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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ALBERTO RICARDO PESSOA
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NAS AULAS DE
LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE
LEITURA E DE PRODUÇÃO AUTORAL
São Paulo/SP DEZ - 2010
2
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ALBERTO RICARDO PESSOA
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NAS AULAS DE
LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE
LEITURA E DE PRODUÇÃO AUTORAL
Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras.
Orientadora: Profª. Drª. Aurora Gedra Ruiz Alvarez
São Paulo/SP DEZ - 2010
3
P475h Pessoa, Alberto Ricardo
As histórias em quadrinhos nas aulas de língua portuguesa
como instrumento de leitura e de produção autoral /Alberto
Ricardo Pessoa - São Paulo, 2010
134 f. : il. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Presbiteriana
Mackenzie, 2010.
Referências bibliográficas: f. 131-134.
1. História em quadrinhos. 2. Educação. 3. Interdisciplinaridade.
I. Título
4
ALBERTO RICARDO PESSOA
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NAS AULAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE LEITURA E DE
PRODUÇÃO AUTORAL
Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Aurora Gedra Ruiz Alvarez Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª. Drª. Angela Sivalli Ignatti
Universidade de São Paulo
Prof. Dr. Elydio dos Santos Neto
Universidade Metodista de São Paulo
Profª. Drª. Maria Lúcia Marcondes Carvalho Vasconcelos
Universidade Presbiteriana Mackenzie
5
Esta tese é dedicada aos meus queridos
alunos e em especial à saudosa aluna
Flávia Hoffman, que deixou em sua
breve passagem grandes ensinamentos
sobre a vida.
6
AGRADECIMENTOS
Dirijo os meus agradecimentos à estimada professora Doutora Aurora Gedra Ruiz Alvarez por
sua orientação, contribuição, estímulo e dedicação para a realização desta pesquisa.
Agradeço aos Professores Doutores Alexandre Huady Torres Guimarães, Elydio dos Santos
Neto e Angela Ignatti Silva por suas sugestões e comentários apontados no decorrer da
pesquisa.
Agradeço à professora doutora Maria Lúcia Marcondes Carvalho Vasconcelos por ser um
exemplo de professora.
Agradeço a DEUS.
7
RESUMO
A tese deste trabalho defende que no ensino médio se apresente um estudo crítico acerca do uso das histórias em quadrinhos como recurso educacional e meio de expressão em aulas de Língua Portuguesa, como recomendam a LDB e os PCN desta disciplina, que se referem à utilização do ensino dos gêneros textuais. Não é mais aceitável que se continue a trabalhar com essa linguagem em sala de aula, apenas como estratégia para ensinar conteúdos. Desenvolvendo as idéias de Will Eisner, Irandé Antunes e Paulo Ramos, consideramos que os alunos podem aprender fundamentos da Língua Portuguesa, o uso da língua, tanto no seu cotidiano quanto na literatura a par da leitura de textos verbais e não verbais, em suas mais variadas formas de intersecção como as histórias em quadrinhos propiciam, bem como o domínio de uma linguagem que desenvolva a capacidade de expressão e de comunicação. Para isso, é necessário que o ensino de histórias em quadrinhos seja abrangente como é o ensino da gramática, da literatura e da redação. Propõe-se, nesta tese, que se introduzam os alunos ao estudo dos recursos de construção das histórias em quadrinhos, dos seus estilos, que se fale de seus autores, do seu contexto social e que se apresentem propostas pedagógicas para poder trabalhar os quadrinhos como uma atividade interdisciplinar. Dentro desta linha de pensamento, esta tese se apresenta com o objetivo de oferecer subsídios para o estudo das histórias em quadrinhos, nos seus variados gêneros, com o fito de desenvolver as competências de leitura, de oralidade e de escrita dos elementos verbais e não verbais. Pretende-se que este novo modo de estudar os quadrinhos traga ao aluno o prazer de ler e de criar essa mídia.
Palavras chave: História em quadrinhos. Educação. Interdisciplinaridade.
8
ABSTRACT The thesis of this work defeats a critical study about the usage of comics as an educational research and a way of expression in Portuguese Language classes of regular school. It is recommended by two documents that rules this subject, LDB (Lei de Diretrizes e Bases) and PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), when they refer to the usage of a variety of textual genres. Considering this, it is not possible to keep working with this language in classes only as a strategy to teach contents. Developing the ideas of Will Eisner, Irandé Antunes and Paulo Ramos, we consider students are able to learn aspects and principles of the Portuguese Language, in its usage, as much in daily activities as in literature through reading verbal and nonverbal texts, in your many ways of intersection that comics provide, besides the domain of a language that develops the capacity of expression and communication. To this, it is necessary comics teaching to be as deep as it is the grammar, literature and writing teaching. At this thesis is proposed to introduce students to the studying of comics’ building resources, its styles, to mention its authors, social contexts and to present pedagogical proposes that allows comics to be worked as an interdisciplinary activity. Following this line of thought, this thesis has the objective of supporting the study of comics, in its variety of genres, intending to develop reading competencies, orality and writing of verbal and nonverbal elements. It is intended this new way of studying comics brings to students the pleasure of reading and creating this media. Keywords: Comics. Education. Interdisciplinarity.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................10 I. A LINGUAGEM DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS..................................................14
Definições.........................................................................................................14
Os Gêneros de histórias em quadrinhos..........................................................16
II. COMO AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS SÃO USADOS NA SALA DE AULA?...............40
- Leitura............................................................................................................50
- Escrita............................................................................................................53
- Oralidade........................................................................................................57
III. A CRIAÇÃO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS...................................................66 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................117 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................123
10
INTRODUÇÃO
As histórias em quadrinhos são consideradas um meio de comunicação
de massa, cujo público alvo é, na sua predominância, crianças e adolescentes.
Este perfil de receptor leva-nos a refletir sobre questões relacionadas com a
formação desse leitor e com a produção de texto no âmbito escolar. As
histórias em quadrinhos são, em muitos casos, a primeira mídia de leitura que
a criança tem contato e constrói a base para o futuro leitor de outras linguagens
como a literatura, o cinema, o teatro, dentre outras.
Os quadrinhos caracterizam-se pela combinação de imagem e texto em
balões, que obedecem a uma sequência narrativa estabelecida por quadros,
em que se mesclam discursos diretos e indiretos dos interlocutores contidos na
história, tais como personagens e narradores. O caráter lúdico desse gênero
desperta o prazer de ler e encoraja o discente a se tornar o autor de suas
próprias histórias – aspectos que não podem ser desconsiderados pelo
docente.
Esta tese é, em parte, resultado de experiências do ofício. Referimo-nos
às histórias em quadrinhos que publicamos em diversos países, às oficinas e
às aulas de produção dessa linguagem. Todas essas atividades propiciaram o
questionamento acerca de como as histórias em quadrinhos podem ser
inseridas nas atividades pedagógicas e se tornar uma linguagem expressiva do
discente, quer na leitura, quer na escrita e criação de conteúdo.
A experiência não bastou. Surgiram os grupos de pesquisa, a
dissertação de mestrado – trabalhos acadêmicos sobre os quais nos
debruçamos para estudar os quadrinhos. Desde então foi necessário revisitar
autores que, com vivências diferentes, também pensaram acerca da educação
e do papel das histórias em quadrinhos na sala de aula. A escassez deste tipo
de pesquisa justificou a continuidade desses estudos, agora elaborados nesta
tese, que visa a dar uma modesta contribuição à bibliografia referente às
histórias em quadrinhos na educação.
São três os principais autores que escolhemos para o corpus deste
trabalho. O autor de histórias em quadrinhos Will Eisner escreveu três obras de
referência baseadas na sua produção artística e na acadêmica. Destas, duas
serão usadas na tese: Quadrinhos e arte sequencial e Narrativas gráficas.
11
Eisner foi um autor consagrado tanto pelo público quanto pela crítica e um dos
pioneiros na história em quadrinho para adulto, categoria narrativa que ele
denominou como graphic novel.
Irandé Antunes é uma pesquisadora que estuda a língua portuguesa na
educação e em seu livro Aula de Português – encontro & interação, ela propõe
práticas de como os docentes podem ministrar aulas criativas e dinâmicas
utilizando os quadrinhos na sala de aula.
Paulo Ramos é professor, pesquisador, jornalista e crítico de histórias
em quadrinhos. Sua experiência resultou na publicação de A leitura dos
quadrinhos, um livro importante para o corpus deste estudo por tratar dos
aspectos técnicos e educacionais dessa mídia na área da leitura, oralidade e
escrita.
Outras referências bibliográficas complementam as reflexões desta tese
e direciona para a hipótese de considerar a estratégia interdisciplinar de ensino
como a forma mais adequada de uso das histórias em quadrinhos na
educação, abrangendo as áreas das artes e das letras.
Valer-nos-emos, portanto, de pesquisadores de ambas as áreas, que
pensem sobre a prática pedagógica que introduz os quadrinhos na sala de aula
e que produzam histórias em quadrinhos em diversos suportes, tanto
impressos como digitais, para que se possa compreender melhor o que são as
histórias em quadrinhos, quais os elementos constitutivos dessa mídia, quais
as especificidades dos autores nas áreas de design gráfico, ilustração,
tipografia, roteiro, pintura e editoração.
Os pilares deste estudo sobre as histórias em quadrinhos vêm de um
projeto com uso das histórias em quadrinhos que desenvolvemos anos atrás e
que usamos como estudo de campo para a dissertação de Mestrado na
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Ele ficou conhecido como “Projeto
Mamute” e foi aplicado na Escola Estadual Ibrahim Nobre, sob a supervisão da
professora de artes visuais Sandra Zillo.
Esta intervenção consistiu em usar o horário ocioso da escola para
promover aulas de histórias em quadrinhos para os alunos do ensino
fundamental, médio e para outras pessoas da comunidade que tivessem
interesse nesse gênero. As aulas consistiam em práticas de desenho a lápis,
arte final com canetas e tinta nanquim, colorização com lápis de cor e produção
12
de histórias em quadrinhos nos formatos tiras em quadrinhos. As histórias eram
baseadas em personagens orientais ou super heróis.
A experiência voluntária propiciou tanto para a docente quanto para os
discentes o debate acerca da qualidade daqueles trabalhos que estavam sendo
criados naquelas oficinas. A história em quadrinho apresentada como meio de
ensino de conteúdos de Língua Portuguesa ou como uma forma de leitura não
bastava. Era preciso um ensino aprofundado das técnicas tanto de produção
narrativa quanto de criação artística. Foram realizadas leituras de histórias em
quadrinhos de diversos gêneros, leituras de pequenos contos para produção de
textos para quadrinhos e até mesmo foi necessário explorar novos ambientes
na escola como a sala de informática para digitalização de imagens, pintura
digital e publicação de material em site da Internet.
Com essa série de debates sobre os novos conhecimentos, o público
alvo dessa intervenção acabou sendo constituído de alunos entusiastas em
compreender as histórias em quadrinhos como meio de expressão de suas
ideias. Naturalmente os alunos de ensino médio tornaram-se o maior público
do “Projeto Mamute”.
A intervenção voluntária não conseguiu abranger toda a comunidade
escolar e tampouco durar por muito tempo nessa instituição. A ideia que esta
tese deseja defender é que, no ensino regular, os docentes de artes e letras
estabeleçam parcerias no intuito de mostrar os elementos do texto não verbal,
tais como imagens, cores e texturas e do texto verbal, como coesão e
coerência, redação, gramática, ortografia entre tantos outros aspectos que vão
auxiliar o aluno a produzir as histórias em quadrinhos. Espera-se, com esta
prática, que o discente desenvolva a competência de interpretar esse gênero
plurimedial, de redigir o roteiro, de criar o texto para os balões, de construir
personagens e histórias, por fim, de conhecer o processo editorial, mesmo que
de forma incipiente.
Examinar esta possibilidade pedagógica, discutir e propor como uma
atividade complementar de ensino ao docente, com o cuidado de não sugerir
que as histórias em quadrinhos sejam a melhor linguagem a ser usada na
educação, ou que o docente seja obrigado a se especializar em mais um
assunto dentre os quais ele ministra no Ensino Médio constituem um dos
objetivos deste estudo.
13
Em suma, objetiva-se, nesta tese, refletir sobre as potencialidades
pedagógicas das histórias em quadrinhos em sala de aula e sobre os subsídios
que os docentes poderão utilizar no trabalho interdisciplinar, uma vez que os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sugerem as histórias em
quadrinhos como uma das linguagens a ser inserida nos programas de artes,
letras e temas transversais.
Entendemos que interdisciplinaridade consiste, segundo FAZENDA
(2007, p. 31), na intensidade das trocas entre especialistas e pela integração
das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa.
Tendo em vista o exposto, propomos a organização da tese em três
capítulos: O primeiro propõe definições, os elementos constituintes da
linguagem das histórias em quadrinhos e os diferentes gêneros que são
publicados no Brasil a que tanto professor como aluno possam ter acesso.
O segundo capítulo consiste em investigar como as competências da
leitura, da oralidade e da escrita podem ser desenvolvidas nas aulas de língua
portuguesa. Esse recorte possibilita diversas propostas interdisciplinares com
artes uma vez que o aluno irá escrever, ler e se expressar com textos verbais e
não verbais.
O terceiro capítulo abrange os elementos técnicos necessários para a
criação de uma história em quadrinho. Ao separar os elementos constitutivos
estamos desmitificando a ideia de que só quem sabe desenhar pode criar uma
história em quadrinho. É importante frisar que no processo profissional de
criação de quadrinhos as equipes são formadas por designers, tipógrafos,
desenhistas, coloristas, roteiristas, editores, publicitários entre outros
profissionais. Neste capítulo esperamos criar condições para debates e
propostas interdisciplinares com histórias em quadrinhos ou ainda aulas com
outros elementos que possam fazer parte de história em quadrinho.
Esperamos, ao final deste estudo, ter contribuído com novos debates e
pesquisas acerca das histórias em quadrinhos e seu potencial educacional.
14
CAPÍTULO I
1 – A LINGUAGEM DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
1.1 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: DEFINIÇÕES
As histórias em quadrinhos são uma linguagem difícil de ser definida por
possuir diversos elementos que se imbricam formando uma mídia de sintaxe e
gêneros complexos. Diversos pesquisadores procuram um conceito preciso
para as histórias em quadrinhos, o que, naturalmente, resulta em opiniões
convergentes e divergentes.
Will Eisner concebe as histórias em quadrinhos como arte sequencial, e
distingue a narrativa gráfica dos quadrinhos. Para Eisner (2005, p. 10), a
narrativa gráfica é uma descrição genérica para qualquer narração que use
imagens para transmitir idéias enquanto que quadrinhos estruturam-se
conforme disposição impressa de arte e balões em sequência, particularmente
como acontece nas revistas em quadrinhos.
Scott McCloud (1995 p. 9) entende que a conceituação de Will Eisner é
ampla demais para especificar essa linguagem e complementa afirmando que
as histórias em quadrinhos são imagens pictóricas e justapostas em sequência
deliberada, destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta
no espectador.
A definição de McCloud desclassifica os gêneros cartum e caricatura
como histórias em quadrinhos, uma vez que as duas formas de comunicação
não possuem a necessidade de usar quadros justapostos.
O debate do que seja histórias em quadrinhos encontra convergência
entre seus pesquisadores ao que se refere aos elementos que caracterizam
esta linguagem.
15
Roman Gurben (1979, p. 35) define histórias em quadrinhos como uma
estrutura narrativa formada pela sequência progressiva de pictogramas nos
quais podem integrar-se elementos de escrita fonética.
Já Antônio Cagnin (1975, p. 25) considera que a história em quadrinhos
é um sistema narrativo formado por dois códigos de signos gráficos: a imagem,
obtida pelo desenho; e a linguagem escrita.
Neste mesmo enfoque, Edgar Franco (2008, p. 25) comenta que a
unicidade entre as HQs é a união entre texto, imagem e narrativa visual,
formando um conjunto único e uma linguagem sofisticada com possibilidades
expressivas ilimitadas.
Por fim, Vergueiro (2004, p. 31) afirma que as histórias em quadrinhos
constituem um sistema narrativo composto por dois códigos que atuam em
constante interação; o visual e o verbal. Cada um desses ocupa, dentro dos
quadrinhos, um papel especial, reforçando um ao outro e garantindo que a
mensagem seja entendida em plenitude.
No nosso entendimento, história em quadrinhos é uma mídia que se
constitui da convergência da linguagem verbal com a visual no balão – ícone
que distribui o texto e a imagem em uma sequência e estabelece discursos que
se somam. O discurso verbal acrescenta informações ao discurso visual e vice-
versa, e juntos constroem uma sequência narrativa capaz de prover, ao
receptor, subsídios necessários para compreensão da história que se plasma
nos quadrinhos.
Quando o leitor consegue realizar uma leitura fluida, a narrativa dos
quadrinhos atinge a sua completude, pois se eliminam as fronteiras entre a
leitura verbal e a visual, procedendo-se a uma leitura única. Essa linguagem é
autônoma e oferece ao seu leitor uma gama de elementos a serem observados
separadamente como tipografia, desenhos, perspectiva, onomatopéias,
narrativa, oralidade e dependendo do gênero que ela se apresenta, diferentes
formas de leitura de uma mesma história.
As histórias em quadrinhos podem ser criadas apenas com a narrativa
visual não verbal. O texto não verbal seqüencial oferece ao receptor subsídio
para estabelecer a leitura da história em quadrinhos.
As histórias em quadrinhos possuem essa denominação apenas no
Brasil. No país as histórias em quadrinhos também são conhecidas por gibi,
16
uma alusão a uma revista homônima, álbuns, quadrinhos e HQs (abreviatura
de histórias em quadrinhos). Em países de língua inglesa, recebem a
denominação de comics, em homenagem às primeiras histórias publicadas que
tinham como gênero a comédia. Na França e na Bélgica, são chamadas de
bande dessinée (tiras desenhadas). Em Portugal, de bandas desenhadas. Na
Itália de fumetti ( fumacinha – numa alusão ao balão da fala) e nos demais
países sul-americanos são conhecidas por historieta. Na Espanha são
nomeadas também de bandas deseñadas e no Japão as histórias em
quadrinhos são conhecidas por mangás.
A maioria dessas nomenclaturas e definições utilizadas exigem do
docente trabalhar com histórias em quadrinhos amplie o seu repertório de
leituras sobre gêneros, estilos, histórias, culturas a serem exploradas em sala
de aula.
1.2 OS DIFERENTES GÊNEROS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
As histórias em quadrinhos possuem diversos gêneros que podem ser
encontrados nas obras de grandes artistas e em diferentes escolas de criação
dessa arte. Dentre eles, são publicados no Brasil: o cartum, a charge, tiras,
tiras seriadas, comics, graphic novel, mangá, fumetti e o quadrinho autoral.
Este último é o tipo de histórias em quadrinhos que a pesquisa
contempla e propõe ao docente produzir em sala de aula. Dentre as razões que
consideramos apropriadas para criação deste tipo de quadrinho, a afirmação
de Edgar Franco (2008, p. 33) é que são nas obras dos quadrinhistas autorais
que os quadrinhos alcançam a sua maior expressividade e é nelas que vemos
confirmada a importância das HQs como forma artística.
Publicadas a partir do final do século XIX, as histórias em quadrinhos
eram produzidas de forma distinta da que conhecemos hoje. Seus autores
redigiam folhetins e contos com ilustrações que contavam a mesma história do
texto verbal, não se imbricando o código verbal com o visual. Essas primeiras
histórias tinham suas dimensões limitadas e imprimiam um ritmo aleatório,
diferente das histórias em quadrinhos contemporâneas que apresentam
histórias com ritmo e cadência lineares.
17
As histórias em quadrinhos no Brasil têm seu marco inicial com a
produção do ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1843-1910), considerado um dos
pioneiros dessa forma de linguagem.
O artista gráfico foi um dos pioneiros das histórias ilustradas, que possui
como característica a sequência narrativa distribuída de acordo com o quanto
aquela cena está ilustrando determinada quantidade de texto. A intersecção
entre desenho e texto não existe devido à ausência de balão de texto. A
história fica caracterizada como uma mídia de leitura legendada com
ilustrações.
A imprensa brasileira sempre absorveu as críticas sociais e políticas
contidas nas histórias ilustradas de Angelo Agostini. De sua produção
notabilizaram-se as obras: As aventuras de Nhô Quim (1869) e As aventuras
de Zé Caipora (1883).
Na figura 01, podemos analisar uma página de histórias em quadrinhos
de Angelo Agostini. Em suas litografias, encontram-se elementos constituintes
que ainda se mantêm nas histórias em quadrinhos contemporâneas, como
narrativa, anatomia expressiva, perspectiva, noção da passagem do tempo
com o uso das chamadas calhas ou sarjetas, construção das personagens
protagonista, antagonista e coadjuvante.
18
Fig.01 – Página oito da revista Ilustrada número 438 – 1886
Fonte: Cavalcanti (2006, p.07)
19
Outro gênero dos quais Angelo Agostini produziu foram as charges e os
cartuns.
O cartum adquiriu outra conotação com o desenvolvimento das
instituições políticas, principalmente no período das ditaduras que assolaram
várias nações no continente latino: os cartuns políticos têm mais do que a
função de entreter o leitor; ele se propõe a conscientizá-lo da realidade política
em que vive.
A partir de 1930 houve a grande divulgação das histórias em quadrinhos
no Brasil com os suplementos juvenis de Adolfo Aizen que após uma estadia
de 05 meses nos Estados Unidos, percebeu o potencial do gênero comics no
mercado brasileiro de histórias em quadrinhos.
Esse gênero surgiu nos Estados Unidos no final do século passado e tem
o seu marco nas aventuras do The Yellow Kid de Richard Felton Outcault.
20
Posteriormente surgiram diversos de personagens com histórias cômicas
que acabou por batizar o gênero como comics. Com o sucesso dos comics, a
demanda por mais material e leitores propiciaram o surgimento das tiras
seriadas, o que resultou na publicação de diversos temas como terror, ficção
científica, humor entre outros.
O que seria a banalização dos comics acabou se tornando a
independência deles. Algumas editoras menores resolveram publicar em
formato de pulps, revistas impressas em papel e tinta de baixa qualidade,
tirinhas que não eram aproveitadas pelos grandes jornais, e publicaram várias
revistas com esses materiais. Assim, várias revistas se interessaram por esses
materiais rejeitados. Dentre as criações recusadas estava o Superman1, um
super-herói criado pela dupla de autores de quadrinhos Joe Shuster e Jerry
Siegel. Sua primeira aparição foi apresentada na revista Action Comics nº 01
em 1938, nos Estados Unidos.
1 Para saber mais sobre Superman e outros personagens da DC Comics, consultar WALLACE
(2008).
21
A inovação do conceito da personagem Superman para a época fica
evidente quando comparamos com as outras personagens que foram
publicadas na revista Action Comics nº 01.
“Chuck” Dawson, de H. Fleming (fig. 06) é uma personagem típico dos
faroestes e Zatara, de Fred Guardineer (fig. 07), é um mágico ilusionista que
juntamente com seu assistente Tong se envolve em diversas aventuras de
ação e mistério.
22
Outros personagens da revista Action Comics nº 01 são: Sticky-Mitt
Stimson, de Alger (fig. 08), um ladrão que se envolve nas mais diversas
situações cômicas e The Adventures of Marco Polo é a saga biográfica
ilustrada por Sven Elven (fig. 09).
23
Fred Guardineer também publicou as aventuras do boxeador “Pep”
Morgan (fig. 10), Will Ely criou o repórter investigativo Scoop Scanlon (fig.11) e
por fim, um detetive chamado Tex Thomson, de Bernard Baily (fig.12).
24
Action Comics nº01 é um marco no que refere à transformação das
histórias em quadrinhos como mídia de comunicação de massa. Superman
apresenta um conceito completamente diverso de tudo que estava sendo
produzido e a maioria dos autores começaram a criar personagens com super
poderes, enquanto que as personagens anteriores, como vimos, inscreviam-se
na realidade prosaica dos leitores.
Uma demonstração do seu sucesso é que de todas as personagens
apresentadas em Action Comics nº01, apenas Superman continua a ser
publicado e, além disso, com enorme sucesso, extrapolando os limites das
histórias em quadrinhos e alcançando mídias como o cinema, games, livros
entre outros.
25
Fig.14 - Superman. Página 01 Action Comics 1 (1938)
Fonte: American Studies at the University of Virginia. (2010)
Stan Lee é um dos mais importantes roteiristas de comics e o grande
inovador no gênero Super Heróis. Juntamente com grandes artistas como Jack
Kirby, Steve Ditko, Brett Everet entre outros, Stan criou Homem - Aranha,
Quarteto Fantástico, Hulk e milhares de outros personagens que foram
reunidos em uma única companhia, a Marvel Comics2.
2 Para maiores informações sobre as personagens de Stan Lee e da Marvel Comics, consultar THOMAS,
R. e SANDERSON, P. (2007)
26
O processo de produção de comics em larga escala era realizada por
estúdios com mão de obra especializada, dividida em:
– O roteirista, que tem por finalidade estabelecer uma trama com começo,
meio e fim, com conflitos psicológicos entre personagens, ambientes e tramas,
senso de narrativa, descrição de quadros, posicionamento das personagens
perante o texto sugerido, escolha da linguagem que a personagem deve utilizar
(se ela usará um diálogo intelectualizado ou repleto de gírias), descrição da
estrutura facial da personagem, visualização do ambiente que a história se
passa entre outros dados que ele pode fornecer.
Para compreensão do processo de composição de roteiro, apresentamos
uma página de roteiro disponibilizado pela agência Impacto quadrinhos para os
desenhistas realizarem as suas respectivas interpretações.
Teste Roteiro Vertigo
Pagina 1
Quadro 1 – Plano geral aéreo de Londres
Entardecer. Nuvem no céu, pombos. Uma folha de arvore flutua ao
vento.
Quadro 2 – Geral do Trafalgar square (ou outro ponto bem
conhecido) Vemos muita gente saído do trabalho, turistas.
A folha continua seu passeio.
Quadro 3- Geral de um pub Londrino bem característico. Fumaça,
clima.
Quadro 4 - A porta se abre e Constantine sai de lá sorrindo,
apressado, mas sem perder o seu charme. Constantine tem o
rosto do jovem Sting.
Fonte: Agência Impacto quadrinhos (2010)
– O desenhista, aquele que realiza todos os traços de anatomia,
perspectiva, câmeras de posicionamento de personagens, expressão facial,
cenários e disposição em cenas do roteiro decupado a lápis, geralmente com
rascunhos em cor azul e a finalização em lápis grafite.
27
No exemplo a seguir, os artistas Jean Diaz e Henrique Araújo realizam as
suas respectivas versões para a página 01 do roteiro apresentado acima.
As páginas apresentam diferentes propostas artísticas. Enquanto Jean
Diaz produz um estilo mais realista e com traços claros, Araújo propõe traços
com texturas, o que causa poluição de imagens. A Narrativa também foi
interpretada de forma diferente. Enquanto Jean Diaz constrói uma narrativa
com quadros com diferentes proporções de uma visão ampla da cidade para
um close da personagem, Araújo realiza a narrativa com quadros panorâmicos,
com dimensões praticamente iguais.
Ambos extrapolam a figura da personagem no quadro 04 para enfatizar
sua saída do estabelecimento. No roteiro não é solicitado tal solução gráfica,
mas tanto para Jean Diaz como para Araújo, a técnica possibilita que a idéia
proposta pelo roteiro seja lida pelo leitor de maneira precisa.
Fig. 15 – Teste Vertigo: Página 01, de Jean Diaz (2010)
Fonte: Estúdio Impacto Quadrinhos (2010)
28
Fig. 16 – Teste Vertigo: Página 01, de Henrique Araújo (2010)
Fonte: Estúdio Glasshouse Graphics (2010)
– Com o sistema de litografia, que consiste em impressão em matriz de
pedra calcária, os desenhos a lápis nem sempre tinham a qualidade desejada
de impressão. Surge então a figura do arte finalista, aquele que com o uso da
tinta nanquim preta, pincel e bico de pena, retoca e refina os desenhos a lápis,
requadros, balão de texto e, em muitos casos, o próprio texto inserido no balão.
Com o desenvolvimento da profissão, o arte finalista começa a realizar
propostas artísticas com o desenhista, criando resultados memoráveis e uma
arte nova, fruto do desenho do artista e da interpretação do arte finalista. Com
advento do offset, rotogravura e atualmente a impressão digital ou por
demanda, a arte final se tornou mais uma questão de estilo, já que atualmente
se consegue uma qualidade satisfatória de definição de imagem a lápis.
29
Fig.17 – Superboy, the boy of steel (2010)
Fonte: JOHNS e MANAPUL (2010)
30
– A figura do colorista também passou por um grande desenvolvimento.
Se no início sua função era escolher cores compatíveis com sistema de
impressão, atualmente sua função é a de criar a atmosfera, a tensão, direção
de arte e estabelecer a relação de luz e sombra em uma história. As técnicas
também variaram. Desde técnicas manuais como aquarela, acrílica até
manipulação de cores em plataforma digital. A conseqüência desse modo de
trabalho foi o estabelecimento das histórias em quadrinhos como meio de
comunicação de massa.
Fig.18 – Colorização digital de uma página de história em quadrinhos (2010)
Fonte: SIROIS (2010, p. 86-91)
31
As diferenças do gênero comics também consistem nas técnicas de
publicação. Os comics foram publicados como tiras seriadas ou tiras de
aventuras. Segundo Ramos, as tiras seriadas,
como o nome sugere, estão centradas numa história narrada em partes. [...] Cada tira traz um capítulo diário interligado a uma trama maior. Se as tiras forem acompanhadas em sequência, funcionam como uma história em quadrinhos mais longa. É muito comum o material ser reunido posteriormente na forma de revista e livros (2009, p. 25-26).
A adaptação literária enquanto gênero de histórias em quadrinhos surge
em 1948 quando Aizen lançou a Edição Maravilhosa pela editora EBAL. As
adaptações literárias em histórias em quadrinhos possuem como
características a interpretação do texto literário com textos e imagens sem
desrespeitar o texto integral da obra. Não se trata de um gênero fácil de
produzir, uma vez que muitos autores acabam por utilizar o texto integral na
adaptação e utilizam os desenhos como ilustrações que agregam pouco ao
texto verbal já proposto pelo autor. É preciso que o criador de quadrinhos
responsável pela adaptação literária procure criar um roteiro que contemple os
principais elementos da obra e que deste roteiro exista a criação de imagens,
discursos e textos propícios a dinâmica das histórias em quadrinhos, para que
não se torne uma adaptação mais complexa de entender que o próprio texto
literário.
Entre os gêneros de histórias em quadrinhos publicados no Brasil, o que
teve um grande impulso de criatividade entre os autores brasileiros são as tiras
cômicas. O cartunista Henfil deu início a tradição do formato "tira" com seus
personagens Graúna e Os Fradinhos. Foi nesse formato de tira que estrearam
os personagens de Maurício de Souza, criador da Turma da Mônica ainda no
fim de 1959. Ziraldo Alves Pinto lança o Pererê na década de 60 e juntamente
com Millôr Fernandes, Jaguar, Fortuna Prósperi e Claudius cria na mesma
década o jornal Pasquim, de conotação política e de posição contrária ao
regime ditatorial que o Brasil sofria nesse período.
Outros autores de histórias em quadrinhos encontraram no formato das
tiras sua forma de se expressar. As Universidades possuem um papel
fundamental nesse novo momento dos quadrinhos brasileiros. A revista Grilus,
32
do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, publicou em
1973 as tiras da personagem Rango, de Edgar Vasques. Na década de 1980, a
revista Chiclete com banana foi o grande ícone do conceito Udigrudi, forma
aportuguesada do termo underground, criado para nomear o movimento da
contracultura, da década de 1960 no Estados Unidos. Robert Crumb pode ser
considerado um dos pioneiros deste gênero. Outros artistas também tiveram o
reconhecimento do público e crítica: Harvey Pekar e Gilbert Shelton. No Brasil,
os autores Laerte, Luís Gê e Angeli agregaram aos elementos da contracultura
o movimento punk daquele momento. Era um quadrinho específico para aquela
geração, que se reflete a rebeldia, a contestação dos jovens daquela geração
em suas personagens.
Angeli criou a Rê Bordosa, uma garota que vivia sob efeitos de
entorpecentes, cabelos pintados e penteados com referências do movimento
musical new age e Bob Cuspe, um garoto caracterizado sob a estética punk e
com um senso irônico e ideológico radical.
Laerte com seus Piratas do Tietê já propunha um quadrinho mais
introspectivo, sem personagens fixos, característica que mantém até hoje em
suas tiras na Folha de São Paulo. Luís Gê não criou um personagem tão
emblemático quanto os outros dois autores, no entanto foi o que mais
subverteu os quadrinhos enquanto linguagem. É pioneiro em mesclar pesquisa
acadêmica e produção artística em histórias em quadrinhos. Seus trabalhos
Quadrinhos em Fúria e Território de Bravos são ícones do quadrinhos
experimentais da década de 1980.
As personagens dos anos 1980 questionaram modismos e as
contradições de comportamentos estereotipados, sejam na relação com
personagens coadjuvantes ou com o contexto que as cercavam. O humor
oriundo das publicações do fanzine universitário Balão, juntamente com as
influências do jornal da década de 70, o Pasquim, fizeram com que estes
autores, após o fim da publicação Chiclete com Banana publicassem suas tiras
nos principais jornais do país, se consagrando como os grandes autores do
quadrinho brasileiro contemporâneo.
As tiras seriadas podem ser também consideradas a estrutura básica da
maioria das histórias em quadrinhos publicadas na Itália. Os fumetti, como são
denominadas as histórias em quadrinhos pelos italianos, são publicadas
33
respeitando o formato clássico da tira de aventura, independente do tema ou
veículo de publicação. Outros autores europeus, como os belgas Hermann e
Hergé e o francês Moebius, fazem as mais diversas experimentações de
roteiros e textos sem abandonar esse gênero.
34
Fig.19 – Tiras de Henfil
Fonte: Jornal da ABI (2007, p. 26-27)
35
Um gênero que desconstrói as tiras são os mangás, gênero de histórias
em quadrinhos publicadas no Japão, que possui caracterísitcas próprias, tanto
em imagens, quanto narrativa e texto. Esse estilo começou como uma
ramificação do cartum e chama-se mangá3 por ser o nome da primeira revista
de quadrinhos publicada no Japão.
No Brasil, fenômeno semelhante acontece com os quadrinhos
conhecidos como gibi por muitos leitores. Na verdade, essa denominação era
da revista Gibi, revista publicada pela editora Globo.
O mangá foi desenvolvido no período pós guerra por muitos artistas
japoneses, mas quem realmente definiu a estética do mangá foi o autor Osamu
Tesuka, que realizou entre outras obras Astro Boy e A Princesa e o Cavaleiro,
que foram rapidamente consumidas pelo mundo todo.
No Brasil, o mangá, foi publicado pela editora Edrel, que publicou entre
1970 e 1980 trabalhos com influência oriental. A Grafipar também lançou
Mangás e uma nova safra de autores, entre eles Mozart Couto, Watson
Portela, Rodval Matias, Roberto Kussumoto, Franco de Rosa, Sebastião
Seabra, Maurício Veneza, Itamar Gonçalves, Bonini e tantos mais.
Depois de seu fechamento das duas editoras, o mangá voltaria a ser
pensado e produzido por artistas brasileiros somente na década de 1990, com
Marcelo Cassaro, Érika Awano, Alexandre Nagado, Eduardo Francisco e até
com Mozart Couto, desenhista de estilo realista que se aventurou no mercado
oriental.
3 Para maiores informações sobre o Mangá e seus personagens, consultar GRAVETT (2006).
36
Fig.20 – Página do Mangá Monster Hunter Orange nº01
Fonte: MASHIMA (2010)
As histórias em quadrinhos começam a passar por uma constante
revisão na sua forma de ser produzida, publicada e lida. Autores visionários se
desvinculam de editoras e de personagens marcas para criar o que chamamos
de quadrinhos autorais. Por se tratar de visões pessoais de autores acerca do
fazer histórias em quadrinhos, não dá para encaixar como gênero, apesar do
mercado denominar esses trabalhos de Graphic Novel, termo desenvolvido por
Will Eisner.
37
Autor, pesquisador e professor, com Will Eisner as histórias em
quadrinhos foram revisitadas em toda sua plenitude. Em relação ao texto
verbal, histórias do cotidiano, profundidade psicológica das personagens,
pesquisa histórica, histórias voltadas para um público mais maduro. Em relação
ao texto não verbal, pesquisa de novos materiais artísticos como desenho
pintados em técnicas de aguada (nanquim diluída em água), sépia (tinta
marrom em papel creme que apresenta um resultado gráfico diferenciado da
produção comum de histórias em quadrinhos), projeto editorial, meio de
produção e impressão diferenciados fizeram com que as histórias em
quadrinhos passasse a ser denominadas Graphic Novel.
Outro autor que questiona a forma de se escrever histórias em
quadrinhos é Alan Moore, que configura a formação de roteirista na sua forma
mais virtuosa.
Trata-se de um escritor descritivo, com suas cenas devidamente
explicadas, com posicionamento de câmera, de personagens, estrutura dos
quadros e seus diálogos correspondentes, sólida pesquisa bibliográfica do
tempo, espaço e ambiente em que a história em quadrinhos está se passando.
Seus desenhistas também acabam por seguirem estes elementos,
transformando a história em quadrinhos em um verdadeiro compêndio de
elementos narrativos que se agregam formando uma linguagem bastante
complexa que exige do leitor um conhecimento razoável dos elementos
constituintes das histórias em quadrinhos.
Scott McCloud é um autor que além de pesquisar as histórias em
quadrinhos, ele usa a linguagem dos quadrinhos para tecer suas teses acerca
dessa linguagem. O autor usa todo potencial educacional das histórias em
quadrinhos para instruir e fazer refletir. Seus exemplos, textos e pesquisas são
apresentados em narrativa de simples entendimento e com todos os elementos
constituintes das histórias em quadrinhos. McCloud ainda redefine a forma dos
quadrinhos em ambiente web. Seu site www.scottmccloud.com apresenta
histórias em quadrinhos que discute as possibilidades de interação do leitor
com a obra apresenta, seja por hyperlinks, por limites de leitura de tela ou
relação entre arte estática e animada, McCloud estabelece tendências que
podem gerar novas maneiras de produção de histórias em quadrinhos.
38
Algumas editoras procuram reunir estes tipos de autores em antologias
de vanguarda, como a Metal Hurlant que surge como uma opção de revista em
quadrinhos autorais, tanto na sua poética verbal quanto não verbal. Trata-se de
uma publicação focada em um público adulto, interessado em artes visuais,
música, teatro, política e ficção científica. Seus roteiros são experimentais,
sendo desde adaptações de poesias, letras de música, trechos de escritos de
autores de literatura fantástica. Entre os grandes nomes dessa revista,
podemos destacar Moebius, Bilal, Gaza, Corben, Serpieri entre outros. Na
América Latina a Metal Hurlant influenciou na criação das revistas Fierro
(Argentina), Metal pesado e Front (Brasil),
Entre todas as experimentações a que mais se destaca são os
quadrinhos não verbais que sempre coexistiram com os quadrinhos verbais só
que em menor escala e seus autores entendem os desenhos como forma de
comunicação por si só, deixando a narrativa em segundo plano, transformando
suas histórias em uma leitura lúdica, de livre interpretação. Com advento das
publicações e ações já citadas nesse mesmo artigo, o quadrinho não verbal
encontrou autores que realizassem verdadeiras sagas e grandes aventuras
utilizando essa estrutura.
A concepção de roteiro nesses casos é subjetivo, pois ele se mescla à
criação dos desenhos. O roteiro deixa de existir enquanto núcleo dissertativo
ou descritivo e passa a ser estético, em construção com a arte, narrativa e
sequência dos quadrinhos.
A geração atual de artistas como Gabriel Bá, Fábio Moon, Ariel Olivetti,
Eduardo Risso, optaram por publicar histórias fechadas com personagens mais
humanizados e não mais como protagonistas, que tinham as ações focadas da
história centralizadas neles e em seus antagonistas.
As histórias contemporâneas possuem um foco diferente, da qual o
autor procura explorar como um tema pode influenciar diversos personagens. A
figura do protagonista desaparece, fazendo com que o foco da história não
fique mais na personagem, mas no seu conteúdo.
39
Fig.21 – Web comic Nawlz
Fonte: SUTU (2010)
40
Um dos sites pioneiros em web comics no Brasil foi o site
www.cybercomics.com.br, um portal de quadrinhos que reuniu os principais
nomes do quadrinho nacional. Fábio Zimbres, Lourenço Mutarelli, MZK entre
outros participaram do projeto. Outro site a fazer sucesso e estabelecer
personagens no cenário Brasileiro, algo que até então somente Maurício de
Souza com Turma da Mônica e Ziraldo com Pererê haviam realizado, foi
www.comborangers.com.br de Fábio Yabu. Personagens que inicialmente
eram paródias de seriados de animes japoneses acabaram por gerar
personalidade e estilo próprios, acarretando fãs – o site chegou a ter um fã
clube de aproximadamente 30.000 integrantes – e gerando uma revista própria,
que durou apenas 1 ano. O seu idealizador, Fábio Yabu criou recentemente o
projeto Princesas do Mar, que consiste em personagens para animação, contos
infantis e histórias em quadrinhos.
ANSELMO GIMENEZ MENDO ressalta que quanto mais a HQ evolui
dentro do meio eletrônico, acrescentando novos valores às linguagens (games,
animação e a própria Internet), mais caminhamos na direção de um grande
distanciamento entre HQ no papel e digital. Os quadrinhos eletrônicos, que se
confundem com as páginas impressas por sua semelhança gráfica e narrativa,
mantêm próximos dos quadrinhos tradicionais. Quando vamos além, as
histórias na Internet – ricas em recursos extras de linguagem – aproximam-se
cada vez mais de linguagens muitas vezes lúdicos-interativas (como nos jogos
eletrônicos) e com movimento (como nos desenhos animados). (MENDO,
2005).
Os web comics ou HQtrônicas, como sugere o pesquisador e
Quadrinista Edgar Franco, vem proporcionando o surgimento de novos artistas
e a independência do artista em relação ao editor. Com a Internet, autores
latinos estão realizando trabalhos em conjunto, nas denominadas web comics.
Coletâneas como a boliviana Pachamama Zombie, ou a espanhola Corderito
Pata Comics são exemplos de como os quadrinhos vinculados na Internet
estão reunindo autores de diversas partes do mundo. Isso é algo inédito e que
a nova geração de autores estão tendo acesso e a possibilidade de que esta
troca resulte em uma nova forma de se produzir novas histórias e,
provavelmente novos gêneros de histórias em quadrinhos.
41
CAPÍTULO II
2.1 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E A SALA DE AULA
O ser humano, por natureza, sente a necessidade de se comunicar e de
estabelecer relações para compreender a sociedade em que vive. Para tanto,
ele cria a linguagem como meio de intermediação social.
Segundo Carlos e Silva (2009, p.16), a criação da linguagem permite
que as relações sociais, comunicativas e epistêmicas sejam mediadas por uma
série de códigos, escritas, imagens, enfim, de textos e hipertextos que
registram e representam o próprio mundo e o produto das intervenções e
relações humanas, os sentimentos, as ações e os saberes tecidos no curso da
história de vida dos indivíduos e dos povos.
Em uma sociedade que cada vez mais rápido se depara com diversos
meios de comunicação, transformação de linguagens, de mídias que são
associadas à difusão de ideias, conhecimento científico, desejo, consumo e
divulgação, é necessária a atualização de novas formas de aprendizagem que
visem a alfabetizar o indivíduo também no texto não verbal e em suas
intersecções com o texto verbal.
Sem o acesso adequado às diferentes formas de linguagens, o ser
humano pode se tornar um indivíduo ideologicamente alienado, incapaz de
questionar a real importância dos discursos a que tem acesso.
A introdução da mídia na educação busca o desenvolvimento de uma
ampla competência, não apenas em relação à imprensa, mas também nestes
outros sistemas simbólicos de imagens e sons. Esta competência é
frequentemente descrita como forma de alfabetização e defende-se hoje que,
no mundo moderno, a alfabetização em mídia é tão importante para os jovens
quanto é a alfabetização em texto impresso.
A alfabetização precisa contemplar o diálogo entre as diferentes
linguagens. Isso representa um grande desafio educacional, pois necessita de
docente com formação interdisciplinar, ou seja, um profissional que saiba
agregar a alfabetização básica a outras formas de expressão. A educação
mediante o uso de várias mídias também se torna responsabilidade de
42
profissionais especializados em estudos midiáticos, uma vez que são eles os
difusores e/ou criadores desse material ao leitor.
As relações interativas são processos intrínsecos da linguagem. Há
necessidade de uma análise crítica das práticas dos diferentes discursos,
vistos como manifestação de pluralidade. Isto cria um lugar para o estudo das
manifestações discursivas das diversas codificações não restritas à palavra.
A linguagem inclui toda a variedade de diálogos cotidianos da vida
pública, institucional, artística, científica e filosófica entre ouvinte e falante como
um processo de interação em que o ouvinte, ao perceber e compreender o
significado do discurso assume uma postura ativa de resposta.
Quanto maior conhecimento da leitura, escrita e oralidade, maior a
liberdade de uso da linguagem e das novas mídias, conferindo ao leitor a
necessidade de ampliar o repertório educacional, comunicativo, além de uma
maior consciência cultural da sociedade em que está inserido.
A linguagem deve ser dimensionada como manifestação da cultura. As
linguagens são elos de uma cadeia que dinamiza as relações entre pessoas,
orientadas pelo tempo e pelo espaço.
O ensino de diferentes linguagens acaba por oferecer ao indivíduo um
repertório crítico, tornando-o capaz de se comunicar por meio de diversas
linguagens no seu dia a dia e em tempo real. Seu discurso é transformado em
múltiplas interpretações, de acordo com o domínio dessas linguagens.
Assim, é possível considerar as formações discursivas no amplo campo
da comunicação mediada, seja aquela processada pelos meios de
comunicação de massas ou pelas modernas mídias digitais.
Cada vez mais se demandam por profissionais nas áreas da educação,
comunicação social, design gráfico e mídias digitais com competências de
analisar de forma crítica o uso das linguagens, sejam elas verbais, não verbais,
quer avaliando o conteúdo e a forma da mensagem transmitida quer
investigando o impacto educacional, histórico, social que as linguagens podem
provocar no receptor.
Linguagens como as utilizadas nas histórias em quadrinhos acabam por
acelerar o processo de comunicação verbal e imagética entre emissor e
receptor, posto que elas, modernamente, podem ser processadas e publicadas
em diversas mídias, como se expôs no capítulo anterior, estabelecendo novas
43
relações com a tecnologia de informação e, logo, com diferentes formas de
comunicação.
Conforme Steven Heller (2007), a construção de palavras/imagens
enseja o acesso fácil e, com isso, torna-se um veículo ideal para promoção de
ideias.
Ensinar linguagens, como as histórias em quadrinhos, propicia aos
alunos novos meios de alfabetização, compreensão, interpretação, produção
de comunicação complementar ao texto verbal, contexto da comunicação,
informação e tecnologia. Com isso, os alunos passam a compreender que as
histórias em quadrinhos podem ser mais que entretenimento; é uma linguagem
que auxilia na educação.
As histórias em quadrinhos se adaptaram a diversas outras linguagens
como desenho, fotografia, cinema e meios de comunicação como jornais,
revistas, web sites, blogs, fotologs e alterou inclusive a sua forma de ser lida,
podendo ser estática ou animada. O ser humano também se adaptou à
variedade midiática e cada vez mais ele a utiliza essas diversas formas para se
comunicar. As histórias em quadrinhos não são diferentes.
Uma história pode ser comunicada ou interligada em diferentes
linguagens e mídias. Uma letra de música pode ser adaptada para as histórias
em quadrinhos, bem como um filme ou um texto literário. Um post em um site,
como o Twitter4, pode ter um discurso em sintonia com uma tirinha em
quadrinhos, que consiste em uma pequena célula de três quadros, que
intersecciona textos verbais e não verbais.
Um blog pode publicar o processo de produção de determinada história
em quadrinhos e, desse modo, funcionar como uma mídia complementar de
divulgação de uma revista impressa de histórias em quadrinhos. Um vídeo no
site You tube5 pode ser a releitura animada e sonorizada de uma história em
quadrinhos. A peça-chave para orientar o educando neste processo
complementar de alfabetização é o professor.
4 No Twitter é possível digitar um texto com apenas 140 caracteres. Por isso é possível inserir
uma tirinha. O endereço deste site é: <www.twitter.com.br> 5 Endereço: www.youtube.com.br
44
A linguagem, para Carlos e Silva (2009, p.16), é um artefato social e
cultural fundamental para a ação comunicativa do homem, visto como ser que
dialoga, que se socializa e se relaciona com o seu grupo.
Em áreas como educação, comunicação social, design gráfico e mídias
digitais, o caráter intermidiático dessas linguagens pode ser estudado também
sob o viés da argumentação por persuasão ou convencimento ao receptor.
O uso das linguagens por parte de profissionais destas áreas precisa ser
responsável e crítico, uma vez que estes respondem por criações de marcas,
sinalização, peças publicitárias, ícones, personagens entre outros produtos que
acabam por direcionar a conceitos e atitudes de uma sociedade.
A publicação desta mídia implica a participação de outra disciplina, uma
vez que será preciso a compreensão da tecnologia da informação e
comunicação da mídia escolhida. No ambiente escolar, é valiosa a contribuição
do professor de informática para tornar esse projeto exequível.
A maioria das linguagens que o aluno tem contato é de natureza
intermidiática, como as histórias em quadrinhos, cinema, teatro, jogos
eletrônicos entre outras mídias digitais. Além disso, são linguagens em sintonia
com a arte contemporânea. Assim, é importante torná-lo um leitor crítico,
conhecedor dos princípios da linguagem proposta, como no caso das HQs.
Para introduzir o discente no estudo desta linguagem, sugere-se que
primeiramente se apresente um autor de quadrinhos, que se comente sobre a
sua cronologia produtiva, sobre a relevância crítica que esse criador possui e
como os leitores costumam interagir com a sua obra.
Uma história em quadrinhos publicada em mídia impressa possui
processos distintos de leitura da mesma história publicada em uma mídia
portável (mobile media), como um aparelho celular por exemplo. As diferenças
consistem em produção de imagens, que podem ser bitmaps ou vetoriais6, e no
tamanho e na resolução da imagem, que em uma publicação impressa precisa
6 Bitmaps são imagens rasterizadas, isto é, imagens compostas de pixels, com resolução fixa, o que
impossibilita a ampliação ou redução da imagem sem distorcer sua resolução, produzindo serrilhas, distorção das cores entre outros. Imagem Vetorial consiste em um tipo de arquivo do qual os objetos individuais são escalonáveis, definidos por fórmulas matemáticas em vez de pixels. Assim gráficos vetoriais não dependem de resolução. A tipografia digital são objetos vetoriais. A imagem vetorial também é conhecida por arte à traço, uma vez que esse tipo de imagem não consegue reproduzir tons contínuos.
45
ser de alta qualidade enquanto em ambiente digital a publicação tem a ver com
a relação qualidade de visualização e a velocidade de navegação de um site;
portanto, as imagens são de baixa resolução. No que tange às quantidades de
páginas, se no impresso há um limite reduzido, no ambiente web é possível
criar e publicar páginas de histórias em quadrinhos indefinidamente. O
manuseio da história impressa em revista e livro difere do manuseio de um livro
digital, entre outras diferenças. Estes dados resultam em percepções distintas
que viabilizam ao leitor um amplo leque de possibilidades de leitura e
aprendizado com as histórias em quadrinhos.
As histórias em quadrinhos possuem um processo de produção
interdisciplinar, pois são necessários profissionais que trabalhem com:
46
Fig.22 – Piratas do Caribe: O Baú da Morte
Fonte: RIGANO e AMBROSIO (2010)
47
Dando um tratamento interdisciplinar ao estudo das histórias em
quadrinhos, os docentes garantem o desenvolvimento de inúmeras
competências nos alunos. Com isso, o ensino adquire uma visão globalizada,
contemporânea, de trabalho em equipe e de respeito às diferentes concepções
artísticas de cada profissional.
Segundo TOMAZ e DAVID, (2008, p. 17), a abordagem interdisciplinar
dos conteúdos de ensino ajudaria a construir novos instrumentos cognitivos e
novos significados extraindo da interdisciplinaridade um conteúdo constituído
do cruzamento de saberes que traduziria os diálogos, as divergências e
confluências e as fronteiras das diferentes disciplinas. Supõe-se que
constituiríamos, assim, novos saberes escolares, pela interação entre as
disciplinas.
Assim como em qualquer linguagem, no caso das histórias em
quadrinhos, é preciso também considerar o aspecto lúdico e técnico deste
material, bem como a recepção dos seus recursos no contexto em que o aluno
está inserido.
Propor a leitura de mídias como histórias em quadrinhos, blogs ou filmes
em ambiente escolar é muito importante para atividades como debates de
temas transversais, compreensão e interpretação de texto e por ser uma
atividade lúdica de socialização.
O docente pode contextualizar o aluno na história destas linguagens e
apresentar os autores que estabeleceram estilos, criaram técnicas de desenho,
formas diferenciadas de estruturação de narrativas e de composição de
personagens. Podemos citar os Super-heróis dos comics, gênero de histórias
em quadrinhos produzidos nos Estados Unidos. São personagens que
possuem peculiaridades culturais diferentes das personagens dos mangás,
gênero produzido no Japão.
A contextualização social e histórica desperta no discente o olhar crítico
acerca da linguagem aprendida. As escolhas de quais histórias em quadrinhos
ler, a tarefa de buscar leituras que normalmente não são comercializadas, a
atividade de relacionar as histórias em quadrinhos com movimentos sociais,
artísticos e literários são alguns dos complementos que esse ensino pode
propiciar ao aluno.
48
Ana Paula Machado Velho (2009, p. 11) considera que os pesquisadores
devem se preocupar com o aprimoramento do estudo textual, examinando
como essa linguagem surge no universo midiático, sob a perspectiva da
cultura. Esse pensamento se apoia em projetos de educação e difusão de
conhecimento, geralmente expostos em programas como Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), Programa Nacional do Livro Didático (PNL),
oficinas de produção e reflexão de histórias em quadrinhos e pesquisas como
artigos, monografias, dissertações e teses.
Esta forma de ensino privilegia linguagens como a história em
quadrinhos, em detrimento de um ensino meramente instrucional, que trabalha
apenas com fragmentos de determinadas linguagens, causando com isso a
incompreensão e falta de criticidade acerca do objeto em análise.
Saber ler e se expressar em diversas linguagens são necessidades
fundamentais para os alunos e para o docente que está inserido em uma
instituição que contemple a pesquisa, a extensão e a reflexão em sala de aula.
Segundo Rui de Oliveira (2008, p. 29), a alfabetização visual proporciona
à criança não apenas uma leitura melhor, mas também valoriza a importância e
a beleza das letras, dos espaços em branco, das cores, da diagramação das
páginas e da relação entre texto e imagem. Este procedimento desperta no
educando o senso estético.
Esta alfabetização a que Oliveira se refere precisa começar na infância e
se desenvolver até a fase adulta, uma vez que essas linguagens farão parte do
dia a dia do discente. A falta dessa alfabetização resulta em um sujeito pouco
habilitado para as transformações midiáticas da sociedade, tornando um
profissional despreparado.
Oliveira (2008, p. 32) considera que a leitura narrativa é sempre uma
compreensão dos significados antecedentes e consequentes da imagem. Com
relação ao texto, é sempre um prisma, jamais um espelho.
O leitor deve ser um livre intérprete do texto. Para tanto, é preciso que
ele consiga estabelecer uma relação entre a leitura verbal e não verbal. O
ensino da linguagem não pode ser reduzido ao estudo da palavra e frase
descontextualizadas, exibição de filmes sem relação com um tema transversal
debatido em sala de aula ou no caso das histórias em quadrinhos de leituras
sem análises ou orientações do docente.
49
A prática de leitura em gibitecas e espaços de convivência propiciam o
aprendizado lúdico da linguagem, mas com o risco da fruição e produção se
fazer por meio da cópia. A orientação docente pode fazer com que o aluno
produza, aos poucos, textos verbais e não verbais de própria autoria.
A leitura e orientação em classe podem, como salienta Irandé Antunes
(2009, p.19), funcionar como elemento de interação social entre os alunos.
Antunes (2009, p. 77) tem razão ao ressaltar o contexto extralinguístico da
produção e circulação de uma obra como elementos de compreensão de uma
leitura. Por isso, é necessário que o docente estimule a leitura contextualizada
e não somente a leitura como experiência lúdica, que, embora não deixe de ter
sua relevância, não pode ser considerada como a principal estratégia de leitura
em sala de aula.
Transformar a leitura em estratégia para o ensino de recursos de
expressão é aspecto que, para Antunes (2009, p. 71), precisa ser revisto. Não
se considera mais um texto como unidade autotélica. Ele é reflexo e refração
dos aspectos socioculturais da comunidade onde o criador se inscreve. O
procedimento de ensino adotado deve contemplar para além da questão do
aspecto técnico da aprendizagem de uma linguagem. É importante que a esta
abordagem se agregue também o conhecimento lúdico, oriundo da leitura dos
diversos elementos constituintes das histórias em quadrinhos, tais como balões
de texto, anatomia expressiva das personagens, os elementos de ironia e
carnavalização encontrados tanto no texto verbal quanto não verbal por
exemplo.
O aluno que tem em mãos uma revista de histórias em quadrinhos pode
exercitar diversos conhecimentos aprendidos em sala de aula, mas quando ele
sabe quem é o autor, sua relevância na criação estética, no impacto histórico
desta mídia e na sociedade, o aprendizado é mais do que técnico e lúdico: é
contextualizado. Conhecendo os quadrinhos sob esta perspectiva, o aluno
saberá distinguir uma obra que perdura de um trabalho sazonal. Poderá
compreender o porquê de determinada obra ter certa característica e o porquê
desta escolha estética, tanto na linguagem não verbal quanto verbal.
Quando o aluno for capaz de criticar e discernir autores, obras,
movimentos e seus espaços na sociedade, as histórias em quadrinhos vão se
tornar uma mídia madura, representativa também para seu universo de leitor.
50
A produção de quadrinhos em ambiente escolar cobra que tanto emissor
quanto receptor sejam instruídos de conceitos críticos. Para tanto, o primeiro
que precisa de subsídios para prover esses alunos dos fundamentos críticos
desta linguagem é o professor.
As histórias em quadrinhos apresentam uma linguagem em que há uma
combinação de códigos a que o aluno já está familiarizado. Elas podem ser
utilizadas de diversas maneiras em sala de aula. O que precisa ser
considerado é qual dessas formas prestigia um ensino interdisciplinar, que
contemple as potencialidades das histórias em quadrinhos.
Um bom exemplo de apresentação de conhecimento com um excelente
aproveitamento de mídias é o Museu de Língua Portuguesa que apresenta
tecnologia de informação calcada no interdiscurso entre texto verbal, visual e
sonoro. São espaços com paredes repletas de painéis infográficos, salas com
mesas eletrônicas sensíveis ao toque que oferece uma educação pela
interatividade.
Há muito tempo a sala de aula deixou de ser centro de referência de
aprendizado do aluno. A sala de aula precisa retomar esse papel e alcançar a
excelência de ensino e aprendizagem, uma vez que é o centro de educação
em que o ser humano passa mais tempo: da criança na pré-escola até o
docente pós-graduado.
É na sala de aula que o aluno debate, cria, aprende e produz
conhecimento. Outros centros de educação são meios complementares que
não devem ser substituídos pelo ambiente escolar. Para isso é necessário a
introdução do ensino de linguagens intermidiáticas e, dentre tantas linguagens
a serem usadas em sala de aula, destacam-se as histórias em quadrinhos.
A restrição que se tem interposto ao uso das histórias em quadrinhos no
ensino de línguas é por elas serem tratadas eminentemente por sua função
técnica, ou seja, como meio para estudar as questões de comunicação ou de
gramática como as onomatopeias, por exemplo. Observe-se ainda que, muitas
vezes, a presença das revistas em quadrinhos para atividades de leitura, a
produção livre de desenhos ou de páginas em quadrinhos, não é orientada por
um olhar crítico. A pouca frequência do estudo reflexivo das histórias em
quadrinhos em sala de aula aponta para a urgência de um trabalho teórico-
51
prático que contribua para formar produtores de texto e leitores críticos dessa
linguagem no espaço escolar.
São necessários diversos conhecimentos para ambos (produtores e
leitores). Torna-se relevante orientar como essa linguagem se apropria de
elementos verbais e não verbais e compreender de que recursos esses
códigos se valem e de que sentidos eles são portadores.
Só o conhecimento técnico não basta, sem falar que este tipo de saber
pode ser obtido de maneira autodidata. Mas o conhecimento reflexivo, a
pesquisa, a busca pelo conhecimento e desconstrução da forma das histórias
em quadrinhos parece ser tarefa difícil de ser feita sem uma orientação
adequada. Esse papel pode ser de responsabilidade do docente.
O ensino de histórias em quadrinhos pode ser levado a efeito mediante
uma estratégia em que se dê a oportunidade de o aluno explorar os diferentes
códigos. Um bom exemplo de atividade em sala de aula com histórias em
quadrinhos é a produção de histórias pelos próprios alunos.
Ao produzir essas histórias de modo artesanal, o docente pode solicitar
reproduções dessa história em máquina de fotocópia e com essas cópias
confeccionar uma revista com uma pequena tiragem. Esse tipo de publicação é
conhecido por fanzine.
Segundo Henrique Magalhães (2005, p. 13), fanzine trata de uma
publicação amadora, sem fins lucrativos, que visa a troca de ideias, no caso, de
histórias em quadrinhos.
Sem orientação, o aluno pode considerar a produção do fanzine uma
atividade meramente prática, ou seja, um ato manual de dobrar folhas,
diagramar as páginas, grampear a lateral da revista.
O docente pode complementar essa atividade com a contextualização
do fanzine, com infográficos contando a cronologia do surgimento deste tipo de
publicação, destacar autores influentes e mostrar as mudanças artísticas,
estéticas e de comunicação que esses autores introduziram nas histórias em
quadrinhos. O aluno poderá compreender que aquela folha de papel
desenhada, escrita à mão e dobrada no meio pode ser muito mais que um
exercício prático executado em sala de aula. Pode ser o início de uma
produção duradoura de quadrinhos e desdobramentos para outras linguagens.
52
A produção de histórias em quadrinhos em sala de aula, orientada por
um docente, pode despertar vocações, novos escritores, roteiristas,
desenvolvedores de conteúdo interativo, quadrinistas, pesquisadores,
designers, futuros professores e, principalmente, leitores críticos.
Mesmo nas instituições que prioriza o ensino reflexivo, encontram-se
diversos alunos da graduação com o perfil tarefeiro, ou seja, só realizam
trabalhos mediante avaliação; sua presença em aula tem muito mais relação
com a obrigatoriedade do que com a investigação e orientação adequada de
seus professores. Há uma dicotomia no processo educacional ao invés de uma
progressão vocacional do discente para produção e pesquisa.
A proposta de ensino e produção é comum em instituições de graduação
que priorizam o professor pesquisador, ou seja, um agente que orienta o
discente tanto em atividades técnicas quanto na produção científica. O aluno
da licenciatura, futuro professor, nem sempre se posiciona como um
pesquisador. Não tem, por vezes, esta vocação estimulada na sua formação.
No entanto, é também este público que este trabalho quer atingir: despertar
nele o mestre que tenha o interesse de desenvolver a pesquisa da linguagem
dos quadrinhos.
As histórias em quadrinhos possuem repertórios de elementos a serem
pesquisados e pode se tornar uma linguagem de grande valia na formação de
um discente pesquisador. Cabe como meta da escola em qualquer nível
educacional formar o aluno como ser profissional e cidadão, consciente do seu
papel na sociedade.
– A Leitura
As histórias em quadrinhos são propostas em sala de aula de diversas
maneiras. Um dos usos mais comuns é de interpretação de texto, tendo como
objeto de estudo a análise de uma tira de quadrinhos.
Espera-se que os alunos consigam realizar análise de texto, através do
reconhecimento de formas verbais e não verbais marcadas no texto. Essa
prática em sala de aula pode ter outros elementos que vitalizem a relação
aluno, texto e mundo, como: produzir uma tira de histórias em quadrinhos,
abordar elementos como autoria, relacionar a tirinha com o meio em que foi
53
publicado, como jornais, sites de internet ou revista, comparar autores
contemporâneos ao autor da tirinha e relacionar a tirinha com outras
linguagens como música, por exemplo.
É importante frisar que isso já ocorre com assuntos como literatura, uma
vez que é uma matéria que possui bastante prestígio em sala de aula, embora
sua presença tenha perdido espaço nas práticas pedagógicas.
A leitura é um processo de interação entre o que o leitor tem como
repertório e o que a história em quadrinhos se propõe a apresentar.
A contextualização com a pré-leitura da história em quadrinhos agrega
ao aluno conhecimentos os quais o discente já possui, facilitando o processo
de aprendizagem e criando uma rede de significados possíveis, que propicia a
reconstrução do texto para sua melhor compreensão.
A não contextualização do texto acaba por propiciar apenas a
decodificação de signos pela rama, sem maior aprofundamento. É preciso
privilegiar o dialogismo das histórias em quadrinhos para que o processo de
transformação do aluno através da comunicação se torne realidade.
O aluno precisa ser capaz de ler o texto verbal e não verbal. De acordo
com Gavin Ambrose e Paul Harris (2009, p. 6), as imagens desempenham
diversas funções, como transmitir o drama de uma narrativa, resumir e apoiar
as ideias de um texto ou apenas quebrar visualmente um bloco de texto ou
espaço vazio. Elas fornecem informações detalhadas ou suscitam sentimentos
que o leitor compreende rapidamente. Como descrever a última moda em
palavras? Com certeza, é muito mais difícil do que simplesmente usar uma
imagem.
Adendo a estes comentários, a imagem é um meio de comunicação não
verbal que propicia ao emissor apresentar de forma universal uma expressão
que independe do texto verbal, ou seja, da alfabetização do idioma que o
emissor se comunica.
Segundo Ambrose e Harris (2009, p. 99), as inovações nos processos
de impressão, a popularização da fotografia digital e a disponibilidade e
variedade dos bancos de imagem contribuíram para tornar as fotografias mais
baratas e bastante acessíveis.
A imagem digital acaba por acelerar o processo de comunicação
universal e imagético entre emissor e receptor, uma vez que ela pode ser
54
processada e publicada em diversas mídias, estabelecendo novas relações;
logo, diferentes formas de comunicação com o mesmo texto não verbal.
Profissionais das áreas da educação, comunicação social, design gráfico
e mídias digitais precisam ser capazes de analisar de forma crítica o uso da
imagem como texto não verbal, conteúdo e forma da mensagem que pode ser
transmitida, decodificada e o impacto educacional, histórico, social e
comunicacional que as imagens podem provocar no receptor.
Segundo Douglas Keller (apud CARLOS; SILVA, 2009, p. 15), ler
imagem criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e interpretar
imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em
nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas.
O ensino da leitura da imagem representa um grande desafio
educacional, pois necessita de docente com formação interdisciplinar, ou seja,
um profissional que saiba somar à alfabetização básica essas linguagens e
novas mídias. A mídia voltada à educação também se torna responsabilidade
de profissionais especializados em estudos intermidiáticos, uma vez que são
eles os difusores e criadores de material midiático ao leitor.
Ler um texto é um ato de interação que objetiva a reinterpretação do
discurso do autor. Antunes (2009, p. 45) afirma que "a escrita é tão interativa,
tão dialógica, dinâmica e negociável quanto a fala" e se considerarmos que as
histórias em quadrinhos reúne diversos elementos de comunicação e
estabelece uma forma de comunicação entre leitor e autor, podemos
considerar a relevância de seu uso nos diversos campos da educação. A leitura
complementa a produção escrita.
A leitura de uma história em quadrinhos será reinterpretada a partir do
conhecimento prévio do receptor, proporcionando novos discursos dos quais
este leitor irá se apropriar e refratar em outras produções de histórias em
quadrinhos. O leitor irá acumular novas reflexões e cria-se com isso um ciclo
de conhecimento e comunicação entre autor e leitor. Este tipo de ação pode
ser trazido para a sala de aula com a mediação de um docente. Os alunos
assumem o papel de leitor e até mesmo em algumas situações podem ser
autores de histórias em quadrinhos, tendo suas histórias lidas e debatidas por
outros colegas.
55
A leitura crítica e ideológica pode ser orientada e praticada em aula. De
acordo com Antunes (2009, p. 66), a escola deve cumprir seu papel social de
intervir mais positivamente na formação das pessoas para o pleno exercício de
sua condição de cidadãs, mostrando o quanto é pertinente a utilização das
linguagens em sala de aula dentro de um contexto crítico e não tão somente
tecnicista.
Expor ao aluno o processo de trabalho de um grande autor é revelar-lhe
a dificuldade de se criar o texto de qualidade. O mesmo pode ser dito para a
escrita não verbal. Conhecer meios de representação gráfica, artistas,
movimentos e técnicas auxiliam na criação de trabalhos criativos que
complementam o texto verbal. Articular o aluno a produzir histórias em
quadrinhos coesas e coerentes, a revisar e reescrever diálogos que reflitam a
personagem criada e direcionar essas histórias em quadrinhos para leitores
concretos é dar-lhe a competência para ler, interpretar e criar essa linguagem.
– A escrita
O ato da escrita envolve um processo interdisciplinar de posições
refratadas, ou seja, que depende dos valores do autor enquanto pessoa e
criador e de posições refratantes, da qual o autor com seus valores, anseios e
opiniões dá forma ao conteúdo da vida para a comunicação.
A escrita verbal e a não verbal só existem na interação, por se
constituírem de discursos. É a partir da escrita que os discursos heterogêneos
passam a estabelecer uma forma de comunicação e de entendimento para o
receptor, tornando um meio homogêneo de mensagem.
O docente pode orientar o aluno a transformar as suas ideias em
imagens artísticas e não somente em textos descritivos ou técnicos. Na criação
de texto verbal e não verbal há um jogo de deslocamento envolvendo as
línguas sociais, pelo qual o escritor direciona todos os textos para reproduzir as
vozes alheias em uma personagem que as assimila e que se posiciona
também enquanto voz no discurso que assume.
O que se propõe nesta tese é que o professor oriente o aluno a dar voz
às personagens quer mediante a expressão escrita, quer mediante o desenho.
Propõe-se ainda que o professor chame atenção do aluno para a distinção
56
entre a identidade das personagens criadas e suas convicções, da identidade
dele (educando) e de sua maneira de ver o mundo.
O ato de dar vida à personagem não faz dela uma projeção especular do
criador. As histórias em quadrinhos precisam ser criadas para alguém ler.
Imaginar a produção de uma tirinha, história curta, revista ou um projeto que
envolva histórias em quadrinhos sem um leitor é desenvolver um exercício sem
estímulo e contexto. Ademais, as histórias em quadrinhos precisam ser
produzidas com suporte de publicação planejada, seja por meio impresso ou
publicado em ambiente web.
Essa produção pode ultrapassar os limites da sala de aula se existir um
projeto gráfico como uma revista, blog ou site. Outras classes, outras escolas e
outras comunidades podem ter acesso às histórias em quadrinhos
desenvolvidas em dada realidade escolar. O público passa a conhecer o que
se está sendo produzindo naquela unidade de ensino. O trabalho, tanto do
docente quanto discente passa a ser mais valorizado e com isso criam-se
novas possibilidades educacionais, como intercâmbio de alunos, empresas,
comerciantes, concursos públicos que podem complementar essa proposta de
ensino.
Com isso o docente garante que seu aluno será lido e questionado sobre
as suas ideias, formando, assim, um aluno autônomo e não um discente
tecnicista de quadrinhos copiados de alguma publicação ou ainda um futuro
profissional que seja considerado um bom desenhista, mas um péssimo
escritor.
Com a orientação adequada, o aluno passa a considerar que o ato de
produzir histórias em quadrinhos é desenhar, escrever, delimitar tema, focar no
público, revisar texto verbal e não verbal, verificar a coesão entre as
linguagens, reescrever, redesenhar, imprimir, distribuir e aceitar críticas para o
próximo trabalho.
A escola pode formar bons leitores e escritores em diversas linguagens,
entre elas, as histórias em quadrinhos.
A produção de histórias em quadrinhos pelo aluno é uma atividade
complementar à proposta de aprender a ler e a interpretar essa linguagem; vai
depender de como o docente qualifica a importância deste tipo de produção e
de que atividades ele pretende orientar em sala de aula.
57
Assim como um pesquisador, o docente que complementa as atividades
de ensino com as histórias em quadrinhos precisa diferenciar os tipos e estilos
desse gênero, comparar as histórias em quadrinhos apresentadas pelos livros
didáticos daquelas que são encontradas em bancas de jornal ou gibitecas, ler
revistas especializadas e frequentar cursos de formação ou oficinas em centros
educacionais voltados para o estudo dessa linguagem.
Com um olhar mais crítico, o docente pode elaborar a prática de escrita
verbal e não verbal de histórias em quadrinhos, que respeite o gosto pessoal
dos alunos, tanto em desenhos e texto e ao mesmo tempo em que seja capaz
de oferecer novos autores que nem sempre são encontrados em bancas de
jornal ou livrarias, que privilegie um formato de histórias em quadrinhos, que
seja produtivo para todos os alunos, que estimule a sala de aula a pensar
numa publicação coletiva e, por fim, que desperte novas vocações, seja para
produção de texto verbal, não verbal ou até mesmo de autores de histórias em
quadrinhos.
As histórias em quadrinhos, como prática de escrita, propiciam ao aluno
um amplo leque de conhecimentos e aprendizados. Quando elas ficam restritas
às disciplinas de artes, o educando deixa de aprender a linguagem verbal das
histórias em quadrinhos, elemento essencial para a compreensão desta
linguagem. O mesmo acontece quando as aulas de histórias em quadrinhos
ficam restritas ao ensino de Língua Portuguesa. Falta a outra face dessa
linguagem.
O ensino interdisciplinar coloca à disposição do aluno todas as
possibilidades educacionais que as histórias em quadrinhos podem oferecer. A
produção da escrita em sala de aula aborda duas linhas de conhecimento: uma
é a técnica, que auxilia o aluno no entendimento de elementos como
parágrafos, regras gramaticais, acentuação, ortografia, estrutura frasal de uma
língua. A outra linha a ser considerada é a comunicação.
As histórias em quadrinhos possuem personagens diversificados, com
origens, gestos e posturas das quais são necessárias técnicas de diálogos
diversos da norma culta. Um exemplo é o Chico Bento, personagem de
Maurício de Souza. Seu discurso é coerente enquanto a linguagem escrita é
com os registros no texto verbal do homem do campo e a fala está em
consonância com os trajes e a anatomia expressiva da personagem.
58
Essa veracidade convence o leitor daquilo que o autor pretende
comunicar. Desta forma, o diálogo é estabelecido. Em prática de aula, o aluno
pode escrever uma história em quadrinhos com uma redação mais próxima da
oralidade que de um texto formal. A orientação sobre a construção coesa e
coerente das linguagens verbal e não verbal, sobre a constituição das
personagens, sobre o diálogo destas com um dado contexto histórico e social
pode desenvolver novos saberes linguísticos e cognitivos.
Uma aula com esse conteúdo exige do docente um conhecimento
multidisciplinar e, na maior parte das vezes, de elementos não aprendidos em
cursos de formação. Outros fatores a serem considerados são as estruturas de
ensino de cada instituição, a dinâmica de aula, o tempo de aula, o sistema de
ensino e a receptividade da comunidade na adequação dessa proposta de
ensino a uma dada realidade.
As histórias em quadrinhos possuem uma dinâmica de construção da
linguagem verbal que favorece formas variadas de representação. A escrita
dentro de balões é apenas uma delas e estudar essa gama de possibilidades
de produção de texto verbal irá acrescentar ao aluno a compreensão de como
as histórias em quadrinhos influenciam outras linguagens no que se refere à
inserção de texto verbal em artes não verbais, sequenciadas ou estáticas.
As histórias em quadrinhos são construídas a partir de ideias simples,
que refletem a natureza humana, tais como medo, amor, ódio entre outros
sentimentos. No ato da produção do texto, essas ideias são frutos de reflexão,
de escrita e seus resultados são refratados na construção das personagens. O
docente pode orientar o aluno a explorar um desses conceitos, questionando-o
sobre que sentimento ele deseja desenvolver a narrativa e criando um
referencial para este sentimento. Se o sentimento for de medo, o professor
pode levar o aluno a refletir sobre o que é o medo, quais as possíveis causas
deste sentimento, quais as suas formas de manifestação e que reações as
pessoas apresentam em face dele, entre outras questões. Assimiladas estas
informações pelo educando, é possível propor o amadurecimento das ideias
iniciais e complementar com a orientação docente.
O processo de construção das ideias se contextualiza, fugindo da mera
cópia de modelos estereotipados que o aluno acaba por reproduzir e estende
para o senso comum, delegando o ensino das histórias em quadrinhos a
59
disciplinas e graduações voltadas para as artes. Estas atividades
interdisciplinares podem ser orientadas por outros professores, como o de
artes, por exemplo.
Complementando o processo das ideias e da construção das
personagens (comportamentos, idiossincrasias, gostos, etc.) podemos incluir a
criação de roteiro e a criação visual das personagens.
O autor com as ideias, personagens e roteiro definidos pode direcionar
sua criação no melhor formato que as histórias em quadrinhos podem receber.
Isso é determinante na identificação da personagem com o leitor, uma vez que
a escolha das cores, do acabamento, enfim, a percepção visual do autor
completa a proposta de criação.
O docente pode ainda complementar o repertório de escolhas ao incluir
linguagens que utilizam elementos das histórias em quadrinhos, tais como o
story board, que consiste em produzir desenhos sequenciais que reproduzem
quadro a quadro uma sequencia de um filme, vídeo clipe, animação ou peça de
teatro. Com isso o docente passa a propor o intercâmbio entre linguagens,
complementando com a prática de escrita que a disciplina de Língua
Portuguesa propicia.
– A oralidade
A oralidade nas histórias em quadrinhos é igualmente importante em
relação à prática de leitura e escrita. A criação de atividades com esse material
é comum em sala de aula devido aos diversos elementos verbais e não verbais
encontrados nessa linguagem que podem ser interpretados na prática da
oralidade, tais como balão de texto e suas variantes como o balão com forma
de uma fumaça que remete à ideia de que a personagem está pensando ou o
balão todo espetado, que propõe passar a impressão de que a personagem
está gritando, ação expressa por palavras escritas com fonte tipográfica em
negrito, itálico, versal, manuscrita ou com tipografias que se identificam com o
design da personagem. A anatomia expressiva associada ao texto e balão
reforça a forma como a personagem está falando e dá pistas ao leitor para
interpretar essa fala.
60
Conforme Antunes (2009, p. 99), “servindo à interação de gêneros
textuais, diversidade dialetal e de registro de qualquer uso que a linguagem
implica”, a oralidade tem como pesquisa central a variação de discurso e, daí, a
importância do seu aprendizado em sala de aula.
Para o estudo da oralidade, o docente pode privilegiar as histórias em
quadrinhos e examinar, com os discentes, as diferenças regionais, as gírias de
determinados segmentos sociais no tratamento de temas universais, como o
sentimento de medo, de que falamos há pouco.
Utilizar em sala de aula histórias em quadrinhos de uma personagem
como a Mafalda de Quino pode ser um interessante objeto de pesquisa e de
análise de uma personagem que possui características que o brasileiro
desconhece, mas que, ao mesmo tempo, trata de assuntos que são de
compreensão universal.
Observar as possíveis fontes de interação que as histórias em
quadrinhos podem oferecer como o diálogo da personagem com o leitor, a
maneira como o balão de texto está disposto em relação ao herói ou ao vilão e
como estes são apresentados ao receptor, podem ser aspectos interessantes a
serem examinados pelo docente e pelo aluno.
Um bom exemplo de oralidade se encontra na expressão da
personagem Hulk, de Stan Lee e Jack Kirby. Ao ler a expressão “Hulk
esmaga!”, o professor pode esclarecer ao aluno que se trata do uso da terceira
pessoa do discurso, embora, na enunciação, o herói esteja se referindo ao ato
que ele mesmo vai realizar. Esta expressão sugere a distância entre o que fala
e o agente, como sendo pessoas distintas do discurso. Subjacente a ela,
manifesta-se o desdobramento do Dr. Robert Bruce Banner em Hulk. Como se
vê, para além da intensidade da entonação que a linguagem apresenta, é
possível apreender o conflito desvelado do sujeito desdobrado no seu alterego.
É importante discutir que as histórias em quadrinhos são uma mídia com
histórias calcadas em personagens; logo, com maneiras de falar, que
expressam seus conflitos e o seu modo de ver o mundo.
A oralidade precisa ser utilizada pelo docente como uma maneira de
explorar os diversos discursos que uma história pode oferecer. Por se tratar de
textos não acadêmicos, diálogos informais, gírias e opiniões polêmicas que as
personagens defendem, o professor pode se sentir inibido no uso das histórias
61
em quadrinhos como ferramenta de ensino de oralidade e até mesmo de
introduzi-las na sala de aula, em virtude de elas ainda não serem consideradas,
por muitos estudiosos, como um meio de difusão de conhecimento.
Por muitos anos as histórias em quadrinhos sofreram preconceito por
parte dos docentes por serem comparadas com literatura e outros gêneros.
História em quadrinhos não é literatura, nem meio facilitador de leitura, nem
mídia destinada apenas para crianças. História em quadrinhos é uma mídia
que deve ser analisada e criticada a partir de seu próprio discurso. Isso é o que
legitima o uso das histórias em quadrinhos em sala de aula como meio de
escrita, leitura e oralidade.
A oralidade em histórias em quadrinhos com personagens como Chico
Bento (Maurício de Souza) e Pererê (Ziraldo) é um conteúdo rico para
pesquisa, já que se trata de personagens que dialogam com um português
repleto de entonações, de termos e expressões regionais, diferente do
português legitimado como norma culta.
Não mais se justifica qualquer discriminação em relação aos quadrinhos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Língua Portuguesa (1998)
legitimaram o estudo dos quadrinhos em sala de aula, que passaram a ser
vistos, desde então, como uma das linguagens que habitam o universo do
aluno e, por isso, elas se tornam importante objeto de estudo em sala de aula,
mediante atividades que serão altamente proveitosas para o desenvolvimento
do senso crítico do aluno.
Segundo Jeferson Ferro e Juliana Cristina Faggion Bergmann (2008, p.
132), o professor ou sistema de ensino da instituição precisa avaliar o uso do
livro didático que se destina à aprendizagem de conhecimentos contidos nas
matérias oficiais de Ensino Fundamental e Médio, e do paradidático (2008, p.
132), que suplementa as matérias oficiais, com a variedade de recursos que
podem ser usados atualmente em sala de aula como mídias impressas
(revistas, livros, jogos e histórias em quadrinhos) e mídia digital (filmes,
animação, música, internet e web comics). Deve ser examinado em que
medida esses materiais mídiáticos podem ser conciliados com a produção
didática, complementando-a.
Em muitos livros didáticos, as histórias em quadrinhos aparecem
principalmente em sua menor célula, as tirinhas, e em muitos casos os
62
exercícios que as utilizam são análises técnicas ou de interpretação do texto
relacionado com algum tema de aula. São raros os casos em que as histórias
em quadrinhos são ensinadas como linguagem, em seus diversos formatos,
estilos, gêneros e propostas artísticas e comunicacionais.
Dessa maneira o aluno perde o senso crítico acerca dos elementos
constituintes de uma história em quadrinhos, como personagens, autor, formato
do quadrinho, tipo de publicação, contexto social e histórico em que o texto
está inserido. As histórias em quadrinhos se transformam em mais um
exercício de análise técnica de pouco estímulo para o aluno.
O livro didático usado como única mídia em sala de aula tira a
criatividade do professor e a sua responsabilidade de levar o aluno a aprender.
O profissional que opta por esta metodologia de ensino faz restrições à
adoção dos quadrinhos no processo educacional. Contrapondo a este
pensamento e entendendo que a função do docente é disseminar
conhecimento e ser atuante na construção do aluno crítico, esta tese pretende
mostrar a relevância de apresentar o universo midiático que está à disposição
tanto do docente quanto do discente, como no caso das histórias em
quadrinhos, objeto deste estudo
Tendo como ponto de partida as afirmações de Ferro e Bergman (2008,
p. 20), encoraja-se a escolha das histórias em quadrinhos como meio didático,
dada à inovação que este material representa para a sala de aula e pelo
potencial comunicativo que ele oferece. Na escolha das histórias em
quadrinhos, não se pode deixar de observar a coerência dos assuntos tratados
nestes textos com os objetivos trabalhados em sala de aula e com o projeto
curricular da escola.
A necessidade de o docente pensar nos materiais diferenciados que
poderá introduzir na aula é assumir questionamentos acerca do ensino e da
aprendizagem, propor soluções de maior autonomia para o seu trabalho e levar
em conta que o aluno tem um repertório de conhecimento que deve ser
considerado. Essa postura faz com que o aluno também deixe de ser mero
espectador e passe a ser agente do processo de aprendizagem e de ensino.
O material escolhido com muito critério pelo professor, bem como aquele
oriundo da pesquisa que o aluno realiza sob orientação adequada podem
63
garantir uma estimulante troca de conhecimento entre professor e aluno na
sala de aula.
Quando o discente e docente apresentam um ao outro suas histórias em
quadrinhos nos espaços de aprendizagem, estão oferecendo novas referências
de histórias, estilos, formatos de publicações, coleções, gostos pessoais e
debates acerca da qualidade dessa linguagem. Outras questões acabam por
surgir naturalmente, como a adaptação dessas histórias em outras mídias,
debates de temas transversais baseados na conduta de determinada
personagem ou da série que é apresentada ao aluno.
As experiências com quadrinhos são mais difíceis de serem
desenvolvidas com o apoio do livro didático, pois se trata de um material
imposto, diverso daquele a que o aluno tem acesso no seu cotidiano. Por isso o
interesse deste em sala de aula se torna maior, caso o professor aceite
trabalhar com as histórias em quadrinhos propostas pelo educando. No
entanto, utilizar em sala de aula apenas histórias em quadrinhos apresentadas
pelo aluno pode acarretar problemas de adaptação do artefato ao conteúdo
programático de ensino. O bom senso, como sempre, deve orientar a escolha
do texto.
É da competência do docente decidir sobre o material mais conveniente
e levar em conta o comprometimento da classe no que se refere à pesquisa e
apresentação de histórias em quadrinhos em sala de aula. O contexto social
também deve ser ponderado, uma vez que a educação no Brasil depende do
desenvolvimento de seus estados e municípios e, portanto, trata de uma
educação desigual por natureza.
Introduzir as histórias em quadrinhos na prática pedagógica, assim como
qualquer outra linguagem, exige do docente novos estudos como a busca por
formação midiática. Assim preparado e apoiado com esse material, o professor
produz uma aula mais próxima da realidade do aluno, que antes de frequentar
a escola já tem acesso às diversas linguagens. Caso o docente opte por não
usar diferentes linguagens como meio complementar de ensino, provocará um
abismo midiático entre ele e o discente.
A mescla entre material didático e material sugerido pelo aluno propicia
diferentes olhares em torno da educação como um todo: as instituições se
comprometem a se atualizar em relação aos materiais midiáticos, o docente
64
consegue cumprir o conteúdo programático em sala de aula e ainda amplia o
conhecimento crítico do aluno acerca das várias linguagens. O discente
cumpre integralmente também o papel de agente educacional quando atua dos
dois lados; receptor e ator no processo ensino-aprendizagem. O aluno
compreende diversas formas de aprendizagem e como ele mesmo pode ser
um agente educacional quando deixa de ser um mero receptor e passa a ser
um pesquisador.
Quando isto acontece, atividades interdisciplinares desenvolvem-se em
sala de aula e fora dela, a biblioteca da escola ganha leitores e a unidade
escolar reitera sua função social e educativa. O professor descentraliza o
ensino e amplia a capacidade de administração e de condução da classe. O
trabalho em grupo é reforçado e o ensino se torna mais interativo. O ensino e
aprendizagem se tornam atividades autônomas.
A produção de histórias em quadrinhos como material didático tem sido
apresentada tradicionalmente ao docente e discente sob dois perfis: a
adaptação de obras literárias e fragmentos de tirinhas em quadrinhos em livros
didáticos, como parte complementar de alguma atividade proposta.
As adaptações literárias em histórias em quadrinhos tiveram seu
desenvolvimento no Brasil com o editor da EBAL (Editora Brasil América)
Adolfo Aizen, que com a publicação Edições Maravilhosas apresentou a
educadores, público e críticos das histórias em quadrinhos que esta mídia
poderia ser um veículo de produção e conhecimento.
Artistas e escritores como Aldir Le Blanc, Nico Rosso, Jorge Amado e
Gilberto Freyre desenvolveram belas adaptações gráficas que
complementavam a leitura da obra literária integral.
As histórias em quadrinhos encontraram nos textos literários uma gama
de oportunidades para desenvolver a linguagem, uma vez que se trata de
grandes textos.
A adaptação do roteiro, a pesquisa sobre personagens, roupas, cenários
e direção de arte adequada ao texto acabaram por formar profissionais
criativos e diferenciados, que mais tarde atuaram não somente como autores
de histórias em quadrinhos, mas como roteiristas de cinema, teatro,
ilustradores, diretores de arte, publicitários, designers gráficos e professores.
65
Atualmente as editoras investem nesse tipo de segmento em quadrinhos
e com bastante aceitação entre os leitores, uma vez que a adaptação permite
novas interpretações por parte do emissor e receptor, ávido por conhecer
transposição da história contada no romance para as histórias em quadrinhos.
Os livros didáticos também utilizam tirinhas em quadrinhos para os mais
variados exercícios de Língua Portuguesa.
Estas duas formas de apresentação de histórias em quadrinhos
estimulam a prática de leitura e compreensão dos elementos gramaticais da
língua, pois se trata de uma linguagem com que o aluno já está familiarizado e
apto a ter um conhecimento mais aprofundado e reflexivo.
Ser professor é uma questão de vocação e de preparação. Optar por
ministrar um curso, disciplina ou uma aula requer do docente planejamento,
pesquisa e criatividade. Considerar a sala de aula como um grupo e inserir o
aluno pouco interessado no processo de ensino, é tarefa fundamental no
comprometimento do professor com a educação.
O ato de ensinar precisa ser includente e interativo. Para tanto, são
necessários quebras de paradigmas, comprometimento com a educação
instrucional e sócio-interacionista, inserir na instituição de ensino uma proposta
pedagógica que garanta a autonomia do professor em sala de aula e a
formação de um cidadão crítico da sociedade em que vive.
Buscar a excelência na educação sem considerar o aspecto social,
econômico e profissional é praticamente impossível. São necessárias
mudanças no currículo de formação de docentes, no plano de carreira, na infra-
estrutura das instituições de ensino e na política nacional de educação.
O desafio é grande, uma vez que o docente precisa pesquisar e, muitas
vezes, aprender acerca dessa linguagem de forma autodidata, devido à
carência de centros formadores de especialistas no assunto.
Este trabalho focaliza a relevância de o professor introduzir o estudo das
histórias em quadrinhos em sala de aula. Discute as formas possíveis de
trabalhar com essa mídia, apresentando propostas de atividades para serem
desenvolvidas: desde a apresentação desse material, localizando-o no
universo da produção dos quadrinhos, no que tange ao gênero (comics,
mangás, fanzines, tirinhas, etc), quanto examinando as características próprias
do objeto escolhido. Este estudo justifica-se pela receptividade de que essa
66
linguagem, principalmente, no meio do público infantil e juvenil. É um produto
amplamente lido pelo aluno antes mesmo de ele começar a frequentar a sala
de aula, antes de saber ler texto verbal e até mesmo antes de poder codificar
todos os elementos não verbais. Uma linguagem que pode ser utilizada em
todas as esferas do Ensino Fundamental, Médio, Universitário, concursos,
vestibulares e ENEMs, conforme orientações dos PCNs.
As histórias em quadrinhos guardam em si grandes surpresas: é uma
mídia que, se em primeiro momento é subestimada, ao conhecer suas
potencialidades, o docente pode vir a descobrir a riqueza de suas técnicas e
inserir esse conhecimento na sala de aula. As histórias em quadrinhos são um
material de apoio didático que constrói o aluno para autonomia linguística.
Antunes (2009, p. 101) ressalta que o professor pode trabalhar
elementos formais dos textos orais e verbais. Esta atividade pode inclusive ser
desenvolvida em histórias sem texto verbal, como Quinoterapia (Quino), que
propicia ao aluno a abstração de palavras, vozes e até mesmo textos que
tenham coesão e coerência com a anatomia expressiva ou da série de quadros
que formam a história em quadrinhos.
Esta tese propõe que é oportuno inserir as histórias em quadrinhos
como mídia complementar no ensino de tópicos da Língua Portuguesa como os
elementos da Gramática, ou da Análise do Discurso como os gêneros, a ironia,
a carnavalização, ou de aspectos da comunicação como a oralidade, além da
escrita, leitura e prática interdisciplinar.
Em sala de aula, a postura do docente precisa ser centrada no processo
de produção e reflexão. Estimular o aluno a terminar a atividade. Privilegiar a
falta de esforço, a pressa e a improvisação como se fossem sinônimos de dom
ou talento inato para produção de histórias em quadrinhos é desconsiderar o
contexto que envolve o processo de escrita, desconhecer o processo criativo
de grandes escritores e subestimar uma linguagem que se trata de uma escrita
complexa em virtude da combinação de elementos verbais e não verbais.
O ensino de histórias em quadrinhos prioriza a criação, pois se trata de
uma linguagem rica em discursos verbais e não verbais. A criação de textos,
desenhos, personagens, situações, cenários são algumas das práticas
educacionais propiciadas por essa linguagem. Daí a necessidade de ser uma
ferramenta complementar ao ensino de Língua Portuguesa, uma vez que a
67
prioridade do docente de Língua Portuguesa é a alfabetização, a compreensão
da língua e a produção de textos, enquanto que a proposta do professor de
artes é o processo de criação do desenho.
A produção das histórias em quadrinhos pode privilegiar o cotidiano do
aluno, estimulando-o a criar personagens e histórias que retratem seu dia a dia,
orientando-o a fugir do lugar comum da cópia de seus heróis favoritos. Para o
desenvolvimento desse trabalho, pode ser encorajada a parceria entre alunos
que vivam no mesmo bairro, no intuito de criar novas histórias, ou ainda criar
grupos de alunos que vivam realidades distintas e que possam debater estas
realidades na criação de histórias em quadrinhos.
Nas histórias em quadrinhos tanto o docente quanto o discente de
Língua Portuguesa podem estudar elementos específicos da leitura, escrita e
oralidade. Elementos como análise de contexto, inserção de personagem em
uma história, variação linguística com a língua culta, informal, gírias e
estrangeirismos podem ser propostos tanto com a leitura de histórias em
quadrinhos quanto em sua produção.
Para se entender a linguagem é preciso aprender como um todo: fala,
escrita e leitura. O docente pode ainda ensinar a coesão, coerência e
contextualização de sentido de um texto baseado em seu contexto social, e por
fim como os recursos verbais e não verbais geram a interdiscursividade nas
histórias em quadrinhos.
Com estas ações busca-se a excelência no uso das linguagens dos
meios de comunicação, das tecnologias da informação e mostrar como elas
servem ao desenvolvimento de aprendizagens significativas não só no âmbito
escolar, mas no dia a dia do indivíduo, que deve ser capaz de compreender,
dentro dos seus limites culturais, o que as linguagens podem significar. Busca,
ainda, o posicionamento crítico no uso e interpretação do discurso histórico,
social, cultural e político das linguagens, fugindo da alienação massiva. Cabe
ao docente experimentar as histórias em quadrinhos dentro da sua prática de
aula e avaliar o quanto esta mídia pode agregar ao aprendizado discente.