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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
ELIANE TETER MAIA CHAVES
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
CURITIBA
2015
ELIANE TETER MAIA CHAVES
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de direito da faculdade de ciências jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Prof. Orientador: Dr. Jefferson Grey Sant’Anna
CURITIBA
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
ELIANE TETER MAIA CHAVES
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título
de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ___de ________________de 2015
________________________________________
Prof. Doutor Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Universidade Tuiuti do Paraná
__________________________________________
Orientador Prof. Jefferson Grey Sant’Anna
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.__________________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. __________________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu eterno amigo, que me permitiu ter forças ao redigir essa
monografia, sendo fundamental quando me achava cansada e desanimada quando
as palavras não vinham.
A minha mãe Elzira Teter que me incentivou a fazer a faculdade e me ajudou
nas fases mais difíceis de minha vida.
Ao meu esposo Antônio Carlos que me apoiou para que eu pudesse
concretizar um projeto de vida.
As minhas filhas Alana e Rhayana que me ajudaram a não desistir, mesmo
que isso significasse não ter a mãe tão presente em seus dias, me tornando como
exemplo de como é bom estudar.
Aos meus irmãos Francisco e Jane, que sentem orgulho pela caminhada nova
que estou trilhando.
Aos meus amigos que me deram força nessa nova empreitada.
Aos amigos da faculdade que juntos fizemos de um sonho uma realidade, em
especial: Acir, Fabíola, Laiane meus parceiros de trabalho e eternos companheiros.
A todos os Professores que foram fundamentais, me ensinando e
incentivando a aumentar meus conhecimentos.
Ao Professor e Orientador Jefferson Grey Sant’Anna que me aceitou como
orientanda e com maestria me orientou.
São cinco anos de história e de emoções que ficarão guardados na minha
memória.
A todos o meu muito obrigado!
“ A cura ligada ao tempo e, às vezes, também
às circunstâncias. ”
(Hipócrates)
“ A vida é breve; a arte, vasta; a ocasião,
instantânea, a experiência, incerta; o juízo,
difícil. ”
(Hipócrates)
RESUMO
O presente tema tem como escopo o estudo da responsabilidade civil na profissão do médico. O objetivo do estudo é apresentar a responsabilidade do médico frente a danos oriundos de sua profissão. Primeiro se fará um panorama geral acerca da responsabilidade civil e, posteriormente se direcionará o trabalho a responsabilidade civil do médico, verificando os seus marcos históricos, a relação do médico e do paciente, seus direitos e deveres, a forma contratual, bem como a obrigação que deriva do contrato. Também se pretende demonstrar a culpa do médico em um evento danoso e a quem cabe provar, bem como a aplicação no código de defesa do consumidor na profissão liberal do médico. O tema é muito amplo e por ser socialmente relevante, procurou-se elencar as partes principais que envolvem o vínculo surgido entre o médico e o paciente. Ao final a pesquisa será direcionada a perda de uma chance e sua aplicação na seara médica, teoria que ainda causa muitas divergências doutrinarias e até jurisprudenciais e, que vem surgindo cada vez mais nos tribunais pátrios, visando uma reparação por uma chance perdida. Para a elaboração do trabalho será realizada uma pesquisa bibliográfica acerca do tema proposto, se utilizando de doutrinas, jurisprudência, legislação e o código de ética médica.
Palavras-chave : Responsabilidade Civil; Responsabilidade Civil do Médico; responsabilidade civil pela perda de uma chance
LISTA DE ABREVIATURAS
Art. Artigo
CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor
CFM Conselho Federal de Medicina
CPC Código de Processo Civil
IBIDEM Na mesma obra
OP. CIT. Obra citada anteriormente na mesma página
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJPR Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
UTI Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................09
2 RESPONSABILIDADE CIVL ...........................................................................12
2.1 NOÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL....................................................12
2.2 ORIGEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL......................................................13
2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL..............................................16
2.3.1 Ação.................................................................................................................17
2.3.2 Culpa e dolo.....................................................................................................18
2.3.3 Dano................................................................................................................20
2.3.3.1Dano patrimonial e dano moral........................................................................20
2.3.4 Nexo de causalidade.......................................................................................22
2.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL.........................................24
2.5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.....26
2.6 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL...................27
2.7 RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONSABILIDADE PENAL......................28
3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO ....................................................30
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...........................................................................30
3.2 MARCOS HISTÓRICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO........31
3.3 DEVERES E DIREITOS DO MÉDICO E DO PACIENTE.................................34
3.3.1 Dever de informar............................................................................................34
3.4 NATUREZA DO VÍNCULO MÉDICO-PACIENTE............................................36
3.5 NATUREZA DO CONTRATO MÉDICO-PACIENTE........................................38
3.5.1 Características gerais do contrato médico.......................................................39
3.5.2 Relação médico-paciente extracontratual........................................................40
3.5.3 Cláusula de não indenizar................................................................................41
3.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO E O CÓDIGO DO
CONSUMIDOR...........................................................................................................42
3.7 OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO............................44
3.8 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO..........................45
3.8.1 Culpa médica...................................................................................................48
3.8.1.1Culpa Stricto Sensu.........................................................................................49
3.9 ÔNUS DA PROVA...........................................................................................50
3.9.1 Ônus da prova nas obrigações de meio..........................................................51
3.9.2 Ônus da prova nas obrigações de resultado...................................................54
3.10 EXEMPLOS DE EXCLUDENTES....................................................................55
4 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE E S UA
APLICAÇÃO NA SEARA MÉDICA ............................................................................56
4.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA
DE UMA CHANCE......................................................................................................56
4.2 CHANCES SÉRIAS E REAIS..........................................................................58
4.3 NATUREZA JURÍDICA DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE..............60
4.4 DANO...............................................................................................................62
4.5 NEXO DE CAUSALIDADE...............................................................................64
4.6 APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NA SEARA
MÉDICA......................................................................................................................69
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................72
REFERÊNCIA..................................................................................................74
9
1 INTRODUÇÃO
O ser humano, antes mesmo de nascer, enquanto um feto, já é detentor de
direitos, todavia, ainda não possui responsabilidade alguma, mas pessoas direta ou
indiretamente ligada a ele como a sua mãe, pai, médico, possuem responsabilidades
para assegurar que aquele (feto) nasça com vida.
O médico terá uma responsabilidade para com o feto no sentido de realizar
exames neonatais visando verificar como está o bebê e também para assegurar que
a gestação transcorra de forma adequada, prestando toda a diligencia e perícia
possível para que na hora do parto o bebê nasça com vida, porém, não se deve
esquecer, quando se trata de vida humana, intercorrências pode acontecer, como um
aborto espontâneo.
Desse modo se percebe que desde antes de nascer o profissional da medicina
está presente, ou seja, o médico permeia a vida do ser humano desde o seu
nascimento e até depois da morte, pois não se pode esquecer os médicos legistas,
mas a responsabilidade deste não será estudado, pois, no presente trabalho o que se
buscou foi o estudo da responsabilidade civil do médico que causar danos em pessoas
vivas.
Atualmente, avanços tecnológicos e científicos permitem ao profissional da
medicina opções de tratamento e um conhecimento avançado nas patologias de
doenças, sendo determinantes muitas vezes para a obtenção de uma cura, porém,
não se pode esquecer que no Brasil a saúde tem se apresentado precária por falta de
investimento, fazendo com que os profissionais atuem com falta de material e
tecnologias que obstam um atendimento preciso e rápido.
Diante de inúmeros casos buscando uma responsabilização por erros
causados pela conduta negligente, imprudente e até por imperícia, se justificou o
interesse em estudar em que medida se dá a responsabilidade do médico frente a
tantas demandas visando a reparação por danos causados por esses profissionais
que tem como função aliviar dores ou até curar se possível as doenças e, não agravá-
las.
No primeiro capítulo, se buscou estudar a responsabilidade civil em geral, sua
origem, o conceito de responsabilidade, os seus elementos configuradores que são
10
essências como a conduta humana, o dano e o nexo causal, este muito importante
para se estabelecer se o agente agiu com culpa de forma ampla que abrange o dolo
ou em sentido estrito nas suas modalidades imperícia, imprudência e negligência,
sendo a culpa stricto sensu determinante quando se busca uma reparação na
responsabilidade civil do médico.
Ademais, no que concerne a culpa como fundamento para a responsabilidade
civil, se percebeu que a atividade de risco, que independe de culpa, também enseja
uma responsabilidade, verificou-se também as excludentes do nexo causal que
podem eximir o agente de reparar. Analisou-se alguns tipos de responsabilidade civil,
como a contratual e extracontratual, objetiva e subjetiva, e a diferença entre a
responsabilidade civil e a responsabilidade penal.
No segundo capítulo adentrou-se ao tema proposto, onde se abordou os seus
marcos históricos, as particularidades que regem a responsabilidade civil do médico,
como o dever de informar, os direitos e deveres que cabem ao profissional e ao
paciente, bem como, se verificou que a responsabilidade é em função da profissão
que exerce, ou seja, a conduta é derivada da atuação como médico.
Será verificado cada um dos elementos configuradores da responsabilidade
civil do médico que são os mesmos da responsabilidade civil em geral, contudo, a
culpa, com relação a atividade médica é perquirida em sentido estrito por ser a
responsabilidade subjetiva. Ainda, será analisado a natureza jurídica da relação do
médico e do paciente que geralmente será contratual, mas, em determinados casos
será extracontratual.
Além do mais como se verá no estudo que as obrigações que o médico tem
com o paciente, em regra, será de meio, mas que poderá também ser de resultado e,
mais, se é possível a aplicação do código de defesa do consumidor na
responsabilidade civil médica, por ser o médico um prestador de serviço. E por fim se
estudará o ônus da prova tanto nas obrigações de meio quanto nas obrigações de
resultado na responsabilidade civil do médico.
No terceiro capítulo, se estudará a responsabilidade civil pela perda de uma
chance e sua aplicação na seara médica, onde se percebe a divergência que causa
nos doutrinadores bem como na jurisprudência. Em um primeiro momento se
11
analisará o que vem a ser a perda de uma chance, a sua natureza jurídica, o dano
que será a chance perdida, o nexo causal e a dificuldade na sua verificação e, ao final
a aplicação da teoria na responsabilidade civil do médico.
12
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 NOÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O ser humano em sua convivência social assume compromissos que ao
serem cumpridas se extinguem. Entretanto, ao ser descumprida, causando um
prejuízo a alguém, originará uma responsabilidade.
Sílvio de Salvo Venosa dispõe que: “O termo responsabilidade é utilizado em
qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as
consequências de um ato, fato, ou negócio danoso”. 1
Carlos Roberto Gonçalves, afirma que:
Responsabilidade exprime ideia de restauração, de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social. 2
Para Paulo Nader, o termo responsabilidade não é restrita a área jurídica, e
esclarece da seguinte forma: “[...] a nomenclatura responsabilidade civil possui
significado técnico específico: refere-se à situação jurídica de quem descumpriu
determinado dever jurídico, causando dano material, moral, a ser reparado”. 3
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho lecionam da seguinte forma:
Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados. 4
1 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1 (Grifos do autor) 2 Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 19-20 (Grifos do autor) 3 Nader, Paulo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 6 4 Gagliano, Pablo Stolze. Responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 3
13
Ser responsável não quer dizer que se deve arcar com alguma reparação,
havendo cumprimento das normas jurídicas, de um dever legal, a obrigação de
ressarcir, reparar inexiste.
No conceito de Maria Helena Diniz se tem uma ideia apurada do que vem a
ser responsabilidade civil:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. 5
Dos conceitos extraídos supra, embora se tenha uma breve noção, uma ideia
do que venha a ser o instituto da responsabilidade civil, depreende-se que para ser
aplicado este instituto não basta ter um dano, mas que este seja tutelado pelo direito.
Desse modo, a responsabilidade será uma consequência da conduta lesiva
que culminou em um prejuízo a alguém gerando uma obrigação de indenizar.
Todavia, quando se busca analisar um tema, se faz necessário estudar o seu
surgimento para uma melhor compreensão.
2.2 ORIGEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL
No início o que imperava era a vingança privada, era imediata, não havia
regras, pagava-se o mal pelo mal. Sucessivamente, com a pena do talião se
regulamentou a vingança privada, individual, ideia de reparação pelo mal sofrido, não
se questionava a culpa.6
Paulatinamente, a reparação dá vez para a composição econômica, de forma
voluntária, onde o ofendido e o ofensor estabeleciam a forma como se daria (in natura
ou em dinheiro) encerrando assim a contenda. Mais tarde, época essa dos Códigos
Ur-Nammu, Código de Manu e da Lei das XII tábuas, por imposição da autoridade
soberana, a reparação passa a ser obrigatória e tarifada, não havia a vontade das
partes, taxava-se o mal causado. 7
5 Diniz, Maria Helena. Responsabilidade civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 35 6 Ibidem, p. 10 7 GONÇALVES, op. cit., p. 25
14
Nesse período, a autoridade, ao atribuir para si, a composição dos litígios,
passou também a punir, passando por uma transformação, uma divisão, em delitos
privados e delitos públicos. No primeiro, o Estado somente intercedia na composição
buscando evitar conflitos, já no segundo o desacato por ser mais grave e abalava a
ordem, eram coibidos pela autoridade.
Ao assumir a punição, ou seja, a ação repressiva, houve um desdobramento
na responsabilidade, surgindo a ação de indenização e, ao lado da responsabilidade
civil a responsabilidade penal. 8
Sílvio de Salvo Venosa, traz a Lex Aquilia como “divisor de águas da
responsabilidade civil” e, acrescenta:
Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral: como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. 9
Precisamente, a Lex Aquilia suscita a noção de culpa como pressuposto da
responsabilidade, “passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente”, o
agressor pagava ao ofendido o prejuízo causado, surgindo, “[...] ideia de reparação
pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da
reparação”. 10
Nessa época por não existir a separação entre a responsabilidade civil e
penal, o Estado intervinha nos conflitos privados e o ofendido renunciava a vingança
privada, obrigando-se a aceitar a composição. A separação dos dois ramos aconteceu
somente na idade média com a noção de dolo e da culpa em sentido estrito.
No Direito Francês houve um aperfeiçoamento do sistema romano,
estabelecendo princípios como enumera Carlos Roberto Gonçalves:
Direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência.11
8 Dias, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 27 9 VENOSA, op. cit., p.17 10 DINIZ, op. cit., p. 11 11 GONÇALVES, op. cit., p. 26
15
Com o Código de Napoleão, a culpa se torna base para a responsabilidade
civil, instituindo diferenças entre culpa delitual e culpa contratual.
A responsabilidade civil foi se modernizando, sendo os textos atualizados
pelos tribunais franceses.
No Brasil, o Código de 1916 como destaca Carlos Roberto Gonçalves: “ filiou-
se à teoria subjetiva, que exige prova de culpa ou dolo do causador do dano para que
seja obrigado a repará-lo”. 12
Atualmente, a responsabilidade é estudada em virtude de crescentes ações
buscando a reparação, o mundo globalizado amplia as relações e, a possibilidade de
ocorrência de danos é inevitável. Paulo Nader destaca: “[...], a importância da
jurisprudência, tanto na definição das normas explícitas da ordem jurídica quanto nas
implícitas que esta contém”. 13
O instituto da responsabilidade civil não permaneceu estanque, muito se deu
pelo Direito Romano e pela Jurisprudência.
Saiu-se de uma época em que não se existia uma responsabilidade e, o
ofendido tomava para si a função de punir, para uma responsabilidade tutelada pelo
direito.
Ademais a doutrina e a jurisprudência atuaram de forma preponderante nos
casos concretos buscando assim instituir teorias acerca da responsabilidade para uma
maior efetividade na reparação dos danos.
Porém, para a caracterização da responsabilidade civil, alguns elementos são
essenciais como se verá a seguir.
12 GONÇALVES, op. cit., p. 27 13 NADER, op. cit., p. 4
16
2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil tem como base o artigo (art.) 186 do Código Civil,14 é
nele que buscam os doutrinadores retirar elementos para sua caracterização.
Para Maria Helena Diniz, são três os pressupostos para caracterizar a
responsabilidade civil: a existência de uma ação, dano e nexo de causalidade e
destaca a culpa como fundamento ao lado do risco. 15
Carlos Roberto Gonçalves pontua, como quatro os elementos essenciais da
responsabilidade civil: “ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de
causalidade e o dano experimentado pela vítima”. 16
Segundo Fernando Noronha são cinco os requisitos para a responsabilidade
civil: “dano, cabimento no âmbito de proteção de uma norma, fato gerador, nexo de
causalidade e nexo de imputação”. 17
Conforme Roberto Senise Lisboa, os elementos se dividem em essenciais e
acidentais, os essenciais se subdividem em elementos objetivos (conduta, dano e
nexo de causalidade) e elementos subjetivos (agente e vítima), já o elemento acidental
(culpa) em determinadas relações poderá existir ou não, mas que caracterizará do
mesmo modo a responsabilidade civil, sendo o que muda, é a aplicação de regime
jurídico diverso da geral. 18
Depreende-se do apresentado, que para que haja a responsabilidade alguns
elementos são essenciais como uma conduta (ação ou omissão) do agente, nexo de
causalidade, dano, sendo a culpa perquirida caso a caso.
Contudo para que ocorra um dano, necessariamente é preciso em primeiro
lugar que haja uma conduta, uma ação comissiva ou omissiva.
14 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 15 DINIZ, op. cit., p. 37-8 16 GONÇALVES, op. cit., p. 53 17 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 491 18 SENISE Lisboa, Roberto. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 4. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 231-2
17
2.3.1 ação
A ação na responsabilidade civil é o fato gerador da responsabilidade civil,
nela se encontra o comportamento do agente, podendo ser comissiva (o ato que não
everia praticar) ou omissiva (quando se abstém ou deixa de praticar determinado ato),
voluntária, segundo seu livre arbítrio.19
No mesmo sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, para
eles a conduta do agente, positiva ou negativa, deve ser necessariamente volitiva e,
afirmam: “ o núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a
voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável,
com discernimento necessário para ter a consciência daquilo que faz”. E
acrescentam, que a consciência pode estar ligada tão somente ao ato praticado, mas
não na ilicitude deste. 20
Assim, na conduta do agente, há um fazer ou um não fazer, devendo ser
voluntária, entretanto, como pontua Sílvio de Salvo Venosa, “ o ato de vontade,
contudo, no campo da responsabilidade deve revestir-se de ilicitude”. 21
Por ilicitude se tem aqueles atos praticados tidos como ilícitos, ou seja, “olha-
se somente o ato em si” e, o fato de ele não ser permitido.22
Já o ato ilícito é aquela conduta comissiva ou omissiva, voluntária, em
descumprimento com um dever, que causa prejuízo a outrem.
Paulo Nader conceitua ato ilícito da seguinte forma:
Ato ilícito é fato antijurídico em sentido amplo, pois cria ou modifica a relação jurídica entre o agente causador da lesão e o titular do direito à reparação, que pode ser a vítima ou seus dependentes. Com um ato ilícito ocorre a violação do direito, mas nem toda violação configura ato ilícito. Este requer uma ação ou omissão, praticada dolosamente ou por simples culpa, advindo dano patrimonial ou moral a alguém, havendo nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.23
Para Maria Helena Diniz, o ato ilícito tem “duplo fundamento”, a violação de
um dever jurídico e a consciência do resultado que poderá ser atribuído desse
19 DINIZ, op. cit., p. 39 20 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, P. op. cit., p. 27 (grifos dos autores) 21 VENOSA, op. cit., p.23 22 NORONHA, op. cit., p. 383 23 NADER, op. cit., p. 60
18
descumprimento e, destaca ainda a doutrinadora: “[...] o ato ilícito qualifica-se pela
culpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade”. 24
Noronha ensina que: “Atos ilícitos, [...], são todas as ações ofensivas de
direitos alheios, proibidas pela ordem jurídica e imputáveis a uma pessoa a título de
culpa ou dolo [...]”. 25
Como visto, para que haja uma responsabilidade civil, a conduta do agente,
seja em uma ação ou em omissão, deve ser voluntária, com discernimento e, ainda o
ato voluntário deve ser ilícito.
Ademais o ato ilícito deve, em regra, ser culposo para que possa atribuir uma
responsabilidade a alguém.
Sendo assim, se faz imprescindível a análise da culpa de uma conduta ilícita,
por ser em regra, um fator fundamental, para gerar um dever de reparar.
2.3.2 Culpa e dolo
A culpa lato sensu compreende o dolo mais a culpa stricto sensu nas
modalidades (negligência, imprudência e imperícia).
No dolo, o agente tem a intenção de praticar o ato ilícito, volitivo, consciente,
deliberado e, sabe as consequências que poderá advir de sua conduta e quer este
resultado. Na culpa, não existe uma vontade deliberada na prática do ato ilícito, mas
tem consciência e o pratica assim mesmo, assumindo um risco previsível e evitável
no descumprimento de um dever. 26
Destaca Carlos Roberto Gonçalves que:
Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante –, enquanto no segundo a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados.27
24 DINIZ, op. cit., p. 40 25 NORONHA, op. cit., p. 382 26 GONÇALVES, op. cit., 315 27 Ibidem, p. 317
19
A culpa stricto sensu também chamada de culpa aquiliana pode ser por:
imperícia, quando o agente não detém a habilidade (técnica) para determinado ato;
imprudência, quando age, quando deveria se abster, pratica sem a necessária
cautela, age de forma precipitada; negligência, quando trata com descaso, descuido
em vez de agir com atenção, tem uma conduta omissiva.28
A culpa pode ser grave, leve e levíssima dependendo do caso concreto. Na
grave, o agente não conjectura a possibilidade do dano como as outras pessoas, mas
a violação é tão séria que se equipara ao dolo. Na leve, o agente pode evitar tomando
o devido cuidado, com diligência. Na culpa levíssima, a diligência, o cuidado, tem que
ser extremo para ser evitado. 29
É verificado o grau de culpa por força do art. 944, caput do Código Civil, onde
dependendo da gravidade do dano será auferida a indenização, já no parágrafo único,
do referido artigo, se compreende, que se a desproporção for excessiva entre o dano
e a culpa, o juiz poderá reduzir a indenização.30
Em casos concretos a culpa do agente é imprescindível, fundamental, porém,
atualmente, tomou assento a responsabilidade sem culpa, elencada no parágrafo
único do art. 927 do Código Civil, onde caracteriza, a responsabilidade civil objetiva.31
Nessa, a responsabilidade civil será em razão do risco que a atividade do
agente pode causar, portanto independe a culpa, sendo esta objetiva, além daquelas
definidas por lei.
Como visto a culpa pode ser em sentido amplo abrangendo o dolo e a culpa
e a culpa em sentido estrito em suas modalidades (negligência, imperícia e
imprudência), bem como, a responsabilidade pode se dar com base no risco que a
atividade desenvolvida pode oferecer, onde independe a culpa do responsável.
28 DINIZ, op. cit., p. 41 29 Ibidem, p. 43 30 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. 31 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
20
Ademais há graduações na culpa, perquiridas entre a gravidade do dano e a
culpa do ofensor.
Mas havendo uma conduta seja ela culposa ou não, para que caracterize a
responsabilidade civil, é imprescindível a ocorrência de um prejuízo, um dano a
alguém.
2.3.3 Dano
Segundo Roberto Senise Lisboa, “Dano (damnum) é o prejuízo causado a
outrem ou ao seu patrimônio”.32 Ocorrendo um dano surgirá a responsabilidade civil,
sendo elemento indispensável para a constituição do dever de reparar.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, conceituam o dano como:
“[...], a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação
ou omissão do sujeito infrator”. No dano patrimonial, configura o prejuízo que afeta o
patrimônio de quem foi lesado, já no dano moral o que se tem é uma lesão que atinge
o ofendido como pessoa.33
O dano como visto deve causar um prejuízo a alguém e conforme previsto no
art. 186 do Código Civil, se abrangeu tanto o patrimonial quanto o moral, convém
estudá-los mais detalhadamente.
2.3.3.1 Dano patrimonial e dano moral
Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, o dano patrimonial
consiste em um prejuízo que atinge “bens e direitos economicamente apreciáveis de
seu titular”. 34
32 SENISE LISBOA, op. cit., p. 33 (grifos do autor) 33 GONÇALVES, op. cit., p. 357 (grifos do autor) 34 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. cit., p. 40
21
O dano material ou patrimonial por força do art. 402 do Código Civil, é
analisada pela presença de dois aspectos, quais sejam o lucro cessante e o dano
emergente.35
Dano emergente, corresponde ao prejuízo que a vítima tem na ocorrência do
dano; o lucro cessante equivale aquilo em que a vítima deixou de ganhar em virtude
do dano.36
Tanto um quando o outro devem estar devidamente comprovados para que
ocorra a indenização.
O dano emergente é mais fácil de estabelecer um valor de indenização, haja
vista, que há uma depreciação no patrimônio, contudo, em relação ao lucro cessante
a razoabilidade se prende na existência provada de prejuízo.37
Além do dano emergente e do lucro cessante, há outra espécie de dano
nominada de dano reflexo ou em ricochete, nesse, o dano além de diretamente atingir
o lesado, reflexivamente atingirá pessoa a ele ligado. 38
Com relação ao dano moral, Paulo Nader esclarece que “ somente haverá
dano moral quando a conduta do agente atentar contra a dignidade inerente à pessoa,
causando-lhe efetiva dor material ou psíquica”.39
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho conceituam da moral da
seguinte forma:
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.40
35 Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. 36 VENOSA, op. cit., p. 288 37 GONÇALVES, op. cit., p. 361-2 38 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. cit., p. 45 39 NADER, op. cit., p. 85 40 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. Cit., p. 55
22
O dano moral não consiste na dor, humilhação experimentada pelo ofendido,
mas o resultado que este acarreta, causando um desequilíbrio psicológico na pessoa
lesada. 41
Tanto o dano moral quanto o dano material podem coexistir dependendo do
caso concreto.
Nos últimos tempos, outra espécie de dano vem aparecendo nos tribunais,
consiste na perda de uma chance, que pode ser real em alguns casos e em outros
uma probabilidade cabendo ao Magistrado analisar caso a caso.42
Como analisado o dano pode ser tanto patrimonial, quando atinge o
patrimônio do lesado, bem como, pode ser o dano extrapatrimonial quando atinge
bens imateriais, como a integridade física, a moral, a vida e a chance.
Além disso, o dano pode atingir indiretamente pessoas ligadas ao ofendido,
todavia, com relação ao dano moral é o magistrado que vai arbitrar o valor a ser
indenizado em um caso concreto.
Para a ocorrência de um dano, necessariamente, deve existir um agente
causador do prejuízo e uma vítima, há um vínculo entre a conduta e o dano, sendo
este outro elemento da responsabilidade civil, denominado pelos doutrinadores de
nexo causal.
2.3.4 Nexo de causalidade
Sílvio de Salvo Venosa, ensina que o nexo causal, “[...], é o liame que une a
conduta do agente e o dano”.
O nexo causal será a ligação existente entre a conduta do infrator e o evento
danoso, ou seja, através do nexo causal que se chegará ao responsável. 43
41 GONÇALVES, op. cit., p. 377 42 NADER, op. cit., p. 70 43 VENOSA, op. cit., p. 47
23
Silvio Rodrigues destaca a importância do nexo causal, para ele se não houver
uma relação de causalidade, entre o dano sofrido e o ato ilícito cometido, o dever de
indenizar não poderá ser imposta. 44
A ação, seja ela comissiva ou omissiva, deve ter uma relação com o dano, a
verificação do que ensejou o evento danoso, sendo indispensável o nexo de
causalidade para se atribuir a responsabilidade civil e o dever de indenizar.
Conforme Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho são três as teorias
que fundamentam o nexo de causalidade, a saber:
Teoria da equivalência de condições: “ [...], todos os fatores causais se
equivalem, caso tenham relação com o resultado”. Todo o antecedente que contribuiu
para o dano.
Para os doutrinadores essa teoria apresenta um obstáculo, pois a “cadeia
causal” poderia levar a uma linha regressiva sem fim e, exemplificam que o agente ao
disparar um projétil, seria uma causa, mas também seria considerado causa não só o
disparo como quem fabricou a arma, o projétil e o fabricante da pólvora.
Teoria da causalidade adequada: nessa nem todos os antecedentes são
considerados como causa, mas somente considerados aqueles que contribuíram para
a efetivação do resultado.
Os doutrinadores destacam que para se reputar como causa adequada, “ esta
deverá, abstratamente e, segundo uma apreciação probalística, ser apta à efetivação
do resultado”. 45
Teoria da causalidade direta ou imediata: foi desenvolvida no Brasil pelo
Professor Agostinho Alvim, também nominada de teoria da interrupção do nexo causal
ou teoria da causalidade necessária. Nessa o dano tem uma ligação de causa e efeito
direta e imediata, com a conduta.
44 RODRIGUES, op. cit., p. 163 45 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. cit., 86-92
24
Carlos Roberto Gonçalves ensina que: “ É indenizável todo dano que se filia
a uma causa, desde que esta seja necessária, por não existir outra que explique o
mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução”. 46
Desse modo, percebe-se que para que o dano seja reparado deve ter uma
relação, uma ligação entre a conduta do ofensor com o dano propriamente dito.
Para isso o magistrado lança mão de teorias desenvolvidas para sanar as
dúvidas existentes em um caso concreto.
Contudo, além disso de utilizar as teorias existentes, o juiz deve averiguar se
há excludentes de responsabilidade civil, ou seja, motivos que podem excluir o nexo
causal.
2.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE
Sílvio de Salvo Venosa, explica que as excludentes da responsabilidade são
aquelas que impossibilitam a concretização do nexo causal.47
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, apresentam 6 (seis) causas
de excludentes da responsabilidade civil, a seguir:48
Estado de necessidade: com amparo legal no art. 188 do Código Civil, inciso
II e parágrafo único, se funda basicamente em uma agressão a direito alheio,
buscando evitar perigo iminente, porém dentro de limites, havendo excesso, será
responsabilizado; 49
Legitima defesa: esta excludente vem amparada no art. 188, inciso I, primeira
parte, do Código Civil, consiste em uma reação a uma agressão, atual e iminente;
46 GONÇALVES, op. cit., p. 350 47 VENOSA, op. cit., p. 49 48 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. cit., p. 101 49 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
25
Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal: nessa o
amparo legal vem disposto no mesmo art. 188, inciso I, segunda parte, do Código
Civil, onde o agente vai atuar dentro dos limites de um direito reconhecido;
Caso fortuito e força maior: tem respaldo legal no art. 393, caput, e parágrafo
único do Código Civil, consiste, segundo os autores, aquilo que é imprevisível quando
for caso fortuito e, na força maior a inevitabilidade (fenômenos da natureza);50
Culpa exclusiva da vítima: nessa há quebra do nexo causal, por ser a vítima
a causadora do evento danoso, porém, caso haja concorrência de culpa, tanto da
vítima quanto do agressor, a reparação deverá ser graduada nos limites da culpa de
cada um;
Fato de terceiro: nessa dependerá de prova que o evento danoso foi
ocasionado por um terceiro, sendo o evento imprevisível e inevitável.
Maria Helena Diniz, também traz como causa excludente, a existência de
cláusula de não indenizar, inserida no âmbito contratual, onde, as partes
convencionam uma cláusula, eximindo a responsabilidade de indenizar por prejuízo
causado ao outro, contudo, não desaparecerá o nexo causal. Afirma a doutrinadora
que na delitual essa cláusula não é admitida.51
Segundo Carlos Roberto Gonçalves a existência de concausas também não
tem o condão de se excluir o nexo de causalidade, podendo ser causas
supervenientes, concomitantes ou preexistentes.
Na primeira, a causa só terá importância quando romper o nexo causal
anterior e por si só, for a causa direta e imediata do novo dano, como exemplo o
doutrinador traz: a vítima que ao ser atropelada, não é socorrida a tempo, perdendo
muito sangue e vindo a falecer. O fato superveniente não rompeu o nexo causal mas
o reforçou, sendo irrelevante em relação ao agente.
Na segunda, o dano somente ocorreu por uma causa concomitante, como
exemplo se tem: a parturiente que morre no parto vítima de um edema que se rompeu.
50 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. 51 DINIZ, op. cit., p. 115
26
Na terceira, o fato de já existir uma causa preexistente não elimina o nexo
causal, a exemplo se tem: em um atropelamento onde surja complicações por ser a
vítima cardíaca, o responsável responde pelo resultado mais danoso.52
Como visto, além de teorias existentes para ajudar a verificação do nexo
causal, em um caso concreto, a análise de excludentes do nexo de causalidade se faz
necessário.
Como exposto, a responsabilidade civil possui elementos configuradores,
excludentes aplicáveis em cada caso concreto e fundamentos como a culpa e o risco
No Código Civil se adotou a responsabilidade civil subjetiva e a
responsabilidade civil objetiva, na primeira deriva de uma culpa do agente, já na
segunda o risco é fator preponderante.
2.5.RESPONSABILIDADE OBJETIVA E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
Para Fernando Noronha, o “regime-regra”, ou seja, a responsabilidade civil
subjetiva ou culposa, disposta no caput do art. 927 do Código Civil, consiste na
obrigação de reparar danos oriundos de ações ou omissões culposas ou dolosas (atos
ilícitos), que violaram direitos alheios.
Já a responsabilidade civil objetiva ou pelo risco, é obtida através do parágrafo
único do mesmo artigo, onde se extrai a obrigação de reparar sem a presença da
culpa, é oriunda geralmente de atividades onde existe a possibilidade de causar
danos. 53
Nessa se busca a defesa do ofendido e a garantia de reparação, sendo
somente aplicável nas hipóteses previstas em lei.
Silvio Rodrigues, afirma que: “Em rigor não se pode afirmar serem espécies
diversas de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de
reparar o dano”.
52 GONÇALVES, op. cit., p. 353 53 NORONHA, op. cit., p. 507-9
27
A responsabilidade subjetiva é fundada na culpa ampla ou em sentido estrito,
sendo imprescindível quando se busca uma reparação. Na responsabilidade objetiva
o fator culpa não é importante, mas sim o nexo causal entre o ato danoso e dano. 54
Porém, como destaca Carlos Roberto Gonçalves, há casos em que a culpa é
presumida, conforme o art. 936 do Código Civil,55 onde basta o autor demonstrar a
ação ou omissão do responsável e o prejuízo causado. 56
Como visto a culpa em determinados casos é determinante para que haja uma
responsabilização, porém em determinadas situações ela não é exigida, e em outros
casos ela já é presumida.
A responsabilidade como consequência de um dever violado, ou de uma
obrigação já existente, resulta em uma satisfação ao ofendido, sendo chamadas de
extracontratuais ou aquiliana e responsabilidades contratuais ou negociais.
2.6 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a
responsabilidade contratual (negocial) e extracontratual (aquiliana), pode ser
diferenciada pelos seguintes elementos: a existência de uma relação jurídica anterior
ao ato ilícito ou não, o ônus da prova e a capacidade do agente. 57
Carlos Roberto Gonçalves, leciona que na relação contratual (obrigação
bilateral, acordo entre as partes) quanto na unilateral (manifestação de vontade) ao
ser inadimplida gera uma responsabilidade, há portanto um vínculo anterior entre o
credor e o devedor. 58
Segundo o autor, na extracontratual não há vinculo anterior ao evento danoso,
há um descumprimento de um dever legal. Com relação ao ônus da prova, na
contratual o fato de existir uma relação obrigacional, a culpa é presumida, o credor
somente deverá demonstrar que houve inadimplemento, cabendo ao devedor o onus
54 RODRIGUES, op. cit., p. 11 55 Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar a culpa da vítima ou força maior. 56 GONÇALVES, op. cit., p. 48 57 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. cit., p. 18 58 GONÇALVES, op. cit., p. 46-7
28
probandi, ou seja, provar a existência de excludentes admitidas por lei, para se
exonerar da responsabilidade.
Na responsabilidade extracontratual, a vítima tem que provar que o agente
infrator agiu com culpa, esta não é presumida.
Em termos de capacidade, na responsabilidade contratual, o autor esclarece
que o menor púbere para contratar deve ser assistido por seu representante legal, não
o sendo o contrato é nulo, não produz efeitos, porém, há uma exceção quanto o menor
já com 16 anos, se declarou maior.
Na extracontratual o ato delituoso de um menor vai gerar a responsabilidade
daquele que tem o dever de cuidar, vigiar, podendo este se exonerar da reparação,
quando não tem meios de o fazê-lo e o menor têm condições de ressarcir.
Portanto, se percebe que a título de reparação em havendo uma relação
contratual por existir vínculo preexistente entre as partes, a culpa é presumida,
cabendo ao prejudicado demonstrar a culpa, porém na extracontratual inexiste
vínculo, portanto cabe ao autor provar a culpa do ofensor.
Também há determinadas condutas em que a responsabilidade não será civil,
mas tutelada pelo direito penal, nessas, a culpa é imprescindível e a punição pelo ato
ilícito praticado, é pessoal.
2.7 RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONSABILIDADE PENAL
Paulo Nader, ensina que: “Não há distinção ontológica entre a
responsabilidade civil e penal, tanto que é possível a ocorrência da primeira sem a da
segunda”.
O que difere entre as duas responsabilidades é o interesse. Na civil a
ocorrência de um ato ilícito, afetará o ofendido, que poderá ou não buscar a reparação,
na penal a conduta do infrator atinge a sociedade em geral, e o Estado vai intervir
buscando a segurança social.59
59 NADER, op. cit., p. 17
29
Sendo a responsabilidade penal de interesse público, é manifestada através
de uma pena pessoal e intransferível.
Na responsabilidade civil, o interesse tutelado é privado, o que se busca é
restabelecer o equilíbrio que foi quebrado pelo ato ilícito praticado, culminando em
uma reparação e/ou recomposição”. 60
Todavia, em alguns casos a gravidade do ato ilícito pode refletir tanto na
esfera civil quanto na penal, podendo culminar em uma pena e também em uma
reparação.61
Desse modo se percebe a diferença dos dois ramos do direito, enquanto que
na penal o culpado é quem vai ser punido por uma pena, sendo esta, pessoal e
intransferível, na civil, em um caso concreto, a responsabilidade pode recair em outra
pessoa que não seja culpada pelo dano.
Como visto a responsabilidade civil tem nuances distintos da penal, sendo
necessário a busca de seus elementos caracterizadores, bem como, seus
fundamentos e teorias.
Na responsabilidade civil do médico, também é empregado os requisitos da
responsabilidade civil em geral mas com algumas distinções como se verá a seguir,
pois o que se verifica é a conduta profissional no exercício de sua função.
60 DINIZ, op. cit., p. 23-4 61 RODRIGUES, op. cit., p. 7
30
3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A pessoa quando acometida de algum mal seja de ordem física ou psíquica,
procura o médico para restabelecer a saúde perdida ou debilitada, contudo, nem todos
os pacientes conseguem ou obtém a cura pretendida, seja pela patologia da doença
ou por algum fato que a impossibilitou.
Determinadas doenças não são fáceis de se diagnosticar, os tratamentos são
difíceis e, até os prognósticos não são bons, cabendo ao médico no exercício de sua
função, utilizar de todos os meios e recursos disponíveis para descobrir e tratar a
moléstia com zelo, cuidado, atenção, estabelecendo respeito e uma confiança.
Sílvio de Salvo Venosa, ensina que: “ o médico, em sua arte, deve ser
conhecedor da ciência para dar segurança ao paciente”. 62
O médico deve estar sempre atualizado, conhecendo meios e técnicas novas
que possam auxiliá-lo no exercício de sua função, devendo primar pelo respeito e
confiança a ele depositado, priorizando a dignidade da vida humana.
Fernanda Schaefer destaca dois princípios norteadores da medicina como a
beneficência “lançar mão de tudo em favor do paciente” e, o da não- maleficência que
é “ não fazer o mal”. 63
A obrigação do profissional não é curar, mas sim tratar com toda diligência
possível, utilizando-se de todas as técnicas e tratamentos existentes para que aquela
possa ser alcançada.
No entanto, se o médico atuar com negligencia, imprudência ou mesmo com
imperícia gerando um dano ao paciente, deverá ser responsabilizado.
A responsabilidade civil médica é regida pelos princípios da responsabilidade
civil em geral e, evidencia Hildegard Taggesell Giostri que “[...], quem pratica um ato
62 VENOSA, op. cit., p. 126 63 Schaefer, Fernanda. Responsabilidade civil do médico & Erro de diagnóstico. 1ª ed. 11ª reimp. Curitiba: Juruá, 2012, p.13
31
em estado de sã consciência e capacidade, com liberdade, intencionalidade ou por
mera culpa, tem o dever de reparar as consequências danosas de seu proceder”. 64
Desse modo, o médico tem em suas mãos o dever não de curar mas de
empreender todos os cuidados possíveis para que o enfermo em sua doença seja
amparado por um profissional competente e diligente.
A responsabilidade médica assim como a geral, também tem seus marcos
históricos e, para uma melhor compreensão do instituto, agora em especial a do
médico, se pontua os seus lineamentos históricos.
3.2 MARCOS HISTÓRICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
No princípio, a medicina era exercida por pessoas do próprio grupo como
magos, curandeiros, barbeiros, não tinham conhecimento da anatomia humana, se
curavam era porque tinham ligação com o divino, se não alcançavam o resultado
pretendido sofriam as consequências pelo seu mau êxito.
O código de Hamurabi é o documento mais antigo que elenca algumas
condutas e regras a serem seguidas pelo médico, no desempenho de sua profissão.
Se erravam eram punidos, mas as sanções, bem como a remuneração, variavam de
acordo com o dano e a classe do doente.65
Como destaca Miguel Kfouri Neto, “[...] tais sanções eram aplicadas quando
ocorria a morte ou lesão ao paciente, por imperícia ou má prática, sendo previsto o
ressarcimento do dano quando fosse mal curado um escravo ou animal”. 66
Nessa época a responsabilidade era objetiva, a culpa não existia.
Com a Lex Aquilia de Damno, encontra-se os primeiros lineamentos da
responsabilidade do médico, suas condutas eram vistas através da culpa e alguns
delitos eram permitidos como: o erro proveniente da imperícia e o abandono do
enfermo. A reparação era fixada em valor pecuniário, não se cogitava o dano moral,
64 Giostri, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica – As obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. 1ª ed. 5ª tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 24 65 SCHAEFER, op. cit., p. 18 66 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 57
32
porém havia a previsão de morte ao médico ou a sua deportação caso fosse culpado
no exercício da profissão.67
No Império Romano a medicina passou por uma transição, segundo Miguel
Kfouri Neto, “[...], alçou à dignidade da profissão, organizando-se cursos e sendo
codificado um sistema para a proteção da saúde pública e higiene social”.68
Apareceram nesse período especializações como oftalmologistas, que na
época eram chamados de oculistas e clínicos gerais.
No Egito, a medicina era valorizada, sendo confundida a profissão do médico
com a dos sacerdotes, no entanto havia um livro de obediência que se não fossem
observadas a punição seria a morte.69
Na Grécia, eram as divindades que cuidavam dos doentes, Fernanda
Schaefer informa que: “Esculápio, deus greco-romano, era o conselheiro dos médicos
e aparecia aos doentes sempre à noite, momento em que os curava ou lhes revelava
o tratamento mais adequado”. 70
Nessa época também nasceu Hipócrates que, segundo a doutrinadora, “[...]
entregou a arte de curar aos homens”. Foi Hipócrates quem criou o juramento que
nos dias atuais e adotado pelos formandos e profissionais da medicina.71
A responsabilidade civil do médico foi influenciada também pelo Direito
canônico, onde eram necessárias provas cabais e exame médicos legais da conduta
errônea do médico. 72
Desde os primórdios a responsabilidade civil do médico foi sempre punida,
passando por regras que delimitavam a sua atuação, mas conforme salienta Fernanda
Schaefer:
Foi no século XVIII que se passou a diferenciar as falhas decorrentes de imperícia, imprudência, dos erros originados da falta de recursos tecnológicos, o que acabou por gerar muitas pesquisas e avanços na área da medicina.73
67 KFOURI, 2013, op. cit., p. 58 68 IBIDEM, 2013, op. cit., p.59 69 SCHAEFER, op. cit., p. 18 70 Ibidem, p. 18-9 71 Ibidem, p. 19 72 Ibidem, p. 20 73 Ibidem, p. 20
33
Na França, em 1829, aparece a responsabilidade moral do médico, com a
decisão da Academia de Medicina de Paris, que proclamou a “exclusiva
responsabilidade moral dos profissionais na arte de curar”. 74
Assinala Miguel Kfouri Neto que: “ Tal decisão pretendia consagrar situação
especial de imunidade: para que houvesse responsabilidade médica, seria necessário
provar-se falta grave, imprudência visível, manifesta imperícia”. 75
Destaca o doutrinador, o caso do Dr. Helie de Domfront, em 1832 que resultou
em uma transformação na jurisprudência francesa, com a decisão, que condenou o
médico a uma pensão ao paciente pelo erro praticado.
Atualmente, segundo o doutrinador em Paris, magistrados são convidados a
assistirem cirurgias a fim de “[...] vivenciar a atividade médico-cirúrgica, em todas as
suas nuanças, materiais e psíquicas. 76
Também foi na França o primeiro julgado sobre a perda de uma chance em
decorrência de erro de diagnóstico médico, culminando em um tratamento
inapropriado.77
No Brasil, a conduta médica somente foi regulada em 1932, sendo os médicos
obrigados a observar as normas éticas, jurídicas e morais.78
Como verificado a responsabilidade pela conduta do médico não é atual,
sendo considerada uma questão de ordem social.
Hoje a responsabilidade civil do médico é analisada à luz de princípios que
regem a vida humana. Os avanços tecnológicos e científicos também são verificados
pelo direito e pela ética profissional, cabendo ao magistrado na ocorrência de um dano
analisar no caso concreto se houve ou não condutas falhas.
74 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 61 75 Ibidem, p.61 76 Ibidem, p. 63 77 Ibidem, p. 63 78 SCHAEFER, op. cit., p. 22
34
3.3. DEVERES E DIREITOS DO MÉDICO E DO PACIENTE
Tanto o médico quanto o paciente têm direitos e deveres, cabendo a cada um
primar e respeitar para que ocorra um bom desempenho, buscando garantir um
diagnóstico correto e um tratamento adequado.
O Conselho Federal de Medicina, através de seu Código de Ética Médica,79
regulamenta os direitos e deveres do profissional da medicina, sendo que no capítulo
III, do código, sob o título de Responsabilidade Profissional, se extrai do art. primeiro,80
um dever que o médico tem com relação ao paciente de não causar dano.
Já para o paciente existe uma Carta dos Direitos dos Usuários da saúde81
elaborado pelo Conselho Nacional de Saúde, que elenca direitos, deveres e princípios
como: “ Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema”
e, “ Todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça
de forma adequada”.
Portanto, ambos, médico-paciente tem deveres e direitos e, ao observá-los
poderão estar evitando que algum dano aconteça.
Um dos deveres do médico é informar o paciente sobre a sua doença,
tratamento e o prognóstico, bem como avisar dos riscos que poderão advir das
técnicas a serem adotadas.
Entretanto, pela inobservância desse dever, demandas vem aparecendo nos
tribunais, buscando uma reparação, como se verá a seguir.
3.3.1 Dever de informar
O consentimento informado nada mais é do que, expor ao paciente a doença
que o acomete, os tratamentos e procedimentos que poderão ser adotados, riscos
inerentes as práticas adotadas, quais os prognósticos, ou seja, compartilhar tudo que
está sendo feito.
79 Conselho Federal de medicina. Disponível em: < http://portal.cfm.org.br >. Acesso em: 25/03/1015 80 Art. 1º. Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. 81Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/livros/cartaaosusuarios02.pdf >. Acesso em: 25/03/2015
35
A informação deve ser de forma clara e precisa, para que o enfermo entenda
quais são os riscos, bem como as reações que poderão surgir do tratamento e demais
procedimentos, devendo ser anotado no prontuário médico a anuência do doente ou
na falta deste, a concordância de algum membro da família.
No código de ética, do CFM, precisamente no capítulo V, intitulado de Relação
com pacientes e familiares, dispõe no seu art. 34,82 o dever que o médico tem de
informar ao paciente sobre a doença, tratamentos e prognósticos. Também no art. 6º,
inciso III do CDC,83 traz como direito básico, a informação pelo prestador de serviço.
No caso de o médico não informar ao paciente os riscos que poderão surgir
do tratamento ou do procedimento, poderá surgir uma responsabilidade, mesmo que
não haja culpa do profissional nas modalidades: imprudência, imperícia e negligência.
Miguel Kfouri Neto ressalta que o dever de informar poderá ter ou não
consequências na ocorrência de um dano, e ensina que:
Na eventualidade de o dano ter sido causado por culpa do médico, normalmente torna-se irrelevante discutir a qualidade da informação – que é um dever secundário de conduta. Entretanto, quando a intervenção médica é correta – e não se informou adequadamente –, a questão se torna crucial. Poderá haver responsabilização pela falta ou deficiência no cumprimento do dever de informar, ainda que não se possa provar claramente ter havido culpa no descumprimento da obrigação principal.84
O autor também enfatiza que além de informar, deverá aconselhar o paciente
quais cuidados este terá que tomar com relação ao tratamento ou procedimento
prescrito.
Portanto, em havendo algum evento danoso mesmo que o médico tenha
procedido de forma técnica e adotado todos os meios e recursos cabíveis, mas não
informou de forma adequada os riscos inerentes de tais procedimentos, ocorrendo
algum evento danoso, poderá surgir um dever de indenizar.
82 Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. 83 Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. 84 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p.49- 51
36
Cabe aos magistrados em um caso concreto analisar se a falta do dever de
informar gerará uma indenização, sopesando princípios com a falha do dever de
informação do profissional, que os auxiliará na decisão, como se percebe no julgado
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO HOSPITAL - ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO E DE AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO INFORMADO - OBRIGAÇÃO DE MEIO - ART. 14, §4º DO CDC - AUSÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA, IMPERÍCIA E IMPRUDÊNCIA NO CASO - DEMONSTRADA PELA PERICIAL JUDICIAL - ESCLARECIMENTOS DA PERÍCIA MÉDICA - CONDUTAS E PROCEDIMENTOS ADEQUADOS AO QUADRO CLÍNICO DO PACIENTE - CIRURGIA EXITOSA - COMPROVADO QUE A DOR DE CABEÇA RECLAMADA PELO AUTOR NÃO TEM VÍNCULO COM A RETIRADA PARCIAL DO TUMOR FACIAL - AUSÊNCIA DE COMPRESSÃO NERVOSA QUE PUDESSE CAUSAR A CEFALÉIA - CONSENTIMENTO INFORMADO - NÃO COMPROVADA INFORMAÇÃO ACERCA DOS RISCOS - POSSIBILIDADE DA CIRURGIA NÃO CURAR A DOR DE CABEÇA - RISCO IMPLÍCITO AO PROCEDIMENTO - INERENTE A ATIVIDADE MÉDICA - ALEGAÇÃO AUTOR/APELANTE QUE PODERIA TER ESCOLHIDO NÃO REALIZAR A CIRURGIA - INCONTROVERSO NOS AUTOS A DELICADEZA DO CASO - NECESSIDADE DA INTERVENÇÃO CIRUGICA DEMONSTRADA - PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA - SOBREPOSTO AO DIREITO INDIVIDUAL DE INFORMAÇÃO - BOA FÉ DO MÉDICO - BUSCA PELA CURA DO PACIENTE/APELANTE - VERIFICADA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - "QUANTUM" ARBITRADO NA SENTENÇA MANTIDO - SENTENÇA MANTIDA RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C. Cível - AC - 1188514-8 - Ponta Grossa - Rel.: José Augusto Gomes Aniceto - Unânime - - J. 17.07.2014)
Portanto, como se verificou, o médico deve informar ao paciente os riscos da
intervenção e de tratamentos a serem adotados, anotando no prontuário, a doença,
os exames realizados e as técnicas utilizados no tratamento para se evitar
futuramente uma ação visando uma reparação.
Quando ocorre uma consulta médica nasce um vínculo, entretanto, a doutrina
diverge sobre a sua natureza.
3.4 NATUREZA DO VÍNCULO MÉDICO-PACIENTE
Não há um consenso na doutrina sobre a natureza do vínculo entre médico e
paciente, as posições doutrinárias divergem entre: contrato de locação de serviços ou
de mão de obra, mandato, contrato sui generis e assistência médica.
37
No entender de Fernanda Schaefer e Hildegard Taggesell Giostri, a natureza
do vínculo entre o médico-paciente será de um contrato sui generis.85
Hildegard Taggesell Giostri define o contrato da seguinte forma:
Um contrato sui generis (ou inominado ou atípico) é aquele contrato não disciplinado expressamente pela lei, mas que em virtude das crescentes relações humanas tem sido permitido, se lícito o seu objeto, para que produza efeitos no mundo jurídico, tutelando-se, dessa maneira, a iniciativa da autonomia privada.86
Já Paulo Nader entende que a natureza do contrato é de prestação de serviço
e justifica da seguinte forma:
Em outros tipos de prestação de serviço é comum o fornecedor orientar o cliente quanto às diversas conveniências para o seu interesse. Alguns se mostram solidários, inclusive. Dados os moldes em que verifica, atualmente, o exercício da medicina, quando se massificam os atendimentos, prestados em convênio com planos de saúde, que nem sempre valorizam o profissional, praticamente desapareceu a figura do médico conselheiro, amigo e orientador, não se justiçando, pois, outra classificação do vínculo que não seja de contrato de prestação de serviços.87
Sílvio de Salvo Venosa, destaca que a natureza contratual da relação médico-
paciente será especialmente de prestação de serviços, podendo também caracterizar
outra forma de contrato devendo ser verificado em cada caso concreto. E esclarece o
autor:
O contrato entre médico e paciente é singular, pois exige a colaboração direta ou indireta do paciente para que ocorra. O paciente é co-partícipe do sucesso ou insucesso da atividade médica. Esse contrato será intuitu personae na maioria das vezes, bilateral, de trato sucessivo, oneroso.88
Conforme verificado a divergência em relação a natureza do vínculo entre
médico e paciente, se divide basicamente entre contrato sui generis e prestação de
serviços, porém, os doutrinadores concordam que é, em regra, um contrato.
85 SCHAEFER, op. cit., p. 39 e, Giostri, Hildegard Taggesell. Erro Médico: à luz da jurisprudência comentada. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2004. p. 58 86GIOSTRI, 2004, op. cit., p. 59 87 NADER, op. cit., p. 388-9 88 VENOSA, op. cit., p. 135-6
38
3.5 NATUREZA DO CONTRATO MÉDICO-PACIENTE
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, definem atividade como,
“[...], a soma de ações, atribuições, encargos ou serviços desempenhados pela
pessoa”.
E acrescentam que a atividade profissional, “[...] refere-se ao conjunto de atos
praticados por um sujeito, em decorrência do exercício de seu ofício (profissão
autônoma ou subordinada) ”. 89
Para os doutrinadores, a relação médico-paciente é em regra contratual, mas
excepcionalmente, haverá casos em que poderá trazer a ideia de relação
extracontratual.
Também é o entendimento de Maria Helena Diniz, sob o argumento que
embora a responsabilidade civil do médico esteja normatizada nos atos ilícitos, a
natureza será contratual e muito raramente terá natureza delitual, sendo a última,
quando cometer um ilícito penal ou violar regras atinentes a profissão.90
Silvio de Salvo Venosa, destaca a inexistência “ontológica” entre a
responsabilidade contratual e extracontratual, para o doutrinador, existindo a culpa,
surgirá o dever de indenizar. Se for no âmbito contratual, verificar-se-á o
inadimplemento total, parcial ou mora, não existindo um contrato o que deve ser
apurado é a culpa na conduta do profissional.
Destaca ainda que, “[...], em toda responsabilidade profissional, ainda que
exista contrato, há sempre um campo de conduta profissional a ser examinado,
inerente a profissão, independentemente da existência de contrato”.91
Segundo, Miguel Kfouri Neto: “Apesar de o Código Civil brasileiro colocar a
responsabilidade médica dentre os atos ilícitos, não mais acende controvérsias
caracterizar a responsabilidade médica como ex contractu”.92
Esclarece o doutrinador que algumas responsabilidades médicas poderão não
ter origem em um contrato, mas que a obrigação de indenizar o prejuízo subsiste.
89 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. cit., p. 203-6 90 DINIZ, op. cit., p. 296 91 VENOSA, op. cit., p. 134-5 92 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 83
39
De acordo com o que foi apresentado, em regra, a natureza da
responsabilidade civil do médico é contratual, podendo também derivar de uma
relação extracontratual, onde não há um vínculo contratual, porém em havendo uma
conduta culposa do profissional o dever de ressarcir possíveis danos subsiste.
Em relação ao contrato do médico com o paciente, algumas características
são peculiares como se verá a seguir.
3.5.1 Características gerais do contrato médico
Em um contrato médico, as partes poderão convencionar segundo as suas
vontades, desde que observadas as regras do código de ética médica e demais
normas atinentes a profissão, bem como as leis pátrias. Normalmente o contrato é
verbal ou tácito e efetivo quando as partes praticam atos como consultar e pagar a
consulta, se submeter ou prescrever um tratamento, dentre outros.93
Mas o contrato médico tem características peculiares como exemplifica a
doutrinadora Hildegard Taggesell Giostri: 94
O contrato será intuitu personae por estar ligado a confiança depositada no
profissional, há uma faculdade de se escolher o médico e, de este aceitar ou rejeitar,
contudo, o profissional só pode se recusar se houver outro que o substitua, caso
contrário caracterizará uma omissão de socorro;
O contrato poderá ser contínuo, dependendo da enfermidade e do tratamento
prescrito e adotado;
As obrigações serão recíprocas, por ser um contrato bilateral e em regra
oneroso, as partes ficam obrigadas de um lado a prestar o serviço com diligência e
atenção e a outra parte é obrigada a remunerar, contudo o médico poderá fazê-lo
gratuitamente;
O Contrato é Civil, sendo excluído o caráter comercial do contrato em razão
do trabalho dos profissionais liberais;
93 GIOSTRI, 2004, op. cit., p. 62 94 Ibidem, p. 62-4
40
O Contrato não é solene, todavia, em determinadas situações como o da
retirada de órgão, este será formal;
Com relação a rescindibilidade, o profissional só poderá rescindir um contrato
em curso quando não causar prejuízo ao paciente e, que este tenha a segurança de
que os cuidados necessários estarão assegurados, também o médico só poderá
rescindir caso não tenha assumido um resultado específico e data pré-determinada.
Já a extinção do contrato poderá ser pela cura, alta do paciente, pelo
falecimento de uma das partes.
Como visto no contrato entre o médico e o paciente há uma manifestação de
vontade, nascendo um vínculo.
Nesse vínculo regras dos contratos em geral são observadas, bem como,
regras especificas atinentes a profissão, em especial, a de assegurar ao paciente que
o médico somente pode rescindir um contrato quando preencher os requisitos que
permitam que o enfermo não fique abandonado em sua moléstia.
Há situações médicas que por não existir um vínculo anterior é tida como
extracontratual como se verá no próximo tópico.
3.5.2 Relação médico-paciente extracontratual
Em algumas situações, a natureza da relação do médico e do paciente não
nascerá de um contrato, mas sim, devido a algumas particularidades inerentes a
própria profissão, sendo esta extracontratual.
De acordo com Hildegard Taggesell Giostri, alguns casos a relação do médico
e do paciente será extracontratual como: o de atendimento a pessoas que tiveram mal
súbito, vítimas de acidente automobilístico, pessoas inconscientes. A doutrinadora
salienta também a existência da extracontratualidade “ quando o feito médico
configurar – sem prejuízo da ilicitude civil – um delito penal eivado de dolo. Como
exemplo, uma mutilação ou um experimento sem fim terapêutico”. 95
95 GIOSTRI, 2004, op. cit., p. 60
41
José de Aguiar Dias acrescenta ainda, que o médico pode ser
responsabilizado extracontratualmente: quando fornecer atestado falsos; quando
permite ou consente que pessoa inabilitada exerça a medicina e quando não ordene
a remoção de paciente ao hospital.96
Como se percebe os contratos serão extracontratuais quando não existir
vínculo anterior, bem como são inúmeras essas situações e, ainda, várias dessas
serão concretizadas através de condutas praticadas pelo profissional.
Como decorre, em regra, de um contrato, as partes podem pactuar cláusulas,
uma em especial tem a previsão de que na ocorrência de um dano, a parte fica isenta
de indenizar, a chamada cláusula de não indenizar, utilizada para isentar o ofensor de
ser responsabilizado.
3.5.3 Cláusula de não indenizar
A cláusula 97de não indenizar consiste em se eximir de uma obrigação de
indenizar caso haja a existência de um dano.
Nos contratos médicos, geralmente, as cláusulas de não indenizar, são
aquelas assinadas antes de uma cirurgia, ou quando o paciente requer o prontuário
médico, nessa o profissional ou o hospital requer a sua assinatura do paciente
buscando assim evitar a sua responsabilização.
No Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, caput e inciso I,98
assinala que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito quando acarreta a
desistência de direitos.
Schaefer, enfatiza a nulidade e destaca:
O objetivo do contrato médico é a recuperação da saúde (direito indisponível) e, em regra, estando o paciente no momento de sua assinatura com sua capacidade de discussão das cláusulas reduzida, são inaceitáveis as convenções (mesmo que esclarecidas aos pacientes) que procurem livrar
96 DIAS, op. cit., p. 334 97 SHAEFER, op. cit., p. 40 98 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outas, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direito. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.
42
médicos e instituições de qualquer responsabilidade, por gerar total insegurança jurídica. 99
Portanto, conforme disciplinado, havendo uma cláusula de não indenizar no
contrato médico, será nula de pleno direito e, caso o paciente a assine, na ocorrência
de um dano, por culpa do profissional, aquele (paciente) poderá pleitear a reparação.
A responsabilidade civil médica por ser uma prestação de serviço, onde de
um lado se tem um consumidor (paciente) e, de outro um fornecedor (médico), é
aplicável também o Código de Defesa do Consumidor, contudo com um diferencial
como será verificado.
3.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO E O CÓDIGO DO CONSUMIDOR
Enfatiza José de Aguiar Dias que a responsabilidade civil do médico deve ser
vista de dois ângulos, uma em que a responsabilidade médica provém da prestação
de serviço, sendo de caráter pessoal e direta pelo médico como profissional liberal e
outra derivada da prestação de serviços médicos na forma empresarial.100
No código do consumidor a responsabilidade do prestador de serviço é
objetiva, tendo, uma única exceção, disposto no art. 14, parágrafo 4º do CDC,101 na
qual a verificação da culpa é indispensável, quando se tratar de profissionais liberais.
Mas essa regra se aplica somente ao profissional liberal, como ressalta
Schaefer: “[...] a exceção feita quanto aos profissionais liberais explica-se por ser um
contrato intuitu personae cuja responsabilidade civil é subjetiva, [...]”. 102
Miguel Kfouri Neto explica que, caso haja ou não vínculo empregatício entre
médico e hospital, este, se demandado somente responderá solidariamente, se
99 SCHAEFER, op. cit., p. 42 100 DIAS, op. cit., p. 329 101 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos. § 4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. 102 SCHAEFER, op. cit., p. 43
43
houver culpa comprovada pelo primeiro. Todavia, o hospital responderá objetivamente
se a falha for um defeito relativo aos serviços prestados pelo estabelecimento.103
Também em consonância com o doutrinador, a responsabilidade do hospital
se diferencia da do profissional como se vê no julgado do Superior Tribunal de Justiça
a seguir:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICO E DE HOSPITAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO VERIFICADA.INOVAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. SÚMULA 7/STJ.
1. Omissis. 2. Omissis.3. A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos que neles trabalham ou são li gados por convênio, é subjetiva, dependendo da demonstração d a culpa. Não se pode excluir a culpa do médico e responsabilizar ob jetivamente o hospital. A responsabilidade objetiva para o presta dor do serviço prevista no art. 14 do CDC, no caso o hospital, lim ita-se aos serviços relacionados ao estabelecimento empresarial, tais c omo à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos e serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia). Precedentes.4. "O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si" (REsp 629.212/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2007, DJ 17/09/2007, p. 285). 5. A responsabilidade objetiva prescinde de culpa (parágrafo único do art. 927 do Código Civil). No e ntanto, é necessária a ocorrência dos demais elementos da responsabilidade subjetiva, o que não ocorreu no caso dos autos . 6. Omissis. 7. Omissis. (AgRg no REsp 1385734/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 01/09/2014)
Desse modo, se verifica do apresentado, que a responsabilidade civil médica
será subjetiva tanto pelo código civil quanto pelo código do consumidor, tendo-se que
provar a culpa do profissional liberal, já com relação ao hospital dependerá do caso
concreto, se for em relação ao trabalho exercido pelo médico, somente o nosocômio
será responsabilizado se houver culpa do profissional.
Porém, caso o serviço prestado for do próprio estabelecimento, como RX,
exames, enfermeiros, a responsabilidade será objetiva.
103 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 232-3
44
Por ser em regra de natureza contratual, decorre também uma obrigação, que
nas relações médico-paciente dividem-se em obrigações de meio e obrigações de
resultado.
3.7 OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho diferenciam obrigação de
meio e de resultado da seguinte forma:
A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a empreender a sua atividade, sem garantir, todavia, o resultado esperado. Já na obrigação de resultado, o devedor se obriga não apenas a empreender a sua atividade, mas, principalmente, a produzir o resultado esperado pelo credor. 104
Paulo Nader destaca a importância em determinar qual a obrigação o médico
está assumindo, se for obrigação de meio, tão somente estará obrigado a aplicar o
conhecimento e técnicas para um bom resultado, não se obrigando, entretanto, a ter
um êxito no final. Porém, se a obrigação for de resultado, o fim almejado deverá ser
obtido e, na falta desse resultado, “ter-se-á culpa presumida”, cabendo ao profissional
a demonstração de que os danos alegados não decorreram de sua conduta”. 105
Miguel Kfouri Neto ensina que, nas relações contratuais do médico-paciente,
a obrigação é de meio, pois o objeto contratual é de empregar todos os recursos
possíveis para conseguir uma cura, não estando obrigado a atingir esta.
Salienta o doutrinador, que nas relações contratuais em que o médico se
obriga a um determinado resultado, o fim almejado deverá ser obtido, senão a
obrigação não será adimplida. Mas esclarece que: “Não há, pois, a culpa presumida
do médico, por estarmos diante de um contrato. Ao autor incumbe a prova de que o
médico agiu com culpa”. 106
Hildegard Taggesell Giostri, esclarece que tanto a obrigação de meio quanto
a obrigação de resultado, não devem ser rígidas, devendo-se ter uma cautela ao
104 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, op. cit., p. 205 105 NADER, op. cit., p. 391 106 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 84
45
classificá-las, uma flexibilização, que ambas podem admitir gradações, e fundamenta
da seguinte forma, “[...], que nenhuma obrigação é só de meio e nem só de resultado”.
Salienta também a doutrinadora, que nas relações médico-paciente, não há
uma presunção de culpa, que esta deve ser provada categoricamente, sendo que, a
inversão do ônus da prova não tem o condão de gerar uma culpa presumida.107
Em havendo um resultado negativo, seja na obrigação de meio ou de
resultado, a conduta do médico pode não caracterizar uma responsabilidade civil.
Contudo, nas obrigações de meio, o paciente deve provar a culpa que o
médico não agiu de modo diligente, pois o profissional não tem a obrigação de curar,
mas tão somente de empregar todos os meios para a obtenção dela.
Já nas obrigações de resultado, o médico assumiu um compromisso de obter
um determinado resultado perante o paciente, que ao não ser cumprido, gera uma
responsabilidade com a inversão do ônus da prova, mas não uma culpa presumida.
Tanto a obrigação de meio quanto a de resultado devem ser provadas a culpa
do médico, sendo que na primeira é mais difícil a sua prova.
A responsabilidade civil do médico assim como a geral utiliza-se de elementos
para a sua configuração.
3.8 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO
A responsabilidade médica assim como a geral, também tem elementos
necessários como: o médico (agente), o ato profissional praticado no exercício da sua
função, a culpa, o dano e o nexo causal “relação de causa e efeito”, entre o dano e a
conduta do médico, neste último elemento é muito importante analisar a conduta
(comissiva ou omissiva) do profissional em sua atuação, se esta foi um fator
determinante para a ocorrência do dano, ou se a enfermidade foi a causa do
resultado.108
107 GIOSTRI, 2006, op. cit., p. 147 108 Idem, 2004, op. cit., p. 43
46
O agente na responsabilidade civil médica é o próprio médico, legalmente
habilitado, no que concerne ao ato profissional, o seu atuar deve ser feito com
conhecimento técnico-cientifico, aplicando todas os meios possíveis para prevenir ou
restabelecer a saúde perdida do enfermo. 109
Com relação ao dano, esse é a consequência advinda de uma má conduta
médica seja por uma ação ou omissão. O dano na seara medica é a lesão causada
ao paciente, em sua integridade física, saúde e a vida, podendo ser tanto físicos,
materiais ou morais.
Os danos físicos são aqueles que afligem o corpo, podendo ser parcial ou
total, permanente ou temporária, bem como, há de se verificar a patologia do enfermo,
se o médico pretendia tratar, ou seja, curar ou aliviar somente a dor, podendo se
agravar ou se tornar crônica, dependendo do prejuízo.110
Com relação aos danos materiais, estes decorrem em grande parte dos danos
físicos, podendo ser com despesas médico-hospitalares, medicamentos, lucros
cessantes e ocorrendo a morte do paciente, pode ocorrer um abalo financeiro, se era
ele que garantia a renda familiar, nesse encaixa o dano reflexo ou ricochete.111
Nos danos morais, podem ser aqueles experimentados pela perda de um ente
(dor, tristeza, saudade), abalo por uma cicatriz deformante ou pela perda de um
membro em cirurgia errada, dentre outras, vinculadas ao direito da personalidade. 112
No dano estético, a lesão poderá ser a beleza física, à harmonia das formas
externas de alguém, contudo, o conceito de beleza é relativo, o que se deve perceber
é a modificação sofrida pelo lesado. Será dano moral se o dano estético for
permanente, caso o dano seja passageiro, se resolve com perdas e danos.113
Como se percebe, o dano causado, varia de acordo com o prejuízo sofrido,
podendo existir os três simultaneamente, devendo-se estabelecer a relação de
causalidade entre o agente causador e o dano propriamente dito.
109 GIOSTRI, 2004, op. cit., p. 43 110 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 124 111 Ibidem, p. 125 112 Ibidem, p. 128 113 Ibidem, p. 127
47
O nexo causal é a relação entre a ação ou omissão do médico e o prejuízo
experimentado pelo paciente.
Contudo, estabelecer o liame causal na seara médica, não é tão fácil, Miguel
Kfouri Neto destaca a importância de se determinar, se o dano é oriundo da conduta
culposa do médico ou se houve fatores desconhecidos determinantes para sua
ocorrência.114
Hildegard Taggesell Giostri ensina que:
Quando um paciente tem um antecedente que pode favorecer uma complicação futura, a questão primeira que se coloca é saber se aquele antecedente contribuiu para o dano ou se foi o médico que cometeu falta em não tê-lo levado devidamente em consideração.115
Para a doutrinadora, outros fatores como o tempo, lugar, patologia da doença
e seu estágio, também são determinantes para interferir em uma resposta positiva,
devendo-se ser perquirido “o nexo, entre a causa e o efeito” e, o ato praticado pelo
médico para se responsabilizar o profissional.116
Fernanda Regina da Cunha Amaral, ensina que “ não basta apenas que a
vítima sofra dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do ato do agressor
para que haja o dever de compensação”. 117
Desse modo, ocorrendo um prejuízo, deve-se verificar o nexo causal, a causa
que culminou em um dano, se foi pela conduta falha do médico ou se foi pela própria
patologia que o enfermo tinha.
Todavia, havendo um prejuízo, para que se possa atribuir ao médico o dano,
este deve ter agido com culpa no evento danoso.
114 KFOURI, 2014, op. cit., p. 134 115 GIOSTRI,2004, op. cit., p. 70 116 Ibidem, 2004, p. 71 117 Amaral, Fernanda Regina da Cunha. Erro médico: a responsabilidade jurídica pelos danos causados aos pacientes. Curitiba: Juruá, 2014. p. 70
48
3.8.1 Culpa Médica
Como visto para caracterizar a responsabilidade civil alguns elementos são
necessários como a conduta, o dano e o nexo causal, sendo a culpa um fator
determinante.
A culpa consiste em um desvio de um modelo de conduta esperada, como o
zelo ao se cuidar de um enfermo.
A culpa lato sensu pode abranger tanto o dolo como a culpa em sentido estrito
(negligência, imperícia e imprudência).
Nas palavras de Miguel Kfouri Neto: “A responsabilidade do médico é
subjetiva, calcada na culpa Stricto sensu (imperícia, negligência ou imprudência) ”.118
Hildegard Taggesell Giostri, no mesmo sentido, enfatiza que a
responsabilidade civil médica é subjetiva por estar a culpa diretamente ligada ao
trabalho do médico.
E afirma:
Na análise da responsabilidade médica mister se faz, ao determiná-la, verificar efetivamente se o dano ocorrido foi causado pelo ato profissional, ou se foi consequência da evolução natural de uma patologia. Com este ato de cautela evita-se que o desenrolar de um prognóstico – que teve uma resultante negativa – seja tido como a consequência de um ato médico nefasto.119
A culpa como já visto no primeiro capítulo pode ser grave, leve e levíssima,
porém, como ressalta Miguel Kfouri Neto, “ em se tratando de vida humana, não há
lugar para culpas pequenas”. Contudo, poderá o magistrado reduzir o quantum
indenizatório quando houver desproporção entre o grau de culpa e a importância do
dano.120
Na culpa não se busca causar um prejuízo, mas em razão da atitude praticada
com negligência, imprudência ou imperícia, poderá resultar em um dano.
118 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 90 119 GIOSTRI, 2006, op. cit., p. 101 120 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 90
49
3.8.1.1 Culpa Stricto Sensu
São três as modalidades da culpa estrito senso, negligência, imperícia e
imprudência, destacadas no art. 951 do Código Civil121, sendo observadas pelos
magistrados, mesmo que não seja tão grave o dano causado.
A negligência médica é caracterizada pela omissão, ou seja, pelo descaso,
descuido, desleixo, há uma falta de diligência, de observação dos deveres por parte
do profissional.122
São inúmeras as negligências, dentre elas se destaca o esquecimento de uma
pinça no abdômen do paciente; deixar o plantão médico sem que tenha outro
profissional que o substitua; a letra ruim na receita, que faz com que o farmacêutico
venha a fornecer remédio diverso do prescrito; quando se prescreve medicamentos
sem ter contato com o paciente; descaso em pós operatório; deixar de dar o devido
encaminhamento em casos de cirurgias urgentes; troca de prontuários e exames.123
Na imprudência normalmente é aquele ato comissivo do médico, onde este
atua sem a precaução necessária.
Segundo Fernanda Schaefer:
A imprudência é a descautela, descuido, prática de ação irrefletida ou precipitada, resultante de imprevisão do agente em relação ao que podia e devia pressupor, ou, ainda quando o médico age com excesso de confiança desprezando regras básicas de cautela.124
Como atos de imprudência se tem aquele médico que não espera a chegada
do anestesista e começa a aplicar a anestesia; quando faz cirurgia complicada sem a
garantia de um leito em UTI; quando prescreve tratamento ou medicamentos ao
paciente por telefone.125
Na Imperícia, há uma falta de conhecimentos técnicos ou prática, que se faz
necessários para a atuação do profissional na área médica. Pode ser por inabilidade,
121 Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. 122 SCHAEFER, op. cit., p. 45 123 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 104 124 SCHAEFER, op. cit., p. 46 125 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p.108
50
ignorância, incompetência, estes exigíveis pela profissão diante da enfermidade do
paciente.126
São exemplos de imperícia os médicos que atendem ou fazem cirurgias em
pacientes sem serem especializados em determinada área ou habilitados.127
Segundo Miguel Kfouri Neto, a negligência não deve ser confundida com a
imperícia, pois nesta o que se tem é um médico que não sabe como proceder em
determinadas situações, não possui o conhecimento necessário, já a negligência é a
falta de diligência exigida em um comportamento do homem normal. Também
segundo o doutrinador, “ a imprudência sempre deriva da imperícia, mesmo
consciente de não possuir suficiente preparação, nem capacidade profissional
necessária, não detém sua ação”.128
No caso concreto o magistrado deve analisar as provas e os fatos que
ensejaram o evento danoso, estabelecendo o nexo causal, para que se possa
delimitar a culpa.
Bem como deve analisar as modalidades presentes em uma culpa estrito
senso.
Com relação a prova da culpa do profissional, em regra, observa-se o art. 333
e seus incisos, como se verá a seguir.
3.9 ÔNUS DA PROVA
Na definição clássica, a prova se liga “àquilo que atesta a veracidade ou a
autenticidade de alguma coisa”. A prova, será um instrumento que auxiliará o juiz a
tomar conhecimento dos fatos que são apresentados para sua análise, ou seja, está
ligada a ideia de reconstrução de um acontecimento para se chegar a uma
“certeza”129.
126 SCHAEFER, op. cit., p. 47 127 Ibidem, op. cit., p. 47 128 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 109 129 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARD, Sergio Cruz Processo de Conhecimento. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 251-6
51
O art. 333 do Código de Processo Civil, vem disposto que, cabe ao autor o
ônus da prova quando for para constituir seu direito e, ao réu quando houver fato que,
impede, modifica ou extingue direito do autor.130
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhardt, explicam que o ônus da
prova para o autor é demonstrar que os fatos por ele alegado, constituem um direito,
mas não fica obrigado a trazer fatos que podem desconstituir, modificar ou até mesmo
extinguir esse direito, sendo este o ônus da prova do réu que deve provar a existência
de fatos que impedem o reconhecimento do suposto direito. 131
Segundo os doutrinadores, “ a ideia de ônus da prova não tem o objetivo de
ligar a produção da prova a um resultado favorável, mas sim o de relacionar a
produção da prova a uma maior chance de convencimento do juiz”.132
Desse modo, se conclui que a prova é essencial para o deslinde da demanda,
cabendo ao juiz analisa-la.
Feito o estudo do que venha a ser o do ônus da prova, se deve verificar como
se dá o ônus da prova nas obrigações de meio e as obrigações de resultado na
responsabilidade civil do médico.
3.9.1 Ônus da prova nas obrigações de meio
Como já visto nas obrigações de meio, o médico deve conduzir de modo
diligente a sua função, se utilizando de todos os recursos e técnicas necessárias para
um bom desempenho profissional frente a enfermidade apresentada pelo paciente,
entretanto, não está obrigado a obtenção de uma cura.
Ao agir com negligência, imperícia ou imprudência, ao não cumprir com a
obrigação inerente a sua função, o médico poderá ser responsabilizado, quando
houver um dano decorrente de sua falha.
130 Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. 131 MARINONI; ARENHARDT, op. cit., p. 266 132 Ibidem, op. cit., p. 269
52
Em uma demanda, nas obrigações de meio, se segue o preconizado no art.
333, inciso I do Código Civil, cabendo ao autor provar que o médico não agiu com a
diligência que era esperada em sua atividade profissional.133
Conforme Miguel Kfouri Neto, o credor deve provar que o profissional teve
uma conduta negligente e que a sua atuação foi defeituosa e inadequada, que houve
um dano e o seu nexo causal.134
Segundo José de Aguiar Dias, as provas nas obrigações de meio, poderão
ser testemunhais, quando não haver questões técnicas a esclarecer; depoimento das
partes, provas periciais, nessa se deve ter cuidado, pelo corporativismo existente em
classes profissionais, a prova serve para estabelecer a causa e seu efeito na falta do
profissional e o dano.135
Contudo essas provas não são fáceis de serem produzidas, prontuários,
históricos clínicos, exames e, até a necropsia se encontram nos hospitais ou com o
médico, tornando-se difícil a comprovação do alegado.136
Como ressalta Fernanda Regina da Cunha Amaral, a teoria de “quem alega
tem que provar”, é estática e “engessa” o processo. 137
Nesse ponto, o Código de defesa do Consumidor vem auxiliar os
consumidores, invertendo o ônus da prova.
Segundo Paulo Nader, por ser um prestador de serviço, o Código de Defesa
do Consumidor optou por uma responsabilidade subjetiva em relação ao profissional
liberal, contudo, silenciou em relação a inversão do ônus da prova. 138
No Código de defesa do consumidor em ser art. 6º, inciso VIII139, permite-se
a inversão do ônus da prova, a critério do juiz, quando o consumidor for hipossuficiente
e a alegação for verossímil.
133 GIOSTRI, 2006, op. cit., p. 184 134 Kfouri Neto, Miguel, Culpa Médica e Ônus da Prova – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 84 135 DIAS, op. cit., p. 334 136 KFOURI NETO, 2002, op. cit., p. 77 137 AMARAL, op. cit., p. 77 138 NADER, op. cit., p. 389 139 Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...]; VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
53
Com relação a hipossuficiência, Paulo Nader, enfatiza que esta, pode ser
tanto econômica quanto técnica, e salienta que caso o juiz perceba que “ a natureza
do caso escapa à capacidade de a parte demonstrar tecnicamente o erro médico,
poderá determinar a inversão do ônus”.140
Sérgio Cavalieri Filho, ensina que:
O Código não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado, limitando-se a afirmar que a apuração de suas responsabilidades continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que se assumem obrigação de meio, [...].
Ressalta o doutrinador, que a exceção somente foi feita em relação a
responsabilidade subjetiva, mais que o profissional liberal está sujeito aos princípios
do Código de Defesa do Consumidor, como a boa-fé, dever de informação e a
inversão do ônus da prova.141
Ademais como salienta Miguel Kfouri Neto, “ quando a produção de prova se
mostrar demasiadamente difícil, poderá o juiz avaliar quem se encontra em melhores
condições de provar”. 142
Nesse sentido, o doutrinador defende duas teorias nominadas de cargas
probatórias dinâmicas e cargas probatórias compartilhadas, e define da seguinte
forma:
Cargas probatórias dinâmicas consiste no deslocamento da posição da parte, em relação do ônus da prova. Por decisão do juiz, tais posições podem variar – e o sistema deixa de ser pétreo, para se tornar dinâmico. Cargas probatórias compartilhadas – ou atribuição da prova a quem estiver em melhores condições de provar – diz respeito, por exemplo, aos conhecimentos científicos do médico. Ocasião haverá em que a vítima fez prova possível de seu direito – e se determina ao médico demandado que também agregue elementos de convicção, de forma a resultar em julgamento justo e compatível com a realidade. 143
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; [...]. 140 NADER, op. cit., p. 390 141 Cavalieri Filho, Sergio. Programa de responsabilidade civil / Sergio Cavalieri Filho. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 540-1 142 KFOURI NETO, 2002, op. cit., p. 136 143 Ibidem, 2002, p. 137 (grifos do autor)
54
De acordo com o doutrinador, as duas teorias são exceções à regra rígida do
art. 333, inciso I do CPC e, somente utilizáveis quando o ônus de provar se mostrar
notório e inadequado na busca da veracidade, e ressalta que, na prática, não há
distinção entre uma e outra, pelo fato que o juiz poderá transferir a produção de prova
quando notar a complexidade científica da demanda, bem como poderá determinar
que ambas as partes façam prova sobre o mesmo fato. 144
Portanto, nas obrigações de meio prima-se pela boa-fé dos demandados em
cooperar na produção de prova, sendo imprescindível a inversão quando se verificar
a hipossuficiência e a complexidade para se ter uma decisão condizente com a
verdade dos fatos.
Entretanto na obrigação de resultado, parte-se do pressuposto que cabe ao
médico provar que o fim almejado não foi por sua culpa.
3.9.2 Ônus da prova nas obrigações de resultado
Nas obrigações de resultado, o profissional se obriga a um determinado fim,
que quando descumpridas, geram uma responsabilidade.
Como já visto nas obrigações de resultado, não há uma culpa presumida,
somente ocorre uma inversão do ônus da prova.
Segundo Hildegard Taggesell Giostri, o fato de não atingir o resultado
pactuado, “ mesmo que tecnicamente bem-sucedido”, a prova se dará, com o próprio
descumprimento, constituindo em prova material.
Cabe ao paciente demonstrar o inadimplemento e ao médico provar que o
resultado não foi alcançado por sua culpa mais por situações alheias a sua atividade,
se utilizando de excludente como caso fortuito e força maior e conduta da vítima.145
Ressalta ainda a doutrinadora que o ônus de provar que recai sobre o
profissional, tão somente tem o condão de gerar uma “presunção de responsabilidade”
e não uma culpa presumida.146
144 KFOURI NETO, 2002, op. cit., p. 138-9 145 GIOSTRI, 2006, op. cit., p. 184 146 Ibidem, 2006, p. 190
55
Como visto, nas obrigações de resultado, cabe ao devedor (médico) provar
que não agiu com culpa em uma demanda, sendo que a inversão do ônus se dá pela
verossimilhança da alegação, pela prova da materialidade que o credor (paciente)
apresentar.
Ao se defender o médico em uma obrigação de resultado, lançara mão de
excludentes, já estudadas no primeiro capítulo, porém, para melhor vislumbrar as
excludentes, será apresentado exemplos.
3.10 EXEMPLOS DE EXCLUDENTES
Segundo Hildegard Taggesell Giostri, são exemplos de excludentes:
Caso fortuito ou força maior: quando o médico emprega procedimentos
habituais e o paciente apresenta uma reação imprevista como alergia;
Culpa exclusiva da vítima: quando o médico ortopedista prescreve o uso de
muletas e o paciente não as usa ou faz uso de maneira errônea, causando uma
cicatrização óssea defeituosa ou uma atrofia;
Fato de terceiros, quando houver erro de laboratório ou erro farmacêutico.147
Diante dos exemplos trazidos pela doutrinadora se percebe que também na
área médica se admite excludentes de nexo causal, eliminando assim a culpa do
profissional em um evento danoso.
Como já colocado, nos marcos históricos da responsabilidade civil do médico,
a jurisprudência francesa inovou ao adotar a teoria pela perda de uma chance em um
caso de erro de diagnóstico. Entenderam os magistrados que houve uma chance
perdida em decorrência do erro cometido pelo profissional, bem como, pelo tratamento
adotado, responsabilizando o médico.
A responsabilidade civil pela perda de uma chance vem sendo discutida e
aceita pela doutrina brasileira, bem como pelos Tribunais Pátrio, contudo, ainda com
ressalvas quando se dá na seara médica.
147 GIOSTRI, 2006, op. cit., p. 198-200
56
4 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE E SUA
APLICAÇÃO NA SEARA MÉDICA
4.1 NOÇOES INTRODUTÓRIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE
UMA CHANCE
A responsabilidade civil como já visto, não permaneceu estanque, muito se
deu, principalmente, pela doutrina e pela jurisprudência na análise de casos
concretos.
José de Aguiar Dias explica que na responsabilidade civil, a culpa como
fundamento, não é suficiente e, que:
[...] outros elementos vêm concorrer para que a reparação se verifique, mesmo em falta daquela. Daí o surto das noções de assistência, de previdências e de garantia, com bases complementares da obrigação de reparar: o sistema da culpa, nitidamente individualista, evolui para o sistema solidarista da reparação do dano.148
Nesse sentido, Rafael Peteffi da Silva ensina que a culpa como fundamento
da responsabilidade civil subjetiva, onde o indivíduo, voluntarista, na prática de ato
revestido de ilicitude, baseados numa falta de diligência e “ previdência” , causadores
de dano foi relativizada, onde àquela (culpa) deixa, em determinados casos, de ser
um fator preponderante, passando a responsabilidade civil a ser objetivada, tendo
como característica a atividade de risco desenvolvida pelo agente, por ter um potencial
ofensivo, onde mesmo sendo diligente e prudente, se torna (atividade de risco) causa
determinante na reparação de danos. 149
Contudo, segundo o doutrinador, perante o “desenvolvimento
contemporâneo”, além da culpa relativizada quando se fala em responsabilidade civil
objetiva, os elementos nexo causal e dano também sofreram alterações. E diante do
“ [...] novo paradigma solidarista acabou por conceber a reparação de certos danos
complexos aos quais não se podia imputar um agente causador”.150
148 DIAS, op. cit., p. 25 149 Silva, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 2-4 150 Ibidem, p. 9
57
Nessa seara se tem o entendimento de Fernando Noronha quando afirma que
houve uma “ampliação de danos suscetíveis a reparação”, repercutindo em uma
redução nas exigências para o “ reconhecimento de certos danos como os de natureza
aleatória, ampliando-se a “noção de causalidade”, permitindo assim a reparação. 151
Nesse diapasão, se tem a responsabilidade civil pela perda de uma chance,
teoria essa que foi desenvolvida na França, sendo amplamente discutida tanto pelos
doutrinadores quanto pela jurisprudência francesa, onde se busca reparar a chance
perdida.
A chance é a probabilidade de uma pessoa vir a obter algo favorável no futuro
de alguma situação que já se encontra em andamento, como ensina Fernando
Noronha, [...] “quando se fala em perda de chances, para efeitos da responsabilidade
civil, é porque esse processo foi irreversivelmente interrompido por um determinado
fato antijurídico, por isso ficando a oportunidade irremediavelmente destruída”.152
A chance perdida tanto pode ser verificada quando uma oportunidade
vantajosa é interrompida em seu processo aleatório, não podendo mais ser alcançada,
bem como na perca de uma oportunidade de se interromper um “processo danoso” e,
não o foi, tornando-se um dano efetivo no futuro.153
Sérgio Cavalieri Filho, ensina que a perda de uma chance se dá quando:
Em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.154
Salienta Rafael Peteffi da Silva que:
A chance representa uma expectativa hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza.155
151 NORONHA, op. cit., p. 567 152 Ibidem, p. 695 153 Ibidem, p. 696 154 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 81 155 SILVA, op. cit., p. 13
58
Adverte Sérgio Cavalieri Filho contudo que:
A chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de fato consumado, não hipotético. Em outras palavras, é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário estar-se-ia premiando os oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas. 156
Como se percebe a perda de uma chance na responsabilidade civil pode se
dar de duas formas, quando havia um processo aleatório que foi interrompido
causando uma perda na vantagem que se esperava obter no futuro ou, na falta dessa
interrupção, a oportunidade perdida se dá ao não se evitar um evento danoso.
Tanto um quanto outro visa reparar a oportunidade que foi perdida, seja no
plano material ou imaterial, entretanto a chance perdida não deve ser hipotética, deve
conter um certo grau de probabilidade, ou seja a chance deve ser séria e real, não
uma mera eventualidade.
4.2 CHANCES SÉRIAS E REAIS
Conforme Sérgio Cavalieri Filho a teoria da perda de uma chance vem sendo
aceita no direito pátrio, todavia, ressalta que a reparação deve recair em uma
“probabilidade e uma certeza” e, que, a oportunidade perdida se trate de uma chance
séria e real, ou seja: “[...] que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de
concorrer à situação futura esperada. Aqui, também, tem plena aplicação o princípio
da razoabilidade”. 157
Rafael Peteffi da Silva explica que a teoria da perda de uma chance tem seu
limite demarcado na certeza que deve exprimir o dano reparável, e acrescenta, “[...],
para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida
deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva [...]”, e
apresenta como exemplo: o paciente com prognóstico de câncer incurável mas ainda
156 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 81-2 157 Ibidem, p.81
59
tem esperanças de sobreviver, objetivamente, nesse caso portanto, inexiste uma
chance de cura.158
Observa ainda o doutrinador que a seriedade e a realidade, são critérios
utilizados nos tribunais franceses, para se separar danos hipotéticos e eventuais dos
danos potenciais e prováveis.159
Segundo Sérgio Cavalieri Filho deve-se olhar:
[...] a chance como perda de um resultado certo porque não se terá a certeza de que o evento se realizará. Deve-se olhar a chance como a perda da possibilidade de conseguir um resultado ou de se evitar um dano; devem-se valorar as possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado para ver se são ou não relevantes para o ordenamento. Essa tarefa é do juiz, que será obrigado a fazer, em cada caso, um prognóstico sobre as concretas possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado favorável.160
Fernando Noronha esclarece que quando se trata de perda de chances:
[...], parte-se de uma situação verificada no passado em que havia a possibilidade de se fazer algo para no futuro alcançar um benefício (obter uma vantagem ou evitar um prejuízo), por outras palavras, parte-se de uma situação passada, em que existia uma chance real, que foi frustrada.161
Conclui Miguel Kfouri Neto, além da chance perdida ser “séria, ou real e séria”,
é preciso que seja demonstrado “ [...] a realidade do prejuízo final, que não pode ser
evitado – prejuízo cuja quantificação dependerá do grau de probabilidade de que a
chance perdida se realizaria”. 162
Fernando Noronha acrescenta que:
A contraposição da situação original passada com a real situação danosa atual mostra-nos o chamado dano final, enquanto a contraposição da situação passada com a situação hipotética vantajosa vai apontar-nos o dano da perda de chance (ou da chance perdida). 163
158 SILVA, op. cit., p. 138 159 Ibidem, p. 138 160 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 82 161 NORONHA, op. cit., p. 696 162 KFOURI NETO ,2013, op. cit., p. 77 163 NORONHA, op. cit., p. 696
60
Como se percebe a chance deve ser séria e real, ou seja, a chance que se
almejava obter deverá conter em seu bojo uma certa probabilidade de sucesso ao
final, ou seja, não se procura perquirir o dano final, mas sim a chance real que foi
perdida.
Com relação a natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma
chance, fica patente a dúvida que esta gera na doutrina, bem como na jurisprudência.
4.3 NATUREZA JURÍDICA DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
Muito embora a responsabilidade civil pela perda de uma chance esteja
surgindo nos Tribunais pátrios, a análise de sua natureza jurídica se mostra confusa,
sendo esta discutida doutrinariamente originando divergências.
Para Sérgio Cavalieri Filho, a teoria da perda de uma chance, tem certa
relação com o lucro cessante, sob o argumento, de esta ter sido desenvolvida pela
doutrina francesa, onde utilizam o lucro cessante nos casos em que é retirado da
vítima a oportunidade de “ obter uma situação futura melhor”, em decorrência do ato
ilícito praticado.164
Conforme Sílvio de Salvo Venosa, os direitos personalíssimos estariam
inseridos na terceira geração de danos onde visa assegurar um mínimo de dignidade
à pessoa humana, como o direito à integridade física, privacidade, imagem, vida
íntima, dentre outros.
Todavia ressalta o autor que a teoria da perda de uma chance tem uma certa
conotação com o lucro cessante, e justifica a sua percepção da seguinte forma:
[...] quando é estabelecida indenização por lucro cessante, em várias oportunidades a construção é feita sob hipóteses mais ou menos prováveis. Na verdade, quando se concede lucro cessante, há um juízo de probabilidade, que desemboca na perda de chance ou de oportunidade. 165
E ainda, segundo Paulo Nader, a natureza jurídica pela perda de uma chance
depende do caso concreto, será dano emergente quando o dano desfalcou o
164 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 81 165 VENOSA, op. cit., p. 289
61
patrimônio e, lucros cessantes quando o dano impediu o seu aumento, concluindo que
a natureza pela perda de uma chance “enquadra-se na categoria de lucros cessantes”,
quando real e concreta.166
Segundo Rafael Peteffi da Silva a natureza jurídica da perda de uma chance,
doutrinariamente não há uma convergência, alguns situam a perda de uma chance na
forma de causalidade parcial, outros na presunção de causalidade e, ainda há outra
corrente que amplia o conceito de dano reparável “mantendo a aplicação ortodoxa do
nexo causal”.167
E afirma que a natureza jurídica da perda de uma chance pode ser
caracterizada como uma espécie de dano autônomo ou de causalidade parcial do
dano final.168
Já com relação a jurisprudência, destaca Sérgio Cavalieri Filho, que não há
um entendimento sobre a natureza jurídica da perda de uma chance, esclarece o
autor, que a indenização pleiteada pela vítima em determinados casos será concedida
“a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, o que é pior, ora pela perda
da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o
que se acaba por transformar a chance em realidade”. 169
Desse modo, verifica-se que embora alguns doutrinadores coloquem a perda
de uma chance na teoria de lucros cessantes, não há uma afirmação por parte destes.
Percebe-se que também que Rafael Peteffi da Silva coloca a perda de uma
chance ora como uma espécie de dano autônomo, ora como causalidade parcial,
Com relação a jurisprudência pátria, a indenização quando pleiteada por
perda de uma chance é imprecisa, colocando esta como dano moral, lucros cessantes
ou perda de uma vantagem.
Como se percebe a perda de uma chance advém de uma oportunidade que
foi ou não interrompida, resultando em um dano sendo portanto imprescindível a sua
verificação.
166 NADER, op. cit., p. 71 167 DA SILVA, op. cit., p. 7 168 Ibidem, p. 104 169 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 84-5
62
4.4 DANO
O dano é um dos elementos da responsabilidade civil, tendo como
característica o prejuízo experimentado pela vítima em algum bem (patrimonial ou
extrapatrimonial), na prática de um ato ilícito pela conduta comissiva ou omissiva de
um agente.
De acordo com Rafael Peteffi da Silva, diante de transformações ocorridas,
seja elas de caráter social, ideológico ou econômico, alterou o ponto principal da
responsabilidade civil que era a condenação de um agente culpado, passando para o
de se reparar a vítima pelo dano causado e, explica que com a relativização da culpa
e o paradigma do “novo padrão solidarista”, danos que antes não eram indenizados
por serem tidos como incertos, intangíveis, como os prejuízos pela quebra de
confiança, quebra de privacidade, chance perdida, estresse emocional, dentre outros,
atualmente, são consideradas ressarcíveis.170
Explica Fernando Noronha que o dano incerto são aqueles prejuízos em que
a verificação é “duvidosa, meramente hipotética”. Com relação ao dano certo, o
doutrinador ensina que, são aqueles “[...]prejuízos, econômicos ou não, que são
objetos de prova suficiente, tanto da sua verificação como da sua decorrência de um
determinado fato antijurídico”.171
Paulo Nader destaca que a certeza exigida em um dano, todavia, não impede
que seja reconhecido um dano futuro e certo e, afirma que na perda de uma chance,
“[...] quando a conduta impede um lucro ou não permite de se evitar uma perda, trata-
se de um dano futuro, que pode ser certo ou eventual”. Todavia, para o autor somente
é reparável aquele dano que guarda uma certeza e possui um grau de probabilidade,
sendo incabível a reparação quando o prejuízo for hipotético ou eventual.172
Os danos futuros são explicados por Fernando Noronha da seguinte forma:
[...] são aqueles que constituem prolongamento no tempo de um dano que já existe agora, como aqueles que só se manifestarão mais adiante, embora em decorrência do fato antijurídico lesivo que está sendo considerado. 173
170 DA SILVA, op. cit., p. 73 171 NORONHA, op. cit., p. 605 172 NADER, op. cit., p. 72 173 NORONHA, op. cit., p. 603
63
Rafael Peteffi da Silva sustenta que:
A referência cronológica para saber se uma chance foi “perdida para o passado” ou “ perdida para o futuro” é a consolidação do processo aleatório. Quando a chance perdida interrompe o processo aleatório em que se encontrava, a vantagem esperada é vista como algo que poderia ter sido alcançado no futuro. Na outra modalidade, o processo aleatório chegou até o final, fazendo com que a vantagem esperada seja considerada como algo passado. 174
A distinção entre dano final e dano real se dá da seguinte forma, no primeiro
por ter uma natureza aleatória, a dúvida vai pairar quanto ao “ fato antijurídico”, se foi
ou não fator determinante para a ocorrência do dano, já o dano real, é a perda da
chance, pela certeza de que, a oportunidade foi frustrada na obtenção de uma
vantagem ou de se evitar um prejuízo.175
Ainda sobre o dano final por ser incerto e pela “incerteza da causalidade”,
sendo o curso do processo interrompido pelo fato antijurídico, não se poderá
determinar com certeza se a causa do dano foi pelo “fato antijurídico em questão” ou
se foi outro fato, que também foi verificado, o causador do dano.176
Fernando de Noronha acrescenta que:
O dano final é a irreversível perda da vantagem que era almejada, ou a efetiva ocorrência do prejuízo que não foi oportunamente impedido. O dano da perda de uma chance, que se contrapõe ao final, é constituído pela oportunidade, que se dissipou, de obter no futuro a vantagem que era almejada, ou de evitar o prejuízo que veio a acontecer.177
Ademais, o dano final seria a própria vantagem ou prejuízo ocasionado e
portanto aquele (dano final) não pode ser reparado se invocando a chance perdida,
pois nessa (chance perdida) o que se “pretende compensar” é a perda da
oportunidade de se evitar o evento danoso ou de se obter a vantagem pretendida.178
Miguel Kfouri neto acrescenta ainda que:
A perda de uma chance repousa sobre a possibilidade e uma certeza: é verossímil que a chance poderia de concretizar; é certo que a vantagem
174 SILVA, op. cit., p. 112-3 175 NORONHA, op. cit., p. 697 176 Ibidem, p. 699 177 Ibidem, p. 697 178 Ibidem, p. 697
64
esperada esta perdida – e disso resulta um dano indenizável. Noutras palavras há incertezas no prejuízo e certeza na probabilidade.179
Depreende-se do apresentado que o dano na perda de uma chance para ser
reparado deve ser certo, mesmo que futuro, não se reparando danos incertos, pois
este seriam um dano final onde não se tem certeza de que foi provocado pela conduta
antijurídica ou por outros fatos também verificados.
Ademais a chance perdida deve ser um dano real, haja vista, que a reparação
será pela oportunidade que se perdeu e não pelo dano final.
Ao se analisar o dano na teoria da perda de uma chance se verificou que o
nexo de causalidade se dá entre a oportunidade perdida e o fato antijurídico.
4.5 NEXO DE CAUSALIDADE
Por nexo causal, conforme estudado no capítulo 1 do presente trabalho, é a
ligação que une a conduta do agente ao dano causado a vítima.
Fernando de Noronha explica que a “[...] causa de um dano, é o fato que
contribuiu para provocá-lo, ou para agravar seus efeitos”. 180
Conforme coloca o autor há uma certa dificuldade em estabelecer o fato
gerador do dano na responsabilidade civil, e explica que o dano pode se dar por um
determinado fato ou por diversos fatos, bem como, vários danos, de naturezas
distintas, presentes e futuros, podem ser por um determinado fato ou por vários fatos,
sem ser possível distinguir quais danos podem ser atribuídos a cada fato. 181
Disciplina Sérgio Cavalieri Filho que “ [...] o problema do nexo causal diz
respeito às condições mediante as quais o dano deve ser imputado objetivamente à
ação ou omissão de uma pessoa”. 182
179 KFOURI NETO, 2013, op. cit., p. 77 180 NORONHA, op. cit., p. 611 181 Ibidem, p. 612 182 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 48
65
Fernando de Noronha conceitua condições da seguinte forma:
São todos os fatores que estão na origem de um dano, são todos os elementos sem os quais ele não teria sido produzido, são todas as circunstâncias de que não se pode abstrair, sem mudar o resultado danoso.183
E ainda, explica o doutrinador que “[...] as causas do dano são apenas aquelas
condições consideradas como efetivamente determinantes desse resultado”.184
Ainda sobre o nexo causal em havendo “hipóteses de causalidade múltipla”,
ou seja, várias condições ou “circunstâncias concorrendo para o evento danoso”
torna-se difícil precisar a real causa que ensejou o resultado.185
A discussão envolvendo a aplicação da teoria da perda de uma chance se dá
principalmente pela “problemática de causalidade”, pois, na responsabilidade civil a
condição necessária é requisito obrigatório para se estabelecer o liame causal entre
a conduta comissiva ou omissiva e o dano sofrido pela vítima. 186
Rafael Peteffi da Silva orienta que não existe nenhuma corrente doutrinária
pátria ou estrangeira que dispense essa condição necessária “conditio sine qua
non”.187
Argumenta o doutrinador que a reparação integral do dano final na teoria pela
perda de uma chance é inviável por causa da [...] falta de causalidade necessária entre
o próprio dano final e o ato do agente ofensor que causou a interrupção do processo
aleatório e a consequente perda de chances”. 188
Para o autor o “desaparecimento” da vantagem esperada ou do dano final,
“[...] é sempre possível por intermédio de causas externas”. Justificando sua ideia no
sentido em que, não se poderá saber com toda a certeza, se foi o ato danoso do
ofensor a “causa necessária” para que a vítima perdesse o resultado que almejava,
também sustenta que o prognóstico que se poderia fazer sobre a chance ser
alcançada é bastante incerta, ou seja, o resultado da vantagem esperada ou do dano
183 NORONHA, op. cit., p. 613 184 Ibidem, op. cit., p. 613 185 CAVALIERI FILHO, op. cit., 50 186 SILVA, op. cit., p. 32 187 Ibidem, p. 46 188 Ibidem, p. 20
66
final nunca será conhecido por causa da “conduta culposa do agente”, essa incerteza
se dá pela “total falta de prova” do nexo causal, todavia, existe um prejuízo e é esse
(prejuízo) que a responsabilidade civil pela perda de uma chance busca indenizar”.189
Para Fernando de Noronha a comprovação dos danos futuros é por deveras
complicado, sendo necessário recorrer a “presunções naturais” quer na demonstração
do nexo causalidade quer em relação ao próprio dano. 190
As presunções naturais são aquelas chamadas de presunções da
experiência, do homem e do juiz, ou seja, resultam de regras de experiências, que o
juiz pondera ao apreciar a prova produzida. Nesse caso o juiz, “[..] fará mera ilação de
fatos não provados a partir de outros provados”. Para o doutrinador a utilização das
presunções naturais é porque:
Com frequência acontece mesmo que, num mesmo processo, seja necessário recorrer às regras de experiência duas vezes, uma para verificar se existe nexo de causalidade, outra para determinar qual é a extensão dos danos que devem ser reparados: uma situação frisante é a relativa à responsabilidade por perda de uma chance.191
Argumenta Rafael Peteffi que com a “massificação social”, e diante da
relativização da culpa, vem propiciando utilizações alternativas do nexo de
causalidade. E afirma que as teorias tradicionais usadas, se tornam inadequadas para
uma real efetividade frente ao princípio solidarista.192
A causalidade alternativa é definida por Fernando Noronha da seguinte
maneira: “ [...], quando houver dois ou mais fatos atribuíveis a pessoas diferentes,
todos com potencialidade para causar o dano, mas sem que seja possível determinar
com exatidão qual deles foi o causador, teremos a causalidade alternativa. ” 193
Cita o doutrinador como exemplo de causalidade alternativa, a morte de um
determinado paciente, que não se sabe se a morte foi em virtude de agravamento da
189 SILVA, op. cit., p. 13 190 NORONHA, op. cit., p. 605 191 Ibidem, op. cit., p. 502-3 192 DA SILVA, op. cit., p. 46 193 NORONHA, op. cit., p. 669
67
enfermidade que o acometia ou se foi pelo erro médico, sendo esta devidamente
comprovada.194
Para Rafael Peteffi da Silva a causalidade alternativa pode ser encontrada nas
chamadas teoria da responsabilidade coletiva ou grupal, onde a causalidade
alternativa nessa hipótese faria o “papel” de uma presunção de causalidade a favor
da vítima.195
A responsabilidade grupal ou coletiva seriam aquelas em que não se sabe
quem foi o responsável por um certo dano, contudo, sabe-se que é uma de duas
pessoas determinadas ou uma dentre as que fazem parte de certo grupo. 196
Rafael Peteffi da Silva argumenta ainda que a utilização da presunção de
causalidade é defendida, “[...], em casos de responsabilidade pela perda de uma
chance na área médica, fazendo com que os requisitos da causalidade clássica sejam
amenizados e permitam, dessa maneira, a própria reparação do dano final”.197
Explica ainda:
A instituição de presunções é uma das formas pelas quais é relativizado o princípio geral de que incumbe ao autor provar a causalidade entre o ato do ofensor e o dano. Essas presunções podem advir com o trabalho da jurisprudência ou pela ação do legislador.198
O doutrinador defende que a responsabilidade pela perda de uma chance
deveria se dar de dois modos, ou nas palavras do doutrinador “sistematizados em dois
grandes grupos”, a saber: conceito especifico de dano e causalidade parcial.
No primeiro, seria utilizado nos casos em que há uma total interrupção do
processo aleatório, nesse caso, o ato do réu faz com que a vantagem esperada pela
vítima seja aniquilada antes de chegar ao final, ou seja a chance está totalmente
perdida. No segundo, o processo aleatório em que se encontrava a vítima não é
interrompida pela conduta do réu, nesse caso há uma diminuição das chances na
obtenção da vantagem pretendida. Nesse último o processo aleatório seguiu seu
194 Ibidem, p. 682 195 SILVA, op. cit., p. 20 196 NORONHA, op. cit., p. 682-3 197 SILVA, op. cit., p. 20 198 Ibidem, p. 47
68
curso até o final, nesse caso, cabe se estabelecer em que grau a conduta do réu
contribuiu para o dano final, utilizando a causalidade parcial para se aferir as chances
perdidas. 199
Se verifica a causalidade parcial quando se utiliza a proporção de causalidade
entre a conduta danosa e o dano, sendo o resultado as chances perdidas.200
Já para Fernando de Noronha a reparação das chances perdidas só é
possível pela expansão dos danos suscetíveis de reparação, nos moldes do fenômeno
contemporâneo. 201
Para o doutrinador a perda de uma chance será sempre um dano específico;
“[...] há de ser sempre consequência adequada do fato antijurídico verificado” e, ainda
o valor da chance perdida se dará através de um cálculo de probabilidades”.202
Desse modo, percebe-se a dificuldade que os doutrinadores têm em
estabelecer o nexo causal na responsabilidade civil pela perda de uma chance por ser
esta de natureza aleatória e pela incerteza que gera em poder aferi-la.
Ademais em relação a dúvida quanto ao nexo de causalidade mesmo sendo
esta relativizada, qual seria a melhor opção, ou seja, qual teoria poderia ser aplicada
ao caso concreto?
Mesmo ensejando questionamentos sobre o nexo causal, na teoria pela perda
de uma chance a sua aplicação é viável, haja vista, que os tribunais pátrios estão
julgando procedentes alguns casos concretos.
Já com relação a aplicação da teoria da perda de uma chance na
responsabilidade civil do médico, a dúvida é maior por ser a patologia do doente um
fator preponderante para a aferição do nexo causal.
199 SILVA, op. cit., p. 248 200 Ibidem, op. cit., p. 49 201 NORONHA, op. cit., p. 704 202 Ibidem, op. cit., 716
69
4.6 APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NA SEARA MÉDICA
A teoria pela perda de uma chance na responsabilidade na seara médica visa
reparar a chance perdida por erro de diagnóstico ou por tratamento inadequado, onde
a oportunidade do paciente obter uma cura ou de uma sobrevivência foi subtraída pela
conduta do médico.
Segundo Sérgio Cavalieri Filho, a teoria da perda de uma chance quando
aplicada na área médica é conhecida como a perda de uma chance de cura ou de
sobrevivência. Nesse caso a chance não é a continuidade da vida, mas em não se
dar ao doente todas as oportunidades de poder obter uma cura ou até de
sobrevivência.203
A dúvida existente entre o erro de diagnóstico ou de tratamento resulta em
não se precisar com certeza se a conduta falha foi o motivo da morte ou de uma
invalidez, ou se foi da própria doença, pois o paciente poderia ter ficado inválido ou
mesmo morrido mesmo com um diagnóstico e tratamento correto, contudo, nesse
caso pelo fato de se ter cometido um erro tornaram as chances de cura ou de
sobrevida perdidas.204
Em se tratando de caso médico, a chance perdida é observada no passado,
pois o evento danoso que poderia ter sido evitado não o foi, bem como, o processo
que poderia ter sido aleatório já não é mais, tendo em vista que já se tem uma certeza
de qual será o resultado no futuro, ou a morte ou a invalidez do enfermo. Nesse caso,
a dúvida vai pairar na relação de causalidade entre a conduta falha do profissional e
o dano final. 205
Sérgio Cavalieri Filho ensina que na responsabilidade civil do médico pela
perda de uma chance:
[...], o problema gira em tomo do nexo causal entre a atividade médica (ação ou omissão) e o resultado danoso consistente na perda da chance de sobrevivência ou cura. A atividade médica, normalmente omissiva, não causa a doença ou a morte do paciente, mas faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser curada. Se o paciente, por exemplo, tivesse sido internado a tempo ou operado imediatamente, talvez não tivesse falecido. A omissão médica, embora culposa, não é, a rigor, a causa do dano; apenas faz com que o paciente perca uma possibilidade. Só
203 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 86 204 NORONHA, op. cit., 724 205 DA SILVA, op. cit., p. 87
70
nesses casos é possível falar em indenização pela perda de uma chance. Se houver erro médico e esse erro provocar ab orige o fato de que decorre o dano, não há que se falar em perda de uma chance, mas, em dano causado diretamente pelo médico.206
Miguel Kfouri Neto explica que nas chances perdidas na seara médica, o juiz
não tem que analisar se houve ou não erro de diagnostico, mas sim se houve culpa
do profissional ao não realizar todos os exames necessários que estão ao seu alcance
para descobrir a doença e realizar o tratamento adequado, que vão desde exames
laboratoriais até radiológicos.207
Contudo como ressalta o doutrinador que a chance perdida “ [...] no domínio
médico, atinge a causalidade, ao passo que nas demais áreas da responsabilidade
civil refere-se ao prejuízo208.
Rafael Peteffi da Silva esclarece que a aplicação da teoria da perda de uma
chance no campo médico tem um caráter pedagógico, haja vista, que a reparação
teria o condão de desmotivar o profissional a não praticar condutas lesivas em sua
atuação, e caso não for adotada poderá permitir que o médico seja negligente em
pacientes que tem pouca chance de vida ou que possuem doenças terminais, pois a
prova do nexo causal se tornaria por deveras difícil devido a evolução patológica da
doença, pois o paciente fatalmente morreria mesmo com uma conduta exemplar do
médico.209
Para a aplicação da teoria na seara médica convém colacionar um julgado do
STJ de 2012 da Ministra Nancy Andrighi onde foi perquirido a responsabilidade civil
do médico pela perda de uma chance, tendo como base para seu voto os
doutrinadores Fernando Noronha e Rafael Peteffi da Silva.
DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO.POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Omissis.
206 CAVALIERI FILHO, op. cit., p.86 207 KFOURI NETO, 2002, op. cit., p. 106 208 Ibidem, op. cit., p. 111 (grifos do autor) 209 SILVA, op. cit., p. 242
71
2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a ince rteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em qu e a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por forç a da doença, e não pela falha de tratamento. 3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civ il pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reco nhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerada um bem autônomo , cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional. 4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional. 5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada. (REsp. 1254141/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 20/02/2013)
Conforme visto, a responsabilidade civil pela perda de uma chance pode ser
aplicada na seara médica, mesmo que pontos cruciais ainda estejam nebulosos, como
o de ser um dano específico autônomo, bem jurídico autônomo, causalidade parcial.
Contudo, se verificou que não se deve analisar o erro no diagnóstico e no
tratamento, mas sim, a chance que ficou perdida pela conduta negligente do médico.
E ainda, a sua aplicação elenca dois pontos fundamentais: a de se evitar que
haja uma negligência por parte dos médicos em relação a paciente incuráveis e
também um caráter pedagógico, pois o médico seria mais cuidadoso em sua função.
72
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que fora pesquisado se percebeu que na ocorrência de danos
advindos de condutas negligentes do médico, bem como havendo uma imperícia ou
imprudência, poderá o profissional ser demandado pela falta de responsabilidade na
sua atuação como profissional da medicina.
Na pesquisa ora realizada se verificou que os pressupostos da
responsabilidade geral são aplicáveis na seara médica com algumas peculiaridades
exigíveis para a caracterização da responsabilidade do médico, como a culpa em
sentido em sentido estrito, onde é verificado a conduta culposa do profissional em sua
função nas modalidades imperícia, imprudência e negligência.
Também se constatou que poderá haver diferenças no contrato quando ao
atendimento do paciente, sendo em determinados casos contratual quando o vínculo
entre o médico e o paciente é percebido, ou seja, ambos interagem na busca de uma
melhor solução para a doença ora apresentada e, em outras situações, apresenta
como uma relação extracontratual, nessa inexiste um vínculo anterior, porém mesmo
prestando um atendimento e não o faz de forma condizente com o que se espera,
poderá ser responsabilizado.
Ademais com relação a obrigação assumida pelo profissional, em regra, será
de meio, onde não há um dever de curar a doença apresentada mas, de fazer todo o
possível, se valendo de tecnologias e ciências atualizadas para que essa seja
alcançada, desde que não cause mais maleficio para o enfermo.
Já com relação as obrigações de resultado, o médico se comprometeu a
determinado fim e caso não seja obtido poderá ser responsabilizado, mas não há uma
culpa presumida, mas sim uma inversão do ônus da prova, pela verossimilhança do
que está sendo alegado.
Com relação a carga probatória, embora seja de quem alega deve provar, não
é estática, devendo o magistrado em um caso concreto, ao se verificar a
hipossuficiência do demandante na situação complexa que se apresenta inverter o
ônus da prova, ou seja, aquele que detém maior probabilidade de poder produzi-la
73
deverá o fazer e, até se julgar conveniente que ambos façam a produção de uma
determinada prova.
Também se constatou que para que haja responsabilidade do profissional, a
culpa deve ser provada, não responsabilizando caso haja dúvidas se foi de fato a
conduta do médico que causou o dano ou se foi a natureza patológica da própria
pessoa ou da doença que fez com que ocorresse o evento danoso, ou se haja uma
das excludentes presentes no caso concreto.
Ainda se verificou que a responsabilidade do médico é sempre subjetiva, tanto
com relação ao código civil quanto ao código de defesa de consumidor, mas, no caso
dos hospitais somente será subjetiva se houver culpa na conduta do médico, se
houver deficiência na prestação oferecida pelo nosocômio, nesse caso a
responsabilidade será objetiva.
Além da responsabilidade civil do médico, se pesquisou a teoria pela perda
de uma chance e sua aplicação na seara médica.
Nessa teoria se percebeu que é aplicável no campo da medicina, uma vez
que, já se sabe que o médico teve uma conduta culposa ao não interromper o evento
danoso que se encontrava em um processo aleatório, eliminando assim uma provável
chance que o paciente poderia ter ao final, seja em uma cura ou uma sobrevivência,
nesta última seria a de se evitar um sofrimento desnecessário, que poderá se tornar
permanente ao final.
Contudo, nessa teoria a dúvida será em estabelecer se foi realmente a
conduta falha do médico ou se foi da própria doença, nesse caso, o magistrado
decidirá com base nas provas apresentadas e em probabilidades como a patologia da
doença que pode ser um fator para o evento danoso e a chance que foi perdida pela
conduta falha do médico que também pode ser um condutor para a ocorrência do
dano final.
Todavia a responsabilidade civil do médico não será pelo dano final, mas pela
chance perdida e, ainda poderá ter um caráter pedagógico, procurando assim fazer
com que o profissional aja no exercício de sua função com mais atenção e diligência.
74
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