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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS MESTRADO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM JOVANA MAURICIO ACOSTA DE OLIVEIRA ANÁLISE FUNCIONAL DAS CONSTRUÇÕES CORRELATAS ALTERNATIVAS NITERÓI 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

MESTRADO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

JOVANA MAURICIO ACOSTA DE OLIVEIRA

ANÁLISE FUNCIONAL DAS CONSTRUÇÕES CORRELATAS

ALTERNATIVAS

NITERÓI

2016

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JOVANA MAURICIO ACOSTA DE OLIVEIRA

ANÁLISE FUNCIONAL DAS CONSTRUÇÕES CORRELATAS

ALTERNATIVAS

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudos de Linguagem, da Universidade Federal

Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção

do título de mestre em Estudos de Linguagem.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Ivo da Costa do Rosário

NITERÓI

2016

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A185 Acosta, Jovana Mauricio.

Análise funcional das construções correlatas alternativas / Jovana

Mauricio Acosta. – 2016.

97 f. ; il.

Orientador: Ivo da Costa do Rosário.

Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) – Universidade

Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2016.

Bibliografia: f. 93-97.

1. Correlação. 2. Disjunção. 3. Construção. I. Rosário, Ivo da

Costa do. II. Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras.

III. Título.

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JOVANA MAURICIO ACOSTA DE OLIVEIRA

ANÁLISE FUNCIONAL DAS CONSTRUÇÕES CORRELATAS

ALTERNATIVAS

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras, da Universidade Federal Fluminense,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de

mestre em Letras. Área de concentração: Estudos de

Linguagem.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________

Prof. Dr. IVO DA COSTA DO ROSÁRIO (UFF)

______________________________________________________________________

Profª. Drª. VIOLETA VIRGINIA RODRIGUES (UFRJ)

______________________________________________________________________

Profª. Drª. EDILA VIANNA DA SILVA (UFF)

______________________________________________________________________

Profª. Drª ANA CLÁUDIA MACHADO TEIXEIRA (UFF)

______________________________________________________________________

Profª. Drª MILENA TORRES DE AGUIAR (UERJ-FFP)

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NITERÓI

2016

À minha mãe, ao meu marido e ao meu filho pelo amor e dedicação e por sempre

acreditarem e investirem em meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar sempre presente em minha vida, conduzindo os meus passos.

À minha mãe, pela dedicação de uma vida inteira e por sempre me mostrar o valor do

estudo.

Ao meu marido, pelo companheirismo, amor e incentivo de sempre, o que fizeram com

que este trabalho fosse possível. Por estar sempre ao meu lado, em todos os momentos

da minha vida.

Ao meu filho Pedro, por despertar em mim um amor que me faz querer ser melhor

sempre e que, sem dúvida, motiva o meu crescimento.

À minha tia Diva, pelo incentivo e por me ajudar nos cuidados com meu filho durante

as aulas do mestrado.

Ao meu amigo Tharlles, pela companhia, parceria e amizade no mestrado e na vida. E

por compartilhar sempre comigo conhecimentos, textos e ideias que contribuem para o

meu crescimento profissional e pessoal.

À minha amiga Letícia, pela companhia, risadas e amizade que tornaram os meus

momentos de estudos mais divertidos.

Ao professor Ivo, meu orientador, por sua paciência, dedicação e por ser para mim um

exemplo de profissional que motiva não só a minha carreira profissional, mas também a

minha vida.

À professora e amiga Violeta, minha orientadora na graduação, por sempre acreditar e

valorizar o meu esforço e dedicação, acreditando no meu potencial.

Aos membros titulares e suplentes desta banca, por gentilmente aceitarem o convite de

participar desta etapa tão importante em minha vida acadêmica.

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A todos vocês, meu muito obrigada!

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo observar os padrões de uso das construções

correlatas alternativas à luz da Linguística Funcional Centrada no Uso, reunindo tanto

pressupostos funcionalistas quanto construcionistas. Essa teoria parte do princípio de

que a língua emerge a partir de seu uso e vai sendo moldada por meio de sua

própria instabilidade. A partir dessa premissa, nossa pesquisa observa os usos e os

contextos em que estão inseridas as construções correlatas alternativas. Pretendemos

analisar o comportamento semântico e sintático que envolve esse tipo de construção

dentro do quadro da correlação. Pretendemos, ainda, observar os valores sintáticos e

semânticos de cada type correlativo encontrado. Com base na constatação de

Fillenbaum (1986) de que algumas orações disjuntivas podem assumir um valor

condicional, observamos se há sobreposição de valores semânticos nas construções

correlatas alternativas analisadas e quais os fatores motivadores para esse fenômeno.

O objeto em análise é tratado como construção, por aderirmos à proposta atual da

Gramática de Construções nos modelos de Croft (2007), Goldberg e Jackendoff

(2004) e Trousdale (2008). Nessa perspectiva, a gramática é vista de forma holística,

ou seja, nenhum nível é central. Ademais, forma e significado são pareados como

iguais e passam a funcionar, nesta teoria, como unidades básicas e centrais da língua,

operando em diferentes níveis da gramática. O corpus utilizado é composto por textos

retirados de versões eletrônicas da Revista Veja (http://www.veja.abril.com.br)

Palavras chave: Correlação, disjunção, construção.

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ABSTRACT

This study aims to observe the usage patterns of the alternatives related buildings in

the light of Linguistics Centered Functional in use, bringing together both

functionalist assumptions as constructionist. This theory assumes that language

emerges from its use and is being shaped by its instability. From this premise, our

research will observe the uses and contexts in which they operate alternative

constructions. We intend to analyze the semantic and syntactic behavior involving this

type of construction within the correlation table. It is intended to also observe the

syntactic and semantic value of each correlative type found. Based on the finding

Fillenbaum (1986) that some disjunctive prayers can take a conditional value, we will

see if there is overlap of semantic values in the alternatives considered related

buildings and what the motivating factors for this phenomenon. The object in question

will be treated as construction, by adhering to the current proposal of construction of

grammar in Croft models (2007), Goldberg and Jackendoff (2004) and Trousdale

(2008). From this perspective, the grammar is viewed holistically, that is, no level is

central. Moreover, form and meaning are paired as equals and will function in this

theory, as basic units and language centers, operating at different levels of grammar.

The corpus used is composed of texts taken from electronic versions of the magazine

Veja (http://www.veja.abril.com.br)

Key-words: Correlation, disjunction, construction.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1. A CORRELAÇAO 13

1.1 A construção alternativa 24

2. PRESUPOSTOS TEÓRICOS 32

2.1. A Linguística Funcional Centrada no Uso 32

2.2. Gramática de Construções 34

2.3. Neonálise e analogização 40

2.4. Construcionalização e Mudança construcional 41

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 43

3.1. Caracterização do corpus 44

3.2. Fatores de análise 45

3.2.1. Correlatores espelhados e não-espelhados 46

3.2.2. Interdependência 46

3.2.3. Ordem das construções correlatas 47

3.2.4. Padrões oracionais e não-oracionais 48

3.2.5. Sobreposição de valores semânticos 49

3.2.6. Sequências tipológicas 50

3.2.7. Leitura semântica de exclusão ou inclusão 51

4. ANÁLISE DE DADOS 53

4.1. Correlatores espelhados 55

4.1.1 Correlatores de base conjuncional 56

4.1.1.1. Construções com ou...ou 57

4.1.1.2. Construções com nem...nem 66

4.1.2. Correlatores de base verbal 70

4.1.2.1. As construções com seja...seja 70

4.1.2.2. As construções com quer...quer 75

4.1.3. Correlatores de base substantiva 77

4.1.3.1. As construções com ora...ora 78

4.2. Correlatores não-espelhados 82

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 87

6. REFERÊNCIAS 92

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Definições de coordenação..........................................................................15

Quadro 2 - Definições de subordinação........................................................................ 16

Quadro 3 - Correlação nas gramáticas tradicionais........................................................18

Quadro 4 - Tipos de orações correlatas........................................................................ 26

Quadro 5 - Oração alternativa nas gramáticas tradicionais.......................................... 27

Quadro 6 - Conjunções alternativas.............................................................................. 28

Quadro 7 - Diferenças entre construção coordenada e construção correlata................ 90

Quadro 8 - Propriedades das construções correlatas alternativas.................................. 92

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Primeiros resultados...................................................................................... 47

Tabela 2 - Dados de jan/2013 a fev/2014...................................................................... 54

Tabela 3 - Types de construções correlatas alternativas................................................ 55

Tabela 4 - Types de construções correlatas alternativas espelhadas.............................. 56

Tabela 5 - Ordem das construções com ou...ou............................................................. 62

Tabela 6 - Sobreposição semântica das construções com ou...ou.................................. 63

Tabela 7 - Padrão oracional das construções com ou...ou.............................................. 65

Tabela 8 - Padrão oracional das construções com seja...seja......................................... 71

Tabela 9 - Sequências tipológicas das construções com seja...seja............................... 74

Tabela 10 - Padrão oracional das construções com seja...seja....................................... 80

Tabela 11 - Sequências tipológicas das construções com ora...ora............................... 81

Tabela 12 - Types de construções correlatas alternativas não-espelhadas..................... 82

Tabela 13 - Sequências tipológicas das construções com seja...ou................................ 84

Tabela 14 - Possibilidade de inversão das constuções alternativas............................... 88

Tabela 15 - Padrão oracional das construções alternativas............................................ 89

Tabela 16 - Interpretação semântica de inclusão/exclusão das construções correlatas . 89

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INTRODUÇÃO

A correlação destaca-se por sua importância dentro dos estudos da estruturação

do período e no âmbito de toda a sintaxe. A presente pesquisa pretende contribuir para

que o estudo desse fenômeno, no campo da alternância/disjunção, ganhe maior

notoriedade, atraindo mais pesquisas sobre o tema.

Este trabalho faz parte de um projeto maior desenvolvido pelo Prof. Dr. Ivo da

Costa do Rosário, orientador desta dissertação, no âmbito do Grupo de Pesquisa sobre

Conectivos e Conexão de Orações (CCO), que pretende, dentre outras atividades,

realizar uma descrição de todo o quadro da correlação no português. Diante disso,

para esta investigação científica, selecionamos as construções correlatas

alternativas, tradicionalmente conhecidas pela gramática tradicional como orações

coordenadas alternativas. Esse é o recorte a ser analisado neste estudo.

Pautados na Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU), que leva em conta

as inovações e as mudanças apresentadas na língua em uso, consideramos aqui todos

os correlatores1 que estabelecem a noção de alternância, ou seja, os prescritos e os

não prescritos pelas gramáticas tradicionais2. Sendo assim, a partir do corpus

selecionado para esta pesquisa, analisamos os correlatores mais comuns (ou...ou,

seja...seja, quer...quer, nem...nem, ora...ora), bem como algumas variações não

canônicas desses pares: seja...ou, nem... ou. etc.

A hipótese central que motivou a nossa pesquisa é a de que a construção

correlata alternativa é uma construção diferente da coordenada alternativa, apesar de

comumente serem apresentadas de forma intercambiável por vários compêndios. Para

tentarmos comprovar a nossa hipótese, os objetivos traçados são:

1 O termo correlatores foi criado por Rosário (2012), em analogia a coordenadores e subordinadores,

para referir-se aos articuladores sintáticos responsáveis pela correlação. 2 Consideramos Gramática Tradicional o modelo utilizado como base para a abordagem e ensino da

língua portuguesa nas escolas. Tem origem em uma tradição de estudos de base filosófica que se iniciou

na Grécia Antiga, e está consubstanciada nas obras de Rocha Lima (1999), Cunha & Cintra (2001) , Luft

(2000), Kury (2003), dentre outros.

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Demonstrar que as construções correlatas alternativas apresentam

características que as diferenciam das típicas coordenadas.

Analisar o comportamento semântico e sintático que envolve esse tipo de

construção dentro do quadro da correlação.

Observar se há sobreposição de valores semânticos nas construções correlatas

alternativas analisadas e quais os fatores motivadores para esse fenômeno.

No capítulo 1, apresentamos as definições de coordenação e subordinação

adotadas por alguns autores, com o intuito de observamos como o assunto é abordado

pelos principais gramáticos. Em seguida, traçamos um breve panorama sobre os

estudos da correlação e definimos o nosso objeto de estudo: a correlação alternativa.

Nesse ponto do trabalho, discorremos com mais detalhes sobre as hipóteses que

impulsionam esta pesquisa.

No capítulo 2, apresentamos os pressupostos teóricos que norteiam a nossa

pesquisa: a LFCU e a Gramática de Construções. Além de apresentarmos brevemente

a teoria linguística adotada, destacamos o conceito de construção adotado por autores

como Croft (2007) e Goldberg (1995), dentre outros, abordando também alguns

conceitos relacionados a mudança linguística que igualmente servem como aporte

teórico para nossa análise.

No capítulo 3, apresentamos o corpus, detalhadamente, e os procedimentos

metodológicos utilizados nesta pesquisa, demonstrando quais critérios foram adotados

em nossa análise e a relevância de cada um para o desenvolvimento da pesquisa.

No capítulo 4, procedemos à análise dos dados, em que são explicitados os

resultados e todos os types3 de construções alternativas encontrados, com um breve

comentário acerca do valor semântico apresentado para cada um. Apresentamos

também os critérios delimitados para análise dos dados e o resultado da aplicação de

cada critério selecionado.

Por fim, no capítulo 5, apreciamos as considerações finais que constarão de

uma breve síntese das descobertas e conclusões obtidas a partir da análise de dados.

3 Types são construções individuais, também conhecidos como microconstruções (cf. TRAUGOTT;

TROUSDALE, 2013).

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Neste último capítulo, procuramos responder também os questionamentos surgidos ao

longo da pesquisa.

1. A CORRELAÇÃO

Neste capítulo, apresentamos as diferentes visões adotadas pelos autores em

relação à correlação. Trata-se de um dos processos de estruturação do período que tem

sido colocado à margem em vários estudos de sintaxe. De fato, a maioria das

gramáticas não aborda esse fenômeno sintático e, quando o assunto é abordado, não

recebe o tratamento adequado, sendo apresentado de forma abreviada.

Em 1952, Oiticica propôs quatro tipos de estruturação do período: coordenação,

subordinação, correlação e justaposição, demonstrando que a correlação apresentava

especificidades em relação aos demais processos. Em obra intitulada Teoria da

Correlação, Oiticica afirma que “esse processo de composição do período [a

correlação] sempre andou confundido com o da subordinação em todas as gramáticas

brasileiras ou estrangeiras.” (cf. OITICICA, 1952, p. 13) enfatizando, ainda, o

diferencial sintático apresentado pela correlação: a interdependência.

Apesar de haver alguns estudos já clássicos sobre o tema, esse fenômeno ainda é

alvo de enorme discordância entre os linguistas e mesmo entre os gramáticos. Como

vermos adiante, alguns autores analisam a correlação como um subtipo da

subordinação e da coordenação. Outros acreditam ser este um processo à parte, por

apresentar características próprias em relação aos processos canônicos de ligação de

orações.

De acordo com as gramáticas tradicionais, as aqui chamadas construções

correlatas alternativas são tratadas no âmbito das orações coordenadas alternativas. No

entanto, acreditamos que a construção correlata apresenta características particulares

que a diferenciam das coordenadas. Como o nosso objeto de estudo é tradicionalmente

classificado dentro da coordenação, mas como citou Oiticica (1952), é muitas vezes

confundido com a subordinação, veremos como alguns autores abordam esses dois

processos mais canônicos.

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Quadro 1 – Definições de coordenação4

COORDENAÇÃO

Cunha e Cintra

(2001, p. 593-594)

Segundo palavras de Cunha & Cintra, as orações coordenadas são estruturas da

mesma natureza, autônomas, independentes, isto é, cada uma tem sentido próprio.

Elas não funcionam como termos de outra oração, nem a eles se referem: apenas

uma pode enriquecer com o seu sentido a totalidade da outra.

Rocha Lima

(1999, p. 260)

Comunicação de um pensamento em sua integridade, pela sucessão de orações

gramaticalmente independentes – eis o que constitui o período composto por

coordenação.

Luft

(2000, p. 47 e 51)

Coordenadas são as orações de igual função, ligadas entre si por meio de

conjunções coordenativas, ou por justaposição (assíndeton) na expressão

daquelas. [...] As orações do período ‘composto por coordenação’, independentes,

levam o nome de coordenadas.

Melo (1978, p. 146-

147)

Coordenação é o paralelismo de funções ou valores sintáticos idênticos. Oração

coordenada é a que está posta ao lado de outra, de igual natureza e igual função.

Almeida, N.

(2004, p. 523)

Oração coordenada é a que vem ligada a outra de igual função, ou seja, as

coordenadas entre si podem estar quer independentes, quer subordinadas, quer

principais.

Ribeiro, M.

(2004, p. 307)

Na coordenação, ocorre uma independência sintática: cada oração coordenada tem

seus próprios termos. Coordenação é a sequência de orações em que uma não

exerce função sintática de outra.

Bueno

(1963, p. 140)

Quando ambas as proposições exercem a mesma função no período, de tal modo

que uma pode ser separada de outra, mantendo a sua perfeita significação, serão

coordenadas.

Said Ali (1966, p. 130)

A combinação coordenativa é formada de uma oração inicial e uma ou mais

orações sequentes ou coordenadas que se caracterizam por alguma das partículas

e, mas, ou, portanto, logo, porquanto, etc.

Kury

(2003, p. 62)

Se todas as orações de um período são independentes, isto é, têm sentido por si

mesmas, e poderiam, por isso, constituir cada uma um período, o período se diz

composto por coordenação.

Pereira, E. (1943, p. 206)

A coordenação consiste na combinação de palavras e frases da mesma função

gramatical, e, ainda, de termos que se prendem por concordância, como o

predicado e o sujeito, o atributo e o substantivo.

Maciel

4 Os quadros 1 e 2 foram elaborados por Rosário (2012).

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(1931, p. 357-

358) As proposições coordenadas exprimem pensamentos independentes, relacionados

apenas pelo sentido ou por conjunção coordenativa.

Bechara

(1999, p. 48)

Consiste a parataxe na propriedade mediante a qual duas ou mais unidades de um

mesmo estrato funcional podem combinar-se nesse mesmo nível para constituir,

no mesmo estrato, uma nova unidade suscetível de contrair relações sintagmáticas

próprias das unidades simples deste estrato. Portanto, o que caracteriza a parataxe

é a circunstância de que unidades combinadas são equivalentes do ponto de vista

gramatical, isto é, uma não determina a outra, de modo que a unidade resultante

da combinação é também gramaticalmente equivalente às unidades combinadas.

Não sobem a estrato de estruturação superior.

Quadro 2 – Definições de subordinação

SUBORDINAÇÃO

Cunha e Cintra

(2001, p. 594.600)

Orações subordinadas são orações sem autonomia gramatical, isto é, funcionam

como termos essenciais, integrantes ou acessórios de outra oração. O período

composto por subordinação é, na essência, equivalente a um período simples.

Distingue-os apenas o fato de os termos (essenciais, integrantes e acessórios)

deste serem representados naqueles por orações.

Rocha Lima

(1999, p. 261-

622)

No período composto por subordinação, há uma oração principal, que traz presa a

si, como dependente, outra ou outras. Dependentes, porque cada uma tem seu

papel como um dos termos da oração principal.

Luft

(2000, p. 48 e 53)

Subordinada é aquela que depende de uma principal. É uma oração regida por

outra, ou por um termo desta. [...] Onde há uma oração subordinada há também

uma principal; são termos correlativos: não há principal sem subordinada, nem

subordinada sem principal.

Melo

(1978, p. 148-149)

Subordinação é a relação de dependência entre as funções sintáticas. Em toda

oração normalmente constituída há necessariamente pelo menos um elo

subordinativo, o que prende ao sujeito o predicado. [...] Oração subordinada é

aquela que exerce em outra uma função ou subfunção, e que por isso não tem

autonomia, não vale por si, é parte de outra oração, chamada principal.

Almeida, N. (2004, p. 524)

Oração subordinada é a que completa o sentido de outra de que depende,

chamada principal, à qual se prende por conjunções subordinativas ou pelas

formas nominais do verbo.

Ribeiro, M.

(2004, p. 308)

Oração subordinada é a que desempenha o papel de termo de uma oração

principal.

Bueno (1963, p. 140)

Se no período lógico, uma oração não pode ser separada de outra porque ficará

incompleta em sua significação, haverá orações subordinadas.

Said Ali

(1966, p. 130)

A combinação subordinativa consta de uma oração principal e uma ou mais

secundárias ou subordinadas. Orações secundárias são desdobramentos do sujeito,

do complemento ou dos determinantes atributivos ou adverbiais em novas

orações.

Pereira, E. (1943, p. 207)

A subordinação dá-se quando uma palavra ou frase se combina ou relaciona com

um outro termo de diferente função sintática.

Maciel

(1931, p. 360)

Os termos da proposição simples expandem-se, desenvolvem-se, ligando

proposições acessórias mediante conectivos subordinantes, isto é, pronomes

relativos, conjunções subordinativas, e às vezes os adjetivos ou os pronomes

indefinidos.

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Bechara

(1999, p. 47)

A hipotaxe é a propriedade oposta à hipertaxe: consiste na possibilidade de uma

unidade correspondente a um estrato superior poder funcionar num estrato

inferior, ou em estratos inferiores. É o caso de uma oração passar a funcionar

como “membro” de outra oração, particularidade muito conhecida em gramática.

Podemos observar, a partir dos quadros apresentados, que várias definições

apresentam divergências em alguns pontos: em algumas definições, por exemplo,

subentende-se que a coordenação e a subordinação só ocorrem no período composto.

Em outros casos, há inconsistência com relação ao termo (in)dependência, não

deixando claro se esse conceito se refere a um traço de natureza semântica ou sintática,

dentre outros problemas. Como foi observado por Rosário (2012), para autores como

Rocha Lima (1999) e Ribeiro (2004), por exemplo, a subordinação exibe uma relação

de dependência sintática. Para Almeida (2004) e Bueno (1963), por outro lado, trata-se

de uma relação de dependência semântica.

Percebemos que caracterizar coordenação simplesmente como independência de

elementos e subordinação como dependência de um elemento a outro é algo

inconsistente, pois isso dá margem a inúmeros questionamentos. Rosário (2012, p.10)

afirma que:

os critérios semântico e sintático estão presentes na maioria das

definições apresentadas, juntamente com o conceito de dependência,

mas não são bem definidos, gerando incompreensões e falta de clareza

nas exposições teóricas. Essa heterogeneidade evidencia a carência de

uma posição precisa por parte dos gramáticos de orientação

tradicional e dificulta uma análise gramatical criteriosa.

A divergência que ocorre em torno dos processos de coordenação e

subordinação já foi abordada por diversos autores. De fato, a forma como esses

processos são apresentados pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) dá

margem a diversos debates e questionamentos, por gerarem definições inconsistentes e

instáveis. As questões debatidas pelos autores são muitas e envolvem vários aspectos, e

essas divergências crescem quando nos referimos aos processos de justaposição e de

correlação, que não são abordados adequadamente, como já dissemos, pela maioria das

gramáticas tradicionais.

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As construções alternativas costumam ser abordadas dentro da coordenação.

Por essa razão, vejamos, nos parágrafos seguintes, duas definições de coordenação

apresentadas por autores mais modernos.

Segundo Pezatti e Longhin-Thomazi (2008, p. 865), “construção coordenada

consiste em dois ou mais membros, funcionalmente equivalentes, combinados no

mesmo nível estrutural por meio de mecanismos de ligação”. Com isso, as autoras

ressaltam a independência sintática da coordenação, afirmando que nenhum membro da

construção coordenada é dependente dos demais, destacando, ainda, a sua equivalência

funcional, ou seja, os membros devem ter as mesmas funções semânticas, sintáticas e

pragmáticas.

Ramat e Mauri (2011, p.1) consideram como coordenação entre duas cláusulas

qualquer relação estabelecida entre estados de coisas funcionalmente equivalentes, com

a mesma função semântica e perfis cognitivos autônomos, “sendo ambos codificados

por declarações caracterizadas pela presença de alguma força ilocucional.”

Observamos que os autores citados ressaltam, principalmente, a independência

e a equivalência funcional como propriedades intrínsecas da coordenação. Nesse

sentido, assemelham-se bastante aos autores tradicionais apresentados nos quadros 1 e

2, ou seja, não há diferença substancial entre eles.

A seguir, apresentamos as visões de alguns autores que focalizam a correlação.

Quadro- 3- Correlação nas gramáticas tradicionais

(Dias, 1970, p. 252)

De dar realce à pluralidade dos objetos serve

(entre membros de uma oração) tanto [assim] –

como (que substitui o latim et-et). Ex: “offeyro..

todo huherdamento de Crexemil, assi us das sestas

como todo u outro herdamento (Doc.de 1193)”

(Dias, 1970, p. 252).

Rocha Lima (1999, p. 261) Para dar mais vigor à coordenação, valemo-nos de

uma fórmula correlativa (não só...mas também;

não só...mas ainda; não só...senão também; não

só...senão que).

Luft (2000, p.51)

Alternativas enfáticas correlatas: ora lê, ora

escreve.

Uchôa (2004, p.111)

Já no terceiro tipo da alegada ‘correlação’, o que

se tem na realidade é uma coordenação aditiva

enfática.

Fonte: a autora, 2016

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Por meio do quadro 3, notamos que os autores, ao fazerem referência ao

processo da correlação, utilizam palavras como vigor, ênfase e realce para defini-lo,

ressaltando, assim, o caráter argumentativo e persuasivo presente na correlação. Esse

dado é muito importante, pois é destacado um fator de ordem pragmática.

Alguns gramáticos estrangeiros também ressaltaram o caráter persuasivo da

correlação. Quirk et al. (1985), por exemplo, afirmam que a correlação apresenta uma

argumentação mais persuasiva e mais formal, sendo utilizada quando se quer ressaltar a

força do pensamento. Autores como Eastwood (1985) e Berndt et al. (1983, apud

Rosário, 2012) concordam com Quirk et al.(1985) e ressaltam o uso enfático da

correlação.

De fato, notamos que a maioria dos autores associa correlação a argumentação.

Esse parece ser um ponto bastante pacífico. Entretanto, não há essa mesma harmonia

quando a questão está ligada ao status de processo de estruturação do período ou não.

Em outras palavras, a correlação está no mesmo nível da subordinação e da

coordenação?

Alguns autores, como Azeredo (1979) e Câmara Jr. (1981), dentre outros,

defendem a existência de apenas dois processos de estruturação do período:

coordenação e subordinação. De acordo com esses autores, a correlação deve ser vista

apenas como um subtipo dos processos já existentes. Câmara Jr. (1981, p. 87) reconhece

que a correlação apresenta um arranjo sintático diferenciado, entretanto não concorda

que seja um processo autônomo em relação aos demais.

Luft (2002) concorda com os autores citados, afirmando que a correlação não

passa de um tipo especial de conexão que se estabelece dentro da coordenação, e não

deve ser vista como um processo independente dos demais. Carone (2006, p.36), à

maneira de Luft (2002), afirma que:

As relações estabelecidas entre orações podem apresentar, por vezes,

características de realização que as distinguem do usual, o que tem

levado alguns gramáticos a ver nisso outros tantos procedimentos

sintáticos. Trata-se da correlação e da justaposição, variantes formais

dos processos (de subordinação e de coordenação). Não nos deteremos

na justaposição e na correlação porque são variantes formais de

subordinação ou coordenação: aquela, com omissão do instrumento

gramatical (conjunção); esta, com significados descontínuos (ex:

seja...seja, não só...mas também).

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Podemos observar que a maioria dos gramáticos prefere não considerar a

correlação como um terceiro processo de estruturação sintática. No entanto, não

apresentam justificativas claras e contundentes que justifiquem tal escolha. Ao contrário

desses autores, alguns pesquisadores como Melo (1978), Rodrigues (2007) e Rosário

(2012), dentre outros, defendem que a correlação apresenta especificidades em relação

aos outros processos e não deve ser classificada como um subtipo da coordenação ou da

subordinação, mas como um processo autônomo.

Segundo Rodrigues (2007), a correlação é um mecanismo de estruturação

sintática ou procedimento sintático em que uma sentença estabelece uma relação de

interdependência com a outra no nível estrutural. Sendo assim, nesse processo, uma

oração não existiria sem a outra, por serem interdependentes. Ainda de acordo com a

autora, a conexão na correlação é estabelecida por “conectores correlatos” que tem cada

uma de suas partes em orações diferentes. Com isso, ela diferencia os processos de

estruturação da seguinte forma:

- Subordinação – processo de hierarquização de estruturas em que as orações são

sintaticamente dependentes. (cf. RODRIGUES, 2007, p. 227).

- Coordenação – processo em que as orações são sintaticamente independentes uma

das outras, caracterizando-se pelo fato de implicarem paralelismo de funções ou valores

sintáticos idênticos. (cf. RODRIGUES, 2007, p. 227).

- Correlação – processo em que “duas orações são formalmente interdependentes,

relação materializada por meio de expressões correlatas”. (cf. RODRIGUES, 2007, p.

231).

Rodrigues (2007, p. 232-233) apresenta uma proposta de classificação para as

correlatas, subdividindo-as, em português, em 5 grupos: correlação aditiva, correlação

alternativa, correlação comparativa, correlação proporcional e correlação consecutiva.

Ademais, estabelece uma distinção entre orações correlatas e não correlatas:

a) a correlação apresenta conectores que vêm aos pares, cada elemento do par em uma

oração;

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b) no período composto por correlação, as orações não podem ter sua ordem invertida,

isto é, não apresentam a mobilidade posicional típica das subordinadas adverbiais que

funcionam como adjuntos;

c) as correlatas não podem ser consideradas parte constituinte de outra, como ocorre

com as substantivas e as adjetivas restritivas.

A autora faz ainda uma importante ressalva em relação à proposta apresentada:

afirma que as correlatas aditivas não apresentam um comportamento homogêneo e, por

isso, não se encaixam em todos os critérios apresentados, já que prototípicamente é uma

construção que admite a inversão.

Ressaltamos que o nosso objeto de estudo, as construções correlatas alternativas,

também não se encaixam plenamente em todos os critérios apontados por Rodrigues

(2007), pois, assim como as aditivas, prototipicamente também admitem a inversão por

apresentarem mobilidade: Vejamos um dado do corpus de pesquisa5:

PRÓTASE APÓDADE

(1) “Além das montanhas” tem ainda uma dimensão interna poderosa (no

relacionamento cheio de pulsões das duas amigas), uma psicóloga (no contraste

entre os enquadramentos)

ora ordenados, ora caóticos

Revista Veja on-line, ed. 09/01/2013, pág. 99

Notamos que, se invertêssemos a ordem das construçõess, não traríamos grande

prejuízo em relação à primeira informação que se desejava transmitir (ora caóticos, ora

ordenados). Assim, a inversão é possível tanto do ponto de vista sintático (por resultar

em um enunciado gramatical) como do ponto de vista semântico (por conservar a

essência do sentido veiculado, sem grande alteração no conteúdo).

Melo (1978, p.152) também cultiva uma visão semelhante a Rodrigues (2007) e

Rosário (2012) ao considerar a correlação como um terceiro processo de estruturação

sintática, distinto da subordinação e da coordenação. Vejamos:

5 O corpus de pesquisa será mais bem detalhado no capítulo 3.

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“(a correlação) é um processo sintático irredutível a qualquer dos

outros dois (subordinação ou coordenação), um processo mais

complexo, em que há, de certo modo, interdependência. Nele, dá-se a

intensificação de um dos membros da frase, ou de toda a frase,

intensificação que pede um termo”.

Notamos que o autor também admite, assim como considerado neste trabalho,

que a correlação pode ser estabelecida não só entre orações, mas também entre termos

da oração, ressaltando, ainda, a intensificação presente nas construções correlatas.

Módolo (2011) também considera a correlação como um processo distinto da

coordenação e da subordinação. Em artigo acerca do tema em que propõe “uma

tipologia sintática para as sentenças correlatas”, o autor considera a correlação aditiva

(não só ... como também, etc.), alternativa (nem ... nem, ou ... ou, quer... quer, seja ...

seja, ora ... ora, etc.), consecutiva (tão ... como, tão ... quanto, etc.) e comparativa

(mais/ menos/ antes ... do que, tanto ... quanto, quanto mais ... mais, quanto menos ...

menos, quanto mais ... menos, quanto menos ... mais, etc). Vejamos:

a correlação conjuncional pode ser caracterizada de modo geral como

um tipo de conexão sintática de uso relativamente frequente,

particularmente útil para emprestar vigor a um raciocínio,

estabelecendo uma coesão forte entre sentenças ou sintagmas, e

aparecendo principalmente nos textos apologéticos e enfáticos. A

correlação exerce aí um papel importante, pois concorre para que se

destaquem as opiniões expressas, a defesa de posições, a busca de

apoio, muito mais do que por informarem com objetividade os

acontecimentos. (MÓDOLO, 2011, p.462)

Observamos que Módolo (2011), assim como Melo (1978), ressalta o caráter

enfático da construção correlata e seu importante papel de destacar a opinião que se

quer defender e de persuadir o leitor.

Rosário (2012), em tese de doutorado realizada acerca das construções correlatas

aditivas, não só defende a correlação como um processo autônomo, mas reafirma o

estatuto particular das correlatas aditivas em relação às coordenadas aditivas. O autor

demonstra que aquelas são diferentes não só na forma, por apresentarem conectivos que

vêm aos pares, mas por serem permeadas por uma interdependência que acarreta uma

ligação mais forte entre as partes da construção.

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O autor justifica a sua escolha, afirmando que, diante da necessidade de maior

expressividade ou de um tipo de argumentação mais formal ou enfática, houve a

necessidade de criação de um arranjo sintático formal diferente dos já tradicionais

esquemas subordinativos ou coordenativos. Com isso, o autor chama a atenção para o

diferencial pragmático das correlatas, demonstrando que essas construções são

diferentes discursivamente, por apresentarem uma carga enfática que interfere nas

relações discursivas. Vejamos os exemplos a seguir:

a. O menino trabalha ou estuda.

b. O menino ou trabalha ou estuda.6

Os exemplos citados em (a) e (b), à primeira vista apresentam similaridade. No

entanto, são construções diferentes: em (a), temos uma construção coordenada

prototípica que estabelece a alternância entre duas cláusulas por meio do conector7 ou.

Já em (b), temos uma construção correlata alternativa, com dois conectores, ou...ou

estabelecendo também a noção de alternância. Veremos ao longo deste trabalho que

essas construções apresentam diferenças que ultrapassam a forma. As duas construções

servem a necessidades comunicativas diferentes.

De fato, veremos a seguir que, assim como constatado por Rosário (2012) em

relação às aditivas, também aqui, a construção correlata alternativa apresenta, de fato,

um conteúdo pragmático particular que certamente a faz diferente da coordenada

alternativa, não só na forma, mas em sua função comunicativa.

Manna (1984, p. 31 e 180) apud Rosário (2012) concorda com os autores

citados em relação à apresentação de características particulares da correlação, e

assevera que algumas estruturas existentes na língua, definidas pelo autor como

correlacionais, não se encaixam nos padrões descritos até o momento, ressaltando a

presença da interdependência contida nas correlatas e sua função inerente no

desencadeamento do termo seguinte:

6 Os exemplos a e b foram criados para explicitar, com melhor exatidão, o diferencial pragmático

existente entre correlação e coordenação altenativa.

7 Reconhecemos a divergência no tocante ao assunto, especialmente por conta das filiações teóricas a que

os conceitos estão ligados, mas, nesta dissertação, tomamos os termos conector e conectivo como

sinônimos.

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Nem todos os processos estruturais da língua podem ser reduzidos aos

padrões descritos até agora. Há relações combinatórias que não se

enquadram nem no tipo determinado/determinante [...] nem no tipo

unidades ou conjugados independentes entre si. [...] Pode acontecer

que os termos considerados se vinculem numa relação de

interdependência para a expressão, no plano considerado. Ora, em tais

casos, ter-se-á de admitir que o processo é distinto dos demais.

Chamamos-lhe, portanto, valendo-nos de nomenclatura já consagrada,

‘estrutura correlacional’. [...] O padrão estrutural de que se cogita

agora não responde a nenhuma de tais características (da subordinação

e da coordenação), já que os seus constituintes, ou membros, são

interdependentes, ou seja, a expressão de um deles desencadeia

necessariamente o aparecimento do outro.

Pauliukonis (1995), apud Rodrigues (2007), em defesa da correlação como

terceiro processo, salienta, assim como Oiticica, que a correlação está em nível

diferente da coordenação e da subordinação e realça o teor argumentativo presente na

correlação através de “termos indissociáveis”.

Assim como os últimos autores citados, Castilho (2010, p.387) concorda com a

ideia de que a correlação também deve ser vista como um “terceiro processo de

relações intersentenciais”. De acordo com o autor, a correlação é um relacionamento

simultâneo formado por conjunções complexas que seriam resultantes de um processo

de redobramento sintático.

Percebemos que os argumentos em defesa da correlação como um terceiro

processo de estruturação sintática são bem fundamentados e convincentes. Neste

trabalho, concordamos com, Rodrigues (2007), Castilho (2010) e Rosário (2012),

dentre outros, e assumimos a posição de que a correlação é um processo autônomo em

relação à coordenação e à subordinação.

Após a apresentação da visão de vários autores sobre o tema da correlação,

podemos decidir pela adoção de um conceito para esse fenômeno. Assim, com base em

Rosário (2012), entendemos por correlação uma “construção sintática prototipicamente

composta por duas partes interdependentes e relacionadas entre si, encabeçadas por

correlatores de tal sorte que a enunciação de uma (prótase) prepara a enunciação de

outra (apódose).” Vejamos alguns tokens8 a seguir:

8 Tokens são instância de uso proferidas pelo falante em uma ocasião especial. De acordo com Traugott e

Troudale (2013), tokens são constructos empiricamente comprovados. É conhecido como o locus da

mudança.

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PRÓTASE APÓDOSE

(2) Sabe-se que a capacidade de aceitação pela sociedade de situações absurdas tem

limites

ou a Argentina passa a levar em consideração

tal aspecto

ou não sai do lugar.

Revista Veja on-line, ed. 02/01/2013, pág. 26

PRÓTASE APÓDODE

(3) Musicalmente, o brega não cultiva

nem a tradição, nem a modernidade.

Revista Veja on-line, ed. 01/01/2014, pág. 14

Verificamos no exemplo (2) que, na prótase Ou a Argentina passa a levar em

consideração tal aspecto, cria-se uma expectativa para o que será explicitado pela

apódose ou não sai do lugar. É como se a primeira oração servisse como elemento

focalizador para anunciar o que será apresentado na segunda oração. No exemplo (3),

verificamos que, assim como ocorre em (2), a prótase nem a tradição prepara a

anunciação da apódose nem a modernidade. Prótase e apódose são, de fato, duas partes

relacionadas entre si, intimamente ligadas uma à outra.

Uma vez definido o conceito e exemplificado o fenômeno, façamos um breve

estudo da noção de alternância/disjunção.

1.1 A construção alternativa

Assim como ocorre com a correlação como um todo, observamos que há

algumas divergências envolvendo a classificação das construções alternativas. Alguns

autores como Castilho (2010), Módolo (2011) e Melo (1978), por exemplo, as

classificam dentro do quadro das correlatas. Outros preferem sua classificação dentro

das coordenadas. Essa discussão torna-se aparente na afirmativa de Câmara Jr, em obra

organizada por Uchôa (2004, p.111):

Os adeptos da correlação, à força de explorar o conceito, chegaram à

demonstração por absurdo de que ele é falso, quando criaram a

‘correlação alternativa’ como faz Gladstone Chaves de Melo

atendendo a uma sugestão do jovem professor Maximiano de

Carvalho. Assim, dois professores excelentes (e Gladstone Chaves de

Melo é uma pessoa que muito admiro, como já frisei mais de uma vez)

aboliram a coordenação alternativa com –‘ou...ou...’, ‘quer... quer...’

sob alegação de que uma oração de ‘ou’ ou ‘quer’ não se justifica sem

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a outra. Mas isso é normal em toda coordenação: na adversativa,

na explicativa, na conclusiva e até na aditiva, em que cada oração se

compreende em função da anterior: ‘mas preguiçoso’, ‘preguiçoso

pois’ e assim por diante não formam ‘sentido completo’. A ser válido

o raciocínio dos dois dignos professores, não há coordenação, e em

seu lugar teremos a correlação.

Discordamos da argumentação apresentada pelo autor supracitado em alguns

aspectos. Considerar a existência de correlatas alternativas não necessariamente

implica a abolição da coordenação alternativa, pois, como apresentamos neste trabalho,

trata-se de construções diferentes.

Com respeito à inclusão das alternativas no campo das correlatas (em se

tratando dos autores que admitem a existência da correlação), há quase um consenso.

Vejamos, no quadro a seguir, como isso ocorrem em cinco obras distintas.

Quadro 4- Tipos de orações correlatas9

Melo

(1978)

Melo

(1997)

Luft

(2000)

Castilho

(2004)

Uchôa

(2004)

Aditivas Aditivas Aditivas Aditivas Aditivas

Comparativas Comparativas Comparativas Comparativas Comparativas

Consecutivas Consecutivas Consecutivas Consecutivas Consecutivas

Alternativas Alternativas Alternativas Alternativas _

_ _ Equiparativas10 _ _

Proporcionais _ _ _ _

_ _ _ Paralelísticas _

Verificamos, a partir do quadro anterior, que há consenso quanto às aditivas,

comparativas e consecutivas, no entanto, os autores divergem em relação às

equiparativas, proporcionais, paralelísticas e alternativas. Diante dessas divergências

envolvendo a correlação, fica evidente a necessidade de mais estudos que contribuam

para que a análise dos processos de estruturação sintática se torne mais estável.

9 Quadro extraído de Rosário (2012). 10 A correlação equiparativa, segundo Melo (1978), ocorre quando queremos estabelecer igualdade ou

equivalência para o segundo termo, que vem fechar um pensamento deixado em aberto ou em suspenso

no primeiro termo.

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Ademais, o fato de Uchôa (2004) não considerar as construções alternativas

dentro do quadro da correlação revela-se como bastante intrigante. A nossa hipótese

para isso está ligada à visão demonstrada pelo autor anteriormente. Como vimos, ele

acredita que, ao considerar as alternativas dentro do quadro da correlação, a

coordenação alternativa seria abolida.

Observamos que Uchôa (2004), ao defender sua posição de não concordância

com a ideia de que a correlação e justaposição são processos que estejam no mesmo

nível da coordenação e da correlação, vale-se, a todo momento, de questões referentes

a dependência. No entanto, o autor desconsidera que a correlação apresenta outros

aspectos, sendo a interdependência uma das mais marcantes.

A seguir, apresentamos uma breve pesquisa com relação ao tratamento dado à

oração alternativa em algumas gramáticas, demonstrando que, muitas vezes, as

definições são pautadas a partir de suas conjunções. Vejamos:

Quadro 5- Oração alternativa nas gramáticas

Oração alternativa

Melo

(1978, p. 147)

As orações sindéticas tomam o nome da conjunção que as encabeça.

Teremos, assim, coordenadas sindéticas, aditivas, alternativas, adversativas

conclusivas e explicativas.

Rocha Lima

(1999, p. 260)

As orações coordenadas sindéticas recebem o nome das conjunções que as

iniciam, classificando-se, portanto, em: aditivas, adversativas, alternativas,

conclusivas e explicativas.

Luft

(2000, p. 51)

A coordenação entre as orações se faz por meio de umas das conjunções

coordenativas, caso em que são sindéticas e recebem o nome da respectiva

conjunção.

Alternativas: Lê ou escreves.

Cunha

(2001, p. 597)

Coordenada sindética alternativa, se a conjunção é alternativa.

Bechara

(2003, p. 350)

São três as relações semânticas marcadas pelas conjunções

coordenativas ou conectores: aditiva, adversativa e alternativa:

Estudas ou brincas

Henriques

(2003, p. 97)

Alternativas- conjunção-base: ou

Exs: Nossa vista está embaraçada ou isso é neblina?

Ora os políticos dizem uma coisa, ora dizem outra.

Kury

(2003, p. 68)

Alternativas: As várias orações exprimem pensamentos que se alternam,

ou se excluem.

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Mateus et alii

(2003, p. 591)

Os períodos coordenados podem estruturar-se por conjunções ou

conectores:

Por conjunções:

a) copulativa ou aditiva

b) disjuntivas ou alternativas (ou...ou; nem.. .nem; ora.. ora: quer... quer)

Esta noite, ou vamos ao teatro, ou ao cinema

c) adversativas ou contrajuntivas.

Castilho

(2010, p. 133)

Coordenação disjuntiva ou alternativa: essa coordenação é marcada pela

conjunção ou. O que é dito para o primeiro termo não vale para o

segundo.

Fonte: a autora, 2016

Como observamos a partir do quadro anterior, as definições calcadas apenas nas

conjunções não é didática, pois o leitor precisa ter um conhecimento prévio das

conjunções alternativas para compreender o significado de coordenação alternativa.

São definições circulares, portanto.

A opção pela definição das orações coordenadas a partir de suas conjunções é

adotado pela maioria das gramáticas tradicionais. Notamos que apenas alguns autores

como Castilho (2010) e Kury (2003) discutem o viés semântico dessa estrutura.

Visto que há essa forte associação (conjunções e orações), vejamos as

definições de conjunções alternativas apresentadas por algumas obras, observando

como tais gramáticas abordam essa questão. Igualmente importante é atentarmos para

como os gramáticos apresentam os conectivos correlativos.

Quadro 6- Conjunções alternativas

Bechara

(1999, p. 321)

Enlaçam as unidades coordenadas matizando-as de um valor

alternativo, quer para exprimir a incompatibilidade dos

conceitos envolvidos, quer para exprimir a equivalência deles.

Ou...ou, quer...quer.

seja...seja, ora...ora

Rocha Lima

(1999, p. 185)

As conjunções alternativas relacionam pensamentos que se

excluem. O tipo é ou, que pode repetir-se, ou não, antes

de todos os elementos coordenados. ou...ou, ora...ora,

seja...seja, quer...quer, já...já.

Cunha e cintra

(2001, p.580)

As conjunções alternativas ligam dois termos ou orações de

sentido distinto, indicando que, ao cumprir-se um fato, o outro

não se cumpre. São as conjunções ou (repetida ou não) e,

quando repetidas: ora...ora, quer...quer, etc.

Carvalho

(2011, p. 365)

As conjunções alternativas justapõem pensamentos que se

excluem: ou...ou...já...já, quer...quer, ora...ora, seja...seja.

Neves

(2011, p. 593)

A conjunção coordenativa com ou marca disjunção ou

alternância entre o elemento coordenado no qual ocorre e o

elemento anterior.

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Verificamos, no quadro anterior, que algumas gramáticas referem-se às aqui

chamadas correlatas alternativas como estruturas instanciadas por conjunções em

repetição (ou conjunções duplicadas). Além disso, não fazem nenhuma referência

específica à correlação, com exceção de Neves (2011), que cita a correlação com ou ao

tratar da disjunção exclusiva.

Em relação aos correlatores, observamos que alguns abordados nessa pesquisa,

como seja..ou, não são mencionados pelos autores citados, provavelmente por não

serem canônicos, ou seja, esses pares são desconsiderados por não integrarem o padrão

normativo da língua, apesar de seu uso corrente (como se verá na análise de dados).

Apenas Bechara (1999) cita o correlator sejam..sejam, desconsiderando, no entanto, o

uso de seja..ou. O autor, diferentemente dos outros aqui apresentados, não considera

os correlatores seja...seja , quer...quer e ora...ora como conectores, apontando para uma

nova divergência presente no estudo das construções alternativas . Observemos:

A numeração distributiva que matiza a ideia de alternância leva a que

se empreguem neste significado advérbios como já, bem, ora

(repetidos ou não) ou formas verbais imobilizadas como quer...quer,

seja...seja. Tais unidades não são conectores e, por isso, as orações

enlaçadas se devem considerar justapostas. (BECHARA, 1999, p.

321).

Como podemos observar, Bechara (1999) não considera as conjunções citadas

acima como conectores, desprezando, assim, o processo de gramaticalização sofrido por

essas conjunções. Com isso, neste aspecto, o autor ignora a evolução e a mudança da

língua e o fato de que as palavras das quais as conjunções se originaram perderam

características, adquirindo uma nova função. A seguir, trataremos mais detalhadamente

dos correlatores quer...quer e seja...seja. Observaremos também como a correlação e a

relação de disjunção são abordadas por outros gramáticos e linguistas mais modernos.

Carvalho (2011, p. 365) apresenta o correlator seja...seja como conjunção, no

entanto, condena o uso da conjunção flexionada (do tipo sejam...sejam). Vejamos:

A conjunção seja, por ser conjunção é invariável. Está, portanto,

corretíssima a seguinte passagem da coluna “coisas de política”, de

Rosângela Bittar (Jornal do Brasil, 24-12-96): “Portanto ficam sem

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fundamento as interpretações de recentes declarações do presidente

sobre o plebiscito, seja as feitas a deputados (...), seja as expostas em

entrevistas (...) A tendência do usuário da língua seria pôr no plural as

duas ocorrências de seja (grifo nosso).

Notamos que Carvalho classifica como um “erro” o uso flexionado da

conjunção seja...seja. No entanto, veremos no decorrer do nosso trabalho que

encontramos em nosso corpus, que é representativo da língua padrão, alguns dados da

conjunção seja flexionada. O autor condena também o uso de conjunções não-

espelhadas11. Vejamos:

O falante é livre para escolher uma conjunção alternativa entre várias

ao seu dispor. Uma vez escolhida, a conjunção deve manter-se a

mesma até o fim do período composto. Evitem-se, portanto,

construções como: “Ele sairá quer você queira ou não (queira)”. Ele

ficou triste seja porque você o ofendeu, ou porque não gostou do que

você disse” (Na primeira ocorrência, ou deve ser substituído por quer:

quer não queira; na segunda ocorrência , ou deve ser substituído por

seja: seja porque não gostou...Em ambos os casos, a correção visa

manter um principio de paralelismo de construção).(CARVALHO

2011, p.365).

Percebemos que o autor, além de condenar o uso das conjunções não-espelhadas,

afirma que estas devem ser substituídas pela conjunção equivalente para não “ferir” o

paralelismo das construções, desconsiderando que a escolha do falante vai muito além

do paralelismo formal envolvido no discurso.

Notamos, ainda, a partir do quadro anterior, que Rocha Lima (1999) e Cunha e

Cintra (2001) apesentam uma noção equivocada de alternância, pois desconsideram o

fato de que a alternância nem sempre indica exclusão, podendo indicar também

inclusão, como veremos ao longo deste trabalho.

Mateus et alii (2003, p. 563) englobam a correlação dentro da coordenação e

afirmam que a coordenação pode ser estabelecida por meio de conjunções simples ou

correlativas:

As conjunções podem ocorrer isoladamente, como e, nem, ou ,mas.

Podem, contudo exigir a presença de um correlato no primeiro

11 Conjunções não espelhadas são as compostas por dois itens desiguais. Por exemplo: seja...ou.

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membro de coordenação. No primeiro caso, as estruturas de

coordenação mobilizam uma conjunção simples; no último caso,

locuções conjuncionais assumem a forma de uma expressão

descontínua, as chamadas conjunções correlativas.

Pezatti e Longhin-Thomazi (2008, p.898), ao referir-se à relação de disjunção,

afirmam que esta pode ser efetuada por meio da conjunção ou, simples e dupla. Essa

obra, por ter como objetivo uma análise do português em uso, é uma das poucas que

fazem referência à correlação instanciada por seja...ou. As autoras afirmam que esses

correlatores, diferentemente do que “preveem as convenções normativas”, apresenta

duas conjunções distintas para estabelecer a ligação de prótase e apódose:

A ocorrência de seja…seja manifesta , na realidade, uma forma de

repetição do predicado verbal, que parece estar se gramaticalizando

como conjunção e cuja associação com ou é frequentemente

licenciada, com valor concessivo, como é possível verificar numa

sentença como “Sejam os réus ricos ou pobres, a justiça tem que

aplicar-se”.

Raposo et alii (2013, p. 1777) admitem existir dois tipos de coordenação: a

coordenação simples e a correlativa, que pode ser feita “por duas conjunções ou

locuções, cada uma delas introduzindo um dos termos (e a segunda articulando o

primeiro com o segundo)”. Os autores ressaltam que os dois elementos que formam a

coordenação correlativa são, na verdade, um só e devem ser considerados como uma

única “conjunção de natureza complexa”. Com isso, os autores consideram dois tipos

de conectores correlativos:

- Aquele em que cada parte do conector é formada por uma conjunção simples e o todo

formado pelo seu redobro, como quer...quer, ou..ou, ora...ora, nem...nem.

- E o caso em que o conector é formado por um ou mais elementos de natureza

adverbial, como não só...mas também, não só... como (também).

Percebe-se, por meio dos conectores apresentados, que Raposo et alii (2013)

também não fazem referência a outros correlatores que serão mencionados neste

trabalho como o seja...ou, por exemplo. Aliás, não apresentam qualquer característica

que os encaixem nos dois tipos de conjunções apresentadas, já que não apresentam

conjunções repetidas nem são de base adverbial.

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Embora Raposo et alii (2013) não tenham enquadrado o correlator seja...seja

junto aos outros mencionados, ele é citado pelos autores em nota de página. Afirmam

os autores: “A forma verbal seja também pode ser usada como conjunção correlativa,

como em seja o Antônio, seja o Manuel”.

Os autores destacam, ainda, a relação de interdependência estabelecida pelas

conjunções correlativas, formando, assim, uma “unidade estrutural” em que nenhuma

das partes pode ser omitida. (RAPOSO et alii 2003, p. 1778).

É importante ressaltarmos, no entanto, que essa gramática portuguesa prestigia

o padrão culto da língua, por isso não menciona alguns correlatores encontrados em

nossa pesquisa. Ressaltamos também que, embora os autores tenham mencionado a

correlação, eles não a consideram como um fenômeno independente dos outros

processos de estruturação do período.

Langacker (2008) afirma que a coordenação com ou, definida pelo autor como

“combinação”, é mais elaborada e mais difícil de ser caracterizada, por exemplo, do que

a combinação com e. O autor explica que, enquanto na combinação com e temos uma

justaposição mental simples em que apenas uma imagem é invocada, na combinação

com ou duas imagens são invocadas para que uma exclua a outra.

O autor ressalta que, apesar de a disjunção evocar dois espaços mentais, ambos

são equivalentes. Assim sendo, a simetria se mantém, já que os conjuntos (sintagmas)

participantes são gramaticalmente equivalentes e paralelos, assim como na adição.

Entretanto, o autor chama a atenção para o fato de que a equivalência e a simetria

COMPLETAS nunca podem ser alcançadas na prática e é justamente por isso, segundo

Langacker (2008), que a coordenação com ou é comumente descrita como disjunção, e

não conjunção. É importante ressaltarmos que o autor considera apenas a alternância

exclusiva, e não a inclusiva.

Ramat e Mauri (2011), em trabalho sobre a gramaticalização da coordenação,

trazem uma importante contribuição para uma melhor compreensão da relação

disjuntiva. Os autores apontam que a disjunção é um dos principais tipos de relações

presentes na coordenação, separando os tipos de relações coordenativas em dois grupos:

a) conectivos conjuntivos e disjuntivos e b) conectivos adversativos.

De acordo com os autores, os conectores disjuntivos são menos gramaticalizados

que os adversativos, por serem menos renováveis ao longo do tempo, ou seja, serem

mais estáticos. Seriam mais estáticos no sentido de serem menos utilizados pelos

usuários da língua do que os adversativos, por exemplo.

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Outra razão apresentada para tal fato é que conectivos disjuntivos são

caracterizados por um menor grau de intersubjetividade, que, por sua vez, determinam

uma necessidade menos urgente de expressividade e renovação.

Feita a revisão da bibliografia, no capítulo seguinte, apresentamos os

pressupostos teóricos que balizam a presente pesquisa.

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Este capítulo está dividido em quatro seções. Na primeira, apresentamos a

Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU) em linhas gerais. Na segunda seção,

delineamos os pressupostos centrais da Gramática de Construções, que se revela como

aporte teórico fundamental para essa pesquisa. Em seguida, tratamos de dois conceitos

fundamentais para a compreensão de um dos aspectos do fenômeno que estamos

investigando: a neoanálise e a analogização. Por fim, trataremos dos processos de

construcionalização e mudanças construcionais, igualmente basilares para essa

pesquisa.

2.1 A Linguística Funcional Centrada no Uso

Neste capítulo, apresentamos a base teórica central que norteia a análise das

construções correlatas alternativas contempladas nesta pesquisa. A Linguística

Funcional Centrada no Uso (LFCU) representa a união de pressupostos teórico-

metodológicos da Linguística Funcional de vertente norte-americana nos modelos de

Talmy Givón, Paul Hopper, Christian Lehmann, entre outros com a Linguística

Cognitiva, na linha de Willian Croft, George Lakof, Adele Goldberg, entre outros.

A Linguística Funcional norte-americana ganha destaque na década de 70 e

prioriza o contexto linguístico e a situação comunicativa na análise da estrutura da

língua. Com isso, a língua passa a ser investigada em seus contextos efetivos de

comunicação e como um instrumento de interação social. Nessa perspectiva, discurso e

gramática tornam-se indissociáveis, ou seja, ambos interagem causando influência um

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sobre o outro.

De acordo com Furtado da Cunha (2013, p. 9), na Linguística Funcional,

a sintaxe é compreendida como uma estrutura em constante mutação

em consequência das vicissitudes do discurso, ao qual se molda. Ou

seja, há uma forte vinculação entre discurso e gramática : a sintaxe

tem a forma que tem em razão das estratégias de organização da

informação empregadas pelos falantes no momento na interação

discursiva.

Sendo assim, o falante reorganiza a gramática em função do uso e da sua

necessidade comunicativa, ou seja, a gramática é afetada pelas experiências dos

usuários com a língua.

A Linguística Cognitiva surge na década de 70, a partir dos trabalhos de George

Lakoff e Charles Filmore como uma reação aos estudos de base gerativista,

principalmente no que diz respeito à concepção tradicional do gerativismo, de que os

humanos apresentam capacidades inatas específicas para aprender as línguas naturais.

De acordo com os cognitivistas, o estudo da linguagem não é independente de

outras faculdades mentais. O comportamento linguístico é visto como reflexo de

capacidades cognitivas, e a estrutura da linguagem é concebida como uma manifestação

de capacidades cognitivas gerais, de princípios de categorização, de mecanismos de

processamento e da experiência cultural, social e individual.

Ronald Langacker (1991) afirma que a gramática constitui um conjunto de

princípios dinâmicos que se associam a rotinas cognitivas que são moldadas, mantidas e

modificadas pelo uso. Com isso, a construção do significado é negociada pelo falante no

discurso.

Sendo assim, nessa abordagem, as categorias linguísticas são calcadas na

experiência social do indivíduo, ou seja, elas nascem a partir da experiência que o

indivíduo adquire socialmente. Nesse sentido, as construções linguísticas são vistas

como esquemas cognitivos relativamente automatizados comunicativamente.

Verificamos, dessa forma, que essas duas correntes compartilham vários

pressupostos, os quais são assumidos pela LFCU:

Rejeição à autonomia da sintaxe e incorporação da semântica e da

pragmática às análises; não distinção estrita entre léxico e sintaxe;

relação estreita entre estruturas das línguas e o uso que os falantes

fazem delas nos contextos reais de comunicação; entendimento de que

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os dados para análise linguística são enunciados que ocorrem no

discurso natural. (FURTADO DA CUNHA, 2012, p.29)

Observamos que, a partir dessa fusão, a gramática passa a ser concebida como

uma representação da experiência dos indivíduos com a língua, considerando, ainda,

que há padrões regulares de uso e formas emergentes ao mesmo tempo, ou seja, a

estrutura da língua emerge à proporção de seu uso, e a gramática é compreendida como

em constante adaptação em consequência do discurso.

De acordo com Furtado da Cunha (2012), pode-se dizer que a língua é vista

como instrumento de comunicação não-autônomo e está submetida às pressões

comunicativas do meio no qual se insere, ou seja, ao uso, o que é refletido diretamente

sobre sua estrutura linguística. As aparentes instabilidades são motivadas e modeladas

pelas práticas discursivas dos usuários da língua em seu cotidiano. Ainda de acordo

com a autora, a LFCU procura explicar os fatos linguísticos levando em conta suas

funções semântico-cognitivas e discursivo-pragmáticas.

Tomasello (1998, p. 15), apud Funtado da Cunha (2012) ressalta a importância

que essa teoria confere à interação verbal:

De acordo com essa visão, as línguas são moldadas pela interação

complexa de princípios cognitivos e interacionais que desempenham

um papel crucial na mudança linguística, na aquisição e no uso da

língua. Assim, a lingua(gem) constitui um mosaico complexo de

atividades comunicativas, cognitivas e sociais estreitamente

integradas a outros aspectos da psicologia humana.

Observa-se que a concepção de sintaxe adotada pela LFCU corresponde às

noções de “gramática emergente” de Hopper (1987). O autor entende a gramática da

língua como um estatuto que vai sendo negociado na fala e que não pode ser separado

das estratégias de construção do discurso. Com isso, a gramática não pode ser vista

como um produto acabado, mas em constante transformação, sendo compreendida,

ainda, como esquemas simbólicos que são utilizados na produção do discurso,

motivada não só por fatores comunicativos, mas também por fatores cognitivos.

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Esta pesquisa baseia-se na Linguística Funcional Centrada no Uso, uma vez que

trabalha com dados reais de comunicação, coletados de um corpus de língua em uso, e

analisa contextos em que as construções alternativas aparecem, considerando não só

seus aspectos sintático-semânticos, mas também seus fatores pragmáticos.

2.2. Gramática de Construções

O primeiro a fazer uso do termo construção foi Cícero, orador romano, no

primeiro século da era cristã, para referir-se a um grupo de palavras. Desde então, o

termo tem passado por transformações diversas em seu significado. No entanto,

observamos que a análise linguística voltada para as construções, como o conceito tem

sido tomado nas pesquisas atuais, é recente na literatura, sendo inaugurada a partir de

meados da década de 1980 com os trabalhos de Fillmore, Kay & O’Connor (1988),

Goldberg (1995, 2006), Croft (2001, 2009) entre outros.

É importante ressaltar que, a depender da linha teórica à qual a pesquisa se

insere, o termo construção pode assumir acepções diferenciadas. Veremos a visão de

construção adotada por alguns autores.

Goldberg (1995) advoga a favor do reconhecimento das construções como

unidades básicas da língua. A autora define a construção como um pareamento de

forma e significado. Observemos, a seguir, a definição apresentada por Goldberg

(1995):

C é uma CONSTRUÇÃO se e somente se C é um pareamento

forma/significado <Fi, Si> de modo que algum aspecto de Fi ou do Si,

não é estritamente previsível a partir de partes componentes de C ou a

partir de outras construções previamente estabelecidas12.

(GOLDBERG, 1995, p. 4)

Segundo a autora, o significado geral da construção independe dos significados

de suas partes. Goldberg (1995, p. 40) defende que as construções correspondem a tipos

12 “C is a CONSTRUCTION iff def C is a form-meaning pair <Fi, Si> such that some aspect of Fior some

aspect of Si is not predictable from C’s component parts or from other previously established

constructions.”

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de sentenças básicos da língua e que o significado da construção está atrelado a eventos

da experiência humana. A autora define essa perspectiva como “semântica de frames”,

em que os eventos automatizados da experiência do indivíduo relacionam-se com o

significado da construção.

O estudo de Goldberg (1995) discorre também sobre a diferença de significados

das constuções, afirmando que a condição para que uma outra construção exista é que

não seja igual a nenhuma outra já existente. Com isso, a autora demonstra que

construções formadas pelos mesmos itens e por estruturas sintáticas semelhantes podem

assumir significados diferenciados.

A partir disso, a autora formula o princípio da não sinonímia da forma

gramatical. Segundo esse princípio, “se duas construções são sintaticamente distintas,

elas também devem ser semântica ou pragmaticamente distintas”. Esse princípio,

segundo Goldberg (2005, p. 67), subdivide-se em dois corolários:

Corolário A: Se duas construções são sintaticamente distintas e semanticamente

sinônimas, então elas não devem ser pragmaticamente sinônimas.

Corolário B: Se duas construções são sintaticamente distintas e pragmaticamente

sinônimas, então elas não devem ser semanticamente sinônimas.

A autora ressalta que os aspectos pragmáticos envolvem elementos de sua

estrutura informacional como tópico, foco e aspectos estilísticos. A abordagem

apresentada por Goldberg (1995) configura-se como base de sustentanção para a

hipótese central deste trabalho, ou seja, a de que a construção correlata alternativa é uma

construção diferente da coordenada alternativa. Afinal, embora tais construções

apresentem semelhanças, a construção correlata apresenta um significado diferenciado.

Observemos13:

,a - Sempre que aparecem rachaduras ou ferrugem na estrutura, eles são acionados por

reação química, refazendo-a automaticamente. (coordenada)

13 O exemplo (a1) faz parte dos dados coletados da revista Veja on line, que constitui o corpus adotado

para a análise de dados desta dissertação. O exemplo (a) foi criado apenas a título de comparação.

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a1- Sempre que aparecem ou rachaduras ou ferrugem na estrutura, eles são acionados

por reação .

Revista Veja on-line, ed. 02/01/2013, pág.52

Verificamos que, embora a e a1 apresentem estruturas sintáticas semelhantes,

não são sinônimas em termos de significados: em a, observamos que podem aparecer

rachaduras ou ferrugem (leitura exclusiva), mas também podem aparecer ambas -

rachaduras e ferrugem (leitura inclusiva).

No entanto, na construção a1, a interpretação só admite a ideia de exclusão, já

que um elemento necessariamente rechaça o outro, ou seja, a leitura aditiva (rachaduras

+ ferrugem) não é licenciada.

Nos próximos capítulos, discutiremos o assunto com mais detalhes, mas

observamos que, pautados na afirmativa de Goldberg (1995), a construção correlata

alternativa configura-se como uma nova construção, pois apresenta um significado

particular que a diferencia da típica coordenada alternativa, apesar de serem

semelhantes.

Goldberg (2006) amplia o conceito de construção, afirmando que todos os níveis

de análise gramatical envolvem construções. Segundo a autora, a construção é uma

forma, pertencente a qualquer nível gramatical, ligada a um determinado sentido, função

pragmática ou componente informacional. Com isso, a autora abarca também os

modelos estocados na mente dos falantes como construção.

Bybee (2010), em uma acepção muito semelhante a Goldberg (2006), afirma que

construções são pareamentos de forma e significado, ressaltando que o significado

também inclui a pragmática. De acordo com a autora, a construção é parcialmente

esquemática e apresenta “posições abertas” a diversos tipos de preenchimentos (slots),

contendo ainda partes fixas que são de grande importância para o reconhecimento de

seu modelo exemplar. Com isso, novas construções surgem apoiadas nos modelos

exemplares de velhas construções.

A autora, em Language, usage and cognition, apresenta as razões por adotar

uma abordagem baseada nas construções:

Construções são unidades particularmente apropriadas para a

formulação de uma explicação de domínio geral da natureza da

gramática. Primeiro, a formação, a aquisição e o uso de construções

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está estreitamente relacionado ao processo de domínio geral chunking,

através do qual porções de experiência que são repetidamente

associadas são reembaladas em uma única unidade. Segundo, o

desenvolvimento das porções esquemáticas de construções é baseado

em categorizações específicas do item, estabelecidas por semelhança,

uma outra habilidades de domínio geral14. (BYBEE 2010, p.31)

Desse modo, compreendemos que a autora considera que a análise da língua

pautada em uma abordagem construcional é mais apropriada por englobar domínios

gerais que contribuem para a criação de estruturas linguísticas.

Outra base teórica para esta pesquisa está calcada em Traugott e Trousdale

(2013), para quem a língua é considerada uma rede de nós, de relações entre

construções, em que as mudanças estão interconectadas. Alguns nós da rede

constructional são representados por esquemas, outros por subesquemas e outros por

microconstruções com diferentes níveis de esquematicidade.

De acordo com Oliveira e Batoréo (2014) o esquema se configura como o

nível mais abtrato e virtual da construção, o subesquema como um conjunto de

construções específicas e os types, as construções individuais.

Segundo Traugott e Trousdale (2013), a metáfora da rede tem sido

desenvolvida em várias teorias da linguística cognitiva e desempenha um importante

papel nos modelos de gramática desenvolvidos por Goldberg (1995), Croft (2001) e

Langacker (2008), entre outros, sendo inclusive coerente com a visão de Bybee

(2010, p. 50) de que “a padronização da língua faz parte de nossa capacidade de

domínio geral de categorizar, estabelecer relações, e para operar em ambos os níveis

locais e globais”.

Observamos que a proposta da gramática como rede é central na linguística

cognitiva e coerente com a visão de construção de todos os autores aqui abordados,

“devido à noção chave de que a organização da língua não é intrinsecamente diferente

da organização de outros aspectos da cognição” (TRAUGOTT E TROUSDALE,

2013, p. 50), ou seja, o conhecimento da língua faz parte de um sistema de

14 constructions are particularly appropriate units for formulating a domain-general account of the nature

of grammar. First, as mentioned in the previous chapter, the formation, acquisition, and use of

constructions is closely related to the domain-general process of chunking, by which bits of experience

that are repeatedly associated are repackaged into a single unit. Given human sequential-learning

capacities, even rather long constructions can be unified into chunks through repetition. Second, the

development of the schematic portions of constructions is based on item-specific, similarity-based

categorization, another domain-general cognitive ability.

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conhecimento maior, que inclui todos os outros tipos de conhecimento.

De acordo com Croft (2001), a relação existente entre forma e significado é

interna à construção e não existem relações sintáticas independentes dela. Com isso, o

autor afirma que a unidade básica da gramática é a construção, que é considerada

uma “unidade simbólica convencional”.

Ainda na visão de Croft (2001), as construções são unidades em que há uma

correspondência ente forma e sentido. A forma compreende propriedades sintáticas,

morfológicas e fonológicas, e o sentido compreende propriedades semânticas,

pragmáticas e/ou discursivo-funcionais.

A seguir, observamos a representação de construção apresentada por Croft:

CONSTRUÇÃO

Propriedades sintáticas

Propriedades morfológicas FORMA

Propriedades fonológicas

↓ ← CORRESPONDÊNCIA SIMBÓLICA

Propriedades semânticas

Propriedades pragmáticas SENTIDO

Propriedades discursivo-funcionais

Nessa perspectiva, as propriedades ligadas à forma abrangem aspectos mais

convencionais da língua, enquanto que o sentido refere-se a todos os aspectos

convencionalizados da função da construção, incluindo as particularidades da

situação descrita no enunciado, as propriedades do discurso em que este ocorre e o

próprio contexto de uso (CROFT, 2001).

Observamos, neste capítulo, a visão de construção de vários autores que

seguem as diferentes vertentes das gramáticas de construções. Nesta pesquisa,

construção é definida como um pareamento de forma e sentido que apresenta

significado próprio, esquemático, parcialmente independente das palavras que a

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compõem, servindo, pois, como um esquema ou modelo que reúne o que é comum a

um conjunto de elementos da mesma natureza (cf. GOLDBERG, 1995).

Nessa perspectiva, a gramática é vista em sua totalidade, ou seja, nenhum

nível é central, e forma e significado são pareados como iguais, passando a

funcionar como unidades básicas e centrais da língua, operando em diferentes níveis

da gramática. Com isso, a Gramática de Construções prevê que todas as unidades

da língua são simbólicas – desde morfemas simples, passando por expressões

idiomáticas, estruturas sintáticas (GOLDBERG, 1995, 2006), até padrões mais

abstratos.

2.3. Neoanálise e analogização

A abordagem construcional da gramática representa uma contribuição

importante para entendermos com mais precisão as mudanças que ocorrem nas

contruções ao longo do tempo. A partir dos mecanismos apresentados pela

abordagem construcional, conseguimos compreender, por exemplo, como e por que

as construções se modificam.

Traugott e Trousdale (2013) definem os principais mecanismos de mudança

como analogização e neonálise, ressaltando a diferença entre os mecanismos

(analogização e neoanálise) e as motivações (parsing e pensamento analógico) para as

mudanças. Segundo os autores, os mecanismos buscam explicar como as mudanças

ocorrem, já as motivações representam o porquê de as mudanças acontecerem.

O termo analogização era tradicionalmente conhecido nos estudos funcionalistas

como analogia. Bybee (2010), por exemplo, afirma que, por meio do processo da

analogia, novos enunciados são produzidos com base no reconhecimento de outros

enunciados já vivenciados em experiências discursivas anteriores. Sendo assim, na

analogia, as mudanças ocorrem com base em um padrão já existente que serve como

modelo para a criação de novos padrões.

Traugott e Trousdale (2013) não descartam as perspectivas anteriores a respeito

do conceito de analogia. Eles apenas realinham os termos para ressaltar, como já

citamos, as diferenças entre mecanismos e motivações envolvidos no processo de

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mudança, ressaltando ainda, a importante distinção entre pensamento analógico e

analogização.

O pensamento analógico, segundo os autores, combina aspectos de sentido e

forma; permite, mas pode ou não resultar em mudança, e pode ser visto como um

processo necessário e que vem antes da analogização. O pensamento analógico é a

motivação para que o mecanismo da analogização ocorra.

De acordo com Traugott e Trousdale (2013), analogização é o mecanismo ou

operação de mudança que traz alinhamentos e combinações de sentido e forma que não

existiam antes. Há, por meio dos alinhamentos, uma reconfiguração nas características

de uma construção. Os autores ressaltam que o fato de a analogização envolver

reconfiguração ou alinhamento de construções implica micropassos de mudança, ou

seja, neoanálise.

A neoanálise, conhecida tradicionalmente nos estudos funcionalista como

reanálise, ocorre quando há a criação de uma nova estrutura e envolve mudanças

morfossintáticas, semânticas, pragmáticas e fonológicas. A neoanálise é considerada um

micropasso da mudança construcional, em que formanova e significadonovo são formados

a partir do modelo da Gramática de Construções.

Com isso, os autores afirmam que analogização é neoanálise, no entanto, nem

toda neoanálise envolve analogização. Se as neoanálises forem baseadas em

exemplares, em um modelo, elas são analogizações que podem ser vistas como um tipo

de neoanálise.

Os mecanismos de mudança apresentados por Traugott e Trousdale (2013)

colaboram com nossa pesquisa, pois convergem com a visão de construção aqui

adotada. A proposta dos autores é especialmente útil para explicar o aparecimento na

língua de alguns types de construções alternativas encontrados em nossa análise

(seja…ou, quer…ou e nem…ou) que foram formados a partir de processo de

analogização com base em modelos já convencionalizados na língua de construções

correlatas alternativas. Abordaremos essa questão com maior ênfase na análise de

dados.

2.4. Construcionalização e mudança construcional

Ainda no que se refere às mudanças sofridas pelas construções, Traugott e

Trousdale (2013) afirmam que elas podem resultar de dois modelos: mudanças

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construcionais e construcionalização.

A construcionalização é um tipo de mudança em que há a formação de

formanova-significadonovo. Há a criação de um novo nó na rede construcional através de

uma sequência de neoanálises da forma e do significado, criando-se uma nova

construção, com significados e formas inteiramente novas. Na construcionalização, há

mudanças em vários níveis da construção como os graus de esquematicidade,

composicionalidade e produtividade.

A esquematicidade, segundo Traugot e Trousdale (2013), é uma propriedade da

categorização que envolve abstração. Os esquemas são modelos de experiência

rotinizados ou cognitivamente entrincheirados. Mudanças na esquematicidade

possibilitam a criação de “slots” e participação em paradigmas.

A composicionalidade refere-se à correspondência ou incompatibilidade entre

aspectos da forma e aspectos do significado. Se a leitura, o significado de uma

construção é feita, levando em conta o valor semântico de cada item que a compõe,

temos então uma construção composicional. Entretanto, se compreendemos o

significado de uma construção a partir do todo, de forma holística, essa construção é

menos composicional.

A produtividade diz respeito à frequência com que uma construção gera novos

types. Quanto mais types de microconstruções são gerados a partir da construção, mais

produtiva ela será considerada.

Verificamos, assim, que a construcionalização gera um novo par forma-função,

um novo signo na rede construcional. No entanto, observaremos que nem sempre a

mudança linguística resultará em um novo nó na rede como ocorre na mudança

construcional.

As mudanças construcionais afetam apenas alguns dos componentes da

construção como a sintaxe, a morfologia, a semântica e a pragmática e podem preceder

ou acompanhar a construcionalização. Mudanças construcionais, de acordo com

Traugott e Trousdale (2013, p. 46), “envolvem novos links entre características de nó na

rede, mas não novos nós .” 15(tradução nossa).

Sendo assim, observamos que a mudança ocorre em alguns níveis e não resulta

em par (forma-significado) novo como ocorreu com alguns dos types de construção

15 Constructional changes involve new links among features of a network node, but no new node in the network. (TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p.46)

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alternativa encontrados em nossa análise que apresentaram uma mudança na forma, mas

não no significado. Veremos essa questão com mais precisão na análise de dados.

Ressaltamos que todos os autores aqui citados contribuíram para a visão de

construção adotada nesta pesquisa, no entanto, os principais autores que serviram

para a análise das construções correlatas alternativas foram os seguintes: Goldberg

(1995), Croft (2001) e Traugott e Trousdale (2013).

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Como vimos expondo ao longo do trabalho, a pesquisa tem como objetivo

principal analisar o comportamento das construções correlatas alternativas em situações

reais de comunicação. Sendo assim, a escolha por uma análise pautada na Linguística

Funcional Centrada no Uso se justifica, tendo em vista que nossa pesquisa foi feita com

base em um veículo de comunicação da atualidade, ou seja, um instrumento da língua

em uso, e não em frases criadas artificialmente.

Objetivamos também buscar características particulares da construção

correlata alternativa por meio da análise de padrões oracionais e não-oracionais,

funções sintático-semânticas e por meio da possível sobreposição de valores semânticos

que podem emergir em algumas dessas construções.

A partir dos objetivos traçados, o passo seguinte foi a escolha do corpus.

Essa escolha não foi aleatória, já que levamos em conta a constatação de pesquisas

anteriores como a de Módolo (2008) e Rosário (2012) que enfatizaram a correlação

como um recurso formal/funcional mais utilizado em textos de cunho argumentativo.

Observemos a afirmação de Módolo (2008, p. 1101):

Não há dúvida de que a língua falada e a língua escrita exploram de

modo diverso os elementos que constituem as conjunções correlatas.

Mais produtivas nos textos escritos, sobretudo quando se quer ouvir

mais de uma voz em debate, as correlatas têm seu nicho em textos

fortemente argumentativos.

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Sendo assim, estabelecemos como corpus o acervo digital da Revista Veja on

line, um corpus de língua escrita, que adota um discurso mais formal e que possui

diversas seções com textos argumentativos.

Para a apresentação dos procedimentos metodológicos aqui adotados, dividimos

este capítulo em duas seções. Na seção 3.1, apresentamos a caracterização do corpus, e

detalhamos as etapas da coleta de dados e mostramos como tais etapas foram sendo

modificadas em função do objetivo e encaminhamento da pesquisa. Em seguida, na

seção 3.2, apontamos quais critérios foram adotados na análise dos dados, justificando-

os e demonstrando como foram aplicados.

3.1. Caracterização do corpus

O corpus escolhido para análise foi o acervo digital da Revista Veja on-line

que se encontra disponível na página http://www.veja.abril.com.br e que disponibiliza

edições desde 1968 até a data presente. A revista contempla diversos gêneros

textuais, como entrevistas, artigos de opinião, cartas do leitor etc.

Inicialmente, buscamos no corpus apenas as construções correlatas alternativas

que são o objeto de estudo de nossa pesquisa, no entanto, posteriormente, julgamos

que seria necessário olharmos também para a construção alternativa não correlata, a

fim de buscarmos características que a diferenciassem da construção correlata.

É importante mencionarmos, no entanto, que esta não é uma pesquisa

comparativa. Foram coletados apenas alguns dados da construção coordenada, ou seja,

não correlata, com o intuito de afirmarmos o estatuto particular da construção

correlata. Alguns dos dados encontrados foram:

Construção correlata alternativa:

a - Ótima reportagem da jornalista Tatiana Gianini (“O México pronto para decolar, 3

de abril) . Ou cultivamos as eternas virtudes do livre mercado ou optamos pelo

estatismo fanático e afundamos no lamaçal boliviano, com a Venezuela e a Argentina. Revista Veja on-line, ed. 10/04/2013

Construção coordenada alternativa

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b - A boa vontade com o Brasil é imensa. Somos um país pacífico, unificado pelo

idioma sem disputas étnicas ou religiosas, com uma população que começa a ter

oportunidades iguais de educação e ascenção social. Revista Veja on-line, ed. 15/01/2014, pág. 33

Em uma primeira análise, coletamos os dados apenas em textos argumentativos.

Foram analisados textos de 12 edições da Revista Veja on-line no período de março a

maio de 2013, sendo encontradas 17 ocorrências de construções correlatas alternativas.

Observemos:

Tabela 1 - Primeiros resultados

ou…ou 9

seja…seja 6

ora…ora 2

Total 17

Devido à baixa frequência de dados encontrados, avaliamos que seria

necessário alargarmos o corpus e coletarmos os dados em todas as seções da revista.

Concluímos, a partir disso, que essa poderia ser uma análise muito produtiva, pois nos

permitiria a observação do gênero em que apareceria um maior número de construções

correlatas alternativas.

No entanto, a análise calcada nos gêneros textuais foi abordada apenas em um

primeiro momento. Em seguida, para um maior refinamento da pesquisa, optou-se pela

análise com base em sequências tipológicas, tendo em vista que esse seria um critério

mais acertado para a análise do fenômeno. A partir disso, a análise contemplou 61

edições da revista no período de janeiro de 2013 a fevereiro de 2014. Foram

encontradas 205 ocorrências (tokens) da construção correlata alternativa.

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3.2 Fatores de análise

Em seguida, adotamos alguns fatores de análise que julgamos ser relevantes na

observação dos dados, com o objetivo de obtermos uma descrição mais completa dos

valores sintático-semânticos das construções correlatas alternativas. Eis os critérios

observados:

a) Correlatores espelhados e não-espelhados;

b) Interdependência;

c) Ordem das construções correlatas;

c) Padrão oracional e não- oracional;

d) Sequências tipológicas;

e) Leitura semântica de exclusão ou inclusão;

f) Sobreposição de valores semânticos.

Vejamos cada um desses fatores de maneira detalhada.

3.2.1. Correlatores espelhados e não-espelhados

Módolo (2011) afirma que os pares correlatos em português podem ser formados

pela repetição do mesmo elemento conjuntivo, denominando-os como espelhados, ou

pelo uso de elementos conjuntivos distintos, ou seja, não-espelhados. O autor ressalta

que Maciel (1914) é o único dos autores consultados, em língua portuguesa, que se

preocupou em fazer uma classificação formal desse fenômeno linguístico, rotulando-o

em construções similares (correlativas espelhadas) e dissimilares (correlativas não

espelhadas).

Com base nessas afirmações, julgamos que seria importante analisarmos esse

aspecto em nossos dados com o intuito de observarmos se o espelhamento ou não das

construções traria informações que pudessem ser relevantes para a nossa análise. Sendo

assim, observamos se as construções correlatas apresentavam-se por formas espelhadas

ou não espelhadas, e se haveria uma tendência entre essas construções por espelhamento

ou não-espelhamento.

3.2.2 Interdependência

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A escolha pela observação do critério da interdependência foi pautada em

Rodrigues (2007), que, seguindo a orientação proposta por Oiticica (1952),

estabeleceu a distinção entre a correlação e os outros processos de estruturação da

seguinte forma:

a) Subordinação – processo de hierarquização de estruturas em que as orações são

sintaticamente dependentes.

b) Coordenação – processo em que as orações são sintaticamente independentes

uma das outras, caracterizando-se pelo fato de implicarem paralelismo de

funções ou valores sintáticos idênticos.

c) Correlação – processo em que “duas orações são formalmente

interdependentes, relação materializada por meio de expressões correlatas”.

(cf. RODRIGUES 2007, p. 231)

Melo (1978, p. 121) também já havia feito menção à interdependência como

característica da correlação. Observemos:

(A correlação) é um processo sintático irredutível a qualquer dos

outros dois (subordinação ou coordenação), um processo mais

complexo, em que há, de certo modo, interdependência. Nele, dá-se

a intensificação de um dos membros da frase, ou de toda a frase,

intensificação que pede um termo. (MELO, 1978, p. 152, grifo nosso)

A partir disso, concluímos que a observação da presença ou ausência de

interdependência nas construções correlatas alternativas seria importante para nossa

análise, para confirmarmos se a construção correlata alternativa apresenta a

interdependência típica da correlação ou não.

3.2.3 Ordem das construções correlatas

Outro critério aplicado na análise dos dados foi a possibilidade de inversão

apresentada pelas construções correlatas encontradas. A adoção desse critério levou em

conta o fato de a iconicidade ser apontada como característica da coordenação por

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diversos autores. De acordo com Lima-Hernandes (1998, p. 96), “gramáticos e

funcionalistas partilham a ideia de que construções paratáticas não admitem inversão,

porque são regidas pelo princípio da iconicidade linguística”.

Outro fator que motivou a escolha deste critério de análise foi a afirmação de

alguns autores de que a coordenação alternativa se apresenta como exceção, já que,

em alguns casos, a inversão é possível sem prejuízo da informação.

Rocha Lima (2009, p. 260), por exemplo, ressalta que “nem sempre é indiferente

a ordem das orações no período composto por coordenação” e acrescenta que elas “se

hão de dispor conforme o sentido e a sucessão lógica dos fatos”. O autor afirma,

em seguida, que “a inversão tem, todavia, lugar, quando sem ofensa da ordem verídica

e histórica dos fatos, a coordenação é feita por conjunções disjuntivas.” (ROCHA

LIMA, 2009, p. 261).

Neves (2000, p. 782) também afirma que “as construções com ou são

simétricas, isto é, os dois membros da disjunção podem facilmente permutar de posição,

com resultado de sentido que difere apenas do ponto de vista da distribuição da

informação.”

A autora chama atenção, por outro lado, para os casos em que algumas

construções com ou são assimétricas, ou seja, não podem ser permutadas, pois

apresentam uma ordem iconicamente motivada:

“Ordenam-se dois segmentos por subsequência temporal e/ou por

relação causa-consequência e/ou condicionante-condicionado, o que

constitui um caso típico de ordem iconicamente motivada: Abram

ou botamos a porta abaixo.” (NEVES, 2000, p. 783).

Nesse sentido, a abordagem da autora de filiação funcionalista destaca-se dos

demais autores por demonstrar que nem sempre a ordem é indiferente nas construções

alternativas.

Abreu (1997), na esteira de Haiman e Thompson, ao apresentar alguns critérios

para uma tentativa de descrição da coordenação e da subordinação, apresenta a ausência

de iconicidade como característica da subordinação, o que supostamente aproxima o

nosso objeto das estruturas subordinativas. Em seguida, após aplicação dos critérios, os

autores confirmaram a ausência de iconicidade das construções alternativas.

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Com isso, julgamos que seria necessário observar como as construções

correlatas alternativas se comportam. Sendo assim, procurou-se observar se há maior ou

menor possibilidade de inversão nas construções encontradas sem prejuízo da primeira

informação. Falamos em maior e menor possibilidade por acreditarmos, assim como

Neves (2000), que, ainda que a inversão seja válida, o efeito comunicativo obtido é

diferente, já que, a priori, nenhuma inversão é possível se procuramos conservar a

essência da primeira informação.

3.2.4. Padrões oracionais e não-oracionais

As gramáticas tradicionais, ao apresentarem a construção alternativa, a abordam

apenas na seção do período composto, o que nos faz pressupor que esse recurso é

apenas estabelecido entre orações. No entanto, como usuários da língua, sabemos que a

alternância pode ser estabelecida não só entre cláusulas, mas também entre palavras. A

partir disso, decidimos observar se esta intuição se confirmaria em nossos dados.

Assim, passamos a observar quais types de construções alternativas

apresentam-se com maior frequência em estruturas oracionais e/ou não oracionais,

observando quais fatores motivam a preferência dos types por uma ou outra estrutura.

Com isso, objetivamos observar se essa preferência está relacionada com o

traço semântico apresentado por cada type, pois, apesar de todos apresentarem a

alternância típica das construções alternativas, cada correlator pode servir a uma

necessidade particular. Caso contrário, não haveria a necessidade da criação de vários

types para estabelecer a alternância, como veremos posteriormente na análise de

dados.

3.2.5. Sobreposição de valores semânticos

Em uma primeira análise, na pesquisa piloto, observamos que algumas

construções correlatas alternativas pareciam apresentar sobreposição de valores

semânticos, pois além da disjunção inclusiva/exclusiva que se revela como marca

de prototipicidade desse tipo de construção, percebemos outros valores semânticos

adjungidos ao já esperado.

Sendo assim, verificamos que seria necessário olharmos com mais precisão para

essa questão. A partir disso, decidimos observar quais types apresentavam sobreposição

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de valores semânticos e quais os fatores motivadores para a ocorrência desse fenômeno.

Encontramos, logo na primeira análise, dados como o seguinte:

a - Com a aprovação da PEC das domésticas alguns maridos que se preparem: ou

ajudam nas tarefas domésticas ou sua esposa vai reivindicar direitos trabalhistas.

Revista Veja on-line, ed. 27/03/2013, pág 90

Observamos que, além da alternância típica, a construção acima apresenta um

valor secundário condicional, na prótase. Falaremos mais detalhadamente sobre o

assunto na análise dos dados em que apresentaremos outros tipos de sobreposições e

procuraremos outras ocorrências de construções com sobreposição semântica,

verificando que types favorecem a sobreposição, além de ou...ou.

3.2.6 Sequências tipológicas

Segundo Marcuschi (2005), os gêneros textuais são fenômenos históricos

profundamente vinculados à vida cultural e social, portanto, são entidades sócio-

discursivas e formas de ação social em qualquer situação comunicativa. A

expressão gênero textual é usada para nos referirmos aos textos que encontramos

em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas

específicas. São plásticos, não estáticos. Caracterizam-se, segundo Marcuschi (2005),

como eventos textuais altamente maleáveis e dinâmicos e surgem a partir das

necessidades e atividades sócio-culturais, inclusive as necessidades tecnológicas, já

que hoje temos muito mais gêneros que antes, justamente por essas necessidades.

Partindo do pressuposto básico de Marcuschi (2005), de que é impossível nos

comunicarmos sem a utilização de um gênero textual, julgamos que seria relevante

observarmos em nossa pesquisa em que gêneros textuais as construções correlatas

apareceriam com maior frequência. Segundo Marcuschi (2005, p.3)

Esta visão segue uma noção de língua como atividade social,

histórica e cognitiva. Privilegia a natureza funcional e interativa e

não o aspecto formal e estrutural da língua. Afirma o caráter de

indeterminação e ao mesmo tempo de atividade constitutiva da

língua, o que equivale a dizer que a língua não é vista como um

espelho da realidade, nem como um instrumento de representação

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dos fatos. Nesse contexto teórico, a língua é tida como uma forma de

ação social e histórica.

Sendo assim, em uma primeira análise, decidimos observar todos os gêneros

em que as construções correlatas alternativas apareceriam. Em seguida, avaliamos,

ainda calcados em Marcuscchi (2005), que seria mais relevante uma análise com base

em sequências tipológicas, ou seja, uma “espécie de construção teórica definida pela

natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais,

relações lógicas)” (MARCUSCHI, 2005, p. 22).

De acordo com o autor, as sequências tipológicas são mais limitadas em termos

quantitativos. São elas: narração, descrição, argumentação, injunção e exposição. Os

gêneros não são homogêneos, mas tipologicamente variados, podendo abarcar

diferentes tipos de texto em sua estrutura. Uma carta, por exemplo, pode conter diversas

sequências tipológicas como argumentativas, expositivas e até injuntivas, e essas

sequências alternam-se constantemente na ligação dos fatos e argumentos abordados.

A coesão, dessa forma, costuma ser construída à medida que as sequências

tipológicas vão sendo utilizadas. Assim, dizemos que há textos predominantemente

argumentativos, narrativos, descritivos etc. A partir disso, adotamos o procedimento de

olharmos as sequências tipológicas em que aparece um maior número de construções

correlatas alternativas.

3.2.7 Leitura semântica de exclusão ou inclusão

A disjunção exclusiva é apontada como uma particularidade de ou...ou por

alguns autores. Neves (2000), por exemplo, afirma que as disjunções com ou, ora

podem indicar inclusão, ora exclusão, destacando também que a disjunção com

ou...ou sempre será exclusiva. Barreto (1999, p. 443) afirmou que a conjunção

ou...ou originou-se da conjunção latina aut que também apresentava uma

interpretação exclusiva.

Alguns autores discorrem sobre o valor de inclusão e exclusão apresentado

pelas construções coordenadas e correlatas. Entre eles, destacamos Raposo et alii

(2013, p. 1778):

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Quanto a aparente exceção a este princípio da conjunção correlativa

ou...ou, consideramos aqui que ou simples é uma conjunção distinta

de ou...ou correlativo, não resultando, pois, de uma simplificação

desta por omissão do primeiro elemento. A corroborar esta análise

note-se que ou...ou tem preferencialmente uma leitura de disjunção

exclusiva, ao passo que ou simples pode ser exclusivo ou inclusivo:

assim, a interpretação mais natural da frase (exprimindo uma ordem)

ou ouves música ou lês leva à inferência pelo ouvinte de que apenas

umas das possibilidades são permitidas, algo que não acontece em

ouves música ou lês, que pode ser seguido por faz o que te apetecer.

Observamos que os autores, além de explicitarem as diferentes leituras que as

conjunções podem apresentar, chamam a atenção para o fato de que ou...ou e ou são

conjunções distintas e não podem ser vistas apenas como redução ou repetição de outra.

Esta afirmação dos autores converge com o que aqui afirmamos de que a correlação

alternativa é diferente da coordenação alternativa, não só na forma, mas também

pragmaticamente.

Diante de tais afirmações, decidimos observar se todas as construções com

ou...ou apresentavam, em nossos dados, a leitura semântica de exclusão, e observarmos

também como se comportavam os outros types de construção alternativa, a fim de

constatarmos se esta característica poderia ser estabelecida como uma traço particular

da correlação alternativa.

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4. ANÁLISE DE DADOS

Como citado, analisamos textos de 61 edições da Revista Veja on-line, no

período de janeiro de 2013 a fevereiro de 2014. Foram encontradas 205 ocorrências

de construções alternativas: 181 ocorrências de construções correlatas alternativas e

24 ocorrências das construções coordenadas alternativas que, como já foi falado,

apenas serviram como referência para que pudéssemos buscar características

particulares da construção correlata. Vejamos:

Tabela 2 – Dados de jan/2013 a fev/2014

CONSTRUÇÕES

ALTERNATIVAS

Correlatas 181

Coordenadas 24

Total 205

A seguir, a título de ilustração, apresentamos alguns dos dados encontrados

da construção alternativa coordenada. Vejamos:

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c) – Britto - Um meio armador como raros. Habilidoso e sutil foi capaz de ditar o ritmo do

jogo, imprimindo-lhe velocidade ou credenciando-o, conforme as exigências do momento.

Revista Veja on-line, ed. 02/01/2013, pág.102

d) - Os produtos brasileiros perderão mercado, pois serão preteridos no direito a cotas para

exportação ou pagarão tarifas mais altas em detrimento de quem estiver nos blocos.

Revista Veja on-line, ed. 18/12/2013, pág.106

Em ambos os tokens acima, temos apenas o uso de ou simples. Essa é a

principal marca da coordenação alternativa. Vejamos, na tabela a seguir, os types

encontrados da construção correlata alternativa, o nosso objeto de estudo:

Tabela 3 - Types de construções correlatas alternativas

TYPES TOKENS %

ou...ou 63 34,8%

seja...seja 42 23,2%

seja...ou 32 17,7%

ora...ora 21 11,6%

nem...nem 16 8,8%

quer...quer 4 2,2%

quer...ou 2 1,2%

nem...ou 1 0,5

TOTAL 181 100%

Ao observamos a tabela acima, verificamos que o type ou...ou se apresenta como

o mais frequente entre as construções correlatas alternativas, como era esperado, já que

as gramáticas, de um modo geral, apresentam a conjunção ou como a mais utilizada

pelos usuários da língua entre as construções alternativas.

De acordo com Traugott e Trousdale (2013), construções são objetos

linguísticos convencionais em que a frequência de ocorrência pode influenciar a

categorização. Sendo assim, calcados na perspectiva construcional que funciona como

aporte teórico para essa pesquisa, concluímos que o type ou...ou é o membro central

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prototípico da categoria das construções correlatas alternativas, pois se apresenta como

um exemplar de alta frequência dentro de sua categoria e já está altamente

convencionalizado pelos usuários da língua.

A partir da análise da tabela, verificamos que, curiosamente, o terceiro type mais

frequente de construção correlata foi o seja...ou, um conectivo que não está previsto

nas gramáticas normativas e que é pouco abordado pelas gramáticas em geral, inclusive

pelas que apresentam uma visão menos tradicional a respeito dos fenômenos existentes

na língua. A seguir veremos como o type seja...ou foi recrutado pelo falante, com base

na perspectiva construcional.

A observação da alta frequência apresentada pelo type seja...ou demonstra a

importância de se levar em conta a língua em uso na análise linguística, e ressalta a

necessidade de se fazer uma revisão em nossas obras gramaticais, para que os novos

padrões sejam contemplados, visto que já são atestados em textos normatizados do

português padrão.

A seguir, a partir dos types encontrados, daremos continuidade à análise dos

dados, observando os critérios já citados anteriormente, quais sejam:

a) Correlatores espelhados e não-espelhados;

b) Interdependência;

c) Ordem das construções correlatas;

c) Padrão oracional e não- oracional;

d) Sequências tipológicas;

e) Leitura semântica de exclusão ou inclusão;

f) Sobreposição de valores semânticos.

A partir da análise dos dados, observamos que a correlação alternativa, assim

como outros tipos de correlações, se estabelece na língua em uso, através de

correlatores espelhados, ou seja, repetidos, como ou...ou, seja...seja, etc ou por meio

de correlatores não-espelhados, ou seja, diferentes, como seja...ou, quer...ou, entre

outros. Na seção a seguir, veremos mais detalhadamente os correlatores espelhados e

não-espelhadas encontrados em nosso corpus.

Faz-se importante mencionar que alguns dados, em nossa análise, foram

explicitados em quadros, assim como fez Rosário (2012). Essa forma de representação

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foi adotada por ser didática e permite expressar com mais exatidão as partes que

compõem prótase e apódose de cada token.

4.1. Correlatores espelhados

A análise dos dados nos revelou cinco types de construções correlatas

alternativas formadas por correlatores espelhados. Observemos:

Tabela 4 - Types de construções correlatas alternativas espelhadas

TYPES TOKENS %

ou...ou 63 43,1%

seja...seja 42 28,7%

ora...ora 21 14,4%

nem...nem 16 10,9%

quer...quer 4 2,9%

Total 146 100%

Observamos, a partir da tabela, que os types espelhados são os prototípicos nas

construções, ou seja, a construção correlata alternativa estabelece a alternância com

maior frequência através de types espelhados, já que das 181 ocorrências encontradas,

146, ou seja, 80,6 % dos dados são formadas por types dessa natureza.

A partir da análise, observamos também que os correlatores espelhados podem

ser divididos em três grupos:

- Os que apresentam uma base conjuncional;

- Os que apresentam uma base verbal;

- Os que apresentam uma base substantiva.

Vejamos a seguir, mais detalhadamente, cada um desses grupos:

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58

4.1.1. Correlatores de base conjuncional

Os correlatores alternativos espelhados ou...ou e nem...nem, encontrados em

nossa análise, originaram-se diacronicamente, como veremos, da conjunção ou e nem

respectivamente. Esses correlatores são tradicionalmente apresentados nas gramáticas

tradicionais, como já dissemos, como conjunções coordenativas. Autores como Rocha

Lima (1999) e Cunha e Cintra (2001), por exemplo, os apresentam apenas como uma

repetição das conjunções ou e nem.

No entanto, veremos, a seguir, que esses correlatores não são apenas uma

repetição das conjunções já existentes, já que apresentam valores semânticos e

pragmáticos diferenciados em relação à sua conjunção de origem.

4.1.1.1. Construções com ou...ou

Como era previsto, já que as gramáticas de um modo geral apresentam a

conjunção ou como a mais utilizada pelos usuários da língua no plano semântico da

alternância, as construções alternativas espelhadas com ou...ou confirmaram-se como as

correlatas alternativas prototípicas em nosso corpus.

Dos 146 tokens, 63 ocorrências (quase 44% das construções), em nossa análise,

são encabeçadas por ou...ou, confirmando, assim, sua prototipicidade em relação aos

outros correlatores alternativos, provavelmente por ser um correlator mais curto, mais

leve em relação à sua quantidade de massa fônica e pela maior facilidade de

processamento em relação aos outros types. Observemos o exemplo a seguir:

PRÓTASE APÓDOSE

(4) As forças assadistas parecem estar nos

tomando a dianteira, deixando a Síria com duas

opções:

ou continua, na maior parte, sob o

domínio do tirano

ou cai nas mãos dos fundamentalistas mulçumanos que hoje controlam

praticamente todas as forças da rebelião.

Revista Veja on-line, ed.22/05/2013, p.29

Nesta ocorrência, observamos que o item ou...ou imprime na construção uma

noção semântica de alternância típica das construções alternativas. Além disso, percebe-

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se que a disjunção apresentada é exclusiva, já que uma opção exclui a outra. A Síria

deve escolher entre uma opção ou outra: ou continua sendo dominada ou cai nas mãos

dos fundamentalistas. A interpretação exclusiva fica ainda mais evidenciada pela porção

textual que precede a prótase correlativa (“deixando a Síria com duas opções”) (grifo

nosso).

A manifestação de uma interpretação exclusiva nas construções com ou...ou

foi observada em todas as estruturas encabeçadas por este par de correlatores, ou seja,

os 63 tokens instanciados apresentaram a leitura de exclusão.

De acordo com Barreto (1999), a conjunção ou originou-se da conjunção

latina aut, sendo formada a partir de um elemento adverbial au, acrescido da partícula

ti. A autora afirma que havia no latim três formas para indicar a disjunção: aut, vel e ve.

No entanto, aut era a mais empregada e a única que passou às línguas românicas, sendo

utilizada para indicar a disjunção ou alternância entre dois termos, “quer se excluíssem,

quer fossem equivalentes ou indiferentes a uma eleição”. (BARRETO, 1999 p. 193).

A autora ressalta, ainda, que nos textos do século XIII, a conjunção ou

aparecia sempre como membro da correlação alternativa e afirma que a

gramaticalização da conjunção ocorreu ainda no latim. Vejamos:

Latim > Português

au + ti > aut ou

adv. conj. conj. item do discurso

alternativa alternativa

Segundo Barreto (1999, p.443), em seguida, ocorreu no português a

discursivização, e a conjunção passou a alternar elementos do discurso. A conjunção ou,

repetida, segundo a autora, constitui a correlação com ou...ou que alterna itens lexicais,

sintagmas ou sentenças. A conjunção correlata originou-se da conjunção latina

aut...aut que também apresentava uma interpretação exclusiva. Essa informação de

Barreto (1999) pode indicar que o valor semântico de exclusão observado por

ou...ou permaneceu como uma persistência de sua palavra de origem, a conjunção

aut...aut.

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Alguns autores já haviam ressaltado, em trabalhos anteriores, o caráter

tipicamente exclusivo apresentado por ou...ou. Assim como Barreto (1999), Pezatti e

Loghin-Thomazi (2008) corroboram essa questão.

Sendo assim, de acordo com as autoras, quando ficou reconhecido que há no

português apenas uma forma para indicar inclusão e exclusão, ficou estabelecido que

apenas o contexto poderia determinar se seria uma disjunção inclusiva ou exclusiva.

Assim, Pezatti e Loghin-Thomazi (2008, p. 899) afirmam que, a partir disso,

estabeleceu-se uma “teoria oficial sobre as sentenças disjuntivas”, que pode ser resumida

como o seguinte: “o sistema do Português teria mantido uma só partícula disjuntiva

(ou)..., que é usada para expressar dois sentidos diferentes (o inclusivo e o exclusivo)...

aos quais se chega operando sobre o contexto.”

No entanto, os autores afirmam que esta teoria é equivocada por não terem

considerado a repetição de ou, ou seja, ou...ou. Com isso, as autoras ressaltam que, no

português, diferentemente do latim, a repetição não indica uma “mera variação

estilística ou enfática”, mas uma oposição dos sentidos expressados pelas conjunções

latinas. Ou seja, ou...ou é utilizada apenas para indicar a exclusão.

A disjunção exclusiva é apontada como uma particularidade de ou...ou por outros

autores. Neves (2000), por exemplo, também afirma que as disjunções com ou ora

podem indicar inclusão, ora exclusão, destacando também que a disjunção com

ou...ou sempre será exclusiva.

Em relação à frequência de ou e ou...ou, Pezatti e Loghin-Thomazi (2008, p.

900) ressaltaram, ainda, que a forma ambígua (A ou B) é a forma não marcada no

português falado no Brasil e que a forma exclusiva (ou A ou B) é a forma marcada.

Sendo assim, as autoras concluem que ou...ou é menos produtivo, justamente pelo fato

de significar apenas exclusão.

Diante de tais constatações, tornou-se inevitável para a nossa análise, como já

citamos, a observação de algumas construções com ou, não correlatas, apesar de esse

não ser o foco de nossa pesquisa. Sendo assim, foram analisadas 24 construções

coordenadas com ou.

A análise demonstrou que, dos 24 tokens observados, 8 apresentaram uma

leitura exclusiva e 16 apresentaram uma leitura inclusiva, como observamos nos

exemplos seguintes:

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e) - Envio de dados: para evitar que o adolescente divulgue dados como endereço,

telefone ou número de cartão de crédito, o programa embaralha os caracteres sempre

que o usuário tenta enviar ou publicar nas redes sociais informações predefinidas

pelos pais como privadas. Revista Veja on-line, ed. 02/01/2013-pág. 88

Neste token, observamos que a disjunção é inclusiva, pois o usuário não

consegue nem enviar nem publicar informações privadas, ou seja, as duas ações são

discursivamente consideradas. Neste caso, observamos que a conjunção ou poderia até

mesmo ser parafraseada pela conjunção e, tipicamente inclusiva. Vejamos:

e’) - Envio de dados: para evitar que o adolescente divulgue dados como endereço,

telefone ou número de cartão de crédito, o programa embaralha os caracteres sempre

que o usuário tenta enviar e publicar nas redes sociais informações predefinidas pelos

pais como privadas.

Já no token a seguir, o ou apresenta uma leitura exclusiva. Observemos:

f) Resta saber se agora prevalecem os novos projetos desses que estão voltando ao

Brasil ou as velhas ideias daqueles que permaneceram aqui invadindo reitorias,

promovendo utopias de almoços grátis, depredando bancos e lojas, fazendo de tudo,

menos estudar. Revista Veja on-line, ed. 14/12/2013- pág. 51

Neste token, observamos que temos duas alternativas excludentes: ou os velhos

projetos ou as velhas bases. Sendo assim, o ou é exclusivo.

Observamos em nossos dados que o ou, apesar de ter demonstrado tanto uma

leitura inclusiva, quanto uma leitura exclusiva, apresentou preferência pela inclusão. Já

ou...ou apresenta somente uma leitura exclusiva. Há um forte indício de especialização

no uso desses itens na língua.

Constatamos, assim, que o valor de exclusão particular apresentado pelas

estruturas alternativas não é simplesmente veiculado pela presença de outro ou. Para

que haja uma construção correlata ou...ou, além da presença de correlatores (um par), é

necessário haver o valor de exclusão.

Sendo assim, a hipótese de que uma coordenada alternativa é diferente de uma

construção correlata alternativa é fortalecida, pois apresentam, além da forma

diferenciada, valores semânticos distintos. Entre outros termos, a construção

coordenada e a correlata apresentam forma e função diferentes, por isso devem ser

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62

vistas como construções particulares que servem a contextos comunicativos

específicos.

Vejamos, a seguir, mais uma ocorrência encontrada do type ou...ou:

PRÓTASE APÓDOSE

(5) Temos de enfrentar esse leão, não há tempo a perder. O que está sendo feito em educação

em nosso país é da pior qualidade, e, aparentemente, os

ministros que passam pela educação,

ou não tem apoio para fazer as mudanças necessárias

ou lhes falta a devida dose, de

atitude estadista. .

Revista Veja on-line, ed. 18/12/2013-pág. 48

Também no token (5), o correlator ou...ou estabelece alternância exclusiva entre

duas sentenças, confirmando, como já foi dito, o valor exclusivo particular apresentado

pela construção alternativa correlata. Ao falar das atitudes dos ministros, o autor do

texto apresenta duas razões distintas e incompatíveis para o fracasso da educação

nacional: falta de apoio ou atitude estadista.

Verificamos também na análise deste type que todas as construções com ou...ou

apesentaram a interdependência típica das construções correlatas. Vejamos:

PRÓTASE APÓDOSE

(6) Moda é um equilíbrio entre criatividade e comércio: Quem

não é capaz de conciliar os dois aspecto,

ou arranja alguém para cuidar dos negócios,

ou se conforma em trabalhar para a marca de outro

estilista

Revista Veja on-line, ed.03/07/2013- pág. 104

Podemos observar, a partir do token citado, que há entre as correlatas com

ou...ou uma forte ligação e que uma não funcionaria sem a outra. Observamos que

há a criação de uma expectativa na prótase, funcionando como uma preparação para

enunciação que irá ocorrer na apódose, reforçando a interdependência entre as

cláusulas, assim como é característico da correlação. A relação estabelecida entre

prótase e apódose ressalta a interdependência presente entre as construções, tal como

asseverado anteriormente por Rodrigues (2007).

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63

Em relação à ordem, observamos que as construções com ou...ou apresentaram

maior possibilidade de inversão. Vejamos:

Tabela 5 - Ordem das constuções com ou...ou

Possibilidade de

inversão

Qnt. %

+ inversão 42 66,7

- inversão 21 33,3

Total 63 100%

Verificamos que dos 63 types instanciados, 42 apresentaram maior

possibilidade de inversão. Vejamos, a seguir, alguns exemplos de construções com

ou...ou encontrados nos dados com maior e menor possibilidade de inversão,

respectivamente.

Revista Veja on-line, ed.06/03/2014, pág.60

Nessa ocorrência, observamos maior possibilidade de inversão sem maiores

alterações da primeira informação veiculada, ou seja, se trocássemos a ordem das

orações (ou se faz algo privado ou se faz algo público), não alteraríamos muito a

informação original.

No entanto, observamos nos dados que algumas dessas construções

apresentaram menor possibilidade de inversão, sendo motivadas iconicamente por

fatores diversos, como já afirmado por Neves (2000), fato que é desconsiderado pelas

gramaticas tradicionais. Vejamos:

PRÓTASE APÓDOSE

(8) O resultado é que os intermediários precisam

melhorar

ou passam a agregar novos valores,

ou são extintos.

Revista Veja on-line,ed. 22/05/2013,pág.15

PRÓTASE APÓDOSE

(7) Ao mesmo tempo, o governo tenta aprovar uma lei que abre à

iniciativa privada o investimento em portos. Tem de acabar a contradição no Brasil de que

ou se faz algo público ou se faz algo privado.

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64

Essa ocorrência (08) apresenta menor possibilidade de inversão, pois, se

alterássemos a ordem das partes da construção alternativa, teríamos maior prejuízo

semântico da informação inicial. É aparente que a segunda parte da construção ou são

extintos é uma consequência da primeira ou passa a agregar novos valores e, como

consequência, normalmente vem depois da causa, e não anteriormente. Não

poderíamos, neste caso, portanto, inverter a ordem das cláusulas.

A questão da possibilidade de inversão ou não da prótase e da apódose revelou-

se como um fator fortemente associado à questão da sobreposição semântica. Vejamos

esse fator:

Tabela 6 - Sobreposição semântica das construções com ou...ou

Sobreposição semântica Qnt. %

Sem sobreposição 42 66,7

Com sobreposição 21 33,3

Total 63 100%

De fato, algumas construções com o type ou...ou apresentaram também

sobreposição de valores semânticos, pois além da disjunção alternativa/exclusiva

que se colocou como marca de prototipicidade desse tipo de construção, pôde-se

observar um valor condicional em alguns casos. Observemos:

PRÓTASE APÓDOSE

(9) Um, dois, três, quatro, cinco mil,

ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil.

Revista Veja on-li,ne, ed. 03/072013- pág. 17

Observamos no token acima que há entre as construções um vínculo semântico,

uma relação de causa-consequência que seria típica das construções condicionais. A

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noção semântica que se imprime na construção é a seguinte: Se a roubalheira não

parar, pararemos o Brasil. Percebemos, ainda, um tom de ameaça nas cláusulas, que

favorece a leitura condicional. De acordo com Hirata Vale (2008), que desenvolveu um

estudo a respeito do assunto em relação às construções com ou, há diversos fatores

motivadores para a explicação do fenômeno. Segundo a autora:

Para receber uma leitura condicional, as orações que compõem uma

construção justaposta, ou a uma construção coordenada aditiva ou

disjuntiva devem ter, entre si, um tipo de vinculo, a que se pode

chamar de causal, que leva, por sua vez, a uma ordenação icônica,

que vai da causa para a consequência. (HIRATA-VALE, 2008, p.

215)

A autora ainda ressalta que a relação causal e a ordenação linear

presentes nesses tipos de construções favorecem a leitura condicional nessas

cláusulas. Além disso, de acordo com Fillenbaum (1986, apud Hirata Vale 2008), as

orações disjuntivas, quando usadas para expressar ameaças, podem receber essa

interpretação condicional. Eis o caso das nossas construções correlatas alternativas

aqui presentes. A ordenação icônica citada pela autora é fator marcante em todas as

alternativas condicionais aqui encontradas, como pode ser verificado na ocorrência a

seguir:

PRÓTASE APÓDOSE

(10) Com a aprovação da PEC das empregadas domésticas, alguns maridos que se

preparem:

ou ajudam nas tarefas domésticas,

ou sua esposa vai reivindicar direitos

trabalhistas.

Revista Veja-online, ed. 27/03/2013-pág 90

É evidente nesta ocorrência a impossibilidade de comutação das cláusulas

sem que haja prejuízo da primeira informação desejada. Hirata Vale (2008) afirma,

ainda, o predomínio desse valor condicional nas construções do tipo ou...ou aqui

chamadas correlatas. A autora só não se refere diretamente à correlação como fizemos

nessa análise.

Raposo et alii (2003) também mencionaram a possibilidade de as coordenadas

disjuntivas veicularem um valor de condicionalidade, ressaltando, inclusive, que nesses

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casos ela terá sempre uma interpretação exclusiva. Os autores acrescentaram, ainda,

que, nestes casos, a primeira oração coordenada “equivalente ao antecedente da

condição” é interpretada como negativa. Observemos um exemplo fornecido pelos

autores:

a - Veste o casaco ou constipas-te!

a’ - Se não veste o casaco constipas-te!

Verificamos que o mesmo se aplica às correlatas. Vejamos o dado (10) de nosso

corpus:

b -...ou ajudam nas tarefas domésticas, ou sua esposa vai reivindicar direitos

trabalhistas. Revista Veja on-line, ed. 13/02/2013, pág.55

b’ - Se não ajudarem nas tarefas domésticas, sua esposa vai reivindicar direitos

trabalhistas.

As orações com sobreposição aqui evidenciadas também se encaixam na

afirmativa de Neves (2000), já citada anteriormente, de que algumas construções com

ou são assimétricas, ou seja, são iconicamente motivadas, embora a autora também

não faça nenhuma referência às construções correlatas.

A análise dos padrões oracionais indicou que as construções alternativas com

ou...ou apresentam-se, em sua maioria, em estruturas oracionais. Vejamos:

Tabela 7 - Padrão oracional das construções com ou...ou

Padrão

oracional

Qnt. %

Oracional 48 76,2

não-oracional 15 23,8

Total 63 100%

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67

Observamos, a partir da tabela anterior, que dos 63 tokens encontrados, 48

eram oracionais. Vejamos a seguir alguns dos dados oracionais e não-oracionais

encontrados:

PRÓTASE APÓDOSE

(11) Depois da visita, Sartre somente deplorou a “desumanidade” do

isolamento de Andreas Baader na prisão.

ou o filósofo era um ingênuo que de fato acreditava que as

organizações terroristas brasileiras de esquerda

queriam derrotar a ditadura militar para instaurar uma

democracia,

ou tinha dois pesos em uma balança defeituosa

Revista Veja on-line , ed.01/01/2014, pág. 56

Observamos que o par ou...ou correlaciona duas estruturas oracionais, ou seja,

duas orações. Vejamos agora um dado de ou...ou correlacionando estruturas não-

oracionais:

PRÓTASE APÓDOSE

(12) O senhor é um ser humano

cheio de virtudes e comoções

que, como todos nós que

estamos num hospital,

ou doentes, ou não, nos sentimos

impotentes.

Revista Veja on-line, ed.22/01/2014, pág. 37

A correlação ou doentes ou não, como está claro, não é instanciada com a

presença de verbos. Logo, o fenômeno da correlação alternativa também é flagrada em

dados não-oracionais, algo tipicamente descartado pelas abordagens tradicionais.

A análise das sequências tipológicas revelou que todas as construções com o

type ou...ou apareceram em sequências argumentativas, ressaltando o caráter

argumentativo da correlação, o que foi observado por alguns autores, como Rosário

(2012), dentre outros.

As constatações obtidas nesta análise nos ajudaram a comprovar o estatuto

sintático da correlação alternativa como distinto da coordenação alternativa. Como

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estamos diante de dois usos diferentes, podemos reiterar que a coordenação alternativa

é uma construção diferente da correlação alternativa, apesar da semelhança entre

ambas. Veremos essa questão com mais detalhes posteriormente, ao longo deste

capítulo destinado aos resultados, e nas considerações finais.

4.1.1.2. Construções com nem...nem

De acordo com Barreto (1992, p. 85-86), a partícula nem pode funcionar como

um advérbio ou conjunção aditiva negativa correspondendo a e não, e “vem sempre

precedida de sentença negativa”. Já o par nem... nem, ainda segundo a autora citada,

teria valor correlativo coordenativo alternativo, no sentido de expressar uma

“alternância negada”. A conjunção nem, repetida, segundo a autora, como já era

empregada no latim, antes de itens lexicais, sintagmas ou sentenças, constitui a

correlação alternativa nem ...nem que ocorre em português, desde o séc. XIII.

Ainda segundo Barreto (1992), a conjunção nem com valor aditivo é

proveniente da conjunção latina nec e era, primitivamente no latim, um advérbio de

negação. Posteriormente nec passou ao português sob a forma nem, indicando advérbio

e conjunção. A gramaticalização de nem, de acordo com a autora, ocorreu no próprio

latim, através da recategorização advérbio > conjunção e da sintaticização, caracterizada

pela posição do item na sentença. Vejamos16:

Latim > Português

nec nem

adv. conj. aditiva adv. e conj. aditiva

negação negativa e negação negativa e

alternativa alternativa

negativa negativa

Vejamos, a seguir, um dos tokens encontrados de nem...nem.

PRÓTASE APÓDOSE

16 Esquema extraído da tese de Barreto (1992)

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(13) A paz é um dueto, não um solo. E não

tivemos ainda uma só declaração,

nem da OLP, nem do Hamas, Muito menos do Hezbollah, que aceite o

direito de Israel existir.

Revista Veja on-line , ed.15/01/2014-,pág. 19

Notamos no token (13) acima que o correlator nem...nem estabelece a

correlação alternativa negativa, entre as sentenças, assim como citado por Barreto

(1992). Entretanto, reconhecemos que os limites entre alterância e adição tornam-se

altamente difusos, a ponto de ser possível a postulação de uma construção alternativa-

aditiva, de cunho negativo.

Segunto Santos (1990, p.72), “o uso de nem em lugar de ou tem como efeito não

somente a apresentação de alternativas, mas, mais do que isso, a negação, simultânea à

apresentação dessas mesmas alternativas”. Ou seja, duas alternativas são apresentadas

para mostrar que elas não se realizam. Observemos outra ocorrência de nem...nem

encontrada nos dados:

PRÓTASE APÓDOSE

(14) Mas sua desgraça é que não cresceu,

nem perto do necessário, nem com a rapidez de que precisava.

Revista Veja on-line, ed. 25/12/2013, pág. 60

Observamos no token citado que o correlator nem...nem estabelece a

alternância negativa entre as duas sentenças, apresentando alternativas que não se

realizaram, assim como afirmado anteriormente por Santos (1990). Isso é reforçado

pela presença da partícula não, que antecede a prótase.

Observemos, agora, a interdependência no type nem...nem:

PRÓTASE APÓDOSE

(15) Dilma também prometeu ferrovias que não vai entregar, e águas que não vai

transpor,

nem do São Francisco, nem de lugar nenhum.

Revista Veja on-line, ed. 19/02/2014, pág. 106

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70

Verificamos que todos os 16 tokens encontrados apresentaram a

interdependência evidenciada por Rodrigues (2007), como traço característico das

construções correlatas.

Em relação à ordem, verificamos que todas as construções com nem...nem

apresentaram maior possibilidade de inversão. Observemos:

PRÓTASE APÓDOSE

(16) Presidente da Petrolífera Statoil, a maior estatal da Noruega e um dos gigantes mundiais do setor, Helge Lund, 50 anos, diz coisas que podem soar inacreditáveis para um brasileiro. Primeiro: garante que não sofre pressão alguma,

PRÓTASE APÓDOSE

... narra sua mudança para São Paulo e os primeiros envolvimentos com a política e as mulheres,

ora como obsessão, ora como problema.

nem do governo, nem do Parlamento,

Revista Veja on-line, ed. 13/02/2013, pág.12

Se invertêssemos a ordem dos termos (nem do Parlamento nem do governo),

teríamos um enunciado muito próximo da informação original, tal como veiculada

pela Revista Veja. Em outras palavras, não provocaríamos alteração substancial de

significado.

As construções com nem...nem também apresentaram preferência por

estruturas não-oracionais. Todos os 16 tokens encontrados apresentavam-se em

estruturas desse tipo. Observemos:

PRÓTASE APÓDOSE

(17) Sim, é a chance de tudo. Nós não somos nem mais inteligentes, nem mais burros .

Revista Veja on-line, ed.26/02/2014, pág.19

Notamos no token (17) que o correlator nem...nem liga estruturas não-oracionais

apresentando a negação de adjetivos. Sendo assim, notamos que o correlator nem...nem

correlaciona e nega, no dado apresentado, estruturas de usos adjetivais.

Observamos também que as construções com nem...nem apresentaram apenas o

valor semântico de alternância, não envolvendo, assim, em nenhum token, sobreposição

de valores semânticos como ocorre com o type ou...ou, a não ser o valor aditivo.

Verificamos, ainda, em relação ao valor semântico de nem...nem, que todas as

construções, diferentemente de ou...ou, apresentaram a leitura semântica de inclusão,

com uma especificidade já levantada: uma inclusão de cunho negativo. Vejamos:

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71

PRÓTASE APÓDOSE

(18) O desprezo pela canção popular-ou popularesca, como preferem alguns- tem

certo preconceito de classes. Em geral, seus intérpretes são de origem e tem

pouca escolaridade. Musicalmente o brega não cultiva

nem a tradição

nem a modernidade

Revista Veja on-line, ed. 01/01/2014, pág. 90

Observamos no token citado, que a música brega não cultiva a tradição e

também não cultiva a modernidade, ou seja, não cultiva nenhuma das duas. Sendo

assim, a leitura apresentada é de inclusão.

A análise das sequências tipológicas em que apareceram as construções com

nem...nem demonstra também uma preferência pelo aparecimento em sequência

argumentativas. Dos 16 tokens encontrados, 14 apresentam-se em sequências

argumentativas e apenas 2 em sequências narrativas. Vejamos, a seguir, um dado de

cada ocorrência:

PRÓTASE APÓDOSE

(19) A verdade é que nem a economia brasileira estava tão bem nos tempos de euforia,

nem está tão ruim agora, apesar de tudo.

Revista Veja on-line, ed. 01/01/2014

Observamos no token (19) que o autor manifesta uma opinião sobre a economia

e argumenta por meio do uso de construções correlatas. Com isso, temos uma sequência

argumentativa. Já no token seguinte, a sequência é narrativa. Vejamos:

PRÓTASE APÓDOSE

(20) Luke (Ruan Goslin), que pilota motocicletas no globo da morte em um circo itinerante,

descobre que deixou Romina( Eva Mendes) grávida, e decide ficar pela cidade , embora não

tenha nada a oferecer,

nem a ela nem ao filho, e Romina esteja já com outro homem.

nem a ela nem ao filho, e Romina esteja já com outro homem.

nem ao filho,

Revista Veja on-line, ed. 15/01/2014. Pág. 101

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72

O autor, no token (20), narra a cena de um filme sendo, portanto, a sequência

narrativa. A correlação efetuada por “nem a ela nem ao filho” veicula a ideia de uma

alternância inclusiva negativa.

Passemos, agora, à análise dos correlatores de base verbal.

4.1.2. Correlatores de base verbal

Alguns correlatores espelhados (seja...seja e quer...quer) são de base verbal,

pois tiveram como origem os verbos ser e querer, respectivamente. Esses

correlatores, assim como os já citados, também apresentaram um traço persistente

de sua palavra de origem, ou seja, preservaram características verbais que atuam no

comportamento sintático e semântico dessas construções, como veremos a seguir.

4.1.2.1. As construções com seja...seja

O primeiro type espelhado de base verbal a ser analisado é o seja..seja. Esse

type aparece em segundo lugar na preferência de uso entre os usuários da língua. Dos

146 types espelhados apresentados na análise de dados, 42 types foram de seja...seja.

O correlator seja...seja, de acordo com Pezzatti e Longhin-Thomazi (2008,

p.898), “manifesta, na realidade, uma forma de repetição do predicado verbal, que

parece estar se gramaticalizando como conjunção”. Sendo assim, as autoras afirmam

que a conjunção ainda se encontra em processo de gramaticalização. Vejamos um dos

tokens encontrados na análise de dados:

PRÓTASE APÓDASE

(21) O direito de ir e vir é sagrado,

seja para pobre, seja para rico, inclusive nos shoppings. Mas precisa ir em bando

de 500, 1000, 2000? Revista Veja on-line, ed. 29/01/2014, pág. 27.

No token (21), observamos que o type seja...seja estabelece a correlação

alternativa entre dois termos, ou seja, correlaciona estruturas não-oracionais e

apresenta a alternância típica da construção alternativa. Observamos, ainda, que o fato

de seja...seja correlacionar, com maior frequência, termos não-oracionais configura-

se, em nossa pesquisa, como uma característica particular desse correlator. Vejamos:

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Tabela 8 - Padrão oracional de seja...seja

Padrão oracional Qnt. %

não-oracional 32 75,7%

oracional 10 24,3

Total 42 100%

A preferência de seja...seja pelas construções não-oracionais é uma constatação

de que o correlator, por si só, já preserva características de seu estatuto verbal. Dos 42

tokens instanciados, 32 correlacionavam termos não-oracionais.

Alguns autores comentam sobre os resquícios verbais preservados por

seja...seja. Por exemplo, Bosque y Demonte (1999, p. 2687) ressaltam a distribuição

sintática diferenciada apresentada por este correlator em relação aos outros types de

construção correlata alternativa, na língua espanhola. Os autores afirmaram que

seja...seja coordena orações e sintagmas preposicionados, mas sua distribuição é bem

mais limitada com argumentos do verbo”17. Sendo assim, apresenta a preferência por

sintagmas preposicionados, como também constatamos em nossos dados.

Notamos que, das 32 construções de seja...seja não-oracionais encontradas em

nossos dados, 19 eram compostas por sintagmas preposicionados, confirmando, assim, a

afirmativa dos autores também com dados do português.

Os autores salientaram, ainda, que por preservar o seu caráter verbal, o correlator

seja...seja bloqueia a proximidade de outros verbos, e daí a sua preferência por

correlacionar termos não-oracionais. Um fator ainda mais saliente desse resquício

verbal é o aparecimento, em alguns dados, do seja flexionado. Vejamos o token a

seguir:

PRÓTASE APÓDASE

17 Sea...sea coordina oraciones y SSPP, pero su distrubución es bastante más limitada com argumentos

del verbo.

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(22) Suíços fazem ótimos chocolates, fabricam

esplêndidos relógios e, alpinos que são adoram

montanhas.

sejam aquelas de cumes gelados,

sejam as nem tão metafóricas assim,

compostas de euros e dólares convertidos em francos nativos.

Revista Veja on-line, ed. 15/05/2013, pág. 102

No token (22), o seja...seja aparece flexionado (sejam... sejam),

apresentando mais um indício de que o correlator ainda preserva traços verbais, já

que as conjunções tradicionalmente, por definição, não recebem o traço da flexão.

De acordo com Bechara (1999, p. 321), assim como outros autores

mencionaram, isso se deve ao fato de a conjunção seja...seja não estar totalmente

gramaticalizada, indicando que esse conector teria nascido do verbo ser e que

ainda guardaria traços de sua origem.

A seguir, observamos outro token, apresentando o correlator seja...seja

flexionado. Observemos:

PRÓTASE APÓDASE

(23) Prada tem um quarto só seu, decorado com borboletas na

parede, e adora enfeites

sejam as bijuterias da dona,

seja sua própria gargantilha de pérolas

verdadeiras.

Revista Veja on-line, ed. 14/08/2013, pág. 97

Nesse token, observamos que apenas o primeiro correlator é flexionado, pois

acompanha a flexão do sintagma da prótase (as bijuterias da dona) ao qual faz

referência. O segundo correlator mantém-se em uma forma não-marcada, justamente

por combinar-se com um sintagma singular.

Como citamos, as construções com seja...seja apresentam preferência por

estruturas não-oracionais, no entanto, observamos, com base na tabela 7, que 9 tokens

apresentaram-se em estruturas oracionais, como o exemplo seguinte. Vejamos:

PRÓTASE APÓDASE

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(24) Muitas não acreditam que a doação possa fazer grande

diferenças

seja porque não podem doar muito,

seja porque estão convencidas de que os esforços para mudar as

condições de vida de outras pessoas são

inúteis.

Revista Veja on-line, ed. 27/03/2013, pág. 90

Podemos observar no token (24) que o correlator seja...seja correlaciona

estruturas oracionais. No entanto, observamos também que há a presença de um

segundo conector (porque) logo após ambos os correlatores, acrescentando um outro

matiz semântico que se adjunge à noção de alternância. A presença desse outro

conector junto ao correlator pode ser observada em quase todos os tokens que se

apresentam em estruturas oracionais. Dos 9 encontrados, em apenas 1 dado não foi

observada a presença de um segundo conector.

Vejamos outra ocorrência de seja...seja correlacionando estruturas oracionais:

PRÓTASE APÓDASE

(25) Suas aparições públicas noticiadas pelos meios de

comunicação desertavam em mim um misto de euforia,

otimismo e orgulho,

seja porque elas traziam ínsita a certeza de boas

venturanças (premiações por trabalhos

desenvolvidos, anúncios de projetos virtuosos),

seja porque eu gostava de vê-lo como pessoa mesmo, admirava seu semblante, sua feição.

Revista Veja on-line, ed. 12/06/2013, pág.32

Verificamos, no token (25), que os correlatores estão introduzindo duas

orações causais. Sendo assim, concluímos que, nestes casos, a função da correlação

alternativa oracional com seja...seja é normalmente correlacionar orações causais.

Afinal, a coocorrência de porque com seja foi quase categórica.

A análise dos dados de seja...seja revelou-nos também que, em todas as

ocorrências, a disjunção apresentada é inclusiva. Vejamos:

PRÓTASE APÓDASE

(26) Os autômatos tomam suas

próprias decisões

seja em situações de policiamento

Seja em zonas de intervenção militar.

Revista Veja on-line, ed. 05/02/2014, pág. 103

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76

Notamos que os autômatos tomam suas próprias decisões tanto em situações de

policiamento quanto em zonas de intervenção militar. Há, portanto, uma ideia de

inclusão, e não exclusão, como comumente ocorre com o correlator ou...ou. Sendo

assim, a disjunção existe, mas é tipicamente inclusiva.

Alguns autores, em trabalhos anteriores, ressaltaram o caráter diferenciado

apresentado pelo correlator seja...seja. Bosque y Demonte (1999), por exemplo,

afirmaram que a conjunção seja...seja é diferenciada por ser compatível com a

conjunção ou, mas incompatível com a conjunção ou..ou, pois apresenta a disjunção

somente inclusiva, assim como constatamos em nossos dados.

A análise das sequências tipológicas demonstrou a predominância das

construções com seja...seja em sequências argumentativas. Vejamos:

Tabela 9 - Sequências tipológicas das construções com seja...seja

Sequências tipológicas Qnt. %

Argumentativas 25 67,5

Expositivas 12 32,5

Total 37 100%

Observamos que, dos 37 tokens instanciados por seja...seja, 12 se

apresentaram em sequências expositivas. Vejamos um exemplo deste caso:

PRÓTASE APÓDASE

(27) Depois da divulgação das investigações, que ainda devem continuar nos próximos meses, a FIFA se viu obrigada a criar um canal exclusivo para o recebimento de

denúncias,

Seja sobre violações de

código de ética,

Seja sobre a manipulação de

resultados.

Revista Veja on-line, ed. 13/02/2013, pág. 63

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77

Notamos que a reportagem expõe atitudes tomadas pela Fifa para o

esclarecimento de dúvidas. Assim, a sequência é expositiva. Já no token (26),

observamos uma sequência argumentativa. Vejamos.

PRÓTASE APÓDASE

(28) Esse amadurecimento ao longo da vida — fortemente influenciado pela nossa Educação formal prévia — metamorfoseia-se em maior

produtividade. Eis a mágica da Educação! Visto de outra maneira, o que aprendemos na

Escola e tem uso imediato aumenta os salários, mas não tanto. Conta mais o que

aprendemos depois. Logo,

seja do ponto de vista individual,

seja do da empresa.

Revista Veja on-line, ed. 06/03/2013, pág. 20

Na sequência anterior, verificamos que o autor apresenta argumentos para

explicitar sua opinião de que o aprendizado mais valorizado economicamente é aquele

que se dá durante a vida profissional, não antes, sendo assim, estamos diante de uma

sequência argumentativa.

Ressaltamos que nenhum caso de construções com seja...seja apresentou

sobreposição de valores semânticos como ocorreu com as construções com ou...ou.

4.1.2.2 As construções com quer...quer

Outro correlator de base verbal encontrado nos dados foi o quer...quer. De

acordo com Barreto (1999), a conjunção quer é derivada do verbo querer de 3ª pessoa

do presente do indicativo que, por sua vez é “oriundo do latim quaerere, ‘buscar’,

‘aspirar’, ‘desejar’.” Ainda segundo a autora, a conjunção correlativa quer...quer

originou-se a partir de um processo de recategorização: verbo > conjunção e foi

acompanhada, em alguns casos, por uma mudança de conteúdo semântico, pois pode

indicar, em alguns contextos, um valor concessivo-condicional como observado no

exemplo seguinte:

Quer eu faça isto, quer eu faça aquilo, ela sempre reclama comigo.

No exemplo citado, Barreto (1999) demonstra que, neste caso, poderíamos

facilmente substituir a conjunção quer pela conjunção condicional se. Outros autores

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78

como Garcia (1972) também ressaltaram o caráter concessivo-condicional de

quer...quer, no entanto, a autora ressalta que em outros casos a conjunção apresenta seu

valor primitivo, o alternativo, e segue o valor semântico de ou...ou como no exemplo a

seguir:

Quer chova quer faça sol, irei à praia.18

Em nossos dados, foram encontrados apenas 4 tokens de quer...quer,

demonstrando ser este o correlator alternativo menos prototípico entre os que veiculam

a noção de alternância. Em 2 tokens instanciados, o correlator quer...quer apresentou

sobreposição de valores semânticos, pois além da alternância típica das construções

alternativas, apresentou valores condicionais-concessivos, assim como foi observado

por Garcia (1972) e Barreto (1999). Vejamos a seguir um desses tokens encontrados:

PRÓTASE

APÓDASE

(29)

Não importa o destino do projeto de lei, é evidente que prostitutas,

por necessidade, gosto ou as duas coisas, continuarão a

vender seus serviços,

quer você queira,

quer não.

Revista Veja on-line, ed.19/02/2014, pág. 23

Verificamos também que, apesar de o correlator quer...quer apresentar uma base

verbal como seja...seja, em nenhum caso admite a flexão. De acordo com Kury (2003),

isso ocorre porque, diferentemente do que acontece com seja...seja, a conjunção

quer..quer já está totalmente gramaticalizada, permanecendo, assim, sempre invariável.

Em relação ao padrão oracional, observamos que os 4 tokens instanciados por

quer...quer apresentaram-se em estruturas oracionais, demonstrando que ele não

bloqueia a presença de outros verbos como ocorre com seja...seja. Certamente, isso

18 Os exemplos do type quer...quer foram extraídos de Barreto (1999)

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ocorre pelo fato de o correlator quer...quer não preservar mais as suas características

verbais como ocorre com seja...seja, pois está totalmente invariável.

Observamos que, em todos os tokens instanciados pelo type quer...quer, a

disjunção apresentada foi também inclusiva, assim como aconteceu com o type

seja...seja.

PRÓTASE APÓDASE

(30) A vida pode nos passar uma bela rasteira,

quer sejamos pobres, quer tenhamos abundância à nossa

disposição.

Revista Veja on-line, ed. 04/12/2013, pág. 26

Verificamos que a vida pode nos passar uma bela rasteira tanto sendo pobre

quanto sendo rico. O conteúdo da prótase, portanto, não exclui o que é afirmado na

apódose.

Em relação à ordem, observamos que todas as ocorrências de quer...quer

apresentaram maior possibilidade de inversão, pois a comutação não traria grande

prejuízo para a primeira informação que se deseja obter. Vejamos:

PRÓTASE APÓDASE

(31) Não sei que estado de delírio (usando um termo brando) as

excelências cometeram tão vergonhoso ato,

quer votando protegidos pelo torpe

voto secreto,

quer se omitindo de votar,

Revista Veja on-line, ed. 11/09/2013, pág 20

Verificamos que a inversão das cláusulas, que geraria a sequência quer

se omitindo de votar, quer votando protegidos pelo torpe voto secreto não traz

uma alteração substancial para a primeira informação.

4.1.3 Correlatores de base substantiva

Um dos correlatores encontrados, em nossa análise, apresenta como

base uma palavra substantiva como é o caso do correlator ora...ora.

Barreto (1992) afirma que o substantivo latino hora, precedido do

demonstrativo hac (hac hora) deu origem ao advérbio português agora ‘nesta

hora’, ‘neste momento’. Já a preposição ad (ad hora) deu origem ao advérbio

português ora semanticamente equivalente. Ao lado de hora, segundo Barreto

(1992), ora era também de uso corrente no espanhol na Idade Média, com o

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80

sentido de ‘tempo livre para fazer algo’. Sendo assim, os itens ora e agora mantiveram-

se, as duas, na língua portuguesa pelo fato de não serem sinônimos e serem utilizados

em contextos diferentes.

4.1.3.1 As construções com ora...ora

O type ora...ora também apareceu nos dados como um dos correlatores que

instanciam construções correlatas alternativas, totalizando 21 tokens. Observemos:

PRÓTASE APÓDOSE

(32) O cantor carioca, nascido João Luiz Wordenberg Filho, passou boa parte

da vida trombando

ora com a lei (nos anos 80, usuário contumaz de drogas

diversas, era chamado tantas vezes às delegacia que passou a andar

com algemas no bolso),

ora com seus colegas músicos.

Revista Veja on-line, ed. 28/08/2013, pág. 15

No token (32) acima transcrito, percebemos que o correlator ora...ora, além da

alternância, nos remete a um valor temporal secundário que pode ser percebido com

clareza. Observemos: “O músico, em alguns momentos, tinha problemas com a

polícia e, em outros momentos, com seus colegas.”

A semântica temporal apresentada por esse tipo de correlator pode ser

depreendida como uma persistência de sua palavra de origem. De acordo com Barreto

(1992), a conjunção ora é derivada do substantivo hora, que traz em si um

conteúdo tipicamente temporal. Observemos:

Machado (1967: s.v. hora) admite que ora provém de ad hora ou do

próprio substantivo hora, podendo a perda do h inicial, segundo o

autor, ser explicada pelo fato de que, no latim imperial, o h, já era

apenas um símbolo gráfico. O item lexical hora é o substantivo

latino ‘hora’, ‘tempo’, ‘momento’, derivado do grego hora ‘qualquer

divisão ou período de tempo’, que passou ao português, também

como substantivo, com idêntico valor semântico (Corominas 1991:

s.v. hora) (BARRETO,1999, p. 444)

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Vejamos agora o processo de gramaticalização envolvendo as conjunções ora e

agora, explicitado por Barreto (1992)19

preposição + substantivo > advérbio

ad + hora > ora

dem + substantivo > advérbio

hac + hora > agora

De acordo com a autora, podemos observar no processo de gramaticalização

dessas conjunções a recategorização, a morfologização e a sintaticização ocorrida pela

reanálise dos itens e pela nova distribuição desses elementos na sentença. Além disso,

podemos observar a passagem de um sentido [+ concreto] ‘hora’ para um sentido [-

concreto] ‘neste momento’. Em seguida, ocorreu uma nova gramaticalização e o

advérbio ora, repetido, passou a conjunção alternativa.

Vejamos, agora, como se comportaram os tokens encontrados de ora...ora em

nossos dados. Observamos que, em todos os tokens aqui encontrados, o correlator

ora...ora, de fato preserva o conteúdo semântico de tempo, mencionado acima por

Barreto (1999). Observemos outro token.

PRÓTASE APÓDOSE

(33) Vivemos a era do individualismo tecnológico. Criamos perfis virtuais que nem sempre condizem com a realidade. Com alguns

cliques,

ora nos apresentamos como

pessoas amáveis,

ora como pessoas totalmente poderosas.

Revista Veja on-line, ed. 16/01/2013, pág. 28

Percebemos que a noção semântica de tempo também é facilmente

percebida no token acima citado. Com relação aos perfis criados nas redes

virtuais, verificamos que, em alguns momentos, nos apresentamos como

pessoas amáveis, e em outros momentos, como pessoas poderosas.

Verificamos, também, que todos os tokens instanciados pelo type

ora...ora apresentam a leitura semântica de exclusão. Observemos:

PRÓTASE APÓDOSE

19 Esquema extraído da tese de Barreto (1999)

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(34) Uma parte das que se veem enredadas pela pressão procura ajuda especializada para

tratar do assunto, deixando entrever o preconceito do qual são alvo,

ora velado, ora escancarado.

Revista Veja on-line, ed. 29/05/2013, pág. 120

Notamos que, no token (34), um momento exclui o outro. Em alguns momentos

o preconceito é velado, em outros momentos ele é escancarado. É impossível, portanto,

uma leitura inclusiva.

Em relação à possibilidade de inversão das construções em que aparecem o

type ora...ora, notamos que todos os types apresentaram maior possibilidade de

inversão. Vejamos:

PRÓTASE APÓDOSE

(35) O político narra sua mudança para São Paulo e os primeiros envolvimentos com a política e as

mulheres, duas paixões que o dominariam,

ora como obsessão, ora como problema

Revista Veja on-line, ed. 12/06/2013, pág. 64

Percebemos que a inversão das construções no token citado traria menor

prejuízo para o primeiro significado apresentado pelas construções. Afinal, se

invertêssemos a ordem das construções, não haveria grandes alterações de significado

(ora como problema, ora como obsessão).

As construções com ora...ora também apresentaram-se com maior frequência

em padrões não-oracionais. Vejamos na tabela a seguir:

Tabela 10 - Padrão oracional de ora...ora

Padrão

oracional

Qnt. %

não-oracional 15 71,5

oracional 6 28,5

Total 21 100%

A partir da tabela 10, observamos que, dos 21 tokens instanciados, 15

apresentaram-se em estruturas não-oracionais. Vejamos:

PRÓTASE APÓDOSE

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(36) “Além das montanhas” tem ainda uma dimensão interna poderosa (no relacionamento

cheio de pulsões das duas amigas), uma psicóloga no contraste entre os

enquadramentos,

ora ordenados, ora caóticos ...

Revista Veja on-line, ed. 09/01/2013, pág. 99

Apenas 6 tokens apresentaram-se em estruturas oracionais, Vejamos:

PRÓTASE APÓDOSE

(37) Vivemos a era do individualismo tecnológico. Criamos perfis virtuais que nem sempre condizem com a realidade. Com alguns

cliques,

ora nos apresentamos como

pessoas amáveis,

ora como pessoas totalmente poderosas.

Revista Veja on-line, ed.05/06/2013, pág. 108

No token (37), observamos que o type ora...ora apresenta-se em uma estrutura

oracional, pois correlaciona duas cláusulas. A primeira é instanciada pelo verbo

apresentar. A segunda cláusula, por sua vez, apresenta o mesmo verbo, mas de forma

elíptica.

A análise das sequências tipológicas demonstrou uma predominância pelo

aparecimento deste type também em sequências argumentativas. Vejamos:

Tabela 11 - Sequência tipológicas das construções com ora...ora

Sequências tipológicas Qnt. %

Argumentativas 23 62,2

Expositivas 14 37,8

Total 37 100%

Dos 37 tokens instanciados por seja...seja, apenas 14 se apresentaram em

sequências expositivas. Os demais tokens são atestados em sequências argumentativas,

o que reforça, mais uma vez, a predominância de construções correlatas no campo da

argumentação.

A partir da análise dos types espelhados, em geral, concluímos que todos

apresentam maior possibilidade de inversão, pois apenas as construções com

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sobreposição semântica impossibilitaram a inversão da prótase e da apódose.

Concluímos também que os types espelhados apresentam preferência por estruturas

não-oracionais e indicam inclusão ou exclusão de acordo com o token recrutado pelo

falante, no momento da interação.

Veremos, na seção seguinte, os correlatores não-espelhados apresentados na

análise dos dados.

4.2 Correlatores não-espelhados

A análise dos dados nos revelou 3 types da construção correlata alternativa não-

espelhada, ou seja, formada por correlatores com itens diferenciados: Vejamos:

Tabela 12 - Types de construções correlatas alternativas não-espelhados

Types Tokens %

seja...ou 32 91,44%

quer...ou 2 5,71%

nem...ou 1 2,85%

Total 35 100%

Observamos que os types não-espelhados são formados a partir da mescla dos

types espelhados já existentes e explorados até este ponto da dissertação. A formação

desses types se deu a partir de um processo de analogização que veremos mais

detalhadamente ao final desta seção.

Podemos observar que foram encontradas 32 ocorrências do type seja...ou na

análise dos dados, uma frequência alta para um correlator alternativo considerado não

canônico, já que as gramáticas de um modo geral não mencionam a existência deste

conector.

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Pezzati e Loghin-Thomazi (2008) enquadraram o correlator seja...ou dentro dos

disjuntores, e afirmaram que a associação de seja com ou é “frequentemente

licenciada”. Vejamos, para fins ilustrativos, um dos tokens encontrados:

Prótase Apódose

(38) Além disso, o aumento na capacidade portuária

depende de avanços no acesso aos terminais,

seja por rodovias, ou ferrovias.

Revista Veja on-line, ed. 22/05/2013, pág. 120

Encontramos também 2 types da construção com quer...ou, como a apresentada

a seguir, vejamos:

Prótase Apódose

(39) “Niels por que a ferradura? Você não pode acreditar

nisso”. Ele respondeu: É claro que não acredito . Mas isso

funciona

quer você acredite ou não.

Revista Veja on-line, ed. 15/01/2014, pág. 19

Vejamos agora um token encontrado de nem... ou.

Prótase Apódose

(40) Ninguém faz nada quanto a isso; por alguma razão

misteriosa, insondável, nada se corrige. Homens, mulheres,

jogados aos magotes em celas que não admitiriam

razoavelmente

nem seis,

ou dez.

Revista Veja on-line, ed. 18/12/2013, pág. 32

Com relação à ordem das construções com correlatores não-espelhados,

observamos que nenhum dos types apresenta possibilidade de inversão. Vejamos:

Prótase Apódose

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(41) “Niels por que a ferradura? Você não pode acreditar

nisso”. Ele respondeu: É claro que não acredito . Mas isso

funciona

quer você acredite ou não.

Revista Veja on-line, ed. 15/01/2014, pág. 19

A partir da análise do token (41), observamos que o correlator quer...ou não

poderia ter sua ordem invertida. Aliás, isso se constatou em todos os types não

espelhados de construções correlatas alternativas. Em todos 35 tokens instanciados a

partir desses types, a inversão não foi possível, apontando para uma cristalização da

forma, mantendo-se o ou como o correlator da apódose, obrigatoriamente. Isso se

explica porque, afinal, é justamente esse o item responsável, por excelência, para a

veiculação da noção de alternância.

Em relação à interdependência, verificamos se os dados apresentavam ou não a

interdependência típica das construções correlatas. A análise revelou que todos os

tokens não-espelhados apresentam interdependência.

A análise das sequências tipológicas dos types não-espelhados demonstra que

alguns como seja...ou aparecem em sequências argumentativas e expositivas e outros,

como quer...ou e nem...ou, apenas em sequências argumentativas. Vejamos:

Tabela 13 - Sequências tipológicas das construções com seja...ou

Sequências tipológicas Qnt. %

Argumentativas 26 81,3

Expositivas 6 18,7

Total 32 100%

A partir da análise da tabela, percebemos que as construções com seja...ou

apresentam preferência pelo aparecimento em sequências argumentativas. Ressaltamos

que todos os outros types espelhados, 2 tokens de quer...ou e 1 token de nem...ou

apresentaram-se em sequências argumentativas. Sendo assim, notamos que dos 35

types espelhados, 29 apresentaram-se em sequências argumentativas, o que reforça

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mais uma vez o caráter fortemente argumentativo da correlação. Percebemos também

que todos os tokens instanciados pelos types quer...ou, seja...ou e nem...ou apresentam

a leitura semântica de inclusão.

Em relação ao padrão oracional das não-espelhadas, notamos a preferência pelo

aparecimento em estruturas não-oracionais. Todos os 32 types de seja...ou, e o type

nem...ou apresentaram-se em estruturas não oracionais. Já o type quer...ou apresentou-

se também em estruturas oracionais.

A partir da constatação, em nossa pesquisa, da utilização dessas formas pelos

usuários da língua, imediatamente alguns questionamentos tornaram-se presentes:

Como essas formas teriam sido criadas? Qual a motivação para o seu uso? Com que

necessidade os falantes as teriam criado? Para explicarmos o surgimento dessas formas,

nos valemos da obra de Traugott e Trousdale (2013).

De acordo com os autores, como vimos nos pressupostos teóricos desta

pesquisa, um dos mecanismos de mudança existentes para explicar o surgimento de

uma nova construção é o fenômeno da analogização. Na analogização, o falante

reconfigura e alinha traços de uma construção já existente para a formação de uma

construção nova. O exemplar da categoria de uma construção é tomado como um

modelo para a criação de novos types. Sendo assim, observamos que o mecanismo da

analogização é útil para a interpretação dos mecanismos de mudança pelos quais foram

criados os novos types seja...ou, quer ...ou e nem...ou.

Esses types foram formados por meio da atração de membros e de construtos já

existentes, que são os seguintes: seja...seja, quer...quer, nem...nem e ou...ou. Essas

novas formas partilham, alinham traços das velhas e das novas construções

possibilitando a emergência de novas formas, novos types de construção. Vejamos:

Figura 1- Analogização das construções não espelhadas

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Observamos, a partir da figura acima, que o type ou...ou está presente em todos

os novos types criados, demonstrando grande produtividade. Isso ocorre por ser ele o

exemplar da categoria das construções correlatas alternativas, o que pode ser

comprovado pela sua antiguidade e alta frequência token até os dias de hoje. De fato, o

conectivo ou é o elemento alternativo/disjuntivo por excelência. Daí a presença dele

nos novos types formados, garantindo a persistência desse matiz semântico

fundamental.

De acordo com a abordagem construcional proposta por Traugott e Tousdale

(2013), esse fenômeno acontece porque, ao utilizamos a língua, acessamos

informações estocadas, e aquelas que são mais frequentes são acessadas com maior

facilidade. Sendo assim, como o type ou...ou é o mais frequente, ele é mais facilmente

recrutado pelo usuário da língua.

Com relação aos correlatores não-espelhados, concluímos que os types

seja...ou, quer ...ou e nem...ou se colocam como os marginais na categoria das

construções correlatas alternativas. Diferentemente do type prototípico ou...ou, que

apresenta valor de exclusão, maior possibilidade de inversão e preferência por

estruturas oracionais, esses types apresentam a leitura semântica de inclusão, menor

possibilidade de inversão e apresentam-se com maior frequência em estruturas não-

oracionais.

Concluímos também que o processo de analogização, ao qual foram

submetidos os types para a criação das novas formas, resultou em uma mudança

construcional, pois apesar da constatação da mudança, não houve a criação de uma

nova construção, com forma e significado novos pareados. A mudança fundamental

observada foi apenas no campo da forma, sendo assim, apenas uma mudança

construcional. No campo do significado, a ideia de alternância/disjunção está sempre

presente.

No capítulo a seguir, faremos uma síntese das descobertas obtidas a partir da

análise de dados, e responderemos aos questionamentos levantados ao longo da

pesquisa.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento, faz-se necessária uma síntese das descobertas e constatações

obtidas ao longo da pesquisa, para verificarmos se alcançamos os objetivos propostos

no início deste trabalho e se a hipóteses levantadas foram confirmadas.

Verificamos, a partir da análise de dados, que a construção correlata alternativa

pode se apresentar na língua em uso a partir de diversos types. Embora tivéssemos

inicialmente como referência o type ou...ou, que de fato se comprovou como o type mais

prototípico, e alguns outros mais recorrentes como ora..ora e seja..seja, verificamos o

aparecimento de outros conectores alternativos menos recorrentes, mas que também

estabelecem a correlação alternativa, de forma provavelmente inovadora.

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Hipotetizamos que esses correlatores menos prototípicos encontrados (seja...ou,

quer...ou e nem...ou) foram criados por um processo de analogização a partir de outros

types já existentes. A partir dessa primeira observação em relação ao types, surgiu nosso

primeiro questionamento: Com que finalidade o falante recrutaria tantos types diferentes

para estabelecer a correlação alternativa? Concluímos que o falante recruta novas

formas, pois seu objetivo é sempre a necessidade de conferir maior expressividade ao

discurso, daí a renovação no rol desses conectivos.

Em seguida, a partir da análise minuciosa de cada type, verificamos que, apesar

de todos estabelecerem a alternância, cada correlator apresenta um matiz semântico

particular que se encaixa melhor em um determinado contexto de uso. Observamos que

este matiz semântico particular apresentado por cada type é decorrente da origem de

cada correlator.

Assim, o type ou...ou é recrutado pelo falante para explicitar a alternância

prototípica, em que o falante apresenta alternativas com o valor preciso de exclusão. Já

o type seja...seja é recrutado nos casos em que o falante quer explicitar duas alternativas

que não se excluem, representando, na verdade, um acréscimo, uma inclusão de

alternativas, através de padrões não-oracionais.

O type ora...ora também é indicado para expressar exclusão, no entanto, a sua

noção semântica temporal faz com que ele seja recrutado para as estruturas em que o

falante deseja veicular, mesmo que subsidiariamente, uma noção de tempo. Já o type

quer...quer parece indicar inclusão como seja...seja, entretanto, não podemos tecer

afirmações categóricas sobre este type pelo fato de termos encontrados apenas 4 tokens.

Os poucos dados apontam que esse type é mais utilizado para os casos de estruturas

oracionais, pelo fato de já estar totalmente gramaticalizado e não bloquear a presença

dos verbos como ocorre com seja...seja.

O type nem...nem é recrutado pelo usuário da língua quando o falante quer

apresentar uma negação das alternativas apresentadas, sendo bastante próximo da noção

de adição, o que poderia até mesmo possibilitar uma classificação do tipo alternativo-

aditivo.

Já com relação aos types não-espelhados, embora tenhamos percebido que

tenham trazido traços de seus correlatores de origem, não foi possível depreender nessa

pesquisa os contextos exatos de seus usos. Essa é uma questão aparentemente nova, que

demandará novos estudos em vista de um maior aprofundamento futuro.

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Verificamos também que algumas construções correlatas com ou...ou e

quer...quer apresentaram sobreposição de valores semânticos, ou seja, além da

alternância, apresentaram um valor condicional. Essa sobreposição parece ser

motivada, segundo alguns autores e por meio da análise de dados, pela ordenação das

construções nos eventos em que estão inseridas. A partir dessa constatação, mais um

questionamento surgiu: Por que, em nossos dados, apenas os types ou...ou e

quer...quer apresentam maior facilidade de admitir a sobreposição? Concluímos que

isso ocorreu pelo fato de esses correlatores estarem mais gramaticalizados do que os

outros types, assim como afirmado por Barreto (1999), facilitando, assim, esse

fenômeno de adjunção de matizes semânticos.

A ordenação também foi pauta de uma das nossas análises. Obtivemos a

confirmação de que as correlatas alternativas apresentam maior possibilidade de

inversão em relação às coordenadas prototípicas. Vejamos:

Tabela 14 - Possibilidade de inversão das construções alternativas

Das 181 ocorrências encontradas, verificamos que quase 70% das construções

correlatas apresentam maior possibilidade de inversão. Isso se explica pelo próprio

padrão sintático da correlação alternativa, que se caracteriza por uma interdependência

que tende a equalizar a força da prótase e da apódose.

Em relação ao padrão oracional, observou-se que esse tipo de construção pode

apresentar-se em padrões tanto oracionais quanto não-oracionais, entretanto a

construção correlata alternativa apresenta preferência pelo aparecimento em estruturas

não-oracionais. Vejamos:

Tabela 15 - Padrão oracional das construções alternativas

Padrão

oracional

Qnt. %

não-oracional 118 71,5

Possibilidade de inversão % %

+ inversão 125 69,1%

- inversão 56 30,9%

Total 181 100%

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oracional 63 28,5

Total 181 100%

Observamos que dos 181 tokens encontrados de construções correlatas

alternativas, 118 apresentaram-se em estruturas não-oracionais e apenas 63 em

estruturas oracionais. Isso comprova a necessidade de revisão de nossas gramáticas

que só tratam da alternância no plano do período composto, assim como acontece

com aditivas, proporcionais, comparativas e outras correlatas.

Verificamos também que as correlatas alternativas, a depender de cada type,

podem indicar tanto uma leitura semântica de inclusão quanto de exclusão, mas

apresentam preferência por uma leitura inclusiva, apesar do prototípico ou...ou

apresentar uma leitura categórica de exclusão. Com relação aos dados em geral,

vejamos uma quantificação desse fator.

Tabela 16 - Interpretação semântica de inclusão/exclusão das construções correlatas

Interpretação Qnt. %

inclusão 97 53,5%

exclusão 84 46,4

Total 181 100%

A análise da interpretação inclusiva/exclusiva foi de grande importância para

nossa pesquisa, pois nos possibilitou a verificação de que a correlata com ou...ou

difere da coordenada com ou em relação à possibilidade de interpretação semântica.

A construção coordenada com ou pode receber tanto uma leitura inclusiva

quanto exclusiva, revelando-se, muitas vezes, nesse ponto, como uma construção

ambígua. Já na construção correlata com ou...ou, a interpretação será sempre

exclusiva, e a possibilidade de ambiguidade se desfaz. Confirmamos também, a partir

de nossa análise, que a correlação alternativa é um recurso tipicamente

argumentativo, tendo em vista a sequência tipológica em que ocorre com maior

frequência.

Ao final da pesquisa, confirmamos a hipótese que impulsionou este trabalho: a

construção correlata alternativa é uma construção diferente da construção coordenada

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alternativa, pois apresenta aspectos morfossintáticos, semânticos e funcionais distintos

e serve a necessidades comunicativas também diferentes.

A seguir, apresentamos um quadro com uma síntese das diferenças observadas,

neste trabalho, entre coordenadas alternativas e correlatas alternativas. Vejamos:

Quadro 7- Diferenças entre coordenada alternativa e correlata alternativa

A análise de dados nos possibilitou também observar quais as características

gerais da construção correlata alternativa. Para esta demonstração, usamos como base

a representação de construção proposta por Croft (2001). Vejamos:

Quadro 8- Propriedades das construções correlatas alternativas

POLO PROPRIEDADES TRAÇOS

FORMA

Sintática

Relativa liberdade posicional. Capacidade de reunir

segmentos oracionais e não-oracionais

Morfológica

Recrutamento de partículas diversas para

formação do par correlativo (partículas advindas

de outras categorias). Interdependência e não

contiguidade. Competição de formas.

FORMA

Fonológica

Pequena quantidade de massa fônica.

CORRELATAS Alternativas

COORDENADAS

Alternativas

Maior possibilidade de inversão

Menor possibilidade de inversão

O par ou...ou somente veicula noção de

exclusão

ou pode veicular a ideia de inclusão ou

exclusão

Interdependência Independência

Estabelecida por vários types Estabelecida apenas por um único type: ou

Conectivos descontínuos (correlatores) Apenas um conectivo

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CONTEÚDO

Semântica

Deslizamento semântico do sentido primário dos itens

que compõem os correlatores. Manutenção da ideia de

alternância. Não linearidade das informações. Pragmática Maior formalidade.

Discursivo-

funcional

Presença maior em contextos argumentativos.

Menor frequência de uso.

Diante disso, concluímos que esta pesquisa representa uma contribuição para

os estudos da correlação. Sem dúvida, ainda necessitamos de muitas outras

investigações que descrevam esse processo especial de forma mais pormenorizada.

Especificamente em relação à correlação alternativa, respeitando os limites deste

trabalho, notamos que muito ainda há de ser feito futuramente para que possamos

detalhar esse universo com mais precisão, mas concluímos que esta pesquisa se

configurou como um passo importante nesta seara.

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