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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
Thiego Moreira de Oliveira
TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE
DEMANDAS REPETITIVAS: Demandas seriais em perspectiva.
NATAL/RN 2014
THIEGO MOREIRA DE OLIVEIRA
TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE
DEMANDAS REPETITIVAS: Demandas seriais em perspectiva.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito básico necessário à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Profº. Me. Francisco Barros Dias
NATAL/RN 2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Oliveira, Thiego Moreira de.
Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e o incidente de
resolução de demandas repetitivas: demandas seriais em perspectiva/
Thiego Moreira de Oliveira. - Natal, RN, 2014. 103f.
Orientador: Profº. M. Sc. Francisco Barros Dias.
Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de
Direito.
1. Direitos individuais - Monografia. 2. Tutela coletiva - Monografia. 3.
Demandas repetitivas - Monografia. 4. Código de processo civil –
Monografia. I. Dias, Francisco Barros. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 342.7
THIEGO MOREIRA DE OLIVEIRA
TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE
DEMANDAS REPETITIVAS: Demandas seriais em perspectiva.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito básico necessário à obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Aprovado em: ___/___/___.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________ Prof. Me. Francisco Barros Dias - UFRN
Presidente
____________________________________ Prof. Dr. Marcus Aurélio de Freitas Barros - UFRN
____________________________________ Prof. Esp. Herbert Pereira Bezerra - UNP
RESUMO
O objetivo da presente Monografia é investigar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, instituto criado pelo projeto do Novo Código de Processo Civil (PL n.º 8.046/10), relacionando-o com a tutela coletiva em matéria de direitos individuais homogêneos, a fim de comparar as formas e caminhos de evitar a multiplicação de demandas seriais e contribuir para a redução do volume de processos no Poder Judiciário. O crescimento no número de processo e a reconhecida incapacidade de prestar o serviço “justiça” de forma célere e efetiva têm levado os juristas a buscar soluções e novos instrumentos processuais para contornar esse quadro, em especial aproveitando o ensejo da confecção do novo diploma legal que irá reger o processo civil brasileiro. Sendo constatada que a nossa sociedade de massa conduz ao “demandismo” de massa e a repetição de processos idênticos, o incidente de resolução de demandas repetitivas trabalha ideia da tanto prevenir a multiplicação como enfrentá-la. Todavia, por seu turno, a tutela coletiva desde seu nascedouro possibilitou a redução das demandas isomórficas conjugando o conflito num só processo e apresentando resolução uniformizada da lide. Assim, é inarredável a necessidade de comparar as soluções propostas por esses mecanismos. Para tanto se utilizou da metodologia documental para subsidiar as conclusões e reflexões formuladas, ora para afastar ora para tecer algumas aproximações entre ambos, inclusive sobre direito comparado. No tocante ao processo coletivo, parte-se da análise histórica da tutela coletiva de direitos individuais, no direito norte americano e no brasileiro, para em seguida se debruçar sobre as espécies de direitos coletivos (direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos). Na segunda parte aborda-se o incidente em comento, apresentado sua inspiração alemã, o seu objeto e dinâmica de processamento. Na terceira e última parte são feitas algumas aproximações teóricas e análise comparativa relativa à(s)(ao) (i) aproximações culturais e objetivos em comum; (ii) suspensão dos processos individuais; (iii) vinculação ao julgado e (iv) objeto material do incidente. Como resultado do estudo, verificou-se a grande importância do tema, seja pela perspectiva jurídica, seja pela visão social, pois possibilita a prestação jurisdicional mais efetiva e adequada à sociedade. Sendo assim, se concluiu que tanto o processo coletivo quanto o incidente de resolução de demandas repetitivas poderão conviver juntamente no ordenamento brasileiro, muito embora partam de pontos diversos, cada qual apresentando vantagens e desvantagens, mas que podem se complementar a fim de promover a tutela de direitos individuais homogêneos com máxima eficiência e adequação. Palavras-chave: Tutela Coletiva de Direitos Individuais. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Musterverfahren. Direitos Individuais Homogêneos. Novo Código de Processo Civil.
ABSTRACT
The purpose of this monograph is to investigate the Resolution of Repetitive Demands Incident, institute created by the New Code of Civil Procedure (PL n.º 8.046/10) project , linking it to the collective custody regarding homogeneous individual rights, in order to compare shapes and paths to avoid the proliferation of serial demands and help reduce the number of cases in the judiciary. The growth in the number of process and its recognized inability to provide the "justice" service swiftly and effectively have led jurists to seek solutions and new legal instruments to circumvent this situation , in particular by taking the opportunity of making a new statute which will conduct the brazilian civil procedure. Knowing that our mass society leads to mass litigation and the repetition of identical processes, the Resolution of Repetitive Demands Incident works with the idea of both preventing the multiplication and fighting it. On the other hand, collective custody, since its origin, has allowed the reduction of isomorphic demands combining the conflict in one process and providing uniform resolution of the dispute. Thus, it is unwavering the need to compare the solutions proposed by these mechanisms. To this end, the documentary methodology was used to support the conclusions and reflections made, to separate or to find some similarities between them, including on comparative law. Regarding the collective process, we start from the historical analysis of the collective protection of individual rights in the north american and brazilian law, then we continue to look into the types of collective rights (diffuse rights, strict collective rights and homogeneous individual rights). The second part covers up the incident under discussion, presenting its german inspiration, its object and processing dynamics. In the third and final part, certain theoretical approaches and comparative analysis are performed, which are related to (i) cultural similarities and common goals; (ii) suspension of individual cases; (iii) linking to the one judged and (iv) material object of the incident. As a result of the study, it was proved the great importance of the subject, either by legal perspective or the social vision, because it allows a more effective and appropriate adjudication for the society. Therefore, it was concluded that both the collective process and the Resolution of Repetitive Demands Incident may live together in the brazilian legal system. Although departing from various points, each one with its advantages and disadvantages, they can complement each other in order to promote the protection of homogeneous individual rights with maximum efficiency and suitability. Keywords: Collective Protection of Individual Rights. Resolution of Repetitive Demands Incident. Musterverfahren. Homogeneous Individual Rights. New Code of Civil Procedure.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CPC – Código de Processo Civil
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EI – Estatuto do Idoso
IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
LACP – Lei da Ação Civil Pública
NCPC – Novo Código de Processo Civil
PL n.º 5.139/2009 – Projeto de Lei da Nova Ação Civil Pública, de 2009
PL n.º 8.046/2010 – Projeto de Lei n.º 8.046, de 2010
REsp – Recurso Especial
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
TRF – Tribunal Regional Federal
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
2 NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO E DA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS .......................................................................... 13
2.1 A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS E AS CLASS ACTIONS FOR DAMAGES DO DIREITO NORTE AMERICANO ............................................................... 14
2.2 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NO BRASIL ..................................................................... 19
2.3 OBJETO DO PROCESSO COLETIVO ........................................................................... 26
2.3.1 Direitos metaindividuais: os direitos difusos e os direitos coletivos em sentido estrito. Tutela de direitos coletivos .................................................................................................. 27
2.3.2 Direitos individuais homogêneos. Tutela coletiva de direitos .................................... 31
2.3.2.1 A origem comum ................................................................................................. 33
2.3.2.2 Repercussão social ou coletiva .......................................................................... 39
2.3.2.3 Distinção entre direitos individuais indisponíveis e direitos individuais homogêneos .................................................................................................................... 41
3. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ....................................................................... 44
3.1 DEMANDAS SERIAIS OU REPETITIVAS ................................................................... 48
3.2 A INSPIRAÇÃO ALEMÃ. MUSTERVERFAHREN (PROCEDIMENTO-MODELO) ... 51
3.3 QUESTÃO DE DIREITO OU DE DIREITO E DE FATO .............................................. 55
3.4 CARÁTER REPRESSIVO E PREVENTIVO .................................................................. 58
3.5 ADMISSIBILIDADE E SUSPENSÃO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS ..................... 59
3.6 APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA GERAL AO PROCESSO INDIVIDUAL ............. 61
3.7 REPARTIÇÃO DA ATIVIDADE COGNITIVA ............................................................. 67
4 APROXIMAÇÕES E PERSPECTIVAS ENTRE O PROCESSO COLETIVO E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS ............................... 69
4.1 APROXIMAÇÕES CULTURAIS E OBJETIVOS GERAIS EM COMUM ................... 69
4.2 A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS INDIVIDUAIS ...................................................... 73
4.3 VINCULAÇÃO AO JULGADO ...................................................................................... 78
4.4 OBJETO MATERIAL DO INCIDENTE ......................................................................... 85
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 88
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 94
ANEXO........................................................................................................................................99
9
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno de massificação das relações sociais tem chamado a atenção dos
juristas para conflitos que passam a envolver grande número de pessoas e que geram a
proliferação de processos judiciais com fundamentos fáticos e/ou jurídicos idênticos.
É comum identificar no cotidiano forense a multiplicação de ações
relacionadas à exposição de toda uma massa de cidadãos a um dano causado por
produto ou serviço; aos reflexos negativos dos planos econômicos Bresser, Collor I e II
e Verão; à ilegalidade ou inconstitucionalidade de tributos; à cobrança indevida de taxa
ou tarifas abusivas por parte de instituições financeiras, só para citar alguns exemplos.
Essa proliferação de demandas repetitivas contribui, em grande medida, para a
morosidade da máquina judiciária, uma vez que cada processo reclama atuação
individualizada do Estado-juiz. Por outro lado, acabam por receber a mesma decisão já
aplicada aos casos semelhantes anteriormente julgados, mudando-se, às vezes, somente
o nome da parte e outros dados pessoais de menor importância.
A primeira tentativa de enfrentar concretamente esse problema de repetição de
processos oriundos de situações de fato e de direito comuns veio com a concepção do
processo coletivo para tutela de direitos individuais homogêneos. Esse propôs a
concentração do conflito em uma única ação, qualificada de coletiva.
A sua essência é de postular em nome de todos aqueles que normalmente
estariam obrigados a demandar solitariamente, e assim, ampliar os efeitos da decisão
jurídica para alcançar todos que compartilham da mesma situação de fato ou de direito,
reduzindo o volume de processos idênticos nos foros.
Em que pese a previsão legal no final da década de oitenta (Lei de Defesa dos
Investidores de Mercado de Valores Imobiliários - Lei n.º 7.913/89) e o início da década
de noventa, por obra do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), após
pouco mais de vinte anos de existência, tem-se levantado vozes no sentido da ineficácia
das ações coletivas no trato das demandas repetitivas, que continuavam a existir.
Por outro lado, as reformas no Código de Processo Civil também não deram
conta de cessar aos deletérios efeitos da morosidade na prestação jurisdicional, e por
consequência, de apresentar uma solução aos processos repetitivos.
Ainda que com a instituição de súmula vinculante, repercussão geral, novo
regime para recursos excepcionais repetitivos (art. 543-B e 543-C, CPC), súmula
10
impeditiva de recursos (art. 518, §1º, CPC), julgamento imediato de improcedência de
demandas repetitivas (art. 285-A, CPC), ou mesmo a atribuição de poderes ao relator
para, de pronto, dar provimento ou não ao recurso a depender da observância a súmula
ou jurisprudência dominante (art. 557, caput, e §1º-A, CPC), todos esses mecanismos
jurídicos não conseguiram dar vazão ao volume de processos que assoberba o
Judiciário.
Algumas consequências desse fenômeno de massificação e demandas
repetitivas podem, ainda hoje, ser sentidas no dia a dia forense, fortemente marcado por
uma “cultura do modelo”: a petição modelo, a decisão modelo, recurso modelo, acórdão
modelo etc.
No momento em que se aplica uma mesma decisão em ações judiciais
praticamente idênticas; se utilizada a mesma petição para ingressar em juízo, pois é “a
mesma causa” já enfrentada por outro indivíduo; se utiliza do mesmo precedente
firmado em ações nas quais pessoas na mesma situação fática e jurídica foram
contempladas, fica mais fácil perceber que a Justiça tem se deparado com lesões
massificadas e compartilhadas por um sem número de indivíduos. Mas a questão que
fica é: deverá insistir-se na estratégia de postulação individual dos danos a gerar
centenas ou mesmo milhares de ações repetitivas?
A deficiência da ciência jurídica processual no trato de lides multitudinárias
anunciava a iminência de se buscar o novo. Não se mostrava suficiente a prestação
jurisdicional individualizada, sob fundamentos jurídicos e fáticos decorrentes de
situação ilícita semelhante e compartilhada por toda uma coletividade afetada.
Por sua vez, o projeto do Novo Código de Processo Civil atentou à necessidade
de criar mecanismos processuais novos para desafiar o problema das ações repetitivas.
É bem verdade que foi concebido sob vários fundamentos e perspectivas, mas a
necessidade de superar a morosidade na prestação jurisdicional foi uma constante.
Com efeito, o reconhecimento do sobrecarregamento de processos pendentes
não impunha outra solução senão a racionalização da atividade jurisdicional, a começar
pelo trato das demandas repetitivas, umas das grandes responsáveis pelo abarrotamento
de processos nos foros.
Contudo, não passou despercebido que a nomeação da Comissão de Juristas
responsáveis pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil
(30.09.2009), seguiu-se um ano após a nomeação de Comissão Especial que elaborou o
anteprojeto da Nova Lei da Ação Civil Pública (PL n.º 5.139/09).
11
Até mesmo pela proximidade temporal, as discussões dos juristas não foram
alheias à necessidade de resolução de demandas seriais, em especial da convivência
entre as ações coletivas e as ações individuais em paralelo. O projeto da Nova Lei de
Ação Civil Pública, porém, não saiu do papel e, após ser rejeitado por pequena
diferença de votos, aguarda deliberação da mesa da Câmara dos Deputados acerca de
recurso interposto, sem grandes perspectivas de aprovação em curto espaço de tempo.
Ademais disso, a doutrina e jurisprudência, por sua vez, passaram a abordar
com maior interesse a temática da tutela coletiva de diretos, em especial pelo amplo
alcance social que possui, mas sem dúvida, impulsionados pela sua função de
concentrar os litígios individuais e espraiar efeitos benéficos através de seu julgado.
É nesse contexto de massificação das relações sociais, lides multitudinárias e
fortalecimento da tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, que vem à tona o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, mecanismo destinado a evitar a
multiplicação de ações isomórficas.
Cumpre, portanto, investigar se este novo instituto será capaz de atingir o seu
propósito e de que forma se propõe a tanto, partindo de uma comparação com as ações
coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos.
Procura-se, portanto, examinar quais dentre os citados instrumentos
processuais são capazes de promover a justiça coletiva e, ainda que não sejam o
remédio para toda a doença, proporcionar uma maior racionalização ao sistema de
justiça no trato das “causas repetitivas”.
Assim, na primeira parte do estudo, serão apresentados os referenciais
históricos do processo coletivo e da tutela coletiva de direitos individuais, e as
subespécies de direitos coletivos, apontando de que forma enfrenta-se as demandas
repetitivas no plano das ações coletivas.
Em seguida, será abordado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
discorrendo sobre o que se entende por demandas ou ações repetitivas, sobre a origem
do incidente e a conformação legal projetada, segundo a atual proposta de redação dos
dispositivos onde o incidente é disciplinado (arts. 988 e ss. do Projeto do Novo Código
de Processo Civil).
Por fim, será realizado um estudo de aproximações e comparações entre o
processo coletivo na defesa de direitos individuais homogêneos e o incidente referido.
Pelos limites do estudo, porém, debruçou-se sobre quatro vertentes principais: a)
12
aproximações culturais e objetivos gerais em comum; b) suspensão dos processos
individuais; c) vinculação ao julgado e d) objeto material do incidente.
13
2. NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO E DA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS
A tutela de direitos coletivos e a tutela de coletiva de direitos individuais, como
fenômenos distintos (ZAVASCKI, 2014), têm origens e perspectivas históricas
diferentes.
Embora paire alguma imprecisão na doutrina, entende-se que a tutela de
direitos essencialmente coletivos finca sua origem mais remota no direito romano
clássico. Através da ação popular romana, um único cidadão, em defesa da res publica,
demandava em defesa de bens e valores não seus, mas de toda a comunidade (LEONEL,
2011, p. 38-41). Todavia, outros estudiosos vislumbram as primeiras notícias de
substituição processual na Inglaterra medieval, no século XII. (YAZELL, 1986 apud
RODRIGUES, 2013, p. 44).
De outra ponta, é assente pela franca maioria dos doutrinadores que a tutela
coletiva de direitos individuais tem origem junto às class actions, do direito norte-
americano (ARAÚJO FILHO, 2000, p. 16; RODRIGUES, 2013, p. 44).1
Também chamadas de “class suits”, as class actions remontam ao direito
inglês e aos chamados Tribunais de Equidade (Coutrs of Equity ou Courts of Chancery).
No âmbito desses tribunais concebeu-se o Bill of Peace, com o intuito de afastar as
dificuldades decorrentes de reunião de todos os interessados no processo (NEVES,
2013, p. 02-03), reunião esta, até então imposta pelo sistema de intervenção
compulsória (compulsory jointer ou necessary parties rule) (COSTA, 2010, p. 56).
Assim, a inconveniência de lidar com um feito com expressivo número de
litisconsortes, inicialmente obrigatório, não tardou a mostrar-se um verdadeiro
desserviço á justiça, entravando o andamento do processo e o julgamento da questão.
A solução encampada com o Bill of Peace, como visto, foi a de criar ações
representativas, e por isso é apontado como origem das class actions e das ações
coletivas de defesa de direitos individuais homogêneos (NEVES, 2013, p. 03).
Dessa análise, importante é guardar que as ações coletivas em defesa coletiva
de direitos individuais foram instrumentos criados, historicamente, a partir da
1 Essa, por ser uma das bases teóricas deste estudo, mereceu um aprofundamento maior do que ao processo coletivo que se destina à tutela de direitos tipicamente coletivos, e que assim, não se confunde com a tutela coletiva de direitos a ser pautada. Ademais, a diferenciação referenciada entre tutela coletiva de direitos e tutela de direitos coletivos será abordada adiante com mais vagar.
14
preocupação com a grande massa de interessados e a inconveniência de sua presença ou
intervenção direta no feito.
Todavia, além do número de interessados, como aponta Araújo Filho (2000, p.
17), o Bill of Peace era admitido “quando a parte tinha um direito que podia ser
controvertido por várias pessoas, em ocasiões diferentes, e por diversas ações”.
Ou seja, é possível vislumbrar, nesse ponto, outra preocupação fundamental da
tutela coletiva, pois a origem histórica das class actions, com substrato no Bill of Peace,
também voltou sua atenção para as várias ações que poderiam ser intentadas com o
mesmo objeto, ações repetitivas, portanto.
Exposta a maneira como o Bill of Peace serviu à tutela coletiva das demandas
repetitivas, cumpre investigar uma categoria ou tipo class action, em específico, a saber,
a class actions for damages, que foi responsável por influenciar a contemporânea ação
civil coletiva do direito consumerista brasileiro.
2.1 A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS E AS CLASS ACTIONS FOR DAMAGES DO DIREITO NORTE AMERICANO
Em 1938, nos EUA, deu-se a promulgação das Federal Rules of Civil
Procedure,2 dentre as quais estava a Rule 23, esta especificamente destinada a delinear
os contornos das class actions ou class suits.
Conforme explica Araújo Filho, (2000, p. 20-21), as regras instituídas por este
sistema de 1938, na redação originária da Rule 23, propiciaram uma grande controvérsia
jurisprudencial e desencontros doutrinários ao dividir as class actions em três categorias
(true, hybrid e spurious).
Nada obstante, o doutrinador segue lembrando que o problema se tornou ainda
mais grave, pois não bastasse a incerteza que assolava a doutrina e os próprios tribunais
quanto à classificação ou distinção entre as três categorias, deu-se tratamento distinto
para cada uma delas a respeito da extensão da coisa julgada aos membros da classe
ausentes.
2 Verdadeiro conjunto de regras oferecidas pela Suprema Corte, através de delegação do próprio Poder Legislativo, com algumas limitações, porém (COSTA, 2010, p. 58).
15
Então, preocupante situação surgia com possibilidade de vinculação ou não da
coisa julgada, a depender da classificação que seria dada a determinada de class action,
o que era bastante impreciso e discutível.
Em tempo, sobreveio a reforma da Rule 23, no ano de 1966, cuja redação não
sofreu relevantes modificações até os dias de hoje (RODRIGUES, 2013, p. 44). A
reforma trouxe mudanças importantes.
Primeiramente traçou uma única forma de operacionalizar os efeitos da coisa
julgada, passando a independer do resultado do processo (ARAÚJO FILHO, 2000, p.
22).
Em segundo lugar, criou o regime jurídico da class action for damages, ação
coletiva destinada reparação de danos individualmente sofridos (b3), esta, nas palavras
de Grinover (2011, p. 127), “podendo ser considerada a grande novidade das Federal
Rules de 1966”.
Além disso, trouxe contornos especiais acerca da “admissão e manutenção da
ação de classe” e a “discricionariedade do juiz na condução do processo” (ARAÚJO
FILHO, 2000, p. 22).
Consoante essa nova disciplina legal, os pressupostos para a admissão para
qualquer ação de classe estão prescritos na Rule 23 (a)3 e necessitam ser cumulativos,
ou seja, devem ser fazer presentes todos eles, sem exceção.
Naquele diploma abre-se a possibilidade de um ou mais membros do grupo
ingressarem em juízo como verdadeiros representantes dos interesses comuns a todos,
desde que fosse impraticável ou impossível a formação do litisconsórcio (como havia já
a época do Bill of Peace, como dito anteriormente) e também existisse questão de fato
ou de direito comuns. São alguns dos requisitos que devem necessariamente estar
preenchidos para a admissão de qualquer que fosse o tipo da class action (ROQUE,
2013, p. 109).
Após esse primeiro exame dos requisitos gerais de admissibilidade, é
necessário que a class action se amolde a umas das hipóteses de cabimento previstas na
3 “(a) Pressupostos de uma Class Action. Um ou mais membros de uma classe podem processar, ou ser processados, como partes representantes, em nome de todos, apenas se (1) a classe for tão numerosa que a reunião (joinder, o “litisconsóricio”) de todos os membros se mostre impraticável, (2) houver questão de direito ou fatos comuns à classe, (3) os pedidos ou defesas das partes representantes forem típicos pedidos ou defesas da classe, e (4) as partes representantes protegerem eficaz e adequadamente os interesses da classe.” (ARAÚJO FILHO, 2000, p. 22-23).
16
subseção (b), da Rule 23, as quais são aferidas não cumulativamente, bastando a
satisfação de apenas uma para superar essa fase de exame de cabimento da class action,
e identificar qual tipo ou categoria de ação coletiva correspondente (ROQUE, 2013, p.
158).
Dentre as categorias das class actions, interessa ao presente estudo a “common
question class actions (ações baseadas em questões comuns) ou class actions for
damages (ações coletivas indenizatórias)”, previstas na Rule 23 (b)(3) (ROQUE, 2013,
p. 159).
Isso porque já na década de noventa, a class action for damages ganhou
notável repercussão social e jurídica, pois apresentaram vantagens no seu
processamento como a racionalização da atividade jurisdicional e contenção de
demandas repetitivas:
A partir dos anos 90, porém, explodiram os processos fundados em responsabilidade civil por danos causados em um número massivo de pessoas (mass tourt suits). Nos primeiros anos, enfrentou-se certa resistência na jurisprudência, mas a necessidade de prestar jurisdição e preservar recursos da máquina judiciária, evitando inúmeras demandas individuais idênticas, conduziu ao crescimento das class actions admitidas na categoria (b)(3), que hoje respondem pela maior parte dos litígios coletivos nos Estados Unidos. (ROQUE, 2013, p. 159, grifo acrescido).
Dessa forma, percebe-se que as class actions for damages, claramente, se
inserem no contexto dos litígios de massa, notadamente em casos de reparação civil.4
Consoante a exposição acima, não lhes escapa o propósito de desestimular “demandas
individuais idênticas” ou isomórficas, baseadas em questões de direito ou de fato
comuns aos membros da classe - Rule 23 (b)(3).
No tocante a possibilidade de conter demandas repetitivas, é imprescindível
anotar que o sistema americano de ações coletivas adota um mecanismo que propicia a
resolução da questão no plano coletivo, através da vinculação dos membros da classe
aos efeitos do julgado, seja ele procedente ou improcedente.
A dinâmica das class actions for damages propõe uma eficácia maior do
julgado coletivo, através da vinculação aos efeitos coisa julgada sobre os representados.
Contudo, essa vinculação sofre algumas limitações, pois litigante individual poderá
4 Muito embora não sejam restritas a esse tipo de pretensão (ROQUE, 2013, p. 159 e 183).
17
optar por não se atingido pelo julgado, após notificação sobre existência de ação
coletiva relativa a seu direito individual.5
A vinculação se opera da seguinte forma: a notificação é destinada a todos os
membros que, dentro das circunstâncias, “poderem ser identificados com razoável
esforço”. Após a notificação, que não é senão promover a ampla publicidade da ação
coletiva, os titulares dos direitos individuais afetados poderão requerer no sentido da
exclusão pessoal aos efeitos do julgamento coletivo – right to open out ou right to opt
out, ou seja, podem requerer não ser atingidos, nem pela procedência tampouco pela
improcedência da ação coletiva. Em outras palavras, a extensão da coisa julgada, em
sentido favorável ou não para o grupo, somente alcança àqueles que não requereram a
exclusão (ARAÚJO FILHO, 2000, p. 30).
Dessa feita, em certa medida, as demandas repetitivas são refreadas, pois “a
coisa julgada impede a propositura de ações individuais por parte dos membros do
grupo (salvo eventual possibilidade de auto-exclusão)” (GIDI, 2007, p. 73).
Essas características influenciam, em maior ou menor medida, o efeito do
julgado coletivo sobre as vítimas, que compartilham da commum questions. Veja-se que
a vinculação do julgamento da class action for damages pode alcançar todos os
membros da classe, ainda que seja desfavorável aos seus interesses, impedido a
propositura de ações individuais, e, a rigor, repetitivas, sobre a matéria.
Esse sistema, além de contar com a notificação e o direito de autoexclusão para
atenuar os efeitos da vinculação da coisa julgada sobre “terceiros” ou ausentes, também
se vale do controle da “representação adequada”. Isto é, como é impraticável a
intervenção de todos os interessados no processo, em homenagem ao devido processo
legal, aqueles que não são “participantes do processo na qualidade de partes formais,
podem estar vinculados ao julgamento desde que representados adequadamente”
(ROQUE, 2013, p. 132), através daquele que intenta a class action em nome do grupo.
A necessidade dessa série de mecanismos processuais se dá porque, se a ação
coletiva, por um lado, poderá por fim, definitivamente, ao conflito, impedindo a
rediscussão da questão em ações individuais, por outro ângulo, porém, oferece o risco
de abranger/atingir pessoas ausentes do processo, que nunca estiveram lá diretamente,
senão representados por uma “‘porta-voz’ dos interesses do grupo” (GIDI, 2007, p.
100).
5 Naquela ocasião, coletivamente postulado através da class action.
18
Esse é o motivo pelo qual exige-se a “representação adequada” ou como
prescreve a melhor doutrina, adequada atuação (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p.
102-103), a fim de que os membros ausentes ao processo “possam ser vinculados pela
coisa julgada produzida na ação coletiva” (GIDI, 2007, 99), e assim seja dada a máxima
eficácia à tutela coletiva dos direitos individuais.
Em suma, se pudéssemos enaltecer alguns pontos aqui apresentados pelo
sistema americano de tutela coletiva de direitos individuais, certamente despontam os
seguintes: a flagrante preocupação com a atuação adequada do representante do grupo
ou classe, motivo pelo se lançou mão de outro fator importantíssimo que é justamente a
ampla divulgação e publicidade através de notificações6, tendo em vista a fiscalização
do representante do grupo pelos interessados ausentes ou dispersos na sociedade; diante
da ampla publicidade e notificação, a livre iniciativa daquele que queira ser excluído
dos efeitos da decisão (de procedência ou improcedência) da ação coletiva (regime opt
out); e por fim, a vinculação ao julgamento coletivo sobre terceiros, ou melhor, aqueles
que não intervieram no feito diretamente e não exerceram o right to opt out,
independentemente do resultado lhes ter sido favorável ou não (pro et contra) (GIDI,
2007).
A adequada representação, a ampla notificação e o direito de autoexclusão,
portanto, fazem parte da dinâmica das class actions for damages, no intuito de
promover a máxima legitimação da tutela coletiva, priorizando a resolução do conflito
através da ação coletiva e não de ações individuais múltiplas.
Nessa perspectiva, as class actions for damages evitam a proliferação de ações
repetitivas, tornando-se interessante a apresentá-las, ainda que sumariamente, nesse
ponto do estudo, em especial, se referindo às técnicas de representação adequada,
regime de auto-exclusão, promoção da notificação/divulgação acerca de sua existência e
vinculação ao julgado coletivo.
Apresentadas as características históricas e básicas das class actions for
damages, é necessário investigar, historicamente, como as ações coletivas no Brasil
enfrentaram a matéria da tutela coletiva de direitos individuais, em especial porque é
sabido por todos da influência das class actions sobre o sistema processual civil coletivo
brasileiro (GRINOVER, 2011, p.132).
6 Não a todos os indivíduos da massa afetada, mas daqueles que razoavelmente se espera ter conhecimento e que poderem ser identificados, após razoável esforço (GIDI, 2007, p. 217).
19
2.2 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NO BRASIL
No Brasil, a temática dos interesses coletivos foi introduzida e abordada de
forma pioneira pelo inestimável mestre José Carlos Barbosa Moreira (1988 apud
ARAÚJO FILHO, 2000, p. 49), aos idos de 1979, ao tratar da ação popular, aquela
época já regulamentada, e da tutela dos direitos difusos no direito brasileiro.
Os interesses difusos e coletivos foram objeto de várias produções legislativas,
como por exemplo, a própria Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/65), o revogado
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n.º 4.215/63), a Lei da Ação Civil
Pública (Lei n.º 7.347/85), Lei de Defesa da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 7.853/89),
Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), Lei de Improbidade
Administrativa (Lei n.º 8.428/92), Constituição Federal de 1988, Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), Lei Antitruste (Lei n.º 8.884/94), Estatuto da Cidade
(Lei n.º 10.257/2001), Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003), Estatuto do Torcedor
(Lei n.º 10.671/2003), Lei do Mandado de Segurança Individual e Coletivo (Lei n.º
12.016/2009).
Todos esses regramentos legais, com exceção da Lei de Mandado de
Segurança, do CDC e da Lei da Ação Popular, trouxeram a previsão da ação civil
pública para defesa do direito material difuso e coletivo, sem descurar dos individuais
homogêneos e individuais indisponíveis.
A Carta Magna de 1988, por seu turno, além de ampliar o campo de incidência
da Ação Popular (art. 5º, LXXIII, CRFB/88) (agora também em defesa do direito difuso
ao meio ambiente sadio), alçou a Ação Civil Pública ao status de Ação Constitucional,
verdadeiro instrumento processual de defesa ampla de “outros direito difusos e
coletivos”, que não o meio ambiente e o patrimônio público e social (art. 129, III, da
CRFB/88). Além disso, estipulou a legitimação sindicatos e associações para defesa de
direitos coletivos e individuais dos associados ou da categoria, judicial ou
extrajudicialmente (art. 5º, XXI e 8º, III, da CRFB/88).
Apesar da considerável gama de diplomas legais, fundamentalmente, o sistema
processual coletivo não tardou a girar em torno da Lei da Ação Civil Pública e o Código
de Defesa do Consumidor. Estes, em conjunto, perfazem o sistema processual civil
coletivo, o que a doutrina denomina de microssistema de processo coletivo
(DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 28 e ss.).
20
Voltando-se mais precisamente ao objeto do estudo, a tutela coletiva de direitos
individuais, no Brasil, se deu com a possibilidade de ação coletiva em defesa dos
direitos individuais homogêneos.
Esses, nominados dessa mesma forma (individuais homogêneos) somente
foram consagrados em 1990, com a edição do Código de Defesa do Consumidor.
Contudo, Grinover (2011, p.133) adverte que “a primeira class action for damages do
sistema brasileiro”, ou seja, a primeira ação coletiva em tutela de direitos individuais
homogêneos adveio de outra legislação: a Lei de Defesa dos Investidores de Mercado
de Valores Imobiliários (Lei n.º 7.913/89).
Almeida (2011, p. 63), assevera que esse diploma legal, já em 1989,
disciplinou a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores
no mercado de valores imobiliário. Dessa mesma forma, aponta Dinamarco (2001, p.
58) que criou-se uma exceção, possibilitando a utilização da ação civil pública para
defesa de direitos individuais homogêneos.
Essa constatação é confirmada também por Zavascki (2014). Este, ao tratar da
legitimidade do Ministério Público em face da Lei n.º 7.913/89, aduz que tratar-se “de
legitimação para atuar em busca de tutela preventiva e reparatória de direitos
individuais, divisíveis e disponíveis, decorrentes de origem comum, vale dizer, de
típicos direitos individuais homogêneos” (ZAVASCKI, 2014, p. 211).
Fica claro, então, que, para a corrente doutrinária majoritária, a defesa dos
direitos individuais homogêneos no Brasil, na verdade, foi antecipadamente prevista na
Lei de Defesa dos Investidores de Mercado de Valores Imobiliários (Lei n.º 7.913/89),
no final da década de 80 (NEVES, 2013, p. 24). O que fez o Código de Defesa do
Consumidor (Lei n.º 8.078/90) foi, apenas, expressamente denominá-los de direito
individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III7) (LEONEL, 2011, p. 117).
Seguindo entendimento diverso, Serrano Júnior (2011, p. 17 e ss.) descreve que
o primeiro mecanismo processual legislado no Brasil para a tutela coletiva de direitos
individuais homogêneos veio com a Lei n.º 1.134, de 1950, ainda hoje vigente, a qual
7 “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”
21
prevê a legitimidade às associações de classe para promover a tutela coletiva de direitos
individuais de seus associados.8
Aberta a divergência, nos filiamos ao entendimento majoritário de que a tutela
coletiva de direitos individuais homogêneos, realmente, somente veio com a Lei de
Defesa dos Investidores de Mercado Imobiliária.
A um, porque essa modalidade de tutela, na via coletiva de ações
representativas, não parece ter sido adotada pela Lei n.º 1.134/50, que mais parece ter
atribuído legitimidade para as associações de classe postulassem não direitos
individuais homogêneos, mas direito individuais puros de seus associados, e ainda não
necessariamente através de através de ação coletiva.
A dois, porque a doutrina que aponta tal diploma legal, para tratar da história
das ações coletivas, faz referência da sua importância para a defesa de interesses
coletivos ou metaindividuais, em sentido amplo, e não em relação aos direitos
individuais homogêneos em específico, como por exemplo, Dinamarco (2001, p. 36).
Seja como for, não parece de grande valia precisar exatamente a origem da
tutela de direitos individuais homogêneos, mas a conformação histórica dada pela
legislação processual.
Veja-se que seria possível até mesmo referir ao litisconsórcio facultativo, do
CPC vigente, como primeira sede de defesa desses direitos, estipulado já em 1973,
tomando como pressuposto doutrinário alguns entendimentos de que vêm os direitos
individuais homogêneos apenas como de direitos comuns ou afins, outrora processados
em litisconsórcio (ZAVASCKI, 2014, p. 35). Mas o que realmente importa é saber da
efetividade proporcionada pelo trato coletivo desses direitos.
Feitas estas considerações, segue-se os passos da história ao encontro do
Código de Processo Civil, de 1973. Este, como adiantado, trouxe o instituto do
litisconsórcio como veículo processual de cumulação de demandas (litisconsórcio ativo
facultativo – art. 46).
O instrumento, todavia, foi marcadamente proposto para um contexto social
diverso do atual modelo de sociedade massificada, e se mostrou bastante limitado para
oferecer a pacificação de macroconflitos ou de demandas repetitivas; sobretudo porque
8 “Art. 1º Às associações de classes existentes na data da publicação desta Lei, sem nenhum caráter político, fundadas nos têrmos do Código Civil e enquadradas nos dispositivos constitucionais, que congreguem funcionários ou empregados de emprêsas industriais da União, administradas ou não por ela, dos Estados, dos Municípios e de entidades autárquicas, de modo geral, é facultada a representação coletiva ou individual de seus associados, perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária.”
22
torna obrigatório o conhecimento e julgamento de todas as questões, de todas as ações
sobrepostas em conexão, e não somente as questões comuns como ocorre nas ações
coletivas modernamente (SERRANO JÚNIOR, 2011, p. 48).
O seu espectro de alcance subjetivo é bastante limitado, razão, aliás, pela qual
estabeleceu-se a possibilidade de limitação do número de litisconsortes (art. 46,
parágrafo único).
Além disso, o litisconsórcio, tal como previsto no CPC, objetiva, meramente, a
cumulação subjetiva de ações num mesmo processo, ou seja, há cognição integral,
apreciando todas as questões controvertidas, sejam elas coletivas ou individuais.
Portanto, distancia-se das ações coletivas que, por sua vez, somente resolvem a questão
em comum aos membros do grupo, não abordando situações individuais (técnica da
repartição da atividade cognitiva) (ZAVASCKI, 2014, p. 151-152).
Posteriormente, na década de 80, entra em vigor a Lei da Ação Civil Pública.
Como assevera Zavascki (2014), a ação civil pública foi “marco principal do intenso e
significativo movimento em busca de instrumentos processuais para a tutela dos
chamados direitos e interesses difusos e coletivos”. Todavia, pelo menos inicialmente,
não teve por objeto a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos
(DINAMARCO, 2001, p. 58).
Foi o Código de Defesa do Consumidor, em 1990, que possibilitou o
incremento da tutela coletiva de interesses individuais, pois além de distinguir e
conceituar (ainda que laconicamente) o que seriam direitos individuais homogêneos
(art. 81, III), reservou lhe inteiramente o Capítulo II, do Título III que tratou da Defesa
do Consumidor em Juízo, além de explicitar as suas nuances em relação aos efeitos da
coisa julgada9, litispendência, sistema de convivência perante as ações individuais (v.
arts. 103 e 104) e a liquidação e execução individualizada das vitimas ou sucessores
(art. 97 e ss.).
9 Tecnicamente, a expressão “efeitos da coisa julgada” padece de grande impropriedade. Os efeitos a que se remete o legislador são efeitos verdadeiramente da sentença e não da coisa julgada, que é apenas qualidade daquela (sentença). Concordamos, aqui, com os doutrinadores que não deixam passar despercebida tal equívoco do legislador, também repetido pelas propostas de codificação do processo coletivo no Brasil. Como bem assentou Macedo (2012, p. 218), “(...) os textos legislativos preexistentes e os constantes das propostas em debate no cenário jurídico nacional pecam, reiterada e teimosamente, por utilizarem-se da expressão ‘... a sentença fará coisa julgada...”, reproduzindo implicitamente o conceito do CPC de 1973, quando de há muito a doutrina nacional, especialmente a partir de Liebman, superou a tese de que a coisa julgada é efeito da sentença, para reconhecer que a estabilidade alcançada pela coisa julgada é qualidade que se agrega à sentença.”
23
O Código de Defesa do Consumidor, sem dúvidas, é a legislação brasileira
fundamental em se tratando de direitos individuais homogêneos. Para melhor apreciação
dessa importância, suas contribuições podem ser vislumbradas sob duas perspectivas: a
social e a jurídica. Primeiramente, a social.
A sociedade de massa em que vivemos é protagonizada pela globalização e
consequente “formalização de negócios jurídicos de massa” (MARQUES, 2007, p. 89).
A partir desse fenômeno de abrangência planetária, o influxo de relações comerciais e
sociais, firmadas diariamente e em curto espaço de tempo, propicia o estabelecimento
de relações jurídicas diversas, e as principais delas, objetivo político da globalização em
substancia, são relações comerciais, decorrentes da abertura social para um mercado
consumidor mundial.
Sociedade pós-industrial; incentivo incessante ao consumismo, produção e
prestação de serviços em escala; aumento do poder aquisitivo da população (AMARAL,
2012); várias pessoas usufruindo de um mesmo serviço ou bem, fornecidos, não raras
vezes, por pujantes corporações e empresas multinacionais, tudo isso, sem sombra de
dúvida, está a projetar a importância social da defesa do consumidor perante o Estado
(art. 5º, XXXII, CRFB/88) e diante da ordem econômica nacional, tal como previsto
pela Carta Política de 1988 (art. 170, V, da CRFB/88).10
Para que fique registrada a preocupação constitucional pelo direito do
consumidor, a época da promulgação da Carta Maior, em 1988, o art. 48 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, de pronto, incumbiu ao Congresso Nacional
da responsabilidade de elaboração do CDC.11
Daí a inarredável conclusão de que as lesões ou ameaças de lesões que se
propagam em larga escala, através da distribuição de produtos ou serviços
potencialmente noviços à saúde, por exemplo, a um sem número de pessoas, grupos e
10 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (...) Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor;” 11 “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”
24
coletividades, sugerem que fosse a legislação consumerista pioneira em dar vazão a esse
anseio social por defesa do consumidor numa perspectiva de macrolide, pois é certo que
um produto nocivo à saúde ou a divulgação de propaganda enganosa, na sociedade de
massa, não vem a lesionar ou ameaçar a esfera jurídica de só um indivíduo, mas, antes,
é de alcance negativo sobre a esfera jurídica dos efetivos consumidores ou mesmo de
consumidores em potencial.
Enfim, esses exemplos denotam que as relações de consumo dentro do
contexto da sociedade de massa favorecem ou são propícias a gerar situações de lesões
também em massa (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 35), o que, sem dúvida,
instigou o legislador brasileiro a repensar o papel do processo na sociedade
contemporânea e conceber, no CDC, instrumentos processuais alinhados com essa
realidade.
Por outro enfoque, juridicamente, o Código de Defesa do Consumidor
igualmente logrou êxito ao se integrar à Lei da Ação Civil Pública e formar o
microssistema de processo coletivo (art. 21, da LACP). Com esse mesmo dispositivo,
também possibilitou a defesa dos direitos individuais homogêneos através de Ação Civil
Pública (LEONEL, 2011, p.112).
Para finalizar a análise sobre a tutela coletiva de direitos individuais no Brasil,
foca-se nas disposições da Lei da Ação Civil Públicas e os entraves legais que
propiciam a multiplicação de ações individuais, em detrimento da tutela coletivizada.
A amplitude e poder político da Ação Civil Pública e do processo coletivo
como um todo foi alvo da atenta observação por parte do Poder Executivo. Ora, é
cediço, o Poder Público é o campeão de demandas, seja como parte ré como seja autora,
é o maior litigante do país, e, portanto extremamente interessado na regulação daquele,
então, novo instrumento de proteção de interesses e direitos coletivos e compartilhados
por enorme quantidade de cidadãos.
Como se seguiu, a LACP foi vitimada desmedidamente por meio de sucessivas
Medidas Provisórias ao passo em que o Poder Executivo vislumbrou da força social e
alcance coletivo da norma adjetiva, que não raras vezes põe o Poder Público como parte
ré.
Através da Medida Provisória n.º 2.180-35/2001, que incluiu o parágrafo único
ao art. 1º, da LACP, rechaçou-se a vontade do original do legislador de deduzir-se,
amplamente, qualquer tipo de matéria jurídica coletivamente, sem qualquer restrição
legal.
25
A partir de então, não poderia ser objeto de ação civil pública matéria relativa a
“tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço -
FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser
individualmente determinados” (art. 1º, parágrafo único, da LACP).
Não somente a doutrina processual especializada apontou o verdadeiro
atentado e clara inconstitucionalidade dessas investidas (ALMEIDA, 2003), como
também a doutrina das matérias jurídicas atingidas pela nefasta restrição. Com efeito,
Machado (2012), eminente tributarista brasileiro, expôs sua opinião entendendo pela
flagrante inconstitucionalidade do dispositivo.
A MPv nº 1.570-5, de 1997, posteriormente convertida na Lei n.º 9.494/97, por
sua vez, foi responsável por confinar a tutela coletiva aos limites da competência
territorial do órgão julgador (art. 16, da LACP) 12 . Igualmente, o entendimento
doutrinário majoritário é pela inconstitucionalidade do dispositivo (VENTURI, 2007, p.
426 e ss.).
A combinação dessas disposições, inseridas no ordenamento pelo expediente
das Medidas Provisórias, inibem a tutela coletiva de direitos individuais e favorecem a
lógica de multiplicação de demandas idênticas.
Não há como se negar que a matérias expressamente escoimadas do trato
coletivo molecular (art. 1º, parágrafo único, da LACP) têm aptidão de se projetar sobre
um sem número de cidadãos brasileiros; são matérias plenamente veiculáveis em
processos coletivos para reparação individualizada de danos ocasionados pela conduta
ilícita da Administração Pública, contudo, legalmente não autorizadas a serem
veiculadas em ação coletiva de direitos individuais.
A limitação é inconstitucional, pois não se afina com o princípio da “não-
taxatividade da ação coletiva” (ALMEIDA, 2003, p. 575), além de que praticamente
impõe a todos os lesados acionar o Estado-juiz individualmente, por consequência,
gerando perniciosa proliferação de ações repetitivas.
Por outro lado, a limitação territorial que se impôs à tutela coletiva favoreceu a
propositura de demandas repetitivas, individuais ou mesmo coletivas. A lógica é de
12 “Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)”
26
atingir a força política das ações coletivas, e retroceder aos tempos de litigiosidade
tipicamente individualizada e atomizada (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 211).
Tome-se, como exemplo, que em caso de dano regional, seriam necessárias
tantas ações coletivas quanto o número de estados-membros envolvidos; sem contar
com as ações individuais que poderiam se intentadas livremente, de acordo com o
microssistema processual coletivo. Tudo agravado, ainda mais, pela possibilidade de
serem proferidas decisões antagônicas (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 149).
Esse escorço histórico, que se aporta até os dias de hoje, é apenas uma pequena
demonstração dos contornos que os direitos individuais homogêneos assumiram e
assumem na sociedade contemporânea, e seu escopo de proporcionar o trato coletivo de
demandas que, não fossem por esta via, restariam fadadas ao tratamento individualizado
e repetitivo nos Tribunais.
Não deixe de se atentar para que o desenvolvimento histórico traçado nessa
primeira abordagem se projetou à análise mais detida sobre os interesses individuais
homogêneos tutelados através de ações coletivas representativas (class action for
damages, ação civil pública ou, como preferem alguns, ação civil coletiva), mas para
melhor apreciação, até em termos didáticos, serão abordados os demais direitos ou
interesses tuteláveis via processo coletivo, a saber, os direitos difusos e os coletivos lato
sensu, pois formam, em conjunto com aquele primeiro, o objeto do processo coletivo,
partindo-se, em seguida, para análise específica dos direitos individuais homogêneos e
seus elementos.
2.3 OBJETO DO PROCESSO COLETIVO
O processo coletivo brasileiro tem por objeto três espécies de direitos, a saber,
os direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito e os direitos individuais
homogêneos.
Primeiramente, cumpre deixar claro que a divisão em três subespécies de
direitos ou interesses tuteláveis através do processo coletivo, baseada que é na
disposição de três incisos, do art. 81, parágrafo único, do CDC, não consigna a melhor
aproximação teórica para enfrentamento da matéria.
A conceituação de direitos coletivos, num primeiro momento, antes de
remetermos a uma análise normativa do tema, merece uma visão mais panorâmica de
tratamento e estudo.
27
De fato, o que interessa, desde já, é sistematizar a apresentação dos direitos
coletivos latu senso como gênero, verdadeiro eixo do qual se originam, de um lado os
direitos essencialmente ou ontologicamente coletivos, os também denominados
supraindividuais ou metaindividuais, que são os direitos difusos e os direitos coletivos
em sentido estrito; e de outro lado os direitos acidentalmente coletivos ou direitos
individuais homogêneos (ZAVASCKI, 2014).
Não é por outra razão que o louvável doutrinador Zavascki (2014) deixou
claramente firmada essa divisão conceitual já no título de sua obra “Processo Coletivo:
Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos”, indicando nesta a forma de
proteção jurídica processual dos direitos individuais homogêneos e naquela, dos direitos
difusos e coletivos stricto sensu.
Antes de adentrar ao tema em específico, faz-se a advertência de que, como se
revela mais afeto aos objetivos desse trabalho tratar dos direitos individuais
homogêneos ou acidentalmente coletivos, aqueles outros (difuso e coletivo em sentido
estrito), de inegável significação social e científica, não serão abordados como o mesmo
grau de profundidade, o que não importa dizer que serão apresentados de maneira
desinteressada, longe disso, os seus elementos fundamentais e caracterizadores serão
satisfatoriamente explicitados, até mesmo porque imprescindíveis para a diferenciação
entre uns e outros.
Tecidas essas breves considerações iniciais, passa-se a para a abordagem
individualizada das espécies de direitos coletivos lato sensu.
2.3.1 Direitos metaindividuais: os direitos difusos e os direitos coletivos em sentido estrito. Tutela de direitos coletivos
Os direitos metaindividuais são os direitos difusos e direitos coletivos em
sentido estrito, também denominados direitos essencialmente coletivos, para se utilizar
a feliz expressão de José Carlos Barbosa Moreira (1984 apud DIDIER JR.; ZANETI
JR., 2013, p. 77).
Possuem marcantes traços distintivos, a saber, a titularidade indeterminada ou
indeterminável, a indivisibilidade ou incindibilidade e a natureza jurídica dos direitos.
Essas peculiaridades distanciam os direitos supraindividuais / metaindividuais
dos chamados direitos individuais homogêneos, pois estes possuem titularidade
28
individual; são direito divisíveis; e sua natureza não se distancia da tradicionalmente
referenciada nos direitos subjetivos individuais.
Primeiramente, no tocante aos direitos difusos há o que Zavascki (2014, p. 36)
denomina de “absoluta indeterminação dos titulares”. Veja-se que a titularidade do
direito ao ar puro, preservação das espécies, por exemplo, é de uma coletividade não
determinável de pessoas.
Ainda que a lesão se dê em prejuízo de um ecossistema aquático e interfira
diretamente apenas o cotidiano de comunidades ribeirinhas, ainda assim, o interesse na
recomposição, recuperação e responsabilização pelo impacto ambiental é de toda a
coletividade humana, expressando a máxima da solidariedade que é inerente ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto direito fundamental de terceira geração.
(BULOS, 2011). Mesmo que se afirme ter o dano ambiental afetado somente
coletividade de uma determinada cidade, estado federado ou região do país, ainda
assim, permanece o traço da absoluta indeterminação de seus titulares
(transindividualidade).
A titularidade transindividual ou indeterminada é, portanto, a característica
fundamental dos direitos coletivos classificados como difusos.
Ademais, como dispõe o Código de Defesa do Consumidor, além de
transindividuais, os direitos difusos são aqueles de “natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, parágrafo
único, I).
A natureza indivisível está diretamente relacionada à ideia da titularidade
indeterminada e compartilhada pela sociedade, pois quando se fala em indivisibilidade
que dizer que não se concebe a apropriação individual do direito tido como difuso.
Isso pode ser facilmente vislumbrado ao se tomar como exemplo o
tradicionalmente referenciado direito difuso ao meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado, pois, como ensina Leonel (2011, p. 91), em se tratando de direitos difusos,
o “objeto de seu interesse é indivisível, pois não se pode repartir o proveito, e tampouco
o prejuízo, visto que a lesão atinge a todos indiscriminadamente, assim como a
preservação a todos aproveita”.
Prossegue o doutrinador, para assentar que, a indivisibilidade significa dizer
que “a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos, assim como a lesão
de um só implica a lesão à inteira coletividade” (LEONEL, 2011, p. 92).
29
Por fim, resta anotar que em relação os interesses difusos, as pessoas vitimadas
pela lesão são unidas em função do que o art. 81, parágrafo único, I, do CDC, diz ser
“circunstância de fato”, como, por exemplo, “o fato de residirem em determinado local
ou região.” A relação de titularidade, como se percebe, é firmada por um vínculo
bastante fluido e mutável, pois meramente fático (LEONEL, 2011, p. 91).
Não há entre eles qualquer vínculo jurídico anterior ao evento danoso (não há
relação jurídica base), e lhe é ausente certo grau de organicidade (LEONEL, 2011, p.
92), justamente o que, somado ao critério da titularidade absolutamente indeterminada,
os aparta da outra subespécie de direito coletivo, os direitos coletivos em sentido estrito.
A intensa litigiosidade (LEONEL, 2011, p. 95) também figura como
característica dos direitos difusos, a medida de que é do interesse de todos
indeterminadamente, está disponível a todos em igual. Por vezes a sua exploração
econômica não pode parecer mais acertada se vistas por outros olhos, adentrando a uma
órbita de disputa de interesses sociais, econômicos e políticos.
Citando alguns exemplos de direitos difusos, Serrano Júnior (2011, p. 33)
elenca: (...) o direito ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, à proteção dos espaços naturais e da paisagem, à preservação das espécies animais e vegetais, à manutenção do equilíbrio biológico contra todas as causas de degradação, o direito a respirar ar puro, a beber água potável, à conservação do patrimônio histórico e cultural, o direito à saúde pública, o direito à segurança pública, o direito ao cumprimento do direito social da cidade, o direito de todos os consumidores de não serem atingidos por propaganda enganosa e abusiva, o direito à gestão proba do erário, entre outros exemplos.
Por seu turno, os direitos coletivos stricto sensu são bastante parecidos com os
difusos, guardando poucas diferenças, dentre as quais desponta a questão da
titularidade, que aqui é indeterminada, mas determinável, cingida a um grupo, categoria
ou classe de pessoas relacionadas por uma relação jurídica-base.
Mesmo assim, são transindividuais e guarnecem a característica da
indivisibilidade (sua satisfação, lesão ou ameaça de lesão se opera de forma unânime
entre seus possíveis titulares) (ZAVASCKI, 2014, p. 33-34).
O CDC dispõe que são direitos coletivos em sentido estrito “os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base" (art. 81,
parágrafo único, II).
30
A titularidade dos direitos coletivos em sentido estrito se caracteriza pela
(in)determinação relativa de seus titulares. Esse grau de relatividade quer significar que,
dentre todos os cidadãos que compartilham a vida em sociedade, alguns deles,
vinculados por uma dada “relação jurídica base”, se distinguem dos demais, podendo
ser distinguidos enquanto grupo, categoria ou classe. A titularidade, novamente, não é
individual, contudo é restrita ao grupo, categoria ou classe respectiva (ZAVASCKI,
2014, p. 36).
Seriam eles determináveis, partindo do vínculo jurídico que lhes formam a
base, contudo a satisfação ou lesão do direito que lhes é comum só pode ocorrer
afetando a todos por igual (LEONEL, 2011, p. 96) (nota de indivisibilidade, semelhante
aos direitos difusos).
Além da determinação relativa dos titulares, outra peculiaridade distingue os
direitos coletivos em sentido estrito dos direitos difusos: a relação jurídica básica
presente naqueles (art. 81, parágrafo único, II, CDC).
Como leciona Neves (2013, p. 118), essa relação jurídica base pode se
apresentar sob duas formas: ou “entre os próprios sujeitos que compõe o grupo, classe
ou categoria” ou então “desses sujeitos com um sujeito comum que viole ou ameace de
violação o direito da comunidade”.
Há relação jurídica base entre os membros, por exemplo, no caso de um
sindicato de uma categoria de trabalhadores defendendo a manutenção de jornada de
trabalho favorável, advogados inscritos na OAB pretendendo a que não sejam adotadas
restrições ilegais ao acesso aos autos em dias e horários predeterminados (LEONEL,
2011, p. 96-97).
Já no caso de relação jurídica base com a parte contrária, contribuintes de certo
imposto tido por ilegal e ligados ao ente tributante (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p.
78-79), alunos de determinada rede de ensino pleiteando a manutenção da grade
curricular (LEONEL, 2011, p. 97), empregados que exigem melhores condições de
segurança e meio ambiente de trabalho em abatedouros.
As notas identificadoras dos direitos coletivos em sentido estrito são:
(...) mínimo de organização, a fim de que tenham a coesão e a identificação necessárias; a afetação destes interesses a grupos determinados ou determináveis, que são os seus portadores (ente esponenzialli); vínculo jurídico básico, comum a todos os integrantes do grupo, que lhes confere situação jurídica diferenciada (LEONEL, 2011, p. 99)
31
Apresentadas as características principais dos direitos metaindividuais, passa-
se ao exame da terceira modalidade de direito que podem ser tutelados através de ações
coletivas no direito brasileiro, os direitos individuais homogêneos.
2.3.2 Direitos individuais homogêneos. Tutela coletiva de direitos
Essa espécie de direitos coletivos é, sem dúvidas, a maior fonte de discussões
doutrinariamente e socialmente relevantes dentro da tutela coletiva. De pronto, importa
destacar que o legislador brasileiro traçou uma modalidade de direito, inspirado
claramente nas class actions of damages, do direito norte-americano (GRINOVER,
2011, p. 77 e 136).
Como dizem alguns doutrinadores, não se tratou propriamente de criar uma
nova modalidade de direito, eis que são simplesmente direitos subjetivos individuais,
recebendo um novo “rótulo”, como entende Torres (2013).
Em verdade, acredita-se que mais que um novo “rótulo”, os direitos individuais
homogêneos mantiveram as suas condições de direitos subjetivos individuais
(ZAVASCKI, 2014, p. 35) e receberam, antes de tudo, uma nova maneira de serem
postulados em juízo, sem as inconveniências do litisconsórcio multitudinário; revelam
uma nova modalidade de tutela, esta sim a verdadeira novidade; exatamente como
preconizada por Zavascki (2014), uma tutela coletiva de direitos.
É dizer, um tratamento “molecularizado” (WATANABE, 1992 apud DIDIER
JR.; ZANETI JR., 2013, p. 34-35), pois a estes direitos é dado um trato processualmente
coletivo, diante de que derivam de um mesmo fundamento ou que tem relação de
afinidade, alicerçadas numa origem comum (TORRES, 2013).
Rodrigues (2012, p. 384) aponta que José Carlos Barbosa Moreira foi o jurista
que, além de pioneiramente expressar que tais direitos são “acidentalmente coletivos”,
cunhou também a expressão “individuais homogêneos”, exatamente ao se debruçar
sobre as class actions for damages.
E a constatação é importante. Ao referir-se “acidentalmente coletivos” ou
“individuais homogêneos”, a doutrina francamente majoritária no tema sugere que tal
espécie de direito não são “originalmente coletivos” 13, mas em virtude de se originarem
13 Registre-se, contudo, entendimento doutrinário minoritário, que reconhece os direitos individuais homogêneos como direitos coletivos, propriamente falando, mas com uma nota diferenciadora. Seriam
32
de uma questão de fato ou de direito comum a uma enorme quantidade de indivíduos, se
tonam passíveis de tutela numa forma coletiva, por uma questão de política legislativa
(LEONEL, 2011, p. 98).
Ao tratar de direito individuais homogêneos, deve-se primeiramente, se
debruçar sobre dois principais pontos que os diferenciam dos direitos metaindividuais,
anteriormente analisados: a) sua titularidade e b) divisibilidade.
A primeira característica que aqui merece ser realçada é a questão da
titularidade, pois esta é diferente nos direitos ontologicamente coletivos. A titularidade
dos direitos individuais homogêneos é determinada, em outros termos, claramente
determinável, permitindo a perfeita identificação dos sujeitos, dos grupos, categorias ou
classes que compartilham prejuízos divisíveis e de origem comum (LEONEL, 2011, p.
98).14
Seguindo as diferenças, os direitos individuais homogêneos são direitos
divisíveis, é dizer, podem ser lesionados ou exercidos de maneira diferenciada e
individualizada, não havendo se falar de lesão a implicar uma lesão ao todo ou em
benefício concedido a um a beneficiar a todos, como sói ocorrer nos direitos difusos e
coletivos em sentido estrito.
Essa natureza divisível dos direitos individuais homogêneos se revela no
momento da liquidação e execução individual da condenação genérica, consoante os art.
95 e 97, do CDC, oportunidade em que, de acordo com as peculiaridades que
envolveram a lesão de cada titular do direito individual, as vítimas ou seus sucessores
reclamam o pagamento recompensatório a que fazem jus pelos danos pessoais sofridos.
São, ainda, transmissíveis, suscetíveis de renúncia e transação, pois fazem parte
do patrimônio individual de seu titular (ZAVASCKI, 2014, p. 36-37).
Como se pode perceber, os direitos individuais homogêneos são aqueles
direitos tipicamente individuais, contudo processualmente postulados em conjunto, por
decorrerem de fatos ou direitos semelhantes; são direitos individuais coletivizados para
fins de tutela, por razões de economia processual e afinidade; são, portanto, direitos
inicialmente dispostos à postulação em ações individuais, mas que por uma questão de
política judiciária ou economia processual podem ser postulados em conjunto em uma
esses direitos, para estes doutrinadores, “indivisíveis para fins de tutela, mas individualizáveis em sede de execução ou cumprimento” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 84-86). 14 Contra, não entendendo correta a atribuição da titularidade de direitos individuais homogêneos a grupos, categorias ou classes, Elton Venturi (2007, p. 67).
33
ação coletiva, e nesse sentido, desestimulando a proliferação de demandas repetitivas -
por conjugar, numa só ação, a lide comum a vários indivíduos determinados
(titularidade) e capaz de beneficiar a todos, em sua respectiva proporção, em caso de
procedência (divisibilidade).
Por esse motivo, é que o processo coletivo em defesa dos direitos individuais
homogêneos é de suma importância para o presente estudo, na medida em que se propõe
“resolver molecularmente as causas denominadas de repetitivas” e reduzir o número de
processos individualmente submetidos ao Poder Judiciário (MENDES, 2012, p. 221).
Sendo assim, cumpre investigar mais detidamente algumas características dos
direitos individuais homogêneos, a saber, a necessidade da “origem comum” e
repercussão social ou coletiva, além de diferenciá-los dos direitos individuais
indisponíveis.
2.3.2.1 A origem comum
Destacados os pontos propedêuticos de consubstanciação dos direitos
individuais homogêneos, cabe investigar o que se concebe por origem comum, ou seja,
as “situações de fato e de direito equivalentes” (DONIZETTI; CERQUEIRA, p. 50),
que os particularizam no universo do processo coletivo.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece que são: "interesses ou direitos
individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum"(art. 81,
parágrafo único, III).
A lacunosa definição legal impulsiona interpretações mil que se podem fazer
do conceito de “origem comum”. Então, cabe inicialmente precisar o que pretendeu o
legislador consumerista a indicar tal requisito.
Os direitos individuais homogêneos têm entre si gênese ou precedência comum
decorrente, em geral, de “conduta comissiva ou omissiva da parte contrária”, ou seja,
são direitos “nascidos em consequência da própria lesão, ou mais raramente, ameaça de
lesão” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 80-81).
A origem comum, segundo Grinover (2011, p. 76), poderá ser relativa a
questão de fato ou de direito, todavia não exige uma “unidade factual ou temporal”.
Portanto, não importa que derivem de um só fato ocorrido num só momento, pois o que
é realmente necessário verificar é se são “situações equivalentes no plano jurídico, ainda
34
que concretizadas de modo distinto e/ou em ocasiões diversas” (DONIZETTI;
CERQUEIRA, 2010, p. 50).
O exemplo sempre lembrado pela doutrina sobre publicidade enganosa lança
luzes sobre a “origem comum”. Com efeito, não importa que seja os consumidores
atingidos em horários ou dias diferentes, ou que seja que tenham visto na internet ou em
jornal impresso, pois ainda assim há origem comum dos direitos e poderão ser tratados
coletivamente, em homenagem à “eficácia, conveniência e segurança jurídica”
(DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 49 e 51).
Mas, parte da doutrina tem exigido outros requisitos, ainda que de lege
ferenda, para que seja admitida certa situação jurídica coletiva como tutelável pela via
dos direitos individuais homogêneos, não bastando a sua origem comum.
Mancuso (2012, p. 88), com pertinente adendo, faz a constatação que não basta
o referencial de direitos “decorrentes de origem comum”.
Este critério se mostra insuficiente, segue dizendo o doutrinador, uma vez que
“o litisconsórcio facultativo (jurisdição singular) também poderia derivar de um
‘mesmo fundamento de fato e de direito’, ou de questões afins ‘por um ponto comum de
fato e de direito’” como prescrevem os incisos II e IV do art. 46 do CPC.
Continua o jurista para elencar como “quesitos adicionais: a predominância da
dimensão coletiva sobre a individual, aliada à superioridade, em termos de eficácia, da
tutela coletiva sobre o individual” (MANCUSO, 2012, p. 88) (grifos do original).
Esses critérios postos por Mancuso (2012) são exatamente alguns dos
requisitos de admissibilidade das class action for damages, a saber, a) prevalência das
questões de direito e fato comuns sobre as questões de direito ou de fato individuais e b)
superioridade da tutela coletiva sobre a individual, em termos de justiça e eficácia da
sentença, ambos presentes na Regra nº 23, (b)(3), das Federal Rules de 1966, como
apontado por Grinover (2011, p. 128).
A prevalência remete a uma análise do requisito da homogeneidade, que não se
fazendo presente, impede a admissão da tutela coletiva. Segundo aduz Grinover (2011,
p. 133-134), essa condição de admissibilidade das class actions é também presente no
direito brasileiro.“Prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos
individuais seriam heterogêneos e o pedido de tutela coletiva se tornaria juridicamente
impossível.”
A prevalência, então, quer significar a existência de situações homogêneas que,
de fato, não fiquem acobertadas ou sombreadas pelas peculiaridades das situações
35
jurídicas cada titular. Enfim, que o núcleo de homogeneidade, como descrito por
Zavascki (2014, p.146), seja preponderante sobre a margem de heterogeneidade.15
A superioridade, por outro lado, evidencia-se quando a efetividade da tutela
dos direitos homogêneos fica ou não comprometida pela complexidade na fase de
liquidação e execução individual do julgado coletivo, pelos titulares individualmente
considerados.
Nessa fase de liquidação e execução, como é cediço, as vítimas ou sucessores
se habilitam para comprovar em juízo o dano pessoal experimentado e nexo de
causalidade entre este e aquele reconhecido na sentença genérica (arts. 95 e 97, do
CDC).
Ocorre que, consoante aquele entendimento, se a prova do nexo causal for de
tal modo tão complexa que além de inutilizar a sentença genérica, seria mais facilmente
demonstrada numa ação ordinária e individualmente proposta, não estará presente a
superioridade, desaconselhando a tutela coletiva.
Como bem descreve a processualista paulista, se de uma ação civil pública em
defesa dos direitos individuais homogêneos sobrevier uma decisão judicial não tão útil
ou eficaz daquela “que derivaria de ações individuais, a ação coletiva não se
demonstraria útil à tutela dos referidos interesses” (GRINOVER, 2011, p. 134).
Assim, em suma, para essa corrente doutrinária, que encampa entendimento
majoritário, não basta a verificação da origem comum para se abrir a possibilidade de
promover ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, pois, para tanto,
é necessária a satisfação de dois outros requisitos, quais sejam, o da prevalência e o da
superioridade, por nítida influência do direito norte americano que impôs exatamente
essas duas condições para que fosse admitida a chamada a class action for damages.
Dissentindo desse posicionamento majoritário, Donizetti e Cerqueira (2010, p.
52 e ss) não concordam com a transposição desses requisitos de prevalência e
superioridade, importados do direito americano e relativos ao cabimento das class
actions for damages - Rule 23 (b).
Aduzem, os doutrinadores, que o legislador infraconstitucional brasileiro, ao
conceber o conceito dos direitos individuais homogêneos, afirmou bastar a origem
comum do evento danoso como requisito de sua consubstanciação, “não fazendo
qualquer ressalva quanto ao grau de homogeneidade”. No mesmo sentido, Venturi
15 Aproximação teórica que julgamos facilitar a compreensão.
36
(2007, p. 74-75), entende pela suficiência do requisito da origem comum, desde que
haja “conexão quanto à causa de pedir próxima ou remota”.
Além disso, a alegada inefetividade da tutela coletiva diante de suposta
complexidade na fase de comprovação do dano pessoal e nexo de causalidade (critério
da superioridade), embora presente, não reduzem a importância e utilidade da sentença
genérica ao reconhecer a responsabilidade do agente que deu causa ao dano
experimentado pela massa de indivíduos (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010).
Para corroborar com o seu posicionamento, estes últimos doutrinadores trazem
à baila o precedente do Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 866.636/SP, no qual foi
confirmada a responsabilidade civil do fornecedor (laboratório de medicamentos
Schering) pela comercialização das chamadas “pílulas de farinha”, anticoncepcionais
sem o princípio ativo e que, consequentemente, não afastavam a possibilidade de
gravidez indesejada, frustrando o planejamento familiar de um grande número de
consumidoras.16
16 “CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO PROCON E PELO ESTADO DE SÃO PAULO. ANTICONCEPCIONAL MICROVLAR. ACONTECIMENTOS QUE SE NOTABILIZARAM COMO O 'CASO DAS PÍLULAS DE FARINHA'. CARTELAS DE COMPRIMIDOS SEM PRINCÍPIO ATIVO, UTILIZADAS PARA TESTE DE MAQUINÁRIO, QUE ACABARAM ATINGINDO CONSUMIDORAS E NÃO IMPEDIRAM A GRAVIDEZ INDESEJADA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO GENÉRICA, PERMITINDO FUTURA LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL POR PARTE DAS CONSUMIDORAS LESADAS. DISCUSSÃO VINCULADA À NECESSIDADE DE RESPEITO À SEGURANÇA DO CONSUMIDOR, AO DIREITO DE INFORMAÇÃO E À COMPENSAÇÃO PELOS DANOS MORAIS SOFRIDOS. - Nos termos de precedentes, associações possuem legitimidade ativa para propositura de ação relativa a direitos individuais homogêneos. - Como o mesmo fato pode ensejar ofensa tanto a direitos difusos, quanto a coletivos e individuais, dependendo apenas da ótica com que se examina a questão, não há qualquer estranheza em se ter uma ação civil pública concomitante com ações individuais, quando perfeitamente delimitadas as matérias cognitivas em cada hipótese. - A ação civil pública demanda atividade probatória congruente com a discussão que ela veicula; na presente hipótese, analisou-se a colocação ou não das consumidoras em risco e responsabilidade decorrente do desrespeito ao dever de informação. - Quanto às circunstâncias que envolvem a hipótese, o TJ/SP entendeu que não houve descarte eficaz do produto-teste, de forma que a empresa permitiu, de algum modo, que tais pílulas atingissem as consumidoras. Quanto a esse 'modo', verificou-se que a empresa não mantinha o mínimo controle sobre pelo menos quatro aspectos essenciais de sua atividade produtiva, quais sejam: a) sobre os funcionários, pois a estes era permitido entrar e sair da fábrica com o que bem entendessem; b) sobre o setor de descarga de produtos usados e/ou inservíveis, pois há depoimentos no sentido de que era possível encontrar medicamentos no 'lixão' da empresa; c) sobre o transporte dos resíduos; e d) sobre a incineração dos resíduos. E isso acontecia no mesmo instante em que a empresa se dedicava a manufaturar produto com potencialidade extremamente lesiva aos consumidores. - Em nada socorre a empresa, assim, a alegação de que, até hoje, não foi possível verificar exatamente de que forma as pílulas-teste chegaram às mãos das consumidoras. O panorama fático adotado pelo acórdão recorrido mostra que tal demonstração talvez seja mesmo impossível, porque eram tantos e tão graves os erros e descuidos na linha de produção e descarte de medicamentos, que não seria hipótese infundada afirmar-se que os placebos atingiram as consumidoras de diversas formas ao mesmo tempo.
37
Anotam Donizetti e Cerqueira (2010) a importância do precedente para os
demandantes individuais, até mesmo diante da dificuldade da comprovação da postura
da empresa (disponibilização do produto viciado no mercado de consumo), caminho
tortuoso que fatalmente seria trilhado em cada ação individualmente proposta, não fosse
a condenação genérica assentada por aquela Corte Superior, bastando-se na exigência da
origem comum do dano.
Concorda-se com esse posicionamento, pois o atendimento aos critérios da
prevalência ou superioridade, como no caso, pode-se mostrar bastante discutível, e em
última análise, manter indesejável desequilíbrio processual entre os demandantes
individuais e a empresa ré, na condição de litigantes eventuais e habitual
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 25-26), respectivamente, situação atenuada com a
propositura e procedência da ação coletiva em comento.
Comunga-se desse posicionamento, data máxima vênia, divergindo da
eminente professora Grinover (2011), pois exatamente em situações como a que foi
descrita no supracitado precedente, fica evidente que é evitada a fragmentação da tutela
coletiva em múltiplas demandas individuais e dota-se o julgamento de procedência de
um “peso político” convergente para a necessidade da tutela coletiva em casos desse
jaez, típicos da sociedade de massa e, sobretudo, de risco, como diria o sociólogo
alemão Beck (2010).
- A responsabilidade da fornecedora não está condicionada à introdução consciente e voluntária do produto lesivo no mercado consumidor. Tal idéia fomentaria uma terrível discrepância entre o nível dos riscos assumidos pela empresa em sua atividade comercial e o padrão de cuidados que a fornecedora deve ser obrigada a manter. Na hipótese, o objeto da lide é delimitar a responsabilidade da empresa quanto à falta de cuidados eficazes para garantir que, uma vez tendo produzido manufatura perigosa, tal produto fosse afastado das consumidoras. - A alegada culpa exclusiva dos farmacêuticos na comercialização dos placebos parte de premissa fática que é inadmissível e que, de qualquer modo, não teria o alcance desejado no sentido de excluir totalmente a responsabilidade do fornecedor. - A empresa fornecedora descumpre o dever de informação quando deixa de divulgar, imediatamente, notícia sobre riscos envolvendo seu produto, em face de juízo de valor a respeito da conveniência, para sua própria imagem, da divulgação ou não do problema, Ocorreu, no caso, uma curiosa inversão da relação entre interesses das consumidoras e interesses da fornecedora: esta alega ser lícito causar danos por falta, ou seja, permitir que as consumidoras sejam lesionadas na hipótese de existir uma pretensa dúvida sobre um risco real que posteriormente se concretiza, e não ser lícito agir por excesso, ou seja, tomar medidas de precaução ao primeiro sinal de risco. - O dever de compensar danos morais, na hipótese, não fica afastado com a alegação de que a gravidez resultante da ineficácia do anticoncepcional trouxe, necessariamente, sentimentos positivos pelo surgimento de uma nova vida, porque o objeto dos autos não é discutir o dom da maternidade. Ao contrário, o produto em questão é um anticoncepcional, cuja única utilidade é a de evitar uma gravidez. A mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos, e a falha do remédio, ao frustrar a opção da mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais, em liquidação posterior. Recurso especial não conhecido. (REsp 866636/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/11/2007, DJ 06/12/2007, p. 312)
38
É necessário registrar, nada obstante, que a própria processualista paulista
atenta dizer que o critério da superioridade - o qual leva em consideração a
complexidade a ser enfrentada na liquidação e execução individual - nem sempre se
mostra oportuno, pois, segundo a mesma, ainda que essa complexidade se faça mais
presente em ações coletivas por danos pessoalmente sofridos (class actions for
damages), em algumas delas, a prova desse nexo causal pode se revelar simples
(GRINOVER, 2011, p. 133).
Interessante anotar, por fim, que os requisitos da prevalência e da superioridade
do direito norte americano foram referenciados por alguns doutrinadores brasileiros,
antes de tudo, porque aqui há de se estar presente a dita “origem comum”, especificada
no art. 81, parágrafo único, inciso III, do CDC, em paralelo ao que o direito norte
americano se tem por common questions, ventiladas nas class actions for damages.
Todavia, mesmo não aderindo ao posicionamento favorável à utilização dos
critérios da prevalência e superioridade, é de se concordar que são interessantes as
lições do direito norte americano sobre as common questions, facilitando a compreensão
do requisito semelhante que é a origem comum, do direito processual coletivo
brasileiro.
Assim como se apresenta em face das class actions, a questão comum não
necessariamente quer implicar exatamente que as mesmas situações individuais sejam
compartilhadas por todo o grupo. Não se trata disso. Na verdade, deve haver, mesmo
em meio à diversidade de situações, um núcleo comum envolvendo a controvérsia, e
assim, pois, é “esse núcleo que constitui a questão comum a ser julgada na sentença
coletiva” (GIDI, 2007, p. 84).
Não exige-se a lesão ou a conduta ilícita exatamente igual a atingir a todos os
membros do grupo, satisfazendo-se com condutas, embora diferentes, semelhantes, a
figurar um núcleo comum na conduta da parte ré (GIDI, 2007, p. 84-85).
Ademais, essas “questões comuns”, lá, e cá a “origem comum”, traçam uma
mesma linha de se pretender ver comungadas, entre os membros da coletividade
vitimada, questões de fato ou de direito que oportunizam o julgamento em conjunto,
através de ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos.
Contudo, há de se ter cautela com a comum confusão entre origem comum e
homogeneidade. Origem comum e homogeneidade são características distintas, ou que
querem designar requisitos distintos (GRINOVER, 2011, p. 76). De maneira didática,
para a corrente doutrinária que não vê como suficiente a verificação da “origem
39
comum”, poderíamos dizer que a homogeneidade é a característica que qualifica a
origem comum e lhe possibilita a tutela jurídica coletiva.
Por fim, não poderia deixar de fazer alusão aos direitos individuais puros. Estes
não são tuteláveis pelo microssistema processual coletivo e diferenciam-se dos direitos
individuais homogêneos, pois não carregam a marca da homogeneidade e da origem
comum (ALMEIDA, 2003, p. 495), ainda que compartilhem da natureza de direitos
subjetivos individuais. Somente os direitos individuais homogêneos comportam a tutela
pela via coletiva, restando aos individuais puros o processamento seguindo os ditames
do Código de Processo Civil.
Portanto, até onde se viu, como requisitos básicos para a configuração dos
direitos individuais homogêneos, merece ser investigada a origem comum dos direitos
individuais, e a depender da corrente doutrinária adotada, analisar também o
atendimento aos critérios de superioridade e prevalência. Estando satisfeitos esses
pressupostos, abre-se a via da tutela coletivizada de direitos individuais prevenindo a
multiplicação de demandas seriais.
Contudo, a jurisprudência do STJ, não satisfeita com esses requisitos legais,
tem exigido a repercussão social ou coletiva para permitir a propositura da ação coletiva
sobre uma dada matéria. É o tema que se verá a seguir.
2.3.2.2 Repercussão social ou coletiva
Como adiantado, para a configuração do direito individual homogêneo, o
Superior Tribunal de Justiça tem exigido a existência de repercussão social da ação
coletiva, que se expressa muitas vezes quando a resolução do conflito interessa a um
número expressivo de pessoas. Esse entendimento tem sido acolhido pela doutrina
(NEVES, 2013). Novamente, não se contenta com a disposição lacônica da existência
“origem comum”.
Neves (2013, p. 121-122) demonstra-se inquietante preocupação com a
consideração de que não se deve tutelar coletivamente a simples “soma de direitos
individuais, ainda que de origem comum ou homogêneos.” Segue dizendo que “para
justificar a tutela coletiva deve a violação do direito ter repercussão coletiva, atingindo
um número razoável de indivíduos”.
Nesse mesmo sentido, o jurista expõe que tal entendimento obteve acolhida no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Informativo 491/STJ), o que parece ser um
40
caminho razoável a ser perseguido, até mesmo porque guarda sintonia com pressuposto
estipulado para as class actions - conhecida inspiração da doutrina brasileira para a
confecção da tutela coletiva de direitos - previsto na Rule 23(a)(1), a saber, a “existência
de grupo tão numeroso que impossibilite a formação do litisconsórcio”.
Ora, ao momento em que uma mesma controvérsia comum interessa a uma
expressiva quantidade de indivíduos e a estes não é possibilitada a propositura de ação
com formação de litisconsórcio (fatalmente multitudinário) ou intervenção de todos
num só processo, revela-se mais razoável a propositura de ação coletiva para
enfrentamento da questão ou do núcleo comum da controvérsia, seja de fato ou seja de
direito.
Ocorre que, a rigor, não há dúvida sobre a repercussão social quando é
expressivo o número de pessoas envolvidas. Todavia a questão se põe é saber quantas,
ao mínimo, sugerem a existência de repercussão social a justificar o processamento da
tutela coletiva?
É certo que para tratamento coletivo não depende tão somente da “verificação
quantitativa” da repercussão social da lide, mas antes, da consideração de vários outros
fatores presentes no caso concreto.
Enfrentando essa celeuma, Gidi (2007, p. 75-76) identificou alguns fatores a
serem ponderados pelo operador do direito ao se defrontar com a controvérsia, e sem a
pretensão de esgotar o tema, até para não escapar aos meandros do presente estudo, cita-
se alguns desses fatores elencados pelo doutrinador: a) a posição de vulnerabilidade em
que se encontram alguns sujeitos como “crianças, portadores de deficiências físicas,
mentais, intelectuais, culturais ou financeiras”; b) o “reduzido valor das pretensões
individuais dos membros do grupo”, pois, é cediço, que não recomendam o ingresso em
juízo, haja vista que a custas judiciárias podem superar o retorno financeiro projetado
pela decisão favorável, situação essa que, não fosse a ação coletiva, restaria
economicamente viável a manutenção da situação ilegal e violadora dos direitos da
massa; c) a complexidade de identificação, localização, ou mesmo a “dispersão
geográfica” dos interessados; d) a retaliação do réu, em face a relações jurídicas
continuativas, como na relação de emprego; e) e a possibilidade de que outras pessoas,
além daqueles em pequeno número atualmente afetado, venham a ser vitimadas pela
situação mesma situação comum de ilegalidade no futuro (future members).
A repercussão social do conflito, portanto, vem a ser outro requisito de
consubstanciação do direito individual homogêneo.
41
O número de pessoas envolvidas ou afetadas pelo fato ilícito sugere a
necessidade do trato coletivo do conflito de direitos individuais, se precavendo da
multiplicação de demandas individuais idênticas e ressaltando a importância da
resolução da lide de forma equânime, em homenagem ao postulado da isonomia e da
segurança jurídica.
2.3.2.3 – Distinção entre direitos individuais indisponíveis e direitos individuais homogêneos
Para terminar a análise dos direitos individuais homogêneos, analisa-se a
confusão que tem ocorrido entre estes e os direitos individuais indisponíveis.
Em face de alguma imprecisão teórica que se tem verificado no trato da
matéria, muitas vezes depara-se com a equiparação errônea de direitos individuais
homogêneos como direitos individuais indisponíveis. Os direitos individuais
homogêneos, em definitivo, não se confundem com os direitos individuais indisponíveis
(NEVES, 2013).
Quanto a estes, a Lei Maior referendou defesa e proteção pelo Ministério
Público, na forma do art. 127, da CRFB/8817. Acontece que daí não se pode depreender
remissão constitucional para defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos, pois o
microssistema processual coletivo, quando se presta a tutelar direitos individuais, o faz
em expressa referência aos “direitos individuais homogêneos” e não em relação a
“direitos individuais indisponíveis”, como posto no texto constitucional. Se essa fosse a
intenção do legislador teria expressamente empregado a expressão “direitos individuais
indisponíveis” quando da redação do art. 81, III, do CDC, segundo entende-se, na
mesma linha de Neves (2013).
Assim, em tese, não se mostra juridicamente defensável direito individual
indisponível por meio de ação coletiva, ressalvando-se situações em que a lesão sobre
direito individual indisponível ser compartilhada por um razoável número de titulares, o
que justificaria a postulação através de um processo coletivo, muito embora essa
constatação não tenha sido feita pela doutrina consultada. Veja-se um exemplo.
17 “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
42
Em caso de falta reiterada e contundente no fornecimento gratuito de
medicamentos básicos, certo cidadão é vitimado e tem seu quadro médico bastante
prejudicado por não ter acesso ao medicamento, seja por falta do Poder Público, seja por
não ter condições financeiras de arcar com o seu elevado custo. Ora, a saúde do usuário
é um direito individual indisponível e a lesão a este direito reclama a propositura de
uma ação, que não precisa ser uma ação coletiva, bastando uma ação ordinária
individual para pleitear a concessão do medicamento ao cidadão lesionado. Situação
diferente é a de que a falta daquele medicamento assume uma lesão a direitos
individuais indisponíveis de várias pessoas que necessitam dele para se recuperar. Nesse
último caso, a repercussão coletiva e a origem comum sugerem a viabilidade da
propositura de uma ação coletiva em defesa de direitos individuais indisponíveis.
Apesar de alguns diplomas legais, como por exemplo o Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) e o Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003),
referendarem a possibilidade de uso da ação civil pública para defesa dos interesses e
direitos individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e juventude (art. 201, V,
ECA) 18 ou ao idoso (art. 74, I, EI)19, o melhor entendimento descreve ser mais acertado
empregar modelo processual de tutela de direitos individuais (ação individual) e não
uma ação coletiva para defesa de direito individual indisponível relativo uma só pessoa
(NEVES, 2013, p. 125).
Relacionado essas conclusões com o objeto do presente estudo tem-se que, a
rigor, as demandas seriais não incluem a defesa de direitos individuais indisponíveis,
mas de pretensões individuais homogêneas. Isso porque são os direitos individuais
homogêneos aqueles decorrentes do fenômeno social de massificação e que
desencadeiam a multiplicação de processos idênticos e repetitivos (RODRIGUES,
2013).
Não parece correta, portanto, a premissa de que os direitos individuais
indisponíveis favorecem à proliferação de demandas repetitivas, a não ser que esses
direitos assumam uma dimensão coletiva, como no exemplo anteriormente citado da
falta de medicamentos na rede pública de saúde, pelo que foi importante apartar essas
18 “Art. 201 (...) V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal.” 19 “Art. 74 (...) I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso;”
43
duas modalidades de direitos individuais, a fim da melhor compreensão da matéria em
estudo.
Finalizando a apresentação dos direitos que constituem objeto do processo
coletivo brasileiro, com foco nos direitos individuais homogêneos, segue-se para a
segunda parte da pesquisa que terá como cerne o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, mecanismo de enfrentamento de ações seriais criado pelo Projeto do Novo
Código de Processo Civil (PL n.º 8.046/2010).
44
3. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Projeto do Novo Código de Processo Civil (NCPC), PL n.º 8.046/2010, trará
uma grande novidade para o ordenamento jurídico brasileiro ao conceber o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), confessadamente inspirado no direito
alemão.
No NCPC tal instituto está disciplinado nos arts. 988 a 1.000, no Livro III (Dos
Processos nos Tribunais e Dos Meios de Impugnação Das Decisões Judiciais), Título I
(Da Ordem Dos Processos e Dos Processos de Competência Originária Dos Tribunais),
Capítulo VI, de acordo com a redação do projeto aprovado pela Câmara de Deputados
em 26 de março de 2014 e que seguiu para o Senado Federal.20
Como se pode depreender da Exposição de Motivos 21 , o IRDR é um
mecanismo processual que pretende racionalizar a atividade do Poder Judiciário através
da pacificação de questão comum deduzida em um grande número de processos,
prestigiando a uniformização da jurisprudência e isonomia entre os jurisdicionados.
20 Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/redacao-final-aprovada-camara.pdf>. Acesso em 10 abr. 2014. Segue, na íntegra, em anexo, o capítulo IV, que tratou especificamente do novo instituto. 21 Envolto de várias considerações, na Exposição de Motivos foram levantadas as premissas maiores do incidente em questão, qual seja a busca de técnica de julgamento em bloco, preocupação com a estabilização do entendimento jurisprudencial, tratamento isonômico dos jurisdicionados e a necessidade de conter o enorme volume de processos judiciais. “Criou-se o incidente de julgamento conjunto de demandas repetitivas, a que adiante se fará referência. Por enquanto, é oportuno ressaltar que levam a um processo mais célere as medidas cujo objetivo seja o julgamento conjunto de demandas que gravitam em torno da mesma questão de direito, por dois ângulos: a) o relativo àqueles processos, em si mesmos considerados, que, serão decididos conjuntamente; b) no que concerne à atenuação do excesso de carga de trabalho do Poder Judiciário – já que o tempo usado para decidir aqueles processos poderá ser mais eficazmente aproveitado em todos os outros, em cujo trâmite serão evidentemente menores os ditos “tempos mortos” (= períodos em que nada acontece no processo). Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize. (...) Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes.” Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 10 maio 2014.
45
Segundo Wambier (2011, p. 725-726), o referido incidente possui duas
finalidades principais, quais sejam concretizar os “princípios da legalidade e da
isonomia, interpretados e compreendidos em conjunto” e “diminuir a carga de trabalho
dos tribunais, o que por si só, já é capaz de gerar processos mais rápidos” (grifos do
original).
Nesse diapasão, a proposta do IRDR de tratamento coletivo das questões
comuns tem por escopo a uniformização de tratamento da questão, evitando decisões
antagônicas a respeito das ações individualmente apreciadas, consolidando um
tratamento jurisdicional isonômico e estabilizando a jurisprudência, em nome da
segurança jurídica, além de se harmonizar com o princípio da economia processual e da
celeridade, poupando a carga de trabalho do Poder Judiciário e consequentemente
recursos humanos, materiais e financeiros.
Como será visto adiante, através do IRDR, as instâncias superiores, a saber, os
tribunais de segunda instância, estaduais ou federais e os tribunais superiores, em
processos de sua competência originária, serão provocados a apreciar a controvérsia
repetitiva sobre questão comum a ser delimitada nesse incidente instaurado, seja dentro
de um processo individual, seja dentro de um processo coletivo, sobrestando já na
primeira ou segunda instância os processos cuja controvérsia seja a mesma versada no
incidente. Ao final, será proferida decisão paradigma, uma decisão-padrão responsável
por fixar tese jurídica a ser aplicada a todos os processos sobrestados, obrigatoriamente,
ou seja, com declarado efeito vinculativo.
Inicialmente, o referido incidente continha nomenclatura diversa, chamava-se
Incidente de Coletivização de Demandas (SILVA, 2011, p. 93), e mais, sua hipótese de
cabimento era restrita a questão exclusivamente de direito, não como hoje está previsto,
questão de direito ou de direito e fato.
Essas alterações foram bastante importantes para a análise científica da
matéria. Em primeiro lugar, porque ainda remanesceu, além desse incidente, outro
destinado exclusivamente à coletivização, disciplinado nos art. 334 do NCPC,
consoante a atual redação da matéria.22
22 “Art. 334. Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou de outro legitimado para a condução do processo coletivo, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que: I – tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico coletivo e indivisível, cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade;
46
O incidente de conversão de ações individuais em ações coletivas tem
pretensão diversa daquela do incidente de resolução de demandas repetitivas. No
primeiro, prima-se pela tutela de interesses essencialmente ou ontologicamente
coletivos, vedando-se expressamente o seu cabimento para a tutela de interesses
individuais homogêneos (art. 334, §1º23), enquanto que o segundo abre as portas para
essa espécie de direito ao permitir a veiculação de demanda sobre questões comuns
exclusivamente de direito ou de direito e fato.
Observe-se. Segundo entende-se, naquelas ações individuais que darão ensejo
para a pretendida conversão em ação coletiva, há, em verdade, apenas a “aparência de
tutela de direito individual”, exatamente como se refere a doutrina ao tratar das “ações
pseudoindividuais” (NEVES, 2013, p. 66-67). Por esse motivo, perfilha-se a tese de que
a conversão de ações individuais em coletivas encontrará reverberação no trato das
ações pseudoindividuais, é dizer, “ações promovidas por indivíduos que envolvam
pretensão de alcance coletivo, ante a indivisibilidade do direito (difuso ou coletivo em
sentido estrito) objeto da demanda” (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 67).
Continuando, entende-se que, em segundo lugar, com a alteração da hipótese
de cabimento do IRDR para tratar não somente matéria de direito, mas também matéria
de fato e de direito comuns, o IRDR praticamente iguala seu objeto com o do processo
coletivo em defesa dos direitos individuais homogêneos.
Veja-se que, em matéria de processo coletivo, por direitos individuais
homogêneos se entende aqueles de “origem comum, de fato ou de direito, que
recomendam a tutela conjunta” (art. 2, III, do Projeto de Lei da Nova Ação Civil
Pública – PL n.º 5.139/2009). Ora, é inegável a aproximação dos objetos desses dois
mecanismos processuais, ainda mais quando constatado que ambos têm por objetivo
evitar a proliferação de demandas repetitivas fundadas em matéria de fato e direito
semelhantes, consoante já exposto.
É interessante observar que a inicial previsão de instauração do incidente,
apenas para debater questões estritamente de direito, o afastava do modelo alemão que o
inspirou, pois neste as controvérsias comuns também poderiam versar exclusivamente
sobre matéria fática (MENDES, 2012).
II – tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, pela sua natureza ou por disposição de lei, deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo.” 23 “Art. 334 (...) § 1º A conversão não pode implicar a formação de um processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogêneos.”
47
Ainda sob a redação original, limitando-o ao trato de questões estritamente de
direito repetitivas, a doutrina nacional mostrava-se favorável para a ampliação da
hipótese de cabimento também para envolver questões fáticas (MENDES;
RODRIGUES, 2012, p. 194).
Essas considerações só reforçam a tese aqui sustentada de que, com a
ampliação do objeto do IRDR, tal como previsto no art. 988 atual24, este poderá vir a
somar esforços na proteção de direitos individuais homogêneos, juntamente às ações
coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos.
Aproveitando o ensejo, coloca-se outra interessante observação, agora de
índole mais sociológica do que propriamente jurídica. Muito embora doutrinadores
como Rosa (2010) e Silva (2011, p. 108) manifestem entendimento diverso, encara-se a
iniciativa do NCPC como expressão do fenômeno de coletivização de que opera no
direito processual tradicional, marcadamente individualista e afeto a lide entre
personalidades individuais abstratas (Caio vs. Tício).
É cediço que tal modelo processual não é mais condizente com a nova
realidade de formações sociais coletivas (CAPPELLETTI, 1977) e, em especial desafeto
à resolução de macrolides que se deflagram na sociedade de massa.
As lesões massificadas são, em grande medida, responsáveis pela enxurrada de
causas ou demandas seriais, repetitivas que chegam às portas do Poder Judiciário
(RODRIGUES, 2013) e por isso, é bastante pertinente a investigação do Incidente de
resolução de Demandas Repetitivas em paralelo às ações coletivas em tutela de direitos
individuais homogêneos.
Ainda mais porque as ações coletivas, conforme já assinalado, também se
prestam para a judicialização desses tipos de demandas, com a vantagem de concentrar
o conflito numa única ação (molecularização) (WATANABE, 1992 apud DIDIER JR.;
ZANETI JR., 2013, p. 34-35). Mas por outro lado, o IRDR trabalha com outra
perspectiva de solução para conflitos coletivos, a saber, com uma abordagem de
valorização da uniformização jurisprudencial e aplicação vinculada da tese jurídica que
prevalecer perante os tribunais de segundo grau e superiores.
Após esses rápidos e pertinentes apontamentos, segue-se a necessária
investigação científica processual sobre o expediente, as inspirações jurídicas que
24 “Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito ou de direito e de fato.”
48
justificaram a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e os seus
contornos dados pela legislação projetada, para ao final do estudo suscitar algumas
aproximações e perspectivas em face das ações coletivas em matéria de direitos
individuais homogêneos.
3.1 DEMANDAS SERIAIS OU REPETITIVAS
Antes de tratar especificamente do novo instituto, recomenda-se suscitar alguns
questionamentos. O que seriam demandas repetitivas também chamadas de demandas
seriais, massificadas, isomórficas? Elas têm alguma ligação com os direitos individuais
homogêneos?
Para Rodrigues (2013, p. 22-23), demandas repetitivas podem ser entendidas
como “aquelas ações que versem sobre a mesma questão de direito ou de fato
controvertida em inúmeros processos semelhantes e que prescindam de maior dilação
probatória”.
O doutrinador segue para identificar alguns exemplos de demandas repetitivas
em relações jurídicas firmadas por grande quantidade de consumidores em contratos de
telefonia, planos de saúde, ou na relação jurídico tributária entre Estado e o contribuinte,
bem como em relações fáticas comuns como as decorrentes da distribuição de
medicamento defeituoso ou acidente aéreo (RODRIGUES, 2013, p. 22-23).
Segundo esse jurista, demandas repetitivas compartilham a ideia da questão
comum, de fato e/ou de direito, projetadas sobre um amplo espectro de pessoas, o que, a
toda evidência, as deixa muito próximo do conceito de direitos individuais homogêneos,
aliás, alguns dos exemplos citados são exatamente iguais aos expostos pela doutrina,
como a hipótese do acidente aéreo e a cobrança tributária ilícita.25
De fato, a doutrina tem recorrido à característica da homogeneidade para
constatar a existência de demandas repetitivas. Segundo Cunha (2011, p. 258), as
“demandas repetitivas caracterizam-se por veicularem, em larga escala, situações
jurídicas homogêneas”.
25 Como citado por Miragem, Benjamin e Marques (2014, p. 1553) e Venturi (2007, p. 76), respectivamente.
49
Nada obstante, há corrente doutrinária que defende a não identificação entre
direitos individuais homogêneos, definidos no art. 81, parágrafo único, I, do CDC, e os
direitos tutelados em ações repetitivas.
Para os defensores dessa tese, nas demandas repetitivas se postam direitos cuja
característica da homogeneidade está presente apenas superficialmente, e não há de se
falar em origem comum, o que os afasta do conceito de direitos individuais homogêneos
(ROSA, 2010).
Nesse mesma linha, se posiciona Baltazar Rodrigues (2011, p. 95), para quem
as demandas repetitivas não se confundem com as demandas de massa (sejam elas
baseadas em direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito ou direitos individuais
homogêneos).
Data venia, nos filiamos a corrente capitaneada por Mendes e Rodrigues
(2012, p. 195), que vê possível, com máxima ou superficial homogeneidade, a tutela
destes direitos como verdadeiros direitos individuais homogêneos. Até mesmo porque
os exemplos utilizados por Rosa (2010) para referendar o seu posicionamento não se
afastaram do requisito da origem comum, e demonstraram grau de homogeneidade
capaz de abrir-se à via tutela coletiva de direitos individuais homogêneos.
Esse também é o entendimento de Rodrigues (2013) e Rossoni (2010). Para
eles, as ações repetitivas veiculam pretensões que podem ser classificadas como
relativas a direitos individuais homogêneos. Essa é a corrente doutrinária a que filia-se
para conclui que as demandas repetitivas veiculam pretensões típicas de direitos
individuais homogêneos.
Para finalizar esse tópico, ressalta-se a interessante observação feita por Cunha
(2011, p. 258). O doutrinador, com acerto, aponta que não somente ocorre a repetição
em relação a ações individuais. As ações coletivas também podem ser consideradas
causas repetitivas. A questão que brota é a de conceber o IRDR dentro de uma ação
coletiva. Seria isso possível? Suscitar o incidente num processo coletivo?
Primeiramente, a resposta seria um tanto restritiva, no seguinte sentido: não
deverá ser instaurado em qualquer processo coletivo, pois deverá ter como objeto direito
individual homogêneo, ou seja, não poderá tratar de direitos difusos ou coletivos em
sentido estrito.
Contudo, se analisado com mais cautela, outra parece ser a melhor solução.
Veja-se que há a possibilidade de que, em se tratando de questão comum de direito,
possa uma ação coletiva em defesa do meio ambiente (direito difuso) vir a ser suspensa
50
ou nela ser instaurado o incidente, pois a questão repetitiva e comum é versada tanto em
processos individuais quanto em processos coletivos. A questão de direito, sendo
comum às demandas coletivizadas ou individualizadas autoriza, em tese, a instauração
do incidente.
Se a resposta é positiva tomando como referência a repetição de ações coletivas
e individuais sobre questões comuns, muito mais interessante a projeção de repetição de
várias ações coletivas. Não somente a repetição de ações coletivas e individuais dá
margem à instauração do incidente, mas também a repetição de várias ações coletivas
sobre o mesmo objeto.
Essa constatação é ainda mais pertinente quando se tem em vista a disposição
do art. 16, da LACP. Como já levantado, a aplicação do dispositivo leva a incongruente
prática de propositura de ações coletivas com idêntico objeto, e, portanto, repetitivas,
cada qual limitada a produzir efeitos no território de competência de cada órgão
julgador. Nesses termos, é provável a existência de ações coletivas versando sobre a
mesma matéria de direitos individuais homogêneos. Serão como demandas repetitivas e
passíveis de serem tomadas como o processo piloto no Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas trazido pelo NCPC, e assim, além do efeito erga omnes da
sentença coletiva, a aplicação vinculante da tese jurídica fixada no incidente tornará a
solução coletiva mais eficiente do ponto de vista de racionalização da prestação
jurisdicional e economia processual.
Mas daí surge outro problema jurídico. Como suscitar o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas em casos como esses? Quais seus efeitos sobre os
processos individuais? A rigor, a cada tribunal deveria ser requerida a instauração do
incidente, mas limitados a produzir efeitos somente em um estado membro ou região, a
depender se for suscitado perante Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais.
A solução parece descompassada com a necessidade de celeridade, isonomia e
pacificação da jurisprudência, motivo pelo qual se aponta crítica e possível alternativa a
situações desse jaez, no capítulo final desse estudo, quando se aproxima os deletérios
efeitos do art. 16, da LACP e essa limitação territorial dos efeitos do IRDR.
Apresentadas essas considerações sobre o que se entende por demandas
repetitivas, inclusive para abranger demandas individuais ou coletivas repetitivas,
segue-se em busca da inspiração do instituto, com análise do direito alemão e do
procedimento-modelo, lá denominado de Musterverfahren.
51
3.2 A INSPIRAÇÃO ALEMÃ. MUSTERVERFAHREN (PROCEDIMENTO-MODELO)
Do teor da Exposição de Motivos é clara a referência ao direito alemão como
fonte de inspiração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Projeto do
Novo Código de Processo Civil26.
Porém, faz-se a ressalva do entendimento de Leonel (2012) para quem o
referido incidente se inspirou, igualmente, em outra fonte jurídica alienígena, qual seja
no direito inglês. Contudo, esse estudo tratará apenas da inspiração germânica.
O nome do instituto alemão é Musterverfahren, também chamado de
procedimento-modelo.
Segundo Mendes (2012) este instrumento seria uma espécie das ações-modelo
ou test-claims, embora outros doutrinadores como Cabral (2007) e Rodrigues (2013)
parecem sugerir que sejam instrumentos distintos.
Mas o que realmente importa é que todos são unânimes em constatar que eles
compartilham da mesma lógica, qual seja, nas palavras de Rodrigues (2013, p. 168), “a
resolução de questões comuns a todas as ações isomórficas a partir de um processo
individual tomado como paradigma”. Ou seja, o Musterverfahren é o procedimento-
padrão criado na Alemanha para enfrentar uma declarada lide multitudinária a partir do
julgamento de um processo individual, através de verdadeiro método de “decisão em
bloco” (CABRAL, 2007, p. 128).
O seu primeiro registro é de 1991, no Estatuto da Justiça Administrativa
(Verwaltungsgerichtsordnung), mas a sua importante contribuição veio com a
introdução na lei que tratou dos conflitos jurídicos no âmbito dos mercados de capitais,
de 2005 (Gesetz über Musterverfahren in kapitalmarktrechlichen Streitigkeiten -
KapMuG).
Essa legislação em que foi previsto o instituto, interessante anotar, fixou um
prazo para a sua validade, e até onde se sabe a sua prorrogação manteve-se até o ano de
2012 (MENDES, 2012, p. 121).
Em que pese o procedimento modelo tudesco denominado Musterverfahren
também ser utilizado no âmbito da Jurisdição Administrativa e pelo Poder Judiciário
26 “Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.” Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 10 maio 2014.
52
envolvendo questões sobre previdência e assistência social, a inspiração dos juristas
brasileiros se deu em relação ao processo-modelo relacionado ao mercado de capitais
(KapMuG) (MENDES, 2012, p. 122).
Nesse, em resumo, propõe-se o julgamento do um caso-piloto, a envolver
questões fáticas ou jurídicas comuns, de modo que “o julgamento do caso-modelo
servirá como paradigma para o julgamento dos processos individuais, que
permaneceriam suspensos durante o processamento e julgamento” daquele (MENDES,
2012, p. 123).
O procedimento-padrão germânico pode ser resumido em três fases: 1) a
primeira fase diz respeito ao requerimento de instauração, endereçado ao órgão de
primeiro grau, para decidir sobre a admissibilidade ou não. Em caso de deferimento,
haverá a promoção da publicidade; 2) na segunda fase haverá o “processamento e
julgamento do caso-piloto pelo tribunal de segundo grau” e, ao final 3) aos processos
individuais será aplicada o entendimento que sagrar-se vitorioso no processo paradigma
(MENDES, 2012, p. 123).
É certo que o processamento do incidente no direito alemão guarda
semelhanças com a atual conformação dada pelo NCPC, contudo há notáveis pontos
que divergem e circunstâncias especiais, as quais se reserva para apresentá-las ao
momento em que se aprecia o IRDR, tal como previsto nos art. 988 e ss., da codificação
projetada.
Após referendar a sua origem alemã, Mendes (2012, p. 281) também aponta,
como o que se concorda inteiramente, que, de certa maneira, o IRDR também se
inspirou na sistemática de processamento de recursos especiais e extraordinários
repetitivos, inserida no CPC vigente, mormente através dos arts. 543-B e 543-C.
Ora, é evidente que ambos os dispositivos se destinaram, aqui no Brasil, à
resolução de questões estritamente de direito, como não deixa mentir o caput do art.
543-C27, até mesmo porque em se tratando de recursos extraordinários (gênero), não é
possível o reexame fático-probatório, mas tão somente discute-se o direito objetivo (v.
súmulas 279 e 07, do STF e STJ, respectivamente)28.
27 “Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.” 28 “Súmula 279, STF: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. Súmula 07, STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
53
Diante da redação atual do art. 988, há de ser feita a diferenciação. Aos
recursos excepcionais, aplica-se a conhecida lição: “não é possível a interposição de
recurso excepcional para a revisão de matéria de fato.”(DIDIER JR.; CUNHA, 2011, p.
256). Ocorre que com a ampliação do objeto do IRDR para abarcar também questões
fáticas, outros horizontes estão abertos ao novo instituto.
Noutra banda, ainda cabe outra importante diferenciação. Enquanto nos
recursos repetitivos a intenção foi de reduzir o número daqueles recursos
extraordinários (gênero) em tramitação no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo
Tribunal Federal, o incidente projetado no NCPC tem objetivos mais amplos, qual seja
o da diminuição da carga de processos “nos tribunais de segundo grau e a suspensão dos
processos [já] em primeiro grau, propiciando, economia, mas também uniformidade e
segurança na prestação jurisdicional.” (MENDES, 2012, p. 281).
Observe-se, aqui, a magnitude do instituto projetado, pois pretende frear o
processamento de ações repetitivas propostas já em primeiro grau de jurisdição,
diferentemente do que o atual regime dos recursos repetitivos (CPC/73) prevê,
preocupado tão somente com o número exponencial de recursos extraordinários
(gênero).
Sendo assim, e se na prática ocorrer de ser instaurado um incidente e estarem
em curso recursos excepcionais repetitivos? O NCPC trouxe importante regra de
convivência para situações como essas. O art. 988, § 8º, estipulou que o incidente de
resolução de demandas repetitivas não será admitido quando um dos tribunais
superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para
definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. A afetação
do recuso excepcional tornaria, então, incabível a instauração do incidente.
Então, isso implicará dizer que julgado esse recurso afetado, não haverá de se
falar no efeito vinculante do precedente, assim como se daria se o julgamento fosse do
incidente? De fato, consoante o regramento dado pelo NCPC aos recursos excepcionais
repetitivos, muito embora os juízes (primeiro grau de jurisdição) estejam expressamente
vinculados, devendo aplicar a tese fixada no recurso paradigma 29, aos tribunais se
29 “Art. 1.050. O presidente ou vice-presidente do tribunal de origem selecionará recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, e determinará a suspensão do processamento dos demais recursos interpostos tempestivamente, até o pronunciamento definitivo do tribunal superior. (...)
54
referendou a hipótese de manter a divergência 30 , desde que se trate de “situação
particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor
solução jurídica diversa.”31
Com efeito, não se fala em efeito vinculativo de recursos excepcionais, pelo
menos, não na mesma extensão que se propõe ver no Incidente de Demandas
Repetitivas. Haverá para aqueles uma medida vinculativa em menor amplitude,
decorrente do primado que tem dado o NCPC aos precedentes judiciais (v. art. 520 e
ss.).32
§ 4º Os processos em que se discute idêntica controvérsia de direito e que estiverem em primeiro grau de jurisdição ficam suspensos por período não superior a um ano, salvo decisão fundamentada do relator. (...) Art. 1.054. Sobrevindo, durante a suspensão dos processos, decisão da instância superior a respeito do mérito da controvérsia, o juiz proferirá sentença e aplicará a tese firmada.” 30 “Art. 1.053 (...) § 1º Para fundamentar a decisão de manutenção do acórdão divergente, o tribunal de origem demonstrará a existência de distinção, nos termos do art. 521, § 10.” Remissão legal ao art. 520, §10 é equivocada, devendo-se lê art. 520, § 9º. “Art. 520 (...) § 9º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa.” 31 Portanto, deve o tribunal, para sustentar a divergência, recorre à técnica que a doutrina denomina distinguishing ou overruling (DIDIER JR.; CUNHA, 2011). 32 “Art. 520. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável. Parágrafo único. Na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, os tribunais devem editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante. Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas: I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os juízes e tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante e os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; IV – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e tribunais seguirão os precedentes: a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional; b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria infraconstitucional; V – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal seguirão os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem; VI – os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça seguirão, em matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem. § 1º A modificação de entendimento sedimentado poderá realizar-se: I – por meio do procedimento previsto na Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando tratar-se de enunciado de súmula vinculante; II – por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando tratar-se de enunciado de súmula da jurisprudência dominante;
55
Feitos os comentários básicos acerca da origem do incidente, passa-se a
analisar a hipótese de sua admissibilidade, mais especificamente existência de questões
de direito e/ou de fato que possam se revelar presentes em processos repetitivos.
3.3 QUESTÃO DE DIREITO OU DE DIREITO E DE FATO
Segundo dispõe o art. 988, do NCPC, o incidente será admitido, quando
“estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou
potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de
direito ou de direito e de fato.”
O alcance do instituto está sobremaneira vinculado aos requisitos que
autorizam a sua instauração e juízo positivo de admissibilidade. Vê-se que para ser
admitido o incidente, deverá estar presente, necessariamente, questão comum de direito,
veiculadas em processos repetitivos ou com a potencialidade de se tornarem repetitivos.
Portanto, a premissa maior de sua existência é a constatação de questões
comuns a um dado número de processos repetitivos, e que estas questões sejam relativas
III – incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a VI do caput deste artigo. § 2º A modificação de entendimento sedimentado poderá fundar-se, entre outras alegações, na revogação ou modificação de norma em que se fundou a tese ou em alteração econômica, política ou social referente à matéria decidida. § 3º A decisão sobre a modificação de entendimento sedimentado poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 4º O órgão jurisdicional que tiver firmado a tese a ser rediscutida será preferencialmente competente para a revisão do precedente formado em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, ou em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. § 5º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de precedente, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos. § 6º A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 7º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado. § 8º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo os fundamentos: I – prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão; II – não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão. § 9º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa. § 10. Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.“
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necessariamente à matéria de direito ou de direito e fato. Ou seja, não haverá como ver
admitido incidente baseado tão somente em questão de fato comum. Deve, conforme a
redação atual em análise, necessariamente envolver questões de direito, ou
exclusivamente, ou juntamente com questões de fato.
Como já adiantado, essa característica o afasta do Musterverfahren, do direito
alemão, pois, segundo aduz Cabral (2007), a finalidade deste é “fixar posicionamento
sobre supostos fáticos ou jurídicos de pretensões repetitivas” (grifo acrescido).
Perceba-se: no procedimento alemão não há qualquer limitação sobre a matéria
fática, em outras palavras, aquele procedimento modelo expressamente permite que a
matéria comum controvertida em processos repetitivos verse exclusivamente sobre
questões fáticas (MENDES, 2012, p. 123), diferentemente da conformação dada pelo
código projetado brasileiro, que estipulou ser inexorável requisito presença de questão
de direito, isoladamente ou em companhia de questões fáticas comuns e repetitivas.
A diferenciação da questão de fato ou de direito, aqui, em última análise, pode trazer problemas hermenêuticos, como aponta Streck (2007), citado por Silva (2011, p. 110) e, na pior das hipóteses, tornar bastante restrita a aplicação do instituto.
Em relação ao modelo alemão, Cabral (2007, p. 133) comenta que a
possibilidade de discutir tanto questões de fato como de direitos evita o “artificialismo
da decisão”, isto é, a sua ineficácia, pois a diferenciação entre as questões fáticas e
jurídicas pode ser bastante tormentosa, em especial quando intrinsecamente
correlacionadas. Um mau presságio ao IRDR, do direito brasileiro.
Nada obstante, a mais recente redação a que se teve acesso traz uma alternativa
ao problema ao prever que o “incidente pode ser instaurado quando houver decisões
conflitantes sobre mesma questão de fato” (art. 988, § 9º).33
Com tal previsão, resguarda-se não somente o tratamento uniforme da questão
de direito comum, mas também a questão de fato comum, mesmo que não admitindo o
incidente exclusivamente calcado em matéria fática. Veja-se: não refoge de sua tutela
eventual tratamento díspar que o Poder Judiciário proponha a mesma situação fática,
compartilhada por uma dada coletividade de indivíduos.34
33 “Art. 988 (...)§ 9º O incidente pode ser instaurado quando houver decisões conflitantes sobre mesma questão de fato.” 34 Ainda que em aparente contradição, vê-se com bons olhos a nova hipótese de cabimento do incidente, pois que se coaduna com seu escopo de uniformizar o tratamento jurisdicional e privilegiar a isonomia as situações semelhantes, fática e jurídicas, portanto.
57
Ademais, há determinação legal para que a solução da questão fática seja
aplicada a “todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da
causa.” (art.995, § 6º).35
Ousa-se afirmar que esta timidez da legislação projetada em limitar o incidente,
inicialmente a questões de direito, e somente agora ter abrangido também questões
fáticas, pode ser explicada, de certa maneira, porque os mecanismos processuais de
resolução de causas repetitivas do atual CPC/73, como os recursos excepcionais
repetitivos (arts. 543-B e 543-C) e a súmula vinculante (art. 103-A, CRFB/88), somente
admitem o tratamento de questão de direito.
A todos esses mecanismos processuais de contenção de demandas repetitivas é
comum a menção à multiplicação de processos (ou recursos), sempre transmitindo a
ideia de que o trato da questão de direito em comum objetiva a uniformização da
matéria sobre casos repetitivos (BULOS, 2011 e DIDIER JR.; CUNHA, 2011).
Não poderia deixar de mencionar que as ações coletivas em matéria de direitos
individuais homogêneos também partem dessa premissa de resolução de questões
comuns, sendo indiferente a exclusividade fática ou estritamente jurídica da questão. A
razão disso é que às ações coletivas o que realmente interessa é a verificação do núcleo
de homogeneidade, ou seja, a similitude, afinidade ou semelhança entre os direitos
materiais, seja ela oriunda da mesma causa fática ou de causa jurídica (ZAVASCKI,
2014, p. 146).
Como pode-se concluir, enquanto as ações coletivas em matéria de direitos
individuais homogêneos livremente veiculam matéria de fato ou de direito, o IRDR tem
passado por algumas mudanças na redação ou conformação e somente com a atual
redação, permitiu-se tratar de questões de direito e, indiretamente, sobre questões
fáticas. A aproximação entre os citados mecanismos processuais é bastante clara nesse
ponto.
Pois bem. Seguindo o procedimento do IRDR, após a verificação das questões
de direito ou de direito de fato comuns, efetiva ou potencialmente veiculadas em
processos repetitivos, o exame de admissibilidade determinará a suspensão ou não
desses processos, a depender do cabimento ou não do incidente.
35 “Art. 995(...)§ 6º Julgado o incidente na hipótese do art. 988, § 9º, a solução da questão fática será aplicada a todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da causa.”
58
Todavia, o pressuposto de admissibilidade não é somente a existência de vários
processos repetitivos, versando sobre questões comuns. Se num só processo for
constatada questão que tem a potencialidade de ensejar multiplicação de demandas,
poderá ser admitido o incidente, como que se antecipando ao aparecimento de ações
repetitivas. Trata-se, respectivamente, do caráter repressivo ou preventivo, o que passa a
ser abordado.
3.4 CARÁTER REPRESSIVO E PREVENTIVO
Ao estipular os requisitos de admissibilidade do incidente, o código projetado
exige “efetiva ou potencial repetição de processos” sobre a mesma questão comum (art.
988). Verifica-se, então, um duplo caráter que pode assumir o incidente.
Primeiramente, um caráter repressivo, é dizer, poderá ser instaurado quando já
existirem ações repetitivas, em segundo ou primeiro grau de jurisdição.
Em segundo lugar, há o caráter preventivo do incidente, instaurado pela
simples potencialidade de repetição da controvérsia sobre a mesma questão comum.
Há vozes na doutrina que não consideram válido o caráter preventivo do
incidente. Nessa linha, propõem que somente fosse possível instaurar o incidente
somente após ser levantada certa controvérsia de tratamento da questão (CUNHA,
2011).
Sob esse ponto de vista, somente o caráter repressivo subsistiria. Recorde-se
que esta opção parece se alinhar com a disciplina do instituto no direito alemão, pois,
neste, exige-se a existência de mais nove requerimentos de instauração do incidente, a
dar conta da controvérsia da matéria (RODRIGUES, 2013, p. 172).
Nada obstante, a melhor doutrina entende salutar o caráter preventivo atribuído
ao incidente, pois ao se antecipar a resolução da controvérsia jurídica que possa dar
ensejo a futuras ações repetitivas, garante-se, desde logo, a uniformidade de tratamento
jurídico, atingindo-se o escopo da uniformização da jurisprudência, da economia
processual e isonomia, poupando o ingresso de ações fundadas na mesma questão e
tramitação inútil por diversas instâncias do Judiciário, como sói ocorrer com os recursos
excepcionais repetitivos (RODRIGUES, 2013, p. 197).
Entende-se mais acertado o entendimento doutrinário favorável a previsão do
caráter preventivo do incidente. Atente-se que, até mesmo por uma questão de
segurança jurídica, o caráter preventivo do incidente desponta como fundamental,
59
poupando-se das incongruências geradas por decisões conflitantes e consequente
descrédito do Poder Judiciário.
Mais congruente seria entender pela correta aplicação do instituto, de notável
alcance social e jurídico, e não pretender a sua limitação fundada no argumento de má
aplicação pelos operadores do direito, segundo acertadamente sustentam Mendes e
Rodrigues (2012).
Finalmente, tratadas as questões comuns que podem estar relacionadas aos
processos repetitivos e o duplo caráter do IRDR, segue-se ao exame da admissibilidade
e da suspensão dos processos individuais repetitivos sobre a matéria.
3.5 ADMISSIBILIDADE E SUSPENSÃO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS
O requerimento de instauração do IRDR, dirigido aos Tribunais de Justiça ou
Tribunais Regionais Federais, dependerá da iniciativa das partes, do Ministério Público,
da Defensoria Pública, da pessoa jurídica de direito público ou por associação civil, por
petição ou ainda, do relator ou órgão colegiado, de ofício (art. 988, §3º, I, II).
O exame de admissibilidade do incidente, portanto, também envolve a
legitimidade do requerente. Não há muita dificuldade quando é suscitado por iniciativa
das partes, mas, a aferição da legitimidade do Ministério Público e da Defensoria
Pública, em especial, merece ser realçada.
Ainda que não expressamente, tem-se referido a algumas limitações a
legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública para suscitar o incidente.
A doutrina tem apontado a necessidade de que a legitimidade desses entes seja
exercida de acordo com as suas respectivas funções institucionais, não se exigindo que
sejam partes no processo (MENDES, 2012, p. 283).
Em análise mais detida da matéria, além da função institucional, Cunha (2011)
assevera que legitimidade, nesses casos, de certa maneira, se relaciona com a
legitimação para a propositura de ação civil pública, notadamente em defesa de direitos
individuais homogêneos.
Partindo dessa premissa, quanto a Defensoria Pública, entende necessário que a
causa envolva “interesses de necessitados” ou versem “sobre tema que a eles esteja
relacionado” (CUNHA, 2011, p. 266).
Contudo, tal entendimento não se mostra de todo acertado. Isso porque, se
tomadas as premissas de legitimação do processo coletivo, a melhor doutrina,
60
encampada pelos professores Didier Jr. e Zaneti Jr. (2013, p. 221 e ss.), salienta que não
é razoável legitimar a Defensoria Pública somente para a “tutela coletiva dos
necessitados”. Assim, a melhor solução é referendar que há legitimidade da Defensoria
Pública ainda nos casos em que coletividade não seja composta, exclusivamente, por
pessoas necessitadas, até porque “a decisão poderá beneficiar a todos, indistintamente,
necessitados ou não.”
Quanto ao Ministério Público, Cunha (2011, p. 265) assevera, com acerto, que
a sua legitimidade deve ser aferida “concretamente, somente sendo reconhecida, se
transparecer, no caso, relevante interesse social”. O Ministério Público, inclusive,
deverá intervir obrigatoriamente e ainda deverá assumir a titularidade do incidente, em
caso de desistência ou abandono (art. 988, § 6º).
Suscitado o incidente por algum dos legitimados, o principal efeito que decorre
do juízo de admissibilidade positivo é a imposição automática de suspensão de todos os
processos que versem sobre matéria controvertida e estejam no âmbito da competência
jurisdicional do órgão julgador, ou seja, do Tribunal de Justiça (estado) ou do Tribunal
Regional Federal (região) (art. 990, § 1º, I)36.
Notadamente, a possibilidade de interposição de recurso especial ou
extraordinário, após o julgamento do mérito da demanda, autoriza a suspensão a nível
nacional dos processos que dependam da resolução do incidente. Nessa hipótese a tese
jurídica fixada após o julgamento do Tribunal Superior (STJ ou STF) será aplicada a
todos os processos que tramitam no país (art. 995,§ 5º).37
Cogita-se que mesmo antes do julgamento do mérito de eventual recurso
excepcional, há possibilidade de suspensão nacional, após requerimento endereçado ao
Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, segundo pode-se
depreender do art. 997.38 Esse entendimento é perfilhado por Mendes (2012, p. 285).
36 “Art. 990. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 988. § 1º Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes que tramitam no estado ou na região, conforme o caso;” 37 “Art. 995 (...) § 5º Se houver recurso e a matéria for apreciada, em seu mérito, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem no território nacional.” 38 “Art. 997. Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 988, § 3º, inciso II, poderá requerer ao tribunal competente para conhecer de recurso extraordinário ou recurso especial a suspensão de todos os processos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.”
61
A suspensão, que como visto, poderá se operar a nível estadual, regional ou
nacional, tem um prazo temporal de eficácia. Há o prazo de um ano para suspensão, no
decorrer do qual serão mantidos sobrestados os processos individuais até o julgamento
do incidente, o qual, por sua vez terá preferência sobre os demais feitos (art. 996),
contudo tal prazo pode ser alargado, por prazo não expressamente limitado, após
decisão fundamentada do relator (art. 996, caput e §1º).39
O lapso temporal da suspensão, como é evidente, poderá causar danos
irreparáveis ao demandante no processo individual sobrestado, pois lhe impõe uma
desarrazoada demora na prestação jurisdicional, quando, por exemplo, se requer
urgência na prestação jurisdicional, ferindo a garantia constitucional da duração
razoável do processo (art. 5º, LXXIII, da CRFB/88).
Por esta razão, foi estabelecida a possibilidade de concessão de medidas de
urgência (art. 900, § 3º), além de abrir ao demandante individual uma expressa
autorização para demonstrar a impertinência da suspensão processual que lhe afetou, e
sustentar a distinção do seu processo em relação àquele caso sob julgamento (art. 990, §
4º c/c art. 520, § 9º).40
Admitido o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e havendo a
suspensão dos processos repetitivos, segue o julgamento do incidente pelo tribunal de
segunda instância (TJ ou TRF), ou por analogia, o STJ, em hipótese de competência
originária das cortes estaduais ou federais.
Após o trânsito em julgado, segue-se para último passo, qual seja, a aplicação
da tese jurídica firmada no respectivo incidente, que se passa a abordar.
3.6 APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA GERAL AO PROCESSO INDIVIDUAL
Com o julgamento do IRDR, a tese jurídica fixada deverá ser aplicada a todos
os processos suspensos e também aos processos futuros que venham a tramitar na área
39 “Art. 996. O incidente será julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. § 1º Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 990, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.” 40 Apesar da remissão textual do art. 990, § 4º seja ao art. 520, § 10º, não é correta, pois inteligível tal remissão.
62
de jurisdição do órgão julgador, desde que versem sobre matéria de direito ou de direito
e fato idênticas (art. 995, §1º).41
Como já exposto quando se tratou da suspensão, se o IRDR for julgado em
última instância pelo STF ou STJ, a tese nele fixada será aplicada a todos os processos
do país (art. 995, § 6º). Se for decidido por Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional
Federal, será aplicada a tese somente aos processos que se encontrem nos limites da
competência territorial dessas cortes (art. 995, § 1º) (MENDES, 2012, p. 286).
Há uma vinculação ou obrigatoriedade da adoção da tese jurídica vencedora
sobre os processos individuais (RODRIGUES, 2013).
Assim, os esforços jurisdicionais se voltam aos processos individuais42, antes
sobrestados. Tomando por base a decisão-modelo, juízes e tribunais seguirão aquela
solução jurídica geral, “sem se furtar, no entanto, de analisar todos os demais aspectos e
peculiaridades ínsitos a cada processo individual” (RODRIGUES, 2013, p. 201-202).
Veja-se, portanto, que no IRDR há uma cisão da atividade cognitiva.
Primeiramente se julga a questão comum e repetitiva, para, em seguida, aplicar a
questão comum a todos os demais processos (RODRIGUES, 2013, p. 212).
Apresentada a ideia geral da aplicação da tese jurídica aos processos
individuais, passa-se a análise de questões mais controvertidas.
A primeira diz respeito ao efeito do julgado sobre processos futuros (art. 995,
§1º) e a segunda, ao instrumento da reclamação como veículo garantidor da preservação
do entendimento fixado no incidente (art. 1.000).
Pois bem. O primeiro ponto a ser destacado, é a essa possibilidade de atingir
processos futuros, que se chama de “efeito prospectivo” do julgado, esta característica
não está presente no procedimento-modelo germânico, que alcança somente os
processos pendentes no momento de sua instauração (RODRIGUES, 2013, p. 199-200).
É uma interessante inovação, pois aproxima os efeitos da decisão ao de uma
norma jurídica, dotada de abstração, generalidade e impessoalidade, já que amplamente
aplicável aos processos futuros sobre a mesma matéria. Com efeito, existe um “caráter
41 “Art. 995. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal. § 1º A tese jurídica será aplicada, também, aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do respectivo tribunal, até que esse mesmo tribunal a revise.” 42 Ou o processo coletivo repetitivo, como esposado por Cunha (2011).
63
normativo abstrato da decisão resolutiva do incidente”, como sustenta Gonçalves (2013,
p. 226).
Há doutrinadores que veem tal efeito prospectivo, e mesmo a natureza
vinculativa do incidente, como inconstitucional, notadamente porque, segundo
defendem, o Poder Judiciário se transmudaria em típico legislador, afrontando o
postulado da separação dos poderes (SARLET; Ingo Wolfgang; TESHEINER, José
Maria Rosa; FERNANDES, Juliano Gianechini, 2013).
Por outro lado, ao que parece tal efeito prospectivo do julgado se baseia na
ideia de estabilidade e uniformização da jurisprudência, verdadeira tendência da
legislação projetada, segundo a própria Exposição de Motivos do Anteprojeto43.
Não pode deixar de fazer menção, aliás, a que a tese jurídica fixada será
aplicável até que a orientação jurisprudencial seja alterada ou revisada (art. 995, § 1º).
O segundo ponto importante é a consequência jurídica da não aplicação da tese
ou da má aplicação da mesma.
Em caso de não ser adotada a tese jurídica fixada ao processo suspenso, há
previsão de cabimento da Reclamação diretamente ao tribunal julgador.
Certamente é cabível a Reclamação Constitucional perante o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tendo por fundamento a garantia da autoridade
das decisões (art. 102, I, l e art. 105, I, f, da CRFB/88), na hipótese de não acatamento
ou aplicação da tese jurídica sobre determinada questão de direito ou de direito e de fato
decidida no incidente. Aqui, a Reclamação detém fundamento constitucional direto.
Adverte-se, que conforme o atual regramento do CPC/73, a reclamação
constitucional não se revela cabível para “assegurar o repeito a entendimento
jurisprudencial” (DIDIER JR.; CUNHA, 2011, p. 473).
43 Veja-se a manifestação da preocupação com a estabilização da jurisprudência, quando na Exposição de Motivos é a abordado a dispersão de entendimentos dos tribunais. “Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize.” Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 10 maio 2014.
64
Todavia, vê-se, com nítida clareza, que o efeito pretendido pelo julgamento do
IRDR é vinculativo assim como atualmente se opera em relação às súmulas vinculantes
(RODRIGUES, 2013). Então é razoável concluir que a ratio que legitimou o cabimento
de reclamação contra ato judicial contrário à súmula vinculante, igualmente autoriza o
manejo desse instrumento para garantir o cumprimento da tese jurídica fixada, pois este
e súmula vinculante mantém em comum o efeito vinculativo dos seus conteúdos perante
os órgãos judiciários de instância inferior.
A previsão constitucional da Reclamação facilitará seu uso perante os tribunais
superiores (STF e STJ). Contudo, quanto aos tribunais de segundo grau (TJ e TRF) é
ausente qualquer referência de utilização desse instituto, com fundamento constitucional
direto.
Aliás, surge aqui outro complicador, pois, como bem aborda Didier Jr. e Cunha
(2011, p. 469-471), com julgamento da ADI n.º 2.212-1, o Supremo Tribunal Federal
referendou a constitucionalidade da previsão, em Constituição Estadual, de Reclamação
para preservação da competência e garantia da autoridade das decisões do respectivo
Tribunal de Justiça, todavia, não se abriu essa possibilidade em relação aos Tribunais
Regionais Federais. O que fazer, então, em caso de inobservância da tese fixada por um
dos Tribunais Regionais Federais?
Interessante, então, que logo após a regulamentação do IRDR, o NCPC tratou
de disciplinar o instituto da Reclamação, com expressa previsão de sua utilização
perante qualquer tribunal (obviamente a incluir os TRFs e superando aquele problema
antes referido) para garantir a observância de tese firmada em julgamento de demandas
repetitivas (art. 1.001).44
A complicação referida quanto aos tribunais de segundo grau parece ter
recebido a devida atenção no NCPC. A previsão da Reclamação perante o STF e STJ
repousa seu fundamento no texto constitucional, e a Reclamação perante os demais
44 “Art. 1.001. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I – preservar a competência do tribunal; II – garantir a autoridade das decisões do tribunal; III – garantir a observância de súmula vinculante e de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou de incidente de assunção de competência; § 1º A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou autoridade se pretenda garantir. § 2º A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal; assim que recebida, será autuada e distribuída ao relator da causa principal, sempre que possível. § 3º As hipóteses do inciso III compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e a sua não-aplicação aos casos que a ela correspondam.”
65
tribunais, na legislação federal infraconstitucional projetada, que por sua vez, ao que
tudo indica, retira seu fundamento constitucional de validade na competência da União
de legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CRFB/88).
Nessa linha, partindo da premissa da interpretação pela Constituição Federal, a
instituição de Reclamação para garantir a observância da tese jurídica também pelos
Tribunais de Justiças e Tribunais Regionais Federais é constitucional.
Não se olvida anunciar, na prática, a reduzida propositura de reclamações
perante os tribunais de segundo grau, vez que dada a dimensão sócio-jurídico do
incidente, sempre será interessante aos legitimados o esgotamento das vias recursais,
levando a controvérsia ao STJ e ao STF, de forma que serão raras as teses definidas em
último caso pelos tribunais de segunda instância (TJ ou TRF), e por consequência,
também raras serão as reclamações direcionadas a tais cortes. Bom que se diga, houve
certa facilitação para que esse incidente seja apreciado pelos tribunais superiores, pois
se presume a existência de repercussão geral acerca da matéria e mantém o efeito
suspensivo (art. 988)45 (RODRIGUES, 2013).
Após a exposição desses dois pontos fundamentais que são os efeitos
prospectivos da decisão do IRDR e o cabimento de reclamação em caso de não
aplicação ou aplicação incorreta da tese jurídica fixada, seguimos a doutrina de Cunha
(2011) sobre algumas considerações importantes acerca das consequências do
julgamento do incidente.
Pois bem. Expomos até agora o seguinte: após o seu julgamento, a tese firmada
será aplicada obrigatoriamente sobre todos os processos que versem sobre questão
idêntica e estejam em tramitação dentro dos limites geográficos de competência do
tribunal, cabendo reclamação em caso de não observância da tese jurídica.
Além disso, e aqui uma notável inovação processual, Cunha (2011) defende
que o efeito vinculativo do incidente poderá ser utilizado pelo juiz para julgar
liminarmente improcedente o pedido e pelo relator, no tribunal, para negar seguimento
ou dar provimento imediato a recurso, dependendo de que se fundamente na tese
jurídica firmada na incidente ou não.
Os apontamentos do doutrinador são importantes, a tendência da legislação
projetada com enfoque na uniformização jurisprudencial parece ter se fundido aos
45 “Art. 998. O recurso especial ou extraordinário interposto contra a decisão proferida no incidente tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional discutida.”
66
mecanismos processuais ainda vigentes no CPC/73, a saber, o julgamento liminar de
improcedência (285-A) 46 e os poderes conferidos ao relator para resguardar a
jurisprudência (art. 557) 47 , em prol do aproveitamento máximo dos entendimentos
consolidados nas cortes de justiça. É clara essa percepção quando vislumbradas as
disposições do NCPC sobre a improcedência liminar do pedido (art. 333, III)48 e sobre o
relator (art. 945, IV, “c” e V, “c”).49
46 “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)” 47 “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998) § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998) § 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998) § 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)” 48 “Art. 333. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que: I – contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III – contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – for manifestamente improcedente por contrariar o ordenamento jurídico; V – contrariar enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.” 49 “Art. 945. Incumbe ao relator: I – dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova; II – apreciar o pedido de tutela antecipada nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; III – negar seguimento a recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; IV – negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. V – depois de facultada, quando for o caso, a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;
67
Como se vê, é bastante inovadora a lógica de vinculação da decisão do
incidente aos casos concretos. Após certo período sobrestados, os processos individuais
seguem seu curso normal, sendo aplicada a tese jurídica geral e analisadas pelo juízo de
primeiro grau as questões secundárias não comuns ou não repetitivas.
Há, como se vê, duas fases de julgamento do incidente. Uma essencialmente
destinada a resolver a questão de direito ou de direito e fato controvertida, perante os
tribunais de instância superior, e outra de aplicação da tese ao processo individualmente
considerado. Essa é outra marca fundamental do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, que se passa a analisar.
3.7 REPARTIÇÃO DA ATIVIDADE COGNITIVA
Após o julgamento do incidente, os processos sobrestados seguirão seu curso
normalmente, para apreciação das questões periféricas e aplicação da tese jurídica geral
(WAMBIER, 2011, p. 726).
Como se pode depreender, no IRDR também ocorre a repartição da atividade
cognitiva, em semelhança ao processo coletivo em defesa de direitos individuais
homogêneos.
A primeira fase corresponde ao julgamento das questões comuns (de direito ou
de direito e de fato) que efetivamente ensejaram ou potencialmente poderia ensejar a
propositura de ações repetitivas.
Nessa primeira parte da cognição, o incidente assume verdadeira natureza de
processo objetivo, pois o seu processamento se move em nome do interesse público pela
definição da tese jurídica a ser aplicável às ações repetitivas, interesse esse que se
sobrepõe aos direitos individuais das partes no processo no qual foi instaurado o
incidente (RODRIGUES, 2013, p. 207).
A segunda fase, por sua vez, consubstancia-se com a cessação da suspensão
geral e aplicação da tese jurídica central aos processos individuais, presentes e futuros.
Importa dizer, nesse tópico, que o já mencionado “efeito prospectivo” do julgamento do
IRDR é clara opção do NCPC (art. 995, §1º).
VII – determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso; VIII – exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.”
68
A tese jurídica é aplicada aos processos que versem sobre a questão comum,
que no momento da admissão do incidente estavam sobrestados, mas também sobre os
eventuais processos ajuizados após o julgamento, desde que, em ambas as situações,
tramitem ou venham a tramitar na área de jurisdição do tribunal julgador.
Levantadas todas essas considerações, impende destacar que em vários
momentos da análise do IRDR pode-se verificar algumas características em comum
entre ele e o processo coletivo em matéria de direitos individuais homogêneos. Por esse
motivo, sem o objetivo de esgotar a temática, diga-se de passagem, será realizada uma
aproximação teórica entre o expediente e a ação coletiva, focando em seus objetivos e
técnicas de enfrentamento da litigiosidade de massa e das demandas repetitivas, no
capítulo seguinte.
69
4. APROXIMAÇÕES E PERSPECTIVAS ENTRE O PROCESSO COLETIVO E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
Como abordado ao longo desse estudo, o Processo Coletivo e o Incidente de
Demandas Repetitivas possuem o objetivo comum de lidar com demandas repetitivas,
evitando ou atenuando os seus efeitos deletérios.
Nessa fase final do estudo, mais voltado a uma análise comparativa,
inicialmente, será feita uma rápida abordagem da questão cultural em que se inserem
esses mecanismos processuais de enfrentamento das ações repetitivas, apontados seus
objetivos em comum e a lógica jurídica subjacente a cada qual.
Em seguida será feita abordagem mais estritamente jurídica, que se afunilará a
três pontos que nos pareceram centrais ao processo coletivo e se relacionam com o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a saber, a suspensão dos processos
individuais; a vinculação aos efeitos do julgado coletivo e o objeto material do
incidente.
4.1 APROXIMAÇÕES CULTURAIS E OBJETIVOS GERAIS EM COMUM
É assente que os processualistas e demais estudiosos do tema tracem objetivos
comuns entre a ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos e o referido
incidente, a saber, economia processual, racionalização da prestação jurisdicional,
promoção da segurança jurídica e tratamento isonômico entre os indivíduos por meio da
uniformização dos julgamentos.
Vejam-se as lições de Didier Jr. e Zaneti Jr. (2013, p. 35-36). Os referidos
juristas elegem algumas motivações políticas e sociais das ações coletivas, dentre os
quais a “uniformização dos julgados, com consequente harmonização social, evitação de
decisões contraditórias”, o “princípio da economia processual”, “redução de custos
materiais e econômicos na prestação jurisdicional”.
São ainda mais precisas as considerações de Mendes (2012, p. 220-221) sobre
os objetivos das ações coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos:
70
A defesa coletiva de direitos individuais atende aos ditames da economia processual; representa medida necessária para desafogar o Poder Judiciário, para que possa cumprir com qualidade e em tempo hábil as suas funções; permite e amplia o acesso à justiça, principalmente para conflitos em que o valor diminuto do benefício pretendido significa manifesto desestímulo para a formação da demanda; e, salvaguarda o princípio da igualdade da lei, ao resolver molecularmente as causas denominadas de repetitivas, que estariam fadadas a julgamentos de teor variado, se apreciadas de modo singular. (grifos do original)
Na mesma linha, a Exposição de Motivos do Anteprojeto, anteriormente citada
quando se tratou do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, destaca a
celeridade possibilitada pelo julgamento em bloco das questões comuns, uniformização
da jurisprudência, em especial partindo da premissa da função dos tribunais superiores
de prestarem coerência e uniformidade da ordem jurídica, de sorte a alcançar a
segurança jurídica e tratamento isonômico dos jurisdicionados.
Esses apontamentos permitem, claramente, vislumbrar que o processo coletivo
e o incidente comungam de escopos semelhantes, a fim da resolução de demandas
massificadas e comuns a um sem número de indivíduos.
Esse sintoma deriva do fenômeno de massificação das relações sociais
(AMARAL, 2012) que é premissa social da existência desses mecanismos processuais.
Todavia, cada um, a sua maneira, propõe soluções diversas aos conflitos massificados.
O processo coletivo parte do pressuposto da “molecularização” da lide, na
expressão o mestre Kazuo Watanabe, e isso desde já, no primeiro grau de jurisdição, um
representante adequado se apresente para defender os interesses individuais
homogêneos do grupo.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, ao seu turno, lança mão da
técnica de julgamento em bloco, afastando-se das “ficções jurídicas” representativas, a
fim de figurar como espécie de “class action, sem classe” (CABRAL, 2007, p. 128).
Essa diferença no tratamento das demandas repetitivas tem origem cultural.
Perceba-se que enquanto nas ações coletivas, a inspiração do direito brasileiro foi a
class action norte-americana, quanto ao incidente, os juristas elaboradores do projeto do
NCPC se espelharam no procedimento-modelo germânio (Musterverfahren).
Enquanto o primeiro é afeto a técnica de tutela coletiva de direitos individuais
através de ações representativas (ações de classe) a fim de promover a responsabilização
71
civil e obtenção de reparações indenizatórias, o segundo não desenvolveu culturalmente
a ideia de tutela coletiva com fulcro na reparação por danos individualmente sofridos
(CABRAL, 2007).
As diferenças culturais e jurídicas entre o modelo norte americano e o
germânico (STÜNER, 2011) reverberaram os diferentes direcionamentos no trato das
demandas coletivas e repetitivas. E isso tudo, influenciou e continua a influir no sistema
processual brasileiro.
Conforme aponta a doutrina acerca do direito processual coletivo comparado, a
Alemanha não possui uma cultura jurídica voltada para a tutela coletiva de direitos
individuais como se deu aqui no Brasil, após a edição do Código de Defesa do
Consumidor em 1990 (seguindo o mandamento constitucional, art. 48, do ADCT, da
CRFB/88), motivo pelo qual suplantou a dificuldade de enfrentar demandas repetitivas
criando o procedimento-modelo, isto é, resolução de questões comuns partindo de um
processo individual como paradigma, aplicando o entendimento firmado nele aos
demais casos semelhantes, às ações repetitivas (RODRIGUES, 2013, p. 167-168).
Ao analisar as ações coletivas sob a perspectiva do direito comparado, Mendes
(2012, p. 114 e ss.) aduz que, na Alemanha, desponta na tutela judicial coletiva a
utilização das ações associativas (Verbandsklagen), cuja disciplina legal é dispersa em
vários diplomas.
Em que pese o emprego dessas ações associativas para a defesa de interesses
individuais, estas não se prestam “para a persecução de indenizações decorrentes de
perdas e danos” (MENDES, 2012, p. 115), ou seja, não realizam a tutela coletiva de
direitos individuais; não há naquele país uma ação equivalente à ação civil coletiva em
defesa dos direitos individuais homogêneos, como é da realidade brasileira,
notadamente, por obra do legislador consumerista na década de 90.
Como aponta o respeitado doutrinador, na Alemanha pode-se notar
“claramente a falta de instrumentos coletivos hábeis para as demais espécies de
providências jurisdicionais pretendidas, marcadamente para a persecução de
indenizações por danos causados” (MENDES, 2012, p. 117).
Exatamente por esta razão que foi criado o Musterverfahren (inspiração do
IRDR), no âmbito do mercado de capitais (KapMuG), ao se deparar com a crise
72
judiciária após a explosão de demandas individuais intentadas em desfavor da empresa
Deutsche Telekom, fundadas na mesma situação jurídica, como bem descreve o
professor da UERJ:
A edição da KapMuG decorreu da grande quantidade de demandas individuais que foram ajuizadas na Alemanha, especialmente em Frankfurt, em face da empresa Deutsche Telekom, que possui cerca de três milhões de acionistas, sob o fundamento de que a demandada teria produzido, nos anos de 1999 e 2000, prospectos com informações incorretas, gerando prejuízos aos investidores. O número elevado de processos, aproximadamente doze mil apenas no Landesgericht [Tribunal] de Frankfurt, ensejou demora nos julgamentos e reclamações que chegaram até a Corte Constitucional alemã, sob a alegação de denegação de justiça, tendo a Corte Suprema, já em 2004, apontado para os órgãos judiciais envolvidos que deveriam adotar outros procedimentos como o julgamento de casos-modelo para a prestação jurisdicional. (MENDES, 2012, p. 121).
Como se percebe, está claro que a instituição do procedimento-modelo alemão
se deu pela própria deficiência do sistema jurídico alemão, quando se viu diante do
exorbitante número de processos relativos às fraudes praticadas no mercado mobiliário.
Tanto o é que o procedimento-modelo germânico foi implantado com prazo de validade,
revelando a excepcionalidade do emprego do sistema de tutela coletiva de direitos
individuais, este, aqui em terrae brasilis, bastante desenvolvido, por sinal.
Após esses substanciais apontamentos sobre o direito comparado, é de se
questionar os motivos de se importar um instituto de um país que não têm tradição
comparável, ao menos com a nossa, para resolver os problemas das lides de massa.
Há doutrinadores, contudo, que veem no procedimento-modelo alemão uma
alternativa aos problemas teóricos e de efetividade das ações coletivas brasileiras, como
é o caso do eminente Cabral (2007), este levantando a discussão sobre incidentes de
coletivização, ainda quando em debate o Código de Processo Coletivo.
Concorda-se, desde que, evidentemente, não se tenha essa alternativa como um
substituto da ação coletiva, o que não é de se cogitar. Se por um lado, a doutrina
(CABRAL, 2007) aponta praticamente uma falência do modelo das ações coletivas
representativas ou sua inefetividade para resolução de demandas de massa ou repetitivas
(ROQUE, 2013), outros juristas entendem que nem mesmo o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas poderá atingir os efeitos esperados (ARENHART, 2013, p. 19),
pois o que há é a má aplicação das ações coletivas, como sustenta Rossi (2012):
(...) o IRDR é um retrocesso ao sistema das ações coletivas por anos mal aplicadas e indevidamente utilizadas no Brasil, quer em razão do
73
desconhecimento técnico-jurídico do processo coletivo, quer por ausência de implementação de políticas públicas que o incentivem (ROSSI, 2012, p. 236).
Pois bem. Há doutrinadores que enobrecem as ações coletivas e há outros que
apostam na busca de outro sistema como o do IRDR, mas é certo que se ambos têm por
objetivo comum a resolução de demandas seriais, melhor é considerá-los sistemas que
se complementam nesse intento. Defende-se, portanto, a coexistência do processo
coletivo e do referido incidente à brasileira, nos filiando a doutrina de Leonel (2012, p.
176-177).
Feitas essas considerações sobre aspectos culturais e objetivos comuns de
enfrentamento de demandas seriais, parte-se agora, para a análise mais propriamente
jurídica do tema, em comparação das ações coletivas e o incidente em comento, no
tocante à suspensão das demandas individuais.
4.2 A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS INDIVIDUAIS
A instituição da suspensão de demandas individuais no processo coletivo e no
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas apresenta-se como a primeira
manifestação da necessidade de contenção das demandas repetitivas.
No processo coletivo, Venturi (2007, p. 359) identifica que são escopos da
suspensão a economia processual, “ao evitar a multiplicação de demandas individuais
com o mesmo objeto”, e também “evitar-se, tanto quanto possível, a contradição entre
julgados coletivos e individuais”. A sua importância no contexto de ações repetitivas é
fundamental.
Já que não há de se cogitar de litispendência ou conexão entre as ações
individuais e a ação coletiva em matéria de direitos individuais homogêneos (LEONEL,
2011), a suspensão é o único meio de ser imediatamente refreado o andamento de
processo individual para dar preferência à resolução do litígio pela ação coletiva. Mas,
pelo sistema legal brasileiro, somente ao autor da demanda individual caberá decidir
pela suspensão ou não o processo individual (regime opt in).
Sendo ajuizadas várias demandas individuais versando sobre a mesma matéria
de ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, a suspensão somente
74
vai se realizar por iniciativa do litigante individual, segundo prevê o art. 104, do CDC50,
após tomar ciência da existência do processo coletivo.
Não há qualquer impeditivo a que a demanda coletiva corra em paralelo à
individual, se o autor não optar pela suspensão. Há o que Zavascki (2014, p. 158) chama
de “princípio da integral liberdade de adesão ou não ao processo coletivo”, que se
manifesta, em especial, na “liberdade de promover ou de prosseguir a ação individual,
simultânea à ação coletiva.”
Esse quadro normativo, que reflete uma “opção de política legislativa”
(ZAVASCKI, 2014), favorece a multiplicação de demandas repetitivas, pois inverte a
ordem da mencionada “molecularização” do conflito, em favor das ações
individualmente propostas.
Não deixa passar despercebida a preferência ou mesmo um claro incentivo à
postulação individual do direito - a propositura de demandas individuais em descrédito
da ação coletiva (ARENHART, 2013).
Caso pretenda ser beneficiado por eventual procedência da ação coletiva,
suspende-se a demanda individual, e aguarda-se o desfecho da controvérsia. Contudo,
não querendo, o autor individual simplesmente prossegue com sua ação, ainda que
tenha por objeto a mesma lide que deu origem a ação coletiva para tutela de direitos
individuais homogêneos.
São (virtualmente) duas ações, uma coletiva e outra individual deduzindo o
mesmo conflito sociológico, a mesma lide. Diz-se virtualmente porque, ora, podem ser
inúmeros os autores individuais que pretendam não verem suspensas suas ações. Daí a
repetição das ações inutilmente (demandas repetitivas), sem privilégio daquela coletiva
que tem por objetivo a solução unificada da lide.
Por outro lado, o regime de suspensão diverso do brasileiro, chamado de opt
out, encampa outra solução legislativa e é acolhido no direito norte americano (class
action). Nesse, a extensão dos efeitos da sentença coletiva não dependerá da iniciativa
50 “Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”
75
do litigante individual; de pronto, após a instauração e ampla publicidade da ação
coletiva, todos os processos individuais são suspensos, automaticamente, aguardando-se
o desfecho da lide coletiva; o litigante interessado no seu prosseguimento normal é
quem deve ter a iniciativa de buscar a exclusão, renegando os benefícios da
procedência.
A lógica dos sistemas é invertida. No regime opt in, a eficácia e amplitude da
ação coletiva dependem do litigante individual, de optar por suspender ou não a
demanda, muitas vezes demandas repetitivas. No regime opt out, o litigante individual é
induzido a tomar a iniciativa, se realmente quiser se opor a suspensão de sua ação,
então, nesse regime, utiliza-se da “força da inércia em favor da tutela coletiva”
(ROQUE, 2013, p. 583).
Assim, fica fácil compreender a crítica do professor Arenhart (2013, p. 49) no
sentido de que o sistema adotado pelo legislador brasileiro (opt in) é um “incentivo à
litigiosidade”. Ora, no sistema brasileiro o centro gravitacional de defesa dos direitos é a
ação individual. Sendo ela proposta, de pouca importância é a propositura da ação
coletiva, pois não lhe afeta (não suspende) e não vincula o resultado daquela em caso de
improcedência desta (somente a procedência pode lhe atingir e para beneficiar,
obviamente). O carro-chefe da tutela jurisdicional é a ação individual. A ação coletiva é
um mero plus (GIDI, 2007 p. 73).51
Todo esse contexto de deficiência das ações coletivas, baseada nas disposições
do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), inspirou a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça a buscar em outros mecanismos processuais a suspensão de
demandas repetitivas.
Essa inspiração jurisprudencial adveio exatamente da lógica de julgamento em
bloco, de casos-pilotos, disciplinadas nos arts. 543-B e 543-C, do CPC, incluídos pela
Lei de Recursos Repetitivos (Lei n.º 11.672/08).
A disciplina dos recursos especiais repetitivos tem por pressuposto a
“multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito” (art. 543-
C). Claramente, essa profusão de recursos idênticos é fruto de ações igualmente
repetitivas as quais não foi dado o tratamento “molecular” através de ação coletiva, mas
51 Embora a crítica seja direcionada mais especificamente ao regime de coisa julgada no processo coletivo brasileiro.
76
que seguiram individualmente toda a tramitação processual até chegarem a Corte
Superior.
Conforme a disposição legal, a suspensão dos recursos repetitivos se dará
depois de admitido recurso especial representativo da controvérsia. Assim, serão
“suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior
Tribunal de Justiça” (art. 543-C, §1º).
A suspensão dos processos individuais, que no processo coletivo se subordina
ao escrutínio do litigante individual, pela lógica dos recursos repetitivos, fica suprimida
por determinação legal expressa.
Contudo, essa regulação dos recursos excepcionais somente a eles serviam, em
outras palavras, somente eram suspensos recursos excepcionais, mas as ações em
primeiro grau continuavam a se proliferar nos gabinetes dos magistrados.
Segue-se, então, a criação jurisprudencial por parte do Superior Tribunal de
Justiça, através do REsp n. 1.110.549/RS52, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. No
caso concreto estava em discussão controvérsia sobre aos planos econômicos
brasileiros, típico exemplo de demanda de massa, como apontado por Amaral (2012, p.
243-244).
A grande contribuição do precedente se dá em razão de que inverte a lógica do
CDC de oferecer somente ao litigante individual a faculdade de optar pela suspensão ou
não de sua ação, quando em curso ação coletiva sobre a mesma matéria.
Com efeito, em se tratando da “macro-lide” veiculada em ação coletiva, o
entendimento foi de que ao Poder Judiciário será transmitido o juízo de oportunidade da
suspensão ou não da ação individual. Como se pode ver: (...) a faculdade de suspensão, nos casos multitudinários abre-se ao Juízo, em atenção ao interesse público de preservação da efetividade da Justiça, que se frustra se estrangulada por processos individuais multitudinários, contendo a mesma e única lide, de modo que válida a determinação de suspensão do
52 RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE. 1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. 2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008). 3.- Recurso Especial improvido. (REsp 1110549/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 14/12/2009)
77
processo individual, no aguardo do julgamento da macro-lide trazida no processo de ação coletiva. 53
Essa interpretação jurisprudencial foi aplaudida por doutrinadores como
Donizetti e Cerqueira (2010), Didier Jr. e Zaneti Jr. (2012) e Leonel (2011), por colocar
a tutela coletiva em seu local de privilégio sobre a tutela individualizada.
Atente-se que houve nítida manifestação da vontade pela não concordância
com a suspensão do feito individual, contudo, mesmo assim, prevaleceu o interesse
público pela manutenção do sobrestamento.
Essa linha teórica se aproxima da já mencionada tendência do processo
coletivo de tratar a lide de maneira global, “molecularizada”, na feliz expressão do
mestre Kazuo Watabane, várias vezes mencionada nesse estudo.
No julgado, ficou assentado, ainda, o entendimento de que seria de pouca valia
se sobrestados somente os recursos repetitivos, por isso, ficou decidido a validade da
suspensão dos processos já em primeiro grau de jurisdição. Vejamos as palavras do
ministro relator condutor do voto vencedor: Note-se que não bastaria, no caso, a utilização apenas parcial do sistema da Lei dos Processos Repetitivos, com o bloqueio de subida dos Recursos ao Tribunal Superior, restando a multidão de processos, contudo, a girar, desgastante e inutilmente, por toda a máquina jurisdicional em 1º Grau e perante o Tribunal de Justiça competente, inclusive até a interposição, no caso, do Recurso Especial. Seria, convenha-se, longo e custoso caminho desnecessário, de cujo inútil trilhar os órgãos judiciários e as próprias partes conscientes concordarão em poupar-se, inclusive, repita-se, em atenção ao interesse público de preservar a viabilidade do próprio sistema judiciário ante as demandas multitudinárias decorrentes de macro-lides. 54
Com esse julgado, ao processo coletivo abriu a possibilidade da suspensão dos
processos individuais se tornar mais efetiva e não somente ficar a cargo do litigante
individual. Essa orientação foi expressamente adotada pelo Projeto de Lei da Nova
Ação Civil Pública (Lei n.º 5.913/2009), em seu art. 37.55
Contudo, há algumas críticas ao precedente, duas em especial que merecem
análise nesse estudo. Como sustentam Donizetti e Cerqueira (2010, p. 239-240), há a
53 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200900070092&dt_publicacao=14/12/2009>. Acesso em: 10 abr. 2014. 54 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200900070092&dt_publicacao=14/12/2009>. Acesso em: 10 abr. 2014. 55 “Art. 37. O ajuizamento de ações coletivas não induz litispendência para as ações individuais que tenham objeto correspondente, mas haverá a suspensão destas, até o julgamento da demanda coletiva em primeiro grau de jurisdição.”
78
necessidade de se possibilitar a concessão de medidas de urgência na ação individual e
também de fixação de um prazo razoável de validade da suspensão, sob pena de não ser
assegurado o direito fundamental à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII,
CRFB/88).56
De outra ponta, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas parece
“agradar gregos e troianos”. Primeiro, porque possibilita a determinação de suspensão
de todos os processos que se encontrem dentro da competência territorial do tribunal
julgador (art. 990, §1º, I), não havendo consulta prévia aos litigantes individuais. Além
disso, abre a possibilidade de concessão de medidas de urgência e de requerimento para
solicitar o prosseguimento da ação individual sobrestada indevidamente (art. 990, §§ 3º
e 4º), bem como prevê o prazo de um ano, prorrogável por decisão fundamentada, de
suspensão dos processos em aguardo do julgamento do incidente.
Nesse ponto, a suspensão, que como visto, poderá ser a nível nacional, regional
ou estadual, coloca o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em posição de
superioridade ao processo coletivo no trato de ações isomórficas, dado que, à
semelhança do que ocorre no regime opt out, a inércia do litigante favorece a eficácia da
suspensão.
Acredita-se, inclusive, que a suspensão poderá atingir a processos futuros que
versem sobre a mesma matéria, até porque se não for assim não há sentido na regra que
determina a aplicação da tese jurídica do incidente para os casos futuros (art. 995, § 1º).
Analisada essa primeira providência comum de suspensão dos processos
individuais, na tentativa de conter a multiplicação de demandas isomórficas, passa-se ao
tema em comum da vinculação ao julgado.
4.3 VINCULAÇÃO AO JULGADO
A vinculação ao julgado é tema da maior relevância em se tratando de
demandas repetitivas. O maior alcance dos efeitos do julgado encontra tendência
proporcional de maior dificuldade de sua legitimação e preservação de garantias
constitucionais de caráter tipicamente individual.
56 “Art. 5º (...) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
79
O processo coletivo utiliza-se de vários mecanismos aptos à vinculação ao
conteúdo do julgado, contudo é alvo de ácidas críticas doutrinárias.
Um verdadeiro óbice à efetividade e pacificação social almejada da tutela
coletiva de direitos individuais diz respeito aos efeitos da decisão sobre a esfera
individual, em caso da procedência ou da improcedência da ação coletiva. Ou seja, a
vinculação ao julgado coletivo.
Como visto, a eficácia do julgado, primeiramente, está fortemente subordinada
ao crivo do litigante individual, que pode optar ser beneficiado (opt in e suspensão da
ação individual) aproveitando-se da eventual procedência, ou optar não ser beneficiado
(opt out e não suspensão da ação individual), prosseguindo com a lide individualizada
em paralelo com a ação coletiva.
Todavia, a preferência da tutela individual sobre a coletiva manifestada pelo
ordenamento jurídico brasileiro vai além. A coisa julgada no processo coletivo de tutela
de direitos individuais homogêneos se opera somente para beneficiar os particulares,
nunca para denegar-lhes direitos em decorrência da eventual improcedência do pleito
coletivo. É a dinâmica da coisa julgada secundum eventum litis. Julga-se somente para
beneficiar, nunca para prejudicar.
Como assenta Violin (2010, online), “a extensão dos efeitos da sentença
coletiva ao plano individual é limitada pelo CDC à hipótese de procedência da ação.”
Mesmo na improcedência da demanda coletiva, é sempre aberta a via da ação
individual de postulação daquele mesmo direito individual, coletivamente apresentado,
pois a coisa julgada não atinge nem vincula os particulares (art. 103, §2º do CDC).57
A “decisão contrária aos representados será absolutamente ineficaz no plano
individual” (VIOLIN, 2010, online), ressalvada, a hipótese de litisconsórcio do
particular com substituto processual que propõe a ação coletiva, pois, como participa do
contraditório, a coisa julgada se impõe também sobre ele (LEONEL, 2011, p. 293).
Nesse sentido, Antônio Gidi (2008, apud VIOLIN, 2010) faz a ressalva de que,
sendo improcedente a ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, a
57 “Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: (...) III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. (...) § 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.”
80
coisa julgada se faz pro et contra, impedindo aos legitimados coletivos a repropositura
da ação, ou seja, com a improcedência fecha-se a via coletiva de defesa desses direitos.
Ou seja, para os “legitimados coletivos haverá sempre coisa julgada material”
(LEONEL, 2011, p. 292).
Contudo, o titular individual que queira ainda discutir em juízo a sua situação
particular poderá propor sua demanda, pois não foi vinculado pela coisa julgada, é dizer,
a via individual permanece intocável e aberta para acionar Estado-juiz.
Um franco contrassenso teórico, pois põe a tutela individual em condição de
superioridade e resguardo em detrimento da tutela coletiva, além de abrir possibilidade
para decisões contraditórias, por exemplo, com a improcedência da ação coletiva e a
procedência de ação individual. Se for assim, de que serviu a ação coletiva? De que
serve discuti-la e negar procedência e, em seguida, permitir o acionamento
individualizado da justiça?
Analisando a questão, Rodrigues (2013, p. 67) destaca que o regime de coisa
julgada secundum eventum litis concorre para a “baixa efetividade, ou mesmo
verdadeira inutilidade, do processo coletivo nas hipóteses em que seu pedido é julgado
improcedente”, exatamente por não resolver o litígio e deixar a via aberta para
ajuizamento de ações individuais.
O regime da suspensão da ação individual e da coisa julgada adotada pela
legislação brasileira, notadamente, o Código de Defesa de Consumidor (arts. 103 e 104)
se apresenta como verdadeiro entrave à efetividade máxima da tutela coletiva, pois o
julgado coletivo não impede de maneira eficaz a multiplicação de demandas individuais
sobre a mesma questão comum compartilhada por um sem número de pessoas, seja
porque a suspensão se opera exclusivamente por iniciativa do litigante individual
(regime opt in), seja porque os efeitos negativos do julgado coletivo (a improcedência)
não lhe alcança (coisa julgada secundum eventum litis).
O regime opt in adotado no direito brasileiro confia tão somente ao litigante
individual a suspensão ou não de sua ação. E ainda que haja a suspensão por iniciativa
do particular, com a improcedência da ação coletiva, não ficará prejudicada a ação
individual suspensa (LEONEL, 2011, p. 293), que retomará seu curso como se nada
houvesse acontecido, como se sua situação (comum em relação à coletividade de
atingidos pelo dano) não tivesse sido analisada pelo Poder Judiciário, e mais, “podendo
ainda o autor ver acolhida sua demanda individual”, graças à coisa julgada secundum
eventum litis (GRINOVER, 2011, p. 213).
81
Essa inadequação da legislação processual coletiva (art. 103 e 104 do CDC)
para resolver as demandas repetitivas tem impulsionado a doutrina a buscar soluções no
direito comparado, notadamente no direito norte americano, vez que naquele não há
coisa julgada secundum eventum litis, mas a coisa julgada pro et contra.
Esta modalidade de coisa julgada privilegia a segurança jurídica definindo o
conflito de uma vez por todas, pois a improcedência da ação coletiva vincula aos
particulares a este resultado (ROQUE, 2013, p. 591).
Ademais, promove maior eficácia da ação coletiva e a economia processual,
como aduzem, irretocavelmente, Donizetti e Cerqueira (2010, p. 368): Um dos fundamentos ou objetivos da ação coletiva consiste na economia processual, visto que a eficaz tutela dos direitos coletivos importa, inevitavelmente, na redução da quantidade de ações ajuizadas individualmente e, por consequência, do número de processos nos tribunais com a mesma matéria a ser decidida. Economizam-se gastos inerentes à prestação jurisdicional, evitam-se julgamentos contraditórios e contribui-se, assim, para o melhor funcionamento e para a harmonia do sistema jurídico. A extensão da coisa julgada conforme o resultado da lide [secundum eventum litis], porém, desprestigia a economia processual e a própria eficácia da tutela coletiva, ao permitir que, após julgado improcedente o pedido formulado em ação coletiva suficientemente instruída e adequadamente litigada, sejam utilizadas ações individuais para reverter, no plano individual, o resultado negativo da demanda coletiva.
Todavia, a mudança do regime de coisa julgada para pro et contra somente
poderá ser feita acompanhada da translado e boa aplicação do instituto da representação
ou atuação adequada, da ampla notificação, e possibilitar ao particular requerer a
exclusão dos efeitos do julgado (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 365). Além do
que, a opção pelo regime da coisa julgada consubstancia uma “questão de política
legislativa” (LEONEL, 2011, p. 292) ou também dita de “política judiciária”
(DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 370)
Seguindo o modelo adotado pelo ordenamento brasileiro e sua opção política
pela coisa julgada secundum eventum litis, em caso de improcedência da ação coletiva,
não prejudicando ou atingindo os particulares, a única “utilidade” que restará àquela é a
de servir de precedente desfavorável à procedência da ação individual (ARENHART,
2013, p. 366).
Por outro lado, há de se falar ainda na coisa julgada in utilibus. Desta, decorre
o aproveitamento da procedência de ação coletiva em matéria de direitos difusos ou
coletivos (LEONEL, 2011). Servirá ao particular valer-se do julgado coletivo como
ação de conhecimento, partindo diretamente para a fase de liquidação e execução
individual (GRINOVER, 2011, p. 205).
82
Contudo, o aproveitamento do julgado coletivo pelo titular individual somente
opera em caso de procedência dos pedidos da ação coletiva. Pode-se perceber, que esse
regime de coisa julgada é um excelente instrumento para prevenir demandas seriais,
pois a situação mais cômoda ao litigante individual será a de esperar o resultado da ação
coletiva, e somente em caso de improcedência, intentar a ação individual (DONIZETTI,
CERQUEIRA, 2010, p. 362).
Por outro lado, por força do regime secundum eventum litis, a improcedência
das ações coletivas não impedem a rediscussão da mesma matéria de fato e de direito
em ações individuais, e a coisa julgada in utilibus só tem lugar quando se presta a
beneficiar e não denegar direito aos titulares individualmente considerados. Assim, resta
aberta a possibilidade de proliferação de demandas seriais.
No processo coletivo, em suma, a vinculação aos efeitos do julgado somente
existe para beneficiar os particulares, e a improcedência da ação coletiva não impede a
propositura de ações individuais (coisa julgada secundum eventum litis), e assim, cria-se
condições para a multiplicação de processos repetitivos. Noutra banda, a coisa julgada
in utilibus oferece a possibilidade do titular de direito individual de aproveitar a
sentença coletiva de procedência em seu favor, evitando a proliferação de ações
isomórficas enquanto sabido do trânsito em julgado ou mesmo do ajuizamento de ação
coletiva em matéria de direitos difusos e coletivos.
A vinculação ao julgado coletivo, em sede de ações coletivas, portanto, não
alcança o efeito esperado de controlar a multiplicação de demandas seriais.
Situação bastante diferente ocorre segundo a disciplina atual do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas. Como já foi demonstrado, nesse, segue-se uma
lógica mais incisiva que no processo coletivo, pois que a tese jurídica vencedora no
incidente será aplicada obrigatoriamente aos processos sobrestados e os futuramente
intentados. Mendes e Rodrigues (2012, p. 193) e Amaral (2012) chegam sugerir que no
IRDR a decisão produz eficácia pro et contra.
É bem verdade que os efeitos da decisão do IRDR sobre o plano individual
chega a ser mais amplo que do que ocorre no processo coletivo, mesmo considerando o
trânsito em julgado de ação coletiva e a coisa julgada in utilibus a atingir processos
individuais futuros.
O IRDR goza de certa superioridade nesse quesito porque a sua
correspondência a um verdadeiro precedente ou súmula vinculante (RODRIGUES,
2013) supera, sem dificuldade, a questão má resolvida do processo coletivo com a coisa
83
julgada secundum eventum litis, que não impede a propositura de ações individuais e
repetitivas após a improcedência do pedido. Ora, fixando-se a tese jurídica em sentido a
denegar o direito pleiteado em uma plêiade de ações semelhantes, essas, a rigor, estarão
fadadas à improcedência, e mais ainda, os processos futuramente instaurados sobre o
mesmo tema (art. 995, § 1º).
Aproveitando a deixa sobre os mecanismos de vinculação utilizados, ainda
cumpre fazer comentário acerca da limitação dos efeitos vinculativos do julgado do
incidente, é dizer, a limitação à aplicação da tese geral somente aos processos que
tramitem ou venha a tramitar na área de jurisdição do órgão julgador (art. 995 caput e
§1º).
A limitação é ilegítima. Assemelha-se aquela vindicada pelo art. 16, da LACP,
em sede de processo coletivo confinando a tutela coletiva de direitos individuais.
Imagine-se não haverá problema quando o incidente estiver sob a jurisdição do STJ ou
do STF, mas em relação aos tribunais de segunda instância poderá surgir situações em
que leve a ser admitidos vários incidentes sobre a mesma matéria em mais de um
tribunal.
Lesões decorrentes de compras coletivas ou publicidade enganosa, veiculadas
geralmente pela internet ou defeito de série em veículos podem facilmente vir a
acarretar danos em mais de um estado-membro (TJ) ou em mais de uma região (TRF),
de sorte que não é razoável que o julgamento do incidente somente tenha aplicabilidade
dentre os limites geográficos da jurisdição de tribunais de segundo grau, sob pena de ser
repetido o equívoco do art. 16, LACP.
Equívoco que, por sinal, ao limitar o alcance do incidente poderá sofrer dos
mesmos malefícios que o art. 16, LACP trouxe ao processo coletivo, ao contribuir para
“a multiplicação de processos, a sobrecarregarem os tribunais, exigindo múltiplas
respostas jurisdicionais quando uma só poderia ser suficiente.” (GRINOVER, 1999
apud ALMEIDA, 2011, p. 229).
Nesse sentido, Rodrigues (2011, p. 105), embora não faça menção ou
correlação à limitação do art. 16, da LACP, aduz que a codificação projetada poderá
suscitar grave problema com a “possibilidade de uma série de decisões conflitantes caso
exista, incidentes suscitados em diferentes Estados da Federação acerca de uma mesma
questão jurídica (p. ex. sobre matéria processual).” Essa preocupação doutrinária reforça
a impropriedade da limitação territorial de eficácia do incidente.
84
Em sendo questões comuns de “repercussão nacional”, como solução à
instauração de vários Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em Tribunais de
segundo grau, entende-se ponderada a previsão de suscitar o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas diretamente perante o Superior Tribunal de Justiça, para que os
efeitos do julgado, igualmente, possua repercussão nacional, como ventilado por
Rodrigues (2013, p. 211), embora não especificamente como solução para a
problemática aqui levantada.
Ainda nesse tópico, há de se ter em mente que, a fim de promover a vinculação
ao julgado, é comum ao processo coletivo e ao Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, fixação de uma tese jurídica a ser aplicada aos casos individuais. Além
disso, ambos utilizam-se da técnica da cisão da atividade cognitiva.
A doutrina especializada de Araújo Filho (2000, p. 114) aponta que
“caracteriza-se a ação coletiva por interesses individuais homogêneos exatamente
porque a pretensão do legitimado concentra-se no acolhimento de uma tese jurídica
geral, referente a determinados fatos, que pode aproveitar a muitas pessoas.” (grifo
acrescido).
Ademais, fixada a tese, que nada mais é do que o entendimento ou
interpretação sobre a controvérsia comum, parte-se, no processo coletivo, para uma
segunda fase, que corresponde a liquidação e execução individual. Ou seja, existe
repartição da atividade cognitiva, inclusive esta é uma característica fundamental das
ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos (ZAVASCKI, 2014, p.
151-152).
Rodrigues (2013), por várias vezes aduz que, no IRDR, o objetivo primordial é
a formulação de uma tese jurídica, por obra dos Tribunais de 2ª grau de jurisdição ou
Tribunais Superiores, se for o caso (quando houver a interposição de recursos
excepcionais, por exemplo). Esse será o primeiro momento do equacionamento jurídico
da controvérsia repetitiva, pois em seguida será determinada aos magistrados de
primeira instância aplicar a tese ao processo individual que esteve sobrestado e julgar
demais pontos controvertidos periféricos, quando houver (WAMBIER, 2011, p. 726).
Ou seja, aqui também há a confecção da tese jurídica, bem como o emprego da técnica
de “cisão da cognição judicial” ou “cognição judicial segmentada”, segundo aduzem
Mendes e Rodrigues (2012, p. 205-206).
É, portanto, comparação bastante interessante entre os dois mecanismos
processuais, a investigação da forma de vinculação das ações individuais ao resultado
85
das decisões em processos coletivos e no IRDR, em especial porque aproximam-se
bastante as técnicas e fórmulas de julgamento das demandas seriais.
Examinadas as formas de vinculação aos julgados no processo coletivo em
matéria de direitos individuais homogêneos e no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, segue-se ao ponto final de análise do objeto material do incidente.
4.4 OBJETO MATERIAL DO INCIDENTE
O que se busca, nesse ponto, é destacar quais entre as subespécies de direitos
coletivos lato sensu podem ser objeto do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas, ou mesmo investigar se não seriam outras espécies de direitos que são
veiculadas através do referido expediente.
Consoante as lições doutrinárias colhidas e apresentadas ao longo desse estudo,
é fácil perceber que no referido incidente e nas demandas repetitivas em geral desponta
a figura do direito individual homogêneo como direito acidentalmente coletivo tutelado
via processo coletivo ou via o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
Muito embora juristas como Rosa (2010) e Baltazar Rodrigues (2011) não
entendam que o IRDR veicula pretensão relativa a direitos individuais homogêneos,
discorda-se desse entendimento, como já explicitado em linhas anteriores, somando-se a
corrente doutrinária de Mendes e Rodrigues (2012, p. 195), Rossoni (2010) e Serrano
Júnior (2011, p. 58) que entendem que são veiculados, através do referido incidente,
direitos individuais homogêneos.
Então, é inarredável a conclusão de que o IRDR e o processo coletivo em
matéria de direitos individuais homogêneos, ambos com objetivos comuns de fortalecer
o enfrentamento das demandas seriais, com a vigência do NCPC, caminharão na mesma
direção e poderão vir a somar as técnicas processuais de resolução de conflitos jurídicos
processuais massificados, seja porque ambos podem tratar de direitos individuais
homogêneos, seja porque são constituídos para tratar de questões de fato e de direito
comuns a uma coletividade.
Não se concorda com o posicionamento de alguns juristas que veem a ações
coletivas como técnica processual invariavelmente superada pelo IRDR, como sustenta
Rodrigues (2013). Para este jurista, o processo coletivo em defesa de direitos
individuais homogêneos somente terá utilidade quando o caso envolver enorme número
de microlesões individuais, que somente ganham repercussão quando consideradas
86
globalmente e passam justificar a tutela coletiva, ou seja, somente despontará alguma
importância da ação civil coletiva em casos de “danos de bagatela” (RODRIGUES,
2013, p. 217).
Segundo entende-se, a questão do uso ou maior utilização da ação coletiva ou
do IRDR deve caminhar para um campo de exame da oportunidade e conveniência, de
estratégia processual.
Veja-se o exemplo que de há uma ação individual já em curso no segundo grau
de jurisdição, tratando de matéria repetitiva ou passível de gerar a multiplicação de
processos, pois que envolve direito individual homogêneo, o Ministério Público poderá
pretender já suscitar o IRDR e não propor uma ação coletiva versando sobre aquele
mesmo tema, por uma questão de estratégia processual.
Se, por acaso, não houver ação judicial versando sobre aquela situação
homogênea, ou havendo ainda processos estes tragam muitas particularidades do titular
do direito individual, em tese, será mais eficaz a propositura de uma ação coletiva,
acompanhada de todo o conjunto de provas colhidas durante a tramitação de inquérito
civil, sendo ainda de se cogitar de suscitar o incidente dentro desta ação coletiva a fim
de pretender o efeito vinculativo sobre todas as ações posteriormente intentadas com o
mesmo objeto.
Ou ainda, em caso de não ser possível a propositura de ação coletiva em face
da vedação legal (inconstitucional) do leque de matérias tuteláveis coletivamente, como
ocorre por obra do art. 1º, parágrafo único, da LACP 58, o IRDR poderá suprir tal
dificuldade e ser suscitado perante os Tribunais de segunda instância para veicular
coletivamente pretensão sobre aquelas matérias vedadas à ação coletiva, já que quanto a
ele não ocorre qualquer restrição do seu objeto material.
Com efeito, é oportuno destacar que, enquanto o processo coletivo sofre de
algumas limitações inconstitucionais quanto ao direito material que pode ser tutelado
(art. 1º, parágrafo único, LACP) (ALMEIDA, 2003), o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas não sobre limitação dessa natureza, podendo discutir qualquer
litígio que apresente caráter coletivo, independente do direito material.
58 “Art. 1º (...) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)”
87
Nesse quesito, com acertado posicionamento, melhor doutrina sugere que o
incidente poderá colmatar essa verdadeira lacuna ou empecilho ilegítimo à máxima
eficácia da tutela coletiva, abrindo-se a solução massificada de questões que envolvam
contribuições previdenciárias, FGTS e tributos, por exemplo (ROSSONI, 2010).
Contudo, para que seja possível a sua utilização, faz-se o adendo, há
necessidade de que seja ou potencialmente sejam tratados em processos repetitivos ou
potencialmente repetitivos, devendo-se tratar de questão de direito, afastada qualquer
possibilidade de discussão de matéria estritamente fática (art. 988), ressalvada a
hipótese do art. 988, §9º.
Interessante destacar que o Musterverfahren (procedimento-modelo alemão)
foi criado para ser aplicado tão somente em conflito atinente ao mercado de capitais
(MENDES, 2012). Sobre o IRDR, no entanto, não há qualquer limitação temática, a não
ser, obviamente a restrição ao campo cível, podendo ser transladado para área
processual trabalhista, por exemplo.
Sendo assim, pode-se perceber que o objeto material comum ao IRDR e ao
processo coletivo é a subespécie de direito coletivo, o direito individual homogêneo, os
ditos acidentalmente coletivos. Por fim, quanto aos demais direitos, os essencialmente
coletivos (direitos difusos e coletivos em sentido estrito), segundo entende-se
encontram, no NCPC, sua sede de tutela na conversão de processo individual em
coletivo (art. 334 e ss.), além é claro, de também serem pleiteados por meio de ação
coletiva.
88
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atualidade do fenômeno de massificação permite observar que as grandes
estruturas econômicas e administrativas regem a vida dos indivíduos de modo a não
mais influenciar a vida de um único sujeito, isoladamente considerado.
As condutas ilícitas desses sujeitos possuem aptidão de irradiar-se
negativamente sobre a esfera jurídica de expressivo número de pessoas e desencadear
uma “corrida processual” individualizada e a consequente multiplicação de demandas
seriais ou repetitivas.
São exemplos dessa paradigmática transformação social danos decorrentes de:
publicidade enganosa, cobrança ilícita de tributos, distribuição de produtos nocivos à
saúde, corte de salários de uma categoria de obreiros, diferenças provocadas pela
aplicação dos índices econômicos definidos pelo governo nos planos Cruzado, Bresser,
Collor I e II e Verão, dentre outros.
Certamente, a tutela coletiva de direitos individuais tem a finalidade resolver
demandas repetitivas, decorrentes de uma origem comum e marcada pela
homogeneidade, motivo pelo qual o estudo dos direitos individuais homogêneos se faz
imprescindível àqueles que pretendam operar institutos processuais modernos como o é
o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, reforçando as aproximações
comparativas.
Partindo da evolução do processo coletivo, observou-se que a necessidade de
conter demandas seriais ou de massa sempre foi almejada, seja pela impossibilidade
prática de comparecerem todos os interessados em juízo, seja porque a mesma questão
controvertida poderia ensejar a propositura de várias ações individuais. Daí porque o
surgimento do antecedente histórico das class action, o chamado Bill of Peace.
De outra ponta, no direito norte americano, a modalidade das class actions
(class actions for damages) que inspirou a ação civil coletiva para defesa dos direitos
individuais homogêneos manteve essa preocupação com as ações repetitivas. Para tanto
se serviu de um modelo processual que privilegia a ação coletiva (representativa) em
face das centenas ou milhões de ações individuais, fazendo uso de técnicas como o right
to opt out (direito de exclusão), ampla notificação/publicidade da ação coletiva e o
regime de vinculação ao julgado coletivo (coisa julgada pro et contra). Desse modo, o
89
sistema norte americano também pautou as ações coletivas como elemento de contenção
de demandas repetitivas.
No Brasil, como visto, a tutela coletiva de direitos individuais teve seus
primeiros resquícios na Lei 7.913/89 (Lei de Defesa dos Investidores de Mercado de
Valores Imobiliários), mas foi o Código de Defesa do Consumidor que trouxe a
disciplina legal mais completa, com a definição (ainda que lacônica) de direito
individual homogêneo e a conformação da coisa julgada (secundum eventum litis) e
direito de autoexclusão (right to opt in).
Essas duas verdadeiras opções políticas pelos regimes de coisa julgada e
suspensão de ações individuais são tidas como grandes entraves à efetividade das ações
coletivas no direito brasileiro, pois não promovem a resolução da lide de maneira
definitiva, sempre permanecendo ao particular a opção de intentar a sua ação individual,
independentemente da solução que tenha dado a ação coletiva, tornado sempre aberta a
via para reprodução massificada de processos idênticos ou fundados em matéria de fato
ou de direito comuns.
Noutro giro, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, inspirado no
procedimento modelo alemão (Musterverfahren), buscou refrear as demandas
isomórficas através da aplicação vinculativa da tese jurídica fixada por tribunal de
segunda instância ou tribunal superior, em um dado processo individual ou coletivo
tomado como paradigma e representativo da controvérsia comum à massa de indivíduos
interessados.
As demandas repetitivas ou seriais, para serem solucionadas através do IRDR,
devem ter gerado ou potencialmente ensejar a propositura de processos repetitivos sobre
a mesma matéria de direito ou de direito e de fato (art. 988), ou, por exceção,
exclusivamente sobre a mesma matéria fática (art. 988, §9º).
Com o IRDR, poder-se-ia, desde logo, solucionar os vários processos
isomórficos já em curso (caráter repressivo), mas também, antecipar-se a proliferação
de ações individuais (caráter preventivo), fixando a tese jurídica sobre a matéria
controvertida e repetitiva, a ser aplicada inclusive sobre processos futuramente
intentados.
Além disso, o IRDR compartilha outra característica com as ações coletivas,
pois utiliza a técnica da repartição da atividade cognitiva, elemento fulcral das ações
coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos.
90
Como síntese do capítulo final, concluiu-se, fundamentalmente, que os
mecanismos processuais comparados partem de técnicas de julgamento diversas para o
enfrentamento das demandas seriais.
Enquanto o processo coletivo parte da premissa de conjugação do conflito
sociológico em uma única ação (molecularização da lide), o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas almeja o julgamento paradigmático, a decisão geral ou tese
jurídica a ser aplicada a todos os demais processos que envolverem a mesma
controvérsia jurídica.
Técnicas processuais diversas, sem dúvida, mas que podem conviver em
harmonia no ordenamento jurídico brasileiro.
As aproximações culturais permitem a visualização de que Projeto do Novo
Código de Processo Civil (NCPC), PL n.º 8.046/2010, lançou mão de um instituto do
ordenamento jurídico germânico, que não tem afinidade com a tutela coletiva de direitos
individuais, na modalidade de reparação de danos pessoais e responsabilização civil.
Aliás, se inspirou em uma indumentária jurídica criada em regime de urgência
para lidar com os vários processos relativos a uma típica lide massificada (fraude no
mercado de valores imobiliários) e com prazo de vigência expressamente previsto.
Além dessas constatações sócio-jurídicas, partiu-se para uma análise mais
técnica de aproximação do IRDR ao processo coletivo. Vislumbrou-se, primeiramente,
a questão da suspensão das demandas individuais.
Observou-se que a técnica em comum da suspensão dos processos individuais,
no processo coletivo, carece de maior eficácia, pois confere a prerrogativa de escolha da
suspensão ao litigante individual e por sua exclusiva iniciativa, o que não desencorajava
ou não impede o prosseguimento de centenas ou milhares de ações individuais em
paralelo com a ação coletiva.
Essa solução legislativa de suspensão no processo coletivo foi o que, aliás,
encorajou o Superior Tribunal de Justiça a firmar o entendimento de que ao juízo
também se abre a oportunidade de deliberar acerca do prosseguimento ou não de ações
individuais em paralelo com ações coletivas (REsp n. 1.110.549/RS), exatamente por
vislumbrar a necessidade de contenção da tramitação infrutífera de várias ações
isomórficas.
Diferentemente, a suspensão relativa ao incidente em questão ocorre como
consequência imediata do exame de admissibilidade positivo, impondo ao litigante
91
individual a iniciativa de procurar desfazer o sobrestamento e ainda prevendo um prazo
de eficácia da determinação de suspensão dos processos individuais.
Assim, em relação ao processo coletivo, o IRDR possuiu um regime de
suspensão de demandas repetitivas de melhor técnica, pois independe do litigante
individual para a suspensão operar seus efeitos, e se beneficia com inércia daquele,
mantendo sobrestadas as ações repetitivas.
O outro ponto fulcral diz respeito à vinculação ao julgado, no processo coletivo
e no IRDR. Inicialmente, foi apresentada a dificuldade enfrentada com a não
vinculação, em hipótese de improcedência de ação coletiva em defesa dos direitos
individuais homogêneos (coisa julgada secundum eventum litis), o que favorece a
multiplicação de processos sobre a matéria idêntica e torna a ação coletiva um
mecanismo de pacificação social ineficaz.
Quanto ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, vislumbrou-se
uma maior eficácia do julgado, pois o efeito vinculante da tese jurídica fixada possui
natureza bastante parecida com a súmula vinculante (art. 103-A, CRFB/88), alcançando
inclusive processos futuros, não abrindo espaço para a repetição de ações individuais.
Por derradeiro, analisou-se quais das espécies dos direitos coletivos poderiam
ser tutelados pelo incidente em questão, chegando a conclusão de que somente os
direitos individuais homogêneos podem ser tutelados, e mais interessante ainda, sem
qualquer limitação de direito material, como soí ocorrer no processo coletivo em relação
às matérias vedadas pelo art. 1º, parágrafo único da LACP.
Todavia, ainda é criticável a limitação territorial imposta ao IRDR (limites da
competência do tribunal), podendo-se trazer os mesmos deletérios efeitos que o art. 16,
LACP, trouxe á eficácia da ação coletiva.
Sendo assim, percebe-se que muitos pontos complexos ou imperfeitos das
ações coletivas são tratados no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas de
forma mais satisfatória, seja por este prescrever um sistema de suspensão e vinculação
ao julgado mais incisivo, seja por falta mesmo de uma dedicação maior a temática das
ações coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos.
Contudo, faz-se o registro de que a instituição ou busca por mecanismos como
o incidente em questão denota o reconhecimento tardio da importância de promover
maior investigação científica e prática da tutela coletiva de direitos individuais.
Com efeito, após a análise pormenorizada do tema, depara-se com a seguinte
conclusão: o IRDR não tem por objetivo primeiro a resolução de ações seriais, mas,
92
sim, a estabilização ou uniformização do entendimento dos tribunais acerca de questões
repetitivas, ou seja, busca, primeiramente, a promoção da segurança jurídica e isonomia
através da uniformização da jurisprudência.
Somente se constata a redução das demandas repetitivas como uma
consequência secundária à pretensão de estabilização dos posicionamentos
jurisprudenciais. Por exemplo, com o estabelecimento de uma tese jurídica geral sobre
determinada matéria jurídica, serão desestimuladas aventuras judiciais em busca da
reversão daquele entendimento acolhido no IRDR. Pode-se, então, afirmar que refrear a
propositura de demandas repetitivas é um objetivo pro futuro do incidente, obviamente
após a pacificação jurisprudencial sobre aquela temática repetitiva.
Por outro lado, sem sombra de dúvidas, tal expediente proporcionará uma
maior celeridade na prestação jurisdicional. Ora, tendo sido fixada a tese jurídica, com o
ingresso de ação judicial versando sobre aquela matéria já apreciada, de pronto, terá o
aplicador do direito a oportunidade de beneficiar-se dela ou ver-se prejudicado o seu
direito material, seguindo-se o processo ao fim próximo de uma pacificação ou
resolução jurídica da lide.
Ademais, não se poder deixar de registrar que o referido incidente, além de
possibilitar a defesa de direitos individuais homogêneos, se inserirá dentro do contexto
de outros mecanismos judiciais, que, em conjunto, formam o regime processual de
causas repetitivas, ladeando a súmula vinculante, o incidente de uniformização de
jurisprudência, o julgamento liminar de improcedência (art. 285-A, CPC/73) e o
julgamento por amostragem de recursos repetitivos excepcionais (art.s 543-B e 543-C,
do CPC/73), dentre outros na busca pela resolução de demandas seriais.
Seja como for, espera-se que quando vier à tona o Novo Código de Processo
Civil estejam os juristas preparados para lidar com essa nova dinâmica de coletivização
do processo, pois de nada adianta a melhor das técnicas desacompanhada do jurista-
aplicador devidamente instruído para tirar-lhe o máximo proveito.
Com efeito, fenômeno de massificação das relações jurídicas e sociais impõe
ao jurista um novo desafio, qual seja prestar o serviço “justiça” de forma mais célere,
sem perder a qualidade da prestação jurisdicional. Pesquisar novos caminhos de
efetivação das garantias processuais do devido processo legal, duração razoável do
processo, tratamento isonômico entre os jurisdicionados e promoção da segurança
jurídica.
93
Acredita-se que a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
pelo Novo Código de Processo Civil virá a somar às técnicas de enfrentamento de
demandas seriais que, em grande medida, contribuem para a morosidade do sistema
judicial, ladeando a ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, e não
vindo a tomar o seu lugar ou afastar a sua utilização, mas promovendo a ampliação do
rol de mecanismos processuais mais consentâneos com a realidade os foros e com as
necessidades da sociedade de massa.
94
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ANEXO
PROJETO DE LEI N.º 8.046, DE 2010
Livro IV – Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais
Título I – Dos processos nos tribunais
CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
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289 C Â M A R A D O S D E P U T A D O S
Art. 987. O direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos contados do trânsito em julgado da decisão.
§ 1º Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.
§ 2º Se fundada a ação no inciso VII do art. 978, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova.
§ 3º Na hipótese de colusão das partes, o prazo começa a contar para o Ministério Público, quando não houve sua intervenção no processo, a partir do momento em que tem ciência da fraude.
§ 4º No caso de decisão que resolva parcela do mérito, o prazo conta-se do respectivo trânsito em julgado.
§ 5º No caso de recurso parcial, nos termos do art. 1.015, o prazo conta-se do trânsito em julgado do capítulo não impugnado.
CAPÍTULO VI DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito ou de direito e de fato.
§ 1º O incidente pode ser suscitado perante Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal.
§ 2º O incidente somente pode ser suscitado na pendência de qualquer causa de competência do tribunal.
§ 3º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente do tribunal:
I – pelo relator ou órgão colegiado, por ofício;
II – pelas partes, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela pessoa jurídica de direito público ou por associação civil, por petição.
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§ 4º O ofício ou a petição a que se refere o § 3º será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.
§ 5º A desistência ou o abandono da causa não impedem o exame do mérito do incidente.
§ 6º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.
§ 7º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez presente o pressuposto antes considerado inexistente, seja o incidente novamente suscitado.
§ 8º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.
§ 9º O incidente pode ser instaurado quando houver decisões conflitantes sobre mesma questão de fato.
Art. 989. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.
§ 1º Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.
§ 2º Para possibilitar a identificação das causas abrangidas pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.
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Art. 990. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 988.
§ 1º Admitido o incidente, o relator:
I – suspenderá os processos pendentes que tramitam no estado ou na região, conforme o caso;
II – poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de quinze dias;
III – intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de quinze dias.
§ 2º A suspensão de que trata o inciso I do § 1º será comunicada aos juízes diretores dos fóruns de cada comarca ou seção judiciária, por ofício.
§ 3º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.
§ 4º O interessado pode requerer o prosseguimento do seu processo, demonstrando a distinção do seu caso, nos termos do § 10 do art. 521. O requerimento deve ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. A decisão que negar o requerimento é impugnável por agravo de instrumento.
§ 5º Admitido o incidente, suspender-se-á a prescrição das pretensões nos casos em que se repete a questão de direito.
Art. 991. O julgamento do incidente caberá ao órgão do tribunal que o regimento interno indicar.
§ 1º O órgão indicado deve possuir competência para uniformização de jurisprudência dentre suas atribuições.
§ 2º Sempre que possível, o órgão competente deverá ser integrado, em sua maioria, por desembargadores que componham órgãos colegiados com competência para o julgamento da matéria discutida no incidente.
§ 3º A competência será do plenário ou do órgão especial do tribunal quando ocorrer a hipótese do art. 960 no julgamento do incidente.
Art. 992. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no
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prazo comum de quinze dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida; em seguida, no mesmo prazo, manifestar-se-á o Ministério Público.
Parágrafo único. Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.
Art. 993. Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.
Art. 994. O incidente será julgado com a observância das regras previstas neste artigo.
§ 1º Feita a exposição do objeto do incidente pelo relator, o
presidente dará a palavra, sucessivamente, ao autor e ao réu do processo
originário, e ao Ministério Público, pelo prazo de trinta minutos, para sustentar
suas razões. Considerando o número de inscritos, o órgão julgador poderá aumentar o prazo para sustentação oral.
§ 2º Em seguida, os demais interessados poderão manifestar-se no prazo de trinta minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com dois dias de antecedência. Havendo muitos interessados, o prazo poderá ser ampliado, a critério do órgão julgador.
§ 3º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.
Art. 995. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal.
§ 1º A tese jurídica será aplicada, também, aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do respectivo tribunal, até que esse mesmo tribunal a revise.
§ 2º Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão ou à agência reguladora competente para fiscalização do efetivo cumprimento da decisão por parte dos entes sujeitos a regulação.
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§ 3º O tribunal, de ofício, e os legitimados mencionados no art. 988, § 3º, inciso II poderão pleitear a revisão da tese jurídica, observando-se, no que couber, o disposto no art. 508, §§ 1º e 2.º.
§ 4º Contra a decisão que julgar o incidente caberá recurso especial ou recurso extraordinário, conforme o caso.
§ 5º Se houver recurso e a matéria for apreciada, em seu mérito, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem no território nacional.
§ 6º Julgado o incidente na hipótese do art. 988, § 9º, a solução da questão fática será aplicada a todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da causa.
Art. 996. O incidente será julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
§ 1º Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 990, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.
§ 2º O disposto no § 1º aplica-se, no que couber, à hipótese do art. 997.
Art. 997. Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer
legitimado mencionado no art. 988, § 3º, inciso II, poderá requerer ao tribunal
competente para conhecer de recurso extraordinário ou recurso especial a
suspensão de todos os processos em curso no território nacional que versem
sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
§ 1º independentemente dos limites da competência territorial, a parte em processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no caput.
§ 2º Cessa a suspensão a que se refere o caput se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.
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Art. 998. O recurso especial ou extraordinário interposto contra a decisão proferida no incidente tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional discutida.
Art. 999. Interposto recurso especial ou extraordinário, os autos serão remetidos ao tribunal competente, independentemente da realização de juízo de admissibilidade na origem.
Art. 1.000. Não observada a tese adotada pela decisão proferida no incidente, caberá reclamação para o tribunal competente.