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V Encontro Nacional da ANPPAS 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil _____________________________________________________________
A Relação entre as Esferas Pública e Privada no Desenvolvimento do Turismo nos Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil
Camila G. de Oliveira Rodrigues (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Doutora em Política e Gestão Ambiental, Professora e Pesquisadora DAT/IM e PPGDT/UFRRJ [email protected]
Resumo Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil protegem formações geológicas e áreas de extrema relevância no contexto da biodiversidade do país. No Brasil, existem sete Sítios do Patrimônio Mundial Natural, os quais abrigam uma diversidade de biomas (Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Marinho). Para ilustrar a temática deste artigo, serão abordadas algumas características da visitação nos Parques Nacionais do Iguaçu (PR), da Chapada dos Veadeiros (GO) e Marinho de Fernando de Noronha (PE), áreas inscritas como Sitio do Patrimônio Mundial Natural. O objetivo deste trabalho é discutir as formas de inserção das comunidades locais no desenvolvimento do turismo e a conexão que os turistas estabelecem com essas áreas. Uma das principais reflexões desse artigo sugere que, dependendo da forma como o turismo é planejado e implementado, a atividade pode assumir um papel diferenciado no aporte de benefícios socioeconômicos para as comunidades locais e na compreensão sobre as funções ambiental e social destas áreas para a sociedade. A apropriação pode ocorrer em termos de responsabilização, de patrimônio, de respeito e de equidade, mas também em termos econômicos, que tende a despertar questões como individualização, a satisfação imediata das necessidades, o lucro. Essas duas abordagens não são excludentes, mas podem assumir pesos diferenciados, conforme a ênfase atribuída aos aspectos ambientais e socioeconômicos do turismo. Essa análise sugere uma importante reflexão sobre o ‘sentido’ da visita aos Sítios do Patrimônio Mundial Natural, e o seu potencial para instigar questões relacionadas à consciência patrimonial na utilização dos bens de uso comum. Palavras-chave: Sítios do Patrimônio Mundial Natural; turismo; esfera púplica; efera privada.
Apresentação
Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural, localizados no Brasil, abrigam áreas de extrema
relevância no contexto ambiental e socioeconômico do país. Atualmente, o Brasil conta com sete
áreas designadas pela UNESCO como Sítio do Patrimônio Mundial Natural. Dentre estas, este
trabalho irá utilizar como experiências ilustrativas três áreas de significativo impacto na dinâmica
do turismo no país: o Parque Nacional de Iguaçu, o mais visitado no Brasil, o Parque Nacional
Marinho de Fernando de Noronha, reconhecido principalmente pela sua beleza paisagística e pela
riqueza e diversidade do ambiente marinho, e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, uma
importante área de preservação do bioma cerrado.
O objetivo deste trabalho é discutir as formas de inserção das comunidades locais no
desenvolvimento do turismo e a conexão que os turistas estabelecem com os Sítios do Patrimônio
Mundial Natural.
A compreensão sobre a importância e os valores relacionados aos Sítios do Patrimônio Mundial
Natural, por parte das comunidades locais e dos turistas, requer também a “internalização” do
conceito de “público”, à luz dos direitos e das responsabilidades frente à utilização deste
patrimônio coletivo. O termo “público”, pode assumir diferentes abordagens, de acordo com o
posicionamento de cada ator social no processo de apropriação destes sítios.
A participação das comunidades locais na dinâmica do turismo depende da forma como a
atividade é planejada e promovida no âmbito da gestão dos parques nacionais. Uma das
principais estratégias que vem sendo incentivadas no Brasil para apoiar a gestão de áreas
protegidas é o estabelecimento de “parcerias” entre as esferas pública e privada. No caso das
atividades vinculadas ao turismo nos parques nacionais brasileiros, alguns instrumentos como a
concessão, permissão e autorização, formalizam a atuação dos prestadores de serviços de apoio
ao turismo. Dependendo do modelo escolhido para o desenvolvimento do turismo, a atividade
pode assumir um papel diferenciado no aporte de benefícios socioeconômicos para as
comunidades locais e na compreensão sobre as funções ambiental e social destas áreas para a
sociedade.
Assim, este trabalho oferece elementos para a reflexão sobre a relação entre as esferas pública e
privada, em dois sentidos principais: na dinâmica de prestação de serviços de apoio ao turismo
nas áreas protegidas e na relação que os visitantes estabelecem com as áreas protegidas,
inscritas como Sítios do Patrimônio Mundial Natural.
A dinâmica do turismo nos Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil
Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil protegem formações geológicas e áreas de
extrema relevância no contexto da biodiversidade do país, incluindo habitat de espécies animais e
vegetais ameaçados de extinção.
No Brasil, existem sete sítios do patrimônio mundial natural1, os quais abrigam uma diversidade
de biomas (Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Marinho) e diferentes contextos socioeconômicos,
característicos de um país com dimensões continentais.
Para ilustrar a temática deste artigo, serão abordadas algumas características da visitação no
Parque Nacional do Iguaçu (Mata Atlântica), no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
(Cerrado) e no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (Marinho). A dinâmica de
1 1. Parque Nacional do Iguaçu; 2. Costa do Descobrimento Reservas da Mata Atlântica; 3. Mata Atlântica Reservas do Sudeste; 4. Área de Conservação do Pantanal; 5. Complexo de Conservação da Amazônia Central; 6. Ilhas Atlânticas Brasileiras: Fernando de Noronha e Atol das Rocas; 7. Parques Nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas.
visitação nesses parques é bastante diferente, fato que reforça o potencial para se pensar em
diferentes estratégias de planejamento e gestão do turismo. Antes de apresentar algumas
características principais dessas áreas, considera-se oportuno discorrer brevemente sobre a
inserção dos parques nacionais no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) do
Brasil.
As “unidades de conservação”, como o parque nacional2, são áreas especialmente protegidas por
lei, com objetivos de conservação e limites definidos. A composição do SNUC3, considerando as
esferas federal, estadual e municipal, está sistematizada no Quadro 1 a seguir:
Fonte: Cadastro Nacional de Unidades de Conservação / Ministério do Meio Ambiente. www.mma.gov.br/cadastro_uc. Atualizado em 03/11/2011.
Este quadro procura demonstrar a dimensão dos desafios para a conservação da biodiversidade
no país, mas também, para o turismo, uma vez que estas áreas representam importantes atrativos
para o desenvolvimento da atividade.
Os parques nacionais brasileiros recebem, anualmente, cerca de 4 milhões de visitantes, sendo
que cerca de 70% se concentram nos Parques Nacionais da Tijuca e do Iguaçu.
O número de visitantes nos parques nacionais brasileiros é bastante limitado, considerando o
potencial dessas áreas. No entanto, as tendências de crescimento do turismo no Brasil, o
aumento da procura por atividades recreativas em ambientes naturais e a estruturação dos
parques nacionais indicam um cenário promissor em termos do impacto econômico da atividade,
2 Os parques nacionais são criados com o objetivo de preservação de ecossistemas e áreas de grande beleza cênica, possibilitam a pesquisa, a educação e a interpretação ambiental e o turismo em contato com a natureza. São administrados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. 3 O SNUC é formado por dois grupos de categorias de unidades de conservação, assim denominados: Grupo de Proteção Integral e Grupo de Uso Sustentável. No primeiro grupo, a proteção integral deve assegurar a preservação da natureza, não sendo permitido a presença de moradores no seu interior, mas apenas o uso indireto dos recursos naturais. As categorias de proteção integral são: Parque Nacional, Reserva Biológica, Estação Ecológica, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. No segundo, o objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de uma parcela de seus recursos naturais. As categorias desse grupo são: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
tanto no contexto local, como também no que diz respeito ao incremento de recursos para a
manutenção destas áreas.
Além do incremento de infraestrutura nas unidades de conservação, está previsto para os
próximos anos um investimento significativo nas áreas de influência dos parques nacionais e
estaduais, em virtude dos mega eventos esportivos que o país abrigará em 2014 (Copa do
Mundo) e 2016 (Olimpíadas). O Programa “Parques da Copa”, elaborado pelo Ministério do Meio
Ambiente, em parceria com o Ministério do Turismo, selecionou diversas unidades de
conservação que serão alvo de investimentos para a estruturação da visitação. Dentre essas
áreas, destacam-se alguns Sítios do Patrimônio Mundial Natural, como os parques nacionais que
serão abordados neste artigo.
A dinâmica de visitação no Parque Nacional do Iguaçu (PR)
O Parque Nacional do Iguaçu (PNI) foi o segundo parque nacional criado no País, em 1939, e o
primeiro a ser reconhecido como patrimônio mundial natural pela UNESCO, em 1986. Esse
parque é mundialmente conhecido pela exuberância das “Cataratas do Iguaçu”. No entanto, além
da beleza paisagística, o parque protege um importante remanescente do bioma Mata Atlântica.
Está localizado na região Sul do país, no estado do Paraná. Possui uma área de 185.262
hectares, que abrange parte de cinco municípios da região. O primeiro plano de manejo4 do
parque foi elaborado em 1981, tendo sido revisado no ano de 1999.
Em 2010, o parque recebeu cerca de 1,3 milhões de visitantes, sendo que a maioria é estrangeiro.
Para aprimorar a gestão do turismo, o parque vem adotando, desde o ano de 1997, a estratégia
de conceder a prestação de serviços e a utilização da área para a exploração pela iniciativa
privada, conforme regras pré-definidas. Desde então, a experiência desenvolvida no parque tem
sido alvo de inúmeras análises e críticas relacionadas aos aspectos positivos e negativos das
concessões.
O modelo de prestação de serviços no PNI envolve grandes investimentos, pois é desenhado com
base em um padrão de atendimento de larga escala, com equipamentos e serviços compatíveis à
demanda de visitação. Este modelo prioriza a participação de empresas consolidadas no
mercado, com potencial de investimento, e que muitas vezes são de origem externa ao local.
A concessão de serviços de médio e grande portes impulsionou a contratação de mão-de-obra
local e a geração de oportunidades de trabalho no parque. Atualmente as concessionárias
empregam 700 pessoas residentes nos municípios localizados na áreas de abrangência do
parque.
4 “Plano de manejo é o documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (BRASIL, 2000).
A composição dos serviços de apoio ao turismo e a forma como são prestados podem induzir a
interpretações equivocadas, por parte dos visitantes, que tendem a compreender o parque
nacional como se fosse um “parque de diversão”, de propriedade privada. Os exemplos a seguir
procuram ilustrar essa dinâmica.
O desenho da concessão no parque atribuiu ao concessionário a responsabilidade de recolher o
pagamento dos ingressos e fazer o controle do fluxo de visitantes. A concessionária repassa
83,34% do valor de cada ingresso vendido e fica com 16,66%, como contrapartida pela
manutenção do sistema de bilheteria. O primeiro contato dos visitantes com o ʻparque nacionalʼ é
o funcionário da bilheteria, cuja função se restringe a recolher o dinheiro em troca do ingresso,
como se fosse um cobrador de metrô. São funcionários da concessionária e não do parque.
Vestem uniforme cedido pela concessionária e seguem as suas orientações. Não têm a função de
fornecer informações sobre as atividades e os regulamentos do parque, apenas entregam ao
visitante o ingresso e algumas vezes um folheto com informações sobre a área.
O ingresso para entrar no PNI engloba o transporte do visitante até o Espaço Porto Canoas5, a
visita ao centro de visitantes e a caminhada na trilha das Cataratas, uma das únicas atividades
prestadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. As outras atividades
como o passeio de elevador panorâmico até o Espaço Naipi, a Trilha do Poço Preto – Porto
Taquara, a Trilha das Bananeiras, o Percurso do Macuco Safari6, o rafting nas corredeiras do rio
Iguaçu, o Campo dos Desafios7 e o passeio de helicóptero são administradas pelas
concessionárias e requerem o pagamento de uma taxa cobrada à parte do ingresso para entrar no
parque. A trilha do Poço Preto – Porto Taquara contribui para interpretações enviesadas sobre a
“privatização” dos parques nacionais. A visitação nessa trilha está condicionada à contratação do
serviço da empresa concessionária. Assim, o visitante que não contratar o serviço não terá direito
a percorrer a trilha, pois a área está sob a administração da concessionária. Nesse caso, a
concessão dos serviços vinculados ao uso da trilha, como a guiagem, o aluguel de bicicletas e o
transporte em veículos elétricos, envolve também a concessão de uso de uma determinada área
do parque. Nesse contexto, é importante frisar que o objeto da concessão envolve a utilização de
uma área, que continua sendo de domínio público, pois está dentro dos limites do parque
nacional.
Desse modo, ainda que a quantidade de atividades não influencie necessariamente a experiência
da visita, pois a contemplação das Cataratas pode ser suficiente para sensibilizar e satisfazer
muitos visitantes, a diversidade de oportunidades recreativas vivenciadas depende em grande
medida do poder aquisitivo dos visitantes. O número de atividades disponibilizadas mediante o
pagamento do ingresso é desproporcional em relação à quantidade de atividades que o parque
oferece. 5 Espaço que apresenta uma área de alimentação, mirante, início da trilha das Cataratas, estacionamento. 6 Esse percurso envolve o passeio de jipe, caminhada por uma trilha suspensa, passeio de barco pelo rio Iguaçu. 7 Engloba atividades de escalada, arvorismo, escalada em rocha, rappel.
O formato da visitação no Parque Nacional do Iguaçu potencializou os serviços agregados e,
consequentemente, a necessidade de equipamentos e técnicas específicas e pessoal qualificado
para prestar os serviços com qualidade e segurança. Esses itens requerem um investimento
significativo e dependem da tarifa paga pelos visitantes. Portanto, para que o ICMBio possa
balancear a viabilidade econômica do empreendimento e a definição de preços módicos para o
usuário, é necessário o acompanhamento sistemático dos rendimentos e das despesas da
prestação de serviços, que deverá indicar as bases para a fixação dos preços (RODRIGUES,
2009).
De acordo com o planejamento da visitação num determinado parque, a realização de atividades
recreativas pode ou não depender da contratação de serviços de terceiros. Assim, a visita e a
prática de determinadas atividades não estariam subordinadas apenas à existência de um
contrato de concessão. A definição da maneira mais adequada de organização da atividade deve
ser avaliada criteriosamente considerando, dentre outros aspectos, o zoneamento e a diversidade
de oportunidades recreativas, as expectativas dos visitantes, a qualidade da experiência, a
segurança e os parâmetros relacionados à minimização dos impactos indesejados da visitação
(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006).
A dinâmica de visitação no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE)
O Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PARNAM Fernando de Noronha) foi criado
1988 para proteger os ecossistemas marinho e terrestre do arquipélago de Fernando de Noronha
e, em 2001, recebeu o título de Sítio do Patrimônio Mundial da Natural pela UNESCO. Além de
paisagens e praias singulares o arquipélago abriga diversas espécies marinhas em habitat
privilegiadamente conservado e abriga também o único mangue insular do Atlântico Sul.
O arquipélago de Fernando de Noronha é administrado pelo estado do Recife e está localizado a
350km da costa nordeste do Brasil. Possui 21 ilhas, sendo que o parque nacional engloba 11.200
hectares da maior ilha do arquipélago. O plano de manejo do parque foi elaborado em 1989 e
revisto em 2005.
Em 2010, o parque recebeu 55 mil visitantes, de diferentes perfis, desde os interessados nas
atividades aquáticas, como aqueles que visitam o parque para contemplar a paisagem e registrar
que conheceram um dos destinos turísticos mais cobiçados do país.
Da mesma forma que outros parques nacionais, o PARNAM de Fernando de Noronha, desde a
publicação de seu plano de manejo, permaneceu um longo período sem receber novos
investimentos para aprimorar a infraestrutura e a gestão da visitação. Os serviços de apoio
oferecidos aos turistas concentram-se basicamente na oferta de condutores de visitantes para
percorrer as trilhas e conhecer as praias do parque e na operação de mergulho profissional e
snorkerling. Estes serviços são ofertados principalmente por profissionais provenientes de outras
regiões, e até mesmo de outros países. Os moradores nativos atuam como condutores de
visitantes, mas também ocupam cargos de recepcionista, limpeza, governança, servente de obra,
garçon, nos empreendimentos hoteleiros e de alimentação, cuja propriedade é, em grande parte,
de pessoas que não nasceram na ilha.
Com o objetivo de aprimorar a qualidade da visitação no parque, foi iniciado, a partir de 2007, o
processo de análise da viabilidade econômica dos serviços de apoio ao turismo para subsidiar a
concessão. Em 2010, foram licitados diversos serviços como a cobrança de ingresso, loja de
souvenir e conveniência, lanchonete e aluguel de bicicletas.
A empresa vencedora da licitação também é uma das concessionárias do Parque Nacional do
Iguaçu. O processo de licitação salientou que as empresas interessadas deveriam apresentar
experiência na operação de serviços similares em unidades de conservação. Contudo, cumpre
salientar que, de acordo com Rodrigues (2009), existem poucos parques que operam serviços
mediante contratos de concessão8. Sendo assim, embora as licitações tenham uma caráter
isonômico, dependendo dos critérios definidos para a seleção da empresa, a questão da isonomia
pode ser relativizada, pois o processo tende a privilegiar as empresas que já possuem experiência
na prestação de atividades similares.
De acordo com as informações obtidas junto à administração do parque, o prazo da concessão
será de 15 anos, podendo ser prorrogado por mais 5 anos caso a operação seja avaliada
satisfatoriamente, segundo critérios ambientais e socioeconômicos. A empresa vencedora irá
investir cerca de 8 milhões de reais nos dois primeiros anos de contrato.
No que diz respeito aos efeitos na geração de emprego e renda, estima-se que a concessão de
serviços irá empregar entre 50 a 60 pessoas, sendo que os profissionais que irão atuar na
gerência dos empreendimentos não são residentes da ilha. Essa dinâmica de contratação de
mão-de-obra local é freqüente, sobretudo em cidades de pequeno porte e regiões rurais, nas
quais a população necessita de uma qualificação adequada aos postos de trabalho típicos dos
serviços de hospedagem, alimentação, guiagem, entre outros. Além da baixa qualificação e
instrução, a dificuldade de formalização dos empreendimentos de base comunitária e a ausência
de capital para investimento e para manutenção da oferta básica de serviços são os principais
fatores que limitam a inserção das comunidades locais no processo de prestação de serviços de
apoio ao turismo nos parques nacionais. E, com esse panorama, boa parte da população local fica
sujeita ao trabalho assalariado, em atividades com pouca necessidade de capacitação e
especialização. Nesse sentido, dentre as possibilidade de formalização da prestação de serviços
nos parques nacionais, é importante destacar também os arranjos institucionais que possibilitem a
inserção dos atores locais por meio da consolidação de empreendimentos de micro e pequenos
portes.
8 Em pesquisa de doutorado, realizada em 2009, Rodrigues identificou apenas quatro parques nacionais que utilizam o instrumento ‘permissão’ de serviços (Serra dos Órgãos, Tijuca, Brasília e Aparados da Serra) e quatro que utilizam o instrumento ‘autorização’ (Serra dos Órgãos, Jaú, Grande Sertão Veredas, Aparados da Serra). Os dois registros de atividades realizadas por meio de contrato com concessionárias valem para os Parques Nacionais do Iguaçu (PR) e de Sete Cidades (PI). Ambos iniciaram o processo de concessão no final da década de 1990.
A dinâmica de visitação no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO)
O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi criado em 1961, com a função primordial de
proteger uma área significativa do Cerrado de altitude. Foi declarado Patrimônio Mundial Natural
em 2001 pela UNESCO e faz parte da Reserva da Biosfera do Goyaz.
Está localizado na região centro-oeste do país, no estado do Goiás. Abrange uma área de 65 mil
hectares, com inúmeras cachoeiras e trilhas de longo percurso. O plano de manejo do parque foi
elaborado em 1998 e revisado em 2009.
Atualmente, a visitação no parque está concentrada em basicamente duas trilhas de média
distância, que conduzem a cachoeiras, com locais de banho e mirantes. Em 2010 o parque
recebeu 21 mil visitantes.
Antes da criação do parque, a área era intensamente ocupada por garimpos, que empregavam
grande parte da população local. Com a criação do parque, o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela administração da área, iniciou um
processo de sensibilização junto à população local no sentido de modificar as formas de utilização
da área. Foi nesse processo que surgiu o projeto de capacitação de condutores de visitantes,
envolvendo os ex-garimpeiros que, com a criação do parque, tiveram que modificar a sua
ocupação principal. Como uma forma de garantir o trabalho para a população local e prevenir os
impactos ambientais, o ICMBio instituiu uma normativa que regulamentou o acesso de visitantes
ao parque somente com a condução de visitantes. Embora essa iniciativa tenha beneficiado à
população local, por meio da geração de empregos, diversos protestos e reclamações foram
dirigidas ao ICMBio contra a obrigatoriedade da visita guiada9.
Ao analisar as características dos parques brasileiros, principalmente os localizados em regiões
menos populosas, verifica-se que os serviços desenvolvidos nestas áreas, a maioria não
formalizado, são prestados por associações locais que vêem no turismo uma oportunidade para
incrementar os seus rendimentos. Um exemplo típico da ‘janela de oportunidade’ vinculada ao
turismo é a proliferação de associações e de cooperativas de condutores de visitantes e de
prestadores de serviços que, ao invés de usar diretamente os recursos naturais do parque, são
estimulados a buscar alternativas de uso indireto, como os serviços de apoio à visitação.
Alternativas para o fortalecimento de empreendimentos de base comunitária na prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais
Como salientado anteriormente, apenas dois parques nacionais brasileiros recebem acima de 500
mil visitantes/ano. Os Parques Nacionais de Iguaçu e da Tijuca recebem juntos cerca de 2
milhões de visitantes. No caso do Parque Nacional do Iguaçu, o alto fluxo de visitantes, em
9 A questão da obrigatoriedade de contratação de condutores é encarada por muitos gestores de unidades de conservação como uma forma de salvaguardar o visitante e a própria instituição em relação aos riscos de acidentes e de degradação do patrimônio ambiental e natural. No entanto, a lógica da obrigatoriedade supõe que o visitante, quando acompanhado (e observado) por um condutor, irá se comportar de maneira ‘exemplar’, diminuindo os riscos de acidentes ou de depredação do patrimônio da UC.
comparação com todos os demais parques nacionais, é uma das principais justificativas para a
consolidação de serviços compatíveis com essa demanda. Assim, o porte dos investimentos e das
estruturas deve ser proporcional à demanda e aos impactos relacionados ao turismo no parque.
Neste caso, o escopo da prestação de serviços no parque prioriza empresas que tenham
capacidade de investimento e, ao mesmo tempo, obtenham o retorno do capital despendido.
Contudo, como deve ser desenhada a prestação de serviços em parques nacionais que
apresentam um fluxo médio e/ou pequeno de visitantes? Um parque com uma visitação anual de
30 mil visitantes é um destino “atraente” em termos de investimentos por parte da iniciativa
privada? Quais são as especificidades entre os modelos de prestação de serviços em termos de
desenvolvimento socieconômico local?
A atratividade para o investidor está relacionada ao retorno econômico que ele poderá obter,
dentro do menor prazo possível e com o maior grau de confiabilidade. Esse retorno pode estar
associado ao número de “clientes” interessados em acessar o serviço e à tarifa cobrada para a
sua utilização, ou a ambos. Contudo, em se tratando de áreas legalmente instituídas para a
conservação da natureza, como os parques nacionais, a dinâmica de visitação é orientada
prioritariamente por estratégias de manejo compatíveis com esse objetivo. Assim, quando o
assunto é a concessão de serviços de apoio à visitação, os elementos relacionados ao mercado
turístico (demanda, competitividade, lucro) entram em cena e, caso não sejam devidamente
planejados, podem distorcer a função dos parques nacionais.
Nesse ponto emerge a discussão sobre a ética que orienta o processo de prestação de serviços
nos parque nacionais. Isso se coloca tanto em termos ambientais, que trazem à tona a questão da
supremacia do mercado frente à conservação da natureza, quanto em termos socioeconômicos,
que dizem respeito aos arranjos institucionais que possibilitem a inserção dos atores locais no
processo de prestação de serviços porte. Seguindo esta perspectiva, o engajamento de micro e
pequenas empresas e/ou cooperativas deve ser incentivado no sentido de fortalecer a cadeia
produtiva de base local.
A prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais é defendida como uma forma
de potencializar a economia e a geração de oportunidades de trabalho e renda para as
comunidades locais (CEBALLOS-LASCURÁIN, 2001; EAGLES, McCOOL & HAYNES, 2002;
CHRIST et al. 2003). Por outro lado, diversos autores salientam que o turismo, quando tratado
apenas sob o enfoque econômico e de maneira desconectada do território, entendido como
espaço de reprodução social e cultural, pode acarretar também a pobreza, a exclusão espacial e a
degradação social e ambiental (RODRIGUES, 2000; IRVING, 2002 e 2008; ZAOUAL, 2008).
Neste contexto, “O que se deve enfatizar é o modelo de desenvolvimento e o tipo de turismo que
se deseja desenvolver” (SANSOLO & CRUZ, 2003, p. 5). Esse é o ponto de reflexão inicial para
as iniciativas que visam incentivar a visitação nos parques nacionais como uma forma de
compatibilizar a conservação da natureza com a geração de alternativas sustentáveis para o
desenvolvimento socioeconômico local. Para tanto, é necessário qualificar a geração de emprego
e renda por meio do turismo e não restringi-la apenas a um mero indicador quantitativo. Qual é a
possíbilidade da prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais propiciar a
organização e o fortalecimento das iniciativas de base local?
Os efeitos econômicos positivos da visitação são argumentos utilizados pelas instituições
responsáveis pela criação dos parques nacionais que tentam “compensar” a perda por parte das
populações locais relacionada às atividades tradicionais praticadas no local. Contudo, a geração
de emprego e renda como forma de assegurar a melhoria da qualidade de vida das populações
locais deve ser relativizada, principalmente em situações como a destacada por Kramer (2002) no
caso dos albergues de caça da África do Sul:
O lado positivo é que a condição lucrativa do empreendimento leva à criação de postos de trabalho bem pagos e duradouros, que beneficiam moradores locais. Por outro lado, os residentes da área estão mais frequentemente resignados a ser empregados de reservas privadas do que a abrir seus próprios negócios. Mesmo quando os proprietários são nativos do país, eles frequentemente pertencem a uma minoria comparativamente rica e branca (2002, p.377).
Outro exemplo que reforça a atuação ‘instrumental’ dos locais no desenvolvimento do turismo é o
caso descrito por Terborgh & Peres (2002) no Parque Nacional Canaima, na Venezuela. O
turismo se tornou a principal atividade da população indígena local, os Pemon. Os homens
trabalham na “indústria de turismo” e as mulheres produzem artesanato para os turistas. A caça e
a agricultura deixaram de ser as suas principais atividades. “Os concessionários logo descobriram
que os integrantes da tribo local eram trabalhadores bons e confiáveis e estavam prontos a aceitar
empregos como pilotos de barcos, cozinheiros, guias e mecânicos (...). Efetivamente, eles agem
como concessionários” (TERBORGH & PERES, 2002, p. 342).
O modelo de desenvolvimento do turismo que vem sendo replicado em muitos destinos deixa
transparecer uma relação de dependência das populações locais frente aos empreendimentos
desenvolvidos por investidores provenientes de outras cidades, regiões e mesmo países (DRUMM
& MOORE, 2002). Estes exemplos se limitam aos indicadores de emprego e renda, deixando de
lado aspectos como a dependência de uma única atividade (turismo), o empreendedorismo e a
consolidação da cadeia produtiva do turismo.
Neste contexto, o fortalecimento dos arranjos que consolidem micro e pequenos
empreendimentos liderados por iniciativas locais é um campo fértil para o debate sobre o modelo
de desenvolvimento do turismo que se deseja nos parques nacionais e em suas respectivas áreas
de influência.
Algumas iniciativas relacionadas ao turismo de base comunitária, cooperativismo e auto-gestão,
apontam caminhos alternativos para fortalecer as capacidades locais no que tange à autonomia,
qualificação e formalização dos empreendimentos de base local.
Santos & Rodrígues (2002) defendem que “o êxito das alternativas de produção depende de sua
inserção em redes de colaboração e de apoio mútuo”. Os autores compreendem que, devido ao
caráter contra-hegemônico e ao fato de que muitas experiências de produção alternativa são
desenvolvidas por setores marginalizados da sociedade, elas frequentemente são frágeis e
precárias. Nestes casos, o risco de cooptação, fracasso econômico e desvituamento são muito
elevados. No entanto, revelam que “a solução mais adequada para contrariar esta fragilidade é a
integração das iniciativas em redes compostas por outras iniciativas similares (cooperativas) e por
entidades diversas”. (SANTOS & RODRÍGUEZ, 2002; p. 66).
As redes de turismo comunitário propõem um ‘outro tipo de turismo’, diferente das iniciativas que
privilegiam a massificação dos destinos turísticos, a consolidação de grandes empreendimentos e
a predominância de interesses econômicos frente aos aspectos ambientais e culturais. Esse ‘outro
tipo de turismo’ se aproxima ao que Zaoual denominou de “turismo situado” (2008), que
pressupõe uma estreita conexão com o contexto socioeconômico e ambiental do local visitado.
Estas experiências e conceitos estão em evidente expansão e podem repercutir de maneira
positiva na dinâmica de prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais.
Assim, dependendo da forma como o turismo for desenvolvido, a conexão que os moradores e os
próprios visitantes estabelecem com os parques nacionais pode engendrar atitudes benéficas no
sentido de valorização do patrimônio coletivo e de respeito às tradições e especificidades
regionais.
O sentido de patrimônio coletivo na apropriação dos Sítios do Patrimônio Mundial
Natural
Ao abordar a relação entre as esferas pública e privada no âmbito da visitação nos Sítios do
Patrimônio Mundial Natural, considera-se essencial refletir sobre o sentido de patrimônio coletivo
que permeia essa relação, sobretudo do ponto de vista dos benefícios que estas áreas
proporcionam para a sociedade e para a conservação da biodiversidade.
Em recente pesquisa sobre os efeitos do título de Patrimônio Mundial sobre a visitação ao Parque
Nacional Marinho de Fernando de Noronha, Widmer & Melo (2009) entrevistaram 420 turistas e
verificaram que a maioria dos visitantes (86,19%) tinha conhecimento de que Fernando de
Noronha é um Sitio do Patrimônio Mundial. De com a pesquisa, a divulgação do “destino”
Fernando de Noronha nos meios de comunicação (televisão, jornal, revista), atrelado ao título de
“Sitio do Patrimônio Mundial Natural”, favorece o conhecimento, mesmo que superficial, sobre a
existência e a importância dessas áreas. Mas, embora a titulação funcione como um elemento
agregador de valor ao parque, enquanto destino turístico, o fato de ser considerado patrimônio
mundial não interfere na motivação dos visitantes para visitar a área. A motivação principal dos
visitantes para conhecer o parque é “conhecer e ficar em contato com a natureza”. Assim, é
possível supor que, após a visita ao parque, os visitantes passem a relacionar a titulação “Sitio do
Patrimônio Mundial Natural” à qualidade e integridade ambiental de um determinado local. Mas, o
que os visitantes entendem como patrimônio coletivo? O que os Sítios do Patrimônio Mundial
representam na vida dessas pessoas?
A utilização do bem ‘público’, como os parques nacionais, é permeada significados de
responsabilização (accountability), no sentido de reforçar a noção de patrimônio coletivo.
O acesso ao patrimônio coletivo, em suas vertentes ambiental e cultural, sugere a reflexão sobre
os direitos fundamentais, como o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, previsto na
Constituição Brasileira de 1988. Como salientado por Milaré (2004), o direito ao ambiente
ecologicamente equilibrado não resulta em privilégio especial na escala privada, mas preconiza a
“fruição em comum e solidária do mesmo ambiente com todos os seus bens” (p. 138). Nesta
mesma linha, Derani (1997) argumenta que a realização individual deste direito fundamental está
intimamente ligada à sua realização social por meio da manutenção do patrimônio coletivo. Neste
sentido, argumenta que a apropriação do patrimônio coletivo é:
“imprescindível ao desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, mas também à realização da sociedade como comunidade, isto é, como âmbito onde se travam relações entre sujeitos, voltadas, em última análise, à consecução de um objetivo de bem-estar comum” (DERANI, 1997, p. 258).
Mas a apropriação de um patrimônio coletivo também pode ser “liderada” por dinâmicas que
privilegiam aspectos privados, no sentido dos ganhos e benefícios individuais e econômicos.
Nesta linha, dependendo da forma como o turismo é desenvolvido nos destinos, a atividade pode
impulsionar essa dinâmica de apropriação econômica e mercadológicas de bens públicos.
Na medida em que a visitação nos parques nacionais é ressignificada pelo turismo, os ‘ serviços’
encontrados nestas áreas se tornam elementos essencias na composição dos ‘negócios’ que
utilizam a natureza como a sua principal fonte de inspiração. Essa dinâmica impulsiona o viés
mercadológico na utilização dos parques nacionais e aporta novos significados na relação entre
as esferas pública e privada.
O caráter público do parque nacional está vinculado ao espaço, ao patrimônio, ao regime de
propriedade e aos bens e serviços que ajuda a proteger. O caráter privado no uso destas áreas é
reforçado por meio da ‘institucionalização’ do acesso, caracterizado pelos aspectos de
formalização e agregação de valor econômico aos serviços de apoio à visitação.
Assim, a mercantilização das relações entre os indivíduos e o espaço público pode gerar
interpretações equivocadas sobre a função destes espaços. No caso dos parques nacionais, na
medida em que a presença dos prestadores de serviços (concessionários) se sobrepõe à da
equipe do parque, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos (imagem institucional, foco no
lucro, pouca identificação com os objetivos do parque), a relação do público com o parque
nacional passa a ser mediada prioritariamente pela ‘rede de consumo’ vinculada ao turismo,
propiciando uma ruptura com o sentido de coletividade e responsabilidade frente ao espaço
público. Nestes casos, as pontes entre o público e o privado são fragilizadas em função da
exagerada artificilização e mercantilização da visita. Esta dinâmica coloca o cidadão em uma
posição de ‘visitante-consumidor’, membro de um grupo que tem o ‘direito’ de acesso (e de
consumo do espaço). Neste sentido, pode-se supor que os cidadãos, na qualidade de ‘visitantes-
consumidores’, não percebem o parque nacional como um patrimônio coletivo, mas como um
espaço que ele pode ‘experimentar’ e ‘vivenciar’ mediante o pagamento de uma taxa. Assim, as
ações do cidadão passam a se concentrar na esfera privada do consumo que, por sua vez, “passa
a ser encarado não apenas como um “direito” ou um “prazer”, mas como um dever do cidadão”
(PORTILHO, 2005, p. 184).
A relação entre o parque nacional e o visitante, quando intermediada por prestadores de serviços,
assume um novo contorno, orientada pela lógica do mercado, que também provoca mudanças no
modelo de administração pública. Essa lógica influencia a forma como o Estado encara o
visitante, como cidadão ou consumidor, categorias que sugerem direitos e responsabilidades
diferenciadas.
Assim, dependendo da conexão que o visitante estabelece com o parque, a apropriação do
espaço público pode se dar de duas maneiras diferentes. A apropriação pode ocorrer em termos
de responsabilização, de patrimônio, de respeito e de eqüidade, mas também em termos
econômicos e comerciais, o que desperta a individualização, a satisfação imediata das
necessidades, o lucro. Essas duas abordagens não são excludentes, mas podem assumir pesos
diferenciados, conforme a ênfase atribuída aos aspectos ambientais e socioeconômicos da
visitação nos parques nacionais. Essa análise sugere uma importante reflexão sobre o ‘sentido’ da
visita aos parques nacionais, e também aos Sítios do Patrimônio Mundial Natural, e o seu
potencial para instigar questões relacionadas à consciência patrimonial na utilização dos bens de
uso comum, favorecendo o papel dos visitantes como co-proprietários dessas áreas.
Conclusão
O uso público dos parques nacionais suscita o debate sobre diferentes conceitos e práticas que
exercem influência no contexto atual de políticas públicas de turismo e proteção da natureza. A
integração entre estas políticas necessita ser promovida, no sentido da consolidação da noção de
parque nacional como patrimônio coletivo e bem comum. Neste sentido, a promoção dos parques
nacionais, associada à difusão de conhecimento sobre os Sítios do Patrimônio Mundial Natural,
pode favorecer a compreensão, por parte da sociedade, dos objetivos e das funções destas
áreas, sobretudo no que diz respeito aos direitos e às responsabilidades frente ao uso deste
patrimônio.
Este artigo apresentou questões relevantes para se pensar a relação entre as esferas pública e
privada no âmbito do turismo nos Sítios do Patrimônio Mundial Natural. Essas reflexões indicam
que, dependendo da forma como o turismo é planejado e implementado, a atividade pode assumir
um papel diferenciado no aporte de benefícios socioeconômicos para as comunidades locais e na
compreensão sobre as funções ambiental e social destas áreas para a sociedade. Nesse
processo, o patrimônio passar a ser compreendido como parte integrante da vida das pessoas e
não como um espaço intocado, distante e alheio à dinâmica social de um determinado local. Essa
abordagem sugere uma compreensão ampla dos Sítios do Patrimônio Mundial Natural, que vai
além de sua apropriação econômica pelo turismo, e incorpora questões éticas sobre a dinâmica
de uso e valorização dessas áreas pela sociedade.
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