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RESENHAS CORSARO, William A. Sociologia da infância. Tradução de Lia Gabriele Regius Reis. São Paulo: Artmed, 2011, 384 p. O renomado pesquisador William A. Corsaro é referência mundial em pesquisas sobre culturas infantis em um campo que contemporaneamente é deno- minado de sociologia da infância. São objetos principais de suas investigações as relações entre as crianças, a vida das crianças e sua participação social. Há mais de 30 anos desenvolve investigações com crianças pequenas (em idade pré-escolar) nos Estados Unidos, Itália e Noruega. São estudos etnográficos sobre os quais se pode afirmar que o autor não faz pesquisas sobre as crianças, mas com as crianças, ou a partir das crianças. Esse posicionamento fez com que recentemente ele abordasse os temas metodologia e ética em suas pesquisas. A tradução e publicação de Sociologia da infância, em 2011, foi um presente para as pesquisadoras e pesquisadores brasileiros que estudam a infância e culturas infantis, pois até então se tinha acesso à obra apenas em outras línguas. A proposta da obra é estudar as crianças numa perspectiva sociológica em que o foco não está nas questões individuais e de preparação para o futuro, as quais consideram a socialização como a internalização, pelas crianças, dos conhecimentos, regras e normas adultas. Faz críticas às perspectivas sociológicas clássicas, reprodu- tivistas e da psicologia. Reconhece as contribuições dos modelos construtivistas de Piaget e Vygotisky, no entanto há também censuras a essa visão individualista e ao modelo linear de desenvolvimento. Aponta uma distinção no campo da sociologia da infância entre pesquisas com abordagens macro e micro (estruturais), definidas por ele como social- -psicológica. Em Sociologia da infância, o autor apresenta pesquisas que transitam pelas duas abordagens. Os elementos centrais do livro são as relações construídas coletivamente pelas crianças entre si, com os adultos e como nessas relações a cultura é reproduzida, compartilhada, criada e recriada. Corsaro se envolve nas situações de brincadeira posicionando-se como um “adulto atípico” (destituído de poder), atitude que permite 483 Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 50 maio-ago. 2012

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  • RESENHAS

    CORSARO, William A. Sociologia da infncia. Traduo de Lia Gabriele Regius Reis. So Paulo: Artmed, 2011, 384 p.

    O renomado pesquisador William A. Corsaro referncia mundial em pesquisas sobre culturas infantis em um campo que contemporaneamente deno-minado de sociologia da infncia. So objetos principais de suas investigaes as relaes entre as crianas, a vida das crianas e sua participao social. H mais de 30 anos desenvolve investigaes com crianas pequenas (em idade pr-escolar) nos Estados Unidos, Itlia e Noruega. So estudos etnogrficos sobre os quais se pode afirmar que o autor no faz pesquisas sobre as crianas, mas com as crianas, ou a partir das crianas. Esse posicionamento fez com que recentemente ele abordasse os temas metodologia e tica em suas pesquisas.

    A traduo e publicao de Sociologia da infncia, em 2011, foi um presente para as pesquisadoras e pesquisadores brasileiros que estudam a infncia e culturas infantis, pois at ento se tinha acesso obra apenas em outras lnguas.

    A proposta da obra estudar as crianas numa perspectiva sociolgica em que o foco no est nas questes individuais e de preparao para o futuro, as quais consideram a socializao como a internalizao, pelas crianas, dos conhecimentos, regras e normas adultas. Faz crticas s perspectivas sociolgicas clssicas, reprodu-tivistas e da psicologia. Reconhece as contribuies dos modelos construtivistas de Piaget e Vygotisky, no entanto h tambm censuras a essa viso individualista e ao modelo linear de desenvolvimento.

    Aponta uma distino no campo da sociologia da infncia entre pesquisas com abordagens macro e micro (estruturais), definidas por ele como social--psicolgica. Em Sociologia da infncia, o autor apresenta pesquisas que transitam pelas duas abordagens.

    Os elementos centrais do livro so as relaes construdas coletivamente pelas crianas entre si, com os adultos e como nessas relaes a cultura reproduzida, compartilhada, criada e recriada. Corsaro se envolve nas situaes de brincadeira posicionando-se como um adulto atpico (destitudo de poder), atitude que permite

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  • uma relao de confiana com as crianas, o que lhe proporciona trnsito livre e um olhar diferenciado do universo infantil. Os exemplos de brincadeiras infantis eas descries cuidadosas dos cadernos de campo do pesquisador trazem vida para asreflexes sobre a complexidade e diversidade da vida das crianas.

    Vale-se do conceito de reproduo interpretativa, por ele criado que expressa no termo reproduo a restrio das condies da estrutura social e de re-produo social, alm dos processos histricos que constituem sociedades e culturas e afetam as crianas e infncias como suas integrantes , para lembrar que as crianas no se limitam a internalizar a sociedade e a cultura, mas contribuem ativamente para a produo e mudana culturais (p. 32). A inovao e a criatividade advindas da participao social das crianas seriam expressas pelo termo interpretativa.

    Discute o efeito das foras sociais sobre a infncia e da infncia sobre as for-as sociais. Procura situar e contextualizar a infncia com base em uma perspectiva histrica e cultural. Prope tentar compreender as mudanas econmicas, sociais e culturais pelas prprias crianas, tendo como foco as famlias ocidentais, embora tambm traga alguns exemplos da frica. Assinala como principais mudanas no cotidiano familiar a diminuio do nmero de filhos, o aumento do nmero de horas em que os pais permanecem no trabalho e a crescente institucionalizao das atividades de lazer das crianas.

    Explora as metodologias de pesquisa que tm como ponto de partida a infn-cia como estrutura social e as relaes de reciprocidade em que as crianas afetam e so afetadas pela sociedade (p. 57). Faz um alerta sobre as necessidades de adaptao dos mtodos j utilizados em pesquisa com adultos e sinaliza com a possibilidade de novos mtodos, com utilizao de gravaes audiovisuais e desenhos infantis.

    Outro conceito muito presente nessa obra o de cultura de pares, pois se-gundo Corsaro (p. 94-95),

    [] as crianas no se desenvolvem simplesmente como indivduos, elas pro-duzem coletivamente culturas de pares e contribuem para a reproduo de uma sociedade ou cultura mais ampla [] particularmente importante a ideia de que as crianas contribuem com duas culturas (a das crianas e a dos adultos) simultaneamente.

    Apresenta o papel da famlia e das rotinas familiares como um espao impor-tante para a iniciao na cultura de pares, mas acentua que para o desenvolvimento das culturas infantis h a necessidade do convvio com outras crianas. Argumenta que o espao pblico vai oferecer s crianas experincias ricas e diferentes dos pos-sveis no espao privado. Chama a nossa ateno para a interdependncia existente entre as culturas adulta e infantil.

    Aponta que as culturas infantis tm um universo simblico especfico (figuras mticas: fadas, monstros, drages, Papai Noel etc.) e tambm apresenta exemplos de outras culturas em que os personagens fantsticos tambm esto presentes e relata como adultos e crianas maiores lidam com esse universo imaginrio.

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  • Destaca que alm dos brinquedos h uma srie de materiais e ferramentas (livros, lpis de cor, canetinhas, tintas e papis) dos quais as crianas se valem para produzir vrios artefatos da cultura material da infncia (desenhos, pinturas, escul-turas de blocos etc.). A relao das culturas infantis com o consumo sabiamente explorada pelo marketing, que observa as crianas, as leva a srio e entende que elas so consumidoras com grande poder de compra e convencimento dos pais. Constata que brinquedos produzidos para as crianas, assim como outros materiais fabrica-dos pelos adultos, muitas vezes adquirem outros usos inventados por elas mesmas.

    Exemplifica, com relatos de diversas brincadeiras, os esforos das crianas em controlar a prpria vida e de compartilhar esse controle com seus parceiros.

    Com as crianas de 3 a 6 anos, aponta as diversas formas e jogos que envol-vem a proteo do espao de interao, s vezes com restrio ao acesso de algumas crianas, que por sua vez criam estratgias de acesso que so negociadas com o grupo.

    [] ao proteger seus espaos interativos, as crianas acabam percebendo que podem gerenciar suas prprias atividades. Ao negociar quem brinca e quem no brinca, quem est no grupo e quem no est, as crianas comeam a compreen-der suas identidades sociais em desenvolvimento. Tal diferenciao entre pares se torna mais importante ao longo dos anos pr-escolares e um processo na cultura de pares pr-adolescentes. (Corsaro, 2011, p. 165)

    As brincadeiras so assim marcadas por rituais, rotinas de compartilhamento e jogos de linguagem que muitas vezes so tambm formas de lidar com os medos e preocupaes da vida cotidiana (como nos jogos de fugir de monstros). Os vnculos de amizade que surgem dessas interaes tm variaes conforme os contextos so-ciais e culturais em que vivem as crianas. Chama a ateno do leitor para o papel da resistncia e do confronto com a autoridade do adulto no comprometimento e coeso dos grupos infantis, alm do forte desejo de partilha e participao social.

    Verifica que, no entanto, o confronto e os conflitos no emergem somente em relao aos adultos. As diferenciaes de gnero, classe social e questes etnorraciais esto presentes no universo das crianas. Em suas pesquisas com crianas italianas, ressalta o carter pblico e dramtico das discusses. J em pesquisa realizada com crianas afro-americanas, o destaque fica por conta da forma jocosa como enca-minhada a discusso verbal entre elas. A intensidade e o envolvimento emocional chamaram a ateno na investigao, que envolveu crianas norte-americanas de classe mdia alta.

    Embora Corsaro focalize em suas pesquisas as crianas em idade pr-escolar, a faixa etria definida por ele como infncia, para os propostos deste livro a idade vai do nascimento aos 13 anos. Discorre a respeito da cultura de pares de pr--adolescentes (7 a 13 anos) apoiado em pesquisas realizadas por outros estudiosos e pontua a resistncia s normas adultas e o fortalecimento das relaes de amizade como caractersticas marcantes das culturas de pares pr-adolescentes. Com muito cuidado para no generalizar, assinala que nesse perodo pode haver um aprofun-

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  • damento das separaes por classe, gnero e etnia, pois os pr-adolescentes tentam estabilizar sua identidade.

    Ao longo de todo o livro, encontramos reflexes sobre as relaes de inter-dependncia da infncia e sociedade. Na parte final, Corsaro se dedica a discutir as maneiras como as crianas so atingidas por mudanas na ordem social, poltica e econmica.

    Debate sobre como os problemassociais so vivenciadospelas crianas, e por esse ponto de vista aborda as mudanas nas estruturas familiares, como o grande nmero de divrcios, presena feminina no mercado de trabalho, gravidez na adoles-cncia e o papel dos avs no apoio e ateno s crianas nessas novas configuraes. Amplia a discusso com debates sobre as polticas pblicas de apoio maternidade e a pequena infncia nos Estados Unidos e no mundo.

    Reconhece que a infncia na estrutura social o grupo mais vulnervel nas situaes de extrema pobreza e violncia. Com base nessa perspectiva, aborda temas como abuso infantil, pobreza e trabalho infantil.

    Trata de questes relativas aos direitos das crianas e, com uma esperana quase ingnua, apela para que o bom senso adulto leve a infncia em conta nos debates polticos.

    Por fim, aps esse breve panorama do livro Sociologia da infncia, s se pode dizer que, se voc, assim como Corsaro, pensa que o futuro da infncia o presente, vai encontrar apoio para aprofundar os estudos e conhecer mais sobre a infncia contempornea e as relaes de reciprocidade que a infncia estabelece com a sociedade.

    Elina Elias de Macedo doutoranda em educao pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

    E-mail: [email protected]

    Recebido em fevereiro de 2012 Aprovado em abril de 2012

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  • BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Traduo: Ione Ribeiro Valle. Nilton Valle; reviso tcnica: Maria Tereza de Queirz Piacentini. Florianpolis: Editora da UFSC, 2011, 314 p.

    Esta resenha apresenta a obra Homo academicus, escrita por Pierre Bourdieu (1930-2002), publicada na Frana em 1984, e no Brasil em 2011, pela Editora UFSC. um trabalho de traduo que, pelas mos da professora doutora Ione Ribeiro Valle, docente da mesma instituio, e de Nilton Valle, est agora ao alcance de todos que se interessam pelas anlises de um dos socilogos mais importantes da contemporaneidade sobre o campo poltico, de maneira mais ampla, e sobre o campo acadmico, de modo mais especfico.

    Ione Ribeiro Valle, ao apresentar a obra, assegura que educao, na sua forma escolar, que Pierre Bourdieu dedica a maior parte de sua vida intelectual (p. 14), e que o interesse pela escola, no que concerne ao, autoridade e ao trabalho pedaggico, no fruto de uma escolha aleatria (p. 15). Homo academicus est distribudo em cinco captulos, seguido de um ps-escrito, nos quais Bourdieu analisa os acontecimentos e os posicionamentos ocorridos durante e aps o Mo-vimento de Maio de 1968 na Frana, lanando o desafio vocao cientfica do socilogo. Bourdieu no limita sua anlise em razo de ocupar uma posio no espao que o foco de sua investigao. Desse modo, reconhece que caminha por um terreno perigoso. Na obra, Bourdieu edifica uma espcie de topografia social e mental do mundo acadmico ao se propor a desmantelar o Homo academicus, tendo como referncia, principalmente, o espao de uma das mais reputadas universidades francesas: a Sorbonne.

    No primeiro captulo, Um livro para queimar?, ao concordar que est prestes a cometer o ato sacrlego de tirar o vu dos segredos de sua tribo, o socilogo revela que os trabalhos de construo intelectual produzem efeitos e implicam responsabilidades, por serem produes de indivduos, ao mesmo tempo empricos e epistmicos, ou seja, o intelectual se apresenta como objeto e produto de suas prprias anlises. Bourdieu toma como objeto de estudo um problema

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  • epistemolgico em um mundo social, no qual est envolvido, e trata da necessidade de romper com esse mundo para efetuar a anlise desse objeto sem interferncias; isto , exercita o esforo da vigilncia epistemolgica, to preciosa ao autor. Ao estudar o campo acadmico, que definido na obra como o lugar de uma luta para determinar as condies e critrios de pertencimento e de hierarquia legtimos [], as propriedades pertinentes, eficientes, prprias a produzir funcionando como capital os benefcios especficos assegurados (p. 32), o socilogo afirma que toda a compreenso torna-se difcil, visto que pouco se compreende, porque no se quer nem ver nem saber o que se compreende (p. 32).

    O conflito das faculdades o ttulo do segundo captulo. Nele Bourdieu afirma que as posies ocupadas no espao social esto ligadas posse de capital cultural. Os professores universitrios so os que dominam, em maior nmero, esse capital e situam-se, sobretudo, no polo dominado do campo do poder, como deten-tores de uma forma institucionalizada de capital cultural. Esses professores opem-se aos escritores e artistas que ocupam os setores menos institucionalizados do campo social e distanciam-se das normas culturais dominantes e das instncias de controle social. Bourdieu enfatiza que a posio ocupada em um campo est intimamente ligada ao capital cultural. O socilogo declara, ao fim das reflexes a apresentadas, que o conflito das faculdades se estabelece pelo monoplio do pensamento e do discurso legtimo sobre o mundo social, fundamentados em uma mesma cincia da ordem e do poder (p. 102). De um lado, os professores visam racionalizao da ordem estabelecida e, de outro, no pretendem ordenar as coisas pblicas, e sim pens-las como tais, pensar o que a ordem social (p. 102).

    No terceiro captulo, Espcies de capital e formas de poder, Bourdieu explicita que as posies ocupadas pelas faculdades concedem a cada uma delas poder. Esse poder materializa-se, muitas vezes, nas atividades e nas funes exer-cidas. Para o socilogo, nas faculdades de cincias humanas e de letras, as relaes hierrquicas so equilibradas e no h como manter ou modificar as estruturas dessas relaes de poder de modo solitrio e nico. O que abala as estruturas das relaes de poder entre as faculdades a posio que cada uma delas ocupa no interior do campo, bem como as relaes que elas estabelecem entre si. A soma de atributos de cada um dos membros de uma instituio define o seu peso social, visto que as fronteiras no interior dos campos so flutuantes e movedias dentro da estrutura do espao dos poderes. Esses poderes esto intimamente ligados idade e ao acesso s diferentes formas de poder, que variam de acordo com os diferentes nveis de capital cultural e social. Estes so dados pelo prestgio intelectual e cientfico como um poder mais durvel, e pelo poder universitrio, reconhecido exclusivamente nos limites da universidade e fundado, principalmente, no controle dos instrumentos de reproduo do corpo professoral. De acordo com o socilogo, toda dominao temporria, depende de diversos fatores, e quando h inverso insensvel ou brutal de duas posies, os antigos dominantes [] vo sendo pouco a pouco levados, sem o saber e apesar deles, a uma posio dominada contribuindo para o seu prprio declnio (p. 168-169).

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  • O quarto captulo, Defesa do corpo e ruptura dos equilbrios, trata das es-truturas do campo universitrio como um estado, em um momento determinado do tempo e do resultado das relaes de fora estabelecidas entre os agentes. A estrutura do campo depende dessa relao e das transformaes globais, dadas por variveis externas e internas que tambm o afetam. Bourdieu considera que para proteger as invarincias sociais do corpo professoral nos processos de admisso, os responsveis por essa seleo recorrem a um sistema de critrios implcitos e hierarquizados, contudo fora de toda a premeditao (p. 181). Ao apresentar reflexes sobre a crise das sucesses, o socilogo assinala que o sistema universitrio dos anos 1960 tendia a assegurar sua prpria reproduo, produzindo mestres dotados de caractersticas sociais e escolares quase constantes e homogneas (p.188), e que o conflito que dividiu as faculdades opunha as geraes no em relao s faixas etrias, mas s distintas formaes universitrias. Ainda, afirma que a crise que dividiu o corpo docente uma crise de crena (p. 197). A ruptura dos equilbrios ocorre ao romper a relao de identificao antecipada com os mestres e com as posies magistrais e a cumplicidade com os detentores e os pretendentes na adeso s normas (p. 205).

    O momento crtico o quinto captulo. Nele Bourdieu se detm a analisar o Maio de 1968 francs, caracterizando-o como um momento de crise, no qual se elaboraram explicaes e hipteses, as mais diversas, na tentativa de explicit-lo, segundo os benefcios polticos e os mercados aos quais tais explicaes se desti-navam e, tambm de acordo com a atualidade, com a proximidade do dito objeto. Para Bourdieu, a ateno imediata ao imediato promove leituras equivocadas desse objeto, por isolar esse momento crtico da histria francesa, permitindo um movimento que pressupe que haja na histria momentos privilegiados (p. 208). O socilogo considera que a inteno da cincia recolocar o acontecimento extraordinrio na srie dos acontecimentos ordinrios, no interior do qual ele se explica (p. 208). Bourdieu compreende que ocorreu uma sincronizao de crises, que veladas nos mais distintos campos possibilitaram a generalizao da crise do Maio de 1968, tornando-a uma conjuntura, como conjuno de sries causais in-dependentes, que supe a existncia de mundos separados, mas que participam do mesmo universo tanto no seu princpio como no seu fundamento (p. 225). A crise revela-se como delatora de posies sociais que se objetivam segundo a hierarquia social nos diversos campos, inclusive o acadmico, desvelando que o mundo social produto de estruturas objetivas e incorporadas. A crise introduz uma ruptura no que durvel e pe em suspenso a ordem ordinria das sucesses e a experincia ordinria do tempo como presena num futuro j presente (p. 234), forando os agentes a emitir opinies pblicas e publicadas, situando-os em um espao de opi-nies possveis, criando iluses como a da espontaneidade, geradas de acordo com as sensibilidades ao contexto.

    Pierre Bourdieu explicita na obra Homo academicus os obstculos com os quais se confrontam aqueles que intentam transformar a ordem dominante, bem como as dificuldades para sobreviver em uma luta que de todos contra todos, e na qual os agentes so interdependentes e, ao mesmo tempo, concorrentes e clientes,

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  • adversrios e juzes para determinar sua verdade e seu valor, sua vida e sua morte simblica. Admite que o mundo acadmico lcus do debate, do dilogo, mas tambm de disputas acirradas de poder, no qual as carreiras e reputaes so cons-trudas, respeitando-se a lgica do campo e de seus subcampos. Boudieu lana-se ao perigo de escrever um livro para queimar, visto que estremece as estruturas do campo cientfico e retira seus pares de um lugar de conforto, o que pode lev-los a interpretar a obra como um atentado sacrlego contra suas prprias crenas (p. 26).

    Marilndes Ml Ribeiro de Melo professora temporria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutoranda em educao pela mesma instituio.

    E-mail: [email protected]

    Mariele Martins graduanda em pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    E-mail: [email protected]

    Recebido em maro de 2012 Aprovado em maro de 2012

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