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vol.1, n°2, ano:2013 Samuel Rodrigues do Nascimento Maria do Socorro Pereira Lima Luciana Faria Angélica Rodrigues Lima Deuslene Teodoro Rego Eliane Martins de Freitas Maria Nélia S. Gomes Veramar Gomes Martins Mariana Magri Rodrigues Anna Behatriz Azevedo Aishá kanda

vol. 1, n° 2, ano: 2013

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Eis aqui mais uma edição de nossa revista. Somos tão surpreendidos quanto vocês, a cada nova edição, pois não sabemos ao certo o que iremos receber, já que optamos por não delimitar temas para 2013. O que nos provocou uma grande emoção e curiosidade quanto aos textos e ensaios visuais inscritos para publicação. Todavia o acaso também tem suas confluências. Nesta edição percebemos a predominância da cultura popular. Os artigos abordam, em sua maioria, a arte brasileira em sua diversidade, a análise de artistas consagrados e a criação artística. Esperamos que bebam desta fonte e se deliciem.

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vol.1, n°2, ano:2013

Samuel Rodrigues do NascimentoMaria do Socorro Pereira LimaLuciana FariaAngélica Rodrigues LimaDeuslene Teodoro Rego Eliane Martins de Freitas

Maria Nélia S. GomesVeramar Gomes MartinsMariana Magri RodriguesAnna Behatriz AzevedoAishá kanda

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vol.1, n°2, ano:2013ISSN 2317-580X

http://www.apublicada.com/

EXPEDIENTE

Capa

Endereço

Contato

Dra. Fernanda Pereira da Cunha (EMAC/UFG) Dr. Marcelo Mari (IDA/UnB) Dra. Luciene Dias (FACOMB/UFG) Dra. Sainy C. B. Veloso (FAV/UFG) Dra. Eloísa Pereira Barroso (UnB)

FAV/UFG Câmpus Samambaia (Câmpus II) Prédio da Reitoria CEP: 74001-970 Caixa Postal: 131 - Goiânia - Goiás

[email protected]

Sainy Coelho Veloso Santiago Régis

Santiago Régis

Santiago Régis sob foto de Luciana Faria

Edição

Conselho Editorial

Projeto Gráfico

Page 3: vol. 1, n° 2, ano: 2013

http://www.apublicada.com/ EDITORIAL

Eis aqui mais uma edição de nossa revista. Somos tão surpreendidos quanto vocês, a cada nova edição, pois não sabemos ao cer-to o que iremos receber, já que optamos por não delimitar temas para 2013. O que nos provocou uma grande emoção e curiosidade quanto aos textos e ensaios visuais inscritos para publicação. Todavia o acaso também tem suas confluências. Nesta edição perce-bemos a predominância da cultura popular. Os artigos abordam, em sua maioria, a arte brasileira em sua diversidade, a análise de artistas consagrados e a criação artística.

Esperamos que bebam desta fonte e se deliciem.

Feliz Final de Ano!

Sainy Veloso, Santiago Régis

foto de LUCIANA FARIA

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SUMÁRIO

ESTÉTICA MANGUEBEAT

Samuel Rodrigues do Nascimento

ARTESANATO COMO MODO DE EXPRESSÃO E

CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES EM

COMUNIDADES KALUNGAS

Maria do Socorro Pereira Lima

ARTE BRASILEIRA

Uma relação [a]temporal entre a obra:

Retirantes, de Cândido Portinari e a fotografia:

Região do Lago Faguibine, de Sebastião Salgado.

Mariana Magri Rodrigues

Angélica Rodrigues

CONCEIÇÃO

Luciana Faria

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11

28

ARTIGO

ARTIGO

ARTIGO

ENSAIO VISUAL

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EU PERFORMER COSPLAY

Veramar Gomes Martins

QUESTÕES DE GÊNERO E ETNICO-RACIAIS

A PARTIR DA LEITURA DA TELA

A NEGRA DE TARSILA DO AMARAL

Deuslene Teodoro Rego

Eliane Martins de Freitas

QUARTO DE UM SONHO -

INSTANTE DE UM SUICIDA I

Anna Behatriz

Aishá Kanda

A IDÉIA ESCONDIDA EM “AS MENINAS”

Maria Nélia S. Gomes

PENSAMENTO E COMUNICAÇÃO

Um ensaio de visualidades e interdisciplinaridades

Mariana Magri Rodrigues

54

43

62

34

68

ARTIGO

ESPAÇO

ARTIGO

ENSAIO VISUAL

ARTIGO

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 6ARTIGO

Manguebeat, batida do mangue. A cena mangue surgiu em meados 1991, criado por um grupo de jovens da periferia de Recife, que pretendiam criar um núcleo de produ-ção de idéias pop, misturando ritmos regio-nais como a embolada, a ciranda, o maraca-tu, com o rock, hip-hop, música eletrônica, entre outros. A ideia do mangue e do seu habitante mor, o caranguejo, que fazem parte do cenário da cidade de Recife, foram formuladas por Chico Science, da banda Chi-co Science e Nação Zumbi e de Fred 04, do Mundo Livre S/A, juntamente com Renato L. entre outros.

Uma cidade que tem sua própria cena, com sua própria linguagem, seu próprio visual, seu próprio conceito, conceito inicial que faz analogia entre a diversidade dos mangues, diversidade ecológica, de espécies com a diversidade da cultura regional e universal. Essa mistura de ideias deriva de vários ele-mentos que se relacionam com a cidade de Recife e o mangue, daí vem o manifesto, gí-rias, visual e imagens sintéticas como “para-bólica na lama”, que representa a parabóli-ca “incrustada na lama” captando o cenário pop mundial, e os “caranguejos de cérebro”, expressão que dá título ao manifesto man-gue. A metáfora que tem referência no, Ho-mens e caranguejos, de Josué de Castro, onde a vida dos habitantes das margens do mangue da cidade de Recife é comparada com a vida de um caranguejo. Além da poé-tica do mangue, que é utilizada não somen-te nas letras, como na estética visual, até as performances que os integrantes fazem nos palcos, as letras tratam desde amor, di-versão e tecnologia, a desigualdade social, fome, caos, entre outros.

Resumo

O tema a ser abordado nesse projeto é a estética manguebeat, onde pretendo iden-tificar as diversas influências que ajudaram Chico Science, Fred Zero Quatro e Renato L. a escrevem o manifesto mangue e explora-rem esses referencias em suas letras, rou-pas e atitudes. Desde a influência do livro Homens e caranguejos, de Josué de Castro até os elementos sociais que o mangue tem para a cidade de Recife, assim como as ma-nifestações culturais regionais como a ciran-da e o maracatu, até o rock, hip hop e mú-sica eletrônica. Acredito que essa pesquisa também será importante para difusão desse movimento que tem grande importância na cena local de Pernambuco, expandindo-se para outras vertentes, como a moda e as artes visuais e que é pouco propagado e co-nhecido pelo resto do país.

Palavras-chave

Estética, mangue, manifestações culturais.

Samuel Rodrigues do Nascimento1

ESTÉTICA MANGUEBEAT

Artista plástico, professor de Artes Visuais e pes-quisador do Centro de estudo e pesquisa Ciranda da Arte, junto à Secretaria de Educação do estado de Goiás. Formado em Artes Visuais, licenciatura pela Universidade Federal de Goiás.

E-mail: [email protected]

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013 ISSN 2317-580X7 ARTIGO

Caranguejos com cérebro

O Manifesto mangue – Caranguejos com cére-bro foi redigido por Fred 04 e Renato L. em 1991. Dividido em três partes, o escrito trata primeiramente do aspecto geográfico da ci-dade do Recife, erguida as beiras do rio Ca-pibaribe, sobre um enorme manguezal. Há uma analogia entre a fertilidade e biodiver-sidade do mangue e a diversidade e plurali-dade das manifestações culturais presentes na cidade do Recife, aspectos até então mar-ginalizados. Os autores se apropriam dos as-pectos naturais e culturais da cidade para criar uma identidade que valorize a cidade, resgate o valor das tradicionais manifesta-ções de cultura popular, mas que também esteja antenada com a cultura pop mundial. Segue o texto distribuído à imprensa em 1991:

Manifesto mangue Caranguejos com cérebro

Mangue, o conceito

Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram manguezais, comu-nidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.

Estima-se que duas mil espécies de mi-cro-organismos e animais vertebrados e in-vertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produ-

Figura. 01

MARACATU

ATÔMICO

Chico Science &

Nação Zumbi

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 8ARTIGO

tomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fer-tilidade nas veias do Recife.

Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um “circuito ener-gético”, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circula-ção de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.

Os mangueboys e manguegirls são in-divíduos interessados em quadrinhos, tv interativa, antipsiquiatria, Bezerra da Silva, Hip-Hop, midiota, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso, sexo não virtual, con-flitos étnicos e todos os avanços da química aplicada ao terreno da alteração e expansão da consciência.

A “cena” mangue não se restringe a uma batida única, a proposta é justamente uma fertilidade de ritmos, que explodiu em uma diversidade de bandas na cidade de forma harmoniosa, pois todos se consideram ca-ranguejos sapiens.

Homens e caranguejos

Josué de Castro, médico, professor, cientis-ta, geógrafo, sociólogo, autor pernambuca-no, nascido em Recife em 1908, estabeleceu

Figura. 02

Chico Science &

Nação Zumbi

ção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies, comercialmen-te importantes, dependem dos alagadiços costeiros.

Não é por acaso que os mangues são con-siderados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos, inimigos das donas de casa, para os cientis-tas os mangues são tidos como símbolo de fertilidade, diversidade e riqueza.

Manguetown, a cidade

A planície costeira onde a cidade do Re-cife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade “maurícia” passou a crescer desordenadamente às custas do aterramen-to indiscriminado e da destruição dos seus manguezais.

Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de “progresso”, que ele-vou a cidade ao posto de “metrópole” do nor-deste, não tardou a revelar seu fragilidade.

Bastaram pequenas mudanças nos “ven-tos” da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos 60. Nos últimos trinta anos, a síndrome de estagnação, aliada à permanência do mito da “metrópole” só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.

O Recife detém hoje o maior índice de de-semprego do país. Mais de metade dos seus habitantes moram em favelas e alagados. Segundo um instituto de estudos popula-cionais de Washington, é hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver.

Mangue, a cena

Emergência! Um choque rápido ou o Re-cife morre de infarto! Não é preciso ser médi-co para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afun-dar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobo-

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013 ISSN 2317-580X9 ARTIGO

relações de comportamento entre o homem e o caranguejo. Publicou Geografia da fome, 1939 e Geopolítica da fome, 1951. A fome, que faz o paralelo com a vida no mangue é abordada de forma pioneira.

O seu único romance, Homens e carangue-jos, 1967, tem observações ligadas aos estu-dos de Josué com relação ao problema da desnutrição. O nome e as temáticas de Jo-sué sobre a fome e o ecossistema de Recife aparecem em várias passagens das bandas e influenciou o ideário do manifesto mangue. A relação do homem, o caranguejo e a fome, formam o ciclo do caranguejo num cenário real da cidade de Recife na época.

Se a terra foi feita para o homem, com tudo para bem servi-lo, o mangue foi feito especialmente para o caranguejo. Tudo aí é, foi, ou está para ser, caranguejo, inclusive a lama e o homem que vive nela. (...) O caran-guejo nasce nela, vive dela, cresce comendo lama, engordando com as porcarias dela fa-bricando com a lama a carninha branca de suas patas e a geléia esverdeada de suas vís-ceras pegajosas.

Por outro lado, o povo vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e lamber os seus cascos até que fiquem lim-pos como um copo e com sua carne feita de lama, fazer a carne do seu corpo e a do corpo dos seus filhos.

São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejo. O que o organismo rejeita volta como detrito para a lama para virar caranguejo outra vez.

Nesta aparente placidez do charco de-senrola-se, trágico e silencioso, o ciclo do ca-ranguejo. O ciclo da fome devorando os ho-mens e caranguejos, todos atolados na lama. (CASTRO, 2010, p. 26-27).

A identificação com a figura do caranguejo foi apropriada por Chico Science para ilus-trar aquele que habita a cidade de Recife. Science vê essa condição fértil do ecossis-tema como algo altamente positivo e vital para a noção de cultura híbrida, chamando as pessoas que aderiram à cena de mangue-boy e manguegirl. As mazelas sociais que castigavam Recife transformaram-se em le-tras e fortaleceram a estética mangue.

Manifestações culturais

A diversidade desse ecossistema reflete-se também na sonoridade, a antena incrustada na lama, representa a valorização da cultura local antenando-se com a cultura mundial. Os ritmos regionais passaram a fazer parte, não só os ritmos, como as roupas e danças fazem parte da estética mangue. Do ma-racatu, além dos elementos sonoros, há a influência da dança e da caracterização de seus personagens. Do maracatu rural são utilizados vestimentas e instrumentos que representam o caboclo de lança, persona-gem folclórico desta tradicional manifesta-ção de cultura popular, e que é representado por Chico Science e Nação Zumbi em seus shows. Outras importantes manifestações de cultura utilizadas como referencial para a construção da “cena” mangue são o ma-racatu nação, o coco de roda, ciranda, a em-bolada, o forró, entre outros numa simbiose perfeita com ritmos como o rock, hip-hop, música eletrônica, reggae, fazendo um som experimental, onde a criatividade e a origi-nalidade não têm limites.

Esse movimento tornou possível o resgate de manifestações populares pouco propa-gadas na cidade do Recife. Algumas das ma-nifestações citadas acima, são tradicional-mente ligadas à zona rural do estado, tendo tido pouca visibilidade na cena cultural da capital. A mescla de sons e ritmos possibi-litou que jovens, e principalmente jovens socialmente marginalizados, pudessem ter conhecimento de sua própria cultura, mas também que pudessem produzir a partir de suas vivências e cotidiano uma arte própria e singular. Em consonância com a tendência mundial da arte urbana, envolvida com o co-tidiano, que expõe e critica a desigualdade social, a fome, a falta de espaços de diversão para os jovens, as drogas, o sexo, e muitas outras questões atuais como a tecnologia, o cinema e modos de expansão da consciên-cia, o “movimento” mangue traz aos jovens a possibilidade de resistência frente ao mun-do caótico no qual vivemos. Expressão disso é o disco Da Lama ao Caos, que faz referên-cia ao mangue e a cidade, e aos habitantes dessa metrópole “incrustada na lama”.

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 10ARTIGO

Referências

CASTRO, Josué. Homens e caranguejos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

CASTRO, Josué. Geografia da fome: o dilema brasileiro: pão ou aço. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

MELO NETO, João Cabral de. O rio. Morte e vida Severina e outros poemas para vozes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

TELES, José. Do frevo ao manguebeat. São Paulo: Ed.34, 2000.

Ocupação <Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/ocupacao. Acesso em: 31/08/12>.

Josué de Castro - Cidadão do Mundo <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Ob92n3OGtaA. Acesso em: 09/11/12>.

Chico Science - Movimento Manguebeat [Documentário Completo] <Disponível em: http://www.youtube.com/wat-ch?v=E-H_sDlXWWw. Acesso em: 12/11/12>.

O Mundo é Uma Cabeça - Chico Science e o Mangue Beat [Documentário Completo] <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=RLuDsN-ptTQ. Acesso em: 13/11/12>.

MANGUEBEAT: Uma evolução (PARTE 1) <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=cX-0iEgH6Sc. Acesso em: 12/12/12>.

Mosaicos - A arte de Chico Science [Documentário Completo] <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=R-Jl0MXLq8dg. Acesso em: 28/01/12>.

Especial Chico Science Mangue Star [Documentário Completo] <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?-v=lkJKHldbCiM. Acesso em: 15/02/12>.

Considerações finais

Essa pesquisa possibilitou uma experiência de re-conhecimento de minhas raízes, en-quanto indivíduo que reconhece e valoriza as diversas formas de manifestações cul-turais presentes em nossa sociedade. Atra-vés deste estudo pude analisar e discutir a organização e importância do movimento Manguebeat para o cenário cultural brasilei-ro. Acredito que essa pesquisa também será importante para difusão desse movimento que tem grande importância na cena local de Pernambuco, expandindo-se para outras vertentes, como a moda e as artes visuais e que é pouco propagado e conhecido pelo resto do país.

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ARTESANATO COMO MODO DE EXPRESSÃO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES EM COMUNIDADES KALUNGAS

Maria do Socorro Pereira Lima1

Resumo

A atividade artesanal ainda persiste enquan-to expressão, em diferentes culturas, apesar dos processos industriais de produção e o hibridismo cultural sofrido ao longo da his-tória. Tomamos a experiência do projeto Girau de Saberes no território Kalunga na região de Cavalcante Goiás e o exemplo da comunidade das Paneleiras de Goiabeiras como referência a esse estudo que pretende compreender como se processa o reaviva-mento ou a manutenção da memória cultu-ral, através da prática artesanal.

Palavras-chave

Artesanato, identidade, povo kalunga.

Introdução

A atividade artesanal ainda persiste en-quanto expressão, em diferentes culturas, independente de conceitos e questões do que é arte ou não, apesar dos processos in-dustriais de produção por que passamos ao longo da história. Seria essa atividade um resquício de resistência a essa automação e dominação tecnológica que “aparenta” uma total falta de identidade cultural? Ou seria a questão do prazer em construir algo com as próprias mãos, capaz de exprimir o que ne-nhuma tecnologia poderia?

O presente estudo tem raízes em pesquisas anteriores e trabalhos por mim realizados em disciplinas do primeiro e segundo perí-odos, e também de um resumo apresentado no SEREX/2012 advindo de um projeto de extensão de que participei por dois anos. Foram estudos sobre o artesanato, a histó-ria do brinquedo e o seu feitio; os toy arts representando a arte urbana contemporâ-nea. Diante deste universo tão grande que nos propõe o ensino da arte e seus vislum-bres, houve momentos em que me foi pos-sível experienciar uma prática viável para o Ensino de Arte dialogando com as questões acima postas. Para essa experiência escolhi o brincar e a construção do brinquedo como possibilidade de contato com o universo ar-tístico. No transcurso da pesquisa teórica e experiências práticas surgiram várias ques-tões de interesse, entre elas a questão da cultura e do hibridismo cultural marcante na atualidade. No momento estou inician-

Graduanda em Artes Visuais - Licenciatura pela Fa-culdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás

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do uma participação em outro projeto de extensão, em que o objetivo principal é o reavivamento cultural de uma comunidade, através das práticas artesanais. É o Projeto Girau de Saberes em comunidades Kalunga, no interior de Goiás. O projeto tem como ob-jetivo promover a troca de saberes através da promoção da cultura dos mestres e dos ofícios, num intercâmbio entre gerações com práticas que envolvam identidade cul-tural, valor agregado, design, artesanato, geração de renda, autogestão e trabalho co-operativo.

Identificar as possibilidades da utilização do artesanato como meio de revitalização cul-tural; analisar as comunidades brasileiras, Paneleiras de Vitória onde o fazer artesanal mantém ou trabalha no reavivamento da memória cultural, através dessa prática e produzir um arcabouço teórico que sirva de base referencial para o ensino da arte são os objetivos desse estudo.

A investigação será direcionada para as pos-sibilidades do artesanato, como modo de expressão dos costumes, crenças e festas (arte popular) na construção de identidades, através de pesquisa teórica e aplicada, com intenção de dialogar com as diferentes pro-posições. Quanto à abordagem, a pesquisa qualitativa é a escolha adequada a esse es-tudo. A observação e a pesquisa-ação de-verão ser realizadas a partir de oficinas de artesanato ministradas por mim, nas comu-nidades Kalungas da região de Cavalcante Goiás, sob a supervisão da professora Maria Tereza Gomes da Silva, coordenadora do projeto Girau de Saberes. A pesquisa-ação, segundo David Tripp (2005) é um processo de pesquisa natural que se desenvolveu de maneira diferente para aplicações diversas. No caso deste estudo, a modalidade de pes-quisa-ação aqui tratada é a pesquisa partici-pante definida por Tripp como “toda tentati-va continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática” (p. 451).

Serão oficinas de apoio aos mestres arte-sãos, com o intuito de aperfeiçoar e orientar o trabalho, já realizado nas comunidades, onde será observado todo o processo para esse estudo. A pesquisa exploratória e des-critiva será utilizada visando os objetivos.

Entrevistas, registros fotográficos, levanta-mento bibliográfico e o estudo de caso das comunidade Paneleiras de Vitória também farão parte do material que servirá de ins-trumento para o referido estudo.

História do povo Kalunga

O povo Kalunga é remanescente dos povos escravizados que fugiam da escravidão em direção, preferencialmente, ao centro do país. Segundo a Secretaria de Educação Fundamental – SEF MEC (2001, p.16) para en-tendermos a história desse povo, devemos remontar ao início da história da Brasil. Logo após o descobrimento, os portugueses, ins-pirados nos espanhóis que colonizaram ou-tra parte da América e que enriqueciam com metais retirados de suas colônias, começa-ram a explorar o interior brasileiro em busca dessas riquezas. A tarefa não era fácil e no trajeto iam se apropriando das terras e es-cravizando os povos indígenas. O tráfico dos africanos, que já ocorria em outras partes do mundo, para o Brasil começou devido aos incentivos fiscais concedidos pelo rei de Portugal aos portugueses, donos de gran-des navios, que já traficavam os africanos e também ao incômodo que a escravidão indígena causava aos padres jesuítas que tinham a missão de convertê-los à religião do colonizador. “Já não era mais vantagem explorar os negros da terra quando se podia ir buscar os negros da África” (MEC, 2001, p.17). E, dessa forma, começa a história do povo Kalunga.

Os primeiros africanos escravizados que chegaram ao Brasil vieram de várias regiões da África. Eram como os índios do Brasil, pertenciam a vários povos diferentes, com idiomas, crenças e costumes diversificados. Muitos desses povos pertenciam a civiliza-ções desenvolvidas, reinados luxuosos com culturas avançadas (MEC, 2001, p.17). “Os artesãos sabiam trabalhar os metais como ninguém e em sua arte as esculturas de fer-ro e de madeira entalhada eram maravilho-sas” (MEC, 2001, p.17). Mesmo assim, para os brancos europeus, os africanos, como os índios, eram considerados inferiores. Muitos deles morriam na captura, ou nos chama-dos navios negreiros por doenças e maus tratos. Recebiam o batismo da religião dos

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portugueses no navio ou quando embarca-vam. Depois eram enviados para trabalhar nos grandes engenhos, onde executavam todo o trabalho pesado na lavoura, criação de gados e trabalhos domésticos. A riqueza do Brasil do século XVII foi construída pelo trabalho escravo desse povo. Apesar disso, eram muito mal tratados, moravam em sen-zalas, amontoados como animais e sofriam castigos severos. Quando aportavam no Brasil, as famílias eram separadas e junta-vam povos de localidades e idiomas diferen-tes para dificultar a comunicação e a fuga. A revolta era grande e mesmo com todo cuida-do e vigilância dos senhores escravagistas, as fugas eram constantes. Muitos eram cap-turados pelos capitães do mato (negros que trabalhavam para o senhor de escravos com a missão de capturar os escravos fujões). Quando eram capturados sofriam castigos ainda mais severos. Então começaram a fu-gir para cada vez mais longe, criando as co-munidades chamadas quilombos. Para Pau-lo Corrêa Barbosa, em Minas de quilombos (2008), os critérios nacionais adotados no Brasil para que um território seja considera-do quilombo deveria ter reunidos, no míni-mo, cinco escravos fugidos. Ainda segundo o autor, na África, Kilombo era o nome dado a uma sociedade de guerreiros.

Quilombos, mocambos ou calhambo, palavra que teria origem na língua Banto e representaria fortaleza ou acampamento, foram de grande importância para a histó-ria da população escravizada, da própria história do país e, sobretudo, constituíram-se como importantes núcleos de resistência negra humana e cultural. (BARBOSA, 2008, p.13).

Ao longo do tempo, ainda segundo Barbo-sa, os quilombos sofreram modificações em sua estrutura e formação. A luta para o re-conhecimento das comunidades remanes-centes de quilombos tem sido intensa nas últimas décadas por diversos segmentos da sociedade civil, movimentos sociais, órgãos governamentais e não governamentais.

Muitas são as comunidades reconhecidas ou por reconhecer espalhadas pelo Brasil, en-tre elas a comunidade Kalunga na região da Chapada do Veadeiros em Goiás. No cader-no de atividades do MEC a chapada é descri-ta como

(...) um mar de serras e morros cheios de buritis que se estendem até onde a vista al-cança. O território Kalunga é cercado delas. Serra do Mendes, do Mocambo, Morro da Mangabeira, Serra do Bom Jardim, da Areia, de São Pedro, Moleque, Boa Vista, Conten-da, Bom Despacho, Serra do Maquine, Serra da Ursa. São encostas íngremes, cheias de pedra. Os caminhozinhos estreitos fazem curvas e sobem cada vez mais, quase perdi-dos no meio do mato. Depois, do outro lado, os paredões de pedra caem quase a pique nas terras baixas dos vales, como muralhas impossíveis de ultrapassar (MEC, 2001, p.23).

A região turística que compreende a Chapa-da dos Veadeiros é visitada por turistas de todo o país e de outros países que vêm atrás das belezas naturais, mas especialmente para conhecer esse povo rico em histórias e tradições. Conforme SEF-MEC a área foi re-conhecida pelo governo do Estado de Goiás em 1991, como sítio histórico que abriga o Patrimônio Cultural Kalunga.

A origem do nome Kalunga tem a ver com o modo que foi formado o povo da região, desde a vinda dos escravizados fugitivos das minas de Boa Vista, dos alforriados que vi-nham atrás de condições de sobrevivência, até os índios que viviam na região e, foram, aos poucos, se miscigenando com os negros. Daí o nome Kalunga, conforme nos esclare-ce SEF-MEC:

(...) escrito com c, calunga é uma pala-vra de muitos sentidos, que se incorporou à língua do povo brasileiro. Quer dizer coi-sa pequena e insignificante, como o ratinho camundongo que no Nordeste do Brasil se chama calunga ou então catita. E quer dizer também pessoa ilustre, importante. E tam-bém é o nome que se dá à boneca que sai nos cortejos dos reis negros dos Maracatus de Pernambuco. E ainda significa a morte, o inferno, o oceano, o senhor, conforme se diz nos livros. Mas, na terra do povo Kalunga, calunga é mesmo o nome de uma plantinha (simaba ferruginea) e do lugar onde ela cres-ce, perto de um córrego que também tem esse mesmo nome (MEC, 2001, p.31).

Para o povo Kalunga a palavra tomou o sig-nificado de resistência, sobrevivência, uni-

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dade, realeza, por se tratar de uma planti-nha que resiste às intempéries. Segundo a SEF-MEC: “Ela é a marca da realeza africana sustentada pela força dos ancestrais. Por isso ela é símbolo da dignidade do negro e da grandeza do povo Kalunga” (2001, p.31).

A interação que o povo Kalunga tem, ainda hoje, com a natureza, teve que ser aprendi-da, desde o começo da ocupação. A neces-sidade de sobrevivência naquele meio levou-os a aprender a usar o que a natureza lhes oferecia, tanto para o sustento, como para a moradia. As madeiras para as embarcações, móveis e utensílios, o barro para as taipas das moradias, vasos e panelas. Também aprenderam a observar as estações para o plantio. Segundo a SEF-MEC:

Precisaram entender que as cheias do Rio Paraná causam grandes inundações, des-truindo as casas e os currais, mas também podem trazer benefícios, porque adubam a terra para o plantio. Foi assim que aprende-ram a cuidar da roça de mandioca, com que se faz a farinha depois de escorrer no tapiti a massa da raiz ralada. Aprenderam a cuidar do roçado de feijão, de milho, de abóbora, do cultivo do arroz que cresce na vargem, do pomar de frutas e da horta de verduras plantada no terreiro da casa. E, aprendendo a distinguir as terras boas para o plantio do algodão, puderam fiar o fio com suas fibras, para tecer no tear o pano de suas roupas ou as cobertas de suas camas (MEC, 2001, p.33).

Aprenderam também a conhecer os ani-mais da região, caçavam e pescavam, além de criarem gado e galinha para o sustento. Como cita a SEF-MEC: “É claro que muitas dessas coisas aqueles negros quilombolas ou os escravos libertos que chegaram ao território Kalunga já sabiam. Porque era isso o que tinham feito a vida toda (...)” (MEC, 2001, p.35). Só que agora trabalhavam para si mesmo e não para o senhor de escravos. Com o tempo passaram a reconhecer as plantas da região e sua utilidade. Muitas são medicinais e até mesmo as crianças co-nhecem suas propriedades. É um povo que respeita o espaço em que vive, assim como a experiência dos mais velhos e suas histó-rias que passam de geração a geração e que foram construindo a identidade desse povo (MEC, 2001, p.41).

Artesanato e suas origens

O povo Kalunga vive entre os municípios de Cavalcante, Monte Alegre, Arraias e Tere-zinha de Goiás com população de mais de 4.000 habitantes. Segundo Elyeser Szturm a comunidade vivia até os anos 80 com conta-tos apenas esporádicos com os municípios da região. Era um território praticamente intocado. A primeira expedição de estudos empreendida na região foi liderada pela antropóloga Mari Baiochi, da Universidade Federal de Goiás, através do projeto de pes-quisa Kalunga. Povo da Terra. De 1991 a 1996 o projeto resultou em grandes conquistas para os Kalungas, como o primeiro reconhe-cimento oficial por parte do governo e direi-to à posse da terra (SZTURM, 2005, p.39).

O isolamento em que viveram todo esse tempo contribuiu para que preservassem seus costumes, sua culinária, o artesanato e o modo de vida sem muitas alterações. Mas com a recente inserção de outras culturas, nesse meio, o que esperarmos para o futu-ro? Seria essa inserção a primeira a interfe-rir na cultura desse povo? Se pensarmos no percurso histórico que forma essa cultura não poderíamos inferir que, na verdade, essa cultura já era o resultado de outras in-serções? Com o intuito de dialogar com es-sas questões lançaremos mão das ideias de Néstor Garcia Canclini acerca do hibridismo cultural. Conforme o artigo Hibridismo e Cur-riculo: ambivalências e possibilidades de Ma-ria do Carmo de Matos e Edil Vasconcellos de Paiva, Canclini foi quem propôs a ideia das culturas híbridas “para pensar a moderni-dade latino-americana, sob o argumento de que esta havia produzido uma modernidade sui-generis, caracterizada pela mistura de culturas [...]” (MATOS E PAIVA, 2007, p.186). Para Canclini:

Os países latino-americanos são atual-mente resultado da sedimentação, justapo-sição e entrecruzamento de tradições indí-genas (sobretudo nas áreas mesoamericana e andina), do hispanismo colonial católico e das ações políticas educativas e comunica-cionais modernas (CANCLINI, 2008, p.73).

Já no Brasil, além dessa tradição indígena e culturas europeias, há também uma gran-de interferência da cultura africana. Vicente

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Salles em Historial geral da arte no Brasil, ao falar sobre o artesanato, objeto desse estu-do, aponta:

O artesanato brasileiro resulta, basica-mente, da convergência de vertentes euro-peias, indígenas e negro-africanas. Ao se par-ticularizar, na mesma obra, as contribuições dos indígenas e dos negros, somos tentados a simplificar o esquema da abordagem dos conteúdos da nossa cultura material, seguin-do o rumo das vertentes europeias. Nada autoriza a simplificação. Sabemos que, ao submeter o índio e o negro, na tentativa de organizar uma sociedade dependente, o eu-ropeu impôs o seu modelo de cultura. Mas, ao impor-se, não pôde o modelo manter-se íntegro e sofreu, no curso do tempo, mudan-ças qualitativas consideráveis. O retorno às origens europeias é, portanto, esforço que limita a visão do conjunto e só produz resul-tados práticos nos estudos comparativos, podendo, eventualmente funcionar como referencial das mudanças aqui verificadas. (1983, p.1037).

Três séculos no período colonial, para o au-tor, define “a heterogenia e a geografia da ocupação do espaço físico brasileiro (SAL-LES, 1983, p.1040)”, consolidando o domínio europeu. Porém, os valores das culturas de negros e indígenas, em um processo con-frontante, se misturam e reelaboram a cul-tura da nação.

O artesanato, como processo criativo, tem um papel importante na formação da nossa cultura. A escravidão ultrapassa o período colonial, porém “índios e negros são força-dos a aprender as técnicas artesanais dos europeus, indistintamente”. Os que possu-íam habilidades tornavam-se mestres de ofícios dando origem ao legado “em pintura, culinária, vestimentas e adornos pessoais, instrumentos de trabalho e utensílios do-mésticos em geral”. Mas o europeu não via na importância dessa produção nada além do valor mercadológico. O europeu conside-rava o trabalho manual uma arte menor que tinha seu valor apenas como um modo de produção de suas necessidades, função atri-buída aos escravos como na Grécia e Roma antigas (SALLES, 1983, 1040-1041).

Com o surgimento do poder econômico e a decadência econômica das corporações e com a era das revoluções industriais, sur-ge a necessidade de “recrutar mão de obra e especializá-la em determinados ofícios”. Entra em cena o “missionário, cujas escolas espalhadas por todo o Brasil, não tinham apenas uma intenção de formação missio-nária: foram escolas de catequese e de artes e ofícios” (SALLES, 1983, p.1042). O sistema colonial não favoreceu a organização de cor-porações, mesmo assim existiam em toda a parte oficiais e mestres das consideradas ar-tes mecânicas que gozavam de certo prestí-gio. Eram tratados como artistas e, seguindo o modelo europeu, podiam se desenvolver na profissão, passando de aprendiz a oficial, definido por Salles como:

[...] o artista que tinha obtido perfeita preparação técnica no seu ofício. Mestre, aquele que podia empreitar ou conduzir tra-balhos. Nas cidades coloniais encontravam-se artesãos livres, mas a grande maioria de aprendizes e oficiais era escrava: proprieda-de de um mestre europeu ou de senhores ne-cessitados de especialistas para suas fazen-das e engenhos, que os entregavam, criança ainda, ao mestre artesão a fim de formá-lo oficial. Qualquer ofício valorizava o escravo, permitindo-lhe ascender socialmente (1983, p.1046).

Para o autor, esse modelo se mantém, ainda hoje, quase intacto. A classe proletária, da época, era formada por esses artistas.

O meio de vida bastante precário nive-lava libertos e escravos, mestiços, pretos, brancos e índios, na mesma condição. Havia ofícios que, por seu caráter deprimente, ape-nas aos escravos era dado executar: covei-ros, carrascos, carregadores de excrementos humanos etc (SALLES, 1983, p. 1046).

O trabalho artesanal era disperso e aten-dia aos interesses de senhores de escravos e grandes propriedades rurais, juntando-se a isso, o rebaixamento do artesanato como arte menor atrapalhava a formação de cor-porações: “Esses costumes perduraram durante todo o período colonial” [...] e para Salles “O estudo sistemático do artesana-to não tem longa tradição no Brasil” (1983, p.1047-50). No século XIX, surgem organiza-

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ções protetoras do artesanato e do pequeno comércio. No Brasil começa a circular uma literatura, de caráter didático e informativa ligada à arte popular. Folcloristas europeus, no final do século XIX, “aceitaram interação das objetivações materiais e não materiais, partindo da França, o movimento para o es-tudo sistemático do artesanato” (p.1050). A partir daí, vários esforços foram expendi-dos, no Brasil e no mundo, na tentativa de conceituar e regularizar o artesanato como função econômica ou arte popular. O autor ainda explica:

A tarefa de organização do artesana-to supõe, na verdade, a intervenção no processo de criação popular. Sua inserção num contexto de mercado, de alcance mo-netário, discrimina parte considerável da produção artesanal de consumo fechado, para uso doméstico, ou apenas entreaberto, para consumo da região onde se expande. A questão do artesanato torna-se assim cada vez mais controvertida. Alguns empolgados pelas perspectivas do processo (ou o seu mito) do automatismo, raciocinam como se o artesanato estivesse fadado a desaparecer da face da terra. Outros querem deixá-lo in-teiramente livre, ou entregue à própria sorte, certos de que assim permanecerá puro, con-siderando prejudicial qualquer intervenção (1983, p.1054).

A convivência dos povos que formaram nossa nação trouxe trocas recíprocas, nos hábitos e costumes, construindo essa diver-sidade de culturas. O cuidado para que in-terferências de outras culturas possam pre-judicar, ou mesmo, exterminar outra cultura pode ser excesso. Se pensarmos em todo esse percurso histórico do artesanato e tudo que envolve a cultura, perceberemos que, apesar de todas as interferências sofridas, muitas delas persistem e se transformam. A esse respeito Salles aponta:

É certo, porém que as coisas não aconte-cem de forma tão rígida e o artesanato po-pular, como de resto qualquer outra ativida-de humana, não é um fenômeno imobilizado no tempo e no espaço. Para suprir os perigos latentes num tipo de intervenção são neces-sários diagnósticos prévios visando detectar suas diversificadas manifestações em situa-ção contextual (1983, p.1054).

Já para Canclini (2008), essa mistura ou hi-bridismo, como ele denomina, é um fato in-questionável, desde que se inicia a história das civilizações. Para ele o momento em que o estudo da hibridação se estende a diver-sos processos culturais é na década final do século XX: “poder-se-ia dizer que existem antecedentes desde que começaram os in-tercâmbios entre as sociedades”. O autor afirma que na América Latina a modernida-de ainda não chegou, mas que essa não é a questão principal já que em tempos pós-mo-dernos as filosofias “desacreditam os movi-mentos culturais que prometem utopias e auspiciam o progresso” (2008, p. 17-18).

Estudo de caso: as Pane-

leiras de Goiabeiras

Esse estudo é direcionado ao trabalho de-senvolvido nas comunidades Kalungas da região de Cavalcante em Goiás pelo Proje-to Girau de Saberes. Projeto de extensão da Universidade Federal de Goiás que tem como objetivo promover a troca de saberes através da promoção da cultura dos mestres e dos ofícios, num intercâmbio entre gera-ções com práticas que envolvam identidade cultural, valor agregado, design, artesanato, geração de renda, autogestão e trabalho co-operativo. O projeto visa, com essas ações, fomentar, dentre outras atividades cultu-rais, o artesanato, com a clara intenção de resguardar os valores de identidade desse povo.

Como exemplo de comunidades que viven-ciam essa prática podemos citar a comuni-dade de As Paneleiras de Goiabeiras, forma-da por mulheres que fabricam panelas de barro no bairro de Goiabeiras, em Vitória, ca-pital do Estado do Espírito Santo. As pane-leiras, em sua maioria mulheres, produzem panelas, potes, travessas, bules, caldeirões, etc., de diversas formas e tamanhos em bar-ro. O processo de fabricação é praticamente o mesmo empregado pelos índios, na época do descobrimento. O processo é transmitido de mãe para filhas, há várias gerações, per-mitindo que a identidade cultural dessa ati-vidade se mantenha com poucas variações (WANDECK, 1996).

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Organizadas numa espécie de cooperativa, as paneleiras produzem e comercializam suas peças e mantêm suas famílias com a renda advinda delas. A associação é um dos pontos turísticos da cidade. O barro, prin-cipal matéria-prima das panelas é extraído na própria região em jazidas do Vale do Mu-lembá. A queima das panelas é feita de ma-neira ecologicamente correta, sem agredir o ambiente. Às panelas são acrescentadas um composto denominado tanino que dá resistência maior ao fogo para o utensílio. O composto é existente na árvore do mangue-vermelho, rhizophora mangle. O processo da queima, feito em fogueiras, é bem primitivo, como os índios faziam. Essa atividade foi aprovada pelo IPHAN (Instituto do Patrimô-nio Histórico e Artístico Nacional) em 21 de novembro de 2002. Está Inscrito no livro de Registros dos saberes e declarado patrimô-nio Cultural do País (WANDECK, 1996).

Inspirados em projetos como esse, espalha-dos pelo Brasil, Girau de Saberes tenta im-plementar ações como em outras comuni-dades, que além de reavivarem o artesanato e outros costumes, conseguem se organizar, gerar renda e reconquistar sua identidade e valor, através desse fazer.

Inquietações

É sempre um desafio tentar compreender o processo formador de identidades, espe-cialmente se pensarmos no percurso histó-rico do nosso povo formado por tanta di-versidade. Os discursos hierarquizantes da arte não têm mais sentido na atualidade. A pesquisa sobre esse rico universo do artesa-nato, da arte popular e do hibridismo cultu-ral, se configura em um fascinante campo de estudos cujos caminhos pretendo trilhar.

Referências

ALVES, Rubem. O senso comum e a ciência. In Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas regras. São Paulo, Loyola, 2000.

BARBOSA, Paulo Corrêa. Minas de Quilombo. Brasília MEC/SECAD, 2008.

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 2008. 4. ed.

MATOS, Maria do Carmo de e PAIVA, Edil Vasconcelos. Hibridismo e currículo: ambivalências e possibilidades. Dis-ponível em: www.curriculosemfronteiras.org/vol7iss2articles/matos-paiva.pdf. Acesso em: 06 de fevereiro de 2013.

RODRIGUES, William Costa. Metodologia Científica. Paracambi, FAETEC/IST, 2007.

SALLES, Vicente. Em: ZANINI, Walter, org. História geral da arte no Brasil. São Paulo, Instituto Walter Moreira Sales, 1983. 2v., il.

SEF-MEC, Secretaria da Educação Fundamental. Uma história do povo kalunga. Brasília, SEF, 2001.

SZTURM, Elyeser, Visões Kalungas. Em: MARTINS, Alice, COSTA, Luis e MONTEIRO, Rosana. (Orgs.). Cultura visual e a pesquisa em artes. Goiânia: ANPAP, 205. 2v.

TRIPP, David, Pesquisa-ação: uma investigação metodológica. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ep/v31n3/a09v31n3.pdf. Acesso em: 12 de fevereiro de 2013.

WANDECK, Arte popular - panela de barro paneleiras de Goiabeiras. Disponível em: http://www.ceramicanorio.com/artepopular/paneleirasgoiabeiras/paneleiras.htm. Acesso em: 10 de fevereiro de 2013.

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Luciana Faria

Designer no escritório Zebrabold e estudan-te de Artes Visuais da UFG. Minha relação com a fotografia surgiu nas aulas de foto-grafia do curso de Artes Visuais em que tive acesso a muitos fotógrafos e artistas que me inspiraram muito com suas produções. Comecei a fotografar com câmera digital, mas logo descobri o universo analógico que tanto me encanta. Em minhas fotos, sempre busco experimentar e brincar com a compo-sição, com o tempo de exposição e a veloci-dade e com as opções que o aparelho foto-gráfico dispõe, seja digital ou analógico.

Conceição

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No momento em que a fotografia digital torna-se parte do cotidiano das pessoas, a designer/fotógrafa Luciana Faria, segue o caminho inverso. Voltando-se ao registro analógico de imagens, de maneira quase artesanal e com uma criteriosa escolha de equipamentos e filmes de distintas sensibili-dades. Este retorno às técnicas tradicionais, a auxilia no registro de imagens repletas de significados, muitas vezes sobrepostos, sal-tando aos olhos que não pretendem regis-trar um instante datado, mas imagens de um tempo não definido, onde a cor domi-nante nestas fotografias nos remete a uma imagem de um passado retido na memória. Destacam-se neste conjunto, os trabalhos obtidos pela sobreposição de imagens, ob-tidas por múltiplas exposições do filme foto-gráfico, onde os espaços da cidade de Salva-dor são representados como um registro de nossa memória: fluida, sobreposta e fugidia.

Claudio Goya

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Mariana Magri Rodrigues1 Angélica Rodrigues2

Cursando Artes Visuais Licenciatura na Universi-dade Federal de Goiás em Goiânia. Formada em Fotografia Básica e Profissionalizante na Canopus Escola de Fotografia em Goiânia.

E-mail: [email protected] Link: Olhares.com/marianamagri

Graduada em Artes Visuais Licenciatura na Univer-sidade Federal de Goiás em Goiânia.

E-mail: [email protected]

Resumo

Este trabalho propõe uma análise de simi-lares visuais das obras “Os retirantes”, do artista plástico Cândido Portinari e “Região do Lago Faguibine”, do fotógrafo Sebastião Salgado. Para este comparativo, nos atemos às temáticas como principal meio de pesqui-sa. Serão relevantes os fatores históricos ao qual cada obra está inserida, se atendo para o meio sociocultural e econômico. A partir deste contexto de atuação da vivência dos artistas nos atemos á estética visual. Inte-grando pontos que se convergem e analisan-do pontos que se divergem nas narrativas abordadas em cada imagem, faremos uma breve análise de composição, não deixando de lado as “entrelinhas” e sensibilidades de seus personagens.

Palavras-chave

Retirantes, estética, sociocultural, pintura, fotografia.

Assentamento

Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão

-- contente com minha terra cansado de tanta guerra

crescido de coração Tôo

Zanza daqui Zanza pra acolá

Fim de feira, periferia afora A cidade não mora mais em mim

Francisco, Serafim Vamos embora

Ver o capim Ver o baobá

Vamos ver a campina quando flora A piracema, rios contravim

Binho, Bel, Bia, Quim Vamos embora

Quando eu morrer Cansado de guerra

Morro de bem Com a minha terra:

Cana, caqui Inhame, abóbora

Onde só vento se semeava outrora Amplidão, nação, sertão sem fim

Ó Manuel, Miguilim Vamos embora.

(Chico Buarque/ Ano1997 Livro Terra – Sebastião Salgado)

ARTE BRASILEIRAUma relação [a]temporal entre a obra: Retirantes, de Cândido Portinari e a fotografia: Região do Lago Faguibine, de Sebastião Salgado.

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Introdução:

Portinari e Salgado

Os retirantes vêm vindos com trouxas e embrulhos. Vêm das terras secas e

escuras, pedregulhos. Doloridas com fagulhas de carvão aceso. (PORTINARI,

Cândido, 1944)

Através do material de pesquisa acima ex-posto material, nos propomos á análise vi-sual e de contextualização histórica do re-lacionamentode duas obras específicas de dois importantes artistas para os estudos da história da arte. O primeiro representa o período correspondente á arte moderna do século 20, e o segundo, se insere em um con-texto mais contemporâneo da arte, atuando ainda em nosso meio artístico.

Cândido Portinari, o modernista utiliza a pintura como meio de expressão para sua obra, e Sebastião Salgado, contemporâne-ose expressa profissionalmenteem seu tra-balho artístico pela linguagem da fotografia.

As obras que iremos analisar são: Uma fo-tografia de 1985 de Sebastião Salgado feita na Região do Lago Faguibine em Mali África. (Ver figura 1). E a pintura: Os retirantes, 1944 de Portinari, Óleo s/ Tela. (Ver figura 2).

Estabelecemos um paralelo entre essas duas obras a fim de discutir a estética da imagem, as questões sociais, políticas e também as relações do próprio artista com sua obra, sua expressão por meio da relação interna-externa.

É importante notar que é distinto o tempo e a época em que foram feitos esses dois trabalhos. No entanto quando se olha pela questão temática vemos que este distan-ciamento de tempo não implica necessaria-mente no conteúdo das obras e nas ques-tões classificatórias de passado, presente e futuro, mas o que fica evidente são proble-mas sociais que se repetem aos olhos de to-dos desde há muito tempo. Ao olhar desses artistas principalmente, pois vivenciaram dessas experiências como um choque visual sobre realidade humana. Carregaram para suas obras, e fizeram delas criticas e denun-cias de um modo mais amplo e global.

Fúnebre são os Retirantes

Ambos os trabalhos discutem a mobilidade humana, por uma vertente da busca de uma vida melhor, ou mais precisamente da bus-ca pela sobrevivência, continuidade da vida. Questões sutis, e que sempre fizeram parte de uma identidade de parte do percurso do desenvolvimento histórico da humanidade. Em Os Retirantes, Portinari expõe o sofri-mento dos migrantes, em uma contextuali-zação que hora se expõe meio nômade, uma habitação inexistente.

É representada por uma família, (a base preponderante e inicialde formação de um grupo social). Essas pessoas são caracte-rizadas pela desnutrição com seus corpos magérrimos, esqueléticos, barrigas d agua e pés descalços, que se integram “harmonica-mente” com expressões de sofrimento,desi-lusão, fome e miséria.

Podemos dialogar esta contextualização da pobreza humana com foco na Cultura Brasi-leira, sendo Portinari um artista brasileiro e que se expressa em suas telas pelos proble-mas sociais deste país.

Historicamente, Retirantes narra-nos a res-peito de uma questão social representativa de uma grande seca que ocorreu no Nordes-te brasileiro no período de governo de Getú-lio Vargas.

Um problema demográfico em um país que passava por mudanças na economia e sofria abalos da Segunda Guerra Mundial. Uma das soluções governamentais para este pro-blema “imediato” da seca fora a migração dessas famílias que se tornam quase nôma-des para outros setores do país. Houve um êxodo para o estado do Amazonas para a extração da borracha e para os centros ur-banos que começam a ser muito valorizados pelo governo.

Portinari se expande para esse Brasil que vive políticas de desigualdades sociais e pro-blemas sérios da seca e fome em um perío-do de mudanças econômicas. Esse repertó-rio de vivências traz ao artista cada vez mais questionamentos políticos, acaba então se envolvendo e se candidatando dois anos depois da produção da tela para deputado

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federal, viajando pelo país e procurando sé-rios problemas de pobreza.

Os retirantes se tornam um símbolo repre-sentativo daqueles que tentavam fugir dos problemas de desigualdade social, da seca, da desnutrição e uma série de outros tantos desafiosque afligem o nordeste brasileiro ainda hoje.

Por uma análise estética-visual, vemosnove-personagens que se apresentam próximos uns dos outros, como uma família. É possí-vel que identifiquemosuma ideia de ciclo e continuidade. Uma vez que vemos persona-gens que vão desde o idoso até criança de colo. Essa representação das fases de vida humana nos mostra como este percurso di-fícil deste tipo de

vida, caminha com gerações , se discutindo a perspectiva, ou no caso, a falta dela em re-lação ao futuro. (Ver recorte na fig. 3).

A obra possui traços expressionistas e uma influência muito grande do cubismo de Pi-casso, principalmente dirigido da obra tam-bém politizada Guernica (1937).

Achamos importante ressaltar, sobre alguns pontos que mais nos chamaram a atenção na estética e nos personagens representa-dos. O clima, a atmosfera visual da obra é pesada e densa, temos a sensação de um cansaço que às vezes nos leva a interpretar a morte como algo mais leve que a vida, ou uma das únicas possibilidades mais prová-veis de mudança.

No que diz respeito aos personagens, as crianças só não se confundem com os adul-tos por uma questão de altura, pois são mar-cadas pelo mesmo sacrifício, pelo mesmo sol, trabalho, condições e andanças. Suas expressões faciais se apresentam envelhe-cidas. O bebê, que está nos braços de uma das mulheres, por exemplo, tem a textura da pele confundida com a do velho, por esta-rem próximas e serem praticamente iguais.

Temos de ressaltar a presença característica de força da mulher na imagem. Comporta-se como quem guia e “segura” este percurso familiar, representante da união dos com-ponentes. Percebe-se que a mulher repre-sentada na lateral esquerda do observador, recebe uma luz diagonal que segue até seu

Figura. 01

REGIÃO DO LAGO

FAGUIBINE,

MALI AFRICA

(1983).

Sebastião Salgado

Fotografia,

da Serie SAHEL.

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rosto que enfatiza sua força física maior do que a do homem velho que está junto á ela. Tem sua fase mais determinada que as dos homens.

É importante visualizarmos que em uma das crianças há claramente a representação de um abdômen bem avantajado e inchado que representa uma situação precária de saneamento básico no nordeste brasilei-ro. Questão que neste período gerou uma quantidade muito grande de pessoas com esquistossomose e de mortalidade infantil.

Parece fim de tarde, ou será um começo de um dia? Não se sabe ao certo sobre o tempo, o tempo é contado quando vem a fome, é contado também pela resistência ou persis-tência do corpo que ainda se mantém de pé. As cores principais da obra sempre se fixam em uma gradienteentre o magenta, o ama-relo ocre e o marrom, fazendo uma relação com a coloração que Portinari dirige á esta região e á terra seca do nordeste.

Percebemos claramente que a textura e a cor do rosto dos personagens se asseme-lha muito a do chão, da terra.No céu,tons de azul escuro quase escondem os abutres a espera de mais comida. E fica evidente na cena que uma das aves se mantém a altura do cajado que o personagem mais velho se-gura formando uma imagem de foice. Esta situação pode simbolizar de certa forma o encontro com a morte. Há então, uma ques-tão que se cruza entre o profano e o sagra-do. O profano na valorização e espera da morte e o sagrado enfatizado pela presença e união da família em uma situação de vida quase nômade.

A obra Retirantes tem uma influência cultu-ral muito grande na obra do escritor Graci-liano Ramos, Vidas Secas. Baseada na pes-quisa e construção de uma análise artística e de denúncia política social da pobreza nor-destina. Uma interação entre a arte visual e escrita.

Figura. 02

RETIRANTES

(1944)

Cândido Portinari

Óleo s/ Tela.

190 x 180 cm

Museu de Arte de

São Paulo Assis

Chateaubriand.

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 32ARTIGO

África e o Nordeste

brasileiro – possíveis

integrações visuais

Somos todos um povo. Provavelmente um só homem. (SALGADO, Sebastião, 1983)

Sebastião Salgado começou a fotografar nos anos 80. Percebemos em suas imagens um forte apelo por características sociais e mais integradas ás classes desabrigadas pela economia. No Brasil possui um traba-lho amplo característicodos movimentos sem terra - quando ainda o movimento sem terra resistia -, movimento original, por ser difícil aglutinar o povo do campo.

A imagem fotográfica de Sebastião Salgado (Fig.1) nos remete, de maneira associativa, à fome do nordeste brasileiro dos Retirantes, de Portinari, e se apresenta como figurati-va de um contexto de vivência na região de Sahel na África, ainda na década de 80. Fi-gura também uma grande seca, que ocorreu nesta região trazendo como característica principal a fome e o êxodo. A mobilidade e a falta de moradia dos desabrigados, mais uma vez, diante de fatores climáticos que se reverberam na economia desestruturada e desigual, grupos sociais se apresentam em situações de vivência semelhante á nôma-des.

Esta região da África se situa entre o deserto do Saara e uma linha fértil no Sul africano (ver figura 4). Marcada por muitas guerras locais e grandes problemas de miséria ex-trema que faz com que a população magér-rima migre constantemente em busca de

uma forma possível de sobrevivência. Esta contextualização governamental e social de características que são ocultas e ignoradas pela sociedade econômica despertam na sensibilidade visual do fotógrafo o interesse de identificação da África no Brasil, assim como do Brasil na África.Sebastião Salga-do é o olhar que capta a alma dos deserda-dos da terra. E nos entrega, a partir desse olhar, a grandeza das pessoas na desgraça; a altivez diante do sofrimento. O que nos faz perceber que esses fatores de desigualda-de social se apresentam como atemporais e não-locais. O mesmo problema retratado por Portinari no Brasil na década de 40, é visto na fotografia de Sebastião, na África na década de 80.

Na imagem fotográfica, há uma profundida-de estética. Percebemos que a imagem se comporta quase que aérea, com um fundo infinito, na qual a luz branca envolve direta-mente todo o contexto não possibilitando que definamos muito bem o solo, o chão, do céu. Criando um contexto de infinito e falta de perspectiva, um contexto que também pode ser visto como uma analogia a condi-ção dos personagens reais, que se compor-tam em uma caminhada constante.

Figura. 03

Recorte da imagem:

RETIRANTES

(1944)

Cândido Portinari

Óleo s/ Tela.

190 x 180 cm

Museu de Arte de

São Paulo Assis

Chateaubriand.

Figura. 04

Região do deserto

do Saara e uma linha

fértil no Sul africano

– África

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013 ISSN 2317-580X33 ARTIGO

Referências

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HARRES, Hilda Hober. História da Arte Brasileira; textos e exercícios. 2 ed. Porto Alegre, Sagra, 1981.

POMAR, Wladimir. Era Vargas – A modernização Conservadora; editora Ática – Paradidáticos, 1998.

ROSSI, M. H. W. A compreensão do desenvolvimento estético. In PILLAR, A. D. (org.) A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 2006.

<http://www.amazonasimages.com/>. Acesso em 09 de março de 2013.

José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado no Jô < Disponível em http://www.youtube.com/watch?featu-re=player_embedded&v=U5IKp320Kxk>. Acesso em 09 de março de 2013.

OS RETIRANTES: CÂNDIDO PORTINARI <Disponível em http://estudosavancadosinterdisciplinares.blogspot.com.br/2012/09/os-retirantes-candido-portinari.html>. Acesso em10 de março de 2013.

A linha do horizonte se perde facilmente nesta tela branca acinzentada (Ver figura 5). Faz com que foquemos claramente no acon-tecimento vivido pelos personagens e dá a forte ênfase ao êxodo. De um caminho sem rumo, e uma chegada que não tem destino nenhum. Existe uma trajetória vertical de caminho, onde na frente da linha guiam o percurso, crianças um pouco mais velhas, e com o foco principal da imagem, na lateral direita, temos a mãe segurando as crianças mais novas.

As cores que se apresentam nos persona-gens, tons escuros, sombreados, quase ne-gros, tratam uma visualidade quase fúnebre quando integrada aos braços secos, aos ossos que se evidenciam, e ao véu da mãe que voa com o vento. Os pés descalços são assim como nos Retirantes, uma marca das condições e dos acontecimentos narrados pelos artistas por seus protagonistas reais ou criados.

A imagem feminina na obra é muito for-te assim como na de Portinari. Talvez mais ainda, pois percebemos que não existe uma presença masculina adulta na fotografia, o que torna a mulher a escultora desta ação de transição de terra e seguradora da conti-nuidade desta família.

As crianças também facilmente demons-tram seus abdomens avantajados e incha-dos marcantes de uma situação crítica de saúde onde o saneamento básico não existe. O que torna a mortalidade um fator comum ao enfrentamento cotidiano desses habitan-tes que repetem na África problemas mise-ráveis de qualidade de vida.

Presente, passado e futuro se mesclam e se confundem nesta pesquisa. Fazendo com que pensemos nas conexões e possibilida-des de vivências expressa por diferentes artistas. Muitas divergências são em partes semelhanças de valores internos e caracte-rísticas de enfrentamento da vida. É possível que ao olhar uma obra de arte dialoguemos com um universo de diferentes fatores so-ciais e emocionais ao mesmo tempo em que dialoguemos com a nossa presença neste olhar. Com os caracteres da obra que dizem parte de nós, seja de nosso conhecimento, de nossa história de vida, de nossa traje-tória. Memórias são vertentes de acesso a formulação de um novo conhecimento. Tra-jetórias são nossos percursos interativos e ora conclusivos. Nem sempre nosso tempo é presente, mesmo que estejamos atuando no agora, o pensamento tem vivências tam-bém, e faz delas interpretações. Retirantes neste caso são da África e Sehel se encontra no dorso nordestino brasileiro.

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 34ARTIGO

QUESTÕES DE GÊNERO E ETNICO- RACIAIS A PARTIR DA LEITURA DA TELA A NEGRA DE TARSILA DO AMARAL

Deuslene Teodoro Rego1 Eliane Martins de Freitas2

Professora do Departamento de História e Ciências Sociais/CAC/UFG; doutora em História pela UNESP. Pesquisadora do grupo de pesquisa DIALOGUS - Estudos Interdisciplinares em Gênero, Cultura e Trabalho. Professora do Curso de Espe-cialização em Gênero e Diversidade na Escola. UFG - Campus Catalão

E-mail: [email protected].

Aluna do curso de Licenciatura em Artes Visuais, da Faculdade de Artes Visuais – FAV, da Universidade Federal de Goiás – UFG.

E-mail: [email protected].

1

2

Resumo

Este artigo tem como objetivo discutir a construção da imagem feminina nas obras de Tarsila do Amaral (1886-19730), mais pre-cisamente a tela intitulada A negra (1923). Buscamos compreender, a partir da repre-sentação da mulher negra feita por Tarsila, as questões étnico-raciais e de gênero pre-sentes na sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. Procuramos tratar a tela de Tarsila do Amaral tanto como expres-são da criação artística da pintora, quanto como expressão de uma dada cultura e de determinados traços de uma época. Parale-lamente, buscamos discutir a contribuição que podemos dar ao ensino da disciplina “Arte” introduzindo aspectos da cultura bra-sileira.

Palavras–chave

Arte, Ensino, Gênero, Etnia, Tarsila do Amaral.

Introdução

Se me perguntasse qual o filão original com que o Brasil contribuiu para este

novo renascimento que indica a renova-ção da própria vida, eu apontaria a arte de Tarsila. Ela criou a pintura pau brasil

(Oswald de Andrade, Ponta de lança, 3 ed. 1972).

Neste texto buscamos analisar uma obra de arte, A negra (1923) de Tarsila do Amaral, e paralelamente discutir a contribuição que podemos dar ao ensino da disciplina “Arte” introduzindo nesta disciplina aspectos da cultura brasileira. Buscamos, de um lado, compreender a partir da representação da mulher negra feita por Tarsila as questões étnico raciais e de gênero presentes na so-ciedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. E de outro, contribuir com uma visão crítica da sociedade em que vivemos, que mesmo nos dias atuais mantém um sis-tema de dominação, alienação nas questões étnicas e de gênero.

O Brasil é um país rico em diversidade cul-tural, traz na sua gênese a mistura de raças que ao longo do tempo os historiadores de-nominaram como a “fábula” das três raças, quais sejam, brancos, negros e índios. Tais grupos étnicos constituíram a base da cultu-ra brasileira. Daí a importância do currículo escolar abordar as questões étnico-raciais. A disciplina de Artes apresenta-se como uma importante aliada nesse processo por possibilitar a compreensão, para além dos aspectos da criação artística em si, determi-nados traços de uma época.

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Neste sentido, a escolha da obra A negra3 (1923) deu-se em função de tratar-se de uma artista brasileira emblemática, Tarsila do Amaral. Como também, por acreditarmos que essa obra representa de forma exem-plar as questões relativas às relações de gê-nero e também étnico-raciais.

Tarsila, segundo sua biógrafa Aracy Abreu Amaral (2003), nasceu em Capivari no in-terior do Estado de São Paulo na Fazenda São Bernardo, em primeiro de setembro de 1886. Por ser de família rica, desde criança conheceu a Europa e fez cursos de dese-nhos livres na França na Académie Julian. O circuito de Tarsila com seus estudos e suas obras era Brasil e Europa. Tarsila, de acor-do com Amaral (2003), sempre esteve entre opostos: “À doçura da tranqüilidade da sede próxima ao terreiro, à curiosidade pelo atu-al. Entre a fazenda patriarcal e a casa de São Paulo” (AMARAL, 2003, p. 12).

Foi, portanto, no contexto histórico do mo-dernismo que Tarsila desponta como artista brasileira, com uma temática genuinamen-te nacional. A obra A Negra transformou-se numa espécie de quadro manifesto. Tarsila do Amaral tornou-se assim a grande musa do Movimento Modernista no Brasil e dos movimentos derivados do modernismo jun-to com Mário de Andrade, um dos principais líderes do Movimento Modernista e idealiza-dor da Semana de Arte Moderna de 1922.

I – Estudos de gênero e as

questões étnico-raciais

Nos vários movimentos de reivindicações femininas, surgiu o conceito de gênero. A partir da luta das mulheres contra as desi-gualdades fez-se notar o movimento femi-nista ainda no século XIX. Essa luta consistia na garantia do direito à participação política via voto, bem como na denúncia da falta de

espaço das mulheres nas questões políticas, científicas, literárias e etc.

O feminismo na luta pelos seus direitos deu-se o nome “onda”, que teve o feminismo de primeira “onda” no final do século XIX na luta pelo direito da mulher votar e ser vo-tada, ter direito ao trabalho remunerado, propriedade, estudo, herança. O feminismo de segunda “onda“ a luta era para ser dona de seu próprio corpo e contra o patriarcado que subordinavam as mulheres. Esta segun-da “onda” surge depois da Segunda Guerra Mundial, influenciada por texto como O se-gundo sexo, de Simone de Bouvoire (1949).

No meio acadêmico de acordo com Brito (s/d):

O movimento feminista dos anos 70, ao lado de suas várias reivindicações e de-núncias levantou também a questão do "desaparecimento" das mulheres no âmbi-to da história, dominada pelo pensamento masculino. E um ponto básico na pesquisa desenvolvida pelas feministas o chamado resgate da memória feminina - fazer uma história das mulheres pelas próprias mulhe-res - especificidade que marca uma especial identificação com o objeto. O momento era propicio, pois, o debate intelectual da época tratava principalmente dos "excluídos" da história, que se tornaram privilegiados "ob-jetos" de estudo, incluindo-se aí mulheres, ao lado dos loucos, prisioneiros, bandidos, doentes, operários, etc. A perspectiva vigen-te era dar voz a estes grupos silenciados pela opressão que vivenciavam e que, no caso das mulheres, era ressaltada como a causa da sua situação subordinada (BRITO, s/d, p. 23).

A partir dos anos 1980, as feministas esta-dunidenses adotaram o termo gênero de-fendendo o caráter social das distinções baseadas no sexo, rejeitando o determinis-mo biológico que durante muito tempo jus-tificou as desigualdades e assimetrias entre homens e mulheres.

Nessa construção de gênero surgiram for-mas de contextualizar a maneira de ser homem e de ser mulher, independente do sexo anatômico e sim dependendo de cada contexto social em que o comportamento

Tarsila do Amaral pintou a tela A Negra durante sua estadia na Europa em 1923. A pintura foi uma encomenda feita por Blaise Cenderas para ilustrar a capa de um de seus livros de poemas. A tela mede 100 x 81,3 cm e se encontra hoje no acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

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feminino e masculino nas várias relações sociais de família, de trabalho, de lazer, den-tre outras esferas são construídas a partir da cultura e não das diferenças biológicas de sexos. A cultura nesse contexto é o em-brião que constrói a partir das diferenças de sexos o conceito de gênero. “Em síntese, é a cultura que constrói o gênero, simbolizando as atividades como masculinas e femininas” (GDE, 2009, p. 25).

Outra estudiosa sobre o assunto Joan Scott que fez sua definição de gênero a partir das relações sociais configurada com as diferen-ças percebidas entre os sexos internalizadas no interior de relações de poder, em que ela coloca o conceito de gênero, “gênero é a organização social da diferença sexual” (PEDRO, 2005, p. 89). Para Joan Scott as di-ferenças entre os sexos são constituídas no interior das relações de poder. “Gênero sig-nifica o saber a respeito das diferenças sexu-ais, a concepção de saber, seguindo Michael Foucault; com o significado de compreensão produzida pelas culturas e sociedades sobre as relações humanas, no caso, relações en-tre homem e mulher” (SCOTT, 1995, p.12).

Esta autora ao retratar sobre gênero con-figurado no movimento feminista, ela pro-punha analisar acerca de como os gêneros masculino e feminino são constituídos, a saber, “como as hierarquias de gênero são construídas, legitimadas, contestadas e mantidas” (PEDRO, 2005 p. 87).

Para Louro (1997), gênero precisa ser consi-derado tanto como uma categoria de análi-se, quanto como uma das formas que rela-ções de opressão assumem numa sociedade capitalista, racista e colonialista. A oposição binária dos pares contém e reprime o “ou-tro” homem/mulher, público/privado, cul-tura/natureza emoção/razão. O relacional tenciona investigar os pares, na tentativa de rejeitar qualquer atribuição de naturalidade que lhes possa ser atribuído. Nesta perspec-tiva, o caráter fixo e permanente dessa dua-lidade é rejeitado.

Outro aspecto importante é que a domina-ção de gênero não pode ser entendida ape-nas como dominação binária macho-fêmea, mas como uma complexa estrutura estra-tificada por gênero, raça, classe e outras

formas de dominação de uma parte sobre a outra.

Até nas leis jurídicas as mulheres sofreram injustiças. No final do século XIX as mulhe-res que sofriam crimes sexuais (defloramen-to ou estupro) eram consideradas responsá-veis por esses atos cometidos pelos homens. A mulher pobre que era violentada sexual-mente era taxada de mulher vulgar que ia para bailes e espaços de lazer considerados pela sociedade lugares para mulheres mun-danas e sem índole.

O homem que violentava a mulher sexual-mente não era considerado culpado, cul-pada era a moça que estava num papel desviante, se expondo aos homens freqüen-tando lugares públicos, a mulher normal aquela nos espaços privados de família e igreja. O homem se defendia perante as leis instituídas, e sobre a mulher que não seguis-se os padrões morais da sociedade, de famí-lia, religião era taxada de pervertida.

Nesses aspectos é possível imaginar as con-dições que viviam as mulheres negras, em situações bem piores que as mulheres bran-cas, pois, além de serem negras, pobres e com a cultura de seu povo, com ritmos afri-canos como a capoeira, o candoblé, etc., eram mal vistas na sociedade, portanto, a mulher negra discriminada por sua cor e sua herança cultural considerada abominável.

A Defesa, ao questionar o comportamen-to da vítima, os lugares que freqüentava e as companhias com quem andavam, a referên-cia aos “bailes de ponta de rua” e ao fato de a moça ser “habituada a ir a pagodes” segue a linha da criminologia, que buscava policiar esses espaços de lazer por entendê-los como espaços nos quais se criam condições para a emergência de práticas devassas e perver-tidas. Portanto, uma moça de respeito, uma “moça honesta”, não poderia freqüentá-los. (FREITAS, p.10)

Para trabalharmos sobre as desigualdades raciais comecemos do conceito de etnocen-trismo, termo usado para distinguir ou qua-lificar no sentido próprio de cada cultura as diferenças de seu povo, de seus costumes, seus alimentos, como do de vestirem, de re-lacionarem, a religião, a arte, a língua, etc.,

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considerando estes aspectos naturais de sua gente. Portanto, o etnocentrismo, é a va-lorização de um povo com seu próprio povo, é a identidade de um povo no seu modo de vida, independe de outros grupos sociais.

O conceito de etnocentrismo sofreu varia-ções no decorrer da história da humanida-de. Antes era tido como se cada povo tivesse sua particularidade com suas diferenças, e que isto era geral com todos os povos. Mas com o desenvolvimento intelectual e cien-tífico nos séculos XV ao XVII ao explicar di-ferenças biológicas e anatômicas de raças, configurando a “idéia que a humanidade estava irremediavelmente dividida em tipos raciais” (GDE, p.170, 2009), e o que diferen-ciava essas culturas era a idéia de certas raças serem mais fortes do que outras, ou mais inteligentes que outras, etc., neste con-texto surge o racismo.

O racismo é configurado num momento his-tórico da humanidade na invasão dos conti-nentes americanos pelos europeus em que ficou estampada a superioridade de umas culturas sobre outras. Nesse transcorrer surge o racismo que até então não existia, porque antes não havia discriminação pela cor da pele, mas discriminação baseada em fatores religiosos, políticos, nacionalidade e na linguagem.

Como a questão de gênero é fortemente imbricada na sociedade assim também as questões étnico-raciais. Gênero tem sua ori-gem histórica, como também o racismo.

Com isso, mesmo com as lutas feministas a mulher negra não era reconhecida com sua identidade étnico-racial que sofria muito mais comparando com a mulher branca. A questão de gênero nesse sentido, pela luta da mulher (negra) inserida nas questões de classe e etnias raciais, gerou insatisfação das mulheres negras nesse quadro, “para Stolcke a teoria feminista concebia as mu-lheres como categoria social indiferenciada” (Aguiar, p. 86, s/d).

É visível como a mulher negra enfrenta mais dificuldades, mesmo dentro da luta feminis-ta. Os obstáculos da mulher negra são maio-res do que os da mulher branca, “a mulher negra no Brasil é discriminada duas vezes:

por ser mulher e por ser negra” (Aguiar, p. 86, s/d).

A relação de gênero, no entanto, generalizou a mulher sem considerar suas particularida-des étnico-raciais e de classe que são focos embrionários da discriminação tripla de cor, classe e gênero que sofre a mulher negra. É [...] “necessário abordar a maneira como o gênero, classe e raça se cruzam para criar não apenas fatores comuns, mas também diferen-ças nas experiências das mulheres” (AGUIAR, p. 86, s/d).

As diferenças de classe são fatores concomi-tantes nas questões de gênero que a prin-cípio não eram consideradas. Gênero para alguns estudiosos era analisado de forma linear na História das Mulheres, não consi-derando os aspectos sócio-econômicos em que as mulheres pobres não se enquadra-vam no modelo de gênero construído que estabelecia para mulher a vida privada em função do lar. As mulheres pobres o oposto, além de seu trabalho doméstico, o trabalho mal remunerado fora de casa.

E, deste modo, limita a mulher ao espaço do privado, onde o cuidado com a casa e dos filhos com o foco central de sua ação. No en-tanto, sabe-se que mulheres pobres sempre trabalharam fora (nas fábricas indústrias, nas casas burguesas como domésticas, etc). (FREITAS, p. 4, GDE).

O conceito de gênero é amplo, não se rela-ciona somente com os estudos da História das Mulheres. É vinculado fortemente a fa-tores sociais, históricos, econômicos, bio-lógicos, etc., envolvendo ambos os sexos, feminino e masculino na sua historicidade. Não se pode considerar gênero no singular somente com os estudos das mulheres e ele-mentos que supõem o sexo biológico, mas que, vai além dessas interpretações focali-zando a mulher e o homem mutuamente em todas relações sociais. “Neste sentido, falar de gênero é também falar no plural, tendo em vista a diversidade de nossas culturas e situações. Falar de gênero é afirmar a plura-lidade” (FREITAS, p. 5, GDE)

Muitas hierarquias estabelecidas na socie-dade foram construídas a partir de diferen-ças de classes sociais como também outras

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desigualdades que necessariamente não de-pendem de diferenças de classe.

Assuntos sobre gênero e etnias-raças devem focalizar questões de classe social, pois mui-tas mulheres além de serem negras são po-bres que moram em favelas, com emprego subalterno e chefes de família, que dificulta melhores oportunidades no campo de tra-balho.

II – A Negra:

discutindo gênero e

relações etnico-raciais

Tarsila pintou a tela A Negra quando estuda-va em Paris. A obra representa o ambiente tipicamente tropical brasileiro com a folha de bananeira que entrelaça com a negra brasileira. De acordo com Amaral: “Tarsila interpõe a folha de bananeira presente em A Negra, desta vez mais naturalista, sem a preocupação da estilização geometrizan-te” (AMARAL, 2003, p. 251). Na tela a pinto-ra apresenta uma “figura sentada com dois robustos toros de pernas cruzadas, uma ar-roba de seio pesando sobre o braço, lábios enormes, pendentes, cabeça proporcional-mente pequena” (p. 249).

Para vários/as estudiosos/as da história da arte, Tarsila, em A Negra, revela a cienti-ficidade e a epistemologia masculinas da época, que defendiam, tanto nas ciências naturais e quanto nas ciências humanas, se-rem os homens naturalmente superiores às mulheres. Em sua obra Tarsila transcende as representações de gênero, portanto de fe-minilidade, de sua época, ela não coloca na obra A Negra, status, glamour, sensualidade, preguiça comumente utilizados para repre-sentar as mulheres. Ela simplesmente busca representar uma mulher negra na sua “es-sência”, independente dos padrões culturais da época.

A partir da interpretação da tela A Negra po-demos compreender o lugar destinado às mulheres nas primeiras décadas do século XX. Conforme Pugliese:

Nas relações sociais, na década de1920, a construção do gênero feminino se estrutu-rava de modo que o que a mulher era depen-dia da família em que nascia ou com quem que casasse (PUGLIESE, 2011, p. 2,).

A produção artística nos permite, assim, analisar as representações e estereótipos de gênero e étnico-raciais da época. Tarsila em A Negra retrata a questão de gênero desta-cando o feminino e ultrapassando o paradíg-ma da mulher depender do sexo masculino.

Figura. 01

A NEGRA (1923)

Tarsila do Amaral

Óleo sobre tela,

100x 81,3 cm.

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O tema da identidade nacional ou regional está implícito nas obras de Tarsila. A busca por uma identidade nacional fundamentada em novas bases coincidiu com o surgimento dos movimentos modernistas dos anos 1920 no Brasil. Escritores e artistas plásticos se inspiraram nos movimentos de vanguardas europeus da época, no entanto, a busca por uma identidade nacional resultou num pro-cesso de releitura daquilo que se produzia na Europa.

Esta obra de Tarsila A Negra sai dos padrões culturais elitistas que via a negra como uma mulher que trabalhava no engenho, que era mãe de leite ou que fugia aos padrões de beleza europeus. De acordo com Puglie-se, Tarsila descentraliza a arte americanista que pinta as escravas na obra Engenho de Mandioca de Modesto Brocos em 1892 ou de Candido Portinari (1903-1962) que retrata em umas de suas obras a negra na lavoura sob o sol. A Negra para Tarsila “se dá igual-mente no plano formal, uma vez que Tarsila modifica os dados da composição america-nista”, (PUGLIESE, p. 3).

Tarsila é uma precursora da arte Moderna no gênero feminino que contextualiza a mulher negra fora dos padrões hierárquicos machis-tas e racistas. Conforme Pugliese:

Talvez A Negra seja uma resposta moder-na ao torvelinho de questões colocadas em seu meio, em vários registros simultâneos: ao se afastar da iconografia tradicional da mu-lher, as temáticas como o retrato, a pintura de costumes, a questão social como confli-to entre classes, a indianista, a mitológica, a alegórica, a religiosa, Tarsila causa um deslo-camento, pois altera os lugares da mulher na sociedade, (PUGLIESE, 2011, p. 4).

A obra de Tarsila do Amaral descentrali-za o foco que era dado às mulheres negras da época, aquela negra submissa e volta-da para o trabalho grosseiro mesmo com a abolição da escravatura.

Pode-se dizer que a tela A Negra demonstre a mulher contextualizada na sua etnia e raça negra na sua essência sem colocações este-reotipadas. Tarsila transcende a negra mu-lher ao representá-la intocável aos preceitos de inferioridade e exclusão.

Tarsila por ser uma mulher intelectual, ex-pressou liberdade em sua tela, num momen-to em que a cientificidade e vasto conheci-mento eram específicos aos homens que inculcou a superioridade “naturalizada” do homem sobre a mulher.

A partir das interpretações da tela A Negra, buscamos analisar o posicionamento assu-mido pelas mulheres da época em relação a função exercida pela arte. O tema da identi-dade nacional ou regional está implícita nas obras de Tarsila.

III - A arte como interven-

ção nas desigualdades ét-

nico-raciais nas escolas a

partir da leitura da tela A

Negra de Tarsila do Amaral

Conforme dito anteriormente, um dos obje-tivos deste trabalho é discutir a contribuição que podemos dar ao ensino da disciplina “Arte” introduzindo na mesma aspectos da cultura brasileira. Buscaremos a partir da análise realizada acima sobre a representa-ção da mulher negra feita por Tarsila apon-tar algumas possibilidades de trabalho com a tela em sala de aula. Nossa intenção é con-tribuir com uma visão crítica da sociedade em que vivemos que mesmo nos dias atuais mantém um sistema de dominação, aliena-ção nas questões étnicas e de gênero.

O ensino de Arte está muitas vezes distancia-do da realidade da maioria dos estudantes, e não contribui muito com a educação no seu sentido amplo. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n 9.394/96) esta-beleceu em seu artigo 26, parágrafo 2º que: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o de-senvolvimento cultural dos alunos”.

O que existe de ensino de arte nas esco-las brasileiras não é suficiente para que as crianças tenham uma verdadeira compreen-são histórica e estética. Vários pesquisado-res têm explicitado esse problema. Segundo

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Azevedo (2000), um valor ressaltado pela Arte/Educação Modernista era a democrati-zação da obra de arte, orientada na concep-ção de que todas as crianças, em potencial, seriam capazes de produzir e de expressar-se por meio da arte, até mesmo crianças com necessidades especiais.

No entanto, apesar da LDB, dos PCNs, no ensino de arte existe certo espontaneísmo e um distanciamento com as outras discipli-nas que deveriam se complementar numa interdisciplinaridade, tais como, História, História da arte e Literatura. A metodologia no ensino da arte tem sido desde sempre uma metodologia que não desperta o in-teresse dos alunos, a realidade das escolas brasileiras tem mostrado esse fato de ma-neira cada vez mais clara.

Não só a arte que sofre esse distanciamen-to. A História da Cultura Afro-Brasileira nos PCNs na LDB, no parágrafo 10.639 de 9 de janeiro de 2003, que inclui no currículo es-sas ações políticas mas que não provocou inserções significativas nos ambientes esco-lares. É difícil esse segmento interagir e ser debatido nas escolas, a própria formação de professoras/es não os prepararam com o conhecimento sobre temas étnico-raciais e de gênero. Como sabemos a formação edu-cacional no Brasil centrado no currículo eu-rocêntrico, masculinizado com raça branca e cristã. “Existem casos de educadores que reproduzem estereótipo e agem de maneira preconceituosa no cotidiano escolar” (GON-ÇALVES, p. 6. s/d).

Diante do exposto uma proposta crítica de ensino de arte a partir da tela A Negra, de Tarsila do Amaral, consistiria em abordar questões históricas de gênero e etnias e a cultura de nossos ancestrais contribuindo principalmente para a valorização das mu-lheres negras imbuídas no nosso seio social e cultural. A escola é uma ferramenta para isso.

As escolas ainda guardam paradigmas do-minantes que privilegiam alguns alunos/as e marginalizam outros/as com padrões sociais que discriminam cor, raça, gênero e classe social desrespeitando as diferenças.

nas escolas ignoram discussões sobre esses temas, valorizam a ordem social acei-tando como natural as diferenças sociais e os “déficit” individuais. Reforçam a superiori-dade da cultura hegemônica. (GONÇALVES, p. 3, GDE).

Assim podemos trabalhar sobre cultura nas escolas com datas comemorativas, por exemplo, o dia do Descobrimento do Brasil, o dia do Índio, o dia da Consciência Negra, etc., pelo viés da arte para disseminar a nos-sa história, a nossa cultura e as nossas dife-renças. Mas isso não basta. Através de pes-quisas e estudos sobre a arte e as culturas brasileiras podemos com o ensino de Arte articular uma educação reflexiva com edu-candas/os no intuito de conscientizá-los que entender as diferenças raciais, significa con-siderá-las no mesmo patamar. Que todas as pessoas devem respeitar umas as outras.

No contexto histórico brasileiro no qual si-tua a diversidade étnico-racial e de gênero, a mulher negra sofre mais ainda as ques-tões de preconceitos de sexo e de raça. Se a mulher não tinha os mesmos direitos que os homens ao trabalho, a liberdade, as suas próprias decisões, imagine a negra dentro do quadro histórico brasileiro desde a época da escravidão.

Dados estatísticos comprovam como a mu-lher negra brasileira, por exemplo, no traba-lho, tem menos renda que as brancas.

As mulheres são pessoas de referencia em 63,4% das famílias pretas e pardas, con-tra 56,5% de famílias brancas “chefiadas” por mulheres. Por outro lado, a renda das mulheres negras equivale a apenas 45% da renda das mulheres brancas. (GDE, 2009, p. 180).

As mulheres brancas e negras não podiam votar, estudar e nem tão pouco construir uma carreira. Sofriam agressões físicas, psi-cológicas (infelizmente, fatos como esses acontecem nos dias atuais). A vida da mu-lher era limitada. Estudar, trabalhar fora de casa, era exclusividade masculina. O papel da mulher era reduzido aos cuidados com a casa, o marido e os filhos, “na divisão sexual do trabalho, o homem está ligado ao mun-do público do trabalho e a mulher ao mun-

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do privado a casa, o lar, os filhos” (GROSSI, 2004.).

As mulheres eram submissas aos homens e não tinham os mesmos direitos que eles. Não podiam exercer o votar, estudar e, nem tão pouco, construir uma carreira.

As desigualdades sociais fruto do não respei-to, surge a luta pelos seus direitos, surgem os conflitos e a violência. Portanto, cabe a escola a formação das crianças e jovens com uma educação de respeito perante os ou-tros, com negros, mulheres, homossexuais, etc., cada um deve conhecer seu espaço e o espaço do outro, estar atentos com a diver-sidade cultural através da Arte, mobilizan-do-os para serem cidadãos/cidadãs críticos e construtivos em uma sociedade em que todos possam ter os mesmos direitos à edu-cação, saúde, trabalho, etc.

A produção de arte se torna uma manifesta-ção humana. É um impulso de criatividade, de sentimento, alegria, responsabilidade, fraternidade, evolução, espontaneidade de culturas, que transitam o tempo todo em nossas vidas.

Neste contexto, as esferas públicas e as es-feras privadas foram padronizadas na so-ciedade. Nas esferas públicas, cabem aos homens o trabalho remunerado, autonomia em suas escolhas e autoritário em suas deci-sões, etc. Cabe a mulher na esfera privada, o dever de cuidar de casa, marido e filhos. Contudo, há outras diferenças, pois, “se boa parte das hierarquias se constroem a partir da classe, existem outras diferenças que são gera-doras de desigualdade que necessariamente não derivam da posição de classe” (AGUIAR, p. 86. s/d).

A submissão da mulher na sociedade foi construída. Mesmo assim elas interferiram e ajudaram em decisões que eram “exclusivas dos homens mas a concepção que se tem é de que a mulher naturalmente são providas do trabalho doméstico” (AGUIAR, p. 86. s/d). As mulheres tiveram um papel importante no movimento operário, mas continuaram oprimidas com o trabalho do lar.

Considerações Finais

Ressaltando nesse artigo o estudo das ques-tões de gênero e étnico-raciais através da tela de Tarsila do Amaral, a importância de se pensar o ensino de arte não apenas como fazer artístico, mas também como reflexão crítica da história de nosso país conduzida pelo eurocentrismo, que desrespeitou e dizi-mou diferenças étnico-raciais e gênero com a supremacia masculina branca dominante.

As relações étnico-raciais e de gênero de-vem ser cristalizadas no ambiente escolar para o conhecimento das diferentes culturas que nos cercam, e o acesso desses grupos que tem os mesmo direitos de conhecimen-to educacional como garantia para a forma-ção de uma cidadania plena que converta os males existentes em nossa sociedade atual, enraizada de violências físicas e simbólicas devido às diferenças culturais de negros, mulheres, pobres, que são base de forma-ção de nosso país.

A tela A Negra de Tarsila deu visibilidade às desigualdades sociais e a história de etnias/raças e gênero, permitindo aos educandos, não importando a classe social, etnias, ra-ças, sexo, estejam atentos/as, a saber, de que forma nossa sociedade foi construída que opera injustiças nos dias atuais.

Educadora/or tem a responsabilidade de re-verter esse quadro de discriminação na es-cola, e não deixá-la passiva diante de tantas injustiças cometidas pelo poder dominante que nos faz de “parasitas” sem tomar ne-nhuma atitude às situações que confronta-mos diariamente nas escolas, nas ruas, etc, com atitudes preconceituosas e racistas que instigam violência e ódio ocasionando in-quietações sociais em toda a sociedade.

Por isso, lutas e conflitos étnico-raciais e de gêneros são resultantes de um proces-so histórico injustos com as raças negras e com as mulheres que não tiveram o mesmo acesso que o homem branco. Vivenciamos diariamente atitudes preconceituosas nas escolas, nas famílias, enfim, em todos os lugares da sociedade com frases que estig-matizam negros e mulheres inferiores aos homens brancos, como “preto quando não suja na entrada suja na saída” ou “mulher,

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 42ARTIGO

Referências

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<http://www.brasilescola.com/literatura/modernismo.htm> Acesso em 03/02/12 às 23:09

motorista de fogão”. Atitudes assim menos-prezam integralmente esses indivíduos, a não ser que os mesmos tenham consciência das suas riquezas que não foram respeita-das para desmascarar a ideologia dominan-te e opressora. E a escola é responsável por conscientizar os educandos/as da impor-tância e do respeito às diferenças culturais. Professoras/es devem estarem atentos/as a maneira como os descendentes afro-bra-sileiros e mulheres são representados nos currículos e livros didáticos.

A arte pode ser utilizada como via para de-sestabilizar formas preconceituosas e dis-criminatórias na realidade escolar. Abrindo caminho para a aceitação da diversidade cultural, por levar a/o educanda/o a reco-nhecer o outro na sua individualidade e dife-renças como a si mesma/o.

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A IDEIA ESCONDIDA EM “AS MENINAS”

Maria Nélia S. Gomes1

“Talvez haja, neste quadro de Velásquez, como que a representação da representa-

ção clássica e a definição do espaço que ela abre. Com efeito, ela intenta representar-se

a si mesma em todos os seus elementos, com suas imagens, os olhares aos quais ela oferece, os gestos que a fazem nascer. Mas

aí, nessa dispersão que ele reúne e exibe em conjunto, por todas as partes um vazio

essencial é imperiosamente indicado: o desaparecimento necessário daquilo que a

funda – daquele a quem ela se assemelha e daquele a cujos olhos ela não passa de semelhança”. (FOUCALT, 2000, p. 20)

Resumo

Recorro a grande obra “As Meninas” de Die-go Velásquez para refletir sobre seu intrínse-co jogo representacional. A partir da filoso-fia de Descartes procuramos desvelar o que se oculta na obra de Velázquez. O artista ao pintar a princesa, nos induz a um jogo contí-nuo de representações em torno do que se esconde e do que se mostra, de quem vê e quem é visto, sugerindo ao espectador uma participação dinâmica, uma troca constante e infinita entre ele e a obra. Para responder as problemáticas propostas neste trabalho utilizo-me de uma pesquisa teórica com suporte nos livros e autores, tais como: BE-CKET (1997), DESCARTES (1999), FOUCAULT (2000), FERRY (2007), GOMBRICH (1999), LI-VIO (2008), entre outros. Esperamos com este estudo aproximar teoricamente a fi-losofia de Descartes à obra de Velázques; entender o vazio como elemento principal, discutir o jogo representacional e interpre-tar a idéia da invisibilidade de elementos ali-cerçados no método racional de Descartes, “O Discurso do Método”.

Palavras-chave

Representação visual, filosofia, invisibilidade.

I – AS MENINAS

Originalmente chamada “A Família Real de Filipe IV” e conhecida mundialmente como “As Meninas” esta obra representa a maturi-dade do estilo de Velázquez, o ápice do seu esplendor. (JANSON, 2010). Aparentemen-te a obra apresenta uma cena do cotidiano na corte real, mas por trás desta aparente simplicidade uma série de perplexidades a envolve e se revelam tornando “As Meninas” uma das obras mais complexas de todos os tempos da História da Arte. Talvez, a in-tenção do artista seria levar o espectador a interagir continuamente em seu jogo repre-sentacional.

Antônio Palomino, o primeiro a analisar As Meninas, escreveu “... o nome de Velázquez passará de século em século, na pintura da bela e excelente Margarida à sombra de quem a sua imagem foi imortalizada”. (JAN-SON, 2010, p.708). Graças a Palomino, hoje conhecemos a identidade de cada um dos personagens, como se segue na figura 2.

Graduanda do quarto período em Artes Plásticas – Bacharelado, pela Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais – FAV.Graduada em Matemática – Bacharelado, pelo Instituto de Matemática e Física da Universidade Federal de Goiás. 1995.Pós-graduada em Filosofia da Arte pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG – UEG. 2009.

E-mail: [email protected]

1

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1 - Infanta Margarida;

2 - Isabel de Velasco, em atitude de reverên-cia;

3 - Maria Augustina Sarnmiento, a outra me-nina;

4 - Maria Bárbola, a anã;

5 - Nicolasito Pertusato, junto ao robusto ca-chorro,

6 - Marcela de Ulloa, encarregada de cuidar e vigiar as donselas;

7 - Personagem ao lada de Marcela, o único não identificado;

8 -José Nieto, camareiro da rainha;

9 - Diego Velázquez, o pintor em seu auto re-trato;

10 e 11 - Felipe IV e sua esposa Mariana de Áustria, refletidos no espelho; e no primeiro plano o cachorro, um mastín espanhol.

Figura. 02

Esquema de análise

de AS MENINAS de

Diego Velázquez

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Nesta composição as formas e proporções se repetem harmonicamente planejadas, os personagens são dispostos em trios: como o trio principal formado por Velázquez, Au-gustina e a Infanta Margarida; o outro com-posto por Maria Bárbola, Izabel e Nicolasito; e por fim um terceiro trio secundário onde aparecem o camareiro José Nieto, Marcela e o personagem ao seu lado. Esta disposição tripla dá à obra um aspecto de seqüência improvisada, capturada instantaneamente como um flash.

Na parte inferior do quadro a disposição di-nâmica dos personagens se contrasta com a parte superior a qual se encontra envolta em uma silenciosa penumbra. A ordem e o equi-líbrio composicional de “As Meninas” se re-velam na forma em que o pintor dispôs o seu maior foco de luz, onde consequentemente se encontram o ponto de fuga e a proporção áurea, assunto que veremos adiante. Porém a parte mais intrigante desta composição talvez seja o jogo de representações que Velazquez apresenta quando pinta a si mes-mo na grande tela, a tela interna a pintar e o reflexo dos soberanos, obrigando, com sua genialidade, o espectador a questionar e in-teragir diretamente com a obra.

II – DESCARTES

Rene Descartes filósofo e matemático Fran-cês nasce em 1596, em La Haye, na região de Touraine, França, período em que a cultura ocidental se encontra marcado por grandes transformações tanto social, econômica, política como filosófica e religiosa. (Descar-tes, 1999). Preocupado com as dificuldades pelas quais passavam o saber medieval, Descartes se inspirou em uma filosofia que fosse útil à vida das pessoas, propondo um método, um caminho a ser seguido, segun-do o qual fosse possível conduzir à razão, partindo da possibilidade do bom uso da razão e do bom senso, com a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso na natureza, (Descartes, 1999), provocando assim uma ruptura com o mundo antigo. Descartes o verdadeiro fundador da filosofia moderna, cria simultaneamente com seu novo méto-do, não só uma ruptura com o mundo anti-go, mas também um novo ponto de partida na história do pensamento. (História da Filo-sofia, 1999).

Com o humanismo moderno, o homem, o sujeito pensante passa a ser o centro do uni-verso e não mais o cosmos, nem a divinda-de. Ao se tornar o sujeito, o “eu que pensa” e o mundo o seu objeto, ele pensa a si próprio e passa a reordenar e reorganizar o mundo

Figura. 01

AS MENINAS

(1656)

Diego Velázquez

Óleo sobre tela

318 x 276 cm

Figura. 03

Diálogo entre obra

e espectador .

AS MENINAS,

Velásquez

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à sua maneira, agindo como possuidores e senhores da natureza. É a nova doutrina de Descartes se contrapondo à sabedoria me-dieval e anunciando um novo conceito de razão: a razão e o bom senso, estruturada em três idéias fundamentais: a subjetivida-de, a dúvida e a liberdade de pensamento. (FERRY, 2007)

A subjetividade – passado unicamente no espírito do sujeito humano, com a certeza de que esteja absolutamente seguro, ou seja, é a certeza do estado de consciência subjetiva do sujeito, que vai se tornar o novo critério da verdade. A dúvida – duvidar de tudo sem distinção, na totalidade das idéias prontas, a rejeição de todas as crenças e preconcei-tos herdados do mundo antigo, criando uma nova natureza fundada na consciência indi-vidual e não mais na tradição da certeza do sujeito em sua relação consigo mesmo.

A liberdade de pensamento – o espírito crí-tico rejeitando todos os argumentos de au-toridade, todas as crenças impostas como verdades absolutas sem o direito de discutir e questionar. Com a radical dúvida de Des-cartes ele simplesmente inventa o espírito crítico, a liberdade de pensamento, surgin-do daí a filosofia moderna.

[...] por desejar então dedicar-me apenas à pesquisa da verdade, achei que deveria agir exatamente ao contrário, e rejeitar como to-talmente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida, com o intuito de ver se, depois disso, não restaria algo em meu crédito que fosse completamente incontes-tável. (DESCARTES, 1999, p 61).

III – Diego Velázquez

o pintor dos pintores

Pertencente ao mesmo período de Descar-tes, Diego de Silva Velázquez, o grande gênio da pintura barroca espanhola, nasceu em Sevilha, em 06 de junho de 1599 e morreu em Madrid em 06 de agosto de 1660. A pre-cocidade de seu talento o levou ainda muito jovem, a ser reconhecido pelo seu mestre, o pintor sevilhano Francisco Pacheco, como um talento de rara grandeza, e assim o des-creveu no livro A Arte da Pintura: “movido por sua virtude, limpeza e boas maneiras e pela esperança de seu natural e grande talento”. (Col. Grandes Mestres da Pintura, 2007).

Figura. 04

O Pintor –

AS MENINAS (detalhe)

Velázquez, 1656.

Figura. 05

Augustina Sarmiento

e Infanta Margarida –

AS MENINAS (detalhe)

Velázquez, 1656.

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013 ISSN 2317-580X47 ARTIGO

Embora tenha sofrido certa influência de Ca-ravaggio na solidez das formas e no domínio da luz, Velázquez se faz incomparável, um dos nomes máximos da pintura, o qual de-senvolveu uma visão da realidade humana com sensibilidade e imaginação, que pouco ou quase nada deve a influências externas. (BECKETT, 1997).

Aos 24 anos de idade, Velázquez já era o pin-tor do rei Felipe IV, cujos retratos causavam grande admiração em toda a corte. De per-sonalidade irrequieta, inovadora e ambicio-sa por glória e ascensão social suas conquis-tas, tanto no plano pessoal como artístico e social são frutos de uma educação rígida e disciplinada em Sevilha. Durante seis anos absorveu de seu mestre Francisco Pacheco todas as novidades produzidas por poetas, músicos, pintores, filósofos e teólogos da cidade. Este ambiente agitado e repleto de conhecimento proporciona ao jovem pintor uma vasta e sólida cultura, que poucos anos mais tarde viria a refletir em sua respeitá-vel biblioteca, repleta de obras de todos os campos do saber. A presença de alguns li-vros de caráter iconoclasta e emblemático, segundo alguns estudiosos, dentre eles J. A. Emmens, nos incita a ver sua obra como um enigma, cuja solução depende do significa-do dos elementos apresentados, atribuindo aos objetos e personagens a uma interpreta-ção subjetiva.

J. A. Emmens e Santiago Sebastian buscam dar uma explicação ao conjunto da obra à partir de interpretações alegóricas de seus componentes. Assim a anã Maria Bórbola significa a inveja, a ambição, pois trás nas mãos uma bolsa de moedas, simbolizando a cobiça; o anão Nicolasito molestando o cachorro significa o mal, a loucura cujo sig-nificado está representado na vestimenta vermelha e preta e também símbolo da fide-lidade representada pelo cachorro, um aler-ta para os perigos3.

Além dos livros iconológicos Velázquez tam-bém dispunha de livros sobre astronomia, cosmografia e lunetas para contemplar o céu, surgindo daí muitos comentários a res-peito da simbologia astrológica de “As Me-ninas”. Segundo especulações, dizem que

Figura. 06

Os Anões –

AS MENINAS (detalhe)

Velázquez, 1656.

Figura. 07

Simbologia da Constelação Coronae –

AS MENINAS (detalhe)

Velázquez, 1656. Em www.foroxerbar.com. Acesso em 29/10/2011).3

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 48ARTIGO

unindo com uma linha imaginária as cabe-ças ou corações das cinco figuras principais obtém-se o desenho da Constelação Coro-nae, cuja estrela central se chama Margari-da Coronae, como a Infanta Margarida que também assume a mesma posição na gran-de tela.

Poucas obras de Velázquez abordam te-máticas religiosas, preferindo ressaltar mais o seu lado humano e social. Ele desenvolveu uma técnica que pode ser chamada “o qua-dro dentro do quadro”, onde o tema religioso convive com o palco real mediante um qua-dro, um espelho ou uma janela que encerra a cena sagrada no fundo da composição principal. (Col. Grandes Mestres da Pintura, 2007, p. 17).

Nos últimos anos Velázquez pintou algu-mas de suas principais obras, destacando sua maturidade e a transposição de uma inquietação pictórica para a tela, numa ati-tude própria do artista nesta fase. A captura momentânea de ambientes, cores, formas, movimentos e pinceladas rápidas em um curtíssimo espaço de tempo, como um refle-xo instantâneo, fez de Velázquez um precur-sor do Impressionismo. As obras desta fase marcam o ápice de sua carreira artística, onde se destaca “As Meninas”, a obra mais elogiada, discutida e comentada de toda a História da Pintura. Extremamente comple-xa e de grandes proporções; nela o artista mostra-se a si mesmo e aplica técnicas e recursos desenvolvidos ao longo de sua tra-jetória, captando fugazmente toda a cena. (Col. Grandes Mestres da Pintura, 2007)

IV – A filosofia de

Descartes e o jogo repre-

sentacional de Velázquez

A idéia de um jogo representacional velaz-quiana, se encaixa perfeitamente à doutrina das idéias inatas de Descartes, que segundo ele, razão e bom senso é a capacidade de julgar e distinguir o verdadeiro do falso, o essencial do acidental. Igual a todos os ho-mens, por natureza, esta capacidade de jul-gar e distinguir diverge apenas na maneira em que cada um conduz seus pensamentos,

não havendo nenhum mais racional que o outro, apenas os seus pensamentos são guiados por rumos diferentes sem conside-rar as mesmas coisas. É o pensamento e o ser que pensa separando assim a objetivida-de da subjetividade.

[...] é improvável que todos se enganem a esse respeito; mas isso é antes uma prova de que o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual a todos os homens; e, assim sendo, de que a diversidade de nossas opini-ões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que outros, mas apenas de di-rigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas. (Descartes, 1999, p. 35)

Seguindo a filosofia de Descartes em “As Meninas”, Velázquez oculta em sua obra a própria idéia da representação, sugerindo o vazio como o elemento principal do qua-dro, quando na realidade, os soberanos e os espectadores são claramente evidenciados como uma invisibilidade necessária.

Ele expôs na grande tela uma representa-ção de modo intrínseco e sutil em torno do invisível. Trata-se do ponto que extravasa a grande tela, dando espaço ao expectador para assumir o lugar dos soberanos, mos-trando claramente o que se encontra ausen-te: o rei e a rainha. É a representação visual da própria representação, isto é, é a repre-sentação de si mesma. Representação que consegue interagir o espaço do espectador com o espaço representado. Assim Foucault descreve esta invisibilidade:

O pintor olha, o rosto ligeiramente virado e a cabeça inclinada para o ombro. Fixa um ponto invisível, mas que nós, espectadores, podemos facilmente determinar, pois que esse ponto somos nós mesmos: nosso corpo, nosso rosto, nossos olhos. O espetáculo que ele observa é, portanto duas vezes invisível: uma vez que não é representado no espaço do quadro e uma vez que se situa precisa-mente nesse ponto cego, nesse esconderijo essencial onde nosso olhar se furta a nós mesmos no momento em que olhamos. (Foucault, 2000, p.4)

Figura. 08

O Espelho –

AS MENINAS (detalhe)

Velázquez, 1656.

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O espelho a refletir os soberanos, e o expec-tador, que ao mesmo tempo é modelo e ex-pectador, nos dá uma dimensão reflexiva da obra e ao mesmo tempo transitiva, quando o pintor se envolve duplamente, pois vemos o que ele pintou, mas não vemos o que o pin-tor da grande tela pinta no quadro interno.

É o falso e o verdadeiro, a obscuridade e a transparência, ao mesmo tempo em que se mostra, também se esconde, é o velamento e o desvelamento da representação. Apesar de todas as pistas fornecidas por Velázquez, como o reflexo do espelho, a tela que está por iniciar, o olhar penetrante de cada per-sonagem, a duplicidade do pintor e o es-pantoso jogo de luz e sombra, juntamente com a perspectiva tão perfeita que de ime-diato nos remete ao ponto principal da tela, o ponto de fuga, isto é, o ponto para onde convergem as linhas que descrevem a pro-fundidade na pintura, e também, onde coin-cidentemente se encontra o ponto áureo, mesmo assim, encontramos em sua obra a idéia de ausência de elementos, a qual pode ser complementada com racionalidade e bom senso, com a imaginação de quem a observa.

É neste sentido que comparamos a pintura de Velázquez com a filosofia de Descartes, pois nela encontramos a capacidade de dis-tinguir e julgar, cada detalhe, por vias dife-rentes do pensamento e com racionalidade este ocultamento. Ver o desconhecido como termo ignorado, mas que através de uma ca-deia de razões seja conduzido ao conhecido. É o ser pensante separando a subjetividade da objetividade. É a alternância entre as es-sências e as idéias internas do pensamento, cuja realidade é puramente subjetiva para as essências das próprias coisas e seres, numa realidade objetiva. Portanto, é por meio de uma cadeia de razões que, partindo do desconhecido, podemos chegar ao ver-dadeiro e sermos conduzidos ao conhecido, correlacionando com a idéia inata da filoso-fia cartesiana.

Figura. 08

O Espelho –

AS MENINAS (detalhe)

Velázquez, 1656.

Figura. 09

As Meninas – AS MENINAS (detalhe)

Velázquez, 1656.

Figura. 10

A Tela Interna –

AS MENINAS

Velázquez, 1656.

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V – Influências matemáti-

cas na arte e na filosofia:

perspectiva, razão áurea, e

razão.

A perspectiva é uma técnica da Arte Renas-centista descoberta por Brunelleschi, que permite ao artista reproduzir mudanças visuais de linhas e formas que ocorrem no espaço tridimensional. As linhas paralelas parecem convergir para um ponto no hori-zonte, (nível dos olhos do observador) cujas formas parecem diminuírem à medida que a distância entre o objeto e o observador au-menta, dando ao desenho maior realismo. (EDWARDS, 2001).

Velázquez demonstrou entre outras ciên-cias, grande interesse pela matemática, geometria e arquitetura. Evidências que encontramos em “As Meninas” apresentan-do uma composição perfeita, a distribuição ordenada dos espaços conferindo à obra proximidade e realismo, e uma notável sen-sação de profundidade. A perspectiva em-pregada neste ambiente é tão perfeita que de imediato o olhar do espectador é remeti-do ao fundo da tela, num ponto estratégico, que é a região de maior interesse visual: o Ponto de Fuga.

Razão Áurea um misterioso número que tem fascinado não só os matemáticos, mas os artistas, os biólogos, os arquitetos, os músi-cos, os historiadores, os psicólogos e até os místicos debatendo a sua onipresença, pois o encontramos em toda parte: nas plantas, em nosso corpo e até nas galáxias.

Na matemática existem números tão espe-ciais e onipresentes que jamais deixarão de nos surpreender. O mais famoso deles é o Pi (π = 3,14....), razão entre a circunferência de qualquer círculo e seu diâmetro. Porém um outro número o Fi (φ = 1,6180339887....), me-nos conhecido é em muitos aspectos muito mais surpreendente e fascinante.

Conhecido desde a antiguidade, o Fi rece-beu no século XIX o nome de: “Número Áu-reo”, “Razão Áurea”, “Secção Áurea” e até mesmo de “Proporção Divina”. Segundo al-

guns estudiosos, a Razão Áurea é uma curio-sa e intrigante relação matemática, a mais importante e prazerosa proporção estética que existe.

Euclides, o fundador da geometria, assim a definiu a mais de dois mil anos: “Diz-se que uma linha reta é cortada na razão externa e média quando, assim como a linha toda está para o maior segmento, o maior segmento

Figura. 12

José Nieto,

o Camareiro e

Isabel de Velasco

AS MENINAS

(detalhe)

Velázquez, 1656.

Figura. 11

Perspectiva e

Ponto de Fuga

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está para o menor.” (LIVIO, 2008) Na singele-za desta divisão, nesta linha aparentemente inocente encontramos conseqüências que vão de uma folha à estrutura de galáxias e da matemática às artes, nos fornecendo um maravilhoso sentimento de espanto e perplexidade. Albert Einsten, famoso físico (1879-1955), disse:

A melhor coisa que podemos vivenciar é o mistério. Ele é a emoção fundamental que está no berço da ciência e da arte verdadei-ra. Aquele que não o conhece e não mais se maravilha, não sente mais o deslumbramen-to, vale o mesmo que um morto, que uma vela apagada. (LÍVIO, 2008, p. 14)

A Razão Áurea foi usada em muitas obras para que elas alcançassem a “efetividade visual” ou auditiva (no caso da música), e a proporção é uma das propriedades que con-tribuem para esta efetividade. A História da Arte mostra que na busca evasiva pelos câ-nones da proporção perfeita, a Razão Áurea provou ser a mais duradoura, por conferir qualidades estéticas agradáveis. Por pura audácia ou mera coincidência Diego Veláz-quez empregou a Razão Áurea na mesma região do ponto de fuga, na porta onde se encontra o camareiro. Os dois focos de luz, um entre a porta e a escada, e o outro atrás da escada confere ao ambiente a sensação de amplitude, mais profundidade. Estes três elementos associados: foco de luz, ponto de fuga e razão áurea conduz o olhar do es-pectador imediatamente a este ponto, res-saltando a ousadia do pintor e seu grande conhecimento pictórico.

Vários são os termos empregados para expli-car a Razão. Razão é definida como referen-cial de orientação em todos os campos onde o homem possa indagar ou investigar, isto é, é uma “faculdade” inerente ao homem distinguindo-o dos animais. (ABBAGNANO, 2007). Também como argumento ou prova e no sentido matemático. Na filosofia Razão pode ser o fundamento ou razão de ser, vis-to que razão de ser é uma coisa ou essência necessária, as vezes expressa pela própria substância. (ABBAGNANO, 2007)

Descartes usou a matemática como ciência das relações, estreitamente ligada à lógica ou parte dela. Recuperou o conceito clás-sico de “Razão”, identificando razão e bom senso e com base no bom senso ele formu-la a problemática do seu novo método, “A capacidade de bem julgar e de distinguir o falso do verdadeiro que por natureza é igual a todos os homens.” (DESCARTES, 1999, p. 35). Portanto as nossas desigualdades de opiniões não surgem do fato de uns serem mais racionais do que outros, mas pelo fato de que cada ser pode e deve conduzir seus pensamentos por rumos diferentes sem considerar as mesmas coisas. O importante, segundo Descartes é aplicar corretamente a razão e o bom senso.

Figura. 13

AS MENINAS –

azul: Razão Áurea.

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Considerações Finais

Concluindo nossa pesquisa, buscamos tra-çar, em linhas gerais, um breve relato sobre tão vasto tema, um paralelo entre a Filoso-fia de Descartes, e a obra de Velázquez, “As Meninas”, alicerçados na razão, onde um jogo complexo de representações nos in-duz a enveredar pela Doutrina de Descartes, buscando a verdade através do bom senso. Acreditamos que a idéia de um jogo repre-sentacional se encaixa à esta doutrina, pois através dela e usando a imaginação com lógica, podemos diferenciar o falso do ver-dadeiro dentro da obra. Agindo assim, como um ser pensante, separamos a subjetividade da objetividade que a obra apresenta.

Velásquez em sua grande tela, segue a Filo-sofia de Descartes ocultando a própria idéia da representação, trazendo como elemento principal o vazio, mostrando com clareza a invisibilidade necessária, o real e o irreal. É a sutileza de uma representação complexa entorno do invisível, pois não sabemos dife-renciar quem olha e quem é visto.

A invisibilidade dos soberanos, refletida no espelho, nos dá uma dimensão reflexiva da obra e ao mesmo tempo uma transitiva, pois sabemos o que o pintor pintou, porém não sabemos o que ele pinta na tela interna. Se-ria os soberanos ? Ou Velásquez em seu jogo quis empregar uma relação mútua e contí-nua entre a obra e o espectador?

O pintor joga com o falso e o verdadeiro, com a obscuridade e a transparência, ao mesmo tempo em que ele mostra, também escon-de, é o velamento e o desvelamento suces-sivo da representação. As pistas fornecidas por Velásquez não são suficientes para des-vendarmos os mistérios que a obra encobre, por isso nos valemos do pensamento filosó-fico de Descartes, completando a ausência com a nossa imaginação, fazendo uso do bom senso e da razão.

A perspectiva, a razão áurea e a propocio-nalidade empregadas harmonicamente, demonstram o seu grande interesse pela matemática, onde percebemos que o maior ponto visual da tela, foi explorado simulta-neamente pelo artista com as tres técni-cas. Não satisfeito com a grandeza da obra, Velásquez, talvez para causar impacto ou mistério, ou mesmo para perpetuar sua ima-gem, representa-se a si mesmo dentro da própria tela.

Astúcia, audácia, genialidade ou mero aca-so? Não sabemos. Só sabemos que de todas as formas que analisarmos “As Meninas” sempre retornaremos ao ponto de partida, como num ciclo vicioso. O que ele pintava na tela interna? Como é possível retratar-se a si mesmo num ambiente do qual faz parte? Quanto tempo durou para realizar uma obra tão intrínseca e demorada para um gesto tão instantâneo e preciso? O camareiro na escada, teria aparecido repentinamente na-quele instante captado por Vellázquez? Que pintor é esse que em pleno século XVII cap-turava imagens tal qual uma máquina foto-gráfica?

Podemos analisar de todas as formas, ima-ginarmos muitas situações, mas os misté-rios sobre “As Meninas” continuarão, pois só o prórprio Velásquez poderia nos informar com precisão os enigmas que envolvem a mais complexa obra da História da Arte.

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Referências

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BECKETT, Wendy. História da Pintura. São Paulo: Ática, 1997.

DESCARTES, René. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

EDWARDS, Bety. Desenhando com o lado direito do Cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

FERRY, Luc. Aprender a Viver – Filosofia para Novos Tempos. Rio de Janeiro: Objetivo, 2007.

FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas, Cap. I “As Meninas”. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (CD).

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

LÍVIO, Mário. Razão Áurea: a história do Fi, um número surpreendente. Rio de Janeiro: Record, 2008.

Coleção Grandes Mestres da Pintura. Diego Velázquez. São Paulo: Editora Sol, 2007.

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História del Arte: Las Meninas, Velazquez Disponível em: <http://verdadyverdades.blogspot.com/2011/02/las-me-ninas-velazquez.html> Acesso em 13/11/2011 – 19:00

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Eu Performer Cosplay

Veramar Gomes MartinsGraduada em Artes Visuais - Artes Plásticas na Universidade Federal de Goiás. No curso iniciou suas pesquisas sobre a Linguagem dos Quadrinhos Japoneses, elaborando conexões com a linguagem das artes, a Performance. Atualmente cursando Li-cenciatura em Artes Visuais. Suas pesquisas envol-vem a questão da Narrativa Transmídia, juntamente com a Linguagem das HQ’s.

E-mail: [email protected]

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Eu Performer Cosplay

Linguagem Artística: Performance Duração da performance: 11 horas. Ano: 2010 Registro: Fotografia

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O corpo vivo, na performance, é elemento plástico; sua presença interfere no espa-ço, onde se estabelece trocas entre a ação do corpo e o olho do receptor. O corpo tor-na-se receptáculo e propagador do que se passa na mente e na alma do performer, o performer, por sua vez, recria identidades no meio em que estabelece um vínculo, sendo reinterpretado por aqueles que por ele passam. Deixando para trás impres-sões, o anjo de asas, a atriz de filme por-nô, o cosplay de anime, a boneca Barbie... EuPerformerCosplay.

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Pensamento e ComunicaçãoUm ensaio de visualidades e interdisciplinaridades

Mariana Magri Rodrigues1

Resumo

Este ensaio tem por objetivo uma prévia do percurso de pensamento e de reflexões a respeito das imensas possibilidades que temos de interpretação dos fatos e aconte-cimentos que nos perpassam diante do coti-diano. Com o foco na interpretação de ima-gens, e na capacidade de construir sentido e conhecimento através das maneiras de ver e das memórias arquivadas em nossa men-te. O pensamento é o eixo primordial desta reflexão e das perspectivas de comunicação que nos trarão á convivência com o mundo e os objetos visuais.

Palavras-chave

Reflexões, mente, visualidades, interdisciplinaridade, comunicação.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”. (ROHDEN, Humberto, 1976). Essa natureza de existência primária e unificadora de vida apresenta-se a nós como manifestação de possibilidades para “creações” - no caso, afirmado por Rohden, como manifestação da essência em forma de existência. A transformação de um es-tado aparente de matéria em outro, se dá pela energia que colocamos e mecanismos “tecnológicos” (considerando o próprio des-cobrimento do fogo como tecnologia) que manuseamos e acrescemos á esta matéria inicial. Uma vez que neste caso, sua essên-cia é a mesma, advém da energia potencial, (GOSWAMI, Amit, 2010), permitindo que haja transformações, modificações, não neces-sariamente perda dessa essência no espa-ço. Acontece quando Lavoisier afirma que nada se perde. Assim também acontece com nosso cotidiano e com a maneira como ma-nuseamos energias potenciais nas relações humanas e profissionais adquirindo trans-formações e produzindo conhecimentos.

Em cada átomo molecular de nosso orga-nismo, foi observado pela neurociência, (CESAR, Milton, 2011), que existe uma per-manência de espaço vazio. Este espaço é manifesto de energia potencial, a mesma que encontramos no espaço cósmico. Este espaço é de vivências dos elétrons. Permite que nossos elétrons estejam circundando de acordo com a manifestação que damos á eles. Essa forma de atuação advém de nos-sos pensamentos e sentimentos, da essên-cia de nossas ações, indicando “moradia” a um determinado elétron, fazendo com que, esta seja sua realidade. Pensando que esses átomos, se expandem em uma diversidade

cursando Artes Visuais Licenciatura na Universi-dade Federal de Goiás em Goiânia. Formada em Fotografia Básica e Profissionalizante na Canopus Escola de Fotografia em Goiânia.

E-mail: [email protected] Link: Olhares.com/marianamagri

Figura. 01

CONSTELANDO

(2012)

Mariana Magri,

Giz Pastel e

Fotografia

1

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imensa em nosso cérebro, teremos a produ-ção de visualidades de acordo com a loca-lidade que demos aos elétrons. Essa locali-dade representa atualmente nossa forma de ver o mundo, e essa visualidade a maneira como produzimos e reservamos na memória nossas crenças, e vivências em sociedade.

Quando vivenciamos uma ação, desde nos-sa infância, o cérebro está adquirindo co-nhecimento dessa ação, e sem que perce-bamos está reservando-a em um campo de pensamento como manifestação de conhe-cimento. Algum tempo depois, vamos viven-ciando novas experiências e essas antigas ações que se tornaram memórias passam a influenciar na maneira como observamos e agimos nas novas. É um complexo de teias e interligações, fazendo com que sejamos um ser complexo e que respectivamente age de acordo com cadeias de ações respectiva-mente.

Agravante, a memória, registrada na par-te cerebral denominada hipocampo, é um campo cerebral precioso, pois a partir de sua existência é possível que percebamos o motivo de atuais vivências. O conhecimento são as sinapses em constante criação em nosso cérebro e a memória é a capacidade de acessar/localizar estas sinapses. O hipo-campo por sua vez, (ver figura 2), se encon-tra no sistema límbico, uma estrutura cere-bral considerada responsável por nossas sensações que influem em nossas ações.

Esse registro de memória na essência de seu átomo está mantido, pois em nosso incons-ciente mantivemos um pensamento criativo a ela e fixamos nosso elétron manifesto em um determinado lugar. Quando percebemo-la e nos interessamos por sua manifesta-ção, podemos aceitá-la, porém dando uma nova manifestação a este elétron, ou seja, um novo pensamento a esta memória. Uma nova possibilidade que produz uma nova maneira de vermos as situações que viven-ciamos ao nosso redor. Neste caso, não fa-zemos com que esta memória se perca (na natureza nada se perde), e sim damos a ela uma transformação, que seria uma nova for-ma de interpretá-la. Essa nova forma pode ser a aceitação e o conhecimento da manei-ra como vivemos e reagimos ás situações que foram fixadas e anexadas nesse pen-

Figura. 02

SISTEMA

LÍMBICO

Estruturas

principais

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samento memorial. E consequentemente a percepção de que este pensamento pode estar influenciando e determinando muito do que pensamos, agimos e muito ainda do que temos como crenças e visões de mundo hoje.

“O homem não enxerga as coisas como elas são, mas sim, como ele é”, (ROHDEN, Hum-berto, 1976). Como é possível que olhemos para uma tela de uma obra de arte como a apresentada na figura 03, e identifiquemos que nela existe uma “Santa Ceia”, uma ceia com a presença de um homem identificado como Jesus, se não conhecemos um pouco da história manifesta do Cristianismo? Essa história esta atuante em nossa memória, pois desde crianças ouvimos e vivencia-mos situações que nos presenciam a con-textos como este. “Enxergamos”, esta obra de acordo, como somos, ou seja, de acordo com nosso repertório e bagagem de conhe-cimento de mundo.

É neste mesmo contexto de observações, que faz a pesquisadora dos estudos da Cultura Visual em arte e educação, Marilda Oliveira de Oliveira (2009) afirmar que ao olharmos uma obra de arte, devemos fazer a seguinte pergunta: “O que esta imagem diz de mim?”.

Quando nos propomos a esta forma de aná-lise das visualidades que se manifestam ao nosso redor, percebemos cada vez mais, que a maneira como construímos nosso pensa-mento diante dos fatores sociais que nos circundam, influencia diretamente na nos-sa comunicação com esses fatores. E ainda, determina a produtividade e transformação que daremos a uma maneira de ver.

As visualidades não são apenas manifesta-ções externas, de uma determinada cultura em determinado tempo social e histórico. Elas se interligam aos questionamentos in-ternos e individuais que constroem em nós narrativas de interpretação. Manifestam-se em um contexto paralelo, interdisciplinar entre a regionalidade física externa a nós, e a regionalidade interior de produção e re-serva de pensamentos, sentimentos e me-mórias.

Os artefatos visuais passam a valer pelo que representam em seu observador e não mais apenas por sua essência produtiva ou mate-rial. Este observador vivencia sua experiên-cia com estes artefatos de acordo com sua contextualização histórica, e com o posicio-namento das crenças vividas, que determi-naram reservas de conhecimento nas molé-culas cerebrais.

Padrões culturais estabelecidos histori-camente podem ser seguidos ou não, e há estudos que relacionam a predisposição para seguir a ética com determinada região cerebral, o que implica em uma relação mais complexa entre o indivíduo e a sociedade em que vive. (PORTELA, Michele e etc, 2012).

Essas crenças, não necessariamente são produto restrito do termo que já se torna pejorativo, mas aderem toda uma constela-ção de fatores que determinam nossa visão de mundo como constante em determina-das interpretações. Por exemplo, muitas vezes nos comunicando com uma pessoa, e esta, nos diz algo que parece incômodo ou desconhecido e errôneo. A isso, costuma-mos reagir de maneira determinada, pode ser agressiva, ou com medo, ou até mesmo indiferente. Esta reação, se constante em situações parecidas, não as percebermos, acontecem de acordo com a nossa maneira de ver, e a maneira como somos em mani-festações sociais. Está de acordo com al-gumas crenças que nos influenciam desde nossa formação infantil. Se nos propomos a observar esta situação, e tentar uma rea-ção diferente, nós mudamos nossa forma de agir, e mexemos um pouco em nossas cren-

Figura. 3

A ÚLTIMA CEIA

(1495-1497)

Leonardo da Vinci,

460 cm × 880 cm

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ças. Podemos então nos comunicar de ma-neira diferenciada e permitir até mesmo que novos conhecimentos se manifestem na tela de nossa memória.

Essa mudança na maneira de pensarmos algumas situações de vivências alcança vá-rias áreas do conhecimento, cada uma com seu tempo histórico determinado. Por muito tempo, as artes visuais, conhecidas como Belas Artes, se valerem de artefatos de pro-dução artística e estética que eram determi-nantes. Por muito tempo foi considerado um fazer superior e restrito a poucos que tives-sem dom da criação. Hoje, percebemos uma nova contextualização das experiências es-téticas e com o posicionamento indagativo focado no objeto como produtor de signifi-cado. Assim, encontramos um novo contex-to de vivência das artes. Tendendo a possibi-litar que novos e diversos materiais possam ser usados como artefatos artísticos e que seus significados não sejam mais restritos á valores estéticos e sociais, mas também a valores de produtos culturais, psíquicos e re-lativos à bagagem de cada indivíduo. Porém, essa mudança de paradigmas e de fatores de crenças, não acontece por acaso. Ele se manifesta em um novo contexto da história de nossa humanidade. Que hoje se apresen-ta pela globalização, pela diversidade de produção, pela crescente indústria de mer-cado visual, seja na publicidade; no design de produtos, de interiores, gráfico; na mídia, na tecnologia. A vivência com todos esses novos contextos criam em nossas mentes novos repertórios, logo, novas maneiras de vermos o mundo e de manifestarmos ações, modificando e recriando nossas existências.

“O encontro com teu centro, resolve os problemas das tuas periferias”. (ROHDEN, Humberto, 1976, p. 51).

Esse “centro” de Rohden, nós podemos ob-servar atualmente pela semelhança que da-mos á denominação: “consciência plena”. Podemos pensar nesta terminologia em estarmos em um estado de percepção das situações e permanências ao nosso redor. Com o pensamento em um tempo presente, atual, na manifestação de ações cotidianas.

Encontrar este centro é um exercício de ob-servação interior, de percepção de como

se dão nossas manifestações, e como con-seguimos em momentos comuns estarmos com um foco de pensamento cerebral con-centrado no córtex frontal de nosso cére-bro. Esta região é onde se manifesta nossa concentração, nossa percepção mais clara. Mantendo esse exercício de presença, e de enfrentamento de um ambiente interior que é manifesto de sentimentos, pensamentos e crenças individuais. Unificamos conheci-mentos e integramos relações externas á nós. Isso pode facilitar nossa comunicação, não somente restrita ao que nos agrada ou circula, mas também á uma abertura á di-versidade, ao novo, ao que nos é também alheio. E acaba como uma teia de relações interferindo na nossa nova visualidade, na maneira como poderemos ver de diferen-tes formas e com menos julgamento, po-rém com mais reflexão as manifestações de mundo.

Diante dessas poucas advertências que trouxemos até agora, de uma grande di-versidade e aprofundamento da neuroci-ência, o objetivo é que pensemos melhor na interatividade e na interdisciplinaridade que existe nas relações e manifestações hu-manas. Neste caso, a filosofia, como cam-po de pesquisa, de busca mais integral do conhecimento, se interage com a medicina que nos ensina a conhecer um pouco mais do funcionamento de nosso organismo e de suas atuações. Integram-se a psicologia e a física quântica com artefatos de reflexão do pensamento e de nossas reações. As visuali-dades como campo das artes que produzem manifestações de conhecimento, produtos de memórias e integrações culturais. Abar-ca muitas outras áreas não citadas quando visualizadas de uma maneira mais integral como influência e construção de conheci-mento se complementam nos possibilitan-do uma visão de ser mais integral. O que se reverbera em uma forma de comunicação que se coloca também como integral.

Essa trilha de abordagens que se manifes-tam como interdisciplinares, uma vez que o objeto de estudos é o próprio do ser huma-no em suas convivências cotidianas, dá ain-da uma vertente mais valiosa para os nos-sos pensamentos. Eles são de certa forma o presente, passado e futuro do que somos hoje. Através da observação desses campos,

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percebemos nossas atuações e intenções, a aplicabilidade que damos aos contextos. Quando falamos ou agimos, mesmo que não percebamos, antes, nossos pensamentos já tinham se manifestado de alguma forma em relação ao contexto determinante. As pos-sibilidades que temos quando nos comuni-camos envolvem esses pensamentos que já atuam em nossas mentes.

Visualidades, Pensamento

e Comunicação

A representação visual foi produzida através de uma técnica virtual e mista, onde primei-ramente fez- se o castelo e os habitantes das nuvens com giz pastel foram então fotogra-fados. Depois recortados virtualmente em um determinado softwer de imagens e inte-grados a uma fotografia de fundo também já trabalhada.

Essa técnica artística historicamente advém de uma contextualização da diversidade e da globalização da arte. Cada vez mais inte-gra elementos, mistura técnicas e permite novos materiais de trabalho. Mas além das medidas tecnológicas, da presença da foto-grafia, da colagem e montagem, têm outros elementos mais importantes na visualização da imagem que sua estética e técnica artísti-ca. São os elementos de composição do con-texto da imagem. São estes, os objetos capa-zes de produzirem significados para quem a criou, e ainda produzem para cada indivíduo que se comunica com ela, outros diversos valores e interpretações. Quando essa ima-gem foi elaborada teve a intenção de repre-sentar um contexto de níveis de consciência, onde os elementos que circulam nas nuvens representariam uma energia manifesta pela frequência azul. Ao observarmos esses ele-mentos e seus posicionamentos do alto, no céu observando a casa, podemos ter a sen-sação de que eles não fazem parte da rea-lidade desta casa. Há uma leve aparência de movimento nas nuvens e vegetação em contraposição da estabilidade da casa, que não se mostra tão firme, pois, apresenta também cores na vibração azul e formas um pouco arredondadas.

Esta foi uma análise visual rápida de quem a produziu. Porém, para que fosse feita, todo esse contexto das cores, dos níveis e de percepção aqui falados, deveriam assim estar gravados na mente deste visualizador. Seus pensamentos quando visualizaram a imagem, buscaram repertórios de vida e do cotidiano, buscaram bagagens de memó-ria e construíram um raciocínio lógico das composições e formas artísticas junto aos elementos que produzem significado para si. Enquanto se produzia no pensamento esse contexto de interpretação, também o cérebro recebia informações emocionais que poderiam de acordo com as crenças ar-quivadas deste observador, gerar também diversas sensações. Isso torna a comunica-ção com uma visualidade muito relativa à determinada construção cultural que temos e a valores que damos ao que escolhemos como verdades em nossa vida.

Este mesmo observador, como uma manei-ra educativa e reflexiva de produzir conheci-mento além, poderia ainda, após sua análise da obra, pensar o porquê, ou de onde vem este repertório de interpretações que deu origem a imagem. Seria o exercício citado anteriormente: “O que essas imagens dizem de mim”? (OLIVEIRA, Marilda, 2009). Este in-divíduo passa a tecer relações de narrativas verbais a partir de representações visuais fazendo uma conjuntura de teias que lhes formulam caminhos possíveis. Percebe-se através desta busca de conhecimento de si, pela observação do que está fora, que exis-tem possibilidades e novas maneiras de ver-mos uma mesma coisa. Para isso, é preciso antes, que conheçamos a maneira de per-ceber em nossas visualidades atuais. Tor-na-se um exercício interior de pensamento quando travamos este diálogo interior com a maneira com a qual dialogamos com o externo. Aqueles mesmos elétrons que cir-cundavam dentro do átomo e habitavam um determinado lugar de acordo com nos-sas determinadas escolhas mentais, citado anteriormente, pode ter novas habitações dentro de seus mesmos átomos, de acordo com esses novos pensamentos reflexivos que damos a ele. E é possível que passemos, à medida que nos habituamos ao exercício de reflexão, nos comunicarmos com mais possibilidades de ações, pois teremos um maior repertório de vivências mentais. Po-

Figura. 04

SOLARES

(2012)

Mariana Magri,

Giz Pastel e

Fotografia

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demos trabalhar com nossas subjetividades ampliando a maneira como tratamos com nossas objetividades. Uma forma de lingua-gem dinâmica e rica que podemos encontrar de nos comunicarmos, com esse paralelo interno e externo de construção de conhe-cimento, pode vir a ser a produção narrativa de um contexto que nos é familiar. Quando produzimos algum artefato cultural, seja ele, visual, escrita, de expressão apenas da fala, entre outros, estamos auto-alimentan-do nosso conhecimento, e redescobrindo maneiras de expressá-lo.

Podemos dizer que narrar é contar algo sobre o mundo, sobre a existência, sobre o outro ou sobre si mesmo. É uma maneira de descrever cenários, reinventar a vida, recriar histórias, mas, sobretudo, de recontar even-tos, realidades, conflitos, problemas, dúvi-das e sentimentos que revelam diferentes versões e perspectivas dos seres humanos. (MARTINS, 2009)

Pela narrativa, esse modo de ser que nossa subjetividade representa, atua de maneira a materializar repertórios e eventos que pode por vez, reorganizar experiências e vivências em sua própria maneira de pensar sobre elas. E pode nos auxiliar a compreendermos melhor nossas experiências.

Mente, corpo, pensamentos e sentimentos podem ser abordados pela maneira que contamos e lhe damos com nossas próprias histórias pessoais. Quando se integram, re-presentam com maior propriedade o que pode vir a representar a nossa individualida-de manifesta no coletivo cotidiano.

Referências

GOSWAMI, Amit.“O Ativista Quântico”, 1ª edição. Tradução: Marcello Borges, São Paulo. Editora Aleph 2010.

MARTINS, Raimundo. Narrativas Visuais: Imagens, Visualidades e Experiência Educativa, apud - VIS – Revista de Pro-grama de Pós-graduação em Arte. Brasília, editora Brasil, v. 8, n.1 janeiro/junho de 2009.

OLIVEIRA, Marilda de Oliveira. Estudos da Cultura Visual no campo da formação em artes visuais, apud - VIS – Revista de Programa de Pós-graduação em Arte. Brasília, editora Brasil, v. 8, n.1 janeiro/junho de 2009.

PORTELA, Michelle e etc. Neurociências: na trilha de uma abordagem interdisciplinar, 2012 – Revista online CONCI-ÊNCIA – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico.

ROHDEN, Humberto. De alma para alma. Martin Claret Editores Ltda. São Paulo, 1976.

VIS – Revista de Programa de Pós-graduação em Arte. Brasília, editora Brasil, v. 8, n.1 janeiro/junho de 2009.

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013ISSN 2317-580X 68ESPAÇO

Por Anna Behatriz / corealização de Aishá KandaAno: 2013Duração: 2 min 06seg (para ser visto em loop)

A série quarto de um sonho trata de ques-tões que envolvem ações e estados do jogo entre a vontade de se esvair e a condição /condicionamento da presença, de estar presente. É o primeiro trabalho que com-põe esta Série que está em processo. É uma proposta que está sendo desenvolvida pela artista plástica e bailarina Anna Behatriz Azevêdo, tendo como eixos de construção o projeto ‘Diário de um suicida’ (Série de desenhos em processo) e o solo também em construção ‘Quarto de um sonho’, nes-te sentido, esta proposta dá abertura para o desenvolvimento em diversas linguagens e construção de parcerias, assim a artista plástica Aishá Kanda entra para criar e ar-ticular idéias nesta série trazendo também suas experiências em performance.

quarto de um sonho –instante de um suicida I

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APUBLI[CADA] ∙ vol 1 ∙ nº2 ∙ ano 2013 ISSN 2317-580X69 ESPAÇO

Aishá kandaArtista plástica licenciada em Artes Visuais, mem-bro integrante do Grupo EmpreZa desde 2008. Atua com investigações em fotografia, vídeo e per-formance arte, buscando limites/alegorias do corpo como experiência artística e poética. Participou de exposições e festivais nacionais, sendo selecionada/premiada em salões, concursos e festivais de artes visuais e audiovisuais em várias regiões do Brasil, como: Rumos Artes Visuais Itaú Cultural 2008-2009 (SP, 2009), Segunda Manifestação Internacio-nal de Performance – MIP2 (BH, 2009), 9ª Goiânia Mostra Curtas [Mostra Goiás] - Melhor Direção. (GO, 2009), Caos e Efeito: Contra-pensamento Sel-vagem (SP, 2011), Salão Arte Pará – Grande Prêmio (PA, 2012), entre outros.

Anna Behatriz Azevêdo É graduada em Artes Visuais pela Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG), iniciou sua produção artística em 2005, em performance, videoarte, desenho e dan-ça. Hoje é professora substituta nesta mesma instituição e professora formadora na FAV/EAD.

Integrou de 2005 a 2010 do Nômades Grupo de Dan-ça, tendo participado como bailarina. Participou do videodança “RUA 57, N 60, CENTRO” como bailarina, realizado pelo Grupo Porquá? e Vida Seca em 2011.

Apresentou performances entre os anos de 2006 a 2013. Expôs videoartes, videoinstalações, videoper-formances entre os anos 2005 a 2013 e exposições nos espaços: Galeria da FAV, Galeria Frei Confaloni, Atelier Labiríntimos, Galeria Potrich, Cine Ouro.

Realizou 3 exposições individuais cujo título é In-termitência (uma das vezes a exposição foi patroci-nada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia) cujos trabalhos são videoartes e videoins-talações, nos seguintes espaços: Galeria Potrich (2010), Galeria do Sesc de Palmas/To (2012) e Galeria de Arte Sesc MA (2013). Participou do 1° Salão de Arte do Centro Oeste com o trabalho “Ser preciso no assento”, sendo este premiado.

Desenvolve o trabalho em dança “Ao caírem as abas” com o Grupo Mogno como intérprete criado-ra. Ministrou a oficina “Ao caírem as abas” no evento Desenha!, realizado na Faculdade de Artes Visuais da UFG em 2012; as oficinas ‘Preparação para es-paço canto’ no II Convergência, realizado no SESC de Palmas em 2013; e ’Encantoamento: preparação para quinas e cantos’ no projeto Conversas Labirín-ticas, Atelier Labiríntimos.

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