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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Danyella Mayara da Costa Nascimento
A CONSTRUÇÃO DE UM HERÓI ATRAVÉS DAS PALAVRAS:
o conde João Maurício de Nassau em a História dos feitos de Gaspar Barléu
Natal/RN
2014
Danyella Mayara da Costa Nascimento
A CONSTRUÇÃO DE UM HERÓI ATRAVÉS DAS PALAVRAS:
o conde João Maurício de Nassau em a História dos feitos de Gaspar Barléu
Monografia apresentada ao Curso de História
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, sob orientação da Professora Dra. Maria
Conceição Guilherme Coelho, para a avaliação
da disciplina Pesquisa Histórica II.
Natal/RN
2014
Danyella Mayara da Costa Nascimento
A CONSTRUÇÃO DE UM HERÓI ATRAVÉS DAS PALAVRAS:
o conde João Maurício de Nassau em a História dos feitos de Gaspar Barléu
Monografia apresentada ao Curso de História
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, para a avaliação da disciplina Pesquisa
Histórica II.
Aprovada em: _____ / _____ / _____
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Profª. Dra. Maria Conceição Guilherme Coelho
(Orientadora / UFRN)
__________________________________________________________
Profª. Esp. Francisca Aurinete Girão Barreto da Silva
UFRN
__________________________________________________________
Profª. Dra. Maria Emília Monteiro Porto
UFRN
Para Maria Edite, com amor e admiração.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de começar agradecendo a professora Maria Conceição Guilherme Coelho,
por sua dedicação e boa vontade em compartilhar conhecimento, pois, sem a sua orientação,
não seria possível a produção deste trabalho. Agradeço, também, a professora Maria Emília
Monteiro Porto, sem a qual não teria um direcionamento para escolha do tema e a professora
Francisca Aurinete Girão Barreto da Silva, por sua disponibilidade em ajudar nos momentos
em que mais precisamos.
À minha irmã, Carla, por sua imensa colaboração na coleta de informações, na
concretização e revisão desta produção. Aos meus pais, Ires e Carlos, à minha avó, Francisca,
à minha tia, Socorro, aos meus primos, Larisse, Jaelson e Caio, e aos meus amigos, Kadja,
Maiara, Cleópatra, Tássia e Helton, pelo seu enorme apoio e por estarem ao meu lado nesta
jornada.
Mas, acima de todos, gostaria de agradecer a Deus, por ter me dado sabedoria e força
para a realização desta pesquisa.
Imorredouro General, rebento venerando de um
sangue antigo, tu, conhecido já através de um
hemisfério a nós ignoto, retorna, ó herói, para a
Batávia e para o Velho Mundo.
(Gaspar Barléu)
RESUMO
A presente monografia trata da obra do humanista antuerpiano Gaspar Barléu (1584-1648)
sobre o Brasil Holandês: História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no
Brasil e noutras partes sob o governo do Ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, etc.,
ora Governador de Wesel, Tenente-General de cavalaria das Províncias-Unidas sob o
Príncipe de Orange (1647). Partindo de uma visão histórico-literária, analisaremos a obra
focada na encomenda feita por João Maurício de Nassau (1604-1679) ao escritor humanista,
com a finalidade de apresentar suas ações, como Governador do Brasil Holandês, à nobreza
europeia. Este trabalho tem como objetivo compreender a apresentação do Nassau de Barléu –
personagem principal do livro – como modelo de governante ideal para a sociedade europeia
do século XVII. Para isso, utilizaremos os conceitos de Herói Clássico Aristotélico, além do
ponto de vista de Governante Herói observado durante os séculos XV a XVIII por Peter
Burke. Através da ideia de representação social de Erving Goffman, mostraremos como a
apresentação deste Nassau-Personagem contribuiu para a solidificação do Nassau-Real no seu
grupo social. Assim, faremos uma análise da figura de João Maurício de Nassau do livro de
Gaspar Barléu, identificando suas características, trabalhando com o pensamento intelectual
da nobreza europeia no século XVII para a composição de um padrão de comportamento
equivalente a um nobre. Junto da fonte principal, trabalhamos com produções como Eu,
Maurício: Os espelhos de Nassau e Frans Post e o Brasil Holandês na coleção do Instituto
Ricardo Brennand com o propósito de conhecer mais sobre a vida de João Maurício de
Nassau como idealizador de obras sobre o Brasil Holandês. Dessa forma, observamos que o
autor utilizou para composição deste Nassau-Personagem as características clássico-
humanistas que imperavam na arte oficial das Províncias Unidas dos Países Baixos, criando a
figura de um herói-governante – estereótipo de governante ideal aclamado pelo povo – para
apresentar o Nassau-Real à sociedade nobre da Europa do século XVII.
Palavras-Chave: Nassau. Literatura histórica. Herói.
ABSTRACT
This monograph addresses the work of the Antwerp humanist Gaspar Barléu (1584-1648) on
the Dutch Brazil called: História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no
Brasil e noutras partes sob o governo do Ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, etc.,
ora Governador de Wesel, Tenente-General de cavalaria das Províncias-Unidas sob o
Príncipe de Orange (1647). In a literary-historical view, we will analyze the book focused on
the order made by John Maurice of Nassau (1604-1679) to the humanist writer with the
purpose of presenting his actions, as the Governor of the Dutch Brazil, to the European
nobility. This study aims to understand the layout of the Nassau of Barléu - main character of
the book - as a model of the ideal governor for the European society in the 17th
century. For
this, we will use the concepts of the Aristotelian Classical Hero, and also the standpoint of the
Governor Hero observed during the 15th to 18
th centuries by Peter Burke. Through the idea of
social representation of Erving Goffman, we will show how the presentation of Nassau-
Character contributed to the solidification of Nassau-Real in his social group. So that, we will
make an analysis of the figure of John Maurice of Nassau in Gaspar Barléu's book, identifying
his characteristics, working with the intellectual thought of the European nobility in the 17th
century for the composition of a standard behavior equivalent to a nobleman. Along with the
primary source, we have worked with productions such as Eu, Maurício: Os espelhos de
Nassau e Frans Post and Dutch Brazil in the collection of Instituto Ricardo Brennand with
the purpose of learning more about the life of John Maurice of Nassau as a creator of works
on the Dutch Brazil. Thus, we see that the author used for the composition of the Nassau-
Character the classic humanistic characteristics that prevailed in the official art of the United
Provinces of the Netherlands, creating the figure of a Hero Governor - stereotyped ideal ruler
acclaimed by the people - to present the Nassau-Real to the noble society of 17th
century in
Europe.
Keywords: Nassau. Historical literature. Hero.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – João Maurício de Nassau como jovem oficial ....................................................... 19
Figura 2 – Exemplar colorido do livro História dos Feitos de Gaspar Barléu, primeira edição
de 1647 .................................................................................................................. 23
Figura 3 – Gravura aquarelada de Maurício de Nassau no livro de Gaspar Barléu ................ 25
Figura 4 – Ponte que liga Recife à Cidade de Maurícia (Ilha de Antônio Vaz) ..................... 32
Figura 5 – Retrato de Gaspar Barléu ....................................................................................... 36
Figura 6 – Frontispício do livro de Gaspar Barléu .................................................................. 37
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
2 DA EUROPA AO BRASIL ............................................................................................. 14
2.1 O SÉCULO DE OURO .................................................................................................. 14
2.2 A CASA NASSAU ........................................................................................................ 18
2.3 A VINDA PARA O BRASIL ......................................................................................... 21
2.3.1 Nassau e a História dos Feitos ................................................................................... 23
3 O NASSAU DE BARLÉU .............................................................................................. 25
4 DE ARISTÓTELES À PETER BURKE: FUNDAMENTANDO O ESTERIÓTIPO DE
HERÓI ............................................................................................................................... 35
4.1 A ARTE POÉTICA ARISTÓTELICA E O HERÓI CLÁSSICO .................................... 38
4.2 PETER BURKE E O HERÓI-GOVERNANTE ............................................................. 40
5 UM HERÓI CONSTRUIDO COM PALAVRAS: NASSAU SOB O VIÉS DA
REPRESENTAÇÃO SOCIAL .......................................................................................... 44
6 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 47
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 49
10
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo monográfico propõe-se a trazer um olhar diferenciado acerca da
encomenda feita por João Maurício de Nassau a Gaspar Barléu da obra História dos feitos
recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras partes sob o governo do
Ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, etc., ora Governador de Wesel, Tenente-
General de cavalaria das Províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange, com a finalidade de
mostrar à nobreza europeia que outrora fora o governante ideal para o Brasil Holandês.
A necessidade inerente ao ser humano, desde a sua origem, de registrar suas
atividades, é uma de muitas reflexões que regem e que fascinam os historiadores em suas
produções. Seja através da arte rupestre, com funções ritualísticas, ou da escrita, na tentativa
de preservação da memória, o homem busca meios e razões para continuar a registrar.
A criação e o desenvolvimento da escrita, além de enfatizar essa carência, revelam a
busca do homem em aprimorar sua comunicação e interação com outros seres humanos.
Através de placas de cerâmica, cascas de árvores, placas de bambus, tábuas recobertas de
ceras, velino, pergaminho ou papel, o homem irá elaborar instrumentos para realizar esta
relação social.
O livro foi uma das inovações técnicas que surgiu ao longo do tempo para suprir essas
necessidades. A sua criação permitiu melhorar a conservação dos exemplares, o acesso à
informação, seu manuseio e sua produção. Em meados do século XV, a invenção do tipo
móvel para impressão, considerada como importante revolução para o mundo ocidental, visto
que poucos eram alfabetizados, promoveu um crescimento da produção de livros, permitindo
um maior acesso a obras que antes apenas alguns teriam exclusividade.
O aumento da quantidade de livros revela uma grande sede pelo conhecimento por
todo o continente europeu, mesmo sendo difícil saber se foi ela que provocou ou foi
provocada por essas publicações. A partir desse acontecimento, o intercâmbio de ideias
estende-se por toda a Europa, permitindo o desenvolvimento das artes, ciências e tecnologias,
proporcionando um maior acesso ao conhecimento e à difusão de ideias.
Reflexo deste importante momento vivido na Europa durante o século XVII, o livro
escrito por Gaspar Barléu, História dos feitos, encaixa-se neste contexto e nas características
de produção da época. Ao narrar a história da administração do governo neerlandês no
nordeste brasileiro, o autor alicerça seu registro na figura do conde João Maurício de Nassau.
E é através do registro de seus feitos, de suas virtudes e de suas boas relações que Barléu
11
dedica-se a edificar a imagem de um modelo de soldado, cidadão e governador para o sucesso
da missão de governar o Brasil Holandês.
Então, para compreender mais profundamente seu autor e seu personagem principal, é
interessante aproximar-se do contexto desta produção e da figura em que esta é baseada, nos
permitindo um referencial para seus pensamentos, ideias e ações, pois não se pode conhecer
um homem do passado sem procurar compreender suas referências – o que tornava, para as
pessoas de sua época, o seu mundo inteligível e permitia um significado para sua experiência
de vida.
Quando se trabalha com um livro como o de Gaspar Barléu, que contém não apenas o
relato da história do Governador Geral do domínio neerlandês no Brasil, mas outras
informações que têm características de diversos assuntos da área humanística, é necessário
que se estude a obra com cautela, sempre tomando o cuidado com relação à
interdisciplinaridade existente na sua produção.
É perceptível, para quem analisa a obra, o contato do autor com os clássicos e histórias
de guerras antigas para uma melhor estruturação da narração da história e da montagem de
seu personagem principal. Mesmo que o autor proponha-se a conhecer a realidade na escrita
dos eventos, não quer dizer que esta não contenha um romanceamento destes. Sabemos que
Barléu escreveu o livro a fim de que este momento histórico de glórias dos Países Baixos e de
João Maurício de Nassau-Siegen fosse inscrito na memória de seu povo e admirado por
muitos outros povos. Dessa forma, ele busca ornamentar o conde Maurício de Nassau a fim de
que o mesmo se torne um modelo de herói governante.
É através das características desse homem que os Estados-Gerais devem ser
representados e, ainda, a partir dele que deve ser representado o cidadão modelo de seu país.
Logo, identificar os elementos da construção e da caracterização do governador João
Maurício de Nassau da obra de Gaspar Barléu, torna o estudo desta obra interessante, pois
vamos adquirir conhecimento de até onde o autor e sua escrita interferiram na visão de quem
realmente foi o Governador-geral do domínio neerlandês, durante os sete anos em que esteve
no Brasil.
Para tanto, valermo-nos dos teóricos Aristóteles e Peter Burke, com o objetivo de
embasar a construção feita pelo escritor, Gaspar Barléu, do herói de seu livro. Utilizando os
conceitos mesclados de herói clássico e de herói governante, Barléu modela um Nassau que
atinge o alvo do solicitante, a saber, solidifica-se perante a nobreza do outro lado do
Atlântico.
12
Aplicaremos os conhecimentos adquiridos através da leitura de Erving Goffman para
explicitar o padrão de comportamento exercido pelo governante ideal para sociedade europeia
do século XVII.
Ao final, concluiremos que o governante criado/idealizado por Barléu, sob encomenda
do governador do Brasil Holandês, atingiu o desígnio para o qual foi construído.
A pesquisa está estruturada da seguinte maneira: no capítulo 2 faremos uma
contextualização histórica da Europa no século XVII, com subdivisões privilegiando a vida de
João Maurício de Nassau até a sua vinda ao Brasil; no capítulo 3 faremos uma aproximação
ao Nassau descrito em História dos feitos; no capítulo 4 apresentaremos os teóricos e suas
congruências ao herói descrito por Barléu; no capítulo 5 questionaremos se a apropriação do
modelo clássico de herói governante, construída por Barléu, obteve êxito na sociedade
europeia.
Para o desenvolvimento da referente pesquisa, buscamos estruturá-la dentro dos
parâmetros destinados à pesquisa histórica, procurando estabelecer a construção de um
diálogo entre a fonte principal e as fontes adjacentes. Sendo assim, utilizaremos o livro
História dos feitos como principal fonte de estudo, encomendado a Gaspar Barléu por João
Maurício de Nasau-Siegen, logo que o conde voltou à Holanda, em 1644.
Será feita, portanto, uma análise da construção da figura do conde no livro
supracitado, identificando as características do personagem, como o autor trabalha com o
conhecimento de herói clássico na obra e na personificação do personagem em herói
governante.
Buscando sempre situarmo-nos no pensamento das produções científicas do século
XVII, trataremos de conhecer o pensamento intelectual da nobreza europeia neste recorte
temporal.
Paralelamente à fonte principal, trabalharemos produções adjacentes – como o Eu,
Maurício: Os espelhos de Nassau organizado pelo Instituto Cultural Bandepe e o livro Frans
Post e o Brasil Holandês na coleção do Instituto Ricardo Brennand – com o intuito de
conhecer mais sobre a vida de Nassau, além de observar como os livros discutem a sua
arquitetura intelectual.
Somam-se, como procedimento metodológico de pesquisa, as visitas ao Instituto
Ricardo Brennand, localizado na cidade de Recife, em Pernambuco – lugar que permite uma
aproximação com as coleções de documentações e iconografias relacionadas ao Brasil
Holandês.
13
Por fim, gostaríamos de atentar que, durante todo o trabalho, adotamos a nomenclatura
utilizada pelo livro História dos feitos de 1974, com tradução e anotações de Claúdio
Brandão, publicada pela Editora da Universidade de São Paulo e pela Editora Itatiaia, para
melhor compreensão na realização deste trabalho.
14
2 DA EUROPA AO BRASIL
2.1 O SÉCULO DE OURO
O século XVII faz parte do período histórico conhecido como Século de Ouro dos
Países Baixos ou Idade de Ouro Neerlandesa (1584-1702). Nesta época, em que as províncias
dos Países Baixos destacam-se como a maior potência marítima e econômica do ocidente, os
neerlandeses criam duas empresas de exploração comercial que buscam cobrir grande parte
do mundo: a Companhia Neerlandesa das Índias Orientais e a Companhia Neerlandesa das
Índias Ocidentais.
Os resultados comerciais dos Países Baixos inauguram um ciclo de prosperidade e
abrem as portas para o desenvolvimento da cultura. Ao estender suas redes comerciais por
todo o mundo, estabelecendo colônias, os neerlandeses preocuparam-se em conhecer
novidades, incentivando seus intelectuais no registro desse novo mundo. Artistas, arquitetos,
filósofos e cientistas se aproximaram desta realidade de descobertas e a tornaram objeto de
suas produções. Os achados científicos e culturais ampliaram o campo para a pesquisa e para
expansão do comércio.
O florescimento das artes, ciências e comércio estão relacionados ao clima de
tolerância intelectual e religiosa que se manifestava naquela sociedade. A invenção de tipos
móveis de impressão permitiu a difusão de informações e ideias por toda a Europa, garantindo
um maior acesso ao conhecimento e a interpretação individual dos pensamentos da época. A
exemplo disso, podemos observar o movimento reformista cristão o qual ganhou adeptos a
partir da propagação de suas reflexões.
Muitos estrangeiros que sofriam perseguições por suas pesquisas ou por opção
religiosa em seu local de origem eram atraídos para a região, proporcionando uma aglutinação
de conhecimento e troca de experiências. Nas universidades, locais de fóruns e alojamento de
pesquisadores, teorias e observações científicas eram debatidas para serem posteriormente
divulgadas.
Segundo Galindo (2004), os Países Baixos, durante o século XVII, tornam-se o maior
pólo editorial da Europa. As liberdades dos controles de censura da Igreja e do Estado
permitem que as províncias convertam-se em uma vigorosa indústria livreira. Sua expansão
ao redor do mundo proporciona a criação de respeitáveis desenhistas e gravadores, nas
15
produções de mapas e nas artes de livros, contribuindo, pois, para o alcance de uma
excelência gráfica editorial.
O seu estabelecimento como pólo editorial proporcionou uma constante criação de
cientistas nas universidades dos Países Baixos, que formavam célebres profissionais –
geógrafos, astrônomos, naturalistas, físicos – ligados aos interesses comerciais das
companhias de navegações. Assim, o bom desempenho econômico e comercial, a produção de
cientistas, o estímulo à pesquisa, as universidades e seus bons profissionais, garantiram a
continuação de novos estudos e o progresso científico, cultural e econômico nos Países
Baixos do século XVII.
João Maurício de Nassau (1604-1679) estava inserido no mais importante e influente
centro de desenvolvimento tecnológico, humanístico e artístico do seu tempo. Porém, estava
também em um ambiente de tensões e conflitos travados pelas Províncias dos Países Baixos.
Confrontos estes que se desdobraram em meio a eventos importantes, como por exemplo: a
Guerra dos Oitentas Anos, a União das Coroas Ibéricas, a Guerra dos Trinta Anos na Europa e
a Guerra Luso-Neerlandesa no Brasil.
Durante o século XVII desenrolam-se as lutas pela independência das províncias dos
Países Baixos. Este conflito é conhecido como a Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648).
Guerra essa que aglutinou todas as camadas da sociedade através de um sentimento
protestante e de oposição à Coroa Espanhola.
Os Países Baixos, região que foi condado do Sacro Império Romano Germânico,
estavam agora sob o domínio do Império Filipino, uma vez que faziam parte da herança –
juntamente com a Coroa da Espanha, colônias da América, Ásia, África e terras da península
Itálica – que Carlos V (1500-1558) transferiu para seu filho Felipe II (1527-1598) quando o
monarca veio a abdicar o trono.
O povo dos Países Baixos decidiu por opor-se a Felipe II, pois estavam indignados
com os excessos do governo do mesmo, a saber: perseguição religiosa, altos impostos e o
rompimento de relações administrativas do governo com os nobres. A resposta do governante
foi a ocupação das províncias pelas tropas espanholas, obtendo resultado favorável apenas na
região sul. Em razão disso, os Países Baixos dividiram-se em dois blocos: as províncias do
norte, caracterizadas por um sentimento protestante e de oposição ao governo espanhol, e as
províncias do sul, que expressavam seu apoio ao rei católico.
Enquanto ocorria intensa discórdia entre o povo dos Países Baixos e a Coroa da
Espanha, surge uma oportunidade para que Felipe II amplie o seu império, que foi a crise
dinástica portuguesa. Por não haver herdeiro direto ao trono português, Felipe II é um dos
16
nomes a reivindicar a Coroa Portuguesa através de laços sanguíneos. Utilizando sua força
militar, o monarca ganha a disputa pelo trono, anexando, ao seu já vasto império, a coroa
portuguesa. E assim é formada a União das Coroas Ibéricas (1580-1640).
Com ampla visão estratégica, a Espanha, caracterizada por um governo de contra-
reforma, incorpora Portugal ao seu reino, com o objetivo de aumentar seu exército, segundo
Campos (1997). Essa força militar possibilitava ao seu monarca pensar em uma possível
anexação da Inglaterra às coroas ibéricas. O trono inglês detinha a atenção de Felipe II por
atrair problemas para o Império Espanhol, como a pirataria, o medo do desenvolvimento das
frotas inglesas e sua posição estratégica, oferecendo aos ingleses uma maior expansão de seus
domínios.
Contudo, a derrota da “Invencível Armada” e uma série de batalhas favoráveis à
Inglaterra motiva Felipe II a focar nos conflitos com os Países Baixos. Essa decisão é
justificada nas grandes dificuldades de comunicação e defesa, no financiamento das guerras,
na concentração de riquezas nas mãos de poucos, na miséria crescente e na economia
estrangulada pela tributação que isentava a nobreza espanhola. É observado, portanto, neste
período, que a Espanha tenta ocultar seus problemas através de empreendimentos bélicos, na
tentativa de aliviar-se financeiramente, adquirindo soluções por meio de conquistas.
Flávio Campos (1997) afirma a extrema importância que os Países Baixos possuíam
para a Espanha no aspecto econômico. O objetivo espanhol era integrar a sua economia com a
economia dos Países Baixos, já que um dos principais centros do comércio europeu estava
localizado naquela área. O interesse espanhol devia-se ao fato de que as províncias dos Países
Baixos do norte, caracterizados anteriormente por um processo lento de desenvolvimento,
constituía naquele momento uma primeira experiência do capitalismo moderno, integrando
seu comércio externo com o setor manufatureiro. Assim, junto com a proclamação dos
princípios de tolerância religiosa e intelectual, os Países Baixos aceleram seu crescimento
econômico, tornando-se o maior centro econômico e financeiro do mundo na primeira metade
do século XVII, ganhando consistência em seu aspecto ameaçador para os empreendimentos
espanhóis.
No ano de 1609 é estabelecida uma trégua entre neerlandeses e espanhóis,
recomeçando o conflito apenas em 1621, durante o período da Guerra dos Trinta Anos.
A Guerra dos Trinta Anos (1618–1648) foi uma série de batalhas provocadas por
diversos países por motivos religiosos, dinásticos, territoriais e comerciais. Inicialmente, suas
causas estavam relacionadas à rivalidade entre católicos e protestantes e a assuntos
constitucionais germânicos. Aos poucos, se tornou uma luta internacional, uma vez que
17
sofrera interferências de outros Estados – Espanha, Suécia, Dinamarca, Inglaterra, França,
Países Baixos entre outros – em razão de seus próprios e particulares interesses e de guerras
específicas com seus inimigos.
A guerra civil alemã entre regiões que queriam autonomia diante do poder imperial e
outras que davam apoio ao Império, com o tempo ganha contornos internacionais e divide a
Europa em dois blocos: o bloco católico era encabeçado pela dinastia Habsburgo do rei
Fernando da Estíria, da Áustria e da Hungria, eleito imperador do Sacro Império Romano
Germânico e pelo Império Espanhol, sendo este bloco apoiado pelo Papa e a Polônia; já o
bloco protestante tinha os Países Baixos associados aos rebeldes da Boêmia e de diversas
regiões germânicas, especialmente o Platinado de Frederico V, apoiados também pela Suécia,
Dinamarca, Inglaterra e a França católica. O bloco que representava a aliança católica
sonhava, com um espírito contra-reformista, em abolir a heresia protestante da Europa. Já o
protestante, lutava para manter o direito ao protestantismo e a liberdade.
A Europa não é o único continente a hospedar os conflitos que envolviam os Países
Baixos. A extensão e a violência da guerra atingem lugares como a Ásia, a África e a
América, permitindo o levantar de armas fora do território europeu. Importantes para o
aumento de riquezas de impérios e por seu valor estratégico comercial ou militar, as colônias
tornam-se palco de batalhas que visam à ampliação do poder das províncias.
Conforme lemos em Barléu (1974), as Províncias Unidas dos Países Baixos não
concordavam que o comércio marítimo estivesse nas mãos de poucos. Não era justo que, por
uma lei pessoal dos soberanos, fosse imposta a servidão aos mares, pois para os neerlandeses
a liberdade comercial ao longo da história era uma característica das grandes potências.
Fundamentados nas ideias de que as guerras europeias eram feitas pelos espanhóis com as
riquezas retiradas das terras de suas colônias, os neerlandeses acreditavam que os espanhóis
espoliados delas se tornariam aplacáveis e menos terríveis. Aliado a este argumento, estava a
ideia de expansão da área de comércio das Províncias Unidas dos Países Baixos. Uma vez que
o referido era uma das bases de sustento das províncias, os neerlandeses consideravam
expandir o seu mercado para fora do continente de maneira mais definitiva.
Após algumas viagens ao Oriente, as Províncias Unidas dos Países Baixos formaram
uma companhia com capitais particulares. A Companhia Neerlandesa das Índias Orientais
obteve inicialmente resultados duvidosos, mas que, com decorrer do tempo, tornaram-se
expedições bem sucedidas. Estimulados pelo próspero sucesso da companhia no Oriente, os
neerlandeses consideram constituir uma nova companhia para tentar a sorte da guerra e do
comércio no Ocidente. Para a formação da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais,
18
juntaram-se consideráveis capitais, superior ao investido na companhia anterior, visto o
sucesso comercial diante da hegemonia espanhola. E é através destas empresas que a guerra
feita pelas Províncias Unidas dos Países Baixos é levada para fora do continente europeu.
Foi através do serviço prestado a Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais que
João Maurício de Nassau engrandeceu ainda mais o seu prestígio, com uma grandiosa carreira
militar e obtendo o maior título de nobreza que poderia alcançar – o de Príncipe do Sacro
Império Romano Germânico.
2.2 A CASA NASSAU
A linhagem de Maurício de Nassau filia-se à Casa Nassau, nobre e célebre família que
ramificou-se por parte da Europa. De acordo com Galindo (2004), a conexão entre os
membros da Casa Nassau não se retinha a limites provinciais. Os senhores da casa eram
soberanos de muitos feudos, os quais cobriam a área da Renânia até os Países Baixos. Mesmo
com a constituição da República, as ligações entre a família permaneceram fortes, se
mantendo devido às intensas comunicações fluviais e comerciais.
Com a perda de espaço para a burguesia citadina, que conduzia a expansão econômica
no norte da Europa, a nobreza feudal tentou manter-se através de rendimentos fundiários.
Com problemas financeiros e a perda de status, a aristocracia passa a investir na educação de
seus filhos para torná-los aptos a executar novas funções públicas.
Era uma época de adaptação e aperfeiçoamento no que diz respeito à maneira de
manusear e repassar o conhecimento. Com a revalorização da Antiguidade Clássica e de sua
filosofia, o Renascimento europeu amplia e aprofunda a sabedoria antiga com a criação de
novas ciências e disciplinas, construindo uma nova visão sobre o mundo e o homem, além de
um novo conceito de ensino e educação.
A Casa Nassau percebe, desde cedo, que investir na formação de seus filhos é um
modo de sustentar a grandeza da família na sociedade. Assim, os Nassau apostam em um
modo sistemático de formação educacional de seus filhos, criando instituições de educação
aristocrática. Esse investimento deu a oportunidade a diversos nomes da Casa Nassau
assumirem cargos de administração pública, servindo ao governo das Províncias Unidas.
Maurício de Nassau está no ramo da Casa Nassau de Dillenburg, ao qual pertenciam
os Príncipes de Orange. Como membro de uma casa de antiga nobreza, Nassau fazia parte de
uma família bastante numerosa, que repartia seu patrimônio através da realização de
casamentos.
19
Figura 1 – João Maurício de Nassau como jovem oficial
Fonte: Wikipédia1
Segundo Maria Lucia Montes (2004), esta pode ser uma das razões que influenciou a
decisão de Maurício de Nassau em seguir a carreira militar e de administrador da Companhia
Neerlandesas das Índias Ocidentais, pois ela permitiria a ele investir em sua ascensão em seu
grupo social, no qual poderia conquistar riquezas e garantir prestígio e honra para a sua
família.
João VII de Nassau, pai de Maurício de Nassau, inicia a base de instrução de seu filho,
e logo o faz freqüentar uma escola em Siegen. Depois, o envia à Suíça para passar por uma
vivência intensiva, o contato com línguas estrangeiras e a nobreza de outros países, na
Universidade da Basiléia. Quando foi para Suíça, Maurício de Nassau demorou um tempo na
corte de seu cunhado, Maurício de Hesse-Cassel. De lá, partiu com dois sobrinhos para
Basiléia e, em seguida, foi para Genebra por meio ano.
Quando volta à corte de Hesse-Cassel, Maurício de Nassau continua seus estudos no
Collegium Mauritianum – colégio modelo fundado por seu cunhado – instituição responsável
1 <http://pt.wikipedia.org/wiki/João_Maurício_de_Nassau>.
20
por formar uma elite que se capacitava para servir ao Estado. Muitos estrangeiros estudaram
ou ensinaram neste colégio, que se tornou centro internacional, aberto ao estudo e ao debate
do Calvinismo, cumprindo importante papel no norte da Europa. Lá se estudava História,
Retórica, Filosofia, Teologia, Astronomia e Matemática. Importava-se em educar os alunos
em atividades apropriadas para aristocracia, como Equitação, Música, Dança, Esgrima e
Teatro, entre outras disciplinas herdadas da renascença, como a Alquimia e a Medicina com
base Ocultista.
Devido ao alto custo dos estudos após uma reforma, o pai de Maurício de Nassau o
envia de volta para casa sem a conclusão dos estudos. A partir daí, sua mãe, Margarida de
Holstein, reúne esforços para conseguir encaminhá-lo para o serviço militar. Ela tentou com a
ajuda do cunhado, Guilherme Luís, enviá-lo para um posto militar na Frísia ou Haia, mas por
não ter idade suficiente, Maurício de Nassau, é dispensado. No entanto, ao contatar seu
padrinho Maurício (1567-1625), Stadhouder2 das Províncias Unidas, o futuro administrador e
governante das terras brasileiras obteve um posto na cavalaria militar dos Países Baixos.
O Collegium Mauritianum nos mostra que a educação desejada para a nobreza estava
centrada em uma formação de uma mentalidade humanista e de ideais calvinistas.
Para Marcos Galindo (2004), foi neste momento que o conde compreendeu o papel
dos ideais humanistas de virtude na condução da sua vida e no exercício do poder e o quanto
estes ideais permitiam a reafirmação do papel político das elites intelectuais aristocráticas na
condução dos Estados.
Desta forma, observamos que, para Maurício de Nassau, essa educação fornecia os
meios necessários para afirmação de sua figura em seu grupo social e de sua casa na
sociedade europeia.
Quando estudamos os Países Baixos do século XVII, identificamos o ato de criar e
fazer circular riquezas como fatores que moviam o homem neerlandês. Como é observada por
Montes (2004), a sociedade neerlandesa, baseada nos ideais Calvinistas de predestinação,
acreditava que o resultado de suas ações estava relacionado com sua eleição divina, ajudando
a fundamentar o seu desenvolvimento da atividade comercial e a base do capitalismo.
Para o neerlandês, na impossibilidade humana de saber se Deus o predestinou para
estar entre os eleitos, era dever do homem crer que tal era o caso. O homem deveria
demonstrar, através de suas ações, a sua fé e sua confiança em Deus, somado ao sucesso de
seu empreendimento, manifestando ao mundo a glória divina. O homem deveria se ocupar de
2 Stadhouder: cargo que possuía a função de dirigir a política e as atividades militares de determinado local.
21
suas obras, mostrando assim sua escolha pelo caminho de Deus, deixando para Deus a decisão
sobre o destino. Assim, o sucesso de seu empreendimento comprovaria a sua posição entre os
eleitos.
Inserido neste ideal, por meio de sua educação e de sua vivência, Maurício de Nassau
é um desses homens. Ele busca, através de suas ações, sua escolha pelo caminho de Deus.
Busca, por meio de suas obras e empreendimentos, o seu sucesso, elemento essencial para sua
predestinação, fundamentada e comungada nos princípios religiosos calvinistas.
Ao assumir seu posto militar, Maurício de Nassau buscou o êxito de suas missões para
poder validar ou declarar seu destino de eleito, como qualquer outro participante de sua
sociedade.
Neste cenário de diversas guerras, de acordo com Galindo (2004), ele obteve sucesso
em suas missões, proporcionando o seu reconhecimento nas vitórias das Províncias Unidas
dos Países Baixos. O autor observa que, ao se tornar militar, sua imagem torna-se mais nítida
em sua biografia. Sua carreira militar, os serviços prestados por sua família para a pátria e
suas próprias conquistas, contribuíram para sua candidatura ao posto de Governador do Brasil
Holandês. Ao ser escolhido para ocupar o cargo, Maurício de Nassau provavelmente percebeu
a sua oportunidade de comprovar a sua escolha por Deus, cumprindo um destino que deveria
ser perfeito para a exaltação divina.
2.3 A VINDA PARA O BRASIL
O Brasil, com seu vasto território e imensa diversidade de elementos comerciais, atraía
concorrência para União Ibérica. Essas terras eram invadidas e saqueadas, constantemente,
por homens de diversos locais da Europa. As autoridades utilizaram a colonização como meio
para solucionar o problema, uma vez que, povoadas, as terras poderiam ser defendidas
regularmente. Contudo, esta medida não torna as terras brasileiras menos visadas pelos
inimigos. O Brasil não é visto pelas Províncias Unidas dos Países Baixos como apenas uma
oportunidade de consolidar poder, mas como fator importante para enfraquecimento do
Império Espanhol.
No ano de 1623, parte para o Brasil uma armada enviada pela Companhia Neerlandesa
das Índias Ocidentais. Em poucos meses a armada chega a Baía de Todos os Santos. A
tomada de São Salvador, importante cidade da capitania, custou pouco trabalho para aos
neerlandeses. Relapsos, não defendendo as terras conquistadas com a mesma força que a
22
invadiram, foram expulsos logo em seguida, ficando o mérito da vitória para o General D.
Fradique de Toledo que recuperou a cidade.
A companhia, obstinada a conquistar o território brasileiro, toma frotas pertencentes
ao Império Espanhol, carregadas de metais preciosos extraídos da América espanhola, para
custear expedições ao Ocidente. Assim, uma nova expedição é enviada para região nordeste
do Brasil. Dessa vez tomam Olinda, na capitania de Pernambuco, conseguindo manter o local
como base para a continuação da guerra americana.
Em um Brasil vulnerável por invasões, desorganizado por guerras – conflitos entre
nativos versus colonos ou Coroa Ibérica versus seus inimigos de comércio – Maurício de
Nassau encontra a oportunidade de fazer uma administração exemplar, cumprindo os desejos
e as determinações da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais e de construir para si
uma imagem que desejava, firmada nos ideais estimulados pela sua educação, pela nobreza e
pelo seu destino de eleito por Deus.
A Companhia contrata-o para o governo político e militar da região conquistada pelos
neerlandeses no Brasil, ou seja, atribui-lhe a tarefa de governador comandante-em-chefe aos
serviços de articulação política, administração da produção açucareira e o comando militar
das tropas que guarneciam as terras de domínio das Províncias Unidas dos Países Baixos.
Porém, Maurício de Nassau vai além dessas diretrizes, tendo em vista que sabia que somente
empreendimentos de grandes realizações poderiam ajudar na afirmação de sua posição e
ocupação do lugar que Deus reservou para ele. Devido a isso, ele concebe um governo
fortificado na sua formação educacional, baseado nos ideais desejados pela nobreza de
mentalidade calvinista e humanista, possibilitando o reflexo de sua imagem através de seu
destino perfeito.
Ao assumir seu posto no Brasil, Maurício de Nassau traz consigo uma comitiva
composta por intelectuais e artistas – cientistas, médicos, cartógrafos, geógrafos, pintores e
arquitetos – para produzir um amplo inventário descritivo, analítico e investigatório do Brasil
para Europa. Estavam entre eles figuras como: Albert Eckhout, que representou em suas obras
a população que habitava a região do Brasil Holandês; William Piso e George Marcgraf,
autores da História Natural do Brasil, livro que constituiu, em seu tempo, uma das maiores
contribuições científicas para o conhecimento da natureza do Novo Mundo; e Frans Post, que
reproduziu em seus quadros as paisagens brasileiras e elaborou desenhos que serviram como
base para gravuras que ilustraram o livro de Gaspar Barléu. Através destes homens
produziram-se dois tipos de obras durante o seu governo: as físicas, que tem relação com a
necessidade de deixar sua passagem e importância gravada materialmente no mundo; e as
23
intelectuais, que registram para posteridade sua contribuição para o resto do mundo, o
conhecimento sobre o novo e o desconhecido.
Ao providenciar homens para essas tarefas, Maurício de Nassau procurou por
profissionais que preenchiam os requisitos técnicos necessários para um considerável registro.
De acordo com Galindo (2004), para o conde, o contrato era com a obra e não com o artista.
Eles foram contratados e pagos para executar os trabalhos definidos por Nassau. Podemos, a
partir deste pensamento, observar o comportamento de um projetista intelectual em Maurício
de Nassau, visto que ele planeja e ordena a criação das obras artísticas ou intelectuais, detendo
o poder de definir quais os conhecimentos que iriam chegar até a Europa sobre o Brasil, o seu
governo e a sua figura.
2.3.1 Nassau e a História dos Feitos
Dentre as obras intelectuais produzidas sob sua ordem, está uma das mais importantes
obras feitas sobre o Brasil colonial. História dos feitos recentemente praticados durante oito
anos no Brasil e noutras partes sob o governo do Ilustríssimo João Maurício Conde de
Nassau etc., ora Governador de Wesel, Tenente-General de cavalaria das Províncias-Unidas
sob o Príncipe de Orange (1647) é o registro da administração do governo de Maurício de
Nassau. Para a produção deste livro, Nassau convidou um dos mais respeitados homem das
letras de seu tempo, Gaspar Barléu. Humanista operoso, Barléu produz, com toda a sua
formação intelectual, uma das fontes mais ricas sobre as terras brasileiras no século XVII e
que, até hoje, é utilizada por estudiosos que buscam conhecer o Brasil desta época.
Figura 2 – Exemplar colorido do livro História dos Feitos de Gaspar Barléu, primeira edição de 1647
Fonte: Frans Post e o Brasil Holandês na coleção do Instituto Ricardo Brennand
24
Produzido no período em que os Países Baixos eram o maior pólo editorial na Europa,
o livro de Gaspar Barléu é ricamente ilustrado com mapas e gravuras, indicando a
colaboração de outros artistas e intelectuais em sua construção. Para fazê-lo, Barléu teve
acesso aos arquivos da Companhia e aos do próprio Maurício de Nassau. Assim, ele construiu
um livro de extrema excelência para sua época, pela quantidade de informação, qualidade
editorial e riqueza de imagens.
É neste livro que encontramos o maior registro da representação feita por Maurício de
Nassau como Governador Supremo do Brasil Holandês. É através desta obra que conhecemos
mais um pouco sobre este personagem, que é mais um participante do teatro do mundo do
século XVII. Por meio destes escritos, sabemos mais detalhes sobre sua busca por
estabilidade e ascensão social no cenário europeu. Até então, com um simples papel em meio
a uma Europa de grandes atos, é por meio do Brasil que Maurício de Nassau torna-se um
importante personagem em meio às lutas de sua pátria e figura-chave na apresentação da
história do Brasil Holandês.
Como governador, Maurício de Nassau busca registrar a sua figura através dos
conhecimentos artísticos e intelectuais do humanista Gaspar Barléu, refletindo sua imagem de
governador para a nobreza europeia.
25
3 O NASSAU DE BARLÉU
Ao produzir o livro que relata a administração do governo do domínio neerlandês no
território brasileiro, Gaspar Barléu dedica-se a apresentar um Maurício de Nassau digno do
cargo de Governador Supremo do Brasil Holandês e das patentes designadas a ele pelas Altas
Potências de sua pátria – ou seja, o Príncipe de Orange e os Estados Gerais.
Figura 3 – Gravura aquarelada de Maurício de Nassau no livro de Gaspar Barléu
Fonte: Eu, Maurício: Os espelhos de Nassau
Durante a leitura da obra, possuímos, em alguns momentos, um olhar aproximado do
pensamento do autor em relação a Maurício de Nassau. A dedicatória exibe um elogio ao seu
trabalho como governador do Brasil e o cumprimento de sua missão ao manter longe dos
domínios das Províncias Unidas dos Países Baixos o inimigo.
Barléu engrandece a figura de Nassau, comparando lugares de grande renome nas
histórias antigas, como “Atenas”, “Cartago”, “Roma” e “Germânia”, a partes do domínio
26
neerlandês no Brasil, como por exemplo, “Olinda”, “Pernambuco”, “Paraíba” e “Maranhão”3.
Uma vez que foram assuntos de escritores gregos e romanos por serem cenários de feitos
importantes para antiguidade, os territórios brasileiros seriam assuntos dos escritos do século
XVII, já que suas paisagens foram testemunhas de seus feitos.
A exaltação de sua virtude está por toda parte do texto inicial, confrontando-o aos
vícios dos outros homens habitantes do Brasil. Expressões como “brando entre cruéis”, “civil
entre agrestes”, “manso entre sanguinários”, “piedoso entre ignorantes da verdadeira
piedade”4, afirmam o contraste que o autor queria relevar da figura de Maurício de Nassau
diante dos homens comuns.
Barléu expõe Maurício de Nassau como um soldado que luta pela religião, pela pátria
e igreja, pela salvação dos homens e pelos interesses do comércio a favor das Províncias
Unidas. Valoriza seus inimigos – conde Bagnuolo, conde da Torre, Barbalho e Meneses –
para legitimar um alto nível em suas ações belicosas e de sua imagem como guerreiro.
Sua representação de bom líder é autenticada através da manutenção da ordem.
Segundo o autor, Maurício de Nassau não desligou “vossos exércitos da lei, da disciplina e da
ordem, mas, a exemplo dos vossos maiores, os mantivestes zelosamente nos limites do
direito” (BARLÉU, 1974, p. X).
O autor usa expressões, como “luz no reino das trevas” e “guia entre transviados”5,
para divulgar a imagem de um governante que iluminou ou que orientou, trazendo um rumo
para aqueles que estavam sob seu domínio e enfatizando o pensamento de que foi necessária
uma pessoa com suas qualidades para assumir o cargo.
A moderação, equidade, clemência e humanidade foram valores que marcaram sua
administração para um povo de origens diversas. Essas são algumas das virtudes várias vezes
exploradas durante o texto, como neste trecho da dedicatória:
Por outro lado, serão testemunhas da vossa piedosa e prudente moderação
povos discordes na religião e na polícia. Os governadores das cidades e
províncias vizinhas louvarão a vossa equidade no território inimigo, e os
estrangeiros exaltarão a vossa clemência e humanidade (BARLÉU, 1974, p. XII).
3 BARLÉU,Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras partes sob o
governo do Ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, etc., ora Governador de Wesel, Tenente-General de
cavalaria das Províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1974, p. IX. 4 Ibid, p. X. 5 Ibid, p. X.
27
Afirmações de louvor e exaltação nos permitem observar um Maurício de Nassau
acima dos homens comuns.
Barléu elogia suas qualidades de herói e a sua perícia militar brilhantemente
executada, da mesma forma que na pátria foi realizada por tantos membros da Casa Nassau,
tornando-o o primeiro de sua família a levar a guerra para outro lado do oceano e pelejar em
terras inimigas.
Ao fim da dedicatória, o autor exalta Maurício de Nassau através de sua saída do
governo quando “parece a um só tempo, ter o Conselho perdido o seu defensor, o povo um
pai, a república a ordem, as leis um guarda, a piedade um exemplo, o holandês o respeito, o
português a lealdade” (BARLÉU, 1974, p. XIII).
No início do registro sobre o governo do Brasil Holandês, Gaspar Barléu apresenta um
Maurício de Nassau conhecido por sua fama nas lutas europeias. Como as guerras dependem
da fama que delas correm, segundo o autor, os seus feitos na Europa o qualificaram para
assumir o cargo como comandante supremo do exército de terra e mar. O temor e o respeito
que as guerras proporcionaram à sua imagem ajudariam no impacto que a publicação do seu
nome causaria na posse de seu cargo.
Nas palavras do autor, outros fatores influenciaram a sua nomeação para o governo:
[...] acrescendo a esses títulos o lustre de sua família, ligada pelo sangue aos imperadores e por matrimônios aos reis, além de autoridade, da galhardia, da
lealdade, da boa fortuna, e de outras muitas virtudes e honras (BARLÉU,
1974, p. 30).
Dentre os fatores que o qualificaram, o prestígio da Casa Nassau – família conhecida
pela importância de seus membros na administração pública e pela formação de grandes
militares para a defesa da pátria – fundamentava seu espírito guerreiro e sua inteligência
administrativa, reforçando as outras virtudes trabalhadas.
Mais de uma vez, o autor mostra que o povo estava a favor de Maurício de Nassau e
pedia por seu nome: “todos o desejavam nesse posto”, “gozava ele por isso o favor público
dos holandeses”, “a voz pública não errava, escolhia o melhor”6. Afirmações que servem
como base para legitimação de sua escolha pelos diretores da Companhia, dos Estados Gerais
e do Príncipe de Orange.
Quando é nomeado governador do Brasil Holandês, os Estados Gerais e o Príncipe de
Orange ratificaram os poderes conferidos pelos diretores da Companhia a Maurício de
6 Ibid, p. 30.
28
Nassau, estabelecendo cláusulas que delimitassem seu dever como Governador. Segundo
Barléu, ficaria a cargo de sua consciência o que estava fora do determinado pelas autoridades,
destacando, no livro, suas atitudes, que vão além do acertado com os diretores e as altas
potências da pátria.
Ao partir para cumprir sua tarefa no Brasil, segundo o autor, Maurício recebe o
assentimento e a esperança de todas as classes sociais. Era “voz geral” que sua figura seria a
sustentação do continente americano; que daria vigor as armas e dignidade ao Império
Neerlandês; que ninguém era mais “moderado e prudente” para tal trabalho; que pela sua
fama, seria terrível aos inimigos; e que aplacaria aos bárbaros com sua “brandura e
mansidão”7.
Durante diversas partes do livro, Barléu retrata um Maurício de Nassau com estreita
ligação com Deus em seus empreendimentos. Seja para iniciar uma batalha ou pedir ajuda em
uma nova empresa, ou para agradecer por uma vitória, ele publicamente o reverencia e manda
aos outros fazerem o mesmo, como é possível observar nesta passagem do texto:
Esta vitória trouxe muita glória e prestígio Nassau e grande proveito e força
a Companhia, por causa da proteção e segurança que oferecia ali aos mercadores. Ordenou-se, por isso, uma pública ação de graças em todas as
províncias, honrando-se a Deus, principal autor da vitória e mandou-se aos
comandantes locais testificar o seu regozijo com três salvas de artilharia e de
mosquetaria (BARLÉU, 1974, p. 55).
Como líder militar, Maurício de Nassau é exposto através de seu conhecimento bélico,
do cumprimento das leis da guerra e da manutenção da ordem de seu exército. Seu
conhecimento de guerra é revelado por suas técnicas e estratégias no avanço sobre o inimigo.
Sempre com rapidez e força, acredita que não deve dar espaço ou tempo para o adversário
recompor suas forças.
Sua ajuda é pedida através de conselhos e direções de ofensivas em seu domínio e fora
dele, como no caso em que o governador neerlandês do domínio africano Nicolau van Ypern
pede ajuda para o governador neerlandês do território brasileiro em conquistas na África:
O governador holandês do território africano, Nicolau van Ypern, varão digno de memória em carta expôs ao conde que, em ótima ocasião e com
esperança mais certa, se poderia outra vez atacar a fortaleza contanto que se
lhe enviassem tropas auxiliares e armas necessárias para a guerra (BARLÉU, 1974, p. 56).
7 Ibid, p. 31-32.
29
E assim o fez. Maurício de Nassau, em conjunto com o Conselho, enviam soldados
sob o comando do Coronel João Koin (Kühn), para a tomada do Forte São Jorge da Mina,
obtendo sucesso para os dois governos, brasileiro e africano.
O conde anima seus homens, cumprindo seu papel de comandante diante das
precariedades da guerra em terras longínquas da pátria. Também é mostrado na linha de frente
de seu exército, junto de sua guarda, liderando seus homens:
O exército seguiu esta ordem: [...]. Nassau, mostrando a sua bizarria e
disposição para a luta, com a sua guarda junto de si, ia-lhe à frente, pois entendia muito importar que dirigiria o início daquela batalha, que iria dar os
presságios da vitória (BARLÉU, 1974, p.37).
Barléu o mostra consciente, uma vez que entendia que sua presença na linha de frente
era essencial para seu exército batalhar com energia e superioridade diante de seus inimigos e
determinar a vitória tão desejada.
Discursava, exortando seus homens a lutar bravamente contra um inimigo poderoso,
como contra a Armada espanhola, em que utiliza palavras como “provai aos Estados Gerais,
ao Príncipe de Orange e à Companhia que nem vos falta coragem para combaterdes, nem
forças para vencerdes” ou “aconteça o que acontecer terá sido façanha memorável vencer ou
morrer no dia de amanha”8.
O autor afirma que o sucesso de suas expedições anima o exército neerlandês e
dissemina o respeito a sua figura entre seus inimigos: “E quasi só nestas expedições se
gastaram no Brasil os meses do inverno e o princípio da primavera. O bom êxito delas firmou
o ânimo da soldadesca e granjeou para o conde o respeito dos inimigos” (BARLÉU, 1974, p.
44).
O Maurício de Nassau do livro de Barléu respeita os pactos de rendição, permitindo ao
inimigo derrotado seus direitos. Tratava de forma cortês os emissários que traziam
informações ou acertos de seus adversários, além de recepcionar com boas maneiras os que
buscavam sua amizade.
Ele é retratado sempre preocupado com a manutenção da ordem, organizando a
“República” através de leis. Como autoridade suprema, buscava através da Justiça acabar com
os vícios dos habitantes do domínio neerlandês. Dessa forma, procurou tomar medidas,
punindo delinquentes para fortalecer as leis e para acabar com a corrupção entre homens
indignos de trabalhar para a Companhia, como podemos ver nestas afirmações:
8 Ibid, p. 171.
30
A enormidade de delitos obrigou o governador, aliás de gênio brandíssimo a essas medidas excepcionais e rigorosas, pois de tal enormidade vinha o
perigo da salvação pública. [...]. Recambiaram-se para a Holanda os civis e
ainda os eclesiásticos que desprestigiavam a Companhia, sendo substituídos por outros ou que já se achavam no Brasil ou que foram daquí despachados
(BARLÉU, 1974, p. 50).
Maurício de Nassau torna-se a personificação da severidade e da prudência por
corrigir erros, coibir abusos e punir rigorosamente os delitos praticados em seu território.
Expressão de autoridade, justiça, equidade e moderação, sua figura está relacionada ao bem
estar público, trazendo segurança para aqueles que viviam no Brasil Holandês.
Maurício de Nassau é tratado como justo e bondoso ao proteger aqueles que pedem
sua ajuda. O autor expõe as suas relações com o neerlandês, o português e o nativo,
expressando suas virtudes na moderação de seu governo para com estes. Ele respeita o
português instalado em seu domínio e que o reconhece como autoridade levando em
consideração a sua religião e a sua liberdade de consciência.
A sua relação com os bárbaros é expressa através da humanidade, como quando os
socorre por pedirem auxílio contra as injúrias e dominação dos portugueses. O autor mostra
outras virtudes na postura tomada por Maurício aos bárbaros, por exemplo, quando:
Deu, sem dúvida, o conde notável e raro exemplo de justiça e de equidade
para com os bárbaros, cumulando-os com todo o gênero de benefícios e
decretando para os seus trabalhos digna paga e para os seus serviços e misteres justa remuneração (BARLÉU, 1974, p. 51).
Está sempre preocupado com seus soldados com relação à precariedade na
alimentação e acessórios para manutenção do exército neerlandês. Humano, “muito lhe doeu
a Nassau a morte de valoríssimos capitães e de esforçadíssimos soldados” (BARLÉU, 1974,
p. 87).
Sempre mostrado como vitorioso, suas virtudes são elevadas até quando seus
empreendimentos são infelizes, como sua liderança na tentativa de tomada de São Salvador.
Barléu retrata um Maurício de Nassau valoroso, preocupado com todas as coisas necessárias
para fazer deste empreendimento um marco de sua carreira militar e símbolo de seu sacrifício
pela pátria. Porém, com a falta de recursos e reforços, a Campanha toma um rumo diferente
do esperado. Ao recuar seu exército diante da incerteza do resultado desta batalha, nos é
revelado um Maurício de Nassau prudente. Mesmo disposto a entregar sua vida pela pátria,
pela Companhia e pela sua família, decide retornar a Pernambuco para, posteriormente,
31
regressar com maior força contra este lugar, importante para os planos da Companhia
Neerlandesa das Índias Ocidentais.
Sua sabedoria é requisitada quando a Companhia pede sua opinião sobre a liberdade
comercial. Com uma boa retórica e a utilização de argumentos lógicos, sua sabedoria é
reconhecida quando a empresa adota seu parecer sobre este assunto mercantil.
O autor também expõe sua sabedoria registrando os conselhos deixados para aqueles
que o substituiriam em seu cargo, como este:
A segurança, dizia ele, deve ser pactuada mediante uma segurança mútua: a
obediência dos súditos e benignidade dos governantes. Assim se levantará
para a segurança das províncias um muro de bronze contra os embates das circunstâncias (BARLÉU, 1974, p. 342).
Outro exemplo é quando Barléu destaca seu pensamento em que a ociosidade era o
maior inimigo da disciplina, decidindo enviar seu exército em empresas fora de seu domínio
para não ficarem parados.
Ao receber o título de Patrono, pelo Senado da Câmara de Pernambuco, Maurício de
Nassau é descrito pelas qualidades de pai, defensor e salvador da pátria.
É mostrado como obediente mesmo quando seu pedido de demissão é negado pelos
diretores da Companhia, pois cumpre com as ordens determinadas até o fim de seu governo,
solidificando e aumentando os domínios das Províncias Unidas dos Países Baixos.
O autor, através da exposição de alguns eventos, reforça a imagem de pai de Maurício
de Nassau. Provando que, independente de seu comprometimento com a empresa para que
trabalhava, não desamparou aqueles que o ajudaram a conquistar e manter as terras sob seu
domínio, ele intercede por aqueles que precisavam de socorro, como os soldados neerlandeses
doentes em expedições na África:
Imputavam essa míngua aos diretores da Companhia, que, na falsa persuasão de que naquelas terras se encontravam os remédios para seus próprios males,
proibiam a remessa de medicamentos, deixando os doentes entregues a si e à
inclemência do clima. Compadecido da sorte dos seus, o conde não deixou
de pedir por cartas alívio para os enfermos e o auxílio dos farmacêuticos (BARLÉU, 1974, p. 220-1).
Em outro momento, pelas palavras do secretário Carlos Tolner, enviado aos Países
Baixos, expôs sua desaprovação “a determinação que recebera da Companhia para demitir os
oficiais mais graduados e reduzir o número de militares” (BARLÉU, 1974, p. 242). Situação
32
essa que, a seu ver, provocaria não só a imagem de ingratidão da empresa, mas problemas
para administração do governo, com a infelicidade desses homens.
Ao longo do texto, foi considerado clemente e bondoso para com aqueles que de bom
grado aceitavam sua autoridade. Importou-se com a educação da infância e a fundação de
escolas religiosas. Instituiu a criação de orfanatos e hospitais públicos. Honrou o que se
comprometia a cumprir, como no caso da construção da ponte da ilha de Antonio Vaz à
Recife, concluindo-a, reunindo material e custeando-a.
Figura 4 – Ponte que liga Recife à Cidade de Maurícia (Ilha de Antônio Vaz)
Fonte: Raremaps9
E, quando sua honra foi posta em dúvida, sua palavra valeu mais que a de seu
adversário, como no conflito com o militar à serviço da Companhia Neerlandesa das Índias
Ocidentais, Cristovão Artichofski. Durante 17 páginas o autor registra a contenda entre
Maurício de Nassau e Cristovão Artichofski e suas reviravoltas, que comprometem a
reputação do governador e dos membros do governo do Brasil Holandês. Agitação que é
9 <http://www.raremaps.com/gallery/detail/26243/Mauritiopolis/Ogilby.html>
33
finalizada com o retorno de Artichofski aos Países Baixos e a permanência de Maurício de
Nassau em sua posição.
Ao terminar seu trabalho de governador, Maurício de Nassau agradece, por meio de
cartas, a todos os chefes de províncias que o ajudaram a governar o Brasil. Apesar da tristeza
por sua saída, os chefes responderam as suas cartas quase da mesma forma, exaltando seu
governo e elogiando suas virtudes, utilizando expressões como “chefe e defensor”, “grande
governador”, “seu amor da clemência, justiça e humanidade”, “da sua ciência militar e da sua
felicidade”10
.
As demonstrações públicas na despedida de Maurício de Nassau do governo e do
Brasil Holandês foram registradas por Barléu, demonstrando igual cortesia por ambas as
partes. Ao sair da cidade de Maurícia, despediu-se dos membros do governo, dos cidadãos e
dos militares de terra e mar. Por onde passou, salvou a artilharia, como de costume militar.
Registraram-se, também, os votos de felicidade populares e o ribombar dos canhões. Este
ambiente de agradecimento e desejos de felicidade continuou através de seu caminho. O povo
se manifestava “com lágrimas e aclamações” ou “chamando-lhe pai, outros chamando-lhe
senhor e protetor”11
.
Mais uma vez, o autor legitima sua boa atuação como governador do Brasil Holandês
através da manifestação popular, detalhando situações incomuns para uma breve despedida,
por exemplo:
Tão vivas pareciam as simpatias dos brasileiros com o conde, tão grande o
empenho de cada um em testemunhar-lhe o seu afeto que, empurrando para
trás os holandeses como por emulação, tomaram-no sobre os ombros, conduziram-no carregado desde a praia e através das ondas até o escaler, e,
voz em grita, repetiam-lhe, a seu modo e em sua língua, os seus adeuses
(BARLÉU, 1974, p. 330).
Ao chegar às Províncias Unidas dos Países Baixos, Maurício de Nassau é recebido
pelas autoridades – príncipes, os Estados Gerais e os diretores da Companhia – com
agradecimentos pelo cumprimento de seu dever.
Ao finalizar o registro de sua atuação como governador, Gaspar Barléu produziu uma
pequena biografia sobre Maurício de Nassau, em que revelou seu sangue como evidência de
sua bela atuação e de suas virtudes. Além disso, lista suas maiores virtudes: “bravura”,
“prudência”, “probidade”, que segundo o autor, são virtudes exímias dos generais,
10 Ibid, p. 305-306. 11 Ibid, p. 328-329.
34
proporcionando para os militares “exemplo de denodo bélico” e aos civis “uma vida
moderada e exata”; foi civil nos “deveres sociais, na conservação, no traje, no andar”; amava
“a sinceridade e a inteireza”; com bondade ganhou o coração de muitos; foi “severo guarda do
direito e da justiça”; obedeceu aos diretores; e sofreu junto dos “súditos as calamidades das
guerra ultramarina”; desempenhou “os deveres de um egrégio soberano”12
; e organizou a
República.
Como é possível notar, durante diversos momentos da narrativa, Maurício de Nassau é
aclamado pelo povo, confirmando que o povo neerlandês, além das autoridades, o queria em
tal posição. Segundo Barléu, ele tinha a mais firme esperança de todas as classes sociais. Ele
era o homem perfeito para apostar todas as fichas numa possível afirmação do território
brasileiro como domínio das Províncias Unidas dos Países Baixos. Da mesma forma, a visão
da sua relação com os habitantes que povoavam o Brasil Holandês e com os membros do
governo foi explorada, enfatizando sua aprovação popular legitimando-o como um perfil de
governante benquisto.
12 Ibid, p. 344-345.
35
4 DE ARISTÓTELES À PETER BURKE: FUNDAMENTANDO O ESTERIÓTIPO DE
HERÓI
Durante o período do Renascimento, época do desenvolvimento das ciências e das
artes na Europa, observamos o resplandecer do Classicismo. Período em que os homens do
saber, nas universidades, sustentaram-se na autoridade de autores antigos, para
fundamentação e aprimoramento de seus estudos e pesquisas e que os artistas adquiriram
grande conhecimento das formas clássicas de construção.
Situada em um local cenário de diversos conflitos e caracterizado pela intensa sede por
conhecimento, a valorização da Antiguidade Clássica como padrão de excelência no sentido
estético foi uma característica das artes para afirmar a figura humana como modelos de beleza
e perfeição. A arquitetura, a escultura, a literatura, o teatro, entre outras artes, apropriaram-se
da cultura antiga para inspirar e produzir grandes obras que ressaltavam o valor do homem
como centro do universo e suas qualidades.
Época do florescimento das artes, das ciências e do comércio nos Países Baixos, o
Século de Ouro reflete essa revalorização artística do clássico. Segundo Hauser (1998),
mesmo sabendo que o destino da arte neerlandesa tenha sido consequência de uma classe
média que adquire importância através de seu gosto naturalista, o gosto clássico-humanista
fazia parte da arte oficial – na arquitetura de grandes edifícios públicos, nas pinturas de
decorações de salões de municipalidade e salões de banquetes e nos monumentos da
República erigidos a seus heróis.
Como é apontado por Hauser:
A tendência naturalista é incomparavelmente mais importante no que se
refere à qualidade e quantidade de obras produzidas, mas a tendência
classicista é preferida pelos círculos abastados e bem-educados, o que basta para assegurar maior apreço e melhor renda (HAUSER, 1998, p. 485).
Percebemos, através da visão do historiador da arte húngaro, que o gosto clássico-
humanista tinha seu espaço e seu público nas Províncias Unidas dos Países Baixos. Como
parte deste público, Maurício de Nassau recorre a Gaspar Barléu para produzir sua obra de
caráter oficial.
Humanista desenvolvido na época de intensa atividade literária dos países Baixos,
Gaspar Barléu, passou grande parte de sua vida na universidade, produziu estudos e
36
desenvolveu seu conhecimento a partir desses referenciais. Nascido em um período em que o
homem torna-se o centro de interesse, Barléu faz parte de um movimento intelectual que
busca, acima de qualquer coisa, solidificar seu conhecimento na valorização do ser humano e
na condição humana e, através de modelos clássicos, moldarem para a figura humana uma
aura de beleza e perfeição. Estes homens apropriavam-se do modelo clássico, não buscando
restaurar o que foi apresentado pelos antigos, mas servir-se e adaptá-los para difundir novos
conteúdos.
Figura 5 – Retrato de Gaspar Barléu
Fonte: Frans Post e o Brasil Holandês na coleção do Instituto Ricardo Brennand
A exemplo dos intelectuais desse período, ele possuía o conhecimento em diversos
campos científicos, um dos fatores que contribuíram para sua qualificação na construção do
projeto literário planejado por Maurício de Nassau. Ele deixou trabalho em diversas áreas,
porém, é através de seus escritos latinos em prosa e poesia que ganhou destaque, entre eles
estão Poemata (1628, 1631 e 1645) e Orationes (1643 e 1652).
37
Em História dos feitos, Gaspar Barléu fixou estas características envolvendo-as numa
grande quantidade de informações e adaptando-as ao que foi projetado: o enaltecimento do
governo de João Maurício de Nassau.
Na abertura do livro História dos feitos, Barléu produz um poema de enaltecimento às
terras que estiveram sob o comando de Maurício de Nassau e da Companhia Neerlandesa das
Índias Ocidentais, elaborando uma explicação para a ilustração dos selos e emblemas no
frontispício de sua obra.
Figura 6 – Frontispício do livro de Gaspar Barléu
Fonte: Eu, Maurício: Os espelhos de Nassau
O autor buscou uma estruturação clássica para o poema e a utilização da mitologia
romana para proporcionar uma aproximação com literatura greco-romana, procurando, através
de elementos clássicos, criar uma estética bela para o livro.
Durante todo o livro, Barléu constrói referência à história de povos antigos – tírios,
cartagineses, persas, árabes, romanos e gregos – seja para justificar a guerra pela liberdade
38
comercial marítima ou para fazer comparação às conquistas, vitórias e dominação de terras
pelos neerlandeses, ele utiliza o nome de guerreiros antigos – Agamêmnon, Enéias, Xerxes,
César – para equiparar a missão de construir um governo em terras longínquas.
Incorpora a mitologia romana como uma forma de alicerçar suas origens históricas em
um passado mítico – os deuses sempre estão do lado de grandes povos e de fiéis guerreiros –
como é possível observar no relato sobre a batalha naval entre neerlandeses e espanhóis na
costa da Inglaterra, no qual registra a destruição de diversas naus espanholas por um
Triunvirato dos deuses Netuno, Éolo e Vulcano.
Produz comparações de conquistas antigas a conquistas feitas pelos neerlandeses,
além de utilizar grandes autores da literatura clássica – entre alguns, Homero, Sêneca e
Aristóteles – para expressar pensamentos, ideias e argumentos sobre o ponto de vista do
governo ou até mesmo da Companhia para qual ele servia.
Por fim, produz um texto final em que congratula João Maurício de Nassau por seus
feitos em terras longínquas. Texto carregado de alusões a conhecimento antigo clássico, ele é
produzido para o elogio do ex-governador, enaltecendo sua pátria e cumprindo seu papel nos
interesses comerciais da Companhia, enfraquecendo o Império espanhol e honrando o nome
da sua casa.
Mas, é através de seu personagem principal, João Maurício de Nassau, que Barléu
expressa com grande primor as características e ideais que regiam as produções artísticas a
Europa do século XVII.
4.1 A ARTE POÉTICA ARISTÓTELICA E O HERÓI CLÁSSICO
A Arte Poética (2004), muitas vezes chamada apenas de Poética, é uma obra oriunda
de anotações feitas pelo grande filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C). Originada de um
conjunto de anotações que o pensador fazia das aulas que ministraria no Liceu, a Poética é o
primeiro escrito conhecido que busca analisar algumas formas de arte e literatura. O poder
desta obra tem grande efeito até os dias atuais, especialmente por permitir uma visão geral de
como era a arte no período clássico e por fornecer os ingredientes para a construção de uma
verdadeira tragédia grega.
No capítulo destinado aos personagens, intitulado Dos caracteres: devem ser bons,
conformes, semelhantes, coerentes consigo, o autor descreve os quatros pontos que devemos
visar na produção de um protagonista, o herói, para as artes dramáticas. Esse deveria ser bom,
39
conforme (corajoso), semelhante e coerente. Os heróis deveriam ser caracterizados na obra
pelo seu caráter, tendo como principal objetivo a moral.
Baseado nas informações que obtivemos no livro de Aristóteles, entendemos que o
herói necessitava ser de boa índole, além de que suas ideias deveriam ser condizentes com
suas atitudes e imagem física – a saber, se era descrito um guerreiro, o mesmo precisava ter
porte físico de guerreiro; se era descrito um rei, o mesmo precisava ser condizente com o
título que detinha – além de corajoso para estar no comando das ações da história, uma vez
que este era o protagonista. Embora, o herói tendesse a cometer um erro grave através de sua
saga, o qual o levaria a falha trágica e daria início a toda a desgraça característica da tragédia,
suas atitudes e palavras precisavam convergir, uma vez que, como herói, naquela
representação, era um ser exemplar e, por ser semelhante aos demais, era passível de erros.
Barléu inspira-se nos elementos receitados por Aristóteles para adornar seu herói,
Nassau-Personagem, uma vez que Maurício de Nassau é bom, corajoso, semelhante e
coerente. Porém, diferentemente dos heróis trágicos, o mesmo obtém total sucesso em suas
investidas para se solidificar como governante.
Um exemplo de como o escritor escolhido por Maurício de Nassau adapta o conceito
do filósofo clássico para a construção de seu herói está no trecho abaixo:
[...] vieram ter com o conde João Maurício, da parte do capitão dos índios Camarão, três emissários, os quais lhe informaram que ressentido, aquele
chefe abandonara som suas fôrças ao conde Bagnuolo [...]. Vinham êles
pedir-nos paz e aliança afim de poderem todos voltar para suas terras e
aldeias. Nassau, não ignorando reverterem as discórdias do inimigo em proveito seu, recebeu-os cortêsmente e, convidando por carta Camarão à
nossa amizade, despediu-os com presentes. Logo, porém, correu voz que ele
por ser de caráter versátil e mutável em suas resoluções, se reconciliara com Bagnuolo (BARLÉU, 1974, p. 102).
Observamos, acima, que Maurício de Nassau, ao manter sua palavra àqueles com
quem negociava, fora coerente, uma vez que historicamente é sabido que outros líderes não
tinham a mesma prática.
Barléu consome cerca de oito páginas de seu livro para nos mostrar o sucesso obtido
pelo Nassau guerreiro, como comandante supremo do exército por terra e mar, encorajando
seus almirantes e capitães a fazer o mesmo por seus soldados, ao desbaratar a armada
espanhola.
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Muitas vezes, através da obra, a bondade do governador do Brasil Holandês é
descrita. No episódio de Artischofski, o autor usa as palavras “benévolo e brando” para
descrever o governo do conde, e ressalta que o mesmo é humano e de caráter bondoso13
.
4.2 PETER BURKE E O HERÓI-GOVERNANTE
Um dos modelos de herói que estava fixado na mente do povo europeu entre os
séculos XV e XVIII era o governante. O historiador inglês Peter Burke, em sua obra Cultura
popular na Idade moderna (1989), trata dos tipos de herói que faziam parte do imaginário
popular no período. No livro, ele considera os heróis existentes entre esses séculos como: o
santo; o guerreiro; o fora-da-lei; e o governante.
Na concepção burkiana, o estudo do governante como um herói popular facilitaria a
compreensão das atitudes dos populares em relação às autoridades durante o período acima
referido, bem como o estudo desses tipos de heróis ajuda-nos a entender as atitudes sociais
dos diversos grupos que compunham a sociedade da época, a saber: o clero, a nobreza e o
“terceiro Estado”.
Fazendo uma apresentação mais extensa que a dos demais, o historiador explicita a sua
definição do que seria o herói governante, que compreende três modelos e cita exemplos.
O primeiro modelo exposto de herói governante é o que tem Alexandre, o Grande,
como protótipo ideal. Descrito com os adjetivos de exaltação, “vitorioso”, “triunfante”,
“glorioso” ou “invencível”, muitas vezes este modelo de herói é retratado como uma figura a
cavalo, liderando seu exército contra o inimigo herético ou pagão. O rei da Macedônia era um
forte exemplo de conquistador e vitorioso guerreiro no exterior, por isso Peter Burke o utiliza
para exemplificar este modelo de herói.
O segundo modelo mostrado no livro é o de herói-governante explanado na figura do
rei Salomão sentado em seu trono. “Justo”, “sábio” e “misericordioso”, esse modelo de herói
era considerado o “pai do povo”.
O terceiro modelo de herói governante apresentado traz como símbolo evidente Cristo
e sua segunda vinda à Terra. O ressurgimento do governante lida com a ideia de que um dia
esse herói voltará para vencer seus inimigos, libertando seu povo da opressão, e restaurará a
justiça.
13 BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do Ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau etc., ora Governador de Wesel,
Tenente-General de cavalaria das Províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974. p. 107.
41
Dentro destes três modelos observados por Burke, muitas autoridades foram
representadas em pinturas, esculturas, livros, baladas e outros meios de expressão e de
propagação de imagem, aproximando-se desses moldes. Homens como Guilherme III da
Inglaterra (1650-1702), Luís XII da França (1462-1515), Henrique IV da França (1553-1610),
o Imperador Maximiliano (1459-1519) e Sebastião de Portugal (1554-1578) foram vistos pelo
povo através destas representações.
Isso não quer dizer que todos os governantes fossem vistos como herói. Alguns deles
ganhavam uma imagem ruim diante de seus atos. Em tempos de guerras, internas ou externas,
os governantes eram frequentemente equiparados a tiranos com protótipos bíblicos. O Faraó –
representante do Antigo testamento – e Herodes – como exemplo do Novo Testamento – eram
associados a governantes megalomaníacos, os quais se declaravam Deus. Um fato curioso é
que, em uma canção neerlandesa, durante a revolta das províncias dos Países Baixos, Felipe II
é descrito como “Faraó”.
Ao explicar o porquê da formação deste pensamento no povo, o autor mostra-nos que
nem todos monarcas estavam envoltos na aura de herói. Um grande exemplo é Carlos V, que
teve grande poder como Imperador do Sacro Império Romano Germânico, mas pequenos são
os indícios de sua figura como herói após a sua morte. Outro exemplo é o de Sebastião de
Portugal, que foi uma figura muito apagada durante seu governo, mas que após sua morte
torna-se popular.
Para o historiador, este processo de construção de um modelo/estereótipo de herói está
relacionado à ideia de fantástico: a vida dos governantes era algo fora do comum para estas
pessoas: a riqueza era algo anormal, ser culto era algo anormal. Os poderes sobre-humanos
são características encontradas neles. Portanto, tudo o que estava fora da vivência do povo
simples era considerado fantástico. Essa ideia é algo presente em quase todos os lugares do
mundo.
Para o autor, artesões e camponeses aceitavam governantes, santos e cavaleiros como
seus heróis por uma das duas razões: ou porque se identificavam com os valores da Igreja,
Realeza e Nobreza; ou porque acreditavam que tinham que estruturar seu mundo por meio de
modelos fornecidos pelo grupo dominante.
Não quer dizer que o povo estava feliz com a ordem social existente e que aceitavam
que este mundo era harmônico, pois sempre estavam revoltados com a pobreza, injustiça,
impostos e outros tipos de reclamações. Peter Burke acredita que a falta de uma consciência
de classe foi um dos fatores determinantes para a sustentação do estereótipo de herói-
governante pelo povo.
42
Uma vez que prevalecia na consciência do povo uma “solidariedade vertical”, em que
a lealdade existia entre o mestre e o seu empregado, ou patrono e cliente ou senhor rural e o
arrendatário, esta contribuíra para o não fortalecimento de uma “solidariedade horizontal”, em
que o povo fosse leal aos seus ideais e fizesse oposição ao grupo dominante. A falta de uma
consciência de classe permitiu que o povo não acreditasse em uma não transformação do
sistema, e passando-nos uma falsa ideia de que aceitavam essa ordem social.
Para Burke, este pensamento era consequência de uma
pobreza da imaginação, uma incapacidade por parte do povo de conceber mundos sociais
alternativos ou uma falta de disposição de imaginar outros modos de vida. O que pode ter sido
consequência do resultado de horizontes estreitos e uma limitada experiência social.
Como é possível observar pelas ponderações do inglês, o governante era um dos tipos
de herói formados nesta Europa turbulenta e cheia de transformações. Manifestados de forma
natural – como no exemplo de Henrique IV que era reconhecido como pai do povo – estes
heróis também eram empurrados para o povo, na tentativa de manipulação da imagem
recebida sobre aquele indivíduo – como Luís XIV (1638-1715), que foi apresentado por toda
a sua vida como herói, sem obter nenhum retorno.
Em seu texto, Burke afirma que estes protótipos poderiam ser modificados para
adaptar-se a necessidade. Enraizados na mente do povo, esses tipos poderiam servir como
elemento para construção de uma figura ideal.
Quando observamos as características de aproximação entre o que é apresentado por
Barléu no governante Maurício de Nassau e o estereótipo de herói-governante, encontramos
essencialmente uma junção de dois modelos de imagem do herói: o modelo de Alexandre, o
Grande e o modelo do rei Salomão.
Já era um feito importante o fato de atravessar um oceano para guerrear por sua pátria.
Manter essa conquista e aumentar seu domínio intensifica mais ainda a semelhança entre sua
imagem e a de Alexandre, o Grande, como grande conquistador no exterior. Maurício de
Nassau é retratado por Barléu como um homem que possui uma inteligência de guerra fora do
comum. Seja por suas estratégias, técnicas ou decisões prudentes, Maurício de Nassau passa
uma imagem de guerreiro vitorioso, ganhando o respeito dos homens de seu exército ou o
temor de seus inimigos. Junto de sua guarda liderou os ataques que definiram a expulsão do
inimigo de seu território, pois entendia que era fundamental que o seu exército observasse sua
disposição para guerra para determinar os presságios de vitória. Como um líder, exortava seus
homens à luta pela honra e pela glória de sua pátria.
43
Apresentado como um modelo aproximado ao rei Salomão, Maurício de Nassau surge
como autoridade suprema, organizando a República através de leis, corrigindo, coibindo
abusos e punindo rigorosamente os delitos que ocorriam sob seu domínio. Da mesma
maneira, era misericordioso quando protegia aqueles mais frágeis e que pediam sua proteção.
Era bondoso com aqueles que reconheciam sua autoridade, respeitando suas crenças e sua
liberdade de consciência. Sua imagem de sábio é traçada em diversos momentos, retratando
um governante coerente que utilizou argumentos lógicos para tomar decisões prudentes. Sua
sabedoria foi usada para ajudar a solucionar questionamentos da empresa para a qual
trabalhava, para resolver contendas entre reinos africanos. Barléu ressalta seu título como pai
do povo, cuidando daqueles que habitavam as terras de seu domínio, protegendo-os e
defendendo-os, tentando-os afastar dos males e precariedades que a guerra proporcionava.
44
5 UM HERÓI CONSTRUIDO COM PALAVRAS: NASSAU SOB O VIÉS DA
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Retomando brevemente os conceitos outrora citados neste estudo, sabemos que Gaspar
Barléu valeu-se dos conceitos aristotélicos de herói para criar um herói-governante como os
descritos por Peter Burke. Além do conde Maurício de Nassau no livro História dos Feitos,
assumir características heroicas similares as de Alexandre, o Grande, e do rei Salomão,
observamos suas atitudes dignas de herói em várias passagens do texto.
Na interpretação do conteúdo da obra encomendada por Nassau a Gaspar Barléu, é
preciso privilegiar a observação das informações adjacentes a apenas a leitura da mesma, uma
vez que a obra não foi concebida por acaso. É notável que o conde tivesse intenções ao
solicitar a confecção do livro, uma vez que o mesmo queria deixar o seu legado inscrito na
história europeia.
Barléu, ao receber tal encomenda, decide que a melhor forma de retratar este
governante seria bebendo nas fontes clássicas, uma vez que, no período, o culto e o erudito
vinham da era Greco-Romana.
Erving Goffman em seu livro As representações do eu na vida cotidiana, sugere que,
no dia a dia, fazemos constantemente inferências uns a respeito dos outros, ou seja, somos
capazes de “ler mentes” através da observação das atitudes verbais ou não-verbais das pessoas
com as quais nos deparamos. Quem emite e transmite14
as informações, geralmente, é alguém
que chega a um grupo social preexistente. Este está intencionalmente interessado em
conquistar o seu receptor com o simples objetivo de que este grupo ceda aos seus desejos e o
integre como parte dele.
Tanto a emissão quanto a transmissão podem ser de caráter consciente ou inconsciente
e o que o indivíduo teme passar aos receptores verbalmente é passado não-verbalmente.
Assim, os que recepcionam a informação do indivíduo que chega podem lê-lo em duas vias:
por suas ações e por suas palavras. Quem chega pode esconder ou assumir opiniões em um
determinado grupo, exclusivamente, com o objetivo de ser aceito ou encaixar-se nele.
Goffman (1985) acredita que quando um indivíduo se apresenta a um grupo social,
este tem motivos para tentar controlar as impressões que o grupo tem dele.
Para Erving Goffman,
14 Para Goffman, emitir concerne as ações não verbais. Já a transmitir, é feito por meio de palavras. p.12
45
A sociedade está organizada tendo por base o princípio de que qualquer
indivíduo que possua certas características sociais tem o direito moral de
esperar que os outros o valorizem e o tratem de maneira adequada (GOFFMAN, 1985, p.21).
Assim sendo, quando um indivíduo (observador) pretende, implícita ou
explicitamente, ser uma pessoa de determinado tipo (estereótipo), automaticamente faz uma
exigência moral aos outros (observados) que irão tratá-lo de acordo com o padrão de
comportamento que esperam que ele tenha para com eles.
Goffman (1985) diz que o ator – indivíduo que chega ou que quer adentrar
determinado círculo social – cria uma fachada sempre que se mostra diante dos outros. A
representação ocorre quando o mesmo está, constantemente, perante um determinado grupo
de observadores. Lembramos, mais uma vez aqui, que o herói no livro de Barléu é esculpido
e por isso mesmo vem pintado como tal. Se Nassau era “o Grande”, assim como Alexandre, o
mesmo não poderia não ser viril e corajoso. Os sentimentos e modo de agir deste herói,
juntamente com sua aparência – embora não haja uma descrição física de Nassau no texto,
adjetivos como viril e corajoso não fazem referência, por exemplo, a alguém franzino e com
medo – precisam ser como disse o filósofo grego Aristóteles conforme ao personagem que
exerce tal papel.
Tudo precisa convergir para que este indivíduo transmita e emita, intencionalmente ou
não, as informações que deseja com sucesso. O ambiente (cenário), a aparência e o modo de
agir (fachada pessoal) devem estar em comunhão para que o mesmo obtenha seu objetivo
final: fazer parte daquele grupo social ao qual o mesmo tenta sustentar.
Os estereótipos que Barléu usa para construir o Nassau-Personagem eram válidos e
louvados pela sociedade em que o conde tentava adentrar. Barléu serve às intenções,
conscientes ou inconscientes do conde, ao fazê-lo tão heroico e importante como outros heróis
já inscritos na história.
Nassau, intencionalmente ou não, tinha interesse em perpetuar o nome de sua Casa na
nobreza europeia. Seria benéfico, conscientemente ou não, que o mesmo se inscrevesse na
história por seu sucesso em terra tão distante. O desejo de estar no meio daquele grupo social
faz com que o conde busque alguém com conhecimento e bom o suficiente para construí-lo
nas páginas daquele livro destinado aos leitores nobres do outro lado do Atlântico.
Formado nas faculdades influentes dos Países Baixos, Barléu, supomos que convocado
pelo seu conhecimento para aperfeiçoar o Maurício de Nassau real em personagem, através da
representação ideal do comportamento do conde determinada pelo grupo social que este
46
almejava atingir, tinha o currículo de conhecimento condizente com as intenções do
governante. O herói de Barléu é “acabado, polído e embrulhado”15
para ser recebido na
nobreza europeia, levando o Nassau-Real a manter seu status nobre e a tentar sustentar o seu
grupo social dentro das mudanças que ocorriam na sociedade do período, seguindo com sua
carreira de administração pública até alcançar seu maior título nobre – Príncipe do Sacro
Império Romano Germânico.
15 GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 48.
47
6 CONCLUSÃO
Através deste trabalho, construímos uma visão interdisciplinar, a saber, traçando
paralelos histórico-literários sobre o Maurício de Nassau apresentado na obra encomendada
História dos feitos, pelo referido conde, ao humanista Gaspar Barléu. Optamos pela
observação do personagem principal do livro escrito pelo autor mencionado acima para
embasar a nossa concepção de que o Nassau-Personagem estava a serviço do Nassau-Real em
sua solidificação histórica perante a nobreza europeia.
O livro História dos feitos, sabendo que embora fonte histórica, não deixa de ser
literário a partir do momento em que levamos em consideração que tais feitos (fatos, ações,
obras), foram recontados por Barléu que estava na Europa e era impregnado pelos conceitos
estéticos que vogavam no período.
Assim sendo, procuramos, nesta monografia, partir de um ponto de vista mais
abrangente e irmos até o ponto onde foi possível pormenorizar o nosso olhar sobre o conde
João Maurício de Nassau. Ficou-nos clara a existência de um Nassau-Real e um Nassau-
Personagem, uma vez que o que está representado nas páginas escritas por Barléu é similar
aos heróis governantes que se tinham por modelo de conduta na época.
Como era característico da época, poucas pessoas tinham acesso a livros tão
elaborados. Uma obra como História dos feitos era lida apenas por nobres. O livro fora escrito
em latim e possuía uma riqueza de desenhos e gravuras aquareladas, o que nos permite crer
que fora destinado a um determinado grupo social que conseguia possuir conhecimentos e
condições para ler e ter este livro.
O conde precisava estabelecer-se diante da perda do espaço ocupado pela nobreza na
sociedade europeia, para a burguesia que ascendia. Gaspar Barléu, por possuir os
conhecimentos adquiridos como estudioso humanista, fora então escolhido por Nassau para
através de um livro cristalizar seu governo no Brasil perante o povo europeu. Com a História
dos feitos Nassau transmite às pessoas de importância, na Europa, a sua conduta utópica como
governador ideal do Brasil Holandês.
O autor da obra busca, através da narrativa de feitos, construir um Nassau digno de
conquistar e administrar uma terra distante e desconhecida.
As atitudes do Nassau-Personagem no livro nos parecem claramente inspiradas na
Antiguidade Clássica, uma vez que seu herói é visto como um guerreiro, valente e salvador.
Suas atitudes corajosas e guerreiras, segundo Peter Burke, nos remetem a reis e
48
conquistadores do passado. Sua destreza e perfeição levam-nos a crer na sua excelência de
qualidade.
Em Goffman, acreditamos encontrar a base de sustentação para afirmamos que o
Nassau-Real era mais um ator no teatro do período, tentando inserir-se no palco principal.
Inconscientemente e implicitamente, Gaspar Barléu produz um Nassau-Personagem nos
moldes clássicos a serviço do Nassau-Real.
Somos permitidos a acreditar, com base nas pesquisas, que a crença na predestinação,
durante o século XVII, pode ter sido um forte indício para que o conde Maurício de Nassau
buscasse com afinco obter prestígio como governador do Brasil Holandês, já que criasse que
obter o sucesso através de empreendimentos era a vontade de Deus.
Os feitos praticados, durante o período que viveu no Brasil, nunca foram vistos ao
vivo por Gaspar Barléu. O autor escreve baseado em relatos e documentações, já que esta
obra só foi encomendada por Maurício de Nassau com a sua chegada as Províncias Unidas
dos Países Baixos. O Nassau adornado pelos modelos clássicos de herói preexistente, conduz
o conde a ser bem visto, permitindo-o continuar sua carreira de militar e administrador
público na Europa e alcançar seu grau máximo de nobreza, o de Príncipe do Sacro Império
Romano Germânico.
Concluímos, portanto, que este livro não deve ser apenas olhado como uma fonte
histórica, uma vez que se trata também de uma obra literária. Devemos ter, sim, sobre ele, um
olhar interdisciplinar, porque assim poderemos extrair conclusões riquíssimas sobre como o
projetista intelectual Maurício de Nassau valeu-se de Gaspar de Barléu para alcançar a
nobreza europeia.
49
REFERÊNCIAS
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