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0 UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL CURSO DE PSICOLOGIA GILMAR CIRILO TAVARES USO ABUSIVO DE JOGOS ELETRÔNICOS: DEFINIÇÃO E TRATAMENTO SANTA MARIA 2013

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL CURSO DE PSICOLOGIA

GILMAR CIRILO TAVARES

USO ABUSIVO DE JOGOS ELETRÔNICOS: DEFINIÇÃO E TRATAMENTO

SANTA MARIA 2013

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GILMAR CIRILO TAVARES

USO ABUSIVO DE JOGOS ELETRÔNICOS: DEFINIÇÃO E TRATAMENTO

Artigo de conclusão de curso de psicologia apresentado para obtenção do grau de Psicólogo pela Universidade Luterana do Brasil – Santa Maria.

Orientador: Profº. Ms. Carlos Eduardo Seixas.

SANTA MARIA 2013

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USO ABUSIVO DE JOGOS ELETRÔNICOS: DEFINIÇÃO E TRATAMENTO

Gilmar Cirilo Tavares1 Carlos Eduardo Seixas2

RESUMO

Os jogos eletrônicos são uma das principais atividades de lazer de crianças e adolescentes. Enquanto a grande maioria desses jovens consegue fazer um uso sadio, existe uma minoria que desenvolve consequências negativas relacionadas a esta atividade. Este artigo foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica do tipo exploratória acerca do uso abusivo de jogos eletrônicos. Pretende-se esclarecer e identificar os prejuízos pessoais, acadêmicos, familiares e profissionais do uso excessivo de jogos eletrônicos, assim como conhecer a terapia cognitivo-comportamental utilizada como tratamento da dependência de jogos eletrônicos. Para construção deste estudo, foram realizadas pesquisas nos bancos de dados da PubMed, Lilacs, SciELO, e em livros de psicologia. Ainda não há consenso quanto aos critérios diagnósticos e as denominações dos termos utilizados na descrição da dependência ou do vício de jogos eletrônicos, mas são reconhecidos os prejuízos e os efeitos negativos do seu uso abusivo. Esse novo fenômeno deve ser discutido e as pesquisas precisam ser aprofundadas, buscando-se, paralelamente, um modelo eficiente de tratamento psicoterápico, bem como delinear formas de orientações para pais, professores e profissionais da saúde. Palavras-chave: Dependência de jogos eletrônicos; Uso abusivo de jogos eletrônicos; Uso excessivo de jogos eletrônicos; Terapia cognitivo-comportamental.

INTRODUÇÃO

O significativo avanço tecnológico ocorrido nos últimos anos, principalmente

no que tange à informática, propiciou o aumento da popularidade da internet e de

jogos eletrônicos. O videogame, os jogos de computador e a internet, doravante

chamados de jogos eletrônicos, passaram a figurar entre as atividades de

significativa importância, com relação ao lazer, para crianças, adolescentes e

adultos. A internet passou a ser utilizada largamente por pessoas de várias idades e

classes socioeconômicas, em vários países (GRIFFITHS, 1999).

De acordo com Alves (2005), os jogos eletrônicos são aplicações de tempo

real, ou programas de computador, executadas sobre uma plataforma, que podem

1 Acadêmico do décimo semestre do Curso de psicologia da ULBRA – SM

2 Professor e orientador – Curso de psicologia da ULBRA – SM

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ser divididas em computadores pessoais, consoles especializados ou videogames,

celulares, algumas televisões e outros dispositivos. O principal objetivo dos jogos

eletrônicos é levar entretenimento aos seus usuários. Já na visão de Spritzer e Picon

(2013), os jogos eletrônicos podem ser divididos em três níveis, plataforma que se

utiliza, tipo de conexão com a internet e gênero do jogo.

Os jogos eletrônicos possuem um histórico relativamente novo. O ponto de

partida foi na década de 1950, com o trabalho de Alan Turing sobre modelos de

inteligência artificial, que consistia em testar a existência de “inteligência” nos

computadores, o que pode ser entendido como um modelo primitivo de inteligência

artificial. Percebe-se que, a partir dessa década, houve uma evolução constante

nesta tecnologia, vindo, posteriormente, a inserção dos videogames e de jogos de

computadores (LEMOS, 2012).

Os avanços seguiam em velocidade notável, através do aperfeiçoamento

dos gráficos, pluralidade dos gêneros de jogos eletrônicos, como, por exemplo,

aventura, ação, esportes e estratégia, assim como o uso da internet para jogar on-

line, comumente com vários jogadores, no modelo multiplayer ou os aplicativos do

tipo role-playing games com múltiplos jogadores on-line simultaneamente. Assim, os

jogos eletrônicos são considerados um dos modelos lúdicos mais presentes no

cotidiano da população no mundo todo, independentemente da idade, classe social

ou poder aquisitivo do jogador (LEMOS, 2012).

Young (2011) observa que a dependência de internet e jogos eletrônicos foi

pesquisada, pela primeira vez, em 1996, em um estudo que examinou mais de 600

casos de usuários que apresentavam sinais clínicos de dependência, identificados

por uma versão adaptada dos critérios do DSM para o jogo de azar patológico. A

partir dos primeiros esforços para o desenvolvimento de critérios diagnósticos para a

o uso problemático de internet e jogos eletrônicos, estudiosos valeram-se de três

abordagens conceituais.

Na primeira, este problema foi descrito como um vício comportamental geral

(GRIFFITHS, 1999). Na segunda, o modelo cognitivo e comportamental chamou a

atenção para o impacto dos pensamentos de um indivíduo em desenvolvimento de

comportamento desadaptativo, descrevendo a dependência como “generalizada”,

quando há um uso excessivo multidimensional da internet não apenas para jogos, e

“específica”, quando a dependência se desenvolve por uma função específica, no

caso, os jogos eletrônicos (DAVIS, 2001). Na terceira, um modelo propõe que a

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dependência de jogos eletrônicos seja classificada como um transtorno de controle

dos impulsos (SHAPIRA et al., 2003).

De acordo com Abreu (2008), não há consenso entre os pesquisadores

quanto à terminologia apropriada para se referir à parcela de indivíduos que

apresentam intenso envolvimento com jogos eletrônicos e desenvolvem prejuízos

significativos decorrentes dessa relação. Diversos são os termos utilizados para

definir esse uso abusivo, tais como: Internet Addiction, Pathological Internet Use,

Internet Addiction Disorder, Compulsive Internet Use, Computer Mediated

Communications Addicts, Computer Junkies e Internet Dependency. Essa gama de

definições acontece em consequência das diferentes áreas de atuação dos

profissionais que buscam pesquisar este tema. Neste trabalho, o termo escolhido

para designar o uso excessivo de jogos eletrônicos foi uso abusivo, pois isso

caracteriza uma atividade com prejuízos em diversas áreas pessoais e sociais.

Alguns países, como os Estados Unidos, a Austrália e outros da Europa e

Ásia, vêm incentivando pesquisas e estudos nessa área, demonstrando a existência

de uma parcela significativa da população jovem e adulta que apresenta

características de uso problemático dos novos recursos eletrônicos e tecnológicos.

O presente trabalho objetiva apresentar, através de pesquisa bibliográfica, o

que é o uso abusivo de jogos eletrônicos, conhecer e apontar os prejuízos de tal uso

na vida cotidiana de seus usuários e abordar o uso da terapia cognitivo-

comportamental como terapia utilizada no tratamento do uso abusivo de jogos

eletrônicos. Para a realização deste trabalho, foi feita uma pesquisa bibliográfica,

partindo-se de leituras de materiais divulgados em livros da área de psicologia,

artigos acadêmicos obtidos através de bancos de dados da pubMed, BVS, Lilacs,

SciELO. Após a seleção e leitura, as referências foram selecionadas conforme o

tema em questão e ano de publicação. Foram encontrados 27 artigos, sendo que 20

destes foram utilizados para a elaboração deste trabalho.

Os descritores de assuntos utilizados nas bases de dados em português

foram: dependência de jogos eletrônicos, uso excessivo de jogos eletrônicos, uso

abusivo de jogos eletrônicos e dependência de jogos de computadores. Já em

inglês, os descritores utilizados foram: internet addiction e video game dependence.

Os fatores motivadores para a realização desta pesquisa foram o interesse e

a curiosidade por esse tema, assim como o fato de ter pessoas próximas

enfrentando dificuldades com a dependência de jogos eletrônicos.

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DEPENDÊNCIA DE JOGOS ELETRÔNICOS

Segundo Abreu (2008), a internet e os jogos eletrônicos tornaram-se

ferramentas de uso amplo e irrestrito, transformando-se em um dos maiores

fenômenos mundiais da última década. Seu uso sadio e adaptativo

progressivamente deu lugar ao abuso e à falta de controle, criando severos impactos

na vida cotidiana de seus usuários.

Para Tao (2010), o uso de jogos eletrônicos, vinculado à psicopatologia,

pode ser considerado um comportamento desadaptativo quando são apresentados

sinais de excesso na utilização de tais tecnologias. Isso ocorre quando o

comportamento aditivo afeta o sujeito de forma que ele se encontre incapaz de

controlar a frequência e o tempo diante de um comportamento que anteriormente

era considerado inofensivo.

O uso abusivo de jogos eletrônicos vem demonstrando similaridades com

características de grupos de dependência química. Isso se deve, principalmente, ao

fato de áreas do cérebro que respondem aos estímulos de jogos eletrônicos serem

similares às áreas afetadas em pacientes dependentes de substâncias. É relatado,

em estudos, que o uso excessivo desses jogos aumenta a atividade cerebral,

particularmente no córtex pré-frontal, semelhante à fase de fissura dos dependentes

químicos. Resultados já mostram que usuários dependentes de jogos eletrônicos

sofrem alteração no neurotransmissor dopamina e diminuição em hemoglobinas

oxigenadas. Desse modo, com a diminuição dopaminérgica, as reações diante das

experiências de sensibilização e reações emocionais e de recompensa são

alteradas (MATSUDA, et al., 2006; NAGAMITSU, et al., 2006).

De acordo com Griffiths (1999), os usuários de jogos eletrônicos podem ser

considerados dependentes quando satisfazem os critérios de acordo com a lista de

componentes abaixo:

Saliência: Quando a atividade passa a ser a coisa mais importante na

vida da pessoa, podendo ser dividida em cognitiva (quando a pessoa

pensa frequentemente sobre a atividade) e comportamental (quando ela

negligencia necessidades básicas);

Mudança de humor: experiências subjetivas influenciadas pela atividade

executada;

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Tolerância: o processo de precisar de doses continuamente maiores da

atividade para obter as sensações iniciais;

Sintomas de abstinência: Sentimentos e sensações negativas

acompanhando o término da atividade ou a impossibilidade de realizar a

atividade requerida;

Conflito: Conflito interpessoal ou intrapessoal provocado pela atividade

executada. É frequentemente acompanhado por uma deterioração dos

resultados acadêmicos ou profissionais, abandono de antigos

passatempos, dentre outros problemas;

Recaída e reinstalação: A tendência a retornar ao comportamento de

dependência mesmo após períodos de relativo controle.

Há um número crescente de pacientes dependentes associados à

depressão, suicídio, transtorno de ansiedade social, transtorno de ansiedade

generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de déficit de atenção e

hiperatividade. Pesquisadores acreditam na possibilidade de que os usuários que

abusam de jogos eletrônicos e apresentam depressão, utilizam a tecnologia para

aliviar os sintomas depressivos, tendo, por isso, maior chance de serem acometidos

por uma dependência tecnológica, neste caso o uso abusivo de jogos eletrônicos, do

que pessoas que não apresentam depressão (FLISCHER, 2010).

Atualmente os pesquisadores utilizam adaptações dos critérios diagnósticos

para Jogos Patológicos do DSM-IV, criado em 1996, por considerar que o uso

patológico de jogos eletrônicos pode apresentar relação com a dificuldade do

controle dos impulsos, assim como acontece no jogo patológico.

Desse modo, a fim de investigar a dependência do uso da internet, Young

(1998) realizou uma pesquisa, utilizando como parâmetros os critérios diagnósticos

do DSM-IV para Jogos Patológicos, modificando-os para caracterizar a dependência

do uso da internet. Os critérios propostos mensuravam: 1) preocupação excessiva

com a internet; 2) necessidade de aumentar o tempo de conexão à internet para ter

a mesma satisfação; 3) esforço para diminuir o tempo de uso da internet; 4)

presença de irritabilidade ou depressão; 5) permanecer conectado mais tempo do

que havia previsto; 6) comprometer as relações sociais, trabalho ou estudo pelo uso

da internet; 7) mentir para os outros sobre acesso à internet; 8) utilizar a internet

como maneira de escapar dos problemas ou para aliviar sentimentos de impotência,

culpa, ansiedade e depressão. A pontuação de corte proposta é de cinco respostas

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positivas para os critérios acima especificados, para caracterizar a dependência do

uso da internet.

É possível notar grande relação entre os critérios diagnósticos propostos por

Young (1998) e as observações clínicas do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em

Informática da PUC-SP (FARAH & FORTIM, 2005). Young (1998) também sugere

que o uso excessivo da internet e de jogos eletrônicos pode ser uma característica

da dependência, pois, nos resultados de sua pesquisa, as horas semanais de

acesso do grupo com diagnósticos de dependência da internet foi oito vezes maior

do que o grupo dos não dependentes.

Faz-se importante mencionar que apenas a quantidade de horas de jogo não

seria critério suficiente para determinar o uso patológico. De acordo com Young

(2011), para caracterizar o uso compulsivo, é fundamental considerar várias

características, pois o tempo de conexão é importante, mas seria muito simplista

reduzir o diagnóstico de vício ao fator de tempo de conexão. Outras características,

que, segundo o autor, auxiliam a diagnosticar o uso abusivo de jogos eletrônicos

são: o tipo de uso, o uso repetitivo e pouco criativo, como a pessoa se sente quando

não está jogando e, também, como está a vida presencial dessa pessoa fora do

jogo.

CARACTERÍSTICAS DOS JOGOS QUE GERAM DEPENDÊNCIA

De acordo com Spritzer e Picon (2013), os jogos tornam-se envolventes pois

são planejados tendo por base os desejos e as necessidades do ser humano. Estes

jogos têm por característica possuir uma narrativa complexa, permitindo ao jogador

a liberdade de criar seu personagem e definir partes do cenário, possibilitando um

alto grau de imersão nos aspectos virtuais do jogo.

Além disso, os jogos proporcionam um ambiente seguro para que o

praticante mantenha sua frustração em um nível idealmente baixo. Baseiam-se em

um sistema de gratificações bastante elaborado para manter o indivíduo conectado

ao jogo, valorizam praticamente todas as atitudes e conquistas do jogador, mas

também exigem muita dedicação, utilizando maior número de horas e testando a

habilidade do jogador.

A internet permite a conexão com outros jogadores, proporcionando a

sensação de estarem próximos um do outro, com isso, é possível demonstrar

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habilidade e capacidade, sendo reconhecido e valorizado pelos amigos, tendo algum

destaque dentro do grupo. Esta conexão, este vínculo de responsabilidade com os

companheiros, torna mais difícil parar de jogar para dedicar-se a outras atividades,

como estudar, dormir, jantar com a família e sair com outros amigos (SPRITZER;

PICON, 2013).

Os aplicativos do tipo role-playing games com múltiplos jogadores online

simultaneamente, cuja sigla em inglês é MMORPGs, Massive Multiplayer Online

Role-Playing Games, são um exemplo de um aplicativo de internet cada vez mais

popular. Esses jogos acontecem em realidades virtuais, onde a pessoa atua através

de uma personalidade virtual criada, chamada avatar. A popularidade desses jogos

pode ser constatada a partir de dados sobre o mais popular dos MMORPGs, o World

of Warcraft, com mais de 11,5 milhões de usuários oficialmente inscritos. De acordo

com algumas estatísticas, “em abril de 2008 os MMOs foram jogados por 48 milhões

de pessoas” (BLINKA, et al., 2011, p. 98).

Os MMORPGs são jogos eletrônicos nos quais milhares de jogadores de

todo o mundo estão presentes ao mesmo tempo, e cada pessoa desempenha um

papel na fantasia. Cada jogador controla seu personagem, que pode realizar

diversas tarefas, desenvolver capacidades e interagir com os personagens dos

outros jogadores de maneira positiva ou negativa. Este mundo virtual do jogo tem

caráter constante e dinâmico, ou seja, ele continua existindo e se desenvolvendo

mesmo quando o jogador se desconecta, desconsiderando a presença deste. Isso,

em certo sentido, o pressiona a continuar em contato com o mundo virtual, pois seu

afastamento por algum tempo o distancia desse mundo, e o faz também perder

poder comparado aos outros jogadores, que ficam mais tempo conectados ao jogo.

O sucesso no jogo está frequentemente ligado à presença prolongada e diária nele

(BLINKA, et al., 2011).

Na avaliação de Blinka (2011), a realidade virtual como uma forma de

escape do mundo real será cada vez mais comum, e os MMORPGs não serão

exceção. Se a fronteira entre a realidade concreta e a realidade virtual continuar se

tornando cada vez mais indistinta, seja pela melhora gráfica dos jogos, qualidade

dos monitores, seja pelo desenvolvimento de novas ferramentas tecnológicas, a

tendência é que este fenômeno se torne ainda mais significativo e profundo. Isso

serve de alerta para todos aqueles que entram em contato com o fenômeno dos

MMORPGs.

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TORNANDO A BRINCADEIRA MAIS SEGURA

Enquanto a investigação científica envolvendo os jogos levanta questões a

respeito de seus efeitos sobre a cognição e o comportamento humano, pais e

profissionais procuram encontrar o melhor caminho para lidar com os jogos e seu

fascínio sobre crianças e adolescentes e com os inevitáveis conflitos que daí advém.

Hoje, o melhor argumento, favorável ou contrário ao uso dos jogos, envolve bom

senso. De acordo com Alves e Carvalho (2011), devem ser observadas algumas

orientações multidisciplinares, como:

Evitar jogar logo antes de dormir;

Evitar jogos não adequados à faixa etária;

Se os pais julgarem que um jogo não tem um conteúdo adequado para o

filho, devem ser orientados a jogar com ele e a assistir a um vídeo sobre o

tema;

Orientar os pais a procurarem saber quais jogos seus filhos gostam de

jogar para saberem a quais conteúdos eles estão expostos, embora não

haja como controlar em 100% a que tipos de jogos eles vão se expor;

Evitar jogar mais de 50 minutos seguidos sem fazer uma pausa para

alongamento de pelo menos 10 minutos a cada 50 minutos, pois

alongamentos ajudam a prevenir lesões musculoesqueléticas;

Deixar o som baixo e evitar uso de headphone ao jogar, pois a audição

pode ser prejudicada caso o som esteja alto;

Procurar manter uma distância mínima de 60 cm da tela do computador,

para evitar problemas de visão, como a Síndrome Visual Relacionada a

Computadores - SVRC;

Variar as categorias de jogos, testando diferentes jogos, o que leva o

jogador a descobrir mundos novos e, assim, desenvolver tipos diferentes

de habilidades.

Além disso, é preciso levar em conta que:

Pessoas com histórico de epilepsia devem evitar jogar;

Como alguns jogos demandam tempo superior ao recomendado (cerca de

1 hora), é importante ter alguma flexibilidade quanto ao tempo - jogos que

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demandam mais tempo devem ser praticados nos finais de semana ou

nos feriados;

Os filtros protetores de tela auxiliam muito, contribuindo para a diminuição

dos espaços luminosos e aumentando o contraste entre as imagens.

A posição do monitor deve estar entre 10 e 20 graus abaixo do nível dos

olhos, pois isto proporciona maior conforto postural.

Respeitando-se as sugestões mostradas acima, pode-se diminuir os

impactos e os efeitos negativos do uso abusivo de jogos eletrônicos.

CARACTERÍSTICAS E PADRÕES DOS USUÁRIOS

Estima-se que um entre cada oito americanos apresenta ao menos um sinal

de dependência de internet ou jogos eletrônicos: pouca capacidade de controle dos

impulsos. Apesar dos prejuízos que o uso abusivo de jogos eletrônicos causa, os

dependentes não conseguem deixar de ficar online, pois o computador torna-se

relação primária na vida deles (YOUNG, 2009).

Estudos apontam que o uso problemático de jogos eletrônicos trata-se de

um transtorno de controle dos impulsos. Através de ressonância magnética, é

possível observar que, quando o indivíduo viciado em jogos eletrônicos tem um

impulso para utilizá-los, ele ativa as mesmas áreas cerebrais que dependentes de

substância química em momento de fissura (YEN, 2010). Apesar de o vício atingir

todas as faixas etárias e sexos, pesquisas desenvolvidas com populações

universitárias apresentam taxas ligeiramente mais altas de usuários compulsivos,

que as encontradas na população em geral. O que contribui para esta prevalência é

o fato de que os estudantes têm mais fácil acesso à internet (SPRAGGINS, 2009;

BREZING, et al., 2011; YOUNG, et al., 2010).

Os adolescentes que se envolvem em múltiplas formas de jogo, apostas

com amigos, apostas desportivas, compras de bilhete de loteria e jogos de pôquer,

estão mais propensos a desenvolverem a dependência de jogos eletrônicos

(BREZING, et al., 2010). Os dependentes de jogos eletrônicos geralmente

permanecem online de 40 a 80 horas por semana, com sessões que podem durar

até 20 horas (YOUNG, 2009). Enquanto homens e mulheres gastam a mesma

quantidade de tempo online, os homens compõem cerca de três quartos da

população de dependentes (HETZEL-RIGGIN; PRITCHARD, 2010). Outros autores

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referem que, se o tempo de uso superar 35 horas por semana ou mais do que o

tempo previsto, é considerado um uso patológico (BREZING, et al., 2010).

Os indivíduos que fazem uso excessivo de jogos eletrônicos possuem,

frequentemente, uma comunicação familiar restrita e um círculo social reduzido,

além disso, costumam ser solitários. No entanto, não se sabe se os usuários tornam-

se deprimidos pelo uso abusivo, ou se passam a ser dependentes por causa da

depressão (BREZING, et al., 2010; YOUNG, et al., 2010).

Existe relação entre a dependência e ansiedade, depressão e estresse.

Além disso, os viciados têm pouca capacidade de enfrentamento de situações e

baixa autoestima (BREZING, et al., 2010; FLISHER, 2010; HETZEL-RIGGIN;

PRITCHARD, 2010). Pode-se acrescentar a diminuição da satisfação com a vida,

além da solidão, como características dos usuários dependentes (SPRAGGINS,

2009; DOWLING; BROWN, 2010). Hostilidade e comportamentos agressivos

também podem estar relacionados com o uso abusivo de jogos eletrônicos (YEN, et

al., 2010).

A solidão pode ser vista como mediadora do uso abusivo de jogos

eletrônicos. O que faz um usuário se tornar dependente não é a falta de amizades,

mas a falta de intimidade nas amizades, gerando a sensação de estar só

(SPRAGGINS, 2009). Os usuários que possuem outros vícios, como álcool, cigarro,

comida, sexo e droga, por exemplo, estão mais propensos a se tornarem

dependentes de jogos eletrônicos, pois veem nas adições uma forma de lidar com

os problemas que vivenciam (DOWLING; BROWN, 2010; YOUNG, et al., 2010). O

vício caracteriza-se por ser uma dependência psicológica, que se torna evidente

quando o viciado experimenta sintomas de abstinência, tais como depressão,

desejos, insônia e irritabilidade (YOUNG, et al., 2010).

Com a comorbidade da dependência, encontra-se o Déficit de Atenção e

Hiperatividade (TDAH), depressão, ansiedade social e uso de substâncias. Uma

comorbidade pode contribuir, exacerbar ou resultar em sintomas do vício de jogos

eletrônicos e também resultar em várias desordens psicológicas. Os viciados

geralmente experimentam desejos e sentem-se preocupados com relação aos jogos,

quando estão off-line (BREZING, et al., 2011; YEN, et al. 2010).

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CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DO USO EXCESSIVO DE JOGOS

ELETRÔNICOS

Algumas pessoas são foco de preocupação por se considerarem incapazes

de controlar o uso abusivo de jogos eletrônicos, colocando em risco emprego e

relacionamentos. Esses usuários podem ter seu sono prejudicado, já que

permanecem durante a madrugada jogando. Alguns dependentes utilizam pílulas de

cafeína para poder usufruir mais horas online. As noites mal dormidas acarretam

uma queda no rendimento acadêmico e profissional, muitas vezes resultando na

perda do emprego. Além disso, quanto maior o tempo gasto jogando, menor o tempo

com a família e os amigos (FLISHER, 2010; YOUNG, 2009).

A dependência de jogos eletrônicos pode trazer, como consequências

negativas, problemas nos relacionamentos interpessoais, aumento do

comportamento delinquente e criminoso, além de isolamento social e queda nos

desempenhos acadêmico e profissional (BREZING, et al., 2011). Quanto maior o

tempo gasto em atividades online, maiores são os prejuízos na vida dos

adolescentes, levando-os, muitas vezes, ao retraimento social, autonegligência, má

alimentação e problemas familiares. Os jovens com dependência de jogos

eletrônicos podem se tornar agressivos quando seus pais tentam privar seu acesso

ao jogo (FLISHER, 2010).

Carreiras e relacionamentos podem ser comprometidos quando o uso de

jogos eletrônicos se torna crônico e enraizado, a ponto de desenvolver uma

obsessão compulsiva. Nesta fase, a vida torna-se incontrolável, pois todos os

comportamentos estão focados nos jogos (YOUNG, et al., 2010). Os adultos com

dependência de jogos eletrônicos têm descrito problemas conjugais, com número

crescente de casos de divórcio (FLISHER, 2010; YOUNG, 2009). Jogos violentos,

ambientes hostis e predisposição podem estimular comportamentos agressivos em

jogadores, levando-os a acreditar que tais comportamentos são comuns no convívio

social. O jogador pode, inclusive, incorporar traços da personalidade de

personagens. Alguns jogos podem levar à confusão entre realidade e fantasia.

Existem casos de crianças que assumiram uma dupla personalidade, principalmente

aquelas com carência afetiva.

De acordo com Spritzer e Picon (2013), alguns jogos contém muitas

mensagens subliminares, que são mensagens que ficam escondidas do foco

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principal de atenção do usuário. Entretanto, elas são captadas pelo subconsciente,

podendo influenciar e manipular o comportamento do jogador através de estímulo

direto ao inconsciente com palavras, sons ou imagens. Essas mensagens podem

ser utilizadas para marketing de produtos, suscitar o medo em jogos violentos,

suscitar a vontade de beber um refrigerante ou consumir um certo produto.

TRATAMENTO

As abordagens em psicoterapia disponíveis para o tratamento do uso

patológico de jogos eletrônicos ainda são pouco conhecidas na literatura. Como a

referida dependência ainda não conta com a sua inclusão nos manuais oficiais de

medicina e psicologia, seu estudo e conhecimento ainda são recentes. No entanto,

nota-se de forma progressiva a sua manifestação nos consultórios, escolas e em

ambulatórios de saúde mental. No que se refere às intervenções psicoterápicas, os

resultados ainda apontam para dados muito incipientes, mas pode-se destacar a

Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) como a forma de intervenção psicológica

mais recomendada. (ABREU, 2008).

A Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) aparece como opção de primeira

escolha por ser uma terapia que vem apresentando bons resultados no tratamento

de vários transtornos do controle de impulsos, tais como, jogo patológico, compras

compulsivas, bulimia nervosa, compulsão alimentar periódica, e outros transtornos

de impulsividade compulsiva (LEMOS, 2012).

A TCC tem se mostrado um tratamento eficaz no uso compulsivo de jogos

eletrônicos, sendo esta baseada na premissa de que pensamentos e sentimentos

geram o comportamento, inúmeras vezes como forma de esquiva. Por meio dela, os

pacientes são instruídos a monitorar e identificar pensamentos que estejam

desencadeando sentimentos que os levem a ter ações típicas da dependência.

Enquanto isso, os usuários são estimulados a treinar habilidades sociais, além de

ser realizada a prevenção à recaída. É indicado de três a quatro meses de

tratamento com a TCC, com a ênfase na dependência (LEMOS, 2012).

Na fase inicial da terapia, são utilizadas técnicas comportamentais,

concentrando-se em situações específicas, nas quais o controle dos impulsos está

ocorrendo de forma pouco eficiente. Conforme a terapia progride, o foco passa a ser

cognitivo, e são identificadas as distorções que se desenvolvem sobre o uso de

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jogos eletrônicos. Generalização excessiva ou catastrofização são cognições

disfuncionais que contribuem para o uso excessivo da internet e de jogos

eletrônicos. A TCC pode tratar de crenças negativas, distorções cognitivas e

racionalizações que sustentam o uso abusivo de jogos eletrônicos, como, por

exemplo, “só mais alguns minutos não fazem mal para ninguém”. É importante

ressaltar que os tratamentos devem objetivar um uso controlado e moderado de

jogos eletrônicos, e não sua total abstinência. (YOUNG, 2009; BREZING, et al.,

2011; YOUNG, et al., 2010).

O tratamento da dependência, do uso abusivo de jogos eletrônicos,

utilizando a TCC, envolve os seguintes aspectos: estratégias de aprendizagem de

gestão de tempo; reconhecimento dos potenciais benefícios e malefícios da

utilização de jogos eletrônicos; identificação de “gatilhos” que levam ao uso

compulsivo de jogos eletrônicos, como estados emocionais, cognições disfuncionais

e eventos da vida (HUANG, et al., 2010; YOUNG, 1999).

É importante, também, aprender e gerenciar emoções e controlar impulsos

relacionados com o uso de jogos eletrônicos, o que pode ser obtido por meio de um

relaxamento muscular e um treinamento respiratório; melhorar a comunicação

interpessoal e as habilidades sociais; melhorar estilos de enfrentamento de

situações, além de se envolver em atividades alternativas (HUANG, et al., 2010;

YOUNG, 1999).

As estratégias comportamentais podem estar presentes em um plano de

tratamento para a dependência. Estas estratégias incluem: identificação do padrão

de uso do paciente, estimulando-o a realizar atividades neutras durante o tempo que

comumente utilizaria para jogar; uso de lembretes externos, por exemplo, um relógio

com alarme, para indicar quando é hora de fazer log-off; estabelecer metas claras;

utilização de cartões de enfrentamento, apontando consequências negativas do uso

abusivo de jogos eletrônicos; formular uma lista com outras tarefas que possam ser

utilizadas como passatempo; e abstinência (FLISHER, 2010).

No tratamento de adolescentes com dependência, é extremamente

importante envolver todos os familiares na recuperação do paciente. Para tanto,

pode ser incluído aconselhamento para familiares, no qual é priorizada a

psicoeducação sobre o problema, além de serem elencadas estratégias de como

lidar com a raiva e a perda de confiança do dependente. A compreensão da família

quanto ao processo do tratamento é primordial para o jovem, dessa forma ela

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conseguirá identificar os disparadores de recaída e a importância da manutenção de

limites saudáveis (BREZING, et al., 2011; HUANG, et al., 2010).

A Entrevista Motivacional (EM) é utilizada de forma diretiva como ferramenta

para o tratamento da dependência de jogos eletrônicos, através de um

aconselhamento centrado no paciente para eliciar sua mudança de comportamento,

explorando e resolvendo sua ambivalência. A EM estimula o indivíduo a perceber

que a responsabilidade e a capacidade de mudança estão dentro dele. Dessa forma,

não são oferecidas soluções ou estratégias de mudança ao usuário, até que ele

decida mudar, uma vez que a resistência é muito grande (BREZING, 2011; HUANG,

et al., 2010).

Os tratamentos mais eficazes para a dependência de jogos eletrônicos

podem ser abordagens multimodais, que incluam TCC, trabalho com as famílias e

atenção para as comorbidades dessa patologia. A psicoterapia pode ser uma forma

benéfica de tratar pacientes viciados em jogos eletrônicos, especialmente quando

associada com a utilização de medicações e/ou internação. (SPRAGGINS, 2009;

DOWLING; BROWN, 2010).

DISCUSSÃO

Várias hipóteses têm sido levantadas para tentar entender os motivos e os

fatores que levam ao uso abusivo de jogos eletrônicos. A dinâmica familiar, aspectos

ambientais e comorbidades prévias são apontados como possíveis causas. Alguns

profissionais da saúde defendem a tese de que as pessoas, em momentos de

angústia, depressão, ou mesmo fuga, valeriam-se da realidade virtual como uma

forma de enfrentamento ou de procrastinação das dificuldades da vida – conduta

semelhante à adotada por um usuário de drogas ou álcool.

À medida que os internautas se refugiam progressivamente no mundo virtual

e se aliviam das experiências de vida, tais comportamentos começam a exibir

características que sugerem a dependência de internet e jogos eletrônicos. A essa

altura, comportamentos muito específicos começam a ser exibidos, fazendo com

que os indivíduos literalmente troquem a vida real pela virtual, pois encontram mais

satisfação nesse mundo anônimo do que aquela desfrutada no mundo real.

Neste artigo, foram incluídos trabalhos que avaliaram os aspectos

epidemiológicos e as características clínicas de uma parcela de indivíduos que

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apresentam prejuízos sociais e acadêmicos significativos decorrentes do seu intenso

envolvimento com os jogos eletrônicos. Ainda não há uma padronização dos

sintomas para descrever e fornecer um diagnóstico mais preciso sobre os usuários

que fazem uso abusivo dos jogos eletrônicos e sofrem com os prejuízos advindos

desta prática, por isso, várias escalas e critérios estão sendo produzidos para tentar

dar conta desse novo fenômeno.

O modelo cognitivo-comportamental, aponta que as cognições e

comportamentos relacionados à dependência de internet e jogos eletrônicos que

levam aos comportamentos desadaptativos são conseqüências em vez de causas,

de outros problemas psicopatológicos. Tem-se com isso, uma visão psicoterapêutica

de que é necessário tratar primariamente transtornos que possam corroborar, em

alguns momentos da vida do indivíduo, uma comorbidade, nesse caso, a

dependência de jogos eletrônicos.

Com o advento da internet, ocorreram grandes transformações subjetivas

nos indivíduos contemporâneos, caracterizadas por mudanças sociais e psíquicas,

como alterações na maneira de pensar, de se comunicar, de se relacionar e sentir,

configurações de uma nova concepção de tempo e espaço, onde o fator presencial

não se faz mais necessário.

CONCLUSÃO

No Brasil, existe, ainda, pouca literatura voltada para os aspectos da

psicopatologia no campo das dependências tecnológicas, principalmente, no uso

patológico dos jogos eletrônicos, embora estes estejam presentes em nosso dia a

dia. A prática de jogos eletrônicos como forma de lazer e distração vem se

desconectando do seu caráter meramente lúdico e chamando a atenção dos

profissionais da saúde para seu aspecto patológico, quando seu uso é abusivo.

A dependência de jogos eletrônicos surge como uma das questões que

desafiam sociedades, famílias, terapeutas e pesquisadores. Este viés nocivo sugere

a necessidade de mais pesquisas para atender essa nova demanda. Portanto, faz-

se necessária uma análise mais profunda dos possíveis fatores de risco associados

ao uso abusivo de jogos eletrônicos, bem como o aprimoramento de instrumentos

para o diagnóstico do uso patológico e a terapia a ser utilizada.

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As escalas atualmente utilizadas são adaptações de outros comportamentos

desadaptativos já descritos (como o jogo patológico). Não se pode esquecer os

sintomas associados ao vício dos jogos eletrônicos, pois muitas vezes sua utilização

serve como um alívio. Nestes casos, afastar o indivíduo do mundo virtual sem

oferecer um suporte para suas problemáticas, somente potencializará as

comorbidades.

A terapia cognitivo-comportamental, além de apresentar resultados

satisfatórios para diversos transtornos, passa a ser considerada uma possível linha

terapêutica para o tratamento de dependentes de jogos eletrônicos. Mas esta é uma

área em que serão necessários diversos estudos para que seja desenvolvido um

tratamento válido, com elaboração e definição de termos específicos e instrumentos

apropriados para medir a disfunção e definir esta patologia, que vem afetando uma

parcela significativa da população mundial, em especial os jovens.

De acordo com Maiorino (2005), essa nova subjetividade acarreta novos

modos de se sentir, e, assim, novos modos de sofrimento e de adoecimento. Para

Levy (1993), o debate a respeito da natureza opressiva, antissocial, ou, ao contrário,

benéfica e amigável da informática, depende da questão do bom ou do mau uso

desta. Para ele “A virtualização não é nem boa, nem má, nem neutra” (LEVY, 1993,

p.11).

USO ABUSIVO DE JOGOS ELETRÔNICOS: DEFINIÇÃO E TRATAMENTO

ABSTRACT

Electronic games are one of the main leisure activities of children and adolescents. While the vast majority of these young people can make a healthy use, there is a minority that develops negative consequences related to this activity. This article was developed from literature search about the abusive use of electronic games. It is intended to clarify, identifying the personal, academic, family and professional losses of the excessive use of electronic games as well as knowing the cognitive behavioral therapy used to treat this new dependence on electronic games. For building this study, surveys were conducted in the databases named PubMed, Lilacs, SciELO and in psychology books. There is still no consensus on the diagnostic criteria and descriptions of the terms used in the description of the dependency or addiction to electronic games but the losses and the negative effects of their abuse are recognized. This new phenomenon should be discussed and researches should be depth seeking an efficient model of psychotherapy as well as outlining ways of guidelines for parents, teachers and health professionals.

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Keywords: Addiction to video games; Abusive use of electronic games; Excessive use of electronic games; Cognitive behavioral therapy.

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