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313JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O almirantado e a jurisdição sobre os homens do mar em Portugal na Idade Média
Mário Viana1
Unversidad de las Azores
INtRoDuÇÃo
Podemosdefinirjurisdiçãocomoumpoder,própriooudelegado,dearbitrar
conflitoseimpôrpenalizações.Noentanto,semelhantedefiniçãoomiteotraço
essencialdequenaIdadeMédiaessepodernãoéregrageralúnicoecoexiste
comoutrospoderesqueolevamaredefinir-seacadamomentodeumacom-
plexarelaçãodeforças.
Ajurisdiçãosobreoshomensdomar,comoqualqueroutra,exercia-sesegundo
ostiposdeinfracçãooucrimeeoestatutodaspessoas,e,também,segundo
osespaçoseostempos.Consequentemente,podemosfalardefeitoscíveisou
crimes,de jurisdiçãosobreosestrangeirosede jurisdiçãosobreosnaturais,
decrimescometidosemterraedecrimescometidosnomar,dejurisdiçãoem
tempodepazedejurisdiçãoemtempodeguerra.Nestecasoexistiamascon-
1. UniversidadedosAçores/CentrodeHistóriadeAlém-Mar(CHAM).e-mail:[email protected]
314 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
diçõesexcepcionaisquetornavamindispensávelumajurisdiçãounificadasobre
umafrotaeascentenasoumilharesdehomensqueacompunham2.
NaEuropaMediterrânicaenaEuropaAtlântica,enocontextodeumacrescente
rivalidademarítimaentrereinos,foisobretudoestanecessidadedeumajuris-
diçãounificadaemtempodeguerraqueimpulsionouacriaçãodasjurisdições
especiaisdenominadasalmirantados.ÉocasodoalmirantadodeFrança,criado
em1246,doalmirantadodeCastela,criadoem1254,doalmirantadodeAragão,
criadoem1297,doalmirantadodeRodes,criadoem1299,entreoutros3.
1. A CRIAÇÃo Do ALMIRANtADo PoRtuguês
Nodocumentomatrizdaorganizaçãomunicipalde Lisboa,o foralde1179,
destinadoadefinirasrelaçõesentreoconcelhoeopoderreal,éditoin finedo
diplomaque,decadanavio,orespectivoalcaide,doisespadeleiros,doisproei-
roseumpetintal,têmforodecavaleiro4.Destamaneira,oquadrodeoficiais
dosnaviosdoreiestavasobajurisdiçãodoalcaidedacidade,damesmaforma
queoscavaleirosvilãos.Em1204,poroutrolado,numacartarégiaqueoutor-
gaváriosprivilégiosaoconcelhodeLisboa,encontramosinstituídooalcaide
dosnavios(pretor navigiorum),compoderparafazerrequisiçõesdegéneros
alimentaresjuntodoshomensdoconcelho,apardoalcaidedacidadeedos
alvazis5.Umterceirodiploma,de1227,mostra-nosoreiD.SanchoIIaordenar
queosalcaidesdeterraedemar(pretoribus de terra et de mari)deLisboanão
impeçamosalvazisdeexercerasuajustiçaeaconfirmaraoconcelhoasua
2. Siglaseabreviaturasutilizadas:
ANTT:InstitutodosArquivosNacionais/TorredoTombo
LN:LeituraNova
liv.:livro
sup.:suplemento
tít.:título
vol.,vols.:volume(s)
3. DataçõesrecolhidasemMENAGER(L.-R.1960.Nesteestudovouconsiderarostermosalmiranteealmiran-
tado,designativosdooficialedorespectivoofício,comosincrónicos,ouseja,aocorrênciadeumimplicando
logicamenteaexistênciadooutro.
4. CAETANo,M.1990,nº1.Sobreanaturezadasfunçõesdosespadeleirosepetintais,veja-seMENESES,J.,
1989:70-71,81-92.
5. CAETANo,M.1990,nº2.
315JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
jurisdiçãosobreoshomensdomar,tantomarinheiros(marinari)comopesca-
dores,mandando-osresponderperanteosditosalvazis6.
Destepequenoconjuntodocumental,relativoaoprincipalnúcleourbanopor-
tuárioportuguês,concluoquenoperíodoentreoúltimoquarteldoséculoXII
eoprimeiroquarteldoséculoXIIIajurisdiçãosobreoshomensdomarseen-
contravarepartidaentreosalvaziseoalcaidedomar,caindosobaalçadados
primeirososmarinheirosemgeralepescadores,esobaalçadadosegundoos
homensdosnaviosdorei,exceptuandoaquelesquetinhamforodecavaleiros.
Dentrodoreferidoperíodoencontram-seváriasreferênciasàfiguradopretor
navigiorum7.Umadelassustentaainterpretaçãodestafiguranãocomocorres-
pondendoàautoridadelocalmarítima,oalcaidedomar,massimaocomando
superiornaval, istoé, representandoumofício idênticoaodoalmiranteem
termosfuncionais.
Nãoqueristodizerqueumofíciotenhasimplesmentesucedidoaooutro,por-
queexistedemasiadoespaçocronológicoentre aúltimamençãoaoalcaide
dosnavios,de1210,eaprimeiramençãoregistadadotermo“almirante”em
documentosportugueses,quedatade10deJaneirode12988.
Nodiplomaquecontémestaúltimamenção,oreiD.Dinisconfirmaosforose
costumesdosoficiaisdassuasgalés(alcaides,arraizesepetintais),abrangendo
aisençãodeprestaçãodeserviçosmilitaresemterra(hoste,anúduva,fossadei-
ra)eodireitoderesponderememjuízoperanteoalmiranteouoseualcaidedo
mar,aomesmotempoqueelevaoestatutodoalcaidedegaléaoequivalente
denobre(“infanção”).Queraconfirmação,queraelevaçãodeestatuto,podem
tersidomotivadasporumaalteraçãoorgânicadaestruturadecomandonaval,
acriaçãodopostodealmirante,hipóteseque,ameuver,éreforçadaporse
instituir através domesmodocumentoo registo obrigatório dos oficiais dos
navioseseusfilhosnumlivroempoderdoescrivãodoreieperanteoalmiran-
6. CAETANo,M.1990,nº5.
7. 1204:pretor navigiorumCAETANo(M.1990,nº2);s.d.(maspertencenteaoreinadodeSanchoIouaorei-
nadodeSanchoII):Et nullus de uilla habeat potestatem super meos marinarios nisi ego et suus pretor.MARQUES,
J.1945-1971,vol.1,nº8;1210:FernandoMartins,pretor navigiiCUNHA,R.1954,nº4.
8. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº30.
316 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
te.Portanto,acriaçãodoalmirantadoportuguêsdeveterocorridonumadata
obviamenteanterioraJaneirode1298.
Talvezmesmonãomuitoanterior,poisofamosodocumentode22deJaneiro
de1297,quenoticiaaocorrênciadeumaviolentacontenda(“tençãoepelejae
volta”)entreasgentesdeLisboaeoshomensdomardeumafrotacantábrica,
eestabeleceascondiçõesparaacomposiçãoentreaspartes,nãomencionao
ofíciodealmirante.Queacontendafoidegrandegravidadeconstata-sepelo
saldodasvítimas:trêsmortosdoladodoconcelhoesetemortosdoladoes-
trangeiro9.
Adataqueproponhoparaacriaçãodoalmirantadoportuguês,1297,temainda
aseufavoroargumentodeestaremsincroniacomacriaçãodeoutrosalmiran-
tadosdecunhomediterrânicocomoodeAragão(1297)eodeRodes(1299),
acimamencionados.
Éestecunhomediterrânicodoalmirantadoqueinspiraacontrataçãodogeno-
vêsManuelPessanhapeloreiD.Dinis,em1317,paraopostodealmirante-mor,
eque será lembradopelopapaBentoXIInabulaGaudemus et exultamus,
de1341.Nestedocumento,opapa,dirigindo-seao reiportuguêsD.Afonso
IV,narraqueseupai,querendofazerguerrapormaraosmouros,contratara
umexperimentadoestrangeiroparaalmirante,construíraumafrotaetornara
osportuguesesmuitocompetentesnascoisasdomaredaguerranaval10.Em
suma,noprocessodecriaçãoeconsolidaçãodoalmirantadoportuguêsjogava-
seexactamenteaguerranavalcomosreinosmuçulmanosdeGranadaede
Marrocos11.
2. o PERfIL juRIsDICIoNAL Do ALMIRANtADo
Aanálisedoperfiljurisdicionaldoalmirantadointegraaestruturadecomando,
ascategorias sociais intervenienteseasquestões jurisdicionaispropriamente
ditas.
9. PublicadoemLIM1949,nº2,eMARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº15.osindivíduosenvolvidoseram
mestres,mercadores,marinheiroseoutrasgentespertencentesaumasériedenavios(“naves”,“baixéis”,“aloques”
e“cocas”)fundeadosnoportodeLisboa,procedentesdeFuenteRabia,SanSebastián,Bermeo,Guetaria(Quita-
ria),CastroUrdiales(Castro),Laredo,Santander,Avilés(Abelhes)eLaCoruña.
10. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,ns.64,65.
11. Cf.GoDINHoV.1962:33-34.
317JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
Notopodaestruturadecomandonavalestáoalcaidedosnavios(opretor na-
vigiorumde1204e1210,ou,em1280,illi qui in meo loco fuerint et qui meas
frotas habere debuerint), e, apartir de 1297o seuequivalente, o almirante.
Abaixo,naestruturadecomandonaval,edocumentadodesde1227,temoso
alcaidedomar,ouautoridadeportuárialocal.NoreinadodeAfonsoIIIdassu-
assentençasnãohaviaapelação,sinaldequedependiadirectamentedorei12.
Noiníciodoreinadoseguinte,asuaexistênciaestádocumentada(1282)nos
núcleosurbanosportuáriosdoAlgarve,Lisboa,CascaiseSesimbra.
Aseguir,entrandonoquadrodeoficiaisdecadanavio,encontramosoalcaide,
osespadeleiros,osproeiroseopetintal(segundoaterminologiadoforalde
1179),mais frequentemente sóosalcaides,arraizesepetintais13.Nabaseos
marinarioumarinheiroseosremeirosouremadores14.
oquadrodeoficiaisdecadanavioougaléeracompostoporumaéliteentre
oshomensdomaraoserviçodorei,àqualoforalde1179concediaoforode
cavaleiro.Asuperioridademanifestava-se,nestaelite,àsemelhançadaeliteda
classevilã,acavalariavilã,porpossuiremosseusmembrosarmasecavalo15e
pordeterminadosbenefíciosqueostornavamprivilegiadosmasnãonobres.De
entreessesbenefícios,salienta-se,dopontodevistajurídico,aprerrogativade
responderememjuízoperanteoalcaidedomar,istoé,deteremjuizpróprio
eregraspróprias.Edopontodevistafiscal,entreváriosencargosetributos
régiosemunicipais16,salienta-seaisençãodopagamentodejugadadassuas
herdadesevinhas.
12. HERCULANo,A.1856-1868,vol.1:286(“Nãopodenenhumapelar[…]dojuízoquederoalcaidedomar
sobredemandaquefaçaperanteeleaosmarinheirosouàsoutraspessoasquedevemdemandarperanteele”).
Cf.tambémCAETANo,M.1990:25enota39notarqueparaesteautoraoalcaidedosnaviossucedeuoalcaide
domar,sendocargosidênticos).
13. Como,porexemplo,em1298(cf.nota5).ospronariiespadelariide1179podemter-sefundidonosar-
raizes,dequalquermodounseoutrosresponsáveispelasmanobrasdasgalés.
14. Cf.umaocorrênciademarinariem1227CAETANo,M.1990,nº5(nota1).
15. Deformaparalelaaoscavaleirosvilãosapossedecavaloconstituíaumpesadoencargofinanceirodoqual
alcaides,arraizesepetintaisseconseguiamporvezeslibertar,comoacontece,porexemplo,comosdavilade
Setúbal,em1358SÁ,A.1899-1900,nº727.
16. Porexemplo,najáreferidacartadeconfimaçãodeprivilégiosaosalcaides,arraizesepetintaisdasgalés,
de1298,estessãoquitesdehoste,anúduva, fossadariaeoutras“peitas”aoreipertencentes;noque tocaao
concelho,depreende-se,domesmodocumento,queestariamisentosdeserviçoseencargosemgeral,masnão
daquelesquefossememprolcomum,taiscomocontribuiçõesparaaconstruçãodecalçadas,pontesemuros
MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº30.
318 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
Deentreoshomensdomaraoserviçodoreicomoforodecavaleiroosalcai-
desdasgalésvieramaterumaelevaçãodoseuestatutoporviadaconcessão
doforodeinfanções,oqueseverificaemLisboaeTaviraem128217.Apassa-
gemdafronteiracomoislãodeterrestreamarítimaameiodoséculoXIII,jus-
tificavaacontinuaçãodapolíticarégiaportuguesadeconcessãodeprivilégios
jurídicosefiscaisàselitesvilãsdosnúcleosurbanosportuários,cujoexpoente
máximoencontramosnosalcaidesdasgalés,porestaviaequiparadosaoses-
calõesinferioresdanobreza.
Alémdosoficiaisdasgalés,odocumentode1282aque jáme referivárias
vezes,equeconsistenumacartaemqueoreiD.Dinisregulaasrelaçõesdas
autoridades(alcaideealvazis)deTaviracomoalcaidedomareosmarinhei-
rosdamesmaformaquese faziaemLisboa18, revelaumsegundogrupode
privilegiadoscomo forodecavaleiro,denominados“marinheirosdoconto”,
emnúmerode96.Nãosendopertencentesaoquadrodeoficiaisdasgalés,
nemremeirosougaliotes,oforomilitardequegozamindicaquesetratade
umcorpoespecializadodehomensdearmas,provavelmentebesteiros,cujos
primeirostraçosorganizativosdatamemPortugaldestaépoca19.Aocontrário
doqueacontecianosalcaides,arraizesepetintais,oforodecavaleironãoera
extensívelnosmarinheirosdocontoàssuasviúvaseaosseusfilhos.
Emsuma,entreoshomensdomarligadosàsarmadasefrotasdorei,observo,
noúltimoquarteldoséculoXIII,quatrosituações jurisdicionaisdiferentes,a
saber:
-respondendoperanteoalcaidedomar:
1.osalcaidesdasgalés,comforodeinfanção;
2.osarraizesepetintais,comforodecavaleiro20;
17. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº21(“Eosalcaidesdasditasgaléshajamhonradeinfanção”).
18. “CartaporqueoreimandouaoconcelhodeTaviracomosemantivessemcomoalcaidedomarecomos
marinheirossegundocomousamosdeLisboa”MARQUESJ.1945-1971,vol.1,nº21).
19. MoNTEIRo,J.1998:58-59.
20. Conhece-seumexemploconcretode1340,segundooqualDomingosEanes,juizdaPederneira,declaranão
quererconhecerofeitoqueenvolveHomemdeDeuseFernãoPeres,moradoresnoditolugar,porrazãodeum
salvadodequeseapoderaram,pertencenteaumbaixelafundadonoportodaPederneira,porqueeramarraizes
etinhamprivilégiodeseremouvidospeloalcaidedomar.Entregou-osentãoaJoãoPequeno,alcaidedomar
319JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
3.osmarinheirosdoconto,comforodecavaleiro,nãotransmissível21;
-erespondendoperanteasautoridadesurbanas(alcaideealvazis):
4.osmarinheirosepescadores,exceptoquandoembarcadosouemserviço
nadefesadacosta(“costeiradomar”)22,ounocasodefaltososedeserto-
res,situaçõesemqueestavamsubmetidosàjurisdiçãodocomandonaval
implicado.
Estadiversidadedesituaçõesconstituiuumterrenofavorávelaosurgimentode
conflitosjurisdicionaisenvolvendoasautoridadesmilitaresnavaiseasautori-
dadesurbanas,nãoresultandofáciladelimitaçãodecompetênciasesurgindo
frequentesdúvidassobreasmesmas.
NoconjuntodocumentalrelativoàcontrataçãodeManuelPessanhaparaalmi-
rante-mordePortugal,produzidoem131723,nãohárespostassatisfatóriaspara
todasestasdúvidas.Aspreocupaçõescentraisdessesdiplomassãoosaspectos
remunerativosdoofícioearegulamentaçãodasuatransmissãoaosdescenden-
tesporlinhadireitadoalmirante.
Deformagenérica,éditoqueoalmirantegenovêsusarádetodosospoderes
queosseusantecessores“dedireitoedecostume”sempreusaram,incluindo
anomeaçãodosalcaidesparaasgalésounavioseajurisdiçãosobretodosos
homensquecomeleforememarmadaoufrota,emmareemterra,comose
opróprioreipresenteestivesse24.oaspectomaisespecíficoresidenadelimita-
naditavila,oqualmandouaAfonsoMartinseJoãodasTendas,mercadoresdoPorto,senhoresdohaver,que
demandassemperanteeleoseudireitoMARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº62.
21. osmordomosdeLisboa,nocasodequereremcitarummarinheirodocontoperanteoalcaideealvazis,
teriamdeopedirprimeiroaoalcaidedomar,esóseestenãoodesseéqueopoderiamfazerdirectamente
MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº21.
22. NoreinadodeD.AfonsoIII,MartimEanes,“alcaidedomaredaterra”,metiaalcaidesemCascaiseSesimbra
osquaisprendiamospescadoresquandoestavamna“costeira”,senecessárioMARQUES,J.1945-1971,vol.1,
nº21.
23. Veja-seMARQUES, J.1945-1971,vol.1,ns.37-41.Creioqueousodo termoalmirante-mornão indicaa
existênciadeváriosalmirantesemexercíciodefunçõesmasqueacautelaahierarquianocasodeemfunçãode
consideraçõesoperacionaisouestratégicasseviranomearmaisalgumcomandonavaldestenível.
24. Aexpressãoé“todosospoderiosqueosoutrosmeusalmirantesdedireitoedecostumehouveramsempre”
MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº40oquemaisumavezsugereacriaçãodoalmirantadonoreinadodeD.Dinis.
onomedoalmiranteantecessordeManuelPessanha,NunoFernandesCogominho,encontra-seemMARQUES,
J.1945-1971,vol.1,nº36(1314).
320 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
çãotemporaldessajurisdição,aqualcomeçanodiaquearmargalésounavios
eacabanodiaemqueosdesarmar25.Aexpressão“dedireitoedecostume”
encobre,nestecasoenoutros,afaltadeumacodificaçãoquenuncaviráaser
colmatadanosséculosXIVeXV,umavezqueotítulo“doalmiranteedoque
pertenceaseuofício”,incluídonasOrdenações afonsinas26,poucomaisfazdo
quereproduzirocontratodeManuelPessanha,vindoaliásasereliminadodo
sucessorcódigomanuelino.
Nãotardaramasurgiroscasosconcretosdeconflito,edascorrespondentes
intervençõesrégias,comoode1321,entreoalmiranteManuelPessanhaeFer-
nãoRodrigues,alcaidedeLisboa27.Ainiciativadaqueixapartiudoalmirante,
dizendoqueoalcaide lhe tomavaa“jurisdiçãodoalmirantado”.omonarca
decideafavordeManuelPessanha,confirmandoosprivilégiosdadospelosreis
seusantecessoresaosalcaidesdasgalés,arraizesepetintais,emaisdefinindo
queoalmirante,ouoseualcaidedomar,temtodaajurisdiçãocívelsobreos
ditoshomensdomar,salvoemmatériacrimeaqualcabeaoalcaidedacidade
eaosalvazis.Emcasodefeitocrimeenvolvendoosseushomens,oalmirante
deveriacolocá-losempoderdoalcaideealvazis.
Esclarece,também,queoalcaideeosseushomenssópoderãotomararmas
aoshomensdomarapartirdodiaseguinteaodachegadadafrota,eenquanto
estasearmarnãoopoderãofazer.E,porfim,noutrosinaldeapoioaoalmi-
rante,mantémajurisdiçãoprivativadestesobreoseu“bairro”,ouseja,aárea
residencialdeLisboaondevivemosseushomens,entreosquaissedestacavam
vintegenoveses“sabedoresdemar”comfunçõesdealcaidesdegalésearrai-
zes.ConhecidoporBairrodoAlmiranteouPedreira,esteespaçoserá,durante
asegundametadedoséculoXIVumdosfulcrosdeconflitoentreoalmirantado
eoconcelhodeLisboa.
25. Noutroalmirantadoducentistadeinfluênciagenovesa,odaSicília,oalmiranteexerceajustiçasecundum
statum et consuetudinem armateeasuajurisdiçãoinicia-se15diasantesdearmaretermina15diasdepoisde
desarmarMENAGERL.-R.1960:116-117.
26. Ordenações afonsinas, liv.1,tít.54.Aprópriacodificaçãoafonsinareconhecequeváriosregimentosque
publicaestãoemversãoprovisória,nãofazendomaisleiquealegislaçãoavulsaexistente,enãooshavendo
“detodoporaprovados”ibidem,liv.1,tít.70,in fine.Nestasituaçãoo“regimento”doalmirantealinhacomos
regimentosdocondestável,marechal,capitãodafrota,alferes,entreoutros.
27. PublicadoemSÁA.1899-1900,nº720,eMARQUESJ.1945-1971,vol.1,nº47.EmCAETANo,M.1990:34,
estedocumentoestáerradamentedatadode1325.FernãoRodriguesBugalhoestádocumentadocomoalcaide-
mordeLisboaentre1316e1324cf.MARTINSM.2006:105).
321JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
3. o PERfIL oPERACIoNAL Do ALMIRANtADo
oapoioaoalmirantadonãoseverifica,nestesanosfinaisdoreinadodeD.Di-
nis,apenasemtermospolíticos.Verifica-seigualmentenadisponibilizaçãodos
meiosnecessáriosaocumprimentodasuamissão,queera,afinaldecontas,o
quejustificavaajurisdiçãoconcedida.
Desdelogo,entreessesmeios,destaca-seaforçanavalqueapossedasim-
portantesáreasportuáriasdeLisboa,deSetúbaledolitoralalgarvio tornava
indispensável. LuísMiguelDuarte evidenciou,por exemplo,o seupapelno
bloqueionavalaFaro,em124928,quenãodevetersidomenoremsucessivas
operaçõesdedefesadacostaedecontrolodanavegaçãonazonadoEstreito.
AolongodoséculoXIIIsãováriososindíciosdaimportânciadaactividadede
construçãoereparaçãonavalemLisboa29.Em1299,porexemplo,entreosbens
dacoroanestacidade,contavam-setrezetaracenascomassuasdozegalés30.
Porém,nocasoportuguês,aconstruçãoereparaçãonavaleaadministração
dosarsenaisnavaiscompetiaaosalmoxarifesdastaracenaseaosalmoxarifes
dosarmazéns,respectivamente,enãoaoalmirante.Equasenadaseconhece
dassuasrelaçõescomaquelesoficiaisrégios31.
Alémdomais,acapacidadeoperacionaldoalmirantadoassentavaemgrande
partenosrecursosmateriaisdequepodiadirectamentedispôr.opróprioD.
Dinisreconheceasgrandesdespesasdoofícioaoduplicar-lheem1322atença
anualde3000libras,recebidasporrendasnaviladeodemiraenoreguengo
deAlgés,apardeLisboa,comoutras3000librasanuais,recebidasempanos
edinheiros32.Umaparteconsideráveldatençainicialde3000librasdeviaser
gastacomosvintegenovesesaoserviçodoalmirante,despesaquelhecom-
28. DUARTE,L.2003:329.
29. ospalacium nauigiorum regis,nafreguesiadeSantaMadalena,sãocitadosdesde1237MARQUES,J.1945-
1971,vol.1,nº6.)Umainquiriçãoordenadaporvoltade1284-1285sobreosdireitospagospelos judeusda
cidadequandooreiD.SanchoIIfaziafrotaou“metianaviosnomarparafazercarreira”,mostraqueessesdireitos
eramumaâncoraeumaamarra,oucalabre,pornavio,equeomesmomonarcaordenaraaumtalMestreJoãoa
construçãodeumas“dobadoirasparasacarnavioseparametê-los”SÁA.1899-1900:533-536).
30. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº165;SILVA,A.1987,vol.1:33-34.
31. Aexcepçãoocorreem1454,porocasiãodeumconflitoentreoalmiranteRuideMeloeTristãoIngres,al-
moxarifedastaracenasdorei,porqueestetomavacarpinteiros,calafateseoutrosoficiaisparaobrassemospedir
aoalmirantecomodeviaMARQUESJ.1945-1971,vol.1,nº409).
32. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,ns.37(1317)e48(1322).
322 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
petiasalvoquandoestavamaoserviçodorei.Nestesperíodos,pagavam-seaos
alcaidesdegalésdozelibrasemeiapormês,eaosarraizesoitolibraspormês,
fora,nosdoiscasos,aalimentação33.
Em 1322 o pagamento pelo tesouro público ao almirante ascendia assim a
6000librasanuais,valorpróximodas5650librasemquesecalculavaocusto
anualdaalimentaçãodeumgrupode46pessoase10cavalosdependentesdo
comendador-mordaordemdeCristo,em132634.
outrasrubricasdoorçamentoanualdoalmirantecujosvaloresnãopodemos
calculareramoseudireitoàquintapartedaspresasfeitasnomar.Deste“quin-
to”eramexceptuadososnavios,seusaparelhosearmas,pertencentesnaínte-
graaorei.Quantoaoscativos(“mourosdemercê”),cabiaaoalmiranteaquinta
partedopreçoquevalessemnoreino,emregra100libras(“custoqueéusado
nomeusenhorio”).Nocasodevaleremresgasteonegócioeramuitomaisvan-
tajosopoisequivaliaàquintapartedopreçoporquefossemdados.Éocaso
decincomouroscativadospormicerManuel,dequeseesperavamdezmil
dobrasdeouroapagarpelosenhordeSalé,emMarrocos,edequecaberiam
aoalmiranteduasmil35.
Recorrendoaindaaocontratode1317entreD.DiniseManuelPessanha,sa-
bemosqueestepodiaenviarosseuscompatriotasgenovesesàFlandres,aGé-
novaouaoutraspartes,commercadoriassuas,desdequeoreinãoprecisasse
dosseusserviços.
oinvestimentodionisinonoalmirantado,traduzidoemapoiopolítico,numa
estruturajurisdicionalpotencialmenteampla,napráticadifícildeinstalar,enum
orçamentorespeitável,eraorientadoparaobjectivosespecíficos.Essesobjec-
tivos,queeramadefesadolitoralalgarvio,odomíniodoEstreitodeGibraltar
easegurançadasrotascomerciaisentreoMediterrâneoeoAtlânticoNorte,
contaram,em1320,comoapoiodopapaJoãoXXIIconcretizadonaconcessão
portrêsanosdadízimadosrendimentoseclesiásticosdoreino.
33. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº37.
34. DINIS,A.1960-1974,vol.1,nº74(1326).Nas46pessoascontam-seocomendador-mor,10freirescavaleiros,
9freiresclérigos,6freiressergentese2homenssegraisporfreirecavaleiro.
35. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº17.
323JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
osvinteanosseguintesdacarreiradoalmiranteManuelPessanhaserãopassa-
dosessencialmentenocumprimentodestamissão,tendoporexcepçãomaisre-
levanteaderrotasofridaporocasiãodaguerraluso-castelhanade1336-133936.
Noalmirantadodoseusucessor,CarlosPessanha,asfrotasantesinimigasuni-
rãoesforçoseobterãoavitóriasobreumafrotade80galésdosreisdeGrana-
daedeMarrocos(1342).AmemóriadestefeitodosreinadosdeAfonsoIVde
PortugaleAfonsoXIdeCastelaficouconservadanumainscriçãoexistentena
fachadadadaigrejadeSantoEstêvão,emGénova37,e,emboraahistoriografia
ibéricaparcamentese lherefira, terásidooequivalentenavaldabatalhado
Salado,em134038.
4. o RECRutAMENto PARA As ARMADAs E fRotAs NA sEguNDA MEtADE Do séCuLo XIV
DesdeosreinadosdeD.DinisedeD.AfonsoIVmultiplicam-seasmenções
aocorsonadocumentação39.Entendidonaduplaperspectivadoscorsáriosde
váriasorigensactuandonacostaportuguesaedaactividadedecorsáriosaoser-
viçodosreisdePortugal,ocontrolodestaactividadeeramaisumacomponente
dajápreenchidamissãodoalmirantado.ocumprimentodessamissãogerava
noseutodoumaprocuraintensaderecursoshumanosqueconstituiuumdos
grandesproblemascomqueosalmirantessedefrontaramduranteasegunda
metadedoséculoXIV.
oestudodorecrutamentoparaasarmadasefrotasdoreilevantaumasériede
questõesàsquaisnemsempreéfácildarresposta,oquesedeve,emparte,à
36. Estabatalhanavalocorreua21deJulhode1337,aolargodoCabodeSãoVicente,saldando-sedolado
portuguêspelaperdademetadedafrota,incluindoagaléreal,eficandooalmiranteeosefilhoprisioneiros
MoNTEIRo,J.2003:245-247).
37. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº169.
38. MARQUES,A.1987:501,refere-se-lhe,integrando-anocercocristãoaAlgeciras,queveioaserconquistada
em1344.
39. Éderealçarafórmula“meusvassaloscorsários”presentenalgunsdocumentosemanadosdachancelaria
régia.Doisexemplos:“vassaloscorsárioseatodososoutrosalcaidesdegalésearraizeseoficiaisqueaeste
ofíciopertencem”,em1317MARQUESJ.1945-1971,vol.1,nº39);“vassaloscorsários”,alcaides,arraizes,petintais
eoficiaisquepertencemaoofíciodealmirante-mor,em1357idem,ibidem,vol.1,nº88).Quersetratedeuma
únicaexpressão,oudeduas(“vassalos,corsários”),oquemepareceimportanteéaarticulaçãoentreaactividade
decorsárioeodomíniodovocabuláriodasrelaçõesdedependênciaentreoreieaclassenobre,oqueremete
paraumestatutosuperiordocorsário.VertambémCUNHAR.1954:78.
324 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
próprianaturezadocorpusdocumental,dominadopelosprivilégiosquecon-
cedemisençãodecumprimentodeste tipodeserviçomilitar.Essasquestões
referem-seaosistemaderecrutamento,aoperíododeprestaçãodoserviço,à
autoridade,ouautoridades,comcapacidadeparasupervisionaroprocesso,aos
oficiaisdirectamenteimplicados,àarticulaçãocomasrestantesjustiçasejuris-
dições,e,finalmente,aocomportamentodesteshomensdomar.
Relativamenteàprimeiraquestão,epondodeladoaopiniãoinfundadadeque
oserviçoabordoeravoluntário,osautoresemgeralidentificamas“vintenas”
ou“vintenasdomar”comoosistemaderecrutamentoseguido40.Aoquepare-
ce,oschamados“vintaneiros”ou“apuradores”organizavamemcadalocalidade
gruposde20homensconsideradosaptos,emtermosfísicoselegais,parapres-
taroserviçoefectivoabordonacondiçãoderemeiros.
AinstituiçãodasvintenasdatadoreinadodeD.PedroI,maisconcretamente
de1359e teveoseuprimeirodiplomaregulamentadorem1367.Épossível
avançaraprimeiradestasdatascomsegurançaporquenumdoscapítulosge-
raisdascortesde1361oreiafirmapretenderfazeruma“ordenação”sobreo
assunto41,provadequeeraalgorecenteeaindanãoregulamentado,eporque
deoutrodestescapítulossededuzteremoscorregedoresgeneralizado“dedois
anosacá”umsistemaderecrutamentoparaadefesadacosta42.Estesistema
derecrutamentosópodeserodasvintenas.Asegundadaquelasdatasécon-
hecidaatravésdotrasladodeuma“cartadeordenação”feitanoVimieiroa14
deDezembrode1367,determinandoaformadeprocedercomosremeirose
homensquehão-deserviroreinassuasgalés,ecomosbesteirosdoconto
quetambémnelasprestavamserviço(acadagalépertenciaumcontingentede
vintebesteiros)43.
Asactasdascortesde1361informammaisqueoperíododeprestaçãodeser-
viçomilitaraoreipodiaporusoecostumeiratéseissemanas,comumaoser-
viçoporterraeaoserviçopormar44.Verifica-sepordocumentosmaisantigos
40. RUSSELL:1953:69enota4emcontinuaçãodap.anterior(Recordaremosquenestaépocaosremadores
eram,éclaro,voluntáriosenãocriminososcondenados.).Sobreasvintenasdomar,veja-setambémumaabun-
dantecompilaçãodedadosemMENESES,J.1989:159-208.
41. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº30;CUNHA,R.1954,nº11;MARQUES,A.1986:47-48,artigo32.
42. MARQUES,A.1986:64,artigo65.
43. odocumentoestápublicadoporNEToF.2007,sebemquecomcritériosdetranscriçãoeediçãodefeituosos.
44. MARQUES,A.1986:64,artigo65.
325JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
quealgumaslocalidades,comoaAtouguia,jáestavamobrigadasaestetipode
prestação45.Logo,em1359nãoestamosperanteumanovidadeabsolutaemma-
tériaderecrutamentomasperanteageneralizaçãodealgoexistente.Suponho,
alémdisso,queduranteestasseissemanasoscustosdecadacontingente,com
destaqueparaaalimentação,estavamacargodosconcelhosdaslocalidades
afectadas,e,quandoultrapassadooperíodo,passavaaestaracargodacoroa,
incluindo,alémdaalimentação,umaretribuiçãomonetáriaacadaindivíduo46.
Quanto à autoridade, ou autoridades, com capacidade para supervisionar o
processo,osprotocolosdosprivilégiosdeisençãodeservir“pormar”provam
asuamultiplicidade.oalmirantadonãopodiaactuarsozinhonoquetocaao
recrutamentoedependiadeautoridadescomumajurisdiçãomuitomaisantiga
e enraizada (juízes locais),muitomais lata (corregedoresdas comarcas), ou
maisexperiente,comoosanadéiseosanadéis-mores,responsáveispelorecru-
tamentodosbesteirosdoconto.osanadéiseosanadéis-morescoordenaram,
desdeainstituiçãodasvintenas,aactividadedosvintaneiroseapuradoresdos
homensdomar47.Particularmenterepresentativadestasituaçãoéamencionada
“cartadeordenação”de1367,dirigidaaoanadel-mordosbesteirose“vedordos
mareantesnosreinosdePortugaledoAlgarve”.
Sobreaactividadedosvintaneiroshánumerosasreferênciasaosprocedimen-
toserradosaqueseentregavamnodesempenhodassuasfunções,porvezes
namiradolucropessoal48.Alémdosvintaneiros,oalmirantadonecessitavade
alcaidesdomar,ouvidores,meirinhos,porteiroseescrivães,osquaispodiam
actuaremdiferentescenáriospossíveis:duranteaarmaçãodafrota,duranteo
45. Em1280,30homensdaAtouguiadeviamprestaranualmenteserviçonafrotadorei,comsuasarmas,comida
ebebida,porumperíodoatéseissemanasDINIS,A.1960-1974,vol.1,nº57.
46. Veja-se,infra,ocasodasgalésportuguesasqueservememInglaterra,entre1386e1389.
47. Sugere-oaocorrência,em1363,daexpressão“anadelvintaneiro-mordoshomensdomar”quedeveser
interpretada,naminhaopinião,comoreferenteaomesmoindivíduoMARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº
173;MARQUES,A.1984,nº1012.
48. Aordenaçãode1367chamaaatençãoparaaeventualidadedeovintaneirocolocaralgumhomemnarespec-
tivavintenamaliciosamente,pormalquerença,porescusaroutroalgumporele,porrogoquelhefizessem,por
algoquelhedessem,porparentescoouporoutromotivo(NEToF.2007).Tambémnoscapítulosgeraisdopovos
nascortesde1371sedizqueosvintaneirosconstrangemaoserviçonasgalésindivíduosisentos,prendendo-ose
exigindo,paraoslibertar,pagamentoMARQUES,A.1990-1993,vol.1:21-22,artigos14,15e16.Provavelmentea
semelhantespráticas(“saioariasebulras”)serefereoreiD.JoãoIem1385CAETANo,M.1985:192-192,artigo2.
326 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
períodooperacionaldamesmaeduranteumperíodo,geralmentemuitocurto,
correspondenteaodesarmardafrota.
No que toca à participação de alguns destes oficiais no período operacio-
nal,possoforneceralgunsdadosconcretosgraçasàdocumentaçãorelativaao
abastecimentodeumaarmadadeseisgalésportuguesasqueoreiD.JoãoI
colocou,durantealgumtempo,aoserviçodoreiinglêsRicardoII,equeteve
deinvernaremSouthampton,em1388-138949.Nocontingenteglobalestavam
incluídospatrões,alcaides,homensdearmas50,besteiros,marinheiros,carpin-
teiros,calafates,trompeteiros,settanes,serventes,umnúmeroconsiderávelde
galiotes,eaindaummeirinhoeumescrivão.Algunsoficiais(alcaidedomar,
ouvidor)actuavamaoníveldaslocalidadesportuáriaseoutros(meirinho,escri-
vão)podiamacompanharaarmadaouafrota.
Aarticulaçãodoalmirantadoedosseusoficiaiscomasrestantesjustiçaseju-
risdiçõesnemsempredecorriadeformapacífica,fosseporqueasjurisdições
sesobrepunhamnalgunscasos,fosseporque,noutroscasos,estavamemcausa
interessesemnadarelacionadoscomaarmaçãodafrota.Essesinteressespo-
diamserdetipoeconómico,eéoqueseconstatanumdosdoisexemplosde
conflitosdejurisdiçãoseguintes.
Em1369,LourençoEsteves,alcaidedomardeSetúbal,requeraoconcelhodes-
tavilaquedeixeusardeseuofícioaVascoMateus,meirinhodoalmirante,para
poderprenderoshomensdomar(alcaides,arraizesepetintais)pormandado
doditoalmiranteoudelepróprio.osoficiaispresentes(juízes,vereadorese
almoxarife)responderamquenãopodiapôroalmiranteoreferidooficialde
justiçaencarreguedasdetenções(“meirinho”)naditavilaporqueajurisdição
pertencia ao mestre da ordem de Santiago, e porque quem podia efectuar
prisõeseraoalcaideeseushomenspormandadodosjuízes.orepresentante
fiscaldomestredaordemdeSantiago(“almoxarife”)ameaçamesmooalcaide
49. EramasgalésSanta Maria de Elmira, Santa Maria da Graça, São Jorge, Santa Ana, Santa Maria de Cassela
e Santa Catarina,comandadaspelocapitão-morAfonsoFurtado.oconjuntodocumental,conservadonoPublic
Recordoffice,foiestudadoporRUSSELL:1953,quepublicoutambémalgunsexcertos.
50. Aexpressãoremete,naminhaopinião,paramembrosdosescalõesinferioresdanobreza,provavelmente
escudeiros,comoparecesugerirtambémRUSSELL:1953:68enota2.
327JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
domardelheconfiscarasarmasquetraz,considerando,comestegesto,nula
ajurisdiçãodoalmirantadoemSetúbal51.
Em1371,osenhordaviladeMafra,opoderosoLopoDiasdeSousa,queixa-se
aoreiD.Fernandoqueoalmirantepuseranaditavilaumalcaidedomar,e,
emresposta,obtémdesteaextinçãodoofícioemcausanasuajurisdição.Na
mesmaocasiãoqueixa-sedaacçãodoresponsávelpelorecrutamentomilitar,
oanadel-mor,nalocalidadedaEriceira,pertencenteaotermodeMafra.Devi-
doaterfeito“vintenasdoshomensdomarevintaneirosdelas”,alegavaLopo
DiasdeSousa,“asherdadesepescariadoditolugarcareceramdarendaenão
renderamoquedeviamrender”.obtémmaisaextinçãodessas“vintenas”,sal-
vaguardando,destemodo,osseusinteressessenhoriais52.
Porfim,umareferênciaaocomportamentodoshomensdomardasfrotasré-
gias.Àpartidaéprecisodistinguirentreosoficiais,oscorposespecializadoseo
comumdocontingente,querdizer,osremeirosougaliotes.Entreestesúltimos,
atéporquebemmaisnumerosos,osproblemasdisciplinaresseriammaisfre-
quentesdoquenocasodosoficiaisoudoscorposespecializados,oquealiás
acontecena generalidadedos exércitos.Manter a disciplina era semdúvida
umgrandedesafioparaoscomandantesdesteshomensvotadosaumtrabalho
duríssimoeaumdestinoincerto,amaiorpartedosquaistinhasidocompelida
àprestaçãodoserviço53.Pelomenosde idênticadimensãoeraodesafiode
manterosefectivos,impedirasfugasedeserções.Retornandoaoexemplodas
galésportuguesasaoserviçodeRicardoII,esupondo,comofezPeterRussell,
umtotalde180galiotesporgalé,pode-seestimarqueentreachegadaaIn-
glaterraemJunhode1386eapartidaemJunhode1389,houveumataxade
baixasnaordemdequase30%entreosgaliotes54.Háindíciosdequecertosca-
sosdebaixaspordeserçãoocorreramabordodenaviosmercantese,noutros
casos,emsoloinglês,correspondendoagaliotesqueprocuraramempregona
51. DP,sup.aovol.1,nº36.
52. DP,sup.aovol.1,nº178.
53. Que,nocasodosfaltosos,podiaassumiraformadechantagemexercidaporviadaprisãodassuasmulheres
atéqueseapresentassemperanteasautoridadesMARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº189,de1387.
54. É,claroestá,merasuposição,poisnadanosdizqueasgalésfossemtodasdamesmadimensão.Dequalquer
modo,ofactodeAfonsoFurtadoterficadolimitadoarealizaroperações,emAbrilde1389,apenascomquatro
galés,parececonfirmarafaltaderemadoresRUSSELL:1953:69.
328 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
categoriadeassalariadosagrícolas55.Emcomparação,osquadrosdeoficiaise
oscorposespecializadosregistaramalteraçõesmínimasdosseusefectivos56.
5. o ALMIRANtADo PoRtuguês E A CoNjuNtuRA DA sEguNDA MEtADE Do séCuLo XIV
osconflitosjurisdicionaisdoalmirantadoeosproblemascomorecrutamento
paraasarmadasefrotasdorei,queficammencionados,podemalémdomais
serentendidoscomoindicadoresdodesenvolvimentoqueamarinhadeguerra
conhecenoséculoXIV.Taldecorreapardodesenvolvimentodamarinhamer-
cantenumaépocaemquePortugalseafirmacomo“grandenaçãomarítima”57.
outrosainda-oapoionavalprestadoaoutrosreinos58ouacapacidadelogís-
tica59-podemserinvocados.
Toda estamultiplicação da actividademarítima, afectando quer a costame-
diterrânica(reinodoAlgarve),queracostaatlântica(reinodePortugal),não
deixoudeterreflexosdirectossobreoalmirantado.Umdosmaisexpressivos
consistiunaconcessãopeloreiD.PedroIdodireitodasancoragensaoseu
almiranteLançarotePessanha.Estedireitoera cobradoumaveznoanoaos
“naviosqueportaremnosportoselugaresdoseusenhorioelançaremâncora
55. RUSSELL:1953:68.
56. Íbidem.
57. CoRTESÃo,J.1978.
58. Porexemplo,em1358PortugalprometeapoioaCastelacontraAragão“secompremetióaprestarlediez
galeraseunagaleotaporunperíododetresmeses”-CALDERóNoRTEGAJ.2006:54).Emconsequênciada
políticapró-castelhanaentãoseguida,oscatalãesnaturaisdosenhoriodeAragãoedoreinodeMaiorca,mora-
doresnacidadedeLisboa,solicitamaoreiportuguês,D.PedroI,confirmaçãodosseusprivilégios,segurança
parasuaspessoasehavereseliberdadeparapoderementraresairdoreino,semembargodoauxílioqueo
monarcaprestavaaoseusobrinhooreideCastelaMARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº101.Em1368Portugalvolta
aconcederapoionavalaCastelacontraAragãoDUARTE,L.2003:333.Em1377hátambémnotíciadecincogalés
portuguesasaoserviçodeHenriqueIIdeCastelaCALDERóNoRTEGA,J.2006:57).
59. Por exemplo, em1352, o reiD. Pedro I procede aobrasde alargamentodas suas taracenasde Lisboa
MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº22.Em1369,duranteaprimeiraguerrafernandina,umafrotapor-
tuguesade32galése30naus,bloqueoudurantemaisdeumanooportodeSevilha,num“exemplodetão
satisfatóriaorganização,comosbarcosaviremàvezaLisboaeaoAlgarvepor“refrescoemantimento”ecomos
soldosdastropasetripulaçõesemdia”DUARTE,L.2003:334.Em1381,oreiD.Fernandoconseguearmar“em
brevetempo”umafrotade21galés,umagaleotaequatronaus,queoseualmirante,JoãoAfonsoTelo,perdena
quasetotalidadenabatalhadeSaltes.oprejuízosofridocomaperdadasgalésesuas“esquipações”ascenderia
a70000dobrasLoPES,F.1975,caps.124-126).Pensoqueotermo“esquipações”serefereaquiaosaparelhos,
armasemantimentos,excluindoastripulações.
329JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
fora”,deacordocomasuacapacidadedecarga.Situando-seessacapacidade
entre100e50tonéispagavamumadobradeouro,situando-seentre50e30
tonéispagavammeiadobradeouro,e,supostamente,situando-seabaixodos
30tonéisnãopagavamnada60.
Aperspectivadaaplicaçãododireitodasancoragensdeformagerallevouà
apresentaçãonascortesdeElvasde1361,peloconcelhodoPorto,cidadeon-
dehaviamais“navesenavios”quenorestodosenhoriorégio,deumagravo
dos seusmercadores.Estes temiamoaumentodos fretes, já lheschegando,
diziam,osdanosoriginadospelasguerrasdeFrançaeInglaterra.omonarca
tranquilizou-osrespondendoqueosnaviosnacionaisestavamisentos,ebem
assimosnaviosestrangeirosdelugaresondenãocobravamancoragens,sóse
aplicandoaos restantes61.As ancoragens constituiramumnovo recursopara
reforçaracapacidadeoperacionaldoalmirantado,oqualvaisermantidoao
longodosséculosXIVeXV62.
Maugradotodooapoio,oreinadodeD.Fernando,dopontodevistadaguer-
ranaval,ficamarcadopelosmausdesempenhosoperacionaisdoalmirantado
em1373eem1381.Em1373(Fevereiro/Março),noâmbitodasegundaguerra
fernandina,afrotacastelhanacomandadapeloalmiranteAmbrósioBocanegra
entranoTejosemoposiçãoeaprisionaváriasnausqueestavamnazonari-
beirinhadeLisboa.Em1381,noâmbitodaterceiraguerrafernandina,osaldo
éaindapior,dopontodevistaestratégico.EmSaltes(17deJunho),nariade
Huelva,oalmiranteJoãoAfonsoTeloperdeamaiorpartedafrotaportuguesa
compostapor21galés,umagaleotaequatronaus,contraumafrotanumeri-
camente inferior,comandadapeloalmiranteFernánSánchezdeTovar.oal-
miranteportuguês,ocapitão-morGonçaloTenreiro,eastripulaçõesdasgalés
vencidasconhecerãoocativeiroemSevilhapormaisdeumano63.
60. SÁA.1899-1900,nº729;MARQUESJ.1945-1971,vol.1,nº97;MARQUES,A.1984,nº515.
61. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,ns.29e30;MARQUES,A.1984,nº559;MARQUES,A.1986,artº4.
62. Vejam-seasconfirmaçõesdosreinadosdeD.AfonsoV,MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº408edeD.João
IIidem,ibidem,vol.3,nº178.
63. Cf.MARTINS,M.2011:287-288,DUARTE,L.2003:336-337.FernãoLopes,quenarraambososepisódios
naCrónica de D. Fernando,escrevendonaépocaemqueeracapitão-mordafrotaÁlvaroVasquesdeAlmada,
coloradeincompetênciaodesempenhodosalmirantesLançarotePessanhaeJoãoAfonsoTeloLoPES,F.1975,
caps.74,124-126.
330 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
Semfrota,D.FernandoconseguefrustrarumprimeiroataquenavalaLisboa
graçasàajudadeumafrotainglesacompostapor“48velas,entrenausebar-
cas”,masemMarçode1382oalmiranteTovarregressacom“80velas,entre
nausebarcas”.Nãoencontrandodestavezoposição,e tendoodomíniodo
mar,naviosdafrotacastelhanaefectuamincursõesdesaqueepilhagemabran-
gendotodooestuárioeobaixoTejo,dequehámençõesparaVilaNovada
Rainha,Alcoelha,Frielas,Sintra,Coina,Palmela,ArrentelaeAmora64.
osmaus desempenhos operacionais de 1373 e de 1381 conduziram à exo-
neraçãodosalmirantesresponsáveis,LançarotePessanhaeJoãoAfonsoTelo.
Porém,Lançarotevoltaaserreconduzido,substituindoJoãoAfonsoTelo.Na
crisedinásticaimediataàmortedoreiD.Fernando,vemaalinharpelolado
castelhanoeacabaassassinadopelospartidáriosdomestredeAvis,emBeja65.
QuantoaJoãoAfonsoTelo,apósasuaexoneração,herdaocondadodeBar-
celos,alinhanopartidodeLeonorTeles,dequemerairmão,vaiparaCastela,
ondeéfeitocondedeMaiorga,participanocercodeLisboa(1384)emorrena
batalhadeAljubarrota(1385)66.
D.Fernandonãomodificaoapoiodacoroaaoalmirantado,apesardosinsuces-
sosmilitares,confirmandoem1383asuajurisdiçãoatravésdedoisdiplomas.
Porcartade6deJulho,ordenaatodososcorregedores,meirinhos, juízese
justiçasquerespeitemajurisdiçãodoalmirantesobreosalcaides,arraizes,pe-
tintaisehomensqueandamnasvintenasdomar67.Eporoutracartade20de
Setembro,ordenaquedeixemoalmirantetercadeia,ouvidores,alcaides,mei-
rinhos,porteiros,escrivãeseseusoficiaisemtodososlugaresdosseusreinos
ondehouverhomensdasvintenasdomar,definindoqueasalçadassedeviam
estabelecerdestesoficiaisaoalmiranteedeleàcoroa68.
omesmonãosepodedizerdomestredeAvise futuroD. João I, sobreo
qualpesouodesalinhamentopolíticodedoisalmirantessucessivos.Assim,as
operaçõesnavaisde1384nãoforamconfiadasanovoalmirante.Aresponsabi-
64. MARQUES,A.1987:520-522,LoPESF.1977,1ªparte,cap.135.CALDERóNoRTEGA,J.2006:58.osnúmeros
relativosàsfrotasinglesaecastelhanasãodadosporLoPES,F.1975,caps.128e135.
65. LoPES,F.1977,1ªparte,cap.124.
66. LoPES,F.1977,1ªparte,cap.113.FREIRE,A.1921-1930,vol.3:250-251.
67. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº158.
68. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº159.
331JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
lidadedaarmaçãodafrotadegalésenausordenadapararesistiraobloqueio
navalcastelhanoaLisboacoubeaD.Lourenço,arcebispodeBraga.Na ida
paraoPorto,ocapitãoda frota foiGonçaloRodriguesdeSousa,alcaidede
Monsarraz.NoregressoaLisboa,ocapitãofoiD.Pedro,condedeTrastâmara,
enquanto que o herdeiro do almirantado,micerManuel Pessanha, veio por
simplescapitãodagaléSão Jorge69.Provadaasualealdade,sucedeuaseupai
noalmirantado,contudoporumbreveperíodo,umavezqueem1387D.João
Iselhereferecomo“micerManuel,almirante,queoramorreu”70.
oalmirantadoficacomoirmãodeManuelPessanha,micerCarlosPessanha,
nãosemdificuldades.Valeu,naaltura,aintervençãodocondestávelNunoÁl-
varesPereirajuntodorei,oqualdeclaraqueporesteopedir,“enãopelorigor
doprivilégio”,concedeoofícioaCarlosPessanha71.osseusprimeirostempos
noalmirantadonãoserãofáceis,mormenteemLisboa.Entreoslargosfavores
concedidosporD.JoãoIaestacidade,em1385,comdestaqueparaaanexação
dasvilasdeSintra,TorresVedras,Alenquer,VilaVerdedosFrancos,Colares,
EriceiraeMafra,incluiu-seaperdadajurisdiçãoquenelatinhaoalmirantadoe
aextinçãodosofíciossubordinados72.Em1387doaaviladeodemira,queera
dosPessanhas,aLourençoEanesFogaça,seuchanceler73.Noanoseguintede-
cidepôrordemnaspartilhasdascoisastomadaspelafrotaoqueprovavelmen-
teimplicouumareduçãodeproventosparaoalmirante74.Em1392descoutao
BairrodaPedreira75.Eem1393extingueoofíciodealcaidedoshomensdomar
noutralocalidadeportuáriapróximadeLisboa,Cascais76.
69. LoPES,F.1977,1ªparte,caps.110,111,124.
70. Porcartade20deFevereirode1387MARQUES,A.1998-2002,vol.1,tomo2,nº734,vol.3,nº637.
71. Porcartade15deDezembrode1387MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº196;MARQUESA.2004-2006,vol.
2,tomo1,nº253.
72. MARQUES,A.1987:190-191.CAETANoM.1953,nº7.
73. MARQUES,A.1998-2002,vol.1,tomo2,nº734,vol.3,nº637.
74. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº170.
75. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº179.
76. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº576dossumários.Note-sequejáem1385D.JoãoI,querendo
fazergraçaemercêaocondeD.Henrique,senhordeCascais,tinhaisentadoosseusmoradoresdeserviremem
armadaatéseisgalés,privilégioextensívelaosmoradoresdeSintraMARQUES,A.2004-2006,vol.1,tomo3,nº
1131.
332 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
6. A tRANsMIssÃo Do ofíCIo Do ALMIRANtADo DuRANtE o séCuLo XV
Nostermosdocontratocelebradoem1317entreD.DiniseManuelPessanha
(I)oofíciodealmiranteeratransmissível“pormaneirademorgado”.Em1387
ocorreuainterrupçãodalinhadesucessãofeudal,outroradefinida,comamor-
tedeManuelPessanha(II),abrindo-senoseuirmãoCarlosPessanhaumanova
linhadesucessãopermitidapor“graçaemercê”régia.MicerCarlosPessanha
ocuparáoofícioemdoisperíodosdistintos.Primeiroentre1387e1433,ano
emqueporocasiãodocasamentodeD.PedrodeMenesescomsuafilha,D.
Genebra,demiteoalmirantadonogenro.
D.PedrodeMenesesfoioprimeirocapitãoegovernadordeCeuta(1415-1437),
eacumulouaestecargoosofíciosdealferes-moredealmiranteapartirde
1433eaté143777.SegundonarraGomesEanesdeZurara,foi,nesteperíodo,
apessoamaispoderosadoreinodoAlgarve78.osseusrendimentospropor-
cionadospelocorsoalém-marforamapartirde1433disputadospeloinfante
D.Henrique79.TentaalargarasuajurisdiçãoàcidadedoPortoe,aoquetudo
indica, no seu almirantado ou nos dos seus sucessores, dentro da primeira
metadedoséculoXV,houverecuperaçãode jurisdiçãoemLisboa80.Pode-se
poisdizerqueapolíticadeconquistasafricanas,desde1415,veiovalorizaros
objectivosestratégicosdoalmirantado,e,emsimultâneo,criarcondiçõespara
umalargamentojurisdicional.
osegundoperíododeCarlosPessanhanoalmirantadoresultadamortedeD.
PedrodeMeneses,em1437,emTânger,evaiaté1444.Nesteanodemitede
novooofício,destaveznonetoLançarotePessanha,nascidodocasamentode
suafilhaD.BeatrizPereiracomRuideMelo,cavaleirodacasadoinfanteD.
Henrique81.
77. ComosevêemMARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº264,estavanapossedocargoantesdasuapartidapara
Ceutaem1433.
78. Crónica de D. Pedro de Meneses,capítulo61.
79. Porcartade25deSetembrode1433oreiD.DuartefezgraçaemercêaoinfanteD.Henrique,seuirmão,
doquintoquelhepertenciadetodasascoisasquefilharemepartiremquaisquernaviosefustasqueelearmar
etrouxerdearmadaàsuacustadaquiemdiante,emandaremseuscapitãesDINIS,A.1960-1974,vol.4,nº79.
80. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº1088dossumários.
81. FREIRE,A.1921-1930,vol.1:195.
333JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
Comosevê,CarlosPessanhaéoalmirantequemaistempoocupaoofícioe
também,naprática,oúltimoPessanhaadesempenhá-lo.Defacto,Lançarote
Pessanharecebeoalmirantado“pelaguisaqueotinhaepossuíaoditoseu
avô”(1444)82,mas,porsermenordeidade,seráopai,RuideMelo,aassumir
asfunções.
ApresençadeRuideMelonoalmirantadodecorreentre1444e1467.Talcomo
nocasodeCarlosPessanha,deteráoofícioemdoisperíodosdistintos.Primei-
ro,namenoridadedofilho,Lançarote,eatéàmortedeste(1444-1453).Dentro
desteperíodo,osanosde1450-1451destacam-se,comacoroaamoverduas
demandasaoalmirantado(1450),porumlado,eporoutroanomearRuide
MeloparaasubstituiçãodeGonçaloNunesBarretonocargodefronteiro-mor
doAlgarve(1450)83,eaconfirmarasnomeaçõesqueestefaz,comajustificação
deser“ocupadoemoutrascoisasporserviçodorei”,deserventuáriospara
estaremporelenascidadesdeLisboa(1450)84edoPorto(1451)85.
Em1453,comamortedojovemLançarote,extingue-sedevezalinhasucessó-
riadireitadosPessanhaseabre-secaminhoàalteraçãodaformadetransmissão
doofíciodoalmirantado,quepassadoregimehereditárioparaoregimevita-
lício.Atransiçãocorrespondeprovavelmenteaosanosde1453-1454emqueo
ofíciofoisequestradopelacoroa,acabandoestaporreconhecer“quenãoera
nossoserviçoaditaposseestarassimsequestrada”86.
osegundoperíododeRuideMelonoalmirantadoduraentre1454e1467,ano
emqueémorto,naviladePortimão,porcorsários87.Écaracterizadosobretudo
porquestõesderivadasdetentativasdealargamentojurisdicional.
Em1467oofício édadoaNunoVasquesdeCasteloBranco88,membrodo
conselhoreal,monteiro-morealcaide-mordeMoura,queotematé1475,ano
82. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº344.
83. FREIRE,A.1921-1930,vol.1:193.Poucotempoantes,RuideMelotinhaandadoemdemandacomGonçalo
NunesBarreto,porestelheimpedirtomarnavios,barcas,caravelasehomensmareantes,paradefesadoreino
MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº367,de1449.
84. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº381.
85. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,ns.387e388.
86. DINIS,A.1960-1974,vol.11,nº233.
87. FREIRE,A.1921-1930,vol.1:194.
88. FREIRE,A.1921-1930,vol.1:196.
334 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
emqueD.AfonsoVaceitaanomeaçãoquefaznoseufilhoLopoVasquesde
CasteloBranco,enumneto,paralhesucederem89.Estaefectivapatrimoniali-
zaçãodoofíciosónãovingaporqueem1478LopoVasquesdeCasteloBranco
tomapartidopeloreideCastela,e,emboratenharecuado,opríncipeD.João
decidemandareliminá-lo90.
Noperíodoimediatooofícioestevevago,aguardandoopríncipeD.Joãopela
subidaefectivaaopoder(1481)paraescolherumnovoalmirante,oquevema
acontecerem148391.PedrodeAlbuquerque,nomeadocomressalvadequais-
querdemandassobreoofício,movidasoupormover,ocuparáoalmirantado
porbreveperíodoestandoenvolvidonaoposiçãoaomonarca92.
Dentrodoslimitescronológicosdestetrabalho,oúltimoalmiranteamencionar
éLopoVasquesdeAzevedo,capitãodeTânger,nomeadoem1485eexonerado
em150193.
6. A EVoLuÇÃo juRIsDICIoNAL DuRANtE os séCuLos XIV E XV
Amultiplicaçãodaactividademarítima,emgeral,edasoperaçõesnavaisacar-
godacoroa,emparticular,levaram,nosfinaisdoséculoXIII,àinstituiçãodo
almirantado.Seguiram-seodesenvolvimentodafrotaeaproporcionalprocura
derecursoshumanosparaamesma,nomeadamenteremadores.Asquestões
relacionadascomorecrutamentonavalestãoporseuturnonabasedainstitui-
çãodasvintenasdomar(1359)edaproduçãodeumdiplomaregulamentador
damatéria(1367).
Acomposiçãodeumaarmadaoufrotaincluíadoisgruposprincipais.osma-
rinheirosegaliotes,deumlado,eoshomensdearmasdooutro.Acriaçãodo
89. MARQUES,J.1945-1971,vol.3,nº122.
90. PINA,R.1977,cap.204;FREIRE,A.1921-1930,vol.3:220.Em1476jáLopoVazdeCasteloBrancodetémos
cargosdemembrodoconselhoreal,monteiro-morealcaide-mordeMouraANTT,LN,Odiana,liv.5,fl.119,de
1476Fev.5);porforçadocontratode1475serátambémdetentordoalmirantado.
91. MARQUES,J.1945-1971,vol.3,nº178.
92. DAHCML. LR,vol.3:195,196,202;SERRÃo,J.1993:161.
93. MARQUES,J.1945-1971,vol.3,nº195;ANTT,Chancelaria de D. Manuel,liv.37,fl.2.
335JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
ofíciodecapitão-mordafrota,anteriora12deMaiode136994,prende-secoma
necessidadedeumachefiaespecíficadosúltimos.Assimseexplica,creio,que
asuajurisdiçãosejaautónomaemrelaçãoàdoalmirante.Esteúltimoponto
deduz-sedofactodeassuassentençasnãodaremapelaçãoparaoalmirantee
simparaorei95.Nahoste,emcomparação,assentençasdadaspelomarechal
davamapelaçãoparaocondestável96.
Razõesdeordemestratégicaeoperacional,comosejammissõesconcretasatri-
buídasaumapartedafrota(recorde-seaajudadegalésportuguesasaIngla-
terraem1385-1389,comandadasporAfonsoFurtado),etambémaocupação
doofícioporlongosperíodospelamesmapessoa,casosdeAfonsoFernandes
Furtado(1385-1423)eÁlvaroVasquesdeAlmada(1423-1449),devemteracen-
tuadoaautonomiadocapitão-mordafrota.Mas,emborahouvessepartilhade
competênciascomoalmiranteaníveldaarmaçãodafrota,dorecrutamento97e
dasegurançamarítimaeportuária98,nadanosautorizaapensarquelhetenha
disputadoalgumavezocomandosupremo.
Desferindo-seosprincipaisgolpesnoalmirantadoentre1385e1393,nasequ-
ênciadaconvulsãopolíticaesocialde1383-1385,nãoéexactoconsideraro
séculoXVcomoumaépocadedecadênciadoalmirantado99.Nãoseriauma
boapolítica,porpartedacoroa,estimularoesvaziamentodeumofíciocujos
94. NestadataoreiD.FernandodoaemsuavidaaJoãoBernal,“capitão-moremseusenhorio”,umascasas
emLisboa,apardaPicota.MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº401.AsposiçõesdeCUNHA,R.1954:91-
92,paraquemocapitão-morcoadjuvavaoalmirante,edeMARQUES,A.1987:359,entreoutros,paraquema
criaçãodocargodecapitão-morrepresentouumareduçãodospoderesdoalmirante,são,comoseverificade
seguida,conciliáveis.
95. Ordenações afonsinas,liv.1,tít.55,§9“Peroseeleapenaralgumempenadecorpopeladitarazão,nãofaça
execuçãoporsuasentença,oumandado,semdandoapelação,eagravoparaNós”.
96. Ordenações afonsinas,liv.1,tít.52e53.
97. Porcartade18deDezembrode1382oreiD.FernandoconcedeaomosteirodeSantoTirsooprivilégiode
isentarosseuscaseiroselavradoresdeirememarmadas,salvoseandaremnasvintenas,emandaaoseualmi-
ranteeaocapitãodafrotaqueosnãoconstranjamatalnemprendamnemmandemprenderporisso.MARQUES,
J.1945-1971,sup.aovol.1,nº476dossumários).
98. observe-sequeoalmirante,eocapitão-mordafrota,porvezestambémditocapitão-mordomar(entre1441
e1471),encabeçamalistadosdestinatáriosdascartasdesegurançaconcedidasanaviosestrangeiros.Exemplos:
MARQUES,J.1945-1971:vol.1,nº179,de1391;vol.1,nº200doaditamento,de1399;sup.aovol.1,nº100,de
1438;sup.aovol.1,nº878dossumários,de1439;sup.aovol.1,nº926dossumários,de1441;vol.1,nº346do
aditamento,de1445;sup.aovol.1,nº978dossumários,de1445;sup.aovol.1,nº120,de1449;sup.aovol.1,
nº1018dossumários,de1450;vol.3,nº64,de1471.
99. MARQUES,A.1987:359,BARRoS,A.1990:116,DUARTE,L.1991:61-63.
336 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
objectivosespecíficos,adefesacosteira,ocontrolodoEstreitoeasegurança
dasrotascomerciais,semantinhamestratégicos.Asintervençõesrégiasfaziam-
senosentidodedelimitarmelhorascompetênciasjurisdicionaisdoalmiranta-
doereduzirosconflitos.
Ajurisdiçãodoalmirantadoeraumterrenofavorávelaosconflitos,poispodia
ser interpretada num sentido restrito ou num sentido alargado, consoante a
perspectiva.Quandoessaperspectivaeraexterioraoalmirantado,ainterpre-
taçãorestritaprevalecia,vendo-seoalmiranteapenascomoumcomandode
guerra,limitadoàfrota,àsuaduração,aosseushomens.Inversamente,esa-
bendoqueascompetênciasdoalmirantadoseestendiamparaalémdaguerra
navalpelasáreasdorecrutamentomilitar,dasegurançamarítimaeportuáriae
aindadossalvados,prevaleciaainterpretaçãoalargada,emtermostemporaise
emtermosdaspessoassujeitasàjurisdiçãodoalmirante.
Simultaneamenteinteressadonaacçãoeficazdoalmirantadoenorespeitope-
las jurisdições estabelecidas, o poder central actuou predominantemente no
sentidodereduzirosconflitos jurisdicionais,comoaconteceunaáreadore-
crutamento naval. Nas duas primeiras décadas do séculoXV, e na linha da
centralizaçãodascompetênciasderecrutamentonoanadel-mor,sãoproduzi-
dosregimentosdistintosdeapuramentodosbesteirosdoconto(1405)edos
galiotes(1410)100,reúnem-seoscargosdeanadel-moredecapitão-mordafrota
namesmapessoa(1419)101,einstitui-seumanovadízimasobreopescadopara
pagarosoldodosquequiseremserviremlugardospescadorescomogaliotes
(1420)102.
Noutrafontedeconflitos,adosoficiaissubordinadosaoalmirante,verifica-se
umasériedeintervençõesrégiasquedevemterfacilitadoasuaaceitaçãopor
partedeoutrasjurisdições.Háregistosnocorpusdocumentalreunidoparao
escrivãodaarmaçãodasgalés(1416)103,alcaidesdomardeSantarém(1434),
100. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº59,de1405estedocumentoécompletadopelosns.69e70,
datáveisdec.1405,eOrdenações afonsinas,liv.1,tít.68:408-421,de1410.
101. AfonsoFurtado,capitãoeanadel-morOrdenações afonsinas,liv.1,tít.68,de1410).
102. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº68,de1420(sobrealgumasconsequênciasdestainiciativarégia
vejam-seosns.72,de1422,e213,de1439).
103. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº228(nomeação).
337JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
Faro(1434,1436),Porto(1434,1441),PederneiraeArzila(1484)104,meirinho
dosrevéisdasgalésdeSetúbal(1434)105,patrão-mordasgalés(1444)106eescri-
vãodomardeSantarém(1446)107.
NoséculoXV,ummomentocríticoparaoalmirantadodá-seem1450,poisas
relaçõesentreD.AfonsoVeRuideMeloaparentamter-secrispado,como
procuradordosfeitosdacoroaamover-lheduasdemandas,umasobreatença
anual108eoutrasobreajurisdição109.
Nademandasobreajurisdição,oprocuradordosfeitosdacoroareferiaque
oofícioefeudodoalmirantadoforacriadoporD.Diniscomjurisdiçãosobre
oshomensdomaroumareantessomentenotempodaarmaçãodasgalés,e
queoalmiranteaprocuravaalargaremtodootempoquandojánãohaviaa
ditaarmaçãopeloquecessaraacorrespondentejurisdição(“semlhepertencer
emelesaotempodeoraalgumajurisdiçãopororaaínãohaverarmaçãode
galés”).DapartedoalmirantadoéargumentadoqueajurisdiçãodadaporD.
Dinisabrangia“todososquefossemcomeleemarmadasassimnomarcomo
nasterrasondesaíssematéaarmadaseracabada”,equesereferiaprincipal-
menteaoscavaleiros,escudeiros,homensdearmasetodososoutros,“porque
dosmareantesemtodootempotinhajurisdição”,deacordocomosseuspri-
vilégios.orei,narespectivacartadesentença,ordenaráqueause,emtempo
depaz,somentenaspessoasdosalcaides,arraizesepetintais,paraoqueterá
seusalcaidesnosportosdemarquenecessáriosforem.
104. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº778dossumários(Santarém,confirmação);idem,ibidem,vol.1,
nº269(Faro,nomeação),eidem,ibidem,vol.1,nº283(Faro,confirmação);idem,ibidem,vol.1,nº278(Porto,
confirmação),eidem,ibidem,sup.aovol.1,nº929dossumários(Porto,confirmação);MARQUES,J.1945-1971,
vol.1,nº449(Pederneira,nomeaçãodoreinadodeD.Duarte);CoELHo:1943,nº138(Arzila,nomeação).
105. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº277;MARQUES,A.1998-2002,vol.3,nº45.
106. Porcartade23deJaneirode1444oreiD.AfonsoVnomeiaÁlvaroFernandesPalençoparaoofíciode
patrão-mordasgalésedáconhecimentoaoalmirante,capitãesdafrotaeoutrosoficiaisMARQUES,J.1945-1971,
vol.1,nº341).
107. Porcartade18deAgostode1446oreiD.AfonsoVconcedeoofíciodeescrivãodomardaRibeirade
SantarémaGomesEanes,seuvassaloemoradornaditavila,comojáoeraemtempodeD.JoãoI.oalmirante
RuideMelotinha-lhetiradooofícioedadoaoutrém,mascomoeradenomeaçãorégiaomonarcavoltaadar-
lhoMARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº989,dossumários.
108. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº380.AdemandadevetersidomotivadapelamortedeCarlosPessanha,
quederaatençaemsuavidadeleCarlosPessanhaemcasamentocomsuafilhaaRuideMelo.oseuvalor,pago
pelasrendasdoalmoxarifadodeTavira,erade3000librasdamoedaantigaDINIS,A.1960-1974,vol.7,nº57.
109. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº376.
338 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
Esteresultadonãoeradetododesfavorávelaoalmirantado,umavezquelhe
reconhecianapráticaoexercíciodasuajurisdiçãoemtempodepazeodireito
decolocaralcaidesemtodososportosdemar.ou,pelomenos,noscasosem
queajurisdiçãoexercidapelosalcaidesdomaremnomedoalmirantecolidia
comajurisdiçãodetidapelosjuízesordinários,detentaressacolocação.Erao
queacontecia,porexemplo,nosportosdaviladaPederneira110,dosenhorio
domosteirodeAlcobaça,edacidadedoPorto.
NoPortoajurisdiçãosobreoshomensdomarestavarepartidaentreacidade
eorei,istoé,entreosjuízesordinárioseojuizdosfeitosdomar.Segundoo
concelho,quandonãoestavamnomaroshomensdafrotacaíamsobaalçada
dosjuízesordinários.Aorei,peloseujuizdosfeitosdomar,cabiaajurisdição
especificamente sobremercadores,mestres,marinheiros,grumetesepagens,
querdosseusreinos,querdeforadeles111.
Apresençadeumalcaidedomarnestacidade,noséculoXV,deve-seàcoroa.
AfonsodeMatos,quejáeraalcaidedomarnoreinadodeD.JoãoI,terácon-
firmaçõesrégiasdoseuofícioem1434e1441.E,nestadata,sabemosquealém
dealcaidedomar,erapatrãoealmoxarifedastaracenasrégias112.
Em1451étambémnapessoadeumoficialrégio,ojuizdosfeitosdomare
covedeirodaalfândega,queoalmirantadoconseguerepresentaçãonacidade,
no caso um seu serventuário denominado“almirante” com jurisdição desde
oMondego aoMinho113.os protestos do concelho são imediatos. Em 1452
representaao reinãoconsintaaoalmiranteusardasua jurisdiçãonoPorto,
reconhecendoaomesmotempoqueestedetémjurisdiçãonoreinodoAlgarve,
e“algumtanto”emLisboa.omonarcarespondequeoalmirantenãotemnem
tevejurisdiçãonoPortomassomenteelerei114.Em1460voltaareclamareo
reiconfirmaajurisdiçãodosjuízesordináriosmasreconheceaoalmirantado
110. NocasodaPederneiraconstatava-seem1460quedesdeoreinadodeD.Duartenãoconseguiaoalmirante
colocarláoseualcaidedomarMARQUESJ.1945-1971,vol.1,nº449).
111. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº217.
112. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº110.
113. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº945dossumários(1442,juizdosfeitosdomarerecovedeiroda
alfândega),íbidem,vol.1,ns.387e388(1451,almirantenacidadedoPorto).
114. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,nº1088dossumários.
339JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
odireitoaternacidadeoficialouoficiaisquerepartamosqueprecisosforem
quandomandarfazeralgumaarmadaemseunome115.
Entretanto,em1454,oalmiranteemcausa,RuideMelo,conseguiraemLis-
boaumreforçodasuaautoridadeparamandararrestarnaviosquandofosse
necessárioarmarsobrecorsáriosefazerdistribuiroscarpinteirosecalafates,
competências que as autoridades urbanas e o almoxarife das taracenas lhe
disputavam116.
Queaestratégiadecolagemdosoficiaisdoalmirantadoaosoficiaisrégiosre-
sultouéalgonotórioem1483.Nestaaltura,aproveitandoavacânciadoofício,
omosteirodeSantaClaradeViladoCondecontestaa jurisdiçãodojuizdo
maremViladoConde,provadeque,durantetrêsdécadas,aassociaçãoentre
osofíciosdejuizdomaredejuizdoalmirante(alcaidedomar)foiefectiva.
oreiD.JoãoIIdecideafavordajurisdiçãolocal,julgandoqueoditojuizdo
marnãotemjurisdiçãosobreosmoradoresdeViladoCondemassomentenos
moradoresdacidadedoPortoeseutermo,emmatériadecontratosfeitoscom
estrangeiros,equedeixedeseintitularjuizdomardesdeoMondegoatéao
Minho,chamando-sesomentejuizdomar117.Contudo,poucosmesesdepois,
aonomearumnovoalmirante,permitiráqueponhaouvidoresnascidadesde
LisboaedoPorto,desdequeconfirmadosporsi118.
CoNCLusÃo
NaIdadeMédiaoalmirantadoportuguêsnãosetransformounumaoportuni-
dadedecolocaroshomensdomarsobumajurisdiçãounificadacomcarácter
permanente119nemcresceupara áreas jurisdicionais vizinhas120.As tentativas
dealargamentojurisdicional,persistentes,chocaramsemprecomaoposição,
igualmentepersistente,dospodereslocais,cujatolerânciaparacomajurisdição
115. MARQUES,J.1945-1971,sup.aovol.1,ns.232e156.
116. MARQUES,J.1945-1971,vol.1,nº409;CUNHA,R.1954,nº20.
117. MARQUES,J.1945-1971,vol.3,nº174.
118. MARQUES,J.1945-1971,vol.3,nº178.
119. AocontráriodoquepareceteracontecidonaFrançaeemInglaterraSERNAVALLEJoM.2006:301-302).
120. ComoaconteceuemCastela,cujoalmirante,alémdedirigiraguerranavaleexercerajurisdiçãomarítima,
controlavaalgunsaspectosdaactividadeportuáriaefiscalizavaocumprimentodapolíticadascosas vedadas
AZNARVALLEJo,E.2001.
340 GENTES DE MAR EN LA CIUDAD ATLÁNTICA MEDIEVAL
MÁRIO VIANA
doalmirantediminuidosulmediterrânicoparaonorteatlântico.Ajurisdição
sobreoshomensdomar,nocontextodoalmirantadoportuguês,nãoerapor-
tantoumdadoadquirido,antesumprocessoemconstrução,comavançose
recuosditadospelasconjunturasatravessadas,comacoroaafazeroraojogo
dospodereslocais,oraojogodosalmirantes,deacordocomosinteressesdo
momento.ComoperpicazmentenotouVitorinoNemésio,“[e]mchancelaria,o
reieraconciliadoreprudente;naacção,inovadoreousado”121.
Apesardasjurisdiçõesconcorrentes,dealgunsfracassosmilitaresedosnaufrá-
giospolíticos,oalmirantadomantevesempreumelevadoníveldeactividade,
sobretudonoquetocaàsoperaçõesnavaisnazonadoEstreitoenoNortede
África,espaçodeimportânciageoestratégicaconstante,ondeàsgaléssucedem
naus,caravelas,barcas, fustasealbetoças.Atédemonstraçãoemcontrário,e
salvoalgumaexcepção,temosdeadmitirqueoalmirantemanteveasuprema-
ciadocomandonavalnesteenoutrosespaçosdeactuaçãoecomtodootipo
demeios.
oqueresultaclaro,porfim,équeoalmirantadoportuguêsmostranosséculos
medievaisasmarcascaracterísticasdeumofíciomilitardefronteira:aligação
directaaosoberano,aflutuaçãojurisdicionaleodesempenhocarismático.Só
maispertodotermodoséculoXV,quandoessafronteiraprogrideparasulaté
aosconfinsdocontinenteafricano(1488),équesedãoalteraçõessignificativas
noseuperfiloperacionalcomreflexosnaestruturaorgânica.Éassimqueem
documentosemitidosentre1486e1497osreissedirigemnãoaoalmirantee
aocapitão-mordomar,masaoalmirante,sota-almiranteecapitãesdomar122.
121. NEMÉSIo,V.1961:16.
122. Porexemplo:CoELHo:1943,nº185(1486),CoSTA,J.1987:157-159,155-157(1497).
341JESÚS ÁNGEL SOLÓRZANO TELECHEA, MICHEL BOCHACA y AMÉLIA AGUIAR ANDRADE (Eds.)
O ALMIRANTADO E A JURISDIçãO SOBRE OS HOMENS DO MAR EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA
ANEXo
Sequência de ocupações do almirantado português (1314-1501)
Asdatasindicadassãoasdatasextremasdasmençõesdocumentais,pontual-
mentecorrigidaspelabibliografia.
NunoFernandesCogominho(1314).
ManuelPessanhaI(1317-1341).
CarlosPessanhaI(1342).
BartolomeuPessanha(?).
LançarotePessanhaI(1356-1372).
D.JoãoAfonsoTelo(1373-1381).
LançarotePessanhaI(1381-1384).
ManuelPessanhaII(1384-1387).
CarlosPessanhaII(1387-1433).
D.PedrodeMeneses(1433-1437).
CarlosPessanhaII(1437-1444).
Lançarote[PessanhaII](1444-1453).
RuideMelo(1453-1467).
NunoVasquesdeCasteloBranco(1467-1475).
LopoVasquesdeCasteloBranco(1475-1478).
vacância do almirantado (1478-1483)
D.PedrodeAlbuquerque(1483-1484).
LopoVasquesdeAzevedo(1485-1501).
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