serviço de telefonia. Além de ser o único a prestaros serviços de telefonia, Bell ainda detinha a única rede de telecomuni-cação do país.

Detalhe interessante: Bell chegara a propor uma aliança com aWestern Telegraph, quando do início de suas operações em telefonia.A negativa desta última empresa em aliar-se à idéia de Bell custou-lhea própria existência. O telégrafo não resistiu à concorrência do telefo-ne e a Western Telegraph foi comprada por Bell. Iniciava-se aí aAmerican Telephone and Telegraph – AT&T (KRATTENMAKER,1998).

Quando da queda das patentes de Bell, surgiram concorren-tes no mercado de telefonia e a estratégia aplicada pela AT&T paraevitar a concorrência foi a de negar interconexão de sua rede detelecomunicação com as redes das outras empresas. A conseqüên-cia era a seguinte: quem tivesse um telefone de uma empresa con-corrente não conseguiria falar com a vasta rede já instalada de te-lefones da AT&T.

A negativa de interconexão por parte da AT&T praticamentefulminou a concorrência na telefonia dos Estados Unidos e alavancoua AT&T à condição de empresa detentora de um monopólio na pres-tação dos serviços. Esse ponto é dos mais relevantes para ser consi-derado quando da elaboração de uma efetiva regulamentação que pre-vina o surgimento de monopólios em telecomunicação.

Mais uma inovação tecnológica foi de grande importância parao desenvolvimento da AT&T como a grande empresa de telecomuni-cação dos Estados Unidos: a ligação de longa distância. Através do

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domínio de tal tecnologia, a AT&T pôde prestar um serviço integradode telefonia local e de longa distância a seus usuários.

A AT&T criou a política do serviço universal (universal service)de telefonia, que visava atender todo o território norte-americano, le-vando telefonia fixa local e de longa distância urbana e rural, domésticae comercial. Este conceito perdura até os dias de hoje, uma vez que anecessidade de universalização dos serviços de telecomunicações nosEstados Unidos foi reconhecida pela seção n. 254 doTelecommunications Act, de 1996 (KRATTENMAKER, 1998).

Surgiram também as políticas tarifárias conhecidas como “sub-sídios cruzados”. Através de tal modelo, devidamente acordado coma agência reguladora de telecomunicações dos Estados Unidos, a Fed-eral Communications Agency – FCC, a AT&T podia cobrar maiscaro de clientes que usavam linhas lucrativas e de grande demanda,como as ligações de longa distância entre, digamos, Nova Iorque eChicago, para permitir-se cobrar preços módicos na telefonia rural. Omesmo era praticado em relação à telefonia comercial, que subsidiavaa telefonia doméstica.

Após a AT&T desfrutar mais de meio século de situaçãomonopolista em telefonia local e de longa distância, muitos problemasrelacionados aos preços dos serviços começaram a surgir para os usu-ários de telefonia nos Estados Unidos.

O monopólio da AT&T era regulamentado pela FCC. A princi-pal vigilância referia-se à política tarifária. Havia dois tipos de contro-les: o tabelamento de preços e a análise e o estudo de planilhas decustos com o posterior controle da margem de lucro. Este segundocontrole era sempre mais difícil, porque a AT&T somente admitia queprodutos certificados fossem integrados à sua rede de telecomunica-ção, para se evitarem danos à mesma.

A certificação dos componentes da rede acabava por privilegiaros circuitos e demais componentes fabricados pela Western Electric,braço da própria AT&T. Desta forma, a AT&T controlava, pratica-mente, todo o processo de fabricação e de fornecimento dos equipa-mentos de telecomunicação, o que lhe permitia, em última análise, ditaros seus custos.

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O final do monopólio somente foi alcançado em 1983, quandoa ação judicial antitruste foi decidida1 no sentido de dividir a AT&T emempresas menores, que passaram a prestar os serviços de telefonialocal em áreas pré-determinadas. Tais empresas deixaram de ser con-troladas pela AT&T, a quem coube exclusivamente a prestação dosserviços de telefonia de longa distância, segmento no qual não haveriamais monopólio, e sim concorrência com outras empresas.

Interessante que as empresas oriundas da AT&T para o serviçode telefonia local gozaram de proteção de monopólio nas suas respec-tivas áreas de prestação; todavia, essas empresas não poderiam pres-tar serviços de longa distância.

O cenário após a cisão da AT&T prevaleceu até 1996, quan-do a já referida nova lei para o setor, conhecida como Telecommu-nications Act of 1996 (lei federal)2 determinou, entre outros as-suntos regulamentados, a liberalização dos serviços de telefonia nosEstados Unidos, com o fim das restrições impostas pela decisão de1983.

Um dos grandes fenômenos nas telecomunicações verificadosanteriormente, mas que teve seu crescimento e sua popularização apósa liberalização de 1996, foi a rede de computadores internet, que per-mitiu o surgimento de grandes empresas que exploram os serviços vir-tuais (muitos deles de telecomunicação) independentemente de licençado Estado.

2.2 A chegada do telefone no Brasil e a regulamentaçãodos serviços telefônicos ao longo do Século XX

Após a apertadíssima síntese que fizemos da telefonia fixa nosEstados Unidos, tratamos, também de maneira bastante resumida, dosurgimento e do desenvolvimento das empresas de telefonia fixa noBrasil.

1 Cuida-se da ação judicial United States of America v. American Telephone & TelegraphCo., 522 F. Supp. 131 (D.D.C. 1982), affirmed by 460 U.S. 1001 (1983).

2 Codificado em 47 U.S.C.

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A telefonia fixa chegou relativamente cedo ao Brasil, quando D.Pedro II foi à exposição realizada em 1876, na Filadélfia, EstadosUnidos. O Imperador conheceu a invenção do telefone, adquiriu einstalou linhas telefônicas no palácio imperial (na Quinta da Boa Vista).O Prof. Gaspar Vianna relata, em sua obra, que o Imperador “ficoumaravilhado” com a invenção do telefone e que “[...] a novidade alas-trava-se como pólvora e logo despertou o interesse do comércio e daindústria, que viam no novo invento um grande potencial para dinami-zar os negócios” (VIANNA, 1976, p. 106).

O Brasil, graças a D. Pedro II, foi um dos primeiros países domundo a contar com linhas telefônicas quando, ainda do início da utili-zação do aparelho nos Estados Unidos, no final da década de 1870, oimperador concedeu a Charles Paul Mackie a primeira concessão te-lefônica no Brasil, através do Dec. n. 7.539, de 15 de novembro de1879, para um particular explorar linhas telefônicas nas cidades doRio de Janeiro e Niterói (ESCOBAR, 1999).

Anteriormente ao Decreto n. 7.539, outras concessões já ti-nham sido deferidas, especialmente as referentes às linhas telegráficase, também, à instalação de cabos submarinos, como a autorizaçãoconferida ao Barão de Mauá em 1873 (ligação entre o Império doBrasil e o Reino de Portugal) (ESCOBAR, 1999).

Os serviços de telecomunicações no Brasil começaram sendoprestados sob a ótica do modelo norte-americano de se entregar talatividade à iniciativa privada por completo. Esta foi a política durante oImpério.

A República permitiu aos estados e aos municípios que prestas-sem diretamente, ou por concessões, os serviços de telefonia, sendoque a Constituição de 1946 atribuiu à União a competência para pres-tar os serviços de telefonia de longa distância.

Pode-se concluir que, ao longo do século passado, houve umaalteração na concepção do serviço de telefonia, no Brasil, que passoua ser encarado como um serviço público sob a responsabilidade dopoder público.

O ápice da estatização do serviço de telefonia ocorreu com aConstituição de 1967 que federalizou os serviços de telefonia, confor-

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me o disposto no seu art. 8º, inciso XV, letra “a”.3 Assim, competiaexclusivamente à União Federal a exploração dos referidos serviços.

A Embratel fora criada em 16 de setembro de 1965 como em-presa pública,4 e a Telebrás foi criada em 1972 com a finalidade depromover a exploração dos serviços públicos de telecomunicações noBrasil.5 A mesma lei que criou o sistema Telebrás transformou aEmbratel em sociedade de economia mista.

O modelo de exploração da telefonia no Brasil seguiu oparadigma norte-americano até a década de 1930 e foi, ao longo doséculo passado, tomando o modelo europeu como a principal fonte dereferência (LEHFELD, 2003). Um dos motivos da mudança foi, curi-osamente, a necessidade de maiores investimentos na infra-estruturadas telecomunicações que acabou sendo atendida pelo governo fede-ral. Deve-se ressaltar que o período que sucedeu os primeiros doisanos da Revolução de 1964 foi de grande crescimento do Estado comoagente econômico, com as várias estatais.

O primeiro momento do sistema Telebrás teve como resultadoo aumento considerável do número de terminais telefônicos instaladosno Brasil, com crescimento à taxa de 500% nos primeiros vinte anosde operação (LEHFELD, 2003). Após alguns anos, a realidade tor-nou-se menos otimista em decorrência das dificuldades de financia-mento e de investimento cada vez maiores por parte da União Federal.

A Constituição Federal de 1988, além de manter o serviço tele-fônico como serviço público federal, ainda dispunha, em seu texto ori-ginal, acerca do monopólio, uma vez que a concessão somente podiaser conferida a “empresas sob controle acionário estatal”.6 Mais uma

3 Constituição de 1967, art. 8º (competência da União):“Art 8º - Compete à União:[...] XV - explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão:a) os serviços de telecomunicações;” (BRASIL, 1988).

4 A Embratel contava com financiamentos do Fundo Nacional de Telecomunicações.5 A Lei n. 5.792, de 11 de julho de 1972, criou o sistema Telebrás (BRASIL, 1972).6 Art. 21, inciso XI (revogado pela Emenda Constitucional n. 8 de 15 de agosto de

1995):“XI - explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionárioestatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais servi-ços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informa-ções por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicaçõesexplorada pela União.” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

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vez, acreditou-se que a União seria capaz de fazer os investimentosnecessários para o desenvolvimento tecnológico das telecomunicaçõesno Brasil (uma vez que a Constituição falava em serviços telegráficos,telefônicos e de dados). A carência e a dificuldade de investimentospúblicos levaram ao programa de desestatização, com a reforma doEstado brasileiro (AZULAI NETO; PIRES DE LIMA, 2000).

Essa relação entre a demanda por vultosos investimentos eminfra-estrutura, atualização tecnológica e o controle do Estado sobre aregulamentação e a prestação dos serviços de telecomunicações podeser entendida melhor com uma análise em separado das quatro mani-festações de poder que se interlaçam quando do estudo metodológicodas empresas de telecomunicação. Este é o tema a ser abordado pelonosso item a seguir.

2.3 O poder e as telecomunicações

A revisão histórica das telecomunicações desde o advento dotelégrafo até os dias atuais traz à baila interessante discussão acercado poder e sua relação com as empresas de telecomunicação.

Seguindo a classificação sugerida por Kang (2001)7, identifica-mos quatro fontes distintas de poder que influenciam consideravel-mente as empresas de telecomunicação, das quais trataremos combrevidade neste capítulo: o poder tecnológico, o poder econômico, opoder legal e o poder descentralizado que começa a surgir com oadvento das redes abertas de computadores, entre elas, da utilizaçãomaciça da rede internet.

O poder tecnológico advém do fato de a tecnologia das teleco-municações estar sujeita a uma constante e enorme evolução que per-mite mudanças drásticas da forma da prestação de serviços em curtoespaço de tempo.

Nota-se que as telecomunicações surgiram graças à invenção,por parte de Morse, de uma forma tecnológica de se codificarem

7 Conforme a lição do capítulo I, páginas 1 a 59, com algumas alterações e sugestões deautoria desse autor, a fim de se poderem adaptar certas questões próprias da visãonorte-americana à realidade atual brasileira.

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mensagens em sinais elétricos que viajam ao longo de um meio físico:os fios de metal.

Outra inovação possível foi a utilização da atmosfera como meiode transmissão dos sinais do telégrafo. Cuidou-se do advento da radi-odifusão, com o conseqüente uso da faixa de freqüências conhecidacomo “espectro eletromagnético” para a transmissão de ondas eletro-magnéticas. Esta inovação tecnológica permitiu a transmissão de sinais(e, como conseqüência, a transmissão de mensagens) até localidadesnão cobertas por fios ou linhas de transmissão.

Intimamente ligada à transmissão de ondas eletromagnéticas estáa tecnologia das antenas e o desenvolvimento de transmissores compotências cada vez maiores, capazes de atingir distâncias mais longín-quas e com melhor recepção dos destinatários (KRATTENMAKER1998).

A tecnologia das ligações de telefone em longa distância é outroexemplo claro da influência do poder tecnológico na regulamentaçãoda telefonia. Como já abordado, desde o seu surgimento, a ligação delonga distância foi um impulso excepcional para as empresas de telefo-nia que puderam nela vislumbrar uma lucratividade maior do que nasligações locais.

Houve uma evolução considerável na tecnologia de longa dis-tância. Esta evolução é sentida desde a utilização da transmissão davoz através das microondas, que exigiam a instalação de torres repe-tidoras ao longo do trecho (o que, obviamente, tornava uma ligaçãomais cara quanto maior fosse a distância que separasse a origem dodestino) até os dias atuais. Hoje, utilizam-se as fibras óticas que permi-tem a transmissão da voz humana em sinais luminosos.

O interessante é que, normalmente, a fibra ótica (o meio ondetrafegam os sinais que carregam as mensagens) é montada em formade anel. Assim, se for construído um anel de fibra interligando BeloHorizonte, Betim e Fortaleza, passando por todo o litoral brasileiro,uma ligação da capital mineira a Betim, através de tal anel, pode tomaro caminho mais curto, como o mais longo, passando por Fortaleza,sem que isto tenha uma conseqüência direta no preço cobrado pelominuto.

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O poder econômico é evidente desde o surgimento do grandemonopólio representado pela AT&T nos Estados Unidos. Como jádemonstrado no histórico da regulamentação, a telefonia foi dominadapor monopólios. Um dos motivos é a necessidade de grandes investi-mentos por parte das empresas para fazer frente às necessidades depesquisas, o que torna a entrada de novos competidores sempre maisdifícil (e mais cara). O outro motivo é o relacionado à teoria econômi-ca do “monopólio natural” (KRATTENMAKER, 1998).

O monopólio natural é uma situação que inverte a lógica da com-petição. Sabe-se que em um mercado de competição plena, o menorpreço de um certo produto é alcançado quando a livre competiçãopermite que o preço de venda seja sempre o menor possível. O mono-pólio natural corresponderia às situações fáticas nas quais o menorpreço é atingido quando há apenas um único fornecedor dos serviços.Imagine-se o caso da telefonia fixa. Uma empresa fornecedora dosserviços, para poder servir uma cidade, deve instalar cabos telefôni-cos em cada uma das residências (ou escritórios) de seus clientes epossíveis clientes. Assim, o custo de instalação para que uma empresaforneça serviços de telefonia fixa é o custo de se instalar a totalidadedas linhas telefônicas. Caso a empresa consiga a totalidade dos clien-tes, o seu custo de instalação (e de manutenção das linhas) será omenor possível. Caso uma empresa concorrente chegue ao mercado eresolva prestar os mesmos serviços, ela terá que instalar o mesmonúmero de cabos para todos os clientes (em suma, a concorrente faráo que já foi feito pela primeira empresa) e as duas concorrentes dividi-rão o mercado. Conclusão: o custo de instalação por cliente será mai-or para as duas do que se apenas uma pudesse diluir os custos pelatotalidade dos clientes.

Como já dito, a situação na qual o menor custo é atingido quan-do há apenas um único fornecedor é conhecida como “monopólio na-tural”. Exemplos trazidos pelos economistas são a distribuição de ener-gia elétrica e a prestação de serviços de telefonia fixa e de televisão acabo.

Há, pois, teoria a justificar que os serviços de telefonia fixa ten-dem a ser melhor prestados quando há um único fornecedor que tra-balhará com o menor preço possível. É claro que, para se determinar

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qual será esse menor preço, normalmente há de se contar com o papelregulador do Estado para se evitar que a empresa detentora do mono-pólio abuse desta condição.

É neste momento que aparece o poder legal exercido, ou pelogoverno, diretamente, ou através das agências reguladoras que têm opapel de atuar no mercado interno para evitar os abusos. Uma vez queas telecomunicações envolvem também aspectos internacionais, háorganismos inclusive ligados à ONU que desempenham o papel decontrolar o uso internacional do espectro eletromagnético. Cuida-seda International Telecommunication Union – ITU, que tem sedeem Genebra, na Suíça.8

Por se tratar de uma manifestação do poder intimamente ligadoà atuação do jurista, e que será objeto específico de análise na segun-da parte deste texto, a ela remetemos o estudo do tema.

O poder descentralizado se viu mais acentuado no setor dastelecomunicações com o advento da internet, que permitiu a conver-gência tecnológica com menor controle por parte do poder estatal.Vejamos o seguinte exemplo: apesar de no Brasil haver a necessidadede concessão (ou autorização) para a prestação dos serviços de tele-fonia internacional, através do recurso conhecido como “voz sobreIP”, é possível a uma pessoa, via internet, efetuar uma ligação para umtelefone no exterior, sem utilizar dos serviços das concessionárias/au-torizadas. Outras situações como o uso da rede para acessar serviçosde telecomunicações oriundos do exterior podem ser utilizadas comoexemplos.

Há doutrinadores (JOHNSON; POST,1996) que entendem queo novo foco de poder descentralizado das redes de computadores,aproximando pessoas fisicamente localizadas em jurisdições distintase permitindo que empresas de um país prestem serviços de telecomu-nicações em outro, seria uma séria ameaça à capacidade reguladorado poder legal. Nós não concordamos com tal corrente. Outro respei-tado autor que defende corrente que entendemos ser semelhante aesta, embora com algumas diferenças consideráveis, que não serãoobjeto de comentário neste texto é Lessig (1999).

8 <http://www.itu.int/home/index.html>.

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Passamos agora para a segunda parte na qual faremos uma aná-lise mais específica da regulamentação das empresas de telecomunica-ção no Brasil, em face do paradigma econômico que prevê a menorparticipação do Estado como prestador direto dos serviços de teleco-municações.

3 A REGULAMENTAÇÃO DASTELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL

3.1 Os serviços públicos

O serviço de telecomunicações, no Brasil, por força de manda-mento constitucional, é um serviço público.9 Trata-se de uma visãoque remonta à carta constitucional de 1967 e que vem ao encontrodos anseios dos brasileiros no sentido de se buscar no Estado o supri-mento das suas demandas mais evidentes.

O conceito de serviço público é trazido por estudiosos do direi-to administrativo e aqui citamos dois deles. Abaixo, o primeiro concei-to do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, 2002, p. 600):

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidadeou comodidade material destinada à satisfação da coletividadeem geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que oEstado assume como pertinente a seus deveres e presta por simesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de DireitoPúblico – portanto, consagrador de prerrogativas de suprema-cia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interessesdefinidos como públicos no sistema normativo.

9 Conforme a redação conferida pela EC n. 8, de 15/8/95 ao inciso XI do art. 21 daConstituição da República:Art. 21. Compete à União:“[...] XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão,os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organizaçãodos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;”(BRASIL, 1995).

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O segundo conceito de serviço público, sem prejuízo de outros,buscamos da obra da eminente administrativista paulista, a ilustre Prof ª.Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, 2000, p. 98):

[...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para quea exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com oobjetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas,sob regime jurídico total ou parcialmente público.

Assim, em decorrência de tais definições, pode-se dizer que oserviço público envolve um aspecto formal e um elemento material.Este último corresponde à utilidade ou comodidade que o Estado ofe-rece aos seus administrados. O aspecto formal, por seu turno, é ochamado regime de direito público que, como a Prof ª. Di Pietro muitobem destacou, pode ser total ou parcial.

Desta feita, temos que as atividades podem ser divididas emdois grandes grupos: a atividade econômica propriamente dita e o ser-viço público. A primeira deve ser entregue, como regra, à exploraçãodireta do particular, com a exclusão do Estado brasileiro, nos termosda Constituição Federal, salvo nas hipóteses ressalvadas pela Consti-tuição e dos imperativos da segurança nacional e de relevante interes-se coletivo (definidos em lei).10

Uma certa atividade pode ser classificada como um serviço pú-blico ou como atividade econômica. O serviço público é definido comotal pela lei, como no caso da Constituição da República para os servi-ços de telecomunicações. Uma vez que se trata de um conceito quepode ser alterado no tempo, o que hoje a Constituição Federal definecomo um serviço público, no futuro, por questões de fundo social,econômico, ou cultural, pode deixar de sê-lo.

10 CF-88, art. 173, verbis:“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta deatividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperati-vos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos emlei.” (BRASIL, 1988).

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O legislador infraconstitucional também pode criar outros servi-ços públicos, em face de determinadas situações específicas e semprerespeitado o princípio da razoabilidade.

Um ponto importante a ser mantido em mente é que uma conse-qüência do regime do direito público que impera no serviço público éque a relação do serviço público é juridicamente desequilibrada por-que o Estado aparece em situação de subordinação em relação aoparticular. As prerrogativas do Estado visam atender a indisponibilidadedo interesse público.

Ao Estado incumbe prestar o serviço público e ele pode fazê-lodireta ou indiretamente (através da concessão ou permissão), conso-ante o disposto no art. 175 da Constituição Federal.11

Há atividades que são serviços públicos privativos do Estado,porque tais atividades foram retiradas do âmbito da atuação do parti-cular; são exatamente esses serviços públicos exclusivos que são pres-tados ou diretamente pelo Estado, ou mediante delegação da execu-ção do serviço público ao particular (repita-se, é o caso dos serviçosde telecomunicações), todavia, o Estado mantém a titularidade do ser-viço público. Por outro lado, os serviços públicos não-privativos doEstado são também prestados pelo particular, como a saúde, a educa-ção, a previdência e a assistência social. Neste último caso, quando oparticular presta serviço público não privativo do Estado, a prestaçãonão se dá sob o regime de direito público.

O já referido art. 175 da Constituição da República de 1988 foiregulamentado, dentre outras, pelas leis 8.975, de 6 de janeiro de 1995,e 9.074, de 7 de julho do mesmo ano.

11 CF-88, art. 175:“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime deconcessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públi-cos.Parágrafo único. A lei disporá sobre:I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, ocaráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições decaducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;II - os direitos dos usuários;III - política tarifária;IV - a obrigação de manter serviço adequado.” (BRASIL, 1988).

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A remuneração do contratado em concessão de serviço públicodá-se através da cobrança de tarifas e de fontes complementares, comoo que ocorre no caso do serviço de radiodifusão, onde as empresasrecebem de terceiros mediante a publicidade que veiculam.

As mudanças introduzidas no direito brasileiro a partir da EmendaConstitucional n. 8, de 1995, afetaram a regulamentação dos serviçospúblicos de telecomunicação de forma considerável. Foram criadosnovos regimes para os serviços de telecomunicações, com vista àprivatização do sistema Telebrás que era a meta final do governo, a fimde se repassar às empresas particulares o que possível fosse daquelagrande empresa estatal.

O caso específico do serviço de telefonia é regulamentado pelasleis próprias.

A Lei n. 9.472/97 cuida, especificamente, das hipóteses e dasexigências legais para a concessão12, para a permissão13 e para a au-torização da prestação de serviços públicos de telefonia.14

12 Lei nº 9.472: “Art. 83. A exploração do serviço no regime público dependerá de prévia outorga,

pela Agência, mediante concessão, implicando esta o direito de uso das radiofreqüênciasnecessárias, conforme regulamentação. Parágrafo único. Concessão de serviçode telecomunicações é a delegação de sua prestação, mediante contrato, por prazodeterminado, no regime público, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresa-riais, remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras receitasalternativas e respondendo diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos quecausar.” (BRASIL, 1997).

13 “Art. 118. Será outorgada permissão, pela Agência, para prestação de serviço detelecomunicações em face de situação excepcional comprometedora do funciona-mento do serviço que, em virtude de suas peculiaridades, não possa ser atendida, deforma conveniente ou em prazo adequado, mediante intervenção na empresa conces-sionária ou mediante outorga de nova concessão. Parágrafo único. Permissão deserviço de telecomunicações é o ato administrativo pelo qual se atribui a alguém odever de prestar serviço de telecomunicações no regime público e em caráter transi-tório, até que seja normalizada a situação excepcional que a tenha ensejado. Art.119. A permissão será precedida de procedimento licitatório simplificado, instaura-do pela Agência, nos termos por ela regulados, ressalvados os casos de inexigibilidadeprevistos no art. 91, observado o disposto no art. 92, desta Lei.” (BRASIL, 1997).

14 “Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autoriza-ção da Agência, que acarretará direito de uso das radiofreqüências necessárias.§ 1° Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculadoque faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomu-nicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias.

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A seguir, comentaremos alguns dos pontos próprios da“privatização” dos serviços de telefonia no Brasil, como resultado deuma mudança no modelo econômico e na própria conceituação daatuação econômica do Estado brasileiro, dentro da ordem constitu-cional vigente.

3.2 A reforma da década de noventa com vista àliberalização do setor de telefonia: a agênciareguladora

A década de noventa foi marcada, no setor de telefonia do Brasil,pela profunda mudança trazida à baila pela privatização do sistemaTelebrás, até então, um monopólio público.

As privatizações brasileiras tiveram início na primeira metade dadécada de noventa, mais especificamente em 1991, quando foi vendi-da a primeira empresa estatal. Obviamente, a princípio, muitas críticas,em especial de cunho ideológico, foram traçadas à privatização. É im-portante lembrar que o movimento no sentido das privatizações vaialém da questão da telefonia, mas se refere às próprias transforma-ções pelas quais o Estado contemporâneo vem passando, com gran-des repercussões não só no direito das telecomunicações, como tam-bém no próprio direito constitucional comparado (CHEMERINSKY,1997).

A principal mudança no que se refere aos serviços de telefoniafixa comutada está ligada à Emenda Constitucional n. 8, de 1995, que,ao dar nova redação ao já citado inciso XI do art. 21 da Carta Magna,permitiu a concessão dos serviços de telecomunicações a empresasprivadas e determinou o surgimento de um órgão regulador, verbis:

‘§ 2° A Agência definirá os casos que independerão de autorização.§ 3° A prestadora de serviço que independa de autorização comunicará previamenteà Agência o início de suas atividades, salvo nos casos previstos nas normas corres-pondentes.§ 4° A eficácia da autorização dependerá da publicação de extrato no Diário Oficial daUnião.” (BRASIL, 1997).

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XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessãoou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos dalei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação deum órgão regulador e outros aspectos institucionais; (BRASIL,1998).

Não restam dúvidas de que as alterações foram significativas,não só no tocante à presença de empresas privadas no mercado detelecomunicações, como também com a determinação da criação deum órgão regulador.

Tal órgão regulador foi criado pela Lei Geral das Telecomuni-cações sob a natureza jurídica de uma autarquia de regime especial.Surgiu, pois, a agência reguladora no direito das telecomunicações bra-sileiro.

As agências reguladoras têm sua principal fonte no direito admi-nistrativo dos Estados Unidos, onde o direito administrativo é tido comoo “direito das agências”.

O FCC15 é uma agência independente, que responde direta-mente ao Congresso dos Estados Unidos e que foi criada peloCommunications Act de 1934. O FCC pode fazer adjudicações,elaborar e promulgar rules com base em consulta popular, em umaordem do Congresso, uma ordem do Judiciário ou mesmo por inicia-tiva própria. O FCC regula interstate and internationalcommunications, desta forma, regulando rádio, televisão, transmis-são com fios, cabos e satélite. É dirigido por cinco comissários apon-tados pelo Presidente dos Estados Unidos e confirmados pelo Sena-do. Um dos cinco comissários é o “Chairperson” do FCC.16

A ANATEL, por seu turno, não conseguiu ter a independênciaque o FCC tem, em decorrência de particularidades do sistema jurídi-co brasileiro, que impedem que certos poderes (como o de fazer bus-ca e apreensão) sejam delegados a uma agência reguladora.

15 <http://www.fcc.gov/>.16 <http://www.fcc.gov/>.

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3.3 Os primeiros resultados e as primeiras críticas danova política pública para telecomunicações

Já no início do ano 2003, surgiram, pela imprensa, críticas oriun-das do próprio Ministério das Telecomunicações, no tocante à novapolítica de telecomunicações. Podem ser citados três pontos básicosda crítica: atuação da agência reguladora, política de preços e mono-pólios no setor de prestação dos serviços de telefonia fixa comutadalocal. Já se começa a falar, inclusive, em retorno à era da estatizaçãodas empresas de telefonia.

Um dos argumentos usados contra a manutenção da políticaatual é a questão da manutenção do monopólio dos serviços de telefo-nia local, só que agora sob o controle das empresas privadas, e nãomais do setor público.

Não se sabe se um monopólio privado é necessariamente piordo que um monopólio público. Outro ponto importante é lembrar quea já referida teoria do monopólio natural do setor de telefonia fixa localtambém deve ser levada em consideração. Experiências de outrospaíses demonstram que é realmente difícil estabelecer grande compe-tição no mercado de serviços de telefonia local.

Um dado comparativo interessante pode ser extraído da recen-te tentativa da legislação norte-americana. O Telecommunications Actde 1996, que, como já exposto, visa liberalizar o setor de telefonia,estabelece formas de incentivos à competição para a telefonia local.Dentre tais formas, citamos a obrigatoriedade de negociação para ainterconexão das redes e a obrigatoriedade de as operadoras locaisvenderem seus serviços17 para outras empresas de telecomunicação aum preço menor do que o praticado para o consumidor final.18 Destaforma, seria possível a entrada de concorrentes independentemente deeles terem de aportar grandes recursos em investimentos na infra-es-trutura.

17 Telecommunications Act of 1996, sections 251 e 252.18 O FCC já estabeleceu que o desconto deveria ficar na faixa de 17 a 25 % do preço

praticado para o consumidor final, cabendo aos estados federados a determinaçãoespecífica, dentro do exercício dos seus poderes discricionários. Cf. Krattenmaker(1998).

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Apesar de toda aquela iniciativa da nova legislação norte-ame-ricana com vista à promoção da concorrência na telefonia fixa local,ainda não se verificaram, nos Estados Unidos, grandes avanços nosentido de novos concorrentes. Um dos motivos que pode justificar taldificuldade de concorrência é o baixo preço da ligação local e, conse-qüentemente, a baixa lucratividade dos serviços (especialmente os decaráter doméstico).

Esta questão de que as empresas privadas prestadoras de ser-viço telefônico fixo comutado não levariam a telefonia para locais ondetal serviço não fosse lucrativo foi bem resolvida, no Brasil, pelo esta-belecimento das metas de universalização, devidamente acompanha-das pela ANATEL. Outra importante iniciativa que veio atender a ne-cessidade de se buscar um serviço universal de telecomunicações foi alei que criou o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomuni-cações - FUST. Trata-se de um fundo que tem o objetivo de permitirnão só a universalização dos serviços de telefonia,19 como também ade outros setores, como a disponibilidade de acesso à internet paraescolas e bibliotecas públicas (BOTELHO, 2001).

Entendemos que é cedo para dizer que o setor ficaria melhorregulado, não pela liberdade de mercado (com alguns cuidados dopoder público, como no caso da obrigatoriedade de interconexão, parase evitar o que as empresas Bell fizeram no século passado – o que,diga-se de passagem, a lei brasileira tratou de regulamentar muito bem– e na questão do acompanhamento do cumprimento das metas deuniversalização dos serviços públicos de telefonia), e sim pelo mono-pólio público.

Houve, não só no Brasil, como em diversos outros países, inclu-sive nos Estados Unidos, um grande fluxo de capital e de investimentopara o setor de telefonia, ao longo da última metade da década denoventa, com a esperança de que haveria um retorno rápido devido aocrescimento da rede internet.

Há situações novas e desafiadoras trazidas pelo advento dainternet para o setor de telefonia, as quais ainda não sabemos como

19 Lei 9.998 (BRASIL, 2000).

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serão reguladas pelo direito. Um exemplo interessante é o surgimentodas empresas que prestam serviços de telefonia de longa distância (etambém internacional) através da internet, recurso já mencionado an-teriormente (voz sobre IP). Esse serviço permite que um aparelho sejainstalado na linha telefônica e que, desta forma, possam ser efetuadasligações a um preço mais barato. O tratamento a ser dispensado aessas inovações ainda gera dúvidas.20

Houve o crescimento da demanda por telefonia. Todavia, ainternet não logrou o êxito imediato que muitos empresários espera-vam e que muitas pessoas chegaram a prever. É claro que o excessode oferta de telefonia, aí englobando-se as enormes disponibilidadesde fibras óticas, de antenas de transmissão e de toda a infra-estruturainstalada para a finalidade de prover o meio de comunicação, acaboupor derrubar o preço e conduzir as empresas à crise.

Some-se à crise de excesso de oferta o problema da desvalori-zação da moeda brasileira, logo após dezembro de 1998, o que impe-dia que o consumidor brasileiro tivesse uma tarifa realmente módica datelefonia, para que se possa chegar a um início de explicação para asdificuldades do setor.

Não acreditamos que a re-estatização poderia ter, por si só, ocondão de resolver tais problemas. Talvez o melhor seja esperar acrise de excesso de oferta passar para aí, sim, analisar a conveniênciade deixar que o mercado encontre a melhor saída para o setor. Evitar-se-á que seja ferida de morte a livre concorrência para as empresas detelecomunicação, não só no Brasil, como em outros países que opta-ram pela liberdade de mercado.

As críticas à atuação do órgão regulador também podem seratenuadas pelas próprias dificuldades que a ANATEL sofre para de-senvolver suas funções em âmbito nacional.

20 A Suprema Corte dos EUA, em 27 de junho de 2005, decidiu que “Internet a Cabonão se enquadra como serviço de telecomunicações”, ficando isenta de regulamenta-ção do FCC aplicável a telecom. (v. http://wid.ap.org/scotus/pdf/04-277P.ZO.pdf)e reformou a decisão do 9th Circuit que considerara internet por cabo como serviçode telecomunicações, e não serviço de informações (v. http://www.ca9.uscourts.gov/ca9/newopinions.nsf/58AF00C2122345DD88256DB7005BFAA3/$file/0270518.pdf?openelement).

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4 CONCLUSÃO

A dúvida e a discussão em torno dos dois modelos econômicos,sendo um o que prega a maior liberdade empresarial e a livre concor-rência, e o outro que defende a presença maior do Estado como par-ticipante efetivo da vida econômica, foram objeto de estudo ao longodos anos quando da busca da melhor regulamentação das empresasde telecomunicação.

A experiência norte-americana para o setor demonstra que oabandono das empresas de telecomunicação sem regulamentação es-pecífica pode fazer surgir situações abusivas do poder monopolistaque demandam a necessidade de intervenção do Estado, como nocaso da obrigatoriedade de interconexão.

Os primeiros resultados que o setor apresentou no Brasil, apósas privatizações, foram positivos no que se refere ao aumento da ofer-ta de linhas telefônicas (não só no tocante à “teledensidade”, comotambém em relação à rapidez do atendimento do pedido de instalaçãoda linha).

Antes de se buscar o retorno ao passado recente, talvez melhorseria manter o acompanhamento sistemático da atuação das empresasde telefonia com vista a se evitar a formação de situações de monopó-lio e, paralelamente, aguardar o crescimento da demanda, especial-mente no que for pertinente ao uso da capacidade de comunicaçãoociosa, com o crescimento do tráfego de voz e de dados nas redes decomputadores.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DIREITO, LITERATURAE INTERPRETAÇÃO

A controvérsia entre Ronald Dworkin e Stanley Fish

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Sumário

1. Direito, literatura e interpretação. 2. Escritoresem cadeia. 3. Agatha Christie. 4. A literatura e asignificação. 5. O caso Livingsthon. 6. Referênciasbibliográficas.

ResumoStanley Fish e Ronald Dworkin promoveram um importante

debate sobre a relação entre o direito e a literatura. O começo dodebate se dá com alguns artigos de Dworkin sobre o tema. Fish criticaestes artigos mostrando seus pontos de concordância e discordânciadas teses de Dworkin. Pretendo mostrar como se deu este debate eapresentar meu próprio ponto de vista sobre a questão.

AbstractStanley Fish and Ronald Dworkin have promoted an important

debate about the Law and Literature relationship. The debate beginswith some Dworkin’s articles about the theme. Fish criticizes thesearticles showing his points of agreement and disagreement from Dworkinthesis. I intend to show how this debate had occured and to present myown point of view about the subject.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 135-143 2005

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1 DIREITO, LITERATURA E INTERPRETAÇÃO

Para Ronald Dworkin (2000), “podemos melhorar nossa com-preensão do Direito comparando a interpretação jurídica com a inter-pretação em outros campos do conhecimento, especialmente a litera-tura” (p. 217). Esta idéia decorre da pressuposição de que “a práticajurídica é um exercício de interpretação não apenas quando os juristasinterpretam documentos ou leis específicas, mas de modo geral.”(ibidem).

Uma perspectiva tão aberta à literatura e, aparentemente, tãodistante do positivismo, à primeira vista vai ao encontro das posiçõesdefendidas por Stanley Fish. Entretanto, não é o que acontece. Fishmostra como Dworkin se situa, repetidas vezes, em posições que eledeseja evitar.

2 ESCRITORES EM CADEIA

Para tentar ilustrar sua tese, Dworkin se vale de uma metáfora:um grupo de escritores se reúne para escrever um romance em cadeia.Eis a descrição deste experimento:

Suponha que um grupo de romancistas seja contratado para umdeterminado projeto e que jogue dados para definir a ordem dojogo. O de número mais baixo escreve o capítulo de abertura deum romance, que ele depois manda para o número seguinte, oqual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que estáacrescentando um capítulo a esse romance, não começandooutro, e, depois, manda os dois capítulos para o número seguinte,e assim por diante. Ora, cada romancista, a não ser o primeiro,tem a dupla responsabilidade de interpretar e criar, pois precisaler tudo o que foi feito antes para estabelecer, no sentido inter-pretativista, o que é o romance criado até então. Deve decidircomo os personagens são “realmente”, que motivos os orien-tam, qual é o tema ou o propósito do romance em desenvolvi-mento, até que ponto algum recurso ou figura literária, conscien-te ou inconscientemente usado, contribui para estes, e se deve

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DIREITO, LITERATURA E INTERPRETAÇÃO

ser ampliado, refinado, aparado ou rejeitado para impelir o ro-mance em uma direção ou não em outra. (p. 237)

A primeira observação de Stanley Fish com relação ao supostoexperimento de Dworkin é que o primeiro autor na fila não é tão livrecomo Dworkin sugere. Ele também estará constrangido por regras,tais como o que é escrever um romance. Isto não quer dizer que elenão seja livre. O que Fish deseja mostrar é que nossas interpretações– escrever um romance e julgar um caso – são sempre feitas a partir deuma comunidade interpretativa. Somos ao mesmo tempo livres e cons-trangidos por regras. Os autores subseqüentes na cadeia narrativa nãosão menos livres que o primeiro. São tão livres e constrangidos quantoo primeiro: “Tal como o primeiro romancista “cria” dentro de constriçõesde “prática romancista” em geral, também seus sucessores na cadeia ointerpretam (e uns aos outros) dentro das mesmas constrições.” (Fish,1989, p. 90). É um erro supor, como faz Dworkin, que as constriçõesde interpretação aumentam quando crescem as informações que te-mos. É tentador imaginar que quanto mais informações alguém tem,mais direcionada será sua interpretação. O problema é que informa-ções já se apresentam interpretadas.

No desenvolvimento do seu exemplo, Dworkin diz que juízessão como estes escritores em cadeia. Vale a pena citar a comparaçãona íntegra:

Decidir casos controversos no Direito é mais ou menos comoesse estranho exercício literário. A similaridade é mais evidentequando os juízes examinam e decidem casos do Common Law,isto é, quando nenhuma lei ocupa posição central na questãojurídica e o argumento gira em torno de quais regras ou princípiosde Direito “subjazem” a decisões de outros juízes, no passado,sobre matéria semelhante. Cada juiz, então, é como um roman-cista na corrente. Ele deve ler tudo o que outros juízes escreve-ram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, ouseu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar auma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, damaneira como cada um de nossos romancistas formou uma opi-

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nião sobre o romance coletivo escrito até então. Qualquer juizobrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livrosadequados, registros de muitos casos plausivelmente similares,decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes,de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodosnos quais o processo e as convenções judiciais eram diferentes.Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se comoparceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qualessas inúmeras decisões, estruturas, convenções e práticas sãoa história; é seu trabalho continuar essa história no futuro pormeio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceuantes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incum-bência que tem em mãos e não partir em nova direção. Portan-to, deve determinar segundo seu próprio julgamento, o motivodas decisões anteriores, qual realmente é, tomado como um todo,o propósito ou o tema da prática até então. (Dworkin, 2000, p.237-8).

Fish pergunta se é possível que algum juiz “parta em nova dire-ção”. Para ele, não há tal possibilidade. É difícil imaginar que tipo dedecisão seria esta, afinal, uma decisão de um juiz, para ser reconheci-da como tal, deve ser feita a partir de termos judiciais reconhecíveis.Dworkin parece estabelecer uma distinção muito rígida entre inventare interpretar: “o dever do juiz é interpretar a história jurídica que en-contra, não inventar uma história melhor” (Dworkin, 2000, p. 240).Para Fish, a ação interpretativa não é uma violação dos fatos do texto,mas sim um esforço para estabelecer tais “fatos”. Noutro contexto,Fish é claramente contrário a esta concepção de interpretação: “inter-pretação não é a arte de interpretar (construing), mas a arte de cons-truir (constructing). Intérpretes não decodificam poemas; eles os fa-zem.” (Fish, 1980, 327).

Fish parece ter razão ao dizer que Dworkin pressupõe que a“história na forma de uma cadeia de decisões tem, num certo nível, ostatus de um fato bruto” (Fish, 1989, p. 95). A idéia de “fatos brutos”,independentes de nossas interpretações, é cara ao positivismo, posi-ção que Fish rejeita. É importante observar que Fish não é nem relativista

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nem subjetivista. Ele argumenta: “(...) todos os objetos são feitos e nãoencontrados, e eles são feitos por estratégias interpretativas que colo-camos em movimento. Isto não me compromete com a subjetividadeporque os meios pelos quais são feitas são sociais e convencionais.”(Fish, 1980, p. 331).

A passagem acima de Dworkin, de fato, dá a impressão de quea história das sentenças julgadas anteriormente são “fato bruto” quepodem ser consultadas sem serem interpretadas. Aqui vemos quãoperto ronda o fantasma do positivismo. É preciso reiterar a posição deFish contra Dworkin. Um texto não existe antes de ser interpretado:um texto é sempre um objeto interpretado. Isto vale para as leis e assentenças judiciais. Quando as condições de interpretação mudam, otexto não é meramente re-interpretado, ele muda também. Para en-tender esse ponto da controvérsia entre Fish e Dworkin, o exemplo deAgatha Christie é notável.

3 AGATHA CHRISTIE

Dworkin defende a hipótese estética que reza que “a interpre-tação de uma obra literária tenta mostrar que maneira de ler (...) otexto revela-o como a melhor obra de arte.” (Dworkin, 2000, p. 222).Como exemplo desta hipótese, ele critica uma suposta leitura da obrade Agatha Christie como sendo um tratado filosófico sobre a morte:

Essa interpretação falha não apenas porque um livro de AgathaChristie, considerado como um tratado sobre a morte, seja umtratado pobre, menos valioso que um bom texto de mistério,mas porque a interpretação faz do romance um desastre. Todasas frases, exceto uma ou duas, seriam irrelevantes para o temasuposto, e a organização, o estilo e as figuras seriam adequadas,não a um romance filosófico, mas a um gênero inteiramente dife-rente. (op. cit., p. 224).

Dworkin parece estar dizendo que há algo nos romances deChristie que torna inapropriadas certas interpretações. Para Fish, aoafirmar isto, Dworkin está dizendo que ele faz a suposição positivista

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que, num certo nível, o romance está disponível numa forma não-inter-pretada, isto é, uma forma que determinaria qual interpretação seriamais ou menos apropriada.

Fish deseja mostrar que “organização”, “estilo” e “figuras” sãofatos interpretativos – fatos que, ao invés de colocarem limites à ela-boração de uma leitura, emergem e se tornam estabelecidos no cursodesta elaboração. Fish cita como exemplo duas interpretações diver-gentes sobre Paradise Lost, de Milton. Uma dizia que o épico nãopossuía coerência e plausibilidade psicológica. Outra dizia o contrário:o poema de Milton não só tinha plausibilidade psicológica, como tam-bém podia ser lido como precursor de romancistas como Henry James.Esse exemplo, segundo Fish, mostra a interdependência interpretativaentre nossas teorias e nossos objetos de estudo – coisas que Dworkingostaria de manter separadas. Fish resume seu ponto de vista, lem-brando que o que aconteceu com Paradise Lost poderia acontecercom a obra de Agatha Christie:

(...) a identificação genérica de Paradise Lost, a especificaçãode seu tema, e a descrição de sua organização, estilo e figuraçãonão são atos separados, mas atos que apóiam e subentendemum ao outro dentro de condições interpretativas assumidas.Quando aquelas condições mudam, quando a forma de um“dado” é alterada, o caminho está aberto para alterar a formade outros, e em alguns casos, depois de alguns anos, o gênero,o tema, e o estilo de um trabalho talvez venha a ter uma facecompletamente diferente. (Fish, 1989, p. 106).

Gostaria de apresentar a seguir dois argumentos contra a metáfo-ra de Dworkin – o direito como uma corrente sucessiva. O primeiro seráapresentado a partir de um texto de Jorge Luis Borges, através do qualtentarei mostrar que nossas interpretações não seguem apenas o cami-nho do passado para o presente, elas podem fazer o caminho inverso enão há nada equivocado quanto a isso. O segundo argumento será ela-borado a partir de breve análise de uma sentença do Juiz LivingsthonJosé Machado, através da qual ele manda libertar presos da cadeia.

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4 A LITERATURA E A SIGNIFICAÇÃO

Jorge Luis Borges, no texto “Kafka e seus precursores”, diz quediversos autores do passado podem ser lidos como “kafkianos”. Alógica da significação não segue apenas o curso do passado para opresente, mas o caminho inverso também. Um evento pretérito podeser revisitado e compreendido de uma forma completamente inusitada.A metáfora de que fazemos parte de uma cadeia de intérpretes cadavez mais constrangidos por nossos antepassados parece pressuporapenas um tipo de vetor de significação. Borges, ao contrário, propõeo caminho inverso. O último parágrafo do seu texto diz o seguinte:

Se não me engano, os heterogêneos textos que enumerei pare-cem-se a Kafka; se não me engano, nem todos se parecem en-tre si. Este último fator é o mais significativo. Em cada um dessestextos, em maior ou menor grau, encontra-se a idiossincrasia deKafka, mas, se ele não tivesse escrito, não a perceberíamos;vale dizer, não existiria. O poema “Fears and Scruples”, de RobertBrowning, profetiza a obra de Kafka, mas nossa leitura de Kafkaafina e desvia sensivelmente nossa leitua do poema. Browningnão o lia como agora nós o lemos. No vocabulário crítico, apalavra precursor é indispensável, mas se deveria tentar purificá-la de toda conotação de polêmica ou de rivalidade. O fato é quecada escritor cria seus precursores. Seu trabalho modificanossa concepção do passado, como há de modificar o futuro.(Borges, 2000 [1951], p. 98, negrito meu).

Borges pode ser acusado de um certo tipo de anacronismo.Atribuir um sentido moderno a uma obra de tempos passados podeser errado metodologicamente, mas parece inevitável do ponto de vis-ta estético e hermenêutico. Um poema de Browning, do século XIX,pode ser kafkiano.

Tomemos apenas dois exemplos sobre esta lógica da interpre-tação. O primeiro é a “leitura” que o psicanalista francês Jacques Lacanfez da obra de Sigmund Freud. Em alguns momentos, ele deseja mos-trar que Freud já era estruturalista sem o saber. Segue-se, que já “po-

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demos ver” em Freud um quê de Heidegger e Saussure. O segundoexemplo, na filosofia, é o das interpretações que Nietzsche recebeu notempo dos nazistas. Segundo alguns, o super-homem anunciado porNietzsche era já o anúncio da raça ariana.

O que esses dois exemplos mostram é que fazemos este tipo deinterpretação a posteriori todo o tempo. Exemplos caricaturais comoo de Nietzsche e o de Freud podem ser observados mais claramente.Acredito, entretanto, que este tipo de interpretação acontece amiúdee, apesar da sensação de que há algo de equivocado, de anacrônico,não hesitamos em funcionar assim.

5 O CASO LIVINGSTHON

No final do ano de 2005, o Juiz de Direito Livingsthon JoséMachado decretou a suspensão da execução das penas nos condena-dos recolhidos no 1º. Distrito Policial de Contagem (MG) até que fos-sem disponibilizadas vagas em estabelecimento penal adequado aocumprimento das respectivas condenações. O que acontecia era queas cadeias não tinham sequer condições sanitárias. Condená-los seriainfringir o Artigo 5º. da Constituição Federal que reza, dentre outrascoisas, que ninguém será submetido a tortura ou tratamento desumanoou degradante, que não haverá penas cruéis e que será asseguradoaos presos o respeito à integridade física e moral.

Livingsthon José Machado, que participa da elaboração da de-núncia, foi afastado de suas funções na Vara de Execuções Criminaisde Contagem pela Corte Superior do TJ-MG (Tribunal de Justiça deMinas Gerais), no dia 23 de novembro. Ele havia concedido 59 alvarásde soltura, todos cassados pelo TJ, para presos que cumpriam penaem condições subumanas, em dois distritos policiais da cidade.1

Este caso é um bom exemplo de conflito de interpretações nocampo do Direito. Tomando a metáfora de Dworkin, poderíamos di-zer que Livingsthon foi um escritor que deu uma guinada inesperada no

1 Cf. http://ultimainstancia.uol.com.br/noticias/ler_noticia.php?idNoticia=22711 ehttp://ultimainstancia.uol.com.br/noticias/ler_noticia.php?idNoticia=22582 [acesso:28/02/2006].

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romance que estava sendo escrito por seus companheiros anteriores.O problema é que a “nova direção” tomada por ele, apesar de legal,foi recusada por seus colegas.

Além disso, pesa contra Dworkin a idéia de que um Juiz poderia“consultar a história” e julgar a partir desta consulta. Ora, consultar ahistória jurídica depende de uma decisão anterior: decidir o que é ahistória jurídica. Se vista, como no caso de Livingsthon, como umasucessão de graves assaltos à dignidade humana, suas decisões serãotomadas a partir desta interpretação. A “mesma” história poderia sertomada como argumento contrário, tal como fizeram seus colegas: aci-ma da dignidade humana está a segurança pública.

É bom lembrar que se Livingsthon fosse tomado como o últimoescritor na corrente de escritores, sua decisão não estaria suposta-mente quebrando a cadeia. Sua decisão, por mais “nova” que pare-cesse ser, já está implícita na prática jurídica, na qual estava engajado.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES, Jorge Luis. Kafka e seus precursores (1951). In. ______.Obras completas de Jorge Luis Borges. Trad. Sérgio Molina. SãoPaulo: Globo, 2000. pp. 96-8. (Vol. II).DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís CarlosBorges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.FISH, Stanley. Doing what comes naturally: change, rhetoric, andthe practice of theory in literary and legal studies. Durham e London:Duke University Press, 1989.FISH, Stanley. Is there a text in this class?: The authority of interpretivecommunities. Cambridge: Harvard University Press, 1980.

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Sumário

1. Introduction. 2. Democracy matters. 3.Globalisation. 4. Unification or harmonisation? 5.International Financial Services Law. 6. Conclusion

Globalisation means more than freer movement of goods,services and capital across borders. It entails the fastermovement of ideas.

Joseph Stiglitz

ResumoA globalização gerou uma grande quantidade de demanda por

serviços financeiros além de uma fronteira. A regulação dos bancos, dasações e do setor de seguros é feita no nível nacional, assim a discussãosobre como a unificação ou a harmonização podem acontecer par permitirum movimento mais livre de capital sem abrir mão de interesses nacionais.

AbstractGlobalisation has generated a huge increase in the demand for

cross border financial services. Regulation of banking, securities andinsurance sectors is made at national level, thus the discussion on howunification or harmonisation can take place to enable a freer movementof capital, without waiving national interests.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 145-159 2005

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1 INTRODUCTION

The financial services industry has been profoundly reshaped inthe past decades. This has not just been a result of huge informationtechnology advancements, but also due to the de-localisation ofeconomic agents in an increasingly borderless world, fomented bymultilateral and regional understandings. Financial markets are todaylargely integrated and linked on a global basis.

Trade in goods, present in human existence from timesimmemorial, has been best multilaterally translated into more stable rulessince Bretton Woods, under the GATT1, and more recently, underWTO2. Regulating and adjusting a global approach to financial servicesliberalisation, however, demands different tools from the ones knowntoday for trade in goods, which did not yet reach an adequate formula.

As noted by Lovett3, “international banking has a long history ofinvolvement with foreign trade, shipping and investments. Italianmerchant bankers were important in such finance during the MiddleAges and Renaissance and this banking activity gradually spread northto the Netherlands and German towns (…) London took the stronglead as an international banking centre during the 19th century, helpingto enlarge British trade and industrial development. Britain placed asubstantial volume of foreign investment in many countries, includingthe Americas”.

The globalisation phenomenon has caused an immensedevelopment of the finance industry, this one mainly to serve the globaleconomy4. Financial services have also become an end in itself, as

1 World Trade Organisation, established after GATT’s Uruguay Round, having cometo light in 1995.

2 General Agreement on Tariffs and Trade, since 1947.3 Lovett, William Anthony. Banking and financial institutions law in a nutshell. 4th ed.

West Publishing Co, St Paul, MN, US: 1997, p. 215.4 L’économie globale va être de plus en plus dominée par une logique financière qui

déborde de son champ d’activité d’origine pour imprégner l’ensemble de l’activitééconomique. Michalet, Charles-Albert. Les metamorphoses de la mondialisation,une approche economique, in Loquin, Eric et al, La mondialisation du droit. Litec-Credimi, Dijon, 2000. P. 34

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securities, banking and insurance products acquired independent spaces,sometimes lacking direct relation to commercial or industrial activities5.

Hence, the international financial environment has become moreintegrated, complex and unstable. In this sense, national laws haveproven to be insufficient6 to treat financial services, introducing anurgency sense towards adequate regulation and supervision. In addition,international finance networks helped build a very efficient crime highway,used for money laundering, easing the financing of drug and armstrafficking, as well as terrorism, demonstrating the need of a multi-nationapproach and intense co-operation, on a fully integrated scale.

The community of global nations addresses regulation andsupervision of the financial services industry in several fora, creatingoverlaps and legitimacy erosion problems, not to mention the competitionof private unification initiatives. Understanding and regulating such industryclearly demands multidisciplinary7 information exchange and action.

Market players have almost endless means to create and implementproducts and strategies, easily overcoming less organised initiatives ofnation states, multilateral agencies or international organisations.Understanding some of the positive meeting places between the financeindustry, international fora and states, is the objective of this article.

5 Les mouvements de capitaux, qui devaient accompagner le commerce internationalet les investissements fait à l’exterieur, se sont, en réalité, trouvés multipliés par dixpar rapport à ceux-ci. Ils n’avaient donc plus aucun rapport avec l’économie reélle.Auberger, Philippe. La démocracie à l’épreuve des marchés. Economica, Paris, 2003.p. 11.

6 Si le marché est international, ou plus encore, s’il perd toute localisation, ce droit nepeut plus s’appliquer – Marie-Anne Frison-Roche, Le cadre juridique de lamondialisation des marchés financiers, in Banque et droit, mai-juin 1995, p.46.

7 La reconnaissance de la specificité du phénomène de la mondialisation requiert, aucontraire, une vision intégrée. Cette exigence est rendue d’autant difficile que lesconcepts économiques ont été définis dans une optique de cloisonnement des discipli-nes conçues comme autant de champs spécialisés du savoir. Michalet, Charles-Albert. Les metamorphoses de la mondialisation, une approche économique in Lamondialisation du Droit, Paris, Litec : 2000, P. 14. European Systems have started toadopt the ‘economic analysis of law’ approach, which is typically associated withAmerican law as well as an ‘interdisciplinary’ approach. (…) Legal systems are atdifferent stages of development and when they converge it is because the less developedsystem is catching up with the more mature one. De Cruz, Peter. Comparative Lawin a changing world. Cavendish Publishing Limited, London, 1995. p. 481.

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In the nineties, the easily spelled moto was “regulators no longerhave sovereignty over the movement of capital across their nationalboundaries (…) Government policy is now largely influenced anddictated by the free and massive flow of capital worldwide. Thosecountries with an open market approach to regulation and harmonisedrules are more likely to prosper in the global economy as capital (bothhuman and financial) increasingly ignores national boundaries8”.

Today, economic and social facts lead to a more different andbroader approach. Plain and simple de-regulation has been overcomeby near-to-fit instruments (including re-regulation) and methods ofaddressing the financial services liberalisation phenomenon. The wayglobalisation has been seen has clearly changed in recent times.

As mentioned by Waltz, “we are therefore inclined to see whatwe are looking for, to find what our sense of the causes of things leadsus to believe significant”9, and it seems that minds are much more openthan they were, ten years ago.

2 DEMOCRACY MATTERS

Permeability of markets has caused a multiplication of decisioncentres. Today it is not clear, as it was some years ago, where financialdecisions are taken, affecting millions of persons. Financial servicesregulation differs enormously from country to country, as nationalregulation is one of the main barriers to free trade in services10. AsChristos Hadjemannuil well put it, regulators do not operate in a politicalvacuum11.

8 Walker, Gordon. International regulation in the information age: the politicaldimensions of globalisation. JIBL 11, 1995, p. 463.

9 Waltz, Keneth. Theory of International Politics. First Edition. McGraw-Hill, US,1979. P. 12

10 Il paraît que les mouvements sur les marchers financiers, en particulier lesmouvements sur les monnaies, ont une incidence qui dépasse, de loin, le seul domainefinancier : ils ont des incidences économiques, en particulier sur l’activité et l’emploi,des incidences sociales et, par voie de consequence, dans les pays les plus vulnérables,également des incidences politiques. Auberger, Philippe. La démocracie à l’épreuvedes marchés. Economica, Paris, 2003. p. 119

11 Academic sessions at QMUL, 1997.

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Industrialised countries generally have monetary and bankingauthorities with strong political and accountability independence, havingchosen a more technocratic approach to market discipline, if comparedto less developed countries12. Such delegation of democratic powersis a reflection of each country’s political model and economic choices.Transplanting models from one state to another shall take into accountan immense variety of issues, with no guaranteed success.

Financial services liberalisation, either through multilateralagreements, soft law or voluntary adhesion to convergent regulatoryformulas, when correctly addressed, cannot be kept away from thelegitimacy test of democratic choice based in transparency.

Democracies do not evolve in the same rhythm as the market.They may be squeezed by market forces, and if no public participationexists in defining paths and rules, globalisation naturally becomes asynonym of old and well known dictatorships, which less developedcountries frequently experienced in the past being much used to strongpolitical regimes and ruthless statesmen.

The fact that the market squeeze may have been happening resultson the widely accepted thesis on Seattle’s battles, at the 1999 WTOsummit. Those radical protests inspired different forms of clarificationon the globalisation process piloted by industrialised countries, having,in a certain way, helped to re-orientate multilateral trade discussionsand decisions.

Uncertainty about the scope of the discussions on tradeliberalisation, as well as with regards to the actors involved, dimmeddemocratic control. As noted by Dillon, “it is the very open-endednessand unpredictability of the Services Agreement that has called forthsuch an extreme reaction from the WTO’s critics, and such a spiriteddefence by the WTO itself13.”

As Auberger14 correctly put, there is no public democratic glo-bal space, as a shared political culture is purely absent. It may have

12 Where neither technocracy, nor democracy, may be practised, but plutocracy instead.13 Dillon, Sarah. International Trade and Economic Law and the European Union, Hart

Publishing, Portland, Oregon, US, 2002. P. 28114 Op cit. P. 11.

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been thought that some unification of services and their rules wouldperfect democracy, however this is not happening, mainly becausedemocracies are founded in nation-state concepts. Without a globalnation, nor a feeling of its existence or inclusiveness, global democracyis a chimera.

A valid initiative example in trying to introduce some publicinclusiveness in globalisation is the not-so-successful United NationsCode of Conduct for Transnational Corporations. It laid down a set ofguidelines defining the rights and responsibilities of transnationalcorporations in their international operations. The attempt aimed atintroducing concepts of international public order within private cross-border activities. More than convincing nations and market participantson a certain conduct regarding opening national borders, the projectsearched for inducing a behaviour pattern through voluntary adhesionto a moral conduct in global businesses. The initiative has been appliedin setting standards in the fields of human and consumer rights.

An important lesson is drawn from these considerations. Treatisesand conventions have been frequently torn apart, model laws have beenadopted much less than desired, international public and privateagreements have been insistently repudiated. All these incidents invariablyhave a similar source: the relative absence of voluntary and positive willof the really affected parties, i.e. the populations involved. As in basiccontract law theory, no agreement may be protected by law if it is notbased in a free manifestation of will. Imposing formulas on populationshas proven to be counterproductive, and as Rudolf von Ihering put it,laws should serve people, not people should serve laws.

At an industry roundtable hosted in Basel15, in November 2003,participants discussed the subject of risk management and regulatoryapproaches in the banking, securities and insurance sectors. Thediscussions evidenced how much market practices are converging

15 Hosted by the Basel Committee, having senior representatives from 8 Committeemember countries (France, Germany, Italy, Japan, the Netherlands, Spain, the UnitedKingdom, and the United States), 16 non-G10 supervisory authorities (Argentina,Australia, Brazil, Chile, China, the Czech Republic, Hong Kong, India, Korea, Mexico,Poland, Russia, Saudi Arabia, Singapore, South Africa, and the West African MonetaryUnion), the European Commission, IMF, World Bank, and the FSI.

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across the three sectors and whether differences in the regulatoryapproaches to risk across those sectors reflect actual differences in theunderlying risk and risk management practices.

The prevailing view was that better information was needed, andso the need for international debate. A sense of public participation,more than just a place for market participants to discuss, creates hopesthat the global society will create means to influence global decision atpolicy making fora.

3 GLOBALISATION

Globalisation has several definitions, aspects and forms.Michalet16 suggests an interesting classification of the economic evolutionphenomena in different phases: from international to global economy,going through a multinational economy.

In what Michalet calls “International Economy”, strong referenceto nation states prevails over international specialisation and economicliberalism. At this stage, nation states are at the heart of the tradingsystem17. Theories laid down during this period focused in explainingimport and export movements of goods between national economiesand, for rule making, in the advantages of international specialisation(still using D. Ricardo’s18 inspiration).

In a “Multinational Economy”, indicated by the author as datingfrom the 1960’s, a new dimension is given to direct investment and themobility of productive activities, placing market players from one toanother territory. This resulted in a radical change on how production isperformed.19

16 Loquin, Eric et al, La mondialisation du droit. Litec-Credimi, Dijon, 2000. p. 18.17 ‘les territoires nationaux occupent le coeur du système des échanges’. Op.cit. P. 17.18 Dans l’économie globale, la théorie des avantages comparatifs n’a plus de cours.

Loquin, Eric et al, La mondialisation du droit. Litec-Credimi, Dijon, 2000. p. 39.19 ‘Dans l’économie internationale, seuls le marchés des biens et services débordaient

les limites posées par les frontières nationales ; avec le développement de l’économiemultinationale, les systèmes productifs deviennent multinationaux. Loquin, Eric et al,La mondialisation du droit. Litec-Credimi, Dijon, 2000. p. 22.

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This kind of economic organisation has been a recipe forcompanies’ strong growth, practising forum shopping to find best suitedplaces where to establish activities, without much bothering aboutcorruption, environmental, consumer and labour laws. Regardingfinancial services, at this same time, desert islands became moreimportant with their tax benefits and some lawlessness, as well ascountries attracting foreign industries with immediate benefits, despitelong term adverse effects not accounted for.

The main characteristics of this stage, of economic re-organisation, has been the penetration of national markets by othermeans than plain and simple exports. On the other hand, countries havealso started organising themselves to create conditions which coulddraw investors’ attention. In this sense, studying economic sectors andtheir strategies has originated very specific nations’ policies20, competitionno longer lying only on production factors within a national territory.

The early 1980’s “Global Economy” is characterised by thepredominance of a new financial dimension. The rationale behind theinvestment and production turned into seeking attractive rates of return,through alternative investments in the financial markets. Speculationsoared and also liquidity, resulting in some well documented financialcrisis that, due to urgency and carelessness in de-regulation imple-mentation, caused poverty increase and wealth inequalities, whichgenerated a much more unsafe world.

In search of protection the regionalist trend increased, with thecreation of free trade zones and other kind of associations for economicconvergence, in competition of a GATT, and later WTO, multilateraleconomic relation of nations.

In today’s unified cyberspace market, competition amongcountries for investment and hosting financial services activities hassoared. A balance between regulation and competitiveness is beingconstantly searched.

Cities and countries are in constant fight for hosting the fast-growing financial services industry and attracting investments. A physical

20 The Asian Tigers saga being the best example.

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allocation arbitrage is constantly made and nations are looking at waysto avoid destructive forum shopping. As noted by Fontaine21, billionsof dollars are daily re-allocated in search of almost insignificant differentrates of return on investment, easiness in communication allowing thatat a simple finger touch. Nations are constantly searching for a balancebetween attractiveness and internal security, thus the need for financialservices global coordination.

4 UNIFICATION OR HARMONISATION?

Globalisation has become a test field for the theory of naturalconvergence. The idea that legal systems of societies will tend to becomemore alike, as the societies become more like each other, oversimplifiesthe complexities of making different cultures converge.

Unification of laws has been part of the human civilisation, andthe Middle Ages Glossators mastered very effective methods in thissense, creating conditions for the market economy to flourish.

They introduced secular, not ecclesiastical, education, influencinglegal practice and concepts of administration. As noted by Robison22,such researchers were not poets or alienated philosophers. As hementions, “it is false to suggest that the glossators had no interest in lawin practice; Irnerius himself acted as judicial assessor, and also as anenvoy to the Emperor Henry V on the death of Countess Matilda,while in 1118 he was in Rome taking a prominent part in the election ofan anti-pope in the imperial interest”.

21 “…l’arbitrage entre les marchés financiers dans le monde entraîne des mouvementsde capitaux importants. Ainsi, des milliards de dollars se déplancent pour profiterd’un arbitrage d’un huitième de pour cent sur les taux d’interêt. Les mouvements decapitaux sont tels qu’il n’est plus possible à un État, et même à l’ensemble des Étatsindustrialisés, de les contrôler. Les marchers financiers internationaux échappent Àtoute réglementation étatique, et pour que les marchés nationaux ne soient pas enregard, la plupart des États on procedé à leur déreglementation ; ce qui permet entreautres que les taux d’interêt et de change reflètent le mieux possible les conditionséconomiques et les anticipations des agents économiques. Fontaine, Patrice et JoanneHamet. Les marches financiers internationaux. PUF, Paris, 2003. P. 3

22 Robison, OF et al. European Legal History. Third Edition. Butterworths, London:2000. p. 43.

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Noting the importance of the Glossator’s inspiration on today’sunification and harmonisation practice, it is recognised that they “foundeda science of law, in the sense of a framework of judicial concepts whichmade it possible to provide rational legal solutions to conflicts of interestsin society in place of solutions based on custom or mere force. Theyoffered law as a self conscious structure, an ordering instrument forsociety, and this on a European scale”23.

As reminded by Arnaud24, in times of deep changes and economicreorganisation, the importance of the legal masters was extreme. Theywere assigned the power of keeping knowledge and tradition. Basedin ancient texts, written in much different times, these scholars commentedand adapted documented laws, word by word, to a new era. This hasbeen notably done in relation to property holding and trade, originatingfundamental concepts of the law merchant and simplifying formulas,providing certainty and uniformity of interpretation for the movement ofgoods, until they reach their final destination.

Today we face a quite similar process. The process of contractua-lisation of international trade law is a fact experienced by the worldwideadoption of standardised contracts, imposed for entering certain typesof transactions. Codes of conduct and market practices are wellaccepted sources of international trade law, and they have been thebasis of the new financial services liberalisation architecture.

Contracts have become law within the global arena25. Legalunification under this scheme avoids conflicts of laws, praising the

23 Robison, OF. Op. Cit. p. 4424 Arnauld, André-Jean. O Direito entre Modernidade e Globalização. Renovar, Rio de

Janeiro: 1999. p. 63.25 Cette extension de la normalisation contractuelle trouve sa cause dans le phénomène

de la déréglementation des marchés et dans l’impuissance des Etats à réglementerdes marchés immatériels. Comme l’écrit Mme Delmas-Marty, « loin de réduire lapart du droit, la déréglementation marque seulement l’apparition d’un nouveauprocessus d’engendrement des normes fondé sur l’affaiblissement du principehiérarchique. C’est cet affaiblissement qui entraîne le recul de l’Etat au profit d’unmarché sans frontières, dont il semble que le véritable pilier soit le contrat ». Ainsi,se profile l’emergence « d’une société de contrats au lieu et place d’une sociétéréglementée » Loquin, Eric et al, La volonté des opérateurs vecteur d’un droitmondialisé, in Loquin, Eric et al, La mondialisation du droit. Litec-Credimi, Dijon,2000. p 93

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freedom of contract in search of absence of public intervention withinprivate conventions.

The financial markets are already unified, by means of contrac-tual instruments and products. As noted by Lalive26, scientific andtechnical development, easy communication, demand for quickdecisions, all this generates a demand for new formulas. These onesare transformed in professional usage at specific activities, in type- ormodel-agreements, before being codified by some trade association orpublic bodies.

The lex mercatoria phenomenon has been exacerbated by thederegulation wave of the 1990’s, with profound effects within thefinancial services industry. During such time, liquidity has sharply risendue to the creation of modern financial schemes like swaps andderivatives, which increased the distance between the real economyand the imaginative artificial – or synthetic - economy, composed ofindexes and futures.

The International Swaps and Derivatives Association (ISDA) isa good example of a lex mercatoria originator, with regards to thefinancial services industry. ISDA represents participants in the privatelynegotiated derivatives industry, being the largest global financial tradeassociation, by number of member firms27. Having introduced newmethods of trading, the derivatives came to light for over the countertransactions, an imaginative way to escape, at its creation time, someregulatory constraints for banks, primarily in OECD countries. Suchcreativity demanded public oversight and, although privately traded,derivatives soon came to supervisors’ attention, causing extensiveregulation28 to be introduced, with full cooperation with ISDA andfinancial markets players.

26 Apud Loquin, Eric et al. La volonté des opérateurs vecteur d’un droit mondialisé inLa mondialisation du droit. Litec-Credimi, Dijon, 2000. p. 92

27 http://www.isda.org/28 After Baring’s failure, regulatory agencies from 16 countries responsible for

supervising futures markets draw on the consequences for regulation regarding increasein traded volumes especially derivatives, more and more inter-dependents, having

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Bond issues (international debt instruments) and global bankfacilities (loans), including those generated in multilateral institutions,such as the World Bank, follow the same contractualist rationale, notgiving much room of manoeuvre to borrowers. Despite nationalregulation, freedom of contract and mandatory waiver of immunityclauses in contract terms, by repetition, are turned into effective law,shaping the financial services sector.

When re-regulation of the markets turned to be urgent andnecessary, due to the late perception of high exposures to risksdemonstrated in bank crisis29 and bankrupt nations, a set of rules wasalready in place. The industry prevented politicians, central bankersand regulatory bodies from having the burden of drafting some newmarket architecture, differently from the 1930’s. Using consecratedformulas as basic inspiration for regulating financial services, withinnational borders and in the international arena, has been a normal andeffective practice.

Private initiatives like the Core Principles for Effective BankingSupervision formulated by the Basel Committee30 for BankingSupervision, the Objectives and Principles of Securities Regulationformulated by the International Organization of Securities Commissions

decided to: (i) establish cooperation between market authorities for informationexchange on most important players, their risk exposure and market presence; (ii)position protection (margins) and client receivables becoming more coherent betweendifferent markets and countries limiting losses of order givers if an intermediaryfails, (iii) intermediary failure, especially sound conducts for handling positions,rapid information exchange between regulators in case of failure and isolation ofproblem within failed member country, (iv) practical cooperation methods in case ofurgencies (contingency plans)

29 In response to BCCI’s collapse, the Basel Committee on Banking Supervision (G-12) established stronger Minimum Standards: (i) All international banks should becapably supervised by a home country authority with consolidated accounting; (ii)Host countries should impose restrictive measures on unsound operations in theirterritories that are not well supervised. Thus, home and host countries should makeeffective arrangements to prevent other failures like BCCI. In this way prudentialpractices can be improved for banking in the global marketplace.

30 Members are Belgium, Canada, France, Germany, Italy, Japan, Luxembourg, theNetherlands, Spain, Sweden, Switzerland, United Kingdom and the United States ofAmerica.

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(IOSCO), and standards developed by the Committee on Paymentand Settlement Systems (CPSS), the International Association ofInsurance Supervisors (IAIS), and the International AccountingStandards Committee (IASC), are examples of market agents that actclosely, influencing governments in a decisive manner.

Considerations on the unification of financial practices and marketregulation aiming at restructuring this industry necessarily leads to theInternational Monetary Fund’s (IMF) raison d’être. The IMF, as wellas the World Bank, has played a substantial role in helping regulationconverge and enhancing market discipline, especially in less developedcountries. This work has not prevented the IMF from suffering harshcriticism regarding ready formulas and biased political choices, beingaccused of fostering moral hazard31. OECD’s influence in the world’sfinancial liberalisation architecture32 has also been extremely relevant,serving as an inspiration for multilateral bodies33.

Despite many sad stories, it is highly positive that “the unificationof law is sought to be achieved through the use of international institutions

31 In standard market economies, if a lender makes a bad loan, he bears the consequence.The borrower may well go into bankruptcy, and countries have laws on how suchbankruptcies should be worked out. This is the way market economies are supposedto work. Instead, repeatedly, the IMF programs provide funds for governments tobail out Western creditors. The creditors, anticipating an IMF bailout, have weakenedincentives to ensure that the borrowers will be able to repay. This is the infamousmoral hazard problem well known in the insurance industry and, now, in economics.Insurance reduces your incentive to take care, to be prudent. A bailout in the event ofa crises is like “free” insurance. Stiglitz, Joseph E. Globalization and its discontents.W.W. Norton & Company, New York, 2003. p. 201.

32 Les bases de la libéralisation du commerce des services sont posées dans certainscodes de l’OCDE (le Code de la libération des opérations invisibles courantes, leCode de la libération des mouvements de capitaux) ou encore dans l’instrumentrelatif au traitement national. Ciabrini, Sylvie. Les services dans le commerceinternational. Presses Universitaires de France, Paris, 1996. p. 9 .

33 A very interesting discussion on this topic was launched in March 2000’s AlanMeltzer’s report for the US Congress International Financial Institution AdvisoryCommission. The work aimed at reporting on the future role and responsibilities ofinternational institutions, including the IMF, World Bank, the African, Asian andInter-American Development Banks, the European Bank for Reconstruction andDevelopment, the Bank for International Settlements and the World TradeOrganisation. The report has been frontally repudiated by the US Department ofthe Treasury.

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specifically intended to promote the unification of law. Programs ofinternational organisations with broader objectives also frequently seekto generalise or standardise legal rules and practices, for example, inthe European Community”34. Although democratic deficits still persistin some multilateral and regional arenas, convergence programs havelargely succeeded in enhancing regulatory standards and savingsprotection.

Financial regulation has experienced cyclic and successive phases,from protection, de-regulation (thus creating conditions for a freermarket, disintermediation and transaction cost reduction, increase ininvestment banking activity), competition increase, re-regulation (mainlyin prudential and supervisory areas), excess capacity (highcommunication costs) to consolidation.

When too much market freedom proved to weaken a brandnew global financial arena - at the sake of several economic set-backs,which caused fears of a possible re-edition of 1929’s economic crisis –discussions on multilateral liberalisation of financial services within theWTO and the need to establish new supervisory rules in high levelledfora, once again, searched for market inspiration.

Hence, two financial services regulation levels have becomeevident. One related to a set of transactions (international private law)and another related to international and domestic public order(international and domestic public law). Revolving doors policy, enablingprofessionals to switch from public to private practice, has also - whenbad faith was absent – enabled better and market tuned regulation.

Today’s scenario is composed of products offered within thefinancial services industry which are most standardised. Banks, securitiesand insurance firms adopt very similar product structures, with almostimperceptible variations, backed by commercial laws and on theprinciple of freedom of contract. Such products are sold worldwide,this contractualisation of the sectors serving as a safety net, ensuring areal unification of rules, turning them into stone. These become sourcesof international financial law (via a lex mercatoria rationale), and

34 De Cruz, Peter. Op. Cit. P. 485.

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although they present some variations in different countries, economiesof scale are securely achieved and, most of the time, shared withcustomers, by means of the reduction of transaction costs.

Self-regulation has been the moto of financial services for a longperiod of time, and until very recently the industry regulated and superviseditself. As increasing savings remains the principal goal in our economy society(as true homos economicus), as they finance not only consumption, butalso investments, research and welfare, public intervention in times of highpowered money and global transactions cannot be neglected.

Not so well organised as financial services players, and havingdifferent goals in time and in scope, nations – representing populations– are demanded to deal with the global services phenomenon in differentregulatory levels. Apart from the unification performed as necessary bymarket agents, states are obliged to respect their very own needs withregards to international inclusion, as well as their internal welfaregeneration capacity. In this sense, cross-sectoral convergence (banking,securities and insurance sectors) in market practice and in regulatoryapproaches has been occurring quite naturally35.

Harmonisation of rules have become, besides unificationimplemented by the market, an acceptable answer to address thecomplex and ever growing financial services industry. As a matter offact, concentration in the financial services industry, as a result of aglobalised economy, has somehow eased the task of regulators, in thesame way that Glossators have, in the Guild Age, identified commercialcommon grounds.

Searching for inspiration at international fora, looking foralternatives in multilateral organisations and private associations, as wellas borrowing concepts from other systems, are the most common formsof legal change. De Cruz reminds us, however, that “transplantationsmay or may not be ‘successful’, depending on a country’s particularconditions for receptivity36".

35 See the Core Principle Liaison Group report at the Basel Committee on BankingSupervision.

36 De Cruz, Peter. Op. Cit. p. 486. See also Stiglitz on failed initiatives of regulationtransplantation, op. Cit.

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5 INTERNATIONAL FINANCIAL SERVICES LAW

Regulation of financial services relates to the structure, conduct(with impacts on price) and operation (also called prudential). Barriersfor financial services liberalisation are regulatory, fiscal, structural andcultural (in the way that states are involved). Usury, gaming andgambling37 laws severely affect such sector, and also consumer, banking,insurance and tax laws, as well as exchange controls.

Trade in financial services also present different forms38, entailingthe transfer of information, the movement from supplier towards clientsand vice versa, clients moving towards suppliers. Regulation must takeinto account that information asymmetry is a fact, which affects thenature of the financial business environment. Not all participants havethe same quality assessment, which generates quality deterioration,adverse selection, market failure and political constraints.

The IMF has laid down a code on Transparency in Monetaryand Financial Policies, which was adopted by the interim committee inSept 26, 199939. Aiming at strengthening the architecture of theinternational monetary and financial system, the IMF was called todevelop a code of transparency practices for monetary and financialpolicies, in cooperation with appropriate institutions. The Fund, workingtogether with the Bank for International Settlements, where the BaselCommittee on Banking Supervision, and in consultation with a

37 General Agreement on Tariffs and Trade, since 1947.In the case of derivatives 1916’s Brazilian Civil Code caused derivative transactionsto be classified as forbidden non-collectable gambling. The 2001 civil code reformintroduced article 816, a result from the industry’s claim for giving legal certainty tothis kind of transaction.

38 GATS defines four ways (or “modes”) of trading services in general: services suppliedfrom one country to another (e.g. international telephone calls), officially known as“cross-border supply” (in WTO jargon, “mode 1”); consumers or firms making useof a service in another country (e.g. tourism), officially “consumption abroad”(“mode 2”); a foreign company setting up subsidiaries or branches to provide servicesin another country (e.g. foreign banks setting up operations in a country), officially“commercial presence” (“mode 3”); and individuals travelling from their own countryto supply services in another (e.g. fashion models or consultants), officially “presenceof natural persons” (“mode 4”).

39 http://www.imf.org/external/np/mae/mft/code/index.htm#

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representative group of central banks, financial agencies, other relevantinternational and regional organizations, and selected academic experts,has developed a Code of Good Practices on Transparency in Monetaryand Financial Policies.

The main goal of this joint action was to unify financial servicestreatment. As stated in the code, “transparency by financial agencies,particularly in clarifying their objectives, should also contribute to policyeffectiveness by enabling financial market participants to assess betterthe context of financial policies, thereby reducing uncertainty in thedecision-making of market participants. Moreover, by enabling marketparticipants and the general public to understand and evaluate financialpolicies, transparency is likely to be conducive to good policy-making”.

The justification for such unified strategy has been helping “topromote financial as well as systemic stability. Transparent descriptionsof the policy formulation process provide the public with anunderstanding of the rules of the game. The release of adequateinformation to the public on the activities of financial agencies providesan additional mechanism for enhancing the credibility of their actions.There may also be circumstances when public accountability of decisionsby financial agencies can reduce the potential for moral hazard.”

As stressed by the working group, transparency in the financialservices industry is indicated in order to avoid market disruptions. Inthis sense, “with regard to informing the public about monetary andfinancial institutions and their policies, an important issue concerns themodalities that these public disclosures should take. In particular withregard to monetary policy, should transparency practices have alegislative basis in a central bank law, or be based in other legislation orregulation, or be adopted through other means? The Code takes apragmatic approach to this issue and recognizes that a variety ofarrangements can lead to good transparency practices. On matterspertaining to the roles, responsibilities, and objectives of central banks(and for principal financial regulatory agencies), it recommends thatkey features be specified in the authorizing legislation (e.g., a centralbank law). Specifying some of these practices in legislation gives themparticular prominence and avoids ad hoc and frequent changes to theseimportant aspects of the operations of central banks and relevantfinancial agencies. Information about other transparency aspects, such

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as how policy is formulated and implemented and the provision ofinformation, can be presented in a more flexible manner. However, it isimportant that such information be readily accessible, so that the publiccan with reasonable effort obtain and assimilate the information.”

Positively put, it is important to clarify the role of transparency, notbeing “an end in itself”, nor “a substitute for pursuing sound policies;rather, transparency and sound policies are better seen as complements”.Transparency, however, is always a pre-condition in democracies, and ismost recommended in services liberalization, working both ways (publicto private and vice versa), reducing information asymmetry.

Trade in services is extensively treated in GATS, WTO’s membershaving endorsed40 fundamental principles, i.e. the right to regulate andto introduce new regulations on the supply of services in pursuit ofnational policy objectives; their right to specify which services they wishto open to foreign suppliers and under which conditions; and theoverarching principle of flexibility for developing and least-developedcountries. In this sense, the guidelines remained sensitive to public policyconcerns in important sectors such as health-care, public educationand cultural industries, while stressing the importance of liberalization ingeneral, and ensuring foreign service providers have effective access todomestic markets.

The WTO way of inducing regulation however, leads to overcomingnational interest. Having recognised that domestic regulations are the mostsignificant means of exercising influence or control over services trade,WTO agreement say governments should regulate services reasonably,objectively and impartially, however when a government makes anadministrative decision that affects a service, it should also provide animpartial means for reviewing the decision, e.g. the judiciary.

40 la déclaration ministerielle de Punta del Este insiste sur le fait qu’un cadre multilatéralde principes et de règles pour le commerce des services devra respecter les objectifspolitiques des lois et des reglementations nationales applicables aux services. Pourcomprendre cette logique, il ne faut pas perdre de vue que les réglementationsnationales du secteur des services relèvent du droit souverain des gouvernements,en particulier lorsque celles-ci visent à réalisation d’objectifs de politique nationale.Ciabrini, Sylvie. Les services dans le commerce international. Presses Universitairesde France, Paris, 1996. p. 10

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Despite the de- and re-regulation movements of the past twodecades, today it is widely accepted, especially with GATS thatcommitments to liberalise do not affect governments’ right to set levelsof quality, safety, or price, or to introduce regulations to pursue anyother policy objective they see fit.

6 CONCLUSION

In a globalised world populations are faced with the dilemma of beingglobal citizens or global consumers41. Information technology has imposedflexibility on all societies, forcing them to adapt to a new environment,immaterialised such as in financial services. It is a current say that rigid economiesand societies – be it in regulation, negotiating methods, moral habits permeatedby religion – may not survive, or may remain parias.

Financial services treatment and liberalisation cause worries aboutmanaging wealth, making it easily movable. Recent trends confirm theoption towards unilateral or bilateral, instead of multilateral, decisionstaken mainly by industrialised nations, the US in the forefront.

As Stiglitz42 has well clarified, “globalisation has meant that thereis increasing recognition of arenas where impacts are global. It is inthese arenas where global collective action is required – and systemsof global governance are essential. (…) The most fundamental changethat is required to make globalisation work in the way that it should is achange in governance”.

On the other hand, in a global economy market participantsbecome gradually intolerant to regulatory disparities. Home countriesundertake market players’ sides, helping shape policies aimed at attainingonly profit-increasing, short-termed, objectives. This generates a strongmovement towards maintaining self regulation afoot, in detriment ofgenuine public intervention for defending public interest.

41 Le comportement de l’électeur semble raprocher de plus en plus celui du consomateur.Ses choix politiques sont de plus en plus individuels et personnels, de moins en moinsdictés par des préocupations collectives ou d’interêt géneral. Auberger, Philippe. Ladémocracie à l’épreuve des marchés. Economica, Paris, 2003. p. 169.

42 Op. Cit. Pages 223 to 226.

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OBRAS DERIVADAS SOB A ÓTICADA LICENÇA PÚBLICA CREATIVE

COMMONS – CCPL

CARINNA GONÇALVES SIMPLÍCIO

HILDEBRANDO PONTES NETO

PATRÍCIA DUARTE COSTA MENTA

CARLOS ALBERTO ROHRMANN

Sumário

1. Introdução. 2. Creative Commons. 3. A obraderivada. 3.1. Exame do direito patrimonial e mo-ral em relação ao licenciamento das obras deriva-das. 4. A Licença Pública Creative Commons –CCPL à luz dos princípios gerais dos contratos. 4.1.Contrato por clique. 5. Análise jurídica das cláusulascontratuais da licença. 5.1. Cláusula de isenção deresponsabilidade da entidade Creative Commonspelos danos decorrentes da adesão à Licença. 5.2.Cláusula de vedação da utilização das informaçõesprotegidas por direitos autorais para fins. 5.3. Clá-usula de compartilhamento pela mesma Licença. 5.4.Cláusula de adequação da Licença à legislaçãopertinentecomerciais. 6. Conclusão. 7. ReferênciasBibliográficas.

ResumoA aproximação social que surge com o acelerado crescimento

econômico global do século passado traz mudanças substanciais nas

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 165-194 2005

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relações humanas. A tecnologia amparada à cibernética provoca a dis-seminação cultural e ultrapassa as barreiras territoriais e permite umarevolução informacional que potencializa a capacidade de processarinformações e amplia a capacidade de pensar e refletir. Este artigoapresenta o tratamento que a Licença Pública Creative Commons(CCPL) dispensa à derivação das obras de criação literária e artísticaatravés da análise do objeto, da origem e das características do que seconvencionou denominar de licenças Creative Commons.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos autorais, Creative Commons, licen-ças públicas, obras derivadas

AbstractSubstantial changes in human relations have been brought by the

social proximity related to the economic global growth of the last century.Information technology leads to cultural dissemination despite of localboundaries and allows for a information revolution that increases thecapacity to process information and to think. This article presents thelegal treatment that Creative Commons Public License dedicates toderivative works, through the analysis of its object, origins andcharacteristics.

KEY-WORDS: Copyright, Creative Commons, Public Licenses,Derivative Works

1 INTRODUÇÃO

O direito está subordinado à história e sofre influências dela.Está no mundo da cultura e no que o homem cria. Ordena a inter-relação social através da tutela dos interesses do homem que não éapenas um indivíduo e sim um ser social. Assim a sociedade emergecomo sujeito das relações estabelecidas e tem valores que ela pró-pria quer preservar no caso de ter seus bens jurídicos fundamentaisviolados.

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A sociedade é uma entidade atuante, sujeito e objeto do ambiente.É dinâmica e opera para atingir certos objetivos sociais. O direito sur-ge como um estatuto de atuação e limitação da sociedade que atuaconforme seu programa, mas nos limites permitidos, na busca de seuequilíbrio sendo importante frisar que cada sociedade assimila um sis-tema jurídico próprio.

Nos dias atuais a sociedade vem sendo empurrada por mudan-ças, envolvendo praticamente todos os agentes, com as mais diversasconseqüências para as nações e seus cidadãos. Não vivemos mais otempo cronológico. Estamos vivendo o tempo virtual e o mundo pareceter encolhido face à velocidade da evolução tecnológica. Portanto, épreciso adaptar-se continuamente às mais diversas forças internas eexternas e aprender a lidar com elas, devendo administrá-las segundoos mais diversos objetivos. Novos mecanismos precisam ser desen-volvidos para acompanhar essa transformação pois o homem não saiimpune deste processo de aceleração.

As inovações tecnológicas alteram o espaço geográfico em to-das as escalas – local, nacional e mundial – e transformam as relaçõesentre os indivíduos. Diante a este novo momento torna-se imprescindí-vel entender e regular as relações entre os diversos atores deste ambi-ente global, que saem da esfera econômica e passam a ser discutidasnos mais diversos ambientes, com efeitos e desdobramentos que im-plicam numa nova percepção social.

A cibernética aumenta a importância e o valor da informaçãoque passa a ser reproduzida e transmitida com maior agilidade atravésdo formato digital. Transforma a cultura popular e aumenta suaabrangência através da Internet, ampliando a cultura da colagem1; foi epassou a ser o principal componente do processo criativo contempo-râneo.

Mas é importante acrescentar que os mesmos mecanismos quepossibilitam a reprodução técnica, possibilitam cópias e alterações nãoautorizadas, dificultando a distinção entre originais e imitações e entreos atos de utilizar e copiar.

1 Processo de criação que usa, de forma não só direta mas também indireta, outrasobras como elemento de construção da obra final.

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Na visão de Lawrence Lessig2 (2005), ao mesmo tempo emque a tecnologia possibilita a utilização de ferramentas para amplia-ção, o direito restringe a criação intelectual; Lessig defende que a cul-tura da colagem derruba as barreiras entre o criador e o consumidorcultural, pois a possibilidade de compartilhamento rápido e eficientede arquivos pela Internet transforma a criação e a circulação de obrasartísticas.

O grande problema desse novo processo criativo é que ele éilegal. O sistema de direitos autorais existente protege todas as obrasou artefatos culturais existentes, seja no âmbito virtual ou físico, e suautilização, para qualquer finalidade, sem prévia autorização, é uma vio-lação aos direitos de autor ou de seus intermediários.

As culturas orais não acolhiam as noções de direitos autoraismodernas e mesmo com a introdução da cultura letrada, com o ingressodo alfabeto pelos gregos, era necessário atingir determinadas condi-ções de mercado cultural e determinado desenvolvimento dastecnologias de reprodução, para que os usos comerciais de obras setornassem financeiramente viáveis e, conseqüentemente, protegidos.Só os copistas recebiam por seus trabalhos, e aos autores cabiamapenas as honras – e isso quando os copistas não desvirtuavam suascriações.

O alemão Gutenberg, por volta do ano 1450, inventou a primei-ra “oficina impressora” com “tipos” móveis, cobertos de tinta. A pren-sa de Gutenberg revolucionou a impressão, tornando-a mais ágil3. A

2 Lawrence Lessig é originário da área de humanas e atualmente é Professor de Direitoda Universidade de Stanford. É formado em direito pela Universidade de Yale e foiprofessor da Universidade de Chicago entre 1991 e 1997. Fundador do Centro paraInternet e a Sociedade na mesma Universidade e especialista em Direito CibernéticoÉ considerado um dos maiores pensadores da transição dos impactos sociais da novatecnologia, tendo grande sensibilidade para o tema além de possuir um pensamentoliberal e ter uma grande preocupação com o tema da propriedade intelectual, princi-palmente na Internet. È fundador da Creative Commons e autor do livro CulturaLivre, no qual defende o livre acesso a Internet s seus conteúdos, na linha de RichardStallmam e sua proposta de software livre.

3 Mais tarde, Gutenberg aprimorou seu invento, modificando seus “tipos” móveispara metal, usado pela tipografia moderna. Os anos passaram e em 1792, Contéaperfeiçoou o lápis, instrumento formado por uma ponta de grafite envolvida pormadeira dura.

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forma escrita é estabelecida e as idéias finalmente atingem uma escalaindustrial. Só a partir daí aparece o problema dos direitos autorais, aproteção e a remuneração dos autores, no sentido de proteger suasobras e impedir a “pirataria” 4.

Marcos desse período são o Estatuto de Ana – que define que oautor de qualquer livro já impresso tem o direito exclusivo e liberdadede imprimi-lo pelo prazo de 21 anos – e a legislação da RevoluçãoFrancesa sobre direitos autorais – que adicionou ao conceito inglês, apreferência do autor sobre sua obra.

Nessa época, o mercado para a produção cultural se torna cadavez maior e mais conectado e, acompanhando a tendência geral dereconhecimento dos direitos privados do cidadão, foram aprovadaslegislações simples que reconheceram direitos dos autores em relaçãoàs obras, em substituição às leis complexas que censuravam algumasobras, e permitiam monopólios a outras, atribuindo-se aos autores aresponsabilidade de fiscalizar os usos não autorizados.

Após o período da industrialização, no século XIX, a evoluçãodas tecnologias de informação fomentou o surgimento de mecanismosmais modernos de imprensa, fotografia, cinema, gravações sonoras erádio, que facilitaram a produção, reprodução e distribuição dos pro-dutos culturais e o surgimento da indústria cultural.

A partir de 1873, a empresa norte-americana E. Remington passou a vender umaversão da máquina de escrever de 1714, cuja patente foi concedida pela rainha daInglaterra, Ana, ao engenheiro Henry Mill, mas que jamais foi produzida.Em 1884, o também norte-americano Lewis Waterman inventou a caneta-tinteiroque armazenava tinta em um reservatório e que foi muito usada até bem poucotempo. Cinqüenta anos mais tarde, precisamente em 1938, o húngaro Laszlo Biroinventou a caneta que hoje conhecemos pelo nome “esferográfica”, uma canetadescartável com ponta em forma de esfera no lugar do antigo bico.Depois da Segunda Guerra Mundial, 1945, surgiu o primeiro computador. Um mo-delo que pesava trinta toneladas, lento e com uma linguagem bem complicada, nadaparecida com o atual. Em 1961, a IBM lançou o primeiro mini computador, bemmenor e mais rápido do que os ultrapassados computadores, só que ainda não tãoacessíveis financeiramente. Mais tarde, recentemente, em 1982, foi lançado tambémpela IBM o primeiro computador pessoal, o conhecido PC, que se tornou bempopular, muito utilizado até mesmo pelas crianças, começando assim a era dosmicros computadores.

4 Naquela época não existia o temo pirataria, que foi usado neste texto com o sentidode cópia não autorizada.

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O crescimento desta nova indústria requeria investimentos eleva-dos, pois o avanço tecnológico facilitava também a reprodução não au-torizada. Com isso, os direitos autorais tomaram mais força e passarama ser encarados como um meio de garantir e proteger fluxos de lucro, eforam expandidos de acordo com essa visão. Direitos já existentes fo-ram aplicados a novas mídias, e com isso surgiram mais definições emrelação às obras derivadas. Além disso, foram concebidos novos tiposde direitos, como os direitos morais, que serviram principalmente paratranqüilizar autores, garantindo-os que suas obras seriam protegidas deacordo com seus interesses, e em todos os mercados alcançados.

A lei se concentrava na criatividade comercial, mas nunca sepreocupou diretamente com a criação ou difusão da cultura não co-mercial e a deixou livre. A maneira cotidiana de os indivíduos partilha-rem e transformarem sua cultura – contando histórias, representandocenas de obras teatrais ou da TV, participando de fãs-clubes, compar-tilhando música, gravando fitas – era ignorada.

No final do século passado, a informática deixou de ser umaferramenta apenas científica e de grandes corporações e se tornoupopular, em grande parte, devido ao trabalho de dois jovens: SteveJobs, fundador da Apple, que criou o personal computer (PC) e BillGates, fundador da Microsoft, que desenvolveu o sistema operacionalWindows, presente em quase todos os computadores do mundo. BillGates conquistou um verdadeiro monopólio internacional com aMicrosoft em termos de sistema operacional.

Nessa caminhada rumo ao monopólio mundial, a empresa foiacrescentando programas ao Windows, para combater ou eliminarconcorrentes. Assim foi com o browser Internet Explorer, que seimpôs ao Netscape e a inclusão do Windows Media Player quedesbancou o RealNetworks.

No final dos anos 90, um outro jovem, nos bancos de uma uni-versidade, em Helsinque (Finlândia), criou o kernel, ou núcleo, de umsistema operacional de código aberto5 que começou a ameaçar o im-pério da Microsoft.

5 Trata-se do Linux, criado pelo estudante finlandês Linus Benedict Torvalds e que édistribuído gratuitamente pela Internet, embora versões mais sofisticadas sejam

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A Internet desencadeou a possibilidade extraordinária de cons-trução e cultivo da cultura, com resultados muito distantes dos limiteslocais. Esse poder transformou o mercado de criação e produçãocultural, mas não pode deixar de assegurar ao autor o direitopatrimonial e moral sobre as transformações de suas obras, possibi-litadas pela evolução tecnológica e que os novos modelos delicenciamento buscam ao desenvolver um conjunto gratuito de licen-ças que as pessoas podem anexar a criação derivada de obras, eque possam ser usada de forma fácil e segura. É o caso do CreativeCommons6, por exemplo.

Os avanços nas tecnologias de informação e especialmente daInternet provocaram mudanças profundas no direito de propriedadeintelectual, assim como a criação dos tipos móveis por Gutenberg fezsurgir a indústria do livro e o Estatuto da Rainha Ana deu ao autor delivros o direito sobre seu trabalho de criação.

Henrique Gandelman, em seu livro De Gutenberg à Internet, afir-ma que as perguntas se sucedem e as respostas nem sempre estãoconseguindo atendê-las corretamente. A Internet seria muito nova, ecoisas novas mais levantam problemas que soluções.

Modelos de licenciamento, inspirados na General PublicLicense7 (GPL), vêm sendo elaborados para dar proteção à produ-ção cultural que circula pela Internet como formas alternativas entre o

vendidas por empresas desenvolvedoras, mas a preços mais baixos que os daMicrosoft. Governos locais da Europa, da Ásia e até o Governo Federal no Brasil,além de grandes multinacionais como a International Business Machines (IBM), aHewlett-Packard (HP) e a Novell, entre outras, decidiram adota-lo.

6 A Creative Commons é uma corporação sem fins lucrativos situada em Massachussets,mas seu lar é a Universidade de Stanford. Seu objetivo é construir uma camadarazoável de copyright, desafiando os extremos que prevalecem hoje em dia.

7 Criada por Richard Stallman para regulamentar o software livre, a licença GPLpermite que o autor do código distribua livremente o seu código. Outras pessoaspodem simplesmente pegar este código, modificar à suas próprias necessidades eusar à vontade. O único requerimento é que a pessoa que modificou deve lançar ocódigo modificado em GPL e manter também o seu código aberto (e não apenasdistribuir os binários). Isso tudo cria uma comunidade de desenvolvedores onde todaa ajuda é mútua e o usuário pode pegar várias idéias de outros desenvolvedoressimplesmente olhando o código deles.

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copyright8 e o domínio público, regulamentando os direitos autoraisde forma adequada à crescente informatização dos meios de distribui-ção de dados difundidos pela grande teia mundial. Esses modelos vêmsendo desenvolvidos diante à dificuldade de equivalência do tratamen-to legal dado às obras veiculadas em suportes tangíveis às obras digitais.

O conceito de copyleft9, inserido na licença GPL, pressupõe aliberdade de cópia, de modificação, de execução e de distribuição deprodutos digitais desde que os créditos para o autor original sejam man-tidos e os produtos derivados adotem a mesma licença. Ao fazer comque o produto derivado mantenha a licença, busca-se evitar que ele setorne proprietário10 nas mãos daquele que fez apenas a última alteração.

A noção de proteção, portanto, se estende do autor para a li-berdade dos usuários que copiam e/ou modificam o software, fazen-do com que a idéia de pirataria, neste contexto, perca o sentido e setransforme numa espécie de co-autoria. Segundo Ronaldo Lemos11

8 Denominação de um sistema de direitos autorais vigente nos EUA e no Reino Unido,cuja concepção difere-se essencialmente do sistema de direito de autor por seudesenvolvimento histórico. Ainda que ambos os sistemas reconheçam a exclusivida-de do autor autorizar a utilização de sua obra intelectual, existem muitas diferençasentre este sistema jurídico e o do direito de autor. O aspecto econômico é realçadonas legislações imbuídas da concepção do copyright — porque não reconhece umdireito moral dos autores, e porque não concebe a proteção ao autor como um direito,inerente ao ato de autoria, mas como um privilégio instituído pelo Estado, com umafinalidade específica.

9 A maioria das licenças usadas na publicação de software livre permite que os progra-mas sejam modificados e redistribuídos. Estas práticas são geralmente proibidaspela legislação internacional de copyright, que tenta justamente impedir que altera-ções e cópias sejam efetuadas sem a autorização do/s autor/es. As licenças queacompanham software livre fazem uso da legislação de copyright para impedir utili-zação não-autorizada, mas estas licenças definem clara e explicitamente as condiçõessob as quais cópias, modificações e redistribuições podem ser efetuadas, para garan-tir as liberdades de modificar e redistribuir o software assim licenciado. A esta versãode copyright, dá-se o nome de copyleft.

10 Produto proprietário é aquele cuja cópia, redistribuição ou modificação são emalguma medida proibidos pelo seu proprietário. Para usar, copiar ou redistribuir,deve-se solicitar permissão ao proprietário, ou pagar para poder fazê-lo.

11 Mestre em direito pela Universidade de Harvard e doutor em direito pela Universi-dade de São Paulo. É diretor do projeto Creative Commons no Brasil e fundador doCentro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargasno Rio de Janeiro, além de professor e coordenador da área de propriedade intelec-tual da escola.

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(2005) a idéia do copyleft se fundamenta nos direitos do autor. Eleafirma que o software livre12 não se trata de software “sem direitosautorais”. Na verdade, o software livre é um software cujo autor de-cidiu implementar um modelo de licenciamento que permite aos usuá-rios uma ampla gama de direitos. Assim, o copyleft é uma alternativa,surgida “de baixo para cima” 13 ao modelo tradicional de direitos doautor.

Para melhor compreender o tratamento que a CCPL dispen-sa à derivação das obras de criação literária e artística e os seuspressupostos, mister se faz analisar o objeto, a origem e as carac-terísticas do que se convencionou denominar de licenças CreativeCommons.

Essas modalidades de licenças se traduzem em um conjunto dedisposições contratuais voltadas à utilização das obras literárias e ar-tísticas, o que permite a sua exploração mediante licenciamento. Tra-ta-se, pois, de uma nova forma de contratação utilizada pelos autoresde obras de criação intelectual junto à grande rede mundial. Essaslicenças nasceram de um movimento denominado Free Culture, cujoselementos conceituais são propagados e difundidos pela CreativeCommons14, apoiada por diferentes organizações e instituições norte-americanas.

12 E importante não confundir software livre com software grátis porque a liberdadeassociada ao software livre de copiar, modificar e redistribuir, independe de gratuidade.Existem programas que podem ser obtidos gratuitamente mas que não podem sermodificados, nem redistribuídos. Por outro lado, existe a possibilidade de uso não-gratuito em todas as categorias listadas no que segue. Há uma cópia da definição desoftware livre pela Free Software Foundation publicada na página http://www.fsf.org/philosophy/free-sw.pt.htmlO software livre, assim como a obra em domínio público, é disponível com a permis-são para qualquer um usá-lo, copiá-lo, e distribuí-lo, seja na sua forma original oucom modificações, seja gratuitamente ou com custo. Em especial, a possibilidade demodificações implica em que o código fonte esteja disponível. Se um programa élivre, potencialmente ele pode ser incluído em um sistema operacional também livre.

13 A abordagem “debaixo para cima” é focada no comportamento e necessidades dosusuários ou consumidores

14 Mais informações sobre a fundação podem ser obtidas no endereço http://www.creativecommons.org

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2 CREATIVE COMMONS

A chamada Creative Commons Organization surge em 2001,em virtude do pensamento de Lawrence Lessig e de James Boyle. Oprimeiro é professor da Universidade de Stanford e o segundo lecionana Duke Law School. Ambos inspiraram-se na obra de RichardStallman15 e nos trabalhos produzidos pela Fundação Software Li-vre16, fundada em 1985, como ponto de partida teórico para a sedi-mentação do Creative Commons. A Fundação Software Livre, aoseu passo, constituiu-se por meio de recursos obtidos de diferentesempresas como a International Business Machines (IBM), Google,Hewlett-Packard HP, entre outras.

Richard Stallman colocou em prática o programa de computa-dor livre ao desenvolver o projeto GNU17, sinônimo da expressão“GNU’s NOT UNIX”, com a finalidade de desenvolver um sistemaoperacional totalmente livre. Buscava, pois, afastar os impedimentosprevistos na legislação de Propriedade Intelectual. Na esteira desteprojeto nasceu a GPL: a cópia livre. Essa visava a difundir a apropria-ção do código fonte dos programas de computador e, a partir daí,modificá-los, utilizá-los aberta e livremente, sem que fosse requisitoindispensável a prévia e expressa autorização dos titulares dos direitosautorais.

15 Programador estadunidense idealizador do sistema operacional GNU/Linux que passoua defender o software livre depois de um problema que teve com a Xerox. RichardMatthew Stallman – frequentemente abreviado como RMS é a figura central domovimento do software livre. Mas sua influência é maior pelo estabelecimento deum marco de referência moral, político e legal para o movimento do software livre,como uma alternativa para o desenvolvimento e distribuição do software proprietá-rio. É também o inventor do conceito de copyleft (ainda que não seja ele quem deueste nome), um método para licenciar softwares de tal forma que este permaneçasempre livre e seu uso e modificação sempre se revertam na comunidade.

16 A Fundação Software Livre ou Free Software Foundation é responsável por umagrande revolução no pensamento dos direitos autorais. Para evitar que empresascomo AT&T ou Microsoft tomassem os softwares livres e, mediante pequenasmodificações, os transformassem em programas fechados, Richard Stallman conce-beu um engenhoso mecanismo jurídico, que ele chamou de copyleft e que estámaterializado na licença GPL.

17 Mais informações sobre o GNU podem ser obtidas no endereço http://www.gnu.org

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Portanto, os usuários de programa de computador, beneficia-dos pelas licenças GPL, podem usar livremente o programa para qual-quer finalidade; ter acesso ao código fonte, estudar o seu funciona-mento e adaptá-lo, bem como aprimorar o programa, além de divulgaras transformações promovidas em benefício de toda a comunidade.

Não se pode mais desconhecer o êxito alcançado pelo progra-ma livre de computador no setor empresarial, institucional e mesmogovernamental. Expressivas companhias e instituições passaram a uti-lizar licenças de programas livres. No Brasil, vários são os procedi-mentos em andamento, inclusive os que dizem respeito ao governonacional, que neste momento se empenha na erradicação da chamada“exclusão digital”. Visando superar essa realidade, tem operado nosentido de possibilitar o desenvolvimento e a utilização de programasde computador livre. No âmbito da administração pública, o procedi-mento se encontra em curso. Essa posição governamental despertacuriosidade, uma vez que os setores interessados na evolução dainformática no país resistiram, e muito, em aceitar a proteção do Direi-to de Autor sobre os programas de computador.

Importa ressaltar que a construção doutrinária das licenças GPLinfluenciou na elaboração das regras constantes da CCPL. Em quepese o modelo de inspiração, o sistema Creative Commons, dife-rentemente do que se passa com o sistema GPL, pouco acrescentaaos mecanismos de proteção das obras literárias e artísticas, dentro efora do campo digital, tanto mais se levarmos em conta os direitosautorais já consagrados não só pelas legislações nacionais, como tam-bém pelos tratados internacionais.

A doutrina da cultura livre defendida pelo professor LawrenceLessig se opõe à do copyright e, de igual modo, contraria a doutrinado direito de autor continental, ambas recepcionadas e sedimentadaspelas mais diferentes legislações da comunidade internacional. Em apoioà doutrina da cultura livre não tem faltado colaboradores: Em princí-pio, sustentada pela Creative Commons Foundation, entidade geradaem Stanford Law School Center for Internet and Society. Em seguida,por instituições como The MacArthur Foundantion(www.macfound.org), The Center for the Public Domain(www.centerpd.org), e The Hewlett Foundation (www.hewlett.org-

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Default.htm). Outros recursos são os destinados por empresas de co-municação e telecomunicação, somados às participações de diferen-tes associações, que difundem os princípios do sistema de licençaslivres. Tem sido este o seu desenvolvimento.

A cultura livre, idealizada por Lessig, vai de encontro aos pres-supostos da liberdade de expressão e de criação, o que o levou apropor o compartilhamento do resultado da criação artística entre ospróprios criadores de obras artísticas e literárias. Assim, segundo oque preconiza, haverá o fortalecimento gradual de um espaço comumde criação, sem qualquer espécie de restrição em nome do processocultural universal, por ser um direito inerente a todo ser humano. Con-tudo, “o calcanhar de Aquiles” do discurso de Lessig recai sobre arelação dos autores com as empresas, onde quase sempre não se re-aliza de forma natural a transferência de seus direitos.

Os autores são espoliados e explorados na comercialização desuas obras, uma vez que o sistema legal que aí se encontra protege aindústria do entretenimento, enquanto os direitos autorais são descui-dados. O sistema Creative Commons, para efeito da difusão das obrasde criação artística pelas vias eletrônicas de conhecimento, não preci-sa de “intermediários”, razão pela qual Lessig conclama a todos osautores para promoverem o exercício do “monopólio legal” de suasobras.

O sistema Creative Commons, compreendido por Lessig, lan-ça a idéia de que os autores não podem depender das leis que osprotegem, das autoridades que aplicam as leis e das empresas queutilizam a criação artística. Os postulados de uma cultura aberta, deuma cultura para todos, há de conviver com a “ausência” de proteçãolegal.

Ronaldo Lemos, jovem professor da Fundação Getúlio Vargas,reconhecidamente um dos principais defensores desse sistema, escre-veu (2005, pág. 83): “Em outras palavras, o Creative Commons, criainstrumentos jurídicos para que um autor, um criador ou uma entidadediga de modo claro e preciso, para as pessoas em geral, que umadeterminada obra intelectual sua é livre para distribuição, cópia e utili-zação. Essas licenças criam uma alternativa ao direito de propriedadeintelectual tradicional, fundada de baixo para cima, isto é, em vez de

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criadas por lei, elas se fundamentam no exercício de prerrogativas quecada indivíduo tem, como autor, de permitir o acesso às suas obras e aseus trabalhos, autorizando que outros possam utilizá-los e criar sobreeles”.

Além de sua manifesta crença no sistema de licenças CCPL,Ronaldo Lemos (2005) critica o sistema autoral, afirmando que: “umdos problemas do direito autoral ‘clássico’ é que ele funciona comoum grande ‘NÃO!’”. E explica porque o compreende assim: “Grossomodo, se alguém faz rabiscos em um guardanapo, aqueles rabiscos jánascem protegidos pelo direito autoral, e qualquer pessoa que desejeutilizá-los precisa pedir permissão ao autor. E este mesmo modeloaplica-se a qualquer outra obra autoral: como regra geral, presume-seque, para se utilizar uma música, um filme, uma foto, um texto ou quais-quer outras obras, é necessário pedir autorização prévia, porque to-dos os direitos estão reservados”.

Percebe-se, pois, que para os defensores do sistema CreativeCommons, a utilização da obra deve ser ampla e irrestrita, uma vezque existe “um grande número de autores” que não se importa comque elas sejam divulgadas e apropriadas livremente, servindo de basepara as mais diferentes possibilidades de transformação. Por contadesse fato, “o modelo jurídico Creative Commons” possibilita queautores e detentores de direitos possam indicar a todos que eles nãose importam com a utilização de suas obras por outras pessoas. ParaRonaldo Lemos, trata-se de textos standards, que padronizam o en-tendimento sobre o licenciamento e sobre o tipo de direito que estásendo disponibilizado.

Na exposição sobre o sistema de licenças livres, ressalta Lemosque este modelo surge de “baixo para cima”, sem a intervenção estatalou a modificação da lei. Trata-se de utilizar a própria idéia e os concei-tos de direito autoral para modificar sua estrutura caso a caso, geran-do autorizações caracterizadas pelo termo copyleft. A idéia é permitira criação de uma coletividade de obras culturais publicamente acessí-veis, incrementando o domínio público, concretizando as promessasda internet e da tecnologia de maximizar o potencial criativo humano.Trata-se de assegurar a liberdade de manipular, melhorar e redistribuiruma obra autoral e todas as obras dela derivadas. As licenças Creative

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Commons podem ser utilizadas para quaisquer obras suscetíveis deproteção pelo direito autoral.

Este sistema de licenciamento virtual também nos alcançou. Aentidade possibilita verter os contratos de licença para a língua portu-guesa, mantida, porém, a expressão “Creative Commons”. Por meiodeste processo, o titular dos direitos autorais opta por um dos mode-los contratuais disponíveis no web site http://creativecommons.org/projects/international/br. Obtida a cópia digital da licença escolhida, oautor poderá incorporá-la ao seu próprio site, condicionando a utiliza-ção de suas obras ao sistema de licenças Creative Commons. Casonão disponha de um, poderá, ainda, licenciar a sua obra dentre o elen-co de sites ofertados pela organização.

Com esse procedimento, qualquer usuário da rede poderáacessar o site e dispor da obra nas condições estabelecidas pela licen-ça. Fica subentendida, de pronto, a sua aceitação. A Organizaçãogestora fornece três versões do contrato de licença: uma resumida,outra tradicional, e uma outra versão em “código informático”. Estaúltima, destinada à leitura dos computadores e dos motores de busca.

Será objeto de exame a tradução da licença Creative Commonsrealizada em língua portuguesa, o seu cotejo com a doutrina e princípi-os firmados na Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. No início dalicença vem expresso que a entidade Creative Commons “não é umescritório de advocacia, e não presta consultoria jurídica”. Demais disso,que a licença “não cria relação entre cliente e advogado”. E o que émais curioso: “O Creative Commons não dá qualquer garantia quan-to às informações fornecidas e se exonera de qualquer responsabilida-de por danos resultantes do seu uso”.

Em que pese eximir-se a Organização de qualquer responsabi-lidade, está expresso na licença que a obra é disponibilizada nos ter-mos do contrato ofertado, encontrando-se protegida “por direito au-toral e/outras leis aplicáveis”. Em seguida, pode-se ler que “qualqueruso da obra que não autorizado sob esta licença é proibido”. Aindaestá expresso no texto que, mediante o exercício “de qualquer dosdireitos às obras aqui previstos, você aceita e concorda em ficar vin-culado aos termos desta licença”. Em contrapartida à aceitação dos

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termos e condições previstos na licença, o licenciante concede todosos direitos nela previstos.

As licenças apresentam diferentes conceituações. Dentre elas,desperta atenção a que envolve o conceito de autoria: “d. Autor origi-nal significa o individuo ou entidade que criou a Obra”. Esse conceitonão convive com o conceito de autoria consagrado entre nós. A leibrasileira define o autor como a pessoa física que cria a obra. Alémdisso, pela nossa lei especial, a entidade é detentora de titularidadederivada, jamais portadora de uma titularidade original. Quanto à obra,vem assim conceituada: “e. ‘Obra’ significa a obra autoral, passível deproteção pelo direito autoral, oferecida sob os termos desta licença”.As obras suscetíveis de proteção pelo direito autoral são as literárias eartísticas.

Outro ponto significativo envolve a concessão da licença. Oconcessionário é identificado pelo pronome indefinido “f. Você”, comoo “indivíduo ou entidade” que exercerá os direitos provenientes dalicença, caso não os tenha violado com relação à obra. Contudo, alicença cria também uma outra alternativa, qual seja a autorização ex-pressa do licenciante para exercer direitos, apesar da incidência de“uma violação prévia”.

Está ainda consignado que o licenciante “concede a Você umalicença de abrangência mundial, sem royalties, não exclusiva, perpé-tua (pela duração do direito autoral aplicável)”. Trata-se, portanto, deuma licença virtual universal, ausente o direito de utilização exclusivada obra. Impressiona o fato de que, ao se aceitar as condições firma-das pela licença, a obra, de imediato, é considerada em domínio público.

3 A OBRA DERIVADA

Antes do exame do tratamento dispensado pela licença CreativeCommons à obra derivada, importa compreendê-la à luz da Lei 9.610,de 19 de fevereiro de 1998, que definiu na alínea g, do art. 5º, a obraderivada como “a que, constituindo criação intelectual nova, resultada transformação de obra originária”. Além disso, quando trata dosdireitos patrimoniais, estabelece no art. 29: “Depende de autorização

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prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer moda-lidades, tais como: .....................................................................

III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transfor-mações.”

Portanto, para a lei e para a doutrina, as obras derivadas, ne-cessariamente, existem em virtude de uma obra pré-existente. Comotais, as adaptações, traduções, atualizações, resumos, antologias, en-fim, qualquer transformação de uma obra anterior a resultar uma outra.Para o direito de autor, quando a obra pré-existente encontra-se napropriedade do autor original, para que ela seja objeto de modifica-ção, é essencial a sua prévia e expressa autorização. É a forma pelaqual o direito autoral trabalha a figura da derivação. Todavia, quando aobra pré-existente pertence ao domínio público, torna-se desnecessá-ria qualquer permissão para que ela seja transformada. É de se ressal-tar que o direito de derivação compreende tanto o direito moral, quan-to o direito patrimonial de autor.

3.1 Exame do direito patrimonial e moral em relação aolicenciamento das obras derivadas

Em face ao sistema Creative Commons, as licenças a autoriza-rem o processo de derivação de obras, recaem quase que exclusiva-mente sobre os direitos patrimoniais. A referência ao direito de pater-nidade do autor nas licenças não lhe assegura a prerrogativa do direitomoral de paternidade da obra. Existe apenas a possibilidade de iden-tificação da autoria da obra dentro do sistema de licenças como merareferência, a autorizar que a indicação se faça “de maneira razoávelconforme o meio ou os meios que Você está utilizando”. Todavia, nãose pode esquecer, de que as obras derivadas são protegidas pelosdireitos morais de autor. É o direito de que desfruta todo o criador deexigir o respeito à criação original de sua obra, bem como o de impe-dir qualquer deformação, modificação ou alteração de sua integrida-de, a causar prejuízos aos seus legítimos interesses. Na realização daderivação da obra por terceiros, poderá ocorrer que a modificaçãorealizada venha desvirtuar a criação original, a ponto de causar preju-

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ízo à reputação do autor da obra. Sabe-se que a originalidade da obraé elemento de ordem subjetiva, reduto da mais íntima manifestação dapersonalidade de um autor.

As obras derivadas nascem dos elementos que integram a cria-ção original, razão pela qual, para os efeitos de sua construção e utili-zação, torna-se forçosa a autorização do criador da obra pré-existen-te. As obras compostas caminham paralelamente às obras derivadas,porém com elas não se confundem. Naquelas há a incorporação deuma obra à outra, mantida a integralidade das criações artísticas mani-festadas. Em face dessa especificidade, a figura não é a da transforma-ção, mas a da justaposição, ou seja, uma obra agregando-se à outra.

Cumpre verificar a figura da obra derivada no contexto das li-cenças Creative Commons. Permitem que os licenciados possam uti-lizar-se de “qualquer outra forma na qual a obra possa ser refeita,transformada ou adaptada”. A amplitude de possibilidades concedidaspara o exercício da derivação, contraria em muito o conceito sobreobra derivada estabelecido pela nossa legislação. Entre nós, é defesoque uma obra original, qualquer que seja, possa ser refeita pelo autorderivado. Refazer uma obra é realizar a sua desconstrução original.Significa atingir a criação no seu ponto nuclear, na sua originalidade.

Portanto, a licença que desautoriza o uso comercial da obrapermite que outras pessoas a copiem, distribuam, que delas dispo-nham e executem. Contudo, a licença que veda a derivação de obraspermite sua cópia e distribuição. Curioso, ainda, é o que se passa como compartilhamento de uma mesma licença. Mediante essa modalida-de de utilização, permite-se a distribuição de obras derivadas, desdeque condicionada a uma outra licença idêntica. Desse modo, a deriva-ção de uma obra só será permitida se aquele que a for transformar,autorize, de igual modo, outros cunharem sua obra com novas mo-dificações.

Destarte, cumpre tocar em um ponto fundamental – a própriaespinha dorsal das licenças Creative Commons. Ao se lançar umaobra de criação nas vias eletrônicas de conhecimento, na própria redemundial de computadores, o que não se pode descuidar é que não hámeios efetivos de controle, muito menos garantias de proteção. AInternet, sem qualquer sentido pejorativo, é um instrumento anárquico,

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de natureza caótica, freqüentada aos milhões, onde culturas plurais seentrechocam. A incalculável rapidez com que as obras são difundidasna dimensão do ciberespaço faz com que o autor, de um lado, se dis-tancie de sua obra, e de outro, justamente por isso, fique a quem deprotegê-la e vigiá-la.

Na medida em que é lícita a cópia, a distribuição e a execuçãodas obras, como controlar a sua transformação e o seu destino? Pior:se a derivação se dá livre e amplamente, não seria possível pensar queas transformações ensejadas não seriam capazes de desvirtuar a natu-reza da obra, de tal modo a descaracterizá-la por absoluto? Quemdisse que o simples fato de se marcar a obra com um sinal digital CCdistintivo da licença Creative Commons fará com que outros a res-peitem? Qual o mecanismo de defesa que o Creative Commons pro-porciona que a nossa legislação autoral não possui? Se aquele fosserazoavelmente seguro, porque a entidade Creative Commons não seresponsabiliza por “garantir às informações fornecidas e se exonera dequalquer responsabilidade por danos resultantes do seu uso”? Essassão algumas das indagações que merecem resposta.

4 A LICENÇA PÚBLICA CREATIVE COMMONS –CCPL À LUZ DOS PRINCÍPIOS GERAIS DOSCONTRATOS

O direito autoral é tratado genericamente pela legislação brasi-leira sob a ótica da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 e, no quetange aos programas de computador, pela Lei 9.609, de 19 de feve-reiro de 1998. Entretanto, outros instrumentos legais podem ser utili-zados, subsidiariamente, para solucionar questões oriundas dacomercialização, do uso e da negociação desses direitos. O CódigoCivil e os princípios gerais que regem o direito civil, mais especifica-mente o direito contratual, são exemplos de instrumentos aplicáveis aodireito de autor.

O direito contratual é regido por alguns princípios gerais, dentreos quais destaca-se o da autonomia da vontade, que pode ser vistasob dois aspectos. O primeiro é a liberdade propriamente dita de con-tratar ou não e o segundo é a escolha da modalidade contratual. Trata-

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se da liberdade das partes de estipular conforme sua vontade o con-teúdo contratual, criando para si direitos e obrigações segundo seuconsenso e interesse. Entretanto, a liberdade de contratar é limitadapor princípios de ordem pública, pelos bons costumes e por manda-mentos sociais, como os da boa-fé e da função social do contrato,restando a vontade individual subordinada ao interesse da coletividade.

Note-se que a licença pública Creative Commons – CCPL éoferecida a qualquer pessoa que a ela queira aderir no endereço ele-trônico http://creativecommons.org. Ao manifestar a concordância emdisponibilizar sua obra, o autor, automaticamente, concorda com ostermos pré-estabelecidos da licença. A licença é um instrumento jurídi-co, criado pela Creative Commons, mediante o qual o autordisponibiliza sua obra intelectual para livre distribuição, cópia, utiliza-ção e até modificação.

Diante disso, ficam evidentes duas relações contratuais diver-sas. A primeira se estabelece entre a entidade Creative Commons e oautor da obra que escolhe um dos modelos de contrato de licenciamentocriados por aquela entidade para divulgar sua obra e, em troca, fazconstar a marca “Creative Commons – CC” expressamente dos ins-trumentos contratuais a serem firmados entre ele e o terceiro interessa-do. A outra relação contratual se constitui entre o autor da obra e oterceiro interessado em utilizá-la. É nesse âmbito que se estabelece ocontrato de concessão da Licença Pública Creative Commons –CCPL.

Trata-se de exemplo típico de contrato de adesão, o qual, emface da dinamização das relações negociais, contradiz o princípio dalivre estipulação pelas partes das condições contratuais e caracteriza-se por admitir que apenas um dos contratantes, no caso em tela, oautor da obra, através de minutas elaboradas pela entidade CreativeCommons, determine previamente o conteúdo das cláusulas do con-trato.

A Creative Commons cria unilateralmente as cláusulas do con-trato, disponibiliza para o autor de qualquer obra, como software, tex-to, música, foto, filme, banco de dados e blog, alguns tipos de licença,cabendo ao autor a escolha da mais adequada de acordo com seusinteresses e a posterior disponibilização da obra a terceiros através do

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contrato de licenciamento elaborado pela entidade. Existe um tipo deCCPL, por exemplo, que veda a utilização da obra para criação deobras derivadas, outra que veda a utilização para fins comerciais.

O autor de determinada obra escolhe um dos tipos de licençadisponíveis e adere às cláusulas contratuais ali contidas. Da mesmaforma, o terceiro que pretende utilizar a obra licenciada, também ade-re às cláusulas contratuais criadas pela Creative Commons. Não hápossibilidade da entidade Creative Commons redigir um modelocontratual específico para um determinado autor, e as modalidades delicença estão pré-estabelecidos. Escolhida a modalidade contratual, ocontrato de licenciamento passa a ter, de um lado, o autor da obra, ede outro, qualquer indivíduo da sociedade que queira fazer uso daobra intelectual disponibilizada.

Para Caio Mário da Silva Pereira (1975, 3. ed, v. 3, p. 65), oscontratos de adesão são aqueles que não resultam de livre debate en-tre as partes, mas provêm do fato de uma delas aceitar tacitamentecláusulas e condições previamente estabelecidas pela outra. É exata-mente o que ocorre com o contrato de concessão da CCPL, ondeinicialmente a entidade Creative Commons redige unilateralmente ascláusulas do contrato de licenciamento, que terá como partes, de umlado, o autor da obra intelectual e de outro, qualquer pessoa que quei-ra utilizar, copiar, distribuir, ou até modificar essa obra. Ressalte-seque esse terceiro também vai aderir ao contrato de licenciamento semter o condão de modificá-lo.

Consoante ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa (2003, v. 2,p. 384), os contratos de adesão surgem como uma necessidade detornar mais rápidas as negociações, reduzindo-se os custos e a inicia-tiva individual. Esses contratos representam um fator de racionalizaçãoda empresa, encontrando o predisponente, um meio para expandir epotencializar sua vontade.

Pelo princípio da força obrigatória, o contrato, uma vez concre-tizado, está sujeito à proteção, podendo, em caso de inadimplemento,sofrer execução judicial nos moldes da lei. Em contrapartida, há oprincípio do equilíbrio contratual, que tem por fundamento vedar pos-síveis disparidades entre as vantagens obtidas pelos contratantes. É

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um meio de proteção à parte hiposuficiente, possibilitando a mitigaçãoda força obrigatória dos contratos, em prol da justiça contratual.

No contrato de adesão, o equilíbrio contratual é assegurado peloartigo 423 do Código Civil de 2002, onde se estatui que na hipótesede haver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias,deve ser adotada a interpretação mais favorável ao aderente. Por ou-tro lado, quando se tratar de direitos autorais, segundo consta do arti-go 4º, da Lei 9.610/98, os negócios jurídicos serão interpretadosrestritivamente. Assim, qualquer obscuridade contratual é sempre in-terpretada de modo a preservar os direitos do autor licenciante. Taldeterminação impossibilita que o predisponente, no caso, a entidadeCreative Commons ou indivíduo que utiliza a obra obtenham vanta-gens em detrimento do autor licenciante.

O Código de Defesa do Consumidor tratava do contrato deadesão no âmbito das relações de consumo, quais sejam, aquelas queenvolvem um fornecedor e um consumidor. Com o novo Código Civil,passou-se a conceber o contrato de adesão nas relações puramentecivis, reconhecendo-se a posição privilegiada de um contratante emrelação ao outro e a configuração da vulnerabilidade do aderente oudo autor licenciante.

Por fim, cumpre salientar que, segundo ensina Maria Helena Diniz(2002, v. 2, p. 38), a força vinculante dos contratos somente poderáser contida pela autoridade judicial em certas circunstâncias excepcio-nais ou extraordinárias, que impossibilitem a previsão de excessivaonerosidade no cumprimento da prestação, requerendo a alteraçãodo conteúdo da avença, a fim de que se restaure o equilíbrio entre oscontratantes.

Outro princípio contratual relevante para a interpretação do con-trato de concessão da CCPL é o da relatividade dos contratos, quedetermina que um contrato só obriga àqueles que dele participam, ouseja, àqueles que estão diretamente ligados ao vínculo negocial e quesejam destinatários de seus efeitos finais. Assim, por esse princípio, aCreative Commons não toma parte na relação contratual existenteentre o autor da obra e o terceiro interessado em utilizá-la, ou seja, aentidade não é parte no contrato de concessão da licença. Ela apenas

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estabelece relação contratual com o autor da obra, através do forneci-mento de um modelo de contrato de licenciamento.

Diante do exposto, tem-se que pelos princípios que regem odireito contratual, aos contratantes é reconhecida ampla liberdade decontratar e de discutir livremente todas as condições contratuais, res-peitadas as considerações de ordem pública e a relatividade de cadarelação contratual. Além disso, na CCPL o equilíbrio contratual e osdireitos autorais deverão ser assegurados através da interpretação dequalquer ambigüidade da maneira mais favorável ao autor licenciante.

4.1 Contrato por clique

Independentemente da deficiência do consentimento quanto àcelebração dos contratos de adesão, outra questão advinda da cele-bração do contrato para concessão da Licença Pública CreativeCommons – CCPL é a manifestação de consentimento da parte ade-rente, ou seja, do autor licenciante ou daqueles que utilizarem a obra,através de recursos digitais.

Trata-se do chamado contrato por clique, presente no ambienteeletrônico, onde a unilateralidade resta evidente, já que apenas umadas partes, no caso sob análise a entidade Creative Commons, redi-ge o texto contratual, muitas vezes com linguagem que dificulta o en-tendimento do aderente, não havendo qualquer contato pessoal entreos contratantes, sequer para o esclarecimento de dúvidas oriundas dopróprio instrumento.

Além disso, o contrato pode ser modificado unilateralmente pelaCreative Commons, sem que o autor licenciante ou o indivíduo ouentidade que utilizarem a obra, figurando como parte no contrato, se-quer percebam, posteriormente à sua adesão, já que tal instrumentofica armazenado digitalmente sob o controle do ofertante. Por causadisso, como alerta Ronaldo Lemos, (2005), uma necessidade imanentede escrutínio paira sobre esses contratos, pois de outro modo seriamcomo um cheque em branco, passíveis de serem modificados a qual-quer tempo, uma vez que a assinatura foi neles posta.

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5 ANÁLISE JURÍDICA DAS CLÁUSULASCONTRATUAIS DA LICENÇA

Serão brevemente analisadas as cláusulas do contrato de con-cessão da Licença Pública Creative Commons – CCPL que podemensejar maiores discussões entre os contratantes ou que apresentammaior relevância para o presente estudo.

5.1 Cláusula de isenção de responsabilidade daentidade Creative Commons pelos danosdecorrentes da adesão à Licença

A entidade Creative Commons afirma expressamente que nãoé parte do contrato de licenciamento e que não faz qualquer garantiarelacionada à obra, não obstante exija que a marca “CreativeCommons – CC” conste expressamente dos instrumentos contratuaisa serem celebrados entre o autor da obra e o terceiro interessado emutilizá-la, distribuí-la, copiá-la ou modificá-la.

Na parte inicial do instrumento contratual, a entidade deixa bemclaro que não é um escritório de advocacia e que a distribuição e ela-boração da minuta contratual por ela não cria qualquer relação entrecliente e advogado, nem a responsabiliza pelas informações veiculadassob o crivo da Licença.

Na verdade, a finalidade para qual foi criada a CreativeCommons é a de tornar cada vez mais irrestrito o acesso à cultura,deixando de lado a rigidez com que os direitos autorais são tratados eprotegidos pela legislação pertinente, de forma a disponibilizar a todasociedade uma determinada obra intelectual. Para a consecução dessefim, tal entidade valeu-se da elaboração de alguns tipos de licença,para que os autores de obras intelectuais que queiram disponibilizá-lasgratuitamente, possam ter apenas alguns direitos reservados, sem queisso deixe de divulgar suas obras.

Ainda sobre o objetivo para o qual foi criada a CreativeCommons, Ronaldo Lemos ensina que tal iniciativa visa fomentar odesenvolvimento de modelos cooperativos, garantindo a criação deum estatuto jurídico e, sobretudo, permitindo que autores, criadores e

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detentores de direitos indiquem ao mundo que não se importam com autilização, distribuição ou modificação de suas obras por outraspessoas.

O autor da obra escolhe o tipo contratual que pretende utilizar,dentre aqueles pré-estabelecidos pela Creative Commons e disponi-biliza sua obra para a coletividade. Caso algum indivíduo ou entidadevenha a utilizá-la, automaticamente concordará com os termoscontratuais impostos pelo autor da obra, mas criados pela CreativeCommons.

Assim, pode observar-se que a entidade Creative Commons,de fato, não participa do contrato de licenciamento. Ela apenas forne-ce ao autor algumas minutas contratuais, para que o mesmo disponibilizesua obra no ambiente digital, formando-se relação contratual entre oautor da obra e aquele que pretende utilizá-la. A função da CreativeCommons é bem semelhante à de um advogado, não obstante nãosejam exigidos honorários do autor da obra intelectual, mas apenas aveiculação do nome da entidade no contrato de licenciamento.

A exigência de que a marca “Creative Commons – CC” consteexpressamente dos instrumentos contratuais a serem celebrados entreo autor da obra e o terceiro interessado em utilizá-la torna clara arelação jurídica existente entre a entidade Creative Commons e oautor da obra que lançou mão dos modelos contratuais criados porela.

Por outro lado, observe-se que a Creative Commons não seresponsabiliza perante o indivíduo que pretende utilizar a obra, pelasinformações veiculadas pelo autor sob o crivo da licença. Tal determi-nação encontra respaldo na legislação pátria, já que a entidade não fazparte da relação contratual existente entre o autor da obra e o terceirointeressado em utilizá-la, distribuí-la, copiá-la ou modificá-la.

A relação obrigacional estabelecida entre o autor e esse terceiro,conforme consta do princípio da relatividade dos contratos, não al-cança a entidade Creative Commons, até porque numa das cláusulasdo contrato de licenciamento, o autor da obra garante com base noseu melhor entendimento e após investigação razoável, que sua obranão infringe direito autoral, direito de marca, ou qualquer outro direito,

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nem constitui difamação, invasão de privacidade ou dano ilícito contraterceiros.

5.2 Cláusula de vedação da utilização das informaçõesprotegidas por direitos autorais para fins comerciais

Um dos tipos de instrumento contratual oferecido pela CreativeCommons para concessão da Licença estabelece que aquele que ti-ver acesso à obra disponibilizada pelo licenciante, poderá reproduzi-la, incorporá-la em obras coletivas, criar e reproduzir obras derivadas,distribuir cópias ou gravações da obra original ou derivada e exibir ouexecutar publicamente a obra original ou derivada.

Por outro lado, veda-se o exercício de tais direitos em caso deutilização da obra com intenção de se auferir vantagens comerciais oucompensação monetária privada. Contudo, tal restrição pode ser con-siderada abusiva, já que o direito autoral protege a manifestação dasidéias e não as idéias propriamente ditas.

Assim, pode-se utilizar a obra para qualquer finalidade, inclusi-ve a comercial; existindo vedação legal apenas quanto à reproduçãoda forma de expressão das idéias presentes na obra e sua contrafaçãoem outros meios sem autorização do autor original. Para Lemos (2005,p. 157), tais disposições devem ser reconhecidas como nulas de plenodireito, por razões de direito e de política pública.

5.3 Cláusula de compartilhamento pela mesma Licença

Assim como a cláusula contratual que veda a utilização da obralicenciada para fins comerciais, a cláusula que prevê o compartilhamentopela mesma licença é optativa, ou seja, está presente em um dos tiposda licença oferecida pela Creative Commons.

Por essa cláusula, o autor impõe àquele que utilizar sua obrapara criação de obra derivada, o dever de disponibilizar a derivaçãoao público através da Licença Pública Creative Commons – CCPL.

Não obstante a obra derivada constitua criação intelectual nova,o autor da obra originária, ou seja, aquela cuja transformação deuorigem à obra derivada, poderá condicionar a utilização de sua obra à

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manutenção da Licença. Nesse caso, caberá àquele que pretende de-rivar a obra concordar com o ônus imposto pelo autor original, já queeste é detentor do direito autoral protegido pela Lei 9.610 de 19 defevereiro de 1998, e caso queira dispor desse direito, poderá fazê-loimpondo certas condições. Ressalta-se que isso não interfere em di-reito daquele que pretende derivar a obra originária, tendo em vistaque a derivação depende de aquiescência do autor original e essa con-cordância só existirá, caso o terceiro obedeça às condições estabele-cidas pelo autor.

Verifica-se que a exigência de compartilhamento pela mesmalicença tem por objetivo garantir que a sociedade em geral continue ater acesso gratuito à cultura, através de sua obra e das derivações quepossam vir a ser construídas sobre ela, não permitindo que o autor daobra derivada passe a exigir autorização prévia para que sua obra sejautilizada.

5.4 Cláusula de adequação da Licença à legislaçãopertinente

Ressalte-se que o próprio texto contratual estatui que se algumadisposição da Licença for inválida ou não-executável em face da legis-lação a ela aplicável, proceder-se-á à reforma na mínima extensãonecessária para que a disposição se torne válida e executável, sem queisso invalide ou torne inexeqüíveis os demais termos da Licença.

Tal cláusula submete expressamente a Licença Pública CreativeCommons – CCPL às determinações legais do Código Civil que asse-guram o equilíbrio contratual e a proteção do autor licenciante hiposu-ficiente, bem como deixa de eliminar a possibilidade de utilização daobra licenciada para fins comerciais, já que as Leis 9.609/98 e 9.610/98 não manifestam restrições nesse sentido.

6 CONCLUSÃO

O direito autoral se caracteriza por dois aspectos: o moral – quegarante ao criador o direito de ter seu nome impresso na divulgação desua obra e o respeito à integridade desta, além de lhe garantir os direi-

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tos de modificá-la, ou mesmo impedir sua circulação e o patrimonial –que regula as relações jurídicas da utilização econômica das obras in-telectuais.

Corretamente estabelecidos tais direitos, pois a obra é fruto dotrabalho do autor, como tal, deve ser garantida a sua exploração ereconhecimento a título originário de seu criador. Uma vez que a obraoriginal seja transformada sem o prévio consentimento do autor, sejaatravés de contrato de cessão de direitos, seja através da CCPL, serátransformada em uma obra derivada ilícita e pode suscitar medidascabíveis por parte do autor para assegurar os seus direitos.

A Internet, por não possuir um proprietário definido, exige umaanálise complexa no que tange a propriedade intelectual das produzi-das em meio à explosão da produção cultural que ela permite, e aosnovos conceitos de comercialização. Qualquer usuário pode acessá-la, copiar arquivos, transformá-los, reenviá-los. Nesse caso, como ficao direito do autor?

O importante a ressaltar é que todas as obras intelectuais, mes-mo digitalizadas, não perdem sua proteção, portanto, não podem serutilizadas sem prévia autorização.

Apesar de qualquer pessoa que tenha acesso à Internet poderinserir nela material e qualquer outro usuário poder acessá-lo, os direi-tos autorais continuam a ter sua vigência no mundo virtual, da mesmamaneira que no mundo físico.

O autor tem todo o direito de autorizar a reprodução de suaobra no meio que quiser, incluindo aí a Internet. O que se questiona éo que o usuário pode fazer com esse material.

A grande facilidade de reprodução e distribuição de cópias semautorização a facilidade de criar “verdadeiras” obras derivadas atra-vés da digitalização e a facilidade de utilização de textos e imagensoferecidos pela Internet de forma ilegal são alguns dos vários modosde como os direitos autorais são burlados.

Assim como a cópia reprográfica é um crime, as violações dosdireitos autorais pelos usuários da Internet estão se tornando igual-mente comuns, de modo que quase ninguém acredita num controlelegal, ainda mais sem uma legislação própria.

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Todas essas violações seriam permitidas se fosse pedida a auto-rização ao titular dos direitos. Para que isso aconteça é preciso que secriem leis claras tornando o licenciamento menos oneroso.

A Internet está criando um verdadeiro caos à medida que rom-pe qualquer barreira, pois torna a proteção aos direitos autorais obso-leta. É preciso, portanto, que se crie um código universal plenamentefuncional. Do contrário, vamos continuar nos perguntando: “de quem éa responsabilidade sobre os direitos autorais na Internet?”, e não dan-do nenhuma solução satisfatória.

E, como demonstra Gandelman, a experiência e o tempo é queindicarão os caminhos a seguir e fornecerão as molduras jurídicasatualizadas pela nova cultura, no que se refere à proteção justa dosdireitos autorais.

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A INFORMAÇÃO EM OBRA LITERÁRIACOMO OBJETO DA RELAÇÃO DE CONSUMO

KELLE GRACE MENDES CALDEIRA E CASTRO

MARIZA ALVES RIBEIRO

VALÉRIA DUARTE COSTA

CYNTHIA BELÉM

Consumidor – Direito Autoral – Informação– Liberdade De Expressão

CARLOS ALBERTO ROHRMANN.Professor da Faculdade de Direito Milton Campos

– Artigo escrito sob a orientação de pesquisado Professor Carlos Alberto Rohrmann.

Sumário

1. Introdução. 2. A relação de consumo e o direitoà informação. 3. Direito autoral: a liberdade de ex-pressão e a proteção autoral. 3.1. Obras protegi-das e escopo da proteção. 3.2. A informação cons-titui elemento integrante da tutela à originalidadeconferida pelo direito autoral? 4. Colisão entre odireito fundamental do consumidor à informaçãocom a liberdade de expressão do autor. 4.1. Con-ceito e característica dos princípios fundamentais.4.2. Interpretação dos direitos fundamentais do con-sumidor à informação e da liberdade de expressãodo autor. 5. Conclusão. 6. Referência bibliográfica.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 195-220 2005

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KELLE GRACE M. C. / MARIZA A. R. / VALÉRIA D. COSTA / CYNTHIA B.

ResumoO presente artigo tem por objeto o estudo da informação em

obra literária como objeto da relação de consumo.Em um primeiro momento, os autores percorrem o direito do

consumidor, a fim de definir os elementos integrantes da relação deconsumo e como a informação é tratada por tal ramo do direito, ca-racterizando-se como um bem jurídico protegido pelo mesmo.

Posteriormente, o estudo enfoca o direito autoral, pois este pro-tege a obra literária, enquanto fruto da liberdade de expressão. O tra-balho, nesta etapa, busca diferenciar a informação incluída em obraliterária da liberdade de expressão, já que somente a última é protegi-da pelo direito de autor.

A partir das análises precedentes, observa-se a existência deum conflito entre a liberdade de expressão e o direito à informação apartir do momento em que o autor divulga informações errôneas emsua obra literária. Assim, surge o problema de se determinar qual odireito deve preponderar: o direito do consumidor à informação clara,precisa e verdadeira ou a plena liberdade de expressão conferida aocriador de espécie literária.

Finalmente, através da nova hermenêutica constitucional, comenfoque no princípio da proporcionalidade, os autores apresentamsoluções para harmonizar, em um caso concreto, os princípios funda-mentais referentes à liberdade de expressão e o direito do consumidorà informação verdadeira.

AbstractThis article’s purpose is to study the information in literature

composition as an object of the consume act.At first, the authors deliberate through customer’s rights, as intent

to define the elements taking part of this association and how theinformation is handled according to the law, characterizing itself as ajuridical good and secured as such.

Subsequently, the study focuses on the authorial law, seeing thatit defends the literal act, while representing freedom of speech. Thecomposition, at this juncture, attempts to make a distinction betweenthe information integrated in literal act on freedom of speech, sincebasically the last one is protected by the author’s rights.

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A INFORMAÇÃO EM OBRA LITERÁRIA COMO OBJETO DA RELAÇÃO ...

As of the following analyses, it is possible to determine theexistence of a conflict involving freedom of speech and the right toinformation from the moment the author notifies erroneous informationon its literal act. Hence the problem of determining which matter shouldbe considered: the costumer’s right to clear information, precise andtruth or plain freedom of speech trusted to the author of literal species.

Finally, through new constitutional hermeneutics, focused on theproportion principles, authors present solutions to harmonize, on atangible case, the fundamental doctrine referring to freedom of speechand costumer rights and accurate information.

1 INTRODUÇÃO

A informação, consagrada como direito fundamental, segundoprevisão constitucional, é assegurada a todos através da prerrogativade divulgar informações, de se informar e de ser informado, consoanteo art. 5°, incisos, IX, XIV e XXXIII, respectivamente1. Ademais, dis-tingue-se por ser um bem jurídico de crescente valor econômico, àmedida que integra o ciclo de produção e interfere diretamente na re-lação de consumo.

Neste sentido, o presente artigo examina a informação inseridano conteúdo de uma obra literária ao considerar que a mesma constituium produto diferenciado pois, ao mesmo tempo em que é asseguradoao autor o direito de dispor livremente de sua expressão2, o seu exer-cício encontra limitações diante da natureza econômica do bem que osubordina às regras de mercado.

O trabalho analisa a colisão existente entre o direito à liberdadede expressão e o direito do consumidor à informação verdadeira. Busca

1 Constituição Federal: Art. 5º (...): IX- é livre a expressão da atividade intelectual,artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;(...) XIV- é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,quando necessário ao sigilo profissional;(...) XXXIII- todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seuinteresse particular, ou de interesse coletivo em geral, que serão prestadas no prazoda lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescin-dível à segurança da sociedade e do estado.

2 Constituição Federal: Art. 5º, IX.

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demonstrar a abrangência da responsabilidade que o autor de obraliterária possui sobre a informação divulgada ao consumidor, postoque os dois direitos estão inseridos entre as garantias fundamentaisconstitucionais, encontrando-se na mesma linha hierárquica.

Neste diapasão, estuda a relação de consumo e o direito deinformação previstos no Código de Defesa do Consumidor. Trata acercada tutela conferida pelo direito autoral às obras literárias, bem como sea informação constitui elemento integrante da referida proteção ao di-reito do autor. Aborda, ainda, a relação entre a proteção constitucio-nal à liberdade de expressão e o direito do consumidor à informação.

A pesquisa compreende uma construção inicial sobre a respon-sabilidade do autor em relação ao consumidor, no tocante às informa-ções fáticas lançadas em seu trabalho intelectual, sem, contudo, esgo-tar o tema. Percorre o sistema de princípios e a teoria dos direitosfundamentais, com aplicação da nova hermenêutica constitucional aotema proposto, e a informação em obra literária como objeto da rela-ção de consumo.

2 A RELAÇÃO DE CONSUMO E O DIREITO ÀINFORMAÇÃO

A sistematização da tutela ao consumidor, em observância aomandamento constitucional expresso no art. 5º, XXXII3, trouxe umanova dimensão àquelas relações entre sujeitos que se encontram empólos distintos, uns colocando produtos e serviços à disposição domercado e outros os adquirindo. Nesta concepção, a Lei 8.078/90instituiu um regulamento de alta proteção à figura do consumidor, sali-entando-se a adoção, pelo legislador, do método conceitual, atravésda especificação dos entes que integram a relação jurídica de consumo.

O texto legal individualiza as figuras do consumidor e fornece-dor, sendo o primeiro definido como toda pessoa física ou jurídica queadquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (art. 2o),conceito entendido àqueles que, mesmo indetermináveis, expõem-se à

3 Art. 5º, XXXII O Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor.

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relação de consumo e o segundo, conforme interpretação de VidalSerrano e Yolanda Alves Serrano como sendo “a pessoa física ou jurí-dica, pública ou privada, estrangeira ou nacional, inclusive os entesdespersonalizados que desenvolvem atividades de produção”4. Emrelação à designação do fornecedor5, o legislador optou por trazeruma concepção ampla, englobando um grande número de atividadescomo fornecedoras de produtos e serviços compreendidos na relaçãode consumo, com o fim de garantir que a relação jurídica instauradaseja assegurada para toda e qualquer compra e venda.

O arcabouço legal previsto no estatuto consumerista inseriu anoção de consumidor, não para distingui-lo como parte debilitada nacadeia econômica de produção, mas aquele que possui necessidades,capacidade de escolha, interesses e, conseqüentemente, merece trata-mento apropriado para o estabelecimento de um vínculo equilibrado.

No contexto da lei também não se pode olvidar a determinaçãodo sentido de destinatário final, que se integra ao conceito de consumi-dor, pois, segundo lição de Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery6,a relação de consumo tem como um de seus elementos o teleológico,consistente na finalidade com que o consumidor adquire o produto ouutiliza o serviço, isto é, como destinatário final. Assim, retira da cadeiade produção um bem ou produto, mas sem o intuito de revenda.

O diploma também precisa mencionar o que é produto e servi-ço7, este determinado como qualquer atividade prestada no mercadode consumo, mediante remuneração, aqui considerada no sentido am-plo, integrando nesta categoria a remuneração indireta. Sobre o tema,Rizatto Nunes8 leciona que o consumidor está sempre arcando com oscustos do serviço que usufrui, mesmo que não pague diretamente porele. O ônus é repassado ao consumidor e embutido no preço do ser-viço ou produto efetivamente pago. A referida circunstância se dá, por

4 Nunes Júnior, Vidal Serrano; Pinto Serrano, Yolanda Alves. Código de defesa doconsumidor interpretado, p.19.

5 Art. 3o. da Lei 8078/906 Nery Junior, Nelson Nery; Andrade Nery, Rosa Maria. Código de Processo Civil

anotado e legislação processual extravagante em vigor.7 CDC Art. 3o. §§1o. e 2 o

8 Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo Saraiva, 2004.

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exemplo, no estacionamento gratuito oferecido por um supermercado,cujo custo encontra-se diluído em outros produtos ofertados. Infere-se, deste modo, que a remuneração nem sempre significa valordespendido na aquisição do serviço ou bem.

Em relação ao produto, a noção encontra uma vinculação à idéiade bem, que pode ser móvel ou imóvel, e ainda material ou imaterial. Quanto à classificação dos bens em móveis ou imóveis, materiais ouimateriais, segundo disposto no art. 79 do CC, são imóveis “o solo etudo o quanto nele se incorporar natural ou artificialmente”. Emcontrapartida, bens móveis são as coisas susceptíveis de movimentopróprio ou de remoção por força alheia (art. 82 do CC). EduardoGabriel Saad9 ensina que “bem incorpóreo ou imaterial é aquele decaráter abstrato ou ideal ao qual a lei atribui valor econômico, como,por exemplo, a propriedade literária ou científica, o gozo de uma pa-tente ou marca”.

Diante dos elementos integrantes de uma relação de consumo,atenta-se que a preocupação da lei é garantir uma tutela integral, assu-mindo o Estado uma função regulatória, na medida que cria aparatosadministrativos e judiciais para assegurar a observância do preceitonormativo.

Dentre os elementos que integram a relação de consumo desta-cam-se, ainda, as inúmeras informações que são oferecidas ao consu-midor na tentativa de induzi-lo no seu direito de escolha. Diante de ummercado cada vez mais competitivo que disputa a preferência do con-sumidor, o mesmo se encontra exposto a todo tipo de projeção a res-peito de um ideal que nem sempre reflete a realidade. Ademais, pelofato de os produtos exigirem um conhecimento técnico mais comple-xo, é necessário um maior compromisso daqueles que emitem as in-formações.

Segundo preleciona Paulo Luiz Neto Lobo10:

9 Saad, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.10 Lobo, Paulo Luiz Neto . A informação como direito fundamental do consumidor.

p.62.

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O consumidor é vulnerado às distintas técnicas de comunica-ção. A informação é mercadoria para a indústria de comunica-ção. As informações são bens que as pessoas podem trocar.Nessa hipótese, quem comunica assume a posição de fornece-dor, na relação de consumo. O direito à informação no âmbitodo direito do consumidor é direito à prestação positiva oponívela todo aquele que fornece produtos e serviços no mercado deconsumo.

A referida pretensão positiva atribuída ao fornecedor decorreda obrigação que este tem em relação aos produtos e serviços ofere-cidos ao consumidor, vinculando-o às informações relativas ao seuconteúdo e que constituem elemento integrante do contrato que vier aser celebrado.

Neste diapasão, o Código de Defesa do Consumidor tutela odireito à informação na medida que reconhece direitos e cria mecanis-mos para minimizar a vulnerabilidade do consumidor nas inúmeras ver-tentes da relação de compra.

O consumidor, como titular de direito à informação, tem direitoque a mesma preencha três requisitos: a adequação, a suficiência e averacidade. A ausência de qualquer deles pressupõe descumprimentodo dever de informar.

O acesso à informação adequada pressupõe que o consumidortenha conhecimento claro e preciso sobre o produto colocado no mer-cado ou do serviço oferecido, suas características, qualidades e ris-cos, dentre outros, para que possa fazer uma escolha conforme seusdesejos e necessidades.

A suficiência relaciona-se à exposição de dados que permitamao comprador conhecer as características essenciais dos bens e dosserviços ofertados, proporcionando uma utilização segura e com intei-ra satisfação, bem como garantindo o direito a exigir reparação deeventuais danos resultantes dos mesmos.

A veracidade como elemento integrante do direito à informaçãopressupõe a necessidade de o produto e de o serviço corresponderemàs suas reais características, além dos dados corretos acerca da com-posição, conteúdo, prazo, preço, garantias e riscos. A informação que

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não seja verdadeira, induzindo o consumidor a erro, é consideradaenganosa e sua prática é expressamente vedada por lei com a respec-tiva responsabilização do fornecedor.

Na sistemática implantada pelo Código de Defesa do Consumi-dor a informação representa elemento integrante da relação de consu-mo que não pode ser dispensada, configurando direito básico e princí-pio fundamental do consumidor11. Neste sentido o artigo 30 da leiprevê que “toda informação ou publicidade suficientemente preci-sa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação comrelação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obrigao fornecedor que a fizer veicular ou dele se utilizar e integra ocontrato que vier a ser celebrado”.

A informação e a publicidade estão diretamente vinculadas, po-rém, existe uma distinção qualitativa da chamada informação no senti-do estrito. Ao tratar sobre o tema, Paulo Luiz Neto Lobo12 discorreque:

A publicidade tem por fito atrair e estimular o consumo, enquan-to a informação visa a dotar o consumidor de elementos obje-tivos de realidade que lhe permitam conhecer os produtos e ser-viços e exercer suas escolhas. Sem embargo da distinção, ambassão espécies do gênero informação, incidindo o dever de in-formar.Afirmou-se acima, que a informação obriga. Esclareça-se queobriga o fornecedor, pois o dever de informar de modo adequa-do, suficiente e veraz decorre da atividade que exerce.

Portanto, a informação constitui componente necessário e es-sencial ao produto e ao serviço e é considerada parte integrante daatividade econômica exercida pelo fornecedor, vinculando-o. Ademais,ela deve preencher os seguintes requisitos: adequação, suficiência everacidade.

11 Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor.12 Lobo, Paulo Luiz Neto . A informação como direito fundamental do consumidor,

p.71.

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3 DIREITO AUTORAL: A LIBERDADE DEEXPRESSÃO E A PROTEÇÃO AUTORAL

3.1 Obras protegidas e escopo da proteção

Carlos Alberto Bittar13 define o direito de autor ou direito auto-ral como o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas,advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuaisestéticas e compreendidas na literatura, nas artes e na ciência.

Segundo o citado autor14, as relações regidas por este direito nas-cem com a criação da obra, exsurgindo, do próprio ato criador, direitosrespeitantes à sua face pessoal (como os direitos de nominação, de inte-gridade da obra, de modificação da obra, entre outros) e, de outro lado,com sua comunicação ao público, manifestam-se os direitos patrimoniais(como, por exemplo, o direito de reprodução da obra, de gravação, deinserção em fita, de inserção em filme, de execução e outros).

Pode-se dizer também que direito autoral é um conjunto de prer-rogativas de ordem não patrimonial e de ordem pecuniária que a leireconhece a todo criador de obras literárias, artísticas e científicas dealguma originalidade, no que diz respeito à sua paternidade e ao seuulterior aproveitamento, por qualquer meio durante toda a sua vida eaos sucessores, ou pelo prazo que o dispositivo legal fixar 15.

O titular do direito autoral é o autor, pessoa física ou pessoajurídica quando a lei permitir. A pessoa jurídica não escreve, não pinta,não canta, mas pode ser titular do direito por cessão ou outra disposi-ção legal16.

As obras protegidas pelo direito autoral são as destinadas à trans-missão de conhecimentos ou à sensibilização, como por exemplo, asobras de caráter estético, que se inscrevem na literatura (poema, ro-mance etc), nas artes (escultura, pintura, filme cinematográfico etc) ounas ciências (relato, tese, descrição de pesquisa, demonstração escri-ta, bula medicinal).

13 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor.p. 8.14 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. p.8.15 (http://www.unimep.br/fd/ppgd/cadernosdedireitov11/16_Artigo.html)16 http://www.amigosdolivro.com.br/materias.php?cd_secao=402&rnd=246)

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Na composição dos direitos autorais existe uma divisão entre osdireitos morais e direitos patrimoniais. São direitos morais de autor: odireito ao inédito, o direito de ter seu nome sempre vinculado à obra, odireito de se opor a quaisquer modificações que nela se pretenda intro-duzir, entre outros. São direitos patrimoniais de autor, os de fruir e dis-por publicamente da obra do modo que convier a seu titular, observa-do os preceitos de ordem pública. São exemplos: os direitos de repro-dução, de transformação de obra em outra de gênero diferente, direi-tos de inclusão de música em filme, direito de seqüência na compra evenda de obra de arte. Assim, em relação ao aspecto patrimonial dodireito autoral, o autor tem o direito de usar, fruir e dispor da sua criação.

Sob o aspecto pessoal, pontifica Daibert, direito autoral é o di-reito em virtude do qual se reconhece ao autor a paternidade da obra,em razão de ser ela sua criação, sendo, portanto, inseparável do seuautor, perpétuo, inalienável, imprescritível, impenhorável, já que é atri-buto da personalidade do seu criador. Esse direito designa-se comodireito moral do autor, uma vez que não se subordina às normas queregem sua exploração econômica. Sob o prisma patrimonial, apresen-ta-se como um direito de utilizar economicamente a obra, publicando-a, difundindo-a, traduzindo-a etc. No seu conteúdo ideal permaneceinseparável do autor, mesmo que este ceda a alguém o direito deexplorá-la economicamente17.

O objetivo do direito de autor, segundo Carlos Alberto Bittar18,é a disciplina das relações jurídicas entre o criador e sua obra, emfunção, seja da criação (direitos morais), seja da respectiva inserçãoem circulação (direitos patrimoniais) e, frente a todos os que vieremingressar no circuito correspondente (v.g. o Estado, a coletividade comoum todo, o explorador econômico, o usuário, o adquirente de umexemplar).

Destarte, são as emanações da mente humana nas artes, na lite-ratura e na ciência que recebem a proteção do direito autoral. O direi-to autoral protege a expressão original de idéias e reserva para seusautores o direito exclusivo de reproduzir seus trabalhos.

17 (http://www.unimep.br/fd/ppgd/cadernosdedireitov11/16_Artigo.html)18 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor.p.17.

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No que diz respeito à legislação brasileira sobre direito do au-tor, o art. 7° da Lei 9.610/98 define as obras intelectuais que são pro-tegidas pelo direito autoral19.

Dessa forma, são protegidas pelo direito autoral todas as obrasque expressam uma criação original do espírito, como diz a lei 9.610/98, tais como romances, crônicas, livros didáticos, músicas (composi-ção e letra), fotografias, desenhos, pintura, gravura, traduções20.

O mesmo diploma legal estabelece, em seu art. 8°, que determi-nadas criações não são abrangidas pela proteção do direito autoral,como se infere do dispositivo legal21.

19 “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas porqualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ouque se invente no futuro, tais como:I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;III - as obras dramáticas e dramático-musicais;IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escritoou por outra qualquer forma;V - as composições musicais, tenham ou não letra;VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao dafotografia;VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia,topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresenta-das como criação intelectual nova;XII - os programas de computador;XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases dedados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteú-do, constituam uma criação intelectual.”

20 http://www.amigosdolivro.com.br/materias.php?cd_secao=402&rnd=246)21 “Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitosmatemáticos como tais;II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informa-ção, científica ou não, e suas instruções;IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisõesjudiciais e demais atos oficiais;V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros oulegendas;VI - os nomes e títulos isolados;VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.”

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Não são protegidos pelo direito autoral: idéias, normas, siste-mas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos, formulários em bran-co para completar ou corrigir, sentenças, leis, tratados internacionais,decretos, regulamentos – todos os atos oficiais, nomes e títulos, infor-mações de uso comum (calendários, agendas)22 .

Carlos Alberto Bittar, ao analisar o art. 8° da Lei 9.610/98, in-forma que essas limitações dizem respeito a exigências da vida públi-ca, a conotações didáticas ou científicas (como as citações).

“São, entre outros, exemplos de obras que podem ser utilizadaslivremente em decorrência de expressa isenção legal por refleti-rem mais os direitos de todos (sociedade), à informação e aoconhecimento do que o direito individual do titular: a reprodu-ção de texto jornalístico, com referência à fonte (nome do arti-culista e do periódico); a reprodução em jornais ou revistas dediscursos públicos; a reprodução, em um só exemplar, de tre-chos de obra publicada para uso privado; a citação para fins deestudo ou crítica com referencia à fonte (nome do autor e ori-gem da obra); o apanhado de aulas e lições para uso pessoal doaluno (nada a ver com apostilas); a utilização das obras nos es-tabelecimentos comerciais que às expõem à venda. O uso deobras protegidas para fim de paródias e paráfrase é livre, desdeque não lhe impliquem descrédito, isto é, que não atinjam a hon-ra do autor, ou desqualifiquem a obra. Neste ponto é precisomuito cuidado por parte de todos que orbitem em torno de umproblema dessa natureza, porque está em jogo a liberdade deexpressão. E, finalmente, como já adiantado, há um campo deverdadeira imunidade a qualquer proteção da caráter autoral: éo das idéias, dos conceitos, dos métodos, dos sistemas, doscálculos, dos projetos. O resultado material dessas idéias, mé-todos etc., isto é, sua expressão fixada em base corpórea, con-creta, palpável é que é protegido pela lei autoral e não as idéias,os projetos, os métodos, os cálculos em si. Exemplifica-se: olivro de ensino de matemática é de criação de determinado au-

22 Texto extraído do sítio: http://www.amigosdolivro.com.br/materias.php?cd_secao=402&rnd=246)

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tor, mas não os cálculos embutidos em cada exercício. O direitoautoral não cobre qualquer idéia ou conceito existente por de-trás de uma obra criada. A lei acrescenta ao campo da imunida-de os formulários, a reprodução de textos de lei e de decisõesjudiciais, informações de uso comum como calendários, legen-das e nomes, e títulos isolados das obras. Aqui vigora o não-direito autoral, onde não há propriedade de ninguém, onde po-dem todos transitar independentemente de qualquer autoriza-ção. O contrário seria obstar o desenvolvimento das artes e daciência, o que não se concebe.23”

A partir da análise dos dispositivos legais citados, conclui-seque o direito autoral não protege a idéia em si, senão a partir do mo-mento em que são inseridas e entrelaçadas em formas literárias (poe-mas, cantos, romances etc), artísticas (pinturas, esculturas, filmes etc)e científicas (estudos, pesquisas, pareceres etc). Dessa forma, a obraque é protegida pelo direito autoral é aquela exteriorização do pensa-mento humano, inserida no mundo fático em forma ideada e materiali-zada pelo autor. Além disso, há um aspecto de suma importância quedeve ser considerado ao se determinar o objeto do direito autoral: aobra deve resultar da atividade criadora do autor, ou seja, deve seroriginal.

Carlos Alberto Bittar24 assim se manifesta acerca da originalida-de como requisito básico para se determinar o objeto do direito deautor:

“Cumpre, a par disso, haver originalidade na obra, ou seja, deveser integrada de componentes individualizadores, de tal sorte anão se confundir com outra preexistente. Há que ser, intrínsecaou extrinsecamente, diferente de outras já materializadas. Deverevestir-se de traços ou de caracteres próprios, distintos de ou-tros já componentes da realidade.

23 © por Eliane Yachou Abrãohttp://www.direitoautoral.com.br

24 BITTAR, Carlos Alberto. op. cit. p. 23.

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Mas esse conceito deve ser entendido em termos objetivos: aidentificação de elementos criativos próprios faz entender-se original aobra. A tendência, a propósito, é a de proteção de toda e qualquerobra estética, desde que individualizada por essência própria.

Ademais, apresenta a originalidade caráter relativo, não se exi-gindo, pois, novidade absoluta, eis que inexorável é, de um ou outromodo, o aproveitamento, até inconsciente, do acervo cultural comum.Basta a existência, pois, de contornos próprios, quanto à expressão ecomposição, para que a forma literária, artística ou científica ingresseno circuito protetor do Direito de Autor.”

Mais uma vez, ressalta-se que, a obra, além de ser original, deveser exteriorizada pela palavra oral ou escrita, ou através de gestos,sinais ou traços, sons, imagens, figuras ou pela combinação de um oumais meios de expressão, a fim de que possa receber a proteçãoconferida pelo direito autoral. Além disso, a própria lei sobre o direitode autor estabelece, em seu artigo oitavo, já citado anteriormente, umelenco de obras que não constituem objeto do direito autoral.

Carlos Alberto Bittar25 assim define os requisitos necessáriospara que uma obra possa receber a tutela do direito autoral:

“No plano atual, podemos, à luz das observações feitas, as-sentar as orientações básicas quanto à proteção de obras inte-lectuais: as exigências centrais, para a inclusão, são: a) a funçãoestética da obra; e b) a sua originalidade, apartando-se, assim,de sua regência, as obras puramente técnicas e as despidas decaracterísticas individualizadoras próprias”.

3.2 A informação constitui elemento integrante datutela à originalidade conferida pelo direito autoral?

O objetivo deste tópico é analisar se a informação pode serincluída entre os objetos do direito autoral. Examinar, assim, se a infor-mação constitui, ou não, objeto do direito de autor.

25 BITTAR, Carlos Alberto. op. cit. p. 31.

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Já restou demonstrado que o direito autoral protege a expres-são do pensamento desde que esta constitua uma idéia criativa, origi-nal. Assim, o direito autoral não protege toda e qualquer forma deexpressão. A idéia transmitida, para subordinar-se à tutela do direitode autor, deve ser original. Ainda que não seja uma inovação absoluta,ela deve apresentar, pelo menos, uma nova leitura sobre um fatopreexistente.

Pode-se afirmar que a informação é uma das espécies de mani-festação do pensamento. Mas será que a informação pode ser incluídana proteção que o direito autoral fornece para determinadas obras,frutos da liberdade de expressão?

Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho fornece preci-osa lição acerca da diferenciação entre informação e expressão, des-tacando que26:

“Todos os autores, citados, mesmo os que, adotam uma disci-plina comum entre expressão e informação, deparam-se com,pelo menos, uma distinção importante entre os dois institutos: averacidade e a imparcialidade da informação. E é, justamente,em razão dessa distinção fundamental que se deve pensar emum direito de informação que seja distinto em sua natureza daliberdade de expressão. Enquanto que a expressão de uma idéia,uma opinião, um pensamento, não encontra, necessariamente,qualquer apego aos fatos, à veracidade, à imparcialidade, atri-butos que não lhe cumpre preencher, a informação, como bemjurídico que é, não pode ser confundida como simples manifes-tação do pensamento. Quem veicula uma informação, ou seja,quem divulga a existência, a ocorrência, o acontecimento de umfato, de uma qualidade, ou de um dado, deve ficar responsávelpela demonstração de sua existência objetiva, despida de qual-quer apreciação pessoal.

26 CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho, A informação como bem deconsumo.

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(...)A distinção parece de pequena monta, mas não é. Especial-mente nos dias de hoje, em que a informação é massificada,em se multiplicam os meios de comunicação social, em que aInternet permite uma comunicação extremamente ágil entrepessoas de países distantes, em que o indivíduo é bombarde-ado por tantas informações, é que se torna imprescindível pre-servar o sentido crítico de cada um, de modo que a pessoapreserve sua capacidade de avaliar as situações que lhe sãoobjetivamente postas e de emitir um juízo de valor que sejaseu, que seja produto de suas próprias reflexões.Por isso é importante sistematizar, de um lado, o direito de in-formação, e, de outro, a liberdade de expressão. No primeiroestá apenas a divulgação de fatos, dados, qualidades, objetiva-mente apurados. No segundo está a livre expressão do pensa-mento por qualquer meio, seja a criação artística ou literária,que inclui o cinema, o teatro, a novela, a ficção literária, as artesplásticas, a música, até mesmo a opinião publicada em jornal ouem qualquer outro veículo.”

Dessa forma, restam estabelecidas diferenças, ainda que tê-nues, entre informação e expressão. A primeira é objetiva, impar-cial, transmite fatos objetivamente apurados. A segunda é subje-tiva, contém opiniões, juízos de valoração, manifestação de idéi-as, sem necessidade de correspondência com a realidade, comfatos específicos.

Conclui-se, então, que a informação é uma das espécies de ex-pressão do pensamento. No entanto, a informação não se confundecom o objeto do direito autoral, já que este tutela a expressão originalde idéias. Conforme exposto, o direito autoral protege a manifestaçãocriativa do intelecto e não a informação considerada em seu sentidoestrito, qual seja, forma de divulgação de fatos, dados, qualidades,apurados de forma objetiva. Mais uma vez ressalte-se que a informa-ção deve estar atrelada à veracidade, à objetividade, sendo essa umaobrigação daquele que a transmite à coletividade.

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4 COLISÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTALDO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO COM ALIBERDADE DE EXPRESSÃO DO AUTOR

O estudo de institutos jurídicos sob o aspecto principiológicoexige um exame criterioso quando seus fundamentos requerem con-dutas diversas, ensejando uma colisão de princípios27. Numa or-dem pluralista, é normal. Os princípios abrigam decisões, valoresou mandamentos diversos28. No que concerne ao direito do consu-midor à informação verdadeira e a liberdade de expressão do au-tor, infere-se que são princípios erigidos à categoria de direitosfundamentais na Constituição Federal, nos termos do art. 5º, incisosIX e XXXII.

Ambos, quando se encontram, são válidos, e o critério paradefinir qual princípio a ser utilizado deve ser analisado com vistas aapresentar parâmetros para relações privadas entre consumidor e for-necedor de produto ou serviço, no caso, a informação como objeto narelação de consumo em obra literária.

4.1 Conceito e característica dos princípiosfundamentais

O sistema jurídico é composto por uma rede com valores e es-calas hierárquicas, topicamente de princípios fundamentais, normasestritas, que são as regras e de valores jurídicos29. Os princípios con-figuram a sustentação de todo o sistema jurídico, hierarquicamentesuperiores, sob o ponto de vista valorativo. São normas constitucio-nais de existência e eficácia pacificamente reconhecidas30.

27 ALMEIDA, Eneá de Stutz e. Uma classificação do artigo 6º, V, CDC, à luz das teorisdo direito civil-constitucional e dos direitos fundamentais. p.128

28 BARROSO, Luís Roberto. Organizador. A nova interpretação constitucional: pon-deração, direitos fundamentais e relações privadas.p. 31

29 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito,p.54-5630 ESPÍNOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóri-

cos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. p.249.

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A crença de que os princípios teriam dimensão apenas axiológica,ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata não sesustenta mais. Os princípios são normas jurídicas31.

As características dos princípios são distintas e sua efetividade eaplicação são mais flexíveis que as regras. Entre regras incompatíveisexiste antinomia. Já os princípios são normas com poder de imposição.Os princípios conflitantes podem coexistir, já as regras antinômicas ex-cluem-se, os princípios argúem problemas de importância, ponderaçãoe validade; as regras apenas questões relacionadas com a validade32.

Para orientar a razão do intérprete, este se serve dos princí-pios, que são superiores, são enunciados imperativos e legitimam asregras. Os princípios apresentam uma carga valorativa, um funda-mento ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determi-nada direção a seguir33. Na era “pós-moderna”34, a nova moldurajurídica é orientada por meios dos princípios, que por sua vez orientaa conduta do homem.

4.2 Interpretação dos direitos fundamentais doconsumidor à informação e da liberdade deexpressão do autor

Ensina Ruy Samuel Espínola (2002, p.251), que os princípiosconstitucionais fundamentais não se esgotam no titulo I da Constitui-ção. Cabe ao intérprete buscar outros dispersos na Carta Magna, que

31 Barroso, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personali-dade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do códi-go civil e da lei de imprensa. p. 327

32 Canotilho, 1993- p.167-16833 BARROSO, Luís Roberto. Organizador. A nova interpretação constitucional: pon-

deração, direitos fundamentais e relações privadas,p.3134 Para MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o

novo regime das relações contratuais. Crise da pós-modernidade. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 1998. p. 89-91: “Pós-modernidade” é considerada pormuitos uma “crise sociológica”, uma fase de desconstrução, desfragmentação àprocura de uma nova racionalidade, fase de desdogmatização do direito. Para outros,fenômeno de pluralismo e relativismo cultural com forte influência no direito. Ospensadores europeus denominam a Pós-modernidade de queda, rompimento ouruptura (Umbruch), de fim de uma era e início de algo novo e ainda não identificado.

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são os desdobramentos ou segmentos daqueles preceitos lançados noinício da Norma Maior. Os direitos fundamentais configuram partedestes desdobramentos.

Os princípios constitucionais fundamentais atuam como guardiõesdos valores fundamentais da Ordem Jurídica. Sem eles a Constituiçãonada mais seria do que um amontoado de normas cujo aspecto co-mum seria o de estarem inseridas num mesmo texto legal, sem nenhu-ma efetividade35.

É certo que não existe direito fundamental absoluto. SegundoPodestá (2002, p.157), não existem direitos ilimitados, quaisquer queseja a sua consagração, que vai desde o mais fundamental, como avida ou a liberdade, decorrentes do interesse público ou a necessidadesocial em função da vida em sociedade36. Até mesmo a pessoa hu-mana que, ainda segundo o autor, poderia estar no topo dos direitos,dada a importância no sistema normativo, não pode receber valor ab-soluto e prevalecer sobre os outros valores, o que não é uma unanimi-dade de pensamento. Para Robert Alexy, ainda que haja colisão deprincípios, deverá sempre prevalecer a jusfundamentação do princípioque melhor facilitar a preservação da dignidade da pessoa humana,sendo proibido jusfundamentalmente qualquer princípio que relegar asegundo plano a dignidade da pessoa humana37.

Interpretar os direitos fundamentais colidentes requer a análiseda Constituição de forma sistemática através do entendimento abran-gente, segundo nos ensina Juarez Freitas (2004, p.194), que é a inter-pretação que sacrifica o mínimo para preservar o máximo de direitosfundamentais. Direitos da mesma estatura constitucional, ainda sob osensinamentos de Freitas, não devem suprimir-se de maneira integralem favor de outro. É possível a colisão de princípios, partindo-se dalógica do sistema dialético, contudo, a sua incidência não pode sertaxativa, válido ou inválido, tudo ou nada38.

35 GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais.36 ARAÚJO, Luiz Alberto David et al. Curso de direito constitucional, p.67.37 Robert Alexy – Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios

Constitucionais, 1997 - Apud – Eneá de Stutz e Almeida, 2003 – p. 132.38 BARROSO, Luís Roberto. op. cit, 2003.p.31

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Liberdade de informação e de expressão são distintas na dou-trina brasileira. Na explicação de Luís Alberto Barroso, liberdade deinformação diz respeito ao direito individual de comunicar livrementefatos e ao direito difuso de ser deles informado; já a liberdade de ex-pressão refere-se ao direito de externar idéias, opiniões, juízos de va-lor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano, que porsua vez, na opinião do autor, essa expressão do pensamento não écompletamente neutra, posto que até mesmo a expressão artística,muitas vezes, tem por base acontecimentos reais. Talvez por isso, jus-tifica, o direito norte-americano, o Convênio Europeu de Direitos Hu-manos (art. 10.1) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem(art. 19) tratarem as duas liberdades de forma conjunta39”.

A doutrina americana representa um dos marcos da teoria a res-peito da natureza e conteúdo da liberdade de expressão em seu senti-do amplo, incluindo toda a manifestação de idéias, opiniões, pensa-mentos, juízos de valor, bem como a divulgação de fatos.

A liberdade de expressão tem posição preferencial no direitonorte- americano sob dois aspectos distintos. O primeiro refere-se aocontrole de restrições, a fim de realizar um interesse público (ou maisespecificamente um interesse estatal, geralmente relacionado à segu-rança do Estado). O segundo aspecto se refere à colisão da liberdadede expressão com os direitos à honra e à imagem, quando se trata depessoa pública e de assunto de interesse público, assumindo especialimportância a dimensão instrumental da liberdade de expressão quan-do contraposta ao interesse individual da pessoa atingida.

A Suprema Corte norte-americana nunca reconheceu à liberda-de de expressão caráter absoluto. Essa, quando identifica restriçõesfundadas no conteúdo do discurso, aplica o strict scrutiny para aferirsua compatibilidade com a Primeira Emenda, o que significa que ogoverno tem de demonstrar que o interesse contraposto é extrema-mente relevante e que a medida adotada é o meio menos restritivo dealcançar tal interesse. Se a restrição não atinge o conteúdo do discur-so, a Corte adota o intermediate scrutiny. Só é preciso demonstrar

39 BARROSO, Luís Roberto. op. cit, 2004, p. 18-19

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que a restrição serve a um importante interesse governamental e que éefetivamente adequada para sua consecução, não tendo a liberdadede expressão posição privilegiada em caso de colisão com outros di-reitos fundamentais40.

É certo que a liberdade de expressão é uma liberdade pública,tanto quanto o direito do consumidor à informação, não sendo neces-sário para o seu exercício a intervenção do Estado41. Ocorre que, porserem valores fundamentais, merecem proteção estatal diante daiminência de serem transgredidos.

Receber e emitir informações e liberdade de expressão não sãodireitos ilimitados. O direito de receber informação, nos padrões esta-belecidos no Código de Defesa do Consumidor e a liberdade de ex-pressão do autor contida na Lei nº 9.610/98, considerados direitosfundamentais, prescinde de harmonização e ponderação, uma vez quesão direitos da mesma qualidade, mesma estatura, não havendo entreeles hierarquia jurídica.

Uma vez que a Constituição da República de 1988 não estabe-leceu uma ordem de prevalência entre os interesses sob sua tutela,cabe ao intérprete, no caso de colisão de princípios fundamentais, apli-car o princípio da proporcionalidade42 como meio de interpretaçãoconstitucional, por apresentar-se como instrumento hábil para encon-trar a melhor solução para cada situação em que haja princípios queabrigam contraposições.

40 SCHREIBER, Simone, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.41 PODESTÁ, Fábio Henrique. Interesses difusos, qualidade da comunicação social e

controle judicial., p.109-11142 O princípio da proporcionalidade teve seu início no direito administrativo francês,

entretanto, foi na Alemanha, que alcançou o seu contorno atual. O Tribunal Consti-tucional Alemão, usou, de formas sucessivas, nas decisões, as expressões claramenteassociadas à noção de proporcionalidade foram se tornando recorrentes, tais como“excessivo” “inadequado”, “necessariamente exigível”, até se estabelecer que o prin-cípio e a correlata “proibição de excesso”, enquanto regras aplicáveis a toda atividadeestatal, possuem estrutura constitucional. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Pro-vas Ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 1995. p.54-55 apud GUEDES,2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5698>. Acesso em: 14 abr. 2006.

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Percebe-se que o princípio da proporcionalidade é o norte dosprincípios no novo Direito Constitucional, porque a forma de soluçãode colisão de direitos fundamentais feita através de juízos comparati-vos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto, comfunção conciliatória. A ponderação de valores ou interesses é o senti-do estrito do princípio da proporcionalidade, e é através dessa técnicaque se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípioscontrapostos.

A aplicação do princípio da proporcionalidade baseia-se na ne-cessidade de construir o Direito pela utilização da norma positivada deforma coerente, harmonizando, sempre que possível, os interesses an-tagônicos na mesma relação jurídica, o que se denomina de uma coli-são de princípios, sendo preciso verificar qual deles possui maior pesodiante das circunstâncias concretas, implicando regras cujo estabele-cimento depende de uma ponderação. O dever de proporcionalidade,deste modo, deve ser resultante de uma decorrência coesa do caráterprincipal das normas. É a exata medida em que deve agir o Estado, emsuas funções específicas43.

Em relação ao direito do consumidor à informação adequada,suficiente e verdadeira contida em uma obra literária, e a sua coexis-tência com a liberdade de expressão do autor, atesta-se que os doisprincípios são compatíveis desde que observados os fundamentos cons-titucionais quanto ao interesse público contido na informação e este,conforme nos ensina Cretella Júnior (1988. p.418), é o interesse que oEstado coloca sob sua tutela.

O interesse público na informação, conforme expressa a LeiMaior é na informação verdadeira e de qualidade, que influencia acapacidade de discernimento e, conseqüentemente, na vida do cida-dão, titular desse direito, da coletividade de pessoas, “ainda queindetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. A in-formação como produto requer um tratamento jurídico em função doseu inegável caráter econômico, devendo prover a segurança espera-da pelo consumidor na aquisição de qualquer bem.

43 SILVEIRA, Newton. A propriedade intelectual e as novas leis autorais.

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Tem-se como exemplo de convergência dos princípios da tutelaao consumidor e o do direito do autor de obra literária, o caso de umescritor que elabora um guia turístico de viagem, cujo conteúdo estáorganizado de modo objetivo, orientando o leitor a organizar todos osaspectos de sua viagem, além de incluir informações específicas sobrecada um dos destinos, fornecendo a direção das rodovias e condiçõesda estrada.

A partir do momento que o autor se afasta da idéia original eadentra-se no campo fático com informações incorretas sobre os des-tinos, vias de acesso, e qualidade do sistema de hotelaria, haverá pre-juízo para a coletividade, que tem o direito à informação verdadeira.Neste caso, invocando-se a tutela estatal, o juiz decidirá, aplicando-sea ponderação de valores, a prevalência do direito do consumidor so-bre o direito do autor à liberdade de expressão.

Outra situação fática ocorre quando um escritor publica um li-vro dando orientações para uma dieta de efeitos “milagrosos”. O con-sumidor que o adquire e segue corretamente as etapas indicadas espe-ra exatidão naquele guia, ou seja, segurança no resultado do produtoadquirido. O fornecedor deve se responsabilizar pelas informaçõeslançadas em sua obra, sujeitando-se aos postulados do estatutoconsumerista.

Conclui-se, com amparo na nova interpretação constitucional,que a ponderação dos valores constantes em obra literária e o direitodo consumidor faz-se necessária, com concessões recíprocas, no in-tuito de que se perca o mínimo possível de cada direito fundamental,posto que não há possibilidade de privilegiar um dos dois direitos deforma absoluta em detrimento do outro.

5 CONCLUSÃO

Não é possível estabelecer hierarquia jurídica entre o direito doconsumidor à informação e a liberdade de expressão assegurada aoautor de obra literária, uma vez que são direitos fundamentais e, porisso , recebem tratamento paritário. Entretanto, tais direitos não sãoabsolutos.

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A liberdade de expressão o direito do consumidor à informaçãosão elementos interligados e incondicionais para a democracia. Nestaperspectiva, para que sejam efetivados, devem ser preservados semhaver a sucumbência de um em detrimento de outro.

Conclui-se que, através da aplicação do princípio da propor-cionalidade em sentido estrito – ponderação dos interesses, a informa-ção em obra literária não pode ser confundida como simples manifesta-ção de pensamento, pois esta é expressão do intelecto, possuindo trata-mento próprio, mantido sob tutela da Lei 9.610/98. Já a informação,pela sua natureza de bem jurídico, objeto da relação de consumo, vincu-la e deve preencher os requisitos de adequação, eficiência e veracidade.

6 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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ASPECTOS PENAIS E PROCESSUAISPENAIS DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE

DIREITO AUTORAL

FABIANO FERREIRA FURLAN

HERBERT JOSÉ ALMEIDA CARNEIRO

JOSÉ OSWALDO CORREA FURTADO MENDONÇA

CARLOS ALBERTO ROHRMANN.Professor da Faculdade de Direito Milton Campos– Artigo escrito sob a orientação de pesquisa do

Professor Carlos Alberto Rohrmann.

Sumário

1. Introdução. 2. Abordagem penal. 2.1. Evoluçãohistórica e conceito de direito de autor. 2.2. Sínteseda estrutura do tipo penal relativo ao crime de vio-lação de direito autoral. 2.3. Análise da possibilida-de de uma única cópia efetivada pelo copista poderconfigurar ilícito penal. 2.4. Conseqüências da re-produção de cópias ilícitas. 3. Abordagem proces-sual penal. 3.2. Artigo 184, caput, do código penal– crime de pequeno potencial ofensivo (lei nº 9.099/95). 3.3. Inaplicabilidade dos artigos 524 a 530-A,do código de processo penal – crimes previstosno caput do art. 184 do código penal. 4. Conclu-são. 5. Referências bibliográficas.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 221-245 2005

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FABIANO F. FURLAN/HERBERT J. A. CARNEIRO/JOSÉ OSWALDO C. F. M.

ResumoO avanço tecnológico sentido nas últimas décadas trouxe sensí-

veis repercussões sobre o direito autoral, pois, se por um lado garantiuo aprimoramento de obras frente aos recursos disponibilizados, poroutro, gerou a possibilidade da efetivação de reproduções pratica-mente sem controle, com a sua conseqüente violação. Atento a essasituação, o legislador inovou no tratamento da matéria ao reformular oartigo 184 do Código Penal. Este trabalho, assim, é dedicado ao estu-do dos aspectos penais e processuais penais decorrentes da iniciativalegislativa. Sob o enfoque penal, a abordagem iniciou-se com a defini-ção de direito de autor e enveredou pela aferição da estrutura típicaquando se ressaltou que o tipo penal, por ser norma penal em branco,é complementado pela Lei nº 9.610/98. Passou-se a análise das for-mas qualificadas até a abordagem da hipótese de exclusão da tipicidadetrazida pelo § 4º do artigo 184 do Código Penal onde se verificou queé possível extrair uma aplicação concreta do dispositivo. Foram ex-plorados ainda o conceito de copista, a troca de arquivos de músicapela Internet e as conseqüências decorrentes da reprodução de cópiasilícitas. Sob o aspecto processual penal, importante registrar que asalterações trazidas pela Lei nº 10.695/98 não se aplicam ao caput doart. 184 do Código Penal, porque neste dispositivo legal estão descri-tas condutas típicas tidas como de pequeno potencial ofensivo, cujapena máxima não é superior a 02 (dois) anos. Para os delitos dessanatureza, aplicam-se as regras procedimentais previstas na Lei n.9.099/95, de rito mais informal e célere. Não há cogitar de diligências com-plexas em se tratando de tramitação de feito criminal envolvendo osdelitos previstos no dispositivo legal referido. Destarte, faz-se perti-nente alteração legislativa que contemple previsão expressa de aplica-ção das regras dos Juizados Especiais Criminais, quando da incidênciados crimes previstos no citado artigo do Código Penal.

PALAVRAS-CHAVE: Crime. Direito de Autor. Aspecto penal. As-pecto processual.

AbstractThe technological development in the latter decades has brought

considerable repercussions to author copyright, as if from on one side

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it has granted Works improvement due to resources availability, on theother hand it has generated the possibility of practically uncontrolledeffective reproduction, with its consequent infringements. Seeing thissituation, the legislator has innovated in the matter treatment whilereformulating the article 184 of the Penal Code. Thus, this work isdedicated to the study of the penal aspects and the penal proceduralaspects due to that legislative initiative. Upon the penal focus, theapproach has started with the definition of author copyright and headedtowards the typical structure evaluation when underscored that the penaltype, being a blanket penal rule, is complemented by the Law n. 9.610/98. Thus moving to the qualified forms analysis up to the approach oftype exclusion hypothesis brought by the § 4º of the article 184 of thePenal Code, where it was found that it is possible to extract a completeapplication of the disposition. Also the concepts of the copyist, of themusic files exchange through the Internet and the consequences due tothe illicit copies reproduction were explored. Upon the penal proceduralaspect, it is worth to register that the alterations brought by the Law n.10.695/98 are not applied to the caput of the art. 184 of the PenalCode, as the typical behaviors described in this legal disposition aredeemed of little offensive potential, whose maximum penalty isn’t over02 (two) years. For this nature of crime, more informal and fasterapplicable procedural rules are provided in the Law n.9.099/95. Thereis no cogitation about complex diligences concerning the criminal deedlegal course involving the offenses foreseen in the legal disposition abovementioned. Therefore, it is pertinent the legislative alteration regardingthe express provision of the Criminal Special Courts rules applicationrelated to the incidence of the crimes anticipated in the mentioned articleof the Penal Code.

KEY WORDS: Crime. Copyright. Penal aspect. Procedural aspect.

1 INTRODUÇÃO

O tipo penal inerente ao crime de violação de direito autoral foialterado pela Lei nº 10.695/2003 para, inclusive, apresentar uma res-posta mais eficaz do Estado na repressão desta espécie de delito.

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O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas facilitou aprática do ilícito penal em questão, uma vez que viabilizou a elabora-ção de cópias perfeitas de obras através do uso do computador, porexemplo, sem que uma pessoa tenha de sair de casa.

No mesmo sentido, com a interligação de computadores emrede mundial, através do advento da Internet, pôde-se observar que arealização do tipo penal não está mais limitada por fronteiras definidas,o que dificulta a sua apuração.

Tendo em vista o exposto, passa-se à análise dos aspectos pe-nais e processuais penais inerentes ao crime reportado, para que sepossa estabelecer, sob o enfoque do direito penal: a) a compreensãodo conceito de direito de autor com um breve apanhado sobre suaevolução histórica; b) a aferição da estrutura do tipo penal; c) as con-seqüências decorrentes da extração de uma única cópia sem o intuitode lucro; d) a extensão do significado da palavra copista, e) os aspec-tos jurídicos que norteiam a troca de arquivos de música pela Internet;f) as conseqüências da reprodução de cópias ilícitas.

Já sob o enfoque processual penal, busca-se: a) firmar a com-preensão do crime de violação de direito autoral como infração penalde menor potencial ofensivo; b) definir o procedimento penal a serconsiderado na sua apuração; c) aferir as conseqüências decorrentesdo procedimento adotado; d) estabelecer a inaplicabilidade das dis-posições de artigos do Código de Processo Penal que procuraramfixar o procedimento a ser seguido.

2 ABORDAGEM PENAL

2.1 Evolução histórica e conceito de direito de autor

Desde tempos remotos, o homem, ser racional que é, vemexternando sua criatividade através de várias formas, na literatura, naarte e na ciência. Já o homem primevo registrava suas impressões co-tidianas vividas através de desenhos rudimentares entalhados nas pa-redes das cavernas, com a simples finalidade de registrar a sua históriapara as gerações futuras.

Com a criação da escrita, o homem passou a expressar senti-mentos, conhecimentos, atos comerciais, enfim, todos os eventos re-

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ferentes à sua vida em sociedade que, anteriormente, eram repassadosoralmente. Passaram a registrar suas experiências cotidianas atravésde símbolos, sinais e letras – inicialmente – em tábuas de barro.

A escrita revolucionou a comunicação entre as pessoas, confe-rindo agilidade e segurança à transmissão de informações de qualquernatureza, desde lúdicas a científicas. Com essa facilidade de transmis-são de informações, os seus criadores passaram a se preocupar emsaírem do anonimato e buscarem o reconhecimento de suas obras,tanto moral quanto materialmente. Teoricamente, é nesse instante quesurgem os direitos autorais em sua forma primária: quando o criadorsente a necessidade da tutela sócio-estatal de sua criação.

Outro marco primordial no campo dos direitos autorais foi ainvenção da prensa de tipos móveis por Johann Gensfleish Gutenberg,no século XV, o que permitiu a materialização das criações intelectuaisem escala industrial, ao contrário das cópias manuscritas até entãoempregadas. Surgiu daí, uma crescente necessidade de proteção eco-nômica dessas obras.

Depois de dois séculos da invenção de Gutenberg, surgiu naInglaterra, o Licensing Act, em 1662, que concedia o monopólio detodas as publicações britânicas à Companhia de Editores de Londres,o que era uma maneira de censurar publicações que atentassem contraa religião ou contivessem matéria subversiva. Em 1709, o Statute ofAnne (Estatuto da Rainha Ana) concedia direitos exclusivos de repro-dução de determinada obra (literária) por um lapso temporal de 14anos a partir da publicação, podendo ser renovado, prorrogado pormais 14 anos; citado, também, como Copyright Act (Ato do direitode cópia, reprodução). Nesse período apareceu a expressão royalty(realeza), usada até hoje, pois citada concessão era um ato da realeza.

No mesmo século, na França pós-Revolução (1789), a Assem-bléia Constituinte aprovou em 1793 a lei que extinguia os privilégiosoutorgados aos editores, conferindo direitos de reprodução ao autorda obra intelectual, surgindo, assim, o droit d’auteur (direito de autor).

Outros dois acontecimentos marcaram a evolução histórica doDireito Autoral. Em 1886, liderados pelos países europeus, as naçõescivilizadas se reuniram em Berna, na Suíça, para proporem uma regu-lamentação mínima, geral e internacional, para a proteção das obras

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literárias, artísticas e científicas e de seus autores. Nascia a primeiraConvenção Internacional sobre o assunto, considerada o embrião dasdemais legislações nacionais existentes. Em 1950, surgiu nova Con-venção Internacional, reunindo os mesmos países, e mais os EstadosUnidos da América na cidade de Genebra, com a finalidade de ade-quar os sistemas voltados prioritariamente às obras, com aqueles queconferiam aos autores direitos de caráter pessoal, com a mesma im-portância dada às obras.

Com o advento do computador e da rede mundial de computa-dores (Internet), os direitos autorais passam a existir em um ambientevirtual, que desconhece fronteiras físicas ou geográficas e, como con-seqüência, a tutela jurídica destes está diante de novo e grande desafio.

O autor é titular de direitos morais e de direitos patrimoniaissobre a obra intelectual por ele produzida. Os direitos patrimoniaiscompreendem os poderes de usar, fruir e dispor de sua obra, bemcomo de autorizar sua utilização ou fruição por terceiros, no todo ouem parte. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.Mas, salvo os de natureza personalíssima, são transmissíveis por he-rança nos termos da lei. Já os patrimoniais são alienáveis por ele oupor seus sucessores.

Atualmente, prefere-se a expressão propriedade intelectual, aoinvés de propriedade imaterial. Adquire-se a propriedade de um bem,mediante um dos meios legalmente previstos: tradição da coisa ou re-gistro do documento aquisitivo, ou outro meio (usucapião que é pres-crição aquisitiva); ou ainda mediante produção própria, ou seja, cria-ção intelectual. A obra intelectual é criação intelectual, ou produ-ção intelectual, que se materializa por qualquer forma. Tem comofonte ou origem o íntimo ou interior do criador, por ser forma deexpressão particular da personalidade, ou “expressão direta doespírito pessoal do autor”.

A Lei nº 9.610/98 e o Código Penal, ao invés da expressãopropriedade intelectual, preferem falar em direito autoral ou direito deautor para as obras artísticas e literárias. A expressão propriedadeintelectual abrange os direitos de autor e conexos e a propriedadeindustrial. A propriedade industrial relaciona-se com marcas identifi-cativas de empresa, marcas de serviços, nome comercial, com paten-

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tes de invenções e modelos de utilidade, desenhos ou modelos indus-triais, e ainda com a repressão da concorrência desleal.

O direito autoral decorre, fundamentalmente, das obras intelec-tuais no campo literário e artístico. O registro da obra intelectual nãoconstitui a autoria respectiva, mas apenas presume a autoria outitularidade originária do direito autoral. Cabe observar que, no casode propriedade industrial, o registro válido acarreta a constituição dodireito em relação ao privilégio de uso, conferido ao titular do invento,modelo industrial ou marca.

Nesse sentido são significativas as palavras de Bruno JorgeHammes: “Deixe o autor criar, ao invés de matá-lo com burocracia”(1996, p. 21-22).

2.2 Síntese da estrutura do tipo penal relativo ao crimede violação de direito autoral

O artigo 184 do Código Penal traz a estrutura básica no caputdo dispositivo, as formas qualificadas nos §§ 1º, 2º e 3º e, por fim,causas de exclusão da tipicidade no § 4º, de onde se extrai: a) objeti-vidade jurídica: tutela-se o direito autoral e os que lhe são conexos.

Como todo o conteúdo do artigo 184 do Código Penal figuracomo norma penal em branco, denota-se que a complementaçãolegislativa é proporcionada pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de1998, que consolidou a legislação sobre direitos autorais. O conceitode direito autoral já foi externado acima. Já os conexos

são os direitos análogos, afins, correlatos aos de autor (direitosdos artistas, intérpretes ou executantes - arts. 90 a 92 -, dosprodutores fonográficos - arts. 93 e 94 - e das empresa de radi-odifusão - art. 95 -, constantes da Lei nº 9.610/98) (PRADO,2006, p. 59).

É importante ressaltar que o artigo 46 da Lei nº 9.610/98 trazuma série de condutas que não constituem violação de direito autorale, conseqüentemente, não há que se falar na existência do crime res-pectivo.

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b) sujeito ativo: trata-se de delito comum que pode ser cometido porqualquer pessoa física. A pessoa jurídica, assim, não pode ser sujeitoativo.c) sujeito passivo: é o autor, compreendido como a pessoa física cri-adora de obra literária, artística ou científica, nos termos do artigo 11da Lei nº 9.610/98. Também podem ser sujeitos passivos o artista, ointérprete e executante, o produtor fonográfico, o cônjuge, os herdei-ros ou sucessores (PIMENTA e PIMENTA, 2005, p. 160), a pessoajurídica, o produtor e a empresa de radiodifusão (PRADO, 2006, p.57). Em resumo, é “o autor da obra intelectual ou o titular do direitosobre a produção intelectual de outrem, bem como seus herdeiros esucessores” (NUCCI, 2003, p. 627).d) tipo objetivo: a doutrina estabelece que tipo objetivo é aquilo querepresenta a exteriorização da vontade, sendo composto por um nú-cleo (o verbo) e outros requisitos como a conduta, o nexo causal, oautor, o resultado, entre outros. (BITENCOURT, 2003, p. 206).

A conduta do caput consiste em violar o direito de autor e osque lhe são conexos, o que pode compreender, entre outras posturas,a contrafação, entendida como “a cópia ou reprodução pura e simplesda obra” (PIMENTA e PIMENTA, 2005, p. 162), a reprodução,compreendida como a fixação da obra de modo a torná-la perceptívelaos sentidos do ser humano (PIMENTA e PIMENTA, 2005, p. 163),o plágio, que significa “assinar como sua, obra alheia atribuindo-lhe apaternidade total ou parcialmente e a imitação”. (NUCCI, 2003, p.627).

O § 1º capitula a reprodução total ou parcial, com o intuito delucro, por qualquer meio, de obra intelectual, interpretação, execuçãoou fonograma, sem autorização expressa do sujeito passivo.

O § 2º é exemplo de tipo misto alternativo em que a realizaçãode vários verbos, em regra, configura crime único. Comete o crime oagente que vender, expor à venda, alugar, introduzir no País, adquirir,ocultar etc., desde que vise o intuito de lucro.

O § 3º traz a tipificação da violação efetuada através do ofere-cimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou ou-tro sistema análogo da obra ou produção, também com a intenção deauferir lucro.

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e) objeto material: A doutrina também insere aqui “as emissões deradiodifusão e o fonograma, ambos objeto de direito conexo” (PI-MENTA e PIMENTA, 2005, p. 153). O conceito de obra intelectualabarca o conteúdo do artigo 7º da lei que o complementa, compreen-dendo as obras literárias, científicas e artísticas, as conferências, ascomposições musicais etc. Já os programas de computador são obje-to de proteção por lei específica (Lei nº 9.609/98). Entende-se porfonograma “a fixação de sons de uma execução ou interpretação oude outros sons, ou de uma representação de sons que não seja umafixação incluída em uma obra audiovisual” (artigo 5º, IX, da Lei nº9.610/98).f) tipo subjetivo: o tipo subjetivo do caput é integrado apenas por umrequisito geral que é o dolo direto ou eventual. Já o dos §§ 1º a 3ºexige um requisito especial, além do geral, que é a intenção de lucro,sob pena de não incidirem. Requisitos especiais são os que refletem asintenções e tendências do agente (BITENCOURT, 2003, p. 209).g) lucro: atividade que aponta para a realização da mercancia.h) consumação e tentativa: consuma-se com a prática da conduta eadmite a tentativa.i) classificação: Conforme expõe Guilherme Nucci:

trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativoqualificado ou especial), embora com sujeito passivo qualifica-do; formal (delito que não exige resultado naturalístico, consis-tente na diminuição do patrimônio da vítima); de forma livre (po-dendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente);comissivo (‘violar’ implica em ação) e, excepcionalmente,comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplica-ção do art. 13, § 2º, do Código Penal); instantâneo (cujo resul-tado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tem-po); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente);plurissubsistente (via de regra, vários atos integram a conduta)”(NUCCI, 2003, p. 629).

Apenas no que tange ao § 2º, observa-se que nas formas de“expor à venda, ocultar e ter em depósito”, o crime é permanente(aquele em que a consumação se prolonga no tempo).

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O § 4º será estudado na seqüência.

2.3 Análise da possibilidade de uma única cópiaefetivada pelo copista poder configurar ilícito penal

O § 4º do artigo 184 do Código Penal dispõe:

O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar deexceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe sãoconexos, em conformidade com o previsto na Lei 9.610, de 19de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual oufonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista,sem intuito de lucro direto ou indireto.

Sob a ótica penal, a redação do § 4º do artigo 184, interpretadaliteralmente, é absolutamente inútil. Também é a opinião de GuilhermeNucci (2003, p. 634).

A primeira parte do dispositivo nada mais fez do que reforçar ascausas que já excluíam a tipicidade da conduta nos moldes do artigo46 da Lei nº 9.610/98. Como o tipo penal do artigo 184 é normapenal em branco, apenas o comportamento considerado violador dodireito autoral pela lei mencionada é que complementará a disposiçãopenal. Trata-se, portanto, de repetição desnecessária do que já se ex-traía da própria estrutura do artigo 184 do Código Penal.

A segunda parte do dispositivo é ainda mais infeliz, pois afasta aaplicação dos parágrafos do artigo 184 quando for realizada a cópiade obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso priva-do do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. A ausência deintuito de lucro, como circunstância elementar dos parágrafos, por si,já exclui o tipo penal qualificado. O descompasso legislativo é evidente.

Até mesmo a ampliação da causa de exclusão da tipicidade re-ferente à extração de uma cópia integral de um exemplar em compara-ção com o disposto no artigo 46, II, da Lei nº 9.610/98, que já afasta-va o crime quando a reprodução fosse de pequenos trechos de umaobra, se pautada em uma interpretação literal do dispositivo penal, nãopoderia ser cogitada, uma vez que só reforçaria a sua inutilidade. Essa

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conclusão decorre da inevitável confrontação entre a primeira e a últi-ma parte do § 4º. É que na primeira parte o legislador mencionouexpressamente a sua aplicação apenas aos seus outros parágrafos e,na parte final, afastou o ilícito quando ausente a intenção de lucro. Aausência do ânimo de lucro já excluiria, por si, o crime qualificado,independentemente de ter sido efetuada uma cópia integral ou trechosde uma obra, pois estaria ausente uma das elementares do tipo.

Apesar do exposto, o § 4º também conduz à discussão da pos-sibilidade de uma única cópia efetivada pelo copista poder configuraro ilícito penal do caput do artigo 184 do Código Penal.

A interpretação literal da redação do parágrafo, mais uma vez,levaria à conclusão de que o agente estaria, de fato, cometendo oilícito penal. Quer pelo fato de o caput não exigir a presença do intuitode lucro, quer pelo fato da redação legal estar se referindo apenas aosparágrafos do artigo 184 do Código Penal e não ao caput, a cópia deobra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privativodo copista, seria passível de responsabilização penal.

Essa conclusão, contudo, não parece ser a mais correta.É que a redação legal do § 4º do artigo 184 do Código Penal,

se interpretada de forma extensiva, vai assumir alguma utilidade.Ora, se o legislador optou por estabelecer que a cópia efetuada

em um único exemplar, para uso privado do copista, sem intuito delucro, não caracterizaria o tipo penal qualificado, o mesmo raciocíniodeveria ser aplicado quanto à previsão do caput do artigo, que traz arepressão de uma conduta de menor potencial ofensivo. A adoção dainterpretação extensiva, que consiste na ampliação do “alcance daspalavras da lei para que a letra corresponda à vontade do texto”(ACQUAVIVA, 1998, p. 140), leva à exclusão do ilícito penal nahipótese.

O próprio legislador parece ter externado essa postura quandoestabeleceu a segunda parte da redação do § 4º, prevendo a exclusãodo tipo penal, na hipótese da cópia nos moldes ventilados, mas come-teu o equívoco de não a efetuar em parágrafo autônomo, sem a inclu-são da primeira parte. O contexto, inclusive, não se afasta muito daredação do artigo 46, II, da Lei nº 9.610/98, o que indica o aproveita-mento do seu conteúdo na elaboração do § 4º.

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Essa, ainda, seria a única forma de se garantir alguma aplicaçãoao parágrafo, de modo a viabilizar a exclusão da tipicidade na cópiade uma obra integral e não apenas de parte desta como a Lei nº 9.610/98 já estabelecia no artigo 46, II.

Trata-se de posição que também está em consonância com oscompromissos internacionais assumidos pelo Brasil, uma vez que nãoafronta a Convenção de Berna e o Acordo Sobre Aspectos dos Direi-tos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS –Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual PropertyRights). Como os tratados mencionados trazem disposições genéri-cas sobre a proteção conferida ao direito de autor, cabe ao direitointerno regulamentar a matéria de forma mais precisa, como ocorre noBrasil. De qualquer forma, denota-se que a lei de 2003 prevalece so-bre as disposições dos tratados aludidos, pois figura como lei ordiná-ria posterior.

Outro fundamento que afasta a existência do crime na presentesituação diz respeito ao fato da extração da cópia nos moldes ventila-dos estar fora da proteção do direito de autor, conforme posição de-fendida por ASCENSÃO, para quem

[...] o uso privado não é propriamente um limite do direito auto-ral: é, muito mais radicalmente, um domínio exterior a este. Odireito autoral dá o exclusivo de utilização pública da obra; ouso privado é-lhe alheio, porque não tem que ver com modosde utilização pública. (ASCENSÃO, 2002, p. 249).

A extração da cópia privada nos moldes do parágrafo quarto,portanto, está fora da proteção penal trazida pelo direito de autor,que, por sua vez, destina-se a reprimir os reflexos da utilização públicada obra.

Ressalta-se ainda o respaldo constitucional da posição assumi-da, pois na ponderação de interesses em conflito, o princípio daproporcionalidade vai garantir o acesso à informação como forma decumprimento dos objetivos fundamentais do Brasil (artigo 3º da Cons-tituição Federal) sobre o interesse privado do titular do direito autoral.

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Por outro lado, torna-se necessário identificar o copista para acorreta incidência da lei.

Em sentido estrito, copista é aquele que realiza a extração dacópia em um primeiro momento. Ocorre que, para a aferição da inci-dência da disposição penal, aquele que encomenda a extração de umacópia no xerox, por exemplo, também deve ser considerado copista,uma vez que tinha o domínio do fato e atuou de forma decisiva para aextração da cópia. Mesmo neste caso, inserindo-se a conduta no § 4º,nenhum dos agentes responderá pelo ilícito penal, pois os requisitos secomunicariam.

Daí decorre que a troca de arquivos de música pela Internet,por exemplo, através da tecnologia peer-to-peer (em que se rastreia amúsica pretendida entre os computadores conectados), se efetuadaem uma única cópia, para uso privativo do copista e sem o intuito delucro, não configurará ilícito penal. Trata-se de hipótese extremamenterara, pois só ocorreria se a cópia única decorresse da obra viabilizadapelo próprio titular do direito autoral sobre a música.

É que a proteção legal é clara ao afastar o ilícito na extração deuma única cópia de um arquivo para uso privado do copista, sem ointuito de lucro, de onde se conclui que a cópia da cópia, como nor-malmente se vê no uso da tecnologia apontada, já configuraria o crime.O mesmo raciocínio deve ser empregado na hipótese de um adquirentelegítimo de uma cópia, sem a transmissão do direito de explorá-la,colocá-la na rede, pois as cópias decorrentes já seriam extraídas decópia anterior, o que ensejaria a responsabilização penal de quem asefetivasse.

2.4 Conseqüências da reprodução de cópias ilícitas

Neste tópico, duas situações precisam ser abordadas para seaferir a respectiva conseqüência jurídica decorrente.

A primeira é a que decorre da cópia extraída de uma obra coma autorização do titular do direito autoral. Trata-se de situação que nãooferece maiores problemas para a sua correta solução jurídica, umavez que o direito autoral é disponível, de modo que, se o consentimen-to do seu titular for válido e efetuado antes ou concomitantemente com

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a violação em tese, não haverá qualquer ilícito penal (JESUS, 1997, p.399).

No caso da violação do direito autoral, como o tipo penal nãocontém o dissentimento do sujeito passivo, o consentimento figurarácomo causa de exclusão da antijuridicidade (JESUS, 1997, p. 399). Aaplicação da teoria da imputação objetiva, contudo, também levaria àexclusão do ilícito penal, porém em momento anterior, ou seja, no fatotípico, seja como aspecto autônomo ou inerente ao nexo causal.

A segunda situação é a que decorre da extração de cópias deuma obra sem a aquiescência do titular do direito autoral ou mesmoexistindo esta, mas efetuada de forma inválida ou ineficaz, quanto àque-les que as adquirem.

Há quem entenda que não configura crime “a aquisição de umexemplar produzido pela violação de direito autoral”, quando oadquirente não tinha conhecimento da “origem delituosa”, sendo ter-ceiro de boa-fé (PIMENTA e PIMENTA, 2005, p. 207).

Observa-se que esse posicionamento merece ser melhor de-senvolvido, pois não se pode desconsiderar o disposto no artigo 180,§ 3º, do Código Penal, que trata da receptação culposa ao prever quea aquisição ou recebimento de coisa que, por sua natureza ou peladesproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem aoferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.

Caso presentes os requisitos do tipo penal pertinente à recepta-ção culposa, aliado ao fato de o agente estar de boa-fé, deverá res-ponder pela prática desta. A boa-fé, portanto, só afastaria efetivamen-te o tipo penal reportado quando suas elementares não estiverem pre-sentes.

Já a atuação dolosa (incluída a má-fé) do agente poderá ensejaro enquadramento da conduta nos artigos 180, caput, ou 180, § 1º, doCódigo Penal, que prevêem modalidades de receptação dolosa, casonão figure como autor, co-autor ou partícipe do ilícito penal anterior,sob pena de responder por este (JESUS, 2005, p. 687).

Se empreender a mesma conduta no exercício de atividade co-mercial ou industrial, mas de coisa que é produto de contrabando,ainda poderá responder pela prática do crime previsto no artigo 334,§ 1º, “d”, do Código Penal (MIRABETE, 1998, p. 351).

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3 ABORDAGEM PROCESSUAL PENAL

3.1 Breves considerações sobre a pena imposta noart. 184 do Código Penal (Lei nº 10.695/03)

A Lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003, ao alterar o art. 184do Código Penal, introduziu novas condutas delitivas e demonstrouevidente preocupação com o agravamento das penas, ao que parece,com o propósito de conter a criminalidade, sabidamente crescente nocampo da violação dos direitos autorais.

Nos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 184 do Código Penal, com aredação da Lei nº 10.695/03, as penas passaram de 1 (um) a 4 (qua-tro) anos de reclusão, e multa de CR$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) aCR$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros), para 2 (dois) a 4 (quatro)anos, também de reclusão, e multa. Neste particular, forçoso reconhe-cer que o agravamento da pena foi expressivo, tanto na pena privativade liberdade, quanto no arbitramento da multa, deixando esta de terparâmetros mínimo e máximo, o que leva a concluir que sua fixaçãoficará a critério do Juízo condenatório, com base nos requisitos dasuficiência e necessidade da pena (art. 59 do Código Penal).

No tocante ao caput do art. 184 do Código Penal, com a novaredação da Lei nº 10.695/03, que tutela os direitos do autor e passoutambém a proteger os direitos correlatos ao de autor (artigos 90 a 95da Lei nº 9.610/98), a pena a ser imposta ao infrator continuou a mes-ma, como de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.

No campo processual penal, a Lei nº 10.695/03 trouxe profun-das alterações, com previsão, no artigo 186 do Código Penal, de dis-tinção da natureza da ação penal – se privada ou pública – para asdiferentes condutas ilícitas descritas no art. 184 e seus parágrafoscitados.

Ainda sobre o artigo 186 do Código Penal é necessário regis-trar a incongruência de sua colocação no mesmo – o que não restoucorrigido pelo legislador – eis que aborda ali matéria de naturezaprocedimental e que, por certo, estaria melhor acomodada no Códigode Processo Penal. Aliás, essa prática legislativa tem sido uma cons-tante, o que coloca, às vezes, o intérprete da Lei, em dificuldadeintransponível para entender o verdadeiro propósito do legislador.

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A despeito da colocação feita anteriormente, de cunho tão-so-mente de técnica legislativa, de registrar-se que a Lei nº 10.695/03introduziu também alterações específicas no Código de Processo Pe-nal, notadamente, o art. 530 passou, além do caput, a ter as letras A aI, todas com visível propósito de garantir a marcha processual e impu-tação de responsabilidade penal aos violadores dos direitos autorais.

De frisar-se, ainda no campo processual penal, a previsão deque nos crimes previstos no caput do art. 184, a ação penal dar-se-ámediante queixa (art. 186 do Código Penal). Por força do art. 530-A,do Código de Processo Penal, a esses crimes aplicam-se as regrasprocessuais previstas nos artigos 524 a 530 do Código citado. Nesteparticular, reside evidente incoerência legislativa a ser explorada nestetexto, e que, por certo, está a induzir interpretações judiciais sobre ainaplicabilidade de tais regras, as quais deverão ser objeto de futurasalterações legislativas, sob pena de se tornar inócua a letra da Lei.

3.2 Artigo 184, caput, do Código Penal – crime depequeno potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95)

A pena imposta no caput do art. 184 do Código Penal, à luzdas Leis nº 9.099/95 e 10.259/01, autoriza reconhecer os delitos aliprevistos como de pequeno potencial ofensivo, sujeitando-os, imperi-osamente, às regras procedimentais previstas nas referidas Leis.

Sabido que as “infrações de menor potencial ofensivo”, de me-nor gravidade, vêm merecendo tratamento especial dos sistemaslegislativos, sendo adotadas em relação a elas, entre outras, as seguin-tes soluções:

a) possibilidade de que o Ministério Público, por razões de con-veniência e oportunidade, deixe de oferecer a acusação;b) previsão de acordos em fase anterior à processual, de modoa evitar a acusação;c) possibilidade de suspensão condicional do processo;d) utilização do processo para a reparação do dano à vítima”(GRINOVER, et al., 2002, p. 70).

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E, em se tratando de crime de pequeno potencial ofensivo –como os previstos no caput do art. 184 do Código Penal - oportunoregistrar também que o parágrafo único do artigo 69 da Lei nº 9.099/95 dispensa da prisão em flagrante e da fiança o autuado que, após alavratura do termo circunstanciado de ocorrência, for imediatamenteencaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele compa-recer. Trata-se de um direito público subjetivo do autuado, responderao processo em liberdade, o que não pode ser negado pela autoridadecompetente.

Diante dessa disposição legal – proibitiva da prisão em flagrante– forçoso concluir pela imprestabilidade da regra prevista no caput doart. 530 do Código de Processo Penal, quando se tratar dos delitosprevistos no caput do art. 184 do Código Penal, porque são conside-rados de pequeno potencial ofensivo.

Acrescente-se a isso a condição de que, em se tratando de cri-me de pequeno potencial ofensivo, com tramitação perante o JuizadoEspecial, o processo deverá orientar-se pelos critérios da oralidade,informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sem-pre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a apli-cação de pena não privativa de liberdade (art. 62 da Lei nº 9.099/95).

Daí, à primeira vista, forçoso concluir que não há falar em prisãoem flagrante quando o infrator incorrer numa das figuras delituosasprevistas no caput do art. 184 do Código Penal, com a redação dadapela Lei nº 10.695/03.

Resumidamente, em ocorrendo uma das hipóteses delituosasprevistas no caput do art. 184, far-se-á a lavratura de um Termo Cir-cunstanciado de Ocorrência (TCO), que será encaminhado para oJuizado Especial Criminal, onde o suposto ofendido (querelante) de-verá comparecer, no prazo decadencial de 06 (seis) meses após ofato, para, se for de seu interesse, manejar a queixa-crime, que, antesde recebida, possibilitará a conciliação entre os envolvidos na infra-ção, inclusive com o ressarcimento do dano à vítima, e a não-aplica-ção de pena privativa de liberdade.

Acrescente-se mais, há de ser colocado em prática o princípioda intervenção mínima, que estabelece a aplicação do direito somentequando necessária a proteção de bens jurídicos de significação social,

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afastando-se a tipicidade de condutas de pouco ou nenhum relevosocial.

“O problema do crime, como o do direito, há” – como explicaRoberto Lima Filho – “de ser encarado dentro do processo globalsócio-político” (LYRAFILHO, 1980, p. 14).

Não se quer, pois, uma reação simbólica, mas atuante. É neces-sário acabar com a sensação de impunidade, e isso é possível com osJuizados Especiais (TOURINHO NETO, 2002, p. 497).

3.3 Inaplicabilidade dos artigos 524 a 530-A,do Código de Processo Penal – crimes previstosno caput do art. 184 do Código Penal

Diz o artigo 530-A sobre a aplicação dos artigos 524 a 530, doCódigo de Processo Penal, para os crimes em que a ação penal dar-se-á mediante queixa.

Cuja previsão legal tem encaixe nas hipóteses previstas no caputdo art. 184 do Código Penal, que – somente ali, por força do artigo186, a ação penal terá início através de queixa.

Tal disposição legal (artigo 530-A do Código de Processo Pe-nal), ao se reportar às regras dos artigos 524 a 530 do Código deProcesso Penal, com previsão de realização de diligências para for-mação do processo-crime, põe por terra as considerações feitas ante-riormente, sobre a necessidade do reconhecimento dos crimes previs-tos no caput do art. 184, do Código Penal, como de pequeno poten-cial ofensivo.

Em ocorrendo uma das figuras delituosas do caput do artigo184 do Código Penal, não há cogitar, preliminarmente, da elaboraçãode exame pericial dos objetos apreendidos – como condição de rece-bimento da queixa – porque, em se tratando de crimes de pequenopotencial ofensivo – aplica-se, à espécie, o rito da Lei nº 9.099/95,sabidamente informal e célere.

Impõe-se o reconhecimento sobre a inutilidade das regras pre-vistas nos artigos 524 a 530 do Código de Processo Penal, quandoocorrer uma das hipóteses delituosas do caput do artigo 184 do Có-digo Penal, sendo certo afirmar que, aqui, a ação preliminar resumir-

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se-á à lavratura de um termo circunstanciado de ocorrência, a ser en-caminhado ao Juizado Especial Criminal e, ali, a ação privada só teráinício se o querelante (ofendido) o desejar, no prazo decadencial de06 (seis) meses após a ocorrência do fato supostamente delituoso.Caso contrário – não havendo interesse do querelante – o processadoserá arquivado.

Para os crimes em que se procede mediante queixa, cogita-se,inicialmente, da tentativa de reconciliação (artigo 520 do Código deProcesso Penal), e frustrada esta, independentemente da prévia mani-festação do querelante, o Ministério Público oferecerá ao querelado(autor da infração) – se primário e de bons antecedentes - a transaçãopenal, que, se aceita, surtirá efeito extintivo da punibilidade, colocandofim ao processado.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça vem se manifestandoreiteradamente sobre admissibilidade da transação penal em se tratan-do de queixa-crime, conforme decisões.1

Passada essa fase – não alcançada a transação penal – recebidaa queixa, independentemente de laudo pericial como requisito deadmissibilidade, o querelado (autor da infração) terá direito, ainda, àproposta, também manejada pelo Ministério Público, de suspensãodo processo, a teor do artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Neste caso,também não se cogita de tramitação processual, pelo que não há falarnas diligências previstas nos citados artigos 524 a 530 do CPP.

E mais, não sendo possível a suspensão do processo (art. 89 daLei nº 9.099/95), certo é que, com a queixa-crime recebida, o proces-so terá o seu curso regular, devendo ser obedecido o rito previsto naLei dos Juizados Especiais, que não admite perícia e nem outras dili-gências complexas, porque prima pelas informalidade e celeridade,como já realçado alhures.

1 HC Nº 33929/SP – STJ – 5ª TURMA – REL. MINISTRO GILSON DIPP – DATADO JULGAMENTO 19/08/2004.HC Nº 32924/SP – STJ – 5ª TURMA – REL. MINISTRO GILSON DIPP – DATADO JULGAMENTO 28/04/2004.RHC 13800/SP – STJ – 5ª TURMA – REL. MINISTRO GILSON DIPP – DATADO JULGAMENTO 28/10/2003.

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Em suma, quando ocorrer uma das figuras delituosas previstasno caput do art. 184 do Código Penal, com a redação dada pela Leinº 10.695/03, o caminho processual a ser trilhado é, obrigatoriamente,o previsto na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), sendo for-çosa a conclusão pela imprestabilidade dos artigos 524 a 530-A, doCódigo de Processo Penal, neste particular.

Urge correção legislativa para contemplar o entendimento aci-ma exposto, de modo a tornar o procedimento mais célere e eficaz.

A meu sentir, bastaria simples menção no art. 184 do CódigoPenal, sobre a aplicabilidade, nas hipóteses delituosas previstas emseu caput, das regras previstas na Lei dos Juizados Especiais Crimi-nais (Lei nº 9.099/95).

4 CONCLUSÃO

Aferiu-se que a concepção de direito autoral pode variar deacordo com a posição que se adote, porém prevalece o entendimentode que esta é compreendida como direitos que o criador detém sobresua obra, fruto de sua criação e os que lhe são conexos. São os direi-tos econômicos e morais do autor sobre sua obra intelectual, sendocerto que os direitos autorais conexos são aqueles inerentes aos artis-tas intérpretes ou executantes da obra literária ou artística, dos produ-tores fonográficos e das empresas de radiodifusão. Tais interesses en-contram-se assegurados pela Lei nº 9.610/98.

O enfoque penal trouxe a compreensão da estrutura do tipopenal esculpido pelo legislador, o que permitiu a dissecação dos seusaspectos mais relevantes, ainda que de forma singela. Foi possível es-tudar a forma qualificada quando se abordou, entre outros aspectos, oconceito de lucro para distingui-la da forma basilar, trazida pelo caputdo dispositivo.

Buscou-se atribuir alguma finalidade à redação do parágrafo 4ºdo artigo 184 do Código Penal, para aplicá-lo na extração de cópiaintegral de uma obra, efetuada em um único exemplar, para uso priva-do do copista, sem o intuito de lucro, pois a interpretação literal levariaao esvaziamento da disposição legal.

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Nesse sentido, concluiu-se que o parágrafo mencionado possuiaplicação prática, uma vez que:

a) a interpretação extensiva é a única forma de garantir a suautilidade;

b) representa a real vontade do legislador no sentido de indicaruma exceção ao tipo penal previsto;

c) a norma penal não se aplica à cópia extraída nestas condi-ções, pois a conduta realizada está fora de seu âmbito de repressão;

d) a previsão está em consonância com compromissos interna-cionais assumidos pelo Brasil;

e) o princípio da proporcionalidade garante o predomínio doacesso à informação como forma de cumprir os objetivos fundamen-tais do Brasil sobre o interesse privado do titular do direito autoral.

Enveredou-se, ainda, pela análise de troca de músicas pelaInternet, em especial, através da tecnologia peer-to-peer, quando seconstatou que, em regra, a prática configurará o ilícito penal, pois acópia da cópia está fora do âmbito de exclusão da tipicidade patroci-nada pelo parágrafo quarto.

No mais, empreendeu-se o estudo das conseqüências da re-produção de cópias ilícitas quando se destacou a possível prática doscrimes de receptação e contrabando ou descaminho.

Sob o enfoque processual penal, forçoso registrar, conclusiva-mente, que as alterações trazidas pela Lei nº 10.695/2003, no campoprocessual, não se aplicam ao caput do art. 184 do Código Penal,também alterado por essa Lei, porque previstos ali, estão os crimes depequeno potencial ofensivo, ou seja, cuja pena máxima não é superiora 02 (dois) anos.

Não há que se cogitar das inúmeras diligências e providênciasprevistas nos arts. 524 a 530 do Código de Processo Penal, porqueos crimes previstos no caput do art. 184 do Código Penal, à luz dasLeis nº 9.099/95 e 10.259/01, são considerados de pequeno potenci-al ofensivo, aplicando-se a eles as regras procedimentais previstas nes-sas leis.

Assim, mais coerente seria o legislador se tivesse feito mençãono art. 184 do Código Penal, sobre a aplicabilidade da Lei dos JuizadosEspeciais, nos crimes previstos no caput, como meio de se alcançar,

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de forma eficaz e célere, a prestação jurisdicional. Como previsto atual-mente, a aplicação de dispositivos processuais penais (art. 524 a 530do CPP), para os crimes considerados de pequeno potencial ofensi-vo, importa em notório atraso processual, em flagrante desrespeitoaos direitos do jurisdicionado.

A alteração legislativa, ora sugerida, faz-se premente e de fun-damental importância para a efetividade da norma prevista no caputdo art. 184 do Código Penal, sob pena de torná-la letra morta na leipenal.

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WARNING: SOFTWARE MAY BEHAZARDOUS TO YOUR PRIVACY!

DANIEL B. GARRIE

SHIRA KAUFMAN

AbstractSpyware poses a serious threat of privacy infringement to unassuming

internet users across the globe. Existing European legislation attempts to protectend-users from unethical processing of their personal data. Spywaretechnologies, however, are skirting these laws and often times breaking thementirely. Outlawing the technology used in spyware and strengthening thelegal consent requirement to mine data are statutory solutions that can preventspyware users from skirting the law. An internationally standardized technologyeducation system for the judiciaries in Europe and the U.S. can help ensurethat when spyware users do break the law, they cannot hide by escapingfrom one nation to another without being held accountable. Transnationalimprovements are necessary to remedy the global spyware epidemic.

ResumoSpyware representa uma ameaça séria para a privacidade dos usuários

de internet ao redor do globo. A legislação atual européia tenta proteger osusuários finais contra o processamento não ético dos dados pessoais. As

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 247-267 2005

1 Additional thanks and recognition would like to be given to Professor Alan Blakleyand Matthew Armstrong for their efforts and insight in the development of this legalscholarly work.

Sumário

1. Introduction 2. Technological Overview of Spyware3. Privacy Rights and Spyware on a Global Stage 4.Spyware Solutions 5. Conclusion 6. Reference List

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DANIEL B. GARRIE / SHIRA KAUFMAN

tecnologias de spyware, todavia, estão desconsiderando estas leis e muitasvezes quebrando-as por completo. Tornar ilegal a tecnologia usada nospyware e fortalecer o requerimento do consentimento legal para minerardados são soluções legais que podem evitar que o uso de spywaredesconsidere a lei. Um sistema de tecnologia internacionalmente padroniza-da para os judiciários da Europa e dos Estados Unidos pode ajudar a garan-tir que quando os usuários de spyware quebrem a lei, eles não possam seesconder escapando de um país para outro, sem serem considerados res-ponsáveis. As melhorias transnacionais são necessárias para remediar a epi-demia global de spyware.

1 INTRODUCTION 1

With today’s rapid rate of technological advancement, it is imperativethat judicial systems around the world evolve their legal systems to addressthe spyware problem. Digital privacy is not limited to a specific geographicalboundary. As societies become more dependent on technology, the needfor greater awareness, action and education to help protect average citizensfrom all misuses of technology can alleviate this dilemma.

Although Europe has implemented quite strict data processingprotection laws, far beyond those within the U.S. (Weir, 2005), little hasbeen done to protect European Internet users from spyware (Levy & Stone,2005). Left largely unchecked by legal remedies, spyware has infiltratedand overrun personal computers worldwide. This paper elucidates the threatof spyware in light of its technical capabilities, analyzes how spyware violatesexisting European law, and provides solutions, statutory and non-statutory.(For a description of losses due to identity theft and the potential liability ofthose stealing the information, see Byers, 2001).

Spyware, whether in Europe or the U.S. is flourishing. A recentInternational Data Corporation [hereafter “IDC”] survey identified spywareas the fourth greatest threat to enterprise security. (Gordan, 2005). AnAOL/National Cyber Security Alliance (NCSA) Online Safety Study furthersupports this, recently reporting that 80 percent of scanned computerscontain a derivation of spyware or adware. (Gordan, 2005)). Irrespectiveof the precise number of infected machines it is clear that spyware existsand is growing in our computer-driven society.

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2. TECHNOLOGICAL OVERVIEW OF SPYWARE

Understanding spyware requires the realization that anyconnection to a site on the World Wide Web [hereafter “Web”] isnot passive and the visitor does not wander around invisibly.Connecting to the Web is not like opening a book in the libraryand looking at its contents. While the person accessing the Web isgathering information from the site, the site knows the visitor isthere, is monitoring the visitor’s actions and has varying levels ofaccess, by the visitor’s invitation, to that visitor’s computer. Oneof the earliest forms of this active interaction was cookietechnology. (Gordon, 2005) Most users find cookies beneficialbecause they “[e]liminate [] the need to repeatedly fill out orderforms or re-register on Web sites.” (Gordon, 2005) For instance,with passwords being increasingly difficult to remember, some sitesthat require user names and passwords place cookies on the harddrive so that the user has the option to log-in automatically whenvisiting.

The reality is, however, that many businesses seek morecompetitive advantages, and, consequently, have developed avariety of legitimate and illegitimate technologies to enhance theirmarket advantage. Some examples of modifications of legitimatecookie technology are such tools as data miners that activelycollect information, dialers that change the computers dial-upnetworking, worms that create self-replicating viruses, andhijackers that hijack a user’s home page are all examples ofmodifications of cookie technology. (Lavasoft, Spyware & HarmfulTechnologies, 2005)

2.1 Spyware Defined

Spyware is generally defined as software that, once installed ona person’s computer (usually without consent), collects and reports in-depth information about that end-user. (Gordan 2005) Spyware is theprogeny of clickstream data or cookie based data mining technology.(Brandt, 2000) These technologies are viewed as instrumental to theoperation of the global information society. To demonstrate this

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expansive reliance on cookie technologies, the reader need only viewthe cookies stored on any personal computer.2 The intertwined natureof spyware to other data mining technologies, makes regulation a verydelicate and difficult process. Most web portals would be severelylimited, if not rendered useless, in the absence of spyware-liketechnologies. A sampling of Web sites that would not operate if suchtechnology was prohibited is as follows: www.yahoo.com;www.google.com; www.wamu.com; www.schwab.com;www.ibm.com (U.S Dep’t Of Commerce, 2000) and adjoining theseweb sites are a slew of intranet and Web applications that utilize cookiesand clickstream data for authentication.

Spyware is capable of gathering a wide range of information,including web-surfing habits, each and every keystroke, e-mailmessages, credit-card information, and other personal information onusers’ computers. (Adelman, 2005) In the world of technology,“Spyware” is the umbrella term under which numerous technologies,both legal and malicious fall, including: adware (Hagerty & Berman,2003); trojans; hijackers (Wilson, 2005); key loggers (Schultz, 2003);malware (Carfarchio, 2002); and, dialers. (Wilson, 2005) While eachof these technologies has its own unique behavior, for the most partthey are all installed without a user’s informed and explicit consent, andtend to extract varying degrees of personal information, usually withoutthat end-user’s consent. (Spiror, 2005) For instance, Trojan spywareoperates with a focus on password-stealing using a “trojanized” pieceof software to grab passwords, either directly from the keyboard orwhile in transit over the network has been implemented many times ona raft of different platforms, which is installed without the user’s consent.(Wilson, 2005)

Spyware operates in relative secrecy, gathering end-userinformation without the end-user’s consent or knowledge. When

2 An end-user can view all of the cookies stored on a local machine using InternetExplorer by following these steps: (1) open Internet Explorer; (2) select “InternetOptions” under the “Tools” menu; (3) click on the “General” tab and click the“Settings” button; (4) click the view files button; (5) sort files by type by clicking on“Type”; (6) find documents of the type labeled “Text Document.” To see theinformation stored by the cookie in its raw and likely unintelligible format, double-click on one of these text files containing “cookie” in its file name.

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spyware successfully installs it is difficult to remove because it embedsitself within the system and uses various techniques to detect and replacevarious files that are integral to the operation of the user’s machine, soif a user rips out one or two parts, the undetected parts will come inand replace the files that were removed. (Wilson, 2005) The outcomeis that although the user is aware that spyware is installed, it is difficultfor the user to remove, even when utilizing spyware removal technology.(Schultz, 2003). Spyware blurs the existing fuzzy line between amalicious virus and an aggressive Internet marketing tool. Spyware,however, can monitor more than just the web pages an Internet surfervisits (for example, see Urbach & Kibel, 2004); it is able to access theend-user’s electronic file system (Prostic, 2004), e-mail system, webpages viewed, and any other information the end-user accesses on themachine that is not encrypted (Volkmer, 2004).

While valid commercial uses for spyware exist, its primary purposeis to spy and to gather information by invading a user’s protected digitalspace (Gibson, 2005), unbeknownst to the end-user (Foster, 2002),and to relay it to a third party. For instance, a malicious spyware applicationmight “pop up” a dialog box that warns the user of a problem with his orher account only to redirect that person to a look-alike site, which thenacquires personal financial resources. (Krause, 2005) As Krause (2005)points out generally, malicious spyware tends to be financially motivated,distinguishing itself from past viruses/malware.

2.2 Two Types of Spyware

Spyware, once it is installed on an end-user’s machine, can becataloged in one of two ways: (1) software-enabled installation ofspyware via shareware applications; and, (2) web-enabled installationthrough a user’s browser. This distinction is drawn because spyware’sdelivery and installation mechanisms can be categorized as eithersoftware-enabled or web-enabled spyware.

2.2.1 Software Enabled Installation of Spyware via SharewareAs Moshchuk,T., Bragin, T., Gribble, S., Levy H (2005),

researchers from University of Washington Dep’t of Computer Science,point out software-enabled spyware installs itself by way of attaching

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itself to shareware software, such as Kazaa (http://www.kazaa.com) towhich spyware code has been attached to several hundred million machines.Commonly these software programs are embedded within a DLL (DynamicLink Library) that the intruder can manipulate at a later date. (Moshchuk,2005) On average, such spyware has 93 components, making the processof removal, even for a knowledgeable technical person, an arduous anddaunting, if not impossible, task. (Moshchuk, 2005) Software-enabledspyware that relies on this attachment mechanism for installation has beencoined “piggy-backed spyware.” (Moshchuk, 2005)

The majority of software-enabled spyware programs fall withinthe “piggy-backed spyware” installation method. Once the spywareis installed it remains hidden from the user, (N. Leibowitz, publicpresentation, 2003), and because, the user consented to it’s installationvia the shareware application End User License Agreement [hereafter“EULA”], it does not violate black-letter law by transmitting data tothird-parties (N. Leibowitz, public presentation, 2003). For instance,spyware is frequently in e-cards, which a commercial trojan spywareare E-cards: romantic, joke and others with which to ensnare yourvictim. (Blakley, Garrie & Armstrong, 2005). This E-card spywarecan be used to spy on unsuspecting parties; all that is needed to installthe spyware is the email address of the target. (Simpson, 2003) It isable to snoop remotely on every action taken on the end-user’smachine and can be remotely logged and has notable potential inindustrial espionage as well as potential judicial repercussions.(Simpson, 2003). This illustration demonstrates the potential ofspyware to impact both commercial business and private citizens,irrespective of their locality. The reality is that spyware could be miningdata (Thompson, 2005) on the end-user’s machine, monitoring instantmessaging [hereafter “IM”] or monitoring voice conversations thatutilize voice over internet protocol telephony [hereafter “VoIP”].(Garrie, Harris, & Armstrong, 2005)

2.2.2 Web Enabled Installation of Spyware via BrowserVulnerability

The second type of spyware technology exploits vulnerabilities inweb browsers or web-based applications to install themselves on end users’

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machines. (Schultz, 2003) Functionally, the capabilities of the spywareinstalled are analogous to those installed via Shareware.

One main difference between the two types of spyware is thatseveral studies suggest that Web-enabled spyware is declining.(Moshchuk, 2005) It is difficult to determine the exact cause of thedecline of this form of spyware, but it is likely due to several factors:(1) public awareness; (2) adoption of anti-spyware tools; and, (3)adoption of automated patch installation tools. These three elementshave essentially helped prevent this type of spyware from capitalizingon technology based loopholes.

2.2.3 Adware is Different from Spyware

Spyware must be distinguished from adware. Adware, amodified derivative of cookie technology, places either random ortargeted advertisements on the screen of the user. (WebopediaSpyware, 2005) Adware is generally not malicious because it doesnot collect and use personal information for illegitimate purposes.(Webopedia Spyware, 2005). Spyware, while similar to adware, isusually an application installed on the user’s computer, and, bydefinition, is usually installed without the user’s knowledge. Not onlycan spyware monitor users activities on the Web, but it can also monitoreverything users do with their machines and transmit that informationto an outside entity. Unfortunately, users mostly accept spywareunintentionally or without a full and informed understanding of itsparameters when downloading something from the Web.

3 PRIVACY RIGHTS AND SPYWARE ON A GLOBALSTAGE

Spyware is a global problem; it is a problem in all six continentsaround the world. No particular country’s laws have been able to slowthe spread of spyware. In this section, we review European and U.S.law on the issue of data privacy, as applied to spyware. Although, dataprivacy rights vary from the U.S. to Europe, neither is particularlyeffective in protecting the public from the spyware epidemic.

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3.1 Europe

Europe has established a much more stringent degree of personaldata protection than the U.S. For instance, a U.S. company would bein violation of European human rights law by conducting electronicsurveillance of European workers and transferring the results to countrieslike the U.S. that do not afford adequate privacy protection foremployees’ personally identifiable information. (European IndustrialRelations Observatory On-line, 2005) Today, the Constitution of Europeand various European Union directives, including Directive 2002/58/EC, form the framework of Europe’s stringent digital privacy laws forindividuals. (European Commission, Privacy Protection, 2006)

3.1.1 Constitution of Europe

The Constitution of Europe is based on several successive treaties,most notably the Treaty of Rome (1957) and the Maastricht treaty(formally the Treaty on European Union, 1992), and has been modifiedby the more recent treaties of Amsterdam (1997) and Nice (2001).The Constitution was signed at a ceremony in Rome on October 29,2004. Before it enters into force, however, it must be ratified by eachstate. This process was expected to take around two years to comple-te, but following the rejection in France and the Netherlands, theremaining process is now unclear. At the European Council of June 16-17, 2005, leaders extended the deadline beyond 2006, but did not seta new date.

The issue of privacy is addressed in Article 8 of theConstitution. Article 8 states that “[e]veryone has the right to respectfor his private and family life, his home, and his correspondence.”(European Convention for the Protection of Human Rights and Fun-damental Freedoms, 1950) The ECHR has extended the definitionof “private life and correspondence” in Article 8 to encompass allbusiness relations, e-mail, and associated electronic communications.(See Niemietz v. Germany and Halford v. United Kingdom)Article 8 establishes a fundamental right to privacy that is grantedto all individual citizens of European Union countries under ECHRjurisdiction. Article 8 ensures protection of all communications

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irrespective of the means, which is distinct from U.S. law, where e-mail is given less protection than phone calls. (Garrie, Harris, &Armstrong, 2005) This broad data privacy protection is triggered theinstant information enters the boundaries of the E.U., irrespective ofthe medium used. (Garrie, Harris, & Armstrong, 2005)

3.1.2 European Directives & Privacy

European Union Directives are collective decisions made by themember states, acting via their national Government Ministers, whichparticipate in the Council of the European Union and the Parliament. ADirective requires that each member state implement legislation beforeit comes into effect in that state. Directives leave member states asignificant amount of leeway as to the exact rules to be adopted. But if,the member state does not pass the requisite national legislation, or ifthe national legislation is inadequate respective to the requirements ofthe directive, the European Commission can initiate legal action againstthe member state in the European Court of Justice [hereafter “ECJ”].(Mann, 2002)

Several European Directives have been passed over the yearswith respect to privacy. The first was in October 1995, when the ECadopted a directive on the protection of individuals with regard to theprocessing of personal data and on the free movement of such databetween member states. (Directive 95/46/EC) Directive 95/46, whichhas been implemented by all the members States of the European Union,applies to all data, both paper and digital. Directive 95/46 defines thebounds between lawful and unlawful data processing to protect therights and freedoms of persons who experience the processing of theirown personal data. For instance, Directive 95/46 requires that anycompany collecting data on an individual must first obtain the consentof that individual and that the company must also identify itself to thepeople from whom it collects data, and allows those people to accessthe data so that they may make any necessary corrections.

Directive 95/46 was expanded by a new Directive on Privacyand Electronic communication in 2002, which targets specific privacyissues relating to electronic communications. The European Parliament

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passed the Directive 2002/58/EC on July 12, 2002 concerning theprocessing of personal data and the protection of privacy in theelectronic communications sector. Directive 2002/58/EC, which hasbeen adopted by the member states, applies to the collection,transmission, and processing of “personal data” within the EU.Processing of personal data is permitted if the data subject hasunambiguously given his or her consent and in some other cases outlinedin the text. Directive 2002/58/EC requires a company seeking to gainaccess or to store information from a user’s terminal (e.g., PC, mobilephone or other similar devices) to provide the user with clear informationabout the purpose of any such invisible activity and offer the user theright to refuse it. (Directive 2002/58/EC) Directive 2002/58 furtherrecognizes that the use of cookies presents multiple privacy and dataprotection problems even though they may serve a valid functionalpurpose in business. (Garrie, Harris, & Armstrong, 2005)

Both Directive 2002/58 and Directive 95/46 bind not only serviceproviders established in the territory of EU Member States, but alsothose established outside the EU, including the U.S. The Directives areineffective in addressing the spyware wave for three reasons. First, theDirectives lack a clear description of the exact interaction betweenDirective 2002/58 and its mother Directive 95/46. For instance, theDirective 2002/58 provisions apply to information processed via cookiesthat cannot be qualified as ‘personal data’ within the meaning of Directive95/46. Second, neither Directive provides any concrete guidance as tohow entities must comply with the obligations to provide informationand to offer a right to refuse the installation of the spyware. For instance,a spyware application, by providing the user with the right to elect toinstall a shareware application, could arguably be offering the user theright to refuse the software. Third, it is not entirely clear what types ofcookie uses are covered by the Directives. For instance, spywareapplications that utilize technology that is a progeny of cookie-basedtechnology, such as peer-to-peer web applications, are no longerobliged to comply with either of the Directives. Therefore, while theEuropean Union directives provide a notably greater degree of protectionof personal data privacy, they are generally ineffective in addressing thespyware wave.

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3.2. United States’ Law and Spyware

The law of the U.S. specifically addresses espionage, whetherthrough the theft of government information or, as the law alsocontemplates, through stealing trade secrets or patentable information.(Rambus, Inc. v. Infineon, 2004, p. 692) But what of the theft ofother types of information from individuals’ or business’ computers?Most people are familiar with spyware’s ability to infect computers andto record browsing habits, keystrokes, passwords, financial information,and other personally identifiable information and to transmit it withoutthe computer owner’s knowledge. (Warkentin, 2005) Unfortunatelyfor the person whose computer has been hijacked and whoseinformation is being stolen, the law does not adequately address thesetypes of spies, that is, spyware.

Today, the U.S. law has not developed to address spywarebecause spyware is a relatively recent phenomenon - a phenomenonthat is really an extension of cookie technology. There are, however,three separate federal laws applicable in the spyware context: theComputer Fraud and Abuse Act [hereafter “CFAA”] (2000 & Supp.2004) the Stored Wire and Electronic Communications andTransactional Records Act [hereafter “Stored Communications Act”](2003); and the Wiretap Act (2000 & WestSupp. 2004). Unfortunately,none of these three acts were designed to address the issues presentedby spyware, and each has significant drawbacks.

Under the CFAA (2000 & WestSupp. 2004), spyware victimscan assert a civil cause of action provided they can show aggregatedamages during a one-year period of at least $5,000.00, somemodification or impairment of medical information, a physical injury, athreat to the public health or safety, or some damage to a governmentcomputer system. For the individual computer user, the only potentiallyapplicable claim, and also the most difficult to establish, is the aggregateof $5,000.00 in damage. Even the most expensive personal computercosts much less than this. (CFAA, 2000 & WestSupp. 2004) Analternative possibility would be for the individual to claim the loss ofpersonal data exceeding the $5,000.00 limit. (CFAA, 2000 &WestSupp. 2004) The question this raises for the individual consumer

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is whether litigation and the necessity of experts to show the extentof loss are worth the chance of recovery. (CFAA, 2000 &WestSupp. 2004) For the individual consumer, without a class action,the potential value of the CFAA disappears. Furthermore, even if aclass action arises, at least one of the members of the class musthave $5,000.00 worth of damages to allow the other class members’claims to survive. (CFAA, 2000 & WestSupp. 2004) The damagethreshold eliminates the CFAA as an avenue of redress for mostconsumers.

Under the Stored Communications Act (2000 & WestSupp.2005) it could be argued that spyware violates the Act by collectingpersonal information from an individual through a communicationwithout that individual’s consent. (The Act specifies a private causeof action to protect individuals in their privacy. (Blakley, Garrie &Armstrong, 2005). The Stored Communications Act requires proofof five elements. The access must: (1) be to “a facility through whichan electronic communication service is provided;” (2) be intentional;(3) exceed authorization; (4) “obtain, alter, or prevent” a wire orelectronic communication; and (5) involve a communicationmaintained in electronic storage in that system. (StoredCommunication Act, 2000 & West Supp. 2005) This statute, in itscurrent form, does not provide US consumers with a remedy becauseof its broad construction of authorization. However, as with otherpotential remedies, if “authorization” can be redefined, a remedymay exist.

The Wiretap Act (2004) would seem to be the best avenueto address spyware. However, unlike the Stored CommunicationsAct, courts have limited its provisions to apply only to theinterception of electronic information in transit. (Wiretap Act,2000 & WestSupp. 2004) The Wiretap Act was designed notonly to protect digital communications, but to protect telephonecalls over traditional networks. (Garrie, Harris, & Armstrong,2005) Spyware companies have taken advantage of the storage-transit dichotomy to develop programs that interceptcommunications while they are in a temporarily stored state, either

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prior to, or immediately after transmission. (Garrie, Harris, &Armstrong, 2005) The Wiretap Act while providing some legalviable recourse for the user, does not provide a comprehensivelegal civil or criminal remedy.

Adjoining these aforesaid legal remedies are two traditionaltort theories that may be effective in attempting to address spyware:trespass to chattels (Restatement (Second) of Torts § 218, 1965);and intrusion upon seclusion (Restatement (Second) of Torts § 652B,1977). Neither common law theory has proven particularlysuccessful (Blakley, Garrie & Armstrong, 2005). First, the tort oftrespass to chattels is marginally helpful because of the difficulty inestablishing damage to the chattel and the argument of impliedconsent. Second, the tort of intrusion upon seclusion focuses onconsent and depends upon whether a court finds that a victim’sexpectation of privacy is reasonable or that the spyware perpetratorhas a duty to prevent harm to the victim (Restatement (Second) ofTorts § 652B, 1977).

This type of weakness in the extant law demonstrates whythe judiciary’s role is extremely important regarding spyware cases.Irrespective of a court’s point of view in imposing or denying liability,the current common law fails to meet the needs of the consumer orof businesses in addressing spyware. Courts must be creative inapplying the law to these new situations.

4 SPYWARE SOLUTIONS

While all of the potential remedies described above mayprovide assistance for some consumers and businesses in certaincountries under the right circumstances, most spyware has beenable to bypass any criminal or civil liability. Country-specific statutorysolutions will probably be ineffective to impede the propagation ofspyware and other data mining technologies. Rather the only viablesolution is for countries to join together to implement uniform digitalprivacy protection laws that significantly improve international digi-tal privacy law remedies.

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4.1. Multi-Click Consent Agreements Analogous toInitialing Each Pertinent Point Respective to DataMining Performed by the Software Provider

One potential statutory improvement that would help minimizeunknowing consent by the user, and consequently eliminate mostspyware, is by requiring general acceptance of EULA terms, as well asspecific acceptance at all relevant points where access is granted to theuser’s personal information. The multi-click consent agreement itselfshould use language that can be understood by a layperson.

This multi-click consent solution would have three benefits. First,users will be better protected against “piggyback” spyware applications,because multi-click consent ensures that users are no longer unknowinglyconsenting to the installation and operation of spyware applicationsthrough a cumbersome, incomprehensible and, generally unread, EULA.(Eunjung, 2004) For instance, “piggyback” spyware applications, suchas Kaza, would no longer be able to embed in their EULA a provisiongranting consent to the installation of spyware applications that areinvisible to the user. Instead, the multi-click EULA would bring to theuser’s attention a specific consent component that would only grant thespyware permission to install and operate on the user’s machine after theuser is informed in plain and unambiguous language of the personal datathat the spyware may be record. Therefore, “piggyback spyware” thatoperates via the EULA loophole would be greatly limited because theywould not be able to obtain the user’s consent to the software installationvia a cumbersome EULA. Instead the consumer would be informed andeducated about the “piggyback spyware” being installed on their machine.

Second, the multi-click consent solution would benefit companiesthat utilize spyware applications for valid commercial purposes. Theexplicit multi-click consent EULA would provide evidence to rebutclaims by users that the companies’ spyware operated in a manner“invisible” to the user. For instance, a company could rebut a user’sclaim that the company obtained personal information without the user’sconsent with real-evidence of the user’s explicit multi-tiered consent tothe installation and operation of the software.

Third, the multi-click consent solution would enable the law to

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differentiate between data mining of the type done by companies that monitorwhich pages visitors view on their own websites (a practice with clearcommercial advantages that does not violate the end user’s personal privacy)from the type of data mining done by spyware programs that are actuallyinstalled on the end user’s personal computer and monitor key-strokes,passwords, and the like (Bono, 2005) without the user’s consent.3 Theconstruction of this distinction will facilitate civil and/or criminal prosecutionof unlawful spyware because such spyware would lack the user’s consent,whereas lawful spyware would have the user’s consent. Thus, the multi-tiered consent solution indirectly addresses unlawful spyware while directlyaddressing the highly problematic “piggyback spyware” issue. Mostimportantly, the average user will be protected from the misleading andcumbersome consent agreements through which “piggyback spyware”currently operates.

In order to effectively implement a multi-click consent EULA, auniform consent clause should be developed to standardize the statementof intent to mine personal data. All nations should be encouraged to adoptuniform legislation to prevent spyware companies from capitalizing ondifferent countries’ laws. This uniform statement would inform users of thepotential risks associated with granting consent to the installation andoperation of a spyware application on their machine. The statement wouldbe analogous to the health warnings found on cigarette cases in mostdeveloped countries that inform consumers of the health risks of smoking.(World Health Organization, 1999)

While the data mining and spyware industries are likely to resistto any such multi-click consent requirement, spyware is analogous tocigarettes in that consumers should at the very least be informed of thepotential harm that they may incur. Even though cigarette manufacturersresisted warnings, many countries require them for the physical healthof their citizens. (Mahood, 1995) Similarly, countries should requiremulti-click consent requirements for the “privacy health” of their citizens.

This special consent language should be inserted into the EULAand brought to the user’s attention, requiring that the user give explicit

3 It is beyond the scope of this paper to provide the technical details of how suchtechnology would operate, but further information is available from Daniel Garrie.

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multi-click consent. Like cigarette smokers, end users would still beable to allow spyware to operate on their systems if they choose to doso. The only difference would be that the end users would be able tomake an informed choice just as those who smoke do so knowing fullwell of the harms that prolonged exposure to noxious cigarette fumes cancause to their bodies. Utilizing this multi-click consent approachincorporating explicit consent language would greatly alleviate unwantedprivacy intrusions by data mining programs by refining consent agreementsto preclude click-through consenting (Blakley, Garrie & Armstrong, 2005).This can be developed further by perhaps adding a “civil enforcement”provision that gives significant civil damages to aggrieved individualsirrespective of their actual losses to help ensure that perpetrators whomine personal data without informed consent are brought to justice.

4.2 Potential Non-Statutory Solutions

While the international community is increasingly regulatingactivities on the Internet with promising statutory laws (Rundle, 2005),another viable tool for preventing spyware privacy infringements is togive courts access to information about emerging technologies andtheir potential to violate individuals’ rights. It is imperative that courtsaround the world be empowered to apply existing privacy laws intheir respective countries to new cases involving data processing dis-putes. This is especially true because many countries have adoptedlegislation, such as the European Directive of 1995, could be appliedto spyware. Judges need to have access to enough available informationto fully understand the technologies and how they are being used, orcould be used, to violate the law (Nesson, 2005).

Such a curriculum might include a combination of on-line, in-person,and paper materials, and could utilize a variety of educational tools, so as tomaximize accessibility to all judges across national borders. By standardizingnot only data mining law, but also the technical education and methods ofapplying such laws to specific cases, those who use spyware technologiesfor unethical ends will be at a tremendous disadvantage. Judicial educationwould help to establish a complete and potentially consistent body of caselaw in the international community as judges would have full understanding

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of how much privacy infringement data mining technologies are capable of.Ideally, an internationally standardized technology curriculum for judgescould be an extremely useful aid to justices presiding over privacy disputesinvolving new technologies.

5 CONCLUSION

While, the U.S. and the E.U. do not comprise the entireinternational community, they would be a good starting point foraddressing the spyware issue. By remedying the legal infrastructure inthe U.S or the European Union, irrespective of the fundamentally differentperspectives regarding digital privacy, it would provide a great startingpoint in addressing the global problem of spyware by providing acooperative model for the rest of the world. It is important that the legalreform expand beyond both the U.S. and the E.U. because spywareand other technological problems are not geographically bound. Forinstance, most software piracy is not U.S. or E.U. based. Furthermore,as new technologies emerge beyond the confines of cookie technologyor even Internet based spyware, the challenge confronting countriesaround the world to protect their citizens’ personal information will onlyincrease. Spyware is not bound to a particular member state of theE.U. or a particular state in the U.S., in fact, spyware is borderless.

Perhaps, the solution to the spyware issue is not at a countrylevel, but rather a global level. For example, perhaps the U.N. andInternational Court of Justice can somehow be utilized to create a glo-bal information privacy framework. Of course, any solution would neverapply to a governmental actor, but only to those who operate spywaretechnologies for personal or private purposes.

Irrespective of whether a country-specific or global approach istaken, those tasked with applying these statutes and laws should receivetraining and education on these emerging technologies on a regular basisbecause, by educating those tasked with interpreting the laws, fewerjudicial loopholes will be created. For instance, if judges were bettereducated with respect to how the Internet operates as whole, it certainlywould have improved the development of the law as applied to spywareand other internet data mining technologies.

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COPYRIGHT AND THE LIABILITYOF ONLINE INTERMEDIARIES IN THE

EU HARMONIZATOIN PROCESS:THE CASE OF TURKEY

ASLÝ DENIZ HELVACÝOÐLU

AbstractThe liability for the infringement of the copyrighted works

disseminated over the Internet without authorization has always beenone of the most crucial issues on the Internet law. This article analyzesthe EU legal framework for the liability of the online intermediaries witha special emphasis to Turkey, a Candidate State, in the phase of theEU legal harmonization. This is the first article examining the legal situationof the online intermediaries in Turkey with a special emphasis to thelegal obligations of the EU harmonization.

1 INTRODUCTION

The liability in case of infringement is a very complex issue. Incase of Internet it is very difficult to determine who the real infringer isas there is always wide range of providers performing between theparties such as between the content creator and the consumer or thehosting service provider and the access provider.1 The question of whois responsible for copyright infringement online needs to be answered.

1 KOELMAN, Kamiel J., “Online Intermediary Liability”, Edt. HUGENHOLTZBernt P.,”Copyright and Electronic Commerce; Legal Aspects of Electronic CopyrightManagement”, Kluwer Law International, 2000, p. 7.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 269-295 2005

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Content is an important factor in distinguishing the liability on theInternet. Every kind of textual, audio-visual or graphical data presentedon the Internet is considered as content. In defining the content, there isa distinction between the one’s own content and the other’s content.One’s own content is the content that the person puts on the Internetby himself and naturally of which he is liable of, whereas the other’scontent is under the liability of the person who puts it therein unless athird party alters, copies, distributes or reproduces the content withoutauthorization and thereby infringes the copyright owners’ moral andeconomic rights.

The main issue in liability is to determine the scope of it as liabilityoccurs as a problem emerging from the nature of the Internet allowingmany different parties to involve in the process of a transmission of awork. The determination of liability is required in two cases; when theservice provider itself is found to have engaged in copyright infringementlike unauthorized copying or when the service provider is foundresponsible for contributing to or making possible the act of infringementby another person.

In the early years of Internet, the liability issue was regarded as aproblem that is totally related to the Internet Service Providers (ISPs)that perform hosting and Internet access. The traditional ISP liabilitywas emerging from the file-spaces that are made available to thesubscribers on the ISPs’ servers, in accordance with the contracts signedbetween the ISPs and its users. In case of subscribers using the spacegiven to them as a part of their contract with the ISPs accompanied tothe service of Internet access, downloading, storing and uploading illegalcopies of copyrighted works was recognized as a problem to be solvedin line with the provision of liability. It was necessary to identify whetherthe ISP was fairly only a “host” without knowledge of providing accessto infringing works or not. With the introduction of new variety of onlineintermediaries that undertake the acts of hosting, storage or transmissionof information on the Internet, there occurred to a need to specify theliability of the online intermediaries and to assign a more expandeddefinition for those agents.

Currently the expression of online intermediaries include not onlyISPs in the traditional understanding that solely provide hosting and

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access but also online sellers and the distributors of goods and services,both virtual and non-virtual, the dating websites, online auction sites,portal sites that gather information on a selected issue in detail or thatcover general information on many different issues, computer programand game providers, virtual information providers, aggregators whichare the sites providing links to a variety of sites, digital forms of traditionalmedia organizations, universities, libraries and archives offering accessto digital content, search engines, chat-rooms; weblog or online diarysites, mailing list moderators and websites of individuals and institutionsincluding content provided by a third party or hyperlinks to that content.2

This article aims at analyzing the EU approach to the liability ofthe online intermediaries on copyright protection. This is the first articleexamining the legal situation of the online intermediaries in Turkey witha special emphasis to the legal obligations of the EU harmonization. Inthe first three sections the acts challenging the liability of onlineintermediaries and the current legal framework in the EU are evaluated.The last section is focused on the Turkish legal environment for copyrightprotection on the Internet with a particular emphasis given to the liabilityof online intermediaries.

The Acts Challenging the Liability of Online IntermediariesIn order to figure out the liability, first the acts causing infringement

should be identified. There are two types of infringement; direct andindirect.3 Direct infringement is accepted as the actual act of violationof the copyright whereas the indirect infringement is contributory. Indirectinfringement covers acts of supplying assistance, materials andequipments a part of technical means. For example in the Sony MusicEntertainment (UK) Ltd. & Others v EasyInternetcafe Ltd. Case, Easy-Internetcafes were found guilty of copyright infringement by allowingcustomers to download music and burn CDs at their chain of Internetcafes.4 EasyInternetcafes have agreed to pay costs and damages totalling

2 WAELDE Charlotte, EDWARDS Lilian, “Online Intermediaries and Liability forCopyright Infringement”, WIPO Seminar on Copyright and Internet Intermediaries,Geneva, April 18, 2005, WIPO/IIS/05/1, p. 6.

3 KOELMAN 16-17.4 SHERWIN, Adam, The Times, 29 January 2003, available at www.timesonline.co.uk/

law

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£210,000 to the British record industry in compliance with the decisionof the High Court judgment.5

The clarification of intermediary liability arising from variousdifferent acts of infringement of copyrighted material distributed on theInternet requires the identification of some certain acts that fall underthe scope of the liability of the online intermediaries. In this context,there are three main acts that need to be clarified; caching, peer-to-peer (P2P) file sharing and linking. The most vital one is P2P file sharingas it has direct negative economic effects on the copyright owners.

P2P technology has emerged as a new efficient way of transferringdata online, in any form, by facilitating the collaboration amonggeographically dispersed users. However P2P technology has startedto be the nightmare of the copyright owners as it is started to be usedfor the unauthorized sharing of digital music and movie files on the Internetthrough P2P networks. With the computer hardware that makesavailable music tracks to be copied from a CD-Rom and transferred toand stored in a computer, making copies of digital music files incompressed digital versions like MP3 format, without the authorizationof the copyright owner has become very easy and inexpensive.

Today, in copyright liability, the most important aspect is to identifythe liable party in use of P2P file sharing which enables unlimitedavailability and distribution of a copyrighted work to millions of onlinepeople. Since the unauthorized mass distribution of copyrighted worksvia P2P file sharing computer program over the Internet has began in1999, the world wide music record sales have fallen 22%6 and P2P filesharing has become one of the most fiercely debated issues regardingthe copyright due to its negative effects in the music industry. The illegalP2P file transfer infringes the current copyright system, however thesuccessful informative campaigns7 raise public awareness against illegal

5 “Damages Awarded in EasyInternetcafe Litigation”, available athttp://media.guardian.co.uk/newmedia/story/0,7496,933184,00.html, retrieved24.03.2005.

6 WRAGG Barney, “Universal Music Online”, WIPO Seminar On Copyright andInternet Intermediaries, Geneva, April 18, 2005, WIPO/IIS/05/4A, p. 7.

7 For more information see the website of the campaign www.pro-music.org

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file-swapping and inform the users on the legal services which allowconsumers get music online via a range of payment methods, includingpaid-for downloads and subscription, from online sites.8 Achievinglegitimate online music business is the main concern of the copyrightowners. Research Company Jupiter Research has estimated that salesof online music will increase exponentially from less than $80 million in2003 to $3.3 billion in 2008 and account for over 25% of US musicspending.9 In IFPI Digital Music Report 2005 it is estimated that thedigital music market was worth US$330 million in 2004, and is expectingit to double in value in 2005.10

Generally, the intermediaries that enable or assist in downloadingand uploading of files, both legal and illegal, by means of P2P computerprogram are the actual writers of the P2P computer program or thewebsites from which P2P computer program can be downloaded byits users. In this context, the websites that provide the use of P2P filesharing computer program programs, such as Napster.com, iMesh.comand BitTorrent.com, become the major actors of liability questions.

It should be noted that P2P intermediaries do not themselveshost files that infringe copyright but they simply enable the users whohave downloaded P2P computer program to exchange and to sharefiles that contain works protected by copyright. There are trackers andseeders in P2P file sharing.11

The trackers are the central computers which keep track of allthe users downloading a particular file and allow them to find eachother whereas the seeders are the users leaving the file available forsharing after having finished the downloading of it. In uploading a workon to the Internet, the main question is to determine whether theintermediaries or the service providers who enable Internet connection

8 Such as MSN Music Club, Virgin Downloads, Tiscali Music Club, HMV DigitalDownloads, Fnac, TDC Musik, Karstadt and MTV.

9 EICTA Position Paper on Digital Content Distribution and Digital RightsManagement (DRM), p.2, available at www.euractiv.com/ndbtext/infosoc/ecitadrmpositionpaper21nov2003.pdf, retrieved 14.01.2004.

10 IFPI Digital Music Report 2005, www.ifpi.org, also available at http://www.streamingmedia.com/europe2000/busiday2.asp, retrieved 25.06.2005

11 WAELDE, EDWARDS 9.

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are liable for infringements or not.12 According to the provision ofcommunication to the public in Copyright Directive, online distributionwhich is known as webcasting, broadcasting and cable programs fallwithin the scope of protection. Under the right of communicationprovision of the Copyright Directive, service providers who solelyprovide physical means of access are considered as immune from theliability. This means that Internet service providers that provide onlyInternet access are not liable for the infringement caused by uploading.

A legitimate P2P file transfer should allow the copyright ownersto have the right to choose the criteria of communication to the publicincluding when and how their works are to be distributed, provide controlof the copyrighted material for the prevention of the unauthorizedutilization or distribution and should provide mechanisms to ensure thatthe copyright holders are compensated at agreed rates.13 Digital rightsmanagement technologies are used commonly to control of thecopyrighted material for the prevention of the unauthorized utilizationor distribution. Today there are many successful online distributionchannels of music and video which are protected by digital rightsmanagement technologies. Digital rights management enables to createa protection provided both by technology and legislation. The pay-per-download service launched by On Demand Distribution (OD2) inthe UK, Germany, France, Italy, Spain and Belgium is considered asan example of the new approach where the copyrighted material isprotected by both technological and legal means. This is a business-to-business service, presenting content providers access to a selection ofretail outlets on the Internet. OD2 is one of the most advanced onlineservices available in Europe. It uses Microsoft’s DRM system withusage rules for content providers. Microsoft’s DRM system enablesrightholders to control what the end-user is able to do with the digitalproduct such as making a CD copy. Whereas Rhapsody which is anInternet-based ‘jukebox’ giving its subscribed customers unlimited

12 STEPHANBLOME Markus, “Internet Provider Liability for CopyrightInfringement under German and European Law”, UNESCO Copyright Bulletin,Volume XXXV, No. 2, 2001, p. 5.

13 WRAGG 5.

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access to thousands of albums right from PCs, uses a proprietary DRMto protect its catalog from unauthorized access and reproduction.

Caching is one of the firstly realized acts for which the definitionof the scope of the liability is to needed. Caching is a technical processwhich enables ISPs to make local copies of remote web pages in theusers computers in order to speed up the delivery of those pages onthe subsequent request of the users. It needed to be determined whethercaching was making unauthorized copies of copyrighted work or not.Today, the generally accepted approach in both European and Turkishlegal framework supports the idea that caching is a technical processthat is used for increasing the speed of opening a website with the soleaim of efficiency on the net, and therefore does not violate copyright.

The second issue is linking14 which means providing a hyperlinkto a site where the illegal content is available. Linking bears greatersignificance as the Internet deepens in content and becomes manageableonly via search engines. The most crucial part of linking emerges fromthe nature of Internet enabling unlimited hyperlinks which can begenerated automatically by locational tools such as search engines. Everytime a user requests a search, search engines browse unlimited numberof unknown sites of unknown content and direct the search owner tothose that fit the search.

Shetland Times v Wills constitutes a very good example forlinking.15 The Shetland Times was a newspaper published originallyhard copy. The owner of this newspaper established an Internet site forthe newspaper in order to give the news written in the hardcopynewspaper to the online users. The site was designed with a front pagecontaining headlines from the newspaper upon which the users clickedto access the stories. In 1995, the editor of the newspaper had fallenout with the owner and opened a site called The Shetland News whichprovided news on the Internet. After a year, the Shetland News Internetwebsite included headlines of Shetland Times as hypertext links. Those

14 A link is a connection between the content of two different files or between differentparts of a single file. A link may lead either to another file in the same web site, or toa file on a different computer located elsewhere on the Internet.

15 EDWARDS, WAELDE 185-194.

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hypertext links were providing access to the stories on The ShetlandTimes website. Subsequently, The Shetland Times sued the ShetlandNews alleging that there was an infringement of copyright. The mainthought lying under the suit was that the Shetland Times was planning tosell advertising spaces on its front page which with the hyperlinksprovided by the Shetland News, the users bypass. The case was settledwith the decision that the headline texts had copyright and copyingthem for reproduction was an infringement. As a consequence it wasdecided that the stories that The Shetland News hyperlinked wouldcontain the legend stating “A Shetland Times Story” and would providelink to the main page of the newspaper.

The last issue arises from the increasing number of unauthorizedmusic, computer program and movies copied, downloaded, uploadedand made available on the Internet through the use of P2P file sharingplatforms and computer program. The infringement of copyright appearsas a complex liability problem as in most of the cases illegal copy isstored or transferred without the knowledge of the Internet accessprovider who only gives access to it or the hosting provider whoseservers only store the it. In the P2P file sharing platforms where thesystem is centralized, it is easy to appoint both the owner of the platformand the person that uploads copyrighted work to the system as theliable party, as it is easy to identify the. However the developments intechnology help the platforms to acquire new P2P file sharing computerprogram where it is totally impossible to identify the infringing partiesdue to the multifaceted, multileveled character of the program.

Liability of Online Intermediaries in the EU Legal FrameworkIn practice there are three approaches to regulating the liability

of the online intermediaries; total liability, self regulation and limitationof liability/notify and takedown. The total liability approach makes theintermediaries liable unless they fulfill their duty of safeguarding the rightsof the copyright holders. In this approach when the service providerwhich offers hosting was found to be hosting MP3 files that infringecopyright, it would be found as liable as the user who placed the MP3and would not have the chance of defense by virtue of being anintermediary. This is a very strict system and practically unworkable.

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The self regulation and total immunity approach allows ISPs actas the editors and the filters of the content. Such a system requires totalimmunity from liability for the ISPs in respect of the content they carryand host. The most important example of total immunity regulation inglobal legislation is the US regime; Communications Decency Act 1996(CDA).16

The limitation of liability/notify and takedown approach is theapproach that is undertaken by the European Union. This systemdepends on the understanding that there should be a balance indetermining the liability of the online intermediaries in compliance withidentified risks and immunity. Notice and takedown procedure impliesthat the service providers which are not liable of the content, shouldassist the protection of the copyrights on the Internet by providingtechnical support. This technical support can be explained as the act ofblocking the access to the infringing content and taking it down. Themajor problem of notice and takedown regime is its liberal nature thatleaves the decision of taking down after a notification is made, directlyto the service providers without any court prosecution.

The European approach to liability is established by twodirectives; Copyright Directive17 and the Electronic CommerceDirective18 with a view to find a clear framework of rules relevant tothe issue of liability of intermediaries for copyright and relating rightsinfringements at Community level. The liability provisions provided inthe Electronic Commerce Directive is not specific to copyrightprotection; however, bear a more general approach to the contentliability. In Electronic Commerce Directive a balance between privacyof subscribers and the responsibility to cooperate with the copyrightholders is tried to be reached.

16 WAELDE, EDWARDS 20.17 Directive 2001/29/EC of the European Parliament and of the Council of 22 May

2001 on the harmonization of certain aspects of copyright and related rights in theinformation society, OJL 167, 22 June 2001.

18 Directýve 2000/31/EC of the European Parliament and of the Council of 8 June2000 on certain legal aspects of information society services, in particular electroniccommerce, in the Internal Market, OJL 178/, 17.7.2000.

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However in both of the Directives, the criminal sanctions for thecopyright infringements are left to the jurisdiction of the Member States’national law even though in the international intellectual propertyprotection rules introduced by TRIPS urge WTO members to imposecriminal sanctions, like imprisonment, for people who counterfeit goodsfor commercial gain. There appears a problem in P2P file sharing, asthe criminalizing the act of file sharing may end up in the prosecution ofan ordinary consumer making copies for his own, as harshly as a personmaking and selling millions of copies of CDs. European Bureau ofConsumers Unions state their reservation on the criminalization of filecopying by a consumer downloading music from the Internet to make aprivate copy for personal and non-commercial use and defend that insuch a case the consumer should not be prosecuted at all.19

Liability in Electronic Commerce DirectiveThe Electronic Commerce Directive defines the intermediaries

as the information society services providers. An “information societyservice” is defined as “any service normally provided for remuneration,at a distance, by electronic means and at the individual request of arecipient of a service. The phrase ‘at a distance’: points out that theservice is provided without the parties being simultaneously presentwhereas ‘by electronic means’: means that the service is sent initiallyand received at its destination by means of electronic equipment for theprocessing (including digital compression) and storage of data, andentirely transmitted, conveyed and received by wire, by radio, by opticalmeans or by other electromagnetic means. The phrase ‘at the individu-al request of a recipient of services’: means that the service is providedthrough the transmission of data on individual request.

This definition introduces a more general liability regime than thetraditional ISP based one. Recital 18 of the Directive states thatinformation society services cover various economic, online activitiessuch as selling goods online, offering on-line information or commercialcommunications, providing tools allowing for search, access and retrieval

19 EU prepares to debate P-to-P file-sharing, Monday 9 February 2004,Computerweekly.com, retrieved 23.05.2005.

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of data; services consisting of transmission of information viacommunication networks, providing access to a communication networkor hosting information provided by a recipient of the service, serviceswhich are transmitted point to point, such as video-on-demand or theprovision of commercial communications by electronic mail. Accordingly,the liability regime includes the electronic commerce sites, onlineinformation and search tools and telecommunications, cable and mobi-le communications companies offering network access services,individually on-demand services like video-on-demand and email.20

In Recital 42 it is stated that the exemptions from liabilityestablished in Electronic Commerce Directive cover only cases wherethe activity of the information society service provider is limited to thetechnical process of operating and giving access to a communicationnetwork over which information made available by third parties istransmitted or temporarily stored, for the sole purpose of making thetransmission more efficient. This is a technical, automatic and passiveprocess which implies that the information society service provider hasneither knowledge of nor control over the information which istransmitted or stored.

In the European Union ISPs are offered full immunity in cases ofmere conduit. This is in line with the understanding reached in the WIPOCopyright Treaty. In the agreed statement to the WCT, it is stated thatthe mere provision of physical facilities for enabling or making acommunication does not in itself amount to communication within themeaning of this Treaty or the Berne Convention. Article 12 (1) of theDirective asserts that a service provider can benefit from the exemptionsfor mere conduit when they fulfill the criteria provided in the Article.Accordingly, ISPs should not initiate the transmission, select the receiverof the transmission or modify the information contained in thetransmission in order to preserve the immunity from the liability. In sucha case, law regards the ISPs as a common carrier like a post officeoffering automatic, intermediate, and transient storage service. Themanipulations having technical nature which take place in the course of

20 WAELDE, EDWARDS 11-12.

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the transmission are not covered by the Directive as they do not alterthe integrity of the information contained in the transmission.

The conflict between IFPI and the Belgian Telenet21 constitutesa recent example for mere conduit. The IFPI, the internationalrepresentative of the recording industry, has initiated legal proceedingsagainst the Belgian ISP Telenet alleging that there is unauthorizeddistribution of music via Usenet newsgroups and demanded the blockingof the access to the newsgroups in Telenet’s news service which areknown to be used for distributing illegal music files. The Telenet ISPclaimed that providing Usenet services is a mere conduit activity inwhich Telenet does not control the content of data that are beingtransported over the network by its customers and therefore inaccordance with the provisions of the Electronic Commerce Directive,Telenet cannot be held liable for giving access to infringing MP3s. TheBelgian Internet Service Providers Association (ISPA) in its statementconcerning the allegations on Telenet supported the Telenet due to thefact that it did not initiate the transmission, select the recipients, and didnot select or modify the newsgroup content which is being transmitted.The conflict is seeking settlement outside the Court, with its preferredoutcome a Protocol that would describe how the IFPI, the Ministry ofJustice and ISPA will handle future manifestations of illegal content innewsgroups.22

In accordance with Electronic Commerce Directive’s Article 13,a service provider can benefit from the exemption for caching when heis not involved with the information transmitted. Article 13 states thatan ISP will not be held liable for the automatic, intermediate, andtemporary storage of information that is carried out for the sole purposeof making more efficient the onward transmission of the information toother recipients of the service upon their request. The automatic transferof website information held on a server, regularly used by the recipientsmay constitute an example of caching.23 For attaining exemption the

21 IFPI sues Belgian ISP over Usenet, 11 February 2004, available at www.edri.org/edrigram/number2.3/usenet, retrieved 24.03.2005.

22 WAELDE, EDWARDS 26.23 PEARCE, Graham, PLATTEN Nicholas, “Promoting the Information Society: The

EU Directive on Electronic Commerce”, European Law Journal, Vo.6, No.4, December2000, p.363-378, p.372.

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service provider should no way be modifying the information transmittedand should comply with conditions on access to the information andthe rules regarding the updating of the information, specified in a mannerwidely recognized and used by industry.

Furthermore the provider should not interfere with the lawful useof technology, widely recognized and used by industry, to obtain dataon the use of the information. In addition, the provider should actexpeditiously to remove or to disable access to the information it hasstored upon obtaining actual knowledge of the fact that the informationat the initial source of the transmission has been removed from thenetwork, or access to it has been disabled, or that a court or anadministrative authority has ordered such removal or disablement.Accordingly, immunity is provided for taking down cached copies oncethey obtain actual knowledge that the original source of the informationhas been removed or access to it disabled, or removal or blocking ofaccess has been ordered by a competent court or authority. Provisionconcerning caching enable search engines to maintain copies of materi-al locally to assist searchers even when they have moved on the originalsite, and mirror sites set up to reduce the demand on a single site offeringpopular pages.24

The liability issues concerning hosting are lied down in Article14. According to Article 14 (1) when an information society serviceconsists of storage of information provided by a recipient of the servicewho can be any natural or legal person using the information societyservice for private or professional reasons, Member States shall ensurethat the service provider is not liable for the information stored at therequest of a recipient of the service. However, this exemption will bedependent on the conditions that the provider does not have actualknowledge of illegal activity or information and, as regards claims fordamages, is not aware of facts or circumstances from which the illegalactivity or information is apparent. Furthermore, the provider, uponobtaining such knowledge or awareness, should act expeditiously toremove or to disable access to the information in question.

24 WAELDE, EDWARDS 23.

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Under Article 14, information society service providers areexempted from liability in respect of the storage of information providedby a recipient of their services, as long as they do not have the actualknowledge of illegal activity or illegitimate nature of the content inquestion. This is immunity from the criminal liability.

For the claims for damages that fall within the civil liabilityinformation society service providers are considered immune as longas they do not have the actual knowledge and are not aware of factsand circumstances from which the illegal activity or information isapparent. However, Article 14 (2) provides that content is shall not betreated as originating from a third party if that recipient acts under theauthority or control of the information society service provider.

Although Article 12 (1), Article 13 (1) and Article (14) (1) provideexemption of liability in cases of mere conduit, Article 12 (3), Article13 (3) and Article (14) (3) give the court or administrative authority ofa Member State, the right to obligate the service provider to terminateor prevent infringement in accordance with its legal systems and notaffect Member States’ possibility of establishing specific requirementswhich must be fulfilled expeditiously prior to the removal or disabling ofinformation.

In accordance with this provision, Italy has made transferringcontent via the Internet through P2P file sharing websites or computerprogram without the permission of the copyright holder a criminal offencewith jail sentences on anyone caught uploading or downloadingunauthorized copyright material to and from the Internet whether forfinancial gain or not.25 Those found guilty of the unauthorized distributionof copyrighted material will be subject to a fine of between 154 Euroand 1.032 Euro, a jail sentence of between six months and three years,the confiscation of their hardware and computer program, and therevelation of their misdeeds in Italy’s two national newspapers, LaRepubblica and Corriere della Sera.

On the contrary to Italy’s severe punishment approach, Spain,Austria, Lichtenstein and Portugal have extended intermediary immunities

25 Italy Approves Jail for P2P Users, 20.05.2004, available at www.theregister.co.uk/2004/05/20/italy_p2p_law, retrieved 4.04.2005.

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to cover linking liability.26 In the First Report on the Application ofDirective 2000/31/EC of the European Parliament and of the Councilof 8 June 2000 on Certain Legal Aspects of Information SocietyServices, in Particular Electronic Commerce, in the Internal Market on21.11.200327, it is stated that some Member States prefer to providefor limitations on the liability of providers of hyperlinks and searchengines. This move is evaluated as incentives for investment andinnovation and for the enhancement of the development of e-commerceby providing additional legal clarity for service providers. However,there are two recent rulings of German and Norwegian Courts, findingout that linking constitutes a copyright infringing act and a liability issueof the service provider.

The latest German ruling on linking constitutes an oppositeattitude. In May 2005, the First-Instance District Court of Munich hasruled that German website Heise.de has violated the country’s copyrightlegislation by linking to SlySoft’s website which is the maker ofANYDVD, a computer program product that allows cracking thecopyright protection found on most DVD-Video discs, and CloneCD,a tool that allows backing up virtually all of the copy protected audioCDs.28 Even though the website defended itself by pointing out to thefreedom of speech, the court ruled that in this case the protection ofintellectual property creates the major concern and decided that enablingdirect linking via the website of SlySoft facilitated the finding of the filesand thus increased the threat of copyright violations significantly. Thecourt stated that the linking to copyright infringing tools is illegally inGermany and ruled that the Heise Zeitschriften Verlag, the ownercompany of the website is subject to pay 500,000 euros in damages tothe music industry. Interestingly, the Court also informed that publishing

26 WAELDE, EDWARDS 24.27 First Report on the application of Directive 2000/31/EC of the European Parliament

and of the Council of 8 June 2000 on certain legal aspects of information societyservices, in particular electronic commerce, in the Internal Market, 21.11.2003,COM(2003) 702 Final.

28 Links to Piracy Tools Ruled Illegal in Germany, Music Business Journal, May 2005Issue, available at http://www.heise.de/english/newsticker/news/58315, retrieved05.05.2005.

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articles about copyright infringing tools is legal in Germany, in relationto the freedom of speech.

In March 2005, the Norwegian Supreme Court has found astudent running a website linking to free digital music files liable forcopyright infringement even though third parties provided the infringingmaterial.29 Norwegian subsidiaries of Sony Music and Universal Music,sued the student and the student was fined 100,000Kkroner (£ 8,000)for abetting an illegal act.

The notice and takedown regime in EU is also given in Article14. Accordingly, Article 14(1)(b) of the Directive introduces that theprovider of an information society service, consisting of the storage ofinformation, upon obtaining such knowledge or awareness, should actexpeditiously to remove or to disable access to the information to retainthe exemption from liability. In Recital 46 it is stated that the removal ordisabling of access has to be undertaken in the observance of theprocedures established for this purpose at national level meaning thatthe Directive does not affect Member States’ possibility of establishingspecific requirements which must be fulfilled expeditiously prior to theremoval or disabling of information. In line with this provision, EUMember States approach differently to the issue. In Belgium, takedownof content by an ISP must be authorized not by a full court but by astate prosecutor whereas in Italy and Spain, Electronic CommerceDirective oriented regulations foresee that a competent body shoulddetermine the legality of disputed content.30

However, in practice notice and takedown is not carried outprecisely by the ISPs and the removal of the content or the disablingaccess is done without prior investigation. The research carried out bySjoera Nas at Bits of Freedom, a digital human rights group in theNetherlands targets to observe the notice and takedown tendency ofthe ISPs in Netherlands.31 In the research Nas, pretending to be a

29 “Norwegian Supreme Court Finds Link Site Owner Liable for CopyrightInfringements”, available at http://www.out-law.com/php/page.php?page_id=mplinksbreachcop1107172121&area=news, retrieved 12.06.2005.

30 WAELDE, EDWARDS 32-33.31 For further information; http://www.bof.nl/docs/researchpaperSANE.pdf and

http://Isolum.typepad.com/copyfutures/2004/10/multatuli_proje.html

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copyright owner and a complainant, asked 10 Dutch ISPs to removeworks by Multatuli, a Dutch writer who died in 1860. The works of thewriter were in the public domain. Seven ISPs took down the text withoutchecking it out; one failed to respond to the complaint, only one examinedthe text of and informed that it was in the public domain and the last oneone forwarded the complaint to the website owner. The takedown hitrate was 70%.

There are also different types of online protection tools like awebpage on copyright information with the sole aim of user education,search of the infringing items, personal information requests and noticecomputer program that are preferred by the online intermediaries inorder to increase the control of the illegal use of the copyrighted worksand to increase the notice and takedown process. The VeRO programthat eBay, one of the world’s biggest global online trading platform withabout 40 million daily product listings, uses, enables right owners torequest the removal of the infringing items including music and computerprogram from the website, free of charge since 1997.32

Article 15 provides that Member States of the European Unionmay not impose a general obligation on ISPs to monitor the informationor data which is transmitted or stored through their services. However,Member States may establish obligations for information society serviceproviders to inform the competent public authorities of alleged illegalactivities undertaken or information provided by recipients of theirservice. Member States may also demand the providers to communicateto the competent authorities, at their request, information enabling theidentification of recipients of their service with whom they have storageagreements. Contrary to this provision, enabling Member States to gatherinformation for identification of the people taking part in infringing act,the Higher Regional Court of Frankfurt has ruled that ISPs are notobligated to reveal the names and addresses of the Internet users offeringdownloads of music files on the Internet even though this violates the

32 NIKULA Jyrki, “Protecting Intellectual Property in the Online World”, WIPOSeminar On Copyright and Internet Intermediaries, Geneva, April 18, 2005, WIPO/IIS/05/6, p. 5

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copyrights or other rights of third parties.33 The Court noted that theISPs only provide technical access to the Internet and does not generallyhave any obligation to inspect the data being sent through their networkand therefore are obliged only to block access for the cases that theyare informed of the illegal content.

Article 21 of the Directive foresees a re-examination processwhich requires the Commission to submit to the European Parliament,the Council and the Economic and Social Committee a report on theapplication of the provisions of the Directive in every two years in orderto analyze the need for proposals concerning the liability of providersof hyperlinks and location tool services, “notice and takedown”procedures and the attribution of liability following the taking down ofcontent and also for the additional conditions for the exemption fromliability, provided for in Articles 12 and 13.

Liability in the Copyright DirectiveIn the EU, even though there is not a special legislation concerning

file transfer, some provisions of the Copyright Directive include thisact. As the Copyright Directive targets the harmonization of the authors’right of communication to the public regardless of where this takesplace under Article 3, this right covers any such transmission orretransmission of a work to the public by wire or wireless means,including broadcasting. The on-demand transmission of copyrightedworks over networks falls within the scope of the rights given by thisDirective. This also includes the right of making available all forms oftransmissions of music online. However, Directive does not providethat the first sale doctrine, which is referred to as exhaustion of rightscan be applied to the online delivery of music.34

Article 5 (1) of the Copyright Directive provides exemption forcaching. Accordingly, the temporary acts of reproduction which aretransient or incidental and which are integral and essential parts of a

33 Case Reference: 11 U 51/04. “German Court Clears ISPs of Liability for InfringingUses by Third Parties”, available at http://www.heise.de/english/newsticker/news/55580, retrieved 12.07.2005.

34 GERVAIS 1403-1404.

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technological process, bearing the sole purpose of enabling atransmission in a network between third parties by an intermediary areexempted from copyright protection. In cases lawful use, again thetemporary acts of reproduction which are transient or incidental andwhich are integral and essential parts of a technological process areexempted. However, the acts of reproduction concerned should haveno separate economic value of their own.

Recital 33 states that the exception in Article 5 (1) should includeacts which enable browsing as well as acts of caching to take place,including those which enable transmission systems to function efficiently,provided that the intermediary does not modify the information anddoes not interfere with the lawful use of technology, widely recognizedand used by industry, to obtain data on the use of the information. A useshould be considered lawful where it is authorized by the rightholder ornot restricted by law. This provision is totally in compliance with theprovisions of the Electronic Commerce Directive which establishes alimited liability regime for the online intermediaries.

Liability of Online Intermediaries in the Turkish Legal FrameworkIn Turkish law, there are two types of liability; the liability in a

contract, emerging from the provisions of a contract and the liabilityfalling out of a contract. The conditions that prevail over the liability arealso applied in case of liability of the online intermediaries.

The copyright infringement on the Internet is considered as a tortand therefore it requires the elements causing the tort. The tort can bedefined in two groups; the acts in opposition to the contract35 (Article96 of the Turkish Code of Obligations), and the torts in narrow sensewhich does not arise from a contract but from the general provisions ofthe Code.36 The elements of liability in tort include the acts in oppositionto the law, injury, fault and the causal relation.37 Those four elementsderive from Article 41 of the Turkish Code of Obligations stating that

35 For information on contracts in Turkish Code of Obligations, YAVUZ Cevdet,“Türk Borçlar Hukuku Özel Hükümler”, Geniþletilmiþ 5. Basý, Beta, Ýstanbul,1997.

36 REÝSOÐLU, Safa, “Borçlar Hukuku, Genel Hükümler”, Onyedinci Basý, Beta,2005, p. 138.

37 REÝSOÐLU 139.

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the party that causes the injury of the other party tortiously, on purpose,or in negligence or in recklessness, is subject to the compensation ofthat injury. In addition to this, Article 70 of FSEK covers the rights ofprosecution for compensation of damages for pain and suffering and ofthe damages for pecuniary loss occurred as a result of tort.

The liability in tort derives firstly from acts in opposition to thelaw. The acts in opposition to the law are defined as the acts thatcontradict the written or non-written rules for the protection of personalproperty in economic and moral terms, including copyright.38

Accordingly, when the acts of copyright infringement on the Internet,undertaken by the online intermediaries are taken into consideration, itis seen that the acts are certainly in opposition to the law. The clause ofopposition to the law will diminish in cases of public competence, theuse of a right deriving from private law, the consent of the infringedparty, scientific criticisms, self defense, state of necessity, use of forceto protect one’s own right, damage intentionally with an unmoral act.39

In accordance with Article 41, also injury should be identified inorder to claim liability in an act. In tort, injury is the state of differenceoccurred between the actual situation and the situation how it would beif the tort would not have been realized.40 The injury may be in actualterms or in terms of profit loss. Accordingly, in case of copyrightinfringement on the Internet, there appears injury both in the economicand moral rights of the copyright owners, therefore the onlineintermediaries that involve in such acts, will then be held liable of theinjury thereof.

The fault establishes another aspect of liability in tort. The TurkishCode of Obligations foresee that a person injuring a party with an actopposite to the law, will only be assumed liable for the compensation ifthere is fault. Fault may occur due to intention or negligence. Both ca-ses are subject to compensation. Accordingly, if an ISP does not takedown the infringing content after being notified by the copyright owner,due to negligence, it will also be held liable of tort.

38 REÝSOÐLU 140.39 REÝSOÐLU 141-145.40 REÝSOÐLU 146.

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When the liability of the online intermediaries is analyzed in theframework of the elements of liability in tort, it is seen that that withoutthe positive act of Internet service providers, it is impossible to join theInternet and to act illicitly. The negative result is reached by gatheringthe diverse acts of diverse parties together, which may fall within thecasual relation. Casual relation depends upon the connection betweenthe act opposition to the law and the injury. This is an important factorwhen P2P file sharing is considered. In P2P file sharing, there exists acasual relation between the owners of the platforms that enable theusers to download the P2P computer program for file sharing and thecopyright infringements occurring due to the distribution of the digitalcopies by the users of that platform. Similarly, there is also a casualrelation between the users of the system and the dissemination of theunauthorized digital copies of music files.

The liability of the online intermediaries should also be evaluatedunder the joint liability emphasized in Articles 50 and 51 of the TurkishCode of Obligations. Article 50 covers the cases where more than oneperson causes injury with joint fault, whereas Article 51 includes thesituation where more than one person is held liable for the same injurydue to several reasons, even though they are not jointly caused thatinjury. The joint liability arising in Article 50 emerges from cooperationand consensus between the parties that cause injury by an act inopposition to the law with a joint fault. In such a case, all of the partiesinvolved will be liable for the compensation.41 When the onlineintermediaries are taken into consideration, this provision sets theessential legal ground for liability in linking. For the cases where there isnot an evidence of cooperation between the parties who are involvedin the same acts in opposition to law which result in the same injury, theparties involved will fall under the scope of Article 41, pursuant to theliability deriving from causal relation and will be liable of the entire injury.42

This provision may be applicable for the copyright infringements causeby the parties that disseminate the unauthorized digital copies of music

41 REÝSOÐLU, 178.42 REÝSOÐLU, 179-180.

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files on the P2P file sharing platforms. For the ISPs that provide hosting,the joint liable clause will be valid for the cases where the ISP has theknowledge that the content stored is illicit and does not take the necessarymeasures.

The Liability of Online Intermediaries under Turkish CopyrightProtection

In Turkish legal framework, the liability of the online intermediariesis provided by the latest amendments of the Law on Intellectual andArtistic Works No. 5846 (thereafter FSEK). The Additional Article 4included in 2004 sets the rules governing the liability issue on the Internet.Additional Article 4 states that; in case of the infringements of thecopyright holders, by the service and the content providers that usetransmitting devices including the digital medium, the infringed worksshall then be taken down due to the notice of their owners. Accordingly,when compared with the EU legal framework including the liability ofthe intermediaries, similarly, this Article provides notice and takedownprocedure which is relying on the prior notice of the copyright holder.

The terminology used for the online intermediaries and groupedin two different names; the service providers and the information contentproviders, creates confusion. The text shows that service providers aredeemed to be the access providers whereas information content providershould be regarded as any of the other online intermediaries that provideservices other than access. Even though the approach is parallel to theEU, the problem arises from the use of information and content togetheras substantiating phrases to expand the scope of the services providedand remain as one of the deficits of this Law.

Additional Article 4 explains the notice and takedown regime indetail. When the copyright owner, a natural or a legal person it may be,realizes an infringement, the Law anticipates the owner to inform theinformation content provider and ask for bringing to an end theinfringement in question in three days. In case of the continuity of theinfringement, upon a notice made to the Attorney of Republic, the serviceprovider is asked to stop the services provided to the information contentprovider in three days. The services shall only be re-provided to theinformation content provider after the takedown process is realized.

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The most criticized part of this Article is its obligatory attitudetowards the service providers that obliges them to deliver a list containingthe names of the information content providers that they provide servicestherein, to the Ministry of Culture and Tourism. This is an incrediblybureaucratic paper work which is totally against the nature of the Internetwhere every single thing is in digital formats. Furthermore both the serviceand the information content providers are compelled to present everykind of information and document to the Ministry in condition of ademand. This part of the Article resembles to the application of US forthe liability issue of the intermediaries on the Internet, however lackspracticability when the obligatory elements are taken into consideration.

For the parties that realize the acts of infringement on purposeand without authorization and for the information content providers thatcontinue the infringement, Additional Article 4 foresees the applicationof the provisions of Article 72 of FSEK. This paragraph is included tothe text by the amendments made in 2004 in order to clarify the penaltiesthat the information content and service providers are subject to andfalls within the criminal liability. Those penalties include imprisonmentfrom 3 months to 2 years and a fine from 5 billion to 50 billion TL orboth in line with the injury. However, this provision regarding the penaltiesis very hard to attain as in most of the cases the service providers donot provide content and the content providers are located in foreigncountries, remaining unidentified.

Liability in P2P File Sharing under the Copyright ProtectionThe P2P file sharing constitutes both the infringement of economic

and the moral rights of the copyright holder under FSEK. Thedigitalization of an art work does not prevent the continuity of theprotection provided by the Law. As the use of P2P file sharing computerprogram requires the transformation of the music file into a digitalizedformat, is not an act of reproduction, P2P file sharing does not infringethe right of reproduction.

When the act of P2P file sharing is analyzed, surprisingly it isseen that this act infringes the right of copying at utmost level. Thedigitalization of a work is basically falls within the act of copying.Therefore under Article 22, the person realizing the act of copying willbe held responsible as long as this act does not conflict with the personal

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use clause in Article 38 of FSEK which enables the users to makecopies of their own under the condition of non-commercial use. Sothere should be a distinction between the limits of personal use. Theperson transforming music work into digital format; into MP3 forpersonal use will not be held liable for copyright infringement unless hedisseminates this file on the Internet to third parties over P2P computerprogram platforms.

The most challenging part of liability in P2P file sharing emergeswhen the digital formatted music works are distributed on the Internet.Under Article 23 of FSEK, act of dissemination is an illicit act.Furthermore this act also falls within the category of communicationpublic under Article 24 of FSEK and naturally infringes the copyright.However, will a person downloading a music file from a P2P file sharingplatform for his personal use be regarded as an infringer, this is thequestion. In accordance with the personal use clause in the Law, it istrue that any person that performs copying for personal use may not beconsidered as the infringing party as long as he does not upload any fileto the system and becomes a distributor, as well. In Turkey, still there isnot a commonly approved solution for this. Therefore the cases in EUmay form samples for the future cases in Turkey.

The most welcomed approach is be to pretend the P2P computerprogram platforms as the access providers, claiming that they do notdistribute any illegal content and they do not have knowledge or controlover the files in transaction. This approach offers immunity from liabilityto the P2P computer program providers as long as the system is notfunctioning with centralized index methodology.

ConclusionEuropean Union accepts and applies notify and takedown

principle which clearly ideally tries to create a balance between therisks and immunity of the online intermediaries. Notice and takedownprocedure derives from the procedural approach that the serviceproviders which are not liable of the content should assist the protectionof the copyrights on the Internet by blocking the access to the infringingcontent and taking it down. The notice and takedown regime has aliberal nature which leaves the decision of taking down directly to theservice providers without any court prosecution, after a notification ismade.

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The European approach to liability is established by twodirectives; Copyright Directive and the Electronic Commerce Directive.Both of these Directives remain in the scope of the EU legalharmonization that the Candidate States should comply with, meaningthat both shall be adopted by Turkey as a part of her Candidate Status.However in both of the Directives, the criminal sanctions for thecopyright infringements are left to the jurisdiction of the Member States’national law. Therefore even though Turkey is obligated to adapt theprovisions of the Directives, she will retain to right to impose criminalsanctions.

In Turkish legal framework, the liability of the online intermediariesis provided by the latest amendments of the Law on Intellectual andArtistic Works FSEK which is updated with the recent amendmentsundertaken in accordance with the EU law. The recent amendmentsforesee the application of notice and takedown procedure to the onlineintermediaries. In that respect, Turkey has full compliance with the EUlegal framework providing notice and takedown procedure.

REFERENCES

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NOTAS SOBRE AS ASSEMBLÉIAS DECREDORES NA LEI DE RECUPERAÇÃO

DE EMPRESAS

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Sumário

1. Introdução. 2. A nova lei em face do Decreto-Lei n. 7.661/1945. 3. Assembléia geral. 4. Classesde credores. 5. Assembléia geral de credores. 6.Conclusão.

ResumoEste artigo faz uma análise da Nova Lei de Recuperação de

Empresas e Falências em face do Decreto-lei nº. 7.661/45, especial-mente quanto às assembléias de credores, entendidas como as reuni-ões de pessoas para, em conjunto, e na forma prevista, discutirem edeliberarem sobre matéria de interesse comum relacionado com o pla-no de recuperação da empresa em crise. Aborda-se a questão da clas-sificação dos credores, sua participação nas assembléias e o interesseprático da sistemática desenvolvida pela nova legislação. Buscandouma análise interdisciplinar do instituto em face do direito e da econo-mia, questiona-se a viabilidade da realização das citadas reuniões antea chamada Teoria dos Jogos. Para esta teoria econômica, os partici-pantes de determinado pleito adotam condutas segundo estratégiaspré-definidas. Conclui-se que, não necessariamente, as estratégiasadotadas pelos credores correspondem ao intuito da lei de preservar aatividade econômica em crise, vislumbrando-se o descrédito da siste-

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mática, em decorrência do domínio de determinados grupos, menosvulneráveis e mais informados sobre a situação da empresa em crise.

AbstractThis article analyzes the new Brazilian banrkuptcy act, the decree

– law 661 of 1945 especially regarding the creditors assembly, that isunderstood as a meeting of persons to, under the terms of law, discussand adress the issues that are important for the plan that restructuresthe company. The text addresses the classification of the creditors, theirparticipation in the assembly and the practical interest of the terms ofthe new law. This analysis is made under an interdisciplinary perspectivethat takes into account law and economics and the the theory of games.Under this economic theory, participants of a clain adopt behaviorsfollowing pre-defined strategies. The conclusion is that, not necessarily,strategies adopted by creations follow the law’s objective that is toprotect the economic activity in crisis, what lead to a loss of credibilityin the new legal system, due to the prevalence of some groups, lessvulnerable and more informed about the situation of the company incrisis.

1 INTRODUÇÃO

A disciplina normativa relativa à crise das empresas, na esteirada legislação norte-americana a qual, em boa medida, está reproduzidanas normas européias, assenta-se sobre dois pilares: a) de um lado atentativa de preservar aquelas empresas (entenda-se aquelas ativida-des anteriormente ditas mercantis) desde que existentes condiçõeseconômico-financeiras que viabilizem tal escopo; e b) a proteção docrédito ou da sua circulação. Contudo, o legislador de 2005 retira docampo de incidência das normas, as empresas públicas e sociedadesde economia mista, instituições financeiras, seguradoras, cooperativasde crédito e consórcios. A exclusão deve-se ao fato de que a crisedessas empresas, ao menos no que diz respeito à reorganização, estásujeita a disciplina especial.

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Feito a reparo, note-se o cuidado com que se trata da viabilida-de econômica de empresa em crise porque, de nada serve envidaresforços para preservá-las, nem mesmo argumentos como a garantiade empregos ou ser ela estratégica, sem que fique demonstrada a pos-sibilidade de superar a crise, porque os efeitos sobre o crédito e apti-dão para superar a crise dependem de demonstração de que a renta-bilidade do negócio será resgatada e que a atividade atingirá algumnível de normalidade.

Empresa é fenômeno econômico e, portanto, a crise também oserá ou, na melhor das hipóteses, terá impacto econômico sobre aatividade. Por isso será desejável promover a recuperação de empre-sas ou organizações apenas quando sejam economicamente viáveis. Adeterminação da viabilidade econômica da empresa deve ser demons-trada em plano ou projeto que será negociado com os credores. Essanegociação, no caso de recuperação judicial da empresa, tem comolocus a assembléia geral de credores. No caso da recuperação extra-judicial as negociações serão empreendidas entre devedor e uma oumais classe de credores.

A opção de política legislativa – conferir aos credores poderpara aprovar, alterar ou rejeitar o plano de recuperação empresarialapresentado pelo devedor – parece, porém, ter deixado de lado re-curso a estratégias que podem alterar a distribuição de poder e produ-zir resultados inesperados, alguns indesejáveis. É isso o que se preten-de estudar.

2 A NOVA LEI EM FACE DO DECRETO-LEIN. 7.661/1945

O legislador de 2005 afastou-se, em larga medida, das regrasadotadas em 1945 nas quais a tutela do crédito diante de situações deinsolvência de comerciantes se resumia à decretação da falência. Origor emprestado à circulação do crédito está evidente na redação doart. 1o. do Decreto-lei n. 7.661/1945 que considerava falido o comer-ciante que deixasse de pagar, no vencimento, obrigação líquida, salvorelevante razão. Entendia-se que atrasos, além de indicarem a impos-

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sibilidade de pagar, implicavam abalo no crédito, com perda de confi-ança na capacidade de honrar as obrigações por aquele devedor.

É que, a perda de credibilidade, confiança, do crédito, em suma,por atrasos no pagamento de obrigações, suportava presunção juristantum de que estaria instalada uma situação de desequilíbriopatrimonial adverso (passivo maior do que ativo), que tornava inviávela continuidade da atividade mercantil, sendo, pois, mais conveniente adecretação da falência como forma de preservar o mercado.

Outra solução era quando se tratava de iliquidez momentânea,superável, porque o desequilíbrio era de caixa e não patrimonial e essase resolvia com a concessão da concordata preventiva da falência,que dava ao devedor comerciante prazo para solver as obrigações.

Se a falência eliminava do mercado aqueles comerciantes que,por falta de talento, por serem propensos a riscos, ou qualquer outromotivo, poderiam, com suas decisões na condução dos negócios, com-prometer a circulação do crédito, a concordata preventiva dava fôlegoàqueles que, momentaneamente, se encontrassem sem recursoslíquidos.

A falência poderia ser pensada, e não se cogita aqui de matériapenal e privação de liberdade, como pena socialmente relevante, por-que, ao atingir a reputação do comerciante, culminando com seu afas-tamento do meio, impedindo-o de exercer o comércio, ainda quandotemporariamente, serviria para incentivar diligência, prudência no con-trair obrigações. Esse fator, a reputação, mais do que ver na medidade eliminação do mercado, um procedimento infamante, seria o incen-tivo, forte, para que comerciantes, desejosos de participar de merca-dos, adotassem comportamentos adequados à atividade sem propa-gar o risco entre os demais. Na verdade, a falência poderia ser inter-pretada como mecanismo que fixa padrões ou paradigmas para tutelara circulação do crédito em mercados nos quais o risco está presente.

Já a concordata suspensiva, isto é, a interrupção do procedi-mento de liquidação do ativo para pagamento do passivo, tambémprevista no quadro normativo, servia de incentivo para que, ainda du-rante o processo de liquidação do ativo e solução do passivo, se fos-sem adotadas medidas saneadoras, se os credores e o magistrado se

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convencessem da boa-fé do comerciante, de que falência não era amelhor solução, que não se devera à falta de diligência, à imprudência,que havia possibilidade de recuperar o negócio, seu deferimento, ain-da que raro, não estava vedado.

Essas medidas atendiam a necessidades econômicas de funcio-namento dos mercados em sociedades de base agrícola ouagropecuária, de baixo nível de industrialização, sendo menos ade-quadas em face das enormes transformações sócio-econômicas quetiveram início na década de 50 do século passado. O acelerado proces-so de industrialização, avanços tecnológicos e internacionalização daeconomia e a crescente inserção do país em novos mercados torna-ram aqueles institutos defasados para compor os reclamos dasociedade.

Demais disso a inflação que, ao longo dos anos 60 a 90 doséculo passado, pela corrosão do poder de compra da moeda, esti-mulava, tanto na falência quanto na concordata, que se protelasse oandamento de qualquer medida judicial, porque isso gerava para osdevedores, ganhos reais em virtude da não correção do valor das obri-gações, do passivo em geral, ao passo que os ativos, se e quandonegociados, o eram a valor de mercado. Vale dizer que o decurso dotempo reduzia ou até eliminava a relação negativa entre ativo e passivoque poderia tornar-se positiva, com ganhos derivados da inércia dodevedor.

Pior do que a inflação, fator de natureza social em relação àdecretação da falência de algumas grandes sociedades, consideran-do-se o efeitos e repercussões, quer no mercado de trabalho, quer node crédito, levou à criação, no BNDE (atual BNDES), de um assimdenominado «hospital de empresas». Comum ouvir-se a frase «muitogrande para quebrar», ou «opera em setor estratégico» para explicar osocorro do governo com a transferência de recursos públicos paratais sociedades visando a atividades no pressuposto de que, futura-mente, o banco recuperaria os montantes invertidos.

Indiscutível que a legislação anterior requeria ajustes, umaggiormento, a revisão do tratamento da crise empresarial de forma aque a falência fosse o último recurso e que os devedores não se aprovei-

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tassem do favor legal que era a concordata para ganhar tempo transfe-rindo mais risco aos credores.

Assim, apoiado em experiências de outros países de mesmosistema, direito codificado, buscou-se soluções menos traumáticas parao caso de, constatado o desequilíbrio adverso entre ativo e passivo,não passar diretamente para o procedimento liquidatário-solutório, afalência, mas dar ao devedor a oportunidade de demonstrar que reor-ganizada a atividade, terá condições econômicas de continuar. Resta-va estabelecer critérios para avaliar a eficiência das operações pro-postas, dado que o procedimento anterior gerava custo social, o quedeve ser evitado quando se parte da noção de eficiência alocativa comprevalência da racionalidade na tomada de decisões.

É que, diz a teoria econômica, que partindo de uma qualquerdistribuição de bens na sociedade, sua circulação se faz daqueles queos apreciam menos para quem os aprecie mais, ou, de outra forma,dos usos menos para os mais eficientes. Quando há mercados a circu-lação dos bens se dá sem muito atrito (custos de transação); mas,diante de crises, ainda quando os mercados funcionem, os custos detransação serão mais elevados, e o oportunismo fica mais fácil e aindaexternalidades negativas podem aparecer.

A solução está no processo de recuperação – judicial ouextrajudicial – das empresas em crise que, desta feita é analisado peloscredores. Assim, a mudança do quadro normativo propõe tratamentodiferenciado para as crises empresariais conforme haja possibilidadeconcreta de preservar algum ou alguns núcleos, ou não.

Desaparece da lei a concordata, em ambas as modalidades, apreventiva da falência, e o favor legal, em que se concedia prazo paraque o devedor solvesse, integral, ou parcialmente, as obrigaçõesquirografárias, sempre com base no pressuposto de que se estaria frentea fato específico, a iliquidez1, ou a suspensiva da falência, que inter-rompia o processo de liquidação no pressuposto de que seria viável acontinuação do negócio.

1 A concordata preventiva, antes da estabilização do poder de compra da moeda, queno mais das vezes, servia para ganhar tempo, postergar a falência, e oferecer estímu-los incorretos e inadequados no que diz respeito à tutela do crédito, deveria mesmoser abandonada.

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A nova lei dá a quem tem interesse na preservação do regularfuncionamento do mercado de crédito a possibilidade de analisar ascondições de superação da crise e o poder para decidir quanto àviabilidade de preservar-se, ou não, aquelas atividades econômicasque passem por processo de crise, seja ele de iliquidez seja de dese-quilíbrio patrimonial adverso.

A re-configuração dos mecanismos de avaliação das condiçõeseconômico-financeiras das empresas permite ignorar argumentos dotipo «muito grande para quebrar», reduz o espaço para exercer pres-são e obter vantagens sob o argumento de atuar em setor estratégicoe, sobretudo, reduz-se manobras de oportunistas que, abusando darelativa facilidade com que eram deferidos pedidos de concordata pre-ventiva, ganhavam sobrevida aumentando, na maioria das vezes, asperdas dos credores.

Sendo a empresa fenômeno econômico, sua preservação ourecuperação deve manter foco nas questões econômico-financeiras,nas operacionais e no fato de que deixar de fundar as decisões nessesparâmetros, o econômico em particular, para atender a alguns interes-ses, em geral defendido por grupos que, capturando o legislador, tra-tam de obter vantagens pessoais, independente de quem venham aprejudicar, perde-se eficiência na alocação de recursos escassos.

A defesa que fazem alguns sobre a importância de preservarempresas em crise, porque teriam função social, não atende aos crité-rios de eficiência. Que função têm empresas cuja saúde econômico-financeira está comprometida, que dependem de benesses do legisla-dor ou do Estado? Como atividade econômica que são, a função so-cial das empresas é criar riquezas; não podendo fazê-lo, a falência,reorganização ou recuperação, assentadas sobre premissas deeconomicidade, são o meio mais adequado para estimular diligênciade administradores e credores. A inversão de recursos públicos semcritérios de eficiência, a pretexto da função social da empresa, fere alógica econômica.

O economista está preocupado em mensurar o bolo, fazê-locrescer, enquanto o operador do direito, com fundamento na noçãode justiça, equidade, pensa em função social, e imagina que poucoimporta o tamanho do bolo, que é mais importante dividi-lo. Eficiência

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e eqüidade não são mutuamente excludentes, podem e devem ser con-ciliadas. Supor que eqüidade se mantém sem eficiência é ignorar, nalógica própria de ordenamentos de base romano-germânico-canônica,que 100% de zero é menos do que 1% de 10; que manter em opera-ção atividades ineficientes a título de função social, de assistencialismoinconseqüente, pode beneficiar alguns, mas desestimular muitos.

Buscar eficiência e equidade parece ter sido a proposta quevem solucionada mediante a experiência, aplicada com sucesso emvários países da Europa continental, copiada do direito anglo-norte-americano, de transferir aos credores, tanto empresários, profissionaisque exercem atividade econômica organizada, quanto não empresári-os, o poder para decidirem, reunidos em assembléias gerais, sobrepreservar, ou não, as atividades da empresa em crise. O legisladordesenha forma de compartilhamento do resultado da deliberação comaqueles sobre os quais recai parcela ponderável do impacto econômi-co da crise, mediante a recepção de modelos negociais mais flexíveisdo que a decisão de decretação da falência do sistema anterior.

Profissionais tendem a analisar as informações e propostas apre-sentadas por outros profissionais de óptica mais objetiva, ponderaralternativas e oferecer sugestões que aperfeiçoem o projeto, o façammais eficiente, o que é feito nas assembléias gerais de credores. Anoção de eficiência é dos economistas: relação entre os benefícios to-tais da situação e o custo total dela decorrente, vale dizer, trata-se decomo mensurar o «bolo».

Por isso que a leitura e interpretação dos artigos da nova leipara verificar se são criados incentivos que induzam devedor e credo-res a agir de forma a obter os melhores resultados, a evitar oportunis-mos e externalidades que deveriam ser internalizadas, a reduzir custosde transação, é o que se pretende fazer. Claro que as observações sãomeras especulaçôes, sendo necessário aguardar as decisões judiciaispara saber se não produzirão efeitos de segunda ordem que facilitemcomportamentos oportunistas.

Dar aos credores poder para decidir sobre a recuperação deempresas em crise, contudo, tem como premissa que seus interessessão homogêneos e que se trata de um jogo estratégico de soma zero oque resta a ser demonstrado.

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3 ASSEMBLÉIA GERAL

Assembléias são reuniões de pessoas para, em conjunto, e naforma adrede prevista, discutirem e deliberarem sobre matéria de inte-resse comum. A tomada de decisões que envolva mais de duas pes-soas – hipótese em que, ou há consenso ou não há decisão – pressu-põe conversas, debates e, ao final, declaração de cada um dos envol-vidos em determinada direção, em geral, sim ou não.

A importância da disciplina das assembléias gerais reside no fatode que deliberações colegiadas tomadas de acordo com as normasprevistas vinculam todos os membros do grupo, inclusive os ausentese dissidentes, porque o princípio informador das assembléias gerais, oda maioria, - que excepciona a unanimidade – tendo como limites ob-jetivos direitos individuais, atende melhor do que a unanimidade, oequacionamento de situações em que interesses diversos estão em jogo.Mesmo a abstenção, ou seja, nenhuma declaração em qualquer dossentidos propostos à consideração dos membros do grupo, indicativade que poderia, talvez, haver outra alternativa ou falta de convenci-mento do declarante em face dos argumentos apresentados pelos de-fensores de uma das outras posições, serve como fundamento paraque não sejam tomadas decisões aprovadas por certo número (depessoas ou de interesses).

Regra ordinária para a aprovação de matérias de interesse co-mum por colegiados – e a assembléia geral o é – requer a manifesta-ção, em determinado sentido, de certo número de seus membros, al-guma maioria, que pode ser tanto a presente à reunião, quanto a dosmembros do grupo. A decisão será tomada por maioria simples quan-do baste a maioria dos presentes; por maioria qualificada quando seimponha a presença para fins de deliberação – aprovação ou rejeição– de mais da metade dos componentes do grupo.

Assembléias gerais são mecanismos de consulta em que se reú-nem as pessoas que tenham interesse comum em dada matéria, inte-resse que poderá ser afetado e que, conforme o resultado das decla-rações individuais da maioria delas em dada direção, é aceito ou rejei-tado. O voto, declaração individual do membro do colégio, se somaao dos demais membros e forma a deliberação.

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A título de exemplo, tome-se a disciplina das assembléias geraisda lei do anonimato. Acionistas são convidados para se reunirem atomarem decisões em relação a certas matérias de interesse de todos,ou, até de interesse de espécies ou classes de ações. No primeiro casotrata-se de assembléias gerais, no segundo de assembléias especiais.

A disciplina das assembléias das anônimas está disposta nos arts.121 e seguintes da Lei n. 6.404/1976 em que se apresentam as nor-mas para exercício dos poderes decisórios dos acionistas. A relaçãode temas inclui reforma estatutária, eleição e demissão de administra-dores, apreciação dos resultados da ação administrativa, propostasde reorganização da sociedade, aprovação de pedido de falência e,agora, recuperação judicial ou extrajudicial (art. 122); quorum de ins-talação, ou seja, presença mínima necessária para a instalação da reu-nião (art. 125), quorum de deliberação – votos mínimos necessáriospara a validade e eficácia das deliberações tomadas (art. 129). As-sembléias podem ser ordinárias ou extraordinárias conforme as maté-rias a serem deliberadas. É ordinária a assembléia geral realizada anu-almente, que tem como principal tema a avaliação dos efeitos da açãoadministrativa; é extraordinária a assembléia que tem como objeto adeliberação sobre matérias relativas ao negócio associativo (art. 135).

Como nem todos os interesses dos acionistas são homogêneos,requer-se, em certos casos, manifestação daqueles cujos interessesdistintos poderiam ser alterados por deliberação da maioria, que écondição de eficácia daquela deliberação. É o caso previsto no art.136, I e II da Lei n. 6.404/1976, que impõe a convocação e instalaçãodas assembléias especiais, porque a decisão da maioria tem como li-mites objetivos os direitos individuais dos acionistas, que não podemser modificados sem expressa anuência dos afetados.

Por isso que é importante a matéria de conteúdo e de procedi-mentos de convocação e instalação das reuniões, quorum de instala-ção e de deliberação como garantia de que validade e eficácia de de-liberações colegiais, que, por maioria, vinculam todos os membros dogrupo inclusive ausentes e dissidentes. O princípio da unanimidade éacompanhado de normas que prevêem formalidades e limites para evitarabusos. Não se permite que a maioria delibere e afete ou altere direi-

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tos individuais sem conhecimento e possibilidade de discussão pelosinteressados atingidos.

4 CLASSES DE CREDORES

Tal como na lei do anonimato, que classifica acionistas segundosejam titulares de ações ordinárias ou preferenciais sem direito de voto,ou debenturistas, titulares de créditos com garantia real, garantia flutu-ante ou subordinados no que diz respeito aos bens sobre os quaispodem exercer suas pretensões ou à ordem de recebimento, tambémna nova lei falencial o legislador divide os credores em classes.

O art. 41 da Lei n. 11.101/2005 divide os credores em grupospara fins de participação na assembléia geral e sub-assembléias. Su-põe-se que a divisão pretendia agrupar aqueles que, em tese, têm inte-resse homogêneo, separar os distintos conjuntos de interesses, a parde especificar como são tomadas as decisões dentro de cada classe.

A classificação obedece ao seguinte critério: compõem a classeI os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decor-rentes de acidentes de trabalho; a classe II congrega os titulares decréditos com garantia real; e a classe III os titulares de créditosquirografários, com privilégio especial, com privilégio geral e créditossubordinados.

Credores que integrem a classe I votam pelo total de seus crédi-tos, ainda que haja restrições quanto ao prazo e limites de pagamento(art. 54). A deliberação, entretanto, não é tomada em função do valordas pretensões, mas por cabeça, como resulta da combinação do art.41 com o parágrafo 2o. ao art. 45, aprovando-se ou rejeitando-se aproposta por decisão da maioria simples dos presentes.

Por que a informação de que votam pelo total dos créditos?Porque o pagamento do montante nem sempre será total, dado que alegislação iguala, nesse aspecto, os que têm direito a verbas elevadas eaqueles cujas pretensões são próximas do salário mínimo. A opção depolítica legislativa vai na direção da “justa” divisão do bolo. Fica adúvida a respeito da tutela dos credores por relação de trabalho que,em princípio, teriam natureza alimentar.

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A restrição de pagar-se não mais do que 5 salários mínimos dototal em aberto referente aos três últimos meses anteriores ao pedidode recuperação parece injusta, restando saber se seria eficiente e queincentivo contém para a aprovação ou rejeição da proposta.

Um fundamento para a restrição está claro: evitar que os credo-res titulares de pretensões de maior valor esgotem os fundos alocadospara esses pagamentos em detrimento dos que têm a receber valoresmenores. Pergunta-se: Fixar os montantes dos pagamentos de formaproporcional aos créditos seria mais razoável do que pagarprioritariamente o mínimo a todos e depois aos credores de valoresmaiores até um limite geral? O oportunismo ensejado sem a restrição éevidente: contratação de familiares, parentes, amigos, oferecendo va-lores elevados para, indiretamente, beneficiar-se o devedor às expensasdos demais credores.

Mesmo nesse caso a escolha de estratégias dos credores pode-rá ser fundada na facilidade ou dificuldade que pessoas tenham emconseguir novos postos de trabalho. Os que não tenham dificuldadesem encontrar outro empregador podem faltar à reunião mesmo por-que o pedido de demissão é uma opção inafastável; aqueles que te-nham mais dificuldade de encontrar outro posto de trabalho, seja porconta de especialização, seja por faixa etária ou outro fator, compare-cerão e estarão mais propensos a aceitar condições que não interes-sem aos primeiros. Supondo que a recolocação de trabalhadores qua-lificados seja fácil, em que medida isso prejudicará a reorganizaçãoque não conte com essa mão-de-obra específica?

Já no que diz respeito aos credores das classes II e III as deli-berações são tomadas em função do montante dos créditos admitidosà assembléia, devendo ser aprovadas por mais da metade do valortotal dos créditos presentes (portanto, maioria simples) e, cumulativa-mente pela maioria dos presentes, ou seja, voto por cabeça combina-do com voto proporcional. Heterodoxa combinação de interesses: deum lado valores, de outro, pessoas. Se um credor titular de valor ele-vado representar parcela significativa do total de créditos presentes(60%), sua manifestação estará subordinada à aprovação dos demaiscredores, titulares da minoria dos créditos, mas que representam mai-or número de pessoas. Que estratégias serão adotadas para que as

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duas maiorias coincidam? Há alguma estratégia dominante ou estar-se-á diante de uma situação em que interessa a algum ou alguns credo-res a demora na formulação de outra proposta?

A essa dificuldade soma-se a questão dos credores da classe II,titulares de garantia real, que podem votar nas classes II e III, porqueo legislador atrelou o “montante do voto” desses credores ao valor dobem oferecido em garantia. A questão é que, quando a garantia recaisobre bens cujo valor é volátil, isto é, varia no tempo, o que podeocorrer com rapidez, ou não, como determinar o montante do créditoque vota em cada uma das classes? Como demonstrar que o montantedo crédito que participa da classe II deve ser aceito por valor X ou Ye que o saldo, se houver, será alocado na outra classe?

Avaliação ou avaliações? A resposta que o senso comum dariaé totalmente imprestável. Além da demora e do custo, é a volatilidadedo preço do bem garantia que o elemento gera insegurança e que nãose afasta com a avaliação. Pior será de duas avaliações chegarem avalores diferentes. O que fazer? Adotar a média simples? E os desviospor conta de informações entre avaliadores?

Não seria melhor considerar que o crédito garantido vota ape-nas na classe II? Dir-se-á que com isso aqueles credores que forammenos diligentes e cujas garantias não cobrem o total da dívida pode-riam ser prejudicados porque, se receberem o valor da garantia, aparte da obrigação que não for paga será considerada créditoquirografário ou poderá ser subordinada. Partindo da premissa de quecontratos servem para distribuir riscos entre partes, melhor fora que sedeterminasse que o credor titular de garantia real, que aceitou o riscoda volatilidade preço votasse até o valor nominal da garantia e nadamais. Com isso se produz incentivo para a adoção de medidas diligen-tes ex ante. Quem aceita riscos deve conviver com os efeitos quevenham a derivar da sua escolha.

Não menos pior é a decisão de agrupar credores titulares deprivilégios – geral ou especial – com quirografários e subordinados.Credores titulares de alguma garantia ou privilégio, nos termos doCódigo Civil, são aqueles que podem exercer suas pretensões sobrebens determinados ou anteriormente aos demais. Quirografários sãoos credores sem qualquer garantia ou prioridade; subordinados são os

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últimos da fila e que só recebem depois de pagos os quirografários.Ter em mente essa ordem de prioridades serve para demonstrar queos interesses são, entre eles, credores, bastante heterogêneos.

Convencê-los de que devem deliberar cooperativamente de-pende do ganho ou perda que venham a suportar. Se todos os credo-res aceitarem que o plano não os deixará pior do que a liquidação daempresa, que os resultados projetados serão melhores, superando osda falência, a aprovação do plano favorece a todos e, por isso, osvotos serão, majoritariamente, nessa direção, favoráveis à imple-mentação do plano.

Nada obstante uma dada classe, por maioria, poderá recusar-se a aprová-lo, particularmente se com isso visar obter maiores bene-fícios, os quais, dada a situação de crise, serão extraídos das outras.Como impedir? A lei não traz instrumentos, salvo o cram down, quenão se aplica à recuperação judicial, para inibir comportamentos quegerem demora ou recusa na aprovação do projeto visando a forçar aapresentação de outro, mais eficiente, melhor para aquele conjunto deplayers. Essa estratégia é, para eles, eficiente e dominante.

Será que a falta de homogeneidade de interesses entre as clas-ses de credores poderia ser tratada como forma de conflito similar aoque se discute quando da decisão de constituir uma sociedade? Nes-ses casos a questão tende a ficar circunscrita à divisão de poder e debenefícios que, em larga medida, se supera pelo interesse comum, oexercício em comum de atividade econômica, a repartição dos riscosa ela inerentes.

Ver na aprovação do plano, espécie de sociedade tácita entredevedor e credores, a par dos custos de oportunidade, poderia serargumento empregado na formulação do plano de recuperação deempresas em crise; quanto mais provável a produção de lucros ouresultados positivos que, depois seriam partilhados, mais interessanteaderir ao projeto.

5 ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES

Deixa-se, temporariamente, a discussão sobre a conveniência,ou não, da divisão dos credores em classes, para tratar da assembléia

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geral. A questão é investigar se a idéia de reunir credores da empresaem crise para analisarem proposta de reorganização tem como supor-te a mesma concepção que preside as assembléias gerais usualmenteanalisadas: interesse comum em determinada matéria que pode ser afe-tado por mudança de rumo em virtude de novas situações não previs-tas e que atingem o interesse de todos.

Sem dúvida que a reunião de interessados no desfecho de umadada situação, a crise da empresa, devedora comum, tomada depoisde debater o plano proposto para sua recuperação, ouvir argumentosfavoráveis e contrários, ponderar sobre outras eventuais alternativasque melhor atendam aos interesses do grupo, por devidamente infor-mada, deve, de maneira mais eficiente, harmonizar os vários interes-ses, comuns e opostos; a eficiência dessas decisões colegiais devesuplantar, com vantagem, as tomadas por pessoas estranhas ao grupoque suporta seus efeitos em razão da acentuada assimetria de informa-ção – os credores tendem, ao menos alguns deles, a saber mais sobreo devedor comum, do que terceiros não vinculados.

Se a concepção é interessante, dar aos credores poder para semanifestarem sobre a viabilidade da continuação da atividade do de-vedor comum, afetado por crise econômico-financeira, tecnológica,mercadológica ou outra. Não se pode esquecer que não são homogê-neos, tanto os interesses das diferentes classes de credores quantointeresses de credores agrupados em uma só classe, como se veráadiante.

Existe quem critique a opção de política legislativa que dá essepoder aos credores, que não é, no direito brasileiro, inovadora, poisque estava prevista nos art.s 122 e 123 do Decreto-Lei de 1945 2.

2 art. 122 – Credores que representem mais de um quarto do passivo habilitado podemrequerer ao juiz a convocação da assembléia que delibere em termos precisos sobre omodo de realização do ativo, desde que não contrários aos disposto na presente lei,e sem prejuízo dos atos praticados pelo síndico na forma dos artigos anteriores,sustando-se o prosseguimento da liquidação ou o decurso de prazos até a deliberaçãofinal.Parágrafo 1o. – A convocação dos credores será feita por edital, mandado publicarpelo síndico, com antecedência de 8 (oito) dias, e do qual constarão lugar, dia e horadesignados. Parágrafo 2o. – Na assembléia, a que deve estar presente o síndico, o juizpresidirá os trabalhos, cabendo-lhe vetar as deliberações dos credores contrárias às

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Dizem que o instituto não se firmou na vigência daquela norma, dada afalta de interesse dos credores em compor o colegiado, causando, naprática, abandono ou esquecimento do procedimento. Porém, não sedeve confundir as assembléias de credores previstas no regime anteri-or e as atuais; Aos céticos em relação à possível repetição do compor-tamento dos credores ou sua ausência, lembra-se que os artigos rela-cionados a tais conclaves, na vigência da lei anterior, eram aplicadosapenas à falência, em especial à realização do ativo, em geral de pou-co ou nenhum valor quando se chegava a esse estágio ou fase proces-sual. Dessa forma faltavam incentivos para que se reunissem para de-liberar sobre a destinação de bens de pouco ou nenhum valor.

A previsão da nova lei é bastante diferente, primeiro porque oscredores devem deliberar, inicialmente, sobre o plano de preservaçãoda empresa (leia-se, da manutenção da atividade e sob que forma issoserá obtido), sua viabilidade e a razoabilidade das premissas que su-

disposições desta lei. Parágrafo 3o. - As deliberações serão tomadas por maioriacalculada sobre a importância dos créditos dos credores presentes. No caso deempate prevalecerá a decisão do grupo que reunir maior número de credores. Pará-grafo 4o. - Nas deliberações relativas ao patrimônio social, somente tomarão parte oscredores sociais; nas que se relacionarem com o patrimônio individual de cada sócio,concorrerão os respectivos credores particulares e os credores sociais. Parágrafo 5o.- Do ocorrido na assembléia, o escrivão lavrará ata que conterá o nome dos presentese será assinada pelo juiz. Os credores assinarão lista de presença que, com a ata, serájunta aos autos da falência.Art. 123 – Qualquer outra forma de liquidação do ativo pode ser autorizada porcredores que representem dois terços dos créditos. Parágrafo 1o. - Poder os ditoscredores organizar sociedade para a continuação do negócio do falido ou autorizar osíndico a ceder o ativo a terceiro. Parágrafo 2o. - O ativo somente pode ser alienado,seja qual for a forma de liquidação aceita, por preços nunca inferiores aos da avalia-ção, feita nos termos do parágrafo 2o. do art. 70. Parágrafo 3o. - A deliberação doscredores pode ser tomada em assembléia, que se realizará com observância dasdisposições do artigo anterior, exceto a do parágrafo 3o; pode ainda ser reduzida ainstrumento público ou particular, caso em que será publicado aviso para ciência doscredores que não assinaram o instrumento, os quais, no prazo de 5 (cinco) dias,podem impugnar a deliberação da maioria. Parágrafo 4o. - A deliberação dos credoresdepende de homologação do juiz e da decisão cabe agravo de instrumento, aplicando-se ao caso o disposto no parágrafo único do art. 17. Parágrafo 5o. Se a forma deliquidação adotada for de sociedade organizada pelos credores, os dissidentes serãopagos, pela maioria, em dinheiro, na base do preço de avaliação dos bens, deduzidasas importâncias correspondentes aos encargos e dívidas da massa.

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portam a pretensão e não apenas quanto à forma de realização doativo, ainda que essa assembléia tenha sido mantida.

Claro que não há garantia de que a recuperação ou reorganiza-ção da empresa em crise venha a ser feita sem algum sacrifício doscredores, porque as obrigações não serão solvidas integralmente. Ha-verá perdas, até mesmo substanciais, mas como se dá aos credores apossibilidade de avaliar e comparar a perda atual e eventual compen-sação futura (mesmo que não real, efetiva), se for preservada a ativi-dade, presume-se que as decisões serão focadas em estratégias queminimizem os prejuízos, que mantenham as relações negociais e que ocrédito seja preservado na medida do possível.

A preservação do direito de se manifestarem quanto às formasde liquidação ou realização do ativo também deve ser encarada deoutra perspectiva. Se o lapso temporal entre a manifestação da crise ea proposta de recuperação do negócio for pequeno, menor é a pers-pectiva de dilapidação dos ativos e de perda de valor em mercados,acarretando que o montante arrecadado com a venda dos bens tendea ser mais elevado e, portanto, os rateios entre credores também serámenos ruim.

Das disposições relativas à competência da assembléia de cre-dores (art. 35 da Lei n. 11.101/05, cumpre destacar no que diz respei-to à recuperação judicial (inciso I) as das alíneas a, d, f, que são,respectivamente: aprovação, rejeição ou modificação do plano derecuperação judicial apresentado pelo devedor; o pedido de desis-tência do devedor e qualquer outra matéria que possa afetar osinteresses dos credores.3 Quanto ao inciso II, interessam as alíneas ce d, respectivamente, a adoção de outras modalidades de realiza-ção dos ativos na forma do art. 145 da lei, e qualquer outra maté-ria que possa afetar os interesses dos credores.

Em todas essas alíneas o que se nota de comum é que os inte-resses dos credores é bem determinado: aceitar riscos, ou não, man-ter, ou não, relações com o devedor em crise após a superação dosproblemas, analisar propostas que gerem maior ganho na venda de

3 as alíneas b, constituição do comitê de credores e sua substituição e e, nome do gestorjudicial, no caso de afastamento do devedor, têm, para a presente análise, importân-cia secundária.

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ativos. A deliberação sobre matéria que possa afetar os interesses doscredores, que já contemplaria as anteriores, constitui cláusula aberta,adequada a negócios de execução continuada, em que, em virtude dolapso temporal na implementação do que for decidido e os efeitos ouresultados esperados, eventos externos podem atingir as metas e, por-tanto, renegociar é atividade que não pode ser excluída. Fato é que aexpressão interesse comum serve de receptáculo para várias situa-ções imprevistas ou até previstas, mas sem tratamento próprio acordado.

Menos relevantes é a constituição do Comitê de Credores,escolha e substituição dos membros, o nome do gestor judicial, seafastado o devedor, por conta das atribuições desses órgãos. A com-petência do administrador judicial vem disposta no art. 18complementada pelo 19. A escolha do administrador judicial recai-rá, (art. 21) sobre profissionais idôneos e especializados, se pessoasjurídicas, o que já os põe sob o crivo dos estatutos que regem asrespectivas profissões, além de serem fiscalizados pelo Comitê deCredores e pelo juiz que presidir o feito. O Comitê de Credores,colegiado cuja constituição não é obrigatória, se existir, será com-posto por representantes de cada classe de credores e suplentes,tendo competência fiscalizadora (art. 27).

No que concerne à recuperação judicial da empresa em crise háque considerar como interesse comum, de todos os credores, evitarperdas de valores mais elevados do que haveria na hipótese de liqui-dação, o que decorre da não aprovação do plano, aí incluída a hipóte-se de não aceitação de sua modificação, porque nada mais resta doque liquidar o ativo e ratear o montante entre eles. Outro interesse doscredores, que se prende ao primeiro, é a manutenção das relaçõesnegociais com a empresa, tanto ao longo do período em que se supe-ram os problemas gerados com a crise, quanto depois.

A recuperação da empresa em crise passa por sua reorganiza-ção, seja no que diz respeito ao objeto, tamanho, administração, sejano que, agora segundo a legislação brasileira, diz respeito ao interessedos credores, individual e coletivamente. Satisfazer a esses vários inte-resses requer que o devedor ou algum terceiro acredite que o valordos ativos, uma vez mantida a atividade da empresa em crise, semliquidação, é mais elevado do que quando se a encerra e vende osativos.

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Se o valor da reorganização superar o da liquidação, interessa atodos, devedor e credores. Ao devedor interessa apresentar um pro-jeto viável de reorganização demonstrando que sua aprovação, nadaobstante possa ser reduzida a capacidade produtiva, a recuperaçãoda saúde econômico-financeira, fim específico, será concretizada. Porisso, interessará aos credores aprovar o projeto apresentado pelo de-vedor; eventualmente, algum deles terá proposta mais eficiente – acusto menor e de forma menos onerosa – chegar a resultado equiva-lente e, por isso, poderá propor projeto de reorganização do negóciodiferente ou sugerir ajustes ao projeto do devedor, o que interessa atodos. Terceiros, não credores, também podem propor planos de re-organização que satisfaçam interesses dos credores e do devedor.

Por isso que o plano de reorganização – tanto o que for apresen-tado pelo devedor, quanto as alterações sugeridas pelos credores oumesmo um plano proposto por terceiro, deve satisfazer a vários inte-resses demonstrando a todos os envolvidos, credores e devedor, ou àmaioria daqueles, que os benefícios superam os custos, que os ganhosderivados da liquidação do negócio são inferiores aos da recuperação.

Segundo Lorenzo Stanghellini essa visão do problema não afas-ta certas questões ou dificuldades que passam pela eqüidade, justezaou fairness, de qualquer proposta. Explica ele que, se uma sociedadefor reorganizada quando deveria ser liquidada, o ônus recai sobre oscredores que, portanto, não devem aprovar a reorganização, dadoque das opções ou cursos alternativos de ação (decisão) que podemtomar, uma delas prejudica seus interesses futuros (os atuais já estãocomprometidos).4

4 Atente-se para a explicação de Luca Enriques e Jonathan R. Macey que está noartigo Creditors Versus Capital Formation: The Case Against the European LegalCapital Rules, Cornell Law Review, n. 86, setembro de 2001, quanto ao comporta-mento de administradores de companhias, o fluxo de caixa da sociedade e o conflitode interesses entre acionistas e credores. As normas relacionadas com o capital socialdistribuem poderes entre credores e titulares de outras pretensões sobre os ativos dasociedade, e que, muitas normas são ineficientes ou protegem apenas uma parcelados credores, gerando custos que superam os benefícios. Particularmente que ossócios têm incentivos fortes para agir de forma oportunista às expensas dos credo-res, especialmente porque, perto de uma situação de crise aprovar operações demaior risco sobre projetos mais seguros, porém com menor valor presente líquido,transfere aos credores os efeitos perversos da decisão, porque se o resultado forpositivo aumenta o valor do patrimônio social.

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Estratégia dos credores, projetando os efeitos futuros da deci-são atual vai na direção de ser mais conveniente minimizar perdas doque aceitar perdas cujo valor é desconhecido. As perdas atuais sãoconhecidas, as futuras implica assumir riscos de virem a ser aumen-tadas em razão da tentativa de resgate de atividade bastantecomprometida.

Claro que a decisão levará em conta fatos e comportamentos, aconfiabilidade que o devedor mereça em função da observância pas-sada nas relações com os credores, de diligência, retidão, cumprimen-to da palavra dada, em suma.

A respeito da eqüidade na distribuição do ganho ou surplus,isto é, do valor gerado pela recuperação em relação ao derivado daliquidação, explica o professor italiano, que ainda quando a decisão dereorganizar a atividade for a correta, porque o valor da reorganizaçãosupera o da liquidação, é preciso que fique claro como tal ganho deveser dividido entre os que têm pretensões contra a sociedade.

Esse será, talvez, o ponto central das discussões entre credoresdas diferentes classes, e destes com o devedor. Se para alguns doscredores a perda decorrente da quebra da empresa em crise équantificável e até previsível, por exemplo, a perda ao longo de certoperíodo de lucros decorrente da queda na venda de produtos ou ser-viços até que novos clientes sejam encontrados, para outros a perdapoderá ser expressiva e de difícil mensuração.

Por exemplo: empregados especializados podem, ou não, terfacilidade em encontrar trabalho. Havendo facilidade na recolocação,o interesse desses credores na recuperação da empresa em crise podeser baixo ou inexistir. Inversamente, se a recolocação for complicada,interessará a manutenção dos postos de trabalho ou na preservaçãodas relações com essas pessoas ao longo do processo de recupera-ção, o que garante mais tempo para ocupação em outros locais ousetores.

Fornecedores que tenham feito investimentos específicos aindanão amortizados nem sempre terão facilidade para encontrar interes-sados no bem produzido. Alguns setores da economia, seja por contade regulação que cria barreiras à entrada, seja porque oligopolizados,podem, igualmente, ser fonte de problemas para a manutenção do ní-

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vel de atividade de alguns credores. Logo, essa classe de credoresdeliberará, tendo em vista o interesse na sua própria atividade e narecuperação de custos e investimentos feitos.

Como, ao reunir interesses tão díspares, pode-se pretender quehaja alguma homogeneidade entre os interesses e que as deliberaçõesserão tomadas no mesmo sentido? Não estranharia que, para essescredores, a divisão do surplus possa interessar menos do que a ou-tros que com pequeno esforço conquistem novos mercados; que, tal-vez, aqueles estejam mais propensos a abrir mão de alguma coisa ago-ra para garantir a manutenção das relações negociais do que estes.

Como harmonizar esses interesses em um jogo que deveria serde cooperação quando as pessoas têm interesses nem sempre conflu-entes? Que estratégias podem ser desenhadas para que aqueles queteriam a possibilidade de extrair maiores ganhos se disponham a com-pensar os que, por hipótese, se sintam prejudicados? Haveria estraté-gias dominantes e dominadas?

Quem pensa em reunião ou assembléia geral para deliberar so-bre algum tema parte da premissa de que o interesse de todos é homo-gêneo e que, ainda quando haja visões opostas sobre a melhor alter-nativa, caberá à maioria escolhê-la. O critério da maioria visa a impe-dir o que se convencionou designar como «ditadura da minoria» quepode bloquear decisões que interessem a parcela do grupo, mas queferem interesses ou posições de alguns poucos.

Evidencia-se que a assembléia de credores, porque os interes-ses podem não ser idênticos, é importante e que todos os credorescompreendam a proposta, que tenham informações adequadas paradecidirem, que fique demonstrado que, sendo os resultados projetadossuperiores aos da pura liquidação da atividade, argumentos contráriosà sua aceitação podem representar estratégia de confronto para obtermaiores vantagens.

Pensando em modelos de jogos de cooperação formulados emteoria dos jogos, e sabendo que cada jogador só obterá o máximo secooperar com os demais, as estratégias disponíveis podem ser estrei-tadas. Imagine-se um grupo de jogadores de futebol. Se faltar coope-ração, empenho de um ou alguns, o resultado da partida tende a ser

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ruim para o time, daí o incentivo para que todos se empenhem, inde-pendente de um apenas marcar o gol da vitória.

Razoável que se considere analisar o processo deliberativoassemblear sob a ótica da teoria dos jogos, o que, segundo David M.Kreps5, facilita compreender e predizer o que ocorrerá diante de dadocontexto econômico.

Esse é o ponto central da questão das decisões tomadas emassembléias de credores. Mesmo que os vários interesses em jogosejam distintos, não completamente homogêneos, que se possa suporque cada jogador tentará obter para si o maior payoff. Dadas as es-tratégias disponíveis para os demais jogadores, resta saber que inte-resse tenderá a predominar: o da redução das perdas ou o da com-pensação futura pela continuidade das relações negociais se a empre-sa for preservada.6

Dificuldades no formatar um jogo desse tipo depende dacredibilidade nas promessas (na viabilidade do plano), na reputaçãodo formulador e dos fiscais de sua implementação, sobretudo quandoa informação não for completa, perfeita, e amplamente conhecida portodos os jogadores.

Também pode interferir na formulação de estratégias o duplocritério de aprovação das matérias – maioria dos créditos e de presen-tes nos termos do caput do art. 45: «Nas deliberações sobre o planode recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art.41 desta Lei deverão aprovar a proposta. Parágrafo 1o. Em cada umadas classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei a propostadeverá ser aprovada por credores que representem mais da metadedo valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente,pela maioria simples dos presentes.7

5 Game Theory and Economic Modeling - Oxford University Press – 2001.6 A dificuldade está em que decisões majoritárias permitem que um grupo de pessoas

pode combinar obter vantagens em detrimento ou à custa de outras. A teoria dosjogos não tem respostas únicas, não ambíguas para tais situações.

7 art. 38 da Lei 11.101/05 – O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito,ressalvados, as deliberações sobre o plano de recuperação judicial, o disposto noparágrafo 2o. do art. 45 desta Lei, que, quanto aos créditos derivados da legislação dotrabalho determina voto por cabeça.

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Assim, esses credores votam proporcionalmente ao montantedo seu crédito, sendo a deliberação aprovada por maioria formadapelos valores dos créditos presentes. Logo, dependendo do poder docredor (leia-se valor do crédito em relação ao conjunto de créditospresentes na reunião) e da forma como venha a empregá-lo, podefazer preponderar sua posição sobre os demais, o que é um tipo deestratégia. Independente da aprovação da deliberação baseada no valordos créditos, deve ser ainda corroborada pela maioria dos presentes,portanto, votação por cabeça.

Vale dizer que são duas aprovações simultâneas! Uma em razãodo valor do crédito e, nesse caso a estratégia dos credores titulares devalores elevados prevalecem sobre os demais, e outra, em que as pes-soas, sem levar em conta o montante da pretensão, se manifestam.Pode não haver coincidência de maiorias? Sem dúvida. O que fazer?Esta é uma ameaça crível que os titulares de créditos de maior valordetêm contra os demais? Talvez. Em face de maior absenteísmo dospequenos credores, sim; caso contrário, estar-se-á diante de um dile-ma quase sem solução. De todo modo, parece ser estratégia dominan-te a presença dos credores em todas as assembléias para tentareminfluir sobre o sentido da deliberação e isto precisa ser cuidadosamen-te avaliado por eles.

O curioso nessa forma mista de computar os votos é que, cre-dores por relações de trabalho e infortunística se confere voto porcabeça, e as deliberações são tomadas por integrantes dessa classeapenas. As classes que, em tese, deveriam votar com foco sobre as-pectos econômicos, podem chegar a impasses que adiam o procedi-mento e prejudicam a todos. Seria esse o elemento para estimular acooperação?

Se compete aos credores analisar, aprovar ou rejeitar o planode recuperação apresentado pelo devedor, se devem manifestar-sesobre formas de realização do ativo, se qualquer mudança ou fato queincida sobre seus interesses depende de aprovação, não estranha su-por que aqueles credores melhor informados sobre os efeitos de cadauma das matérias tenderão a apresentar argumentos favoráveis às suasposições, o que levará à sua dominância sobre os demais e suas estra-tégias serão mais eficazes. E, exatamente porque têm informações de

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melhor qualidade, ou são mais hábeis no seu manejo, podem se apro-veitar disso para agirem de forma oportunista; seu domínio sobre aatividade, operações econômicas, administração de negócios, porexemplo, lhes permite extrair ganhos ou vantagens; outros credores asobterão mediante ameaças, provavelmente críveis, de recusar a apro-vação do plano, do que resultaria a decretação da falência.8

Convém perguntar se esta solução seria a única estratégia deinteresse de todos os credores, maximizar o produto da realização dosativos. Há outros fatores possam ou devam ser considerados? Res-posta é sim, há outros elementos como, por exemplo, o interesse dostrabalhadores em haver para si os ativos enquanto os demais credorespreferirão a liquidez da receita em moeda. O embate entre essas duasposições pode ser pensado como a busca de um jogo de cooperaçãoe, sobretudo, dar espaço para a formulação de ameaças que, providasde credibilidade, aparecerão como forte incentivo que fará a balançapender para um ou outro lado.

Esse interesse comum entre credores é mais claro quando rela-tivo às formas de realização do ativo. Entretanto, cabe indagar se estasolução seria a única estratégia: de interesse de todos os credores:maximizar o produto da realização dos ativos. Há outros fatores quepossam ou devam ser considerados? Resposta é sim... há outros ele-mentos como, por exemplo, o interesse dos trabalhadores em haverpara si os ativos enquanto os demais credores preferirão a liquidez dareceita em moeda. O embate entre essas duas posições pode ser pen-sado como a busca de um jogo de cooperação e, sobretudo, dar es-paço para a formulação de ameaças que, providas de credibilidade,aparecerão como forte incentivo que fará a balança pender para umou outro lado.

8 Nos Estados Unidos, a legislação requer que, além dos credores, haja aprovação dosacionistas relativamente ao plano de reorganização. No Brasil, a matéria está, enten-do, referida na legislação societária, de forma indireta. É que cabe aos acionistasmanifestarem-se, em assembléia extraordinária, sobre a proposta de reorganizaçãoda sociedade elaborada pelos administradores. Isso resulta do disposto no art. 122,IX, “autorizar os administradores a confessar a falência e pedir concordata” que deveser reinterpretado para “autorizar os administradores a propor plano de recuperaçãojudicial ou confessar a falência”.

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Quando se trata de reorganização ou recuperação da empresaem crise, aos trabalhadores, ou a alguns deles, interessa manter osempregos; aos demais credores, manter em funcionamento aquela ati-vidade, interessa quando os benefícios (ganhos) de médio e longo pra-zos compensarem as perdas imediatas. Como estabelecer um jogo decooperação? Que estratégias pensar para harmonizar interesses dife-rentes? Como, nas respectivas assembléias, e no conjunto, deve-sedesenhar estratégias que mais de perto induzam os credores a aprovaro projeto de reestruturação da empresa?

Vantagem de transferir aos credores decisões que envolvem apreservação, ou não, da atividade da empresa em crise, depende decomo lidar com essas ameaças, como equacionar as relações internasnas assembléias de credores, como inibir comportamentos voltadospara a obtenção de vantagens por alguns credores em detrimento dosdemais, e sobretudo, coibir pressões indevidas ou capturas de certoscredores menos informados.

A preservação de atividades não pode dar espaço para oportu-nismos e não deve servir como paliativo na transferência de riscos aoscredores sob pena de aumento do custo do crédito que, em últimaanálise, é o que deve orientar as deliberações. Não se perca o leitor noargumento de alguns que vêem no interesse social, fator que influirá nadecisão de preservar a empresa em crise, ainda que falte o suporteeconômico-técnico-financeiro para tanto, dada a ilogicidade eirrazoabilidade de impor a particulares riscos econômicos que não aten-dem a parâmetros mínimos de economicidade.

Doutrina recente sobre a recuperação de empresas em crise e acompetência das assembléias de credores9 parte da premissa de queestes, os credores, estarão vinculados aos princípios regedores da Leique « o credor não pode perpetrar o famigerado abuso de minoria eagir para atender, exclusivamente, ao seu próprio interesse». Ora, éesse o ponto central da discussão. Ao modelar o jogo sabe-se que

9 Jorge Lobo – in Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência – EditoraSaraiva – 2005, p. 85 – coordenadores: Paulo Fernando Campos Salles de Toledo eCarlos Henrique Abrão.

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para extrair cooperação é preciso demonstrar que os ganhos e perdassão eqüitativamente distribuídos entre todos os interessados; que nahipótese de haver desequilíbrios na proposta, a compensação está pre-vista em algum momento e sob alguma forma. Demonstrar que coope-rar é melhor do que não cooperar; faltando cooperação a falência serádeclarada, e as perdas, salvo cooperação na forma de realização doativo, ocorrerão.

Também há que ressaltar que as deliberações são tomadas pormaioria de créditos e pessoas presentes à reunião, logo o voto ditominoritário não deve afetar o quorum de deliberação. A hipótese devoto minoritário alterar a direção das demais declarações prende-seao poder de convencimento, aos argumentos oferecidos. E, se de-monstrada a temeridade, que é a opção pelo risco de aumento dasperdas, quando a deliberação for favorável à manutenção da empresaem crise, não se vê, aí, nenhum abuso, e sim, apenas a demonstraçãoda inviabilidade do plano e, mais grave, da inexistência de alternativasmais eficientes.

Comum é quando a crise se avizinha, que à falta de sócios deresponsabilidade solidária, administradores tendam a aprovar opera-ções de maior risco, porque os efeitos, se negativos, serão transferi-dos para os credores. Estimular ou manter atividades econômicasinviáveis, dados seus efeitos de segunda ordem, aumenta o custo soci-al de muitos para benefício de poucos.

Não se nega a possibilidade de abusos e, sobretudo, de amea-ças que tornem complexa a aprovação do plano pelos credores e,uma das formas de coibir tais alegados abusos está clara na recupera-ção extrajudicial; aqui se prevê a possibilidade de impor a aceitaçãodo plano de recuperação (cram-down) a uma dada classe de dissi-dentes ou a um grupo de dissidentes na classe, quando suas preten-sões não sejam afetadas pelo projeto. Será que essa medida servecomo instrumento para coibir comportamentos oportunistas ou o rentseeking?

Tudo depende do montante do crédito (ou dos créditos) dosdissidentes e, sobretudo, das estratégias que venham a adotar, dacredibilidade das ameaças feitas. Imagine-se, a título de exemplo, que

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o tal credor seja o único fornecedor, tendo em vista questão de logística,de determinado insumo ou matéria-prima. Faltando esse bem o resul-tado poderá ser a paralisação da atividade por falta de matéria-primaou a saída do mercado por aumento dos custos de produção, quelevaria à não colocação do produto no mercado. Poderia o poderpúblico, ou mesmo o magistrado, impor a manutenção do fornecimen-to? Uma dada classe de credores pode recusar aprovar o projetovisando a obter maiores benefícios que serão extraídos das outras,recorrendo tanto à demora na aprovação do plano quanto no reque-rer a apresentação de plano mais eficiente, melhor.

Convém ponderar, demais disso, que votam, aprovando, rejei-tando ou modificando o plano, credores cujas pretensões sejam porele modificadas (entenda-se pioradas, reduzidas, com a imposição deperdas econômico-financeiras, alongamento de prazo de pagamentoou ambas), mas que podem estar presentes à reunião e debater o pla-no com credores cujos direitos não vierem a ser alterados (art. 45,parágrafo 3o.). Será que esses credores poderão trazer argumentosque mudem o curso dos debates? Ainda uma vez isso, que tem a vercom a divisão do excedente. Mesmo com a preservação dos seusdireitos, se forem previstos ganhos para outros credores, deixar deconsiderar que podem se insurgir, seria imprudente.

O que incomoda é que a assembléia de credores não deliberade maneira uniforme, porque os credores são divididos em classes quegrupam ou reúnem créditos de natureza diferentes e isso tende a au-mentar a falta de homogeneidade entre os interesses.

Segundo informa o Osvaldo Biolchi, relator do projeto na Câ-mara dos Deputados10, foi sua a inserção do art. 41 e seguintes, bus-cando distribuir, de forma democrática, os votos, de forma a que to-das as classes tenham igual poder. E, logo em seguida, informa que “...se for acentuado o absenteísmo assemblear, tanto melhor para que umgrupo coeso passe a exercer o poder de controle e delibere a sorte daempresa e, uma vez mais repetimos, que a grande preocupação é com

10 Comentários à Lei cit. p. XVII.

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a recuperação da atividade e não tão-somente do crédito, emboratenha sua conotação de importância.”

Vê-se, do argumento do relator, que se pretende que gruposmenores e mais ativos de credores definam a direção, o sentido dovoto, na deliberação e que se pressupõe que há claro intuito de pre-servar a atividade. Os dois argumentos são fracos e dificilmente impe-dirão que se alguém perceber que desmantelar o negócio, realizar oativo e transferir bens que, separados poderão ter maior valor no mer-cado, gerando maior retorno do que preservar a atividade, se evitará anão aprovação do plano. A mesma noção de que há um interessemaior na preservação da empresa do que na sua liquidação que apa-rece no “voto minoritário abusivo”, na função social da empresa, emergedo argumento do relator.

Perde-se de vista o fato de que empresa é negócio econômico,que a função social geradora de perdas contradiz a própria idéia quepreside a modelagem dessa função. Operações econômicas devemser analisadas sob a ótica de ganhos sociais e individuais (afinal, aConstituição da República explicita que o regime econômico do país éo capitalista), e sem apropriação privada dos resultados da atividadeeconômica não haveria incentivos para aceitar riscos de atuar emmercados.

Parece que o legislador de 2005, ao dividir os créditos em trêsclasses, não tinha presente que as estratégias que cada uma delaspode escolher, não as faz homogêneas. Ao associar créditos comprivilégios aos quirografários e subordinados, trata como se fossemidênticos, indiferenciados, os credores da classe III. Se credores ti-tulares de privilégios deliberam com quirografários e subordinadoshá de ser porque perderam o que os distinguia, a garantia, perdaessa que representa ganho dos outros. Será que as estratégias dese-nhadas serão idênticas se houver discussão sobre a divisão dosurplus? Mais provável que as estratégias que cada conjunto artifi-cialmente agrupado adotará, gere resultados imprevisíveis; emboradeliberem em conjunto, há interesses específicos sobre o que no pla-no altera em relação a seu crédito.

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A discordância a respeito do argumento é total, porque ao divi-dir os credores em classes, o legislador parte do pressuposto de quehaveria, entre os integrantes de cada uma delas, interesses de mesmanatureza, homogêneos, o que, como se explicou atrás, pode ser falsoe, em certos grupos, não há como afastar essa percepção, por issoque se destaca a classificação e grupamento dos credores segundo anatureza de seus créditos.

6 CONCLUSÃO

Retomando o argumento do prof. Stanghellini, é preciso quehaja divisão eqüitativa do surplus entre os envolvidos. Portanto, se oplano impuser perdas, elas hão de ser distribuídas entre todos os cre-dores, não recaindo sobre qualquer das classes de forma mais acentu-ada. Sobretudo é preciso cautela para que os menos favorecidos, ouseja, últimos que recebem mais tarde, não sofram perdas apreciáveis eque os titulares de garantias e privilégios, assim como os trabalhado-res, não sejam espoliados em suas pretensões de forma não razoável.A contribuição de cada um, credores e devedor, para o bom êxito doprojeto é essencial.

A percepção, talvez não bem focada na realidade, de que háinteresse comum dos credores, que seria a preservação da empresaem crise, deve ser transposta para: há interesse comum entre credoresde reduzirem as perdas; há interesse comum entre credores de rece-berem o máximo possível; há interesse de alguns credores em preser-var relações negociais com o devedor, mas este pode não ser geral.

Se o escopo da lei for a tutela do crédito, se ficar claro queempresa é negócio econômico desenvolvido em mercados, que hávários centros de interesse entre os quais o titular da empresa, o maisevidente, é preciso que não se transforme os demais centros de inte-resse, de trabalhadores, credores, consumidores dos produtos e/ouserviços ofertados, fisco, em fatores que prejudiquem a circulação docrédito. É por isso que a continuidade da empresa deve ser analisadasob a ótica econômica e a assembléia de credores, ao avaliar a viabi-

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lidade econômica da empresa, deve ser pautada pela preservação docrédito e sua circulação.

Comportamentos oportunistas, rent seeking, externalidades,podem existir e devem ser coibidos pela demonstração de que, semjusta divisão de benefícios e ônus e sem confiança, o desequilíbriogerará reações indesejáveis, com resultados ruins para todos. Relati-vamente a estratégias, o que se evidencia é que cada interessado ten-tará desenhar a estratégia que melhor atenda a seus interesses e o fará,e certo de que os demais agirão de igual maneira.

Resulta, então que, se o plano de recuperação proposto afetarde maneira similar todos os créditos, isso lhe conferirá maior probabi-lidade de aprovação, pois as estratégias que visem a gerar vantagenspara um ou alguns credores terão menor probabilidade de serem ven-cedoras.

Sobre a repartição equânime do excedente resultante daimplementação bem sucedida do plano, reconheça-se a dificuldade deprever, ex ante, quanto será oferecido a cada classe de credores, masao menos os critérios de repartição devem ser previstos.

Sobre a análise, que é quase uma relação custo-benefício feitapelos interessados, sobre o que valem os ativos e o que vale o goingconcern, preservar a empresa e sua atividade, admite-se que cada umdeles possa chegar a valores diferentes, assim como sobre a eficácia evalidade do plano apresentado. É por isso que a decisão de submetê-lo a todos os credores elide uma dificuldade que é o fato de que, nomais das vezes, ele não afetará a todos da mesma maneira e com amesma intensidade, de sorte que, presentes à reunião, entabuladas asnegociações, a probabilidade de se chegar a algum consenso majori-tário ou a alguma forma menos pior, a divisão dos ônus aumenta.

Com as ressalvas e cuidados, atenção para a criação de incen-tivos adequados, será mais fácil induzir a cooperação, obstante, oscertos e sérios conflitos de interesses que possam emergir na disputaque envolve o futuro empresarial do devedor. Se, de outro lado, osincentivos e efeitos de segunda ordem criarem externalidades que inte-ressem a qualquer dos envolvidos que veja a oportunidade de obter

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vantagens, de dividir o surplus de forma a beneficiá-lo, estar-se-á di-ante de problema de difícil solução. O comportamento dos interessa-dos, tanto o dos titulares de negócios em crise, que considerem ser oproblema superável, quanto o dos credores, que aceitam em boa me-dida associar-se na empreitada de preservar a atividade, é vital paraque os resultados pretendidos pelo legislador sejam atingidos.

Está-se frente a um jogo em que as estratégias, no que diz res-peito á divisão dos ganhos, é elemento importante na tomada de deci-são e no qual aqueles menos vulneráveis e mais informados poderãoobter vantagens sem que os remanescentes tenham muitos mecanis-mos de defesa.

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LÓGICA DIALÉTICA-DISCURSIVA ETEORIA DO DIREITO: ENSAIO CRÍTICO

SOBRE METODOLOGIA JURÍDICA

LUCAS DE ALVARENGA GONTIJO

Sumário

1. Apontamentos preliminares à metodologia jurí-dica dialética. 1.2. Teses que utilizam metodologiasjurídicas dialéticas. 1.2.1. Arelman e o direito comoteoria da razoabilidade, da prática e do valor . 1.2.2.O pensamento tópico: o problema como ponto departida para discussão jurídica e a elasticidade dosfundamentos de direito. 2. Conclusão: as metodo-logias dialéticas e seus ganhos. 3. Referências biblio-gráficas.

ResumoEste artigo prega a proposição de um método que está em cons-

tante (re)construção e depende das circunstâncias específicas para efe-tivar-se. Para se propor esta partida metodológica, fez-se necessárioflexibilizar a rigidez dos métodos operacionais e funcionalistas precon-cebidos com grande naturalidade pelo positivismo jurídico, a fim detrazer maior aproximação do direito com as necessidades humanas,pois é necessário partir do problema (caso) e não sujeitar o problemaàs disposições de um sistema pré-disposto. Isto porque definir o direi-to de forma a priori é torná-lo inepto para aplicá-lo ao mundo real,que deve ser experimentado sob condição de poder ser conhecido.

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 329-344 2005

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Utilizou-se do pensamento de Chaïm Perleman e Theodor Viehwegpara corroboração das teses propostas neste texto.

AbstractThis article proposes a method which is under constant

reconstruction and depends on specific circumstances in order to work.From another standpoint, in order to advance this methodological pointof departure, it was necessary to release the rigidity of the operationaland functional methods preconceived with

great simplicity by the juridical positivism, in order to bring lawcloser to human necessities, since it is necessary to depart from theproblem (case) itself, instead of submitting the problem to dispositionsof a pre-established system whatsoever. This is so because defininglaw in an a priori grounds turns it inept to be applied to the real world,that must be experienced under conditions of being able to be known.We have worked with Chaïm Perleman and Theodor Viehweg to makethis article.

Para Marcelo Galuppo

1 APONTAMENTOS PRELIMINARES ÀMETODOLOGIA JURÍDICA DIALÉTICA

O conceito de método não perdeu o seu sentido original, dadopelos gregos, methodos: caminho para se chegar a um fim.1 A questãoé: que fim? Se o direito é uma área do conhecimento prático, experi-mental e casuístico, como se pode predeterminar o fim a que se presta?

A idéia de método se apresenta em dois momentos distintosperante as filosofias e ciências em geral, assim como no direito. Oprimeiro momento está relacionado à teoria do conhecimento (mo-mento gnosiológico); como determinado dado pode ser conhecido. Osegundo momento refere-se à idéia de procedimento (momento

1 NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa, Verbete: Mé-todo, p. 514.

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procedimental) que deve ser adotado para processamento de um co-nhecimento.

Então há duas formas de se entender método: quanto à teoriado conhecimento e quanto à teoria dos procedimentos.

Tanto num caso quanto noutro, quer se dizer, tanto com referên-cia ao conhecimento quanto à aplicação, o método é ainda muito peri-goso se adotado de forma autoritária, vindo a comprometer os resul-tados de uma pesquisa ou de uma ação. O método se torna autoritáriose for entendido como condição da pesquisa, de forma a priori. Oincondicional cumprimento de uma determinada ordem metodológicaimplica em certa limitação da possibilidade de conhecer, porque lheimporá um caráter mecanicista, parainteligente e alienante.

Freqüentemente, o método é interposto como um deformadorda possibilidade do conhecimento ou, ainda, um condicionador doconhecer. O humano pode ver-se livre desse mecanicismo, pois é ca-paz de refletir e ponderar as conseqüências da aplicação de determi-nado método. E isto se refere a uma concepção do que é racionalidade.Durante muito tempo acreditou-se que a racionalidade primava-se pelaestrita formalização (e, portanto, mecanização) de sua forma de co-nhecer e de proceder. Mas a razão prática, reconceituada pelos pós-positivistas, tem convencimento diferente: racionalidade é a faculdadede se posicionar perante o mundo de forma crítica, reconhecendo nelevalores, permanentemente em mutação, sopesando as vantagens edesvantagens da adoção de uma determinada postura, utilizando-setambém da indução, da intuição assim como da dedução.

Explica-se aí a necessidade de uma teoria da metodologiadialética, em permanente mutação, sopesando valores que podem va-riar de tonos conforme a situação em que se encontram. A razão prá-tica contemporânea é experimental, assim como o método jurídico deveser, de maneira a não tomar decisões de forma apriorística, utilizandoprocedimentos preconcebidos.

A razão prática tem como fundamento, como diz, exatamente apraxis, a condição do saber e a condição do opinar sobre o existente.Dessa forma, a contingência lhe informa e lhe define e a contingênciatambém posiciona o conhecedor. Objeto do conhecimento e conhe-cedor são contingenciais e desta forma também estão coordenados ese complementam. Não há pois, um objeto sem alguém que o conheça

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e não há conhecedor que não esteja pré-posicionado sobre aquilo quese conhece. A fratura descartiana sujeito-objeto não está de formaalguma fixa, como este supunha, mas móvel e indefinida. Todo conhe-cimento e todo procedimento deve se dar conta de que sua contin-genciedade lhe é fundamental e por isso deve estar sempre atento àscondições específicas que lhe são apresentadas.

Conhecer é, pois, dialogar. Conhecer é uma continuidade(continuatio) nos mesmos termos pensados por Heidegger2 e porGadamer,3 daí a necessidade de se propor aberto à mudanças.

Nesse sentido, uma teoria metodológica dialética está alinhadaàs teorias que se desvinculam do pensamento formal e objetivo, pos-tos em curso pelo uso da lógica formal. A teoria ora proposta estáalinhada à retórica, à dialética e ao conhecimento relativo.

Para tanto, observar-se-á, preliminarmente, de forma muito su-cinta, algumas teorias concorrentes de modo favorável ao pensamentometodológico aberto. Ou melhor, teorias que de uma forma ou de ou-tra já trabalham com um método necessariamente dialético. Para tan-to, foram selecionadas apenas duas dominantes vertentes dessa linhade pensamento aplicada ao direito4: a Nova Retórica tratada por ChaïmPerelman e a Tópica reproposta por Theodor Viehweg.

1.2 Teses que utilizam metodologias jurídicas dialéticas

1.2.1 Perelman e o direito como teoria da razoabilidade, daprática e do valor

O polonês naturalizado belga Chaïm Perelman buscava umametodologia que lhe permitisse pôr em prática uma lógica dos juízos devalor. Em sua investigação, desenvolvida na companhia de Olbrechts-

2 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. 7. ed.Petrópolis: Vozes, 1998.

3 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de umahermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Maulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997.Título original: Warheit und Methode.

4 No plano original deste artigo, ainda se desejava abordar, pelo menos, outras duasteorias que muito se estreitam com as pretensões da teoria metodológica aqui postaem curso. Uma delas é a Metódica Estruturante, proposta por Friedrich Müller, e aoutra é a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale.

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Tyteca, chegou à conclusão de que não há lógica específica dos juízosde valor. Os efeitos dessa conclusão resultaram numa extensa obra inte-ressada nos caminhos da retórica: Tratado da Argumentação.5

Em torno de suas teorias fundou-se uma verdadeira correntejusfilosófica e a Nouvelle Rhétorique ganhou status de novo paradigmado direito. Entretanto, as idéias defendidas pelos retóricos são muitopersuasivas por si mesmas e encontraram ninho na crise do positivismo.As teorias argumentativas tornaram-se, enfim, uma das principais li-nhas de pesquisa do que veio a ser conhecido genericamente por cor-rentes pós-positivistas.

Perelman trabalha, basicamente, com quatro cânones fundamen-tais, por onde passam a maioria das idéias de sua defesa6:

• A retórica procura persuadir por meio do discurso. O pen-samento jurídico está necessariamente ligado às teorias discursivas,também tratadas, às vezes, por teorias argumentativas. Entretanto, aidéia de discurso traz hoje pesada carga de significados, os quais tantose remetem à idéia de lógica dialética e práticas de persuasão quanto àfilosofia analítica. O vocábulo «discurso» foi usado largamente pormuitos filósofos de vertentes e entendimentos completamente adver-sos. De Descartes a Foucault, de Russel a Brandom, fizeram-seembaraçadas e também auto-suficientes os muitos significados atribu-ídos à idéia de discurso. No caso de Perelman, especificamente, dis-curso está ligado necessariamente ao pressuposto da persuasão, doconvencimento, por meio do debate. E, por outro lado, ainda é per-ceptível, em sua teoria, a idéia de relatividade dos assentamentos ide-ológicos, imperfeição ou precariedade da faculdade racional de seimpor de forma absoluta.

• A demonstração e as relações da lógica formal com a retó-rica. Esse posicionamento se dá basicamente em dois sentidos e con-siste nas principais teses desenvolvidas pelos novos retóricos: primei-ramente, desmantelar os postulados formalísticos e abstracionistas dalógica apodítica, demonstrando sua inaplicabilidade ao mundo jurídico

5 PERELMAN, Chaïn. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução de Ma-ria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Título original: Traité del’argumentation: la nouvelle rhétorique.

6 PERELMAN, Chaïn. Lógica jurídica e nova retórica, p. 141 et seq.

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ou mesmo as contradições internas referentes ao seu emprego. Nosegundo aspecto crítico, preocupa-se em afirmar um problema de co-nhecimento do logicismo: a fragilidade do ato de escolha da premissamaior entre tantas outras. Os positivistas, por exemplo, foram dura-mente criticados por acharem que o problema jurídico começaria apartir da aplicação do direito, mas o problema jurídico, em sua práxis,mostra que o desafio do direito começa com a escolha da premissaque lhe servirá na subsunção. O direito positivo haveria esquecido ounegligenciado a dúvida quanto à premissa primeira7.

• A adesão a uma tese pode ter intensidade variável. Para osretóricos, não existe nada em absoluto. As coisas estão mais ou menoscorretas, mais ou menos entendidas, mais ou menos aceitas. O embateretórico contra a certeza e contra a objetividade fez-se projetar comoteoria do aproximado, do inconcluso, do relativo. Embora não sejamuito reconhecido ainda, faz-se mister notar a influência decisiva deBachelard sobre o pensamento contemporâneo.

• Distinção entre a retórica e a lógica formal (ela diz respeitomais à adesão do que à verdade). A interpretação da lei, para seraplicada ao caso específico, deve ser considerada como uma hipóteseentre tantas mais, e só poderá ser adotada se a sua aplicação resultarnuma atitude razoável e de bom senso. A norma em abstrato não é maisdo que uma hipótese que deve ser submetida ao crivo da experiência.

O método de Perelman, por problematizar a inexorabilidade daaxiologia e por estar voltada para a práxis, é a dialética, entendida, noseu contexto, como a arte da discussão. Como afirma, a dialética «semostra o método apropriado à solução dos problemas práticos, osque concernem aos fins da ação, que envolvem valores».8 - 9

7 Note-se que o próprio Kelsen, reconhecido pelo rigor epistemológico de sua teoriajurídica, não pressupôs que o silogismo jurídico contaria com apenas uma premissacorreta, mas várias premissas possíveis. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. p.390-391.

8 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 139.9 Margarida Maria Lacombe dispõe: “A partir de então, anuncia uma ruptura com o

cartesianismo e estabelece como paradigma filosófico a concepção relacional e retó-rica da razão prática. Isso faz com que a razão seja aceita não do ponto de vista dacontemplação, mas do ponto de vista da justificação das nossas convicções e dasnossas opiniões” (Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo dodireito, p. 190).

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A idéia de razoabilidade é garantida pela proposição de um acor-do estabelecido entre aqueles que dialogam. A racionalidade jurídicaassenta seus postulados de forma democrática e em atenção àsespecificidades do caso. Não há uma técnica aprioristicamente conce-bida aplicável ao direito e, precisamente por esse motivo, há tambémuma relação estreita do pensamento perelmaniano e as intenções desteartigo.

Como explica Perelman, “na ausência de técnicas unicamenteadmitidas é que se impõem o recurso aos raciocínios dialéticos e retóricos,raciocínios que visam estabelecer um acordo sobre os valores e sobresua aplicação, quando estes são objeto de uma controvérsia”.10

Buscando compreender a motivação final de sua teoria, mesmoporque nenhum discurso existe sem que haja uma ideologia que o sus-tente, o autor da Universidade de Bruxelas alinha-se ao processo dedesconcentração do poder jurídico. De sorte que se infiltra na questãoda soberania posta de cima para baixo, opressiva, supostamente legi-timada pelo estrito cumprimento do formalismo. Para tanto, o pensa-dor da Nova Retórica contesta o princípio da legalidade, colocandoem xeque a supremacia do Legislativo sobre o Judiciário. “O direito,tal como está determinado nos textos legais, promulgados e formal-mente válidos, não reflete necessariamente a realidade jurídica”.11

A percepção da especificidade do fenômeno jurídico é tambémo ponto de partida destes escritos, pois não há possibilidade de sepensar o jurídico em abstrato, de forma geral. No direito, cada caso éúnico e deve ser assim tratado. Todo procedimento jurídico deve guar-dar “sua conformidade com o direito em vigor, a argumentação seráespecífica, pois terá por missão mostrar de que modo a melhor interpre-tação da lei se concilia com a melhor solução dos casos particulares”.12

Para os retóricos, o raciocínio jurídico visa explicar (do latimexplicatio: desdobramento) os fundamentos e as causas de uma con-trovérsia. Nesse processo, ‘desfazer as dobras’ é mostrar os mean-dros da complexidade de cada situação, pois, haverá argumentações

10 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 139.11 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 189.12 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 185-186.

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em sentido diversos, que “procuram fazer valer, em situações diversas,um valor ou um compromisso entre valores, que possa ser aceito emum meio e em um momento dados”.13

Por fim, o direito está sempre relacionado ao ponderável, aoaceito, por aliar-se ao bom senso. Perelman, levando em conta asidéias do conhecimento aproximado, do verossímil, do relativo, expõeque a “argumentação não visa à adesão a uma tese exclusivamentepelo fato de ser verdadeira. Pode-se preferir uma tese à outra porparecer mais eqüitativa, mais oportuna, mais útil, mais razoável, maisbem adaptada à situação”.14

Seu raciocínio prático reconheceu, no direito, sua tão negadaface aporética, dilemática. Esta preclara posição de conhecimento dofenômeno jurídico, embora figure como óbvia, havia se tornado estig-matizada pela vontade sistematizadora e objetivista que dominou des-de Arnauld, Spinoza, Descartes, Pascal até o Pós-segunda GrandeGuerra.

1.2.2 O pensamento tópico: o problema como ponto departida para discussão jurídica e a elasticidade dosfundamentos de direito

A apresentação do pensamento tópico aplicado ao direito con-corre de modo favorável à estruturação de um método jurídico dialético.Neste seguimento, investiga-se o pensamento tópico em geral, mas atém-se especialmente à versão anti-sistemática que lhe foi concedidapelo jusfilósofo alemão Theodor Viehweg. O legado desse autor, porintermédio da obra Tópica e Jurisprudência (Topik und Jurisprudenz),fez-se complemento valioso ao pensamento retórico desenvolvido nasegunda metade do século XX, porque serviu como um dos principaispilares na retomada da lógica dialética no mundo contemporâneo.

Viehweg lança sua teoria, muito original no contexto em que foielaborada nos primeiros anos do pós-guerra, como tese de livre-do-

13 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 184.14 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 156.

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cência para a recém-reaberta Universidade de Munique. Sob o títulode Tópica e jurisprudência,15 Viehweg entende o estudo do pensa-mento tópico aplicado à ciência do direito (ciência do direito, em lín-gua alemã: Jurisprudenz). A tópica fez-se, pois, reapreciada peloscontemporâneos, uma vez que o pensamento sistemático formal, pro-fundamente marcado pela pretensão de certeza, havia abortado deseu complexo qualquer possibilidade de pensar por meio de opiniões(ex endoxon). Essa forma de pensar, ou melhor, essa techne do pen-samento que se orienta por problemas, a partir de problemas e emdireção a eles,16 constitui uma preciosa herança do pensamento ante-rior a Aristóteles, mas que teve esse filósofo grego como seu primeiroe também maior sistematizador, dada a grande capacidade enciclopé-dica que lhe é peculiar. Foi Aristóteles que lhe concebeu o nome detópica. Os Topoi, ou seja, lugares comuns, compõem uma forma depensar que tem o propósito de «descobrir um método que nos capaci-te a relacionar, a partir de opiniões de aceitação geral, acerca de qual-quer problema que se apresente diante de nós e nos habilite, na sus-tentação de um argumento» (Tópicos, Liv. I. I). A tópica se constrói apartir de silogismos dialéticos, que se compõem pelo uso dos Topoi,as tais opiniões (pensamento ex endoxa) de aceitação geral.17

Viehweg fez-se notável porque retomou quase pioneiramentealgo que hoje é matéria de grande interesse: o renascimento do pensa-mento retórico. Os antigos, anteriores a Aristóteles, já desenvolviamesse modo de pensar sob no nome de Euresis (radical grego arcaicoda palavra heurística), e posteriormente a Aristóteles esse tipo de pen-samento se desenvolveu muito mais, com Marcus Tullius Cícero que,por sua vez, tornou-se influente nos estudos que dominaram as letrasromanas e perduraram dominantes até o século XVI, sob o nome deartes liberales. O pensamento tópico estava presente em duas das

15 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Tradução de Tércio Ferraz Júnior,Brasília, 1979. Título original: Topik und Jurisprudenz.

16 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Prefácio. In: VIEHWEG, Theodor. Tópica e juris-prudência, p. 3.

17 ARISTÓTELES. Órganon: categorias, da interpretação, analíticos anteriores, analí-ticos posteriores, tópicos, refutações sofísticas. Tradução de Edson Bini. Bauru:Edipro, 2005.

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três primeiras disciplinas (trivium) das artes liberales: Retórica eDialética.18

Como dito, o pensamento tópico parte do problema e, portan-to, tem como conhecimento prévio apenas um catálogo fragmentado,impreciso e aberto para servir-lhe de orientação. Essa orientação nãodeve necessariamente se impor – como se pretende no pensamentosistemático –, mas pode ou não ser usada. A tópica é arte da invenção,da disputa, a partir do caso, pois esse modo de pensar brota da luta,“a favor e contra, dos móveis em debate: no lugar do reflexo entra areflexão”.19

No entanto, o pensamento tópico viu-se afastado dos estudosfundamentais a partir do século XVII, como bem viu Viehweg, ao ana-lisar o pensamento de Vico. Uma vez que o pensamento retórico pas-sou a ser marginalizado em razão de uma «nova ordem» de produzir osaber, sob a influência do pensamento de Pascal, Arnauld, Descartes.Vico ainda se posiciona favorável à dialética, mas assim já se coloca-va, no século XVII, na contramão do pensamento dominante. Seuconvencimento de interpor uma conciliação entre o velho e o novopensamento não foi aceita pela mentalidade que de seu tempo emergia.20

A quebra do formalismo proposta pela tópica está comprometi-da com a prudência (jurisprudência como pensamento específicodo direito, como queria Viehweg). O pensamento dialético é uma for-ma de pensar com opiniões postas dentro de um procedimento comu-nicativo onde o bom senso está presente, porque há que sopesar osargumentos, escolher a melhor premissa, contraditar e aceitar.

Há uma estreita relação entre o pensamento tópico com asmetodologias dialéticas do direito porque trabalham com o indefinidoe estão diretamente comprometidas com o problema jurídico.

18 As artes liberales eram sete, no total: 1) Gramática; 2) Retórica; 3) Dialética; 4)Aritmética; 5) Geometria; 6) Música; 7) Astronomia. Daí também serem chamadasde septem artes liberales.

19 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência, p. 34.20 Theodor Viehweg conta que Vico havia discutido no início de sua dissertatio que sua

intenção era construir uma conciliação dos estudos antigos (retórica) com o moderno(formalístico): De recentiori et antiqua studiorum ratione conciliata, ou seja, Daconciliação do tipo de estudos antigo e moderno (Tópica e jurisprudência, p. 19).

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Segundo Perelman, o grande ganho do pensamento tópico con-siste em não opor a teoria à prática. Como afirma, em vez de se opor odireito à razão e à justiça, se empenharia, ao contrário, em conciliá-los.21

Viehweg, em especial, tem a pretensão de desconstruir a noçãosistemática ou hermética do direito, apontando a elasticidade dos pres-supostos que poderiam ser utilizados por ele. A idéia de univocidadelhe parece indevida, bem como a fundamentação logicista do direitobaseada num sistema completo e auto-suficiente. Para Viehweg, a cons-trução de um sistema formal nunca se realizou, ainda que sua existên-cia seja pressuposta usualmente pelo pensamento ocidental ainda do-minante.22

2 CONCLUSÃO: AS METODOLOGIAS DIALÉTICASE SEUS GANHOS

O que vem a ser uma metodologia jurídica dialética? Essa ques-tão suscita duas idéias, a primeira é conceitual: pensamento sobre ométodo jurídico; a segunda trata de um predicado: que se constróipela interação. Essas duas expressões conjugadas remetem à idéia deum método aplicado ao direito que não está definido, pré-dado, fe-chado. Trata-se, pois, de um método dado às circunstâncias. Pareceque é precisamente esse o entendimento que Gaston Bachelard temsobre o próprio conceito de método: o discurso sobre o método cien-tífico será sempre um discurso de circunstância.23

Para o pensador francês, o método tem certa conotação “ati-va”, uma vez que faria corpo junto à sua aplicação (La méthode fait

21 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 131.22 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência, p. 77.23 Ele expõe logo no início de sua L’épistémologie non-cartésienne: “Les concepts et

les méthodes, tout est fonction du domaine d’expérience; toute la pensée scientifiquedoit changer devant une expérience nouvelle; un discours sur lá méthode scientifiquesera toujours un discours de circonstance, il ne décrira pas une constituition définitivede l’esprit scientifique’ BACHELARD, Gaston. Le nouvel esprit scientifique, p.139. Tradução da coleção Os Pensadores, da Abril Cultural: [“Os conceitos e osmétodos, tudo é função do domínio da experiência; todo o pensamento científicodeve mudar diante duma experiência nova; um discurso sobre o método científicoserá sempre um discurso de circunstância, não descreverá uma constituição definiti-va do espírito científico.”]

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corps avec son application).24 O rigor metodológico ou a rigidez e aimparcialidade do método em referência àquilo que ele se projeta são,por excelência, os pontos cegos das correntes formalistas aplicadasao direito. O fenômeno jurídico não suporta uma predefinição de seuconteúdo. E esse é o grande ganho trazido por Viehweg ao pensamen-to jurídico em geral: novas circunstâncias implicam novas formas decompreensão, ou seja, faz-se necessário deslocar o ponto de vista doobservador.25

Como se expôs, nos escritos deste artigo, o problema (o caso)deve atuar, como ponto de partida para a discussão jurídica ou, ainda,como guia para o procedimento jurídico. Quando se tentava racioci-nar de acordo com um sistema previamente dado, ou seja, dentro e apartir de um sistema explícito e fechado, o resultado não é outro senãouma deformação do fenômeno humano.

O problema deve ser o cerne da preocupação jurídica, mas atão difundida e aplicada teoria do ordenamento jurídico, cegada pelaintensa luz da ordem e da previsibilidade, assim não procede. O pro-blema humano é quase que um detalhe à margem do pensamento pre-concebido. Isso porque, para a teoria do ordenamento jurídico, oproblema deve ser apenas inserido num campo no qual a resposta jáestá previamente dada. O pensamento sistemático, como explicaViehweg, é trazido para dentro de um conjunto de deduções, previa-mente dado, a partir do qual se infere uma resposta,26 pois o procedi-mento segundo o método sistemático parte de uma ótica pretensamente

24 Ele ainda dispõe: Même sur le plan de la pensée pure, la réflexion sur la méthode doitrester active. Tradução: « Mesmo sobre o plano do pensamento puro, a reflexãosobre o método deve restar ativa » (BACHELARD, Gaston. Le nouvel espritscientifique, p. 140).

25 Dispõe ele: “Quando se produzem mudanças de situações e em casos particulares, épreciso encontrar novos dados para tentar resolver os problemas. Os topoi, queintervêm com caráter auxiliar, recebem por sua vez seu sentido a partir do problema.A ordenação com respeito ao problema é sempre essencial para eles. À vista de cadaproblema aparecem como adequados ou inadequados, conforme um entendimentoque nunca é absolutamente imutável. Devem ser entendidos de um modo funcional,como possibilidade de orientação e como fios condutores do pensamento”. VIEHWEG,Theodor. Tópica e jurisprudência, p. 38.

26 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência, p. 34.

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totalizante, como se a realidade coubesse dentro do ordenamento ju-rídico. O que não estaria nessa sistematicidade não estaria no mundo.Vêem-se todos os problemas humanos pelo prisma do ordenamento,e este ponto de vista condiciona o conhecimento do caso concreto,pois o sistema funciona como um crítério para seleção de problemas.E como haiva sido posto antes, eis a posição de Nicolai Hartmann:“Os conteúdos do problema que não se conciliam com o ponto devista são rejeitados. São colocados como uma questão falsa ou inváli-da. Decide-se previamente não sobre a solução dos problemas, massim sobre os limites dentro dos quais a solução pode mover-se.27

Esse formalismo aplicado ao direito só foi possível porque osideais de sistematização trazidos pela matemática passaram a permeartoda forma de pensamento, como se seu paradigma funcionasse emqualquer área do conhecimento. Mas o direito trabalha com aporias,com dilemas e não é, de forma alguma, um sistema coerente e semcontradições como as tábuas matemáticas (tábuas axiomáticas). Amatemática é neutra e por esse motivo pode se comportar de maneiralógica, mas o direito trabalha com valores e estes não se ordenam, masconcorrem entre si ou até se excluem mutuamente. Exatamente porisso, Perelman afirma que concepções ideológicas diferentes podemresolver um conflito de múltiplas maneiras.28

Não há possibilidade de o direito pensar de forma abstrata. Ateoria do direito jamais poderá se conceber apenas como «teoria». Odireito é um tipo de conhecimento especial que trabalha com valores,com intuição, com indução e até com a dedução. Mas sempre com umpressuposto inarredável: o direito depende das informações casuísticaspara ser levado a efeito. Não obstante, o caso deve ser respaldado,posteriormente, por um dispositivo legal. Não queira entender, preza-do leitor, que a lei pode ser simplesmente desconsiderada. A lei é agarantia de intersubjetividade e esta é uma das principais conquistasda Modernidade. Ora, a intersubjetividade legal não pode ser desres-

27 HARTMANN, Nicolai. Diesseits von Idealismus und Realismuns, in KantStudien,t. XXIX, p. 163-164, apud WIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência, p. 35.

28 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 163.

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peitada sem que tenhamos como ônus a perda da democracia. A ex-periência do fato é a sua gênese, mas a intersubjetividade é sualegitimação como fenômeno jurídico.

A diferença entre o pensamento teórico e o jurídico está marcadapela sua natureza. O jurídico está voltado para o concreto (latim:concretus: aquilo que está condensado, acontecido no mundo fático epõe-se como problema experimentável), ao passo que o teórico estávoltado para o pensamento abstrato. O direito não está e nem podeser pensado em abstrato. Daí emerge a vantagem lograda por Cíceroem relação ao grande filósofo Aristóteles. Ao contrário do que haviainsinuado Viehweg, o nível da tópica ciceroniana não é inferior ao daaristotélica.29 Enquanto Aristóteles, em sua Tópica, tem a idéia de «pro-blema» como algo meramente teórico, entendida sua teoria como artedo discurso, Cícero viu a tópica como uma forma de pensamento apli-cada à práxis,30 por isso foi muito mais valorizado e reproduzido nomundo medieval, quanto a este específico assunto.

Exatamente como Perelman propõe, ainda nesse sentido, “asuperioridade do pensamento jurídico sobre o pensamento filosóficoestá em que, ao contrário deste, que pode contentar-se com fórmulasgerais e abstratas, o direto é obrigado a considerar a solução das difi-culdades que surgem quando se trata de aplicar essas fórmulas geraisà solução de problemas particulares”.31 Então, a teoria metodológicajurídica dialética se justifica exatamente a partir desta idéia: não hácomo as escolhas encontrarem-se pré-determinadas. Em abstrato, elassimplesmente não existem. O direito precisa experimentar e somenteao fazê-lo poderá conhecer. Uma teoria do método jurídico dialético éuma proposta de conhecimento do fenômeno jurídico que exige a ex-periência do caso para que o fenômeno possa ser pensado. A partir

29 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência, p. 28.30 Theodor Viehweg assim dispõe: “Este (Cícero) entendeu a tópica como uma praxis

da argumentação, a qual maneja o catálogo de topoi que ele esquematizou bastante.Enquanto Aristóteles trata, em primeiro lugar, ainda que não de um modo exclusivo,de formar uma teoria, Cícero trata de aplicar um catálogo de topoi já pronto. Àqueleinteressam essencialmente as causas; a este, em troca, os resultados” (Tópica ejurisprudência, p. 31).

31 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica e nova retórica, p. 165.

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32 PERELMAN, Chaïn. Lógica jurídica e nova retórica, p. 165.

desse conhecimento condicionado, pode-se evoluir para o processojurídico que se dará em função do que foi apurado. Nesse sentido,esta proposta muito estreita à concepção teorizada por Friedrich Müller,em sua metódica estruturante.

Daí o direito trabalhar mesmo com escolhas, pois sua natureza éantinômica, aporética e dilemática. E aquele que trabalha com essaárea do conhecimento não pode evitar fazer escolhas.32

Como havia se dito no início deste artigo, a idéia de método seapresenta em dois momentos distintos perante às filosofias e ciênciasem geral. No direito não é diferente. O primeiro momento estaria dire-tamente imbricado na teoria do conhecimento – como determinadodado pode ser conhecido? –. O segundo momento refere-se à idéiade procedimento ou mesmo momento procedimental: como deve seproceder frente a um conhecimento. Este projeto é, originalmente, deKant, com as respectivas Crítica da Razão Pura e Crítica da RazãoPrática. Mas seu conteúdo vai de encontro ao seu reverso: para longede qualquer teoria pura devem rumar as ciências sociais aplicadas.

3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Órganon: categorias, da interpretação, analíticosanteriores, analíticos posteriores, tópicos, refutações sofisticas. Tra-dução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2005.BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Tradução deRemberto Francisco Kuhnen. São Paulo: Nova Abril Cultura (Cole-ção Os Pensadores), 1974. Título original: Le nouvel espritscientifique.BACHELARD, Gaston. Le nouvel esprit scientifique. 4. éd. Paris:Quadrige, 1991.GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentaisde uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Maulo Meurer.Petrópolis: Vozes, 1997. Título original: Warheit und Methode.

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HARTMANN, Nicolai. Diesseits von Idealismus und Realismuns, inKantStudien, t. XXIX, p. 163-164, apud WIEHWEG, Theodor. Tó-pica e jurisprudência, p. 35.HEIDEGGER, Martin. O ser e o tempo. Tradução de Márcia de SáCavalcante. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João BaptistaMachado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Título original: ReineRechtslehre.NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portu-guesa. Rio de Janeiro: 1932.PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução deVerginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Título original:Logique juridique.PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retórica.Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes,1996. Título original: Traité de l’argumentation: la nouvelle rhétorique.VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Tradução de TércioFerraz Jr. Brasília: Editora da UnB, 1979.

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BOA-FÉ OBJETIVA NO

DIREITO TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIOOU CLÁUSULA GERAL?

MISABEL ABREU MACHADO DERZI

Sumário

1. Introdução. 2. A aplicabilidade do princípio daboa-fé objetiva no Direito Tributário. 2.1. O sen-tido dos arts. 100 e 146 do CTN. 2.2. As limita-ções advindas do uso da analogia e da eqüidade. 3.Diferenciação entre cláusula geral e princípio.Tipificação não se confunde com determinaçãoconceitual especificante. 4. Também o juiz não podecriar tributo sem lei. 5. Conclusões.

Resumo

Neste Artigo busca-se sustentar que a dogmática jurídicacontemporânea, marcada pela via da complexidade, é caracterizadapela ambivalência da comunicação normativa. Através da críticafoucaultiana à função normalizadora das discursividades hegemônicas,propõe-se a justificação racional do discurso jurídico pela eleição dedeterminada concepção de pragmática, afirmando-se os direitoshumanos como estrutura da argumentação jurídica no EstadoDemocrático de Direito Brasileiro pós 1998.

AbstractGeneral clauses are considered an issue related to legislative

activity and shall be expressily permited by the legislators. They mean

REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS BELO HORIZONTE N. 12 P. 345-371 2005

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authorization through which the judge might complement and innovatethe legal system, but they have to overcome two obstructions relatedto Tax Law: The prohibition on creating tax by analogical means andthe prohibition on exempting due tax under the excuse of equity.

In being the case that juridical security is effective at hightest levelin Tax Law, objective good faith cannot lead to the creation of tax notforeseen by law, and neither to any increase of it. It is sure that good faithdoes not act as a general clause in such a case, since it acts only asprinciple of interpretation. On the other hand, even though the NationalInternal Tax Code prohibits tax exemption under the excuse of equity,there are exceptions in that very Code regarding taxpayers’ objectivegood faith – whenever the protection of taxpayers’ faith is required beforethe Public Teasury acts. This occurs in relation to the effects of the act ofconsulting or in relation to the requirements prescribed in Article 146.

It is a pertinent question because the judge, acting in accordancewith Civil Law, might consider good faith as general clause and principle.But such phenomenon would not occur in the field of Tax Law. Theobjective good faith might lead to tax exemption, but would not lead tothe creation of a tax not foreseen by law.

1 INTRODUÇÃO No Brasil, a segurança jurídica e a proteção da confiança são

amplamente reforçadas no campo do Direito Tributário. Assentam-sena legalidade formal e material (especificidade conceitual determinante),consagradas nos arts. 5o. e 150, I, da Constituição Federal; reforça-das pela exclusividade da lei que concede subsídio, isenção ou outrobenefício fiscal (art. 150, §6o. da CF/88); são minuciosamenteexplicitadas pelo art. 97 do Código Tributário Nacional; confirmadase reconfirmadas pela proibição da analogia na criação de tributo (art.108, §1o., do CTN) e, conseqüentemente, das presunções; pela rejei-ção da interpretação econômica (art. 110) e da cláusula geral antielisiva(art. 109); pelo caráter estritamente vinculado dos atos administrativosde cobrança do tributo (art. 3o. e 142 do CTN); desenvolvem-se, ainda,na proibição da surpresa e da imprevisibilidade, por meio da vedaçãoconstitucional da irretroatividade do direito em geral (art. 5º, XXXVI),do Direito Penal (art. 5º., XL) e do Direito Tributário em especial (art.

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150, III, «a»); no princípio da anterioridade e da espera nonagesimal(art. 150, III, «b», «c»). Finalmente, complementa-se a segurança com avedação do confisco e a observância da capacidade econômica, art.150, IV e § 1º do art. 145 da Constituição da República. Já tivemos, emtextos constitucionais anteriores, o princípio da capacidade contributivaexpresso ao lado do princípio da autorização orçamentária e do princí-pio da irretroatividade das leis (Constituição de 1946). Mas nós nãotínhamos tido antes, ao mesmo tempo, como na Constituição de 1988,o estabelecimento da irretroatividade da lei em geral (art. 5º, XXXVI),da lei penal, por duas vezes (art. 5º., XXXIX e XL) e da lei tributáriaespecificamente (art. 150, III, «a»), além da consagração do princípioda vedação do confisco e da capacidade econômica (art. 145, § 1º), daanterioridade e da espera nonagesimal, do art. 150, III.

Muitas Cartas Constitucionais de outras ordens jurídicas, excetoem relação à legalidade, não consagram nenhum dos citados princípi-os expressamente, havendo, não obstante, algumas que elegem airretroatividade apenas para os delitos e as penas (Constituição daAlemanha e dos EEUU) e outras que estabelecem a irretroatividadesó para as leis sancionatórias, além do princípio da capacidadecontributiva (Constituição da Itália). Essa forma de se tratar o tema, nodireito positivo interno, de modo tão radicalmente diferente do nosso,traz conseqüências práticas surpreendentes. Os germânicos, por exem-plo, extraem a irretroatividade do Direito (não apenas das leis, mastambém dos atos administrativos e da jurisprudência) do princípio doEstado de Direito, embora sejam pobres os textos da Lei Fundamen-tal. Mas a maioria dos textos doutrinários italianos, calcados na juris-prudência daquele país, extrai os fundamentos da irretroatividade tri-butária diretamente do princípio da capacidade contributiva, o qualapenas pode ser concebido, de forma concreta e atual, se existente nomomento da ocorrência do fato jurídico.

Essa peculiar insistência da Constituição Brasileira na segurança ju-rídica, na previsibilidade, na “não surpresa» deve (ou deveria) bastar parase construir uma ordem jurídica, voltada à proteção da confiança, diferen-te do passado, assim como para afastar posições teóricas ou jurisprudenciaisestrangeiras, inconciliáveis com nosso direito positivo. E é, exatamente

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nesse quadro jurídico, que pretendemos responder à indagação: A boa-fé,aplicável ao Direito Tributário brasileiro é princípio ou cláusula geral?

2 A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

OBJETIVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Em obra profunda sobre o tema, à luz do Direito alemão, explicaROLAND KREIBICH que alguns juristas alemães utilizam a expressãoboa-fé objetiva como sinônima de proteção da confiança; outros, comoKRIEGER, THIEL, etc., consideram a proteção da confiança um resulta-do ou conseqüência legal da boa-fé; há aqueles ainda, como MATTERN,que sobrepõem o princípio da proteção da confiança, para eles maisabrangente, como um «Tatbestand-mãe», ao princípio da boa-fé.

Pondera KREIBICH que, de fato, existem aplicações inerentes aoprincípio da proteção da confiança, que não têm relação direta com a boafé, a saber: a) a irretroatividade das leis; b) a obrigatoriedade do cumpri-mento de promessas e de prestação de informações; c) a proteção contraa quebra ou modificação de regras administrativas; d) a proteção contra amodificação retroativa da jurisprudência; e) a garantia da execução deplanos governamentais... E acrescenta que, em geral, prevalece a concep-ção, aliás dominante nos tribunais superiores daquele país, de que o prin-cípio da proteção da confiança deve ser considerado um princípio-mãe,deduzido do Estado de Direito, através da segurança.1

Assim, em toda hipótese de boa-fé objetiva existe confiança aser protegida. A boa-fé objetiva significa que uma das partes, por meiode seu comportamento objetivo criou confiança em outra, que, emdecorrência da firme crença na duração dessa situação desencadeadapela confiança gerada, foi levada a agir ou manifestar-se externamen-te, de acordo com o comportamento em que foi levada a acreditar.Pois bem, o Direito protege a confiança de quem acreditou e não de-veria ver frustradas as suas expectativas. Os subprincípios do venirecontra factum proprium, a suppressio e a surrectio são formas demanifestação da boa-fé objetiva. Mas KREIBICH aponta como di-

2 Cf. op. cit. p. 59.

1 Cf. op. cit. ps. 24-25.

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vergência existente entre o princípio da proteção da confiança e o daboa-fé, o fato de o primeiro, por ser mais abrangente, aplicar-se àssituações gerais, abstratas e àquelas concretas; já o segundo, o princí-pio da boa-fé somente alcança uma situação jurídica individual e con-creta, ou seja, alcança não as leis e os regulamentos normativos, masapenas os atos administrativos individuais e as decisões judiciais. Etraça o seguinte quadro explicativo, como resultado da comparaçãoentre o princípio da proteção da confiança e o da boa-fé2.

Relações JurídicasAbstratas

Relações JurídicasConcretas

Estado de Direito

Idéia de Justiça

Segurança Jurídica

Proteção de Confiançaem

= O princípio da boa fé como expressão da confiançanas relações jurídicas concretas

3 Cf. op. cit. p. 198.

Em conclusão, KREIBICH define o princípio da boa-fé comoum princípio jurídico em geral (universal), válido para todas as áreas

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jurídicas, e sem restrições no Direito Tributário, sendo direito não es-crito, que exige um comportamento leal e confiável de todos os envol-vidos em uma relação jurídica concreta, e que, sendo ainda expressãoda idéia da proteção da confiança no Direito Constitucional, atravésda segurança jurídica, decorre do Estado de Direito e da idéia de jus-tiça, que lhe determinam o sentido.3

O Direito Tributário interno caminha assim, paradoxalmente, namesma linha, que tem inspirado a interpretação dos tratados e dasconvenções internacionais em matéria tributária. Essa é uma tendênciaque os tribunais mais elevados de diferentes países, mesmo de comu-nidades integradas como o Tribunal de Justiça Européia, apontam: boa-fé, confiança, reciprocidade, lealdade. Legalidade e segurança, comjustiça.

E mais, Se o princípio da «boa-fé objetiva ... é dever de con-sideração para com o ‘ alter’, realçam os juristas do Direito Privadoas funções mais importantes da boa-fé na formação e na execução dasobrigações: a) como fonte criadora de deveres especiais nos contra-tos, a saber, de informar, de colaborar, de avisar, de cuidar «do ou-tro»; b) como limitação ao exercício dos direitos subjetivos, coibindo-se o abuso e a não razoabilidade da conduta de cada uma das partes;c) como fonte de concreção das relações e de interpretação ereinterpretação dos contratos. (V. por todos, o importante resumo que,sobre o tema, faz MIRIAM CAMPOS. Da Boa-fé Objetiva no Direi-to Privado. Belo Horizonte, Del Rey, no prelo).

Enfim, honra, respeito, cumprimento das promessas e lealdadeà palavra dada contaminam também o Direito Público, em nosso País,como em outros. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça em casonarrado, resumidamente, por MIRIAM CAMPOS: «Tratava-se dehipótese em que o Banco do Brasil, que é entidade bancária ofi-cial, vinculada à Administração Pública, havia ajuizado proces-sos de execução de dívida contra clientes inadimplentes. O Minis-tro da Fazenda, autoridade à qual, em última instância, está aautarquia bancária vinculada, havia firmado «Memorando deEntendimento» no curso de tratativas, visando a solucionar aquestão, que atingia um grande número de devedores, comprome-tendo-se a suspender temporariamente a execução se os devedo-

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res se apresentassem para renegociar o débito. Apesar do com-promisso, o Banco do Brasil prosseguiu, mesmo assim, a execuçãojudicial, negando o caráter obrigacional do mencionado “Memo-rando de Entendimento”. (Cf., op. cit.) O voto do Ministro Relator,RUY ROSADO DE AGUIAR é exemplar:

“O compromisso público assumido pelo Ministro da Fazenda,através de Memorando de Entendimento, para suspensão daexecução judicial de dívida bancária de devedor que se apre-sentasse para acerto de contas, gera no mutuário a justa expec-tativa de que essa suspensão ocorrerá, preenchida a condição.Daí decorrer o direito do particular de obter a suspensão funda-do no princípio da boa-fé objetiva, que privilegia o respeito àlealdade............... “inconcebível que um Estado democrático, que aspirea realizar a Justiça, esteja fundado no princípio de que o com-promisso público assumido pelos seus governantes não tem va-lor, não tem significado, não tem eficácia. Especialmente quan-do a Constituição da República consagra o princípio damoralidade administrativa.”(Cf. RESp-MS nº6183-MG, 4ª Turma, unânime, 14-12-95; DJ8-12-95.) Portanto, a boa-fé objetiva se desenvolve na proibição do venire

contra factum proprium, nos institutos materiais da suppressio e dasurrectio, ou ainda no instituto processual anglo-saxão do stoppel. Ofato é que no Direito Privado e, com mais razão, no Direito Público, aproteção da confiança, das expectativas criadas e o respeito à lealda-de transformam-se em importantes equivalentes funcionais ou emacopladores estruturantes e estabilizadores do sistema.

É evidente que os efeitos da consulta no Direito Tributário, osdispositivos constantes do art. 100 e do art. 146 do CTN são aplica-ções da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, aceitas pelo legis-lador e consagradas em norma expressa. De fato, é fundamental quese preservem a estabilidade das relações jurídicas, a certeza e a se-

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gurança. Os tribunais superiores também vêm aplicando dessa forma o art.146. Assim reza a Súmula 227 do antigo Tribunal Federal de Recursos:

“A mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autorizaa revisão de lançamento”.

O que significa que a Administração e o Poder Judiciário nãopodem tratar os casos que estão no passado de modo a se desviaremda prática até então utilizada, e na qual o contribuinte tinha confiado. OCTN atenua os efeitos bruscos da mudança de critérios por parte daAdministração, ao estabelecer que a observância dos atos normativosdas autoridades administrativas, das decisões de seus órgãos e daspráticas administrativas reiteradas exclui a imposição de penalidades,a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário dabase de cálculo do tributo (art. 100). O art. 146 protege o contribuin-te contra a mudança de critério jurídico dos atos administrativos indivi-duais, se o lançamento já foi efetuado. Tais regras são aplicações dosinstitutos da suppressio e da surrectio no seio do Direito Tributário.

2.1 O sentido dos arts. 100 e 146 do CTN O Código Tributário Nacional inspirou-se no princípio da boa-

fé objetiva e da proteção da confiança, em favor do contribuinte, cris-talizando-os claramente em determinados artigos. Vejamos,exemplificativamente, os arts. 100 e 146:

“Art. 100. São Normas complementares das leis, dos tratadose das convenções internacionais, e dos decretos:I — os atos normativos expedidos pelas autoridades adminis-trativas;II — as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdi-ção administrativas, a que a lei atribua eficácia normativa;III — as práticas reiteradamente observadas pelas autoridadesadministrativas;IV — os convênios que entre si celebrem a União, os Estados,o Distrito Federal e os Municípios.

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Parágrafo único. A observância das normas referidas neste arti-go exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros demora e a atualização do valor monetário da base de cálculo dotributo.” Como se observa, o art. 100 trata exatamente de fonte ou de

técnica legislativa. Consagra que os atos normativos, as decisões dejurisdição de eficácia normativa, as práticas reiteradas e os convênios,como atos das Administrações Tributárias, são normas complementa-res, hierarquicamente inferiores às leis, mas aptas a pôr o Direito, deforma limitada às multas e penalidades pecuniárias, aos juros de morae à atualização monetária da base de cálculo. A observância de taisnormas complementares, de caráter geral, estabelecidas pelo próprioFisco, geram, sem dúvida, expectativa legítima de direito para o con-tribuinte que com elas pautou o seu comportamento. Estamos no cam-po da proteção da confiança, não necessariamente no campo da boa-fé objetiva (em razão do grau de abstração inerente aos efeitosnormativos). E, em decorrência, as limitações se impõem na regra doparágrafo único do art. 100, pois o fiel cumprimento de tais normascomplementares não possibilita a dispensa do pagamento do tributodevido.

Assim, o parágrafo único do artigo 100 fixa a regra segundo aqual a observância pelos contribuintes dos atos normativos referidospoderá beneficiá-los (jamais criar para eles encargos novos). Na hi-pótese de a Administração ter errado na interpretação da lei ou muda-do de orientação, substituindo-a por outra, os contribuintes ficam obri-gados, por força do princípio da legalidade (obrigação ex lege), aopagamento do tributo, mas sem os consectários dos juros, das multase da correção monetária. Sendo normativos – atos ainda abstratos egenéricos – e sendo atos inferiores aos regulamentos e à lei, o Códigogarantiu a prevalência hierárquica da lei, para que não fossem certosgrupos beneficiados, de forma disfarçada, por isenções e outros favo-res fiscais. Alterando-se a orientação normativa, autoriza-se a cobran-ça do tributo devido (se efetivamente o for), mas não a de qualqueratualização monetária, juros ou multa.

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Portanto, o art. 100 tolera parcialmente a retroatividade do atoadministrativo abstrato e genérico, complementar ao regulamento, quedá nova interpretação à lei, correta, porém mais gravosa para o contri-buinte, em homenagem ao princípio da legalidade, por força do qualsomente a lei cria, modifica ou extingue obrigação tributária. Mas talretroatividade é profundamente atenuada para a proteção da seguran-ça e da confiança do contribuinte, proibindo o CTN a cobrança dequaisquer juros, penalidades ou mesmo correção monetária, na hipó-tese de se mudança do teor do ato. Segundo a teoria de KREIBICH,estamos em face de aplicação do princípio da proteção da confiançapelo próprio legislador complementar, pois o art. 100 somente se apli-ca às situações abstratas, não propriamente às relações jurídicas con-cretas, hipótese na qual se pode falar do princípio da boa-fé objetiva,em sentido técnico.

Exemplos de adoção efetiva do princípio da boa-fé objetiva pelolegislador complementar, é a regra constante do art. 146 do CTN e osefeitos atribuídos à consulta, formulada por um contribuinte em umcaso concreto específico. Confira-se:

“Art. 146. A modificação introduzida de ofício ou em conseqü-ência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídi-cos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lan-çamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmosujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormenteà sua introdução.” Sem dúvida, o art. 146 refere-se a situações jurídicas concre-

tas, implementando a proteção da confiança, na forma da boa-fé ob-jetiva. Sem nenhuma contradição em relação ao art. 100, eles se har-monizam. No mesmo sentido, ALIOMAR BALEEIRO:

“Já vimos que entre as normas complementares das leis, trata-dos e decretos integrantes da «legislação tributária», tal comoestá conceituada nos arts. 96 a 100 do CTN, incluem-se tam-bém os atos normativos das autoridades administrativas, as de-cisões dos órgãos singulares ou coletivos, desde que tenham

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eficácia normativa e as práticas reiteradamente observadas poraquelas autoridades.Mas essas «normas complementares» também podem ser subs-tituídas por outras ou modificadas em seu alcance ou nos seusefeitos.Nesses casos, em se tratando de normas relativas ao lançamen-to, a inovação só se aplicará ao mesmo contribuinte se acorrerfato gerador posteriormente à modificação. Sobrevivem as situ-ações constituídas anteriormente e que são definitivas».(Cf. Direito Tributário Brasileiro. Atualização de MISABELDERZI, 11ª. ed. Rio de Janeiro, Forense, p. 811). O art. 146 reforça o princípio da imodificabilidade do lança-

mento, regularmente notificado ao sujeito passivo. Trata-se de dispo-sitivo relacionado com a previsibilidade e a segurança jurídica.

Lembra SOUTO MAIOR BORGES: “Antecipando-se à vigência do CTN, Rubens Gomes de Souzaensinou que se o fisco, mesmo sem erro, tiver adotado umaconceituação jurídica e depois pretender substituí-la por outra,não mais poderá fazê-lo. E não o poderá porque, se fosseadmissível que o fisco pudesse variar de critério em seu favor,para cobrar diferença de tributo, ou seja, se à Fazenda Públicafosse lícito variar de critério jurídico na valorização do ‘fato ge-rador’, por simples oportunidade, estar-se-ia convertendo a ati-vidade do lançamento em discricionária, e não vinculada”.(Cf. Lançamento Tributário. op. cit. p. 322). De fato, é fundamental que se preservem a estabilidade das re-

lações jurídicas, a segurança, a confiança e a boa-fé. Os tribunais su-periores também vêm aplicando dessa forma o art. 146. Assim reza aSúmula 227 do antigo Tribunal Federal de Recursos:

“A mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autorizaa revisão de lançamento”.

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O que distingue o art. 146 do art. 100 é que o primeiro proíbe aretroação do ato, por mudança de critério jurídico, em relação aomesmo fato gerador e contribuinte (relações jurídicas concretas), en-quanto o art. 100 é genérico e independe de ter havido lançamento. Asconseqüências também são diferentes. O art. 146 proíbe que se editeoutro ato administrativo individual, como o lançamento, relativamenteao mesmo fato gerador, uma vez aperfeiçoado e cientificado o contri-buinte. Se a mudança de critério jurídico levaria à cobrança de tributoou à sua majoração, em relação àquele mesmo fato jurídico, novolançamento não poderá ser efetuado, nem mesmo para cobrar o sin-gelo valor do tributo (como autoriza o art. 100, em se tratando de atonormativo). Não estão elas em conflito.

Se um contribuinte seguiu as orientações genéricas do decretoou dos atos e pareceres normativos editados pela Administração, semque em relação a ele houvesse sido praticado algum ato administrativoindividual específico e, com isso, deixou de pagar tributo devido oupagou a menor, então nova orientação normativa, diferente da anteri-or, poderá levar à cobrança do tributo devido e não pago – sem osconsectários legais (correção monetária, juros ou penalidades), con-forme determina o art. 100. Ao contrário, como alerta ALIOMARBALEEIRO, se, com base no mesmo decreto, ato ou parecernormativo, tiver sido efetuado lançamento e dele cientificado o contri-buinte, a mudança nos critérios jurídicos, posteriormente introduzidaem novo ato ou parecer normativo, somente poderá se refletir em lan-çamento relativo a fato gerador superveniente, à luz do art. 146. Estamosem face de aplicação do princípio da boa-fé (relações jurídicas con-cretas). E mais, tais efeitos também se aplicam se as alterações tiveremsido introduzidas por força de novas decisões judiciais, que alteram ajurisprudência em que se baseavam os lançamentos. Essas são dife-renciações que também devem contaminar a consulta, formulada pelocontribuinte.

A regra consagrada no art. 146 do Código Tributário Nacionalé a necessária proteção da confiança (na modalidade de boa-fé obje-tiva), reflexo da concepção de que a irretroatividade deve obrigar atodos os Poderes. RICARDO LOBO TORRES, assim explica as ori-

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gens do dispositivo (Separata da ABDF – Resenha – 2º. Trimestre/1966, p. 13 – Rio de Janeiro):

“A inspiração para a norma transcrita buscou-a o legisla-dor no direito germânico. Em sua nova versão, estampadano art. 176 do Código de 1977 (Abgabenordnung 77), aquelaregra, sob o título de ´proteção da confiança nas hipótesesde anulação e alteração de lançamento` (Vertrauensschutzbei der Aufhebung und Anderung von Steuerbescheiden), tem oseguinte teor:Na anulação ou alteração de ato de lançamento notificado, nãopode ser considerado em detrimento do contribuinte o fato de: 1-a Corte Constitucional Federal declarar a nulidade de uma lei, emque até então se baseava o lançamento; 2- um Tribunal SuperiorFederal não aplicar uma norma em que até então se baseava olançamento, por considerá-la inconstitucional; 3- ter-se alteradoa jurisprudência de um tribunal superior a qual havia sido aplica-da pela autoridade fiscal nos lançamentos anteriores.”

Compreendida a extensão dessas normas, quais as demais limi-tações, a atingir o princípio da proteção da boa-fé?

2.2 As limitações advindas do uso da analogia e da

eqüidade

O art. 108 do CTN cuida de hipóteses de integração, em quehouver ausência de disposição expressa, autorizando o uso da analo-gia e da eqüidade. Mas, em seu §1º., proíbe que o emprego da analo-gia resulte em exigência de tributo não previsto em lei, assim comoveda que o uso da eqüidade resulte em dispensa de pagamento detributo devido. Enfim, impõe a lei complementar um reforço à legalida-de e à segurança jurídica.

Portanto, o CTN não autoriza a interpretação econômica, quejá vigorou na Alemanha nazista, por força da qual o intérprete poderiafazer abstração da forma jurídica (do Direito Privado) para encontrara realidade econômica subjacente por detrás daquela forma, de modo

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que, analogicamente, se estendesse o dever de pagar o tributo a outrasrealidades economicamente similares, mas não previstas em lei. Entrenós, prevalece o respeito às formas jurídicas, desde que repelidas asfraudes e as simulações (que, aliás, afetam os atos e negócios mesmono campo do Direito Privado). Assim sendo, a interpretação e a apli-cação do Direito Tributário norteiam-se pela segurança e pela prote-ção da confiança.

Nesse caso, podemos indagar, qual a extensão do princípio daboa-fé no Direito Tributário? Seria ele uma cláusula geral ou um prin-cípio?

3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE CLÁUSULA GERAL E

PRINCÍPIO. TIPIFICAÇÃO NÃO SE CONFUNDECOM DETERMINAÇÃO CONCEITUALESPECIFICANTE Um bom estudo sobre as cláusulas gerais, podemos reconhecer

nas obras de MANUEL MENEZES CORDEIRO (Da Boa-fé no Di-reito Civil. Coimbra, Almedina, 1989, ts. 1 e 2) e JUDITH MARTINSCOSTA (A Boa-fé no Direito Privado – sistema e tópica no processoobrigacional. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 1999). Cláusulasgerais seriam meios legislativamente postos que, por sua vagueza eindeterminação, introduziriam no sistema, princípios tradicionalmenteconsiderados metajurídicos. Para os juristas citados, ao lado dos prin-cípios e dos conceitos indeterminados, as cláusulas gerais demonstramque o sistema jurídico é aberto e não fechado. Será?

A evolução das fontes do Direito indicaria que os códigos con-temporâneos utilizam-se da técnica de legislar por meio do empregoda cláusula geral. Assim a define JUDITH MARTINS COSTA:

“Considerada do ponto de vista da técnica legislativa, a cláusulageral constitui, portanto, uma disposição normativa que utiliza,no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente“aberta”, “fluida” ou “vaga”, caracterizando-se pela ampla ex-tensão do seu campo semântico, a qual é dirigida ao juiz demodo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à

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vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolvanormas jurídicas, mediante o reenvio para elementos cujaconcretização pode estar fora do sistema; estes elementos, con-tudo, fundamentarão a decisão, motivo pelo qual, reiteradosno tempo os fundamentos da decisão, será viabilizada aressistematização destes elementos originariamente extra-sis-temáticos no interior do ordenamento jurídico.”(Cf. op. cit. p. 303). Vagueza semântica significa, além de um núcleo central mínimo

de sentido incontroverso, a existência de casos-limites. Quanto maiora indeterminação e a vagueza maior será o número de casos-limites.Na cláusula geral dá-se a ocorrência de vagueza e fluidez programa-das pelo legislador, que deixa de ditar os critérios tanto para a qualifi-cação dos fatos jurídicos como de suas conseqüências, reenviando astandarts ou parâmetros morais e sociais, variáveis no tempo e noespaço.

E, explicando que a cláusula geral é técnica legislativa que sedistingue da «casuística», observa JUDITH MARTINS COSTA que,na «casuística», dá-se uma tipificação de condutas, uma determina-ção, que conduz a uma subsunção conceitual, que enrijece. Mas ascláusulas gerais, ao contrário, são móveis, porque nelas o princípio datipicidade é utilizado em grau mínimo (op. cit. p. 297-298).

A autora citada adota, portanto, aquela versão equivocada detipificação, fruto da tradução errônea e livre do termo alemãoTatbestand. Todos que assim o fazem, foram influenciados pela dou-trina do tipo penal, haurida em suas versões espanhola e portuguesa erejeitam, conseqüentemente, o tipo como pensamento de ordem parao Direito, fluida e transitiva. Identificam-no a conceito determinado efechado, exatamente a acepção contrária que tem na metodologia. Atipificação contém ricas notas e características das condutas descritasna hipótese ou prescritas na conseqüência, é verdade, mas, ao contrá-rio do que se pensa, não conduz ao pensamento conceitual determina-do, classificatório e fechado (como são os direitos reais, o catálogo dedelitos no Direito Penal ou ainda o rol de tributos no Direito Tributá-rio). Ao contrário, os tipos, embora densificados, caracterizam-se pela

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fluidez e pela renunciabilidade de suas notas. A melhor exemplificação,como já registramos, encontra-se no direito contratual. Os modeloslegais de contratos são supletivos à autonomia da vontade, e podemser substituídos, complementados ou inovados no tráfego jurídico.Assim, tais modelos, embora «tipificados», no sentido de carregadosde dados e notas de diferenciação e concreção, não compõem um rolclassificatório numerus clausus, pois o direito privado valida os con-tratos novos, mistos ou atípicos, desde que observados os requisitosgerais de validade e as cláusulas gerais.

Portanto, as cláusulas gerais não são tipos, em razão de suavagueza, de sua mínima determinação, de sua pobreza de conteúdosemântico. Ao contrário, os tipos são conceitos de ordem, mais próxi-mos da realidade, por suas notas e características ricas e densas, au-sentes nas cláusulas gerais. Tais notas nos tipos são, como se sabe,renunciáveis, de modo que, tal como ocorre com as cláusulas gerais,os tipos permitem uma abertura à realidade. Mas, enquanto os tipossão abertos à realidade pela renunciabilidade de suas notas (modeloscontratuais legais), as cláusulas gerais são abertas em razão de suavagueza e indeterminação.

Enfim, as cláusulas gerais não se distanciam dos tipos em decor-rência de sua fluidez, mas em razão de sua indeterminabilidade, ouseja, de sua pobreza de dados referenciais ao objeto.

Ora, também os princípios jurídicos e os conceitosindeterminados, tal como ocorre com as cláusulas gerais, são eles ca-racterizados por sua vagueza de sentido, pelos casos-limites ou zonade penumbra que podem abrigar.

Após considerar os princípios jurídicos (para nós corretamente)como normas estruturais do sistema, aquelas «normas consideradaspelo legislador, pela doutrina e jurisprudência, como fundamentode um conjunto de outras normas, já emanadas ou ainda a serememanadas,» JUDITH MARTINS COSTA assim os diferencia dascláusulas gerais:

a) enquanto os princípios jurídicos podem estar implícitos noordenamento, as cláusulas gerais jamais são deduzidas ou não ex-pressas;

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b) enquanto os princípios jurídicos podem ser o mero funda-mento lógico ou axiológico de outras normas, as cláusulas geraisreenviam sempre a outras normas do ordenamento jurídico ou astandarts ou tipos meramente sociais ou extrajurídicos;

c) dentre as normas expressas do sistema, pode existir uma cláu-sula geral que contenha um princípio (boa-fé; moralidade pública;razoabilidade; proporcionalidade), mas nem todo princípio será umacláusula geral (Op. cit. p. 323).

Portanto, se é verdade que as cláusulas gerais são técnicalegislativa e devem ser expressamente permitidas pelo legislador, sen-do autorizativas ao juiz para complementar e inovar o ordenamento,encontram elas dois obstáculos no Direito Tributário: a proibição de secriar tributo por meio de analogia; a proibição de se dispensar o paga-mento de tributo devido, por razões de eqüidade.

Em relação aos conceitos indeterminados, que também são do-tados de vagueza, a citada autora estabelece diferença relevante. Háaqueles conceitos indeterminados que se referem a «realidades fáticas»,perfeitamente determináveis pela experiência, cuja imprecisão é provi-sória, como no Direito Civil, «as coisas necessárias à economia do-méstica», art. 247, I; «reparações urgentes», art. 1205, caput; «lou-cura furiosa», art. 973, III (cf. op. cit. p. 325). No Direito Tributário,por exemplo, são dessa espécie as bases de cálculo que se referem avalor venal; valor da operação; valor aduaneiro. Tais conceitossão dotados de uma indeterminabilidade meramente técnica, que ésuperada em face do acontecimento jurídico. Se a base de cálculo doimposto é o valor da operação de circulação de mercadorias, ocorri-do o pressuposto legal, no tempo e no espaço, a base será aquelevalor real, existente no caso concreto – e apenas ele. Para isso, a leimanda considerar a escrita do contribuinte, as notas fiscais emitidas eos documentos que as embasam. Pressupõe-se a legitimidade dos atosjurídicos em geral, não sendo possível à Fazenda Pública, se a escritafor regular e merecer fé, afastar essa presunção para arbitramento deum valor qualquer.

Ocorre, entretanto, que existem também conceitos indetermi-nados abertos a mudanças de valores sociais, metajurídicos, lembra aautora citada. Restringe-os a elementos que integrariam apenas a hi-

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pótese da norma, a descrição do fato, mas não estariam tais elementospresentes na conseqüência. Nesse caso, forte em JOSÉ CARLOSBARBOSA MOREIRA, que pondera: “por se integrarem na des-crição do fato, a liberdade do aplicador se exaure na fixação dapremissa”.... por essa razão, “ uma vez estabelecida, in concretu, acoincidência ou a não coincidência entre o acontecimento real e omodelo normativo, a solução estará por assim dizer predetermi-nada. O caso é, pois, de subsunção. Não haverá, aí, “criação dedireito por parte do juiz, mas apenas interpretação.” (Cf. op. cit. p.326). Ao contrário, as cláusulas gerais não atuam por meio da coinci-dência, da identidade ou da subsunção, pois o juiz concorre ativamen-te para a formulação da norma. Enquanto os conceitos indeterminadosse limitam a reportar ao fato descrito na hipótese cujos efeitos já forampredeterminados legislativamente, «na cláusula geral, além de o juizaveriguar a possibilidade de uma série de casos-limites na fattispecie,deverá também determinar as conseqüências, os efeitos e sua gra-duação.» No Direito Civil vigente, as cláusulas gerais de probidade ede boa-fé podem dizer respeito tanto às relações pré-contratuais, comoà conclusão do contrato e à sua execução, portanto, a boa-fé seriauma cláusula geral e não apenas um princípio ou conceito indeterminado.

Em suma, de um lado encontram-se os tipos, de outro lado, emconjunto, encontramos os princípios abstratos, os conceitosindeterminados e as cláusulas gerais, cujos pontos comuns se opõemaos tipos. Tais pontos comuns residem na vagueza e pobreza de con-teúdo, de concreção, de aproximação aos dados da experiência, en-fim, de tipificação. Os tipos, ao contrário, são ricos de sentido e deconteúdo, porque as normas os extraem da experiência, erigindo-osem modelos legais. Nesse aspecto, distinguem-se vigorosamente dosprincípios muito abstratos, dos conceitos indeterminados e das cláusu-las gerais. São com eles inconfundíveis.

Não obstante, os tipos não são cristalizados. Em especial, na-queles campos jurídicos em que se deseja fazer prosperar a autonomiaprivada, as ricas notas e características dos tipos não são irrenunciáveis,são sim de adoção supletiva, prestando-se a acolher as tênues transi-ções entre um modelo legal e outro, e a validar as mutações e inova-ções nascentes do tráfego jurídico.

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Os tipos, além de não se confundirem com vagueza e ausênciade concreção de sentido, inerentes às cláusulas gerais e aos conceitosindeterminados, também não se confundem com a obscuridade decertos conceitos. O método tipológico supõe e pressupõe o modo deraciocinar por comparação (mais ou menos) e a conseqüenterenunciabilidade das notas que compõem os tipos, que estão aptos acaptar a criatividade inerente à autonomia privada. Já o modo de raci-ocinar por conceito, por mais indeterminado, obscuro e difícil que eleseja, pressupõe o método binário da alternativa excludente ou... ou,tertium non datur. No método conceitual, o esforço interpretativo étodo dirigido para afastar a indeterminação e a obscuridade, sem pos-sibilidade de escolha entre alternativas equivalentes, ambas válidas,como ocorre com o método tipológico.

Ora, no Direito Tributário, em que a segurança jurídica éfortalecida em ponto máximo, a boa-fé objetiva não poderá levar àcriação de um tributo não previsto em lei, nem tampouco à suamajoração, já que a Constituição Federal é explícita e expressa nessesentido e o Código Tributário Nacional, complementarmente, comonão poderia deixar de ser, proíbe a criação de tributos por meio deanalogia. Sob tal aspecto, é evidente que a boa-fé não atua comocláusula geral, mas apenas como princípio de interpretação ou comoprincípio que serviu de inspiração ao legislador (nos arts. 100 e 146do CTN, por ex.).

A questão tem pertinência, pois o juiz, no Direito Civil, poderátratar a boa-fé como cláusula geral e princípio. Mas tal fenômeno nãoocorrerá no Direito Tributário.

Ocorre ainda que, na prática, por força da legalidade, as situa-ções em que a boa-fé protegeria a Administração, em face do com-portamento do contribuinte, ainda que reiterado, não são perceptíveis.Exemplificando: certo cidadão, acreditando incorretamente ser deve-dor de determinado tributo, adere ao programa REFIS, confessandoa dívida e parcelando o débito. Após dois anos sucessivos de reitera-dos pagamentos mensais terá o contribuinte gerado expectativa e con-fiança legítimas na Fazenda, a ponto de convalidar contra ele um tribu-to inexistente, e perdendo o direito de cessar os pagamentos ou depedir a devolução?

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É evidente que não. O tributo somente nasce da lei. Nem nascedo erro do contribuinte, ou de sua confissão, nem tampouco do erroda Administração. Sendo assim, a boa-fé objetiva não protege a ex-pectativa da Fazenda Pública que, erroneamente, exige tributo. Nes-sas hipóteses, o princípio não tem mão dupla.

Ou, ao contrário, dispondo o Código Tributário Nacional, ex-pressamente, que a eqüidade não pode levar à dispensa do tributolegalmente devido, poderiam a boa-fé objetiva e a proteção da confi-ança atuar como cláusula geral, para dispensar tributo? Enfim, a boa-fé objetiva que autoriza o juiz a afastar a lei tributária em tese aplicável,se não fosse a situação de confiança objetiva, instalada em razão daação ou da omissão da autoridade fazendária ou judicial, não estariaem conflito com a regra da legalidade e da própria igualdade?

Em face dessas indagações, em que há aparentes contradiçõesentre os princípios da proteção da confiança e da boa-fé em relação àsegurança e à igualdade, os tribunais alemães e a doutrina vêm res-pondendo, acertadamente, que a boa-fé muitas vezes, complementa aigualdade e a justiça e, assim, deriva também do Estado de Direito. Ouseja, quando em suas decisões, o BFH (Tribunal Federal de Finançasalemão) aplicou o princípio da boa-fé para liberar o contribuinte dopagamento de um imposto mais elevado, pelo fato de que ele teriapago o seu tributo, com um dia de atraso, confiando na informaçãoobjetivamente errada de um funcionário do órgão fazendário (pois nodia apontado entraria em vigor lei nova, que majoraria o tributo), aquelaCorte teria adotado uma decisão contra legem, mas em total confor-midade com a igualdade. Segundo KREIBICH, o BFH reconheceuna informação errada do órgão fazendário uma razão objetiva paratratar diferenciadamente o contribuinte, que fora frustrado em sua con-fiança, em face dos demais, que não obtiveram informação equivoca-da. Enfim, lembra MATTERN que administrar conforme a lei é antesadministrar conforme o Direito, razão pela qual a boa-fé é um compo-nente indivisível da legalidade, do Estado de Direito e da Justiça.4

4 Cf. Der Grundsatz von Treu und Glauben im Steuerrecht. Band 12. C.F. MullerVerlag, Heildelberg, 1992, p.188.

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Em resumo, a boa-fé objetiva deve ser utilizada no Direito Tri-butário como princípio norteador das interpretações. Não configurauma cláusula geral, por via da qual o aplicador da norma pudesse criartributo sem lei, em desfavor do contribuinte. Não obstante, a proteçãoda confiança, na forma da boa-fé objetiva, deve ser aplicada ao Direi-to Tributário para afastar a exigência de tributo, ou para atenuá-la, nashipóteses do art. 146, nas consultas, nas decisões administrativascontenciosas específicas. Em todos esses casos, em que há relaçõesjurídicas concretas, o ordenamento jurídico expressamente autoriza aproteção da confiança desencadeada pelos atos da Administração (te-oria da proibição dos atos contraditórios). E nem se diga que, porrazões de eqüidade, a decisão, a consulta e os critérios utilizados nolançamento em relação ao contribuinte A (que resultam, erroneamente,na dispensa de pagamento de tributo devido) deveriam ser estendidasaos terceiros, demais contribuintes. É isso que veda o art. 108. Naverdade, aqueles terceiros, que não consultaram o fisco, nem sofreramatos administrativos individuais de cobrança, encontraram-se em situ-ação diferente e não tiveram sua confiança traída.

4 TAMBÉM O JUIZ NÃO PODE CRIAR TRIBUTO

SEM LEI Não se pode negar o inegável: a falibilidade humana, a

mutabilidade e a complexidade da realidade social e do direito, a di-versidade e a circularidade das fontes de criação jurídica, a existênciade conceitos obscuros, indeterminados, das cláusulas gerais e dos prin-cípios abstratos e vagos ou meramente implícitos, a formação da nor-ma «em processo»... o sistema jurídico é, do ponto de vista potencialda pluralidade de sentido e da interpretação, aberto, inegavelmenteaberto... mas ele opera sempre fechado.

É que o sistema jurídico, dentro da extrema mobilidade do mun-do, se presta a fornecer estabilidade, se presta a acolher as expectati-vas legitimamente criadas e, portanto, a proteger a confiança. Se assimnão for, a ordem jurídica se confundirá com os elementos do ambiente,sociais, econômicos, morais... enfim, fundir-se-á com os demais siste-mas e desaparecerá como instrumento que possibilita a vida, o conví-

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vio e a tomada de decisões assentadas em um mínimo de confiança. Osistema jurídico somente opera fechado, e se reproduz a partir de simesmo. O conhecimento jurídico somente é possível a partir dessefechamento e exatamente em razão dele, como quer LUHMANN (Cf.NIKLAS LUHMANN. Confianza. Barcelona, Anthropos, 1996).

Já se tornou cediço na doutrina nacional ou estrangeira, afirmarque lei (como enunciado próprio do Poder Legislativo) não se confun-de com norma jurídica. A norma jurídica tem seu suporte físico noenunciado lingüístico do legislador, mas não se esgota nele, nem pode-ria, resultando de uma construção contínua muito mais complexa dotexto e do contexto jurídico. O Direito não está pronto, é continua-mente deduzido das fórmulas legislativas, judiciais e administrativas (re-vela-se). A lei posta pelo Poder Legislativo pode comportar, assim,mais de uma interpretação, mais de uma significação, de modo que alei que vige, em determinado momento, é a lei segundo uma de suasinterpretações possíveis. A certa altura, sem nenhuma mudança literalda fórmula legislativa, que conserva os mesmos dizeres, altera-se ainterpretação que da mesma lei faz a Administração ou fazem os Tribu-nais, que passam a decidir conforme outra interpretação. Surge, en-tão, sem lei nova como ato emanado do Poder Legislativo, espécie delei nova, proclamada pelos demais Poderes. Por tais motivos, diz aConstituição, no art. 5º, XXXVI: “A lei não prejudicará o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Por isso mesmo, o princípio da irretroatividade estende-se atodos os Poderes, mas dirige-se em primeiro lugar ao Legislativo, àqueledos Poderes estatais a que cabe primariamente pôr o Direito, e quedetém a margem maior de discricionariedade para criar, inventar emodelar o Direito. Impede a norma constitucional que novas fórmulasou enunciados legislativos, como nova lei, apliquem-se retroativamenteao Direito revelado em atos jurídicos pretéritos em geral, em atos ad-ministrativos (direitos adquiridos) ou judiciais (coisa julgada), com basenaquela outra lei até então vigente e ora superada. Se o princípioconstitucional restringe e limita exatamente o Poder Legislativo, commaior razão haverá de limitar os demais poderes (Judiciário e Executi-vo), simples executivos – como os denomina HANS KELSEN – vol-tados ao cumprimento fiel das próprias leis.

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De fato, observa NIKLAS LUHMANN, o juiz, diferentementedo legislador, está vinculado às suas decisões e às premissas que asfundamentaram, sendo mais estreito o seu espaço de liberdade (Cf.Sociologia do Direito, II, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1985, p.34-43). Ou seja, o princípio da igualdade impõe que a sentença seja obri-gatoriamente fundamentada, sob pena de nulidade (art. 93, IX, daConstituição). E a mesma fundamentação deverá nortear idênticasdecisões futuras, em casos idênticos. Permitir a alteração do juízo,sem a demonstração das diferenças em um novo caso concreto poste-rior, seria consentir no arbítrio e no querer qualquer judicial, afrontosoà isonomia.

O fundamental nessa matéria reside no princípio incontornávelde que, institucionalmente, o Poder Judiciário deve criar as normasindividuais e cabe-lhe a realização da justiça pessoal, caso a caso. Asentença cria, descobre ou revela a norma. Mas apenas a norma docaso. Em razão dessa realidade constitucional, classicamente fundadana separação e harmonização entre os Poderes, não cabe a um Tribu-nal substituir a aplicação da norma individual, nem tampouco do prin-cípio da justiça individual e da capacidade econômica subjetiva poruma presunção iuris et de iure.

É útil registrar que, na Alemanha, juristas como ISENSEE ne-gam competência ao Poder Judiciário para usar a praticidade comométodo que leva a uma execução simplificadora da lei, embora reco-nheça essa faculdade ao Poder Executivo. Para ele, o estado de ne-cessidade somente se apresenta para a Administração, que tem o de-ver de aplicar a lei em massa, pois o Poder Judiciário é comprometido,institucionalmente, com a proteção judiciária individual, estando obri-gado a esgotar a potencialidade da norma legal que aplica (Cf. DieTypsierende Verwaltung. 1a. Berlin. Duncker & Humbolt, 1976, p.177-182).

Entre nós, leciona RIBEIRO DE VILHENA: “A senda abertae palmilhada pela súmula é a senda casuística, expressa em umcompêndio formal enunciativo de julgamentos uniformes e predo-minantes, em linha de precedentes»... Como norma emanada deum tribunal, a Súmula jamais perde a sua natureza de sentença,com a característica de agregação e de revestimento para outras

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sentenças futuras, dentro da mesma hipótese. A força subsuntivada súmula é imediata e certeira, já que a sua generalidade nãoestá contida no preceito ou no juízo hipotético, mas na permanên-cia, em função da sucessão de casos idênticos, entendendo-se poridênticos, os que contenham os mesmos supostos que propiciarama sua edição.”

E conclui, finalmente, em juízo lapidar: «A interpretatividade éinerente na súmula (o entendimento predominante). Por ser, po-rém, direção interpretativa que se sedimenta e peculiarmente seformaliza, não deixa de ser operação interpretativa, isto é, o juiz,com executá-la, não pode fugir do núcleo da regra legal interpre-tada. Não se desgarra dos supostos desta: dá-lhes tão-só, ou a umdeles, o sentido que lhe pareça correto (richtig) no caso.» (Cf. Asúmula 90 – o TST e a Constituição. Separata da Revista de Informa-ção Legislativa do Senado Federal, a, 22, 87:355-374, pp.359-362).

Dessas lições se extrai o entendimento claro de que a súmula(quando corretamente compreendida) não se fundamenta em uma re-cusa à investigação do caso ou ao levantamento de provas difíceis ouonerosas, o que ocorre com a simplificação da execução (que se utili-za de várias técnicas de praticidade). Ao contrário, a súmula se formaao longo de decisões interativas, tomadas em inúmeros casos exausti-vamente examinados... na senda da casuística. Uniformiza-se a inter-pretação, obtida ao exame de casos isolados, mas a súmula, emboraprojetada para alcançar sentenças futuras, só se entende aplicável aoscasos idênticos, vale dizer, àqueles que, depois de investigados, seajustam ou se subsumem nos mesmos pressupostos legais quenortearam a sua edição.

Não foram outras as razões que levaram grande parte da dou-trina alemã a sustentar a inconstitucionalidade das presunções etipificações postas pelo Poder Judiciário, quando elas se apresentamcomo forma de recusa da prestação jurisdicional, da aplicação da jus-tiça no caso concreto e como instrumento de desafogo da superlotaçãode encargos daquele Poder. Assim, entre nós, as súmulas devem serformadas na razoabilidade dos casos médios ou freqüentes, mas nãopodem servir de desculpa à recusa de exame de um caso concreto,que não se enquadre nos pressupostos sumulares.

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Vê-se, pois, que, sem abandonar a sua missão constitucional deencontrar a justiça para o caso isolado, o Poder Judiciário, por meioda necessária fundamentação de suas decisões, extrai uma norma,profundamente densificada, que haverá de reger o direito em um casoconcreto, assim como nos demais casos concretos idênticos. Tal nor-ma, assim construída, não pode ser alterada retroativamente. Dá-se,então, como proteção da confiança e da segurança, o fechamentooperacional do sistema. Esse fechamento se dá por meio de instru-mentos sistemáticos, que acoplam estruturalmente as irritaçõesprovocadas, mesmo naqueles casos em que se atribui ao juiz o papelde suprir as lacunas do legislador: a) é necessário existir um comandointrasistemático, que remeta o intérprete à colheita da moralidade,da ética, da boa-fé objetiva, da proporcionalidade, enfim, uma cláusu-la geral autorizativa de se completar a norma. Essa norma de remissão,mesmo vaga, mesmo indeterminada e ambígua, não poderá autorizar,seja proferida no caso concreto, isolado ou de qualquer decisão, masa melhor e mais adequada possível, adequação a ser aferida segundo afundamentação da decisão; b) tal decisão isolada, assim encontrada,guarda em si, uma normatividade inerente, de modo que deverá serrepetida a mesma decisão nos casos isolados futuros, que sejam iguais,isto é, o que poderia ser considerado dado extrasistemático, torna-seum dado intrasistemático. Como se observa, o fechamento é inerenteao sistema, porque não se pode trazer dados externos do ambiente,sem prévio comando intrasistemático, sem um acoplamento estruturalnecessário.

Ora, no Direito Tributário, tais comandos de suplementação oude complementação de lacunas legislativas pelo juiz, inexistem. Maisdo que isso, são proibidas as criações de tributo por meio de analogia.O fechamento do sistema jurídico, no campo do Direito Tributário éexpresso e mais rígido, embora convivam os juristas, que militam nes-sa área, como em qualquer outra, com obscuridade e ambigüidade.

CANARIS, em sua obra notável (Pensamento Sistemático eConceito de Sistema na Ciência do Direito. Trad. Menezes Cordeiro.3ª. Ed. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 2002), afirma que o «papel doconceito de sistema é, como se volta a frisar, o de traduzir e reali-zar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídi-ca». Marcado pela visão axiológica do sistema, CANARIS exclui

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todas as concepções de sistema que negligenciem o sistema como or-dem axiológica e teleológica. Igualmente o concebe aberto, no sentidode incompletude do conhecimento (que é hermenêutico) e no sentidode historicidade. Não obstante, apesar disso, não deixa de realçar aexistência de campos jurídicos, nos quais é possível em um númeroindeterminado de casos, um simples juízo de «errado» ou «certo» so-bre um resultado, ou seja, onde não pode existir uma questão de«admissibilidade», a saber: os domínios construtivos dos direitos reaisou dos direitos das sucessões, em que o raciocínio será alternativo ebinário ou... ou (op. cit.).

Também CANARIS, como o faz LUHMANN, admite a aber-tura do sistema do ponto de vista histórico (o sistema se transforma,evolui, suas normas se atualizam «hic et nunc») e do ponto de vista doconhecimento, que reduz a um conhecimento hermenêutico. Entretan-to, embora propondo um modelo de sistema jurídico, a partir do Di-reito Privado, CANARIS destaca áreas jurídicas, dentro das quais, oraciocínio é conceitual classificatório, próximo daquilo que é «certo»ou «errado», áreas em que o meramente provável, o admissível ou omais ou menos não têm espaço (nos direitos reais e das sucessões).Na verdade, tal fenômeno se dá, todas as vezes em que a segurançajurídica e a proteção da confiança atuam prevalentemente. Sem dúvi-da, os contratos sujeitam-se a um modo de pensar tipológico e flexí-vel, próprio a fazer prosperar a autonomia privada. Mas essa autono-mia privada, mesmo ela, encontra seus limites nas próprias cláusulasgerais e nos princípios que as informam, ou seja, naqueles acopladoresdo sistema que o tornam, ainda que no seio do Direito Privado,operacionalmente fechado. Como explicamos, as cláusulas gerais e osprincípios são comandos intrasistemáticos de acoplamento.

No Direito Tributário, a segurança jurídica e a proteção da con-fiança; a legalidade formal e material (especificidade conceitualdeterminante); a proibição da analogia; a proibição da surpresa e daimprevisibilidade, por meio da vedação constitucional da irretroatividadedo direito em geral quer seja do ato legislativo ou judicial ou adminis-trativo; a anterioridade e a espera nonagesimal, a vedação do confiscoe a observância da capacidade econômica garantem também a opera-cionalidade fechada do sistema e indicam que a utilização do métodoconceitual classificatório é nele prevalente.

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5 CONCLUSÕES Enfim, a segurança jurídica, como base essencial do Estado de

Direito, não se opõe à igualdade, muito menos à evolução do Direito.Ao contrário, complementa a Justiça. A sentença do juiz, que buscaencontrar a norma individual para o caso concreto, aplicando uma cláu-sula geral vaga ou um princípio abstrato indeterminado, terá de encon-trar a justiça do caso a caso, mas criará justas expectativas nos casosfuturos que se suponham idênticos. Assim, a estabilidade a que o Di-reito obriga, por meio da fundamentação necessária da decisão, res-ponde não apenas a um imperativo de acolhimento das expectativasjustas, de proteção da confiança, como, ao mesmo tempo, de igualda-de. Interpretações imprevisíveis instalam a arbitrariedade, que desigualainjustamente os contribuintes e projetam insegurança. A boa-fé e aproteção da confiança são segurança e condição da igualdade e nãosua contradição. É esse traço formal limitativo do sistema, que neces-sariamente o separa do ambiente restante.

Assim, se o juiz, no Direito Civil, dependendo das circunstânci-as, poderá tratar a boa-fé como cláusula geral e princípio, tal fenôme-no não ocorrerá no Direito Tributário. A boa fé objetiva poderá con-duzir à dispensa do tributo mas não à criação de tributo, não previstoem lei. É que, no Direito Tributário, a segurança jurídica é fortalecidaem ponto máximo, a boa-fé objetiva não poderá levar à criação de umtributo não previsto em lei, nem tampouco à sua majoração, já que aConstituição Federal é explicita e expressa nesse sentido. Sob tal as-pecto, é evidente que a boa-fé não atua como cláusula geral, mas ape-nas como princípio de interpretação ou como princípio que serviu deinspiração ao legislador. Em contrapartida, embora o Código TributárioNacional proíba a dispensa do pagamento do tributo devido por razõesde eqüidade, abrem-se exceções, no próprio Código, para as hipótesesem que se apresenta a proteção da boa fé objetiva dos contribuintes –situações que envolvem a proteção da confiança, gerada pelos atos pra-ticados pela Fazenda Pública. Isso se apresenta em relação aos efeitosda consulta, ou em relação aos pressupostos do art. 146.

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