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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa De Pós-Graduação Em Psicologia
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE NA ABORDAGEM DO ATO
INFRACIONAL ADOLESCENTE: CARACTERÍSTICAS, LIMITES E PERSPECTIVAS
Pedro Paulo Lima de Andrade
Natal/RN
2017
i
Pedro Paulo Lima de Andrade
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE NA ABORDAGEM DO ATO
INFRACIONAL ADOLESCENTE: CARACTERÍSTICAS, LIMITES E PERSPECTIVAS
Dissertação elaborada sob orientação do Prof. Dr.
Jorge Tarcísio da Rocha Falcão e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Natal/RN
2017
ii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional
adolescente: características, limites e perspectivas”, elaborada por Pedro Paulo Lima de
Andrade, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita
pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título
de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal/RN, 27 de setembro de 2017.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Jorge Tarcísio da Rocha Falcão ________________________________
Profª Dr.ª Ana Vládia Holanda Cruz ________________________________
Profª Drª. Ilana Lemos de Paiva ________________________________
iii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Andrade, Pedro Paulo Lima de.
Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato
infracional adolescente / Pedro Paulo Lima de Andrade. - 2017.
90f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa De
Pós-Graduação em Psicologia. Natal, RN, 2017.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Tarcísio da Rocha Falcão.
1. Ato Infracional. 2. Medida Socioeducativa. 3. Prestação de
Serviços à Comunidade. I. Falcão, Jorge Tarcísio da Rocha. II.
Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.24:159.9
iv
Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o
sol e a água de fertilizar a terra, logo surgirão
plantas de cuja existência eu sequer suspeitava.
Da mesma forma, o desparecimento do sistema
punitivo estatal abrirá, num convívio mais sadio e
mais dinâmico, os caminhos de uma nova justiça.
LOUK HULSMAN
v
Agradecimentos
Agradeço a Deus, por me fazer “andar acima dos problemas, acima das tribulações,
acima das minhas dores, acima das desilusões” (Diante do Trono).
Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ao Programa de
Pós-graduação em Psicologia (PPGPSI), por oportunizar a presente formação e o grau
acadêmico de mestre. Agradeço ao Prof. Dr. Jorge Tarcísio da Rocha Falcão, pela confiança,
pela oportunidade de trabalhar ao seu lado e por todo o conhecimento transmitido.
Agradeço à minha família, pelo conforto e segurança, à minha tia Mazinha, por ser a
maior incentivadora na superação de meus limites e à Kelly Dantas, pois você fez, faz e
sempre fará parte de minha vida.
Aos colegas de orientação, presentes na jornada acadêmica, e demais amigos que
sempre prestaram apoio e palavras de solidariedade na elaboração do presente documento.
À Prefeitura Municipal do Natal e à Secretaria de Trabalho e Assistência Social
(SEMTAS), por propiciar o espaço para a construção da dissertação, e aos adolescentes, pela
confiança que me foi e é depositada, neste desafio da socioeducação.
“Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai
acompanhado, com certeza vai mais longe” (Clarice Lispector).
vi
Sumário
Lista de abreviações .............................................................................................................. viii
Lista de figuras ......................................................................................................................... x
Lista de tabelas ........................................................................................................................ xi
Resumo .................................................................................................................................... xii
Abstract .................................................................................................................................. xiii
1. Introdução ........................................................................................................................... 14
1.1. A escolha do tema de pesquisa ...................................................................................... 17
2. Fundamentação teórica ...................................................................................................... 18
2.1. Do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ................................................. 18
2.2. A interface SUAS e SINASE ......................................................................................... 23
2.2.1. O papel dos municípios na política de atendimento socioeducativo ....................... 25
2.2.2. Fluxo do atendimento socioeducativo em Natal (RN) ............................................ 26
a) Fase policial ............................................................................................................... 26
b) Fase ministerial ......................................................................................................... 27
c) Fase judicial ............................................................................................................... 27
2.2.3. Dos programas de meio aberto ................................................................................ 28
2.2.4. O enfoque educacional da PSC: educação pelo trabalho ou socioeducação? ......... 30
2.2.5. Das unidades de prestação de serviços à comunidade ............................................ 34
2.3. A prestação de serviços à comunidade: delineamento normativo, aspectos históricos e
representações na sociedade ................................................................................................. 35
3. O prescrito, real e o real da atividade ............................................................................... 41
3.1. Acerca da tarefa prescrita na Prestação de Serviços à Comunidade .............................. 44
3.2. O trabalho como fator ressocializante ........................................................................... 48
4. Objetivos .............................................................................................................................. 52
4.1. Objetivos geral e específicos ......................................................................................... 52
5. Método ................................................................................................................................. 53
5.1. Acerca da proposta de pesquisa aqui apresentada (métodos mistos) ............................. 53
5.2. A escolha do projeto de métodos mistos........................................................................ 55
5.3. Estrutura e organização da implementação da pesquisa ................................................ 56
5.3.1. Fase 1: pesquisa documental ................................................................................... 57
vii
a) Delineamento da pesquisa documental ..................................................................... 59
5.3.2. Fase 2: entrevista clínica ......................................................................................... 63
a) Detalhamento das entrevistas .................................................................................... 64
6. Análise dos dados obtidos .................................................................................................. 64
6.1. Fase descritiva ................................................................................................................ 66
6.1.1. Perfil sociodemográfico .......................................................................................... 66
6.1.2. Aptidões .................................................................................................................. 67
6.1.3. Tarefas ..................................................................................................................... 69
6.1.4. Entidades que recebem os adolescentes em PSC .................................................... 72
6.1.5. Síntese ..................................................................................................................... 75
6.2. Resultados obtidos na fase qualitativa ........................................................................... 76
6.2.1. Perfil de caracterização dos participantes ............................................................... 76
6.2.2. Causas...................................................................................................................... 77
6.2.3. Tarefas prescritas..................................................................................................... 77
6.2.4. Tarefa real ............................................................................................................... 78
6.2.5. Avaliação da PSC .................................................................................................... 78
6.2.6. PSC e perspectivas de inclusão social ..................................................................... 79
7. Considerações finais ........................................................................................................... 81
Referências .............................................................................................................................. 81
viii
Lista de abreviações
Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU)
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONSEC)
Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (CEIJ)
Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA)
Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS)
Delegacia Especializada de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei (DEA)
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM)
Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)
Liberdade Assistida (LA)
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA)
Ministério Público (MP)
Organização das Nações Unidas (ONU)
Planos Individuais de Atendimento (PIA)
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)
Princípios Orientadores das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (RIADE)
Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
ix
Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de
Beijing)
Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH)
Sistema de Garantia de Direitos (SGD)
Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS)
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)
Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
x
Lista de figuras
Figura 1. Organograma do SINASE (CONANDA & SEDH, 2006). ..................................... 21
Figura 2. Sistema de Garantia de Direitos. .............................................................................. 22
Figura 3. Fluxograma do atendimento socioeducativo............................................................ 28
Figura 4. Curva de distribuição de idades dos sujeitos da pesquisa... ..................................... 67
xi
Lista de tabelas
Tabela 1 Referenciais legais aos direitos dos adolescentes em atendimento socioeducativo. 19
Tabela 2 Referenciais nacionais aos direitos dos adolescentes em atendimento
socioeducativo .......................................................................................................................... 19
Tabela 3 Princípios do atendimento socioeducativo .............................................................. 20
Tabela 4 Procedimentos da implementação da pesquisa ........................................................ 57
Tabela 5 Distribuição das frequências das aptidões registradas ............................................. 70
Tabela 6 Cruzamento dos níveis de escolaridade e tipos de aptidão indicada ....................... 70
Tabela 7 Distribuição das frequências das tarefas registradas................................................ 71
Tabela 8 Distribuição dos tipos de tarefas em função do sexo ............................................... 71
Tabela 9 Distribuição dos tipos de tarefas em função da situação escolar ............................. 71
Tabela 10 Distribuição dos tipos de tarefas em função do nível de escolaridade .................. 72
Tabela 11 Distribuição dos níveis de renda familiar em função dos tipos de entidades ........ 73
Tabela 12 Distribuição dos níveis de escolaridade pelas entidades de destino ...................... 74
Tabela 13 Distribuição das frequências dos tipos de tarefas pelas entidades de destino ....... 74
Tabela 14 Distribuição das frequências da situação escolar por entidade de destino ............ 75
xii
Resumo
O estudo aqui reportado aborda a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) por
adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, no contexto jurídico-
normativo de reparação ao cometimento de atos infracionais. A pesquisa visou à
caracterização, registro e análise dos limites e perspectivas que se relacionam com o
fenômeno investigado. O delineamento deste estudo abarcou abordagens analíticas
complementares, combinando, primeiro, a coleta de dados quantitativos (pesquisa
documental) e, depois, a consideração de dados clínico-qualitativos (entrevista episódica) com
egressos da medida acima citada. Os resultados apontam que os serviços são necessários,
porém triviais e sem relação direta com a atividade-fim de destinação das entidades que
recebem esses adolescentes. Tais serviços se caracterizam pela pobreza em termos de aspectos
formativos, apesar de propiciarem ganhos pessoais e sociais para os adolescentes
participantes. Os dados obtidos permitiram, finalmente, concluir que a oferta dos serviços
comunitários tem apresentado poucas alternativas concretas e muitas carências e limites para
a efetivação do seu caráter sociopedagógico, visto que a sistematização da medida apresenta
pouca coerência com as regras e objetivos fixados pelas normativas institucionais,
notadamente, no que diz respeito ao estabelecimento de atividades de qualidade para a
formação e a preparação à reinserção social dos adolescentes autores de atos infracionais. Não
obstante, alternativas de encaminhamento, no bojo do próprio modelo, são retomadas e
sugeridas, como (1) zelar pela formação e qualificação profissional dos atores do SINASE;
(2) asseverar, minimamente, ao adolescente, formação técnico-profissional compatível com o
seu perfil biopsicossocial e história de vida, ao mesmo tempo em que proveem a comunidade
de serviços reais, e não tarefas esvaziadas e fictícias; (3) caberiam aperfeiçoamentos no
próprio texto legal que ordena a PSC; em seu formato atual, bastante sucinto, genérico e
alusivo, aspectos importantes ficam implícitos e ao sabor das equipes técnicas que se
encarregam de concretizá-los.
Palavras-chave: ato infracional; medida socioeducativa; prestação de serviços à comunidade;
socioeducação.
xiii
Abstract
The study reported here addresses the Offer of Services to the Community (OSC) by
adolescents and young people in compliance with socio-educational measures, in the legal-
normative context of reparation for the commission of infractions. The research aims at
characterizing, recording and analyzing the limits and perspectives that are related to the
investigated phenomenon. The design of this study encompassed complementary analytical
approaches, combining, first, the collection of quantitative data (documentary research) and
then the consideration of clinical-qualitative data (episodic interview) with graduates of the
above-mentioned measure. The results indicate that services are necessary, but trivial and not
directly related to the final activity of destination of the entities that receive these adolescents.
These services are characterized by poverty in terms of formative aspects, in spite of
providing personal and social gains for the participating adolescents. The data obtained
allowed us to conclude that the offer of community services has presented few concrete
alternatives and many shortcomings and limits for the effectiveness of its sociopedagogical
character, since the systematization of the measure shows little coherence with the rules and
objectives set by institutional regulations, Which concerns the establishment of quality
activities for the training and preparation for the social reintegration of adolescents who are
responsible for infractions. Nevertheless, alternatives of referral within the model itself are
taken up and suggested, such as (1) ensuring the training and professional qualification of the
SINASE actors; (2) to assure to the adolescent, technically and vocationally, compatible with
their biopsychosocial profile and life history, while at the same time providing the community
with real services, not empty and fictitious tasks; (3) would fit improvements in the legal text
that orders the PSC; In its current format, quite succinct, generic and allusive, important
aspects are implicit and to the taste of the technical teams that are in charge of concretizing
them.
Keywords: Infraction; Socioeducative measure; Provision of services to the community;
Socioeducation.
14
1. Introdução
Dados do último levantamento anual da Coordenação Geral do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE), indicavam, para o ano de 2014, um número total de
65.612 adolescentes sentenciados à Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), sendo 28.786
indivíduos do sexo masculino e 4.850, do feminino (Ministério dos Direitos Humanos, 2017).
No Estado do Rio Grande do Norte, cerca de 13.696 adolescentes cumpriram medidas
socioeducativas, entre 2006 e 2013, dos quais 4.493 adolescentes em meio aberto e 9.203, em
unidades de internação. Segundo a Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude
(CEIJ), de 2007 a 2013 foram constituídos 4.493 processos de execução de medidas
socioeducativas no RN, dentre os quais, 874 (19,45%) foram referentes a PSC (Conselho
Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2015).
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a medida consiste na
atribuição de tarefas sem retribuição pecuniária e dar-se-á em entidades ou em programas
comunitários ou estatais. É oportuno consignar, conforme dispõe o art. 117, que o serviço
prestado seja de relevância social e comunitária em que toda a atividade desempenhada
reverta-se a favor do coletivo (lei nº 8.069, 1990).
Além do mais, o parágrafo único do referido dispositivo orienta no sentido de que as
tarefas sejam atribuídas conforme as “aptidões” do adolescente, devendo limitar-se à jornada
semanal máxima de oito horas, por período não superior a seis meses, de modo a não
interromper ou perturbar a frequência escolar ou a jornada normal de trabalho do adolescente-
participante. Finalmente, a seleção e credenciamento das entidades (Unidades de Apoio à
Prestação de Serviços) competem à direção dos Programas de Meio Aberto, e se espera que as
15
escolhas sejam feitas conforme o perfil do socioeducando e o ambiente no qual a medida será
cumprida (Lei nº 12.594, 2012).
Ao considerar os referidos aspectos é importante ressaltar que a intencionalidade
pedagógica das medidas socioeducativas visam contribuir para a formação do adolescente, em
três níveis: em primeira instância, em termos da formação de valores destinadas a prepará-los
para o convívio social, em segundo lugar, torná-los elementos centrais de sua prática
educativa (protagonismo juvenil) e, por último, ampliar o rol de competências e habilidades
(trabalhabilidade) (Secretaria Especial dos Direitos Humano, 2006).
Isto posto, a PSC ambiciona o desenvolvimento de uma ação socioeducativa
sustentada junto à comunidade, partindo-se do pressuposto de que a organização social
cumpre papel importante na resolução de conflitos entre o indivíduo e a coletividade (Mourão
& Silveira, 2014; Slakmon, De Vitto, & Pinto, 2005). Para tal, a medida deve privilegiar os
serviços de relevância comunitária e a descoberta de novas potencialidades (Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente & Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, 2006).
Em face a tais considerações, surgem, de imediato, duas questões de pesquisa
consideradas relevantes aqui: em primeiro lugar, como concretamente se caracteriza a
experiência de inserção desses indivíduos na PSC? Ou seja, qual o rol de atividades, recursos,
vivências, que de fato descrevem o real dessa atividade (Clot, 2007) – o que se faz de fato, em
analogia com aquilo que se prescreveu fazer. Em segundo lugar, sejam quais forem as
atividades que compõem esse real da atividade PSC, quais seus efeitos concretos, quando se
analisam os egressos de tal sistema? Em outras palavras, qual a efetividade de tais medidas,
em termos de inclusão psicossocial do jovem a quem se atribui a autoria de ato infracional?
Dados disponíveis na literatura alimentam debate intenso, havendo várias análises que
enfatizam a distância considerável entre o proposto nos textos que subsidiam a
16
operacionalização da proposta do SINASE e sua concretização efetiva nos serviços
comunitários. A perspectiva subjacente à proposta é de que a manutenção do adolescente em
meio aberto asseguraria a preservação do convívio e o vínculo familiar/comunitário,
legitimando e evidenciando o papel indispensável do coletivo social na resolução de seus
próprios conflitos (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, 2016).
Por outro lado, há quem observe haver fortes indícios de que a medida é executada de
maneira sofrível, de modo a violar as diretrizes institucionais, e sem orientação adequada, à
exceção de experiências particulares e não-representativas da realidade do sistema (Vidal,
2012). Nesse segmento, Gobbo e Muller (2009) apontam para a precarização e
indesejabilidade social, nas quais está contextualizada a PSC, em termos de atividade
efetivamente realizada.
Ao levar em consideração esse debate, é importante discutir seu contexto, avaliar a sua
intencionalidade pedagógica e suas possíveis implicações. Nesse jogo de interlocuções, cabe
buscar contribuir para o exame sistemático das características e possíveis consequências da
execução da medida de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). Constata-se a carência de
estudos voltados para o conteúdo e natureza das tarefas prescritas, incluindo-se o local de
realização, e para as implicações psicossociais dessa experiência para os adolescentes
participantes.
À vista do exposto, o presente estudo almeja contribuir para essa discussão,
oferecendo dados que aperfeiçoem a descrição da proposta pedagógica, em termos de suas
características e resultados efetivos no âmbito socioeducativo. Tais dados, espera-se, poderão
contribuir para o aprofundamento da descrição dos esforços concretos referentes à PSC, bem
como para avaliação dos resultados obtidos em face das expectativas estabelecidas. Com isso,
almeja-se contribuir para o aumento da eficácia institucional e da efetividade social das
17
medidas socioeducativas propostas adolescentes em situação de cumprimento de medida
socioeducativa.
1.1. A escolha do tema de pesquisa
A escolha da temática e do lócus de pesquisa tem relação com a inserção profissional
do pesquisador e, em decorrência disso, com possibilidades de oferta de aperfeiçoamentos da
política e da prática profissional relacionadas ao atendimento socioeducativo. Destaca-se que
o autor é psicólogo da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) da
Prefeitura Municipal do Natal, lotado na Coordenação Geral dos Serviços de Proteção Social
a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC).
O pressuposto central, que motivou a presente pesquisa, abarca duas crenças opostas, a
serem verificadas com rigor científico: o trabalho reservado ao adolescente em cumprimento
de prestação de serviços à comunidade é uma ação pedagógica com potencial de oportunizar a
ressignificação da trajetória infracional e a construção de um novo projeto de vida ou; visa
apenas uma nova racionalidade punitiva?
A partir da problematização almeja-se contribuir para a o aumento da eficácia
institucional e da efetividade social da prestação de serviços à comunidade proposta ao
adolescente a quem se atribui autoria de ato infracional. Isto posto, o referido problema de
pesquisa espelha, portanto, o desejo do pesquisador de contribuir com o avanço de um campo
de problematização de inegável relevância social e carente de contribuições de possam
embasar a proposição de aperfeiçoamentos às iniciativas socioeducativas.
18
2. Fundamentação teórica
A seção seguinte tratará da descrição dos aspectos centrais referentes ao Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), como o estado do problema pesquisado,
sob o aspecto teórico e de outros estudos e pesquisas já realizados.
2.1. Do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
Em reconhecimento à importância dos referenciais legais que acompanham as
normativas e dão materialidade aos direitos dos/as adolescentes em atendimento
socioeducativo, o SINASE foi promulgado (Resolução nº 119, 2006). O objetivo era
materializar as diretrizes previstas nos marcos legais, visto que o ECA não produziu os efeitos
desejados, prevalecendo o velho paradigma da situação irregular (Decreto nº 17.943-A, 1927;
Lei nº 6.697, 1979).
O ECA, constituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, contrapõe-se a um
histórico de controle e de exclusão social, amparado na Doutrina da Proteção Integral. No
plano jurídico, toda e qualquer criança ou adolescente, sem qualquer distinção, é digna de
direitos e não tão somente um elemento de intervenção, como anteriormente. Muito embora o
ECA ofereça significativas mudanças e aquisições em relação ao conteúdo, ao método e à
gestão, ainda consta no ordenamento jurídico e político-conceitual, não chegando
efetivamente aos seus destinatários (Pilotti & Rizzini, 2011).
Dessa forma, visando concretizar os avanços contidos nos instrumentos legais,
internacionais (Tabela 1) e nacionais (Tabela 2), o SINASE regulamenta a aplicação das
medidas socioeducativas, criando um sistema próprio de atendimento, instituindo, por meio
de lei específica (Lei 12.594, 2012), as obrigações que esse sistema tem que responder, assim
19
como os procedimentos judiciais que devem ser observados na aplicação das medidas
socioeducativas. Os instrumentos dispostos nas tabelas 1 e 2 foram fundamentais para a
adequação das políticas de atendimento socioeducativo e o esforço mundial de implementação
dos direitos humanos para crianças e adolescentes.
Tabela 1
Referenciais legais aos direitos dos adolescentes em atendimento socioeducativo
Ano Normativas internacionais
1985 Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil – Regras de Beijing
1989 Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
1990 Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade
1990 Princípios Orientadores das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil – RIADE
Tabela 2
Referenciais nacionais aos direitos dos adolescentes em atendimento socioeducativo
Ano Normativas nacionais
1988 Constituição Federal
1990 Estatuto da Criança e do Adolescente
1996 Resolução n. 46 – Conanda (Regulamenta a execução da medida socioeducativa de internação
prevista no ECA)
1996 Resolução n. 47 – Conanda (Regulamenta a execução da medida socioeducativa de
semiliberdade, a que se refere o art.120 do Estatuto da Criança e do Adolescente)
2006 Resolução 119 – Conanda (Dispõe sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo)
2012 Lei Federal 12.594 – Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)
2013 Resolução nº 160 – Conanda (aprova Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo)
O SINASE é, também, regido pelos artigos referentes à socioeducação do ECA (lei
8.069, 1990), pela Resolução 119/2006 do CONANDA e pelo Plano Nacional de
20
Atendimento Socioeducativo (Resolução 160/2013). Sendo assim, convém pôr em relevo que
o SINASE representa um marco para mudanças positivas no atendimento dos adolescentes a
quem se atribui a prática de ato infracional, uma importante revisão das concepções acerca da
adolescência, que supera as representações desta como objeto de controle e disciplinamento
social (Rizzini, 2011).
Objetiva, de forma primordial, o desenvolvimento de uma ação socioeducativa
sustentada nos princípios dos direitos humanos, enquanto promove alinhamentos conceitual,
estratégico e operacional, estruturados em bases éticas e pedagógicas (Mocelin, 2016). Em
vista disso, os princípios do SINASE (Tabela 3) visam a regulamentação da execução das
medidas socioeducativas, destinadas ao adolescente que pratique ato infracional, a partir da
proteção aos direitos fundamentais e do estabelecimento de um modelo de atenção garantista.
Tabela 3
Princípios do atendimento socioeducativo
Princípios do SINASE
1. Respeito aos direitos humanos.
2. Responsabilidade solidária da Família, Sociedade e Estado.
3. Adolescente como pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, sujeito de direitos e
responsabilidades.
4. Prioridade absoluta.
5. Legalidade.
6. Respeito ao devido processo legal.
7. Excepcionalidade, brevidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
8. Incolumidade, integridade física e segurança.
9. Respeito à capacidade do adolescente de cumprir a medida; às circunstâncias; à gravidade da
infração e às necessidades pedagógicas do adolescente na escolha da medida, com preferência pelas
que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
10. Incompletude institucional.
21
11. Garantia de atendimento especializado para adolescentes com deficiência.
12. Municipalização do atendimento.
13. Descentralização político administrativa.
14. Gestão democrática e participativa na formulação das políticas e no controle das ações em todos os
níveis.
15. Corresponsabilidade no financiamento do atendimento às medidas socioeducativas.
16. Mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos
da sociedade.
Para tanto, na organização do SINASE (Figura 1), são indicadas competências,
atribuições e recomendações aos órgãos de deliberação, gestão e execução da política
socioeducativa e de controle, bem como de entidades envolvidas direta ou indiretamente no
atendimento ao adolescente em conflito com a lei, no processo de apuração, aplicação e
execução de medidas socioeducativas.
Figura 1. Organograma do SINASE (CONANDA & SEDH, 2006).
Além disso, o SINASE busca, enquanto sistema integrado, articular, em todo o
território nacional, os Governos Estaduais e Municipais, o Sistema de Justiça, as políticas
Orgão de deliberação
União Estados Municípios
Entidades de Atendimento
Estados Municípios ONGs
Órgãos de gestão e execução da Política
União Estados Municípios
Órgãos de controle
União Estados Municípios
Financiamento
União Estados Municípios
22
setoriais básicas (Assistência Social, Saúde, Educação, Cultura, etc.), para assegurar
efetividade e eficácia na execução das Medidas Socioeducativas de Meio Aberto, de Privação
e Restrição de Liberdade, aplicadas ao adolescente que infracionou.
Claro está, portanto, que o atendimento ao adolescente em conflito com a lei não é
privativo do SINASE, mas também compete às diversas políticas públicas e aos eixos do
Sistema de Garantias de Direitos (Figura 2), que devem, em conjunto, operacionalizar os
programas de atendimento em meio aberto e de privação de liberdade. Portanto, é perceptível
que a incompletude institucional é um conceito importante e que, se não observada, poderá
comprometer o alcance da proteção integral. Isto é, a atenção integral requer ações globais
entre as várias políticas (Lei nº 8.069, 1990). Revela-se, assim, a lógica presente no SINASE
quanto à concepção inevitável de um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais, para a estruturação das políticas de atenção à infância e à juventude.
Figura 2. Sistema de Garantia de Direitos.
Acrescenta-se que, nesse novo formato da gestão da política pública da socioeducação,
os princípios gerais da gestão do atendimento socioeducativo visam a intencionalidade
Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo
Sistema Único de
Saúde
Sistema Único de
Assistência Social
Sistema de Justiça e
Segurança Pública
Sistema Educacional
23
pedagógica, a prevalência das medidas socioeducativas em meio aberto, a regionalização, a
gestão democrática e com participação social, a incompletude institucional e a
responsabilidade da gestão na garantia do processo legal (CONANDA & SEDH, 2006).
2.2. A interface SUAS e SINASE
Desde 2006, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE) passam a normatizar, associadamente, a gestão da
política de atendimento socioeducativo e, desse modo, compartilham os parâmetros para
oferta de serviços, financiamento, utilização de recursos, participação popular, controle social,
planejamento, monitoramento e avaliação.
O SUAS é um modelo de administração descentralizado e participativo, que regula e
organiza as ações socioassistenciais, em todo o território nacional (Ministério do
Desenvolvimento Social [MDS], 2004). O SINASE, por sua vez, é um conjunto ordenado de
princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e
administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de
medida socioeducativa (lei 12.594, 2012).
O SUAS e o SINASE almejam normatizar a prescrição de ações socioassistenciais ou
socioeducativas, em todo o território brasileiro, atribuindo competências e constituindo ações
nas três esferas de governo e da sociedade civil. Todavia, o SUAS regula os serviços
socioassistenciais destinados aos sujeitos sem condições de aprovisionar a respectiva
subsistência de forma durável ou efêmera, e o SINASE regulamenta a ação da política de
Assistência Social como integrante do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) (Gomes, 2012).
O SUAS funciona conforme a esfera de governo, com definição clara das
competências técnico-políticas e participação/mobilização da sociedade civil. Já o SINASE,
24
atua a partir do encadeamento e integração do coletivo social com as instâncias públicas
governamentais, em particular os órgãos e entidades integrantes que operacionalizam as ações
da assistência social.
Os serviços socioassistenciais são organizados em concordância com as seguintes
menções: vigilância social, proteção social e defesa social (MDS, 2004). De acordo a Lei
Orgânica de Assistência Social (LOAS) (Lei 8.742, 1993), a proteção social se propende à
defesa da vida, ao arrefecimento de agravos e à precaução da incidência de riscos. Essa
referência subdivide-se em duas seções: proteção social básica e proteção social especial. A
primeira aspira precautelar situações de risco, enquanto que a outra visa o enfrentamento das
situações de violação de direitos.
Nesse âmbito, dada as normas da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,
dispostas na Resolução nº 109 (2009) do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS),
os Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) são incumbidos da
oferta do Serviços de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Assim, o CREAS passa a
ser também, entre as diversas políticas públicas envolvidas, estrutura básica do modelo de
gestão e execução do SINASE.
Dessa forma, reafirma-se o pacto cooperativo a ser estabelecido entre o SINASE e o
SUAS e, em especial, a municipalização do atendimento socioeducativo. Vale mencionar que
os princípios e diretrizes do SUAS e do SINASE não são coincidentes, mas não se
contradizem. Ambos os sistemas, portanto, se fortalecem mutuamente, pois que os dois
preconizam o respeito à dignidade do cidadão, a responsabilização do Estado, sociedade e a
família, a integralidade da atenção e do sujeito, o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários e outras coisas mais.
Muitos são os eixos de aproximação entre o SUAS e o SINASE, no entanto, ainda
resta a discussão sobre qual política pública deverá assumir a coordenação do SINASE no
25
âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal. Ainda assim, a interface SUAS e SINASE é
necessária à Doutrina da Proteção Integral, visto que ambos definem as competências e
promovem a interação entre as três esferas de governo e destas com a sociedade civil.
À vista disso, é fundamental, portanto, afirmar que a combinação SUAS/SINASE
retrata um estratagema com potencialidade para o desmantelamento dos entraves
institucionais e sociais, tal como para o fortalecimento da lei 12.594 (2012). Cumpre destacar
que, dada sua atual promulgação, muitos desafios estão postos na adaptação, articulação e
efetiva implementação dos preceitos do SINASE.
2.2.1. O papel dos municípios na política de atendimento socioeducativo
A municipalização do atendimento às medidas socioeducativas em meio aberto é uma
normativa de referência para as ações de assistência socioeducativa, que exige papel ativo dos
municípios brasileiros na política de atendimento socioeducativo. Pôr a cargo do município às
medidas socioeducativas significa dizer que a instituição municipal deve delinear sua política
de atendimento socioeducativo dentro ou próximo de seus limites territoriais, porquanto que é
no contexto municipal que surgem os conflitos, as contradições e as demandas sociais
(Instituto Brasileiro de Administração Municipal [IBAM], 2008).
Diante do exposto, torna-se crucial a reestruturação das políticas públicas, já que a
execução das medidas em âmbito municipal é concebida como a melhor opção para dar forma
ao direito à convivência familiar e comunitária, no ínterim do curso da (re)integração social
dos jovens (Fundo das Nações Unidas para a Infância [UNICEF], 2014). Para esse fim, os
governos municipais vivenciam atribuições, até então inéditas, na construção histórica do
atendimento socioeducativo, e tendo em conta as demandas e especificidades locais da
população assistida.
26
Em síntese, conforme o CONANDA e SEDH (2006), “o acesso às políticas sociais,
indispensável ao desenvolvimento dos adolescentes, dar-se-á, preferencialmente, por meio
dos equipamentos públicos mais próximos do local de residência do adolescente (pais ou
responsáveis) ou de cumprimento da medida” (p. 24). Além disso, as consequências e efeitos
da municipalização para o corpo social também não podem ser ignoradas. Submeter as
medidas socioeducativas ao regime municipal estimula o fortalecimento do protagonismo da
comunidade e da família dos e das adolescentes atendidos(as).
Evita-se, assim, o estigma social de que o adolescente autor de ato infracional deve ser
enviado para o isolamento em unidades de internação. Além do mais, fomenta-se o
compromisso social da comunidade para com a administração, solução e prevenção dos
conflitos.
2.2.2. Fluxo do atendimento socioeducativo em Natal (RN)
Esta seção descreve os caminhos trilhados pelos adolescentes no sistema
socioeducativo do município do Natal (RN). Trata-se de uma descrição sumária, que
intenciona apresentar as etapas que antecedem a inserção dos adolescentes nos Programas de
Meio Aberto, situar os agentes envolvidos e identificar a situação e o contexto no qual o
problema de pesquisa se insere.
a) Fase policial
O adolescente apreendido por força de ordem judicial será, prontamente, encaminhado
ao poder judiciário. Quando apreendido em flagrante de ato infracional, será, desde logo,
27
conduzido à autoridade policial, preferencialmente em repartição policial especializada.1
Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será liberado de imediato, sob
termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério
Público, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o
adolescente permanecer sob internação, para garantia de sua segurança pessoal ou
manutenção da ordem pública.
b) Fase ministerial
Ocorre, na fase ministerial, a oitiva informal, prática processual administrativa pela
qual o adolescente, a quem se atribui autoria de ato infracional, é apresentado ao Promotor de
Justiça do Ministério Público (MP),2 para prestar explicações relevantes à apuração e autoria
do ato infracional. Dadas as informações, o representante do MP poderá: promover o
arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar à autoridade judiciária para
aplicação de medida socioeducativa (Lei nº 8.069, 1990).
c) Fase judicial
É o ato processual que integra o sistema de apuração de ato infracional conferido ao
adolescente. Então, o adolescente implicado é apresentado ao magistrado competente e terá a
ocasião de dar seu ponto de vista do ocorrido, pelo qual está sendo representado (denúncia),
ao poder judiciário. Após a oitiva do adolescente e seu responsável, o Juiz irá se posicionar
quanto: a) à aceitação da denúncia; b) à internação provisória; c) à ratificação da remissão
1 DEA – Delegacia Especializada de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei.
2 65ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal.
28
oferecida pelo MP; d) ao oferecimento de remissão; e) a continuação do processo, gerando a
intimação da defesa para oferecimento de Defesa Prévia. A audiência de instrução e
julgamento é a audiência posterior à de apresentação, que ocorre quando o magistrado
acolheu a representação do Ministério Público. Essa é a etapa em que será composto o
processo e, provavelmente, será pronunciada a sentença condenatória ou absolvitória.
Figura 3. Fluxograma do atendimento socioeducativo.
2.2.3. Dos programas de meio aberto
Os Programas de Meio Aberto são entidades gestoras do atendimento socioeducativo,
que atrelam as esferas públicas governamentais e da sociedade civil a cooperar para que o
procedimento de responsabilização do adolescente contraia um caráter educativo, de modo
que as medidas socioeducativas (re)instituam direitos, interrompam o percurso infracional e
possibilitem aos adolescentes a inclusão social, educacional, profissional, etc. Compete aos
Fase policial
Fase ministerial
Fase judicial
Liberado com pais ou
responsáveis
Medida socioeducativa
Programas em meio aberto
Privação de liberdade
Liberado com pais ou
responsáveis
Internação provisória
29
municípios a direção dos Programas de Meio Aberto e, a este último, a preparação e
realização do atendimento socioeducativo. A entidade executiva precisa conduzir a inscrição
de seu programa, tal como das Unidades de Prestação de Serviços, nos Conselhos Municipais
dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).3
São atribuições dos programas, conforme a lei n. 12.594/2012: orientar adolescentes e
seus responsáveis sobre a finalidade da medida; selecionar e credenciar orientadores;
encaminhar o adolescente para o orientador credenciado; supervisionar e avaliar o
desenvolvimento da medida. É outorgado, ainda, ao programa, a realização de convênios4
com as Unidades de PSC, devendo esse procedimento ocorrer em função da situação pessoal,
familiar e comunitária do adolescente.
Na execução da medida, a equipe mínima deve ser composta por: um técnico para
cada vinte adolescentes; um profissional de nível superior ou com função de gerência ou
coordenação, proveniente da unidade de prestação de serviços, para cada grupo de até dez
adolescentes; e um guia socioeducativo, profissional da unidade ligado ao exercício da
atividade realizada pelo adolescente, para até dois adolescentes simultaneamente
(CONANDA & SEDH, 2006). Os programas em funcionamento são (re)avaliados pelo
CMDCA, no máximo, a cada dois anos, constituindo-se critérios para renovação da
autorização de funcionamento. Atuam também como instâncias de controle, o Judiciário, o
Ministério Público e os Conselhos Tutelares. Destarte, a política de atendimento ao
adolescente se configura como, eminentemente, uma política pública de caráter
intersetorial/interdisciplinar.
3 O Conselho exercer o “controle social” sobre a atuação do Governo na área infanto-juvenil, zelando para que
este cumpra seus deveres para com os adolescentes e suas respectivas famílias, bem como para que sejam
respeitadas as normas e princípios que norteiam a matéria.
4 A seleção e credenciamento das unidades condicionam-se a presença e disponibilidade destas entidades no
território de abrangência dos municípios. Julgando procedente, poderá o Ministério Público ou autoridade
judiciária impugnar o convênio que adequar-se ou aviltar o ECA.
30
A fiscalização a ser desempenhada pelos órgãos legitimados deverá abranger tanto os
aspectos físicos dos estabelecimentos como os aspectos pedagógicos adotados pelos
dirigentes das entidades e executados pelos técnicos e monitores. Dessa forma, assegura-se
um plano de trabalho compatível com os princípios do Estatuto e a proteção dos
socioeducandos que se encontram sob os cuidados dos dirigentes das entidades.
2.2.4. O enfoque educacional da PSC: educação pelo trabalho ou socioeducação?
Antes de tudo, parece importante resgatar os antecedentes históricos implicados na
conjuntura que culminaram no advento da referida medida. Sabe-se que, em meados do século
XVI, o trabalho passou a ser incutido por um novo ethos, que suscitou uma abrupta mudança
mundial, no cenário político, econômico e social. Diferentemente de outrora, o trabalho não
está posto para a condição humana apenas como labor, subsistência, em vez disso, está
especialmente dotado de valor intrínseco (Weber, 2007).
Destarte, o aviltamento do trabalho manual que, na formação da cultura ocidental,
figurou, desde a antiguidade clássica, como expressão do indigno, passou a também designar,
nas sociedades escravistas, em especial na cultura brasileira, a diferenciação entre as relações
sociais de produção. O modo de produção escravista afastou a mão de obra livre do trabalho
manual e impôs a depreciação pelos ofícios artesanais e manufatureiros, na época do Brasil
Colônia e Império (Cunha, 2000). Os trabalhos cultos e eruditos eram privilégio das classes
senhoriais, sobrando, à maior parte dos indivíduos livres e pobres, o trabalho braçal. Dessa
maneira, a atividade manual fora abandonada pelos trabalhadores brancos e livres, de maneira
que o trabalho físico era imposto aos escravos e seus descendentes, em especial aos que não
possuíam meios para resistir, crianças e adolescentes.
31
Os preconceitos contra o trabalho manual não envolviam apenas a mera discriminação
em direção a atividade física, mas também, e principalmente, contra aqueles que a realizavam.
Por conseguinte, a atividade manual era definida socialmente como objeto de rejeição. Diante
de tal situação, “o resultado foi o trabalho e a aprendizagem compulsórios: ensinar ofícios a
crianças e jovens que não tivessem escolha” (Cunha, 2005, p. 23). Dessa forma, sob o
delineamento de diversos projetos e programas de ensino,5 se desejou a instrução de crianças
para a construção de um país em que as estruturas e as desigualdades sociais continuassem
inalteradas, sob o pretexto de uma educação elementar comum e de uma cidadania
administrada e restrita para a grande parte da população (Schueler, 1999).
Na transição do trabalho escravo para o livre, ocorre a emergência histórica da
separação entre trabalho e educação.
A partir do escravismo antigo passaremos a ter duas modalidades distintas e separadas de educação:
uma para a classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres, e outra para a classe
não proprietária, identificada como a educação dos escravos e serviçais. A primeira, centrada nas
atividades intelectuais, na arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico ou militar. E a
segunda, assimilada ao próprio processo de trabalho (Saviani, 2007, p. 155).
Durante o caminho do império para a república, a conjuntura política e social, no
início do século XX, era demasiadamente conturbada. Nesse contexto, se estabelecia a
inquietação com a “delinquência” juvenil. A ênfase no combate à situação irregular das
crianças e adolescentes agregava uma concepção mais extensa de controle social, político e
cultural. Nesse diapasão, o ensino de ofícios artesanais e manufatureiros se revestiu de uma
aparência educacional/correcional com o fim de auxiliar e reabilitar a infância pobre e
criminalizada (Pilotti & Rizzini, 2011).
5 Ver Colégio das Fábricas (1808) (Recuperado de http://linux.an.gov.br/mapa/?p=3451); Instituto de Menores
Artesãos da Casa de Correção da Corte (1861) (Recuperado de http://linux.an.gov.br/mapa/?p=7419); Asilo dos
Meninos Desvalidos (1874) (Recuperado de http://linux.an.gov.br/mapa/?p=7459).
32
Sob essa atmosfera, vigorou, nas instituições de internamento infantojuvenil do século
XX, o trabalho manual e físico, como prática de “ressocialização”. Neste ínterim, originaram-
se as entidades que se utilizavam do trabalho como elemento educativo, disciplinador,
formativo e reabilitador (Londono, 1997; Passetti, 1997). Assim, as instituições disciplinares,
orientadas a partir do art. 202 do Código Mello Mattos, poderiam oferecer o aprendizado de
diversos ofícios, como, por exemplo: costura e trabalhos de agulha; lavagem de roupa;
engomagem; cozinha; manufatura de chapéus; datilografia; jardinagem, horticultura,
pomicultura e criação de aves (Decreto nº 17.943-A, 1927).
É oportuno consignar que que tal proposta não se fundamenta no projeto educacional
de Educação pelo Trabalho, implantado pelo pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa
(Costa, 2006), que consiste em um processo formativo com vistas a promoção de uma cultura
da trabalhabilidade. Ao contrário, o trabalho é concebido como mecanismo de conservação do
status quo vigente, que mirava o desenvolvimento de mão de obra barata, disciplinada e com
escassa capacidade reivindicativa (Foucault, 1999).
Em 1985, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), na sua resolução 40/33,
estabelece as Regras de Beijing e convida os Estados membros a adaptarem, quando possível,
as suas leis, normas e políticas nacionais, assim como a dá-las a conhecer. As regras, entre
outras coisas, enumeram práticas importantes adotadas com sucesso em diferentes sistemas
jurídicos, para evitar, tanto quanto possível, o internamento. Assim, as autoridades
competentes são encorajadas a segui-las e aperfeiçoá-las. Nessa vereda, a AGNU assevera
que a prestação de serviços à comunidade “deve ser sistematicamente planificada e
implementada e fazer parte integrante do esforço de desenvolvimento nacional” (Resolução
40/33, 1985).
Paralelamente ao processo internacional de reestruturação da Justiça da Infância e da
Juventude, o período de redemocratização brasileira (1985-1988) se caracterizou pela
33
internalização de uma série de normativas mundiais e nacionais para elaboração e
implementação de políticas sociais destinadas ao atendimento à criança e ao adolescente
(Passone & Perez, 2010). Assim, diversos marcos legais foram estabelecidos para a
elaboração de um novo padrão político, jurídico e social de justiça juvenil.
Neste passo, o ECA (Lei nº 8.069, 1990) estabeleceu uma nova base doutrinária, que
resultou na total interrupção da norma menorista e, por consequência, instaurou uma nova
diretriz em relação ao que deve ser feito para encarar as circunstâncias de violência que
envolvem adolescentes em conflito com a lei. Desta feita, o Estatuto institui um padrão de
responsabilidade juvenil assentado na Doutrina da Proteção Integral e, diante de tal sorte, dá-
se início o emprego da PSC no contexto socioeducativo. Conforme a letra da lei, a medida
incide na imputação de tarefas gratuitas e ocorrerá em entidades públicas ou em
estabelecimentos congêneres, tal qual em programas comunitários ou estatais. Sob a égide do
Direito Penal Mínimo, a medida guarda coerência com a pedagogia socioeducativa e opõe-se
aos exemplares de justiça fundamentados na perspectiva correcional e repressora (Bandeira,
2006).
Sendo assim, pressupõe-se que o serviço comunitário se trate do provimento de
utilidades, dispostas para a satisfação das necessidades gerais (Lei nº 8.069, 1990). Portanto,
deve ser considerado como prestação de serviços as tarefas de relevância pública, que
ambicionem uma dinâmica educativa que beneficie a eclosão de novas competências e
integração social (CONANDA & SEDH, 2006).
Pelo exposto, vimos que a análise dos dispositivos sociais e conceituais que
motivaram o trabalho e o ensino de ofícios às, então denominadas, crianças “pobres” e/ou
“desvalidas” evidencia sua relação com o contexto de transformação das relações de trabalho
e, consequentemente, com o uso e a exploração da força de trabalho infantojuvenil e a
manutenção do status quo. Nesse âmbito, a (re)introdução dos serviços e tarefas na gestão do
34
atendimento da justiça juvenil significa um aparente avanço na administração da Justiça da
Infância e da Juventude, especialmente em atenção à restauração das relações, a
reorganização dos envolvidos e ao empoderamento do coletivo social. Apesar disso, resta
ainda incerto se tal medida não se trata de uma nova técnica coercitiva empregada para
reprimir a juventude envolvida com atos infracionais.
2.2.5. Das unidades de prestação de serviços à comunidade
As unidades de prestação de serviços são entidades de natureza comunitária ou
governamental,6 sem fins lucrativos, que ofertam atividades que tem por objeto a satisfação
das demandas coletivas, como, por exemplo: escolas, entidades assistenciais, hospitais, entre
outros. Em resumo, são instituições de serventia pública de importante incumbência política e
social. Em geral, são encaminhados a essas organizações os jovens que se adequem às
exigências da unidade, residam ou trabalhem nas proximidades da entidade e/ou apresentem
escolaridade compatível com as tarefas propostas. Além disso, tal ingresso condiciona-se à
disponibilidade da vaga na instituição encaminhada e às características do ato infracional
cometido.
Feito o encaminhamento do assistido, fica a cargo da instituição que irá recebê-lo: o
acolhimento, apresentação da instituição, exposição das normas institucionais e das garantias
e deveres, descrição da tarefa a ser executada pelo socioeducando e acompanhamento do
mesmo, acordo em relação às horas e dias de serviço e comunicação das faltas e demais
intercorrências à equipe do programa de meio aberto.
6 “Essas instituições devem estar previamente definidas por meio de parcerias interinstitucionais, não existindo
impedimento que sejam de âmbito federal, estadual, distrital e municipal” (MDSA, 2016).
35
Para que a socioeducação se cumpra, é indispensável que, no local onde o adolescente
exercerá suas tarefas, exista a pessoa de referência, que exerça a função de educador,
ensinando-o a executar a tarefa e estabelecendo com ele relações positivas. Nesse âmbito, a
tarefa não deve adquirir um viés punitivo, mas deve colocar em relevo os propósitos
educativos na intervenção junto ao adolescente.
Acresce que, segundo normativas do SINASE, para tal fim, há nessas entidades dois
profissionais que auxiliam o jovem na execução da medida socioeducativa: o profissional de
referência socioeducativa, funcionário de nível superior ou com função de gerência ou
coordenação da unidade de prestação de serviços, e o guia socioeducativo, profissional da
unidade ligado ao exercício da atividade/serviço a ser realizada pelo socioeducando
(CONANDA & SEDH, 2006). Esses profissionais oferecem suporte aos socioeducandos, para
que eles possam fazer o que é preciso, para fazer o que desejam, por vezes sem conseguir,
ajudar a refazer o que já foi feito, evitar fazer sem tê-lo desejado. Além do que, estão
incumbidos de acompanhar qualitativamente o cumprimento da medida.
2.3. A prestação de serviços à comunidade: delineamento normativo, aspectos históricos
e representações na sociedade
A Prestação de Serviços à Comunidade se configura como uma determinação judicial,
que exige que um adolescente autor de ato infracional preste serviços comunitários
socialmente benéficos, não remunerados e sob supervisão, em vez de ir para a prisão. Vale
ressaltar, ainda, que a medida inclui a participação em atividades de desenvolvimento pessoal,
educação ou outros.
Em outras palavras, em substituição de uma sentença de internação, o poder judiciário
pode fazer uma solicitação de serviço comunitário, direcionando o adolescente para realizar
36
tarefas por um número específico de horas. Trata-se de uma alternativa à custódia e oferece
aos adolescentes a chance de reparar suas ofensas, ao realizar uma tarefa não remunerada em
benefício da comunidade.
Dar-se-á em entidades assistenciais, escolas, hospitais e outros estabelecimentos
congêneres, em entidades comunitárias ou estatais. Conforme a lei, acrescenta-se, ainda, que
as tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas
durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias
úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho (lei nº
8.069, 1990).
Dispondo das informações acima, pode-se também afirmar o que a PSC não pode ser.
De início, pode-se afirmar que, tal como orienta a lei nº 8.069/1990, a medida não pode
constituir-se como atividade perigosa, insalubre ou penosa, realizada em locais prejudiciais à
formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Acrescenta-se, ainda, que o
serviço comunitário não se assemelha com a prática do voluntariado, em razão deste ser
consequência de uma disposição espontânea do sujeito e, de forma alguma, podendo ser
produto de uma decisão ou imposição externa (Costa, 2011). A PSC, de modo diferente, se dá
como medida judicial e, porém, ainda assim, não se configura como algo obrigatório, pois que
o efeito compulsório não compreenderá, para os fins de acordos internacionais:
qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de
condenação pronunciada por decisão judiciária, contanto que esse trabalho ou serviço
seja executado sob a fiscalização e o controle das autoridades públicas e que dito
indivíduo não seja posto à disposição de particulares, companhias ou pessoas privadas;
ou pequenos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interesse
direto da coletividade pelos membros desta, trabalhos que, como tais, podem ser
considerados obrigações cívicas normais dos membros da coletividade, contanto, que a
própria população ou seus representantes diretos tenham o direito de se pronunciar
sobre a necessidade desse trabalho. (Convenção nº 29, 1930).
37
A princípio, a Prestação de Serviços à Comunidade, como forma de penalidade, surge
no final do século XIX, numa constante busca por formas alternativas ao regime fechado.
Essa forma de sanção penal surgiu ante a ideia de que o encarceramento devia ser
gradativamente menos utilizado, por trazer maiores consequências com sua aplicação, dentre
as quais podemos destacar a superlotação de presídios, os altos custos para a manutenção do
sistema e as difíceis relações mantidas pelos presidiários (Cunha, 2016)
Um dos principais impulsos por trás da introdução da prestação de serviços
comunitários, na maioria das jurisdições, foi o custo. As ordens de serviço comunitário são
menos dispendiosas do que a maioria das outras formas de sentença – pelo menos aquelas
envolvendo prisão ou outros tipos de supervisão. No entanto, outros efeitos positivos podem
ser observados, como, por exemplo: a unidade familiar não é desnecessariamente
interrompida; a atividade profissional pode ser mantida; a escolaridade não precisa ser
interrompida; menos danos à autoestima serão acumulados; os riscos alternativos elevados de
exposição a elementos indesejáveis serão evitados, entre outras coisas.
A Rússia foi precursora a apreciar a prestação de serviços à comunidade como
alternativa à pena privativa de liberdade, no seu Código de 1960. Outros países do leste
europeu, como a Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia e Tchecoslováquia também
introduziram a Prestação de Serviços à Comunidade em suas respectivas legislações
(Bandeira, 2006). Já na Europa ocidental, a Inglaterra foi o primeiro país a implantar a
prestação de serviços à comunidade (Community Service Order) como pena, por meio do
Criminal Justice Act, em 1972, e, em 1982, como sanção aos adolescentes com idade a partir
de 16 anos (Criminal Justice Act, 1972).
Contagiado pelos festejados sucessos que foram alcançados em alguns países
europeus, o legislador brasileiro de 1984 acreditou no potencial não dessocializador da
“prestação de serviços à comunidade” e a incorporou ao Código Penal Brasileiro (Decreto-lei
38
no 2.848, 1940), como uma das penas restritivas de direitos (Bitencourt, 2014) e, em 13 de
julho de 1990,7 ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069)
Em 14 de dezembro de 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do
8º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente,
adota as Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade,
denominando-as de Regras de Tóquio. Essas Regras Mínimas Padrão exprimem uma série de
princípios basais que miram promover o uso de medidas não privativas de liberdade, bem
como garantias mínimas para os indivíduos submetidos a medidas substitutivas ao
aprisionamento (Conselho Nacional de Justiça [CNJ], 2016).
Em 1995, o Brasil estabelece a Lei n. 9.099, que versa sobre os Juizados Cíveis e
Criminais e, em 1998, aprova a Lei 9.714, Lei das Penas Alternativas. A Lei 9.099 já traz em
seu bojo algumas medidas alternativas à prisão. A Lei 9.714/98, por sua vez, vem sedimentar
as penas restritivas de direito, ampliando o leque de medidas até então previstas no
ordenamento jurídico brasileiro (Leite, 2016).
Em 2006, se estabelece a regulamentação específica para entidades e/ou programas
que executam a medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade, a partir da
prescrição de uma equipe mínima e da definição das atribuições, responsabilidades e
especificações dos requisitos de cada cargo nas entidades/programas (CONANDA & SEDH,
2006). Por fim, em 2016, o Caderno de Orientações Técnicas do Serviço de Medidas
Socioeducativas em Meio Aberto determina padrões mínimos para o exercício da medida e a
existência de normas éticas que garantam a adequada relação de cada adolescente com sua
práxis, de modo a responsabilizá-lo, pessoal e coletivamente (MDSA, 2016).
7 Segundo Saraiva, (2006, p. 178) “do ponto de vista das sanções, há medidas socioeducativas que têm a mesma
correspondência das penas alternativas, haja vista a prestação de serviços à comunidade, prevista em um e outro
sistema, com praticamente o mesmo perfil”. Percebe-se que o Estatuto, mesmo vivendo num período histórico
marcado pelo paradigma da proteção e do acolhimento às crianças/adolescentes, ainda adota o adulto como
parâmetro para tratar a infância e adolescência.
39
Como apontam Silva & Torres (2011), nas medidas de prestação de serviços à
comunidade, constataremos a assertiva de que a pobreza é uma constante no sistema
socioeducativo brasileiro, visto que concentra adolescentes cujas vidas se encontram nos
limites da sobrevivência. Tal revelação condiz com a percepção de um Estado Penal, que
pode ser caracterizado pelo aumento da repressão estatal sobre as camadas excluídas
(Wacquant,1999).
Como visto por alguns autores (Gobbo & Muller, 2009; Junqueira, 2010), a assistência
social apresenta-se como área de atuação preponderante entre as entidades conveniadas.
Nesse contexto, a PSC encontra local propício para o exercício da prestação de serviços de
relevância comunitária pelo adolescente. Apesar de tudo, outros estudos (Miyagui, 2008),
embora tratando de situações particulares e, portanto, não generalizáveis, apresentam
conteúdos positivos acerca da forma como os socioeducandos concebem a medida. Indicam
uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motivações e das capacidades
socioeducativas da PSC. Há também, embora escassa, a divulgação de experiências
inovadoras, que fortalecem e verificam a possibilidade de se realizar uma PSC com cultura
voltada para à promoção dos direitos humanos.
As orientações técnicas mais recentes têm pensado a atividade comunitária como base
do processo socioeducativo, não como objeto ou procedimento, mas como matéria-prima da
socioeducação, introduzindo-se não apenas a responsabilização, mas também a integração
social (MDSA, 2016). Dessa forma, o serviço visa o processo socioeducativo, instruindo para
o desempenho da cidadania e o desenvolvimento de potencialidades (Slakmon et al., 2005).
Assim, a medida não deve ser confundida com uma mera punição, por meio da
colocação do educando em um trabalho forçado. Dispor o serviço comunitário sob o objetivo
de punição comprometeria a socioeducação, posto que foca a medida na imposição de um
40
suplício ao ofensor e prejuízo das potencialidades restaurativas (Brancher, 2006; Konzen,
2007).
Portanto, a medida deve assegurar a convivência comunitária, na tentativa de fomentar
uma recontextualização construtiva do conflito e oportunizar, à sociedade, o empoderamento
na busca de resolutividade de seus conflitos (CONANDA & SEDH, 2006). A julgar por isso,
observa-se que a medida possui uma diretriz essencialmente restaurativa,8 pois ambiciona a
reparação das violações à pessoa e às relações interpessoais, a experiência da vida
comunitária, de valores sociais e do compromisso social.
Ressalta-se que a tarefa desempenhada no cumprimento da medida deve ser resultante
da articulação entre a escolha do adolescente e a oferta posta pelos locais de prestação de
serviços, compatibilizando as habilidades dos socioeducandos, seus interesses e as demandas
comunitárias. Assim, cumpre destacar, ainda, que, como assinalam Digiácomo e Digiácomo
(2013), o serviço deve ser prestado “à comunidade”, e não “à entidade”. Logo, a entidade não
pode se utilizar da tarefa dos jovens em substituição aos profissionais da instituição,
tampouco fazê-los trabalhar em função da missão organizacional.
Além disso, não é, pois, possível a prestação de serviço numa entidade privada que
não cumpra nenhum programa comunitário, porque, nesse caso, haveria apropriação indevida
de mão de obra, evitando, por desvio ou abuso na execução, que a medida dê margem para
exploração do trabalho do adolescente pela entidade (Queiroz, 2008). Como expõe Liberati
(2006), o serviço pode ser uma tarefa, que se pode traduzir também em trabalho, atividade
física ou mental (diversa da relação de emprego), mas, como alerta o Caderno de orientações
técnicas: Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, é importante que a PSC não
8A definição dos objetivos das medidas socioeducativas, descritos no artigo 1º, § 2º da lei do SINASE, oferecem
terreno fértil para a institucionalização e implementação da Justiça Juvenil Restaurativa (Ramidoff, 2012).
41
se confunda com atividades laborais, pois as exigências educativas devem prevalecer sobre o
aspecto laboral da atividade.
Em resumo, a PSC pretende ser transformadora, construtiva e positiva. O desempenho
do adolescente está intimamente relacionado ao processo de tornar-se membro funcional de
uma comunidade, possibilitando maior confiança, crença pública e apoio a sanções
comunitárias.
3. O prescrito, real e o real da atividade
No presente capítulo, são discutidos alguns conceitos cruciais para a análise da
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), a começar pelos conceitos de tarefa (aquilo que é
prescrito em termos de atividade formativa ou laboral) e trabalho efetivamente realizado (a
tradução real, na prática, do que foi preconizado na prescrição da tarefa).
Como destacado por Odelius, Ferreira e Gonçalves (2001), a distinção conceitual entre
o prescrito (tarefa) e o real (atividade) é um recurso analítico privilegiado para o
entendimento do comportamento do sujeito e do grupo nas circunstâncias laborais. Nesse
sentido, a atividade possui uma dimensão que supera a atividade realizada. Em matéria de
atividade, o realizado não possui a posse do real (Clot, 2006), por esse motivo fala-se também
em real da atividade.
A noção de trabalho prescrito, sob a forma de tarefa, surge com o modelo de
administração desenvolvido pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor (1856-1915),
no final do século XIX. A abordagem da “administração científica” buscou prescrever
tempos, regras e movimentos, visando ditar modos operatórios (Taylor, 1995).
Como exposto por Chiavenato (2003),
Essa abordagem prescritiva e normativa padroniza situações para poder prescrever a
maneira como elas deverão ser administradas. É uma abordagem com receitas
antecipadas, soluções enlatadas e princípios normativos que regem o como fazer as
42
coisas dentro das organizações. Essa perspectiva visualiza a organização como ela
deveria funcionar ao invés de explicar seu funcionamento. (p. 72)
Schwartz (2000) enfatiza que no taylorismo há o uso de si pelos outros, já que o
trabalho é, em parte, heterodeterminado, por meio de normas, prescrições e valores
constituídos historicamente. Nessa perspectiva, o trabalho ou atividade prescrita pode ser
definida como aquela que deve ser executada, considerando os modos de utilização de
ferramentas e máquinas, o tempo concedido para cada operação, os modos de operação e as
regras a serem respeitadas (Daniellou, Laville, & Teiger, 1989). Brito (2008a) complementa
que o trabalho (ou tarefa) prescrito:
Refere-se ao que é esperado no âmbito de um processo de trabalho específico, com
suas singularidades locais. O “trabalho prescrito” é vinculado, de um lado, a regras e
objetivos fixados pela organização do trabalho e, de outro, às condições dadas. Pode-
se dizer, de forma sucinta, que indica aquilo que “se deve fazer” em um determinado
processo de trabalho. (p. 440)
A concepção de trabalho prescrito admite duas extensões integrantes: (a) teórica, em
sentido amplo, composta pelas representações sociais, jazendo as crenças e ideias dos
distintos indivíduos no campo da produção; e (b) prescrita, limitada num todo técnico
especializado, evidenciando os “braços invisíveis” da organização do trabalho que afixa os
códigos da produção.
À vista disso, pode-se concluir: (a) o prescrito é preexistente ou anterior ao real; (b) o
prescrito é resultante da concepção formal ou informal de quem determina a execução da
atividade; (c) a descrição de tarefa veicula, explícita ou implicitamente, um modelo idealizado
de sujeito; (d) toda tarefa requer do sujeito uma dupla atividade, de elaboração e de execução
(Ferreira & Freire, 2001).
Entretanto, há também uso de si por si, já que os trabalhadores regularizam as
imposições (prescrições) e cunham táticas próprias para encarar os desafios do seu ambiente.
43
Esse conflito contraditório somente pode ser apreendido em um mecanismo de investigação
que articule e interpele os conhecimentos dos pesquisadores com a vivência dos trabalhadores
(Schwartz, 2000).
Para Brito (2008b) o trabalho real (atividade) é “aquilo que é posto em jogo pelo(s)
trabalhador(es) para realizar o trabalho prescrito (tarefa)” (p. 453). No que lhe concerne, a
ciência de trabalho real é concebida em termos da atividade dos trabalhadores e toma um
recinto hierárquico essencial no estudo do trabalho. A atividade resume e constitui os diversos
fatores que compõem o processo de trabalho (Guérin, Laville, Daniellou, Duraffourg, &
Kerguelen, 1997). É na circunstância autêntica de trabalho que a atividade dá visibilidade aos
determinantes que condicionam seu intercâmbio com o meio.
Ao longo de sua história, a produção científica em ergonomia da atividade tem,
insistentemente, mostrado que a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real constitui
uma descontinuidade fundamental, fundadora de um conflito de duas lógicas: (a) do modelo
da realidade em geral e da (b) atividade em particular (Hubault, 1995; 2006).
O (des)compasso entre o trabalho prescrito (tarefa) e o trabalho real (atividade) pode
ser gerador de vivências de prazer-sofrimento nos trabalhadores, nos contextos de produção
de bens e serviços (Ferreira & Barros, 2003). A tarefa faz a mediação entre o que está
formalmente estabelecido (prescrito) e as características e exigências concretas de cada
situação de trabalho como distância a ser identificada e analisada, ela é uma fonte produtora
de conhecimento em ergonomia. Nesse sentido, estudos e pesquisas (Weill-Fassina, Rabardel,
& Dubois, 1993) colocam em evidência o caráter de imprevisibilidade da atividade, pois ela
requer, a cada instante, a inteligência criadora dos trabalhadores.
Às atividades prescrita e real, já previstas na Análise Ergonômica do Trabalho, Clot
acrescenta o real da atividade:
44
A atividade possui então um volume que transborda a atividade realizada. Em matéria
de atividade, o realizado não possui o monopólio do real. A fadiga, o desgaste
violento, o estresse se compreende tanto por aquilo que os trabalhadores não podem
fazer, quanto por aquilo que eles fazem. As atividades suspensas, contrariadas ou
impedidas, e mesmo as contra-atividades, devem ser admitidas na análise assim como
as atividades improvisadas ou antecipadas. A atividade removida, oculta ou paralisada
não está ausente da vida do trabalho. A inatividade imposta – ou aquela que o
trabalhador se impõe – pesa com todo o seu peso na atividade concreta. Pretender
deixar estas coisas de lado em análise do trabalho significa extrair artificialmente
daqueles que trabalham os conflitos vitais dos quais eles buscam “se livrar” no real. O
conceito de atividade deve então, incorporar o possível ou o impossível a fim de
preservar nossas possibilidades de compreender o desenvolvimento e a sua entrada em
sofrimento. (Clot, 2001, p. 77)
Ele distingue, dessa forma, a atividade realizada do real da atividade: a primeira é o
que se faz e o segundo consiste no que não se pode fazer, no que se gostaria de fazer, no que
poderia ter sido feito e mesmo no que se faz para não fazer aquilo que deve ser feito (Lima,
2007).
A distinção acima estabelecida entre trabalho prescrito e trabalho real é de crucial
importância, conforme comentado por Clot (2010; 2006). Parte-se, aqui, do pressuposto
segundo o qual aquilo que é prescrito, em contexto de atividade de trabalho (ou qualquer
outra atividade humana), nunca é rigorosamente realizado, cabendo buscar entender, em cada
caso, os aspectos que fizeram o realizado se distanciar do prescrito.
3.1. Acerca da tarefa prescrita na Prestação de Serviços à Comunidade
Para a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), a tarefa é um componente para o
qual convergem ações coordenadas daquilo que faz parte do essencial da medida
socioeducativa. Em outras palavras, é a tentativa de efetivação, em termos de iniciativa
institucional, corporificada na proposta socioeducativa, do que foi prescrito. Não obstante, o
texto legal é, em seu formato atual, bastante sucinto e genérico, de modo que, já de partida,
45
aspectos importantes ficam implícitos, o que abre diversas vertentes possíveis de
concretização do prescrito.
A definição de tarefa possui numerosas facetas, como apontado por Abbagnano
(2007). O conceito é recorrente desde a filosofia antiga até a contemporânea, com
repercussões em vários domínios da psicologia, como é o caso da psicologia do trabalho e da
psicologia escolar. Platão, em A República (versão de 2000), compreendia por tarefa referente
a uma coisa, aquilo que se sabe fazer, ou ao menos que se faz melhor, seja qual for a coisa.
Com o mesmo significado, Aristóteles, em Ética a Nicômaco (versão de 1991), utilizou esse
entendimento, quando declarava que a tarefa do homem é a atividade da alma conforme à
razão.
Na Psicologia, segundo a perspectiva de Pichon-Rivière (2005), a tarefa relaciona-se
com o direcionamento de um grupo ou de um sujeito para suas metas; ela é,
concomitantemente, uma ação e um itinerário de qualidade multifacetada e dialética. Tarefa é,
portanto, uma atividade – individual ou coletiva – que tem relação com demandas sociais e
objetivos específicos. Para a abordagem da clínica do trabalho, a tarefa traduz-se em todos os
objetivos que foram definidos pela organização do trabalho e concedidos à pessoa que
trabalha, que deverá buscar meios (internos a ela própria e externos) para realizá-la. Pelo
exposto, vamos definir a tarefa como Leontiev (2004), como um dado propósito, sob
condições específicas que condicionarão sempre o resultado final.
A noção de tarefa expressa na peça jurídica retrocitada (Lei nº 8.069, 1990) comporta
um significado ativo, relacionado pela mobilização do indivíduo e suas habilidades para
completar tarefas e atingir as metas sociopedagógicas estabelecidas. Nessa perspectiva, busca-
se “promover o adolescente pessoal e socialmente” e “(...) ajudá-lo a desenvolver suas
competências pessoais (aprender a ser) e suas competências relacionais (aprender a conviver)”
(Costa, 2006, p. 95). As tarefas são, portanto, prescritas e endereçadas aos adolescentes-
46
participantes, em conformidade com o regramento jurídico-institucional, esperando-se que, à
medida que se envolvem nas tarefas prescritas, evoluirão em termos éticos, pedagógicos e
formativos.
Conforme discutido acima, as noções de tarefa e de trabalho são cruciais na presente
análise e têm especial relevo para o SINASE. O conceito de trabalho admite múltiplos
significados, vinculados a formas históricas específicas nos diferentes modos de produção da
existência humana. Para compreendermos o trabalho em toda sua extensão, desde sua
essência, ou seja, até seus diversos aspectos históricos, é imperioso considerarmos uma série
de fatores, dentre os quais o fato de que o trabalho é instrumento para fazer uso da natureza,
modificar o ambiente e satisfazer as necessidades humanas (Albornoz, 1994). Sobre isso,
Marx escreveu:
O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em
que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a
natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural. A
fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe
em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e
pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio
desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (1867/2014,
pp. 326-327)
À vista do exposto, é importante, ainda, citar que, antes de mais nada, o trabalho é
caracterizado por dois elementos interdependentes: um deles, é a fabricação de instrumentos
(Engels, 1925/2000), o outro, se efetua em condições de atividade comum coletiva, de modo
que o homem, no seio desse processo, não entra apenas numa relação determinada com a
natureza, mas com outros homens, membros de uma dada sociedade (Leontiev, 2004).
Como posto por Leontiev:
O trabalho humano é em contrapartida, uma atividade originariamente social, assente
na cooperação entre indivíduos que supõe uma divisão técnica, embrionária que seja,
das funções do trabalho: assim, o trabalho é uma ação sobre a natureza, ligando entre
os participantes, mediatizando a sua comunicação. (2004, p. 81)
47
O trabalho, é, portanto, desde a origem, mediatizado ao mesmo tempo pelo utensílio
(instrumento) e pelo coletivo. Em função disso, o trabalho torna-se artefato de
autoconsciência, de si e para si. Logo, por intercessão do trabalho é possível se cultivar e
aperfeiçoar, mas também se emancipar, visto que pode agir sobre o mundo natural (Hegel,
1807/1992).
Por esse motivo, Leontiev (2004) afirma que o trabalho, atividade vital humana, por
sua vez, é o processo por meio do qual se dá, em nível filogenético, a passagem do ser
biológico para o ser sócio-histórico e, em nível ontogenético, a possibilidade – mais ou menos
plena – de objetivação da personalidade humana. Lukács (2004) considera o trabalho como a
categoria ontológica fundamental do ser social, entende que as características ontológicas do
ser humano seriam aquelas que surgiram historicamente e se incorporaram de modo
irreversível e permanente ao gênero humano, transformando-se em um elemento constitutivo
do ser social.
Nesse sentido, o trabalho é uma categoria ontológica capital, visto que não pode haver
a humanidade sem o trabalho, por mais não civilizado que ele seja. De acordo com Lukács
(2004), “o trabalho é antes de mais nada, em termos genéticos, o ponto de partida da
humanização do homem, do refinamento das suas faculdades, processo do qual não se deve
esquecer o domínio sobre si mesmo” (p. 87).
Porém, como observou Marx (1932/2004), o trabalho tomou um papel negativo nas
sociedades capitalistas. Para o autor, se o trabalho é o fundamento do processo do tornar-se
homem (destacando-o de sua determinação natural), é, também, e ao mesmo tempo, fonte
cotidiana de alienação e de mortificação dos trabalhadores, tendo em vista o esvaziamento das
capacidades humanas em favor do capital.
O trabalho efetivado na coletividade capitalista traz os sinais dos mecanismos de
alienação vivenciados pelos homens na contemporaneidade, um mecanismo de afastamento e
48
de conflito entre a riqueza material e intelectiva do ser humano e a vida de cada sujeito
(alienação). Marx e Engels (2012) evidenciam que, à medida que a atividade de trabalho se
esvazia, mais aproxima o homem de sua condição animal, quer dizer, o trabalho alienado não
possibilita ao trabalhador o completo desenvolvimento de suas competências e capacidades,
mas, sim, estimula seu empobrecimento físico-mental.
Podemos descobrir ainda muitos outros, mas o que é mais importante reter é que todos
fazem parte do conceito simples, totalizando uma fração na diferença. Portanto, a partir desta
concepção ontológica, o trabalho, como nos mostra Kosik (1986), não se reduz à atividade
laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da vida humana. Na sua
dimensão mais crucial, o trabalho aparece como atividade que responde à produção dos
elementos necessários e imperativos à vida biológica dos seres humanos, como seres ou
animais evoluídos da natureza. Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua
vida intelectual, cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva. Tratam-se de
necessidades, que, por serem históricas, assumem especificidades no tempo e no espaço.
O trabalho, assim como a tarefa, é também uma atividade que permite organizar as
subjetividades individuais e coletivas. Nesse sentido, as duas almejam, em seus aspectos
positivos, criar espaços para que o sujeito, situado organicamente no mundo, empreenda, ele
próprio, a construção do seu ser em termos individuais e sociais. Apesar disso, as duas noções
comportam entre si aspectos negativos, como, por exemplo, não permitem ao trabalhador o
pleno desenvolvimento de suas capacidades e faculdades, mas, sim, provocam seu
esvaziamento físico e mental.
3.2. O trabalho como fator ressocializante
49
A partir do final do século XVIII e início do século XIX, diversos movimentos
filosóficos e humanistas começaram a reexaminar a questão da execução penal. Disseminava-
se a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva e, por esse motivo, as
punições eram superiores e mais terríveis do que os prejuízos gerados pelos delitos (Beccaria,
1764/2015). Portanto, conclamava-se a transformação dos modelos de atenção e de gestão nos
serviços e sistemas penais. A partir de então, aparecem novos padrões penais, que
ressignificam o cárcere e, dentro ou fora dele, o trabalho prisional. A prisão adquire um novo
sentido: cercear a liberdade do acusado e prepará-lo para a volta à comunidade. Nessa vereda,
o trabalho assume uma acepção específica: ser uma possibilidade de “recuperação”,
alternativamente ao significado tradicional de castigo.9
Nessa nova perspectiva, o trabalho passa a ser prescrito por sua capacidade
restaurativa e terapêutica. Embora não se abandone a meta punitiva prevista pelo
encarceramento, a “recuperação” torna-se aspecto a ser considerado significativo. Assim, a
atividade ocupacional apresenta-se como fator ressocializante, de sorte que, pela ação do
trabalho, o indivíduo não seja coagido a regressar para a trajetória infracional após a
restituição de sua liberdade. Portanto, o trabalho é idealizado de maneira que constitua um
mecanismo que permita a reeducação daqueles que violam a norma penal e o seu consequente
enquadramento na sociedade.
Para Clot (2007), o trabalho ocupa uma função psicológica específica – e que, assim
sendo, não pode ser preenchida por alguma outra atividade. Para Dejours (1987/1994), “a
organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o
aparelho psíquico” (p. 98). O modelo ressocializador assentado no trabalho é polissêmico e
abre espaço para uma complexa discussão. Diversos teóricos sugerem que a função reservada
9 Trabalho enquanto traepallium, termo latino que descrevia um instrumento de tortura na antiguidade clássica
romana.
50
ao trabalho nos sistemas penais visa novas racionalidades punitivas, outras que não a
promoção pessoal e social do indivíduo. Para Goffman (1974/2001), uma vida fechada e
formalmente administrada dentro de instituições totais nem sempre é compatível com o
conceito de autonomia dos sujeitos de direitos, sendo assim:
Qualquer que seja o incentivo dado ao trabalho, esse incentivo não terá a significação
estrutural que terá no mundo externo, pois que o indivíduo que no mundo externo
estava orientado para o trabalho tende a tornar-se desmoralizado pelo sistema de
trabalho da instituição total. (p. 21)
Essa sujeição internalizada (heteronomia) que um indivíduo deve ter diante da vontade
de terceiros, de um grupo ou mesmo de uma coletividade, é um instrumento para engendrar,
nos indivíduos, uma maior obediência às regras, fortalecendo a disciplina nas prisões
(Foucault, 1999).
Não é como atividade de produção que ele é intrinsecamente útil, mas pelos efeitos
que toma na mecânica humana. É um princípio de ordem e de regularidade; pelas
exigências que lhe são próprias, veicula, de maneira insensível, as formas de um poder
rigoroso; sujeita os corpos a movimentos regulares, exclui a agitação e a distração,
impõe uma hierarquia e uma vigilância que serão ainda mais bem aceitas, e penetrarão
ainda mais profundamente no comportamento dos condenados, por fazerem parte de
sua lógica: com o trabalho. (p. 271)
Além disso, o filósofo argumenta que o trabalho penitenciário é um mecanismo de
manutenção do status quo, uma vez que almeja a submissão dos detentos, de modo que, ao
ganharem a liberdade, aceitem a precariedade e o trabalho precário, permitindo o máximo de
extração de mais-valia.
A utilidade do trabalho penal? Não é um lucro; nem mesmo a formação de uma
habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder, de uma forma econômica
vazia, de um esquema da submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de
produção. (p. 272)
Atualmente, do trabalho dos apenados, espera-se extrair objetivamente duas utilidades:
reduzir os custos do direito de punir do estado e da garantia dos direitos individuais dos
51
presos, assim como a redução da ociosidade nas cadeias. A primeira, visa limitar os gastos
públicos referentes a custódia e manutenção dos apenados, enquanto a segunda, baseia-se na
reforma moral do criminoso mediante a atividade ocupacional – em outras palavras, o
trabalho deve enriquecer a existência humana (Maia, Neto, Costa, & Bretas, 2009).
Muito se tem discutido, recentemente, acerca do ideal ressocializador das atividades
ocupacionais, configurado no modelo legal de execução socioeducativo e penal. No centro do
discurso que justifica e reivindica a presença das atividades laborativas, observa-se
perspectivas que apontam que estas podem oportunizar desenvolvimento pessoal e social para
aqueles que entraram em conflito com a lei, no entanto, se evidencia que o trabalho se
fundamenta no processo de transformação e socialização progressiva dos indivíduos, com
função essencialmente disciplinar.
À vista disso, é preciso repensar o papel das atividades laborativas em tal contexto, de
modo que se possa esperar delas uma configuração pela qual seja possível construir a
autonomia daqueles que, em dado momento, contravieram a lei, apreciando suas
competências e habilidades, assim como seu acervo de saberes empíricos junto à sua
individualidade. Dessa forma, o trabalho como fator integrativo deve ser disposto de maneira
que as tarefas efetuadas não representem apenas excitações maquinais, mas que, sobretudo, os
apenados encontrem, nas condições de trabalho, os fatores imperativos para o seu
desenvolvimento individual. Esse fato pode estar ligado à própria concepção que se tem do
trabalho como um todo.
52
4. Objetivos
Uma vez configurada a problemática de pesquisa relacionada à oferta de medidas
alternativas à privação de liberdade para adolescentes autores de atos infracionais, bem como
os marcos teóricos apresentados e a contextualização sociocultural para a circunscrição da
referida problemática, o presente capítulo explicita os objetivos. Em seguida, serão abordadas
as questões de pesquisa e os caminhos de obtenção de respostas para tais questões.
4.1. Objetivos geral e específicos
A presente pesquisa visa à caracterização e análise das possibilidades, limites e
perspectivas referentes à utilização da medida socioeducativa de prestação de serviços à
comunidade como alternativa destinada à abordagem penal do adolescente autor de ato
infracional. Tal objetivo geral se desdobra, explicitamente, nos seguintes objetivos
específicos:
a) estabelecer o perfil dos socioeducandos, em termos de indicadores sociodemográficos;
b) analisar a relação entre a proposta de regulamentação da execução da PSC e a efetiva
aplicação desses preceitos;
b) identificar as tarefas propostas para os adolescentes participantes no cumprimento da
medida, levando em consideração as tarefas efetivamente executadas.
53
5. Método
O delineamento deste estudo abarcou abordagens analíticas complementares,
combinando, primeiro, a coleta de dados documentais (fase descritivo-quantitativa) e, depois,
a consideração de dados clínico-qualitativos, coletados em entrevistas com adolescentes-
participantes do programa PSC. Na primeira fase do estudo, a fase quantitativa, foram
compilados dados oriundos do arquivo da Secretaria de Trabalho e Assistência Social da
Prefeitura do Natal (RN), com vistas a uma descrição, resumo e conclusões sobre o universo
alvo da pesquisa.
A fase subsequente, qualitativa, foi conduzida como um aprofundamento dos
resultados quantitativos. Nessa sequência exploratória, o plano experimental intencionou fazer
uso de dados verbais, por meio de entrevista episódica, para examinar os achados da etapa
anterior. Por fim, fez-se o resumo e interpretação dos achados combinando-os de modo a
analisar e descrever as fronteiras e aspectos alusivos à medida socioeducativa de prestação de
serviços à comunidade.
5.1. Acerca da proposta de pesquisa aqui apresentada (métodos mistos)
A pesquisa mista (mixed methods) constitui-se como terceiro paradigma em termos de
métodos de pesquisa, uma vez que não se circunscreve à esfera da abordagem descritivo-
inferencial quantitativa, e nem ao domínio dos métodos clínico-interpretativos, compondo,
portanto, uma terceira via, que não se resume a uma mera justaposição (e sim interlocução)
desses dois métodos de pesquisa. Foi estabelecida ao final dos anos 1980, a partir de vários
escritos, de diversas áreas do conhecimento, todos direcionados a caracterizar e conceituar o
54
que hoje é conhecido como métodos mistos ou multimétodos. Tais publicações estavam
entrelaçadas ao surgimento de um sistema que desse conta da complexidade dos problemas de
pesquisa, ou seja, a sofisticação aumentada do objeto de discussão levou a coleta tanto de
dados quantitativos quanto qualitativos (Greene, 2008).
As origens intelectuais dessa orientação metodológica são geralmente rastreadas às
primeiras publicações de Campbell e Fiske (1959), Sieber (1973), Denzin (1978), Jick (1979)
e Cook e Reichardt (1979). Nesse período, foram introduzidas tentativas de sistematização e
uso de métodos diferentes em um projeto de pesquisa, para criar uma abordagem distinta de
investigação. Posteriormente, o progresso dessa nova metodologia passou por disputas
paradigmáticas (quanti x quali), evoluções procedimentais, período de defesa e expansão da
técnica e por um estágio reflexivo, ainda em desenvolvimento, baseado na avaliação atual do
campo e das perspectivas futuras, assim como nas críticas construtivas que desafiam a
emergência dos métodos mistos e o que eles se tornaram (Creswell & Clark, 2013).
Após esses estágios, os métodos mistos se consolidaram como procedimento técnico
individualizado, com sua própria perspectiva de mundo, linguagem e técnica. Na atualidade,
os principais proponentes dessa linha são: John Creswell, Abbas Tashakkori, Burke Johnson,
Anthony Onwuegbuzie, Jennifer Greene, Charles Teddlie e David Morgan. Como atentam
Onwuegbuzie e Leech (2009), o nome “pesquisa mista” está para além dos descritores
quantitativo e qualitativo, também se conectam a outros predicados, como às suposições
filosóficas e teóricas. Face a consideração aduzida, Tashakkori e Teddlie (2003) afirmam que
o pragmatismo é o aporte filosófico usualmente escolhido para os estudos mistos.
O pragmatismo como paradigma filosófico se origina da consideração privilegiada de
ações, situações e condições antecedentes como marcos fundamentais para se pensar os
fenômenos em estudo. Há, igualmente, compromisso com as aplicações – o que é efetivo e dá
solução aos problemas. Nesta perspectiva, o pragmatismo, são consideradas muitas
55
abordagens para coletar e analisar dados, ao invés de subscrever apenas um caminho
(Creswell, 2013). Assim, de acordo com Johnson e Onwuegbuzie (2004), essa visão de
mundo ajuda a compreender como as abordagens de pesquisa podem ser integradas. A linha
de fundo é que as abordagens de pesquisa sejam incorporadas, de forma a oferecerem as
melhores oportunidades para responder importantes questões de pesquisa.
Para Creswell e Clark (2013), as bases teóricas assumidas pelos pesquisadores
proporcionam direção a muitas fases de um projeto de métodos mistos. Segundo eles, duas
teorias podem orientar a condução dos estudos mistos: a teoria das ciências sociais e a teoria
emancipatória. A primeira, se utiliza de uma estrutura explanatória que prevê e molda a
direção de um estudo de pesquisa, enquanto a outra assume uma postura teórica em favor de
grupos minoritários ou marginais.
Isto posto, a pesquisa mista pode ser conceituada como a combinação de métodos
(quanti e quali, dentre outros), uma filosofia e uma orientação metodológica, que ambiciona
uma melhor compreensão do problema de pesquisa e da questão do que qualquer método por
si só.
5.2. A escolha do projeto de métodos mistos
Como esclarecem Onwuegbuzie, Turner e Johnson (2007), a pesquisa mista deveria
ser utilizada quando o elo de contingências em uma circunstância, em relação às dificuldades
de pesquisa, aconselha que o uso de métodos mistos é virtualmente capaz de aprovisionar
achados de pesquisa superiores ao emprego de um único método disjunto. Dessa maneira,
adotou-se tal paradigma metodológico, pois avaliou-se que o objetivo geral da pesquisa
poderia ser melhor analisado com fases ou projetos múltiplos, em vez de a partir de uma única
fonte de dados.
56
Ressalta-se que este é um projeto de métodos mistos fixos, quer dizer, é uma
investigação em que o uso de abordagens quantitativas e qualitativas foi predeterminado e
planejado no início do processo da pesquisa e os procedimentos foram postos em prática
como idealizado previamente (Creswell, 2010). A abordagem desta investigação se
fundamentou na tipologia, enfatizando a seleção e a adaptação de um projeto particular
(estudo misto de abordagem sequencial explanatória) ao propósito e às questões do estudo.
Creswell (2014) conceitua o projeto de métodos mistos sequencial explanatório, ou
explicativo, como aquele em que o pesquisador conduz primeiro a pesquisa quantitativa,
analisa os achados e, depois, fundamenta-se neles, para explicá-los com mais detalhes a partir
da pesquisa qualitativa.
O delineamento deste estudo se propôs a executar um projeto de métodos mistos
sequencial explanatório, combinando, primeiro, a coleta de dados quantitativos e, depois, a
extração de dados qualitativos coletados em profundidade.
5.3. Estrutura e organização da implementação da pesquisa
O procedimento metodológico geral da presente pesquisa pode ser resumido pela
Tabela 4, que abarca três fases principais.
57
Tabela 4
Procedimentos da implementação da pesquisa (adaptado de Creswell & Clark, 2013)
FASE 1
Fase quantitativa:
Objetivo: Projeção do elemento quantitativo, estabelecendo a abordagem e questões da pesquisa
quantitativa.
Etapas:
• Pesquisa documental;
• Delineamento da pesquisa documental:
- Objetivos;
- Identificação;
- Elaboração do plano de trabalho;
- Localização da fonte e obtenção do material;
- Organização do material coletado;
• Análise de dados.
FASE 2
Fase qualitativa:
Objetivo: Determinação da abordagem e questões da pesquisa qualitativa que acompanham os
resultados quantitativos.
Etapas:
• Entrevista episódica;
• Procedimento de coleta de depoimentos;
• Cuidados éticos;
• Riscos;
• Benefícios;
• Análise clínico-interpretativa.
FASE 3
Integração das fases
Objetivo: Discussão sobre a maneira como os resultados qualitativos ajudam a explicar os
resultados quantitativos.
Etapas:
• Resumir e interpretar os resultados quantitativos e qualitativos.
5.3.1. Fase 1: pesquisa documental
A abordagem desta primeira fase teve como fonte primária de dados os Planos
Individuais de Atendimento (PIA), oriundos dos arquivos do Serviço de Proteção Social a
58
Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) da Prefeitura do Natal (RN).
Tal acervo documental possibilitou o acesso a dados sociodemográficos dos
adolescentes participantes da PSC, em cumprimento a um dos objetivos específicos da
presente pesquisa, e em contexto de pesquisa documental (Tozoni-Reis, 2009). À vista do
exposto, a técnica se utiliza de documentos originais, não submetidos anteriormente a
procedimentos de intervenção analítica, que podem ser examinados sob várias perspectivas,
conforme as metas da investigação estabelecidas (Gil, 2008). Para Lee (2000), trata-se, aqui,
de acesso a dados que não envolvem elicitação direta de informações de sujeitos de pesquisa.
Além do mais, caracteriza-se, aqui, o estudo de informações oriundas de participantes com os
quais não se tem acesso direto.
A reunião de informações necessárias e suficientes ao estabelecimento do processo de
análise engloba suportes, escritos ou não, de caráter primário ou secundário e abrigados em
arquivos públicos ou particulares (Gil, 2002). Lakatos e Marconi (2003) afirmam que os
documentos oficiais, conservados em acervos públicos, constituem geralmente fonte relevante
de dados, mesmo se se considera que podem passar por filtros de natureza administrativa,
política ou ideológica. Tais filtros se tornam igualmente informativos, desde que, na análise,
não se perca de vista que o dado informativo tem essa dupla camada: o que ele informa e o
contexto em que se insere ou de onde se origina. Nesse sentido, May (2004) advoga a tese de
que a fonte documental possibilita o acesso a deliberações que pessoas ou instituições tomam
cotidianamente e a longo prazo, destarte, ela se torna um instrumento, por meio do qual o
pesquisador busca uma associação entre a sua descrição e os eventos aos quais ela se refere.
Assim, a fonte documental age como forma de expressão ou representação de elementos
relevantes do universo social, sendo possível rastrear ou “ler” aspectos desse universo por
meio dela (Mason, 2002).
59
Por esses motivos, o emprego de fontes documentais, como procedência de
informações, tornou-se apropriado para a presente dissertação. Finalmente, insta esclarecer
que o emprego desse método não visa examinar os fatores que cercam o processo da produção
dos documentos, embora se utilize de algumas explicações para localizá-lo em um contexto
político e social amplo.
a) Delineamento da pesquisa documental
Identificação das fontes documentais primárias utilizadas
O documento utilizado como fonte primária de informação foi o Plano Individual de
Atendimento (PIA). Tal documento é definido como precursor importante para o
estabelecimento do plano de trabalho a ser oferecido ao adolescente participante da PSC,
plano este que busca, em consonância com a Lei nº 12.594 (2012), possibilitar o
desenvolvimento pessoal e social do adolescente, por meio do estabelecimento planificado de
ações a serem desenvolvidas no cumprimento da medida socioeducativa. A escolha da fonte
documental indicada partiu do pressuposto de que tal documento encerra informações de
interesse quanto ao perfil do adolescente participante e a atribuição de atividades que buscou
dar conta desse perfil, em conformidade com o que está estabelecido na lei de referência.
O PIA do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)
da Prefeitura do Natal (RN) é um documento semiestruturado, que apresenta uma seção com
anotações objetivas, definidas em meio a alternativas previamente estabelecidas, e outra seção
aberta, para registros textuais, a serem feitos pelo agente entrevistador. Dessa maneira, os
informes da primeira seção possibilitam, por sua própria natureza, classificação taxonômica
60
conducente à análise de frequências quantitativa, enquanto que os dados oriundos da outra
seção necessitaram ser previamente preparados para possibilitar análises de frequências
descritivas e inferenciais (testes de hipótese).
Em face de tal estrutura de arranjo dos dados em sua base de registro, a coleta
documental intencionou compor um conjunto de informações complementares conducentes à
organização de um banco de dados. Esse banco de dados, na versão que foi construída para a
presente pesquisa, abarcou dez variáveis, sendo sete de caráter sociodemográfico,
previamente categorizadas, e três referentes a informações acerca do cumprimento da medida
por parte do adolescente.
Critérios de inclusão e exclusão dos documentos-fonte PIAs utilizados
Foram selecionados para consulta os documentos referentes a adolescentes e jovens
que cumpriram efetivamente a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade
entre os anos de 2013 e 2015. A opção pelos egressos do ano supradito aconteceu em função
da indisponibilidade de dados consolidados referentes ao ano de 2016 em diante.1 Foram
excluídos da consulta os arquivos de dados referentes a adolescentes ou jovens que vieram a
óbito, que foram transferidos de comarca, ou que, no decorrer da medida, foram inseridos em
mais de uma entidade de prestação de serviços à comunidade.
Entre os anos 2013 e 2015, foram elaborados 869 PIAs (universo), dos quais 250
(28%) referem-se a adolescentes e jovens sentenciados somente à PSC. A amostra documental
que se elegeu para a presente pesquisa, tendo em vista os critérios acima, foi constituída por
127 PIAs, o que caracteriza uma margem de erro amostral de 6%, com nível de confiança em
1 Muitos dos adolescentes, nesses casos, ainda estavam em cumprimento de medida socioeducativa na época da
coleta de dados da presente pesquisa.
61
95%. A escolha dos elementos (PIAs) da amostra documental foi feita de forma aleatória.
Assim, os dados alvos da coleta puderam ter a mesma oportunidade de serem selecionados,
em prol da representatividade da amostra.
Localização da fonte documental
Os PIAs que serviram de base para a presente pesquisa foram oriundos do arquivo
público do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)
da Secretaria de Trabalho e Assistência Social da Prefeitura do Natal. O acesso a tal acervo
documental ocorreu mediante a assinatura do termo de concessão do uso de dados pela
gestora da instituição, após ter recebido todos os esclarecimentos sobre os objetivos e
procedimentos a serem seguidos na realização da pesquisa, e a aprovação no Comitê de Ética
em Pesquisa (protocolo 012246/2017).
Como ressalta Flick (2009), no desenho da pesquisa qualitativa, o autor do estudo
deve estar consciente de sua influência sobre o campo e sobre os objetos da pesquisa. Dessa
maneira, o manuseio do material de estudo esteve sujeito as seguintes condições: precisão do
registro dos dados, o que significa que não irá ocorrer qualquer omissão ou fraude com a
coleta de dados na prática da pesquisa; garantia do anonimato das informações e
armazenamento em local seguro.
Organização do material coletado
A organização do material coletado resultou na categorização das variáveis e na
criação de códigos para a entrada de dados. Pela própria estrutura do objeto da pesquisa
62
documental, conducente à análise quantitativa, a maior parte dos dados extraídos já se
encontravam categorizados e, por isso, aptos a codificação e inserção em arquivo para
tratamento estatístico em ambiente informatizado.
Apesar disso, a categorização2 foi considerada em dois momentos: para construir
novas categorias mais apropriadas para a análise estatística desejada e na ocorrência de
elementos com amostras pequenas (frequência menor que 10%). Uma vez codificados, os
dados foram registrados em planilha informatizada para a devida análise de frequências e
inferencial (verificação de relações ou diferenças estatisticamente significativas).
Tratamento e análise dos dados registrados
A análise de dados da fase quantitativa foi dividida entre a estatística descritiva e a
inferencial, para isso, a análise foi assistida pelo software SPSS, versão 20. Na análise
descritiva, apresentam-se as variáveis com os dados coletados originariamente, já nas análises
subsequentes, inferências, utiliza-se os dados categorizados.
Foi realizada uma estatística descritiva para descrever e sumarizar o conjunto de dados
da amostra, estimando parâmetros populacionais, a partir das medidas de tendência central
(média; mediana e moda) e da descrição gráfica dos dados (histograma de frequências), tal
como da variação ou dispersão das distribuições observadas.
Dada a natureza das variáveis coletadas, categóricas, foram utilizados testes não
paramétricos para a análise dos dados. Assim, fez-se uso do teste de χ² de independência, para
2 Para tal operação, utilizou-se a categorização semântica (Bardin, 2010) e, a partir dela, foram identificados os
núcleos de sentidos presentes nas informações compiladas e, em seguida, os dados categorizados foram inseridos
em arquivo informatizado de tratamento de dados para posterior codificação e análise.
63
averiguar a associação entre as variáveis descritas nos objetivos e examinar como os valores
observados podem ser aceitos como regidos pela regulamentação.
5.3.2. Fase 2: entrevista clínica
A escolha do método qualitativo de pesquisa intencionou assegurar a coesão entre as
singularidades da natureza do estudo, da área de pesquisa e dos participantes da investigação
(Minayo, 2009; Yin, 2016). Sua finalidade foi proporcionar um olhar geral, do tipo
aproximativo, acerca da matéria investigada (Gil, 2008). Em razão disso, o procedimento de
coleta de dados adotado foi a entrevista episódica.
O uso de entrevistas qualitativas como método de geração de dados é apropriado e
praticável para obter as informações quistas, uma vez que as entrevistas são prática comum
em uma variedade de situações da vida cotidiana. Além disso, elucidam experiências e pontos
de vista subjetivamente vividos a partir da perspectiva dos entrevistados (Tracy, 2013).
Segundo Flick (2002), a entrevista episódica é empregada intencionando reconstituir
aspectos significativos de uma vivência, com um foco contextual característico, a começar do
uso de narrativas. Assim, os acontecimentos importantes são selecionados do conjunto de
memórias episódicas e elucidados em sequência coesa dos eventos.
Por meio do enunciado proferido, as pessoas evocam os fatos, colocam suas vivências
em sequência, encontram possíveis interpretações para isso e jogam com a série de
acontecidos que engendram a vida pessoal e coletiva (Bauer & Jovchelovitch, 2002). Desse
modo, o método parte da compreensão da experiência como histórias vividas e narradas,
estruturando-se na intencionalidade de compreender e interpretar as dimensões
idiossincráticas para além de esquemas fechados, recortados e quantificáveis (Creswell,
2014).
64
Com isso, esperava-se que os participantes pudessem “reviver” e relatar eventos que
aconteceram no cumprimento da medida socioeducativa, relembrar experiências marcantes,
fatos memoráveis, entre outros.
a) Detalhamento das entrevistas
A participação na entrevista (com gravação de voz) ocorreu mediante a assinatura do
termo de Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e do Termo de autorização para
gravação de voz, após os participantes terem sido esclarecidos sobre os objetivos, importância
e o modo como os dados serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos,
desconfortos e benefícios que ela proporcionaria. Além disto, foi garantido aos partícipes o
anonimato das informações e o direito de se recusarem a participar ou retirar seu
consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo.
Insta esclarecer que a previsão de riscos quanto a participação no estudo foi mínima,
ou seja, o risco foi semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina. No
entanto, os participantes podiam estar submetidos a desconfortos relacionados ao sigilo das
informações e ao dispêndio de tempo. Esses problemas foram minimizados por meio da
seleção de local capaz de prover a privacidade dos participantes e pela disponibilização, ao
sujeito da pesquisa, da escolha de data, horário e local para a realização da entrevista.
Não houve benefício direto para o participante, contudo foram informados de que a
participação poderia fomentar evidências necessárias para o aumento da eficácia institucional
e da efetividade social da medida socioeducativa.
Previa-se, a princípio, contar com a colaboração de cinco (5) participantes, porém
diversos indivíduos serviram-se de sua liberdade de recusa para não se envolverem com o
estudo, alegando falta de tempo para participação ou interesse colaborativo. Contudo, estas
65
justificativas, podem ser resultado de um comportamento de fuga ou de esquiva de algo
notadamente inconveniente.
Os participantes serão selecionados de modo a recrutar participantes específicos e
capazes de oferecer evidências ou visões distintas (amostragem intencional). Inicialmente,
fora cotado realizar as entrevistas na residência dos participantes ou em local designado por
eles, porém, ante o pedido dos sujeitos de pesquisa, optou-se por fazê-las nas dependências do
Serviço3 de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de
Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) da Secretaria de
Trabalho e Assistência Social da Prefeitura do Natal.
3 Ciente dos objetivos e da metodologia da pesquisa, a instituição autorizou, via carta de anuência, a execução da
entrevista.
66
6. Análise dos dados obtidos
A análise dos dados na pesquisa de métodos mistos consiste em analisar
separadamente os dados quantitativos, usando métodos quantitativos, e os dados qualitativos,
usando métodos qualitativos. A seguir, são apresentadas a exploração e análise de dados da
fase quantitativa e qualitativa.
6.1. Fase descritiva
6.1.1. Perfil sociodemográfico
A amostra de participantes, cujos dados documentais subsidiaram a presente análise,
foi originária de uma pesquisa de levantamento da qual participaram 127 egressos do sistema
socioeducativo em meio aberto, sendo 100 (78,7%) do sexo masculino, com idades entre 12 e
20 anos (média = 16,5; mediana = 17; moda = 17, desvio-padrão = 1,463), com distribuição
próxima da normalidade. A principal porta de entrada no sistema socioeducativo foram os
atos infracionais análogos aos crimes contra o patrimônio (53, 5%), seguido dos crimes contra
a pessoa (22,8%) e outros1 (23,6%).
Esses adolescentes são domiciliados, de forma majoritária (χ² = 10,03; gl = 3; p =
0,018), em regiões de maior adensamento populacional e vulnerabilidade social, como é o
caso das zonas oeste (32,9%) e norte (29,9%) da capital norte rio-grandense (SEMURB,
2013), com menor participação de domiciliados nas regiões leste (18,10%) e sul (18,10%). A
renda familiar mensal situa-se, predominantemente (χ² = 16,465; gl = 3; p = 0,001), na faixa
1 Encontram-se nesta última categoria os seguintes atos infracionais: ameaça, difamação, dirigir veículo
automóvel sem a devida permissão para dirigir, lesão corporal, porte ilegal de arma de fogo e tráfico ilícito de
drogas.
67
entre 01 até 02 salários mínimos (40,2%), seguida da categoria mais de 03 salários mínimos
(22%), do grupo de até 01 salário mínimo (21,3%) e, finalmente, da faixa entre 02 e 03
salários mínimos (16,5%). O nível de escolaridade preponderante foi aquele referente ao
ensino fundamental II, 6º ao 9º ano (52%), seguido do grupo referente ao ensino fundamental
I, 1º ao 5º ano (28,3%) e, por fim, o ensino médio (19,7%). Destes, 55,1% encontram-se em
processo de escolarização.
Figura 4. Curva de distribuição de idades dos sujeitos da pesquisa.
6.1.2. Aptidões
O art. 117 do ECA dispõe, em seu parágrafo único, que as tarefas sejam atribuídas
conforme as “aptidões” do adolescente (lei nº 8.069, 1990). O conceito não recebe qualquer
especificação nesse documento legal, o que permite sua assimilação à ideia mais disseminada
de “inclinação” individual, decorrente de acervo de habilidades, competências e traços de
personalidade passíveis de vinculação a determinadas ocupações. Nesse sentido, a efetivação
68
da medida repousa na expectativa do estabelecimento adequado de concatenação entre as
aptidões do adolescente e o rol de demandas e ofertas em determinada ocupação oferecida no
bojo da PSC.
De modo consequente, o adolescente pode ser definido como membro indiferente no
processo socioeducativo, numa concepção em que as competências e habilidades são inatas,
contidas desde o nascimento, e, portanto, não adquiridas ou aprendidos. Nesse cenário, é
possível que ocorra uma sistemática profundamente diretiva, em que a equipe técnica o
desconsidere-o como ciente de seus interesses e apropriada de fazer escolhas.
Em termos práticos, a detecção de aptidões repousa sobre dados fornecidos pelo
próprio adolescente, no contexto de entrevista com a equipe técnica encarregada da
construção dos PIAs. Os achados foram agrupados em termos genéricos, como indicativo de
competência frente a um determinado objetivo. Foram identificadas duas categorias principais
de aptidões (Tabela 5), que ocorrem com distribuições próximas (χ² = 2,03; gl = 3; p = 0,56),
aptidão para o trabalho (capacidade para desempenhar ocupações profissionais) e aptidão
esportiva (capacidade para o exercício da prática esportiva). Houve ainda efetivo importante
de não-reconhecimento de quaisquer aptidões, correspondendo aos casos em que o
socioeducando não conseguiu ou não quis explicitar à equipe de atendimento suas
capacidades, e finalmente, a classe outros agrega diversos registros que, individualmente,
apresentaram percentual irrelevante para o trato estatístico.
Tabela 5
Distribuição das frequências das aptidões registradas
Aptidão indicada Frequência Porcentual Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulativa
Aptidão para o trabalho 27 21,3% 21,3% 21,3%
Aptidão esportiva 30 23,6% 23,6% 44,9%
Não reconhece 38 29,9% 29,9% 74,8%
69
Outros 32 25,2% 25,2% 100,0%
Total 127 100,0% 100,0%
Quando tal quadro descritivo de aptidões é cruzado com os níveis de escolaridade dos
adolescentes participantes, verifica-se distribuição próxima entre os dois principais tipos de
aptidões considerados (Aptidão para o trabalho e Aptidão esportiva) para o Ensino
Fundamental I, predominância das aptidões para o trabalho dentre os adolescentes com
Ensino Fundamental II e predominância das aptidões esportivas dentre os adolescentes com
Ensino Médio (χ² = 13,08; gl = 6; p = 0,042) (cf. Tabela 6).
Tabela 6
Cruzamento das frequências de níveis de escolaridade e tipos de aptidão indicada
Aptidão indicada Escolaridade
Total Fundamental I Fundamental II Ensino Médio
Aptidão para o trabalho 7 17 3 27
Aptidão esportiva 6 12 12 30
Não reconhece 11 23 4 38
Outros 12 14 6 32
Total 36 66 25 127
6.1.3. Tarefas
A primeira observação importante a ser feita quanto a este tópico é que os registros
sobre as tarefas prescritas não apresentam definição de objetivos, de instruções e dos métodos
e procedimentos previstos para a sua execução, restringindo-se tais registros a identificar
genericamente a tarefa que integra a PSC. Em função disso, os adolescentes são
70
encaminhados para as entidades alocadas sem esclarecimentos prévios acerca do que se
espera deles, somente na chegada à instituição ocorre a indicação do que se espera do
adolescente.
Os dados de base foram transformados e agregados em unidades classificativas,
visando nomear, codificar e descrever, de forma abrangente e sintética, as tarefas oferecidas
aos adolescentes em PSC nos serviços comunitários. Para tal, utilizou-se a concepção de
funções como unidades de classificação descritiva, abarcando conjuntos de tarefas similares
ou domínios de tarefas. Assim, as unidades de observação são as tarefas, vislumbradas dentro
de um conjunto de tarefas mais amplo (funções). É importante ressaltar que os domínios de
tarefas encontradas (Tabela 7) não apresentam correspondência ou relação sistemática
identificável com as aptidões referidas na seção anterior.
Tabela 7
Distribuição das frequências das tarefas registradas
Domínios de tarefas (Funções) Frequência Porcentual Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
Limpeza e conservação 41 32,3% 32,3% 32,3%
Administrativas 55 43,3% 43,3% 75,6%
Outras 31 24,4% 24,4% 100,0%
Total 127 100,0% 100,0%
A distribuição resumida pela Tabela 7 permite observar a predominância da função
administrativa na alocação de tarefas na PSC, abarcando tarefas como organização de
arquivos, gestão de informações, classificação e revisão de documentos ou operação de
equipamentos diversos. Tal função é predominante para adolescentes do sexo feminino (χ² =
9,14; gl = 2; p = 0,01) (Tabela 8) e com processo de escolarização em curso (χ² = 15,32; gl =
71
2; p = 0,001) (Tabela 9). Um ponto importante a considerar, aqui, diz respeito à questão da
presunção de “periculosidade” do adolescente em PSC. O saber prático-profissional dos
técnicos responsáveis pela destinação de adolescentes por entidade e por tipo de atividade
imputa a condição ou expectativa de “perigoso” (ou mais perigoso) aos adolescentes e jovens
do sexo masculino. À vista disso, busca-se evitar “situações de risco” e eleger pelo
direcionamento das adolescentes para tarefas e conjunturas administrativas, dado que elas
seriam, em tese, menos perigosas.
Tabela 8
Distribuição dos tipos de tarefas em função do sexo
Tarefas Sexo
Total Homens Mulheres
Limpeza e conservação 38 3 41
Administrativas 37 18 55
Outras 25 6 31
Total 100 27 127
Além do mais, as tarefas administrativas são designadas para os adolescentes com
níveis de escolaridade mais elevadas (Tabela 9), em limiar próximo da significância estatística
(χ² = 8,66; gl = 2; p = 0,07).
Tabela 9
Distribuição dos tipos de tarefas em função da situação escolar
Tarefas
Situação escolar
Total Em sala de
aula
Fora de sala de
aula
Limpeza e conservação 15 26 41
Administrativas 41 14 55
72
Outras 14 17 31
Total 70 57 127
A categoria Limpeza e conservação incorpora atividades relacionadas aos serviços de
rotina de limpeza, manutenção e conservação de espaços interiores e exteriores. Sob tal
legenda, foram agrupadas anotações, como, por exemplo: “atividades de limpeza”, “copa”,
“limpeza” e “serviços gerais”. É conferida com maior frequência aos indivíduos do sexo
masculino (χ² = 9,13; gl = 2; p = 0,01) (Tabela 8), com processo de escolarização
interrompido (χ² = 15,32; gl = 2; p = 0,001) (Tabela 9) e associa-se significativamente (χ²
8,66; gl = 4; p = 0,07) com o ensino fundamental II (Tabela 10).
Tabela 10
Distribuição dos tipos de tarefas em função do nível de escolaridade
Tarefas Escolaridade
Total Fundamental I Fundamental II Ensino Médio
Limpeza e conservação 14 24 3 41
Administrativas 13 25 17 55
Outras 9 17 5 31
Total 36 66 25 127
6.1.4. Entidades que recebem os adolescentes em PSC
Este tópico diz respeito a entidades diversas associadas à administração pública,
aspirando ao contentamento de obrigações coletivas, dentre elas a recepção de adolescentes e
jovens em regime de PSC. Face à variedade de entes públicos envolvidos, procedeu-se a uma
categorização em função da atividade dominante de interesse social (definição material).
73
Dessa maneira, obtiveram-se quatro categorias de tipos de entidades, com predomínio (χ² =
18,1; gl = 3; p = 0,001) daquelas dedicadas aos setores Educacional (37%) e Saúde (30%),
seguidos por entidades prestadoras de serviços socioassistenciais (21%) e entidades
vinculadas ao judiciário (12%).
As entidades educacionais são, portanto, aquelas incumbidas, na presente amostra, de
acolher o maior contingente de adolescentes a quem se atribuiu a prática de ato infracional.
Tais entidades foram responsáveis por receber, particularmente, os sujeitos com renda
familiar na faixa entre 1 e 2 salários mínimos (χ² = 24,09; gl = 9; p = 0,004) (Tabela 11),
portadores dos níveis mais básicos de escolaridade (χ² = 20,10; gl = 6; p = 0,003) (Tabela 12).
É comum, no referido espaço, as tarefas de limpeza e conservação e outros (Tabela 13).
Tabela 11
Distribuição dos níveis de renda familiar em função dos tipos de entidades de destino
Entidades
Renda familiar
(em unidades de salário mínimo) Total
Até 1 Entre 1 e 2 Entre 2 e 3 Mais de 3
Socioassistencial 5 14 4 4 27
Saúde 12 14 5 7 38
Educacional 9 21 10 7 47
Judiciário 1 2 2 10 15
Total 27 51 21 28 127
Nas organizações de saúde, encontram-se indivíduos de baixa renda, com os níveis de
escolaridade mais elementares, especialmente o ensino fundamental II (Tabela 12). São
encarregados, predominantemente, das funções administrativas e de conservação e limpeza
(Tabela 13).
74
Tabela 12
Distribuição das frequências dos níveis de escolaridade pelas entidades de destino
Entidades Escolaridade Total
Fundamental I Fundamental II Ensino Médio
Socioassistencial 6 16 5 27
Saúde 12 23 3 38
Educacional 15 24 8 47
Judiciário 3 3 9 15
Total 36 66 25 127
Prepondera, nas entidades socioassistenciais, o perfil de indivíduos com renda familiar
mensal entre 01 e 02 salários mínimos (χ² = 24,09; gl = 9; p = 0,004) e nível de escolaridade
fundamental II. Realizam-se, nessas instituições, de forma predominante, atividades
administrativas (χ² = 36,8; gl = 6; p = 0,001) (Tabela 13).
Tabela 13
Distribuição das frequências dos tipos de tarefas pelas entidades de destino
Entidades
Tarefas
Total Limpeza e
conservação Administrativas Outras
Socioassistencial 7 14 6 27
Saúde 16 17 5 38
Educacional 18 9 20 47
Judiciário 0 15 0 15
Total 41 55 31 127
As entidades jurídicas abrigam o menor efetivo de adolescentes e jovens, todavia,
deve-se observar que são encaminhados para essas instituições um determinado subgrupo de
indivíduos, com perfil muito peculiar: trata-se daqueles que possuem a renda familiar mais
75
elevada (χ² = 24,09; gl = 9; p = 0,004), com processo de escolarização em curso (χ² = 7,05; gl
= 3; p = 0,07) e com maior nível de escolaridade (χ² = 20,1; gl = 6; p = 0,003). Admite-se,
nessas unidades de prestação de serviços comunitários, apenas uma classe de tarefas
(administrativas).
Tabela 14
Distribuição das frequências da situação escolar por entidade de destino
Entidades Situação escolar
Total Em sala de aula Fora de sala de aula
Socioassistencial 16 11 27
Saúde 22 16 38
Educacional 20 27 47
Judiciário 12 3 15
Total 70 57 127
6.1.5. Síntese
Os dados disponíveis acerca das aptidões, e suas relações com as atividades previstas
para os adolescentes em PSC, evidenciam o quanto o prescrito se distancia do efetivamente
realizado. Nenhuma consideração é feita, nos textos de regramento, sobre a distribuição de
tarefas em função das competências e habilidades ou sobre como tal conjunto de
conhecimentos, habilidades e atitudes possibilitariam maior probabilidade de obtenção de
sucesso na execução de determinadas atividades.
As tarefas prescritas são aquelas não intrínsecas a finalidade principal das entidades,
portanto, necessárias, mas sem correspondência com as atividades-fim. Além do mais, não
evidenciam vinculação com o rol de aptidões dos educandos, nem com o plano mais amplo de
76
formação ou capacitação profissional. Em decorrência de tais carências, as atividades para as
quais os adolescentes são encaminhados se configuram como esvaziadas e empobrecidas, o
que aparecerá mais claramente a partir das análises clínico-qualitativas da seção seguinte.
6.2. Resultados obtidos na fase qualitativa
6.2.1. Perfil de caracterização dos participantes
Dois2 adolescentes participaram da fase qualitativa, após estabelecimento de contatos
preliminares, em que se lhes explicou o que deles se esperava. Os elementos de informação
oriundos desta etapa de análise tiveram o intuito de complementar as informações oriundas do
corpo de análises descritivas, a partir de um olhar voltado para as vivências dos entrevistados.
Os participantes foram convidados a integrar o estudo por meio de contato telefônico, a partir
de registros do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)
da Secretaria de Trabalho e Assistência Social da Prefeitura do Natal. As entrevistas foram
realizadas nas dependências do referido serviço.
O participante 1 (P1), apreendido pela prática de um roubo majorado,3 cumpriu a PSC
em 2015, durante seis meses, época em que contava com 17 anos. Consta no PIA que, ao
longo desse tempo, foram-lhe atribuídas/ofertadas as funções de conservação e limpeza em
uma escola municipal. À época, o jovem residia na região oeste do município, a renda mensal
familiar era inferior a 1 salário mínimo e ele não frequentava instituição de ensino. O
2 Acredita-se que o pouco efetivo de participantes deve-se ao desejo de esquivar-se da reconstituição de aspectos
e vivências de problemas ou situações que podem gerar algum tipo de estresse.
3 O roubo majorado caracteriza-se pelo emprego de arma e/ou na companhia de outro(s) (Decreto-lei nº 2.848,
1940).
77
participante 2 (P2) teve ato infracional igualmente tipificado como roubo majorado e cumpriu
a PSC em 2015, durante seis meses, contando, então, com 17 anos. Foram-lhe conferidas
funções administrativas em uma unidade de proteção social básica do serviço
socioassistencial do município. Naquele tempo, estava domiciliado na região norte da cidade,
apresentava renda mensal familiar inferior a 1 salário mínimo e frequentava o ensino médio.
6.2.2. Causas
Segundo registros, os entrevistados passaram a se envolver com atos infracionais
quando tiveram contato com drogas, para a manutenção do consumo.
Comecei fumando maconha e logo fui me envolvendo. Estava com vontade de
experimentar, mas não fiquei viciado. Usava pouco, era mais antes de ir para o crime.
Meu negócio mesmo era dinheiro. Procurei emprego, mas não consegui. Tinha que ter
estudo, aí fui roubar. (P1)
Eu fumava maconha. Fumei uma, duas, três e fui me viciando. Comecei a usar todo
dia, duas vezes no mesmo dia e foi só aumentando. Quando a pessoa que me dava foi
presa, até hoje ele se encontra no sistema penitenciário, aí eu já comecei a fazer
algumas coisas erradas: tentar fumar maconha, cheirar cocaína e papel. Certo tempo,
eu comecei a traficar. Quando vi que o tráfico não estava dando certo, comecei a
praticar assaltos. (P2)
6.2.3. Tarefas prescritas
Quando convidados a apresentar narrativas sobre acontecimentos ou situações acerca
das regras e objetivos fixados pela equipe técnica de atendimento socioeducativo, em relação
à proposta de engajamento na PSC, ficou evidente o desconhecimento dos adolescentes-
participantes acerca das atribuições, responsabilidades e especificações das tarefas que lhes
foram atribuídas:
78
Pensei que iria assinar só a presença. Quando disseram que tinha que trabalhar, então
pensei que iria para a horta, igual o povo faz na prisão. Ela [profissional do CREAS]
falou que seria um trabalho, tipo um ajudante ou ASG. Disse que o guia
socioeducativo4 passaria o serviço e pronto. Na escola, a educadora de referência5
disse para acompanhar a ASG e assim comecei. (P1)
Fiquei um pouco nervoso, porque não sabia o que aconteceria. Eu achava que se
errasse voltaria preso. Mas eu vi que aqui é uma ajuda, a ajuda que eu precisava. As
pessoas me receberam bem, me explicaram o serviço e me deixaram a vontade para
fazer. (P2)
6.2.4. Tarefa real
Os relatos dos participantes evidenciam o caráter empobrecido das tarefas
efetivamente realizadas:
Foi como eu se eu tivesse trabalhando de ASG. Eu ajudava no que eu podia: varria
uma sala, organizava as cadeiras, colocava o garrafão de água no bebedouro, pegava
os pesos que as merendeiras não podiam. Era só pedir que eu fazia. Já trabalhei na
roça, limpando mato, esses negócios. (P1)
Eu fazia a digitação e entregava as fichas para o pessoal que vinha chegando, ficava no
atendimento. (P2)
6.2.5. Avaliação da PSC
A medida foi, para ambos, vivenciada como oportunidade para atribuir novos
significados à trajetória pessoal, tanto positivos quanto negativos: para P1, a medida
contribuiu para atenuar sua situação envolvendo as necessidades da vida cotidiana, como
4 Guia socioeducativo é a designação dada ao profissional do local de prestação de serviço diretamente
encarregado do acompanhamento da atividade realizada pelos adolescentes (SEDH & CONANDA, 2006).
5 Educadora de referência é a profissional de nível superior ou com função de gerência ou coordenação, nos
locais de prestação de serviço comunitário, responsável geral tanto pelo acompanhamento dos adolescentes
prestadores de serviço comunitário quanto pelo funcionário guia (SEDH & CONANDA, 2006).
79
alimentação, ao mesmo tempo que lhe atraía atributos negativos relacionados à periculosidade
e indesejabilidade. Para P2, a PSC privilegiou a descoberta de novas potencialidades,
direcionando seu futuro construtivamente.
Fui bem recebido, soube agradar. Foi bom! Foi uma oportunidade. Devido o que eu
fazia, assalto, o povo me interpretava mal. Eu não esperava ser recebido daquela
forma, fui bem recebido, apesar do que eu fiz e de com quem eu estava, ele era bem
conhecido lá na comunidade. Me senti bem na presença deles, porque quando eu ia lá
eles me davam café, me ajudavam, sabe? Se eu estava precisando de um negócio, um
dinheiro emprestado, eu pedia emprestado, eles me davam. Me ajudaram bastante.
Teve uns momentos que foram difíceis. As crianças ficavam dizendo as coisas,
ficavam dizendo: “oh! o vagabundo”, “oh! o ladrão”, aí aquilo ia me deixando mais
tenso, com vontade de desistir, mas não podia, tinha que cumprir. (P1)
A PSC foi muito importante, pois me mostrou que posso realizar um bom trabalho, ser
útil e que tenho valor. Lá eu aprendi a ter responsabilidade, fui bem recebido, aprendi
a praticar determinadas funções em equipe, a cumprir horário. Aprendi que, como eu,
todos devem ter uma segunda chance. (P2)
6.2.6. PSC e perspectivas de inclusão social
Os comentários, aqui, reconhecem a ajuda e o apoio representados pela PSC, com
nuances relacionadas à carência de formação técnico-profissional e à escassez de oferta de
empregos:
Para a vida do crime de novo, nunca mais. Não vale a pena. Estou à procura de
emprego, espero conseguir, para me virar. A medida ajudou, né? Trabalhei lá na
escola, mas não me deram nenhum curso que me ajudasse. O que fiz lá eu já sabia, era
costumado. Quando a gente sai, não tem o que fazer. (P1)
Hoje já faço alguns trabalhos que aprendi no curso, quero terminar os estudos e fazer o
Enem esse ano. A medida foi boa, porque tive a oportunidade de estar perto de pessoas
que acreditavam em mim. (P2)
Tal como apontado nos dados quantitativos (seção Tarefas), os depoimentos assinalam
que as tarefas são prescritas sem esclarecimento prévio e sem pactuação com os próprios
sujeitos. A atividade proposta é, frequentemente, desconhecida pelo adolescente até seu
efetivo início e, por consequência, a subprescrição da tarefa conduz a explicações, crenças e
80
ideias que evocam no adolescente representações relacionadas ao caráter de quitação de
“débito” com a justiça, preponderantemente à perspectiva de inclusão social por meio do
trabalho.
As transcrições das entrevistas com os adolescentes P1 e P2 evidenciam, ainda, certa
pobreza das tarefas prescritas, notadamente em termos de qualificação e competências
necessárias à sua realização. Esse não é o espírito da norma enquanto prescrição, mas o exame
dos dados oriundos dos PIAs, assim como das transcrições das entrevistas, permite avaliar
certo caráter de “trabalho vazio” (Lhuilier, 2005). Pode-se inferir, interpretativamente, dos
relatos de P1 e P2, que a PSC tem méritos sociais importantes (P2: “(...) A medida foi boa,
porque tive a oportunidade de estar perto de pessoas que acreditavam em mim.”), ao mesmo
tempo em que submete os adolescentes participantes a uma atividade que aparece, para eles
próprios, como pouco qualificada (P1: “Foi como eu se eu tivesse trabalhando de ASG. Eu
ajudava no que eu podia: varria uma sala, organizava as cadeiras, colocava o garrafão de água
no bebedouro, pegava os pesos que as merendeiras não podiam. Era só pedir que eu fazia. Já
trabalhei na roça, limpando mato, esses negócios.”).
81
7. Considerações finais
A medida de prestação de serviços à comunidade, conforme observado anteriormente,
foi concebida de maneira a ser uma alternativa a penas convencionais, designadas ao ato
infracional adolescente, de modo específico, a penas de privação de liberdade. Além de
abrandar o aspecto punitivo referente às diversas modalidades de restrição da liberdade, tal
medida intencionou, em sua elaboração inédita, oportunizar possibilidades efetivas de
proteção social e de integração à sociedade, por meio do aspecto formativo das atividades
oferecidas, além da própria situação de inserção social no e pelo trabalho.
Para a perspectiva teórica da centralidade do trabalho (Clot, 2007; 2010), vincular-se a
um fazer profissional representa construir identidade psicossocial, por meio da admissão em
um coletivo e em um gênero profissional, o que tem especial valor na situação específica dos
adolescentes em situação de infração da lei e reparação penal. Nesse sentido, o conjunto de
atividades que constituem a PSC se assenta na suposição de sua capacidade restaurativa, de
sorte que, pela inclusão do adolescente em tal programa, sejam ampliadas as possibilidades de
inclusão social, após o término do período da medida socioeducativa.
Não obstante os elementos acima descritos, que configuram a norma enquanto
prescrição, os dados descritos e analisados permitem concluir que a oferta de prestação de
serviços à comunidade tem apresentado poucas alternativas concretas e muitas carências e
limites para a efetivação do seu caráter sociopedagógico, visto que a sistematização da
medida apresenta pouca coerência com as regras e objetivos fixados pelas normativas
institucionais, notadamente, no que diz respeito ao estabelecimento de atividades de qualidade
para a formação e a preparação à reinserção social.
82
As informações de natureza documental apontam que os procedimentos e operações
técnicas referentes à produção, tramitação e uso do PIA baseiam-se em informações
superficiais, pouco explicativas, em termos do que se espera para o adolescente que é
encaminhado para esse contexto de reparação e formação. Como posto por Rocha,
Albuquerque, Moreira, Vasconcelos e Rocha (2015) “os formulários podem ser entendidos
como produtos de uma racionalidade técnica-instrumental, sendo que a razão instrumental
opera com eficiência, mas não deixa espaço para as manifestações da subjetividade” (p. 348).
Não deixa espaço para a consideração da distância que usualmente separa o prescrito do real,
distância que precisa ser levada em conta para que o prescrito tenha alguma possibilidade de
efetiva realização.
As análises dos dados oriundos dos resumos de informações dos PIAs, assim como as
narrativas e elaborações oriundas das entrevistas realizadas com os dois adolescentes-
participantes, revelam que as recomendações jurídico-institucionais que nortearam a
proposição da PSC, fundadas em valores de co-participação, solidariedade, ampliação de
possibilidades e inclusão social do adolescente em confronto com a lei, ainda padecem de
fragilidades estruturais. Tais fragilidades se traduzem, conforme discutido, na relação pouco
elaborada entre os construtos “aptidões” e tarefas.
Mesmo que se considere que o construto teórico “aptidão” se insere numa perspectiva
fortemente individualista, em que indivíduos são dotados de determinadas “faculdades” que
os habilitam (ou os tornam “aptos”) à realização mais ou menos competente de determinado
conjunto de tarefas, ainda assim, seria necessário um mínimo de esforço pedagógico para
estabelecer o vínculo aludido entre aptidões e tarefas prescritas. Isso não resolveria problemas
teóricos que cercam o referido conceito de “aptidão”, mas ao menos tornaria a oferta de
contextos de atividade e formação menos superficiais ou burocráticos.
83
O estigma que atinge adolescentes em confronto com a lei e que tentam uma trajetória
fora das instituições correcionais, no domínio da PSC, se coordena com preconceitos que
atingem o jovem oriundo de classes sociais desfavorecidas no Brasil – ainda mais quando esse
jovem é negro e do sexo masculino. Tal estigma se manifesta em normas, práticas e
comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho oferecido em contexto de
PSC, contribuindo, adicionalmente, para o esvaziamento de uma iniciativa que, para muitos,
seria meramente bem-intencionada e condenada, já na origem, ao fracasso.
A despeito de toda crítica que se possa, com justeza, mobilizar em realização ao real
da PSC, quando comparado com o prescrito da norma, convém considerar que o modelo
sociopedagógico assentado na inserção no trabalho é complexo e multifacetado, ensejando,
necessariamente, uma complexa discussão. Os serviços comunitários devem favorecer um
estado psicológico em que se pode realizar as capacidades potencialmente atingíveis, outrora
interrompidas ou que se encontram em desenvolvimento. Sendo assim, deve-se favorecer uma
postura consciente no qual o indivíduo adota uma posição valorizante que não é apenas
passiva, pois inclui também uma participação intelectual ativa.
Tal finalidade assume papel de relevo e interesse, enquanto meta para o esforço de
apoio e amparo ao adolescente em confronto com a lei, inclusive, porque a completa falência
do modelo tradicional de privação de liberdade parece dispor de amplo acervo de evidências
empíricas e mesmo filosóficas (Foucault, 2007). É preciso, portanto, que se busquem formas
alternativas de oferta de possibilidade de inclusão para o adolescente em confronto com a lei,
se de fato o interesse é outro além da realização da profecia autorrealizável do preconceito, do
estigma (Goffman, 1974/2001), da indiferença social.
É preciso repensar, ou até reinventar, as atividades laborativas, de modo que se possa
esperar delas aquilo que visam favorecer: promoção da co-responsabilização com seu entorno,
com a sociedade e a (re)construção e retomada de novos projetos de vida. Ante o exposto,
84
visualizamos pelo menos três vias de aperfeiçoamento que poderiam ser contempladas: em
primeiro lugar, é preciso zelar pela formação e qualificação profissional dos atores do
SINASE. Trata-se de estimar os profissionais da socioeducação e, por consequência, elevar o
atributo do trabalho socioeducacional.
Em segundo lugar, os Programas de Atendimento devem assegurar, minimamente, ao
adolescente, formação técnico-profissional, compatível com o seus interesses profissionais e
história de vida, ao mesmo tempo em que proveem a comunidade de serviços reais, e não de
atividades irreais e fictícias. Para tanto, uma alternativa viável e disponível seria aproveitar-se
dos instrumentos de cooperação, previstos na lei 12.594, para estabelecer parceria entre os
operadores dos Serviços Nacionais de Aprendizagem (Senac, Senai, Senar, Senat) e os
gestores dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo locais.
Em terceiro e último lugar, caberiam aperfeiçoamentos no próprio texto legal que
ordena a PSC. Em seu formato atual, bastante sucinto, genérico e alusivo, aspectos
importantes ficam implícitos e ao sabor das equipes técnicas que se encarregam de concretizá-
los. Se é verdade que nenhuma prescrição poderá esgotar a gama de possibilidades do mundo
real, por outro lado, não se pode descuidar de um mínimo de elaboração de determinados
conceitos e procedimentos, como se os mesmos fossem naturais ou auto evidentes. No bojo
desse esforço de reformulação, a oferta de serviços comunitários pode se aproximar dos
objetivos de inegável valor que presidiram sua proposição.
85
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