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1
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
JOVANIR LAGE
A FUNÇÃO SOCIOLÓGICA DO [v'r' NOS SALMOS DE
LAMENTAÇÃO E OS CONFLITOS DE CLASSES OCORRIDOS NO
FINAL DO PERÍODO PÓS-EXÍLIO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2016
2
JOVANIR LAGE
A FUNÇÃO SOCIOLÓGICA DO [v'r' NOS SALMOS DE
LAMENTAÇÃO E OS CONFLITOS DE CLASSES OCORRIDOS NO
FINAL DO PERÍODO PÓS-EXÍLIO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2016
Dissertação apresentada em cumprimento às
exigências do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Universidade Metodista de
São Paulo, para a obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira
3
A Dissertação de Mestrado intitulada “A função sociológica do [v'r' nos Salmos de
lamentação e os conflitos de classes ocorridos no final do período pós-exílio”, elaborada por
Jovanir Lage foi apresentada e aprovada em 29 de setembro de 2016, perante banca
examinadora composta pelos professores doutores Tércio Machado Siqueira
(Presidente/UMESP), José Ademar Kaefer (Titular/UMESP) e Antônio Carlos Frizzo
(Titular/ITESP).
_________________________________________________________
Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
_________________________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de pesquisa: Literatura e Religião no Mundo Bíblico
4
Esta pesquisa foi produzida com apoio da CAPES que
ofereceu bolsa de estudos integral, entre
agosto de 2014 à agosto de 2016.
5
Para Roberta, Ana Luíza e Arthur,
vocês foram essenciais neste processo.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, por sua graça e inspiração;
À minha esposa Roberta, por sua presença constante em minha vida, pelo companheirismo,
amor, carinho e paciência;
Aos meus filhos, Ana Luíza e Arthur, por compreenderem a ausência, demonstrando sempre
cuidado e carinho;
À Igreja Metodista que me inseriu neste universo bíblico e me possibilitou os estudos
teológicos por meio da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista;
Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião;
Ao meu amigo e orientador Tércio Machado Siqueira, por seus constantes incentivos ao
estudo;
Aos amigos Messias e Delma Valverde, pelos momentos de descanso, pelo apoio constante
e pelas boas conversas;
Aos amigos Wilson Alviano e Bete Camacho, pelos momentos de cumplicidade nas horas
incertas;
A CAPES, mantenedora importante neste processo;
Ao Programa de Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade
Metodista de São Paulo, por abrir novos caminhos.
7
LAGE, Jovanir. A função sociológica do [v'r' nos Salmos de lamentação e os conflitos de
classes ocorridos no final do período pós-exílio. São Bernardo do Campo: UMESP, 2016.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Comunicação, Educação e
Humanidades, Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
SINOPSE
A presente pesquisa organiza-se a partir do problema da contraposição
entre “malfeitores e justos” que atravessa os diversos tipos de textos
do período persa sob a seguinte pergunta: Quem é o [v'r' na sociedade
israelita, e porque este termo surge com maior intensidade no período
pós-exílio? O objetivo desta pesquisa visa principalmente, a
investigação das razões que influenciaram a introdução da
terminologia [v'r' “malfeitor” em determinados salmos, como
identificação do inimigo. Os objetivos secundários de nossa
investigação serão: (1) analisar a formação conceitual do [v'r' dentro
de sua característica anti-positiva com o qyDIc; “justo” enfatizando o
eixo ético, caracterizado como uma das interpretações do termo; (2)
estudar a função do termo dentro dos Salmos de Lamentação, apoiado
no estudo exegético do Salmo 55; (3) entender de forma crítica, a
análise das implicações do uso do [v'r' como representação da
maldade no desenvolvimento social da comunidade israelita no
período pós-exílio. Em nossa abordagem pretendemos tratar de tal
estudo a partir do eixo ético, estendendo a investigação para a análise
das motivações interpretativas da solidariedade no contexto
veterotestamentário.
Palavras-chave: Maldade, divisão de classe, malfeitor, justo,
lamentação, Salmo 55.
8
LAGE, Jovanir. The Sociological Function to [v'r' in the Psalms of Lament and class conflicts
that occur in the end post- exile period. São Bernardo do Campo: UMESP, 2016. Dissertation
(Masters of Sciences of Religious) - Communication, Education and Humanities Faculty,
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
ABSTRACT
This research is organized from the problem of the opposition between
“wicked and righteous” going through the different types of texts
from the Persian period under the following question: Who is the [v'r' in Israeli society, and because this term appears with greater intensity
in the post-exilic period? This research aims mainly to research the
reasons that influenced the introduction of [v'r' terminology “wicked”
in certain psalms, such as identification of the enemy. Secondary
objectives of our research are: (1) analyze the conceptual formation of
[v'r' in its anti-positive feature with qyDIc;; “righteous” emphasizing
the ethical axis, characterized as one of the word interpretations; (2) to
study the function of the word within the Psalms of Lament, supported
the exegetical study of Psalm 55; (3) to understand critically,
analyzing the implications of the use of [v'r' as evil representation in
the social development of the Jewish community in the post-exilic
period. In our approach we intend treat such study from ethical axis,
extending the research to the analysis of interpretative motivations
Solidarity without Old Testament context.
Keywords: Wickedness, class division, evildoer, righteous, lamentation,
Psalm 55.
9
SUMÁRIO
SUMÁRIO _________________________________________________________________ 9
SIGLAS E ABREVIAÇÕES _____________________________________________________ 12
Livros da Bíblia ________________________________________________________________________ 12
Textos e traduções _____________________________________________________________________ 14
Outras abreviações ____________________________________________________________________ 15
SISTEMA DE TRANSLITERAÇÃO _______________________________________________ 16
INTRODUÇÃO _____________________________________________________________ 18
Objetivos gerais ________________________________________________________________ 19
Referencial teórico metodológico _________________________________________________ 20
Apresentação do tema __________________________________________________________ 22
1: ANÁLISE LITERÁRIA E TEOLÓGICA DO [v'r' NOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO. __________ 24
1.1. Breve introdução ao livro dos Salmos ___________________________________________ 25
1.1.1. Divisões do saltério _______________________________________________________________ 27
1.1.2. Coleções do saltério _______________________________________________________________ 28
1.2. Camadas literárias do Saltério _________________________________________________ 30
1.2.1. Os métodos de pesquisa ___________________________________________________________ 31
1.3. Os Salmos de Lamentação ____________________________________________________ 35
1.3.1. Consequências históricas e teológicas ________________________________________________ 38
1.3.2. Desenvolvimento sociocultural _____________________________________________________ 41
1.4. Malfeitores e Justos na comunidade do período pós-exílio __________________________ 42
1.4.1. A mensagem dos Salmos ___________________________________________________________ 43
2: ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 55. _________________________________________ 46
2.1. Determinação do texto base __________________________________________________ 47
2.1.1. Tradução interlinear do Salmo 55: Aproximação literal ___________________________________ 47
10
2.2. Crítica textual ______________________________________________________________ 50
2.2.1. Notas do Aparato Crítico da BHS _____________________________________________________ 50
2.2.2. Anotações massoréticas – Masora Parva (Mp) __________________________________________ 56
2.2.3. Conclusões preliminares ___________________________________________________________ 61
2.3. Tradução __________________________________________________________________ 62
2.3.1. Observações _____________________________________________________________________ 62
2.4. Estrutura __________________________________________________________________ 65
2.4.1. Proposta de estrutura do Salmo 55 __________________________________________________ 66
2.4.2. Explicação da estrutura ____________________________________________________________ 70
2.5. Gênero literário ____________________________________________________________ 71
2.5.1. Tipo e estilo literário ______________________________________________________________ 72
2.6. Lugar e data _______________________________________________________________ 73
2.7. Comentário exegético _______________________________________________________ 76
Cabeçalho: 1 __________________________________________________________________________ 76
I. Súplica inicial: 2-3a ___________________________________________________________________ 79
II. Lamentações de um Desesperado: 3b-24b ________________________________________________ 80
III. Afirmação de fé (v. 24c) ______________________________________________________________ 92
2.8. Intenção __________________________________________________________________ 92
2.8.1. Articulação do discurso ____________________________________________________________ 95
2.8.2. Temas teológicos ________________________________________________________________ 96
3. O [vr COMO REPRESENTAÇÃO DA MALDADE ________________________________ 102
3.1. Abordagem conceitual ______________________________________________________ 103
3.1.1. Conceito de [vr na perspectiva forense ______________________________________________ 106
3.1.2. Conceito de [vr na perspectiva ético-religiosa _________________________________________ 108
3.2. Processos dialéticos. Conceitos paralelos e opostos do [vr nos Salmos de lamentação __ 111
3.2.1. O sentido semiótico ______________________________________________________________ 111
3.2.2. O sentido histórico _______________________________________________________________ 112
3.2.3. Conceitos paralelos ______________________________________________________________ 114
3.2.4. Conceitos opostos _______________________________________________________________ 115
3.3. O [v'r' no contexto social e religioso da comunidade no período pós-exílio. ____________ 117
11
3.3.1 O Impulso social _________________________________________________________________ 118
3.3.2 Novas concepções teológicas _______________________________________________________ 120
3.3.3 A espiritualidade dos pobres _______________________________________________________ 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________________ 125
Partindo dos resultados obtidos __________________________________________________ 127
Possíveis caminhos hermenêuticos _______________________________________________ 128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________________ 130
Artigos ______________________________________________________________________ 130
Bíblias ______________________________________________________________________ 132
Dicionários e gramáticas ________________________________________________________ 132
Livros _______________________________________________________________________ 133
Teses e Dissertações ___________________________________________________________ 137
12
SIGLAS E ABREVIAÇÕES
Livros da Bíblia
Ag Ageu
Am Amós
Cr 1-2 Crônicas
Ct Cantares
Dn Daniel
Dt Deuteronômio
Ec Eclesiastes
Eclo Eclesiástico / Sirácida
Ed Esdras
Et Ester
Ex Êxodo
Ez Ezequiel
Gn Gênesis
Hc Habacuque
Is Isaías
Jl Joel
Jn Jonas
Jó Jó
Jr Jeremias
Js Josué
Jud Judite
Jz Juízes
Lm Lamentações
Lv Levíticos
Mac 1-2 Macabeus
Ml Malaquias
Mq Miquéias
Na Naun
Ne Neemias
Nm Números
Ob Obadias
Os Oséias
Pv Provérbios
Rt Rute
Rs 1-2 Reis
Sab Sabedoria de Salomão
Sf Sofonias
Sl Salmos
Sm 1-2 Samuel
Tob Tobias
Zc Zacarias
14
Textos e traduções
AOM Antigo Oriente Médio
ARA Almeida Revista e Atualizada no Brasil, 2ed. Barueri: Sociedade Bíblica do
Brasil, 2009
BHS ELLIGER, Karl; RUDOLPH, Wilhelm (eds.). Bíblia Hebraica
Stuttgartensia. 5 ad. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft. 1997
BDB BROWN, Francis, DRIVER, Samuel Rolles, BRIGGS, Charles Augustus.
BDB – A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Boston, New
York and Chicago: Houghton, Mifflin and Company the Riverside Press,
1906
BJ Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus,
2008.
DITAT HARRIS, R. Lair; ARCHER JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (orgs.)
Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. Trad. Marcio
Loureiro Redondo, Luiz A. T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo:
Vida Nova, 1998.
EBD FREEDMAN, David Noel; MYERS, Allen C.; BECK, Astrid B. Eerdmans
dictionary of the Bible. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000.
FOTL The Forms of the Old Testament Literature
HALOT
KOEHLER, Ludwing; BAUMGARTNER, Wlater; RICHARDSON, M. E.
J.; STAMM, Johann Jakob. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old
Testament. New York: E. J. Brill, 1999.
JBL Journal of Biblical Literature
JSB
The Jewish Study Bible, 2ed. New York: Oxford University Press, 2014.
KHAT
LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz Zum Hebräischem Alten Testament.
Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1981.
BEP
Bíblia Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.
OTE Old Testament Essays
RIBLA
Revista de interpretação Bíblica Latino Americana
TDOT
BOTTERWECK, G. Johannes; RINGGREN, Helmer and FABRY, Heinz-
Josef. Theological Dictionary of the Old Testament. 15 Vols. Grand Rapids/
Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company. 2004
15
Outras abreviações
a.C. Antes de Cristo
abs. Absoluto
adj. Adjetivo
apud Citado por
Ar. Aramaico
AT Antigo Testamento
BH Bíblia Hebraica
Cap. Capítulo
Cf. Conforme, conferir
Col. Coleções
d.C. Depois de Cristo
ed(s). Editores
ed. Edição
esp. Especialmente
et al. e outros autores
etc et cetera
fem. Feminino
gr. Grego
heb. Hebraico
i.e. Isto é
ing. Inglês
lat. Latim
lit. Literalmente
LXX Septuaginta
masc. Masculino
MP Masora Parva
n. Número
opp. Oposto
org(s). Organizadores
p.ex. Por exemplo
pl. Plural
s. Seguintes
sg. Singular
subst. Substantivo
supr. Supra, acima
TM Texto Massorético
trad. Tradução
v. Verso, versículo
vol. Volume
vol(s). Volumes
16
SISTEMA DE TRANSLITERAÇÃO
Ao optar por transliterar o hebraico, o faço de forma simplificada, visto que cada
palavra constará de sua representação original acompanhada da tradução aproximada
em itálico. A transliteração acontecerá apenas quando não encontrarmos equivalentes
semânticos adequados no português. Seguindo esse princípio, faço alguns ajustes, ainda
que arbitrários. Esta não é uma transliteração exata que pretende refletir todas as
particularidades da ortografia semita nem sua finalidade fonética.
Para um exame mais completo da língua hebraica usando o sistema de transliteração,
Edson de Faria Francisco nos apresenta um minucioso trabalho1 onde o Hebraico e
aramaico são representados a partir de suas consoantes, sinais vocálicos, ditongos e
letras finais, tendo como base um sistema internacional de transliteração. Ernst Jenni2
opta por apresentar um quadro mais simplificado, sem a pretensão de que sejam
normativas, mas com a intenção de representar o hebraico massorético de forma mais
prática, sem deixar de satisfazer às exigências técnicas.
Élcio Mendonça em sua dissertação de mestrado3, também elaborou um sistema mais
prático do ponto de vista funcional, apoiado no padrão internacional sem deixar de
atender aos requisitos técnicos para uma boa compreensão da vocalização massorética
da língua hebraica.
Milton Schwantes em seus cursos sempre recomendava que a representação de uma
letra hebraica devesse ser feita por apenas uma letra latina, na intenção de facilitar ainda
mais o acesso às palavras hebraicas. Da mesma forma Tércio Machado Siqueira
1 FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. Introdução ao Texto Massorético. Guia
introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartênsia. 3ª edição. São Paulo: Vida nova, 2008. p. xxvi. 2 JENNI Ernst e Claus Westermann. Diccionario Teológico Manual Del Antiguo Testamento, Volume 1.
Madrid: Edicciones Cristandad, 1985. p.20-21. 3 MENDONÇA, Élcio Valmiro Sales de. “Monte Sião, Extremidade do Safon”. Estudo da influência da
Mitologia Cananéia na Teologia de Sião a Partir da Análise Exegética do Salmo 48. São Bernardo do
Campo: Umesp, 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e
Direito, Universidade Metodista de São Paulo, (UMESP).
17
recomenda em suas orientações. Com isso, não acrescentarei letras latinas aos sinais
característicos no hebraico. Espero que o/a leitor/a entendido/a no hebraico seja, então,
compreensível com minha opção em não diferenciar vocalicamente as letras e em não
geminá-las.
Por uma abordagem mais didática, quem se depara com a transliteração deve saber, se
for o caso, recompor a palavra no hebraico com mais facilidade. Acrescentar
duplicações ou diferenciações de pronúncia não parece facilitar essa reconstrução. As
formas finais de algumas letras, obviamente, não alteram a proposta de transliteração.
Sigo esse critério também para os sinais massoréticos. A rigor, deveríamos diferenciar
entre formas breves e longas, bem como “semivogais”. Contudo, como esses sinais não
fazem parte do texto original consonantal, penso que diferenciá-los não trará grandes
problemas na recomposição do hebraico. Talvez, o maior problema esteja nas matres
lectionis. Três consoantes podem remeter a sons vocálicos: h, y e w. Nesse sistema
adotado, peço a atenção tão somente para as duas últimas letras que, para além da
representação da consoante, poderão também ser transliteradas vocalicamente:
i/e ( y ); o/u ( w ). No caso de h, manterei a transliteração latina, afinal “h” igualmente
parece alongar vogal no português.
a ’ x h [ ‘
B b j t p @ p
b v y y c # s
g g k $ k Q q
D d l l R r
H h m ~ m F s
W w n ! n V x
Z z s ṣ T t
18
INTRODUÇÃO
Os primeiros contatos com o tema da contraposição entre [v'r' (raxa‘) malfeitor e qyDIc;
(sadiq) justo, surgiram no início do bacharelado em teologia, quando logo, me envolvi
no grupo de pesquisa “A marginalidade nos Salmos”, orientado pelo Professor Dr.
Tércio Machado Siqueira. A oportunidade de pesquisar a atividade dos agressores,
explicitamente citados pelos compositores dos Salmos bíblicos, abriram possibilidades
de maior contato com a estrutura da língua hebraica, com as condições de vida do povo
israelita nos tempos bíblicos e da investigação do culto em Israel, incluindo sua forma
litúrgica.
O ingresso no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião possibilitou maior
contato e abrangência do tema, pois a partir da revisão de bibliografias que resgatam a
história da religião de Israel em seu contexto social e comunitário, percebemos um
contingente, ainda em expansão, de novas descobertas a respeito da religião em Israel
no contexto do pós-exílio.
A história da religião de Israel é sem sombra de dúvidas, o elemento central dos
principais trabalhos sobre o Antigo Testamento. Desde 1787, com os trabalhos de J. P.
Gabler4, a abordagem histórica da Bíblia é vista como elemento que precisa
necessariamente caminhar dissociado da teologia dogmática. O desenvolvimento dos
estudos histórico-críticos marcaram as décadas seguintes, operando principalmente no
campo da crítica literária, mas foi a partir de 1880 que a escola da história da religião,
surge como significativa para os posteriores estudos da religião israelita. Hermann
Gunkel e Hugo Gressmann foram seus representantes mais expressivos.
4 Cf. FOHRER, Georg. História da religião de Israel. Trad. José Xavier. São Paulo: Edições Paulinas,
1982.
19
Desdobramentos importantes aconteceram em nosso século, principalmente com os
trabalhos de Roland de Vaux, Gerhard Von Rad e George Fhorer que construíram
evidências textuais e arqueológicas das religiões dos vizinhos de Israel, ampliando
nossa compreensão dos conceitos e fenômenos religiosos em Israel e todo o levante.
Nas décadas recentes, ampliaram-se os questionamentos acerca do desenvolvimento
religioso e social do povo bíblico. Uma nova discussão sobre a história de Israel5 e a
compreensão de Deus na Bíblia, tornou-se frequente em círculos especializados, a fim
de compreender o contexto histórico da Bíblia e como ela apresenta o passado de
Israel6. Rainer Albertz em seu extenso trabalho sobre a história da religião de Israel nos
tempos do Antigo Testamento, ao tratar sobre a divisão social e religiosa das
comunidades, sinaliza que no pós-exílio a divisão de classes acentuou a questão ético-
religiosa, contribuindo para significativo aumento de um extrato de imagens de
inimigos, nos Salmos de lamentação.
Objetivos gerais
Os objetivos gerais de nossa investigação serão: (1) analisar a formação conceitual do
[v'r' “malfeitor” dentro de sua característica ante positiva com o qyDIc; “justo”
enfatizando o eixo ético, caracterizado como uma das interpretações do termo; (2)
Estudar a função do termo dentro dos Salmos de lamentação, apoiado no trabalho
exegético do Salmo 55; (3) Analisar as motivações interpretativas da solidariedade no
contexto veterotestamentário da teologia javista.
Desta forma, a presente pesquisa pretende identificar e procurar entender as razões que
influenciaram a introdução da terminologia [v'r' em alguns Salmos de lamentação,
como indicativo para a imagem do inimigo. Em nossa abordagem pretendemos tratar de
tal estudo a partir do eixo ético, estendendo a investigação para a análise das motivações
interpretativas da solidariedade no contexto veterotestamentário.
5 Sobre os novos caminhos para a compreensão da história e da arqueologia do Antigo Israel, ver:
FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido. Arqueologia e História de Israel Norte. São Paulo: Paulus,
2015 6 SMITH, Mark. S. O memorial de Deus: história, memória e a experiência do divino no Antigo Israel.
Trad. Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo. Paulus, 2006.
20
A expressão que originariamente designava o criminoso declarado culpado em algum
julgamento (p. ex.: Êx. 23.1; Dt 25.1; 1Rs 8.31), converteu-se em uma generalizada e
polêmica acusação a determinado grupo social. A terminologia que atravessa a literatura
pós-exílica, assumindo uma conotação muito mais social e religiosa7 aponta para uma
divisão bem clara e definida entre os grupos da classe alta, proprietários de terras e a
comunidade campesina.
Referencial teórico metodológico
Neste sentido, a contribuição de Helmer Ringgren, Ernst Jenni, Claus Westermann,
Gerhard Lisowsky, Luiz Alonso Schökel e Nelson Kirst8, torna-se crucial para a análise
do verbete. O levantamento e a apuração do significado do termo visam encontrar sua
função sociológica dentro da comunidade, pois já é notório que o [v'r' surge nos textos
bíblicos como o oposto mais importante do qyDIc;. Ao modo dos provérbios, o justo é
quase sempre antítese do malfeitor. Segundo Jenni9, o termo também aparece em
construções antigas das línguas, etíope e árabe, com significados divergentes como
“esquecer” ou “ser fraco, brando”, tendo como aspecto comum o fato negativo da
violação de obrigações e funções.
Rainer Albertz traz em sua obra10
, as bases para a compreensão da história da religião
no pós-exílio, onde mostra com grande definição, a divisão social e religiosa
desenvolvida em Israel a partir da crise social estabelecida no V e IV séculos a.C.
Diante das pressões econômicas de uma fragilizada condição social e política, a
perspectiva de uma legislação social que se movia na direção deuteronômica da ética da
7 ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 1. De los
comienzos hasta El final de la monarquia. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 440 8 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. São Leopoldo/Petrópolis:
Sinodal/Vozes, 2009. p. 234; ALONSO SCHÖKEL, Luiz. Dicionário bíblico hebraico-português.
Tradução: Ivo Storniolo e José Bortolini. São Paulo: Paulus, 1997. p. 633; JENNI, Ernst e Clauss
Westermann. Diccionario Teológico Manual Del Antiguo Testamento, Volume II. Madrid: Edicciones
Cristandad, 1985, p. 1022; RINGGREN, H. In Theological Dictionary of the Old Testament. Edited by G.
Johannes Botterweck, Helmer Ringgren and Heinz-Josef Fabry. Volume XIV. Willian B. Eerdmans
Publishing Company. Michigan, Cambridge: Grand Rapids, 2004, p.2; LISOWSKY, Gerhard.
Konkordanz Zum Hebräischem Alten Testament. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, p. 1357 9 JENNI, Ernst e Claus Westermann. Diccionario Teológico Manual Del Antiguo Testamento, Volume II.
Madrid: Edicciones Cristandad, 1985. p. 1022 10
ALBERTZ, Rainer. Historia de la Religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2. Desde
el exílio hasta la época de los macabeos. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 567-709
21
fraternidade, alimentada pelo ideal do javismo primitivo, foi sufocada pela divisão entre
ricos e pobres que se havia instalado desde os tempos da monarquia.
O sonho de uma nova comunidade judaica, fundada com tantas esperanças, desembocou
em uma profunda crise que marcou longo tempo na história social e religiosa do pós-
exílio, pois os mesmos mecanismos econômicos que nos últimos tempos da monarquia
haviam conduzido ao total empobrecimento do estrato social mais frágil continuavam a
existir.
Traços da religiosidade javista que influenciavam parte da classe social mais elevada,
produziu um significativo impulso social que dividia a classe alta do judaísmo em dois
campos: de um lado havia os que exploravam os pobres sem nenhuma piedade ou
preocupação com seus irmãos, em prol de benefícios próprios e por outro lado aqueles
que defendiam a solidariedade com seus irmãos mais pobres, e se esforçavam por
manter-se fieis e piedosos, mesmo que lhes custassem importantes sacrifícios
econômicos.
A regulação de normativas religiosas que valorizavam a piedade intensificou o conflito
que se agravou no pós-exílio quando estas normas se tornaram definitivas na religião
judaica. A conduta insolidária passou a ser estigmatizada, fundamentada na figura
negativa do [v'r'.
Portanto, a maldade do [v'r' consiste, antes de tudo, em um comportamento antissocial,
validado por questões teológicas. Albertz ressalta que as ações do setor aristocrático que
explorava os mais pobres, estavam em acordo com o formalismo jurídico e, portanto,
não tinham nenhuma necessidade de se defender ou de justificar suas ações, já que
estavam em posse de seus direitos. As ações empreendidas pelos membros impiedosos
da classe alta eram, até certo ponto, atrativas pois gozavam de bons empreendimentos
em seus negócios, melhorando sempre a sua posição social.
A orientação do javismo oficial fazia do culto no templo, um núcleo da relação com
Deus. A ideia de um povo eleito, gerado pela concepção sacerdotal, produziu um
autêntico bálsamo na existência das minorias judaicas, diante do pluralismo cultural e
22
religioso do Império Persa. A partir de então, com a permissão persa, a reorganização
social e religiosa se movia na linha deuteronomista de uma “ética da fraternidade”
produzindo apelos cada vez mais frequentes para a necessidade de uma reforma
econômica e social da comunidade, a fim de superar a divisão entre ricos e pobres que
havia se instalado desde os tempos da monarquia.
Percebemos assim, que no contexto do pós-exílio, as significativas mudanças
econômicas, religiosas e sociais, proporcionaram cenários ideais para o
desenvolvimento de conflitos que impulsionaram a transformação social e permitiram
novas estruturas teológicas para a comunidade judaica.
Apresentação do tema
O presente trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro capítulo, trabalharemos a
análise literária e teológica do [v'r' nos Salmos de lamentação. A proposta aqui é
desenvolver de forma introdutória, as informações básicas sobre a composição e as
camadas literárias do saltério, para posteriormente localizar o objeto de nosso estudo. O
contexto histórico e social de tais Salmos no período pós-exílio, serão estudados como
ferramenta fundamental para nossa análise.
O segundo capítulo é a parte central de nossa pesquisa e portanto toma maior espaço
neste trabalho. À partir da análise exegética do Salmo 55, buscamos compreender o
texto bíblico dentro se seu aspecto intencional e literário. Procuramos destacar
elementos da tensão social, bastante presente no pós-exílio, usando os princípios da
Crítica da Forma e da análise histórico-sociológica. Os resultados são reveladores, o
teor litúrgico usado pelo salmista nos remete ao ambiente de culto, onde o salmista
articula seu discurso, expondo queixas e maldições contra seu agressor, enquanto afirma
sua fragilidade e dependência de Javé.
No terceiro capítulo, tratamos de forma mais específica sobre o [v'r', explorando as
palavras que melhor retratam o valor conceitual do termo como representação da
maldade. Usando comparativos semânticos de caráter semelhantes e opostos,
percebemos que o [v'r' adquire, com o tempo, características de uma função social
23
rejeitada na comunidade do pós-exílio. Identificar este malfeitor dentro do contexto
social e religioso desta comunidade é nosso objetivo neste capítulo.
Por fim, as conclusões gerais de nosso estudo retomam os planos formulados no início
desta introdução. Ensaiando possíveis respostas e formulando novas interrogações.
24
1: ANÁLISE LITERÁRIA E TEOLÓGICA DO [v'r'
NOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO.
A prática comum em uma dissertação que se destina a conhecer elementos textuais
expressos na literatura bíblica é começar a pesquisa com o estudo exegético, para
posteriormente desenvolver as relações formais deste texto. No entanto, não seria
possível iniciar nossa dissertação nestes moldes, pois o leitor certamente sentiria falta de
alguns pressupostos. Localizar nosso objeto de estudo é o objetivo geral deste capítulo.
Com a intenção de situar melhor o leitor, faremos primeiramente, uma breve introdução
ao livro dos Salmos, com as informações básicas sobre sua composição e as camadas
literárias contidas no saltério, bem como, sua classificação e organização.
Em seguida, faremos a análise literária e teológica dos Salmos de lamentação, com o
objetivo de localizar e entender o contexto histórico e social de tais salmos, no período
pós-exílio, principalmente os que se relacionam com a contraposição entre ~y[iv'r>
malfeitores e ~yqIåyDIc; justos. Para isto, torna-se necessário realizar um levantamento
histórico, mesmo que, de maneira enxuta, da religião de Israel e dos desenvolvimentos
políticos e sociais durante o período persa.
A partir de então, destacaremos nos Salmos de lamentação as consequências históricas e
teológicas presentes no desenvolvimento cultural e social do povo bíblico. Neste ponto,
surge uma questão: que fatores proporcionaram e influenciaram a introdução da
terminologia [v'r' como identificação do inimigo do salmista e por que ele é tão
frequente?
A importância da palavra [v'r' nos textos bíblicos, está atestada pela frequência com que
ela se repete. São 343 citações em todo o Antigo Testamento, das quais, 92 ocorrem no
25
livro dos Salmos11
. No entanto, nos Salmos de lamentação é que se acentua a imagem
degenerativa do termo, pois invariavelmente o [v'r', na linguagem do orante, está
acompanhado por um campo semântico12
variado como: !w<a' ÷ª, maldade; @a ;, ira; sm'Þx',
violência; hm'r>mi, engano; llx, profanar; anEf', odiar; h['r', perversidade e @rx,
escarnecer, que acentua ainda mais a má conduta e o desvio moral deste agressor.
Estas considerações são importantes e nos ajudarão no desenvolvimento de
pressupostos para a análise exegética do Salmo 55, que será abordada com maiores
detalhes no segundo capítulo.
1.1. Breve introdução ao livro dos Salmos
O cânon da Bíblia Hebraica está dividido em três seções maiores denominadas tanak,
que na verdade é a sigla representada pelas letras iniciais de cada uma destas divisões:
a) torah - Instrução; b) nevi’im - Profetas; c) ketuvim – Escritos13
. A torah, que nas
Bíblias cristãs é conhecida como Pentateuco, compreende os cinco primeiros livros do
Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Estes são
considerados o conjunto de instruções dadas por Deus ao seu povo14
.
Os Profetas, nevi’im, subdividem-se em duas partes: a) Profetas Anteriores, que
compreendem: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e b) Profetas Posteriores: Isaías,
Jeremias, Ezequiel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
Na terceira parte do cânon, os Escritos, ketuvim, englobam: Salmos, Jó, Provérbios,
Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Lamentações, Ester, Daniel, Esdras, Neemias,
11
[v'r'. raxa‘ “Ser malvado/culpado”, cf. LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN,
Claus. Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Volume II. Madrid: Edicciones
Cristandad, 1985. p. 1022-1023 12
O campo semântico do [v'r' e do qIåyDIc; será abordado com maiores detalhes no 3º capítulo desta
dissertação. 13
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético, guia
introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 513, 524, 529,
532. 14
SILVA, Valmor da. Os Salmos como literatura. Ribla, 45, Petrópolis: Vozes, p.9-23, 2003
26
1 e 2 Crônicas. O livro dos Salmos, juntamente com Jó e Provérbios, forma o trio de
abertura desta terceira seção da Bíblia Hebraica.
A presença do livro de Salmos depois da Torá e dos Profetas, na Bíblia Hebraica,
mostra uma continuidade no pensamento judaico. Enquanto a Torá é a instrução dada
por Deus e os Profetas orientam o povo a não se desviarem desta instrução, os Salmos
são orações e cânticos litúrgicos que reforçam a fé, o desejo e a esperança15
neste
caminho de que não se pode desviar.
Devemos, no entanto, considerar que os Salmos são uma síntese de toda a Bíblia. Neles,
a história da salvação, da natureza, dos sentimentos, da esperança, dos sofrimentos, é
transformada em oração, que sintetiza a vida individual e coletiva do povo de Israel.
Na Bíblia Hebraica, o livro de Salmos recebe o título de ~yLihiT. (tehilim), o qual
podemos traduzir como cânticos de louvores, adoração ou hinos. Há também outras
designações para o livro dos Salmos que são encontradas na literatura patrística: ~yLihiT.
rp,se (sefer tehilim) livro de louvores; ~yLiiTi ; !yLiiTi ou !yLiiTi rp,se .
Na verdade o título preferido é ~yLihiT., cujo nome deriva de uma formação
característica, plural masculina, de hL'hiT. que é o termo técnico para um grupo de
salmos destinados aos cânticos de louvores. Embora sua forma plural usual é o feminino
tALhiT., nome dado à um grupo específico de Salmos16
, usa-se o ~yLihiT. como um
nome exclusivo para a coleção de cânticos dos 150 Salmos.
A designação “Salmos” ocorre em citações encontradas no Novo Testamento yalmw/n
(Lc. 20.42; 24.44; At 1.20) e remonta à versão grega do Antigo Testamento, a
septuagita (LXX), que foi feita à partir do século III a.C. na diáspora judaica de
Alexandria17
. O termo yalmw/n provavelmente provém do hebraico rAmz>mi mizmor, que
15
Ver em: FREITAS FARIA, Jacir de. “Esperança dos pobres nos Salmos”. Ribla, 39, Petrópolis: Vozes,
2001, p.61-73. 16
KRAUS, Hans-Joachin. Los Salmos. Salmos 1-59. Vol. 1. Trad. Constantino Ruiz-Garrido. Salamanca:
Ediciones Sigueme, 1993, p. 13, 37 e 63 17
WEISER, Arthur. Os Salmos. Trad. Edwino A. Royer, João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1994,
p.10
27
significa um cântico para instrumentos de cordas.18
Esta terminologia aparece 57 vezes
no livro dos Salmos, como título individual. Na tradição cristã tal frequência contribuiu
para que este título se convertesse por extensão, no nome de todo o livro.
Outro nome pelo qual é conhecido o livro dos Salmos é saltério, um termo de origem
grega yalth,rion do Códex Alexandrinus, que também se refere a instrumentos de
cordas que acompanhavam os cânticos litúrgicos.19
1.1.1. Divisões do saltério
O saltério está dividido em cinco partes20
. Estas divisões são chamadas de “livros”. São
compilações de canções, orações e poemas para uso litúrgico, que chegaram a nós
delimitados pelo trabalho editorial ao qual foram submetidos21
.
Hans-Joachin Kraus propõe um quadro que oferece a visão do conjunto destes cinco
livros com suas divisões. No final de cada um deles, estão expressas, fórmulas
doxológicas22
, que marcam os limites de cada livro.
Livro I (Sl 1 - 41) com sua forma final: Bendito seja o Javé, Deus de Israel de século
em século. Amém e Amém (Sl 41.14)
Livro II (Sl 42 - 72). Bendito seja para sempre o seu nome glorioso; e encha-se toda a
terra da sua glória. Amém e Amém. (Sl 72.19)
Livro III (Sl 73 - 89). Bendito seja Javé para sempre. Amém, e Amém. (Sl 89.53)
18
rAmz>mi n.[m.] (Melodia tecnicamente desenvolvida para os Salmos) Cf. BROWN, Francis, DRIVER,
Samuel Rolles, BRIGGS, Charles Augustus. BDB – A Hebrew and English Lexicon of the Old
Testament. Boston, New York and Chicago: Houghton, Mifflin and Company the Riverside Press, 1906,
p.274.; (t.t. Salmos) Cf. KIRST, Nelson, et.al. Dicionário Hebraico-português & Aramaico-português.
18º Ed. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/vozes, 2004, p.121. 19
KRAUS, Los Salmos, p. 14 20
Cf. BALLARINI, Teodorico e Venanzio Reali. A poética hebraica e os Salmos. Petrópolis: Editora
vozes, 1985, p. 41-42. SIQUEIRA, Tércio Machado. Hinos do povo de Deus. Série Em Marcha, São
Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1990, p.23 21
WEISER, Os Salmos, p. 10-11. 22
KRAUS, Los Salmos, p. 21-22
28
Livro IV (Sl 90 – 106). Bendito seja Javé Deus de Israel, de eternidade em eternidade,
e todo o povo diga: Amém. Aleluia! (Sl 106.48)
Livro V (Sl 107 – 150). Tudo quanto tem fôlego louve a Javé. Aleluia! (Sl 150.6)
Se compararmos estas fórmulas, veremos que o Salmo 150 está fora do escopo das
outras doxologias, não correspondendo às fórmulas finais dos Salmos 41.14; 72.19;
89.53; 106.48. Weiser23
e Gunkel24
, argumentam que no último livro, todo o Salmo 150
tem a função de doxologia final. Para Gerstenberger25
, os redatores finais podem ter
adicionado os Salmos 1-2 e 150, como Salmos introdutórios e finais, funcionando como
uma espécie de moldura para o saltério.
De qualquer forma, a explicação para este problema está na ideia de se criar nos
Salmos, uma espécie de compilação de livros. A divisão do saltério em cinco livros é a
tentativa de se fazer, no processo de canonização, algo semelhante ao Pentateuco.
Obviamente, esta afirmação se refere à divisão formal e ao processo técnico de
canonização dos Salmos. Para a construção de uma analogia substancial entre o
Pentateuco e o saltério, os resultados exigem uma série de correspondências mais
complexas.26
1.1.2. Coleções do saltério
De fato, existem diversas coleções de salmos presente no saltério que pertencem a
épocas distintas. Erhard S. Gerstenberger defende que durante a história da religião
israelita, estas coleções foram compiladas e rearranjadas, produzindo ao longo de
séculos construções diferentes do saltério, conforme explica o quadro a seguir.27
23
WEISER, Os Salmos, p.11 24
GUNKEL, Hermann. Introduction to Psalms: The Genres of the Religious Lyric of Israel. Trad. James
D. Nogalski. Macon, Georgia: Mercer University Press, 1998, p. 334 25
GERSTENBERGER, S. Erhard. Psalms Part I: With an Introduction to Cultic Poetry. FOTL 14.
Grand Rapids: Eerdmans, 1988, p 30. 26
WEISER, Os Salmos, p. 10-15 e KRAUS, Los Salmos, p. 23 27
GERSTENBERGER, Psalms Part I, p. 29
29
Pré-Exílio Antigo Pré-Exílio Tardio Exílio Pós-Exílio
Salmos e liturgias
individuais;
pequenas e
indistinguíveis
coleções para uso
litúrgico
Sl 42-29: Coleção
Coraíta
Sl 3-42: Coleção
Davídica
Sl 1-2: Moldura
Sl 78-86: Coleção
de Asafe
Sl 42-83: Coleção
Eloísta
Sl 3-41: Livro I
Sl 96-99:
Entronização de
Javé
Sl 51-62: Coleção
Davídica
Sl 42-72: Livro II
Sl 111-118: Salmos
de Aleluia
Sl 108-110:
Coleção Davídica
Sl 73-89: Livro III
Sl 120-134: Salmos
de Subida
Sl 138 - 145:
Coleção Davídica
Sl 90-106: Livro IV
Sl 107-149: Livro V
Sl 150: Moldura
Entre as compilações parciais que encontramos temos o Saltério eloísta, onde
predomina o nome divino ~yhiªl{a / ’elohim, que ocupa lugar de destaque dentro da
coleção principal do saltério. O saltério eloísta é formado pelo grupo dos salmos
estabelecidos nos livros II e III (Sl 42-89) onde estão localizadas as coleções “Salmos
dos filhos de Coré xr:qo)-ynEb.li (42-49) e Salmos de Asafe @s"ïa'ñl. rAmªz>mi (73-83). A
coleção xr:qo)-ynEb.li aparece como apêndice nos salmos 84-89, estabelecendo assim, os
limites da divisão eloísta.
As compilações formadas pelos outros livros do saltério são destinadas à Coleção
javista, estruturada pelos Salmos do Livro I e pelo grupo de salmos que abrangem os
Livros IV e V, se subdividindo em agrupamentos como: Salmos para Davi, Coleções
de hinos de louvor a Javé, Salmos de aleluia e hinos com epígrafes salomônicos.
30
1.2. Camadas literárias do Saltério
Como vimos, a gênese do saltério se deu de forma lenta, a partir do agrupamento de
textos litúrgicos que constituíam peças autônomas para vários ritos coletivos. Ao longo
da história de sua transmissão, grupos de textos foram ajuntados, mas continuavam sua
aplicação individual em determinados contextos ou cerimônias.
Em sua forma textual, os Salmos podem ser vistos como peças literárias que se
acomodam em três itens:28
a classificação por tipos ou gêneros, a linguagem poética e o
poema individual. As atribuições nominais e referências a eventos históricos, que nos
permitem reconhecer o texto em sua estrutura poética, são perceptíveis. Schökel29
considera que a maioria dos Salmos seja de cunho litúrgico musical, enquanto que, a
súplica individual, pode originar gêneros e subgêneros diferenciados.
O Saltério com seus poemas tão variados suscitou indagações sobre o uso e função de
tais textos em determinados momentos e cerimônias. A pergunta pelo Sitz im Leben
(lugar na vida) de tais poemas, se tornou o ponto mais importante da pesquisa que
buscava responder estas perguntas. Na tentativa de entender os lugares ou situações
vivenciais destes poemas tão variados, surge a “Crítica da Forma”.
O método desenvolvido por Hermann Gunkel e Sigmund Mowinckel, considera os
salmos divididos por gêneros30
, dos quais se destacam: a) Lamentação, que incluem
queixas e ações de graças, constituindo o maior grupo de salmos; b) Cânticos de
vitória, embora pouco representado no saltério, é um gênero hínico relacionado aos clãs
e tribos em Israel, ( veja em Sl 68; 124; 129)31
; c) Salmos de louvor, canções de
agradecimento a Deus pela colheita e pela salvação em épocas de seca, fome, epidemias
e inundações; d) Salmos reais, textos usados nos cultos da comunidade com certa
glorificação nostálgica e expectativas messiânicas do retorno ao reinado davídico; e)
28
SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72. Tradução de João Rezende Costa.
São Paulo: Paulus, 1996, p 81-82 29
SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72, p. 82 30
GUNKEL, p.1-21 31
GERSTENBERGER, Psalms Part I, p. 10
31
Discurso de sabedoria, que marcam as comunidades oriundas do pós-exílio, com um
sistema simbólico de fé centrado nos costumes e comportamentos religiosos e no saber
guardar as orientações da torah.32
Claus Westermann toma como ponto de partida o tema da compilação do saltério e
sugere uma classificação mais simples: os Lamentos, com seu Sitz im Leben e os
Salmos de louvor, conhecidos como . O autor observa que, das compilações
estabelecidas segundo as perspectivas de diversos grupos, os Lamentos e os Salmos de
louvor são os gêneros33
que aparecem com maior frequência no saltério, formando
assim, dois grandes grupos de poemas. Além de considerar os Salmos numa perspectiva
literária, Westermann os considerava também na perspectiva religiosa.
O lamento é o gênero mais frequente no Saltério, ocupando 58 composições em estilo
individual ou comunitário. Por sua característica litúrgica e seu volume de ocorrências,
a lamentação tornou-se tema de grande importância para pesquisadores. Grande parte da
literatura que visa o estudo do lamento concentra-se no estudo dos gêneros literários do
Saltério, que tem sua origem na Crítica da Forma.
1.2.1. Os métodos de pesquisa
a) A Crítica da forma
Com sua classificação dos Salmos, Gunkel foi capaz de superar o positivismo histórico
e literário de seu tempo34
, pois, enquanto teólogos e exegetas se preocupavam em
determinar um autor ou poeta específico para cada Salmo, a Crítica da Forma voltava
seus olhos para o lugar vivencial dos Salmos de lamentação35
. A despeito de sua
autoria, constatava que estes Salmos nasciam de um ambiente marcado pelas
32
Dentre os gêneros desenvolvidos por Hermann Gunkel, Erhard S. Gerstenberger destaca estes cinco
como principais. Cf. GERSTENBERGER, Erhard S. Gênese do Saltério. Revista Caminhos. Goiânia:
Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião PUC Goiás. v8, n1, p.11-28, Jan.-Jun. 2010. Outra
referência também pode ser encontrada em: KIDNER, Derek. Salmos 1-72. Introdução e comentário.
Trad. Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida nova, 1980, p.19. 33
WESTERMANN, Claus. Praise and lament in the Psalms. Edinburgh: T&T Clarck, 1981, p. 15-35 34
Cf. COETZEE, J. H. “A survey of research on the Psalms of lamentation”. Old Testament Essays.
Pretória: OTSSA, v.5, n.2, p. 151-174, 1992, p.156. 35
GUNKEL, Hermann. The Psalms. A Form-Critical Introduction. Philadelphia: Fortress Press, 1967,
p.54
32
desigualdades e injustiças. O sofrimento do salmista tem sua origem nestes temas. Esta
é a principal característica deste tipo de literatura.
Neste método, a vida sociocultural é o ponto mais importante da pesquisa. Ao observar
os fenômenos linguísticos, temáticos e emocionais das funções sociais que ocupam a
vida cotidiana, o pesquisador se aproxima da dimensão social que implica o fenômeno
religioso.
Para Gunkel o cenário histórico dos Salmos deveria ser pesquisado na vida cúltica36
da
comunidade, tendo em vista suas formas literárias, seu modo de vida e seu sentimento
religioso.
Embora a Crítica da Forma não seja a única perspectiva de leitura dos Salmos, o estudo
dos gêneros literários do saltério é dominante. Ergue-se como divisor de águas,
tornando-se base para trabalhos posteriores. A Crítica da Forma abriu caminho para
novas pesquisas e abordagens de aprofundamento na análise dos Salmos,
principalmente na lamentação.
b) Estudos críticos literários
A interpretação dos Salmos, observados a partir do cenário cúltico da comunidade de
Israel, dominou as principais escolas de pensamento das décadas de 50 e 60, tendo
como expoentes três pesquisadores: Sigmund Mowinckel, Arthur Weiser e Hans-
Joachim Kraus37
.
Discípulo de Gunkel, Mowinckel se tornou o principal precursor do estudo do Sitz im
Leben, aprofundando a ideia de que o indivíduo deve ser observado dentro de um todo
comunitário e ideológico. Os elementos cultuais eram a fonte de pesquisa para o
36
GUNKEL, Hermann and Joachim Begrich. Introduction to Psalms. The Genres of the Religious Lyric
of Israel. Translated by James D. Nogalski. Macon, Georgia: Mercer University Press, 1998, p. 318 37
Há ainda outros expoentes desta escola (Escola Escandinava). São aqueles que veem os Salmos de
lamentação como orações reais, onde o rei é representante de Deus ou da nação. Cf. COETZEE, p.156-
157.
33
significado do sofrimento na vida do indivíduo e da comunidade. Mowinckel entendia
que os indivíduos não produzem a comunidade, mas são produzidos por ela38
.
Arthur Weiser dá um passo à frente e conclui que, somente o método das formas, não é
suficiente para explicar a natureza da poesia dos Salmos do Antigo Testamento. Para o
autor, o estudo das tradições e do culto é mais promissor, pois tem a possibilidade de
agregar, além da história das formas, a história das tradições que se manifestam nos
Salmos. Deste modo, torna-se possível obter uma imagem mais clara e mais objetiva
das relações externas e internas que se desenvolviam na sociedade39
.
Devido à importância dos estudos da cultura e literatura do Antigo Oriente Médio, para
a linguagem de lamentação em Israel, houve um impulso na descoberta de novos estilos
retóricos, estruturais e literários na pesquisa dos Salmos. Os estudos críticos-literários
começaram a ganhar espaço na pesquisa dos Salmos, contrapondo-se às análises da
Crítica da Forma. Neste novo modelo crítico, as representações ficam por conta das
pesquisas que trabalham estas novas perspectivas da poesia hebraica.
Um dos expoentes deste novo período das pesquisas modernas é Hans-Joachim Kraus.
Suas obras marcam o início da “teologia do lamento”. Questionando o uso do termo Sitz
im Leben, por entender que seu significado serve apenas para descobrir o lugar cúltico
dos salmos, Kraus expande seus trabalhos, buscando compreender o desenvolvimento
dos salmos, fazendo a junção entre a Crítica da Forma e os agrupamentos temáticos do
saltério.
Considerando os temas como “cânticos de oração, cânticos de louvor, cânticos reais,
ação de graças, festividades”40
, o autor busca sentido nos estudos que pretendem
considerar a pessoa e a atividade de Deus em relação aos seres humanos. Kraus aposta
na prudente correlação entre a configuração literária e formal dos Salmos e a situação
do culto, que possivelmente se faz adjacente.
38
MOWINCKEL, Sigmund. The Psalms in Israel's Worship. Nashville: Abingdon Press, 1962, p.13-15 39
WEISER, Os Salmos, 1994. p. 12-13 40
KRAUS, Los Salmos. 1993, p.61
34
c) Novos caminhos
O declínio do estudo do Sitz im Leben, de forma exclusiva para um ambiente cultual,
fez com que estudiosos do tema, revitalizassem suas pesquisas a fim de compreenderem
melhor o lugar em que os Salmos de lamentação estão vinculados.
A busca pela definição de um lugar vivencial mais concreto forçou os estudiosos a
caminharem na direção da seguinte hipótese: o suplicante estaria aguardando uma
decisão formal de uma jurisprudência local diante de seu problema e sofrimento. Esta
jurisprudência estaria associada à liturgia do culto que pedia a direção e veredicto pelo
sofredor a partir da consulta e intervenção direta de Deus.41
Gerstenberger verifica que o lugar vivencial dos Salmos individuais pertence aos ritos
privados, orientados para o templo, nos quais a canção de lamento do suplicante
representava o clímax desta liturgia42
. Para o autor, os Salmos de lamentação individual
seriam usados em rituais de exorcismos e curas, por profissionais do templo.
Tércio Machado Siqueira observa que os caminhos abertos por Gunkel foram
posteriormente ampliados e pavimentados por Gerstenberger. O avanço nas
investigações trouxe importantes contribuições para a compreensão da lamentação
como parte da cultura do povo hebreu. Originalmente, os Salmos de lamentação são
provenientes dos grupos primitivos da sociedade israelita43
e refletem situações de grave
perigo que trouxeram dores e sofrimentos no contexto familiar. O estudo de
Gerstenberger tem como foco as comunidades que estavam por trás dos Salmos de
lamentação.
A partir destas considerações é possível traçar um avanço na prática da lamentação no
Antigo Israel. Certamente ela começa no âmbito da religiosidade familiar, transpondo-
se para dentro das estruturas cúlticas. Com o passar dos anos, principalmente com o
evento da destruição do Templo na época do exílio, os lamentos adquirem
características de produção individual. Depois, especialmente no pós-exílio, onde a
41
COETZEE, 1992, p. 161 42
GERSTENBERGER, Gênese do Saltério. 2010, p.23. 43
SIQUEIRA, Tércio Machado. El Lamento. RIBLA. Quito, n. 52, p. 23-30, 2005, p. 24.
35
sacralidade das escrituras absorve a sacralidade da palavra proferida44
, a lamentação se
ajusta a um tipo de penitência no culto padrão de Israel.
1.3. Os Salmos de Lamentação
A lamentação, que pode ser de caráter comunitário ou individual, “integra como
componente essencial o processo da libertação do julgo egípcio e de outros casos
semelhantes”45
, os gritos dos oprimidos, são clamores que consequentemente procedem
à salvação, e portanto, fazem deste gênero, ponto importante na Teologia do Antigo
Testamento.
No Saltério, a lamentação é o gênero que está representado em maior número,
compondo quase um terço dos Salmos reconhecidos pelo cânon bíblico. Há também
muitos paralelos fora do Antigo Testamento, especialmente na literatura babilônica46
.
Claus Westermann, em seu artigo, começa criticando a falta de ênfase que se dá ao
lamento em estudos do Antigo Testamento. Apesar dos trabalhos realizados por bons
pesquisadores como Gerhard Von Rad e Walter Zimmerli, o autor considera que,
mesmo que os eventos narrativos sobre a libertação do Egito sejam fundamentais para a
Teologia do Antigo Testamento, é preciso estabelecer o lugar do lamento na literatura
bíblica:
O Antigo Testamento não pode fixar Deus em uma única soteriologia;
só é possível falar de atos salvadores de Deus, dentro de uma série de
eventos que envolvem necessariamente, algum tipo de troca verbal
entre Deus e o homem. Este último inclui tanto o grito do homem em
perigo, como a resposta de louvor que os salvos fazem a Deus.47
A causa principal para a pouca atenção que se dava à Teologia do Lamento, é
identificada por Westermann como certo preconceito ocidental que contrasta com a
soteriologia das Escrituras.
44
Cf. ALBERTZ, Rainer. História de la Religión de Israel em tempos del Antiguo Testamento. vol. 2.
Desde el Exilio hasta la época de los Macabeos. Trad. Dionisio Míguez. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p.
474-477. 45
WESTERMANN, Claus. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 144 46
WEISER, Os Salmos,1994, p. 43. 47
WESTERMANN, Claus. “The Role of Lament in the Old Testament”. University of Heidelberg:
Interpretation, n. 28. p. 20-38. 1974, p. 20.
36
a) Características e conteúdo
A diferença entre lamentação fúnebre e queixa nascida de tribulação, parecem idênticos
nos idiomas modernos, mas são fenômenos distintos na antiguidade. Enquanto a elegia
funerária tem os olhos voltados para trás, a lamentação do atribulado olha para frente,
para a sobrevivência, para o término do sofrimento.
Assim como o sofrimento é parte da vida do ser humano desde sua origem, a
lamentação é a reação mais apropriada da pessoa que sofre. Em sua forma mais
primitiva, a queixa acontecia no ambiente familiar e só mais tarde, transformou-se no
principal recurso litúrgico do culto.
Do ponto de vista do sujeito dos Salmos de lamentação temos duas classes, que
associadas a outros gêneros como as intercessões pelo rei e as ações de graças,
compõem as lamentações coletivas e lamentações individuais. Estas classes
compreendem os seguintes Salmos: 3-7; 9-14; 17; 22; 25-28; 31; 35-36; 38; 40-44; 51;
54-57; 59-61; 64; 69-71; 74; 79-80; 83; 85-86; 88-89; 94; 102; 108-109; 120; 123; 130;
137; 140-14348
.
Na estrutura formativa, tanto das lamentações coletivas, quanto das lamentações
individuais, temos a seguinte composição: invocação, lamento, súplica (geralmente com
confissão de pecados ou afirmação de inocência), afirmação de fé, apelo, maldição
contra inimigos, reconhecimento da resposta divina, voto ou promessa, bênçãos e ação
de graças.49
A sequência destes elementos não atende a um padrão estrutural e também
não são usadas da mesma forma, variam de acordo com as múltiplas aflições que
constituem o conteúdo das lamentações.
As lamentações revelam uma característica multifacetária da vida pública e particular.
Dentre os muitos motivos de cunho material e espiritual, seus principais motivos são:
calamidades gerais como má colheita, epidemias, guerras, fome, inimigos, ou aflições
48
Somam-se 58 Salmos tendo como base os levantamentos realizados por Hermann Gunkel, que
posteriormente foram ampliados por Artur Weiser e Erhard S. Gerstenberger. Cf. GUNKEL, Introduction
to Psalms, p. 82-83 e 121; WEISER, Os Salmos, p. 43-44; GERSTENBERGER, Psalms Part I e Part II. 49
Cf. GERSTENBERGER, Psalms Part I, p. 12
37
suportadas pelo indivíduo como doença, perseguição, zombaria, dúvidas ou peso pelo
pecado.
Westermann argumenta que, “os Salmos lamentosos, enquanto variadíssimos, ostentam
um esquema constante e sempre repetido: Súplica introdutória, queixa, afirmação de fé,
súplica e ação de graças”50
. Esta estrutura revela em sua dinâmica o verdadeiro sentido
do lamento. Não interessa ao Salmista a simples reclamação de seu sofrimento. Antes
de ser uma descrição egocêntrica que se esgotaria na queixa, o Salmista amplia sua
súplica, direcionando-a para aquele que poderá alterar sua condição.
A uniformidade das frases, usadas em paralelismos e muitas vezes com repetições
cansativas, apesar de testemunharem de forma poética os dramas da vida, certamente
revela o uso constante das lamentações no culto. Aqui, o comunitário prevalece sobre o
individual e a lamentação assume dupla finalidade, é ao mesmo tempo oração e
testemunho. Enquanto a primeira se dirige à Deus, a segunda se volta para a
comunidade.
b) Lamentação individual
A lamentação composta pela queixa individual constitui a categoria de cânticos usada
com maior extensão nos saltério. Adotando a classificação de Gunkel e J. Begrich,
Gerstenberger destaca os seguintes Salmos com leves modificações: 3-7; 11-12; 13; 17;
22; 26-28; 31; 35; 38-39; 42-43; 51; 54-57; 59; 61; 63-70; 71; 86; 88; 102; 109; 120;
130; 140-143.51
Segundo Gunkel, o indivíduo que lamenta é um personagem concreto52
. Gerstenberger,
porém, com base em investigações posteriores, destaca que é cada vez mais claro que
nestes cânticos, não há sinais de isolamento, mas o orante participa na linguagem de
oração da comunidade.
Tanto a vida pessoal quanto a vida comunitária, devem ser discernidas nitidamente nas
lamentações, pois revelam a autenticidade das expressões humanas. O orante ao
expressar seu lamento, o faz diante dos temores de perigo que ameaçam sua vida, sua
50
WESTERMANN, Claus. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas. 1987, p. 146 51
GERSTENBERGER, Psalms Part. 1, p.14 52
GUNKEL, Introduction to Psalms, p. 122-123
38
relação com Deus e com a comunidade, sem os quais ele não pode subsistir. Os mesmos
aspectos antropológicos acontecem nas esferas dos conhecimentos teológicos,
psicológicos e sociológicos expressos no Antigo Testamento.
c) Lamentação comunitária
O ritual da Lamentação comunitária destaca-se um pouco mais no contexto narrativo e
profético do Antigo Testamento. Com sérios perigos eminentes como seca, doenças,
pragas e invasões, além de dias especiais para jejum, luto, sacrifícios e orações, as
Lamentações coletivas53
tornam-se um chamado especial para o culto no santuário, (cf.
Js 7.6; Jz 20.23-26; 1Sm 7.6; 1Rs 8.33).
Nos Salmos 74 e 79, onde o objeto da lamentação do povo é a destruição e a profanação
do templo por inimigos gentios, nota-se este tipo especial de culto de lamentação. A
Festa da Aliança, onde celebrava-se a renovação dos atos salvíficos de Javé, oferecia
exatamente em tempo de tribulação o contexto para a lamentação coletiva, com seu
protesto de fidelidade (Sl. 44.9-21; 80.19)54
.
O livro de Salmos mostra diferentes estilos do gênero lamentação, como poemas
revelando tristeza pela velhice, idade avançada, agressão de pessoas malvadas, entre
outros motivos. Assim, o lamento deixou de ser uma simples reclamação ou um
murmúrio, para ser um lamento acompanhado de esperança na ação libertadora de Javé.
Não há lamento, nos salmos bíblicos, que a afirmação de fé não esteja presente55
.
1.3.1. Consequências históricas e teológicas
A lamentação tornou-se o elemento mais importante no culto no período do exílio e
pós-exílio. O esforço das comunidades para conseguir adequada perspectiva teológica
diante da catástrofe política ocorrida em 587 a.C. refletia-se na celebração litúrgica de
lamentação.
53
GUNKEL, Introduction to Psalms, p. 82-83 54
WEISER, Os Salmos, p. 45 55
SIQUEIRA, Tércio Machado. Culto nos períodos exílico e pós-exílico. Estudos Bíblicos.
http://alemdameraletra.blogspot.com.br/. Acesso em 07/07/2016.
39
Tudo faz crer que a intensificação do lamento, no culto, deu-se a partir das lembranças
dos episódios mais salientes que culminaram na grande catástrofe nacional: o início do
assédio, no décimo mês; a abertura da primeira brecha na muralha, no quarto mês; a
destruição do Templo e do palácio, no quinto mês; e o assassinato de Godolias, no
sétimo mês.
Estas celebrações eram realizadas anualmente com a liturgia do jejum (Zc 7,2-4; 8,18-
19). 56
Influenciado por estas celebrações, a forma litúrgica ocasional, de lamentação,
que no período pré-exílio estava desvinculada do Templo, foi se agregando à prática do
culto e tornando-se um elemento importante nele.
A ausência dos setores da monarquia que supervisionavam as celebrações proporcionou
maior abertura na prática do culto, convertendo-o numa espécie de foro público, onde os
diferentes grupos podiam expressar suas próprias concepções teológicas. Este fato está
presente na diversidade de gêneros que a própria liturgia de lamentação fez proliferar
como a elegia espontânea em seu desenvolvimento e estilo próprios. Além das
lamentações coletivas e individuais, como já citamos anteriormente.
O espaço litúrgico transformou-se no melhor lugar para o esclarecimento teológico, na
tentativa de encontrar explicações para a dura realidade em que viviam os exilados.
Diante da situação de crise política, as ruínas do templo foram o local onde se
intensificou a popularidade da prática do lamento. Segundo o Historiador
Deuteronomista, o queixoso deveria orar voltado para Jerusalém. Sua oração significava
entrar em contato com o santuário destruído (1Rs 8,45-51).
A aceitação da dura realidade em que viviam as comunidades de exilados tinha como
respaldo, o fato de que a catástrofe não foi provocada por um golpe do destino, ou
mesmo, pelo poder do império babilônico. Javé surge como responsável por esta
situação desesperada, como ato de castigo para com Sião e Jerusalém, que apresentavam
uma estrutura teológica falaz e vazia57
.
56
ALBERTZ, Historia de la Religión, p. 470-474. 57
ALBERTZ, Historia de la Religión, p. 476.
40
Consequentemente, a visão teológica do poeta leva o povo a reconhecer e confessar a
culpabilidade coletiva do juízo divino. Não é Javé o culpado pela catástrofe e sim a
própria comunidade, personificada pela cidade. Mas em sua experiência pessoal o
salmista entende que Javé não aflige para sempre o justo, por isso é bom e proveitoso
exercitar-se na humilde confiança em Javé, para alcançar um ilimitado horizonte de
esperança, (Sl. 25; 51; 59; 69; 102; 130).
No contexto do período pós-exílio, a lamentação teve importante papel no
desdobramento e na vivacidade da reflexão teológica. Mesmo diante de um sistema
heterogênico, se chegou a uma teologização da religiosidade pessoal, com suas
consequentes diferenças.
O Javismo oficial, que na época do exílio havia se desdobrado em múltiplas tradições
rivais, se desenvolveu, no pós-exílio, em dois movimentos opostos: um de integração,
que intencionava preservar a identidade religiosa e o fundamento jurídico da
comunidade, orientados pela torah, e o outro de desintegração, que a partir do
profetismo desenvolveu o papel de teologia de oposição, voltando suas atividades para
as classes sociais marginalizadas.
Enquanto a classe alta, que desde o período monárquico havia orientado sua conduta no
sentido das máximas sapienciais, desenvolveu uma espécie de religiosidade pessoal
condicionada na piedade e solidariedade, a classe baixa dirigia-se para expressões de
uma religiosidade explicitamente pobre58
, fundamentada nos hinos de lamentação e
ação de graças. Seus representantes fizeram valer todo o potencial da esperança
escatológica que selava sua relação pessoal com Deus, para opor-se à opressão de
classes dirigentes, designadas como malfeitores (cf. Sl. 9; 12; 22 e outros).
No saltério, Javé é claramente o guardião e promotor da vida, ao passo que a morte é o
constante desafio para o salmista (Sl. 39; 88;139). No entanto, a vida não tem sentido se
58
RUIZ, Eleuterio Ramón. Los Pobres Tomarán Posesión de la Tierra: El Salmo 37 y su orientación
escatológica. Navarra: Editorial Verbo Divino, 2009, p. 257.
41
não houver justiça. Na verdade, rv;y "59 equidade e ds,x, solidariedade60
são palavras-
chave teológicas muito importantes no culto de Israel. Ainda assim, o saltério, pela
grandeza de suas dimensões teológicas, não poderá ser enquadrado dentro de um molde.
Qualquer esforço de sistematizá-lo ficará aquém de seu real sentido. Mesmo assim, ele
continuará inspirando nossa vida de fé, em diferentes épocas, assim como tem feito há
séculos.
1.3.2. Desenvolvimento sociocultural
No olhar atento para o estudo dos Salmos, percebe-se com facilidade a dimensão social
presente no fenômeno religioso. As relações interpessoais, alimentadas pela ideia de um
deus de justiça, ajudaram na valorização da temática do pobre e do sofredor61
. A grande
discussão sobre o tema, especialmente em torno dos vocábulos ynI[' oprimido, !Ay=b.a,
necessitado, lD ; fraco e vwr pobre, influenciou boa parte dos estudos dirigidos aos
Salmos de lamentação.
Estes termos revelam certo conceito estabelecido nos textos bíblicos que designam uma
posição social definida. Seu contraponto está na tensão constante entre os pobres
oprimidos e os ricos opressores. Para Milton Schwantes “a pobreza é, portanto,
caracterizada por experiência e conduta, que suscita o direito a ser reivindicado”62
, neste
sentido, a tradição bíblica, principalmente os textos litúrgicos, entende o pobre como
alguém que exige sua parcela na sociedade.
A relação entre oprimido e opressor se desdobra dentro dos Salmos produzindo a tensão
social com maior frequência dentro das lamentações. São os ~y[iv'r> malfeitores versus
59
rv;y" vb. ser brando, em linha reta, certo. Cf. BROWN, Francis; DRIVER, Samuel Rolles; BRIGGS,
Charles Augustus. BDB, p. 448 60
Sobre o ds,x como conceito chave para a solidariedade, ver: KONINGS, Johan. “Solidariedade e paz”.
Convergência. Revista mensal da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB, Ano XL, nº 380. Rio de
Janeiro: Letra Capital Editora, 2005, p. 79-83. 61
Cf. FISCHER, S. Der Alttestamentliche Begriff der Gerechtigkeit in seinem geschichtlichen und
theologischen Wandel, in: H. Seubert / J. Thiessen (Hgg.), Die Königsherrschaft Jahwes (FS H. Klement;
Studien zu Theologie und Bibel 13), Wien, 61-74. Disponível em:
https://www.bibelwissenschaft.de/stichwort/19316/ 62
SCHWANTES, Milton. O direito dos pobres. São Leopoldo: Oikos; São Bernardo do Campos: Editeo,
2013, p.106
42
os ~yqIåyDIc; justos, que assumem esta tensão, dando conta de repetidas queixas onde o
Justo está em estreita relação com o necessitado, enquanto o [v'r' malfeitor é
caracterizado como o rico opressor.
Esta dialética peculiar da divisão social, tão presente nas lamentações e que se observa
na história da religião do Israel pós-exílico, tem relacionamento direto com os
acontecimentos políticos e histórico-sociais do período persa.
Conforme as informações de Rainer Albertz63
, na segunda metade do V século, a
divisão social proporcionada por uma profunda adaptação cultural e religiosa,
consequente da invasão assíria que alcançou a comunidade judaica, contribuiu para a
elaboração de uma religiosidade pessoal específica, conhecida como “espiritualidade
dos pobres”, desenvolvida nos círculos de classe baixa, com liturgias que aconteciam às
margens da religião oficial.
Neste conturbado período, os Salmos de lamentação surgem como uma forma específica
de segurança de salvação. A certeza de que Javé defenderá o direito, assegurando ao
indivíduo que sua oração será ouvida (Sl. 140.13), era a maior, ou mesmo, a única
aspiração de salvação para os círculos de classe baixa.
Em virtude do anúncio cúltico-profético de salvação para o sofredor e condenação para
o opressor, a comunidade em seu conjunto exteriorizava sua confiança na palavra e na
proteção de Javé, mesmo diante do triunfo momentâneo dos malfeitores (Sl 12.7-8).
1.4. Malfeitores e Justos na comunidade do período pós-
exílio
O problema essencial dos conflitos sociais narrados nos textos bíblicos, que atravessam
os distintos períodos da história da religião de Israel, está no fato de que alguns poucos
se enriquecem com base no empobrecimento de outros, por meio da exploração
campesina. Como fica claro, o destinatário do Salmo é o indivíduo ou um grupo social,
que sendo oprimidos, são chamados de justos, em relação aos seus opressores
malfeitores.
63
ALBERTZ, Historia de la Religión, p. 701
43
Os Salmos de lamentação são valiosos registros desta tensão social presente na
comunidade do período pós-exílio. Na leitura do Saltério, percebe-se claramente que o
êxito dos malfeitores e o sofrimento dos justos, é tema frequente e continua
representando um desafio para a fé do crente em Javé. A injustiça cometida pelos
malfeitores representa na vida dos justos motivos de ira, sofrimento, perseguição,
desencanto e vontade de trocar de caminho (Sl. 69 e 73).
Em meio a esta experiência de sofrimento constante, o justo, ocupa repentinamente o
centro da reflexão, onde a ideia da morte é bastante presente. O Lamento se volta para
Javé, pedindo que intervenha destruindo os malfeitores (Sl. 55; 58). Esta intervenção
divina é vista com traços violentos, tanto no nível do castigo individual (Sl. 52), como
na perspectiva coletiva (Sl. 75-76; 94). A morte do malfeitor é vista com alegria pelo
justo, pois é a manifestação concreta da justiça divina que finalmente se faz presente.
A expressão [v'r' malfeitor, está presente no saltério como uma espécie de modelo anti-
ideal humano. Sua imagem hostil atende às tipificações dadas ao inimigo. Este
personagem, no entanto, está caracterizado com menos detalhes. Os Salmos o fazem
parecer como alguém que tem êxito bastando-se em suas próprias riquezas. Ele é
sempre o rico (cf. Sl. 37; 52; 73 e outros) e ainda que seu êxito seja marcado pela
violência, injustiça e opressão, sua atitude é de soberba e altivez (Sl. 73.11; 94.7; Jó
15.25; 21.14). Sendo inimigo do justo é consequentemente, inimigo de Javé.
1.4.1. A mensagem dos Salmos
O Salmista parece resgatar em sua mensagem, a realidade do sofrimento social de
milhões de seres humanos, condenados a viver, desde o seu nascimento, em miseráveis
condições. Excluídos do acesso aos bens básicos da vida, esta realidade representa, para
quem crê em um Deus Justo e poderoso, um verdadeiro problema de fé, que acontece
em níveis teóricos e práticos.
As condições de vida do povo que sofre, são transformadas pelo salmista em palavra
poética, que deixa extravasar sua experiência em metáforas e imagens que convencem e
descrevem de forma objetiva sua realidade.
44
Os elementos da divisão social de grupos políticos64
e os traços da religiosidade dos
pequenos grupos familiares65
são fatores consequentes das transformações sociais e
religiosa do pós-exílio. O conflito entre malfeitores e justos trata da realidade
comunitária. As experiências comuns de reconstrução social, por meio dos grupos
familiares autônomos no pós-exílio, permitiram que as celebrações litúrgicas fossem
solidárias e mais intensas na comunidade. Os anúncios teológicos de solidariedade
adquiriram nos rituais pessoais, uma função decisiva para a solidez da comunidade e seu
conjunto.
A terminologia [v'r' que atravessa a literatura pós-exílica, assumindo conotações de
ordem social (que exclui da comunidade) e religiosa (que exclui da relação com
Deus)66
, aponta para uma divisão bem clara e definida entre os grupos da classe alta,
proprietários de terras e a comunidade campesina.
Ao analisar a frequência com que ocorre a citação dos ~y[iv'r. no saltério, Erhard S.
Gerstenberger ressalta:
“Os homens designados daquele modo não são estranhos; eles estão
próximos de quem fala. Eles agem como indivíduos, mas pertencem a um
grupo designado. Do contrário não se pode explicar a numerosa
ocorrência do Plural. Do ponto de vista do salmista, os malfeitores se
excluíram por meio de seu comportamento perante a comunidade de
Javé. Eles se tornaram “não-pessoas”, as quais só podem ser tratadas com
desejo de aniquilação. ”67
O maior opositor do salmista não é um estrangeiro, uma nação inimiga ou mesmo um
de seus dominadores, mas ao contrário, é alguém de seu sangue. Neste sentido o salmo
64
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 1. De los
comienzos hasta el final de la monarquia. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 137-140 65
Os grupos familiares eram sintomas da fragmentação da religiosidade, consequente da crise social e
religiosa que se desenvolveu no período pós-exílio. Com a nova configuração social, desenvolveu-se a
aproximação entre a religiosidade pessoal e a religião oficial da comunidade judaica. Cf. ALBERTZ,
Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2. Desde el exílio hasta
la época de los macabeos. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 685-709 66
ALBERTZ, Historia de la religión, p. 440 67
GERSTENBERGER, Erhard S. Israel no tempo dos persas: Séculos V e IV antes de Cristo. Tradução
de Cesar Ribas Cezar. São Paulo. Edições Loyola, 2014, p. 242.
45
55 aparece como texto fundamental para estudar a problemática relação entre
malfeitores e justos no pós-exílio. As reclamações recitadas pelo sofredor constituem o
esforço para restaurar o bem-estar e a segurança do indivíduo aflito e seus parentes.
Como parte da liturgia do lamento, ele amaldiçoa este e outros inimigos, com a súplica
de que sejam engolidos pelo xeol.
Uma breve passagem pelo Salmo já coloca em evidência as fraquezas e insuficiências
humanas, diante dos ataques provocados pelos opressores do salmista. O apelo por
justiça, desenvolvido em três rodadas de lamento, expondo queixas e maldições contra
seu opressor, faz deste Salmo o modelo claro de uma fé que professa sua confiança e
esperança em Javé, que no momento da aflição declara: “mas eu confiarei em ti” (Sl
55.24c).
46
2: ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 55.
No capítulo anterior percebemos que a importância da Lamentação no Antigo
Testamento, está em função de sua estreita relação com a dura realidade da vida do
povo, no contexto dos eventos sociais, econômicos e religiosos do período pós-exílio. A
frequência das ocorrências do termo [v'r' nos Salmos de lamentação, revela os efeitos
da oposição entre malfeitores, considerados impiedosos, opressores e justos, título
destinado aos indivíduos piedosos da classe alta e os pobres oprimidos.
Esta tensão social na perspectiva do conflito de classes assume nos textos bíblicos,
valioso sentido para a comunidade que tem na lamentação a esperança da intervenção e
libertação de Javé. O Salmo 55 nos apresenta este modelo conflituoso do orante, que
sente-se perturbado pelas agressões de alguém tão próximo a ele, mas expõe em seu
lamento seus momentos mais dramáticos, queixa-se, amaldiçoa seu opressor e confia na
intervenção divina.
Busca-se neste capítulo, compreender o texto bíblico em si. As ideias, as intenções e a
forma literária do texto, serão trabalhadas nesta seção a partir dos critérios propostos
pela Crítica da Forma. Assumiremos na análise exegética do Salmo 55 os princípios da
análise histórico-sociológica como metodologia básica.
Os passos utilizados para este trabalho seguem os seguintes níveis: 1. Determinação do
texto base; 2. Crítica textual; 3. Tradução; 4. Estrutura; 5. Gênero literário; 6. Lugar e
data; 7. Comentário; 8. Intenção.
Entendendo a formação do Salmo, sua linguagem e forma, buscaremos responder se o
Salmo 55 pode ser considerado um claro retrato deste conflito social, usado como
gênero literário poético ou pertencente aos eventos litúrgicos sagrados.
47
2.1. Determinação do texto base
Nosso ponto de partida é o Texto Massorético, normalmente abreviado como TM. A
finalidade principal da análise textual encontra-se neste manuscrito hebraico.
Considerado o manuscrito mais antigo e preservado, com elevado padrão de
uniformidade textual68
, o TM, também conhecido como códex Leningradensis B19A
(L)69
serve como fonte para todas as edições impressas da Bíblia Hebraica e também
para as bíblias modernas.
Mesmo que não seja possível traçar uma linha bem definida, que delimite onde termina
e onde começa a etapa de formação e transmissão do texto70
, o TM segue como o
principal manuscrito para a BHS.
2.1.1. Tradução interlinear do Salmo 55: Aproximação literal
`dwI)d"l. lyKiîf.m; tnO©ygIn>Bi x;Ceîn:m.l;1
para Davi. maskil
em
instrumentos de
corda
Do dirigente
`yti(N"xiT.mi ~L;ª[;t.Ti÷-la;w> yti_L'piT. ~yhil{a/â hn"yzIåa]h; 2 de minha
súplica. e não te esconda minha oração ’elohim Ouça
`hm'yhi(a'w> yxiäyfiB. dyrIßa' ynInE+[]w: yLiä hb'yviäq.h; 3 e agitação. em lamento (pois) vagueio e me responde Atende
[v'_r" tq:å[' ynEåP.mi byE©Aa lAQÜmi 4
Do malfeitor pressão em face da (do) inimigo por causa da
voz
`ynIWm)j.f.yI @a;b.W !w<a'÷ª yl;î[ Wjymiîy"-yKi
guardam rancor e na ira sobre (a)
maldade
pois me fazem
cambalear
68
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. Introdução ao Texto Massorético, guia
introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartênsia. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 209 69
ELLIGER, Karl; RUDOLPH, Wilhelm (eds.). Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 5 ad. Stuttgart:
Deutsche Bibelgesellschaft. 1997, p. xxix 70
TOV, Emanuel. Textual Criticism of the Hebrew Bible. Minneapolis Assen/Maastricht: Fortress Press-
Van Gorcum. 1992, p. 289-290. Disponível em: http://www.greeklatin.narod.ru/tov/_0323.htm.
48
tw<m'÷ª tAmïyaew> yBi_r>qiB. lyxiäy" yBiliâ 5
de morte e terrores em meu
interior. estremece meu coração
`yl'([' Wlïp.n" sobre mim Caem
`tWc)L'P; ynISeªk;T.w:÷ _ ybi aboy"å d[;r:w"â ha'är>yI 6
um
estremecimento e cobre-me entra em mim e tremor
Medo
hp'W[ïa' hn"©AYK; rb,aeâ yLiä-!T,yI-ymi( rm;ªaow" 7
voaria como a pomba, asa quem dera para
mim ter
e disse:
`hn"Ko*v.a,w> e pousaria
`hl's,( rB"åd>MiB; !yliÞa' ddo+n> qyxiär>a; hNEhiâ 8 no deserto (sela) ficaria fugiria para longe Eis!
`r[;S'(mi h['äso x:Wrßme yli_ jl'äp.mi hv'yxiäa' 9 e da tempestade. calúnia do vento da em escapar me apressaria
ytiyai’r"-yKi( ~n"+Avl. gL;äP; yn"doa]â [L;äB; 10 eis que! eu vejo a língua deles, e divide Senhor Confunde
`ry[i(B' byrIåw> sm'Þx' na cidade e contenda Violência
!w<a"ßw> h'yt,_moAx-l[; h'buîb.Asy> hl'y>l;ªw" ~m'ÛAy 11
e maldade sobre os seus
muros rodeiam e de noite de dia
`HB'(r>qiB. lm'ä['w> em seu interior e fadiga
`hm'(r>miW %Toæ Hb'ªxor>me÷ vymiîy"-al{w>) HB'_r>qiB. tAWðh; 12 opressão e
engano
de suas praças e não aparta em seu interior Ruínas
yl;ä[' yain>f;m.â-al{) aF'îa,ñw> ynIpeªr>x")y> byEïAa-al{) yKiÛ 13 (que) me
sobrepõe
não é o que me
odeia
então (eu o)
suportaria
que me
escarnece
Eis que não é o
inimigo
`WNM,(mi rtEïS'a,w> lyDI_g>hi dele então (me)
esconderia
e se engrandece
`y[iD"(yUm.W ypiªWLa;÷ yKi_r>[,K. vAnæa/ hT'äa;w> 14 e meu conhecido
(íntimo) meu amigo conforme
minha ordem
ó homem mas tu
49
(conforme a
mim)
tybeîB. dAs+ qyTiäm.n::â wD"x.y rv<åa] 15 na casa de em aconselha-
mento,
na nossa
doçura
juntos o qual
`vg<r")B. %LEïh;n> ~yhiªl{a/÷ na multidão nós andávamos ’elohim
Wdår>yE Amyleª[' ¿tw<m'yViy:À 16 e caiam no seja sobre eles Devastação
`~B'(r>qiB. ~r"äWgm.Bi tA[ßr"-yKi(; ~yYI+x lAaåv. em seu interior em suas moradas pois há
perversidades
os (que estão)
vivos
xeol
`ynI[E)yviAy hw"©hyw:÷ ar"_q.a, ~yhiäl{a/-la, ynIa]â 17 me salvará e YHVH clamarei para ’elohim Eu
hm,_h/a,w> hx'yfiäa' ~yIr:h\c'w>â rq,boåw" br<[,Û 18
gritarei lamentando e ao meio dia e manhã Tarde
`yli(Aq [m;îv.YIw: minha voz. e (ele) ouvirá
~yBiªr:b.÷-yKi( yli_-br"Q]mi yvip.n:â. ~Alåv'b hd"ÛP'« 19 pois muitos de quem me
hostiliza
minha vida em paz Resgata
`ydI(M'[i Wyðh' contra mim São
~d<q,ª bveîyOÝw> é~nE[]y:w>¥ lae’ [m;Ûv.yI 20 em frente e permanecerá e os humilhará Deus Ouvirá
Aml'_ tApåylix] !yaeä],î rv<Üa hl's para eles mudanças não existe porque Selá
`~yhi(l{a/ Waår>y" al{ßw> ’elohim temem e não
`At*yrIB. lLeîxi wym'ªl{v.Bi wyd"y"â xl;äv' 21 sua aliança e profanaram em (quem)
tinha paz
suas mãos Lançou
WKßr: ABïliñ-br"q]W* éwyPi taoåm'x.m ŸWqÜl.x' 22 concorrem e hostilidade no
coração
na sua boca Manteiga
(alimentos de leite) a sua falsidade
(é como)
`tAx)tip. hM'heäw> !m,V,ªmi wyr"îb'd> espada
desembainhada
e estas
são
com azeite suas palavras
^l<ïK.l.k;ñy> aWháw> é^b.h'y>; Ÿhw"“hy>-l[ %lEÜv.h; 23 te suportará e ele teu fardo sobre YHVH Lança
50
`qyDI(C;l; jAmª ~l'îA[l. !TEßyI-al{ o justo vacilar para sempre não deixará
tx;v;ª raeìb.li Ÿ~dEìrIAT Ÿ~yhi’l{a/ hT'Ûa;w> 24 na cova. no poço (os) fará cair ’elohim mas tu
h,_ymey> Wcåx/y<-al{ hm'r>miWâ ~ymiäd" yveÛn>a; o seu dia não alcançarão e fraudulentos sanguinários Homens
`%B")-xj;b.a, ynI©a]w:÷ confiarei em ti mas eu
2.2. Crítica textual
2.2.1. Notas do Aparato Crítico da BHS71
O aparato crítico, também conhecido como aparato de variantes textuais, tem como
função básica informar a situação do texto bíblico ao longo de sua transmissão, desde o
período da Antiguidade até o final da Idade Média. Localizado logo abaixo do aparato
Massorético, no rodapé da BHS, seu objetivo principal é demostrar as diferenças entre o
texto hebraico, como apresentado no manuscrito de Leningrado B19A (L) e as antigas
versões bíblicas. As anotações do Aparato Crítico fornecem também a possibilidade de
observar as emendas textuais que ocorreram no processo de transmissão dos textos.
As variantes textuais encontradas no Aparato Crítico referem-se às principais versões
antigas da Bíblia como a Septuaginta, Pentateuco samaritano, Peshitta, Vetus latina,
Vulgata, Targun, Manuscritos do Mar Morto, entre outras.72
O Salmo 55 consta de 42 notas no aparato crítico, distribuídas em 18 versículos, que
esclarecem acerca da transmissão do texto, constando informações sobre suas variantes.
Vejamos a seguir tais notas e sua respectiva interpretação.
71
As notas do aparato crítico da BHS, foram produzidas por H. Bardtke (1969), cf. BHS. 1997. A
interpretação de tais notas foi feita através de consulta à obra de FRANCISCO, Edson de Faria. Manual
da Bíblia Hebraica, p. 61-96. 72
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica, p. 61
51
Verso 3: O termo dyrIßa' (vagueio), traz a seguinte anotação: [a evluph,qhn,
σ´kathnecqhn, Hier humiliatus sum; l frt dr;Wa (a ddr ) vel dbe(ao]. Explicação da nota:
a LXX traduz por triste, aflito, a versão Símaco traduz esmagar, afligir73
, Jerônimo
traduz como aviltado, rebaixado; para ser lido possivelmente como derrubado,
subjugado ( da raiz rebaixar) ou destruir.
O termo hm'yhi(a'w> (e agitação), traz a anotação: [b ( σ´, Hier ) evtara,cqhn; l
frt hm,h,(a,w> vel hm'Aaew> (a ~wh ) et cj c 4]. Explicação da nota: a LXX (versão Símaco
e Jerônimo) traduz por problema, lançar-se em confusão; para ser lido possivelmente
como “e perturbado, confuso” ou “e inquieto” (da raiz desconcertar) e conjugado com
verso 4.
Verso 4: O termo ynEåP.mi (em face) traz a anotação:[ a pr cop]. Explicação da nota: a
LXX e a Peshitta coloca antes deste termo a conjunção.
O termo Wjymiîy"-yKi (pois me fazem cambalear) traz a anotação: [b σ´ eperriyan;
prp WJyI (cf. evxe,klinan, clw) vel Wjy[iy" vel Wryijm.îy : ]. Explicação da nota: a versão
Símaco traduz por “jogar em, julgo”(literalmente transmite e ideia de selar um animal
enquanto anda74
). Propõe-se “repelir, expulsar”(confira com LXX “evitar, desviar-se
de” e Peshitta clw) ou Wjy[iy" “fazer cair” ou Wryijm.îy : “fazer descer”
Verso 5: O termo yBiliâ(meu coração) traz a anotação: [a wnplt bj dHlt’ wksjwnj †llj
mwt’ et Cedidit in me pavor et operuerunt me umbrae mortis]. Explicação da nota: A
versão Peshitta sugere cair “e cai o medo em mim, e me cobriu com a sua sombra da
morte”
O termo tAmïyaew> (e terrores) traz a anotação: [b sg]. Explicação da nota: Na
LXX está no singular
73
Cf. LUST, Johan. A Lexicon of Symmachus' Special Vocabulary. In: His Translation of the Psalms.
Katholieke Universiteit Leuven. Disponível em: http://rosetta.reltech.org/TC/v05/Lust2000.html#k 74
FRIBERG, Timothy; FRIBERG, Barbara ; MILLER, Neva F. Analytical Lexicon to the Greek New
Testament. Baker's Greek New Testament Library. Grand Rapids: Baker, 2000. Bible Works, v.7.
52
Verso 9: O termo jl'äp.mi hv'yxiäa' (me apressaria em escapar) traz a anotação: [a–a
prosedeco,mhn to.n sw,|zonta, (it , sed mas pr cop) = jLep;m.i hl'yxiao (w>)?] Explicação da
nota: Na LXX “para receber a salvação” (do mesmo modo na Peshitta, mas coloca-se
antes da conjunção) que seria uma retroversão de “esperaria para escapar” com o
acréscimo da conjunção (w>) mas esta informação é incerta.
O termo r<[;S'(mi h['äso x:Wrßme (do vento, da calúnia e da tempestade) traz a
anotação: [b–b
ἀπὸ ὀλιγοψυχίας καὶ καταιγίδος =r[;S'w> xr'[ic> מ׳; l xr'['S> מ׳ (h[s
dttg) cf ]. Explicação da nota: a LXX traz “do desânimo e da fúria do vento” que é
uma retroversão de “em explosão súbita do vento” com a partícula prepositiva m ; para
ser lido como “vendaval” com a partícula prepositiva m ; (h[s calúnia é uma
ditografia) compare com a Peshitta.
Verso 10: O termo yn"doa]â [L;äB; (confunde Senhor) traz: [a-a
prp ~n"+ArG> [l;B,].
Explicação da nota: provavelmente garganta de Bela (uma alusão ao que é engolido,
tragado, como forma de castigo, cf. Jr.51.44)
O termo yn"doa] (Senhor) traz: [mlt Mss hwhy; + ’cthwn, ins ~t"c'[],].
Explicação da nota: Muitos manuscritos hebraico medievais trazem o tetragrama;
Guenizá do Cairo acrescenta poderio, força, inserindo “desobediência, relutância”.
O termo gL;äP; ( divide) traz: [ hwpk’ conversationem, prp gl,P,Þ]. Explicação da
nota: Na Peshitta “conduta, conduzir”, proposto como gl,P canal artificial construído
para conduzir as águas.
Verso 11: O termo h'buîb.Asy>; (rodeiam) traz: [a sg]. Explicação da nota: Na LXX está
no singular.
53
Verso 12: O termo HB'_r>qiB> (em seu interior), traz: [a
> ; l frt Hk'(AtB. vel h'yq,WvB.
e; huc tr:]. Explicação da nota: a LXX e a Peshitta omitem este termo; para ser lido
possivelmente como suspiro, desejo ou apertado, sedento.
Verso 13: O termo al{) (não ) traz: [a eiv cf 51,18
a]. Explicação da nota: a LXX traduz
como “se, conforme Salmo 51.18, na anotação a.
O termo ynIpeªr>x")y> byEïAa (inimigo que me escarnece), traz: [b-b
l prb ynIp;ªr>xe ybiäy>Aa
cf ]. Explicação da nota: Para ser lido provavelmente “inimigo afronta” conforme
Peshitta e Vulgata
O termo aF'îa,ñw> (e suportaria), traz: [c
prb exc vb]. Explicação da nota:
Provavelmente esta palavra foi excluída
O termo al{) (não ), traz: [d kai. eiv cf
a]. Explicação da nota: a LXX traduz
como “e se”, conforme a anotação a.
Verso 15: O termo vg<r")B. %LEïh;n> (nós andávamos na multidão), traz: [a-a
()
evporeu,qhmen evn o`monoi,a|,,,; l prp. %l{ïh>;y: vel WkLe(h;y> et [g:r<ïB. vel v[:r:ïB. ; al trp 21 – 23
post 15]. Explicação da nota: a LXX (e a versão Peshitta) traz “procedíamos em
harmonia”; para ser lido provavelmente como “caminhava” ou “caminhávamos” e
“por um momento” ou “em companhia” outros tranpõem para depois do verso 15
Verso 16: O termo Amyleª[' tw<m'yViy: (devastação sobre eles), traz: [a-a
prp cj c 15bb] .
Explicação da nota: Proposto conectar com verso 15 bloco b
O termo tw<m'yViy: (devastação ), traz: [b
mlt Mss Vrs ut Q (yVy = ayVy), sic l].
Explicação da nota: Muitos manuscritos hebraicos medievais e muitas versões trazem
como qerê de “maltratar, atuar como credor”, assim lido
O termo ~r"äWgm.Bi (em suas moradas ), traz: [c
>]. Explicação da nota: Ausente
na versão Peshitta.
54
O termo ~B'(r>qiB. (em seu interior ), traz: [d
prb dl]. Explicação da nota:
Provavelmente de ver deletado.
Verso 17: O termo ynI[E)yviAy {)(me salvará ), traz: [a eivsh,kouse,n mou = ynI[Em'v.yi].
Explicação da nota: a LXX traduz como “me atenderá” uma retroversão de “me
ouvirá”
Verso 18: O termo [m;îv.YIw: {)(e ouvirá ), traz: [a Ms ['miv.a;w>]. Explicação da nota: Um
manuscrito hebraico medieval e a Peshitta indicam “e escutará”
Verso 19: O termo hd"ÛP' «{)(resgata ), traz: [a
lutrw,setai = hd,P.yI, psh = hdEP.].
Explicação da nota: Na LXX “redimir” retroversão de resgatar, a versão Peshitta
apresenta “salvar” como retroversão de “recuperar”
O termo br"Q.mi (me faz guerra ), traz: [b
avpo. tw/n evggizo,ntwn , l frt
mybireQ.mi]. Explicação da nota: Na LXX “para o aproximar”, para ser lido
possivelmente como “para guerrear contra mim”.
O termo ~yBiªr:b.÷ (muitos), traz: [c
bHrjn`, in contentione; l frt ~ybir'b.i].
Explicação da nota: Na Peshita surge como “em disputa”; para ser lido possivelmente
como “muitos comigo”.
Verso 20: O termo bveîyOÝw> é~nE[]y:w>¥ Ÿlae’ Ÿ[m;Ûv.yI (ouvirá Deus e responderá e
permanecerá), traz: [a-a
prp la’[em'v.yI bveîy ~l'Þ[.y:w> cf Gn 36.5]. Explicação da nota:
Proposto “ e Jalam retornou para Ismael”, coferir com Gn 36.5
O termo bveîyOÝw> é~nE[]y:w>¥ (e responderá e permanecerá), traz: [b-b
() kai.
tapeinw,sei auvtou,j o` upa,rcwn = bveîyOÝ wOmNE[;ywI?]. Explicação da nota: Na LXX (e na
versão Peshita) “humilhará aquele que existe” uma retroversão de “virá para te
humilhar” mas esta informação é incerta.
O termo hl's,î.÷ (sela), traz: [c prp hOLKu]. Explicação da nota: Proposto “final”
55
Verso 21: O termo xl;äv' (lançou), traz: [a
cf 15 a-a
]. Explicação da nota: Comparar
com verso 15 a-a
O termo xl;äv' (lançou), traz em sua forma final: [b pl ]. Explicação da nota: Na
Peshita este termos está no plural.
O termo wyd"y"â (suas mãos), traz: [c nonn Mss wdy ]. Explicação da nota: Vários
manuscritos hebraicos medievais e a LXX trazem “nas mãos”
O termo wym'ªl{v.Bi (em quem tinha paz), traz: [d
evn tw/| avpodido,nai = mLev;B.?
´l qrjbh; l wOml.voB.]. Explicação da nota: Na LXX “na recompensa” uma retroversão de
“em paz” mas esta informação é incerta. A versão Peshitta traz “para seu interior”;
para ser lido como “em paz com ele”
O termo lLeîxi (profanaram), traz: [e σ´ pl]. Explicação da nota: Nas versões
LXX, Símaco e Peshita está no plural.
Verso 22: O termo WqÜl.x' (a sua falsidade ), traz: [a
l ql;x ]. Explicação da nota: Para
ser lido como “iludir, lisonjear”
O termo taoåm'x.m; (manteiga ), traz: [b
2 Mss twOaåm'x;>me ; σ´ boutu ,rou cf Hier , l
ha'm.x,me]. Explicação da nota: Dois manuscritos hebraicos medievais trazem “creme de
leite”; Na versão Símaco “cacho de oliva”, compara com Jerônimo e a versão Guenizá
do Cairo, para ser lido como “na manteiga”.
O termo wyPii (sua boca), traz: [c
()tou/ prosw,pou auvtou/ = wyn'P']. Explicação
da nota: Na LXX e versão da Peshitta, “em sua face” = uma retroversão de “sua face”.
O termo ABïliñ-br"q]Wii (e guerra no coração), traz: [d
l frt wblB. (b hpgr)].
Explicação da nota: Para ser lido possivelmente como “em seu coração” (a letra b é
um caso de haplografia)
56
Verso 23: O termo é^b.h'y> (teu fardo), traz: [a
a´ σ´ e´ Vagaph ,sei se = ^B.xuy> ? Hier
caritatem tuam, sjbrk spem tuam]. Explicação da nota: Nas versões Áquila, Símaco e
Quinta, o termo é “seu amor” uma retroversão de “teu cuidado” mas é incerto.
Jerônimo traduz por “tua caridade”, Guenizá do Cairo por “tua esperança”.
Verso 24: O termo raeìb.li (no poço), traz: [a lgwb’, l = rabol. (rabol.)]. Explicação
da nota: A versão Peshitta traz “para perdição” para ser lido como retroversão de
“para o bem”.
O termo %B") (em ti), traz: [b + ku,rie]. Explicação da nota: A LXX acrescenta
“Senhor”.
2.2.2. Anotações massoréticas – Masora Parva (Mp)75
A Massorá Menor (lat. Masora Parva) é a expressão usada para designar o conjunto
principal de anotações massoréticas escrito nas margens laterais do texto bíblico, muito
presente nos códices da Bíblia Hebraica de tradição tiberiense.76
Estas anotações têm
como base o Códice de Leningrado B19a (L) e o responsável pela editoração destas
anotações foi Gérard E. Weil.77
A mesma expressão no hebraico é hN"j;q. hr'wOSm' (maṣorah qetanah - massorá pequena).
A Mp contém elementos concernentes à qualidade do texto78
e tem a função de observar
todos os aspectos do texto hebraico como: palavras e expressões únicas nos casos de
hápax legomenon79
, frequência de vocábulos e expressões, detalhes gramaticais,
75
Cf. FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica, p. 112-152 76
Cf. RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel. Guide de la Bible Hébraïque. La critique textualle dans
la Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Genève: Labor et Fides, 1994, p. 9, 21-22 77
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica, p. 113 78
RÖMER e MACCHI, 1994, p. 13 79
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica, p. 118 e 514
57
ortografias incomuns, observação sobre formas de ler o texto (casos de Qerê, Ketiv80
e
severin81
), além de outras observações de ordem textuais.
O Salmo 55 possui 49 anotações massoréticas distribuídas em 21 versículos. Vejamos
sua interpretação:
Verso 2:
hn"yzIåa]h; (ouça), Mp Ay, interpretação: Esta palavra ocorre 16 vezes no texto da Bíblia
Hebraica;
~yhil{a/â hn"yzIåa]h; (ouça ’elohim), Mp lO, interpretação: Hapax legomenon, esta
expressão ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
~L;ª[;t.Ti÷ (te esconda) Mp bO, interpretação: Ocorre duas vezes no texto da Bíblia
Hebraica;
Verso 3:
dyrIßa' (vagueio), Mp lO, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre uma
única vez no texto da Bíblia Hebraica;
hm'yhi(a'w> (e agitação), Mp lO, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre
uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
Verso 4:
(tq:å[' (pressão ), Mp l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre uma
única vez no texto da Bíblia Hebraica;
Wjymiîy" (me fazem cambalear), Mp l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão
ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
@a:ïb.W (e na ira), Mp b, interpretação: Ocorre duas vezes no texto da Bíblia Hebraica;
80
TOV, Emanuel. Textual Criticism of the Hebrew Bible. Minneapolis Assen/Maastricht: Fortress Press-
Van Gorcum. 1992, p. 58 e FRANCISCO, Edson de Faria, p.178-186 81
TOV, Emanuel, p 64 e FRANCISCO, Edson de Faria, p.186 - 187
58
ynIWm)j.f.yI (guardar rancor), Mp l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão
ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
Verso 5:
yBi_r>qiB. (em meu interior terrores), Mp l, interpretação: Hapax legomenon, esta
expressão ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
tAmïyaew> (e terrores), Mp l˜, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre
uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
Verso 6:
tWc)L'P; (um estremecimento), Mp d, interpretação: Esta palavra ocorre quatro vezes no
texto da Bíblia Hebraica;
Verso 7:
rb,aeâ(asa), Mp b˜, interpretação: Ocorre duas vezes no texto da Bíblia Hebraica;
hn"©AYK; (como a pomba), Mp 4b, interpretação: Ocorre duas vezes no texto da Bíblia
Hebraica. O número 4 sobrescrito, indica a Massora Magna82
, Mm 3292 citada no
aparato Massorético da BHS. hp'W[ïa' (voaria), Mp l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre uma
única vez no texto da Bíblia Hebraica;
hn"Ko*v.a,w> (e pousaria), Mp l˜, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre
uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
82
A Mm, a grosso modo, funciona como uma espécie de “concordância massorética” que complementa
as informações da Mp contida na Bíblia Hebraica, elaborada pelos massoretas. As referências expostas no
rodapé da BHS indicam uma lista de versículos, editada como suplemento da BHS, conhecida como
Massorah Gedolah , de autoria de Gérard E. Weil. Cf. FRANCISCO, Edson de Faria, p. 153-155
59
Verso 8:
ddo+n> (fugiria), Mp s˜xw l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre uma
única vez nos salmos e também com escrita defectiva83
;
Verso 9:
jl'äp.mi (em escapar), Mp l˜, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre
uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
h['äso (calúnia), Mp s˜xw l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre
uma única vez no texto da Bíblia Hebraica e também com escrita defectiva;
Verso 10:
yn"doa]â [L;äB; (confunde Senhor), Mp l, interpretação: Hapax legomenon84
, esta
expressão ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
gL;äP; (divide), Mp l˜, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre uma única
vez no texto da Bíblia Hebraica;
byrIåw> (e contenda), Mp d, interpretação: Este termo ocorre quatro vezes no texto da
Bíblia Hebraica;
Verso 11:
h'buîb.Asy>; (rodeiam), Mp !k t˜kw l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão
ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica e escrito desta maneira;
83
Do Latim (scriptio defectiva), se refere ao texto ou a uma palavra dentro de um texto que foi escrita
sem o recurso de letras vocálicas ou indicadores vogais. Cf. KELLEY, Page H. Hebraico Bíblico: uma
gramática introdutória. tradução: Marie Ann Wangen Krahn. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 424. 84
Embora as anotações massoréticas da BHS indiquem esta expressão como l, Gerhard Lisowsky faz
referência de yn"doa]â [L;äB; em dois textos: Salmo 55.10 e Lamentações 2.2. Cf. LISOWSKY, Gerhard.
Konkordanz zum Hebraischen Alten Testament. Deutsche Bibelgesellschaft Stuttgart: Printed in
Germany. 1981, p. 27,28, 232 e 233
60
Verso 12:
al{w>)>; (e não), Mp 5b, interpretação: Ocorre duas vezes no texto da Bíblia Hebraica. O
número 5 sobrescrito, indica a Mm 2555 citada no aparato Massorético da BHS.
vymiîy" (aparta), Mp 6z, interpretação: Ocorre sete vezes no texto da Bíblia Hebraica. O
número 6 sobrescrito, indica a Mm 3293 citada no aparato Massorético da BHS.
Hb'ªxor>me ÷(suas praças), Mp vylb s˜x b, interpretação: Este termo ocorre duas vezes
em escrita defectiva, com este significado e com esta forma; hm'(r>miW (e engano), Mp
7h, interpretação: Ocorre cinco vezes no texto da Bíblia
Hebraica. O número 7 sobrescrito, indica a Mm 3127 citada no aparato Massorético da
BHS.
Verso 13:
yKiÛ (ei que), Mp poysb p , ,r [˜jb h˜n˜, interpretação: Esta interjeição ocorre cinquenta
e cinco vezes com este acento de cantilação no início de versículo neste livro.
aF'îa,ñw (e suportaria), Mp b, interpretação: Ocorre duas vezes no texto da Bíblia
Hebraica;
yain>f;m.â(o que me odeia), Mp b, interpretação: Ocorre duas vezes no texto da Bíblia
Hebraica;
lyDI_g>hi yl;ä[' (me sobrepõe e se engrandece), Mp l, interpretação: Hapax legomenon,
esta expressão ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
rtEïS'a,w> (e me esconderia), Mp 1l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão
ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica. O número 1 sobrescrito, indica Mp
sub loco no aparato Massorético da BHS;
Verso 14:
yKi_r>[,K.iÛ (conforme minha ordem), Mp l, interpretação: Hapax legomenon, esta
expressão ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
61
ypiªWLa;÷ (meu amigo), Mp l˜, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão ocorre
uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
y[iD"(yUm.W.â (e meu conhecido), Mp l, interpretação: Hapax legomenon, esta expressão
ocorre uma única vez no texto da Bíblia Hebraica;
Verso 15:
~yhiªl{a/÷ tybeîB. (na casa de ’elohim), Mp 8b, interpretação: Esta expressão ocorre duas
vezes no texto da Bíblia Hebraica. O número 8 sobrescrito, indica a Mm 23287 citada
no aparato Massorético da BHS.
Verso 16:
tw<m'yViy: . (devastação), Mp vylb sx g˜w lm b˜ ayvy x !m dxw y˜rt rqw hdh
hlym 9yh !m dh twm yVy q, interpretação: Este é um Qerê (texto lido) de yVy
(maltratar, atuar como um credor) e twm (morte). Esta é uma das quinze palavras que
aparecem em destaque, o número 9 sobescrito indica a Mm 214 onde há um contra texto
sugerindo yVy em vez de ayvy . Escrito como uma palavra, mas lido como duas, da
qual 8 vezes aparece como ayvy , duas vezes como escrita plena e três vezes como
escrita defectiva, com este significado e esta forma.
2.2.3. Conclusões preliminares
Uma avaliação geral coloca em evidência que o Texto Massorético do Salmo 55 está
bem preservado, levando em consideração os seguintes aspectos:
a) Em quase todas as variantes encontramos explicações, tendo como base o TM, sendo
que a grande maioria delas, são de menor importância e não afetam substancialmente o
texto.
62
b) Não há indícios em nenhum dos casos estudados, de que se deva substituir o texto
para reconstruir o suposto “texto mais original”.
Na prática, o TM do Salmo 55 não demonstra ser necessário alguma correção. Por tanto,
como texto base para nosso estudo, tomaremos o TM do Salmo 55 sem nenhuma
modificação.
2.3. Tradução
2.3.1. Observações
Textos poéticos estão carregados de sentimentos e metáforas. A estrutura da poesia
hebraica não foge à regra, há dificuldades em estabelecer em que tempo traduzir um
verbo e como interpretá-lo a partir das ações referidas no texto.
Com vocabulário, sintaxe e estilo estereotipados e palavras raras, nosso texto apresenta
este elemento literário poético, com formulações litúrgicas85
. Nossa tradução pretende
manter a sintaxe e fraseologia hebraica, na medida em que resulte numa estrutura
inteligível para a língua portuguesa.
A tradução dos termos tem a intenção de manter-se a mesma para cada vocábulo
hebraico, de modo que se possa perceber a repetição dos mesmos, como é o caso da
partícula yKi traduzido por eis que!. Os termos [v'_r" e qyDI(C; amplamente utilizados
nos Salmos, possuem correspondentes variados que são determinados de acordo com o
contexto. No Salmo 55 traduzimos como malfeitor e justo sinalizando a dimensão
religiosa dos termos.
85
GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms Part 1, with an Introduction to Cultic Poetry. In The Forms of
the Old Testament Literature, Volume XIV, Rolf Knierim and Gene M. Tucker, editors. Wm. B.
Eerdmans Publishing Co. Grand Rapids, Michigan 1988. pp. 223.
63
Do dirigente86
em instrumentos de cordas, maskil para Davi.
2 Ouça87
’elohim minha oração e não te esconda88
de minha súplica.
3 Atende89
e me responde90
(pois) vagueio91
em lamento e agitação92
.
4 Por causa da voz (do) inimigo93
em face da pressão94
do malfeitor, pois me fazem
cambalear95
sobre (a) maldade e na ira guardam rancor96
.
5 Meu coração estremece97
em meu interior98
e terrores de morte caem99
sobre mim
6 Medo e tremor entra 100
em mim e cobre-me101
um estremecimento
7 E disse:102
quem dera103
para mim ter asa como a pomba, voaria104
e pousaria105
86
x;Ceîn:m.l; verbo, piel, particípio, masculino, singular, absoluto, raiz: xcn = supervisor, diretor. 87
hn"yzIåa]h; verbo, hiphil, imperativo, masculino, singular, raiz: !za = dar ouvidos. 88
~L;ª[;t.Ti÷-la;w> verbo, hithpael, imperfeito, 2ª pessoa, masculino, singular, jussivo, raiz: ~l[ = ser secreto,
ficar oculto. 89
hb'yviäq.h; verbo, hiphil, imperativo, masculino, singular, raiz: bvq = ser atencioso, escutar. 90 ynInE+[]w: verbo, qal, imperativo, masculino, singular, raiz: hn[ = responder, iniciar (conversa). 91
dyrIßa' verbo, hiphil, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: dwr = agitar-se, não aguentar. 92
hm'yhi(a'w> verbo, hiphil, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: ~wh = alvoroçar, lançar em confusão. 93
byE©Aa verbo, qal, particípio, masculino, singular, absoluto, raiz: bya = hostil tornar-se inimigo. 94
tq:å[' Este é um caso típico de hapax legomenon. (palavra ou expressão que ocorre uma única vez no
texto da Bíblia Hebraica). A tradução sugere “pressão, opressão e aflição” derivam de - hq"å['Wm)) ) que
também ocorre somente no salmo 66.11. Cf. HARRIS, R. Laird. Dicionário Internacional de Teologia do
Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro Redondo, Luiz A. Sayão, Carlos Oswaldo C. Pinto. São
Paulo: Vida Nova. 1998, p. 1094. 95
Wjymiîy" verbo, hiphil, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, plural, raiz: jwm = tropeçar, fazer cambalear. 96
ynIWm)j.f.yI verbo, qal, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, plural, raiz: ~jf = rancor, animosidade. 97 lyxiäy" verbo, qal, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: lyx = se contorcer, tremer. 98
br,q, nome comum, masculino, singular, construto. Basicamente, denota estar em posição mais íntima e
próxima de algum objeto ou pessoa. Tem o sentido de aproximação, acercar-se, avizinhar-se. Na
condição temporal, apresenta-se como substantivo para: vísceras, interior, âmago, ânimo. Em outros
casos apresenta-se como Adj. Verbal, como é o caso dos vv. 19 e 22: peleja, batalha, guerra, em
contraposição à ~Alv' (v.19) e taom'x.m; (v.22). Cf. SCHÖKEL, Luiz Alonso. Dicionário bíblico hebraico-
português. Trad. Ivo Storniolo e José Bortolini. São Paulo/; Paulus, 1997. p 590-591; HARRIS, R. Laird.
São Paulo: Vida Nova. 1998, p. 1367-1369; TWOT - The Theological Wordbook of the Old Testament,
by R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke, originally published by Moody Press of
Chicago, Illinois. Copyright © 1980.; HOLL - A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old
Testament, Based upon the Lexical Work of Ludwig Koehler and Walter Baumgartner, edited by W.L.
Holladay. Copyright © 1997 by Brill Academic Publishers. in. Bible works 7, LLC. 2002. 99
Wlïp.n" verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, comum, plural, raiz: lpn = queda, colapso. 100
aboy" åverbo, qal, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: awb = penetrar, entrar. 101 ynISeªk;T.w:÷ verbo, piel, waw consecutivo, imperfeito, 3ª pessoa, feminino, singular, raiz: hsk = cobrir,
desonrar. 102
rm;ªaow" verbo, qal, waw consecutivo, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: rma = dizer, falar. 103
yLiä-!T,yI-ymi (verbo, qal, imperfeito, 3ªpessoa, masculino, singular, raiz: !tn = (sentido variado) dar, por,
nomear. 104
hp'W[ïa' verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: @w[ = voar para longe
64
8 Eis! para longe106
fugiria107
, ficaria108
no deserto (sela)
9 Me apressaria109
em escapar do vento da calúnia110
e da tempestade.
10 Confunde111
Senhor e divide112
a língua deles, eis que! vejo113
violência e contenda
na cidade.
11 De dia e de noite rodeiam114
sobre os seus muros e maldade e fadiga em seu interior.
12 Ruínas em seu interior e não aparta115
de suas praças opressão e engano.
13 Eis que! não é o inimigo116
que me escarnece117
. Então (eu o) suportaria118
, não é o
que me odeia119
(que) me sobrepõe e se engrandece120
, então (me) esconderia121
dele.
14 Mas tu ó homem conforme minha ordem, meu amigo e meu conhecido122
(íntimo),
15 o qual juntos na nossa doçura123
em aconselhamento, na casa de ’elohim nós
andávamos124
na multidão.
16 A devastação125
seja sobre eles e caiam no xeol os (que estão) vivos, pois há
perversidades em suas moradas, em seu interior.
17 Eu para ’elohim clamarei126
e YHVH me salvará127
.
18 Tarde e manhã e ao meio dia lamentando128
gritarei129
e (ele) ouvirá130
minha voz.
105hn"Ko*v.a,w> verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: !kv = acampar, fixar residência, pousar
106 qyxiär>a; verbo, hiphil, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: qxr = afastar-se, tornar-se distante
107 ddo+n> verbo, qal, infinitivo, construto, raiz: ddn = retirar-se, fugir 108
!yliÞa' verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: !yl = reter, manter-se prolongadamente 109
hv'yxiäa' verbo, hiphil, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: vwx = mostrar pressa, apressar 110
h['äso verbo, qal, participio, feminino, singular, absoluto, raiz: h[s = calúnia, recuar com pressa 111
[L;äB; verbo, piel, imperativo, masculino, singular, raiz: [lb = perturbar, confundir, destruir 112
gL;äP; verbo, piel, imperativo, masculino, singular, raiz: glp = cortar, dividir 113
ytiyai’r" verbo, qal, perfeito, 1ªpessoa, comum, singular, raiz: har = ver, perceber 114
h'buîb.Asy> verbo, poel, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, plural, raiz: bbs = cercar, rodear 115
vymiîy" verbo, hiphil, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: vwm = remover, separar 116
byEïAa verbo, qal, particípio, masculino, singular, absoluto, raiz: bya = ser hostil, inimizar-se 117
ynIpeªr>x")y> verbo, piel, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: @rx = provocar, insultar, 118
yain>f;m.â verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: afn = levantar, erguer, suportar 119
yain>f;m.â verbo, piel, particípio, masculino, singular, construto, raiz: anf = odiar, rejeitar 120
lyDI_g>hi verbo, hiphil, perfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: ldg = valorizar, ser importante 121
rtEïS'a,w> verbo, niphal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: rts = esconder, guardar segredo 122
y[iD"(yUm.W verbo, pual, particípio, masculino, singular, construto, raiz: [dy = ser visto, conhecido 123
qyTiäm.n: verbo, hiphil, imperfeito, 1ª pessoa, comum, plural, raiz: qtm = ser doce, suave 124
%LEïh;n> verbo, piel, imperfeito, 1ª pessoa, comum, plural, raiz: $lh = caminhar, andar 125
A opção em traduzir tAmyviy> por devastação e não por morte ou morte súbita, como na maioria das
biblias em português, está apoiada nas anotações massoréticas da Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 126
ar"_q.a, verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: arq = clamar, proclamar 127
ynI[E)yviAy verbo, hiphil, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: [vy = ser salvo, entregue 128
hx'yfiäa' verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: xyf = chamar a atenção, preocupado 129
hm,_h/a,w> verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: hmh = fazer barulho, gritar
65
19 Resgata131
em paz minha vida de quem me hostiliza, pois muitos são132
contra mim.
20 Ouvirá133
Deus e os humilhará134
e permanecerá135
em frente (Selá), porque não
existe mudanças para eles e não temem136
’elohim.
21 Lançou137
suas mãos em (quem) tinha paz e profanaram138
sua aliança.
22 A sua falsidade139
(é como) manteiga na sua boca e hostilidade no coração.
Concorrem140
suas palavras com azeite e estas são espada desembainhada.
23 Lança141
sobre YHVH teu fardo e ele te suportará142
não deixará143
para sempre
vacilar o justo.
24 E tu ’elohim (os) fará cair 144
no poço na cova. Homens sanguinários e fraudulentos
não alcançarão145
o seu dia, mas eu confiarei146
em ti.
2.4. Estrutura
O pressuposto metodológico do presente estudo é que, só se pode compreender
corretamente o sentido de um texto, especialmente textos poéticos, se levarmos em
conta sua estrutura. Entende-se por estrutura a organização de todos os elementos que
compõem o texto, desde os mais simples como os lexemas e sintagmas, até os mais
130
[m;îv.YIw: verbo, qal, waw consecutivo, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: [mv = ouvir,
escutar 131
hd"ÛP'« verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: hdp = resgatar, redimir
132 Wyðh' verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, comum, plural, raiz: hyh = ser, estar
133 [m;Ûv.yI
verbo, qal, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: [mv = ouvir, escutar
134 ~nE[]y: verbo, qal, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: hn[ = curvar-se, ser coitado, miserável
135 bveîyOÝw> verbo, qal, participio, masculino, singular, absoluto, raiz: bvy =permanecer, habitar
136 Waår>y" verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, comum, plural, raiz: ary = medo, amedrontar
137 xl;äv'
verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: xlv = soltar, enviar
138 lLeîxi verbo, piel, perfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: llx = poluir, profanar
139 WqÜl.x' verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, comum, raiz: qlx = dividir, repartir
140 WKßr: verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, comum, plural, raiz: $kr = tenro, suave, tímido
141 %lEÜv.h; verbo, hiphil, imperativo, masculino, singular, raiz: $lv = jogar para baixo, lançar
142 ^l<ïK.l.k;ñy> verbo, piel, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: lwk = segurar, conter
143 !TEßyI verbo, qal, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: !tn = dar, deixar
144 ~dEìrIAT verbo, hiphil, imperfeito, 2ª pessoa, masculino, singular, raiz: dry = cair, descer
145 Wcåx/y< verbo, qal, imperfeito, 3ª pessoa, masculino, plural, raiz: hcx = dividir, ter parte em
146 %B")-xj;b.a, verbo, qal, imperfeito, 1ª pessoa, comum, singular, raiz: xjb = confiar em, inspirar confiança
66
complexos como as estrofes e os poemas em sua totalidade147
. Esta tarefa nos ajudará na
compreensão do texto em sua conformação global e consequentemente seu significado.
O primeiro elemento que nos chama a atenção no Salmo 55 é sua estrutura típica de
lamentação constituída por três lamentos. Esta constatação pode justificar algumas
emendas no Texto Hebraico. Por esta razão, é possível supor, que na sua atual forma
literária, ele não seja visto como uma unidade.
2.4.1. Proposta de estrutura do Salmo 55
O Salmo 55, diferentemente dos demais textos do saltério, não apresenta uma
composição unificada. Emendas do Texto Massorético tornam-se visíveis a partir de
uma análise mais crítica dos versos 10, 19 e 20. A constatação de tais emendas têm
gerado controvérsias, nos modelos de estrutura apresentados pelos principais exegetas.
Segundo Erhard S. Gerstenberger148
, a primeira delas é um imperativo que surge no v.
10a-b em forma de imprecação149
, por outro lado, na maioria dos modelos de estrutura
apresentados por outros autores, o v.10 é assumido como parte do conjunto de lamentos
que se liga ao v.9.
William R. Taylor150
considera que no verso 10, o salmista interrompe o relato sobre
seus problemas, recomeçando com a descrição dos problemas causados na cidade.
Herman Gunkel151
e Hans Joachim Kraus152
observam que o Salmo 55 apresenta
divergências em seu conteúdo e o v.19 surge como um divisor de águas que separa o
Salmo em dois hinos diferentes. A primeira parte se apresenta como afirmação de
147
Cf. EGGER, Wilhem. Metodologia do Novo Testamento. Introdução aos métodos linguísticos e
históricos-críticos. trad. Johan Konings, Inês Borges. São Paulo: Edições Loyola, 1994, p. 24-29 148
GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms Part 1, p. 222-223. 149
A imprecação é um elemento que parte da petição, na sua queixa, o salmista pede pela eliminação do
mal que ameaça o suplicante. (Psalms part 1 – P.250) 150
TAYLOR, Willian R e W. Stewart McCullough. In: Nolan B. Harmon (Editor). The Interpreter’s
Bible. Volume IV. The book of Psalms and Proverbs. Nashville, New York. Abingdon Press., 1963. p.287 151
GUNKEL, Hermann. An Introduction to the Psalms: The Genres of the Religious Lyric of Israel.
Printed in the United States of American. Mercer University Press. 1998. p.123-145 152
KRAUSS, Hans Joachim. Psalms 1-59: A commentary. Translated by Hilton C. Oswald. Augsburg
Publishing House. Minneapolis. p.517-523.
67
confiança de um salmo autônomo, enquanto a segunda parte surge como uma nova
denúncia.
Kraus ainda pontua que os v.19b-24 são o “restante de um poema que foi inserido aqui
por engano”153
. Nesta segunda parte são acrescentados novos personagens que parecem
não ter ligações com os relatos anteriores (v. 1-19a). Na leitura de Gunkel, o v. 23 tem
mais sentido se for adicionado à primeira parte do salmo154
.
Gerstenberger sugere em todo o v.19, uma afirmação de confiança que compõe a sessão
17-20b. O autor comenta que o v.20 é tomado como uma referência para as tribos
bárbaras do deserto (cf. Sl. 83.6-9; 120.5), mas, considera todas estas especulações
textuais como hipóteses erradas de que os Salmos devem refletir incidentes biográficos
únicos de aflição ou calamidades, dentro de uma ordem lógica.
Taylor155
considera que a estrutura do Salmo 55, não está em conformidade com o
padrão regular encontrado nos salmos de lamentação. Para o autor, o argumento e a
ordenação das peças são confusos e também fica difícil determinar se os versos
dedicados ao amigo traiçoeiro do salmista formam um elemento independente no salmo
ou devem ser interpretados em relação ao todo.
Percebemos assim que este Salmo não é de fácil interpretação. Para um avanço na
melhor compreensão do Salmo 55, nos valemos dos estudos sobre a composição do
saltério. Conforme apresentamos no capítulo anterior, os 150 salmos são divididos em 5
livros e certamente fazem analogia com a torah. O Salmo 1 e 2 apresentam um prefixo
para todo o saltério e o salmo 150 tem a função de doxologia final. Os 5 livros são
divididos na seguinte ordem: I 1-41; II 42-72; III 73-89; IV 90-106; V 107-150. Para
Claus Westermann156
a aglomeração dos Salmos no saltério, se deu conforme a dialética
entre queixa e louvor. Sendo assim, o livro dos Salmos, reflete uma teologia marcada
basicamente por estas duas vertentes.
153
KRAUSS, Psalms 1-59 p. 519 154
Idem p.520 155
TAYLOR, William R. In: Nolan B. Harmon (Editor). The Interpreter’s Bible. Volume IV. The book
of Psalms and Proverbs. Nashville, New York: Abingdon Press, 1963. p. 285-286 156
WESTERMANN, Claus. Praise and Lament in the Psalms, Atlanta: John Knox, 1981, p.17-20.
68
Interessa-nos, nesta pesquisa o segundo bloco. Dentro dele, há uma miscelânea157
de
coleções que se apresentam da seguinte forma: Salmos dos filhos de Korah (42-49), Um
apêndice no salmo 50 atribuído “para Asaf” (@s'a'l.) e a coleção conhecida como a
segunda coleção davídica (51-72). Esta coleção é atribuída a Davi pela inscrição
(dwId"l), embora ela não apareça nos salmos 66-67 e 71-72.
Ultrapassando a classificação proposta por Westermann, o Salmo 55 foge à regra e
apresenta mais de um lamento em situações diferentes, mais de um inimigo e mais de
um deus. Apresenta também, elementos estereotipados, quando se observa seu
vocabulário, sua sintaxe e seu estilo, mas ao mesmo tempo é único quando se observa
palavras como: (v.4) hq'[',,, pressão, que aparece somente neste versículo; jWm,
cambalear e @a;, ira, que apresentam significados raros ou incertos158
.
Com uma sequência típica para os Salmos de lamentação, nosso texto apresenta uma
estrutura de queixa individual. Dentre os modelos propostos por alguns autores, Kraus e
Gerstenberger apresentam uma estrutura mais detalhada, porém, as diferenças entre eles
são marcantes. Enquanto Kraus159
ao dividir o Salmo em dois blocos (1-19a e 19b-24) é
mais objetivo, Gerstenberger160
, apresenta mais detalhes e sugere o desenvolvimento de
uma estrutura com base na interpretação litúrgica do Texto Massorético.
Após esta breve passagem pelas propostas dos principais autores, verificamos que o
modelo apresentado por Gerstenberger161
, apesenta uma estrutura típica da Crítica da
Forma, incorporando elementos de recursos retóricos, dando ao Salmo uma
interpretação litúrgica. Optamos por este modelo, usando-o como base para nossa
proposta de estrutura, acrescentando pequenas alterações. A surpresa fica por conta da
157
GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms part 1, p.37 158
GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms Part 1, p.223. 159
KRAUS, Psalms 1-59, p. 518 160
GERSTENBERGER, Psalms Part 1, p. 221 161
GERSTENBERGER, Psalms part. 1, p.223
69
repetição de três incidências de queixa e de maldição num mesmo salmo162
. Optamos,
portanto, em trabalhar com a seguinte estrutura:
Cabeçalho: 1
I. Súplica inicial: 2-3a
A. Oração (v.2a)
B. Súplica (v.3a)
II. Lamentações de um Desesperado: 3b-24b
A. Problemas causados na vida do salmista: v. 3b-10a
1. Queixa (v. 3b-6)
a) Divagações em lamento (v. 3b-4)
a. Identificação dos inimigos (v.4a)
b. Descrição de suas ações (v. 4b)
c. Os males que causam (v.4c)
d. Reações na vida do salmista (v. 4d)
b) Angústias do salmista (v.5-6)
a. Expectativas (v. 7-9)
b. Maldição (v. 10a)
B. Queixa pelos problemas causados na cidade: (v. 10b – 20a)
1. Queixa (v. 10b-12)
a) Violência e contenda (v. 10b)
b) Maldade e fadiga (v. 11b)
c) Ruínas opressão e engano (v.12)
2. Queixa contestatória (v. 13-15)
3. Maldição (v. 16)
4. Afirmação de fé em linguagem litúrgica (v. 17-20a)
a) Clamor (v. 17a)
b) Lamento (v. 18a)
c) Resgate para a paz (v. 18b-20a)
C. Novas denúncias contra o inimigo (v. 20b-24)
162
Cf. Diálogos de orientação com o Prof. Dr. Tércio Machado SIQUEIRA no dia 26/04/2016.
70
1. O salmista renova suas queixas (v. 20b – 22)
a) Não temem a ’elohim (v. 20b)
b) Profanaram sua aliança (v.21b)
c) Eles são falsos (v. 22)
2. Exortação à comunidade (v. 23)
3. Maldição (v. 24, a+b)
III. Afirmação de fé (v. 24c)
2.4.2. Explicação da estrutura
A organização do Salmo 55 concentra-se em três partes, mostrando alguns detalhes
interessantes. O texto começa com uma súplica inicial onde o salmista queixoso pede
para que ’elohim o ouça, preste atenção e responda à sua oração e súplica (v.2-3a). Após
esta palavra inicial, o salmista apresenta em três instâncias sua sequência de lamentos.
Na primeira (3b-10a) o Salmo relata os problemas causados na vida do salmista,
decorrente da voz opressora do malfeitor e do medo e tremor que elas lhe causam.
Como ato demonstrativo de sua incapacidade de agir, o salmista queixa-se, e na
angústia amaldiçoa seu inimigo.
A segunda instância do lamento (v.10b-20a) revela os problemas causados na cidade.
Queixa, maldição e afirmação de fé, são os artifícios usados pelo salmista para
comprovar sua disposição contínua de confiança em Javé, enquanto seu opressor ainda
provoca ruínas, opressão e engano (v.12). O auge das revelações que faz o salmista está
na constatação de que seu agressor é alguém de seu círculo de amizades (v.13-15).
Na apresentação da terceira instância do lamento (v.20b-24a+b), surgem novas
denúncias contra o inimigo (v. 20b-24). O salmista renova suas queixas (v. 20b – 22),
testemunhando a rebeldia e irreverência de seus inimigos diante da presença divina. A
exortação à comunidade surge como ato de fortalecimento e esperança nas ações de
Javé para com os fiéis, ao passo que, a maldição que se segue, acontece no mesmo nível
de confiança, pois, Javé castigará os homens sanguinários e fraudulentos (v. 24, a+b).
71
Aos moldes dos poemas litúrgicos, o salmista conclui sua lamentação com uma
afirmação de fé (v.24c), garantindo na força de sua confiança a possibilidade de ser
ouvido e ajudado por Javé.
2.5. Gênero literário
O estudo a que nos propomos, na presente análise, compreende a soma das
características estilísticas, sintáticas e estruturais de um texto, ou seja, o seu perfil
linguístico. As convenções e expressões típicas desta linguagem, expressas em ditos ou
narrativas, apresentam um “conjunto de formas idênticas conhecidas como gênero”163
.
Ao observarmos os fenômenos linguísticos e estilísticos do texto, com base nas
ferramentas da Crítica da Forma, nos aproximamos do ambiente social164
mais provável
do texto.
As lamentações de ordem individual ou coletiva funcionam como um grito de socorro,
podendo ser acessadas pelo orante, antes que este tenha sucumbido ao ataque de seus
inimigos. Provenientes originalmente de ritos de cura e de ação de graça depois da
salvação divina, as orações de queixa, reportam ao ambiente mágico que
acompanhavam os ritos de petição (I Rs. 14.1-19).
Seus elementos básicos são: Invocação / queixa / confissão / afirmação de fé / súplica /
maldição / reconhecimento da resposta divina / voto ou promessa / hinos e elementos de
louvor / ação de graças antecipada. Dentre as duas classes de lamentações, (lamentações
coletivas e lamentações individuais), nosso salmo se apresenta como pertencente ao
gênero165
de lamentação individual. Conforme relatamos no primeiro capítulo,
Gerstenberger destaca os seguintes Salmos com leves modificações: 3-7; 11-12; 13; 17;
22; 26-28; 31; 35; 38-39; 42-43; 51; 54-57; 59; 61; 63-70; 71; 86; 88; 102; 109; 120;
130; 140-143.
163
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. Manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal. São
Paulo: Paulus, 1998. p. 168-171 164
Cf. SWEENEY, Marvin A. “Form-Criticism: The question of Endangered Matriarchs in Genesis”.
Em: LEMON, Joel M.; RICHARDS, Kent Harold (eds.). Method Matter: Essays on the Interpretation of
the Hebrew Bible in Honor of David L. Petersen. Atlanta: SBL, 2009, p. 17-38 165
GERSTENBERGER, Erhard S. Israel no tempo dos Persas: Séculos V e IV antes de Cristo. São
Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 240
72
O Salmo 55 está neste grupo. Certamente desenvolveu-se a partir da constante e
ameaçadora luta contra a morte, presente no contexto social de grupos primários do pós-
exílio. A constatação da natureza e das causas que devem ter precedido a recitação deste
salmo, tem obviamente, as maquinações inimigas como causa da aflição do sofredor.
Consequentemente, a queixa expressa no lamento do salmista, toma posição contra o
grupo hostil, incluindo os ex-amigos, com pesadas denúncias e maldições.
2.5.1. Tipo e estilo literário
O tipo e estilo de nosso texto são poéticos. Os salmos trazem em suas unidades, certa
estrutura poética, agendária166
, que permite reconhecer a divisão do texto em
introdução, desenvolvimento e conclusão. O Salmo 55 deixa sobressair em sua
poeticidade, comparações e metáforas, que proporcionam ao texto uma estrutura típica
do paralelismo, que é o elemento base da poética hebraica.167
Aqui se percebe os traços característicos da poesia hebraica, quando na sonoridade de
suas palavras identificamos a construção de rimas, como, por exemplo, no versículo 2,
onde temos as palavras yti_L'piT. e yti(N"xiT.mi traduzidas respectivamente como “minha
oração” e “minha súplica”; também no versículo 5, yBiliâ e yBi_r>qiB. traduzidas por
“meu coração” e “em meu interior”. Ainda em referência à sonoridade encontramos
aliterações168
que dão o efeito estilístico da prosa poética. Vejamos alguns exemplos:
versículo 10, [L;äB; e gL;äP; traduzidas por “confunde” e“ divide”; versículo11, ~m'ÛAy e
h'buîb.Asy> traduzidas por “de dia” e“ rodeiam” e versículo 20, é~nE[]y:w>¥ e bveîyOÝw> traduzidas
por “ e responderá” e“ e permanecerá”.
166
GERSTENBERGER, “Gênese do saltério”, p. 14. 167
BALLARINI, Teodorico e Venanzio Reali. A poética Hebraica e os Salmos. Petrópolis. Vozes, 1985,
p. 17-29 168
Palavras com sonoridades semelhantes em seu início. Cf. SCHÖKEL, Luiz Alonso. Manual de
Poetica Hebrea. AC 41. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1987, p. 41
73
O poema muda do singular para o plural, misturando orações, queixas e confissões de
fé169
. O conteúdo do texto em estudo está repleto de paralelismos com elementos
sinonímicos170
, que seria uma espécie de repetição semântica; há também paralelismos
antitéticos, quando a segunda parte contrapõe a primeira, e sintéticos, onde a segunda
parte completa ou leva adiante o pensamento.
Seguimos com alguns exemplos: (1) Paralelismo sinonímico: Por causa da voz (do)
inimigo byE©Aa em face da pressão tq:å[' do malfeitor [v'_r" pois me fazem cambalear
Wjymiîy" sobre (a) maldade !w<a'÷ª yl;î[ e na ira @a;b.W guardar rancor ynIWm)j.f.yI (v.4); (2)
Paralelismo antitético: Resgata em paz ~Alåv'b minha vida / de quem me faz guerra
br"Q]mi (v.19); (3) Paralelismo sintético: Eis que não é o inimigo byE©Aa que me
escarnece, ynIpeªr>x")y> então eu o suportaria / não é o que me odeia yain>f;m que me
sobrepõe yl;ä[' e se engrandece lyDI_g>hi, então me esconderia dele. (v. 13).
Assim, esta variedade de elementos encontrados, bem como os tipos poéticos
assinalados, demonstram a elaboração poética desta composição.
2.6. Lugar e data
Diagnosticado nosso texto como Salmo de lamentação individual, resta-nos responder
qual é o lugar e o tempo desta composição. Como percebemos, nesta forma de lamento,
a denúncia constitui a categoria litúrgica usada mais amplamente no Saltério.
Originalmente deriva-se de um culto de adoração que mais tarde foi usado como
cânticos espirituais individuais. Estes salmos surgiram em maior quantidade nos
contextos onde há aparente risco de vida. Tais contextos podem incluir doença,
infortúnio e perseguição por inimigos.
169
DUNN, Steven. Wisdom Editing in the book of Psalms: Vocabulary, Themes and Structures.
Wisconsin, 2009. 343f. Tese (Department of Theology, Faculty of the graduate School – Marquette
University, Wisconsin, 2009, p. 84-85. 170
SCHÖKEL, Luiz Alonso, Manual de Poetica Hebrea, p. 86-89
74
Gerstenberger ressalta:
Os salmos de lamentação individual em si, no entanto, deixam claramente
transparecer os motivos existenciais do culto caseiro de cura: doença grave (cf.
Sl 38; 41), polêmicas internas e externas (cf. Sl 35; 55; 69; 109; 120), falsas
acusações (cf. Sl 7; 17; 26), própria culpa (cf. Sl 6; 51; 130), ataque de
demônios (cf. Sl 91), angústias e sinais ominosos (cf. 13; 22; 59; 102). Em
todos estes casos de perigo para a vida, os meios caseiros estando esgotados, as
famílias antigas se dirigiam a um curandeiro reconhecido (no AT: “homem de
deus”, como Elias e Eliseu) pedindo ajuda profissional. A oração pelo sofredor,
provavelmente com participação dos familiares, era o ponto alto do tratamento.
Estas súplicas foram recolhidas através dos séculos no acervo de textos
sagrados e serviram em cultos casuais da comunidade judaica emergente171
A ocorrência de palavras raras no Antigo Testamento como (tq:å[' pressão, jwm fazer
cair, cambalear, v. 4); (jl'p.mi escapar, h[s calúnia, v.9); (gL;äP ; divide, v.10); (hp'ylix]
mudanças, v.20); (é^b.h'y > teu fardo, ^l<ïK.l.k;ñy> te suportará, v.23), junto com o excesso
de maldições, presente nesta composição, remontam possívelmente há períodos tardios.
Estes fatos, adicionados a imagens arcaicas, que lembram o mundo cananeu, como por
exemplo as referências a ~yhiªl{a / ’elohim; tybeîB ~yhiªl{a/ casa de ’elohim e a hn"©AY
pomba, nos permite supor que o Salmo seja um texto poético que ainda tem na
memória, eventos mais primitivos.
Por outro lado, quando nos deparamos com o cabeçalho, tendo a informação de que
estes, remetem a editorações posteriores dos Salmos172
, a indicação de certos autores
como Coré, Asaf, Emã, Etã, Moisés, Salomão e Davi173
, nos dão a idéia que existiam,
na época tardia e na memória do povo, certos adminstradores e talvez autores de
Salmos.
O nome de Davi é o mais proeminente no Saltério e se tornou um ponto de cristalização
para os transmissores dos salmos, que nos faz olhar mais para o uso pragmático dos
textos, do que para o conteúdo doutrinário. Segundo Kraus, a relação dos Salmos com a
171
GERSTENBERGER, “Gênese do saltério”, p. 15 172
Cf. McCULLOUGH, W. Stewart. The Book of the Psalms: Introduction. In: The Interpreter’s Bible.
Volume IV. Nashville: Abingdon Press, 1994, p.8 173
Cf. GERSTENBERGER, “Gênese do saltério”, p. 18 e KRAUSS, Los Salmos 1-59, p.28-46
75
história de Israel requer pensar no título dado a Davi, como um modo de reler a história
de Israel de forma imediata nos salmos.174
A referência yti_L'piT. minha oração e yti(N"xiT.mi minha súplica, dão sinais do lugar
deste salmo na liturgia como uma coleção de hinos e orações. A referência à tybeî
~yhiªl{a/ casa de ’elohim, faz pensar que a cidade é Jerusalém, ainda que eram comuns
as peregrinações rituais. A menção à profanar a aliança At*yrIB. lLeîx, corrobora com o
teor cultual e ritualizado do texto, pois uma complexa e rica tradição no AT sobre o
conceito de aliança está vinculada à pratica religiosa.175
No entanto, Gerstenberger afirma que “a referência a uma aliança no verso 21 é de
tratados privados, não um pacto israelita como no Salmo 50.5. Portanto, não há
vestígios de serviços sinagogais posteriores no Salmo 55”.176
Esta afirmação de
Gerstenberger, associada ao conceito de aliança como um tratado entre duas partes,
assegurado pelo testemunho divino, tem seu reforço nos escritos proféticos onde o povo
é indiciado por quebrar a aliança, sendo submetidos a um processo ou litígio byrIå.
O aparecimento palavras como byrIå litígio contenda,ry[i cidade, bxor> praça, vwm
apartar, l[; sobrepor, reforça o ambiente de uma disputa legal, observada com
frequência no período pós-exílio.
Se tratando, portanto, de um Salmo que combina elementos distintos, de características
que situam-se em diferentes níveis, nosso texto insere-se de modo evidente na tradição
do saltério.
Quando percebemos seu marcado teocentrismo, sua insistência na confiança em Javé e
o refúgio para ’elohim, partindo de uma aplicação individual para o comunitário,
174
KRAUSS, Hans Joachim. Teologia de los Salmos. Salamanca: Ediciones Sigme, 1985. p237-238 175
HARRIS, R. Laird. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio
Loureiro Redondo, Luiz A. Sayão, Carlos Oswaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova. 1998, p. 214-217 176
Cf. GERSTENBERGER, Psalms Part. 1, p. 226
76
podemos concluir que o lugar vivencial deste Salmo é o templo de Jerusalém e o seu
uso poderia estar associado a algum trecho litúrgico do culto no período pós-exílio177
.
2.7. Comentário exegético
Cabeçalho: 1
1 Para o dirigente de música. Maskil para Davi
O cabeçalho, sendo acréscimo posterior para as composições cúlticas, contém, na
verdade, indicações relacionadas ao seu uso prático, nas celebrações. São consideradas
anotações tardias, feitas pelo pessoal encarregado da ordem litúrgica dos cultos. É
importante observar que elas foram redigidas antes da primeira edição da Septuaginta
(século III a.C.).
O cabeçalho deste salmo é exatamente idêntico ao Salmo 54, o que pode indicar, mesmo
que sejam Salmos diferentes, que o editor os usou para os mesmos fins litúrgicos. Em
todo o saltério temos quatro agrupamentos de salmos considerados “davídicos”,
identificados pela fórmula dwI)d"l. “para Davi” em seu título. São eles: Sl 3-41; 51-72;
108-110; 138-145.
A interpretação do l. neste caso tem gerado dificuldades. Como preposição seu
significado está associado à expressão de sentido ou lugar: para, sobre, por, etc.178
Devido o relato da tradição cronista de que Davi é o iniciador e criador das instituições
e cerimônias do culto (cf. 1Cr. 22.2 - 29.5) 179
, a interpretação do l. foi conduzida para
o sentido de autoria. Kraus citando T. K. Cheyene, interpreta a utilização do nome no
sentido de “pertencentes à coleção de Salmos de Davi”.180
177
Cf. KRAUSS, Hans Joachim. Psalms 1-59: A commentary. Translated by Hilton C. Oswald. Augsburg
Publishing House. Minneapolis. p.520 178
KIRST, Nelson, et alii. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 18ª Ed. São
Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/vozes, 2004, p.107 179
KRAUSS, Psalms 1-59, p.30 180
Idem
77
A razão do título usando a fórmula dwI)d"l. tem o sentido de conferir ao Salmo maior
prestígio e aceitação litúrgica,181 visto que , este título está presente em 73 composições.
Fica evidente a suma importância de Davi na tradição cultual do Antigo Testamento.
Esta tradição é na verdade, bastante complexa e repleta de atribuições a Davi, que o
configuram como o ungido de Deus (ISm. 16.13), tornando-se a figura messiânica por
excelência em algumas camadas literárias do AT (Cf. Is. 9.5-6; 11.1-9; Jer. 33.14-22; Ez
34.23-24) 182
.
Segundo Bervard S. Childs a intenção dos títulos davídicos é totalmente religiosa com a
finalidade de permitir ao leitor experimentar os mesmos sentimentos de Davi. Isto faz
pensar que os títulos dos Salmos provém de círculos de judeus piedosos e não
meramente editores intelectuais.183
O Título pode ser visto neste caso, como um convite
para ler o Salmo em memória de Davi e assim o leitor pode sentir-se participante da
dignidade e das promessas davídicas messiânicas.
Embora seja um título comum em quase metade dos Salmos, não é tão frequente que
esteja só, sem outras especificações. Em todo o saltério somente nove Salmos o tem
como breve título, seis deles pertencem ao primeiro Livro: Sl. 25.1; 26.1; 27.1; 28.1;
35.1; 37.1.
A expressão x;Ceîn:m.l; ocorre 55 vezes nos cabeçalhos de salmos (e em Habacuque 3.19).
Não há uma explicação plausível para o seu significado, porém, é possível levantar duas
possibilidades, a partir da História do Cronista: primeiro, em Esdras 3.8, 1Cr 23.4, e 2
Cr 2.1, a raiz verbal xcn possui o significado de sobrepujar, sobressair, distinguir-se,
dirigir, estar a frente, liderar. Como a maioria dos cabeçalhos tem informações sobre a
música, não é difícil supor que a palavra x;Ceîn:m.l; se refere à música. Assim, o
significado pode ser “diretor de música” ou “mestre do coral”.
181
GERSTENBERGER, Erhard S. “Gênese do Saltério”. Revista Caminhos. Goiânia: Programa de Pós-
graduação em Ciências da Religião PUC Goiás. v8, n1, p. 11-28, jan./jun. 2010. p.21 182
GERSTENBERGER, Erhard S. “Gênese do Saltério”, p 20 183
CHILDS, Bervard S. “Psalm Titles and Midrashic Exegesis”. Journal Semitic Studies. 1971, XVI (2):
137-150. p. 149. Disponível em http://jss.oxfordjournals.org/content/XVI/2/137.full.pdf+html.
78
Segundo, o texto de 1Cr 15.21 pode nos levar à segunda possibilidade. Aqui, xcn ,
provavelmente, também significa “fazer música”. Em vista disso, Hans-Joachim Kraus
sugere que a expressão x;Ceîn:m.l; deveria ser traduzida por “para o desempenho
musical”184
ou como “regente”, enquanto Schökel prefere “ao diretor”. Embora, para
Kraus, esta seja uma interpretação incerta185
, os textos de Esdras 3.8; 1Cr. 23.4; 2Cr.
2.1, trazem a mesma raiz, xcn demonstrando cargos administrativos dentro do templo.
Entretanto, como o verbo xcn encontra-se na forma "Piel" particípio, a palavra x;Ceîn:m.l;
poderia ser traduzida por “fazer música”. Assim, com o prefixo “l;” o verbo no
particípio forma uma expressão “para o que faz música”, isto é, aquele que dirige a
música nas celebrações. Observando 1Cr. 15.21, percebemos que a intenção do texto é
destacar um “diretor de música”, que nos faz concordar com a opinião de Kraus para a
nossa tradução.
A segunda palavra desse cabeçalho é a enigmática lyKiîf.m; . O termo é frequentemente
considerado como um poema que é intelectualmente e artisticamente concebido para
fins litúrgicos.
A ocorrência deste termo hebraico merece uma análise cuidadosa, seja no aspecto
etimológico, seja no seu contexto histórico. Contudo, é muito difícil explicar o sentido e
o significado de certos termos técnicos. Este termo ocorre nos títulos dos seguintes
salmos: 32; 42; 44; 45; 52-55; 74;78; 88-89; 142 e no Sl 47.7 como objeto do verbo
rmz, no piel (cantar, tocar). Entre as interpretações deste termo, a mais sensata é aquela
que põe lyKiîf.m; em relação com a sabedoria186
. Sem sair dessa compreensão sapiencial
do termo, posteriormente, outros exegetas viram em lyKiîf.m; uma palavra que expressa
canto artisticamente composto187
.
184
KRAUSS, Hans Joachim. Psalms 1-59, p. 435-442 185
Cf. KRAUSS, Hans Joachim. Psalms 1-59, p.31 186
Cf. MOWINCKEL, S. The Psalms in Israel’s Worship II. Nashville: Abingdon. 1979. p.209. 187
Cf. KRAUSS, Psalms 1-59, p.25-26
79
Tércio Machado Siqueira comenta:
A raiz yKiîf significa “entendimento”, “discernimento”, “sabedoria”, etc.
O verbo dinamiza este significado determinando como alcançar o alvo da
sabedoria e do sucesso. Assim, a palavra lyKiîf.m; significa, no contexto
do Salmo, uma canção que carrega uma força de sabedoria além do
normal. Por possuir este efeito, é que os cultuadores acreditavam ser este
salmo um hino digno de louvor a Javé.188
I. Súplica inicial: 2-3a
2 Ouça ’elohim minha oração
e não te esconda de minha súplica.
3a Atende e me responde
O salmo começa se apresentando como hL'piT. oração e hN"xiT. súplica, que
corresponde à nossa classificação deste trecho como súplica inicial. Três imperativos e
um verbo definem também a tonalidade de petição: !za dar ouvidos (v.2a); ~l[189,
ocultar, ser secreto (v.2b); bvq, prestar atenção, hn[, responder (v.3a). Ao contrário
de muitos salmistas que misturam, ao apelo, expressões de queixa, confiança e louvor,
este celebrante queixoso desenvolve com amplidão, por motivações de ordem social e
psicológica, todas as desgraças que sofre para mover e comover a ’elohim190
. Trata-se
de uma fórmula litúrgica, já que muitos salmos a repetem em seus lamentos (Sl 4,2;
54,3-4;102,2-3; 143,1).
O verbo ocultar, ~l[, não é estranho aos demais verbos, mas reforça o apelo do
salmista para que ’elohim possa ouvir a sua súplica, e a sua oração. A incidência destes
188
SIQUEIRA, Tércio Machado. “Violência e esperança.” Em: Revista Caminhando, v. 1, n. 1, p. 13-17,
2009 [2ª ed. on-line; 1ª ed. 1982] 189
Embora ~l[ não esteja no imperativo, o termo ~L;ª[;t.Ti÷-la;w> possui um significado equivalente. Cf.
McCANN, J. Clinton, Jr. The Book of the Psalms: Introduction, commentary and reflections. In: The New
Interpreter’s Bible. Volume IV. Nashville: Abingdon Press, 1994, p.898 190
SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72, p. 727
80
imperativos mostra que o salmista tem pressa em ser atendido. Ele demonstra ter medo
da voz e da aproximação dos inimigos.
II. Lamentações de um Desesperado: 3b-24b
O uso de um vocabulário pouco comum na Bíblia Hebraica e, aparentemente, três
círculos de queixa: primeiro, versos 3b-10b; segundo, versos 10c-16; terceiro, versos
20c-24, faz deste salmo algo peculiar. É importante destacar que o salmista separa dois
momentos para reafirmar a sua fé (v.17-20b e 24b). Cada rodada de queixa mostra dois
elementos fixos: a descrição da queixa e as palavras de maldição. O ponto de partida,
até aqui, para estas composições de lamentação, parece refletir os aspectos de uma
aflição ritualizada191
. O desespero do salmista diante da opressão que ele sofre, revela
muito mais a emoção de um conflito individual, do que a experiência concreta do perigo
de morte. A variedade de expressões de lamento, intercalados com maldições e
afirmações de confiança, descreve este estado físico e mental do salmista.
A. Problemas causados na vida do salmista: v. 3b-10a
1. Queixa (v. 3b-6)
3bvagueio em lamento e agitação.
4 Por causa da voz (do) inimigo
em face da pressão do malfeitor,
pois me fazem cambalear
sobre (a) maldade
e na ira guardam rancor.
O salmista sente-se pressionado, agita-se dwr em sua ansiedade. O verbo ~wh
alvoroçar, lançar em confusão, lembra o barulho confuso de uma multidão, como por
exemplo, de uma cidade em 1Rs 1.55; do povo em Rt 1.19. Parece-nos que o orante se
contagia pelos “gritos e apertões” (voz do inimigo e pressão do malfeitor) que associado
a tq:å[' pressionar, apertar, esmagar (v.4), faz com que ambos os significados se
encaixem no contexto.
191
GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms Part 1, p.224
81
Na maioria das passagens poéticas, o termo lAq voz, abrange muitos tipos de sons e
pode até indicar uma situação de catástrofe192
. Sua angústia e medo antecedem as
reclamações que demonstram múltiplos aspectos de sua aflição. Um rápido olhar para as
atividades do inimigo byE©Aa e do malfeitor [v'_r" (v4) é seguido pelo sentimento de
angústia que se apodera do suplicante.
Geralmente, o significado, tanto de inimigo como do malfeitor devem ser determinados
pelos verbos que descrevem suas ações. Assim, somente a partir do verso 4b, é que se
pode melhor conhecer os feitos desses dois inimigos do salmista. Eles fizeram cair jwm
“tropeçar, fazer cambalear” sobre o salmista a desgraça, !w<a (v.4c) e com ira se
alimentam de rancor, ~jf193 (v.4d). Com isso, as reações psicológicas, sobre o
salmista, causaram-lhe uma paralisia.
5 Meu coração estremece em meu interior e
terrores de morte caem sobre mim
6 Medo e tremor entra em mim e cobre-me
um estremecimento
Nestes versos, o salmista utiliza-se de termos e expressões que comunicam sua profunda
angústia, causada pela ação de seus inimigos que trouxe desdobramentos em seus
sentimentos e sensações. A reação do íntimo de seu corpo foi negativa: terrores de
morte, medo e tremor, estremecimento. Schökel afirma que “esta é a única vez que o
verbo lyx, tremer, contorcer-se, tem como sujeito ble”194, deixando transparecer o
descontrole emocional do salmista. Outras palavras importantes deste campo semântico
192
HARRIS, R. Laird; ARCHER JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1998, p.1330-1331 e HOLLADAY, William L.
Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. Trad. Daniel de Oliveira. São Paulo: Vida Nova.
2010, p. 448 193
O verbo ~jf hostilizar, ter sentimentos hostis, é pouco utilizado no AT (Gn 27,41; 49,23; 50,15; Jó
16,9; 30,21). Cf. WANKE, G. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus (orgs.), Diccionario Teologico
Manual Del Antiguo Testamento, Volume II, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1985, p. 1032-1035. 194
SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72,p. 729.
82
como, terrores de morte tw<m'÷ª tAmïyaew> (v5); medo ha'är>yI (v6); d[;r;, tremor (v6) e, por
fim, estremecimento, tWc)L'P; (v6), expressam bem o sentimento do salmista diante da
voz do inimigo, byE©Aa e da opressão do malfeitor, [v'_r' (v. 4a).
A identidade deste inimigo, segundo Kraus195
, está presente nos Salmos de orações
individuais, que descrevem suas ações como: malfeitores e perseguidores. Assim, não é
difícil entender que o salmista fala do inimigo, byE©Aa e do malfeitor, [v'_r", como pessoas
que mentem e torcem a verdade (Sl 5.10;19.7), são negadores de Deus (Sl 14.1) e se
comportam com segurança e superioridade perante sua riqueza(Sl 4.5; 35.20; 12.5).
A determinação exata do inimigo, nos Salmos de Lamentação, especialmente, é bastante
problemática. O substantivo byE©Aa é uma denominação geral para todos os que agem
como adversários do povo de Israel. Em Salmos 45.6, encontramos a formulação
%l,M,(h; ybeîy>Aa “inimigos do rei”, que obviamente são inimigos de Israel ou judá. Os
Salmos registram dois tipos de inimigos: inimigo pessoal (Sl 3.8; 6. 11;7.6; 4.7; 13.5 e
outros) e nação inimiga (Sl 18.41; 21.9; 72.9; 110.1-2 e outros). Nos salmos onde a
nação é o sujeito, é normal que se trate os inimigos como as nações que fazem guerra
contra o povo de Deus (Sl 2.8; 18.48; 45.6; 72.11 e outros). Porém, nos salmos
individuais, a identificação dos inimigos fica mais difícil. Inimigos, também, podem,
até, ser os irmãos judeus que frequentam a mesma comunidade de culto. O Salmo 55
classifica estes inimigos como: [v'_r" , malfeitor (v.4); a cidade, ry[i (v.10); o que
odeia, anEf' (v.13); o que profana a aliança, At*yrIB. lLeîxI (v. 21); homens sanguinários
e fraudulentos, hm'r>miWâ ~ymiäd" yveÛn>a; (v. 24). A identificação desse grupo de pessoas
revela a ação do inimigo contra o salmista, contra a comunidade e Javé.
a. Expectativas (v. 7-9)
7 E disse: quem dera para mim ter asa como a pomba,
195
KRAUS, Hans-Joachim. Theology of the Psalms. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1986,
p.129-131
83
voaria e pousaria
8 Eis! para longe fugiria ficaria no deserto (sela)
9 Me apressaria em escapar do vento da calúnia
e da tempestade.
Estes três versos fogem da seqüência normal de uma lamentação. Surge uma imagem
diferente no verso 7 que descreve o salmista em uma “síntese peculiar de inação física e
fuga imaginária”196
, o medo que mobiliza a imaginação do salmista, o faz desejar um
refúgio seguro para desfazer seus traumas e angústias.
A imagem é bem composta e evoca múltiplas referências e insinuações. A pomba hn"Ay,
apesar ser a única espécie de ave escolhida para o sacrifício, nos rituais de purificação,
tem como única defesa um par de asas para voar. O deserto rB'd>mi, lugar de tensões e
desolações, tem seus valores invertidos, transforma-se em local de refúgio piedoso de
perseguidos (Cf. 1Rs 19). As figuras que o salmista usa de uma pomba que se apressa
em escapar dos ventos da calúnia, são condizentes com a situação que ele vivencia.
b. Maldição (v 10a)
10a Confunde Senhor e divide a língua deles,
O salmista faz uso, pela primeira vez em sua queixa, do elemento mágico da maldição:
[lb perturbar, confundir, destruir e glp cortar, dividir, a !Avl' língua deles (v.10a).
Na ampla lista dos Salmos de Lamentação, Gerstemberger197
e Claus Westermann198
,
destacam três dimensões da maldição: (a) sobre o próprio sofrimento do queixoso; (b)
sobre a ação dos inimigos contra o queixoso; (c) sobre a negligência divina.
Evidentemente que o Salmo 55 refere-se ao segundo caso. Com dois verbos no
imperativo, o salmista revela todo o seu sentimento para com os seus inimigos:
primeiro, o verbo [lb, com seus derivados, “usado para se referir a homens (Isaías
28.4), um peixe (Jn 2,1), serpentes (Ex 7,12) e animais (Gn 41.7, 24)”199
.
196
SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72, p. 730 197
GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms Part 1, p.11-13 198
WESTERMANN, Claus. The Role of the Lament in the Theology of the Old Testament. p. 27-28 199
HARRIS, R. Laird, Gleason L. Archer Jr e Bruce K. Waltke. 1998, p.187
84
O Aparato crítico da BHS sugere que o verbo [lb seja substantivado por ~n"+ArG> [l;B,,
provávelmente uma alusão ao ato de engolir, devorar. Este substantivo ocorre apenas
duas vezes no Antigo Testamento (Sl 52.6 e Jr 51.44)200
. A Massora Parva da BHS
descreve a expressão yn"doa]â [L;äB como única (hapax legomenon). No entanto, o verbo
[lb neste salmo, ganha mais sentido quando observado em paralelismo com palavra
língua, !Avl', nesse caso, a tradução do verbo por confundir, ganha o sentido
reminiscente de ll;B' (cf. Gn 11.7-9), na ocasião da Torre de Babel e também em outras
passagens: Sl 107.27, Isaías 9.15; 193 e 28.7.201
O segundo imperativo é o verbo gL;äP;, fender, dividir. Este é também um caso único
(hapax legomenon)202
e ocorre somente no nifal e no piel203
, o aparato crítico informa
que o sentido do texto seja provávelmente gl,P,, uma espécie de canal de águas
construído artificialmente. O paralelismo dos verbos – confundir e dividir a língua –
não encaixa bem na seqüência do pensamento, mas no contexto do salmo, o verso pode
indicar o desejo do salmista em que os discursos que fluem ameaçando e destruindo,
sejam confundidos. “Parece que o salmista recorre à uma inversão de funções: os canais
que alegram e fecundam a cidade (cf. Sl 46.5), tornam-se perniciosos, e do mesmo
modo, a língua, instrumento de convivência pacífica, converte-se em fator de
divisão.”204
Basicamente, o verso carrega o sentido de intervenção punitiva e julgamento de Javé,
particularmente no período do exílio quando os babilônios devastaram a terra de Judá.
Para Jeremias, essa destruição foi um ato punitivo de Javé sobre o povo de Judá. Se
Deus puniu Judá, por que não punir os inimigos, confundindo e dividindo as
difamadoras línguas dos malfeitores?
200
Idem 201
ALBRIGHT, W. F., The oracles of Balaam, JBL, 63:207-233 disponível em:
http://www.jstor.org/stable/3262320 e HENGSTENBERG, E. W., The History of Balaam and this
prophecies, in: Dissertations of the genuineness of Daniel and the integrity of Daniel. Edinburgh: Clark,
1847, p. 337-356. 202
Cf. Mp da BHS 203
DITAT, p.1214 204
SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72, p. 731
85
B. Problemas causados na cidade: (v. 10b – 20a)
Esta segunda rodada de lamentação mantém os dois gêneros da lamentação: a queixa
(v.10b-12) e a maldição (v.16). Porém, o salmista, nos versos 13-15, lamenta de forma
contestatória, para depois declarar sua afirmação de fé (v. 17-20a).
1. Queixa (v. 10b-12)
10b eis que! vejo violência e contenda na cidade
11 De dia e de noite rodeiam sobre os seus muros
e maldade e fadiga em seu interior
12 Ruínas em seu interior e
opressão e engano não aparta de suas praças
A forte sequência de paralelismos indica a intenção do salmista em deixar bem evidente
as ações de seu agressor. O recurso poético dominante nesta secção personifica as várias
situações que cooperam para a sua aflição.
Esta segunda queixa inicia sugestivamente com a partícula yKi(, eis que! O salmista
destaca a opressão que ele sofreu e, ao mesmo tempo, denuncia os sérios problemas que
a sua cidade estava enfrentando. Enquanto no primeiro círculo o salmista lamenta de
seus problemas particulares, aqui, ele menciona os conflitos vividos pela comunidade.
O salmista se coloca como uma testemunha ocular. Ele inicia sua acusação com a
expressão ytiyai’r", eu vejo. Para ele, a sua cidade está inundada de violência, sm'x', e
contenda jurídica, byrI (v.10b), maldade, !w<a', e fadiga, lm'[ (v.11b), ruína, hW"h;,
opressão, %T, e fraude,engano, hm'r>mi (v.12). Este elenco de adjetivos para a cidade,
onde a opressão é mais uma vez descrita em forma de lamento, reforçam de forma
incisiva a depravação do lugar. A observação do salmista começa pelas muralhas, segue
para o interior e passa por suas praças. Para ser mais explícito, a cidade encontrava-se
sob o comando de pessoas perversas e violentas, ao todo, sete personificações que
86
exercem o comando político da cidade podem caracterizar melhor o lamento do
salmista. É interessante que essa violência estava instalada em todos os lugares
públicos. A história bíblica registra que no século V a.C., Jerusalém foi palco de tristes
acontecimentos. Certamente, o salmista foi testemunha desses fatos quando os judeus
eram vassalos da Pérsia.
2. Queixa contestatória (v. 13-15)
13 Eis que! não é o inimigo que me escarnece Então (eu o) suportaria
não é o que me odeia (que) me sobrepõe e se engrandece
então (me) esconderia dele.
14 Mas tu ó homem conforme minha ordem,
meu amigo e meu conhecido (íntimo),
15 o qual juntos na nossa doçura em aconselhamento,
na casa de ’elohim
nós andávamos na multidão.
Neste ambiente ameaçador, o salmista deixa de generalizar sobre a violência e alude à
particular e dolorosa traição do amigo @WLa; íntimo [d;y" . Em tom contestatório ele
abre sua queixa, reforçando sua intensidade novamente com a partícula yKi(, eis que!
Em tom metafórico, a linguagem torna-se direta e valorizada pelo contraste amigo /
inimigo, antes / agora e pela interpelação do traidor hT'äa;w> na segunda pessoa,
masculino, singular. Esta intimidade mencionada na confidência da casa de ’elohim,
reforçada por yKi_r>[,K. vAnæa/ “homem conforme minha ordem, igual a mim, da minha
mesma condição” juntamente com amigo @WLa; e íntimo [d;y" , reforçam o trato
prolongado e familiar. Nos textos da torah @WLa; é usado como referência aos chefes
tribais ou guias do povo (cf. Gn 36; Ex 15.15; Prov. 2.17 e outros). No Salmo 55 o
87
termo se refere provavelmente a um amigo e parente, companheiro de caminhada à Casa
de ’elohim. Esta referência “Casa de ’elohim”, faz pensar que a cidade é Jerusalém,
mesmo que também se possa referir à peregrinações rituais em comum.
Em qualquer caso, o “lugar sagrado”, intensifica o contraste da cidade entregue à
violência e ao crime.
3. Maldição (v. 16)
16 A devastação seja sobre eles e
caiam no xeol os (que estão) vivos, pois há perversidades em suas
moradas, em seu interior.
Pela segunda vez, o salmista pragueja os perversos habitantes de sua cidade. Esta
maldição encerra a segunda rodada de lamento (v.10c-15). Certamente é uma
comunidade localizada fora de Jerusalém. A ligação desta maldição com a expressão
yn"doa]â [L;äB; no verso 10a completam a intenção do salmista em ver exterminada as
ações dos seus inimigos.
Esta maldição, caiam no xeol os vivos, lembra Nm 16,33, quando o ancestral da casa de
Coré foi engolido pela terra, em razão da tentativa de desafiar Moisés. Este, também, é
o que o samista deseja aos seus inimigos.
Em paralelo com lAav. xeol está tAmyviy> ieximot. A intensidade com que o salmista
profere sua maldição é violenta e se apoia em dois poderes equivalentes: devastação e
abismo. Tanto o aparato crítico quanto a Massora parva da BHS indicam que tAmyviy> é
um ketiv, tendo como qerê205
, a fórmula que une dois termos: twm morte e yVy
maltratar, atuar como um credor. A opção em traduzir tAmyviy> por devastação e não
205
O texto da Bíblia Hebraica apresenta várias situações em que uma determinada palavra deve ser lida
de forma diferente daquela que está escrita no próprio texto. Esta situação é reflexo da existência de
variantes encontradas em antigos manuscritos. Em tais casos, a palavra ou expressão recebe a
denominação de Ketiv (o que está escrito), enquanto a forma que deve ser lida é Qerê (o que é lido).
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica, p. 178
88
por morte ou morte súbita, como na maioria das Bíblias em português, tem como
pretensão destacar com maior intensidade a força empregada pelo salmista nesta
palavra.
No contexto bíblico lAav. xeol é o lugar dos mortos (Sl 63,10) para onde descem os
que morreram (Sl 89,49). O mundo dos mortos era imaginado pelos antigos como
oculto nas profundesas subterrãneas, onde se sustenta e estende a compacta terra dos
vivos206
. A literatura bíblica menciona o xeol paralelo à fossa e à sepultura (Cf. Gn
37.35; 42.38; Nm 16.30; Jo 17.13 e outros)207
. É um lugar de trevas e vermes. A descida
para o xeol, conforme o salmista (55, 16) equivale à morte.
O orante deseja aos inimigos, que uma força devastadora, de fora e de cima, caia sobre
eles e que abaixo, no abismo, o xeol os tranque sem escapatória.
4. Afirmação de fé em linguagem litúrgica (v. 17-20a)
17 Eu para ’elohim clamarei
e YHVH me salvará.
18 Tarde e manhã
e ao meio dia lamentando gritarei
e (ele) ouvirá minha voz.
19 Resgata em paz minha vida de quem me faz guerra,
pois muitos são contra mim.
20 Ouvirá Deus e os humilhará
e permanecerá em frente Sela
O queixoso é um fiel javista que lamenta, mas crê e declara a sua fé. É a primeira
afirmação de fé deste salmo de lamentação. O paralelo entre Javé e ’elohim reflete bem
a dimensão da fé do salmista, enquanto ’elohim é usado de forma genérica, Javé é
indicado como aquele que salva, pois, no saltério, Javé é claramente o guardião e
promotor da vida.
206
PEDRO, Enilda de Paula e NAKANOSE, Shigeyuki. Como ler o livro de Oséias, reconstruir a casa.
São Paulo: Paulus, p. 30; SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72, p. 733 207
Cf. LISOWSKY, Gerhard. KHAT, p. 1390
89
A extensão desta declaração de fé pode explicar a sua ausência na primeira rodada de
queixa, a lógica da linguagem litúrgica de um lamentador segue correta. O queixoso
clama, arq (v.17a), e medita lamentando, xyf e grita, hmh (v.18a) e ’elohim
resgata, hdp em paz, ~Alåv'b. (v.18b-20a ). Aqui é preciso frisar que o tempo verbal de
hdp208, remete ao paradoxo da paz em meio à agitação e sofrimento do salmista, “eu
estou em paz pela esperança segura”.
O salmista conclui afirmando que a ação salvífica de Deus não é temporária ou
passageira, mas seu governo, bvy, permanece, desde a antiguidade, salvador. Apesar do
Salmo 55 não estar creditado aos "filhos de Coré" (Sl 42; 44-49; 84-85; 87-88), ele traz
marcas teológicas da coleção coreíta209
.
C. Novas denúncias contra o inimigo (v. 20b-24b)
O salmista lamenta pela terceira vez, e novas denúncias são levantadas contra os
inimigos. Esta nova sequência de lamento revela a intensidade do anseio do salmista por
viver em paz em sua comunidade. Para ele, o ritual do lamento era parte importante no
processo de obtenção da paz. Para isso, ele renova suas queixas.
1. O salmista renova suas queixas (v. 20b – 22)
20b porque não existe mudanças para eles
e não temem ’elohim.
21 Lançou suas mãos em (quem) tinha paz
e profanaram sua aliança.
22 A sua falsidade (é como) manteiga na sua boca
e guerra no coração,
208
hd"ÛP'« verbo, qal, perfeito, 3ª pessoa, masculino, singular, raiz: hdp = resgatar, redimir
209 Cf. SIQUEIRA, Tércio Machado. “Jerusalém vista pelos coraítas (Sl 46)”. Em: Estudos Bíblicos.
Salmos de Coré. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 46-47; AHARONI, Yohanan. The Archeology of the land of
Israel. From the. Prehistoric Beginnings to the End of the First. Temple Period. Philadelphia: The
Westminster Press, 1978, p. 229.
90
concorrem suas palavras com azeite
e estas são espada desembainhada.
Esta terceira queixa do salmista tem este teor de denúncia. Na verdade, seus inimigos
são irmãos de raça e fé, conforme os versos 13-15. Portanto, estas acusações encaixam
perfeitamente nos israelitas que tinham conhecimento que a Aliança era inviolável.
Primeiro, ele acusa-os de deslealdade para com ’elohim (v.20b). A frase e não temem,
Waår>y" (v.20b) é marcada pela denúncia de que seus inimigos são indignos e incapazes
do perdão, “não existe mudanças para eles pois não temem ’elohim”. Como em outras
ocasiões, a falta de senso religioso precede à perversão e impede a conversão.
Aqui, o salmista não se referia à emoção causada pelo medo do divino, mas esta
expressão está ligada ao comportamento moral e político dentro da comunidade. Assim,
a intenção do salmista é criticar os seus inimigos em razão de que eles não honram e
não são fiéis a Deus, em todos os seus empreendimentos.
Em segundo lugar, o salmista acusa-os de lLeîxi profanar a tyrIB. aliança, (v.21b).
Qualquer membro da comunidade tinha conhecimento que a violação da tyrIB. ,
acarretaria duras conseqüências. Por fim, o salmista acusa os seus inimigos de
agressividade contra a comunidade. A fraternidade tem sido tratada de maneira
traiçoeira: eles usam palavras suaves para esconder atitudes e práticas vis. Para ser mais
claro, o salmista substancia suas denúncias com duas comparações. Com estas
comparações, o salmista quer denunciar a falsidade de seus inimigos210
. Este tema foi
muito veiculado no ambiente dos sábios judeus dos últimos séculos antes de Jesus (Pr
26,23-26; Eclo 12,15).
2. Exortação à comunidade (v. 23)
Como o salmista tem em vista as pessoas de sua comunidade de fé, ele sente que o
perigo dessa prática vil pode alastrar-se junto aos outros membros. Por isso ele dedica
210
Cf. ALBERTZ, Rainer. Historia de la religion de Israel en tempos del Antiguo Testamento. Volume 2,
Desde el exilio hasta la época de los Macabeos. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 799-802
91
um conselho para os oprimidos de sua comunidade de culto, oferecendo uma palavra de
encorajamento e salvação.
23
Lança sobre YHVH teu fardo
e ele te suportará
não deixará para sempre vacilar
o justo.
No tom imperativo, o salmista faz a seguinte recomendação aos oprimidos pelos
transgressores da Aliança: Lança, $lv, sobre Javé teu fardo, bh'y> Ele te suportará,
lwk (v.23a). O versículo possui um estilo oracular, o objeto da ação, indicada pelo
salmista, não é o inimigo, mas, metaforicamente, o fardo, isto é, o jugo da opressão que
tem causado muita angústia aos justos. O profeta Isaías desafiou os fiéis a lançarem fora
os ídolos (2,20) e Ezequiel fez o mesmo com relação às abominações (20,7.8). Todavia,
o salmista encontra-se num outro contexto de vida. Ele quer afirmar que a pessoa justa,
qyDIc;, tem sua estabilidade assegurada pela bondade de Javé que “não o deixará para
sempre ~l'îA[l. vacilar”, Assim, o justo pode lançar, em confiança, suas cargas sobre
Javé (cf. Sl 112,6; Pr 10,30; 12,3). Esse desafio implica em confiar na ajuda de Javé. O
culto é o lugar próprio para o salmista fazer esse desafio (Sl 22,11).
3. Maldição (v. 24, a+b)
Pela terceira vez, o salmista pronuncia uma maldição.
24aE tu ’elohim (os) fará cair
no poço na cova.
b Homens sanguinários e fraudulentos
não alcançarão o seu dia
O Salmista parece recapitular as maldições proferidas anteriormente. É sugestivo
observar que a primeira praga está articulada como um pedido feito pelo queixoso para
92
’elohim (cf. v.10a+b). As três maldições referem-se à descida ao xeol. A segunda (v.16)
e a terceira (v.24a) maldições caracterizam-se, não pelo pedido de intervenção de Deus,
mas pela afirmação de que Ele agirá punindo os infiéis. Aos inimigos, o salmista deseja
que a morte caia sobre eles, da mesma forma que ele espera que o abismo os trague.
24aE tu ’elohim (os) fará cair no poço na cova
16bcaiam no xeol
III. Afirmação de fé (v. 24c)
24c mas eu confiarei em ti.
A última sentença, mesmo em sua forma resumida e breve, triunfa no final de um salmo
agitado. Provavelmente o verso 24 deveria ser lido após cada parte da lamentação. Ele
seria uma recomendação final, vista a partir de um chocante contraste. Trata-se de uma
palavra acentuadamente pedagógica, já que os infiéis, que não confiam em Deus, não
alcançarão a vida plena.
Os termos desta declaração de fé, certamente, faziam parte da liturgia dos crentes
javistas. Esta afirmação constitui, não somente uma recomendação aos celebrantes, mas,
acima de tudo, uma advertência contra a falsa confiança apregoada pelos inimigos (Sl
44.7; 56,4-5.12). O salmista não diz somente que está vivendo uma situação de
confiança, apesar das investidas dos inimigos contra ele. Ele também afirma que a
confiança será um exercício do seu dia-a-dia, mesmo que venham os maus dias.
2.8. Intenção
Apresentado de modo parcial as observações fundamentais que emergem da exegese do
Salmo, pretendemos aqui ordenar de modo mais sistemático os resultados obtidos,
permitindo uma visão de conjunto do poema que expresse a intenção do salmo.
93
O Salmo 55, dentre os salmos de lamentação individual, tem a peculiaridade de
identificar seu agressor como algúem de seu círculo de intimidade. Este fato, nos
desperta o interesse para algo inusitado. A raiz @La (I - aprender, ensinar; II –
produzindo, milhares) que identifica o amigo no verso 14, é usada na BHS em 29
versículos, dos quais, Gn. 36 a reproduz 42 vezes211
, fazendo referência aos chefes
tribais. Em algumas ocasiões ele é o “guia da mocidade” (Prov. 2.17; Jer. 3.4), ou
alguém próximo e confidente (Prov. 16.28; 17.9; Sl 55.14).
Em todo o saltério, somente o Salmo 55, no verso 14, faz referência a este termo. O
salmista parece resgatar elementos da divisão social de grupos políticos212
e os traços da
religiosidade dos pequenos grupos familiares213
, consequentes das transformações
sociais e religiosa do pós-exílio.
No estilo poético desta composição, o salmista se deixa inflamar por seus sentimentos,
mantén-se como um observador e transforma sua experiência em palavra poética. Tudo
fica pessoal e intenso. Seus sentimentos possuem traços metafóricos e imagens
convincentes que descrevem objetivamente sua situação social.
O teor litúrgico desta composição, atestado pelas imagens que o salmista usa em seu
lamento, expondo o conflito social dentro da comunidade, revela, na força do
dramatismo poético do Salmo, um claro conflito e disputa de direitos atestados pelas
palavras byrIå litígio, contenda,ry[i cidade, bxor> praça, vwm apartar e l[; sobrepor,
como já dissemos anteriormente214
.
Chama-nos a atenção, o fato de que o salmista, em sua lamentação individual, integra
elementos de sua comunidade como: cidade e seus muros, praças e a casa de ’elohim.
Ele relembra fatos importantes da história de seu povo, como o deserto e a pomba,
211
Cf. LISOWSKY, Gerhard. KHAT, p. 100 212
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 1, p.
137-140 213
Os grupos familiares eram sintomas da fragmentação da religiosidade, consequente da crise social e
religiosa que se desenvolveu no período pós-exílio. Com a nova configuração social, desenvolveu-se a
aproximação entre a religiosidade pessoal e a religião oficial da comunidade judaica. Cf. ALBERTZ,
Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2. Desde el exílio hasta
la época de los macabeos. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 685-709 214
Cf. p. 41
94
enquanto extende seus votos de louvor e afirmação de fé como base para a confiança da
comunidade em Javé.
Ambos os elementos supõem um Sitz im Leben do ambiente de culto215
. Percebemos
que o salmista é um crente javista que expõe seus conflitos, na realidade em que se
encontra dentro de sua comunidade. Embora seu lamento seja individual, suas queixas
são recitadas em adoração corporativa, pois pede a intervenção divina (v.2-3) e no
decorrer de seu lamento, se revela ansioso e temeroso diante dos perigos decorrentes da
violência que tomou conta de sua cidade. Em sua lamentação individual, deixa
transparecer, a relação de igualdade entre os inimigos pessoais e os adversários de
Israel.
As reclamações recitadas pelo sofredor constituiu um esforço para restaurar o bem-estar
e a segurança para o indivíduo aflito e seus parentes. Como parte da liturgia do lamento,
ele amaldiçoa este e outros inimigos, com a súplica de que estes sejam engolidos pelo
xeol.
No entanto, outras razões como as questões psicológicas e teológicas precisam ser
mencionadas216
. As experiências comuns de reconstrução social, por meio dos grupos
familiares autônomos no pós-exílio, permitiram que as celebrações litúrgicas fossem
solidárias e mais intensas na comunidade. Os anúncios teológicos de solidariedade
adquiriram nos rituais pessoais, uma função decisiva para a solidez da comunidade e seu
conjunto.
No fim de sua oração, o salmista aconselha os seus ouvintes a confiar em Deus, pois Ele
jamais os deixará frustrados. Nesta afirmação de fé, o salmista sintoniza os seus
ouvintes no horizonte de experiências históricas, em que a religião Javista
experimentava a intervenção divina como seu fundamento central.
215
Sobre a distinção entre culto e rito ver: GERSTENBERGER, Erhard S. “Psalmen und Ritual praxis”.
Em: Ritual und Poesie. Formen und Orte religiöser Dichtung im Alten Orient, im Judentum und im
Christentum. Hg. von Erich Zenger u.a. Freiburg u.a.: Herder 2003, 73-90,p. 73-76. Disponível em: http://geb.uni-giessen.de/geb/volltexte/2012/8819/ 216
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2, p. 686
95
O Salmista reanima sua comunidade, na confiança em Javé a partir de uma
incondicional dedicação divina ao indivíduo. Em contrapartida desta relação pessoal
com Deus, introduz a justificação da cólera divina, para com aqueles que “profanam sua
aliança”.
Nesta perspectiva, o Salmo 55 retrata de forma caricata, esta mescla entre o individual e
o comunitário, produzido pelos eventos da crise social e religiosa do pós-exílio. Diante
detes acontecimentos, brotaram as experiências comuns de reconstrução e assim, a
comunidade também poderia encontrar-se no mesmo destino do indivíduo que se via
vítima do sofrimento e das ameaças de seus inimigos.
Para Rainer Albertz,217
esta era uma “transposição paradigmática”, que permitia melhor
sintonia com o horizonte das experiências do indivíduo, diante da agonizante situação
teológica da comunidade. No período pós-exílio, as queixas contra o inimigo, que
originariamente se expressavam contra a ameaça dos poderes demoníacos218
, se
converteu em imprecações contra o malfeitor, [v'_r" (cf. Sl 3.7; 11.2; 17.9; 140.5). As
violoentas expressões de ameaças relatadas pelo salmista, mesmo que não fossem
correspondentes aos fatos, retratavam o testemunho dos temores e dificuldades que a
divisão social e religiosa da comunidade, produziu em muitos de seus membros.
Percebemos, portanto, no salmo 55, o claro retrato do conflito social e religioso que se
produziu na sociedade israelita do V século a.C., reforçado pela contraposição entre
malfeitores e justos.
2.8.1. Articulação do discurso
A estrutura proposta nos permite distinguir três momentos fundamentais no discurso do
salmista:
217
Idem, p. 687 218
H. Birkeland, sublinha de maneira especial a expressão !w<a"+, opinando que os inimigos foram
origináriamente magos que mediante encantamentos, queriam causar a ruína do pobre. Esta explicação
tem como base, o fato de que, no mundo mesopotâmico, se projetavam nas orações imagens de indivíduos
em que predominava o mágico e o demoníaco. (cf. Sal 5.6; 6.9; 14.4; 28.3; 36.13; 59.3; 92. 8-10; 94.4-16;
101. 8; 141.4-9) BIRKELAND, H. The Evildoer in the Book of Psalms, Oslo, Avhandlinger utgitt av det
Norske Videnskaps -ii, Akademi i, Oslo II, 1955. Blackman, A.M. Myth and Ritual, apud. KRAUSS,
Hans Joachim. Los Salmos. Sal. 1-59, Vol. I , p.149.
96
1. No primeiro momento o salmista expõe sua fragilidade (v. 2-3a), sua intenção
fundamental é demonstrar a incapacidade que tem diante do problema. A súplica
funciona como uma peça retórica que interpela o socorro de Javé e assim, a
nescessidade do suplicante encontra a bondade do suplicado.219
Refletindo o drama da
vida pessoal e social, a súplica está centrada na fé e na promessa de uma ação de Javé
que mudará a situação.
2. Um segundo momento mais argumentativo (v. 3b-24b), expressa com veemência, em
forma de queixas e maldições, as consequências da situação conflitiva entre malfeitores
e justos. A proposta para a resolução final deste conflito está na devastação daqueles
que praticam a maldade e no resgate e salvação para aqueles que sofrem. Enquanto eles
profanam a aliança, são irreverentes, falsos e proferem guerras, os justos depositam em
Javé sua confiança e seu fardo.
3. O terceiro momento acontece com um final parenético, onde, na afirmação de fé,
projeta-se toda a força e esperança da firme decisão em seguir Javé. A virtual ausência
de violência nesta curta afirmação revela a esperançosa atitude do orante que demonstra
sua inabalável confiança em Javé.
A organização deste discurso descarta a possibilidade de interpretar este salmo de forma
ideológica ou legitimador de uma estrutura de conflito. O Salmo, pelo contrário, deve
gerar no leitor uma atitude pacífica e não violenta, que deixa nas mãos de Deus a
transformação de tais estruturas. A motivação é de esperança revolucionária para
aqueles que denunciam abertamente as injustiças e opressões que perseguem os mais
frágeis.
2.8.2. Temas teológicos
Como resultado da exegese, torna-se importante também mencionar os temas teológicos
suscitados no Salmo. Não se trata aqui de desenvolver os temas em sua extensão
teológica, pois esta seria uma tarefa que excederia nosso objeto de estudo, mas levantar
219
SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72, p. 87
97
os enunciados teológicos do texto de forma descritiva, que surgem no texto como um
todo.
O mixpat
Nesta visão sintética dos temas teológicos do Salmo 55, não pode faltar uma palavra
sobre o tema da justiça. O jP'v.mi embora não apareça de forma explícita neste Salmo,
surge como tema efetivo. Portador de amplo significado, o lexema jP;v' que tem
basicamente o sentido de “agir como governante” ou “decidir como juiz”220
, articula
em grande medida a resposta necessária aos anseios do orante que clama a intervenção
divina em meio às ações do malfeitor.
Na segunda instância do Salmo (v. 3b-24b), há o anseio de que o agressor será punido,
enquanto Javé salvará e transformará a situação do justo (v. 17 e 23). Palavras como
byrI contenda (v. 10), tyrIB. aliança (v. 21) e qyDIc; justo (v. 23) reforçam a intenção
do orante que clama pelo governo justo de Javé.221
A idéia de que Javé “ama a justiça jP'êv.mi bheäao” (Is. 61.8; Sl. 37.28) é dominante dentro
do poema e, por tanto, o salmista mantém-se justo, assumindo aqui o sentido de frágil,
sofredor, piedoso e bom222
, identificando-se com a preferência de Javé, transformando-
se em objeto privilegiado de sua bondade e amor. Esta identificação entre a opção do
justo e a vontade de Javé, conduz a duas consequências: por um lado, o discurso do
justo expressa a ordem social desejada por Javé e por isso, ganha-se a autoridade de
quem pronuncia uma sentença (v. 24); por outro lado, o próprio Javé se colocará ao lado
do justo, e não o deixará vacilar (v. 21).
220
DITAT, 1998, p. 1603 221
Cf. FISCHER, S. Der Alttestamentliche Begriff der Gerechtigkeit in seinem geschichtlichen und
theologischen Wandel, in: H. Seubert / J. Thiessen (Hgg.), Die Königsherrschaft Jahwes (FS H. Klement;
Studien zu Theologie und Bibel 13), Wien, 61-74. Disponível em:
https://www.bibelwissenschaft.de/stichwort/19316/ 222
Cf. KRAUS, Hans Joachim. Teologia de los Salmos. Biblioteca de Estudios Bíblicos, Salamanca:
Ediciones Sigueme, 1985, p. 207-219
98
A retribuição
Dos temas teológicos que aparecem no Salmo, a teologia da retribuição tem uma
posição de destaque, já que aparece de forma subjacente à problemática desencadeada
no texto. Não há no texto, uma afirmação direta do princípio da retribuição, mas, por
outro lado, está implícito em sua elaboração retórica. As atitudes do malfeitor o farão
vítima de um terrível destino, a culpa por sua conduta está na sua postura antissocial.
Por outro lado, “o postulado teórico, alinhado com as ideias sapienciais sobre a
retribuição”223
produziam efeito de resistência nos estratos espiritualistas da classe alta.
Inspirados pela narrativa de Jó, rejeitavam as injustas circunstâncias que lhes haviam
permitido viver em boas condições, enquanto outros padeciam.
Jó é o protótipo da espiritualidade dos membros da classe alta que experimenta a
salvação divina, porque era “homem íntegro e reto, temente a Deus, que se desviava do
mal” (Jó 1.1). Na literatura profética a reelaboração dos oráculos de salvação ou de
juízo, não se destinam mais a todo o povo, mas a salvação corresponde aos justos,
enquanto o juízo está destinado aos malfeitores.
No Salmo 55 a intervenção divina está relacionada, direta e explicitamente, com o
destino dos justos, para a salvação e dos malfeitores para a ruína. Enquanto o justo em
suas orações, súplicas, queixas e maldições espera ser retribuído porque se mantêm fiel,
o malfeitor deve ser condenado por suas ações de perversidade e engano.
Estas afirmações colocam o justo em outro nível. Mostra que a vida do justo não deve
ser vista somente pelo aspecto do sofrimento224
. Há também uma dimensão de
espiritualidade que o faz experimentar a presença divina que lhe dá sustento e lhe
assegura a salvação. Antes de ser uma resignação passiva diante da injustiça, é uma
resistência de fé, firmada na esperança.
223
ALBERTZ, Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2, p. 697 224
ARTUSO, Vicente. Salmo 30. Alegre ação de graças: “Transformaste o meu lamento em dança”.
Estudos Bíblicos, 53, Petrópolis: Vozes, p.45-58, 1997.
99
Malfeitores e justos
O ideal do justo que perfila no Salmo, contrapõe-se com a figura do malfeitor. Embora
o texto não pretenda fazer uma apresentação teórica dos dois termos, as afirmações do
justo supõe um conflito. Sua queixa, repleta de desejos violentos diante do conflito
social em que vive, são acompanhadas de expressões de confiança que mostram a
segurança que sente na proteção de Javé.
Dos Salmos de lamentação individual, o Salmo 55 apresenta uma única vez estas duas
palavras. Outros Salmos a repetem com maior frequência, como é o caso do Salmo 11
(3 vezes) e do Salmo 37, que sendo considerado Salmo de instrução, apresenta-os em
grande quantidade ([v'r' 14 vezes e qyDIc; 9 vezes). O diferencial do Salmo 55 está no
conjunto social onde estas palavras aparecem.
O justo, torna-se modelo daqueles que experimentam a ajuda de Javé e lhe pertencem.
Sua relação estreita com Javé, lhe permite assumir a postura de não violência, pautada
mais na confiança, do que no simples pacifismo. Justo é aquela pessoa que mediante as
provações de Javé, é achado inocente (Sl. 11.5) e quando confrontado pelas intrigas e
maquinações dos malfeitores, tem a convicção de que os olhos de Javé pousam sobre
ele.225
O justo sabe que o Deus ouvirá seu clamor e Javé o salvará (Sl 55.17-18); lhe resgatará
a paz (v.19), confiante de que Ele não deixará o justo vacilar, tem sua confiança
convicta em Javé (v.23).
O personagem do malfeitor, por outro lado, está caracterizado como alguém que tem
êxito em suas próprias forças, bastando-se nelas. Sua voz é o que mais incomoda o
justo, pois está recheada de opressão e maldade (v4), calúnias (v.9), intrigas e violência
(v.10). Eles profanam a aliança (v.21) e são falsos (v.22).
No Salmo 55 em especial, o malfeitor é íntimo do Salmista, um amigo, que de certa
forma, identificado pela palavra ypiªWLa;÷ desempenhava, juntamente com o Salmista,
uma função administrativa no Templo, (v. 14-15).
225
KRAUS, Teologia de Los Salmos, p. 208
100
Os pobres
Os conceitos para designar o pobre no Antigo testamento são diversificados:
ynI['/oprimido, !Ayb.a, /pobre, lD; /fraco, vor'/pobre226
, podendo designar alguém sem
posses, pessoa abandonada ou digna de piedade. Dentro da perspectiva sociológica, os
pobres aparecem como objeto do ataque dos malfeitores. São identificados como mais
frágeis (v.5-7) e expostos à queda (v. 4, 19).
A associação do pobre com o justo, aproxima-nos da identificação daqueles que
acumulam complexas experiências de sofrimento e perante Javé se identificam como
ynI['/oprimido, !Ayb.a, /pobre, assumindo, na verdade, sua condição humana227
.
Esta distribuição de personagens em dois grupos, justos pobres e malfeitores ricos,
manifesta uma situação social de injustiça, fazendo com que a riqueza adquira
implicações morais e espirituais negativas, enquanto a pobreza, normalmente vista
como um mal, passa a estar associada à piedade.228
Javé é o defensor jurídico dos
pobres, a justiça de Deus evidencia-se na sua imparcialidade como juiz, condenando
poderosos culpados.229
Não violência
Por último e como consequência dos temas teológicos aqui levantados, o tema da não
violência, surge como proposta central do Salmo, contrapondo-se à @a ;, ira dos
malfeitores e inimigos. É verdade que o tema da ira no saltério está mais bem
relacionado com as ações de Javé,230
no entanto, em alguns Salmos, a ira aparece como
reação do homem como sujeito ( Sl. 7.7; 76.11; 112.10; 124.3; 138.7).
226
SCHWANTES, Direito dos Pobres, p. 16. 227
KRAUS, Teologia de Los Salmos, p. 198 228
ALBERTZ, Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2, p. 681-682. 229
SCHWANTES, Direito dos Pobres, p. 324. 230
Sobre a ira de Javé, veja Salmos: 2.5,12; 6,2; 7.7,12; 18.8-9; 21.10; 27.9; 30.6; 38.2,4; 56.8; 59.14;
60.3; 69.25; 74.1; 74.8; 77.10; 78.21,31,38,49-50,58-59,26;79.5-6; 85.4-6; 88.8,17; 89.39,47; 90. 7,9,11;
95.11; 102.11; 103.8; 106.23, 29, 32, 40; 110.5; 145.8. Cf. LISOWSKY, Gerhard. KHAT, p. 132
101
No Salmo 55, a ira aparece como uma reação malfeitor, que causam medo a paralisam o
justo diante de sua !w<a'÷ª, maldade (v.4). A primeira reação do justo é o desejo de fuga
(v.7), mas em seu lamento ele clama a Deus pelo hd'P', resgate da ~Alv', paz (v. 17-19).
Como se vê, a @a ;, ira provocada por uma situação injusta, diante das palavras, ofensas
e ações do inimigo do salmista (%To, opressão, hm'r>mi , engano, ha'r>yI medo, tWcL'P;,
estremecimento, sm'x', violência, !w<a' ÷ª, maldade, cf. v. 4-12), são contrastadas pelo
justo, com seu desejo e esforço para orientar sua comunidade à dependência e confiança
em Javé (v.23).
O salmista lança sobre Javé seus dramas mais agudos. As queixas e maldições
proferidas, transmitindo a ideia de que Javé castigará o malfeitor, tendem a mostrar
muito mais um Deus justo, do que violento. As imprecações reforçam a máxima de que
Javé “ama a justiça jP’êv. mi bheäao”.
102
3. O [vr COMO REPRESENTAÇÃO DA MALDADE
Após o estudo exegético do Salmo 55, percebemos a nítida expressão de conflitos
sociais e religiosos, muito presentes no contexto das grandes transformações que Israel
vivenciava no período pós-exílio. Neste contexto, destaca-se a figura do [vr
malfeitor, o verdadeiro algoz do salmista. Com frequência, o orante reforça em seus
poemas litúrgicos os dramas decorrentes destes conflitos.
Nesta abordagem preliminar do estudo conceitual sobre o malfeitor, torna-se necessário,
a definição mais precisa e detalhada desta expressão. A palavra mal, malvado e
malfeitor são termos bastante genéricos que podem designar, entre outros, alguém que
apresenta desvio de caráter, arrogante, perverso, tirano e sem piedade. Estes termos
revelam, nos salmos de lamentação, uma espécie de modelo social, definido por um
conjunto de acontecimentos tais como: ameaça de morte (Sl 71.4), espoliação dos bens
dos mais pobres (Sl 10.2), violência (Sl 140.5) e opressão (Sl 55.3), representado por
diversas palavras em seus respectivos contextos.
Destes, nos interessa o adjetivo [v'r'231 e seu conjunto semântico composto por palavras
que determinam muito mais do que um simples significado. É antes, o conceito adotado
para uma função social, muito presente na história da religião de Israel.
231
Cf. BROWN, Francis, DRIVER, Samuel Rolles, BRIGGS, Charles Augustus. BDB – A Hebrew and
English Lexicon of the Old Testament. Boston, New York and Chicago: Houghton, Mifflin and Company
the Riverside Press, 1906, p. 957 [v'r ': adj. malfeitor, criminoso; — abs. r Gn 18:23 +; pl. ~y[iv'r> Is 13:11
+; cstr. y[ev.rI Sl. 75:9 + 3 t. sf. h['v'r> Ez 3:18 , v:19 ([v'r' ); — †1. usu. como subst., um culpado de crime
que merece punição; sts. também malfeitor; opp. [yDIc;; [v'r' Ex 2:13 23:1 (E), Dt 25:2 Pr 17:23 18:5 25:5
Jó 9:22; 9:24; col. Gn 18:23; 18:25; 18:25 (J) Mi 6:10 Pr 3:33 28:4, ~y[vr 1 S 24:14 Je 5:26 Pr 19:28
20:26 29:12, ~y[vr ~yvna 2 S 4:11 (assassinos), tWml' [v'r' Nu 35:31 (P) culpado de morte, År lveAm Pr 28:15,
cf. 29:2, År qyDIc.hi Ex 23:7 (E) Is 5:23 Pr 17:15; År [;yvir>hi Dt 25:1 1R 8:32 = [v'r'l. byvh 2 Cr 6:23; qyDIc; ¾rl rma Pr 24:24. 2. culpados de hostilidade para com Deus ou seu povo, inimigos perversos: [vr sg. Sl.
17:13 + 6 t. , Is 26:10; col. Sl 9:6; 9:17 10:2 + 6 t. , Is 11:4 Hb 3:13; ~y[vr Sl. 3:8 7:10 9:18 + 5 t. , Is
48:22 57:20; 57:21 Je 25:31 Ez 21:34 Mal 3:21 (+ (poss.) outros casos, muitas vezes difícil de decidir);
especificação para: Faraó Ex 9:27 (J), Babilônia Is 13:11 14:5, Caldeus Hb 1:4; 1:13; || hwhy yaen>f 2 Cr
19:2. 3. culpados do pecado, contra Deus ou homem, malvado: ~y[vrh ~yvnah Nu 16:26 (J, rebelião dos
103
Conforme já mencionado232
, a importância da palavra [v'r' nos textos bíblicos, está
atestada pela frequência com que ela se repete. São 343 citações em todo o Antigo
Testamento, das quais, 92 ocorrem no livro dos Salmos233
. No entanto, nos Salmos de
lamentação é que se acentua a imagem degenerativa do termo, pois invariavelmente o
[v'r', na linguagem do orante, está acompanhado por um campo semântico variado
como: !w<a'÷ª, maldade; @a ;, Ira; sm'Þx', violência; hm'r>mi, engano; llx, profanar; anEf ',
odiar; h['r', perversidade e @rx, escarnecer. Estas palavras acentuam ainda mais a má
conduta e o desvio moral deste agressor.
A partir desta percepção semântica, buscaremos identificar os processos dialéticos
existentes entre os conceitos paralelos e conceitos opostos do [vr nos Salmos de
lamentação. Nosso objetivo está na identificação do [vr, dentro do contexto social e
religioso da comunidade judaica no período pós-exílio.
3.1. Abordagem conceitual
[v'r': f. h['v'r.; pl. ~y[iv'r., cs. y[ev.ri: A Raiz [vr está consolidada no hebraico com o
sentido de “ser malvado; malfeitor; Culpado”234
. Embora esta mesma forma e
Coraítas), Mal 3:18 (não servindo Åy), opp. qyDIc;; sg. indiv. Ez 3:18; 3:18 21:30 33:8; 33:8 Sl 11:5 32:10
Pr 9:7 +; col. Is 3:11 Jó 34:18 36:6; 36:17; pl. ~y[vr Is 53:9 Je 23:19 = 30:23, Zq 1:3 Sl 26:5 Pr 10:3 Ec
8:10 +; || ~ydysox 1 S 2:9 (Poema), Sl 12:9 50:16 97:10 145:20; || ^t+,d'At ybez>[o 119:53, cf. V:61, +; †År ~da Pr
11:7 Jó 20:29 27:13; År vyai Pr 21:29; År $alm 13:17; ~y[vr [r;z< Sl 37:28; †~y[vr tc;[] 1:1 Jó 10:3 21:16
22:18; †~y[vr xr,D, Je 12:1 Sl 1:6 146:9 Pr 4:19 12:26; [vr xr,D, 15:9; AKd>D;mi h[v'r>h†' Ez 3:18; 3:19 (mas v,
supr.); †#ra¿hÀ y[ev.rI Sl 75:9 101:8 119:119 Ez 7:21 (LXX ycyr[). 232
Cf. p. 25 233
Cf. LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus, p. 1022-1023 234
Cf. KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. Petrópolis/ RJ:
Sinodal/Vozes, 2009. p. 234; SCHÖKEL, Luiz Alonso. Dicionário bíblico hebraico-português.
Tradução: Ivo Storniolo e José Bortolini. São Paulo. Paulus, 1997. p. 633; LEEUWEN, C. Van. In:
JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus, p. 1022; RINGGREN, H. In: Theological Dictionary of the Old
Testament. Edited by G. Johannes Botterweck, Helmer Ringgren and Heinz-Josef Fabry. Volume XIV.
Willian B. Eerdmans Publishing Company. Grand Rapids: Michigan, Cambridge. 2004, p.2;
LISOWSKY, Gerhard. KHAT, p. 1357; BROWN, Francis, DRIVER, Samuel Rolles, BRIGGS, Charles
Augustus. BDB – A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Boston, New York and Chicago:
Houghton, Mifflin and Company the Riverside Press, 1906, p. 957
104
significado estejam presentes também no aramaico, neste último caso, o significado é
quase sempre posterior ao Antigo Testamento. Segundo C. Van Leeuwen, o termo
também aparece em construções antigas das línguas etíope e árabe com significados
divergentes como “esquecer” ou “ser fraco, brando” tendo como aspecto comum o
fato negativo da violação de obrigações e funções.235
O aparecimento deste termo no Antigo Testamento está quase sempre, relacionado à
culpa, maldade, perversidade, iniquidade, pecado e crueldade. O verbo é denominativo
do substantivo masculino [v;r, “erro, culpa, maldade”, que denota o tipo de vida
oposto ao caráter de Deus e parece ter dois sentidos distintos: a) agir perversamente; b)
condenar como culpado. Abrindo espaço para declarações de acusação e julgamento.
Construções substantivas relacionadas com o [v'r' “culpado, perverso, ímpio236
”, muitas
vezes caracterizado como “pessoa má”, ocorrem 263 vezes no Antigo Testamento, com
relativo acúmulo de um grupo de palavras em Jó, Salmos, Provérbios e Ezequiel.
O [v'r' também funciona como adjetivo e neste caso, o termo é originariamente usado
para designar fatos objetivos que apontam para as atitudes e intenções do agressor,
como por exemplo no Salmo 10, onde o [v'r' é caracterizado como alguém que na sua
arrogância persegue furiosamente o pobre (v.2); blasfema contra Javé (v.3); é orgulhoso
e considera que não há Deus (v.4). Outros exemplos estão expressos nos Salmos 34.22;
55.4; 71.4 e outros. Assim, o termo deixa de ser um simples fenômeno subjetivo, para
se referir às ações e condutas de um indivíduo ou determinado grupo de pessoas.
Usado em paralelo com quase todas as palavras hebraicas relacionadas ao pecado237
, o
mau238
e iniquidade239
, o [v'r tem seu sentido ampliado, reforçando o grau e a
intensidade de seu aspecto degenerativo.
235
Cf. LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus, p.1022 236
Aqui ganha o sentido de desapiedado, desumano, cruel, bárbaro. O mesmo, também se aplica ao seu
parônimo ímpio, que se refere a aquele que não tem fé ou que tem desprezo pela religião. Cf. HOUAISS,
Antônio. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2002. 237
Por exemplo: !w<a"ß / Maldade, injustiça, pecado, desgraça, como em Is. 55.7 e Sl. 66.18. O termo é
geralmente associado como uma distinção intencional de !Aa / força, vigor, fortuna, riquezas como em
105
Os textos bíblicos apresentam o [v'r' em correlação direta com qyDIc;. Esta
correspondência direta e ao mesmo tempo oposta, permite também que seu sentido seja
influenciado consideravelmente, pois, diante da composição positiva, em conformidade
com o padrão ético e moral empregada na figura do qyDIc; é que o [v'r' torna-se a palavra
que expressa a conduta negativa, os maus pensamentos, palavras e obras contra um
indivíduo ou contra a comunidade, revelando ao mesmo tempo, a desintegração moral e
a intranquilidade interior de um homem240
.
Neste jogo de antônimos241
que percebemos com maior clareza o valor conceitual do
[v'r' e seus processos dialéticos. Para Luiz Alonso Schökel, esta correlação exposta nos
textos bíblicos entre [v'r' e qyDIc; tendem a influenciar o sentido do termo em pelo
menos 3 eixos: a) Pelo eixo forense onde a oposição acontece entre culpado x inocente;
b) No eixo jurídico onde ocorre injusto x justo e c) No eixo ético onde figura a oposição
malvado x honrado.242
C. Van Leeuwen, observa que “embora o [v'r' não tem em si mesmo significado
jurídico” 243
, está presente em contextos e narrativas onde a má conduta de um indivíduo
é julgada em tribunal. A distinção entre o profano e o religioso para o significado do
[v'r' é também, na visão do autor, algo que não se pode medir com precisão. Numa
Oséias. 12.9; Is. 40.26 e Jó. 18.7. O texto hebraico costuma distinguir !Aa para aspectos positivos e !w<a"ß para aspectos negativos. aj'x' / errar, falhar; no sentido ético religioso, pecar, pecador, ofensa, cometer
delito. Presente em variados textos como Ex. 34.7; Sl. 40.7; Am. 9.8; Sl. 1.1, e outros. Cf. KIRST, Nelson
et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. Petrópolis/ RJ: Sinodal/Vozes, 2009. p. 5 e
66; SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 33-35 e 211-212.
238 [[r: qal: pf. [r;, [r'(, h['(r'w>, W[r'; impf. [r;yE, [r;Y:)w:, W[r.y:) / Para o significado I: mau, molesto,
prejudicial, feio, desagradável. Cf. KIRST, Nelson et al. p.231 e HOLLADAY, William L. Léxico
Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010. p. 486-387. 239
!A[' / Iniquidade, culpa, crime, ofensa. Pr. 5.22; Ez. 14.3-7; Dt. 19.15. Denota traços do caráter e das
ações humanas, bem como as consequências de tais ações. Cf. HARRIS, R. Laird. Org. Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento (DITAT). Tradução Márcio Loureiro Redondo, Luiz
Alberto T. Sayão, Carlos Oswaldo C. Pinto. São Paulo. Vida Nova, 1998. p.1086-1088. 240
LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus, p.1023. 241
Termo emprestado de Claude Levi-Strauss. Cf. LEVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural.
Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. Cosac Naify Editora, São Paulo. 2008. 242
SCHÖKEL, Luiz Alonso, Dicionário bíblico hebraico-português, p 633-634. 243
LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus, p.1027.
106
sociedade de caráter pansacral, onde as prescrições do direito divino dominam o
cotidiano, toda a conduta contrária à comunidade é também contrária a Deus.
No entanto, há várias passagens bíblicas onde se coloca ênfase no significado religioso
que trata o [v'r' dentro de um conjunto de comportamentos sociais que afetam a
comunidade religiosa. Em nossa pesquisa, caminharemos na abordagem das
perspectivas forense e religiosa, dando prioridade à compreensão das divergências
promovidas pelo sentido ético-religioso do termo.
3.1.1. Conceito de [vr na perspectiva forense
Para Helmer Ringgren244
, do significado forense é que vem a expressão mais clara do
verbo. A maioria das ocorrências no Pentateuco exibe o significado forense, pois era
nos antigos tribunais que se reforçavam a ideia de que em uma disputa legal, deve-se
absolver o inocente qyDIc; e condenar oo [v'r' culpado (Dt 25.1).
Expressões semelhantes ocorrem no livro de Jó. A declaração de que Deus não o terá
por inocente hQ'n", o apavora, pois sabe que será condenado [v'_r> (Jó 9.28-29). Embora
Jó permaneça culpado como acusado, ele suplica a Deus, “ynI[E+yvir>T;-la ; - não me
condenes” (10.2). Elifaz diz que são as próprias palavras de Jó que o condenam, “^ypiä
^å[]yvi(r>y : - a sua própria boca te condena” (15.6). Eliú acusa Jó de condenar aquele que é
absolutamente justo “`[:yvi(r>T; ryBiäK; qyDIÞc;-~aiw>” (qyDIÞc; i.e. Deus, cf 34,17); quem o pode
condenar quando Ele se cala? [:viªr>y: ymiîW Ÿjqi’v.y : (34.29). Em seu discurso de
encerramento Javé declara: “Acaso, anularás tu, de fato, o meu juízo yji_P'v.mi? Ou me
condenarás ynI[eªyvir>T;÷, para te justificares `qD"(c.Ti?” (Jó 40.8).
Em Salmos 94.21, o orante é claramente preocupado com aqueles que condenam [v'r' o
inocentes yqIån" e o justo qyDIÞc;. Prov. 12.2 contrasta a maneira como Deus se mostra a
244
RINGGREN, H. Theological Dictionary of the Old Testament. Edited by G. Johannes Botterweck,
Helmer Ringgren and Heinz-Josef Fabry. Volume XIV. Grand Rapids, Michigan, Cambridge: Willian B.
Eerdmans Publishing Company. 2004, p.5.
107
favor (!Acr"â ) para com a pessoa boa, enquanto condena ([v'r' ) o que tem maus
desígnios. A afirmação em Sl 37.33 é puramente forense, ou seja, Deus não permitirá
que o justo seja condenado WN[,ªyvir>y:÷ nem julgado jp;v'.
Estes textos refletem o nexo entre maldade, culpa e castigo que ficou evidenciado como
sequência de uma lei automática na vida humana, pois a esfera de ação do [v'r' produz
consequentemente a maldição de Javé.
Por suas ações perversas, torna-se necessário exterminar da terra a culpa do [v'r' para
compensar seus danos, seja por vingança de sangue ou pena de morte, para que a
comunidade possa voltar a viver,( Nm 35. 31; 2Sm 4,11).245
A ruptura das relações sociais, faz do malfeitor, uma ameaça constante de desintegração
do bem estar social. Em Deuteronômio 25.1, a intenção é prevenir este tipo de ação e
por isso os juízes devem decidir quem é o culpado, [v'r.' Diferente dos cânticos de
lamentação com suas condenações e maldições de indivíduos, ocorre aqui uma espécie
de “ideologia do extermínio de todo o mal”246
, onde desejos de morte se voltam contra
grupos inteiros de malfeitores.
Além dos textos deuteronômicos, esta fórmula de extermínio, adquire força desenfreada
nos Salmos de instrução, só no Salmo 37, o verbo tr;K' ser cortado, abatido,
exterminado, aparece cinco vezes (Sl. 37. 9. 22. 28. 34. 38)247
. A compreensão dos
oponentes como grupo irreconciliável diante dos justos, permite concluir que esta
fórmula de extermínio, era na verdade, um mecanismo de separação, que determinava
se o indivíduo era seguidor ou não de Javé.248
Nesta mesma linha de responsabilidade coletiva, Abraão pergunta a Deus se a presença
do justo poderia, ao contrário, produzir uma função protetora para toda a cidade de
Sodoma (Gn 18.16-33).
245
LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus, p. 1024. 246
GERSTENBERGER, Israel no tempo dos persas, p. 243 247
LISOWSKY, Gerhard. KHAT, p. 702 248
GERSTENBERGER, Israel no tempo dos persas, p. 241-244
108
Ezequiel é o primeiro a rechaçar a ideia de que a consequência das próprias ações
poderia repercutir em gerações futuras (Ez. 18.20), “a justiça do justo cairá sobre ele, e
a perversidade do culpado cairá sobre ele.” Cada pessoa deve responder a Javé sobre
si, se é [v'r' ou qyDIc;, declarando-se a favor da morte ou da vida, abrindo espaço para a
possibilidade de conversão do [v'r' (Ez. 3.18).
Para Riggren, a maioria dos textos do Antigo Testamento se referem ao [v'r'
principalmente como “aquele que deve ser declarado culpado em um tribunal”249
. No
entanto, os textos em prosa, como por exemplo, Salmos e Provérbios, apresentam um
significado extenso e simultaneamente mais profundo.
O número de ocorrências nos Salmos e na literatura sapiencial é também muito maior
do que em textos narrativos e o [v'r' ganha conotação ético-religiosa, sendo mais
propriamente traduzido como malfeitor, ímpio, pessoa sem Deus.
3.1.2. Conceito de [vr na perspectiva ético-religiosa
Não se pode falar propriamente, em uma separação entre o significado profano e
religioso do conceito de [v'r' no Antigo Testamento, pois a vida comum e religiosa
estão intrinsecamente ligadas. Em uma sociedade com variadas expressões de sua
sacralidade, onde as prescrições do direito divino dominavam a vida, toda a conduta
contrária à comunidade, era, ao mesmo tempo, contrária a Deus.
No entanto, a ênfase ético-religiosa ocupa grande parte dos textos bíblicos, quando se
refere ao comportamento dos ~y[iv'r>â'. Eles são como abominação para Javé (Prov. 15.8)
e por isso Javé está longe deles (Prov. 15.29). O [v'r' é acusado de não temer a Javé
(Ecl. 8.13). Na literatura sapiencial e especialmente nos Salmos caracterizados como de
Lamentação250
, os conceito paralelos251
como !w<a") yle[]Poï÷ª, os que praticam a maldade (Sl.
249
RINGGREN, H. Theological Dictionary of the Old Testament, p.3 250
A lista de Salmos de Lamentação varia entre alguns autores que trabalham o saltério. Marc Girard, por
exemplo, classifica 89 composições do saltério como sendo poemas de lamentação, os quais o autor
prefere chamar de “Salmos de libertação”. Erhard Gerstenberger classifica como lamentação, 58 Salmos,
divididos entre salmos de lamentação individual e coletiva. Para este trabalho usamos a classificação
109
5.6; 14.4; 55.4 e outros); anEf' os que odeiam Javé (Jó. 8.22; 2 Cr. 19.2); e os que
odeiam Sião (Sl.129.5); os que Ad)b'[] al{ï não servem a Javé (Mal. 3.18), ou os conceitos
opostos como ‘wyd"ysix] piedoso (ISm 2.9); para salvar teu povo ^M,ê[; [v;yEål. (Hab. 3.13); a
todos que o amam wyb'_h]ao-lK'-ta, (Sl. 145.20); o que confia x;jeîABh;w> em Javé (Sl 32.10),
mostram claramente um sentido religioso que coloca o [v'r' no centro das inquietações
teológicas sobre a miséria experimentada nas adversidades da comunidade de Javé.
As fórmulas litúrgicas de confissão usadas por Israel em determinados casos, temos
pecado; temos faltado; temos sido malfeitores (1 Re 8.47; 2 Cr 6.37; Dn. 9.15), revelam
a conotação penitencial, onde o emprego do [v'r' equivale à descrição de falhas ou erros
com fórmulas cunhadas nas liturgias, confessando sua culpa, como é o caso de Jr 14.20:
“Conhecemos Javé a nossa maldade ([v'r'))) e a culpa (!wO[') de nossos pais...
a) Transformações estruturais
O período persa, proporcionou o surgimento de novos e importantes temas para a
constituição fé judaica nas comunidades pós-exílica. A piedade vivida e refletida está
assentada nas estruturas sociais e no padrão comportamental da existência cotidiana e
dos rituais religiosos.
Os Salmos, que em tempos posteriores desenvolveram-se em situações vivenciais bem
diversas como contextos familiares, comunidades, organização tribal e nacional,
ganharam no pós-exílio finalidades próprias. Os diversos gêneros foram preparados de
acordo com as necessidades cultuais e comunicativas dentro da comunidade, na
tentativa de dar sentido às vigentes transformações.
A perda da antiga fé familiar, provocou mudanças na estrutura social e na
espiritualidade das comunidades, que concentraram as expressões religiosas na ligação
desenvolvida por Gerstenberger. Cf. GIRARD, Marc. Como ler o livro dos Salmos: Espelho da vida do
povo. São Paulo: Edições Paulinas, 1992, p.22; GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms Part. 1 . With na
introduction to cultic poetry. Volume XIV e GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms Part 2.
Lamentations. Volume XV. In: KNIERIM, Rolf and TUCKER, Gene M., editors. The Forms of the Old
Testament Literature. Grand Rapids, Michigan: Wiliam B. Eerdmans Publishing Company. 1988. 251
Os conceitos paralelos e opostos do [v'r' serão tratados com maiores detalhes adiante.
110
individual com Deus. “O sujeito da fé não é mais a família, mas o confessor individual
de Javé, no seio da comunidade”.252
Nestas circunstâncias, a transitoriedade torna-se uma séria dificuldade para o sujeito da
fé que está relativamente só. Gerstenberger ressalta:
“O tom de lamento é inegável. Não se trata porém, de um perigo atual,
concreto, de doença, difamação ou algo semelhante, mas da
transitoriedade, do passageiro na existência humana e do tempo de Deus
que perdura muito.”253
O antigo grupo familiar não é mais a unidade básica da religião a qual todos pertenciam
de forma natural. Todos que aderissem a Javé, deveriam decidir pelo Deus da nova
comunidade religiosa com responsabilidade pessoal de suas ações. A comunidade
assume em parte, a proteção de que o indivíduo precisa, mas é o comportamento de
cada um perante Javé e perante o próximo que é decisivo para saber se uma pessoa
pertence ao grupo dos justos ~yqIåyDIc; ou dos que se comportam com rebeldia perante
Javé, ou seja, os malfeitores ~y[iv'r>. No projeto desenvolvido para esta nova sociedade,
a presença do [v'r' , que já não é bem-vinda, torna-se ainda mais, sinal de degradação
moral e de transtornos sociais.
Na esteira destas transformações estruturais, a comunidade pós-exílica experimentou
um exigente desafio ético religioso que sobrepôs até mesmo as camadas sociais mais
elevadas. O livro de Jó é um destes exemplos, onde se representa a crença de que as
vítimas de grandes catástrofes são necessariamente um [v'r' (Jo 11.20; 15.20; 18.5;
20.5). Fortemente ligado ao destino do fiel, está a pergunta sobre as forças que causam o
sofrimento e a morte. No mundo onde ainda não havia o conhecimento científico para
as causas das doenças, as necessidades básicas para a vida eram consequências de
poderes sobrenaturais e demoníacos produzidos pelos inimigos.
252
GERSTENBERGER, Erhard S. Israel no tempo dos Persas, p. 239; Cf. ALBERTZ, Rainer. Historia
de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2. Desde el exílio hasta la época de los
macabeos. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 686-688. 253
GERSTENBERGER, Erhard S. Israel no tempo dos Persas: Séculos V e IV antes de Cristo. São
Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 238
111
Os Salmos de Lamentação desenvolvem este modelo em que a descrição do inimigo era
correspondente à situação concreta da necessidade do indivíduo queixoso. Ou seja, o
sofrimento ou as condições de vida do orante eram apresentadas ao “especialista”254
,
este, por sua vez, diagnosticava as causas individuais e preparava orações para as
doenças correspondentes em um culto de súplicas.255
A solução teológica para explicar estes males recorrentes é a cólera divina. Numa
sociedade com constante falta de segurança e estabilidade, as adversidades são
facilmente entendidas como a reação de Deus aos pecados ou comportamentos falhos. A
miséria torna-se imanente ao sistema. As ameaças de morte e as condições de salvação
são necessidades universalizadas.
3.2. Processos dialéticos. Conceitos paralelos e opostos do
[vr nos Salmos de lamentação
A contraposição e a contradição de ideias, levam à construção de novos conceitos256
.
Este modo de explicar a realidade através de oposições conceituais, também conhecido
como dialética, é tema central nos bastidores da filosofia antiga, onde a linguagem
refere-se à natureza das coisas. No entanto, um mundo em constante transformações,
não nos permite estabelecer uma identidade conceitual absoluta, teremos apenas
opiniões aproximadas de determinado contexto ou palavra.
3.2.1. O sentido semiótico
Neste sentido, a definição de um conceito precisa ir além dos dicionários. Esta é a base
teórica de Iuri M. Lotman257
, que defende o desenvolvimento da semiótica como
extensão de métodos linguísticos, buscando encontrar o sentido de textos e palavras, a
partir das relações que estas, assumem com suas fronteiras. Para Lotman a “fronteira é
254
GERSTENBERGER, Erhard S. Caminhos, Goiânia, v. 8, n. 1, p. 11-28, jan./jun. 2010. p.14-15 255
KRAUS, Hans-Joachim. Teologia de los Salmos. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1985, p.179-182 256
FOULQUIÉ. Paul. A dialética. Lisboa: Europa-América. 1966, p. 128. 257
LOTMAN, Iuri M. La Semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Selección y traducción del
ruso por Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, S. A. 1996.
112
um dos aspectos do caráter semioticamente delimitado”258
, funcionando como filtros
bilíngues, onde os espaços internos e externos de uma cultura se comunicam, fazendo
com que um texto possa se traduzir em outra linguagem .
O intercâmbio que se realiza de forma semântica entre textos e palavras259
, nos permite
expressar de forma adequada, a melhor aproximação do sentido da palavra no texto.
Percebemos, portanto, que o valor conceitual mais importante do [v'r' está justamente
nas palavras que compõem seu campo semântico, principalmente aquelas que se opõem
ao termo. Este modo de encontrar o melhor significado das palavras, por oposição à sua
forma, está na base da estrutura sociocultural. O proeminente praticante do
estruturalismo, Claude Levi-Strauss ressalva que é no processo dialético entre tese,
antítese e síntese que se constrói uma cultura260
.
O desenvolvimento sociocultural do povo bíblico não é diferente. O texto hebraico se
desenvolve tomando forma, a partir de determinados contextos onde o uso e a aplicação
das palavras vão se moldando a conceitos estipulados pela situação social.
Por este motivo, destacamos que diante da raiz positiva do qyDIc é que o [v'r' toma sua
forma e significado mais importante, quando pretende-se retratar o comportamento
antissocial e pejorativo de um indivíduo ou um grupo de pessoas.
3.2.2. O sentido histórico
Outra importante ferramenta para análise dos conceitos em torno do [v'r' é a história. A
partir da investigação histórica, percebe-se no conjunto de processos e eventos,
ocorridos no Antigo Oriente Médio, o desenvolvimento marcante da religiosidade, da
cultura e da sociedade. A história da religião de Israel no período pós-exílio,
258
LOTMAN, Iuri M. La Semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Selección y traducción del
ruso por Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, S. A. 1996, p. 11 259
Idem, p.84-85 260
LEVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido: Mitológicas I . São Paulo: Cosac Naify, 2004 p. 19-42
113
principalmente em sua primeira etapa, em torno dos anos 538 – 400 a.C., foi o período
mais criativo de toda a religião Israelita261
.
Foi na vivacidade desta reflexão religiosa que se manifestou no período pós-exílio, o
desenvolvimento de variadas corrente teológicas, proporcionada pelo encontro das mais
diversas tradições como: deuteronômica, sacerdotal, cronista, sapiencial, profética e
hínica.262
Neste panorama variado, impulsionado por constantes transformações sociais, o [v'r'
torna-se o conceito determinante na tipificação de grupos sociais. Com os conflitos
advindos da crise que se produziu durante o período persa, a divisão social e religiosa da
comunidade foi inevitável, gerando a distinção entre piedosos e malfeitores.
Aqui a distinção está na prática da solidariedade social como elemento religioso de
profissão de fé. A autêntica pertença a Javé, estava diretamente ligada ao
comportamento social, neste sentido, a situação social do justo, poderia ser definida,
tanto pelo rico, como pelo pobre. A imagem do rico piedoso, torna-se contra imagem do
malfeitor, refletindo um ideal do estrato solidário da classe alta.
Em contrapartida, o malfeitor, tem em sua imagem, os traços típicos da hostilidade,
inimizade, arrogância e riqueza. Seu comportamento é profundamente antissocial, pelo
que, maltrata os mais frágeis, anula sua existência e rouba seus bens (Sl. 37. 12. 14. 32;
94.5).
A análise que fazemos do [v'r' como representação da maldade, se realiza à partir do
estudo do contexto social dos salmos de lamentação, principalmente aqueles que se
tornaram mais frequentes no período pós-exílio, característicos de uma possível
editoração sapiencial263
. Destacaremos aqui, o conjunto destes salmos, concatenados
com o salmo 55, onde os conceitos paralelos e opostos ao [v'r' se repetem (p. ex.: Sl 3-
261
Cf. ALBERTZ, Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2, p. 568. 262
Idem, p. 569 263
DUNN, Steven. Winsdom Editing in the book of Psalms: Vocabulary, Themes and Structures.
Wisconsin, 2009. 343f. Tese (Department of Theology, Faculty of the graduate School – Marquette
University, Wisconsin, 2009, p. 50-66. Gerstenberger também propõe um gráfico sobre a construção do
Saltério durante a história religiosa Israelita destacando o processo de editoração dos Salmos. Cf.
GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms. Part 1, p.29.
114
7; 9; 10-14; 17; 22; 25-28; 31; 35; 36; 38; 40-44; 51; 54; 55-57; 59-61; 64; 69; 70; 71;
74; 79; 80; 83; 85; 86; 88; 89; 94; 102; 108; 109; 120; 123; 130; 137; 140-143)264
.
3.2.3. Conceitos paralelos
Partindo dos conceitos paralelos do [v'r', usados no Salmo 55, buscamos a referência de
tais palavras repetidas com maior frequência no conjunto de Salmos de lamentação.
Catalogamos as seguintes expressões: a) byE¿AÀao inimigo, aparece 14 vezes (Sl. 7.6;
31.9; 42.10; 43.2; 44.17; 55.4, 13; 61.4; 64.2; 74.3, 10, 18; 89.23; 143.3); b) !w<a'
maldade, 18 vezes (Sl. 5.6; 6.9; 7.15; 14.4; 28.3; 36.4, 5, 13; 41.7; 55.4; 56.8; 59.3, 6;
64.3; 94.4, 16; 141.4, 9); c) @a; ira, 18 vezes (Sl. 7.7; 10.4; 27.9; 44.10; 55.4; 56.8;
69.25; 74.1, 16; 85.4, 6; 86.15; 89.6, 12, 22, 28, 44; 108.2); d) lyx estremece, 6 vezes
(Sl. 10.5, 10; 51.7; 55.5; 59.12; 60.14); e) tw<m'ֻ morte, 6 vezes (Sl. 7.14; 9.14; 22.16;
55.5, 16; 89.49); f) ~D' sangue, sanguinário, 9 vezes (Sl. 5.7; 9.13; 26.9; 51.16; 55.24;
59.3; 79.3, 10; 94.21); g) br,q, hostil, 11 vezes ( Sl. 5.10; 27.2; 36.2; 51.12; 55.5, 11,
12, 16, 19, 22; 64.7); h) sm'x' violência, 7 vezes (Sl. 11.5; 25.19; 27.12; 35.11; 55.10;
74.20; 140.12); i) hm'r>mi engano, 10 vezes (Sl.5.7; 10.7; 17.1; 35.20; 36.4; 38.13; 43.1;
55.12, 24; 109.2); j) @rx escarnecer, 11 vezes (Sl. 42.11; 44.17; 55.13; 57.4; 69.10;
74.10, 17, 18; 79.12; 89.522; 102.9); k) anEf' odiar, 19 vezes (Sl. 5.6; 9.14; 11.5; 25.19;
26.5; 31.7; 35.19; 36.3; 38.20; 41.8; 44.8, 11; 55.13; 69.5, 15; 83.3; 86.17; 89.24;
120.6); l) h['r' perversidade, 13 vezes (Sl. 28.3, 9; 35.4, 12, 26; 38.13, 21; 40.13, 15;
41.2, 8; 55.16; 70.3; 71.13, 20, 24; 80.2, 14; 88.4; 94.23; 109.5; 140.3, 141.5); m) lm'['
fadiga, 8 vezes (Sl. 7.15, 17; 10.7, 14; 25.18; 55.11; 94.20; 140.10); n) llx profanar,
9 vezes (Sl. 55.21; 69.27; 74.7; 88.6; 89.11, 32, 35, 40; 109.22); o) ql;h' falsidade, 10
vezes (Sl. 5.10; 12.3, 4; 17.14; 22.19; 36.3; 55.22; 60.8; 108.8; 142.6); p) jwm vacilar,
10 vezes (Sl. 10.6; 13.5; 17.5; 38.17; 55.4, 23; 60.4; 94.18; 140.112); q) tx;v ; cova, 7
264
Cf. LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz Zum Hebräischem Alten Testament. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1981. 1672p.
115
vezes (Sl. 7. 16; 9.16; 35.7; 55.24; 57.1; 59.1; 94.13); r) lAav . xeol, 10 vezes (Sl. 6.6;
9.18; 31.18; 55.16; 57.1; 59.1; 86.13; 88.4; 89.49; 141.7).
Todas estas palavras reforçam os traços da esfera de ação do malfeitor. O caráter
ameaçador dos ~y[iv'r>, se expressam nas suas distintas representações, como por
exemplo: os inimigos do povo e do rei, caracterizados como ybiy>ao; os que praticam a
maldade, os poderosos que gr;h' mata o pobre, o órfão e a viúva (Sl. 94.6) e até antigos
amigos que ~jf hostilizam (Sl 55.4; 109.2); que pronunciam palavras perniciosas (Sl
10.7; 17.9; 140.9). Com suas maldições, cavam túmulos e estendem armadilhas (Sl.
7.16; 9.16; 10.9; 140.6; 141.9), expressões que são frequentes na Babilônia para
designar as maldições e as artes mágicas que provocam doenças e toda a sorte de
males.265
Deste modo, fica claro nos textos bíblicos que a esfera de ação do [v'r 'ganhou maior
sentido nas ocorrências caracterizadas pela queixa de lamentação executada de forma
litúrgica nas expressões da religiosidade comunitária.
Decididamente, a esfera de ação do [v'r', provoca a reação de Javé¨. (a tr:äaem. maldição
de Javé habita na casa do malfeitor Prov. 3.33).
3.2.4. Conceitos opostos
Como conceitos opostos ao [v'r', aparecem nos textos bíblicos: qyDIc; justo, fiel à
comunidade , que é o principal deles, com mais de 80 ocorrências, sendo que metade
delas se encontram em provérbios266
; o que semeia retidão rv,yO (Prov. 11.24); o que
busca a retidão rv'y" (Prov. 15.9, Sl. 37.37); ~ymiT' íntegro (Prov. 11.5; Jó 9.22); lk;f'
sábio, prudente (Dn.12.10); lD; fraco, (Is. 11.4); ynI[' humilde, pobre (Jó 36.6); wn"[ '
oprimido (Sl 147.6); rGE forasteiros, ~Aty " órfãos e hn "m'l .a ; viúvas (Sl. 146.9). Todos
265
Cf. PEDERSEN, Johannes. Israel: Its Life and culture. Volume II. University of South Florida studies
in history of Judaism, nº 29. Atlanta, Georgia: Scholars Press, 1991, p. 448-449. 266
LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus, p. 1024
116
estes casos são caracterizados como aliados do justo, já que são as principais vítimas
das ações do [v'r'.
No Salmo 55, as palavras que se opõem ao sentido do [v'r', estão ligadas diretamente ao
qyDIc;, justo. Além do qyDIc;, não estão presente no texto as palavras citadas acima e nem
as expressões tradicionalmente conhecidas como: ds,x,, solidariedade, bondade,
fidelidade; bh;a', aqueles que amam; ynI[',, oprimido, !Ayb.a,, pobre, e outras. No
entanto, os textos paralelos às ações do [v'r', surgem como metáforas, que dão foco à
maldade praticada por ele.
A valorização da situação do justo e de sua fé se expressam nas palavras: a) dAs,
aconselhamento, conversa confidencial, 5 vezes (Sl. 25.14; 55.15; 64.3; 83.4; 89.8); b)
af'n", suportar, perdoar, 19 vezes (Sl. 4.7; 7.7; 10.12; 25.1, 18; 28.2, 9; 55.13; 69.8;
83.3; 85.3; 86.4; 88.16; 89.10, 51; 94.2; 102.11; 123.1; 143.8); c) ar'q', clamar, chamar,
28 vezes (Sl. 3.5; 4. 2, 4; 14.4; 17.6; 22.3; 27.7; 28.1; 31.18; 35.3; 42.8; 55.17; 56.10;
57.3; 59.5; 61.3; 69.4; 79.6; 80.19; 86.3, 5, 7; 88.10; 89.27; 102.3; 120.1; 130.1;
141.12); d) hd"ÛP'«, resgate, 8 vezes (Sl. 25.22; 26.11; 31.6; 44.27; 55.19; 69.19, 71.23,
130.8); e) ~Alv', paz, 13 vezes (Sl. 4.9; 28.3; 35.20,27; 38.4; 41.10; 55.19, 21; 69.23;
85.9, 11; 120.6, 7); f) %lv, lançar, jogar fora, 7 vezes (Sl. 22.11; 51.13; 55.23; 60.10;
71.9; 102.11; 108.10); g) xj;B', confiar, 22 vezes (Sl. 4.6, 9; 9.11; 13.6; 22.52, 6, 10;
25.2; 26.1; 27.3; 28.7; 31.7, 15; 40.4; 41.10; 44.7; 55.24; 56.4, 5, 12; 86.2; 143.8)267
.
Em síntese, estes paralelos trazem luz para a ampla compreensão da noção de justiça e
salvação, expressas em Javé, que realiza sua ação em favor do justo. Estes dados servem
como contexto que permite entender as ressonâncias dos Salmos em um leitor que
conhece as correspondentes tradições teológicas de seu tempo.
Neste sentido, a chave argumentativa usada pelo salmista, reforça o arquétipo de um
personagem que sofre, porém, continua firme em sua fé, mantendo sua condição de
267
Cf. LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz Zum Hebräischem Alten Testament. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1981.
117
qyDIc;, justo. A oposição que este justo representa ao malfeitor, localiza-se na linguagem
típica dos Salmos e da literatura sapiencial.
3.3. O [v'r' no contexto social e religioso da comunidade no
período pós-exílio.
O sonho de uma nova comunidade judaica, fundada com tantas esperanças, desembocou
em uma profunda crise que marcou longo tempo na história social e religiosa do pós-
exílio, pois os mesmos mecanismos econômicos que nos últimos tempos da monarquia
haviam conduzido ao total empobrecimento do estrato social mais frágil continuavam a
existir.
Em troca de soluções mais fáceis em seu próprio benefício, muitos membros da classe
social mais elevada, mantiveram sua leal colaboração com os persas mantendo a
superprodução de excedentes à custa da espoliação dos mais pobres. A disputa entre a
classe alta e os campesinos, resultava sempre em prejuízos para aqueles mais
empobrecidos.
Ao considerarmos o contexto social que se desenvolve na segunda metade do pós-
exílio, percebemos o surgimento, em maior escala do [v'r' como descrição injuriosa de
um determinado grupo social. A identificação do malfeitor com a camada antissocial da
classe alta, que emerge tirando proveitos da crise de seu tempo, se torna caracterização
genérica para descrever o distanciamento de uma pessoa de suas virtudes éticas, morais
e religiosas.
118
3.3.1 O Impulso social
Rainer Albertz traz em sua obra268
, as bases para a compreensão da história da religião
no período pós-exílio, onde mostra com grande definição, a divisão social e religiosa
desenvolvida em Israel a partir da crise social estabelecida no V e IV séculos a.C.
Diante das pressões econômicas de uma fragilizada condição social e política, a
perspectiva de uma legislação social que se movia na direção deuteronômica da ética da
fraternidade, alimentada pelo ideal do Javismo primitivo, foi sufocada pela divisão entre
ricos e pobres que se havia instalado desde os tempos da monarquia.
Traços da religiosidade javista que influenciava parte da classe social mais elevada,
produziu um significativo impulso social que dividia a classe alta do judaísmo em dois
campos: de um lado havia os que exploravam os pobres sem nenhuma piedade ou
preocupação com seus irmãos, em prol de benefícios próprios e por outro lado aqueles
que defendiam a solidariedade com seus irmãos mais pobres, e se esforçavam por
manter-se fieis e piedosos, mesmo que lhes custassem importantes sacrifícios
econômicos.
A regulação de normativas religiosas que valorizavam a piedade provocou a agudização
do conflito que se agravou no pós-exílio quando estas normas se tornaram definitivas na
religião judaica. A conduta insolidária passou a ser estigmatizada, fundamentada na
figura negativa do [v'r'.
Albertz declara:
“Isso quer dizer que elevaram a solidariedade social à categoria
religiosa de profissão de fé, com a qual, em comparação com os
enormes desafios da crise, deveria decidir a verdadeira pertença a
Javé.”269
268
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2, p.
567-709 269
Tradução de: “Eso quiere decir que elevan la solidaridad social a categoría religiosa de profesión de
fe, con la que, frente a los enormes retos de la crisis, debería decidirse la auténtica pertenencia a
Yahvé.”Cf. ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol.
2, p. 670
119
Para o autor a relação com Deus e com a comunidade de Israel estava diretamente
associada à conduta social do indivíduo. Com caracterizações de deliberado corte
partidarista, a situação do justo qyDIc; e do homem religioso DyIsx'270 se tornaram menos
clara, diante da frente comum que se formava contra os malfeitores. Esta era, uma
confrontação teológica entre o setor solidário da aristocracia, juntamente com os
agrupamentos da classe baixa contra a classe alta opressora.
Portanto, a maldade do [v'r' consiste, antes de tudo, em um comportamento antissocial,
validado por questões teológicas. Albertz ressalta que as ações do setor aristocrático
que explorava os mais pobres, estava em acordo com o formalismo jurídico e, portanto,
não tinha nenhuma necessidade de se defender ou de justificar suas ações, já que
estavam em posse de seus direitos.
As ações empreendidas pelos membros impiedosos da classe alta eram, até certo ponto,
atrativas, pois gozavam de bons empreendimentos em seus negócios, melhorando
sempre a sua posição social.
“Por isso, a luta dos aristocratas que mantinham firmemente as suas
obrigações de solidariedade impostas pela religião Javista, teve que se
desenvolver em duas direções: em primeiro lugar, para fora, contra uma
postura tão sedutora como a dos malvados; e em segundo lugar, para
dentro, para proteger os membros de seu próprio partido”271
O caminho encontrado para combater esta sedutora facilidade que acompanhavam as
ações dos malfeitores, foi a prática educativa e propagandista, empreendida pelos
aristocratas piedosos, membros de uma elite letrada. Celebrações litúrgicas, textos
poéticos, dramatizações, Salmos didáticos, eram todos, recursos utilizados para o
fortalecimento da campanha contra seus adversários.
270
RINGGREN, H., hasid, Em: Theological Dictionary of the Old Testament, Volume V, Grand Rapids:
William B. Eerdmans Publishing Company, 1986, p. 75-79) 271
Tradução de: Por eso, la lucha de los aristocratas que mantenían firmemente las obligaciones de
solidaridad impuestas por la religión yahvista tuvo que desarrollarse em dos direcciones: em primer
lugar, hacia afuera, contra uma postura tan sedutora como la de los ‘malvados’; y em segundo lugar,
hacia adentro, para proteger a los miembros de su próprio partido. Cf. ALBERTZ, Rainer. Historia de
la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2, p. 672.
120
A força do dramatismo poético encontrado em muitos Salmos eram estratégias usadas
pelos escribas que compunham Salmos didáticos para interpelar seus adversários. Sobre
a atividade dos escribas, Karel Van der Toorn272
, faz importantes observações quanto às
influências da cultura escribal, oriundos de uma elite letrada. Os enfrentamentos contra
a postura dos malfeitores aconteciam, portanto, muito mais pela força de uma elite
piedosa do que por um clamor dos pobres.
Em seu capítulo In search of the scribes, I 273
Toorn comprova que qualquer produção
literária, por mais precária que pareça, só poderia ser fruto da atividade profissional de
escribas, que por sua vez, eram sociologicamente influenciados pelas culturas
mesopotâmicas e pelo Egito, proporcionando uma visão cosmopolita que entendia
muito bem a conjuntura política e social de seu tempo.
Os recursos usados pelos escribas tinham o teor educativo. Suas ações se
desenvolveram em amplo aspecto, empregando até mesmo nas escolas, coleções de
sentenças com uma série de aforismos sobre malfeitores e fiéis com as quais as crianças
da classe alta aprendiam a ler.
3.3.2 Novas concepções teológicas
Quanto ao desenvolvimento deste conflito, tendo como ponto de partida na crise social
do século V a.C, Erhard S. Gerstenberger274
nos traz importantes contribuições.
Segundo o autor, o período da dominação persa (539-331) deu nova forma ao antigo
Israel, fornecendo em sua política, cultura e religião, o cenário para a nascente
comunidade judaica.
A partir do retorno dos exilados em 540, as condições de vida foram transformadas
positivamente, produzindo modificações, principalmente com respeito à religião. Com
esta “liberdade religiosa” foi possível reorganizar em Jerusalém as atividades do templo
272
TOORN, Karel Van Der. The Image and the book: Iconic Cults, Aniconism, and the Rise of Book
Religion in Israel and the Ancient Near East. Leuven: Peeters, 1997 273
“Em busca dos escribas, I” TOORN, Karel Van Der, The Image and the book, p 51-74 274
GERSTENBERGER, Erhard S. Israel no tempo dos persas: Séculos V e IV antes de Cristo. Tradução
de Cesar Ribas Cezar. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p.15-17
121
e a refundação de uma comunidade de Javé, dando impulso para formação de novas
concepções teológicas adequadas ao contexto em que viviam.
A orientação do javismo oficial fazia do culto no templo, um núcleo da relação com
Deus. A ideia de um povo eleito, gerado pela concepção sacerdotal, produziu um
autêntico bálsamo na existência das minorias judaicas, diante do pluralismo cultural e
religioso do Império Persa. A partir de então, com a permissão persa, a reorganização
social e religiosa se movia na linha deuteronomista de uma “ética da fraternidade”
produzindo apelos cada vez mais frequentes para a necessidade de uma reforma
econômica e social da comunidade, a fim de superar a divisão entre ricos e pobres que
havia se instalado desde os tempos da monarquia.
Mark S. Smith275
defende que os desafios para Israel durante o período persa
influenciaram significativamente a definição exata e identidade da divindade. Este fato
provocou enormes consequências para a ordem social. Javé se impunha como Deus
único e isto se tornou altamente significativo pois o impulso social era considerado
inerente à religião javista.
Para Gerstenberger o fruto teológico do nascimento desta espiritualidade em torno da
comunidade de Javé foi importante instrumento no desenvolvimento da nova
comunidade confessional, fundada na formação da identidade judaica. Uma
transmutação fez com que Javé se tornasse o nome divino mais conhecido enquanto
divindade oficial do Estado de Judá e da casa real de Davi.
Percebemos assim, que no contexto do pós-exílio, as significativas mudanças
econômicas, religiosas e sociais, proporcionaram cenários propícios para o
desenvolvimento de conflitos que impulsionaram a transformação social276
e permitiu
novas estruturas teológicas para a comunidade judaica.
275
Cf. SMITH, Mark. S. O memorial de Deus: história, memória e a experiência do divino no Antigo
Israel. Trad. Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2006, p. 108-116 276
ARMANDO NOGUEZ. “El contexto histórico-cultural de los Salmos. Una introducción religiosa
sociocultural de los salmos”. Ribla, 45, Petrópolis: Vozes, p.23-35, 2003
122
a) A teologia dos sábios
No período pós-exílio, o retorno às imagens tradicionais dos tempos passados da aliança
com Deus, fez com que Javé novamente se tornasse uma figura de identificação divina.
Se a autêntica pertença a Javé estava ligada à solidariedade social, elevada à categoria
de profissão de fé, o malfeitor tornava-se, portanto, a figura anti-positiva em
contraposição direta com o justo.
A ampla difusão deste fenômeno não só no campo sapiencial, mas também em grande
parte dos textos bíblicos, especialmente nos escritos proféticos tardios277
, nos dão pistas
de que a figura do malfeitor apresenta muito mais do que elementos casuais promovidos
por sua riqueza. Sua maldade consiste num comportamento antissocial, onde os pobres
são maltratados e espoliados de seus bens por parte de membros da aristocracia, que por
sua vez, continuam inabaláveis em sua condição econômica, mantendo prestígio e
grande consideração na sociedade.
Os textos bíblicos exibem marcas deste conflito social com relativo acúmulo de
ocorrências do [v'r' nos Salmos e na literatura sapiencial278
, expondo em sua
textualidade poética, conflitos que acentuavam a ética da religiosidade pessoal.
O livro de Jó surge como exemplo legendário de um homem rico e piedoso, que perdeu
tudo em sua vida, mas deixa claro que a religiosidade extremamente orientada, faz
compreender que a severa crise que atingia também os membros da classe alta, tinha as
garantias da intervenção divina, após provar seu sentido religioso.
A argumentação teológica contida no livro de Jó, propõe um processo evolutivo para a
os membros da classe alta que se viam ameaçados pela crise. Deus havia estabelecido
uma nova ordem no mundo. A luta por uma autêntica religiosidade e por uma justiça
277
Como por exemplo: Mal.3.13-21; Is 56.9-57.21; 59.5-8, 13-15ª. Cf. ALBERTZ, Rainer. Historia de la
religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento: Desde el Exilio Hasta la Época de los Macabeos.
Vol. 2, . Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 671. 278
Dentre o grupo de palavras formadas a partir da raiz [vr o adjetivo [v'r' é o que aparece em maior
frequência: Salmos 82 vezes; Jó 26 vezes e Provérbios 78 vezes. Cf. LEEUWEN, C. Van. In: JENNI,
Ernst e WESTERMANN, Claus. Diccionario teologico manual Del Antiguo Testamento, Volume II.
Madrid: Edicciones Cristandad, 1985, p. 1022
123
social, encontrava o devido reconhecimento da vontade divina. Somente a verdadeira
conversão a Deus levava ao pleno conhecimento de seu amor e de sua justiça.279
3.3.3 A espiritualidade dos pobres
A segurança da salvação foi tema central para o círculos religiosos da classe baixa que
celebravam suas liturgias às margens dos cultos oficiais do templo. Reunidos em casas e
sinagogas as ações de graças e lamentações serviam como base para expressar a certeza
da salvação.280
Apesar das dificuldades enfrentadas (Sl. 35.9; 69.7; 70.5; 109.30), a salvação de um
membro da comunidade era para todo o grupo, motivo de alegria (Sl. 35.27). Este era o
sinal da segurança em Javé que se estendia a todo o grupo. Esta aproximação entre a
religiosidade pessoal e a teologia comunitária marcou o período pós-exílio e
intensificaram espiritualidade das classes sociais marginalizadas.
A liturgia era o ponto central para o desenvolvimento da lamentação, onde o anúncio
profético de salvação e condenação, tornaram-se formas específicas de segurança para
os grupos sociais de pobres e oprimidos.281
Exteriorizando a confiança na palavra e na
proteção de javé, os oráculos divinos asseguravam que mesmo diante das opressões dos
humildes e dos lamentos dos pobres282
, estes recuperariam seus direitos e toda a
violência humana chegaria a seu fim (Sl. 10.18).
Enquanto a função mais importante da teologia pessoal cultivada pelos piedosos da
classe alta, era de salvaguardar a responsabilidade ética diante da crise, a principal
tarefa da espiritualidade dos pobres consistia em devolver às vítimas da crise, sua
dignidade e esperança283
. As súplicas e desejos contras seus opressores (Sl. 9.18; 10.15;
279
Cf. ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2, p.
691- 697 280
BARROS SOUZA, Marcelo de. A oração forte do lamento e da resistência do Povo de Deus (Um
ângulo de abordagem do livro dos Salmos). Ribla, 13, Petrópolis: Vozes, p.50-61, 1993. 281
Cf. GERSTENBEGER Erhard S. “Psalm 12: Complaint of the individual; Congregational Lament”.
In: GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms. Part. 1, FOTL, p.80 - 83 282
Para este significado genérico ver: SCHWANTES, Milton. O direito dos pobres. São Leopoldo/São
Bernardo do Campo: Oikos/Editeo, 2013, p. 210 - 212 283
BARROS SOUZA, Marcelo de. Os Salmos nas lutas das comunidades cristãs. Estudos Bíblicos, 10,
Petrópolis: Vozes, p.58-60, 1986.
124
55. 10s.,70.3s.), produzidas por vinganças imaginárias, aplacavam a reprimida e
desesperada sensação de impotência que sondava os deserdados e marginalizados
daquela sociedade.
A beleza destes traços de espiritualidade está na expressão de uma obstinada vontade de
resistência de um povo que não quer e nem pode conformar-se com a privatização de
sua esperança. Como consequência, criavam-se expectativas escatológicas que
anelavam pelo grande juízo de Deus, que cairia sobre os malfeitores (Sl. 55.17, 18, 24).
Os ricos malfeitores receberiam seu merecido castigo enquanto os pobres veriam
estabelecida sua justiça (Sl. 9.20; 12.6; 14.5).
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossas considerações finais propomos dois momentos. O primeiro, com uma visão
mais sintética, do caminho percorrido até aqui e a importância de cada uma de suas
etapas. No segundo momento oferecemos uma leitura global dos resultados obtidos,
finalizando com possíveis caminhos hermenêuticos.
O Primeiro capítulo foi dedicado à introduzir e localizar nosso objeto de estudo a partir
da composição e análise literária do saltério. A fim de construir uma base sólida para o
trabalho posterior. Percebemos que os Salmos de lamentação têm presença marcante no
contexto histórico e social do período pós-exílio e a força das expressões de queixa,
maldição e súplicas articuladas pelo orante, processam um conjunto elaborado de
liturgias que alimentam as esperanças na ação libertadora de Javé.
A situação do [v'r' ganha conotações mais próximas do rico opressor284
, enquanto o
sentido de justo continua em estreita relação com o pobre e necessitado. Os conteúdos
de ordem social e religiosa285
, apontam para uma divisão bem clara e definida entre os
grupos da classe alta, proprietários de terras e a comunidade campesina.
Assim, as consequentes transformações sociais e religiosas do pós-exílio e as
experiências comuns de reconstrução social, adquiriram função decisiva para a solidez
da comunidade e seu conjunto. A valorização da temática do pobre e sofredor,
alimentaram ainda mais o desejo e busca por um Deus de justiça286
.
A partir destas bases procedemos com a análise exegética do Salmo 55. O segundo
capítulo foi dedicado para este fim. A tradução do TM revelou-se coerente com as
análises do aparato crítico da BHS e quando observamos sua estrutura conseguimos
identificar a sobreposição de queixas, maldições e afirmações de fé que caracterizam a
284
SCHWANTES, Milton. O direito dos pobres. São Leopoldo: Oikos; São Bernardo do Campo: Editeo,
2013, 285
ALBERTZ, Historia de la religión, p. 440 286
Ver: GERSTENBERGER, Erhard S. “A Bíblia – fermento da sociedade humana. Reflexões de uma
perspectiva europeia”, p. 68-80. Em: Profecia e Esperança. Um tributo a Milton Schwantes. Carlos A.
Dreher et.al., org.(s). São Leopoldo: Oikos, 2006, p.75
126
intensidade do lamento. A força poética do salmo intensifica a denúncia e o ritimo das
agressões do malfeitor.
Como resultados finais da exegese, percebemos que o salmista apresenta de forma
peculiar, a identidade de um agressor que está próximo, um amigo íntimo, alguém de
seu mesmo sangue. A articulação do discurso do salmista se dá em três momentos onde
sua fragilidade, suas queixas e sua afirmação de fé combinam elementos retóricos que
intensificam e legitimam a estrutura de conflito entre justos e malfeitores.
Alguns temas teológicos foram suscitados nos permitindo vislumbrar enunciados
expressos de forma efetiva como o mixpat, a retribuição, os pobres e a não violência,
conferindo maior sentido na interpretação das motivações de esperança na justiça de
Javé.
O terceiro capítulo retoma o sentido da espressão [v'_r" e busca, a partir de seu estudo
conceitual, a definição que mais lhe aproxima da representação da maldade em seu
contexto social. O estudo semântico nos orientou para as transformações estruturais da
palavra, ocorridas ao longo do tempo, bem como o sentido diferenciado em situações de
acusação jurídica e ético-religiosa, provocadas por mudanças nas estruturas sociais.
Dentre os processos dialéticos do sentido do [v'_r" destacamos as interpretações
desenvolvidas à partir da leitura semiótica, onde as transformações linguísticas ocorrem
no intercâmbio entre textos e palavras287
. O sentido histórico é em seguida, avaliado
como elemento determinante para nossa análise pelo fato de distinguir na prática a
solidariedade social como elemento religioso de profissão de fé. Neste sentido, a
oposição entre [v'_r" e qyDIc; ganham maior ligação com os eventos sociais e religiosos
do pós-exílio. Estes eventos impulsionaram transformações na estrutura social,
dividindo a sociedade entre piedosos e ímpios288
.
287
LOTMAN, Iuri M. La Semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Selección y traducción del
ruso por Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, S. A. 1996, p.84-85 288
Ímpio aqui tem o sentido de caracterizar o homem sem Deus. Cf. ALBERTZ, Historia de la religión,
p. 225, 315, 327, 674,
127
Os conceitos paralelos e opostos do [v'_r" mostram a intensidade dos elementos que
caraterizam de forma genérica a ligação do malfeitor com a camada anti-social da classe
alta, provocando reações de ordem social e religiosa289
. Novas concepções teológicas
surgiram, em meio à alguns membros da classe alta, com retorno às imagens
tradicionais da solidariedade social ligadas ao javismo, enquanto se destacava a
espiritualidade dos pobres com elevado destaque para o anúncio profético da segurança
da salvação para os piedosos e a condenação para os malfeitores.
Partindo dos resultados obtidos
No fim desta pesquisa sobre a função sociológica do [v'r' nos Salmos de lamentação,
com o olhar para os conflitos de classes ocorridos no final do período pós-exílio,
constatamos que as primitivas experiências da religiosidade pessoal, tornaram os setores
marginalizados da sociedade, convictos de sua autêntica pertença a javé. Estas
convicções serviam para consolidar e afirmar sua dignidade humana.
Contrariamente às concepções teológicas correntes, sua miséria não era sinal do
abandono de Deus, mas sim, um sinal relevante para a manifestação da força de javé, o
Deus da libertação.
Os marginalizados da comunidade constituíam um núcleo que pretendia ser o
verdadeiro povo de Deus, sobre tudo, frente aos erros cometidos pelos malfeitores. Este
ideal lhes davam forças para afirmarem-se frente à sociedade, conseguindo desenvolver
maior influência sobre o povo com sua espiritualidade.290
O fato de que na religião de Israel fora possível que grupos socialmente oprimidos,
convertessem sua religiosidade pessoal em instrumento de autoafirmação, mostra que,
289
PEREIRA, Nancy Cardoso. “Jardim e poder. Imperialismo persa e resistência camponesa”, p. 172-
187. Em: Profecia e Esperança. Um tributo a Milton Schwantes. Carlos A. Dreher et.al., (orgs.). São
Leopoldo: Oikos, 2006, p.180 290
ALBERTZ, História de la Religion, p. 709
128
mesmo em escala reduzida, toda a força de libertação, estava contida na espiritualidade
destes grupos marginais.291
Possíveis caminhos hermenêuticos
A proposta em se pensar em possíveis caminhos hermenêuticos surge a partir da
seguinte pergunta: em que medida os Salmos podem ser significativos para os homens e
mulheres de hoje, especialmente os pobres que buscam na Escritura respostas para seu
sofrimento, tendo a experiência de uma justiça demasiadamente longa?
A realidade do sofrimento social de um incontável número de pessoas em míseras
condições de vida, excluídas não somente do acesso às grandes conquistas do progresso,
mas também dos bens básicos que fazem a vida digna, constitui um verdadeiro
problema de fé que se estende não somente a nível teórico mas também de modo
prático. Ao ler as Escrituras, encontramos a frequente e repetida profissão de fé em um
Deus que ama a justiça, sustenta e acolhe os mais frágeis, justamente pelo fato de que
são mais carentes e necessitados
Considerando a dinâmica da revelação bíblica e como ela se manifestou ao longo dos
anos, percebemos que esta coleção de escritos bem antigos, proveniente de civilizações
desaparecidas, podem ainda, exercer grande influência nas pessoas modernas. As forças
libertadoras da Bíblia atuam como fermento que podem dar razões de esperança para
possíveis formas de nova organização social.
Os Salmos, são de fato, fonte de mensagens válidas e significativas para aqueles que
continuam buscando neles, respostas para a vida. Sem perder seus conteúdos
fundamentais, o saltério incorpora um conjunto de respostas cuja a validade se afirma na
sua capacidade de interagir e de opor-se às situações essenciais da vida.
Em estreita relação com estes fatos, se abre a possibilidade hermenêutica de estabelecer
a compreensão da fé como uma realidade que promove o diálogo entre ideologia e
291
Cf. SILVA, Valmor da. “Escutai, ilhas! Leitura do segundo canto do Servo do Senhor, segundo Is
49.1-6”, p. 258-272. Em: Profecia e Esperança. Um tributo a Milton Schwantes. Carlos A. Dreher et.al.,
org.(s). São Leopoldo: Oikos, 2006, p 269-270.
129
utopia292
. É a força da unificação e conservação associada à força da transformação. O
Salmo pode ser visto então como uma proclamação de fé que localiza-se principalmente
na linha da utopia, impulsionando e oferecendo razões para a esperança. Por outro lado,
em nível pragmático, articula sua dimensão ideológica, quando aliena de atitudes
violentas.
A dimensão utópica é sem dúvida, a lição que aprendemos com o Salmo 55, pois trata-
se de um texto que rechaça o conformismo e se opõe aos olhares ingênuos que
minimizam a injustiça. Se opõe também àqueles que cinicamente validam a opressão e o
engano. O salmista professa sua fragilidade diante das ações do malfeitor e a inteira
dependência em Javé que se opõe à injustiça.
Embora o salmista, levado por medos e temores, pareça sucumbir à violência, desejando
que o [v'r' seja exterminado, está na verdade, validando a ideia da justiça divina que se
contrapõe às ações de seu agressor. O desejo do salmista é, portanto, de justiça e não de
violência.
A proposta destes caminhos hermenêuticos, que poderiam ser completados por muitas
outras, permite perceber nos Salmos uma leitura válida e com muitas possibilidades de
sentido para os dias atuais. A beleza de se fazer exegese sem destacar demasiadamente a
distância histórica e cultural dos textos, torna possível, a aproximação bonita, natural e
subcutânea da realidade.293
292
RICOEUR, Paul. Los caminos de la interpretación; Actas / Symposium Internacioinal sobre el
Pensamiento Filosófico de Paul Ricoeur, Granada, 23-27 de noviembre de 1987; CALVO MARTINEZ,
Tomás; ÁVILA CRESPO, Remédios (eds.). Trad. José Luis García Rúa. Barcelona: Anthropos, 1991, p.
426-433 293
GERSTENBERGER, Erhard S. “A Bíblia – fermento da sociedade humana. Reflexões de uma
perspectiva europeia”, p. 68-80. Em: Profecia e Esperança. Um tributo a Milton Schwantes. Carlos A.
Dreher et.al., (orgs.). São Leopoldo: Oikos, 2006, p.80
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FICHA CATALOGRÁFICA
L135f
Lage, Jovanir
A função sociológica do raxa´ nos salmos de lamentação e os conflitos de
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Bernardo do Campo, 2016.
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Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) -- - Escola de Comunicação,
Educação e Humanidades, Programa de Pós-Graduação Ciências da Religião
da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo
Bibliografia.
Orientação de: Tércio Machado Siqueira
1. Bíblia – A.T. – Salmos – Crítica e interpretação 2. Salmo 55 I. Título
CDD 223.207