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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
ALINE SANTI BOTTON GAIDESKI
A VISÃO DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA ACERCA DO
PAPEL DA AFETIVIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
CURITIBA
2014
ALINE SANTI BOTTON GAIDESKI
A VISÃO DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA ACERCA DO
PAPEL DA AFETIVIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pedagogia da Faculdade de Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Pedagoga. Orientadora: Prof.
a Dra. Neyre Correia da
Silva.
CURITIBA
2014
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer a Deus e à minha família, em
especial à minha mãe e minha filha, que me deram força para sempre seguir a
diante.
À Universidade Tuiuti do Paraná e ao Curso de Pedagogia, que
ampliou meus conhecimentos de modo significativo, dando uma visão
humanística na minha formação.
E à Professora Dra. Neyre Correia da Silva, que me orientou para/na
realização deste Trabalho de Conclusão de Curso.
RESUMO
Este estudo trata da afetividade e de seu papel no desenvolvimento cognitivo nas práticas pedagógicas da educação infantil a partir da visão de estudantes de Pedagogia. O estudo é motivado pelas vivências de sua autora como professora/educadora em educação infantil e pela necessidade de conhecermos a visão de alunas de pedagogia sobre a temática, uma vez que serão os profissionais que atuarão futuramente junto a crianças pequenas. Mostra como as práticas pedagógicas, que levam em conta a afetividade, podem interferir no desenvolvimento cognitivo da criança na idade da educação infantil. Para dar consistência no trabalho é realizada pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. Como instrumento de coleta de dados utiliza-se um questionário, apresentado em uma Universidade privada de Curitiba a 51 estudantes do curso de Pedagogia. A análise das respostas permite identificar que as participantes da pesquisa concebem as práticas relacionadas à criança pequena, na educação infantil, tanto positivas como negativas. Os resultados indicam que muitas participantes confundem o termo afetividade com o “ser afetuoso”. A pesquisa possibilita evidenciar que a maior parte das estudantes considera condutas, como afeto, amor e carinho, como benéficas ao desenvolvimento cognitivo da criança nas práticas da educação infantil, sem, no entanto, destacar aspectos, como a linguagem, relacionada à dimensão cultural e que também pode ser integrada à área da afetividade, como fatores importantes ao desenvolvimento da inteligência na criança pequena. Palavras-chave: Afetividade. Desenvolvimento Cognitivo. Educação Infantil. Práticas Pedagógicas.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6
2 EDUCAÇÃO INFANTIL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEPÇÃO DE
CRIANÇA .................................................................................................................... 8
2.1 A CRIANÇA: SUJEITO SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL E DE DIREITOS .... 13
3 O PAPEL DA AFETIVIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA .............. 19
3.1 A AFETIVIDADE E O SEU PAPEL NA CONSTRUÇÃO DO SUJEITO ........... 21
3.2 DO ATO MOTOR AO ATO MENTAL ............................................................... 26
3.2.1 As fases da inteligência ............................................................................. 30
3.3 ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COMPLETA – UMA
VISÃO WALLONIANA ............................................................................................ 32
3.3.1 Conflitos eu-outro e a construção da pessoa ............................................. 37
4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................... 41
5 METODOLOGIA, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS ............................ 50
5.1 EXPOSIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS............................................... 50
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65
APÊNDICE ................................................................................................................ 67
6
1 INTRODUÇÃO
Somos seres socialmente afetivos, com isto a afetividade faz parte de todas
as relações humanas. Na relação professor-aluno não há como a afetividade não
estar presente. Conhecer e diferenciar as manifestações da afetividade (emoção,
sentimentos, afetos, desafetos, desejos etc.), para que se possa intervir com
coerência em cada circunstância, de modo a alcançar um resultado positivo, no que
diz respeito ao desenvolvimento e à aprendizagem da criança, é de grande
relevância, principalmente no contexto da Educação Infantil, que é a primeira etapa
da educação básica.
Diante das análises das minhas vivências como professora/educadora em
educação infantil até o momento, e de algumas leituras acerca do assunto em
questão, posso considerar que este trabalho se justifica pela necessidade de
conhecermos a visão que alunas de Pedagogia possuem sobre a temática, uma vez
que algumas delas serão as profissionais que atuarão futuramente junto às crianças
pequenas, exercendo relevante papel no que diz respeito ao desenvolvimento
dessas crianças.
Portanto, temos como problemática central deste estudo a seguinte questão:
Qual é a visão de alunas de Pedagogia sobre o papel da afetividade para o
desenvolvimento cognitivo da criança na prática pedagógica diária da Educação
Infantil? Sendo que, como principal objetivo, temos: compreender a visão que as
alunas de Pedagogia têm sobre o papel da afetividade para o desenvolvimento
cognitivo da criança na prática pedagógica diária, no contexto escolar da Educação
Infantil. E, em consonância com o objetivo principal, definiram-se objetivos
específicos:
Fazer um breve resgate sobre o histórico da Educação Infantil (EI), de
maneira que se possa compreender sua trajetória, suas características, leis e
direitos conquistados.
Apresentar fundamentação teórica acerca do tema proposto, de modo a
atribuir consistência à pesquisa em pauta.
7
Conceituar afetividade, suas manifestações e relações com o
desenvolvimento cognitivo.
Refletir sobre como o adulto, no seu cotidiano, no ambiente da Educação
Infantil, a partir da afetividade, pode contribuir para uma prática pedagógica que
favoreça o desenvolvimento cognitivo da criança.
Verificar, por meio de um questionário, com alunas do curso de Pedagogia de
uma Universidade privada da cidade de Curitiba, conceitos e ideias que permeiam
sua visão quanto ao papel da afetividade para o desenvolvimento cognitivo infantil
na prática pedagógica diária em Educação Infantil.
O trabalho foi dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo a seguir,
apresentamos questões relacionadas ao histórico e à legislação da Educação
Infantil, e à concepção de criança adotada na atualidade.
Na sequência, no segundo capítulo, propõem-se elementos para a
compreensão do tema da afetividade, suas manifestações e etapas no
desenvolvimento humano, correlacionado o desenvolvimento da afetividade com o
do cognitivo, a partir de uma visão walloniana. Henri Wallon foi escolhido como
referência fundamental para o desenvolvimento deste trabalho em função de suas
ideias e teorias focalizarem e salientarem o desenvolvimento e o papel da
afetividade na constituição do ser humano, e na relação entre o desenvolvimento
cognitivo infantil e as práticas pedagógicas diárias, principalmente na etapa que
corresponde à EI (de 0 a 5 anos).
Já o terceiro capítulo aponta questões inerentes às práticas pedagógicas
diárias na Educação Infantil, e como estas podem interferir no desenvolvimento
cognitivo infantil, principalmente quando não existe um clima afetuoso nessas
práticas.
Por fim, no quarto capítulo, são apresentados e analisados os dados
coletados através da pesquisa de campo, por meio de questionários aplicados a
cinquenta e uma alunas que cursavam Pedagogia em uma Universidade particular
da cidade de Curitiba-PR.
8
2 EDUCAÇÃO INFANTIL: ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E CONCEPÇÃO DE
CRIANÇA
Neste capítulo realizaremos uma contextualização da Educação Infantil,
caracterizando-a como a primeira etapa da educação básica, ressaltando os
aspectos legais, focalizando a concepção de criança que emergiu a partir de novos
paradigmas educacionais.
Por muito tempo a educação dedicada à criança acontecia na sua própria
família ou no grupo social no qual estava inserida. A criança aprendia com o adulto e
com as outras crianças com os quais convivia somente o necessário para sua
sobrevivência. Os conhecimentos eram apenas para viver em um determinado
grupo, adquirir sua cultura e tradição, não existia a preocupação com o
desenvolvimento afetivo ou cognitivo da criança. Fica evidente que durante muito
tempo na história do ser humano não houve instituições que em conjunto com os
pais e comunidade dividissem a responsabilidade pela criança (CRAIDY;
KAERCHER, 2001).
Aos poucos, com as transformações que foram acontecendo na sociedade,
ocorreu a necessidade do surgimento de instituições que atendessem as crianças.
Isso só foi possível porque se modificaram as formas de pensar o que é ser criança
e a importância que foi oferecida ao momento específico da infância. O surgimento
das instituições de educação infantil esteve de certa forma relacionada:
[...] ao nascimento da escola e do pensamento pedagógico moderno, que pode ser localizado entre os séculos XVI e XVII. A escola, muito parecida com a que conhecemos hoje, organizou-se porque ocorreu um conjunto de possibilidades: a sociedade na Europa mudou muito com a descoberta de novas terras, com o surgimento de novos mercados e com o desenvolvimento científico, mas também com a invenção da imprensa, que permitiu que muitos tivessem acesso à leitura (da Bíblia, principalmente). A igreja teve um papel importante na alfabetização e, em virtude das disputas religiosas entre católicos e protestantes, os dois lados se esforçaram para garantir que os seus fiéis tivessem um mínimo de domínio da leitura e da escrita. É preciso lembrar que, com a implantação da sociedade industrial, também passaram a ser feitas novas exigências educativas para dar conta das novas ocupações no mundo do trabalho. (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p.14)
9
No que diz respeito ao nascimento da escola moderna, foram importantes
outras condições que favoreceram para seu nascimento, como: a forma de encarar a
infância, que antes não existia, espaços próprios para educar as crianças, ou seja,
as escolas, especialistas que apareceram com o objetivo de afirmar as
características da infância dada sua importância, estabelecendo o que e como
ensinar, e a desvalorização dos modos antigos de educação. Tanto as creches
como as pré-escolas surgiram depois da escola, e o seu surgimento é muito
associado à inserção da mulher no mercado de trabalho após a Revolução Industrial
(CRAIDY; KAERCHER, 2001).
Outro acontecimento que influenciou para o aparecimento das creches e
pré-escolas foi o fato de muitas teorias da época estarem interessadas em delinear
as crianças, sua natureza moral e suas inclinações como boas ou más, a partir de
ideias que defendiam que proporcionar educação, em alguns casos, seria uma
forma de proteger a criança de influências negativas do meio no qual estava inserida
e, assim, preservar sua inocência (CRAIDY; KAERCHER, 2001).
Para o surgimento das creches existiam muitos argumentos, até o governo e
a filantropia interviam nesse aspecto, concebendo-se como necessários à
transformação da criança. A criança era vista na época como uma ameaça ao
progresso e à ordem social:
O que se pode perceber é que existiram para justificar o surgimento das escolas infantis uma série de ideias sobre o que constituía uma “natureza infantil” que, de certa forma, traçava o destino social das crianças (o que elas viriam a se tornar) e justificava a intervenção dos governos e da filantropia para transformar as crianças (especialmente as dos mais pobres) em sujeitos úteis, numa sociedade desejada, que era definida por poucos. De qualquer modo, no surgimento das creches e pré-escolas conviveram argumentos que davam importância a uma visão mais otimista da infância e de suas possibilidades, com outros objetivos do tipo corretivo, disciplinar, que viam principalmente nas crianças uma ameaça ao progresso e à ordem social. (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p. 15)
O que se percebe é que tanto o governo como as filantropias interviam na
educação como uma forma de manipular a sociedade. Todo esse conjunto de ideias
influenciaram fortemente as instituições que surgiram, marcando as propostas e a
forma de atuação dos educadores em todas as creches e pré-escolas, além de
10
receber também grande influência dos médicos higienistas e dos psicólogos da
época:
[...] a expansão destas instituições no final do século XIX na Europa, e mais
para a metade do século XX, recebeu também grande influência das ideias dos médicos higienistas e dos psicólogos, que traçavam de forma bastante estrita o que constituía um desenvolvimento normal e quais condutas das crianças e de suas famílias deveriam ser consideradas normais e patológicas. (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p.15)
Essas ideias desencadearam muitas práticas discriminatórias, realizadas a
respeito do que supostamente era considerado como “certo” e “normal” no
comportamento do ser humano; e os que eram considerados “diferentes” eram
excluídos (CRAIDY; KAERCHER, 2001).
É a partir da segunda metade do século XIX que as instituições pré-
escolares são difundidas internacionalmente, como componente de um conjunto de
medidas que se conformaram a uma inovação na concepção assistencial, a
assistência científica, abrangendo aspectos como a alimentação e habitação dos
trabalhadores e dos pobres (KUHLMANN JUNIOR, 1998), sendo que a
[...] creche para as crianças de 0 a 3 anos, foi vista como muito mais do que um aperfeiçoamento das casas de Expostos, que recebiam as crianças abandonadas; pelo contrário, foi apresentada em substituição ou oposição a estas, para que as mães não abandonassem suas crianças. Além disso, não se pode considerar a creche como uma iniciativa independente das escolas maternais ou jardins de infância, para as crianças de 3 ou 4 a 6 anos, em sua vertente assistencialista, pois as propostas de atendimento educacional à infância de 0 a 6 anos tratam em conjunto das duas iniciativas, mesmo que apresentando instituições diferenciadas por idades e classes sociais. (KUHLMANN JUNIOR, 1998, p.82)
O grande diferencial dessas instituições foi sua postulação como novidade,
como propostas modernas e científicas. No ano de 1899, dois acontecimentos
tornaram-se marco inicial para surgimento das creches no Brasil: fundou-se o
Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Rio de Janeiro, que mais tarde abriu
várias filiais pelo país, devido a sua forte influência, e a inauguração da creche da
Companhia de Fiação e Tecidos de Corcovado, no Rio de Janeiro também, sendo
11
esta a primeira creche brasileira que se tem registro, destinada aos filhos dos
operários (KUHLMANN JUNIOR, 1998).
Em seu histórico, o Parecer 20/2009 (BRASIL, 2009a) traz a caracterização
da construção da identidade das creches e pré-escolas, a partir do século XIX, da
seguinte forma:
A construção da identidade das creches e pré-escolas a partir do século XIX em nosso país insere-se no contexto da história das políticas de atendimento à infância, marcado por diferenciações em relação à classe social das crianças. Enquanto para as mais pobres essa história foi caracterizada pela vinculação aos órgãos de assistência social, para as crianças das classes mais abastadas, outro modelo se desenvolveu no diálogo com práticas escolares. (BRASIL, 2009a, p. 01).
Assim, a construção das creches e pré-escolas inseria-se nas políticas de
atendimento à infância. Essa vinculação compreendia o cuidar destinada às crianças
mais pobres, e o educar aos filhos dos grupos socialmente privilegiados, sem
investimentos públicos ou profissionalização da área. No início do século XX,
implantaram-se as primeiras instituições pré-escolares no Brasil, com caráter
assistencialista. A princípio estabeleciam-se creches prevendo-se uma futura
instalação de jardins de infância (KUHLMANN JUNIOR, 1998).
A sugestão da criação de creches unidas às indústrias acontecia
constantemente nos congressos que abordavam a assistência à infância. Medida
que era defendida no quadro da necessidade de criação de uma regulamentação
das relações de trabalho, em especial do trabalho feminino. Em contrapartida, a
creche não era defendida por todos, pois trazia conflitos quanto à defesa da
atribuição de responsabilidade primordial à mãe na educação da primeira infância
(KUHLMANN JUNIOR, 1998).
Em conjunto com os fatores que influenciaram para o surgimento das
creches e pré-escolas, contudo, e em harmonia com os movimentos nacionais e
internacionais, segundo o Parecer 20/2009, surge um novo paradigma do
atendimento à infância, iniciado em1959
[...] com a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente e instituído no país pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e pelo
12
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) – tornou-se referência para os movimentos sociais de “luta por creche” e orientou a transição do entendimento da creche e pré-escola como um favor aos socialmente menos favorecidos para a compreensão desses espaços como um direito de todas as crianças à educação, independente de seu grupo social. (BRASIL, 2009a, p. 01).
Dentro disso torna-se fundamental destacar que a Constituição Federal
brasileira (BRASIL, 1988), no capítulo III da Educação, da cultura e do desporto,
seção I, nos Artigos 205 e 206, determina a educação como um direito de todos e
dever do Estado e da família, e propõe princípios ao ensino:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art.206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal (BRASIL, 1988).
Portanto, é na Constituição Federal de 1988 que é concretizado o
atendimento em creches e pré-escolas como um direito social das crianças e como
dever do Estado. Processo que teve grande participação de movimentos
comunitários de mulheres, de redemocratização do país e dos próprios profissionais
da educação. Com esse novo ordenamento legal, tanto creches como pré-escolas
passaram a construir uma nova identidade, buscando superar posições antagônicas
e fragmentadas, como as de caráter assistencialista e as de perspectivas de
preparação para as etapas seguintes de escolarização (BRASIL, 2009a).
Em consonância, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) n. 9.394/96, regulamentando esse ordenamento, inseriu várias inovações
quanto à Educação Básica, dentre elas, integra as creches nos sistemas de ensino
13
junto com as pré-escolas como a primeira etapa da Educação Básica. Essa Lei
fomentou o estímulo à autonomia das unidades educacionais quanto à organização
flexível do currículo, à pluralidade de métodos pedagógicos e reafirmou os artigos da
Constituição Federal no quesito de atendimento gratuito em creches e pré-escolas
(BRASIL, 2009a).
Dentro desse processo histórico, devido às transformações vivenciadas,
dada a conquista da educação como um direito de todos, deve-se levar em conta
que a criança é um sujeito social, histórico e cultural, que ao nascer já está inserido
dentro de uma história e de uma cultura, que foi criada ao longo do tempo e que,
para ela, criança, já está pronta. Para se sentir membro é necessário que ela
adquira aquela determinada cultura. É nesse contexto histórico evolutivo, que a
garantia de seus direitos, por meio de leis, deve ser de responsabilidade de todos
que fazem parte da sociedade. Devido a todas essas transformações é possível
vislumbrarmos uma nova concepção de criança e de infância na atualidade, cujo
tema abordaremos a seguir.
2.1 A CRIANÇA: SUJEITO SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL E DE DIREITOS
Conforme a Resolução n. 5 de 2009, das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009b), a criança é um
[...] sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
Em conformidade, Salles e Faria (2007) consideram a criança como um
sujeito sócio-histórico-cultural, cidadão de direitos e um ser da natureza, com
especificidades no seu desenvolvimento, derivadas da interação entre os aspectos
biológicos e culturais, e nas relações que estabelecemos com ela. E para considerá-
la como sujeito, é necessário levar em conta alguns aspectos:
[...] que ela tem desejos, ideias, opiniões, capacidade de decidir, de criar, de inventar, que se manifestam, desde cedo, nos seus movimentos, nas suas
14
expressões, no seu olhar, nas suas vocalizações, na sua fala. É considerar, portanto, que essas relações não devem ser unilaterais – do adulto para a criança –, mas relações dialógicas – entre adulto e criança –, possibilitando a constituição da subjetividade da criança como também contribuindo na contínua constituição do adulto como sujeito. (SALLES; FARIA, 2007, p. 44)
A criança é um sujeito histórico, social e cultural em constante aprendizado e
desenvolvimento, que obtém esses conhecimentos a partir das ações e experiências
significativas que tem com o meio no qual está inserido, em conjunto com as
relações que estabelece com o adulto. É um ser humano, pertencente a uma família,
uma cultura, história, que está iniciando seu conhecimento de mundo, e vai
ampliando-os no decorrer da vida.
O ser humano adquire seus conhecimentos por meio de uma cultura já pré-
estabelecida historicamente, por seus pares, sua família e classe social na qual está
inserida. Segundo Salles e Faria (2007), quando juntamos ao substantivo sujeito os
adjetivos sócio, histórico e cultural, estamos afirmando que tanto as formas de
expressão quanto as de conhecer e compreender o mundo são construídas
historicamente na cultura do meio social em que está inserida a criança. Quanto ao
fato de a criança ser considerada como um cidadão de direitos considera-se que, em
sua história, origem, cultura e meio social em que vive, lhe foram garantidos direitos
inquestionáveis, iguais para todas as crianças.
Evidenciando que a criança é um sujeito sócio-histórico-cultural, possuidora
de direitos que foram conquistados ao longo dessa história, a Lei de Diretrizes e
Bases (BRASIL, 1996), em sua Seção II, da Educação Infantil, nos Artigos 29 e 30
definem a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, sendo dever
do Estado garantir a oferta de educação pública, gratuita e de qualidade, sem
condição de seleção:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da Educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I- Creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II- Pré-escolas, para as crianças de quatro a cinco anos de idade. (BRASIL, 1996)
15
Nessa fase, na primeira etapa da educação básica, a criança necessita de
maior cuidado e dedicação por parte do adulto. A criança de 0 a 6 anos tem
especificidades no seu desenvolvimento, pois vivenciam momentos significativos do
processo evolutivo. Salles e Faria (2007, p. 46) destacam estudos na área que
evidenciam que:
O sistema nervoso da criança apresenta uma grande plasticidade, determinando uma imensa possibilidade de aprender, maior do que em qualquer outro momento da sua vida; As crianças ainda são muito dependentes do adulto, necessitando da sua proteção e cuidados, e, ao mesmo tempo, precisam que ele acredite nas suas potencialidades para que avancem no processo de construção de sua autonomia e capacidade de se auto-cuidar; Nessa fase elas estão em pleno desenvolvimento físico-motor, construindo sua corporeidade nas relações com o outro, com os espaços, tempos e objetos; Esse é o período fundamental de aquisição da capacidade de ação simbólica sobre o mundo, desenvolvendo múltiplas linguagens e estruturando seu pensamento, nas suas interações com os sujeitos da cultura; Nesse período, as crianças estão em pleno processo de construção de suas estruturas mentais superiores e, embora não consigam ainda elaborar conceitos abstratos exigidos para a compreensão de muitos conhecimentos sobre os quais manifestam curiosidade, revelam uma lógica própria na busca de compreensão e apropriação do mundo; O brincar-nessa capacidade lúdica de imaginar, de transformar uma coisa em outra, de dar significados diferentes a determinado objeto ou ação-passa a se constituir na linguagem privilegiada para essas crianças se expressarem, explorarem, compreenderem e transformarem o mundo. Além do brincar, a imitação, a repetição, a imaginação, a exploração, a experimentação e a interação com os pares se caracterizam como formas fundamentais de as crianças se apropriarem e reinventarem a cultura; As crianças de 0 a 6 anos estão ampliando os laços sociais e afetivos. Assim, num processo de entrelaçamento eu-outro, vão constituindo sua identidade, sua subjetividade, seu sentimento de pertencimento social, sua auto-estima, sua autoconfiança, sua capacidade de atuar cooperativamente.
A criança na faixa etária entre zero e seis anos ainda é muito dependente do
adulto. Através da relação que estabelece ela vai criar a vontade de explorar,
conhecer, apropriar-se dos conhecimentos e do mundo que, cada vez mais, se abre
a sua frente, consequentemente adquirindo sua própria autonomia. Para que isso
aconteça, de forma efetiva e significativa, o adulto deve estar sempre atento às
necessidades e especificidades que as crianças nessa faixa etária possuem, pois
16
quanto maior for o afeto conquistado nas relações entre adulto e criança, maiores
serão as possibilidades de enriquecer e de contribuir na construção da autonomia,
na autoconfiança e na capacidade de cooperar desses sujeitos (SALLES; FARIA,
2007).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, na Resolução n.
5/ 2009, dispõe quanto à matrícula e faixa etária nessa etapa que:
É obrigatório a matrícula na Educação Infantil de crianças que completam 4 ou 5 anos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula. As crianças que completam 6 anos após o dia 31 de março devem ser matriculadas na Educação Infantil. A frequência na Educação Infantil não é pré-requisito para a matrícula no Ensino Fundamental. As vagas em creches e pré-escolas devem ser oferecidas próximas às residências das crianças. (BRASIL, 2009b, p.15)
As instituições que trabalham com esse nível educacional, com crianças de
0 a 6 anos, possuem caráter coletivo, evidenciando-se a importância do significado
dos termos cuidar e educar nas instituições de Educação Infantil na atualidade, que
são essenciais para o desenvolvimento da criança. Nesse sentido, o termo cuidar
significa:
[...] a ideia de preservação da vida, de atenção, de acolhimento, envolvendo uma relação afetiva e de proteção. Cumpre o papel de propiciar ao outro bem-estar, segurança, saúde e higiene. Já o termo educar tem a conotação de orientar, ensinar, possibilitar que o outro se aproprie de conhecimentos e valores que favoreçam seu crescimento pessoal, a integração e a transformação do seu meio físico e social. (SALLES; FARIA, 2007, p.52)
Na Educação Infantil, esses dois termos devem ser tratados de maneira
indissociável, um complementando o outro. Em qualquer modalidade de ensino
esses termos devem ser associados, mas principalmente, quando se fala da criança
pequena. Educar de modo indissociado do cuidar é:
[...] dar condições para as crianças explorarem o ambiente de diferentes maneiras (manipulando materiais da natureza ou objetos, pessoas ou situações, fazendo perguntas, etc.) e construírem sentidos pessoais e significados coletivos, à medida que vão se constituindo como sujeitos e se apropriando de um modo singular das formas culturais de agir, sentir e
17
pensar. Isso requer do professor ter sensibilidade e delicadeza no trato de cada criança, e assegurar atenção especial conforme as necessidades que identifica nas crianças (BRASIL, 2009a, p. 10).
O entendimento desses dois termos apoia-se no reconhecimento de que,
para que a criança se torne sujeito mais humano, aprendendo e se desenvolvendo,
é fundamental que, no seu processo de formação, a pessoa que trabalha nas
instituições de Educação Infantil tenha suas práticas direcionadas nas duas direções
(SALLES; FARIA, 2007). Contudo, não cabe somente às Instituições de Educação e
ao profissional que nela atua o cuidado e a educação das crianças, essas veem de
forma a complementar a atenção dada pela família. O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) no artigo 4º e 5º estabelece que seja dever da família,
comunidade, sociedade, entre outros, garantir a efetivação dos direitos da criança
em todos seus aspectos:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990).
A família deve sempre estar presente, envolvendo-se e relacionando-se com
a instituição e garantindo os direitos das crianças. Porém, o conjunto todo deve estar
unido: escola, criança, professor/educador, família e a comunidade. Pensar no bem-
estar da criança não é só levar em conta a garantia de seus direitos, deve-se
respeitá-la em seu ambiente, envolvendo propostas e práticas pedagógicas que
promovam seu desenvolvimento em todos seus aspectos: cognitivo, afetivo,
psicológico etc., de forma que a criança se desenvolva e se sinta amada, cuidada,
acolhida e segura no ambiente em que está inserida.
18
Para que a criança se sinta amada, cuidada e segura é fundamental que as
relações que se tecem em volta dela e com ela, sejam bem afetuosas, para que se
desenvolvam de forma significativa e prazerosa. Com isso, fica clara a importância
de se compreender o papel da afetividade no/para desenvolvimento infantil,
principalmente no/para o desenvolvimento cognitivo, e nas/para (as) práticas
pedagógicas diárias na Educação Infantil, como abordaremos no próximo capítulo.
19
3 O PAPEL DA AFETIVIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
Neste capítulo abordaremos as questões que se referem à concepção da
afetividade, suas manifestações e o seu papel tanto no desenvolvimento cognitivo
infantil quanto na construção do sujeito. Também apresentaremos os estágios de
desenvolvimento da pessoa completa e os conflitos gerados pela diferenciação do
Eu e do Outro, a partir de uma compreensão de desenvolvimento global, a partir de
Wallon.
As vivências afetivas surgem por meio da atividade da criança sobre a
realidade, não existindo nenhuma atividade por parte dela sem um elemento afetivo.
Na conduta humana a afetividade desempenha dois tipos de função organizadora:
uma é a função sinalizadora, que indica o grau de intensidade ou a importância
subjetiva que a atividade adquire para o sujeito; e a outra é a função reguladora, que
norteia e conduz a atividade e dá um colorido emocional para a sua execução. O
que vai diferenciar as vivências afetivas de um indivíduo para outro são as
necessidades e motivos que o levarão a agir, ou mesmo o significado subjetivo que
a finalidade ou o objetivo da atividade tem para o indivíduo (MONTE; BÚRIGO,
2005).
Nas crianças, existe uma particularidade do seu funcionamento cerebral que
regula suas condutas e vivências subjetivas:
Ao nascermos a nossa afetividade (nesse momento inicial, emoções básicas e involuntárias) está sob controle subcortical do cérebro, o que significa que a sua manifestação está associada a várias manifestações externas observáveis (agitação motora, sorriso, choro), assim como internas (que provocam alterações glandulares e orgânicas, como é o caso da aceleração do batimento cardíaco, sudorese, aumento da pupila). (MONTE; BÚRIGO, 2005, p. 73)
Nos primeiros seis anos de vida as emoções infantis passam a ser mediadas
culturalmente, mediante o desenvolvimento cerebral e a apropriação da linguagem
como função psicológica superior. A partir daí a criança já consegue compreender e
se expressar em diferentes níveis de afetividade, por meio de diferentes formas
comunicacionais, que acarretam transformações também em nível de função
20
cerebral na criança. É nessa etapa evolutiva que se origina a função cortical no
cérebro humano, que adquirirá de modo progressivo, a regulação voluntária do
comportamento e das emoções humanas (MONTE; BÚRIGO, 2005).
O desenvolvimento afetivo se dá durante toda nossa vida. Em sua etapa
inicial, mais especificamente na infância, esse desenvolvimento caracteriza-se pela
labilidade e pela brevidade:
A labilidade e a brevidade nas emoções infantis explicam por que as crianças mudam seu humor radicalmente e com frequência, diversas vezes ao dia, e fazem isso sem um motivo objetivo aparente. Ao disputar um brinquedo, por exemplo, um menino chora intensivamente por alguns minutos e, em seguida, envolvido numa nova brincadeira, dá gargalhadas com a criança que lhe havia tirado o brinquedo. (MONTE; BÚRIGO, 2005, p. 73)
Esta particularidade da atividade cerebral da criança caracteriza-se em
termos de um funcionamento cerebral de predomínio dos processos excitatórios
sobre os inibitórios. Esse predomínio explica também o fato de as crianças
apresentarem um comportamento animado ou agitado e terem dificuldade de
permanecer concentradas em atividades por um longo período, ou seja, quanto mais
novas forem as crianças, menos tempo elas vão conseguir emocionalmente se
envolverem ou permanecerem em determinadas atividades (MONTE; BÚRIGO,
2005).
Percebe-se até então que, dentre as necessidades psicológicas da criança
de 0 a 6 anos de idade, como as de primeira ordem, destacam-se as afetivas. O ser
humano, desde os primeiros meses de vida, desenvolve necessidades afetivas em
relação ao mundo e aos sujeitos que o rodeiam, decorrentes de suas experiências e
vivências que com eles se envolve, levando consigo até a fase adulta (MONTE;
BÚRIGO, 2005).
Pode-se afirmar, então, que o ser humano é um ser afetivo, que é “afetado”
e “afeta” todas as relações que estabelece com o meio e com os sujeitos no
contexto no qual está inserido. Assim, a seguir, abordaremos a afetividade e o seu
papel na construção do sujeito, do ser humano, segundo Wallon.
21
3.1 A AFETIVIDADE E O SEU PAPEL NA CONSTRUÇÃO DO SUJEITO
Henri Wallon, filósofo, médico e psicólogo francês, contribuiu para a
Psicologia com várias teorias e discussões. Nascido em 15 de junho de 1879 em
Paris, onde viveu toda sua vida, pertencia a uma família aristocrata, envolvida em
política, justiça e democracia. Seu avô, de quem herdou seu nome, foi historiador e
um político muito importante para a história da França. Inicialmente, em seus
estudos superiores opta por fazer a Escola Normal Superior e tentar a carreira de
professor de Filosofia, recebendo então uma educação filosófica sólida (SILVA,
2007).
Em 1902, começa a lecionar e após um ano, descontente com a carreira de
professor procura a carreira de medicina, formando-se em 1908. Em seguida se
torna assistente do professor Nageotte (1866-1948), e com ele inicia suas atividades
no Hospital de Bicêtre, tempo depois em Salpêtriére, onde coleta dados para sua
tese de doutorado. Colaborou na Primeira grande Guerra Mundial (1914-1918), o
que causou grande impacto sobre suas ideias quanto ao desenvolvimento infantil e
sobre suas relações entre a emoção e a razão. Cuidou de inúmeros feridos
neurológicos, em especial de soldados afetados por trauma da guerra (SILVA,
2007).
Em suas observações, percebe que havia um maior número e maior
intensidade dos traumas de guerra nos soldados do que em seus superiores,
trazendo a seguinte indagação: “Haveria alguma relação entre a racionalização e
controle emocional que os responsáveis pelas tropas tinham de utilizar-se e a sua
saúde mental futura?” (SILVA, 2007, p.4). E é a resposta a essa pergunta que fará
com que grande parte da produção de Wallon seja construída, procurando mostrar a
função da emoção na psicologia humana que, segundo ele:
[...] ela é composta de reações orgânicas, controladas por centros cerebrais específicos, e caracterizada por transformações corporais visíveis. Tais transformações são os resultados da interação entre as funções tônica e clônica. Sua principal função é mobilizar o meio social. Possibilita o nascimento da consciência e, uma vez que este nasce, opõe-se a ela (SILVA, 2007, p. 04).
22
Em 1920, ele continua seu trabalho de atendimento médico, porém não mais
em hospitais psiquiátricos, mas em um Laboratório de Psicologia em conjunto com
uma escola da periferia de Paris. Nesse mesmo período torna-se presidente da
Sociedade Francesa de Psicologia (1927) e diretor de estudos na École Pratique
Études, prosseguindo com suas pesquisas no laboratório que ele mesmo fundou
(SILVA, 2007).
Desde seus primeiros textos busca produzir uma nova Psicologia. É no ano
de 1934 que irá publicar seu primeiro livro: “As origens do caráter na criança”, sendo
que encontramos neste livro suas principais teses quanto ao desenvolvimento do eu
para o outro e o papel da emoção e do movimento neste desenvolvimento. Após a
publicação do livro, Wallon será eleito para fazer parte do quadro de professores do
Collége de France. Em sua aula inaugural em 1937, afirma que
[...] o vínculo ideal entre psicologia e pedagogia não é de submissão entre as duas disciplinas, mas de interação e fortalecimento mútuo. A psicologia pode oferecer muito à pedagogia, seja propondo teorias mais condizentes com a tarefa de educar, seja esclarecendo os vários estágios e períodos do desenvolvimento pelos quais passa o aluno. Mas a pedagogia, igualmente, pode contemplar o olhar psicológico, fornecendo-lhe não só o material para seu trabalho, mas indicando e problematizando situações não perceptíveis ao psicólogo. (SILVA, 2007, p.08)
Assim, tanto a Pedagogia quanto a Psicologia, para o autor, são
importantes, porém, cada qual com sua especificidade, tanto em relação ao
entendimento sobre quanto à forma de desenvolvimento dos alunos, de forma
integrada. Na sequência, quase no término da guerra, em 1944, Wallon é indicado
como Ministro da Educação do governo da resistência, permanecendo no cargo por
apenas um mês (SILVA, 2007).
A década de 1940 fica marcada pela publicação dos mais importantes livros
de Wallon: “A evolução psicológica da criança (1941); Do ato ao pensamento (1942)
e as Origens do pensamento na criança (1945)” (SILVA, 2007, p. 08). Como não se
bastassem suas produções teóricas, Wallon direcionou-se também noutras frentes:
Foi o responsável pela emenda que introduziu o serviço de psicologia escolar nas escolas públicas francesas (1944); atuou como deputado na Assembleia Constituinte que se configurou logo após a Segunda Grande
23
Guerra (1946); editou a revista Enfance (1948); presidiu a Sociedade Francesa de Educação Nova e está a frente, no mesmo ano, das Jornadas Internacionais de Psicologia da Criança (SILVA, 2007, p.10).
Quanto a sua vida pessoal, sabe-se que não teve filhos, foi casado com
Germaine Anne Roussey Wallon, e após sua morte em 1953, ele sofre um acidente
de carro, sendo atropelado e acaba por passar os anos finais de sua vida na cama.
Desde então se contam cerca de 80 novas publicações até sua morte em 1962
(SILVA, 2007).
A teoria de Wallon é identificada como a Psicologia da pessoa completa, que
visa o desenvolvimento de um saber psicológico que leve em conta a totalidade da
pessoa, cujo método de investigação é o concreto-multi-dimensional, baseado no
materialismo dialético, caracterizado pela comparação de diferentes planos de
atividade (SILVA, 2007).
Henri Wallon foi escolhido como referência fundamental para o
desenvolvimento deste Trabalho de Conclusão de Curso em função de suas ideias e
teorias focalizarem e salientarem o desenvolvimento e o papel da afetividade para a
construção do ser humano, e na relação entre o desenvolvimento cognitivo infantil e
as práticas pedagógicas diárias, principalmente na Educação Infantil.
Dantas (1992), ao abordar a psicogenética de Henri Wallon, afirma que, para
ele, a dimensão afetiva ocupa lugar central tanto para a construção da pessoa
quanto do conhecimento. A autora ressalta que a Teoria da Emoção do autor tem
uma inspiração darwinista, concebendo a emoção como um instrumento de
sobrevivência, característico da espécie humana. Como exemplo, cita o choro de um
bebê, entendido como a primeira manifestação emocional que atua fortemente sobre
a mãe, evidenciando sua contagiosidade e poder. Essa primeira manifestação é
considerada por Wallon (apud DANTAS, 1992) como de função social, pois é por
meio do choro que a criança tem seu primeiro contato com outro indivíduo, no caso
a mãe, fornecendo o primeiro e mais forte vínculo, suprindo a insuficiência cognitiva
no início de sua existência.
A emoção constitui uma conduta na vida orgânica e encontra sua origem na
função tônica. Dantas (1992) considera-a complexa e paradoxal, sendo
simultaneamente social e biológica em sua natureza. A emoção, segundo a autora,
24
realiza a transição entre o estado orgânico do ser e sua etapa cognitiva, que só pode
ser atingida através da mediação cultural, ou seja, social.
A consciência afetiva corresponde à primeira manifestação do ser,
instaurada por um vínculo com o ambiente social, garantindo seu acesso ao
universo simbólico da cultura, proveniente da história do homem, e é ela que vai
permitir a tomada de posse dos instrumentos com os quais trabalha a atividade
cognitiva, ou seja, a criança, por meio de suas primeiras manifestações emocionais,
irá criar um vínculo social de forma primeiramente afetiva, e vai se apropriar da
história e adquirir conhecimentos a partir daí (DANTAS, 1992).
Porém, por outro lado, a afetividade ao longo do tempo perde autonomia
com a maturação cerebral, cultivando com a atividade reflexiva uma relação de
antagonismo, que reflete a oposição entre os dois níveis de funcionamento cerebral:
o subcortical e o cortical. Essa natureza contraditória vem do fato de fazer parte de
dois mundos, no caso o orgânico e o social, tendo como função a transição entre
eles, transformando a emoção em ativação intelectual, e assim ela se reduz
(DANTAS, 1992).
A teoria da emoção pode ser vista de duas maneiras: como dialética, para
melhor dar conta da sua natureza paradoxal, e genética, acompanhando as
mudanças funcionais. Em sua origem, a conduta emocional vai depender de centros
subcorticais que, após a maturação cortical, se tornam capazes de controle
voluntário, ou seja, dependerá da função cerebral que está atuando para que seus
efeitos se direcionem para uma ou outra direção (DANTAS, 1992).
As crianças, sendo seres, em sua essência, emotivos, na convivência e nas
relações que estabelecem com o adulto, manifestam seu contágio emocional. A
emoção é algo visivelmente contagiante, visto que vem de dentro para fora, e pode
ser facilmente percebida na expressão facial ou corporal. A emotividade
corresponde ao grau de insuficiência de meios, ou seja, conforme a criança vai
interagindo com o meio, e adquirindo conhecimento, a tendência é que ela se
reduza. Desde os primórdios na história da espécie humana, a contágio afetivo
supre através da criação de um vínculo a falta de técnicas e dos instrumentos
intelectuais.
25
A emoção traz em si a tendência de reduzir a eficácia do funcionamento
cognitivo, sendo regressiva. Seu comportamento final vai depender de como a
capacidade cortical vai retomar o controle da situação, e se bem sucedido, soluções
inteligentes serão mais facilmente encontradas, e a emoção se reduzirá (DANTAS,
1992).
A autora, nesse contexto, considera a afetividade como uma fase do
desenvolvimento da pessoa, visto que o ser humano logo que saiu da vida orgânica
se tornou um ser afetivo. Desde o início da vida, tanto a afetividade como a
inteligência se encontram sincreticamente misturadas, porém no início há o
predomínio da primeira. Logo acontece a diferenciação entre elas, mas como são
recíprocas entre si, em seu desenvolvimento, elas mantêm um jogo de alternância,
uma repercutindo sobre a outra. A afetividade reduz-se para dar espaço à atividade
cognitiva assim que a maturação põe em ação o equipamento sensório-motor para a
exploração da realidade.
A partir disso é que a história da construção da pessoa se dará por
momentos alternadamente afetivos e cognitivos, integrados um ao outro. A cada
novo momento serão incorporadas aquisições feitas no nível anterior. Significando
que tanto a afetividade quanto a inteligência dependem uma das conquistas da outra
para evoluir. As formas afetivas da criança e do adulto podem se diferenciar, pois
afetividade se desenvolve à margem da racionalidade, com a suposição de que ela
incorpora de fato as construções de inteligência, tendendo a se racionalizar:
No seu momento inicial, a afetividade reduz-se a praticamente as suas manifestações somáticas, vale dizer, é pura emoção. [...] onde as trocas afetivas dependem inteiramente da presença concreta dos parceiros. Depois que a inteligência construiu sua função simbólica, a comunicação se beneficia, alargando o seu raio de ação. Ela incorpora a linguagem em sua dimensão semântica, primeiro oral, depois escrita. A possibilidade de nutrição afetiva por essas vias passa a acrescentar às anteriores, que se reduziam a comunicação tônica: o toque e a entonação da voz. Instala-se o que se poderia denominar de forma cognitiva de vinculação afetiva. Em seu último e grande momento de construção, a puberdade, retorna para o primeiro plano de afetividade que incorporou a função categorial (quando ela se construiu, evidentemente). Nasce então aquele tipo de conduta que coloca exigências racionais às relações afetivas: exigências de respeito recíproco, justiça, igualdade de direitos etc. (DANTAS, 1992, p. 91).
26
No primeiro plano, nos momentos de dominância afetiva está a construção
do sujeito, que se faz pela interação com os outros sujeitos. A integração entre
inteligência e afetividade pode ser transposta para aquela que se realiza entre o
objeto e o sujeito, os quais se alimentam mutualmente um do outro, e a elaboração
do conhecimento vai depender do sujeito e do quadro de desenvolvimento humano
concreto (DANTAS, 1992).
Entende-se, então, que todos somos seres afetivos e que ao nascermos a
afetividade, na forma de emoção, é o que expressamos para o mundo exterior. É ela
que vai suprir nesse primeiro momento a insuficiência cognitiva. Porém, com a
maturação do cérebro, a afetividade se racionaliza, ou seja, ela vai se reduzir, pois
entra em sintonia com o desenvolvimento da pessoa e suas etapas. E é através da
mediação do adulto que a criança, incialmente, irá adquirir a cultura e os
conhecimentos, em consonância com sua afetividade, apropriando-se do mundo que
a envolve. Sendo assim, torna-se importante, aprofundarmos como se dá o processo
de desenvolvimento afetivo e cognitivo, de acordo com Wallon.
3.2 DO ATO MOTOR AO ATO MENTAL
O bebê humano, ao nascer dispõe, apenas de alguns recursos para
sobreviver; seu sistema nervoso autônomo (SNA) já está suficientemente
desenvolvido para regular a respiração, os ciclos de sono e vigília e o bombeamento
sanguíneo pelo coração, em contrapartida ainda não estão bem desenvolvidos o
controle da temperatura e o sistema postural, garantidos pela função tônica (SILVA,
2007).
A criança age de maneira impulsiva nesse período, e apesar de seus
movimentos serem limitados pela falta de maturação neurológica, já expressam suas
primeiras emoções. Por esse fato, o bebê humano age a princípio sobre o meio
humano, para mais tarde direcionar-se ao mundo físico. Na medida em que o
comportamento da criança vai se aprimorando e o conjunto de reações emocionais,
como o choro, raiva, sono, riso, entre outros, vai se delimitando com mais clareza e
estabilidade, a criança, ao mesmo tempo, passa a controlar seus movimentos,
27
adquirindo uma intenção e expressividade sobre eles, e a construir a consciência de
si (SILVA, 2007).
A consciência não é um elemento original, ela não está presente desde o
primeiro momento, mas é o resultado da síntese dialética derivada da maturação, do
social e da experiência pessoal dessas duas, permitindo ao bebê utilizar-se dela de
forma mais instrumental, ou seja, não é qualquer ação que se transformará no
símbolo, mas sim o gesto ou o ato carregado de intenção, por isso denominado
também expressivo. Em conformidade com Silva (2007, p. 16),
O gesto prefigura o símbolo, assim o grito prenuncia a palavra. Entre um e outro, contudo, existe filiação e oposição. A criança terá de desenvolver sua capacidade de controlar os gestos e movimentos para que a representação simbólica apareça. Mas, para que a transição entre o motor e o representacional ocorra, é preciso ainda que surja uma nova função psicológica: a função simbólica.
Wallon não consegue dissociar a motricidade do conjunto do funcionamento
da pessoa. Por meio da aquisição crescente do domínio dos signos culturais, a
motricidade tende a se reduzir em sua dimensão, e virtualiza-se em ato mental.
Assim, sem deixar de ser atividade corpórea, o ato mental se desenvolve a partir do
ato motor e passa a inibi-lo (DANTAS, 1992).
O seguimento psicogenético de aparecimento dos diferentes tipos de
movimento acompanha o passo da maturidade das estruturas nervosas:
Imediatamente, após o nascimento, período que se poderia denominar medulobulbar, a motricidade disponível consiste, além de reflexos, apenas em movimentos impulsivos, globais, incoordenados. Sua completa ineficácia (são capazes sequer de fazer o recém-nascido sair de uma posição incômoda) os fez ignorados. A partir deles, porém, evoluirão os movimentos expressivos, forma primeira, mediada, de atuação. Esta etapa impulsiva da motricidade dura aproximadamente três meses; daí até o final do primeiro ano, o amadurecimento das estruturas mesoencefálicas do sistema extrapiramidal, aliado a resposta social do ambiente, sob forma de interpretação do significado (bem-estar e mal-estar) dos movimentos, introduzirão a etapa expressivo-emocional. A maior parte das manifestações motoras consistirão em gestos dirigidos às pessoas (apelo): manifestações, agora cheias de nuances, de alegria, surpresas, tristeza, desapontamento, expectativa etc. (DANTAS, 1992, p.39).
Neste cenário, no comportamento infantil, percebe-se o predomínio dos
gestos instrumentais, que é quando se inicia o estabelecimento da maturidade
28
cortical tornando aptos os sistemas necessários à exploração direta sensório-motora
da realidade, no caso a marcha, a preensão e a capacidade de investigação ocular
sistemática. Isso acontece mais especificamente no segundo semestre, no final do
primeiro ano. Por outro lado, os desenvolvimentos dessas competências acontecem
lentamente:
[...] no início do primeiro ano, o ser está à mercê das suas sensações internas, viscerais e posturais. A exploração da realidade exterior só será possível quando o olho e a mão adquirirem capacidade de pegar e olhar praxicamente. O reflexo de preensão será substituído, por volta do segundo trimestre, por uma preensão voluntária, ainda muito tosca: a chamada preensão palmar, em que a mão se fecha em torno do objeto sem fazer uso da oposição entre o polegar e os outros dedos, vantagem da espécie humana. Alguns meses depois, esta oposição se inicia, mas de forma tosca. A chamada preensão em pinça, em que polegar e indicador se opõe e complementam, só é adquirida por volta dos nove meses (DANTAS, 1992, p. 40).
Porém, a competência no uso das mãos só está completa quando, ao final
do primeiro ano, se forma a bilateralidade, e as duas mãos adotam uma ação
complementar, em que cabe à dominante a iniciativa, e a não dominante uma
atividade auxiliar. O despertar da competência visual é lento em igual, pois depois
dos reflexos pupilares, com os quais se nasce, percebe-se o aparecimento da
capacidade de fixar e acompanhar um móvel voluntariamente. No começo apenas
as trajetórias mais simples, horizontais, meses depois as verticais, e, perto do final
do primeiro ano as circulares, sendo estas apenas as práxis básicas, próprias de
cada cultura (WALLON, apud DANTAS, 1992).
Nessa perspectiva, essas competências básicas de pegar e olhar não são
suficientes para a exploração autônoma da realidade, elas necessitam da
possibilidade de andar, para dar entrada ao período sensório-motor, e em conjunto
adentrarem à etapa dominantemente práxica da motricidade (DANTAS, 1992).
A função simbólica é consequência do desenvolvimento orgânico, e é ela
que permite a possibilidade da passagem entre um pensamento concreto e outro
abstrato ou representativo. Nos casos em que a função simbólica está ausente, o
sujeito não saberá relacionar um objeto com seu respectivo signo ou representante.
(SILVA, 2007)
29
Ainda assim o fato de a função simbólica surgir por volta dos dois anos de
idade não vai garantir que o pensamento representativo esteja em completo
funcionamento. É fundamental que a representação, como último e principal passo,
garantida pela função simbólica, ao tomar corpo por meio da linguagem aprenda a
se configurar no espaço-tempo mental, pois, com a inteligência concreta
[...] a noção de espaço já havia sido conquistada, mas agora a linguagem introduz uma nova noção espacial. As palavras devem ocupar uma sequência, um ritmo, para se adequarem ao intercâmbio social. Embora as duas inteligências sejam de naturezas distintas, opondo-se espaço concreto e espaço mental, têm, ambas, um terreno comum: a intuição espacial. É nesse terreno, portanto, que são solidárias. (SILVA, 2007, p. 17)
A criança passa por um longo caminho até a construção no uso das palavras
e das frases. No começo o bebê parece entender várias frases e palavras, mesmo
sem poder pronunciá-las, o que mostra uma impregnação da linguagem e uma
relação com seus aspectos global e afetivo, deixando em segundo plano seus
elementos constitutivos, como a palavra, a imagem, etc. Mais tarde, a criança passa
a enunciar suas primeiras palavras-frase, e em seguida aprende a distribuir no
tempo o que sentiu e o que pensou. Por um bom período a criança saberá falar
somente frases justapostas e sem conexão entre si, existindo entre a palavra e o ato
uma espécie de solidariedade e oposição.
Solidariedade, pois ambos deverão resolver o problema da colocação no espaço-tempo. Oposição porque um é dado pelo concreto e é gerido pelo sujeito, o outro deve submeter-se ao crivo social, que é ao mesmo tempo cultural e histórico. Os dois estão presentes no decorrer do desenvolvimento, mas, no momento de transição, é preciso que os conflitos sejam resolvidos. É o nascimento do pensamento representativo (SILVA, 2007, p. 17).
Desse modo, a passagem entre a inteligência concreta e o pensamento
simbólico se dá pela transformação e complexificação do ato motor, que se opõe a
outra função, a representação, que é, segundo Wallon (apud SILVA, 2007),
garantida pela função simbólica, porém desenvolvida somente no contexto social.
Esse percurso, do ato motor ao ato metal, é marcado por antagonismos e
contradições, pois no início o ato é sincrético, depois vai ganhando competência na
30
sua utilização no uso do espaço, a ponto de poder resolver os novos problemas que
possam surgir. Portanto, são subsídios da maturação orgânica: o “Ato motor,
proficiência no uso do espaço concreto, gesto, simulacro, imitação, proficiência no
uso de signos e sua correta utilização no espaço mental, representação mental ou
pensamento.” (SILVA, 2007, p.18) Todos esses aspectos são subsídios que se
seguem e se intercalam, em uma sequência não linear, derivada da organização
biológica e psicológica, que respondem a uma maturação orgânica, buscando em
cada momento a formação da pessoa.
Com o entendimento o ato motor se transforma em ato mental, fica clara a
importância de se compreender como emergem, por meio do ato mental, as fases da
inteligência.
3.2.1 As fases da inteligência
A inteligência é vista como meio de interlocução para o desenvolvimento da
pessoa, ou seja, ocupa lugar de meio ou de instrumento disponível à ampliação
daquela. Na construção mútua sujeito e objeto, afetividade e inteligência alternam as
preponderâncias do consumo de energia psicogenética. No primeiro ano de vida,
dominam as relações emocionais com o ambiente e o acabamento da
embriogênese, tratando-se nitidamente de uma fase de construção do sujeito, e o
trabalho cognitivo está latente e ainda indiferenciado da atividade afetiva (DANTAS,
1992).
Esse fato consiste na preparação das condições sensório-motoras, ou seja,
olhar, pegar, andar, etc., que na passagem do segundo ano de vida irá permitir a
exploração intensa e sistemática do ambiente. Momento em que a inteligência
poderá se destinar à construção da realidade, e que ao requerer certo alcance de
diferenciação se tornará aquilo que Wallon (apud DANTAS, 1992) denominou como
inteligência prática ou das situações, conhecida como sensório-motora.
Em conjunto, quase no final do segundo ano de vida, a função simbólica,
nutrida pelo meio humano, aparece na fala e nas condutas representativas,
confirmando uma nova forma de relação com o real, que emancipará a inteligência
31
do quadro perceptivo imediato. Esta função é frágil no começo e se apoia ainda por
muito tempo nos gestos que a transportam, “projeta-se” em atos, por isso Wallon
denominou de período sensório-motor e projetivo (DANTAS, 1992).
Em consonância com a função simbólica e a linguagem, surge o
pensamento discursivo, mantendo com aquela uma relação de construção mútua.
Wallon (apud DANTAS, 1992) obteve as primeiras manifestações de diálogos
sustentados por crianças com idade a partir dos cinco anos, e denominou-os de
sincretismo. Este refere-se não só aos conteúdos como os processos do
pensamento inicial, mas aos próprios mecanismos de assimilação e oposição, que
são indiferenciados, de maneira que duas coisas são respectivamente assimiladas e
contrapostas, como exemplo: “[...] o sol é o céu, mas não são a mesma coisa.”
(DANTAS, 1992, p. 42)
Depois da latência cognitiva que acompanha os anos pré-escolares,
ocupados com a tarefa de reconstruir o eu no plano simbólico, a inteligência poderá
se beneficiar com o resultado da redução do sincretismo, se aquele processo for
bem sucedido, e: [...] “o trabalho será uma nova superação do sincretismo, agora no
plano do pensamento, do discurso, do objeto.” (DANTAS, 1992, p. 42)
A função da inteligência, tanto para o adulto como para a criança, reside na
explicação da realidade, neste explicar está envolvido duas grandes dimensões, a
diferenciação e a integração, das quais se organizam os diálogos que compõem a
investigação walloniana. Essas dimensões permitirão subtrair os objetos à confusão
sincrética e, assim, estabelecer entre eles uma rede de relações clara. “É esta trama
relacional que, [...] constitui a explicação das coisas” (DANTAS, 1992, p. 43).
Explicar pode ter dois seguimentos: o de estabelecer condições de necessidade de
um fato, ou ainda de determinar condições de existência.
Entre os cinco e nove anos se constata uma tendência à redução do
sincretismo, permitindo o surgimento de uma forma mais diferenciada do
pensamento, que Wallon (apud DANTAS, 1992) chamou de categorial. Esta
encontra-se próxima da noção do “conceitual”; contém em si a qualidade
diferenciada da coisa em que se apresenta, tornada categoria abstrata, importante
para a definição, consequentemente para a elaboração de conceitos.
32
Dantas (1992) distingue que de todas as diferenciações que se processam,
esta é a mais importante, porque só ela permitirá a atribuição das qualidades
específicas de um objeto, tornando-o assim diferente dos outros, sem carregar
consigo os demais atributos do objeto em que aparece.
Quanto ao sincretismo, Wallon (apud DANTAS, 1992) faz um alerta sobre a
necessidade de preservá-lo e de discipliná-lo, visto que dele depende a
possibilidade de combinações inteiramente novas e originais de ideias, pois segundo
ele, é através do sincretismo que surge o pensamento criador.
Na sequência, abordaremos de forma mais sistematizada as etapas de
desenvolvimento, esboçadas acima, propostas pelo autor, para uma melhor
compreensão do processo de construção da pessoa completa.
3.3 ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COMPLETA – UMA VISÃO
WALLONIANA
No desenvolvimento do ser humano pode-se identificar etapas muito
diferentes, derivadas de necessidade e interesses, que lhes garantem consistência e
integração, em uma ordem fundamental preparando cada uma para o alcance da
próxima. O estudo da criança, nesse sentido possibilita perceber que em cada idade
ela constitui um tipo particular de interação com o ambiente, e é ele que vai formar o
contexto do seu desenvolvimento, e esse meio, não sendo uma unidade estática e
homogênea, vai se transformar junto com a criança (GALVÃO, 1995).
A psicogenética walloniana encara o desenvolvimento como uma simples
adição de sistemas progressivamente mais complexos que resultariam da
reorganização de elementos presentes desde o início, e a passagem de um estágio
para o outro seria uma reformulação, podendo afetar a conduta da criança. Nesse
sentido, o desenvolvimento infantil é um processo pontuado por conflitos de origem
exógena e de natureza endógena:
Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e cultura. De natureza endógena, quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa. Até que se integrem aos centros responsáveis por seu controle, as funções recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a exercícios de si mesmas, em atividades desajustadas das circunstâncias
33
exteriores. Isso desorganiza, conturba, as formas de conduta que já tinham atingido certa estabilidade na relação com o meio. (WALLON apud GALVÃO, 1995, p. 42).
Assim, os conflitos são propulsores do desenvolvimento, sendo que a
contradição é constitutiva do sujeito e do objeto. O desenvolvimento da pessoa é
uma construção progressiva em que se sucedem fases com predominância
alternadamente afetiva e cognitiva. Esses estágios correspondem ao: impulsivo-
emocional, sensório-motor e projetivo, personalismo, categorial, e da
puberdade/adolescência. Em cada estágio há predominância de um tipo de
atividade, correspondentes aos recursos que a criança tem para interagir com o
ambiente (GALVÃO, 1995).
Nas primeiras semanas de vida, os desempenhos do bebê são dominados
pelas funções de ordem fisiológica: a respiração, o sono, a fome e um sentimento
confuso do seu próprio corpo. Os primeiros movimentos desordenados identificados
na criança acontecem no ato de nutrição, que os reúnem e orientam. A criança
começa a estabelecer relações entre seus desejos e as circunstâncias exteriores a
partir dos três meses, que é quando o reflexo condicionado se torna possível. Pode-
se perceber a partir daí o aparecimento do sorriso, considerado como sinal do
despertar da criança (GALVÃO, 1995).
Aos seis meses já se percebe que a criança consegue traduzir suas
emoções, possibilitando-lhe uma maior interação com o meio humano,
principalmente em relação à troca. É um período emocional, impulsivo-emocional,
como Wallon (apud GALVÃO, 1995) denominou esse estágio, em que a emoção cria
um vínculo mais forte com os outros indivíduos, tratando-se no momento apenas de
uma participação total, de uma absorção no outro, inesgotável.
No estágio impulsivo-emocional,
[...] que abrange o primeiro ano de vida, o colorido peculiar é dado pela emoção, instrumento privilegiado de interação da criança com o meio. Resposta ao seu estado de imperícia, a predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, as quais intermediam sua relação com o mundo físico; a exuberância de suas manifestações afetivas é diretamente proporcional a sua inaptidão para agir diretamente sobre a realidade exterior. (GALVÃO, 1995, p. 43)
34
A partir dos nove meses, aproximadamente, surge uma nova etapa, a
sensório-motora, que é caracterizada pelo estabelecimento das ligações necessárias
entre as sensações e os movimentos. Nesse sentido, “[...] a voz apura o ouvido, e o
ouvido modula a voz; a mão da criança desloca e segue com os olhos distribui os
primeiros pontos de referência no campo visual” (GALVÃO, 1995, p. 117).
O segundo ano de vida é caracterizado pela época da marcha e da
aquisição de linguagem e, ao aprender a andar, a criança vai se libertar da sujeição
em que se encontrava até então, ao seu meio familiar. Com isso a criança cria
inúmeras possibilidades como de se deslocar, o que até aí não acontecia, de ir e vir,
alcançar ou mesmo ultrapassar objetos, etc. (GALVÃO, 1995).
Quanto à linguagem, em seu início, é subjetiva e optativa, porém realista. A
palavra, pela qual a criança cria certo interesse, é para ela algo muito diferente de
um símbolo ou um rótulo posto no objeto, é como se fosse o próprio objeto sob um
de seus aspectos essenciais, e com ela surge a possibilidade de objetivação de
desejos (GALVÃO, 1995), ou seja:
A permanência e a objetividade da palavra permitem a criança apartar-se de suas motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma experiência, antecipar, combinar, calcular, imaginar, sonhar. (GALVÃO, 1995, p. 118).
A linguagem, em conjunto com a marcha, conduz a criança ao mundo dos
símbolos. Assim, no estágio sensório-motor e projetivo, que vai do primeiro até o
terceiro ano de vida, o interesse da criança se volta para
[...] a exploração sensório-motora do mundo físico. A aquisição da marcha e da preensão possibilitam-lhe maior autonomia na manipulação de objetos e na exploração de espaços. Outro marco fundamental deste estágio é o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo “projetivo” empregado para nomear o estágio deve-se à característica do funcionamento mental neste período: ainda nascente, o pensamento precisa do auxílio dos gestos para se exteriorizar, o ato mental “projeta-se” em atos motores. Ao contrário do estágio anterior, neste predominam as relações cognitivas com o meio (inteligência prática e simbólica). (GALVÃO, 1995, p. 44)
No que tange à faixa etária dos três aos seis anos, há a emergência do
estágio do personalismo, no qual o processo de formação central é o da
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personalidade. A personalidade infantil não está inteiramente diferenciada, a criança
dentro de sua família não sabe distinguir muito bem sua própria pessoa na posição
que ocupa entre os demais membros do grupo familiar, fator muito importante para a
formação da personalidade da criança. Assim, a construção da consciência de si,
derivada das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas,
retornando a predominância das relações afetivas (GALVÃO, 1995).
A “crise de personalidade” leva a criança para um novo esforço de
libertação, emergindo a necessidade de autoafirmação, de impor seu ponto de vista
pessoal. Nessa idade a criança fica mais atenta à propriedade, quer que ponham
seu nome no objeto possuído, quer guardar para si seus brinquedos (GALVÃO,
1995).
Em consonância, seu nome, sua idade, seu domicílio, tornam-se imagens de
sua pequena personagem, fazendo deles testemunhas de seus próprios
pensamentos. Nessa mesma época surge a necessidade de imitação, e a criança
tenta imitar para tomar o lugar do outro (GALVÃO, 1995).
Por volta dos quatro anos a criança passa a ficar mais atenta às suas
atitudes e comportamento. É quando surge a timidez, pois a criança percebe o efeito
que pode causar no outro, “[...] já apta para observar, ela se dispersa menos e
prossegue com mais calma e perseverança uma ocupação empreendida.”
(GALVÃO, 1995, p.119).
Nessa idade, as relações afetivas entre a criança e seu meio familiar
adquirem uma forma muito precisa, tendo muitas exigências afetivas, e do ponto de
vista cognitivo, ela já se tornou capaz de classificar e distribuir os objetos conforme
certas categorias genéricas, como de cores, formas, dimensões entre outros.
Após o estágio do personalismo, surge o estágio categorial, iniciado por
volta dos seis anos de idade, que é quando já aconteceu a consolidação da função
simbólica e da diferenciação da personalidade, trazendo importantes avanços no
plano da inteligência. Os interesses intelectuais encaminham o interesse da criança
para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior, transpondo
suas relações para o meio, com predomínio do aspecto cognitivo (GALVÃO, 1995).
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Dos seis aos doze anos o plano intelectual é aquele em que o sincretismo
recua ante a análise e síntese, ou seja, as categorias intelectuais dissolvem e
pulverizam aos poucos o global primitivo. A criança aproxima-se da objetividade da
percepção e do pensamento dos adultos (GALVÃO, 1995).
Já no estágio da adolescência, a crise pubertária rompe a “tranquilidade”
afetiva que caracterizou o estágio categorial anterior e impõe uma nova necessidade
de significado dos contornos da personalidade, desestruturados devido às
modificações corporais resultantes da ação hormonal. Este processo traz a tona
questões pessoais, morais e existenciais, numa retomada da predominância da
afetividade. No plano intelectual, o adolescente supera o mundo das coisas para
adentrar no mundo das leis (GALVÃO, 1995).
Como pode ser observado, nesses estágios há momentos
predominantemente afetivos, isto é, subjetivos e de acúmulo de energia, que
sucedem outros que são predominantemente cognitivos, objetivos e de dispêndio de
energia, é o que Wallon chama de predominância funcional (GALVÃO, 1995).
Na passagem de um estágio para outro existe uma forma de alternância
entre as atividades que assumem o predomínio em casa fase, e inverte-se a
orientação da atividade e do interesse da criança: do eu para o mundo, das pessoas
para as coisas – o que caracteriza o princípio da alternância funcional. E, apesar de
alternarem a dominância, afetividade e cognição não se mantêm como funções
exteriores uma à outra (GALVÃO, 1995).
Em cada estágio existe uma forma de afetividade diferenciada, que vai
predominar conforme o interesse e o estágio que se vivencia, e uma vai incorporar
na outra as conquistas realizadas, construindo e reorganizando um grande processo
de integração e diferenciação. A afetividade, em cada estágio, adquiri uma
característica diferente, assim temos:
[...] no primeiro estágio da psicogênese, uma afetividade impulsiva, emocional, que se nutre pelo olhar, pelo contato físico e se expressa em gestos, mímica e posturas. A afetividade do personalismo já é diferente, pois incorpora os recursos intelectuais (notadamente a linguagem) desenvolvidos ao longo do estágio sensório-motor e projetivo. É uma afetividade simbólica, que se exprime por palavras e idéias e que por esta via pode ser nutrida. A troca afetiva, a partir desta integração pode se dar à
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distância, deixa de ser indispensável a presença física das pessoas. Em seguida, integrando os progressos intelectuais realizadas no estágio categorial, a afetividade torna-se cada vez mais racionalizada – os sentimentos são elaborados no plano mental, os jovens teorizam sobre suas relações afetivas. (WALLON apud GALVÃO, 1995, p. 45)
Wallon entende que essa construção recíproca se dá pelo princípio da
integração funcional, retirado do processo de maturação do sistema nervoso, no
qual as funções mais evoluídas, de amadurecimento mais recente, não suprimem as
mais antigas, mas exercem controle sobre elas, adaptando as reações às
necessidades da situação. Essa integração funcional não é definitiva, visto que ora
encontra-se voltado para o exterior ora para si próprio (GALVÃO, 1995).
Conclui-se até aqui que, para Wallon, a afetividade, no decorrer da vida
humana, desenvolve-se por meio de estágios e, em cada estágio, tanto a afetividade
quanto a cognição (que se nutrem reciprocamente), caminham em conjunto, porém
alternando seu predomínio – ora a afetividade se sobrepõe ora a cognição – e
criando novas características a cada passagem, de um estágio para o outro. Nesse
sentido, torna-se fundamental entender como os conflitos, que são gerados na
busca da diferenciação entre o EU e o OUTRO, decorrentes de cada estágio do
desenvolvimento, afetam a construção da pessoa completa.
3.3.1 Conflitos eu-outro e a construção da pessoa
Galvão (1995) afirma que, ao buscar enfocar o ser humano por uma
perspectiva global, a psicogenética walloniana identifica a existência de alguns
campos funcionais que agrupam a diversidade das funções psíquicas e nos quais se
distribui a atividade humana, os campos da afetividade, o ato motor e a inteligência.
A pessoa é o todo que integra estes três campos, sendo ela própria outro campo
funcional.
Ao longo do desenvolvimento ocorrem sucessivas diferenciações entre os
campos e no interior de cada um. Segundo a autora, aparecem pouco diferenciados
no início, mas aos poucos vão adquirindo independência um do outro, constituindo-
se domínios distintos de atividades.
38
No estado inicial da consciência, confundem-se o próprio sujeito e a
realidade exterior. E até que a criança saiba reconhecer sua personalidade,
diferenciando si própria dos outros, encontra-se em um estado de dispersão e
indiferenciação, percebendo-se como fundida às situações e circunstância, ou seja,
enquanto a criança não consegue se diferenciar, reconhecendo o Eu e o OUTRO,
ela permanece nesse estado. Porém, a partir da interação com o objeto e com ela
mesma a criança torna-se capaz de se reconhecer.
É pela interação com os objetos e com seu próprio corpo – em atitudes como colocar o dedo nas orelhas, pegar os pés, segurar a mão com a outra – que a criança estabelece relações entre seus movimentos e suas sensações e experimenta, sistematicamente, a diferença de sensibilidade existente entre o que pertence ao mundo exterior e o que pertence a seu próprio corpo. Por essas experiências torna-se capaz de reconhecer, no plano das sensações, os limites de seu corpo, isto é, constrói-se o recorte corporal. (GALVÃO, 1995, p. 50).
Sendo essa uma etapa da formação do eu corporal. A partir do momento
que a criança consegue fazer a diferença entre o eu e o outro, ela amplia esse
desenvolvimento, podendo desenvolver interesses pessoais, posteriormente sociais,
com a passagem de uma consciência estritamente individual a uma consciência
social, aberta, à representação do outro e capaz de relações de reciprocidade. Essa
etapa corresponde à integração do corpo das sensações ao corpo visual, ou seja, a
junção do corpo tal como sentido por ele próprio com a sua imagem vista pelos
outros (GALVÃO, 1995).
Após a construção do eu corporal, há a condição para a construção do eu
psíquico, que é a tarefa central do estágio personalista (já elucidado anteriormente):
No período anterior à apropriação da consciência de si, a criança encontra-se num estado de sociabilidade sincrética. O adjetivo sincrético é utilizado para designar as misturas e confusões a que está submetida a personalidade infantil. Indiferenciada, a criança percebe-se como que fundida nos objetos ou nas situações familiares, mistura a sua personalidade à dos outros, e a destes entre si (GALVÃO, 1995, p.51)
Para melhor entendimento desse estado de indiferenciação eu-outro/mundo
externo, a Galvão (1995) cita três exemplos dados por Wallon: o primeiro exemplo
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fala de uma criança de dois anos e meio que toda vez que ouvia o barulho de um
copo quebrando, olhava consternada para as mãos e colocava-se em posição de
defesa. Sua reação dava impressão de que se achava culpada pela quebra do copo,
o que de fato havia ocorrido uma vez, ou seja, bastava que se repetisse uma
situação semelhante para que novamente se sentisse culpada.
O segundo exemplo é o de um menino com pouco mais de três anos, o
caçula de uma família até que a mãe tem outro filho. Nos dias que se seguem ao
nascimento da irmãzinha, o menino mudou visivelmente sua forma de agir:
comporta-se como se fosse a irmã a mais velha, referindo-se a si pelo nome desta e
dando a ela outro nome. O garoto, ao ver alterado o lugar que ocupava na família,
assume uma nova personalidade. O terceiro exemplo é o de uma menina de dois
anos e nove meses que pergunta para a mãe, após ouvi-la cantar tal como fazia a
governanta, se ela era a governanta: “Você é uma Elsa?” (GALVÃO, 1995).
Nesses três exemplos, a consciência de si está inacabada e a personalidade
se apresenta como noção sem contornos definidos, sincrética. É no terceiro ano de
vida, ainda segundo Galvão (1995), que há o início da reviravolta nas condutas da
criança nas suas relações com o meio, adotando um ponto de vista unilateral e
exclusivo, o seu, o de uma personalidade particular e constante, com sua própria
perspectiva, e distinguindo os outros com referência a ela própria. Essa etapa
caracteriza-se por uma verdadeira crise, com frequentes conflitos interpessoais, e a
criança opõe-se ao que ela distingue como diferente dela, na busca de testar sua
independência de personalidade que acabara de conquistar.
O que acontece é que nessa busca por superioridade pessoal, ela acaba por
ter atitudes que podem ser interpretadas como agressivas, pois o exercício de
oposição junto do progresso da função simbólica permite que a criança deixe de se
confundir com tudo o que dela participa, ganha autonomia e passa a não ser
modificada facilmente pelos acontecimentos (GALVÃO, 1995).
Na sucessão de conflitos interpessoais que marca o estágio personalista, a
expulsão e incorporação do outro são movimentos complementares e alternantes no
processo de formação do eu. Para Galvão (1995), a oposição, manifestando-se de
forma concentrada no estágio do personalismo (e na adolescência) mantém-se
40
como um importante recurso para a diferenciação do eu. Assim, para Wallon (1975,
p. 159): “O socius ou outro é um parceiro perpétuo do eu na vida psíquica”, pois
mesmo na vida adulta os indivíduos se veem em torno das barreiras entre o “eu e o
outro”, que podem se desfazer facilmente conforme as circunstâncias de situações
específicas, como dificuldades e cansaço, citadas por Galvão (1995).
Devido ao fato de sermos inicialmente seres totalmente afetivos, deve-se
levar em conta como as nossas práticas diárias interferem no desenvolvimento
cognitivo da criança pequena. Essas práticas devem ter em sua essência o
desenvolvimento da criança por meio da afetividade, pois esta é o ponto de partida
para que a criança se interesse e se aproprie do conhecimento nas relações que irá
estabelecer com o adulto e com o meio.
As emoções, principalmente na primeira infância, devem ser trabalhadas no
cotidiano de forma que a criança se sinta segura, amada, acolhida, bem cuidada,
etc., para que assim se desenvolva globalmente. Portanto, é de fundamental
importância que as práticas pedagógicas diárias sejam revistas constantemente, de
modo que o adulto/educador tenha a sensibilidade de observar as reais
necessidades da criança pequena, e adeque seus encaminhamentos metodológicos
de acordo com tais necessidades e interesses, como veremos no capítulo a seguir.
41
4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Neste capítulo serão realizadas algumas considerações sobre as práticas
pedagógicas no ambiente escolar da Educação Infantil e como a compreensão das
condutas infantis e de suas fases de desenvolvimento podem contribuir para uma
melhor atuação dos profissionais nas relações que estabelecem com as crianças.
No dia a dia, o adulto em seu ambiente de trabalho, dentro da Instituição de
Educação Infantil, possui uma rica convivência com as crianças, o que oportuniza
conhecê-las, e juntos conhecerem o mundo que os rodeia, complementando as
ações da família:
A instituição não é uma família. No entanto, é familiar, afetuosa, cuidadosa, tem suas próprias leis, sua rotina, sua organização, suas escolhas, seus objetivos, visando o bem-estar das crianças, de modo que se sintam seguras e orientadas no período em que convivem com outras crianças e com os adultos que, coletivamente somam esforços para atendê-las da melhor maneira possível. (CRAIDY, 1998, p. 31)
Esse fato envolve todos que trabalham dentro da instituição, sejam eles:
pessoal da cozinha, limpeza, professores, gestores, secretária, pessoal da
manutenção, entre muitos outros. Ao se encontrarem inseridos nesse contexto
escolar, devem prestar um atendimento e uma convivência de qualidade tanto para
as crianças quanto para os adultos que ali estão presentes, cada um dentro de sua
especificidade (CRAIDY, 1998).
É no cotidiano, através da convivência com as crianças que surge a
possibilidade de conhecê-las melhor, reconhecer seus desejos, vontades,
necessidades, e auxiliá-las no seu reconhecimento, no do outro, que também
convivem com ela, e as suas necessidades e as do outro. Além disso, se torna
fundamental que o adulto consiga promover atitudes em que as crianças se sintam
seguras, confiantes, queridas, desafiadas, orientadas de modo que ambos se
tornem companhias prazerosas e estimulantes reciprocamente (CRAIDY, 1998).
Não somente os profissionais inseridos no contexto escolar, mas em
conjunto, as propostas pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem
respeitar Princípios Básicos, Éticos, Políticos e Estéticos, fundamentais para as
42
crianças, com o intuito de promover seu desenvolvimento de forma integral e
significativa:
Éticos: da autonomia, da responsabilidade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. (BRASIL, 2009b, p. 16)
A criança deve ser vista como figura central do processo de ensino-
aprendizagem, e as práticas pedagógicas devem acontecer de maneira que a
criança tenha possibilidade de viver experiências, compreendendo o mundo de
forma significativa.
É nesse período, da Educação Infantil, que a criança é ainda muito
dependente do adulto para o seu desenvolvimento, nos aspectos cognitivo, afetivo e
motor, e na busca pela aquisição de sua autonomia através da mediação desses
aspectos. É importante que as Instituições de Educação Infantil, em conjunto com
seus profissionais e práticas pedagógicas favoreçam o desenvolvimento e a
apropriação de conhecimentos, valores, procedimentos, e atitudes, e ao mesmo
tempo, promovam o bem estar das crianças, por meio de atendimento direcionado
às suas necessidades básicas, dentro de um clima afetivo. Dessa forma todos os
envolvidos estarão contribuindo para que a criança aprenda e se desenvolva
(SALLES; FARIA, 2007).
Nesse sentido, Wallon, ao estudar a criança e seu desenvolvimento, trouxe
importantes contribuições quanto às formas de se compreender suas condutas no
ambiente escolar e na maneira de olhá-la. A sua proposição de que o ser humano se
constrói através da interação social causa grandes consequências para o
entendimento da escola, dos sujeitos em formação e de seus processos (GALVÃO,
2003, p. 82):
[...] sujeitos concretos e contextualizados, os alunos têm na escola e na família, entre outros ambientes concretos ou simbólicos com os quais interagem, meios nos quais se constituem. A consideração da complexidade
43
das relações que se estabelecem entre o sujeito e os meios nos quais se insere impõe, no mínimo, que se tenha prudência nos julgamentos tão peremptórios e automáticos que a escola costuma fazer de seus alunos, o que se agrava, é claro, nos julgamentos negativos, quando facilmente se elege determinantes únicos – por exemplo, a qualidade “degradada” do ambiente familiar – como responsáveis por distúrbios de comportamento e aprendizagem.
Não é só o contexto familiar o responsável pelas dificuldades que a criança
apresenta, deve-se levar em conta também que a criança interage em vários
ambientes sociais, e não deve ser pré-julgada. O ambiente escolar ao impor a
responsabilidade de comportamentos entendidos como problemáticos a um fator
único e externo a ele priva seu próprio meio de qualquer participação na construção
do “problema” em pauta, e se afasta da possibilidade de lidar com o mesmo, que
dependeria de uma atuação de um elemento externo. Entretanto, a escola deve ser
vista não como uma entidade poderosa e isolada de um contexto social maior, mas
também de responsabilidade e participação do processo de formação dos indivíduos
(GALVÃO, 2003).
Um exercício habitual e constante a ser feito pelas escolas é a reflexão
sobre as possibilidades de interação social oferecidas, acoplando interações entre
as próprias pessoas, destas com o conhecimento e outras obras da cultura. Dentro
disso, a perspectiva de Wallon propõe quebrar com falsas verdades que a escola
aceita, como exemplo: que para um bom desempenho intelectual, o estado afetivo
deve ser saudável, ligando geralmente a dificuldade de aprendizagem a um distúrbio
afetivo, no caso a vida familiar (GALVÃO, 2003). Ressaltando-se que a família não é
a única responsável pela dimensão afetiva do aluno, existem muitos outros fatores
que podem influenciar no seu desempenho intelectual, como por exemplo: o
ambiente em que está inserido pode não lhe ser agradável ou atrativo, fazendo com
que não tenha o interesse pelo aprendizado; ou algum colega ou, até mesmo, o
próprio professor/educador.
Ao analisar o real significado das interações, algumas condutas que, muitas
vezes, são vistas como desacordo com o esperado e entendidas de maneira errada
pelo adulto, podem ter um sentido positivo e necessário na interação que se
estabelece com a criança:
44
[...] a troca de olhares ou de gestos, ou ainda as consequências da exuberância expressiva da criança em sua relação com os objetos do mundo físico, nem sempre utilizados com a função ou do modo específico que a conduta adulta define. Essa apuração no olhar traz um refinamento no modo de compreender o movimento que deixa de ser visto somente como transgressão e potencial turbulência, passando a ser compreendido como dimensão fundamental da conduta humana que, na criança, se faz muito presente como suporte do pensamento, da percepção e da sociabilidade. (GALVÃO, 2003, p.84).
Nem sempre a ação da criança vai ter a mesma intencionalidade que a do
adulto. Muitas vezes o adulto cria certa expectativa e ela acaba por surpreendê-lo,
visto que a conduta da criança reflete seu pensamento, percepção e sociabilidade, e
o adulto deve adquirir a sensibilidade no olhar para considerá-la como algo positivo
para ambos. O que acontece é que sempre que algo acontece fora do esperado é
visto pelo educador como indisciplina, o que o priva de perceber os diversos
significados que a conduta infantil pode ter, ou seja, um mundo de hipóteses que se
abrem na sua frente e que podem ajudar na compreensão das condutas infantis:
Ampliando-se as possibilidades de compreensão quanto às condutas infantis, escapa-se da armadilha de sempre atribuir uma conotação moral a atos que muitas vezes são simplesmente a expressão de peculiaridades próprias a fases do desenvolvimento humano. Livre dessa armadilha, o educador pode chegar a modos de compreensão mais apropriados para cada situação específica e criar novas formas de estruturar a sua prática, cujos desajustes são, muitas vezes, a grande fonte das dificuldades (GALVÃO, 2003, p. 85).
É fundamental que o professor/educador compreenda a conduta infantil
levando em conta sua fase de desenvolvimento, com isso, ele consegue modificar e
identificar em sua própria prática outras maneiras, porém mais apropriadas, de lidar
com cada situação em que se encontra, considerando que muitas vezes a criança
não está o afrontando, mas apenas se expressando, e o pré-julgamento pode o
atrapalhar nessa compreensão.
As manifestações emocionais, elementos inseparáveis da ação do ser
humano, possuem importante força nas ativas interações que se criam no ambiente
escolar. Seu conhecimento é de grande valia para que o educador compreenda
melhor as situações do cotidiano escolar, as funções e características de sua
dinâmica, tanto com o objetivo de conseguir um envolvimento maior por parte dos
45
alunos e com eles, como o de evitar a perda de controle da dinâmica do grupo ou
mesmo de sua própria atuação. Além disso, esse conhecimento pode colaborar para
um estabelecimento mais benéfico de interações. O êxito do professor vai depender
de seu próprio esforço (GALVAO, 2003).
O professor, ao se apropriar das manifestações expressivas e emocionais
em harmonia com o grupo, pode inspirar interessantes recursos para obter o
envolvimento dos alunos em suas propostas e explicações, aliando a atenção aos
aspectos expressivos de seu comportamento, pois a forma como ele ensina, sua
postura, tonalidade é o que vai facilmente contagiar os alunos (GALVÃO, 2003).
Por outro lado, ao se apropriar de recursos expressivos para obter maior
envolvimento dos alunos, o professor pode se deparar com situações inesperadas,
como provocar a instalação de um clima de dispersão e turbulência, que pode
acontecer quando existe um maior interesse por parte dos alunos, e pela animação
que o professor passou para seus alunos.
Se, por um lado, a compreensão da dinâmica de desencadeamento das emoções pode ajudar a controlar seus efeitos sobre a dinâmica das interações sociais, por outro lado, não há conhecimento teórico capaz de eliminar as possíveis turbulências provocadas por elas, sendo preciso, pois aprender a conviver com esse risco inerente as interações. (GALVÃO, 2003, p. 86)
O conhecimento e a apropriação das manifestações expressivas e
emocionais têm seu lado positivo, que pode proporcionar maior interesse,
participação por parte dos alunos, porém tem seu lado negativo, devido à turbulência
que gerou em uma dada situação. O que acontece é que muitas vezes o
professor/educador não está preparado para aquela situação e não sabe como lidar
com ela, surpreendendo-se, gerando um clima de tensão e desgaste para ele
próprio. Torna-se, dentro desses aspectos, de fundamental importância que o
professor/educador reveja constantemente sua prática que, de acordo com Galvão
(2003, p. 87):
Ao analisar a situação, bem como suas próprias reações emocionais, o educador tem maiores chances de compreendê-la. Ao se permitir assumir suas próprias emoções, por menos nobres que sejam, como a raiva dirigida
46
a um aluno específico ou o desespero em que se vê em determinadas situações, o educador pode perceber melhor o modo como vive as situações e como ele as influencia. Vendo-as com mais clareza, é menor o risco de cair em circuitos perversos e maiores as chances de ter atitudes mais acertadas.
Esses “circuitos perversos”, aos quais a autora se refere, estão relacionados
às situações vividas no cotidiano escolar, que acabam gerando um clima de tensão
e desgaste para o professor/educador. Essa atitude de reflexão sobre a prática traz
benefícios no discernimento para avaliar até que ponto a turbulência é efeito da
dinâmica emocional. O resultado dessa avaliação vai contribuir para cada caso, na
melhor forma de atuação, sem dizer que irá contribuir para avaliar se existe a
necessidade de mudança da própria prática. Esse simples interesse pela reflexão e
pelas mudanças nas ações escolares representa uma prática pedagógica voltada à
qualidade (GALVÃO, 2003).
Diante disso, levando em conta as questões da emoção, a ação pedagógica
além de compreender e controlar carece da inclusão de possibilidades de
expressão, de forma que a escola esteja apta a refletir sobre essas possibilidades, e
oferecer situações que de fato alinhem-se com os objetivos da atividade (GALVÃO,
2003).
As crianças necessitam ser compreendidas em todas suas fases de
desenvolvimento, e o professor/ educador deve ter esse conhecimento e uma visão
sensível para que sua ação pedagógica corresponda às expectativas da criança.
Compreender como a emoção pode interferir, tanto em sua prática como na
resposta da criança, é de fundamental importância para sua atuação dentro do
ambiente de Educação Infantil, pois amplia sua visão sobre os comportamentos e
cria possibilidades de maior interação entre as crianças. Para que isso aconteça de
forma efetiva, é necessário que o pedagogo tenha de forma clara em sua formação
os princípios que regem sua atuação:
O graduado em Pedagogia trabalha com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada pelo exercício da profissão, fundamentando-se em interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. Este repertório deve constituir por meio de múltiplos olhares,
47
próprios das ciências, das culturas, das artes, da vida cotidiana, que proporcionam leitura das relações sociais e étnico-raciais, também dos processos educativos por estas desencadeados (BRASIL, 2005, p.06).
No período de sua formação, o licenciado em Pedagogia deve adquirir
conhecimentos sobre a escola como uma organização complexa, com função social
e formativa, que promove educação para e na cidadania (BRASIL, 2005).
Para delinear o perfil do egresso do curso de pedagogia, as Diretrizes
Curriculares para o curso de Pedagogia, parecer n. 5 de 2005 (BRASIL, 2005),
consideram que:
O curso de pedagogia trata do campo teórico-investigativo da educação, do ensino, de aprendizagem e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social; A docência compreende atividades pedagógicas inerentes a processos de ensino e de aprendizagens, além daquelas próprias da gestão dos processos educativos em ambientes escolares e não-escolares, como também na produção e disseminação de conhecimentos da área da educação; Os processos de ensinar e de aprender dão-se, em meios ambiental-ecológicos, em duplo sentido, isto é, tanto professoras(es) como alunas(os) ensinam a aprendem, uns com os outros; O professor é agente de (re)educação das relações sociais e étnico-raciais, de redimensionamentos das funções pedagógicas e de gestão da escola.
O graduado em Pedagogia, desse ponto de vista, terá que adquirir
consistente formação teórica, diversidade de conhecimento e de práticas, que se
consolidam ao longo do curso. Seu campo de atuação compreende: docência na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nas disciplinas
pedagógicas do curso do Ensino Médio e na Modalidade Normal, de Educação
Profissional na área de serviços e apoio escolar, e em outras áreas que sejam
previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2005).
Faz parte destas atividades docentes também a participação na organização
e gestão de sistemas e instituições de ensino (BRASIL, 2005), conglomerando:
Planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas do setor da educação; Planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não escolares;
48
Produção e difusão do conhecimento cientifico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não escolares (BRASIL, 2005, p. 8).
Em consonância, o egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a,
segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (BRASIL,
2005):
Atuar com ética e compromisso com vistas á construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária; Compreender, cuidar e educar de crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social; Reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas, emocionais e afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas; Promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e a comunidade; Realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre seus alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes se desenvolvem suas experiências não escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre a organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas (BRASIL, 2005, p.09).
Sendo assim, em conformidade com o que foi afirmado sobre as práticas
pedagógicas, sobre a formação do pedagogo/professor/educador, quanto ao que
deve estar apto e sua área de atuação, entende-se que este deve ter suas práticas
pedagógicas voltadas a respeitar e atender os direitos das crianças, promovendo
seu desenvolvimento de forma integral, com reflexões constantes sobre sua
atuação, para que por meio dela consiga encontrar meios de promover um
aprendizado significativo para aquelas de forma afetiva.
Segundo Lima (2001), no ambiente escolar das Instituições de Educação
Infantil, ao adulto cabe a importante tarefa de:
[...] tornar efetivas as possibilidades de desenvolvimento da espécie, principalmente proporcionando a criança pequena um contexto de desenvolvimento que priorize as formas de atividades que ela precisa realizar para aprender, que facilite os processos interativos entre as crianças e outras pessoas, que torne acessíveis todos os bens culturais, que permita a experimentação e a exploração próprias da idade (p. 27).
49
Outro aspecto importante da ação do adulto é permitir que a criança alcance
suas ações em seu próprio tempo, sem intervenções causadas pelos fatores
externos. Cabe a ele a tarefa de expandir a experiência da criança, ampliar seus
caminhos para o conhecimento, incentivando também sua narrativa nas diferentes
formas, a expressão de ideias e de sentimentos, pois o adulto consciente de sua
ação possibilita mediações das mais variadas naturezas, entendendo o processo da
criança com um significado que só pode ser construído como referencial para ela, no
período de formação em que se encontra (LIMA, 2001).
É de suma importância construir uma ação pedagógica que envolva este
processo dialético de formação humana entre adultos e crianças (LIMA, 2001).
Todavia, não se pode esquecer que a criança pequena necessita do afeto nas
relações que estabelece com o adulto, para que se desenvolva e se torne um adulto
“mais humano”. E é na organização do trabalho pedagógico que o professor deve ter
como perspectiva, conforme Salles e Faria (2007), adequar as práticas pedagógicas
às necessidades e possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem das crianças
respeitando seus estágios de desenvolvimento.
A seguir serão apresentados os dados coletados por meio de pesquisa de
campo, através de questionários, que foram aplicados a estudantes de pedagogia de
uma Universidade particular da cidade de Curitiba-PR, para compreendermos como
é a visão que o futuro profissional de Pedagogia tem sobre afetividade e seu papel
no desenvolvimento cognitivo da criança, nas práticas pedagógicas diárias da
Educação Infantil.
50
5 METODOLOGIA, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS
Para contemplar os objetivos propostos neste trabalho de conclusão de
curso foi realizada pesquisa bibliográfica mediante a abordagem de autores que
focalizavam a nossa temática.
Com o objetivo de compreender a visão que o futuro profissional de
Pedagogia tem sobre o conceito de afetividade e seu papel no desenvolvimento
cognitivo da criança, nas práticas pedagógicas cotidianas da Educação Infantil,
utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário com nove
questões abertas e fechadas (em Apêndice), que foi apresentado a 51 estudantes
que cursavam Pedagogia em diferentes períodos, em uma Universidade privada,
localizada na cidade de Curitiba-PR.
A seguir realizaremos a exposição e a análise dos dados obtidos mediante a
aplicação dos questionários à população-alvo, procurando estabelecer correlações
com os pressupostos teóricos apresentados anteriormente.
5.1 EXPOSIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Dos 51 participantes da pesquisa, todos eram do sexo feminino. A pesquisa
foi aplicada em diversos períodos do curso (que possui um total de 8 períodos),
sendo que obtivemos os seguintes índices de participação:
2% aproximadamente – estudantes do segundo período;
66,6% aproximadamente – estudantes do terceiro período;
7,8% aproximadamente – estudantes do quarto período;
2% aproximadamente – estudantes do sexto período;
17,6% aproximadamente – estudantes do oitavo período; e
4% aproximadamente – estudantes que cursavam disciplinas em vários períodos
(estudantes “desperiodizadas”).
Identificou-se que a maior parte das respostas foram obtidas das
participantes do terceiro período do curso de pedagogia, aproximadamente 66,6%, e
51
o restante nos demais períodos, sendo que no oitavo período também encontramos
um índice de participação discretamente significativo em relação aos demais
(segundo, sexto, quarto e período não especificado).
A faixa etária em que se localiza a maior parte das participantes é a que
compreende dos 17 aos 23 anos (62,6% aproximadamente), sendo que obtivemos a
seguinte distribuição etária:
17 a 20 anos – 31,3% aproximadamente;
21 a 23 anos – 31,3% aproximadamente;
24 a 26 anos – 9,8% aproximadamente;
27 a 29 anos – 5,8% aproximadamente;
28 a 32 anos – 7,8% aproximadamente;
33 a 35 anos – 2,3% aproximadamente;
36 a 38 anos – 3,9% aproximadamente;
Acima de 38 anos – 7,8%aproximadamente.
Quanto à etapa da educação com a qual elas mais se identificavam, em
primeiro lugar ficou a Educação Infantil, com 47% aproximadamente, e em segundo
lugar, com 35,2%, aproximadamente, ficou o Ensino Fundamental, como segue
abaixo:
Educação Infantil – 47% aproximadamente;
Ensino Fundamental – 35,2% aproximadamente;
Ensino Médio – 5,9% aproximadamente;
Ensino Superior – 7,9%aproximadamente; e
Educação Infantil e Ensino Fundamental – 4% aproximadamente.
Ao solicitar que citassem três disciplinas que marcaram ou estavam
marcando sua formação, obtivemos uma variedade de respostas, porém, as mais
mencionadas foram:
Psicologia da Educação;
Didática da Educação;
Infância e Escola;
52
Educação Inclusiva;
Educação Socioambiental,
Neurociências na Educação;
Educação do Campo; e
Tecnologia da Educação.
Sobre sua atuação ou não na área da Educação Infantil, como resultado
identificou-se que das 51 participantes, 36, ou seja 70,5%, atuavam ou já atuaram
na EI; e 15, ou seja 29,5%, ainda não atuaram. Este é um dado muito importante
devido ao fato de que 70,5% das participantes que responderam ao questionário já
tinham alguma experiência na área. Na atualidade a Educação Infantil tornou-se
uma porta de acesso ao mercado de trabalho na área da educação, principalmente
para os profissionais que iniciam os cursos de licenciaturas, sendo que muitos deles,
mesmo após a conclusão da graduação acabam permanecendo na área, nem
sempre porque o desejam efetivamente.
Devido ao fato de termos dados de participantes que atuavam ou já atuaram
e de participantes que não atuaram, até o momento em que foi realizada a pesquisa,
na área da educação infantil, optou-se por fazer a análise de suas respostas
separadamente.
Dentre as 36 participantes que atuavam ou já atuaram na área na Educação
Infantil, distinguiu-se que 58,3% aproximadamente, atuou ou atuava na Rede
privada; 36,1% aproximadamente, na Rede pública; 2,8% aproximadamente, nas
Redes pública e privada; e 2,8% aproximadamente não responderam.
Com relação à faixa etária das crianças com as quais as participantes
atuavam ou já atuaram, na rede privada e pública da Educação Infantil, obtivemos a
seguinte distribuição, de acordo com o quadro abaixo:
53
QUADRO – REDES PRIVADA E PÚBLICA DE EI E FAIXA ETÁRIA DAS CRIANÇAS
COM AS QUAIS AS ESTUDANTES ATUAVAM OU ATUARAM
Redes /
Faixas Etárias
Rede
Privada
Rede Pública
0 a 3 anos 61,9% 38,5%
4 a 5 anos 33,3 % 7,7%
Ambas as faixas etárias 4,8% 7,7%
Faixa etária não identificada 46,1%
Outro dado importante em destaque é que das participantes que atuavam ou
já tinham atuado na Rede privada, 61,9% delas, aproximadamente, já atuaram com
a faixa etária de crianças entre 0 e 3 anos. As instituições privadas possibilitam na
atualidade um maior acesso para estudantes das licenciaturas, principalmente
pedagogia, ao mundo do trabalho para adquirirem experiência antes de concluírem
seus estudos. E a atuação dessas estudantes na rede privada de EI parece
acontecer, principalmente, com crianças mais novas, talvez porque se entenda que
não há tanta necessidade de formação por parte do profissional que atuará com
esse segmento de crianças.
Ao analisar separadamente as respostas das estudantes sobre as práticas
pedagógicas diárias dos profissionais que atuavam na educação infantil, e como
esses profissionais relacionavam-se com as crianças, as respostas das participantes
que atuavam ou já atuaram e as que ainda não tinham atuado na área de educação
infantil ficaram bem próximas.
Ao responderem como percebiam as práticas pedagógicas diárias dos
profissionais que atuavam na educação infantil, e como estes profissionais
relacionavam-se com as crianças de acordo, as participantes que atuavam ou já
atuaram nas instituições de educação infantil forneceram as mais variadas
respostas. Mas observamos que 65,7% delas enfatizaram práticas positivas, que no
nosso entender se referem a benefícios ao desenvolvimento da criança, como
exemplo citamos:
54
As práticas pedagógicas estão ótimas ao que cabe a minha visão e a relação entre educadores e as crianças é sempre harmoniosa, presença de carinho e dedicação. (ESTUDANTE 1) Práticas assim como em qualquer etapa, planejadas, porém realizadas com maior afetividade, pois as crianças menores (0 a 5 anos) são mais afetivas exigindo mais vínculo e cuidado do educador. (ESTUDANTE 2) Acredito que tentam fazer o melhor, se dedicando a cursos de formação continuada para melhorar o trabalho desenvolvido com as crianças. (ESTUDANTE 3)
Por outro lado, 11,4% aproximadamente das participantes que atuavam ou
já atuaram nas instituições de educação infantil afirmaram a presença de práticas
com conotação negativa, que julgamos não trazer benefícios ao desenvolvimento da
criança, destacando-se:
Depende de cada profissional. A maioria das práticas que observei são pouco significativa para as crianças. E se relacionam de forma fria e negativa. (ESTUDANTE 4) Pobres, acredito que os professores poderiam ampliar suas técnicas deixando de lado a rotina. (ESTUDANTE 5) É tudo mecanizado, tecnicista, uma preparação imposta, determinada, que despreza, ignora o direito fundamental da criança que é o brincar. Utilizando o educar de forma individualista e sem autonomia para a formação das crianças. (ESTUDANTE 6) Nas instituições onde trabalhei, achei as práticas voltadas para os interesses dos pais, as professoras faziam o que agradava os pais, e a parte do brincar e do cuidar das crianças ficava de lado. (ESTUDANTE 7)
E por volta de 17,4% das participantes aproximadamente, em suas
respostas, destacaram tanto aspectos positivos quanto negativos das práticas:
Bem estruturadas e com base nas propostas da instituição. Não gosto de generalizar, mas já atuei com “profissionais” que não tinham a menor noção do trabalho infantil e o faziam por obrigatoriedade do curso e encontrei profissionais que vestem a camisa e demonstram habilidades, amor e respeito pela profissão. (ESTUDANTE 8) São profissionais carinhosos, porém muitas vezes não são atentos às atitudes das crianças e através de pequenos detalhes podemos perceber muitas coisas. São criativos no desenvolvimento das atividades. (ESTUDANTE 9)
55
E tivemos também as participantes que não responderam a essa questão,
que corresponderam a 5,5% aproximadamente.
Já em relação às participantes que ainda não atuaram (formalmente) nas
instituições de Educação Infantil, estas responderam com base em suposições ou
como imaginavam que fossem as práticas dos profissionais e como estes
profissionais em sua visão deveriam se relacionar com as crianças. Como resultado
obtivemos que 75% delas registram práticas que podem ser consideradas positivas,
como por exemplo:
Considero de importância relevante para ampliação do conhecimento da criança frente ao acesso que foi permitido (matrícula). O que vi foi coerência, carinho, cuidado e intencionalidade nas ações. (ESTUDANTE 10) Não atuei na área. Imagino que seja de maneira voltada à criança, o lúdico e a interação da criança em relação ao mundo em que vive e está conhecendo. (ESTUDANTE 11)
E 6,25% aproximadamente fizeram referência a práticas inadequadas, a
partir dos relatos de colegas:
Com base nos relatos das demais alunas que atuam na área, imagino que atuam de maneira inadequada, o que prejudica o desenvolvimento das crianças. (ESTUDANTE 12)
Tivemos também 6,25% que não responderam à questão, e 12,5%
aproximadamente indiciaram que as práticas deviam ser tanto positivas como
negativas nas instituições de Educação Infantil:
Existem aqueles que não se interessam muito que atuam de má vontade com práticas tradicionais que nunca se renovam, mas por outro lado há também aqueles que promovem o novo de forma ampla e positiva. (ESTUDANTE 13) Na rede pública acredito que as práticas pedagógicas sejam mais afetuosas, já nas instituições privadas pelo que ouço falar não são tão afetuosas, priorizam mais o aprendizado da criança. (ESTUDANTE 14)
O que se observa é que tanto as respostas das participantes que atuavam
ou já atuaram, quanto as das que ainda não atuaram, ficaram bem próximas.
56
Evidenciaram tanto o lado positivo como o negativo, e os dois aspectos em uma
mesma resposta.
Quando descreveram as práticas consideradas positivas, no geral,
afirmaram serem relações caracterizadas como afetivas; de cuidado e carinho;
práticas voltadas ao lúdico; de respeito às necessidades e dificuldades das crianças;
projetos políticos bem elaborados e apoiados pela direção; e profissionais que
buscavam formação continuada para um melhor atendimento destinado à criança
pequena.
Quanto aos relatos das práticas consideradas negativas, no geral, afirmaram
se tratar de práticas que não favoreciam o desenvolvimento infantil, de modo
mecanizado e tecnicista, que desprezavam os direitos da criança, com professores
desqualificados e preocupados somente com a rotina, e relações sem afetividade,
voltadas aos interesses dos pais e não das crianças.
Esses dados relacionam-se com a afirmativa de Craidy de que em seu
cotidiano o adulto, dentro de seu ambiente de trabalho na Instituição de Educação
Infantil, possui ricas possibilidades de convivência com as crianças, tendo a
oportunidade de conhecê-las e juntos conhecerem o mundo que os rodeia, sendo
que a instituição deve ser afetuosa e cuidadosa, bem organizada, “[...] visando o
bem-estar das crianças, de modo que se sintam seguras e orientadas no período em
que convivem com outras crianças e com os adultos que, coletivamente somam
esforços para atendê-las da melhor maneira possível” (CRAIDY, 1998, p. 31).
Assim, as propostas pedagógicas das instituições e dos próprios
profissionais, com o objetivo de prestar um atendimento e uma convivência de
qualidade tanto para as crianças quanto para os adultos que se fazem presentes,
devem respeitar princípios éticos (da autonomia, da responsabilidade e do respeito
ao outro, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades),
políticos (direitos de cidadania, do exercício da criticidade, à ordem democrática); e
estéticos (sensibilidade, criatividade, ludicidade e liberdade de expressão nas
diferentes manifestações artísticas e culturais) (BRASIL, 2009b); que de certa forma
foram ressaltados pelas participantes, seja pela presença ou ausência de práticas
pedagógicas pautadas nesses princípios.
57
Dentro do processo de ensino-aprendizagem, a criança deve ser vista como
figura central, e as práticas pedagógicas devem acontecer de maneira que a criança
vivencie experiências afetivas, exploratórias, compreendendo o mundo de forma
significativa. Na Educação Infantil, a criança é ainda muito dependente do adulto em
todos os aspectos do seu desenvolvimento e necessita da mediação deste último.
Por isso que se torna importante que as Instituições de Educação Infantil,
em conjunto com seus profissionais e práticas pedagógicas favoreçam o
desenvolvimento e a apropriação de conhecimentos, valores, procedimentos, e
atitudes, e ao mesmo tempo, promovam o bem estar das crianças, através de
atendimento direcionado as suas necessidades básicas, num clima afetuoso. Dessa
forma todos os envolvidos estarão contribuindo para que a criança aprenda e se
desenvolva (SALLES; FARIA, 2007).
É fundamental que o adulto reveja e reflita constantemente sobre suas
práticas, pois segundo Lima (2001) cabe a ele a tarefa de expandir a experiência da
criança, ampliar seus caminhos para o conhecimento, incentivando também sua
narrativa nas diferentes formas, a expressão de ideias e de sentimentos.
Ao serem questionadas sobre o significado do termo Afetividade, 5,7%
aproximadamente das participantes que atuavam ou já atuaram na área da
educação infantil não responderam a questão. Já 40% aproximadamente delas
correlacionaram o termo somente a relações, atitudes e sentimentos direcionados à
criança, como por exemplo:
Carinho e proteção à criança. (ESTUDANTE 15) É oferecer carinho ou dar carinho às crianças, e no modo geral, e também atenção e compreensão. (ESTUDANTE 16) Passar amor, afeto à criança. (ESTUDANTE 17) Afetividade é o carinho, atenção, cuidado que a professora com seus alunos, acredito que a afetividade é o primeiro passo para a realização de um trabalho de qualidade. (ESTUDANTE 18)
E 54,3% delas correlacionaram o significado do termo afetividade a
adjetivos, situações e relações, como por exemplo:
58
Carinho, amor, vínculo, relações positivas. (ESTUDANTE 19) É o amor, carinho, dedicação. (ESTUDANTE 20) Afetividade faz parte do relacionamento entre pessoas, sentimentos e emoções que estão ao torno deste relacionamento. (ESTUDANTE 21)
As participantes que ainda não atuaram nas instituições de Educação Infantil
responderam de forma muito semelhante àquelas que atuavam ou já atuaram. Cerca
de 12,5% dessas não responderam a esta questão; 50% aproximadamente delas
também consideraram o significado do termo afetividade correlacionado às práticas
voltadas à atuação do adulto com a criança:
Respeito ao sujeito do processo de aprendizagem, entendendo limites e possibilidades. (ESTUDANTE 22) Atenção, amor, carinho, respeito com a criança no caso, a aproximação entre professor e alunos. (ESTUDANTE 23) Afetividade é um vínculo que você estabelece emocionalmente com a criança, através da atenção que você disponibiliza a ela, da forma que você convive com a criança e família. (ESTUDANTE 24)
E 37,5% aproximadamente das participantes que ainda não atuaram na EI,
relacionaram o significado do termo afetividade a outros sentidos:
É ser carinhosa, atenciosa...”. (ESTUDANTE 25) Para mim afetividade é carinho, atenção, compreensão. (ESTUDANTE 26) Carinho, cuidado, respeito. (ESTUDANTE 27)
Observou-se que tanto os significados que foram citados pelas participantes
que atuavam ou já atuaram como os das que ainda não atuaram nas instituições de
Educação Infantil fazem referência à afetividade considerando que é através das
relações eu-outro, permeadas pelo carinho, amor, dedicação, respeito, que se dão
as relações afetivas. Porém, diferentemente do que se pensa, a afetividade não é
sinônimo de carinho, amor, respeito, etc., como os substantivos e adjetivos citados
anteriormente pelas participantes. A afetividade é uma condição humana, na qual
tanto a criança como toda e qualquer pessoa pode ser afetada e afetar, tanto por
59
elementos/expressões externas (o olhar do outro ou mesmo um objeto que chama
atenção), como por sensações internas/viscerais (medo, fome, entre outros). É essa
condição de “afetar” e ser “afetado” que é afetividade. No decorrer da vida humana,
a afetividade desenvolve-se por meio de estágios e, em cada um deles, tanto a
afetividade quanto a cognição caminham em conjunto, se alternam e adquirem
novas características na passagem de um estágio para o outro. Ora a afetividade se
sobrepõe, ora a cognição (GALVÃO, 1995).
De acordo com Dantas (1992), nos momentos de dominância afetiva está a
construção do sujeito, que se faz pela interação com os outros sujeitos. A integração
entre inteligência e afetividade pode ser transposta para aquela que se realiza entre
o objeto e o sujeito, os quais se alimentam mutualmente um do outro, e a elaboração
do conhecimento vai depender do sujeito e do quadro de desenvolvimento humano
concreto.
Na última questão, solicitamos que as participantes da pesquisa citassem
três aspectos que consideravam importantes, nas práticas pedagógicas diárias, para
o desenvolvimento cognitivo da criança na educação infantil, e das participantes que
atuavam ou já atuaram na área, 1% delas não respondeu a questão, e das 99% que
responderam se destacaram os seguintes aspectos: “respeito à individualidade da
criança; afetividade; troca de experiências; o brincar; cuidar e educar; conhecimento
sobre o desenvolvimento da criança, carinho; amor e estímulo”. Abaixo seguem
algumas respostas que exemplificam tais categorias:
Respeitar a individualidade de cada criança. Respeitar o tempo do brincar. Cuidar da criança de forma afetiva. (ESTUDANTE 28) Carinho. Afetividade. Conhecimento. (ESTUDANTE 29) O brincar, para promover a independência da criança. O educar, para que a criança respeite e seja respeitada. E o educar, para que a criança sinta-se importante por receber carinho e cuidado. (ESTUDANTE 30)
Da mesma forma às que ainda não atuaram na área da educação infantil,
1% delas não respondeu a questão, já as outras 99% responderam
destacadamente: o profissional deve amar e gostar do que faz; conhecimento; cuidar
60
e educar; o brincar; estímulo; respeito; dedicação e responsabilidade.
Exemplificando:
Criar situações para esse desenvolvimento, estimular e deixar a criança livre para as brincadeiras. (ESTUDANTE 31) Cuidar, respeitar, estar aberta a sugestões. (ESTUDANTE 32) Cuidado, atenção individualizada e a responsabilidade. (ESTUDANTE 33) Cuidar, educar, brincar. (ESTUDANTE 34)
Diferentemente das que atuavam ou já atuaram, essas participantes não
citaram explicitamente o termo afetividade como importante na prática pedagógica
diária para o desenvolvimento cognitivo da criança na educação infantil. Dantas
(1992), ao abordar a psicogenética de Henri Wallon, afirma que para ele a dimensão
afetiva ocupa lugar central tanto para a construção da pessoa quanto do
conhecimento. A consciência afetiva, segundo ela, corresponde à primeira
manifestação do ser, instaurada por um vínculo com o ambiente social, garantindo
seu acesso ao universo simbólico da cultura, proveniente da história do homem, e é
a cultura que vai permitir a tomada de posse dos instrumentos com os quais trabalha
a atividade cognitiva, ou seja, a criança por meio de suas primeiras manifestações
emocionais irá criar um vínculo social de forma primeiramente afetiva e vai se
apropriar da história e adquirir conhecimentos a partir daí.
Observa-se também que nenhuma delas fez referência à linguagem como
elemento importante para o desenvolvimento cognitivo infantil, sendo que é a
linguagem que faz o papel de mediar as emoções de forma a promovê-las para uma
dimensão simbólica, portanto cognitiva. Segundo Dantas (1992), passado o
momento inicial, no qual a afetividade se reduz, praticamente, às suas
manifestações somáticas, e as trocas afetivas dependem exclusivamente da
presença concreta de parceiros, a inteligência constrói sua função simbólica e,
dialeticamente, a comunicação beneficia-se dessa função, ampliando seu raio de
ação.
A criança passa por um longo caminho até a construção no uso das palavras
e das frases. No começo o bebê parece entender várias frases e palavras, mesmo
61
sem poder pronunciá-las, o que mostra uma impregnação da linguagem e uma
relação com seus aspectos global e afetivo, deixando em segundo plano seus
elementos constitutivos, como a palavra, a imagem, etc. Mais tarde, a criança passa
a enunciar suas primeiras palavras-frase, e em seguida aprende a distribuir no
tempo o que sentiu e o que pensou (SILVA, 2007).
Gostaríamos de ressaltar a importância de o profissional conhecer os
estágios de desenvolvimento da pessoa completa, segundo Wallon, pois ao
conhecer como a afetividade e a cognição se alternam, consegue promover práticas
adequadas que contemplem o desenvolvimento cognitivo (e o global). Assim,
consegue compreender as condutas infantis e as suas próprias, e refletir sobre como
a emoção está presente nessas condutas, procurando agir da melhor forma em
relação à ela.
62
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa bibliográfica realizada para a elaboração deste Trabalho
de Conclusão de Curso foi possível observar que a criança constitui parte integrante
de um sociedade, história e cultura que, para ela, já estão prontas. É possuidora de
direitos que lhe foram garantidos e lhe são inegáveis dado um processo histórico
evolutivo, lento, de lutas, que promoveram a garantia de seus direitos e o seu
acesso à educação. É um ser humano essencialmente afetivo e possui
especificidades no seu desenvolvimento.
É através das interações entre Eu-Sujeito-Objeto que a criança irá, na
primeira infância, adquirir seus conhecimentos. E são as relações afetivas que irão,
em um primeiro momento, garantir a efetivação do processo de aquisição cognitiva,
pois o sujeito da ação irá “afetar” e ser “afetado” nas relações que estabelece, seja
com elementos externos a ele, ou mesmo, com suas próprias sensações internas.
Entende-se que todos somos seres afetivos, a afetividade faz parte do
desenvolvimento humano e está presente em todos os momentos da nossa vida
sejam eles em ambientes familiares, escolares, da comunidade, sociedade, etc. De
uma forma ou de outra sempre “afetamos” ou somos “afetados” por algo que, para
nós, teve algum significado subjetivo.
Nos ambientes de Educação Infantil, é fundamental que essas relações
afetivas, principalmente as relacionadas às práticas pedagógicas diárias dos
educadores/professores direcionadas às crianças, sejam as mais positivas
possíveis, ou seja, relações afetuosas que promovam o desenvolvimento nos seus
aspectos gerais da criança pequena.
Na atualidade, compreende-se a importância de uma atuação profissional
pautada pelo carinho, amor, respeito e dedicação, no sentido de promover o
desenvolvimento da criança pequena, considerando portanto, a relevância da
dimensão da afetividade no trabalho em Educação Infantil. Por outro lado, o que é
muito preocupante é o fato de existirem profissionais formados, que se
comprometem em trabalhar com a criança dessa faixa etária e que, mesmo com
todo o conhecimento adquirido em sua formação, sobre as etapas de
63
desenvolvimento da criança pequena, executam em seu cotidiano práticas que não
favorecem esse desenvolvimento. Como um profissional que não se relaciona de
forma afetuosa com as crianças consegue desenvolvê-la em seu aspecto cognitivo?
Ou mesmo, passar segurança, fazendo com que a criança se sinta parte integrante
desses ambientes educativos? O que as estudantes que relataram práticas não
pautadas no respeito, no carinho e afeto, estão fazendo para que as situações sejam
modificadas e a criança seja tratada da forma que se respeite a sua integridade?
Essas são questões para um futuro estudo.
Outro fato que chama atenção nesta pesquisa é que muitas pessoas não
sabem o significado do termo afetividade, e dão ao termo o significado de “carinho,
amor, respeito”, etc. As relações de carinho, amor e respeito irão criar as relações
afetuosas entre o adulto e a criança no ambiente escolar. Mas, afetividade refere-se
a uma grande dimensão humana, relacionada ao como afetamos e somos afetados
pelos outros, e daí envolve tanto aspetos positivos (amor, carinho, etc.) como
negativos (ódio, raiva, etc.). Por isso é fundamental que os profissionais que já
atuam ou irão atuar com a criança pequena, adquiram em sua formação o conceito
de afetividade, suas manifestações e relações com o desenvolvimento cognitivo da
criança, para que saibam distinguí-lo do ser “afetuoso”, e em suas próprias práticas
identifiquem as relações que as permeiam, promovendo ações que contemplem a
fase de desenvolvimento da criança, com conteúdos e atividades que respeitem
suas especificidades.
A escola precisa de profissionais que reflitam constantemente sobre suas
práticas, para que no seu dia a dia, vejam a melhor forma de promover um
aprendizado significativo, afetuoso, para a criança, permeado pelo carinho e amor
em suas relações. Muitas das estudantes não consideravam a afetividade como um
aspecto que contribuía para o desenvolvimento cognitivo nas práticas pedagógicas
na Educação Infantil. Acredita-se que a falta de conhecimento sobre o assunto faz
com que muitos profissionais não se utilizem dessas relações para a melhoria do
atendimento destinado à criança pequena.
A realização desta pesquisa foi muito significativa, principalmente a pesquisa
de campo, fundamental para analisarmos e identificarmos, através de relatos de
64
estudantes, como são as práticas pedagógicas de muitos profissionais, e que a falta
de conhecimento, tanto do desenvolvimento cognitivo infantil quanto das suas
relações com a afetividade, faz com que muitas práticas negativas sejam exercidas
por profissionais já formados na área.
De acordo com o que foi proposto inicialmente, acreditamos ter conseguido
atingir todos os objetivos da pesquisa, sendo que esta pode ser de grande
relevância para a consolidação de uma formação mais humanizada dos profissionais
que atuam ou que irão atuar na área da Educação Infantil, e também nas demais
áreas.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº. 8.066, 13 de Julho de 1990. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases, Lei n° 9394, 20 de Dezembro de 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP n° 05, 13 de Dezembro de 2005. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, Parecer CNE/CEB n°. 20, 11 de novembro de 2009a. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, Resolução CNE/CEB n°. 05, 17 de dezembro de 2009b. CRAIDY, Carmem Maria. O educador de todos os dias: convivendo com crianças de 0 a 6 anos. Porto Alegre: Mediação, 1998. CRAIDY, Carmem Maria; KAERCHER, Gládis Elise P. da. Educação Infantil: Pra que te quero?. Porto Alegre: Artmed, 2001. DANTAS, Heloysa. Fatores biológicos e sociais – Afetividade e Cognição. In: LA TAILLE, Yves de; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo, Summus, 1992. FARIA, Vitória; SALLES, Fátima. Currículo na Educação Infantil: as relações da criança com os conhecimentos da natureza e da cultura. São Paulo: Scipione, 2007. GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis, RJ; Vozes, 1995. GALVÃO, Izabel. Expressividade e emoções segundo a perspectiva de Wallon. In: ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 2003. KUHLMANN JUNIOR, Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998. LIMA, Elvira Souza. Como a criança pequena se desenvolve. São Paulo: Sobradinho, 2001. MONTE, Jaime Bezerra do; BÚRIO, Sandra Adriana Neves Nunes. Desenvolvimento Infantil: Sob o enfoque psicológico. Florianópolis: UDESC, 2005.
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SILVA, D. L. Do gesto ao símbolo: a teoria de Henri Wallon sobre a formação simbólica. Educar em Revista. Curitiba, s/v, v. n. 30, p.145-163, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n30/a10n30.pdf>. Acesso em: 12/04/2010. WALLON, H. O papel do “outro” na consciência do “eu”. In: WALLON, H. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975, p. 149-162.
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APÊNDICE
QUESTIONÁRIO
O presente questionário tem como objetivo investigar a visão de alunos (as)
de Pedagogia sobre o papel da afetividade para o desenvolvimento cognitivo da
criança na prática pedagógica diária na Educação Infantil. Tal temática é alvo do
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Pedagogia que venho desenvolvendo.
Seu nome e o da instituição em que você estuda não serão identificados, e desde já
agradeço sua colaboração e participação.
Atenciosamente.
Aline Santi Botton Gaideski
Questões:
1. Sexo:
( ) Feminino; ( ) Masculino.
2. Idade:
( ) Entre 17 a 20 anos;
( ) Entre 21 a 23 anos;
( ) Entre 24 a 26 anos;
( ) Entre 27 a 29 anos;
( ) Entre 28 a 32 anos;
( ) Entre 33 a 35 anos;
( ) Entre 36 a 38 anos;
( ) Mais de 38 anos.
3. Com qual etapa de educação você mais se identifica (não necessariamente
aquela com a qual você trabalha)?
( ) Educação Infantil;
( ) Ensino Fundamental
( ) Ensino Médio;
( ) Ensino Superior.
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4. Cite o nome de três disciplinas que marcaram ou estão marcando a sua
formação:
R:
5. Em qual período da Universidade você está?
R:
6. Atuou ou atua na área da Educação Infantil?
( ) Instituição Privada ( ) Instituição Pública ( ) Crianças de 0 a 3 anos ( ) Crianças de 4 a 5 anos
( ) Não atuei e não atuo.
7. Como você considera as práticas pedagógicas diárias dos profissionais que
atuam na Educação infantil? Como estes profissionais, em suas práticas
pedagógicas diárias, relacionam-se com as crianças? (Se não tiver experiência na
área considere o que você observou em estágios ou como você imagina que seja)
R:
8. Para você, o que é afetividade?
R:
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9. Em sua visão, cite três aspetos que você considera importantes, nas práticas
pedagógicas diárias, para o desenvolvimento cognitivo da criança na Educação
Infantil?
R: