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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PAULO CESAR COSTA DA ROSA
ASPECTOS DA PROGRESSÃO E DA COESÃO TEXTUAL
Rio de Janeiro
2005
Paulo Cesar Costa da Rosa
Departamento de Letras Vernáculas
ASPECTOS DA PROGRESSÃO E DA COESÃO TEXTUAL
Tese de Doutorado em Língua
Portuguesa apresentada à
Coordenação do Programa de
Pós-graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Orientador:
Helênio Fonseca de Oliveira.
Rio de Janeiro
2005
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio de
Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005. 110
fl. Mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________Professor Doutor Helênio Fonseca de Oliveira
(Orientador)
______________________________________________________________________Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis
______________________________________________________________________Professor Doutor Cláudio Cesar Henriques
______________________________________________________________________Professor Doutor Luiz Fernando Medeiros de Carvalho
______________________________________________________________________Professor Doutor Agostinho Dias Carneiro
______________________________________________________________________Professor Doutor André Crim Valente
______________________________________________________________________Professora Doutora Rosane Santos Mauro Monerat
Examinada a Tese:Conceito:Em: 17/01/2006
3
Dedico este trabalho a Janaína, meu norte:
Se o tempo me fosse quando,Se o onde, o meu espaço,Você seria o comando,O porto do meu cansaço.
Se os dias me arranham a pele,Me esfolam, destroem ossos,Só há você quem revele:Há frutos e serão nossos.
Se eu paro e sento à calçada:“Não posso, não posso tanto!”Você não me diz mais nada,Me olha e eu me levanto.
Se um arco é meu novo prumoE a alma já se me esgueira,Não tenho um só meu resumo;Você tem minha vida inteira.
Paulo Rosa
4
AGRADECIMENTOS
Aos professores Maria Aparecida Lino Pauliukonis, Cláudio Cesar
Henriques, Luiz Fernando Medeiros de Carvalho, Agostinho Dias Carneiro,
André Crim Valente, Rosane Santos Mauro Monerat, pela gentileza de terem
participado da banca, a despeito dos prazos tão exíguos.
Ao Helênio, o oriente.
A Janaína, o norte.
A Victor e Júlia, meus filhos tropicais.
5
Tecendo a Manhã
1. Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.
2. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(NETO, João Cabral de Melo. A educação pela pedra, 1966.)
6
SINOPSE
Estudo do papel da coesão e da progressão textual na
construção do texto como unidade verbal de comunicação.
Investigação do comportamento da trama textual, resultante
da coocorrência da trama verbal, da trama lexical, da trama
referencial e da trama conjuntiva.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 10
1 TEXTO E SIGNO LINGÜÍSTICO, 14
1.1 Natureza do signo lingüístico, 18
1.2 Sujeitos da comunicação e construção do discurso, 24
1.2.1 Texto e modo de organização do discurso, 25
1.2.11 Construção do sentido e situação de comunicação, 25
1.2.12 Tipos e gêneros textuais, 28
1.2.13 Trama verbal: uma categoria de língua, 31
2 COESÃO TEXTUAL, 35
2.1 Coesão lexical, 41
2.2 Uma observação acerca da reiteração, 42
2.2.1 Artigo definido como anaforizador, 43
2.3 Coesão colocacional, 45
2.3.1 Coesão e coerência, 46
2.3.11 Texto “com coesão, mas sem coerência”, 47
2.3.12 Texto “sem coesão, mas com coerência”, 49
2.4 Os verbos no contexto e no cotexto, 52
2.4.1 A função cotextual dos verbos, 52
2.4.2 A função contextual dos verbos, 56
3 PROGRESSÃO TEXTUAL, 59
3.1 Tema e rema, 59
8
3.2 Redigir e ler textos argumentativos, 61
3.2.1 O que subjaz à superfície textual, 62
3.3 Progressão de textos argumentativos: um exemplo, 64
4 TEXTO ESCRITO: INTERFERÊNCIA DA ESCRITA NO ENSINO DA
COESÃO, 75
4.1 A tradição da escrita, 79
4.2 Coesão no texto escrito: uma questão de registro, 82
5 EXAME DE DOIS TEXTOS, 87
5.1 A trama verbal, 90
5.2 A trama lexical, 92
5.3 A trama referencial, 94
5.4 A trama conjuntiva, 95
6 CONCLUSÃO, 97
REFERÊNCIAS, 100
9
INTRODUÇÃO
A palavra texto tem origem no latim texere (construir, tecer), cujo
particípio passado textu também era usado como substantivo, e significava
maneira de tecer, ou coisa tecida, entrelaçamento, tecido, contextura, e ainda
mais tarde, estrutura. Provavelmente por volta do século XIV, a evolução
semântica da palavra terá atingido o sentido de tecelagem ou estruturação de
palavras, ou ainda composição literária, e passou a ser usado em inglês,
proveniente do francês antigo texte. Em português, o vocábulo pode ter sido
incorporado do francês no século XIV. O Dicionário etimológico da língua
portuguesa1 ilustra uma citação do século XVI com a forma já aportuguesada:
Não lhe negarey que tratão lá mays disso, que dos textos.
Portanto, a palavra texto tem origem numa catacrese. De certa maneira,
um dos referenciais que nortearão este nosso trabalho será a crença de que tal
catacrese não é destituída de razão. Mais ainda: cremos que um texto se estrutura
de maneira semelhante à que ocorre com o tecido: fios que se entrelaçam de
maneira não-fortuita, com um propósito definido, com uma lógica interna, de
sorte que, por exemplo, em função da natureza do fio, seja possível prever a
qualidade do tecido. Um tecido típico, enfim, não poderá ser o mesmo que um
fio – com este ele não se poderá confundir – pois um tecido deverá ter o
entrelace de fios e deverá ter comprimento e largura (sem isso não terá razão de
ser, pois um tecido terá outros objetivos: vestir, estofar, etc). Dessa forma,
1 CUNHA A. G. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
10
queremos propor aqui que um texto, assim como um tecido, deverá apresentar
entrelace, densidade e extensão. Assim, conforme veremos, não haverá texto
sem coesão e sem progressão, os quais constituem dois fatores essenciais à
construção de um texto típico.
Basicamente buscaremos neste trabalho examinar alguns aspectos
lingüísticos e discursivos responsáveis pela coesão e pela progressão,
acreditando que um texto se constrói pela superposição de várias camadas de
tramas textuais, de modo a se lhe conferir uma determinada densidade. Cada
camada corresponde a um subsistema coesivo que examinaremos no capítulo
concernente à coesão textual.
Nossa tarefa inicial seria investigar, de maneira igualitária, aspectos tanto
da progressão, quanto da coesão textual. No entanto, constatamos que a rigor a
progressão é mais uma conseqüência da coesão do que um fenômeno textual do
status deste último. A oposição que se faz entre coesão e progressão nos remete
à que se estabelece tradicionalmente entre regência e concordância verbais: a
rigor, se considerarmos que regência verbal é a exigência que o verbo faz da
presença de um sujeito, um objeto, etc., a relação de concordância entre sujeito e
verbo nada mais será do que uma repercussão do fenômeno primitivo, a
regência.
De sorte que em vários momentos deste trabalho faremos ressalvas de que
certo aspecto da coesão terá como um dos resultados a extensão do texto.
No primeiro capítulo, discutiremos a natureza do signo lingüístico, com o
objetivo de tentar determinar o alcance do conceito de texto. Essa preocupação,
de caráter epistemológico é de grande valia e constitui uma de suas pedras
angulares. Ainda nesse capítulo, discutiremos o conteito de tipo de texto,
apoiando-nos fundamentalmente no modelo teórico de Patrick Charaudeau. Ali
levantaremos a especificidade daquilo que consideramos uma categoria
lingüística de grande poder na determinação de um texto: a trama verbal.
11
No capítulo 2, discutimos o conceito de coesão textual, com base na teoria
de Halliday & Hasan, incluindo alguma contribuição da descrição de tempos
verbais que Harald Weinrich põe em prática e que nos parece até hoje pouco
aproveitada no campo do ensino de língua, dada sua grande operacionalidade e
capacidade de adaptação a diversos sistemas lingüísticos.
No capítulo em que tratamos especificamente de progressão textual – o
terceiro –, fazemos isso com alguma restrição. Considerando que nosso objetivo
inicial foi pesquisar esse fenômeno no nível argumentativo (especialmente em
redações argumentativas de Ensino Médio), de certa maneira estamos sendo
coerentes com a proposta. Contudo o título da tese (advindo de nosso projeto
inicial) não contempla essa especificidade: o resultado final é o de dar a
impressão de que nós entendemos texto argumentativo como o único capaz de
progredir – o que seria um absurdo. Portanto, neste trabalho cremos ter dado
uma abrangência leal aos interesses acadêmicos de uma tarefa desta monta. De
qualquer forma, a progressão é abordada em diversos pontos deste trabalho.
No quarto capítulo, trazemos para o debate duas questões pertinentes ao
campo do ensino/aprendizagem: a escrita e a leitura. Discutimos ali um
problema concreto do ensino da coesão: a interferência da escrita na descrição e
na execução da tarefa de ministrar aulas sobre esse princípio textual.
Por fim, no quinto capítulo, trouxemos para o interior da tese dois textos –
um narrativo e outro argumentativo –, a fim de que pudéssemos averiguar a
noção de que um texto é resultante da superposição de quatro camadas de tramas
textuais de caráter coesivo.
Esta é uma tese de caráter reflexivo (não é, por exemplo, um
trabalho em que se priorize o estudo de um corpus e dele se contabilizem dados,
etc.). A despeito disso, lançaremos mão de alguns textos integrais ou parciais,
que têm o cunho ilustrativo. Num trabalho que tem como objeto o texto, era de
esperar que assim fosse. Portanto, nosso papel central aqui será defender o
caráter exclusivamente verbal do texto – unidade que se constitui em uma
12
superposição de quatro camadas de tramas textuais (trama verbal, trama
lexical, trama referencial, trama conjuntiva).
13
1 TEXTO E SIGNO LINGÜÍSTICO
Um texto aqui será entendido como uma rede de signos lingüísticos que
forma uma unidade comunicativa, cuja atualização depende de sua inter-relação
coesiva (cotextual) e sua extra-relação com a situação comunicativa (contextual).
A matéria-prima de um texto é o signo lingüístico, algo que pode ser
verbalizado pela fala e eventualmente representado pela escrita em sociedades
não ágrafas. Portanto, não há por que falar em textos “não-verbais”, tais como
gravuras, fotografias ou imagens em movimento. Essas ocorrências icônicas não
são signos lingüísticos, uma vez que não apresentam a arbitrariedade (na
terminologia de Saussure) ou a consubstancialidade (na terminologia de
Benveniste), que lhes é intrínseca, necessária.
Esta nossa posição é uma tentativa de reagir àquilo que nos parece
apresentar dois perigos. O primeiro, de ordem epistemológica, é a perda do
limite de objeto de estudo da Lingüística do Texto. O segundo está no campo do
ensino de língua: os próprios autores de livros didáticos e professores da área
têm dificuldade de delimitar o sentido de texto.
É sabido que em nossas escolas, a cada dia que passa, mais e mais a
noção de texto está indo além do signo lingüístico. Acontece que essa tendência
– advinda principalmente das contribuições das pesquisas no terreno da
Semiologia – não nos parece ser suficientemente operacional: se texto fosse
14
tomado como uma produção necessariamente verbal (porque passível de ser
verbalizado), todas as outras manifestações de linguagem poderiam continuar
sendo estudadas nas aulas de Português – até porque é notório que vivemos, por
conta da revolução tecnológica, uma cultura altamente audiovisual –, sem que se
perdesse o foco da questão: o texto é a materialização de um ato lingüístico.
Parece-nos, portanto, que o uso de texto como manifestação não-verbal é, por
assim dizer, um desperdício terminológico.
Para ilustrar o perigo a que aludimos, tomemos um “estudo de texto”
empreendido por Literatura brasileira: ensino médio2 – livro didático, muito
utilizado atualmente em colégios de Ensino Médio do Rio de Janeiro:
A seguir você vai fazer a leitura de três textos: dois verbais e um visual. O primeiro é um poema de Gregório de Matos, o principal poeta barroco brasileiro; o segundo é uma escultura de Aleijadinho, o principal artista plástico do Barroco brasileiro; o terceiro é parte de um sermão de padre Antônio Vieira, grande orador português que viveu no Brasil no século XVII. Após a leitura, responda às questões propostas.3
Nesse momento, os autores do livro oferecem para leitura Texto I,
Buscando a Cristo, de Gregório de Matos, e, a seguir, o que eles consideram
como Texto II: uma foto da escultura de Aleijadinho, feita pelo fotógrafo Felipe
Goifman, que representa Cristo a carregar a Cruz. Seguem os textos I e II:
Texto I
Buscando a Cristo
A vós correndo vou, braços sagrados,Nessa cruz sacrossanta descobertosQue, para receber-me, estais abertos,E, por não castigar-me, estais cravados.
A vós, divinos olhos, eclipsadosDe tanto sangue e lágrimas abertos,Pois, para perdoar-me, estais despertos,E, por não condenar-me, estais fechados.
2 CEREJA, Willian. Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura brasileira: ensino médio. Edição reformada/ Livro do professor. 2.ed. São Paulo: Atual, 2000. 3 Op. cit. p. 93.
15
A vós, pregados pés, por não deixar-me,A vós, sangue vertido, para ungir-me,A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me
A vós, lado patente, quero unir-me,A vós, cravos preciosos, quero atar-me,Para ficar unido, atado e firme.
(In: Antonio Cândido e J. A. Castello. Presença da literatura brasileira. São Paulo: Difel, 1976. v. 1, p. 60-1.)
Texto II:
Na seqüência do “estudo dos textos”, os autores fazem seis perguntas,
referindo-se aos textos I, II, III (a este último não faremos referências, por nos
darmos por satisfeitos apenas como os dois primeiros exemplos) Aqui estão as
três primeiras:
1- Tanto os textos literários quanto a escultura de Aleijadinho apresentam semelhança quanto ao tema, evidenciando interesse por determinado assunto. Compare os textos e deduza: qual é esse assunto?Resposta do “livro do professor”: Os três textos apresentam temas religiosos, ou, mais precisamente, tratam do sofrimento como forma de purificação.
2- O homem barroco sente-se espiritualmente em conflito, dividido entre a carne e o espírito, entre o pecado e o perdão, entre a razão e a sensação. Desse conflito, resulta freqüentemente um sentimento de culpa. No texto I, interprete:a) Como pode ser compreendido o desejo do eu lírico de se unir ao corpo torturado de Cristo?Resposta do livro do professor: Sentindo-se arrependido de seus pecados, o eu lírico identifica-se com a imagem de Cristo crucificado e, pela imaginação, deseja unir-se a ele em seu sofrimento como forma de purificação.b) Nesse texto, o eu lírico manifesta ter um sentimento de culpa? Justifique com dados do texto.Resposta do livro do professor: Sim; palavras como “castigar”, “perdoar” e “condenar” sugerem um sentimento de culpa.
16
3- A expressividade da obra de Aleijadinho reside principalmente em duas partes do conjunto: o rosto (sobretudo o olhar) e as mãos. Observe esses elementos e deduza: que sentimentos ou sensações traduzem:a) a mão sobre a cruz e os dedos crispados de Cristo?Resposta do livro do professor: Resposta pessoal. Sugestão: traduzem a dor e o sofrimento provocados pelos maus-tratos. b) o olhar distante e perplexo de Cristo?Resposta do livro do professor: Idem. Sugestão: Traduz sua desolação e sua indignação diante das atitudes humanas, ampliando o sentido trágico da obra.
Queremos aqui comentar dois embaraços que verificamos.
O primeiro diz respeito à questão 3 – em que se faz uma análise da
estrutura plástica da escultura: diz-se, por exemplo, que o olhar perplexo de
Cristo traduz sua desolação e sua indignação. A interpretação nos parece
absolutamente viável e a própria inclusão de uma estátua barroca num livro que
trata do Barroco é, sem sombra de dúvida, de grande operacionalidade para
contextualizar a literatura daquela época. O problema é que essa interpretação,
ao contrário do que ocorre na questão 2, não surgiu propriamente de um texto.
Se uma imagem ou uma estátua, ou uma melodia, ou um passo de dança nos
remete à produção de um texto, este só o será por causa de nossa capacidade
cognitiva de produzi-lo livremente; não constituirão, pois, textos em si, mas
poderão funcionar como “instrutores textuais”, isto é, elementos icônicos que
evocarão eventualmente um enunciado.
O segundo embaraço nos remete a uma outra questão de ordem prática:
afinal a que “texto II” os autores se referem? Nas perguntas aos alunos, falam da
“obra de Aleijadinho”; portanto parece que o texto é a estátua. No entanto, tudo
está baseado na foto do fotógrafo Felipe Goifman . E nos vem uma dúvida: uma
foto de uma pessoa é um texto ou a pessoa é o próprio texto? Se a pessoa for o
texto, estaremos tão distanciados do objeto de estudo da Lingüística que talvez já
nem haja mais objeto.
Essa discussão, decerto excessiva, nos remete ao quadro do pintor
surrealista René Magritte, que viveu entre 1898 e 1967. Trata-se do desenho de
um cachimbo e se lê escrito abaixo, dentro do próprio quadro: "ISTO
CONTINUA A NÃO SER UM CACHIMBO".
17
Portanto, considerar a existência de textos não-verbais agrega um
incômodo e dispensável problema de delimitação de um objeto que já engloba
tantos fatores complexos de ordem lingüística.
1.1 Natureza do signo lingüístico
Uma das grandes preocupações de Ferdinand de Saussure, ao estabelecer
o conceito dicotômico de signo lingüístico, foi apagar o conceito ingênuo de que
a língua é um simples rol de palavras que serviriam de rótulos para os objetos do
mundo biossocial, fatos, conceitos sociais. O signo lingüístico não une uma
palavra a um objeto, mas um conceito a uma imagem acústica: nem o
significante corresponde imediatamente à natureza audível ou legível do signo,
nem o significado representa o objeto do mundo extralingüístico. O signo
lingüístico é uma abstração de uma realidade psíquica: o que existe é uma
relação mediata, isto é, há uma espécie de embreagem entre o som/grafia e a
imagem acústica (no âmbito do significante) e o mesmo entre o conceito e o
objeto (no âmbito do significado). Para Saussure, o pensamento e a linguagem
se dão no mesmo momento. Isso significa dizer que a cada expressão do
pensamento corresponderá uma expressão lingüística. Ora, se durante a
produção de um texto (materialização do ato de comunicação) o sujeito
comunicante cria um texto seu, é justo que crie pari passu um outro texto virtual
(o que chamaremos mais adiante de texto virtual), com o qual estabelecerá
constante intertextualidade.
O filósofo alemão Frege escreve, em 1892, o artigo “Sobre o Sentido e a
Referência”. Nele concebe o sinal, ou nome próprio , como a união de uma
referência (a coisa designada) e um sentido (o “modo de apresentação” do
objeto):
A conexão regular entre o sinal, seu sentido e sua referência é de tal modo que ao sinal corresponde um sentido determinado e ao sentido, por sua vez, corresponde uma referência determinada, enquanto que a uma referência (a um objeto) não deve pertencer apenas um único sinal.4
18
Entretanto, nem sempre uma referência corresponderá ao sentido:
“entender-se um sentido nunca assegura sua referência”. Palavras como
unicórnio ou centauro, embora tenham um sentido apreensível, não nos
garantem uma referência. Observe-se que outros autores, dentre os quais Pottier
propuseram uma solução mais plausível para a questão (sugerem a distinção
entre referente físico e referente mental – em que unicórnio não tem referente
físico, mas tem mental) Enfim, parece-nos que essa discussão não afeta a
totalidade do que buscamos aqui discutir.
Além desses componentes do que chamou de sinal, o sentido e a
referência, Frege introduz outro componente: a representação associada ao
sinal. Diferentemente do sentido do sinal, que seria uma imagem apreendida
coletivamente, portanto, de modo mais “objetivo”, a representação é
inteiramente subjetiva:
Se a referência de um sinal é um objeto sensorialmente perceptível, minha representação é uma imagem interna, emersa das lembranças de impressões sensíveis passadas e das atividades, internas e externas, que realizei. (...) A representação é subjetiva: a representação de um homem não é a mesma de outro. (...) A representação, por tal razão, difere essencialmente do sentido de um sinal, o qual pode ser a propriedade comum de muitos, e portanto, não é uma parte ou modo da mente individual (...). 5
O autor então resume a constituição do nome próprio:
A referência de um nome próprio é o próprio objeto que por seu intermédio designamos; a representação que dele temos é inteiramente subjetiva; entre uma e outra está o sentido que, na verdade, não é tão subjetivo quanto a representação, mas que também não é o próprio objeto.6
Frege afirma que o sinal designa uma “referência” (a coisa do mundo real
que é designada), contudo a conexão entre o sinal e a coisa designada é
arbitrária, já que ninguém pode ser impedido de empregar qualquer evento ou
4 FREGE, G. Sobre sentido e a referência. In: Lógica e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Cultrix/USP, 1978. p. 63.5 Idem. p. 64-656 Idem, ibidem.
19
objeto arbitrariamente produzido como um sinal para qualquer coisa. Arbitrária
será a conexão entre o sinal e a referência – conexão que pode ser alterada, ou
deformada, pelo falante.
Ao contrário, Saussure concebe a língua como um sistema de signos que
por si só dão conta da significação. Ao conceituar signo, Saussure deixa
marcada a diferença entre entidades psíquicas (que constituiriam o signo) e
físicas (que lhe seriam estranhas). Como dissemos, o signo não une uma palavra
a um objeto, mas um conceito a uma imagem acústica: nem o significante
corresponde imediatamente à natureza audível ou legível do signo, nem o
significado representa o objeto do mundo extralingüístico. Essa distinção é
fundamental à concepção saussureana da língua como sistema auto-suficiente,
que não precisa do mundo para se explicar. Então, o princípio da arbitrariedade
do signo, que é o primeiro princípio enunciado por Saussure e, em sua opinião, o
de precípua importância na análise lingüística, não teria a ver com a conexão do
signo com o mundo, com a coisa do mundo real designada pelo signo. Os
componentes do signo, destacados na passagem citada acima, a saber, o conceito
(significado) e a imagem acústica (significante), é que sofrem uma conexão
arbitrária. No entanto, a palavra arbitrário requer também uma observação. Não
deve dar a idéia de que o significante dependa da livre escolha do que fala (...);
queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao
significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.
Língua e pensamento são indissociáveis, tal uma folha de papel, um sendo
o verso e outro o anverso da folha: ao rasgarmos o papel, afetamos ambos os
lados da folha. Esta metáfora, utilizada por Saussure, pode ser ampliada, ou
antes reduzida, aos componentes do signo, o significado e o significante. A
língua, para Saussure, é a expressão do pensamento que, sem ela, é uma “massa
amorfa e indistinta”. A expressão não se dá diretamente do pensamento aos sons:
ela é mediada pela língua, que é um sistema de signos. É na relação que se
estabelece no sistema que os signos adquirem seu valor, que significam. A
20
língua não é um sistema de signos justapostos, mas uma rede de signos que se
relacionam e, assim, significam. Para Saussure, é como no jogo de xadrez: cada
peça se define, adquire- valor, na relação que tem com as outras peças do jogo.
Os signos, também, se definem negativamente, pela oposição com outros signos
do sistema. Mas é preciso ainda distinguir, como observa Saussure, o valor
lingüístico da significação. O valor é um elemento da significação. A
significação, para ele, refere-se ao signo lingüístico internamente, no seu
componente conceitual. Temos, então, uma contradição:
(...) de um lado, o conceito nos aparece como a contraparte da imagem auditiva no interior do signo e, de outro, este mesmo signo, isto é, a relação que une seus dois elementos, é também, e de igual modo, a contraparte dos outros signos da língua.7
A interpretação do signo se dá, então, em duas direções: vertical, entre
seus componentes (significante e significado); e horizontal, na relação com
outros valores semelhantes. Sem estas relações de diferentes direções não
haveria significação.
Émile Benveniste retoma a discussão de Saussure, sobre a arbitrariedade
do signo, redimensionando-a. Ele não refuta o pensamento de Saussure, mas
aponta algumas confusões, decorrentes da exclusão do mundo na análise da
língua como um sistema de signos. Para Benveniste, a relação entre significado
e significante não é arbitrária: “o que é arbitrário é que um signo, mas não outro,
se aplica a determinado elemento da realidade, mas não a outro”.8
Benveniste argumenta que não existe nada que obrigue um signo como
livro representar um objeto “livro”. Mas a intuição do falante será diversa: “Para
o falante há, entre a língua e a realidade, adequação completa: o signo encobre e
comanda a realidade; ele é essa realidade”.9 Em sua opinião, quando Saussure se
refere à arbitrariedade do signo, na verdade discute a significação, não o signo
7 SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1974. p.133. 8 BENVENISTE, E. Problemas de lingüística geral I. São Paulo: Nacional/Edusp, 1976. p.569 Idem. p.57.
21
lingüístico: “o arbitrário só existe em relação com o fenômeno ou o objeto
material e não intervém na constituição própria do signo”.10
Entretanto, ao afirmar a arbitrariedade do signo, Saussure inclui, sem o
pretender, a realidade na definição inicial. Quando diz que o signo é arbitrário,
diz na realidade que é arbitrário em relação à coisa designada. Assim, introduz
as noções arbitrário absoluto (uma relação, por exemplo entre o signo sapato e
o objeto “sapato”) e arbitrário relativo (por exemplo, o signo sapateiro,
motivado por sapato).
A confusão entre o que existe de arbitrariedade no signo lingüístico tem
relações com a discussão entre sentido e referência, que também é tratada por
Benveniste (1989). Para ele, “o sentido de uma palavra é seu emprego” e o
referente “é o objeto particular a que a palavra corresponde no caso concreto da
circunstância ou do uso”. Assim, é mais operacional entender a palavra não
como dotada de significado, mas com instrutora de significado. Mais adiante,
aliás, Benveniste afirma que: “é desta confusão extremamente freqüente entre
sentido e referência, ou entre referente e signo, que nascem tantas discussões vãs
sobre o que se chama o princípio da arbitrariedade do signo”.11
Os signos lingüísticos são, pois, representações da realidade com maior
ou menor exatidão ou fidelidade, estruturadas de um modo organizacional
diferente dos modos discursivos, eminentemente textuais. Repetimos o que já
dissemos: se uma imagem ou melodia nos remete à produção de um texto, este
só o será por causa de nossa capacidade cognitiva de produzi-lo aleatoriamente;
não constituirão, pois, um texto em si, mas poderão funcionar como “instrutores
textuais”, isto é, elementos icônicos que evocarão eventualmente um enunciado.
Acreditamos, enfim, que esse conjunto de elementos icônicos não deverá ter o
nome de texto, por já haver na literatura lingüística nomes mais adequados: a
expressão cena nos parece interessante: entenderemos por cena, que, grosso
modo, inclui o texto, mas não é apenas o texto.
10 Idem, ibidem.11 BENVENISTE, E. Problemas de lingüística geral II. Campinas: Pontes/Unicamp, 1989.p. 231
22
Entenderemos língua (langue) como um sistema de signos lingüísticos
segmentais e extra-segmentais, que são partilhados por indivíduos de uma
comunidade lingüística; e discurso (parole) como a realização, a concretização
da língua. Ele inclui todas as manifestações lingüísticas disponibilizadas pelo
sistema partilhado, sejam elas segmentais ou não.
Quanto às manifestações extra-segmentais, são certamente secundárias e
podem ser a entonação e as pausas entre os signos.
O texto é o conjunto coeso desses segmentos e extra-segmentos
lingüísticos; é a porção mais maleável do sistema. Francamente, não estamos
afirmando aqui que esses segmentos e extra-segmentos lingüísticos sejam os
únicos responsáveis (não nos interessa discutir que eles são os mais importantes)
pela enunciação. É preciso que entendamos segmento como algo que possa ser
verbalizado por intermédio da voz humana ou por um outro recurso supra
uma possível deficiência de produzi-la. Assim, procuraremos fixar os limites
do texto no âmbito desses segmentos e, eventualmente, alguns extra-segmentos.
Qualquer fenômeno para além dessa fronteira deverá ser compreendido como
discursivo e não textual.
Os enunciados dependem mais ou menos das manifestações extra-
segmentais. Vejamos alguns exemplos em que a dependência é mais flagrante.
Imaginemos um diálogo em que uma pessoa é inquirida sobre a saída de
um colega seu, de um recinto que era comum aos dois:
Marcelo saiu, realmente.
Um dar de ombros concomitante a esse enunciado poderia equivaler a
algo como “e isso não faz a menor diferença”. Uma entonação ascendente, com
um levantar de sobrancelhas indicaria uma surpresa e assim por diante.
Em enunciados como “Marlene chorou, porque seus olhos estão
vermelhos”, o nível puramente segmental não desfaz uma ambigüidade. Tanto
pode estar havendo a descrição de uma relação de causa e efeito (a causa do
choro é a constatação de que os olhos estariam vermelhos, e, neste caso, a
23
entonação da segunda oração seria descendente), quanto poderia haver a
apresentação de um argumento, por intermédio de uma explicação (“[Acho que]
Marlene chorou, [e digo isso] porque seus olhos estão vermelhos”; neste caso a
entonação ascendente tem a função de exprimir extra-segmentalmente aquilo
que propusemos entre colchetes).
Se a língua é composta de signos lingüísticos (e nós acreditamos
firmemente nisso) e ela serve à comunicação, necessariamente um texto será
composto de signos lingüísticos, não havendo espaço para textos sonoros,
icônicos, imagéticos, estatuários, ou quaisquer que sejam as maneiras de o ser
humano representar um mundo particular ou geral; real ou irreal.
1.2 Sujeitos da comunicação e construção do discurso
Para Patrick Charaudeau12, embora a situação de comunicação determine
a identidade social e psicológica das pessoas que se encontram no jogo da
comunicação, isso não é o suficiente para que a comunicação se estabeleça. No
momento em que se inicia a comunicação, as pessoas se atribuem uma
identidade de linguagem que não é propriamente de natureza psicossocial. É de
esperar naturalmente que essas duas dimensões de sujeitos se confundam, mas é
necessário que se tenha claro cada um desses papéis. Se, no âmbito da realidade
apreensível do mundo biossocial, existem os participantes do ato de linguagem,
existem também, no âmbito da enunciação, os protagonistas da enunciação.
Os participantes do ato de linguagem externos a ele e de natureza não-
lingüística são definidos por um certo número de traços de identidade
construídos em função do ato de comunicação. Segundo Charaudeau, um dos
participantes é sujeito comunicante (o locutor-emissor, que produz o ato de
comunicação) e o outro é o sujeito interpretante (o interlocutor-receptor, que
recebe o discurso produzido, o interpreta e a ele reage no momento em que se
torna sujeito comunicante).12 CHARAUDEAU, P. Op. cit. p.643-644.
24
Os protagonistas da enunciação são, para usar a expressão do autor, seres
de palavra, os quais se encontram no interior do ato de linguagem. O primeiro
desses participantes é o enunciador (o locutor-enunciador, que põe em prática as
intenções discursivas do sujeito comunicante). O segundo é o destinatário (o
interlocutor-destinatário, que recebe do locutor um espaço no interior de seu
discurso). É importante observar que não existe entre os pares sujeito
comunicante/enunciador e sujeito interpretante/destinatário a mesma relação: os
seres de palavra são produzidos pelo sujeito comunicante; enunciador e
destinatário podem ser comparados a títeres manejados pelo emissor. Quanto ao
sujeito interpretante, este tem existência independente e interpreta o que se
emitiu.
Para Charaudeau, o texto é a manifestação material da instauração de um
ato de comunicação e pode ser verbal ou não. Em nosso entender, tal
materialização se dá necessariamente por meio de signos lingüísticos e, portanto,
é necessariamente verbal.
Tanto a descrição charaudeauniana dos modos de organização do
discurso, quanto sua descrição parcial de tipos de texto (esta assumida por ele
mesmo como de difícil sistematização) serão de grande valia para nós neste
estudo.
1.2.1 Texto e modo de organização do discurso
Para Charaudeau, o texto representa o resultado material do ato de
comunicação. Ele reflete as escolhas conscientes ou inconscientes que o sujeito
comunicante fez das categorias de língua e dos modos de organização do
discurso, em função de uma série de exigências propostas pela situação de
comunicação.
1.2.11 Construção do sentido e situação de comunicação
25
Comunicar não é tão-somente transmitir uma informação. O uso da
língua corresponde ao uso de qualquer outra criação cultural, e a informação é
apenas parte do resultado final de um ato de comunicação. Comunicar
corresponde à instauração de um ato em que o sujeito comunicante lança mão de
diversos componentes lingüísticos, discursivos e situacionais, com o objetivo de
criar sobre seu interlocutor efeitos de sentido. Em entrevista concedida em
1997, em uma revista de circulação nacional, um professor de português – muito
em voga até hoje – afirmou, defendendo a língua portuguesa como manifestação
de nossa nacionalidade, que será um imbecil aquele que usar uma palavra
estrangeira, para revelar uma noção que já tenha uma palavra ou expressão
portuguesa correspondente. Assim, o professor diz que não vai a um
shopping[center], mas a um centro de compras. Não sabemos se sua posição
permanece a mesma, mas o fato é que essa maneira de conceber a língua e sua
função é partilhada por muitos ainda hoje. A língua não tem uma função: em
1960, Roman Jakobson já defendia a existência de seis funções; antes dele, Karl
Buhler apresentara três. Enfim, independentemente de uma descrição
peremptória (descrição que, aliás, nunca existirá), o fato é que o signo lingüístico
tem um valor social, conferido pelo falante, que nada tem que ver com as
discussões normativas de gramáticos. Como bem observa Charaudeau, “querer
lutar contra o uso popular da linguagem e os empréstimos a línguas estrangeiras
é crer que uma língua possui um dom divino depositado entre os bem-nascidos,
cuja missão consistiria em se arvorar em guardiães do templo”.13 Uma língua é
construída por seus usuários, que exprimem sua visão de mundo, sua identidade
– fatores que muitas vezes os inspirarão a mudar o próprio significado dos
signos. Dessa forma, será ingênuo argumentar, com respeito à língua, que “isso
é ou será assim, porque no passado foi assim”. Embora tenhamos consciência da
importância do passado na construção do presente e do futuro, não nos parece
opção inteligente ancorar todo o entendimento de mundo – e da língua por ela 13 CHARAUDEAU, op. cit. p. 106.
26
nele estar contida – em experiências que deram certo para uma parcela dos
indivíduos. A construção do sentido inclui transgressões por parte dos usuários
e seu projeto de comunicação.
Não duvidamos, portanto, das boas intenções do professor a que aludimos
– a despeito do adjetivo excessivo imbecil; no entanto será ingênuo acreditar na
língua como algo plano, sem profundidade, o signo em relação biunívoca com a
realidade, sem que as intenções de estar no mundo, por parte dos usuários, sejam
levadas em conta. A situação de comunicação será, pois, fortemente
determinada pela identidade social do usuário, o qual comparte um imaginário
social que constrói um mundo em que “crer que algo é verdadeiro” se confunde
com “algo ser verdadeiro”.
Quando dissemos que o sujeito comunicante lança mão de componentes
situacionais, discursivos e lingüísticos, queríamos afirmar que há uma
diferença sensível entre essas três instâncias. O componente situacional diz
respeito à situação comunicativa propriamente dita: a instauração de uma cena
em que os atores – o locutor e o interlocutor que este constrói – se utilizam dos
vários elementos da comunicação. O componente discursivo existe em função
das categorias de discurso, que têm em comum com o componente situacional o
fato de surgir também a partir de um instauração: a instauração de uma atitude
comunicativa que corresponde a uma determinada finalidade (descrever, relatar,
argumentar). O componente lingüístico concerne às categorias de língua, que
têm uma existência interna à língua, na medida em que organizam os signos em
sistemas significantes formais.
Para Charaudeau, o texto será a concretização do ato de comunicação
construído formalmente pela língua e o discurso – mas seu sentido só se estaui
após a explicitação de um projeto de comunicação e de um contrato que se firma
na situação de comunicação. Os textos se classificarão em tipos que não serão
tipos discursivos, mas tipos textuais, uma vez que a tipologia discursiva respeita
à atuação textual dos modos de organização do discurso: um mesmo tipo de
27
texto poderá ser tramado com modos discursivos diferentes ou mesmo com a
combinação de mais de um modo de organização e o emprego de várias
categorias de língua. Charaudeau ilustra essa afirmação com um tipo de texto:
anúncio de oferta de emprego. Trata-se de um tipo que em geral emprega os
modos narrativo e descritivo, como se vê no exemplo que segue14:
“Cadeia de lojas procura uma gerente de, no mínimo 30 anos, tendo experiência em gestão, que saiba animar uma equipe e que possua bom domínio de inglês.”
Mas um anúncio pode também utilizar o modo argumentativo:
“Se você é excelente vendedor, pode, em um ano, criar uma situação de independência.”
Ou ainda pode ser uma atuação discursiva enunciativa, seja agindo de
forma conativa sobre o destinatário, interpelando-o (alocutivamente15), seja
apresentando os atores do ato comunicativo como os protagonistas de um relato
(delocutivamente16), como se vê exemplificado respectivamente:
“Você deseja trabalhar com uma larga autonomia de ação? Então este anúncio lhe interessa.”;“Importante laboratório de cosméticos procura diretor de laboratório.”17
1.2.12 Tipos e gêneros textuais
A necessidade de delimitar os vários gêneros textuais remonta à era
clássica, e a quantidade de gêneros possíveis tente a aumentar desde que se criou
a escrita alfabética cerca de sete séculos antes de Cristo. Com a invenção da
imprensa por Gutenberg, por volta de 1440, os gêneros se expandem. Com a
industrialização do século XVIII, inicia-se uma ampliação que chega aos nossos
dias, com algo que parece ser uma revolução: a internet. Observe-se que o
tremendo avanço tecnológico dos últimos duzentos anos não implica a criação
de novos gêneros a partir do nada: é evidente que os novos gêneros são
adaptação dos já existentes à nova realidade. Vê-se, portanto, que a noção de 14 Idem. p. 635.15 As modalidades alocutivas dizem respeito à maneira com a qual o locutor impõe sua tese ao interlocutor.16 As modalidades delocutivas são aquelas em que o locutor e o interlocutor estão distanciados da tese.17 CHARAUDEAU, op. cit. 635.
28
gênero textual está subordinada à História e às conquistas socioculturais – o que
confere a eles um aparente paradoxo: embora sejam estruturados
lingüisticamente, sua delimitação reside no âmbito extralingüístico. Esse
aparente paradoxo só ajuda a justificar a pertinência dos estudos no campo da
Lingüística do Texto e da Análise do Discurso, uma vez que prova ser qualquer
texto subordinado às mudanças das demandas culturais, as quais dão ensejo a
novas situações comunicativas .
Evidentemente, é importante frisar que, quando dizemos que o texto
reflete as demandas das novas situações comunicativas, não estamos obliterando
sua matéria prima: a forma lingüística, pois justamente a língua, com sua
plasticidade, oferece os recursos primordiais para a construção do texto. Então,
se as virtudes de um texto estão precipuamente em nível lingüístico, espera-se
que se possa, partindo de categorias lingüísticas, determinar, com um mínimo de
possibilidade de acerto, as características de um tipo de texto. Exatamente na
dicotomia que se estabelece entre situação sociodiscursiva e componente
lingüístico reside a oposição entre gênero e tipo de texto.
Marcuschi, em um ensaio18 cujo objetivo é divulgar o tema que ora
discutimos, propõe que se considerem três noções: tipo textual , gênero textual
e domínio discursivo. Os tipos textuais são constructos teóricos definidos por
propriedades lingüísticas intrínsecas. Os gêneros textuais correspondem a
realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas
– o que inclui as várias transgressões por parte dos usuários e seu projeto de
comunicação, a que fizemos alusão acima. Sua sistematização definitiva é
impossível, na medida em que a ocorrência de gêneros está atrelada às mudanças
culturais: os gêneros textuais constituem ações sociodiscursivas para agir sobre o
mundo e dizer o mundo, construindo-o de algum modo. O domínio discursivo
designa uma instância de produção discursiva ou de atividade humana, que
18 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela
Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora; MACHADO, Anna Rachel. Gêneros textuais & ensino. 2.ed. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2003.
29
propicia surgimento de discursos específicos como o discurso jurídico, o
jornalístico, o científico e assim por diante.
Em seu trabalho, Marcuschi propõe o seguinte quadro sinóptico em que
bem se visualizam as diferenças entre gênero e tipo:
TIPOS TEXTUAIS
6. constructos teóricos definidos por propriedades lingüísticas intrínsecas;
7. constituem seqüências lingüísticas ou seqüências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos;
8. sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;
9. designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição.
GÊNEROS TEXTUAIS
1. realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas;
2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas;
3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas delimitadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função;
4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo virtual, aulas virtuais, etc.19
Adotaremos aqui a distinção proposta por Charaudeau, por entendermos a
oposição que faz entre modo de organização do discurso e tipo de texto equivale
respectivamente à oposição que se faz entre tipo de texto e gênero de
19 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Op. cit. p. 23.
30
texto/domínio discursivo. A vantagem da terminologia de Charaudeau é que ele
insere os modos de organização no âmbito das categorias de discurso, que estão
aproximadas às categorias de língua, mas a elas não correspondem. Parece-nos
bastante pertinente a semelhança que o autor vê entre os procedimentos de
instauração da cena discursiva durante o ato comunicativo e os da instauração
dos modos de organização discursivo, que constituem os princípios de
organização da matéria lingüística, os quais estão a serviço de uma finalidade
discursiva de enunciar, narrar, descrever ou argumentar. Considerando, ainda,
a infinidade de possibilidades de ocorrências de gêneros de texto, bem como o
número finito mas grandioso de domínios discursivos, parece-nos mais cômodo
agrupá-los num único conceito, como faz Charaudeau: tipo de texto. Portanto, a
existência de um tipo de texto corresponde a uma resposta textual à capacidade
humana de criar ilimitadamente novas situações comunicativas.
1.2.13 Trama verbal: uma categoria de língua
Conforme já dissemos, as categorias de língua organizam os signos em
sistemas formais dotados de uma significação que se atualiza em função o
contexto. Acreditamos que um texto se constitua em uma superposição de várias
camadas de tramas textuais que se coadunam. Uma das tramas que trataremos, a
título de exemplo para aquilo que Charaudeau define como categoria lingüística,
é a trama verbal. Um texto padrão deve apresentar verbo. Como temos
consciência do caráter ilimitado dos gêneros textuais (seja pela composição
formal, seja pela extensão, etc.), precisamos arbitrar aqui, como fez Otto
Jespersen em sua definição de uso culto da língua20. Portanto, entenderemos por
texto padrão uma unidade semântica, dotada de elementos coesivos
suficientemente numerosos e de extensão suficientemente plausível, que produza
20 Jespersen afirma que “falar correto significa o falar que a comunidade espera, e erro em linguagem equivale a desvios desta norma, sem relação alguma com o valor interno das palavras ou formas”.JESPERSEN, Otto. Humanidad nación, individuo, desde el punto de vista lingüístico. Buenos Aires: Revista Ocidente, 1947. p. 113-114.
31
um sentimento de unidade – por assim dizer, “um efeito textual” – que leve esse
usuário a depreendê-lo como tal.
Weinrich, em sua obra clássica sobre tempos verbais21 constata que eles
vão muito além de simples marcadores temporais. Aliás, sua tese é a de que
simplesmente os tempos verbais nada ou pouco têm que ver com o tempo físico
propriamente dito. A função de superfície dos tempos verbais ─ sua função
intratextual precípua ─ consiste em informar àquele que ouve ou lê um texto que
aquilo que se comunica é um relato ou um comentário.
O autor observa que, ao falar de narração, se está descrevendo toda e
qualquer manifestação lingüística de relato: um pequeno acontecimento, a
informação de um jornal sobre o que ocorreu num comício, uma aventura de
caça, um conto inventado, uma novela, um romance. Para que algo se
caracterize como relato, não importa que seja verdadeiro ou inventado. É
também indiferente que tenha aspirações estilístico-literárias ou que seja um
relato ingênuo; tampouco deverá obedecer a leis dos gêneros literários. Acima
de quaisquer diferenças particulares está o fato de que o narrador se encontra em
posição relaxada, em função do natural distanciamento com relação ao fato
narrado. Observe-se que tal relaxamento não diz respeito ao conteúdo do
enunciado propriamente dito (pode-se, por exemplo, estar narrando uma tragédia
que se viveu, e, evidentemente, não estar relaxado com relação a isso). O
relaxamento que se preconiza diz respeito à elaboração do texto, que reconstrói
lingüisticamente uma realidade que já se instaurou e que está isolada da situação
de enunciação: trata-se de um enunciado não-embreado, isto é, não ancorado ao
tempo e ao espaço do enunciador. Narrar, pois, é um comportamento
característico do ser humano. Para Weinrich, podemos comportar-nos diante do
mundo, narrando-o – o que nos leva a empregar aquela parte da linguagem que
está prevista para narrar. Assim é preciso entender os tempos do mundo narrado
21 WEINRICH Harald. Estructura y función de los tiempos en el lenguaje. Madri: Gredos, 1968.
32
como sinais lingüísticos, segundo os quais o conteúdo da comunicação
lingüística o qual leva consigo tem de ser entendido como um relato.
Isso certamente difere da atitude de comentário, cuja postura tensa advém
do fato de que o falante trata de coisas que lhe afetam diretamente. O falante
está comprometido: tem de mover e relacionar-se com a realidade, e seu discurso
modifica o mundo. Para Weinrich a atitude comunicativa de comentário é,
portanto, dramática e perigosa. Enfim, o comentário se constitui
necessariamente em um enunciado embreado, dada a dêixis subjacente aos sues
tempos típicos.
A nosso ver, uma terceira atitude comunicativa pode ser considerada ao
lado das que Weinrich estatui: enunciação alocutiva. Essa atitude, de caráter
instrucional, parece estar no meio termo entre a narração e o comentário:
apresenta o desengajamento da narração, na medida em que o
enunciador/instrutor não será responsável direto pelas ações que instrui; mas, por
outro lado, trata-se de um enunciado embreado e dêitico, já que constrói o
sujeito interpretante. Dessa forma, a enunciação alocutiva consiste na descrição
de eventos a serem cumpridos por outrem – o que propiciaria a posição relaxada
a que já se aludiu. Assim como – no dizer de Weinrich – absolutamente tudo, o
mundo inteiro, verdadeiro ou não verdadeiro, pode ser objeto de um relato, tudo
pode ser instruído, sem que se subordine a qualquer vericondicionalidade, já que
uma ordem não é uma proposição (no sentido aristotélico do termo).
O tempo verbal básico da enunciação alocutiva é o imperativo. Tratado
como modo pela tradição gramatical e como semitempo por Weinrich,
entenderemos o imperativo como tempo verbal, porque a categoria de tempo
que aqui se estuda não remete propriamente a tempo cronológico (cf. inglês
time), mas a tempo textual (cf. inglês tense), a construir uma trama textual
específica (narrar, comentar, enunciar alocutivamente). Cremos que talvez
exista aí uma categoria modo-temporal-aspectual que se relaciona com os modos
de organização do discurso. Parece que realmente o imperativo ativa um modo
33
discursivo que não é nem exprimível por verbos de narração nem por verbos de
comentário.
Note-se, por fim, que enunciados como “Exijo que você faça isso” pode
ser empregado instrucionalmente, embora esteja estruturado sob forma de
comentário. Dizemos que está sob forma de comentário, pois a esse enunciado
corresponde um outro como “João exige que você faça isso”. Eis a grande
diferença que reside no cotejo entre o primeiro enunciado e um outro como
“Faça isso”: deste último emana diretamente a intenção instrucional do sujeito
comunicante e a ele nenhum outro corresponde (nem mesmo “Façamos isso”,
cuja forma em primeira pessoa nada mais é do que um minimizador de um
chamado ato ameaçador da face22).
Portanto, a trama verbal se estrutura a partir de um conjunto complexo de
procedimentos lingüísticos – categorias de língua no dizer de Charaudeau –
postos em prática pelo locutor, que está mais ou menos consciente das restrições
apresentadas pela situação de comunicação e pela finalidade do texto construído.
Essas categorias de língua são ordenadas em um modo de organização do
discurso, para produzir um sentido, sob a forma concreta de um texto.
22 BROWN P; LEVINSON S. Universals in language use: politeness phenomena. In: Questions in politeness. Strategies in social interaction., Cambridge: Cambridge University Press, 1978.
34
2 COESÃO TEXTUAL
O desenvolvimento dos estudos lingüísticos no século XX enfocou
problemas relativos à oração e às relações entre seus elementos constituintes.
Primeiro com o nome de estruturalismo, depois com o de gerativismo, foram
privilegiadas algumas dimensões do fenômeno lingüístico, como as exaustivas
descrições da sintaxe da oração, do ensino fundado no estruturalismo pós-
saussuriano. A morfologia, dominante no ensino tradicional e a fonologia
constituíram o objetivo do ensino da língua em nossas escolas, mas não
apresentavam o caminho para o uso prático dos conceitos aí preconizados, seja
na produção de textos, seja na sua interpretação. Enfim, as exigências da
comunicação eram postas em segundo plano.23 A análise textual das aulas de
português, preocupando-se apenas com os períodos do texto, fez com que a
capacidade interpretativa do aluno fosse reduzida a uma capacidade
classificatória, deixando de lado a importância primordial da produção textual,
que possui um conjunto de significados e tem como objetivo enunciar um tema
23 KAUFMAN, Ana Maria & RODRIGUES, Maria Elena. Escola – leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
35
específico, baseado num modo de organização do discurso. Tínhamos então,
aulas de português que excluíam a principal função da língua, que é comunicar
e, nesse contexto, formavam-se algumas poucas excelências em análise sintática
e negligenciava-se o desenvolvimento da capacidade interpretativa, que deveria
ser privilegiada.
Apesar de terem sido detectadas essas incoerências, pôde-se observar
claramente que, ainda com o desenvolvimento de várias propostas de mudança
no âmbito pedagógico, o ensino continuou vinculado à mesma prática, tornando
a disciplina de Língua Portuguesa algo extremamente distanciado da realidade
do aluno.
Com o surgimento da Lingüística do Texto na década de 60, os
procedimentos de produção, recepção e interpretação dos textos enquanto
entidades de comunicação passaram para o primeiro plano. Desviou-se o eixo de
atenção da oração para o texto, das unidades morfossintáticas às unidades
semânticas, preocupando-se com as relações que se estabelecem entre os
diferentes elementos constituintes do texto e o contexto.
Para ter uma idéia do impacto político desse deslocamento da importância
do texto, podemos citar a estruturação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(P.C.N.), de 1998, no que tange ao ensino da língua. Ali já se encontra a
proposta da Lingüística do Texto de que a reflexão gramatical na prática
pedagógica deve se desenvolver na perspectiva de uma didática voltada para a
produção e interpretação de textos, sem que seja desarticulada das práticas de
linguagem.
A aplicação de estudos desenvolvidos pela Lingüística do Texto nas aulas
de Língua Portuguesa, com contextos bem definidos, que fazem parte do
cotidiano do aluno, facilita não só o desenvolvimento da capacidade
interpretativa, mas também o aprendizado das categorias gramaticais, levando o
aluno, no momento da produção textual, a identificar problemas de utilização do
36
léxico, com a possibilidade de reflexão para a adequação do uso das estruturas
gramaticais.
A Lingüística do Texto, pois, contrariamente à gramática tradicional,
admite texto como uma unidade lingüisticamente superior à frase, como um
instrumento transmissor de mensagens, em que formas lingüísticas são adaptadas
às variadas situações.
A história do estudo da coesão textual se confunde com a própria história
da Lingüística do Texto. Isso porque, ainda que não exista um consenso entre as
várias linhas teóricas acerca do grau de importância do fenômeno da coesão – há
quem a considere acessória, há quem a considere essencial – parece não haver
dúvidas de que ela constitui um incontestável fator a conferir textualidade, isto é,
um fator que define um texto enquanto tal.
Não há como falar de coesão sem citar primeiramente Cohesion in
English, de Halliday & Hasan, de 1976. Nessa obra, os autores estabelecem que
a coesão – conceito semântico – diz respeito a relações de sentido que existem
em um texto e que o definem como um texto:
Ocorre coesão, quando a INTERPRETAÇÃO de algum elemento no discurso é dependente da de outro. Um PRESSUPÕE o outro, no sentido de que ele não pode ser efetivamente decodificado exceto pelo auxílio do outro. Quando isso acontece, a relação de coesão se instaura, e os dois elementos, o pressuponente e o pressuposto, estão desse modo pelo menos potencialmente integrados em um texto.24
A coesão se refere aos meios lingüísticos através dos quais se chega à
textualidade. Para Halliday & Hasan, um texto não é apenas uma seqüência de
orações. Não é apenas uma grande unidade gramatical, como se participasse de
um grupo do qual fizesse parte a oração, e que dela diferisse tão-somente por
conta do tamanho. Um texto é mais do que isso: será mais bem compreendido
como uma unidade de um outro conjunto – uma unidade semântica. Mas a
semântica é aí entendida como apresentando um significado em função do
contexto. Sendo uma unidade semântica, um texto é realizado sob forma de 24 HALLIDAY, M. A. K; HASAN, Rugaia. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976, p.4.
37
orações (ou até mesmo, em um caso extremo, sendo constituído de uma simples
oração). Então, a expressão da unidade semântica do texto encontra-se na
coesão estabelecida entre as orações das quais ele se compõe. A textualidade
reside na atualização do significado da parte em função do todo. Um texto é,
enfim, qualquer parte de linguagem que é operacional e que funciona como uma
unidade em algum contexto, podendo ser escrito ou oral e envolver um ou mais
participantes.
A coesão faz parte do sistema da língua e, como qualquer relação
semântica, expressa-se através dos vários níveis lingüísticos: semântico,
lexicogramatical (formas e relações morfossintáticas), e fonológico/ortográfico
(expressões). A coesão se expressa seja por meio da gramática, seja por meio do
vocabulário – o que permite dizer que existe uma coesão gramatical e uma
coesão lexical. Halliday & Hasan consideram a existência de cinco mecanismos
de coesão, a saber: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical.
Essas categorias de coesão podem ser enquadradas no sistema lexicogramatical
da língua.
Referência, substituição e elipse são indubitavelmente gramaticais,
envolvem sistemas fechados. Esses sistemas se estruturam em função de
presenças em face de ausências, envolvendo noções como pessoa, número,
proximidade e graus de comparação.
A referência consiste na relação entre um elemento do texto e qualquer
outro, cuja interpretação depende do primeiro. Trata-se de uma relação
potencialmente coesiva, visto que o dado que serve de fonte de interpretação
será ele mesmo um elemento do texto. Essa interpretação assume a forma de
identificação ou de comparação. Os itens de referência são pronomes pessoais,
possessivos, demonstrativos, interrogativos; portanto sua fonte primária de
pressuposição está no contexto, e não no cotexto. Todos eles são itens
específicos, pois sua interpretação dependerá da identidade e da localização do
elemento, o qual será potencialmente dêitico.
38
A substituição já não implica especificidade. A relação de substituição
não tem conexão com a especificação ou a identificação de um referente
particular no espaço ou no tempo; refere-se tão-somente a itens textuais. Trata-
se de uma relação no nível lexicogramatical; ao passo que a referência é mais
especialmente semântica – semântica no sentido de que pressupõe significados e
não itens textuais. Ademais, a referência pode ser exofórica ou endofórica. A
substituição, por seu turno, é necessariamente endofórica, e poderá ser nominal
(com itens como um, mesmo); verbal (o verbo fazer ou um equivalente
cotextual); oracional (assim, isto em situação de pro-frases). Como se vê, não
tem valor dêitico. A referência implica que existe identidade entre o
pressuponente e o pressuposto; ao passo que a substituição implica não-
identidade de sentido. Isso se exemplifica pelo uso da substituição e a elipse em
respostas; a função de uma resposta é recuperar uma informação perdida ou
confirmação25.
A elipse tem todas as características da substituição: é necessariamente
endofórica e se refere a um item textual pressuposto. A diferença é que se trata
de uma substituição por zero.
A coesão lexical – como o nome indica – é de ordem vocabular, portanto
enquadrada num sistema aberto de escolhas. Note-se, no entanto, que esse
sistema dispõe de uma abertura restrita, no sentido de que uma escolha lexical
estará relacionada a uma ocorrência que lhe é anterior. Dedicaremos, mais
adiante, uma seção para discutir esse tipo de coesão.
Por fim, a conjunção está na fronteira entre o âmbito gramatical e o
lexical. As relações conjuntivas são de ordem aditiva, adversativa, causal e
temporal.Os elementos conjuntivos podem ser entendidos como gramaticais –
em termos de sistema, por conta das relações mais ou menos previsíveis que eles
estabelecem –, mas muitos deles podem ser também enquadrados como lexicais,
pelo fato de terem base lexical, tais como locuções conjuntivas, prepositivas,
adverbiais. 25 HALLIDAY, M. A. K; HASAN, Rugaia. Op. cit. p.315.
39
Um texto será composto da superposição de várias tramas textuais, isto é,
os subsistemas textuais que se organizam para atingir a textualidade. Esses
subsistemas textuais são a materialização enunciativa, em funcionamento
concomitante, dos vários níveis lingüísticos (fonológico, morfológico, sintático,
lexical e semântico).
A crítica que se faz com relação à tipologia proposta pelos autores – entre
nós, a mais divulgada é a que faz Koch26– diz respeito a problemas tais como a
fluidez dos limites entre referência, substituição e elipse. Para a autora, a
maior diferença entre substituição e referência é que, no caso da segunda,
sempre haveria total identidade referencial entre os pressuponentes e os
pressupostos; no caso da substituição isso não ocorreria. Acredita que seria
muito difícil argumentar em favor da identidade total em qualquer situação de
referência, se, por exemplo, é possível um pressuponente referir-se a um
pressuposto que muda espacial ou cronologicamente ao longo de um texto.
Além do mais, ela objeta que uma elipse é uma forma de substituição por zero.
Dessa forma, Koch acredita ser bem mais operacional sua divisão, que inclui
num mesmo grupo a substituição, a referência e a elipse, nomeando-o coesão
referencial, e propondo a modalidade coesão seqüencial para um conjunto de
recursos coesivos que inclui, por exemplo, a conjunção e a recorrência de
tempos verbais. No entanto, não estamos seguros de que a coesão lexical,
preconizada por Halliday & Hasan esteja indiscutivelmente no grupo rotulado de
coesão referencial, como faz Koch. Se, por um lado, a coesão lexical tem um
papel de referenciação, por outro tem importante valor para a manutenção
temática e a progressão textual, sendo responsável por aquilo que se
convencionou nomear de colocação. Além disso – como veremos adiante –, não
é propriamente um vocábulo que é capaz de produzir referenciação, mas sua
combinação com um item gramatical, como, por exemplo, um artigo definido;
ou ainda um lexema de um verbo – capaz de produzir um efeito remissivo –
adjungido a morfemas gramaticais, responsáveis por noções sintáticas, 26 KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 19. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
40
semânticas e textuais. Quanto à recorrência dos tempos verbais, entendemos que
se trata de um fenômeno de cunho lexicogramatical, com funções, colocacionais,
no âmbito lexical, bem como funciona como promotora de uma tipologia textual
por intermédio de seus monemas.
2.1 Coesão lexical
A nosso ver, de todo o estudo que se desenvolveu em torno da coesão, o
aspecto mais negligenciado foi a coesão lexical. Dizemos isso, porque se tornou
comum entre aqueles que são responsáveis pelo ensino de língua portuguesa ou
mesmo os refletem questões relativas à Lingüística do Texto, ao se referir à
coesão, fazer menção ou a aspectos de conjunção ou a de referenciação.
Queremos trazer para o debate, neste trabalho, a importância da coesão lexical,
todo o seu alcance e dimensão, em alguns momentos, buscando rever alguns
conceitos que se estabeleceram quando de sua formulação. Essa nossa
preocupação está francamente relacionada a nossa crença de que uma das
camadas da trama textual decerto será a organização lexical.
Segundo Halliday & Hasan, a coesão lexical abarca dois aspectos
distintos mas relacionados, que são a reiteração e a colocação.
A reiteração é a repetição de um item lexical, ou a ocorrência de
sinônimo, um hiperônimo, um hipônimo, um nome genérico. Tipicamente o
item lexical reiterado está acompanhado de um item de referência – em geral o
definido o ou um demonstrativo.
A colocação se dá pela ocorrência de um item lexical semanticamente
relacionado a outro. A repetição de um item lexical é por si só coesiva, tendo ou
não relação de identidade de referência com um outro item. A coesão, portanto,
deriva da organização lexical da língua. Uma palavra que de alguma maneira se
relaciona a outra que lhe precede em um texto – seja por sua repetição direta,
41
seja por um valor qualquer de sinonímia, seja por geralmente ocorrer em seu
ambiente lexical – contribuirá para sua textura.
2.2 Uma observação acerca da reiteração
Halliday & Hasan têm a preocupação de distribuir os tipos de coesão
(referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical) em dois grupos
maiores: coesão gramatical e coesão lexical. A coesão lexical, como se vê pelo
próprio nome, comporia solitariamente o segundo grupo (embora os autores
reconheçam que na referenciação lexical é típica a ocorrência de um artigo ou
um demonstrativo, que seriam a porção gramatical a somar-se com a porção
lexical do substantivo reiterado), ao passo que a referência, a substituição e a
elipse seriam casos típicos de coesão gramatical. A conjunção estaria numa
posição intermediária entre o nível gramatical e o lexical, porque. Embora os
autores chamem a atenção para essas duas naturezas da coesão, demonstram ter
consciência de que a distinção será uma questão de grau, e que a coesão é, acima
de tudo, uma relação semântica, que, como tal, se realiza por meio do sistema
lexicogramatical.
A questão que gostaríamos de trazer para o debate é a seguinte: qual é o
papel coesivo de um item lexical? De fato, concordamos com a distinção dos
dois tipos de coesão lexical feita por Halliday & Hasan, reiteração e colocação.
Entretanto parece-nos que, no âmbito da reiteração, se dá excessiva importância
para os itens lexicais, em detrimento daquilo que chamaremos aqui de
anaforizadores: em geral o artigo definido o, além de demonstrativos,
possessivos, indefinidos, interrogativos, o relativo cujo, e, em alguns contextos,
numerais ordinais. É interessante observar que Kallmeyer et al. (1974)27 já
identificava em todas essas classes uma função-artigo. Isso nos deixará mais à 27 apud. KOCH, 2004.
42
vontade para afirmar que o artigo é efetivamente um anaforizador: seu
emprego, ao lado de um substantivo, formará o que denominamos locução
anafórica. Será, pois, o artigo o responsável gramatical pela reiteração.
Houvemos por bem tomar emprestada a tradicional expressão locução, porque,
assim como, por exemplo, uma preposição anteposta a um substantivo pode
formar com ele uma locução adjetiva ou adverbial, com uma função sintática em
geral de adjunto, um artigo anteposto a um substantivo representará a intenção,
por parte do enunciador, de fazer uma anáfora, que representa uma função
textual. Assim, o processo de reiteração representará um esforço fórico de parte
do enunciador, ao passo que a colocação, como veremos adiante, representará
um esforço taxonômico-textual, já que se busca explorar por meio dela o
potencial semântico do item lexical.
2.2.1 Artigo definido como anaforizador
Como sabemos, a anáfora (bem como a menos usual catáfora) é um
fenômeno endofórico, isto é, ocorre no interior do texto (mais especificamente,
no cotexto). Se levarmos às últimas conseqüências a afirmação de que o artigo é
um anaforizador, seremos obrigados a considerar que ele sempre ocorrerá
referindo-se a uma passagem anterior do texto e será necessariamente
endofórico. Prince (1979), considera um caso de entidade evocada
textualmente para justificar o emprego do artigo definido o em “ Lecionei certa
vez a um superdotado. O superdotado queria saber o porquê de tudo.”; e um caso
de entidade evocada situacionalmente em uma frase como “Pega o dicionário
ali para mim.”28
Ora, nossa visão aqui é estritamente textual, e, por conta disso, é
imperioso que retomemos a afirmação de Charaudeau de que o texto é a
28apud. OLIVEIRA, 2000.
43
manifestação material da instauração de um ato de comunicação. O enunciador ,
que põe em prática as intenções discursivas do sujeito comunicante dirige-se ao
destinatário, por meio de um texto. Considerando que o sujeito comunicante dá
ensejo tanto à existência do enunciador e quanto à do destinatário, é plausível
que, ao usarmos o anaforizador o, a entidade pressuposta será sempre evocada
textualmente. O emprego do artigo faz parte de uma estratégia textual do
enunciador que considera sua ocorrência (a do artigo) como não-autônoma,
gramatical e anaforizadora.
Consideremos os seguintes exemplos:
a) Elvira arranhou o braço.
b) Elvira arranhou seu braço.
c) Elvira arranhou o seu braço.
O que justifica a utilização do artigo definido em (a) é a anáfora
estabelecida com aquilo que chamaremos aqui de texto virtual. A partir daí o
sujeito interpretante calcula a coerência a partir de um texto como “Elvira tem
braço”.
Em princípio, acreditar que textos podem se atualizar em função de textos
virtuais seria uma contradição com a nossa convicção de que um texto é de
natureza essencialmente lingüística. Poder-se-ia objetar que, se se considera a
possibilidade de um texto não-realizado concretamente, será possível conviver
com a existência de textos não-verbais – o que, conforme já externamos, nos
parece um equívoco.
No entanto, acreditamos que pensar a realidade que nos cerca por
intermédio de textos é francamente humano. Concordamos quando Charaudeau
diz que, nomear um ser é o resultado de uma operação que consiste em fazer
nascer um ser significante no mundo, classificando-o. Isso significa dizer que
nós o retiramos de um continuum e o identificamos a partir de suas diferenças e
semelhanças com os demais. Mas gostaríamos de ir mais adiante: se retiramos
os seres de um continuum de entidades, retiramos de um continuum de
44
enunciados possíveis um texto (ou fragmentos dele) – o que será decisivo para a
construção da significação do texto em produção. O texto virtual que aqui
pleiteamos é aquele que o sujeito enunciador constrói com base na hipótese de
que o sujeito-interpretante tem conhecimento dele (do texto). Esse texto virtual
é, portanto, produzido pari passu ao texto efetivamente enunciado.
Quanto ao exemplo (b), o pronome seu – de função-artigo – faz referência
ao pressuposto Elvira, que está explicitado no próprio texto (sabemos que existe
aqui uma pequena ambigüidade, que não compromete o exemplo: o seu em
questão significa “de Elvira”, e não “de você”). Trata-se de uma referência,
portanto uma coesão de natureza gramatical, equivalendo a de Elvira. No
exemplo (c), o artigo o mais uma vez faz uma anáfora com o texto virtual, com a
diferença de que o cálculo de coerência é facilitado pela presença de seu, que
equivale a de Elvira no texto virtual.
45
2.3 Coesão colocacional
A coesão colocacional surge em função da própria organização do léxico
em grupos de vocábulos que se relacionam semanticamente. No entanto, se por
um lado existe uma relação óbvia de complementaridade semântica entre
heterônimos como o par homem/mulher, tal não se dá com pares como
livro/canção – o que não significa dizer que estes últimos não possam
estabelecer uma relação coesivo-colocacional (se se partir de um tema como, por
exemplo, “Chico Buarque ficou famoso com suas canções e agora com seus
livros”, estará criado um contexto para a coesão nesses termos). Portanto, o
efeito da coesão colocacional é sutil e difícil de ser estimado. No caso da coesão
gramatical, tudo é muito mais à vista: se se emprega, por exemplo, um pronome,
uma pro-forma qualquer, espera-se que ela se refira a um termo anterior ou
posterior. No caso da relação lexical, é de regra que a afinidade lexical se
estabeleça em função do texto, sem que haja uma previsão e sistematicidade:
todo item lexical pode entrar em uma relação coesiva, mas ele não carregará
consigo a indicação de que funcionará coesivamente ou não. Isso só poderá ser
estabelecido por referência ao texto.
O texto é uma estrutura determinativa: determina, por exemplo, a trama
lexical. Um item como tarefa poderá ser hiperônimo de tese (“Concluí a tese; a
tarefa foi cansativa”.) ou de limpeza (“Concluí a limpeza; a tarefa foi
cansativa”.) Isso significa dizer que o texto instaura uma taxonomia textual,
46
que consiste na organização (dentro e em função de um texto) de itens lexicais
num mesmo campo semântico, ainda que aparentemente não façam parte desse
campo. Entendemos que não existe sentido literal tal que sentido literal seja
uma constante semântica. À mesma forma certamente corresponderá a mesma
significação, mas esta será função, e, não, uma constante.29 O responsável pela
atualização do sentido será o texto. Ora, essa atualização de sentido demanda
uma extensão textual qualquer – seja mais ou seja menos axiológica a
composição desse sentido. Acreditamos que, quanto mais axiológico for um
enunciado, mais ele deve gerar texto; teremos aí um importante manancial de
extensão textual. Parece-nos, portanto, que a coesão colocacional é o ponto de
interseção entre a coesão e a progressão textual.
2.3.1 Coesão e coerência
Não há dúvidas de que os conceitos de coesão e coerência se entrelaçam.
Não temos aqui a ambição de encaixar definitivamente os dois conceitos em
espaços descontinuados e indubitáveis. No entanto, para podermos seguir em
nossa descrição, é preciso tomar posições que garantam a clareza e a
funcionalidade de cada uma dessas noções.
A coesão é uma categoria textual necessária para a formação de um texto.
A coerência não é uma categoria textual, mas uma condição que consiste na
“ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas idéias; relação harmônica,
conexão”30 Ora, como tudo que o ser humano concebe se exprime
lingüisticamente, é de esperar que a coerência também aí se expresse. Assim
como as noções de causa, tempo ou lugar são englobadas pela língua, assim será
a coerência. Em um texto, a coerência será determinada pelos processos
coesivos que aí atuam: se houver falhas de coesão, estará aberto o caminho para
29 ANSCOMBRE, J.C. Da argumentação na língua à teoria dos topoi. 2000. Rio de Janeiro: mimeo. 30 HOUAISS, A. & VILLAR, M., 2001
47
haver falhas de coerência. Uma falha de coerência poderá ser, por exemplo o
emprego de pois num enunciado como “Fui reprovado, pois estudei muito.”, se a
intenção for expressar uma relação que se encontra num tempo e num espaço
social que toma como verdade o enunciado “Fui aprovado, pois estudei muito.”
ou ainda “Fui reprovado, embora tenha estudado muito.” O emprego do elo
coesivo errado pois instaura (sob as condições sociais consideradas) a
incoerência (aliás, a noção de coerência é tão independente do âmbito textual
que admite até um antônimo: incoerência; ao passo que será impensável algo
como “incoesão”, a não ser como sinônimo de incoerência). A coerência é um
efeito de sentido; a coesão é uma causa de sentido, o qual se constrói no texto.
Se a coesão representa uma intenção; a coerência representa uma finalidade.
Ora, se a coesão é intrínseca ao texto, não há por que falar de “texto sem
coesão”. Seria um paradoxo semelhante ao que se incorreria, no quadro da
nomenclatura da tradição gramatical, fazer referência a “frase incompleta”, já
que frase seria “um enunciado de sentido completo”. A coesão é condição sine
qua non para a existência de um texto. Não nos interessa aqui promover
polêmicas sobre o assunto, mas nessas discussões em torno de “textos com
coerência, mas sem coesão” ou “ textos com coesão, mas sem coerência”, o que
ao final se verifica são textos coesivos em um cenário especial, que é um livro
que discute a pertinência desses conceitos. Se não, vejamos.
2.3.11 Texto “com coesão, mas sem coerência”
Em Koch31 , lê-se o seguinte exemplo de texto sem coerência:
O dia está bonito, pois ontem encontrei seu irmão no cinema. Não gosto de ir ao cinema. Lá passam muitos filmes divertidos.
O texto acima é apresentado como incoerente e de fato o é. Mas é
apresentado também como tendo elementos coesivos. Em primeiro lugar, 31 KOCH, Ingedore Villaça. Op.cit. p. 19.
48
qualquer signo lingüístico em um texto terá potencial coesivo, desde que se
tenha a intenção de estabelecer tal nexo. Ocorre que a mesma capacidade que
um usuário da língua tem de construir um texto pode ser ativada para destruí-lo.
O texto acima apresenta uma série de recursos coesivos: o emprego de bonito
(masculino) num contexto que tem dia (masculino) é perfeitamente plausível e
ativa um mecanismo de harmonia coesiva. O mesmo se pode dizer da seqüência
ontem encontrei seu irmão no cinema: o dêitico ontem consoante com o pretérito
encontrei (se quem produziu o texto desejasse quebrar aqui a coesão, era só
empregar encontrarei ou encontrasse, já que este verbo destoaria em modo e
relevo mas concordaria em tempo, e aquele concordaria em modo mas destoaria
em tempo e atitude comunicativa). O problema está no emprego de pois, visto
que aquilo que se afirmou antes nada tem que ver com o que se lhe seguiu.
A incoerência continua entre os dois períodos que seguem: o verbo ir em
harmonia com a expressão locativa ao cinema, cujo pressuponente Lá está
absolutamente adequado ao verbo passam, o qual concorda [sintaticamente] com
o sujeito muitos filmes, e concorda [textualmente] com o verbo gosto (ambos os
verbos expressam a atitude comunicativa comentário). A desarmonia, mais uma
vez reside na incoerência forjada pelo par Não gosto/filmes divertidos, na
medida em que essa relação não se enquadra no código social a viger entre nós.
Enfim, embora o texto apresente muitos elos coesivos, eles não são
suficientes para gerar o efeito de coerência, porque pontos estratégicos do texto
não têm coesão: o que queremos afirmar é que os vários elementos de coesão
dão a falsa impressão de que a coesão é plena. Seria como serrar (mas não
totalmente) a barra de direção de um automóvel: ele funcionará normalmente até
que essa barra seja exigida além do que poderia suportar.
49
2.3.12 Texto “sem coesão, mas com coerência”
Tomemos o seguinte texto, retirado de A coerência textual32.
O showO cartazO desejo
O paiO dinheiroO ingresso
O dia A preparaçãoA idaO estádioA multidãoA expectativa
A músicaA vibraçãoA participação
O fimA voltaO vazio
Diz-se do texto acima que ele é destituído de coesão.
Em primeiro lugar, ele não é um texto típico: não é normal que se
converse em família, ou se profira uma palestra ou se ministre uma cerimônia
religiosa apenas por intermédio de artigos e substantivos. Esse fato per se
desqualifica o texto como contra-exemplo para a afirmação de que coesão é
essencial a um texto. Além do mais, trata-se ser um poema, que não é um texto
típico, no mínimo porque sua construção se caracteriza pelo artifício do
desequilíbrio da ativação dos eixos sintagmático e paradigmático: ocorre aí “a
projeção do princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de
combinação”.33
32 KOCH, I. V; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 5.ed. São Paulo: Contexto, 1993. p. 12.33 JAKOBSON, Roman, Lingüística e comunicação. 9.ed.São Paulo: Cultrix, 1977, p.130
50
Em segundo lugar, não estamos seguros de que esse texto seja “apenas
uma lista de palavras”, muito menos de que se estruture “sem qualquer ligação
sintática”34. A possível ligação sintática seria a plausibilidade de todas essas
palavras serem núcleos de um mesmo sintagma, se, por exemplo, o texto
terminasse assim: “ jamais me esquecerei disso tudo.” Quanto a ser uma lista de
palavras, parece-nos não corresponder à realidade. Todos os versos apresentam
um artigo definido e um substantivo; o artigo, como já afirmamos, tem o papel
anafórico relativo ao texto virtual (ou, para ser mais ortodoxo, relativo a um
conhecimento partilhado). Ao lado disso, observa-se o emprego de itens lexicais
do mesmo campo semântico, ou melhor, itens que são impelidos pelo texto a
participarem do mesmo campo, por conta do mecanismo de harmonia coesiva,
típico da coesão colocacional – mecanismo que, aliás, é típico de qualquer texto;
apenas nesse, em especial, toda a responsabilidade da coerência recai sobre ele.
Comparando esse texto a um tecido, diríamos que ele se assemelha à gaze – mas
o entrelace da trama com a urdidura tão esparso não a impede de ser um tecido.
Num texto típico, outros elos coesivos entram na cena textual, na qual
cada mecanismo terá, em função do tipo do texto, um valor, uma importância. A
ativação de um ou outro mecanismo de coesão estará subordinada à intenção
comunicativa do sujeito comunicante, ao seu projeto de fala.
Da mesma maneira que um texto não permite uma combinação ilimitada
de itens lexicais, ele determinará, de uma forma mais ou menos rígida, que
tempos verbais o comporão. A recorrência de tempos verbais, bem como a
recorrência de itens lexicais do mesmo campo, ou a atualização de sentido em
função da interdependência desses itens, ou qualquer outro tipo de elo que se
estabeleça entre os vários signos de um texto constitui uma rede de relações que
necessariamente será determinativa, isto é, dará ensejo a limites textuais.
Entenderemos aqui que os signos lingüísticos não significam: instruem
significado. Assim, faremos esse adendo à proposta dicotômica de Saussure por
34 HALLIDAY, M. A. K; HASAN, Rugaia. Op. cit. p.12.
51
entendermos que os significados não são constantes; são funções. Esses
significados estão em função do contexto, isto é da situação comunicativa, e do
cotexto, ou seja, do ambiente textual.
Um exemplo de atualização do significado em função da situação
comunicativa são dêiticos como aqui¸ eu, ou ainda os tempos verbais
embreados, tais como presente ou futuro do presente (sua atualização depende
do momento da enunciação).
Para exemplificarmos a atualização em função do cotexto – o ambiente
lingüístico –, tomemos os seguintes enunciados:
(1) Tomou nas mãos uma substância verde e comeu-a.
(2) Espere, que eu vou pegar o Drummond lá na estante.
Em (1), uma porção importante do sentido de substância (estado físico
líquido, sólido ou gasoso) se atualiza em função de comer, em cujo significado
se encontra a informação “consumir alimento sólido” (aliás, comer guarda
também outras informações, como, por exemplo, a instrução sintática “atribuir
casos nominativo e acusativo”, e assim por diante.) Ora, se o significado de um
signo como substância depende de um outro, dentro de um mesmo enunciado,
não temos razão para entender que significados de itens lexicais se
circunscrevem apenas no âmbito do mundo biossocial. Em (2), Drummond não
é um poeta, mas o livro de um poeta – sentido que se atualiza em função do item
estante.
Considerando o conceito de coesão textual proposto por Halliday &
Hasan de que – o que afirma a dependência da interpretação de um elemento no
discurso com relação à interpretação de outro –, nossa posição aqui deverá ser a
de que a atualização de um significado por conta de relações textuais consiste
em uma manifestação da coesão textual.
52
2.4 Os verbos no contexto e no cotexto
Embora o conceito tempo verbal remeta à noção de tempo físico, não
temos dúvidas de que apresenta, ao menos duas importantes funções: uma
cotextual, isto é, intratextual, é a de inscrever o texto em uma determinada
tipologia; outra, contextual, vale dizer, extratextual, a de definir a relação entre o
enunciador e a situação de enunciação.
2.4.1 Função cotextual dos verbos
A distribuição dos elementos da oração é condicionada por certas leis
estruturais da língua. Destarte, um tempo, uma vez situado no contexto de um
discurso vivo, exerce sobre os elementos vizinhos – em particular sobre os
tempos adjacentes da oração – uma pressão que limita a liberdade de eleger entre
todos os tempos possíveis. Dizendo de outra maneira, um tempo verbal de um
discurso, isto é, aquele que se encontra numa oração e em um contexto (oral ou
escrito), esse tempo verbal não é ilimitadamente combinável com outros tempos.
Algumas combinações são preferidas no contexto próximo ou distante; outras
combinações são limitadas e, às vezes, inadmissíveis.
Da mesma maneira que consideramos a soma do artigo definido com um
substantivo uma locução anafórica, podemos dizer que o verbo, com seus
quatro elementos básicos, terá suma importância na coesão, enquanto fenômeno
lexicogramatical. Seria o verbo, por assim dizer, uma locução coesiva.
Desde que a tradição gramatical passou a se preocupar em descrever o
verbo, existe a concordância geral de que se trata da mais complexa classe
gramatical. Sua descrição foi tão acurada que nem mesmo a moderna descrição
estruturalista de Mattoso Câmara Jr se distancia fundamentalmente do que se
fizera até então. Seria estruturado por um morfema lexical, o radical; e três
53
morfemas gramaticais, a vogal temática, a desinência modo-temporal, a
desinência número-pessoal, sendo estes três últimos suscetíveis a se apresentar
como zero (Ø).
Queremos, no entanto, aqui concordar com a descrição proposta por
Weinrich. Em vez da tradicional distribuição RAD+VT+DMT+DNP, o lingüista
alemão propõe a seguinte configuração: L – Ps A Pe R, na qual ele designa com
L (lexema) a informação semântica do verbo; com Ps (pessoa) a informação
sobre a pessoa; com A (atitude) a atitude comunicativa; com Pe a perspectiva; e
com R, o relevo.
Conforme já dissemos, Halliday & Hasan têm a preocupação de distribuir
os tipos de coesão (referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical)
em dois grupos maiores: coesão gramatical e coesão lexical. A coesão lexical
comporia o segundo grupo (embora os autores reconheçam que na referenciação
lexical é típica a ocorrência de um artigo ou um demonstrativo, que seriam a
porção gramatical a somar-se com a porção lexical do substantivo reiterado), ao
passo que a referência, a substituição e a elipse seriam casos típicos de coesão
gramatical, por participarem de grupos fechados na gramática da língua. A
conjunção estaria numa posição intermediária entre o nível gramatical e o
lexical. Pois queremos defender aqui que também o verbo, enquanto locução
coesiva, representa a imbricação entre o nível gramatical e o lexical.
Para demonstrar o que afirmamos, tomemos uma forma verbal:
deletávamos.
O lexema delet- tem a função coesiva no campo lexical: seu papel na
coesão colocacional estará subordinado à organização lexical estabelecida pelo
texto – essa superestrutura que enseja a taxonomia textual. Em outras palavras,
a organização semântica dos itens lexicais se dá intratextualmente, no momento
da enunciação – só assim se pode falar, sem ambigüidades, de campo semântico:
o lexema delet- significará “apagar virtualmente” em um contexto pleno de
outros lexemas do frame “informática” como computador, teclado, documento,
54
texto, etc. Esse é um fenômeno que confere ao texto o papel de estrutura
determinativa, proposta por Weinrich. O vínculo lexical se estabelece em função
do texto, sem que verifique uma previsão e sistematicidade: qualquer item
lexical pode entrar em uma relação coesiva, mas ele não carregará consigo a
indicação de que funcionará coesivamente ou não. Tal só poderá ser efetivado
quando da enunciação do texto.
A categoria pessoa, que reside na desinência -mos, exprime, na oração, a
categoria de caso nominativo, provinda da regência verbal. Embora esse
fenômeno sintático seja de suma importância para a construção da sentença, não
discutiremos aqui essa noção lingüística sob esse prisma: com efeito, o valor
coesivo da concordância verbal reside própria definição que Halliday e Hasan
oferecem para coesão: a desinência de número e pessoa remete ao sujeito em
outro ponto do texto – o que subordina a interpretação deste termo a seu
respectivo morfema gramatical. Ora, se o entendimento de algum elemento no
discurso é dependente de um outro, ocorre coesão.
As noções de atitude comunicativa, perspectiva e relevo estão acumuladas
na desinência modo-temporal -va. Como já se viu, para Weinrich existem dois
tipos de situação comunicativa: narração e comentário. E toda estratégia de
produção textual, no que concerne à trama verbal, passa pela opção por uma
dessas duas situações. Assim como, em um texto, um conector conclusivo
orienta em direção a uma conclusão, um tempo verbal orienta em direção à
tipologia do texto.
Para Weinrich, o sistema temporal das línguas (ao menos as que ele
estudou) apresenta três dimensões – a três estão reunidas naquilo que
tradicionalmente se chama de desinência modo-temporal. A primeira e mais
importante é a atitude comunicativa. Conforme já dissemos, para o autor é
dicotômica e se divide em atitude narrativa e atitude comentadora. A segunda
dimensão do sistema temporal é a da perspectiva comunicativa. Essa também é
dicotômica, já que se pode distinguir entre os tempos de grau zero, que carecem
55
de toda perspectiva especial, e todos os tempos que a partir da situação
comunicativa distinguem uma prospecção e uma retrospecção. A terceira
dimensão do sistema temporal é a do relevo. Essa dimensão se encontra em
alguns dos idiomas que Weinrich estudou, apenas em certos setores do sistema
temporal. O autor o detecta somente no grupo temporal do mundo narrado,
estruturando-se também em uma dicotomia: primeiro plano (pretérito perfeito) e
segundo plano (pretérito imperfeito). Observe-se, no entanto, que o simples
emprego de tempos de presente ou tempos de pretérito (considerando apenas sua
forma tradicional) não resolve a questão, no sentido de determinar essa ou
aquela modalidade textual. Os empregos metafóricos dos tempos verbais
funcionariam como um incômodo contra-exemplo: o que importa é o sistema
enunciativo em que se desenvolve o enunciado. Assim, é possível, por exemplo,
um verbo formalmente em presente do indicativo comportar-se como pretérito
perfeito (caso, aliás, descrito pela tradição gramatical como “presente
histórico”), ou um pretérito perfeito comportar-se como pretérito mais-que-
perfeito.
Weinrich observa que, ao falar de narração, se está referindo a toda e
qualquer manifestação lingüística de relato, não importa que seja verdadeiro ou
inventado. É também indiferente que tenha aspirações estilístico-literárias ou
que seja um relato ingênuo; tampouco deverá obedecer a leis dos gêneros
literários. O importante é que o narrador se encontre em posição relaxada, em
função do natural distanciamento com relação ao fato narrado. Narrar é um
comportamento característico do ser humano. Portanto, os tempos do mundo
narrado são sinais lingüísticos, segundo os quais o conteúdo da comunicação
lingüística que eles conduzem tem de ser entendido como um relato.
Atitude diversa será a de comentário, cuja postura tensa advém do fato de
que o falante trata de coisas que lhe afetam diretamente. O falante está
comprometido a relacionar-se com a realidade que lhe é presente. Para
Weinrich a atitude comunicativa de comentário é dramática e perigosa, porque
56
comprometida. Enfim, o comentário se constitui necessariamente em um
enunciado embreado, dada a dêixis subjacente aos sues tempos típicos. Como
veremos adiante, esse será um importante papel extratextual dos verbos.
Por fim, como sugerimos anteriormente, há uma terceira atitude
comunicativa pode ser considerada ao lado das propostas por Weinrich:
enunciação alocutiva. – atitude de caráter instrucional, com características de
narração e de comentário. A enunciação alocutiva consiste na descrição de
eventos a serem cumpridos pelo interlocutor. O tempo verbal básico da
enunciação alocutiva é o imperativo.
Portanto, o verbo pode ser entendido como uma locução coesiva, no
sentido de que representa uma superposição de intenções coesivas: por se
dotado de lexema – classe aberta – e de monemas – classe fechada –, o verbo é
tanto responsável pela coesão lexical quanto pela coesão gramatical.
2.4.2 A função contextual dos verbos
Um enunciado tem de estar situado em relação a algum fato. Espera-se de
um ato de comunicação que tome como ponto de referência o próprio ato. O que
se considera nesse ato é aquilo que define a situação de comunicação, a saber, o
sujeito comunicante, o sujeito interpretante, o momento e o lugar da
enunciação. A série de procedimentos por intermédio dos quais um enunciado
se ancora na situação em que se inscreve é chamada de embreagem. O eixo
temporal embreado por natureza é o eixo do comentário. Conclua-se disso que
o eixo da narração é não-embreado. Para Weinrich, a distribuição temporal
básica dos verbos se dá da seguinte forma:
a) tempos da narração:________|____________________________|__________________________|________tempo retrospectivo tempo-zero tempo prospectivo
pretérito mais-que-perfeito 1) pretérito perfeito futuro do pretérito 2)pretérito imperfeito
57
b) tempos do comentário:________|____________________________|__________________________|________tempo retrospectivo tempo-zero tempo prospectivo
pretérito perfeito presente futuro do presente
É importante que se observe que, quando se diz que os tempos da
narração são não-embreados, não se afirma que estejam destacados da realidade:
é verdade que tenham um sujeito comunicante e um sujeito interpretante, um
tempo e um lugar; apenas buscam simular um distanciamento da realidade, o
qual propiciará a existência de um mundo a ser narrado. Sua não-embreagem
advém, pois, da busca pela construção de um universo autônomo. Um dado que
comprova essa busca por esse universo é a presença do tempo pretérito perfeito
nos dois eixos. No âmbito da narração, esse tempo verbal apresenta uma
novidade num tempo sem perspectiva, relacionado apenas ao que se enuncia; no
comentário, ele se ancora ao tempo em que o sujeito comunicante enuncia –
ancoragem conseguida por meio de, por exemplo expressões adverbiais dêiticas
como ontem, semana passada, etc. Há línguas que inclusive têm formas verbais
distintas a representar essas duas noções: o francês, por exemplo, apresenta o
passé simple (não-embreado) e o passé composé (embreado).
Como já afirmamos, não será o emprego de tempos verbais típicos deste
ou daquele eixo que definirá peremptoriamente uma modalidade de texto. Da
mesma maneira, a presença de uma forma verbal de presente pode não funcionar
como embreante. Tome-se como exemplo o gênero textual resumo de filme35:
A passagem – Drama. Psicólogo que trabalha em universidade americana é procurado por um jovem paciente que diz querer cometer suicídio em breve, pois suas terríveis profecias acabem se realizando. 99 minutos. 14 anos.
35 CINEMA. O globo, Rio de Janeiro, 31 dez. 2005. Segundo Caderno p. 4.
58
No texto acima, os verbos, embora estejam no presente, não são
embreados. Os fatos que descreve estão fora da oposição passado x presente x
futuro. O tempo verbal nesse gênero de texto não se ancora à situação
enunciativa atualidade, mas a um tempo destacado e autônomo, que remete ao
filme propriamente dito. Não se trata, portanto de um presente dêitico, na
medida em que não dialoga com a situação enunciativa em que o texto está
inscrito: a edição do jornal. Trata-se de um emprego metafórico do presente,
embora não nos pareça o tradicional “presente histórico”: a ocorrência de
trabalha, por exemplo, parece estar mais no âmbito descritivo do que do
narrativo, isto é, está mais uma metáfora de pretérito imperfeito do que de
perfeito.
Acrescentemos o eixo da enunciação alocutiva.
c) tempo da enunciação alocutiva:________|____________________________|__________________________|________tempo retrospectivo tempo-zero tempo prospectivo
-------------------- imperativo --------------------------Observe-se que, da mesma maneira que estão sujeitos a metáforas
temporais os outros eixos (no comentário, por exemplo, uma forma de presente
pode funcionar como futuro – no tempo descrito tradicionalmente como “futuro
próximo”; na narração, uma forma de pretérito perfeito pode funcionar como
pretérito mais-que-perfeito; etc.), a enunciação alocutiva pode se expressar com
outras formas verbais além do imperativo propriamente dito: um pretérito
perfeito pode funcionar como imperativo em frases como “Parou !”, exigindo
que se pare; o futuro do presente ou o infinitivo impessoal funcionam como
imperativos no Decálogo; e assim por diante.
59
3 PROGRESSÃO TEXTUAL
3.1 Tema e rema
Em estudos lingüísticos, a oposição entre tema e rema surge em fins da
segunda década do século XX. No entanto, é na década de setenta que ganha
impulso, em função dos estudos de textos que se desenvolveram a partir de
então. Tema é o dado já instaurado no texto, sobre o qual se vai desenvolver um
uma certa extensão textual. Rema é exatamente esse desenvolvimento; é a parte
do enunciado que acrescenta alguma coisa nova. A extensão de um texto
dependerá, portanto, do grau de exigência do tema proposto, isto é, do quão
transitivo é o tema – transitivo aqui está sendo usado no sentido de incompleto.
A incompletude de um tema não é absoluta, mas relativa ao texto que se produz.
Não se trata de uma relação sintática de regência de um verbo ou um nome que
pedem complemento. Embora a relação entre tema e rema historicamente (por
conta da etimologia grega) se aproxime da que existe entre sujeito e predicado, a
semelhança é apenas a que ocorreria entre um fenômeno microcósmico com um
macrocósmico em qualquer sistema: trata-se de uma relação eminentemente
textual, que se concentra, por um lado, no grau de informatividade e de dinâmica
60
comunicativa dentro de um período, e, por outro, nos encadeamentos frasais.
Como a progressão se dá a partir da instauração de um tema que pleiteia um
rema – o que se dará por intermédio de uma transição, é possível dizermos que
esta transição – elemento necessariamente coesivo – é a “costura” essencial que
propicia a extensão textual.
Tradicionalmente na literatura, consideram-se três tipos de progressão
que, naturalmente, na maioria dos casos, estão misturados no interior de um
mesmo texto: progressão de tema constante; progressão linear simples;
progressão de temas derivados.
Na progressão de tema constante, um mesmo tema é retomado de um
período a outro e associado a remas diferentes:
Alguns lugares de comércio permitem que os amantes de livros se encontrem livremente em paz. Lugares onde se encontram as novidades, já no dia de seu lançamento. Lugares onde se pode falar sobre livros com pessoas que já os leram. Onde cada um pode constituir sua própria biblioteca. 36
Na progressão linear simples, o tema de um período se extrai do rema do
período que o precede:
Sobre o mar, está um barco – no barco, está um quarto – no quarto está uma gaiola – na gaiola está um pássaro – no pássaro está um coração.37
A progressão de temas derivados se organiza a partir de um tema
que desenvolve diferentes subtemas:
As duas admiráveis narrativas que compõem este livro estão dentre as mais características do gênio de H. James, porque centradas sobre o segredo e sobre a morte. L’Autel des morts, escrito em Londres em 1894, evoca um evento determinante na vida de James. Dans la cage data de 1898 e evoca o período parte de Rye, uma cidade ao sul da Inglaterra.38
O que se apresentou nesta seção apenas funciona para reafirmar o que se
diz acerca do assunto, mas nossa visão é a de que a progressão consiste na
36 CHARAUDEAU, P. ; MAINGUENEAU D. Dictionnaire d’analyse du discours. Paris: Seuil, 2002. p.
573.37 Idem, ibidem.38 Idem, ibidem.
61
repercussão da coesão textual, no sentido de que esta, com seus movimentos
anafóricos e catafóricos e seus mecanismos de ligação e referenciação
lexicogramatical, produz a extensão de um texto.
3.2 Redigir e ler textos argumentativos
Em aulas de redação, nota-se que alguns temas têm mais preferência dos
alunos do que outros: eles alegam que, se tiverem de dissertar acerca de um
assunto sobre o qual já tenham lido ou que tenham discutido muito, o texto é
produzido com mais desenvoltura. Com efeito, isso não é de todo errado: se o
tema a ser desenvolvido for , por exemplo, “racismo”, “aborto” ou
“desarmamento”, tal facilidade, sem dúvida, se verificará.
Acontece que um tema em princípio dominado por eles, como, por
exemplo “a cidadania no Brasil” apresenta outro tipo de obstáculo, que é o fato
de ser “difícil, porque é muito vago...” Percebe-se que ser “muito vago”, para
eles, corresponde a ser, na verdade, pouco polêmico. Ora, se para haver
argumentação é preciso que haja polêmica, quanto mais consensual for o tema,
mais difícil será sustentar uma argumentação a seu favor. Aliás, se o tema for
totalmente consensual (por exemplo, algo como “a Terra gira em torno do Sol”),
a argumentação será impossível.
Jamais ocorre, portanto, argumentação em defesa de uma verdade consensual ou vista como consensual pelo argumentador. Todo texto argumentativo, oral ou escrito, resulta de uma tomada de posição com relação a uma assertiva polêmica preexistente a sua produção. A proposta, por conseguinte, é condição necessária para a existência do texto argumentativo, devendo estar de alguma maneira explicitada, e consistindo na citação ou alusão a uma assertiva presente em outro(s) texto(s), no(s) qual(is) desempenha o papel de tese39.
Com esse grau de dificuldade, não admira que o aluno seja acometido de
uma espécie de “síndrome da 15a linha”, isto é, o momento de sua redação em
que não há mais assunto e ele começa a repetir-se, aumentar a letra, incluir dados
estranhos ao tema central, enfim, procedimentos equivocados, que jamais 39 OLIVEIRA, H.F. (1999) p. 3
62
passarão despercebidos a quem avaliará seu texto. É possível encontrar no
próprio texto alternativas de progressão textual, por meio do emprego de
categorias lingüísticas adequadas.
No entanto, para que uma boa produção textual ocorra, é preciso que o
aluno tenha uma desenvoltura com o texto gráfico, que lhe permita lançar mão
de estratégias discursivas típica de escrita. Portanto, o aluno terá de ser um leitor
proficiente. Quanto melhor leitor for o aluno, maior será a possibilidade de ele
ser um bom redator. Antes de procedermos à leitura de dois textos dissertativos,
a fim de examinarmos alguns aspectos de progressão do texto argumentativo,
façamos uma pequena digressão acerca do tipo de aluno que buscamos construir
por intermédio da sala de leitura.
3.2.1 O que subjaz à superfície textual
É importante que o aluno-leitor se cientifique de que a leitura não deve
ser uma atividade ingênua e passiva. É necessário que se observe que um texto
normalmente não visa apenas a transmitir informações. Há sempre um forte teor
argumentativo impresso pelo autor ao expressar suas idéias. Esta estratégia
tende a aproximar ou afastar o leitor de uma determinada linha de raciocínio, ou
de um determinado ponto de vista. Não há neutralidade. As palavras em um
texto estão sempre fazendo parte de um “jogo” de defesa e ataque. Nem sempre,
em um texto, o mais importante é o que se está dizendo, mas como se está
dizendo.
A utilização de termos subjetivos em um texto é uma forma bem clara de
expressar intenções pessoais com relação àquilo que se caracteriza. A
manipulação das palavras, por parte do autor, faz com que a informação se torne
um artigo de consumo como qualquer outro exposto em um estabelecimento
comercial. São os autores, verdadeiros vendedores de idéias, teorias, teses e
considerações e multiplicam o seu poder, à medida que vão adquirindo maior
63
número de adeptos. Cabe ao aluno-leitor atentar para o fato de que ler não é
apenas extrair informações, mas adquiri-las e processá-las, observando as
entrelinhas e o grau de comprometimento do autor com aquilo que expressa no
texto, e a partir desses dados formular as suas próprias conclusões.
Quando se lê um texto pela primeira vez, tem-se a impressão de se estar
em contato com algo novo. Porém, na verdade um texto é sempre construído por
meio de idéias e experiências absorvidas a partir da leitura de outros textos, o
que faz com que haja em cada texto um “coro de vozes” polifônicas implícita ou
explicitamente expressas.
É comum observar em textos diversos, a presença da fala de outros
autores, claramente representada pela utilização de aspas, notas, citações e tantos
outros recursos que caracterizam a polifonia explícita. A aplicação desses
recursos polifônicos visa, em suma, a assegurar a adesão de uma idéia ou tese
por parte de outros autores, fazendo com que aquilo que é afirmado alcance um
grau de credibilidade mais elevado, principalmente se as citações se referem a
autores conceituados na área em que atuam. Assim há uma probabilidade maior
de convencer o leitor e conseqüentemente fazer com que ele absorva a idéia em
questão como a autêntica expressão da verdade.
O fato é que, normalmente, quando um leitor adota uma determinada
idéia ou teoria encontrada em algum texto, como verdadeira, passa a utilizá-la e
divulgá-la, fazendo com que esta se torne ainda mais consistente à medida que
adquire a aprovação de outros.
Redigir bem um texto implica capacidade de operar com os novos
conceito adquiridos, a fim de aplicá-los em sua produção.
Quando falamos anteriormente de dificuldades de redigir um texto, na
verdade estávamos falando da dificuldade de dissertar argumentativamente.
Dificuldades de ordem ortográfica, estilística, sintática existem – nós o
reconhecemos –, mas não farão parte de nossa preocupação aqui. Julgamos que
produzir um texto narrativo de grande extensão é bem mais fácil do que
64
produzir um que seja argumentativo, justamente porque o sistema de
informação40 da narração tem embutida uma quantidade maior de demandas
remáticas, tais como localizações, adjetivações, explicações, etc. Considerando
que um editorial de jornal é um tipo de texto que emprega vários recursos
lexicais, gramaticais e sintáticos, que seguem o padrão culto da língua, bem
como é um texto dissertativo, lançaremos mão de dois, a seguir.
3.3 Progressão de textos argumentativos: um exemplo
Vamos nesta seção examinar um editorial da Folha de São Paulo e um do
Jornal do Brasil, e constataremos que o primeiro tende a seguir uma razão
persuasiva, e o segundo, uma razão demonstrativa. Textos argumentativos que
adotam a razão demonstrativa se inclinam a ser mais demonstrativos; os que
adotam a razão persuasiva serão mais polêmicos. Enquadrando JB e Folha
numa escala em cujos extremos se encontram respectivamente a argumentação
demonstrativa e a polêmica, não restam dúvidas de que o JB se insere num ponto
dessa escala mais próximo do extremo polêmico do que a Folha se inseriria.
Para proceder a esse enquadramento, optamos por contabilizar palavras ou
expressões de valor avaliativo (engajado), especificamente de valor meliorativo
e pejorativo, cujo emprego se observa com muita freqüência nos textos
argumentativos, caracterizados pela argumentação polêmica.
Esse cotejo entre editoriais foi um procedimento de nossa dissertação de
mestrado41. Apesar de a intenção inicial da dissertação ter sido examinar tão-
somente o papel dos termos meliorativos e pejorativos na argumentação, a
notável diferença de extensão textual entre JB e Folha nos conduziu a um outro
momento de estudo que foi tentar compreendê-la. Levantamos a hipótese de que
40 Os sistemas de informação são aqueles relacionados à organização do texto em unidades de informação (HALLIDAY; HASAN, op. cit. p.325)41 ROSA, Paulo C. C. Pejorativos e meliorativos no “JB” e na “Folha”. 1999. 123 f. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro.
65
os termos meliorativos e pejorativos poderiam ser responsáveis por tal extensão
textual.
A bibliografia de que então dispúnhamos não tratava exatamente de
termos meliorativos e pejorativos, mas especificamente de adjetivos. Em 1992,
Carneiro et al.42 observaram que “adjetivos de conteúdo ‘subjetivo’ tendem a
‘exigir’ explicitação, levando o texto a progredir, e que os de sentido ‘objetivo’
tendem a uma ‘auto-suficiência’ informativa não geradora de progressão
textual”.43 Entenderemos aqui progressão textual – tal como Carneiro et al. –
como o ato de estender o texto. Essa extensão poderá ou não suscitar novas
idéias, que poderão ou não gerar nova progressão do texto. Apenas para situar o
leitor sobre o que vêm a ser adjetivos objetivos e subjetivos, bem como alguns
de seus matizes, achamos que seria interessante apresentar, em linhas gerais, a
seguinte tipificação, proposta por C. Kerbrat-Orecchioni44:
42 CARNEIRO, A.D. et al. O adjetivo e a progressão textual. Uberlândia: Letras & Letras, v. 8. n. 1. EDUFU, 1992.43 Idem, p. 31.44 KERBRAT-ORECCHIONI, C. L’énonciation: de la subjectivité dans le langage. Paris: Armand Colin, 1980
66
Os adjetivos objetivos são aqueles sobre cuja atribuição podemos afirmar ser verdadeira ou falsa. Os adjetivos subjetivos afetivos “enunciam, ao mesmo tempo, uma propriedade do objeto que eles determinam e uma reação emocional do sujeito falante em face desse objeto”; seriam adjetivos como esquisito, assustador, etc. Os avaliativos não-axiológicos supõem uma avaliação qualitativa do objeto fundada sobre uma dupla norma, interna ao objeto e específica do autor do texto. O emprego desse tipo de adjetivos depende da idéia que o autor do texto faz da norma de avaliação que convém a uma dada categoria de objetos. Um bom exemplo seria o adjetivo grosso. Quando se diz um livro grosso, diz-se, na realidade, que esse livro é mais grosso do que a norma de grossura de um livro, a partir da idéia de quem o disse. Está claro que a idéia que se faz de grossura é orientada por múltiplos fatores que intervêm nessa apreciação. Os avaliativos axiológicos também implicam uma dupla norma, ligada tanto ao objeto que suporta a propriedade, quanto ao autor do texto (adjetivos como bom ou belo são exemplos elucidativos). A diferença que existe entre os adjetivos axiológicos e os não-axiológicos reside no fato de que aqueles são mais subjetivos que estes. Observe-se que a noção de calor atmosférico, por exemplo, é mais consensual do que a de beleza. Por outro lado, por pessoal que possa ser um julgamento de valor, este sempre se apoiará em códigos culturais, que poderão se explicitados ou não pelo autor do texto. Além do mais, muitas vezes caberá ao contexto atualizar um mesmo adjetivo como mais ou menos subjetivo.
Como os termos meliorativos e pejorativos que encontramos em nosso
corpus participam não só da classe dos adjetivos, mas também da dos
substantivos, da dos verbos e, por fim, da dos advérbios de base nominal
terminados em -mente, foi necessário fazermos algumas adaptações àquilo
sugerido em Carneiro et al., considerando uma semelhança e uma diferença que
há entre adjetivos subjetivos e termos meliorativos e pejorativos.
A maior diferença é que os adjetivos favorecem uma tipificação
apriorística: o adjetivo nacional é à primeira vista objetivo. Para ter uma idéia,
num sintagma nominal, um adjetivo objetivo dificilmente pode ser colocado à
esquerda do substantivo (por exemplo, o sintagma bandeira nacional apenas em
situações textuais muito específicas permitiria a inversão). Isso acontece,
porque, ainda que um adjetivo seja objetivo, não perderá sua condição de
qualificador, e qualificar – diferentemente de nomear, que é fazer existir seres
67
e classificá-los em função de sua semelhança ou diferença, mas de maneira não-
orientada – é reduzir a infinidade do mundo, buscando dissipar a “constelação
de seres” a que alude Charaudeau, dando um sentido particular a esses seres, de
maneira mais ou menos objetiva.45
A melioratividade ou a pejoratividade46 de um termo é textual; por
conseguinte essas noções se instaurarão, necessariamente, a posteriori. Isso
significa dizer que os termos se atualizam como pejorativos ou meliorativos por
estarem, antes de tudo, subordinados à coesão lexical. É por isso que mesmo
adjetivos a priori objetivos podem ser empregados pejorativa ou
meliorativamente. Então, todos os termos meliorativos e pejorativos serão
subjetivos, o que não quer dizer que a recíproca seja verdadeira: como o
engajamento deve estar a serviço da rejeição ou da reiteração da validade da
tese, é mais do que natural não serem meliorativos e pejorativos termos de valor
afetivo simplesmente por não estarem relacionados à tese.
De qualquer forma – e é esta a semelhança que há entre eles e os adjetivos
subjetivos –, os termos meliorativos e pejorativos representam qualificações e,
portanto, exigirão explicitações.
Passemos aos dois editoriais do corpus, a fim de que possamos examinar
alguns exemplos concretos.
Os notáveis e o possível Está praticamente terminada a montagem do ministério Fernando Henrique Cardoso. Mas é difícil fazer uma avaliação objetiva da qualidade média do gabinete porque esse tipo de julgamento parte sempre da comparação com os anteriores. Ocorre que as características de dois dos presidentes civis que antecederam FHC (José Sarney e Itamar Franco) são tão diferentes que impedem a comparação. Sarney herdou um ministério de Tancredo Neves, primeiro, e tornou-se virtual refém do PMDB, depois.
45CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992, p.663. 46 Em nossa dissertação precisamos lançar mão dos neologismos melioratividade e pejoratividade:
melioratividade deverá ser entendida como “qualidade ou estado do que é, em um texto, meliorativo ou
tem sua pejoratividade negada”; pejoratividade será entendida como “qualidade ou estado do que, em
um texto, é pejorativo ou tem sua melioratividade negada”.
68
Itamar Franco assumiu na seqüência do inédito afastamento de um presidente (Fernando Collor), o que o obrigou, em certa medida, a compor uma equipe de emergência e para apenas a metade do mandato que lhe restava. O único presidente que assumiu em condições políticas análogas às de FHC foi Collor. Se o parâmetro for esse, não pode restar dúvida de que o ministério composto pelo futuro presidente é superior. Entre Zélia Cardoso de Mello e José Serra/Pedro Malan ou entre Bernardo Cabral e Nélson Jobim, a vantagem dos ministros de FHC sobre os de Collor é enorme. É claro que sempre lhes resta passar pelo único teste que de fato conta, o da prática administrativa. A história, não só do Brasil, está carregada de exemplos de ministros cuja biografia era notável mas que se revelaram, no exercício do cargo, apenas medíocres. A lista completa de nomes, em todo o caso, revela algumas características nítidas. FHC escolheu homens de sua confiança pessoal para vários cargos, como o estratégico Ministério das Comunicações, entregue a seu amigo pessoal Sérgio Motta. É um caso típico de personalidade que dificilmente seria chamada por qualquer outro presidente que não fosse o próprio FHC. Há, ainda, figuras que combinam o fato de serem amigos do presidente eleito com o rótulo de “notáveis”, personalidades destacadas em seus âmbitos de atuação e que, por isso mesmo, figuram sempre nas listas de ministeriáveis. Emblemático, a respeito, é o caso, acima de tudo, de José Serra (Planejamento). Já Reinhold Stephanes (Previdência) e Adib Jatene (Saúde), que também merecem o rótulo de “notáveis”, não são propriamente amigos de FHC. Foram chamados como especialistas nos assuntos que vão administrar. Nesses dois casos específicos, como em alguns outros, FHC comportou-se como prometera durante a campanha eleitoral. Stephanes, por exemplo, foi escolhido não só porque pertence ao PFL, mas sobretudo porque, na visão do presidente eleito e de sua assessoria, é o homem certo para o lugar certo. Mas há casos em que a promessa foi descumprida. Raimundo Brito (Minas e Energia) e Cícero Lucena (Secretaria de Integração Regional) entram na cota, respectivamente, do ex-governador Antônio Carlos Magalhães e do PMDB. Brito, aliás, foi secretário de Transportes de ACM, mas não administrará a mesma área com FHC, evidência adicional de um arranjo meramente político. Lucena nem mesmo com enorme boa vontade poderia ser listado como “notável”. A alegação para esse tipo de composição política é a de que o governo vai precisar de sólida maioria no Congresso para aprovar as reformas constitucionais que considera necessárias para a estabilidade econômica e
69
o crescimento. É um raciocínio que tem sua lógica em países de sistemas partidários consistentes. No Brasil, como prova a história recente, há siglas que estão no governo, mas cujos parlamentares votam contra projetos do Executivo. O PMDB, aliás, tornou-se um especialista nesse paradoxo de ser governo e oposição ao mesmo tempo. É óbvio que a história não precisa repetir-se sempre, mas a coincidência de a distribuição política dos cargos ter sido deixada para a fase final de montagem do ministério acabou legando um sabor amargo ao resultado final. Há, sim, “notáveis” no gabinete. Mas, no seu conjunto, parece mais o ministério do possível e não o proclamado ministério dos notáveis.47
Antes de começarmos a falar da extensão do editorial da Folha, é
pertinente levantar a seguinte questão: não constituirá risco fazer suposições
sobre o porquê do tamanho de editoriais que em geral têm cerca de 340 palavras,
se os próprios responsáveis pelo jornal podem dizer que produzir editoriais
pequenos são “normas da casa”? Nosso estudo está acima, ou melhor, à parte
disso. Estamos convencidos de que, se existe alguma determinação para que o
editorialista não vá além de um certo número de palavras, tem de existir
igualmente uma outra determinação: “não seja prolixo, são normas da casa48.”
No que concerne ao texto da Folha, Os notáveis e o possível, não se pode
creditar sua extensão pouco comum a editoriais desse jornal apenas ao fenômeno
da progressão textual por engajamento. É preciso considerar, além desse, um
outro fator: a abundância de informações novas.
Embora o texto apresente pouco engajamento, todos os seus termos
meliorativos e pejorativos são responsáveis por progressão textual, além de dois
outros, que, se não são meliorativos e pejorativos, são por ela responsável. Se
não, vejamos.
Logo no primeiro parágrafo, é possível identificar o mecanismo que, com
regularidade iterativa, será responsável pela progressão de boa parte do texto:
47 EDITORIAL. Os notáveis e o possível. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 dez. 1994, p. 2.
48 Essas “normas da casa” realmente existem. No verbete nariz-de-cera do Manual de Redação da Folha, afirma-se o seguinte: “ [É um] parágrafo introdutório que retarda a entrada no assunto específico do texto. É sinal de prolixidade incompatível com jornalismo. Na Folha, evite em qualquer tipo de texto e nunca deixe passar em texto noticioso (grifos nossos).”
70
palavras de valor subjetivo – engajadas ou não –, necessariamente representando
qualificações, possibilitam explicitações. Nesse parágrafo, o argumentador
afirma ser “difícil fazer uma avaliação objetiva da qualidade média do gabinete”
“porque esse tipo de julgamento parte sempre da comparação com os
anteriores”. O adjetivo difícil exige uma explicitação, e a oração explicativa que
destacamos o faz. A propósito, a diferenciação entre orações coordenadas
explicativas e orações subordinadas adverbiais causais, às vezes trabalhosa aos
mestres em nossas salas de aula, parece aqui ganhar um modesto reforço: se a
oração em pauta tiver sido gerada por palavra ou expressão de valor subjetivo,
estaremos diante de uma coordenada explicativa.
No parágrafo seguinte, o articulista diz que os “presidentes civis que
antecederam FHC” são muito diferentes. Certamente o leitor se perguntará:
“Diferente como?”. E o articulista responde com o período subseqüente. Isso se
repetirá com outras palavras do texto, como os meliorativos superior (4o
parágrafo), vantagem e enorme (5o parágrafo). O meliorativo superior reclama
uma explicitação que será apresentada no parágrafo seguinte, onde se encontram
os outros dois meliorativos a que aludimos. Estes, por seu turno, exigirão a
explicitação que está diluída em todo o texto, que discutirá a condição de
“notáveis” dos ministros do futuro presidente Cardoso.
Mas é um outro fator, a abundância de informações novas, que fez
efetivamente desse texto o maior texto da Folha constante em nosso corpus.
Não há dúvidas de que a intenção de levar para dentro do editorial um tom
noticioso o fez crescer sensivelmente: ocorre mais narração e descrição do que o
esperado nesse gênero de texto. São muitos os personagens: cinco presidentes
da República, dez ministros, um governador, cada qual com sua história,
merecendo do editorialista ao menos um comentário, cujo conteúdo tanto pode
ser descritivo, quanto narrativo, podendo até apresentar alguma tomada de
posição. No entanto não há um grande interesse em ser contra ou a favor, e sim
em passar em revista os prós e contras, à maneira da argumentação ponderada.
71
Acima da Lei Movido pelo sentimento de que a pena imposta pelo TSE ao senador Humberto Lucena foi desproporcional à transgressão por ele cometida – imprimir 130 mil calendários de propaganda com o dinheiro do contribuinte –, o Congresso se propõe a votar uma “reparação” igualmente desproporcional a essa “injustiça” capaz de produzir, grave prejuízo político no Brasil. Ao se arrogarem, por motivos corporativos, o direito de desagravar um crime capitulado na legislação eleitoral, anistiando um delito transitado em julgado por um tribunal de última instância, nossos legisladores estarão reduzindo a pó primeira aspiração dos brasileiros: que no país onde os poderosos estão acima da lei, a lei comece a ser aplicada a todos sem distinção. Absurda, sim, Anistia é a graça pela qual é isentado de culpa o agente de “crime de caráter político praticado durante situação anormal”. O crime de Lucena nada tem de político (não é o feitio do homem), é crime eleitoral. E não se está pretendendo lhe restituir o gozo pleno de seus direitos, mas firmar o privilégio da impunibilidade mesmo quando condenado pelas supremas cortes do Judiciário. Alguns parlamentares compreenderam o alcance da monstruosidade do que se prepara. O corregedor da Câmara, deputado Fernando Lyra (PSB-PE) disse que, no caso, “não cabe anistia, isso é uma invencionice, uma barbárie que mostra como nossas instituições estão aquém das exigências da sociedade”. O presidente da Câmara, deputado Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), advertiu que “a simples perda de um mandato de um colega não pode ser motivo para se fazer uma lei inconstitucional”. A voz isolada do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) denunciou o escandaloso casuísmo. Corajosamente, Suplicy está fazendo de tudo para que seu partido obstrua o projeto de anistia aos parlamentares acusados ou processados por uso irregular da gráfica do Senado. Toda essa manobra é abjeta, desacredita o Congresso de forma definitiva e terá efeitos deletérios no ânimo dos brasileiros. O PMDB estaria mesmo chantageando o líder do PFL, deputado Luís Eduardo Magalhães (BA-PFL), advertido de que não contará com o apoio do maior partido para se eleger à presidência da Câmara, caso não se curve ao jogo sujo que afronta as leis e o Supremo. É espantoso o que está acontecendo à luz do dia. Sacrificam-se os valores morais, rasgam-se a Constituição, os códigos, a legislação eleitoral, para inocentar um criminoso confesso e condenado. Um parlamentar que simboliza o mais desprezível nepotismo, o mais rasteiro clientelismo, que nunca se distinguiu por nada que não fosse medíocre e miúdo. O delírio na defesa da impunidade é tamanho, que alguns tramam aproveitar o comparecimento em massa de parlamentares ao Congresso, na ocasião do discurso inaugural de Fernando Henrique Cardoso, a fim de consumar a bandalha. O Brasil real proporcionaria assim um batismo e tanto para o Brasil ideal.49
72
Já em seu início, o articulista “avisa” habilmente ao leitor que ele está
sendo lesado, já que a transgressão não foi apenas imprimir calendários, mas
imprimi-los com “o dinheiro do contribuinte”, isto é, o próprio leitor. Observe-
se que aí o articulista aproveita bem a força dos fatos: contribuinte não faz parte
apenas de seu mundo, mas também do de quem o lê. Com isso provavelmente
conquista um consenso que lhe será fundamental para, no início do terceiro
parágrafo, reforçar com um sim o pejorativo Absurda, sem que o houvesse
empregado antes – o que seria o mais usual.
Posto que ciente de tal consenso, o argumentador sente nesse momento a
necessidade de explicitar sua qualificação pejorativa (Absurda). É este o
momento da gênese da progressão textual por engajamento: é como se o sujeito-
alvo perguntasse ao argumentador “Como assim, absurda?”; ao que o
argumentador responderá – cônscio da polifonia do texto argumentativo – com
todo o terceiro parágrafo.
Pergunta semelhante o sujeito-alvo poderá fazer, quando, no segundo
parágrafo se emprega o pejorativo corporativos. A diferença é que o
argumentador deixa para mais adiante a prova do que diz: no sexto parágrafo ele
atribui a um enunciador indeterminado a afirmação de que o “PMDB estaria
chantageando o líder do PFL” – indeterminação, aliás, conseguida com o uso do
futuro do pretérito estaria como metáfora verbal, em que o argumentador não se
responsabiliza pelo que é dito. Note-se que, a despeito de o enunciador ser
indeterminado, o argumentador precisa dele para validar sua tese. Não nos
esqueçamos de que provar é o objetivo precípuo da razão persuasiva, ainda que
quem valide a tese seja um enunciador ad hoc.
Mas nem só de enunciador indeterminado vive o argumentador: para
provar que detém a verdade, tanto pode lembrar que Lucena é criminoso,
declarado como tal pelo enunciador Tribunal Superior Eleitoral, quanto
mencionar parlamentares, enunciadores que “compreenderam o alcance da 49 EDITORIAL. Acima da lei. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 dez. 1994, p. 6.
73
monstruosidade do que se prepara”. Diga-se de passagem, o argumentador
destaca dessas declarações pejorativos que facilmente se confundem com os
seus. Exemplo disso se verifica, quando se refere ao senador Eduardo Suplicy,
que “denunciou o escandaloso casuísmo”. A imagem que nos vem à cabeça é do
senador afirmando o que, em verdade, foi dito pelo articulista, que mais uma vez
recorre à polifonia, identificável nesse discurso indireto livre.
Com relação a criminoso, que está no penúltimo parágrafo, note-se o que
já afirmamos anteriormente: mesmo um adjetivo considerado a priori objetivo
(não há como negar que houve um crime, julgado pelo TSE) pode ser empregado
pejorativamente e também gerar progressão textual: toda a seqüência, até o fim
do parágrafo, foi gerada por ele. A propósito, essa seqüência tem por núcleo
parlamentar, que funciona como uma espécie de aposto de tal pejorativo. Se
observarmos atentamente, verificaremos que isso acarretou um exótico período,
ao qual se subtraiu um verbo.
Com relação a escandaloso casuísmo, gostaríamos de deter-nos a um
outro aspecto da progressão textual. Trata-se de um subproduto da progressão
textual por engajamento, mas nem por isso menos importante. Não custaria ao
argumentador, em vez de ter dito escandaloso casuísmo (empregando um par de
pejorativos), dizer apenas casuísmo. Teríamos ainda assim a ofensa aos maus
congressistas e o texto seguiria seu curso. Ocorre que a prolixidade dos textos
altamente engajados exige e produz adjetivação dessa monta. O que queremos
afirmar é que, nos textos engajados, predomina o eixo sintagmático sobre o eixo
paradigmático. Tem-se, então, “privilégio da impunibilidade” em vez de apenas
impunibilidade; “o mais desprezível nepotismo, o mais rasteiro clientelismo, que
nunca se distinguiu por nada que não fosse medíocre e miúdo” em vez de
apenas nepotismo e clientelismo; e assim por diante. Podemos então concluir
que quanto mais polêmico for o texto, maior será a possibilidade de ele ser
horizontal, isto é, rico em sintagmas extensos; quanto mais demonstrativo for o
74
texto, maior será a possibilidade de ele ser vertical, isto é, não exibir com tanta
freqüência tais sintagmas.
Termos meliorativos e pejorativos representam qualificações e, portanto,
exigirão explicitações. Qualificar é tomar partido.
4 TEXTO ESCRITO: INTERFERÊNCIA DA ESCRITA NO ENSINO
DA COESÃO
Procuraremos aqui apontar algumas interferências da escrita no ensino da
coesão.
75
4.1 A tradição da escrita
Como sabemos, a tradição do ensino de língua se confunde com a
tradição do ensino de língua escrita. Assim, os primeiros estudiosos de língua se
dedicaram a examinar essa modalidade – mais especificamente, sua versão
literária. Essa iniciativa engendrou uma descrição e posterior normatização dos
recursos lingüísticos dos quais os literatos lançavam mão. Ora, tal procedimento
implicou uma intensa valoração da modalidade escrita, em detrimento da
produção lingüística oral, a qual viria a tornar-se, dois milênios depois, com
Saussure e seus seguidores, o fenômeno a ser efetivamente estudado.
Desenvolveu-se, pois, a partir de um corpus específico (escrito e com
objetivos artísticos) a gramática, cujo grama de sua composição não deixa
dúvidas: “caráter de escrita, sinal gravado, letra, texto, inscrição, registro, lista,
documento, livro, tratado”50 – fato a confirmar que o estudo de língua, em sua
gênese, confere à escrita o status de objeto de estudo de uma ciência a que se
convencionou chamar Gramática Tradicional.
Há dois enganos capitais nessa forma de abordar o fenômeno língua. O
primeiro equívoco está em ter havido uma rígida e pouco cuidadosa separação
entre língua escrita e língua oral, de modo que aquela se tornou o padrão, o
ponto de partida desta. O segundo equívoco – decorrente do primeiro – está na
maneira de encarar a mudança lingüística: qualquer desvio daquilo que se
registrou por escrito será necessariamente uma degradação da língua.
Dizemos que esse segundo equívoco decorre do primeiro porque, como se
sabe, é a escrita que acompanha e registra as mudanças lingüísticas. Ora, se se
acredita no contrário, está-se partindo de uma premissa que logicamente
implicará uma falsa conclusão. As mudanças lingüísticas são fato inevitável
embora lento; no entanto, mais lentas serão as mudanças ortográficas, já que
ocorrerão tão-somente após a nova tendência estar satisfatoriamente 50 HOUAISS, Antônio & VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
76
sedimentada. Dessa forma, os gramáticos tradicionais cunharam um valor
cultural que se perpetua até hoje na nossa civilização: a crença de que deve ser
tomado como erro tudo o que fugir ao que se prescreve oficialmente. E é natural
que o que se prescreva como correto se paute pelos textos legados pelos
escritores clássicos ( ou melhor, dos que são considerados clássicos pelo senso
comum).
A prescrição de usos lingüísticos tipicamente verificáveis na escrita como
padrões a enquadrar a língua oral – esta sim a matriz da qual deveria provir todo
o estudo – dá-se em qualquer nível lingüístico.
Para ter uma idéia disso, tomemos o fenômeno da colocação pronominal:
a tradição gramatical defende que a posição proclítica do pronome átono
brasileiro deve ser substituída por um procedimento “mais adequado”, que seria
a opção pela ênclise – colocação que apenas a partir do século XVIII se tornou
preferência lusitana, em função de um processo de mudança fonológica,
responsável por conseqüências que hoje quase nos impedem de nos
entendermos. Aliás, a título de ilustração do fenômeno da colocação, nota-se
não só na imprensa culta hodierna uma tendência acentuada à negação da
próclise, como também em clássicos da literatura nacional.
Resenhas publicadas em cadernos especiais de jornais parecem-nos uma
fonte bastante adequada de exemplos cultos escritos, uma vez que seus autores
são o que se pode considerar como enunciadores ideais desse modo de texto.
Espera-se de enunciados produzidos nesse ambiente o emprego do maior número
possível de recursos prescritos pela gramática normativa; no entanto é comum
verificar-se a ênclise em contextos de “próclise obrigatória” – expressão cunhada
pela própria tradição. Os exemplos a seguir foram extraídos de duas resenhas do
JORNAL DE RESENHAS, caderno especial publicado pela Folha de São
Paulo.
A dança é um gerúndio, o momento onde símbolos tornam-se formas, adquirem motricidade. Nesses momentos moebiusianos, a arte conquista
77
autonomia, incorporando outras possibilidades. Didi vive e assinala essa abertura51.
Ela descobre esta inteligibilidade não no pensamento formal, mas em algo mais flexível, “na sensibilidade: o nexo emocional, moral e estético por meio do qual o pensamento expressa-se em ação, tornando-se público, visível e acessível à nossa observação”.Se o ritual tornou-se necessário devido ao entendimento asteca da vida como incerta e transitória, podendo com proveito ser considerado como propiciatório, "o seu maior significado", diz Clendinnen, "não era instrumental, mas antes estético, expressivo, indagativo e criativo".52
Autores que, em geral, têm seu nome mais ou menos atrelado à tradição
não raro empregam ênclise em contextos em que haveria próclise. A seguir,
alguns exemplos encontrados em A semana – crônicas de Machado de Assis:
Terceiro camarote, violinos, fagotes, coros e o duo. Pormenores técnicos. Ao fundo, dous homens, que falam de um congresso psicológico em Chicago, dizem que os nossos espíritas vão ter ocasião de aparecer, porque o convite estende-se a eles. Tratar-se-á não só dos fenômenos psicofísicos, (...)[105] [2 outubro] 53
Imagine-se que há meio século vendiam-se “aos milheiros” na Rua da Alfândega nº 15. Não há produção que resista a tamanha procura. Depois, o barbeiro sangrador é ofício extinto. [128] [19 novembro]54
Acho que a marcha da civilização explica-se pelo crescimento numeroso dos séculos. [132] [11 março]55
A verdade, porém, é que Mowat matou-se por causa dessa modéstia doentia. [142] [9 setembro]56
Vejam-se, ainda, estes passos de Clarice Lispector:
Por que uma casa encerada e limpa deixava-a perdida como num mosteiro, desolada, vagando pelos corredores? 57
51 AGUILAR, Nelson . A construção do cetro. Folha de São Paulo, São Paulo , 14 nov. 1998, p. Especial-852 GRAHAM, Sandra Lauderdale. Rituais de sacrifício. Folha de São Paulo, São Paulo , 14 nov. 1998, p. Especial-8. Trad.: LAURA DE MELLO E SOUZA.53 ASSIS, J.M. Machado de. Obra completa. v. 3. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959. p.574.54 Idem. p. 617.55 Idem. p. 626.56 Idem. p. 644.57 LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. 3.ed. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969. p.29.
78
Então Joana compreendia que na sucessão encontrava-se o máximo de beleza (...)58
Esse estado meio inconsciente, onde parecia-lhe mergulhar profundamente em ar morno, cinzento...59
Observe-se que aos elementos em destaque – ou melhor, à própria
estrutura subordinante ou interrogativa – se atribui o caráter atrator. Isso é um
indício do quanto se dedica à escrita um valor especial: embora se tenha
originado a partir de um fenômeno sintático-fonético, a colocação enclítica passa
a funcionar como uma marca de cultivo lingüístico. Assim, a regra geral da
ênclise se desloca para o âmbito da variação diafásica: trata-se de uma
ocorrência que se vai tornando típica da modalidade escrita culta.
4.2 Coesão no texto escrito: uma questão de registro
Se no âmbito da sintaxe se verifica esse tipo de hipercorreção, não
seria diferente com a coesão. Dos mecanismos de coesão considerados por
Halliday & Hasan, todos naturalmente estão presentes nos textos produzidos,
seja pela fala, seja por escrito. No entanto, a modalidade oral – por conta das
limitações próprias da memória humana – lança mão com mais freqüência da
coesão lexical por repetição do que por sinonímia ou hiperonímia, por exemplo.
Como já observamos, tornou-se corriqueiro entre quem está à frente do
ensino de língua portuguesa, ou mesmo os que são responsáveis por refletir
questões relativas à Lingüística do Texto, ao se referir à coesão, fazer menção a
aspectos de conjunção ou a de referenciação. Então, numa espécie de ato falho,
não-raro profissionais de língua tendem a condenar (usa-se aqui de propósito a
expressão normativa) a repetição como mecanismo de coesão responsável pelo
empobrecimento do texto. De fato, um texto escrito pode e deve variar ao
máximo os mecanismos de coesão, já que a leitura exige do receptor um tipo de
58 Idem. p. 40.59 Idem. p. 77.
79
postura diversa à que teria se fosse ouvinte. Entretanto isso não justifica que se
chegue a desconsiderar a repetição como um legítimo mecanismo de coesão.
Para ilustrar a pouca observância conferida a esse mecanismo, podemos citar o
excelente e oportuno Curso de redação de A.S. Abreu, que chega à 12ª edição
reiterando o que fizera desde a primeira: dizendo, em sua seção de exercícios,
que um texto não tem coesão porque os elementos se repetem: Para cada um dos exercícios, você terá um “texto básico” no qual não está ainda realizada a coesão [grifos nossos]. Essa tarefa caberá a você, na medida em que for capaz de substituir os termos repetidos pelos elementos constantes dos mecanismos de coesão explicitados neste capítulo. Você deverá, em primeiro lugar, fazer um levantamento dos sinônimos ou expressões adequadas e substituir os termos que se repetem (...)A seguir, apresentamos um modelo. Suponhamos que o texto básico ou não-texto (é não-texto porque ainda não apresenta coesão) [grifos nossos] fosse o seguinte:As revendedoras de automóveis não estão mais equipando os automóveis para vender os automóveis mais caro. O cliente vai à revendedora de automóveis com pouco dinheiro e, se tiver que pagar mais caro o automóvel, desiste de comprar o automóvel, e as revendedoras de automóveis têm prejuízo. 60
Sem dúvida, o autor reconhece na repetição um mecanismo regular de
coesão textual. Contudo, provavelmente para atingir seu público, usa da
expressão, por assim dizer, exagerada “não-texto”, a qual, se, por um lado, leva
o aluno a refletir acerca de recursos de coesão mais valorizados pela escrita, por
outro, o conduz à falsa conclusão de que a repetição é um erro no campo da
textualidade. Acresça-se a isso o fato de que o livro é bastante difundido em
cursos de redação e que, muitas vezes, é o único livro de conteúdo teórico de que
dispõe o docente, temos aí a propagação de um conceito equivocado.
Halliday, McIntosh e Strevens61 entendem por registro a associação de
traços lingüísticos a traços situacionais, em particular os valores categorizados
como campo, teor e modo. O campo é o evento em sua totalidade, no qual o
60 ABREU, A. S., 2004, p.24.
61 HALLIDAY, MCINTOSH & STREVENS. The linguistic sciences and language teaching. Apud. HALLIDAY, M. A. K. & HASAN, Rugaia. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976.
80
texto funciona, considerando os recursos lingüísticos subordinados a uma escala
de formalidade que leva em conta os aspectos de âmbito normativo e estético. O
teor diz respeito aos tipos de papéis desempenhados durante a interação, isto é,
ao conjunto de relações de relevância social dentre os participantes da
enunciação. O teor será, pois, o ajustamento a ser feito pelo sujeito
comunicante, com base em informações que extrai acerca do sujeito
interpretante.
O modo é a função do texto no evento, incluindo assim ambos os canais
tomados pela língua – o escrito e o falado, improvisado ou preparado. Interessa-
nos aqui especialmente a contraposição que os autores fazem ao modo escrito e
o falado.
A língua falada e a escrita têm estratégias próprias, que não devem ser
cotejadas em termos uma ser mais complexa do que a outra. Suas características
estão subordinadas preliminarmente ao próprio canal em que se inscrevem. É
inegável que a fala e a escrita de uma mesma língua têm muitos pontos em
comum – e justamente esses pontos em comum serão responsáveis pelo
mascaramento das divergências entre as modalidades. O desconhecimento
dessas características próprias deverá resultar em um texto que oferecerá
dificuldades extras de inteligibilidade, quando não de total obscurantismo.
Apenas para ilustrar o que aqui se afirma, examine-se este breve levantamento
de diferenças que se verificam no confronto entre língua falada e língua escrita:
a) a língua falada pode usar uma série de recursos do nível fonológico que no escrito não podem ser usados (entonação, ênfase de termos ou sílabas, duração dos sons, velocidade em que se dizem as seqüências lingüísticas, etc.);
b) na língua falada aparecem truncamentos (de palavras e frases), hesitações, repetições e retomadas, correções que não aparecem no escrito, mas que aparecem no oral por razões diversas, tais como:
– a formulação do texto concomitante ao dizer, o que justificaria as hesitações (que podem entre outras coisas levar a truncamentos e repetições, pausas, alongamentos, aparecimento de elementos como “éh::, ahn::”), as correções e outros fatos presentes no texto falado; – não sobrecarregar a memória do interlocutor, o que talvez justifique o fato observado por muitos estudiosos de que as construções no oral
81
são mais simples, menos complexas e longas; – impedir que ele tome a palavra (o turno) antes que terminemos;c) devido à interação ser face a face, no oral é possível: – observar as reações do interlocutor, o que pode levar a explicações, repetições, reformulações, cortes nas frases porque se percebe que o outro já entendeu, etc.; – observar marcas da relação entre o falante e o ouvinte na conversação como marcadores conversacionais (“uhn; né?; sabe?”);– sempre se valer de elementos do contexto imediato de situação e formular frases que seriam incompreensíveis na escrita sem a formulação de um prévio quadro de referência, o que não é necessário na língua falada. 62
Ora, se os vários níveis lingüísticos se organizam em função dos modos a
que se submetem, é de esperar que muitos recursos coesivos respondam, com
mais desenvoltura, às demandas deste ou daquele modo. Naturalmente, a
ininteligibilidade será conseqüência da opção por recurso coesivo inadequado ao
modo proposto. Um exemplo que bem ilustra a inadequação no emprego de
recurso coesivo é o uso de hiperônimos ou expressões sinônimas na língua
falada.
A transformação do recurso repetição em menos nobre tornou-o preterido
mesmo em enunciados orais. Para ter uma idéia disso, tomemos como exemplo
as transmissões da rádio CBN (Central Brasileira de Notícias), cuja imagem
construída é a de um veículo sério de comunicação, devendo empregar, portanto,
construções cultas na maior parte dos contextos. O uso de hiperônimos em
reportagens orais acaba fazendo com que o ouvinte esteja sujeito a perder
passagens importantes de seu conteúdo, conforme se pode notar nos seguintes
trechos de reportagens veiculadas pela emissora63:
Quando foi perguntado sobre o recuo dos juros, Palocci considerou justo o desejo de alguns para a aceleração do corte da taxa SELIC, mas reforçou que não se deve atropelar o processo. O ministro disse ainda que a expansão do PIB no ano que vem ficará próxima dos 4,9% de 2004.
62 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1ºe 2º grau. São Paulo: Cortez, 1996.
63 CENTRAL BRASILEIRA DE NOTÍCIAS. Reportagens gravadas em fita magnética em 23 dez. 2005.
82
A Light montou um esquema especial de trabalho para garantir o suprimento de energia durante os festejos de fim de ano. Segundo a empresa, a principal preocupação foi com os lugares onde vão ocorrer as festas promovidas pela prefeitura do Rio (...)
Os ônibus e os trens do metrô voltaram a circular hoje na cidade americana de Nova Iorque. Três dias de greve deixaram mais de sete milhões de pessoas sem ter como ir ao trabalho. Muitos foram a pé para seus compromissos, sob temperatura abaixo de zero. Os funcionários do transporte público pediam aumento de salário e melhores planos de saúde.
Enunciados dessa natureza são eficazes no texto escrito, mas o mesmo
não se pode dizer quando realizado oralmente, uma vez que os pressuponentes
Palocci, Light, metrô perdem seu poder de comunicação e não podem ser
suficientemente interpretados per se: se o ouvinte não memorizou seus
pressupostos ou ligou o aparelho no meio da reportagem, será muito difícil
compreender a matéria.
Como se vê, o poder coercitivo da escrita resulta na valorização de um
recurso que lhe é favorável, em detrimento do alcance comunicativo do texto. E
esse fato se agrava, quando o exemplo que damos é de um texto que deveria ser
mais claro possível, a notícia. Vale lembrar a afirmação constante no Manual de
redação da Folha de São Paulo:
Um bom texto jornalístico depende, antes de mais nada, de clareza de raciocínio e domínio do idioma. Não há criatividade que possa substituir esses dois requisitos. Deve ser um texto claro e direto. Deve desenvolver-se por meio de encadeamentos lógicos. Deve ser exato e conciso. Deve estar redigido em nível intermediário, ou seja, utilizar-se das formas mais simples admitidas pela norma culta da língua. 64
64 FOLHA DE SÃO PAULO. Manual de redação. São Paulo: Empresa Folha da Manhã S/A, 1996 (CD-ROM FOLHA ISSN 0104-7779).
83
5 EXAME DE DOIS TEXTOS
Tomemos agora dois textos: o primeiro, em que predomina o modo
de organização argumentativo; o segundo, em que predomina o modo narrativo.
Procuraremos, neste capítulo, analisar quatro camadas textuais que se superpõem
nos textos: a trama verbal, a trama lexical, a trama referencial (aqui englobará a
referência, a substituição e a elipse), a trama conjuntiva. Acreditamos que um
texto se constitua em uma composição dessas quatro camadas de tramas textuais
de caráter coesivo que se coadunam em função da textura.
TEXTO I
84
Não fica um...65
HELENA CHAGAS
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Receber recursos de caixa dois para pagar dívidas de campanha é crime eleitoral, mas menos grave do que embolsar dinheiro para votar, mudar de partido ou ganhar Land Rover de presente. No meio dessa confusão toda, porém, vai ser impossível convencer o distinto público de que uns merecem penas mais brandas do que outros. Aos olhos da opinião pública, todos os parlamentares que mamaram nas torneiras do valerioduto — que vem tendo seu funcionamento desvendado a cada dia com mais abrangência e detalhes, a cores e em tempo real — merecem a condenação política máxima: a cassação do mandato. Para o cidadão comum, bombardeado por denúncias e cifras milionárias de todos os lados, saturado por casos de corrupção que se repetem governo a governo, todos os que, de alguma forma, chegaram perto do esquema estão envolvidos na mesma névoa. Até porque a parte mais mal explicada do negócio continua sendo a origem do dinheiro que saía da lavanderia. Empréstimos bancários, ao que se sabe, funcionaram como sabão em pó. Quem deu, por que deu, com que objetivos e conexões com a máquina pública, nada disso ficou claro. É tudo corrupção. O que deixa a CPI, dirigentes do Congresso, partidos e outras instâncias de julgamento numa sinuca de bico. A rigor, se resolverem cassar todos aqueles que usaram recursos de caixa dois para se eleger, é possível que não sobre uma só alma no Legislativo para contar a história. Nem caça, nem caçador.Afinal, o valerioduto que serviu num passado mais remoto ao PSDB de Minas e, mais recente, ao PT é, provavelmente, apenas um dos muitos esquemas ilegais de financiamento de campanha espalhados pelo país. É bem verdade que terá se especializado em outras modalidades de atividade ilegal, mas, por uma questão de justiça, se caixa dois de campanha for razão para a cassação de uns, terá de ser para todos os que se serviram desse tipo de financiamento. E aí, salve-se quem puder. O justo então talvez fosse separar o crime menor do crime maior, dando punição mais branda (suspensão, multa, processo) a quem simplesmente recorreu aos costumes de sempre para se eleger. E cortando sem dó as cabeças dos que praticaram corrupção da grossa para trocar de legenda ou votar com o governo. Como, porém, separar de fato os que sacaram dinheiro do Banco Rural para pagar dívidas de campanha dos que tiraram a grana para botar no bolso? Lamentavelmente, hoje isso parece impossível. Caixa dois passou a ser a senha e a justificativa de todos os bandidos, graúdos e miúdos. Foi a desculpa de Marcos Valério e de Delúbio. Será também a do
65 Publicado em O Globo em 01 de agosto de 2005
85
PP, apesar da coincidência de três saques de R$ 300 mil cada um, feitos pelo assessor João Claudio Genu, em setembro de 2003, último mês para mudanças de legenda. Como caixa dois não dá recibo — no máximo, nota fria — a justificativa serve para todos caírem na mesma vala. E a crise, como ocorre nessas ocasiões, não vai acabar com a distinção entre culpados, à luz das provas obtidas. O corte será político e temporal. Estabelecido prazo (provavelmente novembro) para o fim dos trabalhos da CPI, os partidos sentam-se à mesa e dão as cabeças a cortar. E aí, quem dançou, dançou; quem não dançou, não dança mais.
TEXTO II
Um Apólogo66
MACHADO DE ASSIS
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo? — Deixe-me, senhora. — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. — Mas você é orgulhosa. — Decerto que sou. — Mas por quê? — É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu? — Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu? — Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... — Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando... — Também os batedores vão adiante do imperador. — Você é imperador? — Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
66 ASSIS, J. M. Machado de. Obra completa v. 2. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959. p. 537-538.
86
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha: — Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima... A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe: — Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
5.1 A trama verbal
A trama verbal se estrutura a partir de um conjunto complexo de
procedimentos lingüísticos ativados pelo locutor, que está mais ou menos
consciente das restrições apresentadas pela situação de comunicação e pela
finalidade do texto construído. Essas categorias de língua são ordenadas em um
87
modo de organização do discurso, para produzir um sentido, sob a forma
concreta de um texto ou de parte de um texto.
O TEXTO I se estrutura na atitude de comentário. A postura tensa
(advinda do fato de que o sujeito comunicante trata do que lhe afeta diretamente)
se reflete na tese do artigo, que é baseada num raciocínio abdutivo: está
comprometida em função da dúvida de qual será o melhor procedimento dos
dirigentes do Congresso, com relação à punição dos envolvidos em corrupção.
Poderia assim se expressar: Talvez a punição à corrupção vá ser fruto de uma
negociação que [talvez] leve em conta o grau de gravidade de cada delito. O
tempo-zero é o presente, representado por verbos é, é, vai, merecem, etc.
Observe-se que, no início do segundo parágrafo, surge o verbo mamaram, no
pretérito perfeito. Como se sabe, o pretérito perfeito é também o tempo-zero da
narração. Haverá aí um caso de imbricação da narração com o comentário?
Decerto que não. É um caso de polissemia do pretérito perfeito do indicativo,
no português: tanto serve a tempo-zero de primeiro plano da narração, quanto
serve a ocupar o espaço de tempo retrospectivo do comentário. Trata-se de uma
acomodação comum às línguas, na dicotomia de princípios e parâmetros: é um
princípio lingüístico apresentar os eixos de narração e de comentário; o
parâmetro do português é de ter apenas um paradigma formal para suprir ambos
os tempos. Dessa forma, o verbo disse do TEXTO II em “Era uma vez uma
agulha, que disse a um novelo de linha” funciona aí como tempo-zero de
primeiro plano, porque se verifica a intenção narrativa de se distanciar do fato
narrado – no sentido de desembreagem (aliás, a expressão “Era uma vez” reitera
a noção de irrealidade do texto). Isso não se dá com o verbo mamaram do
TEXTO I, em “que mamaram nas torneiras do valerioduto — que vem tendo
seu funcionamento desvendado a cada dia com mais abrangência e detalhes, a
cores e em tempo real — merecem a condenação política máxima: a cassação do
mandato”. Esse pretérito é francamente embreado, seja pela presença de
merecem, que se vê mais adiante, seja pela própria localização temporal de
88
atualidade que se vê na digressão entre travessões (“que vem tendo (...) tempo
real”). O mesmo ocorre com o pretérito deu do segundo parágrafo do mesmo
texto, ou sacaram, passou, foi. E o texto é concluído com duas formas verbais
de valor de futuro – tempo prospectivo – do eixo do comentário: vai acabar e
será.
A trama verbal do TEXTO II é a do eixo da narração. É interessante que,
a rigor o texto de Machado de Assis só apresenta tempo-zero: de primeiro plano,
o pretérito perfeito (Chegou, pegou, pegou, pegou, enfiou, entrou) e o de
segundo plano, o pretérito imperfeito (Estavam, passava, tinha, iam, era).
Observe-se que os tempos dos diálogos são em presente – o que é uma marca
lingüística do discurso direto – e não existe aí narração: o diálogo consiste em o
narrador buscar imitar o compromisso que os personagens (reais ou fictícios)
têm com o mundo presente que os cerca (real ou fictício), num tempo presente,
tenso e embreado. Outra observação digna de nota está no segundo plano: o
pretérito imperfeito exprime o ponto de interseção entre o modo narrativo e o
modo descritivo de organização do discurso.
5.2 A trama lexical
Consideremos os dois tipos de coesão lexical: a reiteração e a colocação.
Conforme vimos, a reiteração é a repetição de um item lexical, ou a ocorrência
de um sinônimo, um hiperônimo, um hipônimo, um nome genérico. É comum o
item lexical reiterado estar acompanhado de um item de referência – em geral o
definido o ou um demonstrativo. Numa rápida leitura, é possível identificar as
seguintes reiterações nos textos I e II:
TEXTO IPressuposto pressuponente
valerioduto o esquema
valerioduto o negócio
89
os parlamentares que mamaram nas torneiras do valerioduto
uma só alma
casos de corrupção que se repetem governo a governo
nessas ocasiões
os parlamentares que mamaram nas torneiras do valerioduto
as cabeças
TEXTO IIPressuposto pressuponente
senhora [a agulha] a senhora
a costureira da costureira
o pano, a agulha, a linha (“pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha”)
a costura
a costureira a costureira
Costura a obra
As reiterações que identificamos seguem o padrão: hiperônimos como
esquema, negócio,ocasiões,costura; expressões metonímicas como alma e
cabeças; repetições como senhora e costureira.
Vimos que a coesão colocacional se dá pela ocorrência de um item lexical
semanticamente relacionado a outro, instaurando uma teia lexical de itens
taxonomicamente compatíveis. A repetição de um item lexical em si é coesiva,
havendo ou não relação de identidade de referência entre os dois constituintes.
A coesão, portanto, deriva da organização lexical da língua. Uma palavra que,
de alguma maneira, se relaciona a outra que a precede em um texto – seja por
sua repetição direta, seja por um valor qualquer de sinonímia, seja por
geralmente ocorrer em seu ambiente lexical – contribuirá para sua textura. A
colocação surge em função da própria organização do léxico em grupos de
vocábulos que se relacionam semanticamente, o que lhe proporciona o perfil de
um fenômeno sutil porque verificável apenas no momento de sua construção.
Assim, se por um lado existe uma relação óbvia entre recursos, dinheiro e
cifras milionárias (Texto I), tal não se dá com pares como dinheiro/ lavanderia
90
(idem). O responsável pela atualização do sentido de lavanderia será o texto.
Essa atualização de sentido demanda uma extensão textual qualquer – o que se
verifica no período posterior à ocorrência desse item lexical: “Empréstimos
bancários, ao que se sabe, funcionaram como sabão em pó”. A símile é per se
axiológica, e, no texto, precisava ser elucidada. Essa ocorrência se coaduna com
o que afirmamos anteriormente: quanto mais axiológico for um enunciado, mais
ele deve gerar texto. Parece-nos, portanto, que a coesão colocacional é o ponto
de interseção entre a coesão e a progressão textual.
5.3 A trama referencial
A trama referencial (por conta da semelhança, será ad hoc constituída por
referência, substituição e elipse); diferentemente da lexical, é ativada no âmbito
gramatical da língua – o que a faz mais sistematizável do que a de nível
vocabular. Por isso, não espanta que seja a referência – ao lado da conjunção,
que veremos adiante – um fenômeno que se confunde com a própria coesão.
Mesmo Halliday & Hasan, quando estabelecem que a coesão diz respeito a
relações de sentido que existem em um texto e que o definem como tal,
permitem uma primeira interpretação com esse teor: ocorre coesão, quando a
interpretação de algum elemento no discurso é dependente da de outro.
Evidentemente, a interpretação a que fazem menção os autores não é biunívoca,
no sentido de que o elemento A represente o elemento B. Não custa lembrar
que, na relação de coesão, o elemento A pode atualizar o sentido do elemento B;
o elemento A pode prever a ocorrência do elemento B; e assim por diante. De
qualquer maneira, é de praxe, no contexto do ensino de língua, fazer esse tipo de
associação.
Tomemos, a título de exemplo, a seguinte passagem do Texto I: “(...) vai
ser impossível convencer o distinto público de que uns merecem penas mais
brandas do que outros.”
91
Os itens uns e outros estabelecem uma relação coesiva de referência,
dado o seu caráter exofórico – o mesmo se pode dizer de você, si, me, do início
do Texto II, já que todos os itens apontam para elementos que se encontram fora
do cotexto. Consoante já dissemos, a substituição e a elipse só ocorrem
endoforicamente. O Texto II oferece um exemplo de substituição oracional
realizada pelo item isso: “— Você é imperador?”, “— Não digo isso.” Outros
casos dignos de nota são as elipses e todas as ocorrências de pronome relativo –
operador sintático necessariamente endofórico e anafórico.
5.4 A trama conjuntiva
A conjunção não depende de nenhum sentido referencial ou de identidade
ou de associação de palavra. As relações conjuntivas não são fóricas; elas
representam liames semânticos entre os elementos que constituem o texto. Para
Halliday & Hasan, as relações conjuntivas são aditivas, adversativas, causais e
temporais. Aqui entenderemos que o são todas as outras noções descritas
tradicionalmente e que, em geral, são estudadas nos capítulos relativos a
conjunções coodenativas e subordinativas; bem como os conectores modais, os
locativos e os reformulativos. No campo do ensino de língua, a conjunção e a
referência são fenômenos coesivos preferenciais. O caso da conjunção é
bastante compreensível, se considerarmos a quantidade de emprego de
conectores, mesmo em um curto fragmento de texto. Não admira que alguns
autores da área de Lingüística do Texto chegem a afirmar que um texto
destituído desses elementos não apresenta coesão. Para ilustrar, consideremos os
itens que destacamos no primeiro parágrafo do Texto I:
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Receber recursos de caixa dois para pagar dívidas de campanha é crime eleitoral, mas menos grave do que embolsar dinheiro para votar, mudar de partido ou ganhar Land Rover de presente. No meio dessa confusão toda, porém, vai ser impossível convencer o distinto público de que uns merecem penas mais
92
brandas do que outros.
De fato, a conjunção exerce papel fundamental na construção do texto:
temos aí ao menos três importantes noções relacionais: comparação (do que +
mais/menos); finalidade (para + infinitivo); adversidade (mas e porém).
No fragmento acima, o papel do conector de valor comparativo é
aparentemente de comparação. Dizemos isso, porque o valor argumentativo que
ele conduz é mais operacional do qualquer outro: ao comparar a gravidade que
existe em “receber recursos” e “embolsar dinheiro(...)”, na verdade a articulista
está usando um argumento a serviço de tua tese. Essa afirmação se confirma
com o emprego do conector adversativo mas, o qual exprime restrição, isto é,
negação a uma concessão. Considerando que concessão é uma estratégia
argumentativa que consiste em o sujeito comunicante aderir provisória e
falsamente à tese contrária, conectores como mas/porém e sinônimos servem
para reorientar a argumentação em direção à tese efetivamente defendida.
Por fim, o conector de valor de finalidade. Embora esses elementos
relacionais tenham um valor inicial de “conseqüência desejada”67 – e é o caso no
excerto que ora se estuda – não custa mencionar a vocação argumentativa dos
conectores finais, em casos com “Comprei uma Zafira para acomodar melhor a
família”. Numa situação em que o enunciador quer apresentar uma justificativa
para seu gasto com um automóvel caro, o conector de finalidade cumpre bem o
papel. De qualquer forma, o conector de valor de conseqüência com mais
potencial argumentativo é o conclusivo (portanto, logo, etc.), já que tem a
característica de introduzir a tese.
67 AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
93
6 CONCLUSÃO
Procuramos oferecer neste trabalho a reafirmação da validade da obra de
Halliday & Hasan para o entendimento da coesão textual. Acreditamos que
nossa contribuição reside em algumas posições que tomamos e que nos são de
grande estima: sustentar o papel decisivo dos tempos verbais como categorias de
língua a organizar os signos em sistemas formais de sentido, a partir das quais
será produzido o texto, por intermédio das categorias de discurso; reafirmar a
importância da coesão lexical na construção do texto; apontar a interdependência
existente entre coesão e progressão textual. Mas acima de tudo, acreditamos ter
oferecido argumentos suficientes para comprovar nossa hipótese inicial:
defender o caráter exclusivamente verbal do texto – unidade que se
constitui em uma superposição de quatro camadas de tramas textuais
94
(trama verbal, trama lexical, trama referencial, trama conjuntiva), que,
num texto típico, vão coocorrer.
Vimos que qualquer manifestação não-verbal que nos remeta à produção
de um texto, só terá esse poder, por causa de nossa capacidade cognitiva de
produzi-lo livremente; não há como entendê-los como textos em si, mas poderão
funcionar como “instrutores textuais”, isto é, elementos icônicos que evocarão
eventualmente um enunciado. Ademais concluímos que considerar a existência
de textos não-verbais produz um inútil problema de delimitação de um objeto
que já engloba tantos fatores complexos de ordem lingüística: o texto.
Um tempo verbal, uma vez situado no contexto de um discurso vivo,
exerce sobre os elementos vizinhos – em particular sobre os tempos adjacentes
da oração – uma pressão que limita a liberdade de eleger entre todos os tempos
possíveis. Dizendo de outra maneira, um tempo verbal não é ilimitadamente
combinável com outros tempos. Algumas combinações são preferidas no
contexto próximo ou distante; outras são limitadas e, às vezes, inadmissíveis.
Essas combinações estruturam a trama verbal, que se organiza a partir de
um conjunto complexo de procedimentos lingüísticos – categorias de língua no
dizer de Charaudeau – postos em prática pelo locutor, que está mais ou menos
consciente das restrições apresentadas pela situação de comunicação e pela
finalidade do texto construído. Essas categorias de língua são ordenadas em um
modo de organização do discurso, para produzir um sentido, sob a forma
concreta de um texto.
Outra contribuição que pretendemos oferecer com nosso estudo é a
reafirmação da importância da coesão lexical – em especial a coesão
colocacional, que, talvez por ser fluida e de difícil sistematização, em muitos
momentos equivocadamente não tem sido reconhecida como recurso coesivo.
Afirmamos que a coesão colocacional surge em função da própria
organização do léxico em grupos de vocábulos que se relacionam
semanticamente. No caso da coesão gramatical, as relações são mais fáceis de
95
detectar: quando se emprega um pronome, espera-se que ele se refira a um termo
anterior ou posterior; quando se emprega um item com função no âmbito da
coesão conjuntiva; espera-se dele um certo valor semântico que atuará no
esclarecimento do tipo de relação que se estabelece. No caso da relação lexical,
é comum que a harmonia lexical se estabeleça em função do texto, sem que haja
uma previsão e sistematicidade: todo item lexical pode entrar em uma relação
coesiva, mas ele não carregará consigo a indicação de que funcionará
coesivamente ou não. Isso só poderá ser estabelecido por referência ao texto.
Isso acontece porque não existe sentido literal tal que sentido literal seja uma
constante semântica: significado de um item será função, e não uma constante.
Constatamos que a rigor a progressão é mais uma conseqüência da coesão
do que um fenômeno textual do status deste último. Concluímos, aliás, que a
coesão colocacional é o ponto de interseção entre a coesão e a progressão textual
e que quanto mais subjetivo for um enunciado, mais ele deverá gerar texto: trata-
se de uma importante fonte de extensão textual. Além disso, como a progressão
se dá a partir da instauração de um tema que pleiteia um rema (por intermédio de
uma transição), é possível dizermos que esta transição – elemento
necessariamente coesivo – é um liame essencial que propicia a extensão textual.
Este trabalho, portanto, é fruto da observação que fizemos ao longo de
nosso contato, seja em nível teórico ou prático, com a língua portuguesa. Nossa
preocupação é, acima de tudo, a de divulgar, com entusiasmo, um dos milhares
de aspectos concernentes à estruturação de um sistema lingüístico: o aspecto da
coesão e da progressão textual.
96
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103
ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio
de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005.
107 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.
Este trabalho busca estudar do papel da coesão e da
progressão textual na construção do texto. Aqui o texto é
entendido como unidade exclusivamente verbal.
A investigação do comportamento da trama textual
(resultante da coocorrência da trama verbal, da trama
lexical, da trama referencial e da trama conjuntiva) permitiu
mostrar que um texto em geral se estrutura em quatro
camadas de tramas, mas esse fato não impede o falante de
eventualmente produzir textos com menos camadas.
O estudo mostra ainda que a progressão é mais um
fenômeno resultante das demandas coesivas do que um
104
fenômeno autônomo.
ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio
de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005.
107 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.
The aim of this work is to study the textual cohesion and
the textual progression role in the text construction. Here the
text is perceived as exclusively verbal unity.
The investigation of the textual woof behaviour (that
resultes from the coincidence of the verbal woof, lexical
woof, referencial woof and conjuntive woof) showed that a
text is structured usually in four woof’s layers, but this fact
don’t impedes the speaker sometimes to produce text with
less layers.
This study shows too that the progression is more a
phenomenon that resultes from the cohesive demands than a
autonomous phenomenon.
105
ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio
de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005.
107 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.
Ce travail cherche à étudier le rôle de la cohésion et de la
progression textuelle dans la construction du texte. Ici le
texte est compri comme une unitée exclusivement verbal.
L’investigacion du comportement de la trame textuelle
(résultante de la cooccurrence de la trame verbal, de la trame
lexical, de la trame référencielle et de la trame conjuntive)
nous a permis de montrer que un texte est structuré
généralement en quatre couches de trames, mais ce fait
n’empêche pas le parlant de produire éventuallement des
textes à moins couches.
Cet étude encore montre que la progression est plus un
phénomène resultante de les demandes cohésives qu’un
phénomène autonome.
106
107