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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL
MESTRADO EM LETRAS – ESTUDOS DA LINGUAGEM
MARGARETH VALDIVINO DA LUZ CARVALHO
ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a partir
da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma Escola
Pública Estadual de Picos – PI
TERESINA (PI)
2015
1
MARGARETH VALDIVINO DA LUZ CARVALHO
ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a partir
da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma Escola
Pública Estadual de Picos – PI
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Piauí, área de Estudos de Linguagem como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Letras. Orientação: Profª. Drª. Maria Angélica Freire de Carvalho.
TERESINA (PI) 2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca José Albano de Macêdo
C331a Carvalho, Margareth Valdivino da Luz.
Aluno: autor (e) (ou) produtor de textos? Uma
investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do
ensino fundamental de uma escola pública estadual de
Picos-PI / Margareth Valdivino da Luz Carvalho. – 2015.
177 f.
Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal
do Piauí, Teresina, 2015.
Orientador(A): Prof°. Dra. Maria Angélica Freire de
Carvalho.
1.Texto Narrativo. 2. Escrita. 3. Produção
Textual. I. Título.
CDD 410
2
MARGARETH VALDIVINO DA LUZ CARVALHO
ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a
partir da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma Escola
Pública Estadual de Picos – PI
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Piauí, área de Estudos de Linguagem, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Letras.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________ Profª. Drª Maria Angélica Freire de Carvalho
Orientadora (Letras-UFPI)
________________________________________________ Profª. Drª Jauranice Rodrigues Cavalcanti
Examinadora (UFTM)
________________________________________________ Profª. Drª Maria Auxiliadora Ferreira Lima
Examinadora (UFPI)
________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alves Filho
Examinador – suplente (UFPI)
TERESINA (PI) 2015
3
AGRADECIMENTOS
Às vezes, as palavras não nos permitem expressar os sentimentos, porque
eles são como espinhos e flores. São de nossos caminhos e se constituem neles.
Pluralizo minhas batalhas, porque sempre foram muitas, e não esta que me é
“única”, mas não a última. Por isso, meus agradecimentos são marcados por
sonhos, que dão sentido a minha vida e me impulsionam para que eu busque o
conhecimento e a sabedoria, contando sempre, com atos de misericórdia.
Hoje, posso afirmar que nada na vida é por acaso; o que somos, o que temos,
o que conquistamos esteve ali à nossa espera, mas para a percepção é preciso que
a coragem desperte, e nós a abracemos como uma benção, porque viver é uma
dádiva atribuída por um Ser supremo, cuja existência jamais poderá ser
questionada. Nele e através Dele, tudo pode ser realizado. Esse Ser sempre me
orientou em caminhos para vencer batalhas, sempre me apresentou muitos anjos, e
que “anjos especiais”! Esses anjos nunca desistiram de mim, porque nessa vida
alguém precisa acreditar na gente, e isso faz a diferença. Como escrever sem citar
nomes? Sinceramente não sei, como escolher a quem citar? Também não sei, mas
sei que são muitos e todos especiais; sendo assim, melhor iniciar por Deus, e a
partir Dele todos os queridos farão parte desse momento de agradecimento, por me
auxiliarem a percorrer uma trilha que nunca imaginei e que me levou à escrita de
uma dissertação de Mestrado! Decidi que citarei os nomes de todas as pessoas que
contribuíram para o meu trabalho. Esta oportunidade pode ser única e ficará
registrada, embora interesse mais a elas e a mim, são agradecimentos, talvez os
mais longos em uma dissertação, porém, para mim, importantes e sinceros:
Ao meu esposo, Carlos, pela compreensão nem sempre visível, mas seu
apoio foi fundamental, aos meus filhos pela alegria, pelas preocupações e pela
alegria de fazer tudo por vocês, porque Bruno um dia será um grande campeão na
sua área; Marcus, sua carreira de jogador será uma grande alegria; Kaylla, minha
princesa Engenheira Civil; meu grande administrador Carlos Eduardo, aquele que
está mais próximo, e pela simplicidade, sempre ajuda mais; meus sobrinhos Nilton
e Ednuza, que tão humildemente me acolheram, meu agradecimento eterno.
Um trabalho sem a participação da família não existe, por isso eles, sempre
eles em primeiro lugar. E aquela família que construímos ao longo de nossa história,
porque um trabalho dessa dimensão não pode ser construído sozinho, requer a
4
ajuda daqueles que têm sabedoria, além do conhecimento, porque nesta vida
acadêmica são muitos os conhecimentos, entretanto, partilhar não é privilégio de
muitos. Hoje posso tornar “público” pelo menos para quem ler este trabalho, a
confissão de que foi um trabalho construído com muitos olhares e incentivos
múltiplos: “você vai conseguir!” “você é capaz minha amiga”, são coisas de muitos,
mas de Neto, Elaine e Marli, foi diferente, por isso para eles um agradecimento do
fundo do coração e do início da alma. Essas três pérolas, não são amigos, são filhos
que apareceram na minha vida, assim que pensei em concorrer ao mestrado. Para
vocês, meus filhos de coração, o meu sorriso e um agradecimento que não tem
palavras, porque é uma verdade absoluta, inquestionável!
Para que um trabalho seja de fato realizado é necessário que um
conhecimento seja iniciado, e em parceria; e mais uma vez Deus foi generoso
comigo, permitiu-me ter como orientadora a Professora Angélica, uma pessoa
extremamente generosa, que me acompanhou passo a passo, no fazer e no refazer
desse trabalho; os anjos se multiplicaram na minha vida na figura da professora
“Angélica” e a ela meu eterno agradecimento, pela paciência, pelo carinho, pelo
amor de “mãe”, porque sua dedicação foi equivalente a de uma mãe quando quer
proteger o filho e compreende as suas limitações, você, professora Angélica é muito
especial e, com certeza, esse trabalho é parte de você. Obrigada sempre!
Aos meus amigos e professores do Mestrado, um agradecimento especial,
porque as aulas de cada disciplina foram fundamentais para que o meu processo de
aprendizagem fosse, aos poucos, se desenhando e consolidando o meu objetivo de
finalmente estar inserida num mestrado para aprender, dentre teorias e reflexões,
que um simples gesto de amizade, vale mais do que uma vida inteira de esperas e
promessas; por isso, obrigada Bruna e Jacqueline Dantas.
5
Nada te perturbe, nada te amedronte,
tudo passa. Só Deus não muda. A
paciência tudo alcança.
Tereza D’ávila
6
A Deus, que por sua supremacia me concedeu o dom da vida, através de uma grande mulher que ao longo de sua breve história não teve acesso à escola, mas tinha a alegria de dizer que tinha uma “ filha professora”, uma mãe solteira que criou onze filhos de forma dura, mas digna: Dona Teresa Valdivino (in memorian); para a senhora, dedico as mais específicas palavras de amor e gratidão por ter me “tirado o direito de brincar” para ir trabalhar na casa dos seus patrões e para que a minha história fosse diferente e foi, obrigada! A minha orientadora Maria Angélica Freire de Carvalho, pela força, confiança e pelo exemplo de ser humano; pelos encontros e orientações que nortearam a minha caminhada no desenrolar desse trabalho, porque só uma pessoa com a simplicidade e a humildade do saber é capaz de compartilhar conhecimentos. A você, professora Angélica, dedico a maior parte deste trabalho. Ao amigo, professor Doutor Vicente Lima Neto, por me acompanhar e acreditar na minha força de vontade, desde a possibilidade de entrada no Mestrado com idas e vindas, a um projeto de um sonho, de uma vida. Pessoas como você só acrescentam coisas boas para o mundo. A minha amiga e filha Marli, porque foi uma pessoa fundamental no processo de aprendizagem.
7
RESUMO
Podemos afirmar que, de um modo geral, o trabalho com a prática de textos no Ensino Fundamental tem sido feito a partir de um olhar mais voltado para os aspectos estruturais e gramaticais no texto. Contrariamente a essa postura, Possenti (2009a) aponta que para se considerar um texto escolar como um bom texto é preciso avaliá-lo, também, em sua discursividade, o que indica a possibilidade de o aluno exercer a função-autor mediante um trabalho em que o funcionamento discursivo tenha maior relevância no processo de escrita. Sob este propósito, neste estudo optamos por observar alunos do nono ano do ensino fundamental, por se encontrarem em um segmento escolar de transição. A partir dessa escolha, estabelecemos como objetivo principal do estudo identificar indícios de autoria nas produções textuais de alguns alunos selecionados de uma escola pública da cidade de Picos (PI). Elencamos como objetivo específico verificar marcas textuais-discursivas que contribuíssem para uma inserção do sujeito enunciador de modo que ao se interpor com outras “vozes” na construção de sentidos evidencie um discurso autônomo, que caracterize um estilo. Dentre a literatura que embasou o estudo, fundamentamo-nos na perspectiva dialógica de Bakhtin (2003- 2006-2010), nas contribuições de Possenti (2002, 2009 a, 2009b), Orlandi (1988), que consideram a autoria a partir de uma perspectiva discursiva; Cavalcanti (2010), que define um texto com autoria aquele que produz um efeito de singularidade; Gallo (1992), para quem o texto tem um efeito de fronteira, um dizer que legitima o sujeito, que tem na legitimação o domínio de sua palavra. O corpus de análise constituiu-se de textos, dentre os quais percebemos que, na relação aluno-texto, pouco se identifica uma escrita autônoma, na qual se possa destacar uma expressividade discursiva. Entretanto, observamos que a partir de um trabalho mais efetivo com a prática de escrita o aluno pode exercer a função-autor e construir textos coerentes com indícios de autoria, marcados na sua forma singular de manifestação discursiva. Palavras-chave: Autoria. Sujeito. Escrita. Texto narrativo.
8
ABSTRACT
We can say that, in general, working with the practice of texts in primary education has been made from a more focused look at the structural and grammatical aspects of the text. Contrary to this position, Possenti (2009a) points out that to be considered a school text as a good text you need to evaluate it, too, in his discourse, which indicates the possibility of the student perform the function-authored by a job the discursive functioning has more relevance in the writing process. Under this purpose, in this study we chose to observe students from the ninth grade of elementary school, because they are in a school segment transition. From this choice, we have established as the main objective of the study identify authorship evidence in the textual productions of selected students from a public school in the city of Picos (PI). We specify check textual-discursive brands that contribute to an insert of the subject enunciating in his text, in your "voice" to flow as a response in dialogue with other "voices" in the construction of possible directions for your text, highlighting an autonomous and inscricional speech from the point of view of the author. Among the literature that based the study, fundamented in the dialogical perspective of Bakhtin (2003- 2006-2010), the contributions of Possenti (2002, 2009, 2009b), Orlandi (1988), who consider the authorship from a discursive perspective; Cavalcanti (2010), which defines a text authored one that produces a singularity of purpose; Gallo (1992), for whom the text has a border effect, one saying that legitimizes the subject, which has legitimacy in the domain of his word. The analysis corpus consisted of twelve texts, among them realized that the student-text ratio, bit identifies an autonomous writing, in which you can highlight a discursive expressiveness.
Keywords: Author. Subject. Writing. Narrative text.
9
RESUMEN
Podemos decir que, en general, el trabajo con la práctica de los textos en la enseñanza primaria se ha hecho a partir de una mirada más centrada en los aspectos estructurales y gramaticales del texto. En contra de esta posición, Possenti (2009a) señala que para ser considerado un texto escolar como un buen texto es necesario evaluar, también, en su discurso, que indica la posibilidad de que el estudiante realice autor función la de un trabajo el funcionamiento discursivo tiene más relevancia en el proceso de escritura. Bajo este propósito, en este estudio se optó por observar a los estudiantes del noveno grado de la escuela primaria, porque están en una transición segmento de la escuela. A partir de esta elección, hemos establecido como el objetivo principal del estudio identificar evidencia la autoría en las producciones textuales de los estudiantes seleccionados de una escuela pública en la ciudad de Picos (PI). Especificamos comprobamos marcas textuales discursiva que contribuyen a una inserción de la enunciación sujeto en su texto, en su "voz" a fluir como una respuesta en el diálogo con otras "voces" en la construcción de posibles direcciones para su texto, destacando un discurso autónomo y inscricional desde el punto de vista del autor. Entre la literatura que basa el estudio, fundamentado en la perspectiva dialógica de Bakhtin (2003- 2006 a 2010), las contribuciones de Possenti (2002, 2009, 2009b), Orlandi (1988), que consideran que la autoría de una perspectiva discursiva; Cavalcanti (2010), que define un autor de un texto que produce una singularidad de propósito; Gallo (1992), para quien el texto tiene un efecto frontera, una palabra que legitima el tema, que tiene legitimidad en el ámbito de su palabra. El corpus de análisis consistió en doce textos, entre ellos se dieron cuenta de que la relación estudiante-texto, poco identifica una escritura autónoma, en los que se puede destacar una expresividad discursiva. Palabras clave: Autor. Asunto. Escribiendo. Texto narrativo
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
DCEs - Diretrizes Curriculares Estaduais
DE - Discurso da Escrita
DO - Discurso da Oralidade
GT - Gramática do Texto
AD - Análise do Discurso
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
LT - Linguística Textual
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PROEMI - Programa Ensino Médio Inovador
SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica
UESPI - Universidade Estadual do Piauí
11
LISTA DE FIGURAS
Imagem 1 - Carlitos foge do cavalo furioso, que o persegue. ................................ 100
Imagem 2 - Carlitos, fugindo do cavalo, entra acidentalmente na jaula do leão. .... 100
Imagem 3 - Carlitos se assusta, ao perceber que entrou na jaula do leão (que ainda
dorme). .................................................................................................................. 101
Imagem 4 - Carlitos tenta abrir a porta, mas acaba se trancando por dentro. ....... 101
Imagem 5 - Carlitos tenta abrir uma segunda porta para sair da jaula. .................. 101
Imagem 6 - Porém, do outro lado da porta, Carlitos se depara com outra fera. Agora
um tigre, e pior, acordado....................................................................................... 102
Imagem 7 - Rapidamente, Carlitos fecha a segunda porta e diante de tamanho susto
quase derruba um recipiente com água para o leão; mas, de forma ágil, consegue
segurá-lo antes de cair no chão, evitando que a fera acorde. ................................ 102
Imagem 8 - Um cachorro aparece e começa a latir, Carlitos evidentemente se
apavora, pois com o barulho o leão pode acordar. ................................................. 102
Imagem 9 - Carlitos pede, implora, enxota, mas o cachorro não sai. Então, ele tenta
expulsá-lo através de chutes. ................................................................................. 103
Imagem 10 - A bailarina aparece. Carlitos então faz um pedido a ela: - “Abra a porta,
rápido!” ................................................................................................................... 103
Imagem 11 - A bailarina, assustada diante da situação, desmaia. ......................... 103
Imagem 12 - O leão finalmente acorda e vai ao encontro de Carlitos, que se recolhe
no canto da jaula, com medo de ser atacado. ........................................................ 104
Imagem 13 - Surpreendentemente, o leão não age, apenas cheira Carlitos e volta a
dormir. Carlitos examina as partes do corpo para conferir se não falta algo e, após,
respira aliviado. ...................................................................................................... 104
Imagem 14 - A bailarina finalmente acorda ............................................................ 104
Imagem 15 - E vai abrir a porta da jaula. ............................................................... 105
Imagem 16 - A bailarina implora pra que Carlitos saia imediatamente da jaula...... 105
Imagem 17 - Carlitos, de forma convencida, tenta impressionar a moça, se
aproximando do leão e mostrando que não tem medo. .......................................... 105
Imagem 18 - Porém, diferente da primeira aproximação, o leão agora tenta atacar
Carlitos que, assustado, imediatamente sai correndo da jaula do leão. ................. 106
Imagem 19 - Carlitos sai correndo e, de tão amedrontado, acaba escalando um dos
postes do circo. ...................................................................................................... 106
Figura 20 - Fragmento 1 - Texto I .......................................................................... 113
Figura 21 - Fragmento 2 - Texto I .......................................................................... 114
Figura 22 – Fragmento 3 - Texto I ......................................................................... 115
Figura 23 – Fragmento 1 – Texto II ........................................................................ 117
Figura 24 – Fragmento 2 - Texto II ........................................................................ 119
Figura 25 – Fragmento 1 - Texto III ....................................................................... 120
Figura 26 – Fragmento 2 – Texto III ....................................................................... 122
Figura 27 – Fragmento 3 – Texto III ....................................................................... 122
Figura 28 – Fragmento 1 – Texto IV ...................................................................... 123
12
Figura 29 – Fragmento 2 – Texto IV ...................................................................... 124
Figura 30 - Fragmento 3 – Texto IV ...................................................................... 125
Figura 31 – Fragmento 1 – texto V ........................................................................ 127
Figura 32 – Fragmento 2 – Texto V ....................................................................... 128
Figura 33 – Fragmento 3 – Texto V ....................................................................... 128
Figura 34 – Fragmento 1 – Texto VI ...................................................................... 130
Figura 35 - Fragmento 2 – Texto VI ....................................................................... 131
Figura 36 - Fragmento 3 – Texto VI ....................................................................... 131
Figura 37 – Fragmento 1 – Texto VII ..................................................................... 133
Figura 38 – Fragmento 2 – Texto VII ..................................................................... 134
Figura 39 – Fragmento 3 – Texto VII ..................................................................... 134
Figura 40 – Fragmento 1 – Texto VIII .................................................................... 136
Figura 41 – Fragmento 2 – Texto VIII .................................................................... 138
Figura 42 – Fragmento 1 – Texto IX ...................................................................... 139
Figura 43 – Fragmento 2 – Texto IX ...................................................................... 140
Figura 44 – Fragmento 3 – Texto IX ...................................................................... 141
Figura 45 – Fragmento 1 – Texto X ....................................................................... 142
Figura 46 – Fragmento 2 – Texto X ....................................................................... 143
Figura 47 - Fragmento 3 – Texto X ........................................................................ 143
Figura 48 - Fragmento 4 – Texto X ....................................................................... 143
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15 CAPÍTULO I - LÍNGUA, LINGUAGEM E TEXTO .................................................... 18
1 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E LÍNGUA COMO UMA PRODUÇÃO SOCIAL .. 18
1.1 O texto como unidade dotada de sentido .......................................................... 25
1.2 Discurso e gêneros do discurso ......................................................................... 29
1.3 Um diálogo necessário: texto e discurso ............................................................ 34
CAPÍTULO II - PRODUÇÃO DE TEXTO E ENSINO ............................................... 36
2 A ESCRITA COMO PROCESSO DE INTERAÇÃO ............................................... 36
2.1 Usos de linguagem e escrita .............................................................................. 39
2.2 Produção textual na escola: uma relação com a leitura e a escrita ................... 44
2.3 PCN e texto: uma nova unidade de ensino-aprendizagem ................................ 57
2.4 A interlocução como origem do processo comunicativo ..................................... 62
CAPÍTULO III - AUTORIA: UM OUTRO OLHAR SOBRE O TEXTO ESCRITO ...... 66
3 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: papel do aluno e do professor ............................ 66
3.1 Relacionando texto/autoria no espaço escolar ................................................... 71
3.2 Textualidade e indícios de autoria: a visão de Beaugrand, Dressler e Possenti . 80
3.3 Fatores que contribuem para os sentidos do texto ............................................ 80
3.4 As diversas vozes presentes no texto: heterogeneidade marcada e não marcada
................................................................................................................................. 82
3.5 Os PCNs e a questão da autoria ........................................................................ 84
3.6 Orlandi e a visão sobre texto e discurso ............................................................. 86
CAPÍTULO IV - DELINEANDO OS RESULTADOS DA PESQUISA: INDÍCIOS DE AUTORIA NAS PRODUÇÕES TEXTUAIS .............................................................. 88
4 PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA .............................................. 88
4.1 Escolha do local da pesquisa ............................................................................. 89
4.2 Sujeitos da pesquisa .......................................................................................... 91
4.3 Procedimentos para coleta de dados ................................................................. 91
4.4 Atividade em sala de aula .................................................................................. 92
4.5 Procedimentos para análises ............................................................................. 93
CAPÍTULO V - ENSINO E PRODUÇÃO ESCRITA ................................................. 95
5 FILME “O CIRCO” ................................................................................................. 95
5.1 Charlie Chaplin e o icônico Vagabundo .............................................................. 95
5.1.1 “O Circo” ......................................................................................................... 98
5.1.2 A cena na jaula do leão ................................................................................. 100
CAPÍTULO VI - PROPOSTA DE ANÁLISE DE PRODUÇÕES DE ALUNOS ........ 107
6 CONDUÇÃO DA ATIVIDADE OBSERVADA........................................................ 108
6.1 Sujeitos inscritores e sua relação com o texto .................................................. 110
6.1.1 Proposta de análise de produções de alunos ................................................ 110
14
6.2 Texto escolar: a autoria na produção do aluno, modos de observar ................. 111
6.3. Sobre as análises ............................................................................................ 144
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 147 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 152 APÊNDICES .......................................................................................................... 158 APÊNDICE A – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL ................................................. 159 APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......... 160 APÊNDICE C – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ............................................ 163 ANEXOS ................................................................................................................ 164 ANEXO A – TEXTO I: “O Circo” ............................................................................. 165 ANEXO B – TEXTO II: “O Circo” ............................................................................ 166 ANEXO C – TEXTO III: “Charles Chaplin na jaula do leão” .................................... 167 ANEXO D – TEXTO IV: “Loucura no Circo” ............................................................ 168 ANEXO E – TEXTO V: “O Circo da Criatividade” ................................................... 169 ANEXO F – TEXTO VI: “O Circo” ........................................................................... 170 ANEXO G – TEXTO VII: “Super-Heroína por um dia” ............................................ 171 ANEXO H – TEXTO VIII: “A jaula do leão” ............................................................. 172 ANEXO I – TEXTO IX: “O Circo” ............................................................................ 173 ANEXO J – TEXTO X: “O Circo” ............................................................................ 174
15
INTRODUÇÃO
A dissertação intitulada: “Aluno: autor (e) (ou) produtor de textos? uma
investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do ensino fundamental de
uma escola pública estadual de Picos – PI” foi elaborada a partir da seleção, leitura
e observação de práticas de escrita de alunos do nono ano do ensino fundamental,
integrantes de uma das turmas de uma escola pública de Picos, no interior do
estado do Piauí, a 360 quilômetros da capital, Teresina.
Como o título sugere, investigamos na escrita do aluno do nono ano, o modo
como o sujeito interage com o interlocutor no texto, marcando seu projeto
comunicativo. Para isso, identificamos práticas de textos, no acompanhamento em
uma atividade em sala de aula e comentamos os textos produzidos na aula
observada. Essa investigação partiu do pressuposto de que, se por um lado, a
escola passa por um processo de transformação nas práticas pedagógicas do
professor, por outro lado, o aluno ainda apresenta muita resistência com relação ao
processo da prática com a escrita. Conforme Koch (2014, p. 31):
Se houve tempo em que era comum a existência de comunidades ágrafas, se houve um tempo em que a escrita era de difícil acesso ou uma atividade destinada a alguns poucos privilegiados, na atualidade, a escrita faz parte da nossa vida, seja porque somos constantemente solicitados a produzir textos escritos (bilhete, e-mail, listas de compras, etc, etc.), seja porque somos solicitados a ler textos escritos em diversas situações do dia-a-dia (placas, letreiros, anúncios, embalagens, e-mail, etc, etc.).
Nessa perspectiva, a escrita conduz quase todas as práticas sociais dentro e
fora da escola, portanto, são muitas as possibilidades de apropriar-se dela; e
diferentes objetivos fazem parte dessa prática. Nosso contato com o mundo ocorre
por meio da escrita, ou seja, o aluno escreve; mas que valor é dado a essa escrita
no contexto escolar? O que evidencia no trabalho do professor quanto a legitimidade
da escrita do aluno? De que modo o aluno se posiciona quando se manifesta
discursivamente por meio da escrita?
Questionamentos que sugerem diferentes modos de observação, sobretudo
porque a escrita, como qualquer outro discurso, no contexto escolar é atravessada
pela voz do outro, ou seja, pela voz do professor. Discursos sobre práticas com
textos na escola têm procurado, em muitas situações, legitimar o dizer do aluno, por
16
meio de um olhar que não prioriza somente aspectos gramaticais, mas uma
valorização das marcas discursivas que esse aluno utiliza na construção textual.
O estudo concentrou-se na identificação de possíveis indícios de autoria nas
produções textuais de alunos, observando como esses alunos se marcam
discursivamente nos textos, com base nos estudos de Possenti (2002/2009),
Cavalcanti (2010) e outros autores apresentados no corpo do estudo; no entanto,
com um cuidado particular de centrar nossa apreciação nas contribuições da
Linguística Textual para os estudos sobre autoria.
Com a pesquisa, verificamos que a prática escolar convive, ainda, com
posturas metodológicas contraditórias, muitas encaminham a atividade com a escrita
nos moldes em que o aluno escreve uma redação para o professor corrigir,
correspondendo a uma tarefa escolar. São raras as atividades no contexto de ensino
em que o aluno se prontifique a escrever um texto com intenções atribuídas por si
mesmo, é bem comum haver um intuito comunicativo já atribuído pelo professor.
Mesmo a escrita de um bilhete para um colega de turma, uma informação
trocada entre colegas, um convite, uma carta para a professora, podem ser
encontrados tais indícios, embora não façam parte da lista de gêneros comuns no
contexto de ensino, circulam de modo significativo, comunicam e são legítimos,
mostrando a linguagem em sua força ilocucional.
Essa força ilocucional diz respeito a todas as práticas possíveis de inserção
do sujeito no seu universo discursivo consigo e com o outro a partir de escolhas
O estudo em questão está organizado em seis capítulos. No primeiro,
intitulado: “Língua, Linguagem e Texto”, abordamos alguns conceitos de língua,
linguagem e texto. No segundo: “Produção de texto e ensino”, tratamos sobre a
importância do trabalho com o texto em sala de aula, sob diferentes perspectivas.
No terceiro capítulo, “Autoria: um outro olhar sobre o texto escrito”, o texto
traz um apanhado teórico sobre os conceitos de autoria na visão de diferentes
autores que investigam a temática. No quarto capítulo: “Delineando os resultados da
pesquisa: indícios de autoria nas produções textuais”, apresentamos a metodologia
da pesquisa, identificando todas as fases desse processo, até chegarmos aos
resultados, que foram analisados por meio de um diálogo e um cuidado em buscar
interseções entre a Análise do Discurso, de linha francesa, a partir dos estudos de
Michel Pêcheux e da Linguística Textual, seguindo os fundamentos pragmático-
enunciativos.
17
Os dados nos levam a verificar que muitos avanços têm ocorrido com relação
ao trabalho do professor; principalmente, tentativas de mudança nas concepções de
ensino. A forma como o aluno conduz a sua escrita, é também um diferencial,
porque esse aluno inserido no processo de ensino e aprendizagem tem se
destacado em outras práticas de escrita fora do contexto escolar, portanto afirmar
que ele não sabe “escrever” constitui, muitas vezes, um equívoco, pois se
observamos sua interação nas práticas diária, constataremos que a escrita faz parte
de sua vida, mesmo informalmente, ainda mais com o advento das tecnologias de
informação. No capítulo V, “Ensino e Produção Escrita”, apresentamos informações
pontuais acerca do filme utilizado na atividade aplicada pela professora. Nessas
informações, constam um pequeno texto sobre o autor Charles Chaplin e partes da
cena do filme “O circo” (1928).
No capítulo VI, “Proposta de análise de produções de alunos”, apresentamos
uma abordagem acerca da condução da atividade observada, a posição dos sujeitos
inscritos e sua relação com a autoria a partir de uma inscrição nos seus modos de
dizer. Ainda neste capítulo, observamos de que forma os alunos se marcaram nos
textos e, se de fato, eles apresentaram indícios de autoria.
Apresentamos, para finalizar, considerações acerca dos textos produzidos,
destacando pontos que indicam um processo de construção textual em que os
alunos demonstram que essa relação do texto com as condições de produção,
representam um referencial na forma com que apresentam o seu discurso.
Apresentamos os anexos e referências que foram utilizadas para subsidiar o estudo.
Os anexos, com os textos que foram coletados, permitem um acompanhamento
detalhado das escritas realizadas. Junto a eles, apresentam-se outros documentos
pertinentes à realização do estudo.
18
CAPÍTULO I
LÍNGUA, LINGUAGEM E TEXTO
Este capítulo trata de alguns conceitos de língua, linguagem e texto na visão
da literatura utilizada para subsidiar o tema em discussão. Além disso, trata, no
terceiro item, acerca do discurso como uma forma de tentarmos compreender esse
processo de construção do texto, que pode ocorrer ora pelo viés da Linguística
Textual (LT), ora pelo viés da Análise do Discurso (AD). Defendemos uma
possibilidade maior de integração de teorias, uma vez que a linguagem, na sua
forma mais interativa e real, é o meio mais eficaz de interação social.
1 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E LÍNGUA COMO UMA PRODUÇÃO SOCIAL
Antes de tratar de linguagem e língua como uma produção social não há
como deixar de remetermos à Linguística da Enunciação de Émile Benveniste
(1966-1974), que além das importantes contribuições do estruturalismo de F. de
Saussure através do seu Curso de Linguística Geral (1969), os estudos de
Benveniste representaram mais um avanço para os estudos sobre linguagem e
discurso, embora esse autor tenha tratado o discurso sob a perspectiva de um eu
subjetivo interagindo-se com um tu intersubjetivo, diferentemente da noção de
sujeito sócio-histórico de Bakhtin(2006/1981)
A contribuição de E. Benveniste aos estudos sobre linguagem se dá
relacionada à noção de sujeito e linguagem no mundo, como também à questões
relacionadas a quem atribuir a responsabilidade pelas imagens ou representações
construídas nos textos. E seus estudos sobre enunciação ajudaram a responder tais
questões.
O referido autor no texto Da subjetividade da linguagem (1988) nega o caráter
instrumental da linguagem na medida em que rechaça a oposição homem e
linguagem. Para ele o homem se constitui na e pela linguagem, não podendo esta
ser algo exterior aos sujeitos. Tomar a linguagem como instrumento de comunicação
seria uma contradição já que os instrumentos são coisas exteriores aos sujeitos,
algo que não ocorre com a linguagem, pois a mesma é parte constitutiva dos
homens vivendo em sociedade. Os homens se definem falando uns com os outros a
partir dos dispositivos de enunciação, ou seja, a partir desse ”colocar em
19
funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (Benveniste, 1989, p.
82). Ato individual porque irrepetível e em uma ação única. Sendo assim a
enunciação é o próprio ato de produzir um enunciado e é através dos enunciados
que se analisam as marcas da enunciação.
Em Beveniste (1989) é o próprio ato da enunciação que proporciona a
comunicação entre os interlocutores do ato comunicativo, isto é, sujeitos que
expressam um eu (subjetivo) que diz eu relacionando-se com um tu (intersubjetivo)
que também propõe um eu subjetivo, em oposição a uma não-pessoa ele durante o
ato enunciativo participante também desse processo, pois quando falamos de ele
também falamos de nós mesmos. Isto quer dizer que no ato enunciativo quando os
sujeitos falam de ele também falam de si porque na relação com o mundo através da
linguagem, as representações serão sempre numa perspectiva de um eu subjetivo.
Percebe-se que os sujeitos da enunciação emanam na instância do discurso
portanto não existindo a priori, ou seja, todo enunciado propõe implícita ou
explicitamente um eu subjetivo, porque todo o funcionamento da linguagem é para
Benveniste um ato subjetivo, ou seja, os homens estão presentes nas línguas que
usam e consequentemente os sujeitos estarão marcados nos seus discursos.
Outro tema que merece ser citado nas contribuições de Benveniste é sua
noção de referência, elemento importante para o desenvolvimento dos estudos
sobre linguagem. Para ele “a „referência‟ da frase é o estado de coisas que a
provoca, a situação de discurso ou de fato a que ela se reporta e que nós não
podemos jamais prever ou fixar” (BENVENISTE, 1989, p. 231). O que significa dizer
que a referência está contida no ato enunciativo, ou seja, é na instância da
enunciação com seus processos de referenciação que as coisas passam a existir na
voz de seus interlocutores (um eu dirigido a um tu que também se dirige a um eu).
Após traçar brevemente as valiosas contribuições de Émily Benveniste aos
estudos sobre linguagem dando ênfase no seu caráter subjetivo, nada mais
pertinente unir tal discussão ao caráter social da linguagem na voz de Bakhtin
(2006/1981).
A linguagem é como uma ação social, além de ser característica fundamental
para que o homem fortaleça os vínculos sociais por meio da interação, subsidiada
por uma constante transformação e posicionamentos para com outras pessoas.
Essa linguagem a que nos referimos neste trabalho é condicionada por inúmeras
possibilidades de uso em diferentes instâncias do mundo social, concreto e
20
empírico. Sendo assim, na sua forma mais ampla, ela significa um caminho a ser
percorrido entre o sujeito e o discurso e a sua relação com a representação no e
com o mundo linguístico.
Segundo Preti (2000), desde o nascimento, as pessoas estão cercadas pelos
signos linguísticos, o que dá ao homem o poder de comunicar-se, tornando a língua
o meio mais comum para a comunicação.
Sons, gestos, imagens, diversos e imprevistos, cercam a vida do homem moderno, compondo mensagens de toda a ordem [...] transmitidas pelos mais diferentes canais como a televisão, o cinema, a imprensa, o rádio, o telefone, o telégrafo, os cartazes de propaganda, os desenhos, a música e tantos outros (PRETI, 2000, p. 12).
Independentemente de quais sejam os canais, a língua desempenhará um
papel de grande relevância, tanto na forma oral, quanto na forma escrita. Essa
dinâmica cria (ou recria) novas maneiras de comunicar-se com o mundo.
Consequentemente, a sociedade só existirá, caso a língua exista (PRETI, 2000),
pois esta é a manifestação da vida em sociedade.
O reconhecimento da importância da linguagem na vida social e mesmo a
atribuição de “poder” que lhe é conferida, têm levado desde cedo, muitos estudiosos
a fazerem observações e pesquisas acerca da língua, o que de alguma forma
contribuiu para o surgimento de algumas teorias linguísticas, tais como o
Estruturalismo, o Gerativismo, a Linguística do texto, a Sociolinguística, a
Dialetologia, além das teorias enunciativas, a saber: Análise do discurso e da
Conversação e a Pragmática.
Entender o processo da linguagem e de como ela age no mundo, é
necessário também que compreendamos esse universo que caracteriza o papel
social, o como e quando ela age no contexto das esferas humanas. Por isso, a
linguagem, sobretudo na prática de escrita, tem o papel de inserir o sujeito numa
determinada esfera social, de modo a torná-lo um sujeito de ação nas atividades
discursivas ali existentes. O sujeito da atividade discursiva é o sujeito da língua em
funcionamento, que em diferentes perspectivas, atua socialmente por meio de uma
linguagem em forma de enunciados.
No capítulo 5, „Língua, fala e enunciação‟, de Marxismo e Filosofia da
Linguagem, Bakhtin (2006/1981) nos apresenta uma reflexão acerca da língua
enquanto um sistema, cuja posição se define a partir das condições em que ocorrem
21
os processos de interação. O autor, inicialmente se posiciona acerca da seguinte
questão: em que medida um sistema de normas imutáveis – isto é, sistema de
línguas, conforma-se com a realidade? Respondendo a esse questionamento, o
autor afirma que “nenhum dos representantes do objetivismo abstrato confere ao
sistema linguístico, um caráter de realidade eterna” (BAKHTIN, 2006, p. 83). Desse
modo, a língua se constitui a partir de regras criadas e recriadas pelos usuários num
determinado tempo e espaço.
O caráter social da língua permite de alguma forma, estabelecer hipóteses
para o seu funcionamento na fala e na construção dos enunciados. Enunciados que
nos colocam no mundo em posição de locutor e interlocutor, capazes de fazer e
refazer o próprio dizer quando estamos numa relação de interação com o outro.
Para o autor, é a partir do ponto de vista da consciência individual que a
língua se apresenta como sistema de normas rígidas e imutáveis.
Na verdade, se fizermos abstração da consciência individual subjetiva e lançarmos sobre a língua, um olhar verdadeiramente objetivo, um olhar, digamos oblíquo, ou melhor, de cima, não encontraremos nenhum indício de um sistema de normas imutáveis (BAKHTIN, 2006, p.83)
Esse olhar sobre a imutabilidade da língua enfatiza o seu caráter
multifacetado. A língua é esse sistema que evolui de acordo com as necessidades
dos indivíduos que a utilizam. Observá-la sob diferentes aspectos, constitui a base
para compreendermos sua construção passa notoriamente por dois campos: o
sincrônico e o diacrônico, visto o seu processo dinâmico.
Bakhtin (2006, p. 84) acentua que de um ponto de vista objetivo, o sistema
sincrônico não corresponde a nenhum momento efetivo do processo de evolução da
língua, uma vez que “o sistema sincrônico da língua só existe do ponto de vista de
consciência subjetiva do locutor de uma dada comunidade linguística num dado
momento da história”.
O sistema linguístico passa por transformações, pois está inserido na própria
constituição do ser humano. Obviamente, todas as questões a que se refere o
processo evolutivo da língua são relacionadas com a “consciência subjetiva dos
indivíduos que participam da coletividade regida por normas que formam esse
sistema” (BAKHTIN, 2006, p. 84). Essas normas, conforme o autor, variam de
acordo com o grau de coerção que exercem, pela extensão de sua escala social e
pelo grau de significação social.
22
Essa língua que descrevemos, a partir de uma posição objetiva e/ou subjetiva
difere também, pela sequência de sua relação com a consciência individual, pois
quando falamos de língua no âmbito do enunciado, nos reportamos ao que o sujeito
enuncia e como enuncia.
Conforme Bakhtin (2006, p. 84), “dizer que a língua, como sistema de normas
imitáveis e incontestáveis, possui uma existência objetiva é cometer um erro. ” Isto
porque, segundo o autor, exprime-se uma relação perfeitamente objetiva quando se
diz que a língua constitui relativamente à consciência individual, um sistema de
normas imutáveis, considerando que este é o modo de existência da língua para
todo membro de uma dada comunidade linguística.
A compreensão do funcionamento da língua num sistema mais abstrato cria
de certa forma, uma possibilidade de adequar à concepção de língua e de sujeito
como essenciais para explicar nossa tomada de posição com relação ao que
significa a língua num sistema tão heterogêneo como é a construção de um
enunciado em determinadas situações da comunicação. Nesse sentido, a questão
suscitada por Bakhtin (2006, p. 85) acerca do que o objetivo abstrato captou com
relação ponto de vista da consciência subjetiva do locutor ao que ele respondeu
negativamente, considerando que o sistema “é uma mera abstração, produzida com
dificuldade por procedimentos cognitivos determinados”.
Enunciados que se produzem e/ou que se reproduzem são assim, reflexos da
própria história dos enunciadores e de suas posições na esfera social na qual estão
inseridos. Acreditamos que a posição de Bakhtin não encerra a discussão sobre o
papel da língua enquanto objeto de interação social, porque na medida em que nos
inserimos num grupo, novas formas de interação também se modificam, tendo em
vista a dinamicidade do processo de interação.
Concordamos com Bakhtin (2006), quando afirma que o locutor se serve da
língua para suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção
da língua está orientada no sentido de enunciação da fala). Essa construção diz
respeito à forma, pois ele utiliza a língua na sua atividade mais concreta. Para ele (o
locutor) o que importa é a figuração da forma linguística num determinado contexto.
Língua e enunciação no sentido da interação constituem a base para a
consciência linguística do sujeito no contexto social. “A consciência linguística e dos
sujeitos falantes não tem o que fazer com a forma linguística enquanto tal, nem
23
como a própria língua como tal” (BAKHTIN, 2006, p. 96). A forma como essa língua
age socialmente produz um efeito social entre os indivíduos, isto por que:
Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial (BAKHTIN, 2006, p. 96).
A consciência linguística estabelece os princípios de entendimento a partir
dos quais podemos reagir quando algo nos é dito e as reações que sentimos diante
determinados enunciados. Segundo Bakhtin (2006, p. 89), “a língua não no seu uso
prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida”.
No que concerne à vida, as palavras são feitas para serem compreendidas. A
consciência do falante estabelece uma relação com o seu cognitivo, porque há uma
relação de verdade entre o que se enuncia e o que se pretende alcançar em termos
de interação, uma vez que “toda enunciação, mesmo na forma mobilizada da escrita,
é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da
cadeia dos atos de fala” (BAKHTIN, 2006, p. 99). Construímos enunciados à medida
que nos projetamos no mundo social e no mundo da língua.
Essa língua, que na sua forma mais elementar cria uma cadeia de ações
sociais, por meio das quais a comunicação concretiza os conflitos e as discussões
que significam o mundo e o sujeito. Somos conduzidos por nossos enunciados, que
surgem a partir de uma inscrição em determinadas situações do mundo social.
Conforme Bakhtin (2006, p. 99) “cada inscrição constitui uma parte inalienável da
ciência ou na literatura ou da vida política”. Por isso, conta com as reações
compreensivas em determinados contextos.
A língua é vista, por um lado, como sendo provida de uma dimensão
imanente, aquela própria do sistema autônomo, como um conjunto de recursos
disponíveis, que pode ser ativada pelos falantes quando estes precisarem. Em
contrapartida, ela também comporta a dimensão do sistema em uso, que é preso a
realidade histórico-social da sociedade, designando, assim, uma língua que, mesmo
na condição de sistema, continua fazendo-se, construindo-se.
Pela dimensão do sistema em uso, a língua perde a condição de sistema de
signos, além de deixar de ser um conjunto de regras ou de frases gramaticais, para
24
definir-se como um fenômeno social, como uma prática de atuação interativa,
dependente da cultura de seus usuários.
A linguagem é o suporte e a mediação pela qual tudo passa de um indivíduo a
outro, de uma a outra geração. É o meio pelo qual se criam e se instauram os
valores que dão sentido a todas as coisas, inclusive o próprio homem. Não se pode
reduzir a linguagem ao falar certo ou errado. A interação na e pela linguagem pode
instituir uma relação de autonomia entre os sujeitos, pois essa característica de
comunicar-se usando várias linguagens é única e exclusiva do ser humano.
Conforme Benveniste ([1966]1989, p. 222), “a linguagem significa, que é o seu
caráter primordial, sua vocação original que transcende e explica todas as funções
que ela assegura no meio humano”.
Por seu caráter dialógico, a linguagem nos torna capazes de agir socialmente,
porque das muitas funções que exerce, uma delas torna-se essencial para
concretizar esse “significar”, pois como bem afirma Benveniste ([1966]1989, p. 222),
“a linguagem bem antes de servir para comunicar, ela serve para viver”, e viver em
diferentes contextos, em situações também diversificadas, para significar e situar o
sujeito, enquanto produtor de um enunciado com uma linguagem própria, específica.
Essa linguagem que significa nos é apresentada de diferentes formas.
Formas que são determinadas também, pelas condições de quem produz ou de
como produz uma linguagem, que dependendo da situação na qual está inserida,
gera sentidos diversos. Concordamos com Benveniste ao postular que falar da
linguagem numa perspectiva de significado, não é atribuir qualquer significado ao
que se diz, uma vez que a significação não é qualquer coisa que lhe seja dado como
acréscimo. A linguagem significa, porque ela significa o mundo, mais
especificamente o mundo textual, repleto de discursos prontos para serem
interpretados, por meio de uma leitura, de uma escrita, de uma reescrita.
Para falarmos desses significados, desses sentidos, nos guiaremos por uma
aventura mais significativa, menos complexa, mas com uma carga semântica que
ultrapassa a fronteira da palavra e da frase e que nas mais diversas construções,
nos permite apreender uma série de fatores que incidem sobre o ato de dizer,
quando nos propomos a participar da discussão acerca do que pode ser definido
como texto para contemplar uma proposta de trabalho que envolve a linguagem na
sua forma mais simples, a linguagem do texto escrito.
25
Que sentidos são atribuídos ao texto enquanto unidade sociocomunicativa e,
de que forma podemos falar de texto, numa definição que abarque a formação
discursiva e/ou a competência comunicativa de um falante no processo de aquisição
da linguagem? As fronteiras existentes nos diversos conceitos não serão abordadas,
entretanto, o texto como unidade de sentido constitui a base da seção, porque
inicialmente o nosso conceito de texto está inserido no fato de o texto ser esse
artefato linguístico onde os sentidos são (re) construídos, por meio de vozes que se
cruzam, numa cadeia interminável de significados que se alternam.
O texto para nós, é essa possibilidade de ação e agir no mundo, a partir de
um enunciado único, com sentidos múltiplos, perceptíveis no falar, no ler e no ouvir.
Portanto, falar do texto, enquanto unidade de sentido significa criar possibilidades de
compreender como o trabalho com ele pode ser um diferencial no processo de
ensino e aprendizagem.
1.1 O texto como unidade dotada de sentido
Apresentar e/ou discutir conceitos de textos, representa um grande desafio
para um trabalho, cujo tema está voltado para a identificação de marcas de autoria
em textos produzidos por escolares que estão nas etapas finais do Ensino
Fundamental, e, portanto, devem ter desenvolvido competências discursivas no
trabalho com o texto. Ao definirmos um objeto de estudo nos deparamos com
inúmeros conceitos e esses conceitos podem nos situar no que concerne ao
desenvolvimento do que objetivamos construir ao longo de nossa exposição.
Nessa seção, pretendemos apresentar alguns conceitos de textos,
escolhidos a partir de uma literatura mais acessível, tendo em vista que as
pesquisas e as diversas concepções de textos são inúmeras e diversificadas. Por
isso, nos nortearemos por conceitos que atendam ao que pretendemos analisar.
Sabe-se que a comunicação linguística (e a produção discursiva em geral)
não se dá em unidades isoladas, tais como fonemas, morfemas ou palavras soltas,
mas em unidades maiores, ou seja, por textos (MARCUSCHI, 2008). Portanto, é no
texto e por meio dele, que há o processo da interação. Conforme Marcuschi (2008,
p. 72), “o texto é o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral
definidas por seus vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona”. O texto é
26
assim, um fenômeno que ultrapassa o nível da palavra e da frase, e muitas vezes,
define a posição do sujeito no mundo social discursivo.
Adotar determinado conceito de texto é algo muito complexo, tendo em vista
a multiplicidade de interpretações possíveis para os vários conceitos existentes.
Conforme Custódio Filho (2011, p. 57), “o conceito é o ponto focal que indica, ao
mesmo tempo, de onde se parte e o que respalda as constatações a que se quer
chegar”. Ou seja, a partir das definições podemos vislumbrar o que de fato,
podemos enxergar com relação ao nosso objeto de estudo.
Concordamos com o autor quando enfatiza o fato de que se por um lado é
difícil estabelecer uma definição exclusiva de texto e que seja suficientemente
completa, por outro lado, é possível perceber recorrências nas definições comuns, o
que nos permite uma compreensão maior da incidência de termos que permeiam os
diversos conceitos no panorama atual dos estudos. Termos como “interação”,
“prática”, “propósito”, “intenção”, “coerência”, “conhecimento” e “contexto”, segundo
Custódio Filho (2011), são expressões que aparecem nas mais diversas definições
de texto, o que de alguma forma, nos faz compreender que o texto funciona a partir
do “quê” e de “como” dizemos algo ao mundo físico, pois como afirma Marcuschi
(2008), o texto é uma (re)construção do mundo e não uma simples refração, isto é,
nos comunicamos e representamos no mundo por meio de textos, sejam verbais e
não-verbais, tendo em vista que a linguagem é esse ir e vir que retrata o mundo
numa visão mais interativa.
Essa unidade comunicativa que chamamos de texto, discursivamente se
amplia à medida que o sujeito insere uma forma nova de se representar no mundo.
Por seu caráter dialógico, a linguagem no texto o torna dinâmico e, portanto,
suscetível de transformações, seja no sentido, seja na forma.
Como afirma Marcuschi (2008), por ser tido como um tecido estruturado,
uma entidade significativa, uma entidade de comunicação e um artefato sócio
histórico, o texto é esse construir ininterrupto de sentidos, que agem culturalmente
de acordo com as condições em que são produzidos e das concepções de língua
que adotamos quando nos referimos ao sujeito, enquanto produtor da linguagem
num determinado texto e num determinado contexto.
Conforme Beaugrand (1997, p. 10) apud Marcuschi (2008, p. 72), “o texto é
um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”.
Essa definição segundo Marcuschi (2008) envolve uma perspectiva de tudo o que se
27
pode tratar com relação à produção textual numa perspectiva, também sócio
discursiva. Entendemos que essa perspectiva discursiva, diz respeito a todo um
processo de interação da ordem do sujeito e da forma como esse sujeito se coloca
no mundo social discursivo.
No contexto interacional, percebemos que um texto é tecido de muitas
possibilidades. Ele não está pronto, porque o seu sentido é construído pelo leitor na
medida em que estabelece uma relação interlocutiva no enunciado que formou um
texto. Um texto é construído com uma determinada função comunicativa, e essa
função diz respeito a um dos aspectos essenciais para a construção de sentido: o
aspecto interacional. Dessa forma, se concebermos o texto sob este aspecto,
compreenderemos que ele é mais que um espaço passível de regras, é um lugar
onde os sentidos são construídos.
Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológica (que seria a “mensagem” do autor-deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, oriundos de mil focos da cultura (BARTHES, 2004, p. 62).
E como um tecido de citações, produz diferentes efeitos no produtor e no
leitor. Estes efeitos são relacionados com os acontecimentos inerentes à cultura de
quem produziu o texto. Porque esse texto, que hoje conceituamos a partir de uma
situação interativa, na fase inicial das pesquisas, denominada a fase transfrástica,
conforme Koch (2011, p. 23):
[...] era conceituado como uma sequência ou combinação de frases, cuja unidade e coerência seria obtida através da reiteração dos mesmos referentes ou do uso de elementos de relação entre segmentos maiores ou menores do texto.
Nesse contexto, tínhamos um conceito de texto que em nenhuma hipótese
considerava a situação comunicativa, o que de certa forma, distanciava a relação
sujeito discursivo, ou seja, se o contexto comunicativo não era considerado, o papel
do interlocutor era nulo, o que importava era a ação, desconsiderando-se a reação.
Texto e contexto não se cruzavam, tendo em vista o caráter exclusivista da noção de
texto, como estrutura linguística realizada sem a participação de sujeitos ativos.
28
Concordamos com a afirmação de Koch (2011), quando ressalta que o
sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não depende
somente da estrutura textual em si mesma (daí a metáfora do texto com um iceberg).
O que está implícito no texto é o que pode muitas vezes, fazer sentido, uma vez que
o texto apresenta segredos que precisam ser desvendados (KOCH, 2011). Isto
porque o produtor do texto sempre supõe por parte do leitor uma possível
compreensão acerca do que foi produzido. Essa produção de sentido, diz respeito à
unidade significativa que é o texto.
Para a construção desse sentido, faz-se necessário um percurso teórico
acerca das noções de texto, como uma rede de conexões que permitem ao próprio
texto uma definição mais interativa, tendo em vista o caráter coercitivo dos conceitos
existentes, uma vez que o texto, assim como a língua, é heterogêneo no que
concerne à sua constituição e ao seu dizer.
O texto que fala é um texto que retrata a realidade, como afirma Marcuschi
(2008, p. 72): “o texto refrata o mundo na medida em que o reordena e reconstrói”.
Ou seja, nos comunicamos por meio de textos que representam a nossa
competência comunicativa e a forma como escolhemos nos representar
textualmente demonstra também, a nossa competência discursiva.
Falar de competência discursiva é enfatizar também, a competência
sociocomunicativa dos falantes/ouvintes, que de acordo com Koch (2011, p. 53),
“leva-os à detecção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas
sociais”. Assim, o trabalho e a identificação dos diferentes gêneros que circulam
socialmente podem ser a base para um ensino, cujos objetivos maiores dizem
respeito ao desenvolvimento de habilidades e competências do aluno para exercer
um papel social relevante, não como mero coadjuvante, mas como um ser que age e
transforma de forma consciente, a própria história.
Na seção a seguir, faremos uma abordagem acerca dos gêneros e do
discurso, porque na sociedade em que mudanças formam e transformam
paradigmas, é necessário que a escola (re)veja suas ações e todas as
possibilidades de mudanças, sobretudo com relação à inserção de movimentos de
linguagem que façam a diferença nas práticas pedagógicas e no processo de ensino
e aprendizagem.
29
1.2 Discurso e gêneros do discurso
O trabalho com o texto envolve diversos fatores que podem contribuir para
uma compreensão mais significativa do que ele representa no desenvolvimento das
práticas discursivas. Abordaremos a seguir, questões relacionadas aos gêneros do
discurso, tendo como suporte as discussões teóricas de Bakhtin ([1979] 2003) e
Marcuschi (2008). Priorizamos os aspectos relacionados aos gêneros do discurso,
porque entendemos a sua importância na inserção de diferentes textos nas
atividades de produção textual escrita nos ciclos finais do Ensino Fundamental.
Bakhtin ([1979] 2003) contribuiu de forma decisiva para o estudo dos gêneros,
sendo estes de grande relevância para as pesquisas e os estudos linguísticos. O
autor trouxe para a discussão, a importância dos gêneros do cotidiano que não
constituíam objeto de investigação dos linguistas, uma vez que os estudos sobre
gêneros tinham como referência os gêneros literários.
O autor relaciona o uso da linguagem com as atividades humanas e defende
ainda, que o caráter e a forma de uso dessa linguagem é multiforme. Nesse sentido,
os gêneros assumem um caráter infinito, tendo em vista que a cada dia ampliamos o
uso da linguagem para atender às nossas necessidades comunicativas, devido ao
surgimento quase que automático de novos gêneros no espaço virtual.
Desse modo, o autor enumera três elementos essenciais para a
caracterização dos gêneros: “conteúdo temático, estilo e construção composicional”.
Acrescenta ainda que:
Todos esses elementos - o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora tipos estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, [1979] 2003, p. 262).
O conceito de gêneros do discurso apresentado ressalta a relevância do
conteúdo (sobre o que se fala ou sobre o que se escreve), do estilo (como se fala ou
como se escreve) e da forma (como se materializa, quanto à estrutura física do texto
falado e do texto escrito). Ou seja, para dar forma a um texto, o produtor precisa
definir um conteúdo e usar de forma adequada um estilo do gênero discursivo
desejado e/ou solicitado.
30
Conforme Bakhtin ([1979] 2003, p. 263), os gêneros se apresentam em dois
grupos: gêneros primários (simples), que se formam nas condições de comunicação
imediata e gêneros discursivos secundários (complexos), predominantes
principalmente, no meio artístico, científico e sociopolítico. Ressalta-se que, no
processo de formação de um gênero secundário, são incorporados e reproduzidos
diversos gêneros primários. Esses, por sua vez, “perdem o vínculo imediato com a
realidade concreta e os enunciados reais alheios”. Sendo assim, os gêneros
primários e secundários estão intrinsecamente ligados e, independentemente de sua
natureza, simples ou complexa, são diversificados, refletindo assim, o uso da
linguagem.
Segundo Bakhtin ([1979] 2003, p. 282), “nós falamos por diversos gêneros
sem suspeitar da sua existência”. No contexto escolar, percebemos a utilização
desses gêneros: os primários, nas conversas informais entre alunos, professores e
demais integrantes da escola; e os secundários nos eventos sociais que ocorrem
dentro da escola (palestras, planejamentos, reuniões pedagógicas, dentre outros).
Vale ressaltar que a escolha do gênero determina também a forma de organização
do nosso discurso, das escolhas lexicais, estruturas gramaticais e construção de
enunciados.
A discussão sobre gêneros proposta por Marcuschi (2008) envolve uma
análise do texto e do discurso considerando, dentre outros aspectos, aqueles de
caráter descritivo da língua, e também os de caráter socioculturais. O conceito de
gêneros defendido pelo autor diz que:
Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas sociais, institucionais e técnicas (MARCUSCHI, 2008, p. 155).
Marcuschi aborda variados temas com relação aos estudos dos gêneros,
estabelecendo teoricamente, a diferença entre tipo textual e gênero, a relação
oralidade e escrita, a influência da mídia e os suportes textuais. Entretanto, as
reflexões feitas pelo autor acerca dos gêneros e do ensino de Língua Portuguesa
são cruciais para que se compreenda que um ensino voltado para o
desenvolvimento das competências de escrita, que tenha como base a exploração
dos gêneros do discurso, pode ser o diferencial nas atividades de produção textual.
31
Quanto às tipologias textuais, o trabalho com a produção textual em sala de
aula deve acontecer a partir de uma abordagem dos diversos gêneros que circulam
nas esferas sociais. As formas como os textos se apresentam constituem a base
para que o aluno, desde cedo, consiga escrever de forma autônoma, utilizando para
isso, todas as competências de leitura e escrita adquiridas ao longo de sua vida
escolar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1998) sugerem que o ensino
de produção textual, bem como o processo de compreensão dos textos, tenha como
referência os gêneros textuais. Do mesmo modo, Koch (2011, p. 56) enfatiza que “a
situação escolar apresenta uma particularidade: [...] nela o gênero deixa de ser uma
ferramenta de comunicação, passando a ser ao mesmo tempo, objeto de
ensino/aprendizagem”. Segundo Schneuwly & Dolz (2004) apud Koch (2011, p. 56)
há três maneiras de se abordar a produção textual na escola: 1) os gêneros são
“naturalizados”, sua forma não depende das práticas sociais, mas são vistos como
modelos socialmente valorizados de representação do real ou do pensamento; 2) as
ocasiões de produção de textos se multiplicam, na classe, entre classes, entre
escolas-texto livre, correspondência escolar, jornal da classe e murais. Os gêneros
são, portanto, resultado do próprio funcionamento da comunicação escolar; 3) nega-
se a escola como lugar particular de comunicação, ou seja, age-se como se
houvesse continuidade absoluta entre o exterior da escola e o seu interior.
Nessa perspectiva, o trabalho com a produção textual no universo escolar
passa a ser abordado sobre outro viés, isto porque, na grande maioria das
instituições, a concepção de gênero limita-se à produção de texto narrativo,
descritivo e dissertativo, desconsiderando que a produção textual deve ter como
referencial o grande número de gêneros que circulam socialmente.
Essa discussão que envolve o trabalho com os gêneros no universo escolar é
crucial para construirmos e definirmos um ponto de vista acerca do que
compreendemos enquanto texto, discurso e gêneros do discurso. O fato de
trabalharmos também com a produção de texto na escola nos impulsiona a defender
uma postura de que o texto como interação ou como atividade significativa, pode ser
o diferencial naquilo que a escola se propõe a desenvolver, quando decide fazer um
trabalho com base no que é sugerido nos PCNs, com relação ao processo de leitura
e da escrita.
32
Porém, ainda vemos na sala de aula a predominância da tipologia narrativa
em relação às demais e pouca variação em relação aos gêneros que se podem
praticar em escrita e compreensão com os alunos. Uma das questões fundamentais
para entendermos a relação entre texto, discurso e gênero, é compreender como de
fato, os conceitos são imbricados e, portanto, podem ser percebidos numa cadeia de
enunciados, em uma determinada situação de interação social. Marcuschi (2008)
fala que não é interessante fazer uma distinção rígida entre texto e discurso,
considerando que a tendência é ver um contínuo entre ambos. A discussão proposta
por Marcuschi (2008) deixa claro que texto e discurso são atividades
complementares da atividade enunciativa. Ele ressalta que o discurso dar-se-ia no
plano do dizer (a enunciação) e o texto no plano da esquematização (a
configuração). E entre ambos está o gênero, como aquele que condiciona a
atividade enunciativa.
Essa relação que se estabelece entre texto, discurso e gênero, nos permite
perceber que no plano linguístico não há como definir as fronteiras que os separam,
uma vez que todas as ações da linguagem são permeadas por um discurso que se
materializa no texto e esse texto está inserido em um determinado gênero.
O surgimento automático de gêneros no espaço virtual amplia as
necessidades de uso da linguagem de forma diversificada, por isso, defendemos
uma concepção de texto que nos permita enxergar essa interação entre o texto, o
discurso e o gênero para compreendermos esse universo de sentidos
(re)construídos na cadeia discursiva que envolve o sujeito e a linguagem. Essa
linguagem representada por um enunciado efetivo. A cadeia discursiva tem início
naquilo que o sujeito se propõe no momento da enunciação.
Pode-se, no entanto, dizer que toda enunciação efetiva, seja qual for a sua forma, contém sempre, com maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou de um desacordo com alguma coisa. Os contextos não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto (BAKHTIN, 2006, p. 109).
Contextos, interações sociais e discursivas fazem parte de todas as formas de
linguagem das quais o sujeito utiliza para se manter num determinado grupo social,
e isso só é possível porque há uma necessidade de inserção nos grupos, seja da
ordem do texto, seja da ordem do discurso. Apropriamo-nos muitas vezes, de um
33
“dizer” que não é nosso, mas que faz parte do universo social no qual estamos
inseridos, por isso, nossa posição enquanto locutor e/ou interlocutor define também,
a nossa forma de ver o mundo e agir socialmente e linguisticamente.
Esse agir, diz respeito ao “como” construímos os nossos enunciados,
conforme nos diz Bakhtin (2006, p. 114): “a enunciação é o produto da interação de
dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor
real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual
pertence o locutor”.
Trazemos para nossa reflexão um conceito de discurso conforme Gallo
(1989), para a qual, o discurso se define como prática linguística de um sujeito em
determinadas condições de produções (sociais, políticas, históricas etc.). Conceito
que consideramos importante, tendo em vista que essas condições de produções
têm a ver com o que o produtor escolhe no momento de realizar uma atividade de
escrita. A autora faz uma importante abordagem acerca do discurso e do texto,
enfatizando que o texto é considerado como o produto de um discurso. E esse
discurso dialoga com todas as possibilidades de utilização da linguagem no âmbito
da produção textual.
Entendemos que a relação entre discurso e gênero diz respeito a toda uma
gama de atividades linguísticas que envolve o sujeito, quando este se apropria da
linguagem, tendo em vista que há infinitas formas de usos na interação do sujeito
com o texto no ato do dizer. Texto que significa e que conduz o ato da enunciação e
do discurso por meio dos inúmeros gêneros que circulam no mundo físico e virtual.
Definimos um objeto de estudo a partir de um diálogo com diversas teorias,
porque embora nos reportemos ao texto, como fazê-lo, sem entendermos que a
materialidade linguística está relacionada ao que é construído na consciência, nas
necessidades de concretização dos atos enunciados num determinado momento e
numa situação específica? A partir de uma possibilidade de integração entre objetos
de estudos diferentes, mas que caminham numa mesma direção faremos uma
pequena abordagem reflexiva acerca do texto e do discurso, porque consideramos
fundamental esse diálogo.
34
1.3 Um diálogo necessário: texto e discurso
Considerar o texto como unidade de sentido, pode ser fundamental para
compreendermos a dimensão de uma abordagem quando a proposta maior é
analisar textos escritos, considerando que esses textos não são produzidos no
vazio. Há sujeitos envolvidos, com histórias de vida, com uma posição específica
acerca do seu papel na história da sociedade, por isso, devemos manter um diálogo,
com o que escrevemos (o texto) e com aquilo que intencionamos com o que
escrevemos (o discurso).
Iniciamos com um conceito de texto proposto por Costa Val (2006, p. 03), para
quem “a noção de texto é utilizada para definir a concepção de textualidade”. O
texto se caracteriza por ser uma ocorrência linguística “dotada de unidade
sociocomunicativa semântica e formal”, isto é, o que queremos dizer via texto tem a
ver com a nossa necessidade de nos representarmos no mundo e assim, enunciar
as nossas ideias, o nosso pensar. E assim, o fazemos de forma discursiva.
O discurso é então, essa formalização do nosso dizer, é esse sentido
multiplicado de muitas palavras e frases, formando uma sentença maior, que não é
definida pela extensão, mas pela carga semântica textual. “Toda palavra é sempre
parte de um discurso. E todo discurso se delineia é na relação com outros dizeres
presentes e dizeres que se alojam na memória” (ORLANDI, 2013, p. 43). Essa forma
de discurso só é possível pelo viés do texto, porque nos comunicamos por meio de
textos, ora verbais, ora não-verbais.
Como afirma Orlandi (2013, p. 70), “compreender como um texto funciona,
como ele produz sentidos, é compreendê-lo enquanto objeto linguístico-histórico, é
explicitar como ele realiza a discursividade que o constitui”. Sendo assim, não
podemos falar de texto sem fazermos essa relação entre texto e discurso, sobretudo
no nosso trabalho, tendo em vista que adotaremos o conceito de texto, que a nosso
ver, abarca um pouco de todas as reflexões feitas acerca da linguagem no texto, no
discurso e nos gêneros:
O texto é a unidade de análise afetada pelas condições de produção e é também o lugar da relação com a representação da linguagem: som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. Mas é também, e, sobretudo, espaço significante: lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade. Como todo objeto simbólico, ele é objeto de interpretação (ORLANDI, 2013, p. 72).
35
Com essa definição, acreditamos que a linguagem é esse construir simbólico
entre o texto e o discurso, pois embora objetos de visões diversificadas, não há
como diferenciá-los, se o que pretendemos analisar é um “dizer” que é materializado
no texto. Texto esse, que sofre mutações positivas em todos os tempos,
principalmente devido, ao caráter dialógico da linguagem no processo de interação
social. Enfatizamos que o conceito de texto que embasará o nosso trabalho,
apresenta essa multiplicidade de sentidos que defenderemos nas análises, ou seja,
texto e discurso não possuem distinção rígida tal como se propõem em algumas
linhas da Análise do discurso quando falam desses dois termos. Ao contrário, são
entendidos como faces interdependentes.
Listamos esse conceito proposto por Orlandi, por entendermos que há muitos
pontos convergentes com a concepção interacional proposta por Koch (2004, p. 32-
33), na qual ela diz que:
Na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos que - dialogicamente - nele se constroem e por ele são construídos. A produção de linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia), mas a sua reconstrução e a dos próprios sujeitos - no momento da interação verbal (grifos da autora).
O conjunto de saberes, as práticas sociais, a importância das interações via
texto embutidos no conceito de Koch, nos possibilita enxergar essa relação possível
entre um conceito de texto proposto pela AD e um conceito proposto pela LT.
Entretanto, o nosso objetivo não é discutir a viabilidade ou se é correto ou não usá-
los, mas direcionar o nosso olhar para descobrir que há possibilidades de
trabalharmos de fato com a heterogeneidade da língua e do discurso.
No capítulo a seguir, trataremos da escrita como processo de interação a
partir de uma abordagem interacionista entre a linguagem como prática social e sua
relação com os processos de interlocução.
36
CAPÍTULO II
PRODUÇÃO DE TEXTO E ENSINO
2 A ESCRITA COMO PROCESSO DE INTERAÇÃO
A formação de alunos produtores de textos é um processo lento e contínuo.
De acordo com Cavalcanti (2010), a concepção de escrita como um “dom” foi
alimentada durante muito tempo por alguns escritores no campo literário, o que, de
certa forma, afasta a maioria daqueles que acreditam não terem sido agraciados
com o dom iluminado da mágica da escrita. Para a autora, a escola, que é a
instituição responsável para ensino da escrita, durante muito tempo pouco contribuiu
para o desenvolvimento da competência textual do aluno, no que diz respeito a uma
prática de escrita mais contextualizada, e que envolvesse de fato as competências
de escrita necessárias para que que este aluno fosse de fato inserido no processo
de escrita e apresentasse a sua competência textual.
Entendemos essa competência textual como a capacidade de o aluno
demonstrar, nas inúmeras situações de interação social, um desenvolvimento e
domínio oral e escrito, quanto ao uso das práticas de linguagem, adequando essas
modalidades aos diferentes enunciados e aos processos de interação; sendo assim,
é imprescindível que, na escola sejam oportunizadas condições e atividades de
ensino que possibilitem o seu desenvolvimento e aplicação.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1998, p. 75), “ao
produzir um texto, o autor precisa coordenar uma série de aspectos; o que dizer, a
quem dizer, e como dizer”. Esse „dizer‟ consiste num processo de interação
discursiva entre o locutor e o interlocutor, porque escrever é uma prática que requer
do sujeito uma participação ativa nos diferentes aspectos da construção do texto, o
que significa que ao produzir um texto, o interlocutor atua sobre os fatos de
linguagem produzindo sentidos para outro sujeito, o leitor, que também produzirá
sentidos, a partir do material textual-discursivo que dispõe, atuando também, sobre
ele, identificando elementos expressos em sua materialidade e inferíveis, a partir
dela, entremeando-os para uma construção de sentidos; por isso, produz sentidos
para quem escreve como para aquele que lê.
37
Nesse sentido, a escrita é um processo de interação. Geraldi (1997) afirma
que as relações interlocutoras que se empreendem em sala de aula não atendem ao
processo de interação ao que o texto se propõe. Isso pode ser justificado com a
prática que é notada comumente em algumas salas de aula: o que é proposto como
produção textual escrita são atividades para a atribuição de uma nota ou para
preencher o tempo que sobra da aula de “português”; quando não, absurdamente
aplicada como uma repreenda a algum comportamento ou “falha”, “ausência”, pelo
fato de o aluno ter “fugido de” alguma regra escolar, seja no cumprimento de uma
tarefa, seja no desvio de um comportamento adequado ao convívio entre seus
pares.
No sentido de tornar a prática de produção textual uma ação constante e
significativa, com objetivos reconhecidos na vida escolar do aluno, diversos projetos
educativos, oriundos, inclusive, de políticas governamentais1, têm sido implantados,
objetivando uma maior inserção das necessidades de desenvolvimento das
habilidades e capacidades das competências desse aluno.
Nas escolas públicas estaduais, projetos inovadores têm dado um novo rumo
ao processo de ensino, tendo em vista o incentivo a bolsas de estudos e programas
como o Mais Educação2 e o ProEMi3, no caso do ensino médio, que contemplam
atividades de inserção dos alunos em atividades extracurriculares, como tentativas
de melhorar o desempenho, sobretudo, no que se refere às práticas de leitura e
produção textual.
Alguns sistemas brasileiros de avaliação, como a Olimpíada de Língua
Portuguesa, que acontece anualmente, direcionada para os alunos das escolas
públicas, nos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio; e também o
1 Mais informações, disponível em: < http://portal.mec.gov.br/ >.
2 Mais Educação: Programa criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo
Decreto 7.083/10. Constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para a inclusão da
construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a
jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias por meio de atividades optativas
nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos
humanos em educação, cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso das
mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica.
3 O ProEmi tem como objetivo apoiar e fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares
inovadoras nas escolas de ensino médio, ampliando o tempo dos estudantes nas escolas e buscando
Garantir a formação integral com a inserção de atividades que tornem o currículo mais dinâmico,
atendendo também às expectativas dos estudantes do Ensino Médio e às demandas da sociedade
contemporânea.
38
SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), desenvolvido para identificar os
problemas e as diferenças regionais do ensino, resguardados pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN‟s), indicam que é nas séries finais do Ensino
Fundamental que os alunos devem ter desenvolvido habilidades e competências de
leitura e escrita. Portanto, acreditamos que essas habilidades e competências
podem ser observadas nas diferentes formas como o aluno constrói um texto e
como através dele consegue se marcar enquanto um produtor que sabe o que fala,
como fala e para quem fala. Apesar dessas avaliações, o retorno em relação aos
índices de rendimento do aluno não se aproxima muito da realidade no ensino da
escrita na escola. Muito pouco se faz para modificá-la, cabendo ao professor seguir
solitário para atender às exigências de uma educação com qualidade, em que a
leitura e a escrita sejam prioridades.
Pesquisas realizadas em escolas brasileiras, que têm o foco voltado para
questões referentes à leitura e à escrita, como o Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB), a Prova Brasil e as Olimpíadas de Língua Portuguesa, as quais
subsidiam o cálculo do Índice da Educação Básica (IDEB), mostram que avanços
significativos têm ocorrido, tanto nos anos iniciais, quanto nos anos finais do Ensino
Fundamental, apesar de termos, ainda, problemas com evasões, repetência e uma
taxa de analfabetismo crescente em alguns estados. De acordo com os resultados
do IDEB, divulgados no último dia cinco de setembro de 2014, houve um avanço nas
séries iniciais e nas séries finais do Ensino Fundamental.
O Piauí superou as metas propostas pelo Ministério da Educação (MEC) para
serem alcançadas em 2013 no ciclo inicial do Ensino Fundamental (de 4º ao 5º ano)
e no ensino médio, igualando a meta do ciclo final do Ensino Fundamental (8º ao 9º
ano).
De acordo com os dados do IDEB (2014), a rede estadual do Ensino
Fundamental II (8º e 9º ano), obteve a nota 3.6 igualando a meta estabelecida (3.6).
No Ensino Fundamental I (4º e 5º ano), a pontuação foi 4.1, alcançando o mesmo
resultado do ano passado, acima da média projetada que é de 3.7. Com relação ao
Ensino Médio, houve um pequeno avanço - 3.0 -, ficando dois décimos acima da
média projetada, que é de 2.8. (Os dados são do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), divulgados pelo Ministério da Educação (MEC, 2014).
Os dados acima demonstram um pequeno avanço em relação ao processo de
ensino e aprendizagem, sobretudo, no que concerne às tentativas de um trabalho
39
ativo na sala de aula, voltado para novos enfoques metodológicos nos aspectos de
leitura e escrita, embora as condições para a concretização desse ensino ainda seja
um longo caminho a ser percorrido.
2.1 Usos de linguagem e escrita
As orientações propostas nos PCNs recomendam que a escola tenha
condições necessárias para que o aluno possa aprender de forma significativa,
principalmente, no caso das atividades de produções textuais, tanto orais quanto
escritas, considerando seu contexto sociocultural e as práticas interativas nas quais
ele se envolve, de modo que o ensino escolar possa atender aos objetivos voltados
para a sua formação enquanto cidadão e que ele possa se posicionar criticamente e
ampliar sua competência comunicativa, o que, certamente, terá reflexo na
construção de seus textos e no posicionamento como sujeito inserido em um
contexto e atuando sobre ele.
Enfim, considerar o papel do aluno como sujeito/produtor e as formas como
produz o seu texto não tem sido o objetivo das aulas dedicadas às produções
textuais escritas. Será mais adequado afirmar que, é mais comum, aulas de redação
acontecerem e continuar sendo realizadas quase sem objetivos definidos. Nessa
perspectiva, fazemos a distinção entre o aluno escrever para a escola, no sentido
de escrever para o professor verificar se ele aprendeu o universo da escrita por ele
ensinado, o que rompe a linha dialógica locutor-interlocutor na concepção interativa
da produção; e não produzir na escola, com o sentido de ver no professor um leitor,
logo, coautor para o seu texto, dialogar com ele e apresentar suas ideias,
considerando-o um possível leitor, dentre tantos outros (GERALDI, 1993).
No primeiro momento, escrevendo o texto para a escola, o aluno escreve a
redação escolar; a preposição “para” já assinala uma ideia de destino, o professor é
simplesmente seu destinatário, a quem entrega mais uma tarefa. E, no segundo
momento, escrevendo o texto na escola, o aluno produz seu texto para leitores
diversos, coautores, é o locutor em dado contexto de produção compartilhando
ideias, interagindo com seu leitor; a projeção de um contexto, localização e a
possibilidade de interação, pertença a, pode ser marcada na preposição “a”.
No contexto de sala de aula, no caso de uma produção sem a determinação
de um professor, ou até mesmo com a indicação do tipo de texto, são muitos
40
caminhos para acompanhar o processo de organização de uma materialização do
dizer pelo aluno: a estrutura composicional do texto, o estilo, a adequação do
registro de linguagem a (re)nomeação de elementos textuais-discursivos, o emprego
de elementos dêiticos, etc. Essas escolhas evidenciam um processamento que
demonstra uma ação criativa com e sobre a linguagem e não ao “sopro divino”,
associado ao potencial criativo do sujeito, como diz Minayo (1994, p. 16), mas como
um acaso de ideias surgidas para preencher horários vazios.
As dificuldades de produção textual escrita, as condições sociais e
pragmáticas em que esses textos são produzidos induzem-nos ao entendimento de
que, no dia a dia em sala de aula, o aluno tem pouco espaço como interlocutor ou,
então, tem em si um modelo de diálogo escolar no qual ele não se vê manifestando
suas ideias.
Esse sujeito que se expressa produzindo textos, seleciona ideias, fatos,
constrói um discurso, e a escola precisa permitir o espaço para a voz desse sujeito
que, às vezes, não se manifesta porque se considera acuado para “escrever”, tem
receio de “escrever errado”, “não sabe usar as palavras certas”, “tem receio de a
professora rir do seu texto”, “não consegue escrever muitas linhas, ou número de
linhas estabelecido”. O que, certamente, não ocorreria e não viria a ser um problema
se, desde as séries iniciais, os alunos tivessem a prática da escrita com as
orientações e as condições necessárias para o desenvolvimento com autonomia.
Sobre essa afinidade com as práticas de linguagem e consequentemente
uma prática de escrita, Cavalcanti (2010) ressalta a importância do momento em que
o produtor avalia o texto produzido, momento em que o escrevente ocupa a posição
de leitor. Ou seja, a formação do sujeito, enquanto produtor de texto está associada
à forma como é conduzida a prática de escrita nas diferentes instâncias de ensino. É
fundamental considerar que distância que se estabelece entre os reais objetivos da
escrita e a forma como ela ocorre no contexto escolar podem ser minimizadas a
partir de uma prática mais voltada para a valorização daquilo que o aluno escreve.
A formação do sujeito produtor passa por um processo de adequação às
regras, de descobertas das convenções e coerções impostas pelo mundo letrado
(CARVALHO, 2002). Dito de outro modo, para que os alunos se tornem sujeitos
escritores e produtores, no sentido de uma escrita autônoma, com relação à
construção de sentidos, é necessário conhecer a escrita, o compromisso de ensino
da escola e o trabalho de criatividade a partir dela. Com isso, será desenvolvida a
41
produção numa perspectiva interativa, considerando os níveis de conhecimento do
aluno e sua memória social, de modo que se reconheça no seu texto uma relação de
afinidade com as práticas de linguagem e sentidos em construção, adequando-se a
interações.
Conduzir a aprendizagem a partir do processo de produção textual é uma
forma de sair da passividade no ensino da escrita, quebrando os ciclos de
dificuldades que temos vivido, e motivar nossos alunos a desenvolverem a escrita
comunicativa.
Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. [...] sobretudo, é porque no texto que a língua-objeto de estudos- se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação [...] (GERALDI, 1997, p. 135).
O ensino de Língua Portuguesa no que concerne às práticas de produção
textual no âmbito da sala de aula ganha contribuições teóricas e metodológicas com
as teorias do texto e do discurso, descritos, por exemplo, na redação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). As reflexões atuais da Linguística
Textual, também contribuem de modo relevante para o ensino, porque veem o texto
ultrapassando limites da frase, considerando o sujeito e a situação de comunicação
indissociáveis, segundo Koch (2005).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), portanto, sugerem que o
ensino de produção textual, assim como o processo de compreensão dos textos,
seja feito a partir dos gêneros textuais. Para Koch (2014, p. 31), “a escrita é um
trabalho no qual o sujeito tem algo a dizer e o faz sempre em relação a um outro
com um certo propósito”, o qual se organiza em enunciados e gêneros, que
conforme Bakhtin (2003), são eventos textuais criados a partir das necessidades
sociais e históricas dos falantes nas diversas práticas comunicativas, adaptando-se
às situações cotidianas de comunicação.
O ensino de língua pautado no texto representa o diferencial para que o
aluno, na formação para a escrita, desenvolva uma prática que seja significativa
para a sua história na escola e em outras esferas da sociedade. Sabemos que o
aluno enfrenta muitos obstáculos para a aquisição e domínio da escrita, em
decorrência de práticas de escrita descontextualizadas em relação a contextos
42
diversos de ensino e aprendizagem e situações e vivências sociais. Para Cavalcanti
(2010), por não conseguir um bom desempenho quando se trata da escrita de textos
de verdade, com significação para o sujeito, aqueles produzidos e que circulam fora
da escola, o aluno acredita que não consegue escrever por uma incapacidade
discursiva.
Em nossa sociedade predomina uma concepção de escrita que reduz a
prática de textos ao domínio de habilidades que não dão conta da complexidade do
ato de escrever, isso porque, segundo Geraldi (1997), a escola não estimula o aluno
a ocupar uma posição de sujeito, atuando com e sobre a linguagem, com autonomia
para expressar-se. As atividades de ensino visam à reprodução de conhecimentos e
não construção, não compreendendo e assim, desconsiderando o locutor, sua
inserção sócio-histórica-cultural e o entorno que o envolve.
Essas reflexões encontradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
e nas Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs), os quais primam por um ensino que
priorize os contextos reais, permite à educação brasileira uma descrição-ação-
depuração-descrição, visando a ressignificação no ensino de língua materna, razão
pela qual se investe na formação continuada dos professores, embora de modo
tímido em muitas regiões do Brasil, particularmente em interiores.
Para o currículo de Língua Portuguesa focalizar o texto como objeto de ensino
e, por extensão, selecionar os processos de leitura e escrita como fios condutores
no processo de aprendizagem, foram estabelecidos encaminhamentos: os
conteúdos de ensino são apresentados sob dois eixos, em relação às práticas
discursivas: usos de linguagem e reflexão sobre a língua e a linguagem. No eixo
usos de linguagem, destacam-se aspectos que envolvam o contexto de uso da
língua pelos falantes, caracterizando o caráter enunciativo da linguagem, sua função
comunicativa, ressaltando-se para o ensino os seguintes itens: a historicidade da
linguagem; o contexto de produção dos enunciados; a produção de textos orais e
escritos; o modo como o contexto de produção contribui para a organização do
discurso, ou seja, as tipologias comunicacionais (gêneros e suportes).
Esses eixos nos fazem perceber que competências e habilidades a serem
desenvolvidas assinalam para o emprego da linguagem como prática social, e a
produção de textos escritos deve ser ensinada como um meio para se atender a
várias “demandas sociais [...] considerando as diferentes condições de produção do
discurso” (BRASIL, 1998, p. 32).
43
Essas orientações conduzem para o desenvolvimento de competências.
Cavalcanti (2010) ressalta que a competência diz respeito à capacidade de produzir
textos em diferentes gêneros adequados a múltiplas situações. As práticas de escrita
pautadas na atividade mecânica de redação não contribuem para que os alunos se
marquem discursivamente no seu texto. Assim como Cavalcanti (2010), Koch (2011,
p. 53) reafirma que “a competência sociocomunicativa dos falantes/ouvintes leva-os
à detecção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais”.
Acrescenta ainda que:
A competência textual de um falante permite lhe, ainda, averiguar se em um texto predominam sequências de caráter narrativo, descritivo, expositivo e/ou argumentativo não se torna difícil, na maior parte dos casos, distinguir um horóscopo, de uma anedota ou carta familiar, bem como, por outro lado, um texto real de um texto fabricado, um texto de opinião de um texto predominantemente informativo e assim por diante (KOCH, 2011, p. 53).
Para as autoras, a competência textual está associada às diversas
habilidades de leitura e de escrita que o sujeito pode desenvolver no decorrer de sua
formação e do uso que ele faz da linguagem oral e escrita. Isto porque estamos
falando de uma competência comunicativa plurissignificativa, que conforme Senna e
Carvalho (2015, p. 73):
Para desenvolver a competência comunicativa, é preciso compreender as regras de uso da língua; fazer adequação aos usos de linguagem aos mais variados contextos de comunicação; produzir textos orais e escritos de acordo com o propósito comunicativo; realizar as práticas de linguagem de modo coeso e coerente; articular e criar conteúdo no texto com os recursos dispostos na língua para as mais diversas situações de interação, superando possíveis ruídos de comunicação.
Os discursos mais divulgados atualmente, sobre o ensino de escrita,
advogam que a escola tem o papel de construção de saberes, a partir do acesso a
informações diferenciadas, contextualizadas e eficientes para a formação crítica e
reflexiva do aluno, enquanto sujeito que se (re)constrói num processo contínuo de
desenvolvimento de competências, visando uma prática de leitura para a produção
escrita.
Informações diferenciadas que podem transformar concepções de ensino e
assim, trazer para a prática do professor, possibilidades de mudanças e olhares
44
diferenciados para o texto que o aluno produz e o valor de legitimação que ele pode
ter nas relações sociais desse sujeito com o mundo e consigo mesmo.
Este capítulo aborda a temática da produção textual em sala de aula, seus
diversos aspectos e suas peculiaridades. Ademais, analisa essa produção e sua
relação com o processo de escrita e leitura. Também é estudada a percepção da
produção textual a partir dos PCNs.
2.2 Produção textual na escola: uma relação com a leitura e a escrita
Não se nega a individualidade nem a responsabilidade pessoal, mas se afirma que as formas enunciativas e as possibilidades enunciativas não emanam de um indivíduo isolado e sim de um indivíduo numa sociedade e no contexto de uma instituição (MARCUSCHI, 2008, p. 63).
Iniciamos esta seção com alguns conceitos de texto que consideramos
fundamentais para a base teórica do nosso trabalho. Ressaltamos que a nossa
contribuição aos conceitos apresentados são da ordem de uma compreensão ainda
pouco disseminada pela escola. As práticas de leitura e escrita estão entre as
maiores dificuldades de professores e alunos, embora seja crescente a demanda de
cursos de formação continuada dos docentes, investimentos dos governos na
adoção de livros didáticos e, sobretudo, na ampla tentativa de uma adequação das
propostas pedagógicas fundamentadas nos PCNs.
Para falar sobre o texto no ambiente escolar, precisa-se primeiramente
discutir alguns conceitos impertinentes. Fávero e Koch (2000, p. 25) apresentam ao
conceito de texto duas concepções. Primeiramente, o texto é designado em sentido
mais amplo como:
Toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma escultura, um poema, etc.), e, se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso diálogos) e o evento de sua enunciação.
Percebemos que a concepção textual vai além dos escritos previamente
organizados, uma vez que no nosso dia a dia, estamos cercados de manifestações
textuais, que vão além do texto escrito padrão. Numa outra concepção, o texto é
concebido num sentido mais restrito, como podemos observar:
45
O texto consiste, então, em qualquer passagem falada ou escrita que forma um todo significativo independente de sua extensão. Trata-se, pois, de um contínuo comunicativo contextual caracterizado pelos fatores de textualidade: contextualização, coesão, coerência, intencionalidade, normatividade, aceitabilidade, situacional idade e intertextualidade (FÁVERO, 1995, p. 07).
Neste sentido, notamos a preocupação com o interlocutor, nos seguintes
aspetos: “quem se fala”, “o que se fala”, “quem fala” e “quem escuta”, pois é no texto
que o sujeito/produtor interage com o interlocutor. Nessa acepção de texto há uma
maior preocupação com a organização interna dos elementos discursivos, aspecto
este que atribui maior importância à organização formal dos enunciados tendo em
vista que:
O texto passa a ser visto como o próprio lugar da interação, e os interlocutores como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e por ele são construídos. A produção de linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de saberes, mas, sobretudo, a sua reconstrução no momento da interação verbal (KOCH, 2008, p. 31)
Assim, os textos usados em sala de aula devem ser condizentes com a
realidade dos alunos, bem como adequados às necessidades dos envolvidos no
processo de ensino e de aprendizagem. Pensar no texto como atividade de ensino,
significa uma adequação de posturas, aceitação das limitações de aprendizagens
dos discentes e criação de estratégias que estimulem, criativamente, a produção de
textos com autoria.
Entendemos autoria não no sentido de autor de uma obra, mas como um
texto construído a partir da capacidade discursiva do aluno, ou seja, o texto com
autoria seria um texto que apresenta marcas singulares do universo linguístico do
produtor, um texto coerente, coeso, porém norteado por marcas discursivas próprias
de quem de fato, deseja ou necessita se representar num espaço onde somente
poucos são agraciados e/ou valorizados: o espaço da escrita. Essas marcas podem
ser representadas por: um dizer diferenciado (uma substituição inusitada, uma
representação diferenciada de um gênero, a inserção de elementos como uma
forma de causar ineditismo no texto), esse dizer diferenciado vai evidenciar as
possibilidades de encontrarmos indícios de autoria.
46
O texto enquanto unidade de ensino tem sido um grande desafio para o
professor de Língua Portuguesa. Se, por um lado os PCNs orientam para que essa
prática seja uma constante, por outro, há uma resistência em adotá-la, tanto pelo
professor, como pelo aluno. Esse desafio é decorrente de uma prática de ensino de
língua que sempre teve como base a aprendizagem voltada para a fixação de regras
gramaticais, cujo referencial mais significativo era o ensino da gramática normativa,
em que se decoravam as regras que eram utilizadas em exemplos fixos e, que se
alterasse uma palavra, não se sabia mais como fazer.
Considerando as concepções de língua e a inserção do texto como unidade
básica do ensino, há necessidade de se estabelecer uma ponte entre o que se
ensina, como se ensina e o que deve ser ensinado, sobretudo no processo de
ensino da produção de texto como ferramenta para o desenvolvimento das
competências comunicativas do aluno.
O conhecimento das discussões entre as teorias do texto e um ensino de
língua abrange a concepção de língua e a concepção de ensino que o professor de
língua adota nas aulas de Língua Portuguesa. Antunes (2003, p. 20), refletindo sobre
o ensino de língua, tendo o texto como unidade significativa, se expressa nos
seguintes termos:
A escola e em geral, o consenso da sociedade, ainda se ressente das heranças deixadas por uma perspectiva de estudo do fenômeno linguístico cujo objeto de exploração era a língua enquanto conjunto potencial de signos, desvinculada de suas condições de uso e centrada na palavra e na frase isolada. Essa visão de ensino descontextualizada do mundo e das práticas socioculturais têm determinado de alguma forma, um ensino de língua mecânico.
Cavalcanti (2010) acentua que a escola, enquanto instituição responsável
pelo ensino de escrita, pouco contribui para o desenvolvimento da competência
textual do aluno, o que incide sobre o fato de que, embora muito se discuta sobre a
importância da escrita, a busca pela inserção de formas de ensino que priorizem a
produção textual ainda é algo distante das práticas de ensino em sala de aula. Ou
seja, o que se tem na verdade é a escrita da redação mais especificamente nas
séries finais do ensino médio, com o objetivo de levar o aluno a “treinar para a prova
de redação do ENEM".
47
Realizamos em sala de aula uma prática de escrita ainda muito fora dos
padrões ideais para um ensino de língua cujos objetivos são voltados para o
desenvolvimento de uma formação discursiva autônoma.
Garcez (2004) enfatiza que o sentido e a construção de um texto só são
perceptíveis mediante uma prática social, de alguma forma o que pode mobilizar ou
levar o sujeito a produzir é a motivação. Nesse sentido, o que leva o aluno de
nossas escolas a escrever tem relação direta com o que ele pretende realizar no
decorrer de sua vida estudantil. Quando Garcez fala dessa produção motivacional,
acreditamos numa possibilidade vislumbrada pelo sujeito de ser inserido numa
esfera diferenciada da sociedade da qual ele faz parte.
Em nossa sociedade, a ideia de escrita ainda é associada ao fato de que só
alguns poucos “privilegiados” conseguem produzir com criatividade e originalidade.
Para Cavalcanti (2010), essa concepção de escrita como “dom” foi alimentada
durante muito tempo por alguns escritores. Discutir essa questão é fundamental para
que se perceba que escrever é um processo de maturação e não uma habilidade
reservada a poucos iluminados por um momento de inspiração. De acordo com a
autora, essa concepção afasta a maioria daqueles que acreditam não serem
agraciados por esse dom.
Podemos inferir que a inspiração disseminada ainda por muitos professores
em sala de aula, está ligada a uma prática de escrita direcionada com objetivos
claros e definidos para que o aluno seja um “ser pelo no seu dizer”, considerando
todos os conhecimentos dos quais ele é detentor, porque, antes de ser aluno, ele é
um sujeito com outras experiências sociais e culturais, as quais podem fazer parte
do seu texto dentro e fora do espaço escolar.
Ainda conforme Cavalcanti (2010, p. 86), “a prática da escrita, e talvez a
chave para o sucesso nessa prática, não depende de fatores mágicos, como
inspiração e dom, mas de muito trabalho, muitas idas e vindas ao texto para
modificações e ajustes”. Ou seja, a produção textual requer por parte do produtor
uma escrita constante e uma volta ao texto para fazer-se autor em diferentes
situações de escrita.
Quando falamos das constantes retomadas textuais, estamos nos inserindo
numa prática de escrita cujo privilégio precisa pertencer a muitos sujeitos, sobretudo
numa sociedade onde há uma busca incessante por respostas e questionamentos
48
acerca de respostas que hoje já não são suficientes para abarcarem as
necessidades que surgem no mundo dos “saberes”.
O trabalho com a produção de texto na escola é primordial para que o aluno
desenvolva de forma autônoma seu papel nas relações sociais dentro e fora dela.
Falar em produção textual na escola exige, conforme Geraldi (2006), considerar o
aluno, que de mero aprendiz passa a ser agente desse processo, cujas práticas
mais significativas dependem da forma como estas são abordadas em sala de aula.
Conforme Antunes (2003), o trabalho com a escrita ainda é bastante falho na
escola, acontecendo muitas vezes de forma mecânica e periférica, centrada em
habilidades motoras, puramente gramaticais, perdendo o foco principal do ensino,
que deveria primar pelo desenvolvimento social comunicativo do aluno e não a uma
escrita artificial e inexpressiva, como vem ocorrendo.
Considerando o início de um trabalho com o texto escrito, torna-se necessário
atentar para o fato de que um texto não pode ser visto como uma mera sequência
de frases independentes, que podem ser apresentadas de forma aleatória, mas
como uma forma de interação entre enunciador e enunciatário. A produção de texto
tem acontecido na escola, entretanto, o que se percebe é a ausência de objetivos
que contemplem a língua enquanto ferramenta de práticas sociais. Geraldi (2006, p.
25) afirma que “a produção de textos na escola foge totalmente ao sentido de uso da
língua: os alunos escrevem para o professor (único leitor quando lê os textos). A
situação da língua é, pois, artificial”. Isso implica que as atividades de produção
devem ser redirecionadas de forma a privilegiar a competência discursiva do
produtor. Geraldi (2006) ressalta ainda, que os textos trabalhados em sala de aula
são corriqueiros e cansativos, costumam ser solicitados durante todo o ano letivo:
redação sobre férias, cartinhas de dia das mães, ou pequenos textos juninos,
repetidos ano após ano e em nada contribuem para uma prática de produção
significativa.
Para o autor, o professor deve dispor de estratégias para acrescentar novos
tipos de textos mais relevantes, que chamem a atenção dos alunos para que estes
não se habituem somente a esses tipos de produção, e futuramente venham a sentir
dificuldades nas produções de textos mais complexos. Koch (2014, p. 32)
acrescenta que, apesar da complexidade que envolve a questão da escrita, nos
deparamos com definições tais como: “escrita é inspiração”, “escrita é uma atividade
49
para alguns poucos privilegiados” [...]; “escrita é trabalho que requer a utilização de
diversas estratégias da parte do produtor”
E nessa complexidade, a escrita de textos, sobretudo de textos escolares há
tentativas de se considerar que um trabalho com a escrita, envolve a escolha e a
adequação de concepções de texto como um referencial para o desenvolvimento
das competências comunicativas do sujeito que escreve.
Cavalcanti (2010, p. 89), acentua que, se levarmos em conta nossas
experiências, a ideia de escrita como trabalho mostra-se mais adequada, porque se
trata de um conjunto de práticas, de um processo bastante complexo, que em nada
lembra um momento único, do qual resultaria o texto pronto e acabado.
Escrever, para muitos, no sentido de se representar, pode ser muito difícil,
pois a escrita é um processo que tem focos diversificados, sobre os quais incidem
questões que vão desde a produção de uma frase à produção de um texto mais
elaborado. Conforme Koch (2014), a escrita tem foco na língua, no escritor e na
interação. Por isso, é fundamental que no processo de ensino, a prática com a
produção textual seja uma constante nas aulas de Língua Portuguesa.
O uso efetivo da escrita no contexto escolar em situações das mais variadas
possíveis, com objetivos também diversificados, a capacidade leitora do aluno, tem
sido responsabilidade oficial e tradicionalmente atribuída ao professor de Língua
Portuguesa. Segundo os PCNs (1998), para ser considerado competente em Língua
Portuguesa, sobretudo nos aspectos de leitura e escrita, o aluno precisa ler e
escrever de maneira adequada e relevante. Significa dizer que a maior
responsabilidade para que o aluno atinja esse estágio não depende somente de um
professor, mas de todos os envolvidos no processo de aquisição do conhecimento.
Essa escrita adequada pode não ser representativa quando nos referimos a
um processo de construção de saberes, porque num contexto social em que sujeitos
interagem por meio de linguagens variadas, essa escrita também pode ser
diversificada. O que é esse escrever adequado? Esse e outros questionamentos,
muitas vezes não fazem parte das reflexões no processo de formação de leitores e
de quem escreve, porque escrever é um processo contínuo em que assim como
outras atividades, dentro e fora da escola, são elencados valores para que, de fato,
a escrita seja um evento social.
Escrever de maneira “adequada e relevante” pode não ser algo real do ponto
de vista da própria noção de sujeito que age socialmente e discursivamente, de
50
acordo com os contextos nos quais está inserido. Na verdade, ser adequado e
relevante constitui uma rigidez formal, o que distancia o sujeito, no caso o aluno, de
sua condição de se desenvolver a partir de uma liberdade de escolhas, até mesmo
do que e como escrever.
Uma das questões que fundamentam essa reflexão é: se um dos objetivos da
escola é desenvolver a competência leitora e a escrita autônoma dos alunos, por
que a maioria desses alunos tem tanta insegurança quando solicitados a
construírem textos escritos? Onde começa essa insegurança? . O texto com o, para
Koch (2014), é um evento sociocomunicativo que ganha existência dentro de um
processo interacional, ou seja, a construção de um texto escrito é o resultado de
inúmeras interações entre os sujeitos no decorrer de sua experiência escolar. Costa
Val (1991) conceitua o texto como uma linguagem em uso, cumprindo uma função
identificável num dado jogo de atuação sociocomunicativa. Esse jogo de sentidos e
de funções tem relação direta com as situações e as condições nas quais eles são
produzidos.
Orlandi (2001, p. 73), no contexto da Análise do Discurso (AD), área do saber
com a qual dialogamos, mas não é o nosso lócus teórico apresentou as
discussões sobre autoria e define texto como unidade de sentido em relação à
situação discursiva, considerando a materialidade do discurso e seus efeitos nas
manifestações concretas. Essas manifestações dizem respeito ao que o sujeito
produz, para quem produz, e em que condições ele produz o seu discurso, em
circunstâncias ideológicas, inclusive.
Ressaltamos que, diferentemente do que ocorre em outras esferas sociais, a
prática da escrita em algumas escolas ainda ocorre de forma burocrática,
desvinculada de qualquer evento social, ou propósito para a escrita, diferente de
uma simples tarefa escolar, pois, basicamente, quando o texto é solicitado, a função
se restringe ao cumprimento de um exercício mecânico proposto pelo livro didático.
Conforme Geraldi (2006, p. 65):
Antes de mais nada, é preciso lembrar que a produção de textos na escola foge ao sentido de uso da língua: os alunos escrevem para o professor (único leitor, quando lê os textos). A situação de emprego da língua é, pois, artificial. Afinal, qual a graça em escrever um texto que não será lido por ninguém ou que será lido, apenas por uma pessoa (que por sinal corrigirá o texto e dará nota para ele).
51
A visão de uma prática de texto escrito pautada nas práticas sociais e
associada aos diversos gêneros presentes na vida social do aluno deve fazer parte
de atividades de escrita na escola, isto porque, de acordo com os PCNs (1998), para
que o aluno aprenda a escrever, é preciso estar em contato com diversos textos
escritos, e assim construir textos a partir de situações reais. Interessa-nos então o
questionamento: que processos de escrita o aluno vivencia?
Diante da complexidade sobre as relações comunicativas na sociedade, dos
interesses diversificados, das possibilidades de aprendizagens ofertadas e das
práticas de escrita que o aluno tem contato, a escola vivencia um dilema no sentido
de fazer um trabalho coerente com os objetivos reais do ensino de Língua
Portuguesa e as várias alternativas de linguagem que o aluno vivencia no seu
ambiente social. Koch (2014, p. 32), enfatiza que:
Apesar da complexidade que envolve a questão, não é raro que, em sala de aula, quer em outras situações do dia a dia nos depararmos com definições de escrita, tais como: “escrita é inspiração; escrita é uma atividade para alguns poucos privilegiados (aqueles que nascem com esse dom e se transformam em escritores renomados); escrita é expressão do pensamento no papel ou em outro suporte; escrita é domínio de regras da língua; escrita é trabalho que requer a utilização de diversas estratégias por parte do produtor.
Essas diversas definições de escrita nos fazem acreditar que a forma como a
concebemos no universo da sala de aula podem ser transformadas mediante uma
prática mais voltada para a valorização do aluno enquanto sujeito. Koch (2014)
acrescenta que a escrita não se dissocia do modo pelo qual entendemos a
linguagem, o texto e o sujeito que escreve, tendo em vista que o sujeito produtor é o
dono do seu texto e tem capacidade para escrever, mesmo sem ter consciência dos
processos que envolvem a construção desse texto.
Compreendemos que o objetivo principal do ensino de Língua Portuguesa,
em qualquer nível de ensino, deva ser o de proporcionar o desenvolvimento da
capacidade de expressão da linguagem oral e escrita. Em outras palavras, o ensino
da Língua Portuguesa deve fazer com que o “aluno consiga expressar-se
adequadamente, equacionando problemas, buscando esclarecimentos, organizando
ideias, dando palpites, numa linguagem pessoal, capaz de expressar com clareza e
precisão o seu depoimento a respeito da realidade observada” (GUEDES, 1994, p.
11).
52
Nessa comunicação, a linguagem também é vista como uma forma de
interação humana, pois, como afirma Geraldi (1991, p. 43), “através dela o sujeito
que fala pratica ações que não conseguiria praticar a não ser falando. Com ela, o
falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não
preexistem antes da fala”.
Ensinar a ler e a escrever, sob nosso ponto de vista, não deve ser função
específica do professor de Língua Portuguesa. No entanto, tem-se constatado que a
produção escrita dos alunos, especialmente as produções textuais de alunos do
Ensino Fundamental, se situa abaixo da crítica. Muitos são os estudos publicados
que denunciam as falhas no ensino da escrita e apontam as causas do insucesso
dos alunos com relação à dissertação.
Uma pesquisa de extrema importância é a de Pécora, relatada no livro
Problemas de redação, com primeira edição em 1983, que se tornou leitura
obrigatória para quem atua com o ensino e com produção textual. A partir de um
“corpus” de aproximadamente mil e quinhentas dissertações, ele analisa treze tipos
de problemas encontrados nos textos dos alunos de Ensino Médio, como problemas
de acentuação, de pontuação, de ortografia, de norma culta, de emprego lexical, de
incompletude associativa, de emprego de relatores, de emprego de anafóricos,
problemas de redundância, de emprego de noções confusas, de noções de
totalidade indeterminada, de noções semiformalidades e problemas de lugar-
comum. Pécora (1992, p. 117-118) diz que:
Esse bloco de fracasso alerta para o fato de que o efetivo domínio da escrita apenas pode se dar como um desdobramento da práxis linguística e jamais como uma mera assimilação de técnicas e padrões. Para o autor, o conhecimento do que a escrita tem de mais específico exige menos cuidados técnicos, e mesmo pedagógicos, do que os de atualizar uma concepção ética de linguagem. Aponta, assim, o divórcio entre interlocução e as condições de produção da escrita escolar, originando os problemas de redação na escola. Esses problemas a nosso ver são decorrentes de uma série de fatores sociais, econômicos, estruturais que incidem sobre o que ou como esses textos são produzidos.
Referindo-se ao treinamento que o aluno recebe, Pécora (1992, p. 51) diz que
o processo escolar da modalidade escrita tende a confinar a escrita nos limites de
alguns modelos prévios, impermeáveis a usos individualizados e presentes,
distantes do mundo diversificado que faz sentido para o aluno naquele momento do
aprendizado.
53
Com relação a esse aprendizado, não podemos deixar de destacar que os
modos de aprendizagem, de uma forma geral, têm a ver com as condições em que
os mesmos são direcionados. Os problemas inerentes vistos, revistos, discutidos e
divulgados podem ser também problemas de interlocução.
Geraldi (1991) aponta o problema da interlocução. Segundo o autor, na escola
existem relações rígidas e definidas: o aluno é obrigado a escrever dentro de
padrões estabelecidos, e o seu texto será julgado e avaliado, e o professor talvez
seja o seu único leitor. Assim, o aluno escreve a partir da imagem que segue a ótica
do professor do que seja uma boa redação e, por isso, recebendo uma boa nota.
Desse modo, a imagem do interlocutor – da escola, do professor – passa a ter
influência no discurso do aluno.
Uma interlocução que pode ser diferenciada se a prática de texto for uma
questão de ação entre o dizer e o como dizer, pois as marcas que referendam o
discurso do sujeito-produtor, chamamos de sujeito-produtor, aquele aluno que
escreve para ser inserido num universo discursivo em que o seu texto seja
referencial de leitura no contexto da sala de aula.
Geraldi (1991), no artigo “Prática da leitura de textos na escola”, afirma que,
na escola, se institui uma atividade linguística artificial. O professor assume papéis
de locutor/interlocutor durante o processo, mas ele não é locutor/interlocutor
efetivamente. Há o falseamento da interlocução, uma vez que os papéis estão
marcados: o professor e a escola ensinam, e o aluno, simplesmente aprende se
puder. Ainda segundo Geraldi (1991, p. 78), “tentar ultrapassar esta artificialidade é
efetivamente tentar assumir-se como „tu‟ da fala do aluno; na dinâmica de trocas do
eu/tu”.
Nessa mesma obra, denunciando as condições de produção de textos na
escola, Faraco (1991), no artigo “As sete pragas do ensino do português”, refere-se
à produção textual como sendo a 3ª praga: redações-tortura. Ele afirma que na
escola, não são criadas condições para o aluno escrever. O processo rotineiro de
orientar a redação, segundo ele, tem sido ou o de dar um título, ou o de deixar o
tema livre, esperando no final da aula o produto suado, continuando a submeter os
alunos à tortura de escrever sem ter ideias. E como consequência disso “os alunos
deixam a escola sem saber redigir, sem ter desenvolvido a capacidade de escrever
(escrever é muito mais que desenhar letras no papel), incapazes de preencher, de
modo inteligível, algumas poucas linhas” (FARACO, 1991, p. 20).
54
Ilari (1993), fala sobre a produção escrita e também denuncia a maneira como
a redação é vista na escola. Segundo o autor, o trabalho do professor consiste numa
espécie de terapia: assinala o erro, classifica-o, propõe alternativas corretas e exige
a observância desses itens na próxima redação. No entanto, essa pedagogia é
“estéril”, segundo o autor, resultando de um procedimento em favor da gramática e
contra o ensino da expressão. Para ele, a redação se torna:
Um ajuste de contas: entre o aluno e o professor, ela é, sobretudo, uma oportunidade para verificar que as dificuldades do aluno persistem, a despeito de todos os esforços; para o professor que revê sua prática pedagógica, é sobretudo a tomada de consciência de que essa prática não correlacionou adequadamente meios e fins (ILARI 1993, p. 76).
As dificuldades de leitura e escrita têm sido preocupação de todos os
professores de uma forma geral e, segundo Britto (2003), essa queixa tem se
acentuado na universidade, considerando que, de acordo com os professores, os
alunos ingressam no ensino superior com sérias dificuldades de leitura e escrita, e
uma dessas dificuldades são evidenciadas quando o aluno não consegue produzir
textos acadêmicos.
Sabemos que, embora haja muitos estudos e tentativas de inserir novas
metodologias para que o aluno desenvolva a sua competência leitora e de escrita,
constatamos, assim como Britto (2003), que o debate é importante, entretanto, essa
discussão em torno das metodologias não se mostraram suficientes para saná-las.
O autor não considera como chave do problema os níveis anteriores decorrentes de
desmotivações e métodos ultrapassados, mas toma como objeto de análise os
estudantes de modo geral.
Essa visão hegemônica de análise nos conduz a um entendimento de que o
acesso aos níveis de conhecimentos advindos da leitura e da escrita estão
relacionadas com a falta de um contato mais significativo com essas práticas
discursivas. Se o aluno não consegue produzir, é porque o seu “dizer” ainda não tem
uma constância, ou ele não se sente legitimado para expressar no nível que deve
ser dito esse discurso. Conforme Britto (2003, p. 176),
As dificuldades no trato com o discurso acadêmico não advêm da falta de uma capacidade genérica de redação ou mesmo de leitura, mas sim do modo como estes estudantes interagem e convivem com os objetos da cultura letrada, em particular com as formas de produção do conhecimento formal.
55
Nesse contexto, corroboramos com a afirmação do autor, porque o contato do
aluno com as formas de produção escrita é diversificado, porém essa escrita formal
ou esse trato com o texto necessita de uma prática mais ativa, o que normalmente
não ocorre nas esferas do ensino anteriores ao universitário.
Britto (2003) nos apresenta uma ampla abordagem acerca de estudos
relacionados ao tema. Reiteramos com o estudo de Ramires (2002) apud Britto
(2003, p. 176). Para os autores...
As produções textuais dos alunos universitários, sujeitos de sua pesquisa, apresentaram problemas de coesão interna, na falta de coerência nos argumentos apresentados, em problemas com as normas gramaticais da língua padrão, nas cópias de modelos esquemáticos de redação, nas conclusões abruptas ou nos textos sem conclusão e no pouco aprofundamento da temática desenvolvida.
Esses problemas, a nosso ver, estão relacionados com as condições em que
essas redações são produzidas. A falta de uma dinâmica para se ensinar a escrever
redações de fato é um desafio que vai além de uma aula com dicas ou fórmulas
mágicas. Retomamos Cavalcanti (2010), que enfatiza a importância de um trabalho
de idas e vindas ao texto que só é possível mediante uma prática contínua de leitura
e de escrita.
Essa prática não deve ter como referência modelos a serem seguidos
(copiados), como se a competência discursiva fosse algo pronto, mas deve sim,
considerar que as dificuldades de leitura e de escrita fazem parte do processo
natural do aprender a “ser”, do aprender a “dizer”. Sobre isso, Pécora (1984{1980};
[1982]) argumenta que a produção de textos em situação escolar (tanto de Ensino
médio como de nível universitário) careceria de uma interlocução sincera. Para o
autor:
O que levou o aluno a encarar o seu papel em branco não foi nenhuma crença de que ali estava uma chance de dizer, de mostrar, conhecer, divertir, ou seja lá que outra atividade a que se possa atribuir um valor e um empenho pessoal. Pelo contrário, tudo se passa como se a escrita não tivesse nenhuma outra função que não a de ocupar, às duras penas, o espaço que lhe foi reservado (PÉCORA, 1984, p. 68) apud BRITTO (2003, p. 178).
Encontramos nessa constatação um dos problemas norteadores da
dificuldade que o produtor encontra quando necessita escrever algo a alguém e na
56
forma inócua de como esse dizer se perde na folha de papel em branco que lhe é
ofertado na sala de aula quando se quer do mesmo a produção de um texto
construído com sentido. A carência de elementos que caracterizem essa redação
como adequada passa por toda uma questão metodológica, mas, acima de tudo, de
adequação e da compreensão do que seja produzir um texto com todas ou pelo
menos com indícios de algumas competências necessárias.
Nessa direção, Britto (2003), num trabalho com alunos do Ensino Médio,
identificou dificuldades do aluno com o texto no próprio contexto escolar. Para ele, o
aluno normalmente se anula enquanto sujeito, moldando sua escrita em torno de um
único interlocutor: a própria escola. Essa postura é compartilhada por muitos
pesquisadores e por quem de fato se identifica com o trabalho com o texto na
perspectiva de uma formação discursiva que desenvolva no aluno a sua postura
crítica. Falamos de postura crítica, porque acreditamos que um dos objetivos do
Ensino de Língua Portuguesa é de desenvolver a competência sociocomunicativa do
aluno, e isso está relacionado com as diferentes formas como ele se posiciona
enquanto produtor de texto.
O que falta para que haja esse encontro do ser com o dizer? Conforme Britto
(2003), embora as explicações decorrentes desses estudos sobre a produção textual
sejam relevantes, não apresentam ou não identificam ainda a causa do problema,
encontramos produções de textos realizadas sob as mesmas condições, porém
apresentando criatividade e consistência nas argumentações, ou seja, o que é
parâmetro para definirmos quais ou que problemas incidem sobre as produções
textuais?
Britto (2003) afirma que há cinco aspectos que chamam a atenção:
1) A análise desenvolvida pelos estudos referidos e pela maioria dos
trabalhos neste campo se restringe fundamentalmente a uma única situação de
prática de escrita - a redação escolar - que, por sua vez, se relaciona apenas à
disciplina de Língua Portuguesa, ignorando as formas relacionadas a outras
modalidades de estudo e de uso da escrita.
2) Houve evidente sobrevalorização da subjetividade e da criatividade, não
se examinando como os sujeitos produtores das redações trabalhariam a escrita em
situações interlocutoras reais, quando, seguindo o raciocínio dos autores, deveria se
manifestar uma produção mais consistente.
57
3) Tampouco se explicita o modelo ideal de língua escrita que subjaz à análise
dos textos, assumindo tacitamente um padrão - que não seria a própria redação
escolar - de um bom texto.
4) Também não se consideram as mudanças nos modelos de redação
consequentes das transformações dos modos de produção e circulação da cultura
escrita na sociedade contemporânea, e finalmente.
5) Não se examinam a origem e o tipo de formação intelectual dos
estudantes, tomados como um único grupo.
Consideramos todas as assertivas importantes, entretanto, para o nosso
estudo, comentaremos a primeira por entendermos e sabermos que historicamente
a prática de escrita ocorre somente nas aulas de Língua Portuguesa, como se outras
práticas de leitura e escrita não fizessem parte do aprendizado ou das necessidades
do aluno. Na aquisição da escrita, o trabalho com a produção textual de acordo com
a concepção de ensino e/ou de língua que se adote na escola.
Para a noção de autoria que abordamos no estudo, a segunda questão nos
parece mais instigante, porque leva a reflexão que o sujeito enquanto produtor pode
manifestar de forma singular aquilo que possibilita a sua inserção no mundo
discursivo. Dessa forma, falar de um sujeito que escreve um texto no universo
escolar, mesmo que não tenha a pretensão de se considerar um autor, é importante
que a sua manifestação discursiva, por mais simples que se apresente, tenha um
valor, um sentido, uma vez que o “dizer” de um sujeito o situa num contexto social.
2.3 PCN e texto: uma nova unidade de ensino-aprendizagem
O processo de ensino e aprendizagem com referência às unidades
significativas, tendo o texto como ferramenta indispensável, pode ser uma base para
que a construção e a refacção do mesmo, se constituam como objetos de
concretização do discurso materializado.
Quando falamos da importância dos PCNs enquanto documento norteador
das práticas de linguagem, ressaltamos que essa nova visão de ensino não se
caracteriza como a salvação para um ensino desenvolvido de forma
descontextualizada das práticas e da pouca familiaridade com o texto. Essa nova
unidade básica que é o texto, é bastante explicitada no tópico “Discurso e suas
58
condições de produção, gênero e texto”. Inicialmente os PCNs, explicam o que
entendem como um texto:
O produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja a sua extensão, é o texto, uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que estabelecem a partir da coesão e da coerência. Em outras palavras, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global. Caso contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados (BRASIL, 1998, p. 21).
Parece-nos que a concepção de texto explicitada está muito próxima da
concepção de texto da fase da Gramática de Texto (GT) e da Linguística Textual
(LT). Esta por sua vez, aproxima-se da forma como os gramáticos entendiam o texto.
Considero que os gramáticos entendiam texto a partir de seu sentido latino textos: contextura, encadeamento. Ou seja, texto para os gramáticos, tanto os romanos como os que lhes seguiram, consiste em um encadeamento de frases, e a gramática ensina a compor frases bem formadas e a encadeá-las em períodos igualmente bem constituídos (INDURSKY, 2006, p. 38).
Nesse contexto a GT entende texto como unidade de significação, enquanto
que os PCNs, o entendem como um todo significativo. Três conceitos são
formulados na fase da GT, e que Mendes (2013) considera fundamentais. São
centro da LT: textualidade, coesão e coerência. A primeira é intrínseca ao texto e
deve ter sua análise a partir da coesão e da coerência textuais. Conforme a mesma
autora, os PCNs percebem o texto como uma sequência verbal composta por um
conjunto de relações que se estabelecem a partir da coerência e da coesão textual.
As duas concepções estão relacionadas ao “dentro” do texto, mais especificamente
para as relações internas do texto, ou seja, a uma sintaxe textual. Ressaltamos que,
na fase da GT, houve uma mudança da noção de competência textual,
fundamentada na competência linguística de Chomsky.
Assim o que estaria por trás das reflexões acerca dessas relações é o fato de
uma real necessidade de se atribuir ao sujeito um valor específico de uso da
linguagem nas esferas sociais das quais ele faz parte. Referimo-nos a uma esfera
social em decorrência de o falante ideal ser o centro dessas reflexões. Assim,
corroboramos com o que afirma Indursky (2006), o que se leva em conta na
competência textual é um falante ideal, o falante real não é convocado, pois não se
chega à performance textual.
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Compreendemos que a linguagem numa concepção de texto com ênfase na
competência linguística do falante ideal ainda faz parte da ação pedagógica de
muitos professores, sobretudo quando o tema é produção textual e a concepção de
texto que norteia essa prática em sala de aula.
Com relação à concepção de texto apresentada nos PCNs, vincula-se à fase
pragmático-comunicativa. O texto é o produto da ação discursiva dos falantes. “A
ação verbal realiza-se na forma de produção e recepção de textos. Os textos são
resultantes de ações verbais/estruturais ilocucionais, que estão intimamente ligadas
com a estrutura proposicional dos enunciados”. (INDURSKY, 2006, p. 40). No
conceito de texto apresentado pelos PCNs, estariam implícitos os critérios
pragmáticos: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e
intertextualidade. Entendemos, entretanto, que esses critérios ficam de certa forma
“à deriva” devido à importância conferida aos critérios semântico-formais-critérios
constitutivos da textualidade. Importante ressaltar que os critérios de textualidade
são também considerados como fundamentais no processo de construção de
autoria, objeto principal de nosso estudo.
Outras concepções de textos são apresentadas nas discussões propostas
nos PCNs, no entanto todas elas filiadas aos conhecimentos teóricos desenvolvidos
pela LT. Apresentamos a seguir algumas discussões acerca das concepções de
textos considerando que embora haja muita literatura em torno do tema,
entendemos que na perspectiva do texto a forma como o ensino é conduzido nos
permite outras possibilidades de enxergar o texto de formas diferenciadas, tendo em
vista que as condições de ensino em que as práticas de textos ocorrem.
Os PCNs (2008), no tópico “Língua Portuguesa e as diversas áreas”, apontam
a necessidade com rigor de um trabalho associado às diferentes áreas de ensino a
fim de que se formem leitores e usuários competentes da escrita. Afirmam que a
língua, “sistema de representação do mundo”, está presente em todas as áreas do
conhecimento.
A ideia de que se expressar com propriedade oralmente ou por escrito é “coisa para a aula de Língua Portuguesa”, enquanto as demais disciplinas se preocupam com o “conteúdo”, não encontra ressonância nas práticas sociais das diversas ciências. Um texto acadêmico, ou mesmo de divulgação científica, é produzido com rigor e cuidado, para que o enunciador possa orientar o mais possível os processos de leitura do receptor (BRASIL, 1998, p. 31-32).
60
A concepção de texto a que nos remete a assertiva acima é da fase
pragmático-comunicativa. Entende-se o texto como unidade pragmática que objetiva
estabelecer comunicação com o seu receptor, o leitor (MENDES, 2013).
Observamos no caso, que aquele que escreve o texto acadêmico, o seu autor,
possui intenções comunicativas apresentadas no texto como instruções. Mendes
(2013, p. 30) afirma que “essas instruções são seguidas por meio das marcas que
se encontram no corpo do texto”. Ou seja, essas marcas levariam o leitor a entender
as intenções comunicativas do autor.
Quando falamos dessa intenção, estamos construindo um sentido
plurissignificativo para os textos produzidos no âmbito escolar, porque o texto como
unidade básica de ensino faz parte da concepção de texto da fase da LT que Koch
chamou de virada cognitiva, e pautado nessa concepção, os PCNs traçaram os
objetivos gerais de Língua Portuguesa, dentre eles “utilizar a linguagem para
estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações
construídas em várias áreas do conhecimento [...]” (BRASIL, 1998, p. 32).
A utilização da linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade
traduz-se, segundo Mendes (2013), produzir textos. Isso se traduz numa
perspectividade de ensino que rememore a questão discursiva como fator
imprescindível para o desdobramento das competências comunicativas do sujeito
leitor-produtor. Produtor no sentido de produzir textos com autonomia e com autoria
no decorrer de suas práticas de escrita. Porque aqueles que se comunicam
possuem conhecimentos que se encontram representados na memória e que
precisam ser ativados. Portanto caberia à LT o desenvolvimento do objetivo proposto
pelos PCNs, no sentido de explicar como funcionaria a operação sobre as
representações mentais, aponta para esse conceito de texto, mas também aponta
para o conceito de texto da fase da gramática de texto e da fase pragmático-
comunicativa.
No tópico “Objetivos de Ensino”, há diferentes noções de texto. Os PCNs
introduzem a questão trazendo de modo implícito noções características da fase da
gramática de texto e da fase da pragmático-comunicativa.
No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s);
61
destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte)e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical (BRASIL, 1998, p. 49).
Percebemos aqui que ao delimitar o texto como unidade básica de ensino, os
PCNs buscaram de fato, segundo Mendes (2013), explicitar o que seria texto de
acordo com o posicionamento teórico que estavam adotando basicamente o
posicionamento teórico da LT. Esse caminho percorrido na definição do conceito de
texto, não uniformiza as concepções de texto ou de ensino, mas nos permite fazer
constantemente reflexões acerca do que devemos considerar como texto, uma vez
que vivenciamos mudanças visíveis em todos os campos do conhecimento,
sobretudo no campo da linguagem.
Um olhar sobre o texto e sua constituição enquanto unidade significativa de
sentido e de ensino, e associar esse olhar às diversas representações de escritas
das quais o sujeito se apropria, pode ser um caminho para aperfeiçoar a concepção
de texto enquanto processo de interação.
Sabemos que a fase pragmático-comunicativa é a mais evidente no decorrer
das discussões dos PCNs, mesmo com uma perspectiva de ensino-aprendizagem
sociocognitiva-interacionista. Nessa fase o texto passou a ter mais espaço na
escola, como objeto de ensino-aprendizagem, porém focada na sua superfície, o
que é comprovado em muitos trabalhos de pesquisas, dentre eles, o estudo de Britto
(2003), mencionado em outra seção desse trabalho.
A indicação do texto como unidade básica de ensino, provocou certo
desconforto, considerando que o encaminhamento das práticas pedagógicas deveria
priorizá-la. Entretanto, um questionamento surgido a partir dos PCNs para o ensino
de Língua Portuguesa sob essa perspectiva: como iniciar? Pensamos que esse
questionamento ainda não foi respondido por grande maioria dos professores de
Língua Portuguesa, uma vez que a partir de um saber não tão consistente acerca do
que seja a língua, a linguagem, a procura do associar o conhecimento teórico à
prática é um longo caminho a ser percorrido, porque embora sustentados por teorias
legítimas, documentos pautados em realidades diversas, o trabalho do professor
ainda precisa ser mais consistente na concepção de texto inicial defendida pelos
PCNs.
62
A prática de escrita conduz a um processo que circula dinamicamente em
níveis diferenciados de conhecimento. Na seção a seguir, faremos uma discussão
acerca do processo de interlocução na construção do sujeito enquanto ser que
interage discursivamente, considerando que a interlocução faz parte da construção
do sujeito e a inserção das marcas que o identificam enquanto produtor de um dizer
singular, que consideraremos como inerente ao processo de autoria.
2.4 A interlocução como origem do processo comunicativo
A educação brasileira tem avançado bastante com relação à implementação
de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, entretanto
alguns pontos negativos ainda predominam no universo escolar, arraigados por uma
postura pautada no comodismo, dentre eles a metodologia de ensino.
A metodologia empregada, os conteúdos selecionados, o trabalho
pedagógico, o relacionamento com os alunos, tudo isso, dependendo de como é
feito, acarreta um resultado bom ou mau no processo educacional e deve ser objeto
de investigação cuidadosa.
O como ensinar não se resolve com propostas simplórias. Implica responder a
uma questão prévia: para que ensinamos o que ensinamos? No caso do ensino da
produção de textos, a resposta ao “para que ensinamos” envolve concepções de
linguagem e de educação. Em relação a isso, Geraldi (1984, p. 42) refere-se a esse
problema nos seguintes termos:
Assim, os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a estes conteúdos, as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo isto corresponderá, nas nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho por que optamos. Em geral, quando se fala em ensino, uma questão que é prévia - para que ensinamos o que ensinamos? e sua correlata para que as crianças aprendem o que aprendem? - é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar, etc. Parece-me, no entanto, que a resposta ao “para quê? ” é que dará as diretrizes básicas das respostas às demais questões. Ora, no caso do ensino de língua portuguesa, uma resposta ao “para quê” envolve tanto uma “concepção de linguagem” quanto uma postura relativamente à educação. Uma e outra se fazem presentes na articulação metodológica. Por isso são questões prévias.
São questionamentos que merecem uma discussão mais da ordem do ser do
que a do saber. Tentaremos dar respostas condizentes com a nossa prática, porque
63
ela nos fez compreender que ensinamos porque queremos aprender. O nosso saber
não é algo acabado, pronto, mas sim construído paulatinamente, por isso a
importância de estarmos disponíveis para um aprendizado partilhado.
Se por um lado, há a necessidade de aprender para ensinar, por outro, temos
que compreender porque as crianças precisam aprender o que ensinamos. Ensinar
no sentido de uma tomada de postura reflexiva ativa para que o processo de
aprendizagem seja construído com base em práticas reais de uso da linguagem e
essa linguagem possibilite ao aluno um encontro com todas as habilidades e
competências necessárias no que concerne ao processo global de aprendizagem.
Como ensinar e o que ensinar, nos conduz a outras reflexões também relacionadas
ao que entendemos acerca da formação do sujeito inserido num processo de ensino
muito amplo, e ao fazer referência ao processo de ensino, ressaltamos que
concepções de ensino que priorizem o aluno a partir de suas relações com o mundo,
favorecem o aprendizado, sobretudo quando essas relações ocorrem por meio de
um trabalho efetivo com o texto.
Silveira (1991, p. 39) afirma que na década de 80, “o ensino da língua
materna foi sacudido por novas ideias oriundas, principalmente, das instituições
universitárias, e veiculadas em alguns livros básicos e vários cursos de treinamento
para professores”. Colocaram-se em questionamento os métodos, os objetivos e os
conceitos de educação. Houve a renovação dos estudos linguísticos, buscando
ultrapassar os níveis puramente formais da sentença, e uma revisão do ensino
brasileiro em relação ao ensino dos estudos da língua.
No meio universitário, promoveram-se encontros, cursos e debates.
Rediscutiram-se as questões da correção linguística, das práticas da leitura escolar,
das práticas de produção textual e a problemática da gramática escolar. A autora
expõe que se apontou o divórcio entre a interlocução que está na origem do
processo legítimo da escrita na escola e as condições de produção da escrita
escolar, como fonte original das dificuldades de abordagem da „redação‟ na escola.
Assim, a interlocução torna-se ponto central das discussões sobre a escrita
na escola, acontecendo através de um processo de interação na sala de aula que se
concretiza através da linguagem. A linguagem, mais do que favorecer a transmissão
de informações de um emissor a um receptor, deve ser vista como uma forma de
interação entre as pessoas que acontece através da palavra. “A palavra dirige-se a
um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor”. Este interlocutor não
64
pode ser abstrato, pois “não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no
sentido próprio nem no sentido figurado” (BAKHTIN, 1981, p. 112).
A palavra existe em função do interlocutor. Segundo o mesmo autor, ela
comporta duas faces:
Ela é determinada tanto por quem fala como por quem ouve, constituindo justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte, servindo de expressão a um em relação ao outro. A palavra é o elo de ligação entre o locutor e o interlocutor, é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN, 1981, p. 113).
Isto significa que o discurso ou interlocução é um processo de produção
social de significação. “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um
sentido ideológico ou vivencial” (BAKTHIN, 1981, p. 95). A interação das vozes ou
perspectivas ideológicas múltiplas são representações sociais na estrutura da
sociedade. Estas determinam a significação real de um enunciado. Por isso, todo o
discurso é ideológico e polêmico. A palavra é o material privilegiado da comunicação
entre as pessoas. Para Bakhtin, a significação não está na palavra, mas é o efeito
da interlocução. Ela tem uma significação, enquanto união entre os interlocutores.
Em relação a isso, o autor afirma:
Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só se produz quando há contato dos dois polos opostos. Aqueles que ignoram o tema (que só é acessível a um ato de compreensão ativa e responsiva) e que, procurando definir o sentido de uma palavra, atingem o seu valor inferior, sempre estável e idêntico a si mesmo, é como se quisessem acender uma lâmpada depois de terem cortado a corrente. Só a corrente da comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação (BAKHTIN, 1981, p. 12).
Assim, a partir da compreensão da linguagem como um processo de
interlocução, entendemos o ensino da produção textual como a realização de um
processo eminentemente social, um espaço de interação entre professor e aluno,
numa relação interlocutora. Hoje, o professor não pode mais ser aquela figura vista
como uma autoridade a quem se deve obediência e passividade, mas um mediador
que na sua prática busca a participação, a resposta e a proximidade do outro.
65
Nesta interação, surge o novo conceito de aluno: um sujeito individual, ativo,
crítico, corresponsável pelo processo educativo, que constrói em parceria com o
professor o seu conhecimento. Professor e aluno caminham juntos num processo
interativo. A esse respeito, Franchi (1990, p. 06) afirma que “no caso da redação, o
interlocutor (o professor) não pode impor-se ao verdadeiro locutor (o aluno), nem
apagar o seu papel ativo. Mas também não pode apagar-se nessa relação
assimétrica, socialmente distinta, que estabelece com seus alunos”. Portanto, o
trabalho de produção de textos acontece numa situação de interlocução entre
professor e aluno, num processo de construção. O professor, atuando como
mediador, torna-se coautor do texto elaborado pelo aluno, numa produção interativa.
Nessa interação, entram a cooperação, a partilha, a negociação e também os
conflitos, necessários à tomada de posição do aluno e também do professor.
O princípio da cooperação incide sobre o fato de que na produção textual o
aluno se coloca enquanto sujeito a partir de uma tomada de decisão acerca do que
irá falar no seu texto, porque mesmo não sendo um autor legítimo no sentido de se
reconhecido, o seu texto é singularmente sua forma de representação, defendemos
aqui uma postura de texto e sujeito representados num dizer que mesmo não sendo
único, pois como afirma Bakhtin, um dizer não é único, o que escutamos nas
conversas do ônibus, nas conferências, nas reuniões escolares, em situações
diversas de interações, já foi falado por alguém. Falamos o que já ouvimos, mas o
nosso falar é singular, porque o que dizemos só nós dizemos desse ou daquele jeito.
O capítulo a seguir trata especificamente das relações entre o texto e a
autoria, considerando que, sob diferentes olhares, a autoria é uma forma singular
com que o sujeito se manifesta no seu dizer, ou seja, escrever com autoria no
âmbito escolar significa na nossa concepção, um marcar discursivamente de uma
forma singular, essa forma singular diz respeito a uma posição linguística discursiva
que faz com que o texto encante ao mesmo tempo em que mediante a primeira
leitura pode parecer um texto comum que foi escrito seguindo uma sequência
determinada.
Essas marcas de autoria que buscamos compreender no nosso trabalho não
é algo espetacular, mas um dizer diferenciado de quem escreve, muitas vezes sem
saber que, no momento da escrita, há um encontro mágico entre um domínio público
da linguagem e uma manifestação individual que cria uma unanimidade linguística
na representação discursiva do sujeito que escreve.
66
CAPÍTULO III
AUTORIA: UM OUTRO OLHAR SOBRE O TEXTO ESCRITO
A escrita de textos no contexto escolar tem representado um grande desafio
para professores e alunos, no que concerne às condições de produção e, ao que
supostamente pode ser fundamental para identificar em linhas gerais a função
desses textos fora do contexto escolar. Significa que um olhar diferenciado sobre os
textos, especificamente sobre o sujeito que o produz é oportunizar a esse aluno,
uma formação discursiva mais espontânea e mais coerente do ponto de vista das
relações entre o texto; a linguagem e, de como essa é construída na relação do
sujeito com o outro.
Trataremos neste capítulo das relações que se estabelecem entre as
condições de produção textual e que papel, exerce o professor e o aluno na
construção desse processo, sobretudo quando subvertemos as normas com a
inserção de novos olhares acerca da produção textual escrita, ou que é um texto
quando o nosso olhar se volta para os fenômenos textuais que o diferenciam
enquanto unidade de sentido.
3 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: papel do aluno e do professor
A produção de texto escrito na escola envolve uma série de fatores que
contribuem de forma crucial para o sucesso ou para o fracasso do aluno enquanto
produtor de textos escritos. Dentre esses fatores, podemos destacar as condições
sociais, físicas, emocionais e culturais do aluno e do professor, além do espaço
escolar. Sabemos que a construção do texto deve ser um processo interativo,
porque escrever é uma prática social, onde se aprende a pensar e assim, agir
socialmente. Porém, esse sujeito que escreve, necessita de condições para que o
seu texto seja concreto e através dele seja possível identificá-lo, seja por uma
palavra, uma frase ou pelo discurso completo.
Construir um texto e dar sentido a ele significa buscar uma resposta plausível
para muitas questões que surgem nas escolhas do que produzir, como produzir, por
que produzir e, sobretudo, para quem produzir. Uma palavra que se fala exige do
outro uma interpretação, um sentido, por isso, Geraldi (1997, p. 178) nos fala que
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“devolver a palavra ao outro, implica querer escutá-lo”. Sendo assim, no processo de
produção textual, a presença do interlocutor/leitor torna-se essencial, pois como
acentua o autor, “a escuta por seu turno, não é uma atitude passiva”, ou seja, na
produção textual, o aluno visualiza um interlocutor e dele espera uma resposta ao
que foi produzido.
A competência textual discursiva diz respeito a uma série de fatores
relacionados com diferentes ações metodológicas, quando uma atividade de
produção textual é realizada em sala de aula. Embora haja a consciência de que o
trabalho com o texto é fundamental para o desenvolvimento das competências
linguístico-discursivas, ainda percebemos na escola um discurso onde predomina a
pouca importância dada ao que o aluno produz.
A atividade de produção textual é um processo de interação ligado também ao
papel social do sujeito enquanto autor/reprodutor, considerando que, por seu caráter
dialógico, a linguagem, conforme Cavalcanti (2010, p. 141), é o lugar de interação
com o outro, lugar de encontro de pontos de vista diferentes e, muitas vezes
antagônicos. Esse encontro de ideias que ora se completam e ora se opõem diz
respeito a uma comunicação recíproca, onde o sujeito ativo exige um interlocutor
também ativo. Para Bakhtin ([1979] 2003, p. 271), toda compreensão da fala viva, do
enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva. Significa dizer que a prática de
produção textual deve ser desenvolvida a partir de um conjunto de interesses
comuns dentro e fora do contexto escolar.
Refletir sobre a emergência de outras práticas de produção de textos na
escola é uma necessidade imperiosa. Para isso, é necessário desviar o ensino do
enfoque de modelos prontos e do discurso alheio para centralizá-lo no processo de
produção do próprio aluno, colocando-o como sujeito construtor de seu discurso.
A produção escrita requer que o autor tenha capacidade de construir um
texto, não demonstrando apenas o domínio das normas específicas da escrita, mas
também que “domine todos os elementos que, no interior da redação, permitam que
ela seja reconhecida como uma totalidade semântica e não como um conjunto
aleatório de fragmentos isolados” (PÉCORA, 1992, p. 59). Essa totalidade semântica
deverá se apresentar como um discurso, isto é, como “manifestação verbal capaz de
se recobrir de um valor intersubjetivo e pragmático: capaz de representar uma ação
entre interlocutores, no interior de uma situação particular de produção” (PÉCORA,
1992, p. 59).
68
Qual o sentido, porém, que se atribui à produção? Para Guedes (1994), a
produção escrita não deve ser vista como produção de “boniteza”, mas como
produção de conhecimento, como fruto de um trabalho de produção e transformação
visando um interesse humano. O objetivo, para este autor, é o de desenvolver a
discursividade do aluno. Referindo se à produção de texto, Guedes usa as seguintes
palavras:
Produção de texto expressa a ação de escrever como um trabalho entre outros: cultivar a terra, pastorear cabras, consertar sapatos, dar aulas, apertar parafusos numa linha de montagem ou desapertá-los num ferro velho, engessar pernas quebradas. Não se trata de „compor‟, isto é, de juntar com brilho, nem de „redigir‟, isto é, organizar, mas de „produzir‟, isto é, transformar, mudar, mediante uma ação humana, o estado da natureza com vistas a um interesse humano (GUEDES, 1994, p. 224).
Complementando as ideias dos autores anteriores, Geraldi (1993, p. 194)
afirma que a construção de um texto “só se dá por operações discursivas com as
quais, utilizando-se da língua que é uma sistematização aberta, o locutor faz uma
proposta de compreensão a seu interlocutor”. Construir essa proposta de
compreensão é estabelecer uma relação interlocutiva. O texto, encarado sob este
prisma, é para o autor a base de todo o processo educacional.
Não menos importante é diversificar o olhar sobre as formas de
representações da escrita no contexto escolar, porque, mesmo sendo a base para
todo o processo educacional, continua sendo um “problema” no sentido da falta de
uma prática mais efetiva nas aulas de Língua Portuguesa.
A construção de um texto, no entanto, requer mais que o simples
agrupamento de sentenças em torno de um tema. Para Geraldi (1993, p. 37), há na
escola muita escrita e pouco discurso, e para produzi-lo, é preciso que:
a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).
O aluno só constrói o seu texto, portanto, a partir de suas experiências
anteriores, de sua visão de mundo e, a partir de suas leituras, produz novos
conhecimentos. Para isso é preciso que ele tenha uma razão para fazê-lo. Um
trabalho só se sustenta quando os alunos se sentem envolvidos, encontrando uma
69
motivação interna ao próprio trabalho a executar. Nesse trabalho, o aluno deve ter
em mente a presença de seus possíveis interlocutores. Na interlocução, acontece a
troca de experiências, na qual o aluno testa seu texto como autor e como leitor. O
professor, por sua vez, questiona, sugere, testa o texto do aluno como leitor. Torna-
se “coautor” que aponta caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer dizer:
Centrar o ensino na produção de texto é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos sobre os quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala (GERALDI, 1993, p.164-165).
O trabalho de produção centrado no aluno e no desenvolvimento da própria
discursividade é que poderá levá-lo a alcançar a maturidade na escrita. Bastos
(1987, p. 45) define o escritor maduro como aquele que é capaz de controlar seu
discurso, tanto no que se refere à escolha vocabular, à construção da frase, quanto
no que diz respeito à fixação de um objetivo, à escolha de discurso que sustente o
objetivo proposto, à conscientização do leitor, à capacidade de argumentação e de
desenvolver raciocínios.
Assim, o que se espera do aluno é que ele construa um questionamento em
torno a uma questão, empregando argumentos consistentes, desenvolvendo
raciocínios, defendendo ideias e opiniões, num discurso significativo, autêntico e
pessoal, que saiba controlar o seu discurso, adequando-o a cada situação e à
construção das frases, mantendo-as numa unidade coerente.
As práticas de produções textuais na escola têm passado por inúmeras
transformações que dizem respeito primeiramente aos objetivos de ensino de língua
portuguesa e às novas tecnologias que exigem do professor e do aluno um
conhecimento maior acerca do papel que cada um exerce na sociedade globalizada.
O discurso do aluno não é mais representado por uma posição passiva,
embora ainda prevaleça em muitas situações o fazer “textual” automatizado, no qual
o aluno ainda produz o “dizer do professor”. Que relações podemos estabelecer
entre o aluno/autor/reprodutor numa perspectiva de autoria? O aluno produz um
texto, entretanto, sua relação com essa produção pode ser considerada uma relação
de escritor ou de produtor? Os traços de linguagem utilizados pelos alunos são
deveras suficientes para colocá-los num patamar de autor? O que pode na sua
relação textual discursiva nomeá-los como escritor?
70
Essas questões podem ser discutidas, não sabemos se respondidas, porque
a condição de autor ultrapassa os limites da obra, e a obra a que nos referimos
neste trabalho é representada por um único texto produzido pelo aluno ao longo de
um ano letivo, pois sabemos que, na realidade de nossas escolas, o espaço dado às
produções não é muito significativo, não por culpa dos professores ou dos alunos,
mas por uma série de fatores de ordem estrutural, econômica e, principalmente,
social.
O trabalho na sala de aula deve obedecer a um cronograma, a estrutura física
de nossas escolhas chegam longe de ser adequada para ser realmente um
ambiente aconchegante para facilitar o aprendizado, nossos planejamentos ainda
muito arraigados com relação ao que deve ser ensinado e, sobretudo, nossa
condição de professor que em muitas escolas continua como aquele que embora
tenha papel fundamental, tem que se submeter ao que é determinado por um
sistema que cobre muito e pouco faz para ser diferente. Talvez essa autoria que se
busca/ou que deve ter no texto do aluno, necessite também ocorrer nas nossas
práticas diárias.
As condições para que o trabalho com a prática de escrita ocorra de forma
satisfatória incidem sobre o fato de que devemos ter como unidade básica de
ensino: o texto na sua mais efetiva relação com outras áreas de conhecimentos
dentro e fora da escola. Porque a linguagem é esse aporte que teoricamente se
envereda por diversos olhares, entretanto, sua direção é sempre para a interação
dos sujeitos consigo e com o mundo.
Discutiremos a seguir, acerca das relações entre texto e autoria, considerando
que as diferentes posições do sujeito no texto dependem da forma como este vê e
se coloca no mundo. De que forma a construção de enunciados evidencia a autoria,
porque o texto é essa materialização da linguagem, mas que sujeito é esse que se
representa numa forma discursiva tão peculiar? Que ideia devemos ter do sujeito
que ao escrever rompe com uma proposta de texto, a partir da inserção de
elementos novos como uma expressão inusitada, uma substituição inesperada, uma
palavra que mesmo descontextualizada gera uma noção de sentido, um dizer que
identifica as condições sociais em que esse sujeito está inserido e/ou um texto que
apresenta um discurso que às vezes gera dúvidas se foi o aluno que realmente o
produziu, enfim, marcas textuais são marcas, mas o aluno ao se apropriar de um
discurso pode dar um significado diferenciado para a construção de um “novo dizer”.
71
Propomo-nos a discutir um pouco a questão do texto e sua relação com a
autoria a partir de uma contextualização entre LT (Linguística Textual) e AD (Análise
do Discurso), pois entendemos que texto e discurso são entrelaçados com relação
às questões de linguagem. No decorrer de nossa discussão, tentaremos definir um
princípio de autoria, a partir das marcas discursivas possíveis de serem encontradas
nos textos dos alunos e assim, identificar de que forma os indícios de autoria se
apresentam na construção textual que identifique e marque o aluno/produtor como
autor do seu texto.
A discussão sobre autoria relacionada a textos de crianças e jovens ainda é
pouco frequente e inexplorada (FIAD, 2008). Relacionar o conceito de autoria a
textos escritos por crianças e jovens em processo de aquisição da linguagem
escrita, é no mínimo algo que surpreende pela dificuldade de definição do que seja
realmente autoria, quando nos referimos a textos produzidos com o objetivo de
atender a uma exigência pedagógica e não social, como deveria ser essa produção
textual escrita na escola.
Quando falamos de texto e autoria, não nos referimos a textos de autores
consagrados, textos de literatura e até científicos, mas sim, a um texto que é
produzido pelo aluno e, que por muito tempo, era objeto de uma correção pautada
nas formas estabelecidas pela norma culta. Não defendemos aqui que o aluno deve
escrever de qualquer forma, mas sim que sua produção textual tenha como
referencial a sua marca singular de se manifestar, ou seja, não podemos esperar
que todos os alunos escrevam da mesma forma para atender o objetivo determinado
pelo professor.
3.1 Relacionando texto/autoria no espaço escolar
A relação entre texto e autoria no espaço escolar pode ser o ponto de partida
para uma compreensão de alguns elementos textuais-linguísticos utilizados pelos
alunos nas suas produções (redações). A forma como o aluno se marca no seu texto
muitas vezes não é compreendida pelo professor, e isto tem gerado muitas dúvidas
com relação ao processo de construção textual, porque, de alguma forma, o sujeito
produtor tem um discurso, e esse discurso é marcado de forma singular que o
identifica, seja uma palavra, uma frase ou até mesmo o texto completo.
72
Segundo Possenti (2002), a noção de autoria deve ser pensada junto às
noções de singularidade e estilo. Para dizer que um texto tem autoria, não é
suficiente que ele seja um texto correto gramaticalmente, nem que seja textualmente
satisfatório, na visão do autor, as marcas de autoria são da ordem do discurso e não
da gramática ou do texto.
Nessa perspectiva a autoria está relacionada com as formas como o sujeito
constrói o seu dizer no texto e o que ele usa como recurso linguístico para marcar a
sua posição enquanto enunciador. Entendemos essas marcas como uma posição
apresentada pelo sujeito quando se apropria de um discurso que se constrói num
momento específico de interação. No contexto escolar, as relações entre texto e
autoria, podem ainda estar em processo de construção porque a concepção que se
tem de autoria também não é definida.
Conforme Cavalcanti (2010), a relação do texto com a autoria é pouco
tematizada no decorrer do percurso escolar, raramente praticada no espaço da
escola. Concordamos com a autora quando ela acentua que, no espaço da escola, a
autoria é estabelecida como “escritor de obra artística, literária ou científica”. A
relação do sujeito com a linguagem no espaço escolar, muitas vezes passa
despercebida, tendo em vista que autoria diz respeito também ao que seja um autor,
e ser autor na escola que temos é algo que não é vislumbrado pelo aluno,
considerando que as atividades de produção textual não são uma prática contínua.
Essa prática deveria ser construída, mediante a inserção das vozes sociais
presentes nos enunciados proferidos pelo sujeito. Os enunciados são discursos que
surgem nas relações sociais, sendo assim, não podemos deixar de falar da
importância das vozes sociais na construção da autoria. Concordamos com Bakhtin
(2003), quando afirma que o discurso individual se forma a partir de uma interação
assídua com os enunciados individuais de outrem, por meio de assimilação. Ou seja,
essa assimilação é o resultado da exposição do tom valorativo que as palavras
carregam.
E dessa forma, é com esse tom valorativo que os sujeitos do discurso
reelaboram e reacentuam seus dizeres. É a concepção dialógica de linguagem que
Bakhtin tanto enfatiza. “O enunciado é pleno de totalidades dialógicas” (BAKHTIN,
2003, p. 298). No decorrer de nossas atividades discursivas, dialogamos com outras
vozes, porque nossa voz não é única, nossos dizeres se diversificam à medida que
incorporamos o dizer do outro na nossa fala, no nosso texto.
73
A partir dessa incorporação, atribuímos sentido ao que eventualmente
produzimos em termos de discurso
Com a incorporação desses “dizeres”, novos discursos são construídos com a
mesclagem de vozes, de posições discursivas. Posições que podem significar um
caminho para a autoria, uma vez que se assumem esses dizeres na defesa de
pontos de vistas. Nesse sentido, concordamos com Orlandi (1996, p. 80): “ou seja, a
autoria pressupõe assumir posicionamentos, defender pontos de vista, adquirir um
estilo próprio e saber quais recursos linguísticos são ou menos apropriados em
determinados momentos”. Ressaltamos que estilo aqui, é entendido como a forma
de um determinado enunciado, porque, de acordo com Bakhtin (2003, p. 289), “o
estilo individual do enunciado é determinado principalmente pelo seu aspecto
expressivo”.
Quando falamos em estilo, nos referimos a uma forma diferenciada com a
qual o sujeito se manifesta na construção de seus enunciados. Enunciados que
identificam sua posição discursiva, mediante uma possibilidade de esse sujeito
tornar-se autor, porque se há no enunciado uma forma diferenciada de construção
discursiva, há também uma nova produção de sentido que levará a autoria, pois
conforme apontado por Mittmann (2011, p. 99), a autoria “pode exercer a função de
levar ao ineditismo”. Significa que o sujeito ao enunciar, a partir de um lugar social
produz um efeito de ineditismo, o que segundo Teixeira (2013), a esse efeito, estão
relacionadas às noções de singularidade e estilo. Trata-se, portanto, de verificar
como as questões estão postas e não apenas o que está expresso, além de verificar
nessa forma peculiar a presença do autor. Para a autora, a presença do autor está
relacionada com todas as formas com que o sujeito produz o seu enunciado numa
determinada atividade discursiva.
Conforme Possenti (2002), a noção de autor é pensada a partir da noção de
singularidade e sua aproximação com um estilo, que notadamente pode ser
expresso e identificado nos indícios ou marcas de assunção de autoria. Os
conceitos referentes à autoria têm a ver com os conceitos de locutor e com o de
singularidade, porque ambos fazem parte de um processo discursivo que se renova
em cada enunciação. Locutores/enunciadores constituem-se enquanto tais, em boa
medida por marcarem sua posição em relação ao que dizem e em relação a seus
interlocutores (POSSENTI, 2002, p. 114). Ou seja, a assunção da autoria incide
74
sobre o fato de o sujeito anunciar de uma determinada posição e assim, marcar seu
lugar por meio de uma negociação com o leitor.
Para o texto além do texto, o sujeito vai construindo o seu discurso e nesse
discurso diversas relações se estabelecem, dentre elas aquela que é essencial para
o processo da interlocução: a relação de sentido (re)construída por meio de uma
linguagem plurissignificativa. Nesse processo de significação a autoria se faz
necessária, porque ela é o resultado de formas diferenciadas de manifestações
linguísticas na relação texto/discurso.
No texto “Indícios de Autoria” (2002), Possenti nos apresenta importantes
considerações acerca da autoria. Para o autor, os conceitos referentes à autoria têm
a ver com os conceitos de locutor e com o de singularidade (na medida em que, de
algum modo, chama a atenção para uma forma um tanto peculiar de o autor estar
presente no texto). Essa presença do autor é perceptível a partir da identificação de
marcas singulares representativas do produtor, evidenciando naturalmente traços
individuais
Conforme Possenti (2009), embora o conceito de autoria não seja
uniformemente empregado, talvez, nem tenha sido objetivamente definido.
Entendemos que essa autoria está relacionada a todas as formas possíveis de
linguagem com que o sujeito produtor se manifesta, seja por manifestação de
sentido, seja por um posicionamento discursivo-linguístico observados no texto.
Posicionamentos concernentes ao que o sujeito diz e como coloca esse dizer no
processo de interação, no caso de textos escolares, consideramos que a forma
como os alunos se posicionam tem uma estreita relação com as condições em que
os textos são produzidos.
Sobre autoria, Teixeira (2013 p. 13) afirma que “a autoria se constitui nas
produções discursivas relacionando-se ao lugar ao qual o sujeito se manifesta e de
como ele utiliza suas experiências para marcar uma tomada de decisão em um
processo de interpretação em constante movimento”. Esse sujeito que se manifesta
discursivamente está inserido num contexto social que influencia na construção de
um discurso, porque esse discurso é a sua própria representação social.
Para analisar o processo de constituição da autoria e da subjetivação do
sujeito, é necessário que o professor, talvez o único leitor do texto produzido pelo
aluno, amplie o foco de atuação leitora e ultrapasse os limites da gramática e da
textualidade e, assim, defina um parâmetro também para discutir ou enxergar os
75
possíveis indícios de autoria nos textos produzidos pelos alunos no ambiente
escolar. Porque um texto produzido a partir da perspectiva da autoria define que
sujeito o produziu e em que contexto social o mesmo está inserido, uma vez que
esse contexto influencia na construção de um dizer, que não é único, mas é singular
no momento em que o autor o enuncia.
Essa autoria ou noção de autoria é defendida por Cavalcanti (2010), como
textos bem-escritos, que produzem efeito de singularidade. Entendemos
singularidade como o sujeito se protagonizando nas relações dialógicas por meio da
interação, ou seja, constituindo-se, de fato, como sujeito enunciador, apresentando
dentre vários o seu (novo) enunciado. Significa que a noção que defendemos está
relacionada com o discurso produzido pelo sujeito, quando este se propõe a uma
forma diferenciada de se manifestar quando e como escreve num determinado
contexto situacional.
Concordamos com Cavalcanti com relação ao efeito de singularidade,
entretanto, acreditamos que na esfera escolar há textos que surpreendem até
mesmo, quando não são bem escritos do ponto de vista da escrita forma.
Aos textos sem autoria, Cavalcanti acrescenta que o efeito linguístico-
discursivo é previsível, o efeito causado no leitor gerado pela expectativa não se
confirma porque todas as informações poderiam ter sido escritas por qualquer
pessoa, ou seja, confirmamos assim que, para a autora, o texto sem autoria não
atende a um dos critérios da textualidade: a informatividade, como essencial para
satisfazer à expectativa de um novo “dizer”.
Esse dizer está relacionado aos diferentes e/ou formas com que o sujeito se
manifesta linguisticamente e discursivamente. Falar de autoria no contexto escolar
significa atribuir um novo sentido ao que é produzido pelo aluno enquanto sujeito de
um discurso que por muito tempo não foi seu. Conforme Lagazzi-Rodrigues (2006),
a relação do texto com a autoria tem sido pouco tematizada durante o percurso
escolar, raramente praticada no espaço da escola. Para a autora, no espaço escolar
a relação com a autoria fica estabelecida e repetida como “qualidade ou condição de
autor” e o autor como “escritor de obra artística, literária ou científica”.
A distância entre o que se produz na escola e sua relação com a autoria, diz
respeito a todo um contexto histórico de escrita pautado num conhecimento
gramatical que ao invés de colocar o sujeito no controle do seu dizer o distanciou de
todas as possibilidades de criação e representação discursiva que o inserisse num
76
universo textual em que o seu universo discurso fosse de fato, considerado. O jogo
que se estabelece entre o sujeito e a sua formação discursiva indica um ponto
comum naquilo que Gallo (1989, p. 68) afirma acerca da autoria: “em suma, a
assunção da autoria se dá quando o sujeito se constitui na formação discursiva
dominante de um discurso legitimado (hoje institucional)”. Uma formação discursiva
que dá ao sujeito no contexto escolar, uma autonomia linguística, que só é possível
com práticas de escritas significativas.
A figura do autor, mesmo em textos escolares são a nosso ver, vozes que se
cruzam, enunciados que surgem a partir de relações sociais. Nesse caso, não
podemos deixar de mencionar a importância das vozes sociais na construção da
autoria. Concordamos com Bakhtin (2003), ao afirmar que o discurso individual se
forma e se desenvolve a partir de uma interação assídua com os enunciados
individuais de outrem, por meio de assimilação.
Para além de um enunciado, a formação discursiva se caracteriza pela forma
como o sujeito enuncia e, esse enunciado pode implicitamente representar a
condição social, histórica e cultural desse sujeito no mundo discursivo, tendo em
vista a influência que o contexto cultural exerce sobre o papel da escrita. O sujeito
que produz um texto, o produz sob determinadas condições, portanto “não se pode
observar um texto em si e isolado de seu contexto sociocomunicativo, já que todo
texto é um evento comunicativo numa dada prática social de uso da língua”
(MARCUSCHI, 2001, p. 32).
Dessa forma, para compreendermos um texto é necessário que tenhamos
conhecimento da situação social em que o autor está inserido ou em que condições
se deu essa produção. Sendo assim, o texto é essa ação que norteia a vida social
das pessoas, seja na escola, na família. Em qualquer esfera social, nos interagimos
com o outro por essa atividade sociodiscursiva que representa linguisticamente o
que somos e o que pensamos no mundo, usando para isso, a linguagem na sua
forma mais real.
Os sentidos são construídos, porque o mundo nos permite essa liberdade de
nos manifestar linguisticamente por meio de enunciados que traduzem a percepção
que temos do mundo, tudo é efeito da linguagem, tudo está associado a uma (re)
construção de sentidos, pois segundo Marcuschi (2001, p. 06), “o que se pode dizer
com segurança é que o sentido não é prévio à enunciação e que o sentido se dá
77
como um efeito da enunciação.” Dito de outro modo, o sentido conduz toda a ação
discursiva ocorridas em contextos sociais diversos.
Possenti (2002) afirma uma diferença crucial nessa discussão que tem como
referencial os estudos foucaultianos, segundo os quais a questão da autoria está
ligada à tradição, seja literária, seja filosófica, seja a das artes plásticas ou do
cinema, isto é, a autoria corresponde a uma obra, enquanto que, para Possenti
(2013), a autoria tem uma certa relação com quem escreve. Autoria no sentido de
uma representação de defesa dum ponto de vista, narração e descrição com marcas
singulares, possíveis no espaço da sala de aula, se houver uma prática de texto
correspondente às necessidades de interação.
A identificação das marcas de autoria em produções textuais é um indício de
que o processo de construção do texto evidencia traços individuais de cada autor,
seja um autor anônimo ou um autor que se identifique por qualquer marca que lhe é
peculiar. O autor é reconhecido no texto por meio de características, um estilo, ou
através das funções textuais. Sobre essas características apresentadas por Foucault
em uma conferência, Possenti (2013) resume da seguinte forma: a função autor está
ligada ao sistema institucional que determina e articula o universo dos discursos.
Não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos os discursos, não é
definida pela atribuição espontânea de um discurso a seu produtor, não remete pura
e simplesmente a um indivíduo real, dando várias posições-sujeitos e classes
diferentes de indivíduos.
Nesse caso, o discurso, ou as formas como o aluno se posiciona no seu texto
podem marcar a sua autoria, não significa que alunos sejam autores, no sentido
concebido originalmente por Foucault, mas assumem a função de autores quando
escolhem os dizeres para o texto e o fazem de um modo que lhe é peculiar. Essa
questão está relacionada com a dialogicidade, um texto que dialoga com outros
textos por meio de elementos discursivos que marcam o sujeito.
Portanto, os critérios e/ou marcas de autoria em textos escolares a nosso ver,
pode ser uma atuação sobre a língua com um propósito específico que contará com
recursos linguísticos e estratégias discursivas: inserção de elementos textuais
discursivos que permitem ao produtor usar sinonímias; as pressuposições
representadas no texto, muitas vezes por marcas da oralidade; a capacidade de
inscrição desse aluno ao escrever um texto narrativo ou descritivo já conhecedor de
sua forma, de sua organização discursiva, etc.
78
Conforme Possenti (2013), a opção para propor algum tipo de autoria de
escrevente (ele chama de escreventes autores que não têm obra) diz respeito à
valorização de traços de autoria, ou seja, a manif‟estação de algum tipo de
singularidade, o que ocorre frequentemente em textos escolares. Cada autor ou
escrevente apresenta-se com um estilo característico que os diferencia dos demais.
Afirma ainda que “aluno que faz boas redações é um bom aluno, não um autor”.
Nessa direção, Alves Filho (2005, p. 57), assevera que “se é certo que o produtor do
texto tem grande responsabilidade no processo de construção da autoria; por outro,
esta responsabilidade é coassumida pelo leitor do texto”.
Autoria/texto/leitor são, portanto, elementos essenciais na construção e
circulação social dos enunciados. O que nos faz afirmar, reiterando as ideias do
autor, que o leitor, ou a construção da leitura, é uma parte atuante na relação texto e
projeção de dizer que indicia a função autor.
Para Possenti (2013), autores são escritores em cujos textos podem ser
considerados usualmente, “conscientes”, mesmo assim são atravessados por
características do inconsciente. Construção de enunciados na produção textual não
é suficiente para que o aluno seja escritor, entretanto, o fazer textual constitui fator
primordial para que a função autor se desenvolva gradativamente por meio de
elementos contextuais que o identificam como sujeito discursivo em contextos
sociais diversificados.
A divisão binária entre autor e escritor retomada por Foucault (1969), não dá
conta da autoria, visto que há consequências relevantes, ou seja, não se pode
estabelecer divisão entre autor e pessoa, a relevância entre espaço canônico, isso
ocorre em obras estritamente literárias. A proposta de Maingueneau (2006) de que a
pessoa, o escritor e o inscritor se constituem como a pirâmide do texto enquanto o
resultado de um trabalho norteado pela incidência ou prevalência de um sujeito que
fala, produz para um outro sujeito que participará de forma ativa ou passiva nessa
produção discursiva representa a própria essência do que pode vir a ser
considerado um escritor no mundo da atividade escrita.
Essas noções de sujeito autor ou escritor/inscritor perpassam por uma
possibilidade da formação escritora, ou seja, o processo de criação está associado a
diferentes atividades desenvolvidas no decorrer da vida escolar. O escritor é uma
pessoa, mas o inscritor também produz. Sendo assim, a heterogeneidade de textos
79
que circulam na escola pode transformar um aluno em escritor? Ou ele só se tornará
autor se produzir fora do contexto escolar?
Considerando as concepções de textos e o papel do aluno visto sob outro
prisma dentro da esfera escolar, há inúmeras possibilidades de se criar e/ou de se
perceber que transformar o aluno em escritor, significa criar condições adequadas
para que a produção realizada em sala de aula ultrapasse os limites da escola.
A noção de autor, ainda pouco presente nos projetos de trabalho em sala de
aula, ocupa papel central nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa (1998).
A prática do professor, associada a uma concepção de língua como interação, pode
influenciar na formação desse autor no universo da sala de aula, mesmo
considerando as condições em que ocorre esse processo de construção textual. Há
uma possibilidade de desenvolvermos nos alunos essa capacidade de se manifestar
discursivamente por meio de práticas de escritas que tenham como referencial a
produção de textos em sala de aula a partir de atividades que viabilizem o exercício
da autoria.
Essas atividades, de acordo com Teixeira (2013), dizem respeito ao uso da
língua em situações concretas de uso, ou seja, quando elencarmos objetivos de
ensino de língua que priorizem a valorização do universo linguístico do aluno e as
possibilidades de usá-lo a favor de uma escrita em que os dizeres sejam de fato,
significativos para o mundo social. Certamente, teremos uma escola em que a
prática de linguagem será uma alegria e não uma tortura como o tem sido ao longo
da história do ensino da escrita nas escolas, sobretudo nas séries iniciais.
Uma questão crucial no processo de autoria diz respeito ao que é produzido
para ser lido por um único leitor e aquilo que só terá leitor no momento da produção,
nesse caso, o próprio aluno. As marcas que o caracterizam como sujeito/autor, serão
aquelas constituintes de sua linguagem, seu conhecimento de mundo e as possíveis
oportunidades para que ele se aproxime do produto de seu trabalho: o texto. Na
verdade, essas formas de manifestações discursivas são marcas que indiciam um
movimento na direção da construção de um texto autoral.
80
3.2 Textualidade e indícios de autoria: a visão de Beaugrand, Dressler e
Possenti
O processo de produção diz respeito a inúmeros fenômenos da linguagem.
Estudar a autoria em textos escritos é fundamental para que se compreenda os
conceitos de textos e suas funções nas relações interacionais, e também a
textualidade.
Para Costa Val (1999, p. 05), chama-se textualidade o conjunto de
características que fazem com que um texto seja texto, e não apenas uma
sequência de frases. O resultado da textualidade, nesse caso, pode ser a
materialidade textual.
A autora enfatiza que tudo o que temos a expressar para outras pessoas são
textos, podendo ser falado ou escrito. Para textualizarmos, precisamos de diversos
fatores peculiares como imagem mental de cada interpretador, intenções do
produtor, contexto, unidade semântica, etc.
Beaugrand e Dressler (1983) apud Costa Val (1999, p. 05) apontam sete
fatores responsáveis pela textualidade de um discurso qualquer: a coerência e a
coesão, a intencionalidade, aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a
intertextualidade. Todos indistintamente contribuem para a construção da unidade
textual. Por isso, é imprescindível que, no processo de produção textual, o aluno
possa desenvolver o seu texto, tendo como parâmetro a significação no processo de
interação com o interlocutor.
3.3 Fatores que contribuem para os sentidos do texto
A noção de coerência conforme Koch (2014, p. 194), “não se aplica,
isoladamente, ao texto, nem ao autor, nem ao leitor, mas se estabelece na relação
entre esses três elementos”. Dito de outro modo, na atividade de escrita e também
de leitura, a coerência se dá no processo de construção de sentidos que é
constituído na relação autor, texto e leitor. É um processo que se complementa na
interação, tanto no processo de escrita em relação ao conhecimento compartilhado
entre produtor e leitor, quanto na leitura em relação ao conhecimento enciclopédico
do leitor e a atividade inferencial.
81
Esse processo constitui a base para que o texto exerça de fato, uma função
de interação entre locutor e interlocutor, portanto, a coerência como fator de
intertextualidade é um dos caminhos para identificarmos indícios de autoria em
textos escolares.
Ressaltamos que a coerência depende dos “olhos” do leitor, porque em
alguns casos, o que pode parecer coerente para uns pode não o ser para outros.
Nessa decisão colabora o nosso conhecimento prévio, seja do assunto, seja dos
interlocutores. Estamos reconhecendo de alguma forma que a coerência é uma
qualidade do texto, mas é também dependente dos interlocutores que a constroem
textualmente. Conforme Alves Filho, (2005, p.35):
A contribuição da Linguística de Texto para o estudo da autoria somente pode ser observada de modo indireto, através dos estudos sobre a
coerência, já que esta [] noção tem sido apontada como de responsabilidade do autor, embora na Linguística de Texto esta responsabilidade seja mais fortemente atribuída ao leitor.
Dessa forma, o que se compreende é que a coerência responsável pela
continuidade dos sentidos do texto, não se apresenta, pois, como mero traço dos
textos, mas como o resultado de uma complexa rede de fatores de ordem linguística,
cognitiva e interacional. Assim diz Marcuschi (1986, p. 40), “a simples justaposição
de eventos e situações em que o texto pode ativar operações que recobrem ou
criam relações de coerência”, um sentido que é (re)criado à medida que ativamos
nossas relações com o mundo.
Assim como a coerência, devemos ter um olhar diferenciado para a coesão,
tendo em vista o texto, também, como estrutura que age socialmente em diferentes
perspectivas e tem em sua constituição em superfície de palavras que se organizam
conforme intuitos comunicativos e, por isso, carregam sentidos múltiplos.
Halliday & Hasan (1976, p. 04), ao estabelecerem que “a coesão ocorre
quando a interpretação de algum elemento no discurso é dependente do outro. Um
pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não
ser por recurso ao outro”.
Consideram a coesão como parte do sistema de uma língua, embora se trate
de uma relação semântica, ela é realizada - como ocorre com todos os componentes
do sistema semântico - através do sistema léxico-gramatical. Há, portanto, formas de
coesão realizadas através da gramática e outras, através do léxico. Através da
82
coesão, pode-se enxergar na superfície textual as possíveis manifestações da
coerência, uma vez que, de acordo com Costa Val (1999, p. 06), “a coesão é a
manifestação linguística da coerência; advém da maneira como os conceitos e
relações subjacentes são expressos na superfície textual”. Conceito já expresso por
Beaugrand & Dressler (1981), ao entenderem que a coesão concerne ao modo
como os componentes da superfície textual, isto é, as palavras e frases que
compõem um texto, encontram-se conectadas entre si numa sequência linear, por
meio de dependências de ordem gramatical.
As relações que se estabelecem no texto, passam por processos que
direcionam a nossa capacidade de interpretação de tudo o que pode ser observado,
ser modificado no e fora do contexto em que o texto foi e/ou é produzido. Nossas
atividades discursivas se relacionam com os enunciados que construímos ao longo
das interações que vivenciamos no meio social do qual fazemos parte ou a qual
somos inseridos. Um texto, não é somente uma unidade significativa de enunciados
que interagem, mas é uma sucessão de vozes que dialogam e assim, formam um
todo de plurissignificações.
3.4 As diversas vozes presentes no texto: heterogeneidade marcada e não
marcada
Vozes que se cruzam e atividades discursivas que movimentam o texto na
esfera sociocomunicativa são ações que conduzem o processo de produção textual.
O dialogismo pode ser entendido como as múltiplas vozes presentes num discurso.
Uma reflexão acerca da abordagem enunciativa e discursiva constitui uma
das bases para a compreensão dos enunciados e dos efeitos destes nas produções
textuais em sala de aula. Falar em heterogeneidade significa atribuir ao sujeito a sua
capacidade de se marcar de forma explícita e implícita num discurso que o
caracteriza ou que o define através de suas vozes representadas por uma
perspectiva de interação que só é possível quando o mesmo enuncia textualmente.
Quando falamos em múltiplas vozes, nos referimos a essa capacidade que o
sujeito possui de (re)construir enunciados e assim demarcar a sua fala, a sua escrita
num universo em que dizer de um jeito pode gerar múltiplas interpretações. Por isso,
falar em múltiplas vozes presentes no discurso, nos remete à noção de
heterogeneidade e sugerem autorias enunciativas que se classificam em locutor,
83
enunciador e autor. O locutor é aquele que se apresenta como o eu no discurso, o
enunciador é a perspectiva que esse “eu” constrói e o autor, é a função social que
esse “eu” assume enquanto produtor da linguagem.
A propósito, Authier–Revuz (2004), discute a noção de heterogeneidade
discursiva, ou seja, a presença do outro no discurso. E divide a polifonia em dois
tipos: a heterogeneidade mostrada, ou não mostrada, e a heterogeneidade
constitutiva. Nesta última, há a interferência de vozes implícitas no discurso sem que
o sujeito tenha consciência de onde vem, enquanto que a primeira compreende
vozes explícitas do outro no discurso, sendo subclassificadas em formas não
marcadas (discurso indireto livre, ironia, pastiche, imitação, alusão, antífrase), e
formas marcadas como discurso direto e indireto (aspas, itálico, entonação
específica, comentário, glosa, ajustamento, remissão a outro discurso).
O locutor, ao fazer uso das formas de heterogeneidade mostrada, assinala em
seu discurso o lugar do outro para distanciar ou negar sua presença e acaba
configurando a não unicidade do discurso. Esses processos são fundamentais para
a formação discursiva, ou seja, para as formações discursivas (interdiscursividade)
que promovem a construção de sentidos na interação verbal, a heterogeneidade
representa as vozes sócias que circulam nos discursos.
Conforme Bentes (2010), a produção textual é delimitada a um só tempo pelo
produtor/escritor e pelo ouvinte/leitor. O produtor de um texto delimita suas fronteiras
por meio de um conjunto de ações de natureza sociocognitiva e linguística. Digamos
que o autor do texto é responsável pela significação que este texto vai produzir
como materialidade linguística. Afirma ainda:
Pensar na intenção do autor implica adotar uma perspectiva sociocognitiva para o tratamento dos textos, já que nem sempre é possível ter acesso à intenção real do autor, nem se pode ignorar que esta intenção existe, no mínimo como uma estratégia que é posta em funcionamento nos processos interativos. Ou seja, a intenção, assim como a própria autoria, é operada estrategicamente pelos sujeitos a partir de pistas do discurso e das representações sociais postas em jogo (BENTES, 2010, p. 406).
A autoria envolve assim, um jogo de dizeres e fazeres sustentados em
elementos linguísticos textuais, sobretudo no que se refere aos fatores de
textualidade. O jogo de sentido nas práticas discursivas é bem representado quando
o sujeito discursivo apresenta de forma autônoma o seu domínio de linguagem, o
qual se transforma num discurso ativo responsivo.
84
3.5 Os PCNs e a questão da autoria
Um dos objetivos deste trabalho é analisar se há nos textos selecionados
para análise, marcas de singularidade que indiquem movimentos de autoria. Nos
fundamentaremos na noção de autoria proposta por Possenti (2002; 2009), para
avaliação de textos escolares. Antes fazemos uma breve discussão do que dizem os
PCNs (1998b) e as DCEs (2013) sobre autoria nos tópicos que se referem à prática
da escrita e à avaliação de produção textual escrita.
A questão da autoria nos PCNs é muito pouco falada, observamos no tópico
“Produção de Textos Escritos”, que o documento propõe categorias didáticas para
ensinar a produzir textos para que os alunos:
[...] possam construir os padrões da escrita, Apropriando-se das estruturas com posicionais. Do universo temático e estilístico dos autores Que transcrevem, reproduzem, imitam. É por meio da escrita do outro que durante as práticas de produção, cada aluno vai desenvolver seu estilo, suas preferências, tornando suas as palavras do outro (BRASIL, 1998, p. 77).
Percebemos nessas considerações feitas pelo documento, que no trabalho
com a produção escrita, a língua é tomada como um objeto externo ao sujeito e que
por isso pode ser por ele dominado. Nesse caso, o sujeito captaria a língua escrita.
Essa perspectiva diverge do que propõe Britto (2003): para o autor a língua é o meio
privilegiado de interação entre os homens, sendo assim o sujeito é capturado pela
língua escrita. Os PCNs falam sobre o ofício de autor antes de apresentar as
categorias didáticas para o ensino da produção textual.
Entendemos que nos PCNs um autor é um indivíduo que executa uma tarefa:
escrever sua obra. Um autor para realizar essa tarefa conta inclusive com apoio de
vários outros profissionais, o que diferencia do aluno que na maioria das vezes
coordena o fazer de sua escrita sozinho. Podemos crer que há nesse caso, uma
visão empírica do autor: um autor é aquele que produz uma obra, em um texto, no
caso do aluno. Para os PCNs, tanto o processo de redação do texto quanto o de
refacção é tarefa bastante complexa, tendo em vista o fato de que ele os realiza de
forma solitária.
As quatro categorias pedagógicas propostas: transcrição, reprodução,
decalque e texto de autoria na tentativa de reduzir essa complexidade (BRASIL,
85
1998, p. 76). Essas categorias representariam níveis de complexidades
diversificados em relação a “o que dizer” e a “como dizer”. Com relação ao texto de
autoria, os PCNs assim se posicionam: “nas atividades de produção que envolvem
autoria ou criação, a tarefa do sujeito torna-se mais complexa, porque precisa
articular ambos os planos: o do conteúdo - o que dizer - e o da expressão - como
dizer” (BRASIL, 1998, p. 76).
Nesse caso, podemos confirmar a ideia de autor como ser empírico que
domina o ato de escrever e, portanto, pode realizá-lo. Acerca das categorias
didáticas, os PCNs destacam ainda, que não se deve estabelecer uma progressão
linear entre elas, pois “é em função do que os alunos precisam aprender que se
selecionam as categorias didáticas mais adequadas” (BRASIL, 1998, p. 77). No
entanto, adverte:
Começa-se e termina-se pela tarefa mais complexa, o texto de autoria do aluno: para poder mapear o que sabe sobre o gênero que está sendo estudado e o que precisa aprender, projetando as ações didáticas necessárias ou para avaliar os efeitos do trabalho realizado (BRASIL, 1998, p. 77).
Percebemos nesse alerta que o texto é denominado de texto de autoria pelo
fato de sua produção ser atribuída ao aluno e por conta do que diz o texto: o texto
seria um dizer singular do aluno, um dizer construído por ele e sobre ele,
representando um saber contínuo.
Esse dizer singular pode ser também compreendido como a única forma de
representação linguística discursiva que faz parte do universo de aprendizagem do
aluno. Essa representação linguística discursiva e operações discursivas são
destacadas por Cavalcanti (2010, p. 101), “como aquelas que envolvem a coesão”.
Essas operações discursivas dizem respeito à relação de retomadas anafóricas e a
produção de textos, o que pode causar um efeito de sentido e até de inversões
discursivas nas atividades de linguagem escrita.
Quando falamos dessas categorias, podemos também destacar que os
elementos de textualidade como a coesão e a coerência são partes da construção
de autoria do aluno quando produz o seu texto. Falaremos desses critérios em uma
outra parte do trabalho, porque consideramos fundamental que tanto a coesão
quanto a coerência possam sim, indicar a competência de escrita do sujeito-autor.
86
Com relação aos critérios de avaliação de aprendizagem dos textos escritos,
a questão da autoria não é considerada, nem mesmo do ponto de vista do próprio
documento. Para o processo de avaliação, os critérios baseiam-se nos fundamentos
teóricos da Linguística Textual (LT), as discussões acerca de cada critério deixam
claras que a autoria não é considerada como ponto crucial na aprendizagem da
escrita:
• Redigir textos na modalidade escrita nos gêneros previstos para o ciclo, considerando especificidades das condições de produção. • Escrever textos coerentes e coesos, observando as restrições impostas pelo gênero. • Redigir textos utilizando alguns recursos próprios da produção escrita relativas à paragrafação, pontuação e outros sinais gráficos, em função do projeto textual. • Escrever textos sabendo utilizar os padrões da escrita, observando regularidades linguísticas e ortográficas. • Revisar os próprios textos com o objetivo de aprimorá-los. • Utilizar os conceitos e procedimentos na prática de análise linguística (BRASIL, 1998, p. 97-98).
Percebemos assim, que nos critérios propostos pelos PCNs para a avaliação
de aprendizagem dos textos escritos há uma preocupação maior com a superfície do
texto. A questão da autoria não é lembrada como critério de avaliação. Quando o
documento fala em autoria, pensamos a ideia que deixa entrever ou perceber é de
uma autoria como produção textual do indivíduo, um dizer produzido por ele e sobre
ele.
Esse dizer é representado por um discurso singular do sujeito que escreve e
em que condições esse dizer é produzido. Embora não considerando o dizer como
estilo único, podemos defender a ideia de uma singularidade perceptível somente na
materialidade do discurso, ou seja, no texto.
3.6 Orlandi e a visão sobre texto e discurso
Nossa perspectiva neste trabalho, a partir da Linguística Textual, texto e
discurso são tomados como constituintes tendo em vista que a existência de um
está atrelada ao que pode ser revelado no outro em termos de apresentação
linguística. Ao trabalharmos com definições de língua, linguagem, texto e discurso,
diversos são os caminhos e as teorias. No entanto, o que nos permite tomar a
palavra do outro para construir a nossa visão acerca da compreensão das relações
87
que se estabelecem e o que podemos elencar como imprescindíveis desses termos
para o nosso dizer constitui um desafio e uma busca que vai além da visão que
temos do texto ou da língua.
Gallo (1989, p. 22), define discurso “como prática linguística de um sujeito em
determinadas condições de produção (sociais, políticas, históricas, etc.)”. O texto é,
então, considerado como o produto de um discurso. Texto e discurso são assim,
tomados como elementos complementares na cadeia social da linguagem. A
fronteira que demarca a diferença entre ambos só pode ser compreendida mediante
uma prática de leitura e de interpretação do seja um em detrimento do outro.
“Se o discurso é a prática de um sujeito em determinadas condições de
produção, o que o caracteriza (e torna possível uma tipologia) são esses dois
elementos: o sujeito e as condições de produção” (GALLO, 1989, p. 23). A definição
de texto e sua relação com o discurso, não pode ser considerada fora de uma
prática de linguagem em que o sujeito se manifesta conforme as suas condições de
se representar textualmente. Conforme Orlandi (2013, p. 69), “se o texto é a unidade
de análise, só pode sê-lo porque representa uma contrapartida à unidade teórica, o
discurso, definido como efeito de sentidos entre locutores”.
Esse sentido que é construído nas relações entre sujeito, texto e
representações discursivas. O texto pode ser esse fato discursivo do qual nos fala
Orlandi (2013), mas é também a forma de manifestações orais e escritas dos
sujeitos quando estes se propõem a efetivarem os seus dizeres. Texto e discursos
são assim, duas entidades que geram discussões e pontos de vistas diferenciados,
entretanto, nas suas formas mais elementares constituem a base para
compreendermos como a linguagem é complexa se nos determos somente nas
questões teóricas. Porque a língua é essa ação do sujeito no mundo e para o
mundo, quando este diz o que diz, para quem e como o diz e, assim, produzem uma
cadeia de enunciados capazes de mudar as relações por meio da multiplicidade de
interpretações desses enunciados nos discursos.
88
CAPÍTULO IV
DELINEANDO OS RESULTADOS DA PESQUISA: INDÍCIOS DE
AUTORIA NAS PRODUÇÕES TEXTUAIS
Este capítulo trata da metodologia e da forma como a pesquisa foi realizada.
Esse trabalho segue alguns procedimentos já adotados por outros pesquisadores do
tema, uma vez que existem muitas pesquisas voltadas para o processo de escrita de
redações em diferentes aspectos.
4 PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Para a realização do trabalho, percorremos caminhos difíceis, porque
pesquisar sobre a prática de produção textual é envolver-se com uma parte do
ensino que enfrenta muita resistência, que é a própria produção de texto.
Nesse percurso, conduzimos a pesquisa sob um caráter hipotético-dedutivo
no que concerne ao modelo metodológico. Conforme tal modelo, teríamos “o
surgimento, em primeiro do problema e da conjectura, que serão tratados pela
observação e experimentação” (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 72). Mediante isso,
detectou-se, inicialmente, uma problemática. A seguir, elencamos as hipóteses,
dentre as quais: marcas textuais que se constituem como pistas que assinalam o
modo de enunciar do produtor; inscrição composicional e estrutural que expressem
um movimento revelador de autoria, considerando-se as condições socioculturais e
históricas nas quais esses textos foram produzidos. Partindo do pressuposto que
esse movimento indiciário (discricional) de autoria se marca quando a “voz” do
sujeito produtor sobressai autônoma na inter-relação com as demais “vozes”
presentes no discurso, (BAKHTIN, 2003, 347-348).
Devemos destacar que, seguindo os procedimentos do método escolhido
para o desenvolvimento do nosso trabalho, a confirmação ou possíveis refutações
de nossas hipóteses em relação aos textos dar-se-ão a partir dos limites
estabelecidos para a observação.
Quanto à abordagem, a pesquisa possui caráter qualitativo, já que foi feita
uma análise de cunho interpretativo, possibilitando observação, descrição e
89
explicação dos dados; para, então, em seguida, propor uma discussão. A escolha
por tal condução se dá pelo fato de que “numa busca qualitativa, preocupamo-nos
menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da
compreensão de um grupo social”, no caso, o contexto escolar (MINAYO, 1998, p.
102).
Conforme Marconi e Lakatos (2010, p. 269), a metodologia qualitativa
“preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a
complexidade do comportamento humano”. A análise e a interpretação dos dados da
pesquisa podem estar inseridas na perspectiva metodológica qualitativa, por
entender-se que, de alguma forma, textos produzidos em sala de aula são
resultados também de comportamentos dos sujeitos, no caso, dos alunos da escola
pesquisada.
O corpus da pesquisa é composto de dez textos de tipologia narrativo-
descritiva produzidos por estudantes do nono ano do Ensino Fundamental em
situações reais de sala de aula. Os procedimentos de coleta de dados obedeceram
às etapas que serão explicitadas a seguir.
4.1 Escolha do local da pesquisa
O trabalho de pesquisa foi realizado em uma unidade de ensino pública,
localizada na zona urbana da cidade de Picos (PI). A instituição funciona nos três
turnos, com todas as séries da Educação Básica, trabalhando no período diurno com
crianças dos 10 aos 17 anos; e à noite, com as mais diversas faixas etárias. Um
diferencial da escola é o fato de possuir uma sala multifuncional com atendimento
especial para alunos com transtornos globais de aprendizagem, dispondo de
profissionais com habilidades específicas para atender esse público; entretanto, os
alunos que frequentam esse módulo especial de ensino são, em sua maioria,
oriundos de outras escolas.
No decorrer de uma trajetória profissional, muitos questionamentos surgem no
que se refere a algumas práticas em sala de aula, como: Por que em algumas
escolas o trabalho com a escrita produz nos alunos interesse para a construção
constante de textos diversos e em outras, não? Ou por que, mesmo sabendo da
importância de um trabalho efetivo com a escrita, “nós”, professores de Língua
Portuguesa, não conseguimos desenvolver atividades que instiguem nossos alunos
90
para uma prática de textos competente em discursos que os representem? Esses
questionamentos nos levaram ao tema do estudo e à escolha de uma realidade de
ensino para ser observada.
A escolha dessa escola está ligada a uma série de razões, porém,
elencaremos aquelas observações que nos levaram a alguns pressupostos: a) os
professores de Língua Portuguesa da referida escola, em especial os professores do
nono ano, aplicam poucas atividades de escrita porque os alunos apresentam muita
resistência à atividade, embora a escola desenvolva, constantemente, projetos
interdisciplinares, voltados para o desenvolvimento sociocultural dos alunos, nos
quais a escrita é fundamental. Mesmo assim, há a desmotivação para a escrita em
sala de aula; b) o trabalho realizado com a escrita em sala de aula ocorre, muitas
vezes, com o único objetivo de atribuir uma nota ou de adicionar um valor à
avaliação mensal e/ou bimestral.
Ressaltamos que, no decorrer do trabalho, foram aplicados textos diversos
em turmas do nono nas quais a observação foi realizada. No entanto, a seleção dos
textos foi feita com textos de uma turma, o critério principal para essa delimitação foi
a limitação do tempo para a produção de uma dissertação de mestrado. Para
atender ao objetivo da pesquisa, portanto, destacamos doze textos dentre os quais
nós tínhamos, sem haver, necessariamente, entre eles critérios de exclusão.
Outro fato que contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa foi a
receptividade da direção da escola, da professora e dos alunos que, prontamente,
se dispuseram a colaborar com o estudo.
A professora da turma tem formação em Letras/Português e Letras/Espanhol,
com especialização em Linguística. Exerce também a função de professora
substituta da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
A Unidade Escolar, aqui citada, é uma escola bem localizada, portanto, de
fácil acesso. Isso influencia o grande número de alunos frequentando as diferentes
modalidades da Educação Básica, considerando que, na maioria das escolas
públicas estaduais de Picos, o número de alunos tem diminuído continuamente, em
particular na zona urbana.
91
4.2 Sujeitos da pesquisa
Para a realização do estudo apresentado observamos trinta alunos do nono
ano do Ensino Fundamental II da escola descrita, a partir do método de amostras
aleatórias simples (LAVILLE; DIONNE, 1999) selecionamos dez textos para serem
analisados conforme os objetivos do estudo.
4.3 Procedimentos para coleta de dados
A pesquisa de campo foi realizada por etapas, uma vez que selecionada a
escola, escolhemos a turma do nono ano, por ser um momento crucial na formação
educacional dos sujeitos nessa fase de ensino.
Muitos aspectos cercam o alunado, começando pelo fato de ser uma fase em
que os jovens estão entrando na vida adolescente, e isso implica mudanças
biológicas e comportamentais, assim como o fato de eles estarem encerrando uma
etapa de formação (Ensino Fundamental) e iniciando outra (o Ensino Médio).
Podemos verificar, conforme os PCNs (1998), que é nesse momento que esses
sujeitos estão assumindo uma nova identidade, buscando sua própria autonomia, o
que se reflete tanto na sua linguagem, quanto na forma de enxergarem o mundo.
Inicialmente, nos propusemos a acompanhar como as aulas eram conduzidas
e se havia formas de instigar os alunos a escreverem com mais naturalidade; mas,
vimos que as atividades de escrita ainda estão presas à questão da nota.
Observamos oito aulas de Língua Portuguesa, nas quais foram realizadas diversas
atividades. Porém, aquelas relacionadas à prática de escrita foram esporádicas,
considerando que o objetivo maior era voltado para os conteúdos gramaticais, tendo
em vista que o período de observação coincidiu com a proximidade das datas de
avaliações semestrais.
No decorrer das observações, duas aulas foram essenciais para a
organização do corpus, pois se desenvolveram a partir de atividades de práticas de
escrita. Nessas aulas, a professora planejou e desenvolveu atividades de escritas
diferenciadas: na primeira, trabalhou com um tema livre e na segunda, desenvolveu
a atividade com apoio na exibição de trechos do filme „O Circo‟4 de Charles Chaplin.
4 O CIRCO (The Circus). Charlie Chaplin Produções. 1928. EUA. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=M28IMFrkBgw >. Acesso em: 15 mar. 2015.
92
Optamos por escolher textos da atividade com o filme “O circo”, por
considerar que a forma desenvolvida poderia indicar possibilidades de enxergar nos
textos produzidos pelos alunos, indícios de autoria ou pelo menos, tentativas de
movimento autoral. Um texto modelo, apresentado pela professora, nos pareceu
que, sob o ponto de vista da professora, constituiria um referencial para que o aluno
tivesse iniciativa para escrever. Com objetivo de complementar o filme, e “assegurar”
o entendimento do aluno, a professora produziu uma descrição das cenas, o que a
levou a escrever uma narrativa, expondo seu texto para a turma em slide, como um
guia para a produção escrita. A indicação da escrita teve como elemento preliminar
além do filme uma discussão oral, seguida daquele modelo de texto à disposição
dos alunos no recurso audiovisual.
4.4 Atividade em sala de aula
Ao término da exibição de trechos do filme “O Circo”, de Charles Chaplin5, a
professora promoveu uma discussão entre os alunos, acerca dos acontecimentos da
trama. Alguns alunos relataram que o filme era sem graça, outros o avaliaram como
divertido. Muitos tiveram certa resistência em escrever o texto com a proposta de
recontar a história no filme.
Em seguida, a professora apresentou seu texto contendo o trecho exibido, o
qual, segundo ela, foi produzido para “facilitar” a escrita dos alunos. No final da
atividade, os textos foram recolhidos, lidos pela professora, alguns até corrigidos.
Mas dos textos que foram corrigidos pela professora nós não os selecionamos para
a pesquisa.
Após a coleta de dados, fizemos uma leitura atenciosa das produções
entregues pela professora e, por ela autorizada o acompanhamento. Como seria
inviável, em razão do pouco tempo disponível para a realização da pesquisa, seguir
o estudo analisando trinta textos, selecionamos dez, de modo aleatório, para a
seguir verificar se eles atendiam aos objetivos elencados.
5 Ator, diretor, produtor, roteirista, compositor e mímico londrino (1889 – 1977).
93
4.5 Procedimentos para análises
Nesta seção, apresentamos uma proposta de análise dos textos a partir de
uma perspectiva de estudo que evidencia uma dimensão fundamental da escrita do
texto, a qual deve ser explorada em sala de aula, a dimensão discursiva. Os
documentos oficiais, PCNs (1998) ressaltam que a competência discursiva do aluno
é desenvolvida mediante uma prática de leitura e escrita e que valorize todas as
suas habilidades sociais e cognitivas frente aos inúmeros desafios que o processo
de aprendizagem exige.
Segundo Orlandi (1988), o conhecimento do aluno é suposto pela escola,
entretanto, a forma como as atividades de ensino são realizadas demonstra uma
relação coercitiva do método de ensino sobre o processo de aprendizagem. A escola
não tem considerado o conhecimento enciclopédico trazido pelo aluno, quando este
vem para o universo escolar.
Optamos por observar, inicialmente, os elementos textuais escolhidos pelos
alunos na escrita e o modo como funcionam discursivamente. A observação seguiu a
perspectiva dialógica, considerando vários discursos entrelaçados: a linguagem do
filme, a narrativa da professora, as vivências do aluno e sua forma de recontar.
Esses discursos em aproximação, contrastes ou como tributários de um “texto
motivador”.
Essa movimentação dialógica foi observada de modo a identificar nos textos
uma expressividade não só do ponto de vista de ação singularizada com os recursos
da língua, mas também da expressividade discursiva, procurando revelar uma
escrita espontânea, em que se nota a existência de um novo enunciado produzidos
a partir do texto proposto. Conforme Bakhtin (2003, p. 348) é “na inter-relação com
as palavras dos outros que se completa o sentido de um novo enunciado” e nesse
processo se determina o estilo que, para esse autor, é a atitude responsiva ativa do
sujeito, ou seja, o sujeito constrói sentidos de sentidos e, nesse jogo de vozes, a
compreensão se integra continuamente.
Essa reflexão do autor nos orienta para uma compreensão de linguagem
integrada: homem, mundo, história, sociedade, sendo constructos indissociáveis,
uma vez que a linguagem permite ao sujeito manter uma relação consigo mesmo e
com o mundo. O contexto demarca essa relação, a partir do uso e da forma como
esse sujeito atribui sentido ao que escreve e como escreve.
94
Um texto pode ter muitos sentidos, mas não todos e quaisquer sentidos, e
aquele projetado ou intencionado pelo autor pode ser percebido pelas marcas que o
constituem, pela forma como o produtor se posiciona no seu “dizer”, que não é
único; entretanto, é permeado por marcas de singularidade e por estilos próprios
capazes de unificá-lo como produtor.
A autoria está associada ao que nos referimos como singularidade ou com
estilo próprio, pois na nossa concepção, a autoria é o que pode diferenciar o nosso
olhar sobre o trabalho do aluno, visto que nos moldes tradicionais, as questões de
“certo” e “errado” sempre permearam a escrita do aluno e o trabalho de correção e
avaliação feito pelo professor.
No capítulo a seguir, apresentamos a forma como a professora abordou a
temática do filme e assim, construiu uma estratégia para realizar a atividade de
escrita que culminou no objeto de estudo da pesquisa.
95
CAPÍTULO V
ENSINO E PRODUÇÃO ESCRITA
Pensar o texto a partir de uma abordagem enunciativa, significa compreender
em que aspectos esse texto se assemelha com as práticas discursivas. Sendo
assim, o trabalho com o texto em sala de aula, considerando as diferentes formas de
interações as quais o aluno tem contato, significa uma possibilidade de inserção de
novas práticas associadas a diferentes textos que circulam socialmente.
Neste capítulo, faremos uma abordagem acerca do filme utilizado pela
professora em sala de aula. Nessa abordagem, apresentamos um pouco da vida e
obra de um ícone do cinema mundial Charles Chaplin.
5 FILME “O CIRCO”
5.1 Charlie Chaplin e o icônico Vagabundo
Charles Spencer Chaplin nasceu em abril de 1889, em Walworth, subúrbio de
Londres. Originário de uma família de artistas, sendo seu pai, Charles Chaplin, e sua
mãe, Hannah Harriette Hill, artistas do Music Hall londrino. Teve uma infância difícil,
sobretudo após o abandono do pai e os problemas psiquiátricos pelos quais sua
mãe passou. Chegou a morar num abrigo para crianças órfãs, junto de seu irmão
mais velho, enquanto Hannah se recuperava.
A oportunidade de subir aos palcos surgiu ainda criança, quando sua mãe,
muito debilitada, não pode continuar em determinada apresentação. Chaplin então,
aos cinco anos de idade, a substituiu majestosamente, cantando e representando de
acordo com os ensaios que viu da sua mãe (ALVES, 2007).
A partir daí, o jovem Charles começou a frequentar o teatro, local onde pode
demonstrar, pela primeira vez, o seu grande talento para a interpretação. O artista
tirou de sua vivência nos orfanatos e nas ruas, os elementos que utilizaria mais tarde
nos roteiros dos filmes que dirigiu e interpretou. Passou por diversas peças teatrais,
uma companhia de bailarinos, ganhou emprego de comediante em um circo até que
foi contratado pela companhia do acrobata Fred Karno, conhecida na época em toda
96
a Europa. Foi lá que desenvolveu suas habilidades em mímica, fazendo enorme
sucesso e logo sendo chamado para compor turnês pela companhia (BITENCOURT
et. al., 2008).
O início da carreira internacional veio com a viagem da Companhia Fred
Karno para se apresentar em Paris e logo depois, uma viagem para os Estados
Unidos. Em meio ao fracasso da turnê pela América, o jovem comediante destacou-
se, recebendo diversos elogios da crítica especializada. Em pouco tempo, entrou em
contato com a companhia de filmes americana Keystone Comedy, assinando pela
primeira vez na carreira, um contrato para ser ator de cinema (SOARES, 2008).
A época era 1914 e o cinema ainda era mudo, com imagens em preto e
branco. Chaplin foi contratado por essa companhia cinematográfica e ficou animado
com o novo palco que lhe esperava. Mas durante alguns dias, ele observara
atentamente e se questionara acerca da adequação ao novo ambiente, pois vinha
do teatro onde o som e os ensaios eram fundamentais. Charles buscou criar uma
nova forma de atuar, algo novo, nunca antes visto até então (BAPTISTA; MARTINS,
2011).
Em seu segundo filme na Keystone, “Corrida de automóveis para meninos”
(1914), criou um personagem que marcaria para sempre a história do cinema: o
“Vagabundo” (mais conhecido nos países de idioma espanhol como “Carlitos”), um
simpático homenzinho, sem condições financeiras, porém de grande dignidade,
trajando grandes sapatos, calça folgada e casaco apertado, um chapéu-coco, bigode
e uma bengala de bambu.
O Vagabundo refletia muito da infância vivida por Charles. A vida das pessoas
no subúrbio londrino proporcionou a inspiração para a criação do personagem e
suas principais características, desde o bigodinho preto ao icônico andar. O
personagem era delicado, melancólico, travesso e valente. Misturava comédia com
drama e todas as pessoas podiam se identificar com ele (SOARES, 2008). Charles
queria tocar as pessoas com aquele personagem. Lourenço (2008, p. 4) explica que:
O vagabundo não tem ilusões, enfrenta o mundo real sem se evadir de suas injustiças, no entanto, nunca perde a esperança e acredita na possibilidade da construção de um futuro melhor, ou seja, apesar de praticamente tudo conspirar contra seu sucesso, acredita na busca pela felicidade, representada pelo símbolo das “estradas” presentes nos finais de um número significativo de seus filmes, tanto nos fazendo questionar o mundo que estamos vivendo, como nos induzindo a pensar outras perspectivas de relações sociais.
97
Rapidamente o personagem de Chaplin ganhou a admiração do público. Para
Lourenço (2008, p. 12), “o gestual eminentemente atributivo, o sombreado dos olhos
tristes e negros, a pequenez do corpo, a ingenuidade do sorriso, a melancolia da
máscara, desperta no espectador o desejo de proteger e acalentar o personagem”.
Ao longo dos anos, o personagem foi sendo moldado e ganhando novas
características, incorporando um forte sentimento de contestação social. A partir da
criação do Vagabundo, Chaplin percorreu várias companhias cinematográficas, nas
quais produziu grandes sucessos como, por exemplo, “O Imigrante”. Neste, eram
mostradas a situação social dos imigrantes que chegavam aos Estados Unidos e a
forma desumana como eram tratados (SOARES, 2008).
Em 1918, Chaplin inaugurou o seu próprio estúdio em Hollywood, passando a
ter absolutos direitos autorais sobre seus filmes. Com propriedade total sobre a
criação dos filmes e mais um estúdio a sua disposição, Charles produziu os maiores
sucessos de sua carreira: “O Garoto” (1921), “Em Busca do Ouro” (1925), “O Circo”
(1928), “Tempos Modernos” (1936) e “O Grande Ditador” (1940).
Com mais liberdade criativa e agora dono de suas próprias obras, Chaplin
aprofundou o debate sobre os temas da sociedade moderna em seus filmes. A
postura mais incisiva e desafiadora virou alvo de diversas críticas:
Em 1936, Chaplin apresentou Tempos Modernos, uma sátira à sociedade industrial e ao maquinismo que fez do homem uma simples ferramenta do processo produtivo. Muito criticado, o ator foi acusado de ser simpatizante do comunismo. As perseguições se intensificariam no momento em que preparava o roteiro de O Grande Ditador, uma sátira à figura de Hitler. Agentes diplomáticos alemães e organizações fascistas dos Estados Unidos pressionaram sem sucesso para que o artista desistisse desta produção (SOARES, 2008, p. 14).
As pressões para Chaplin não produzir o filme foram em vão. Dois meses
após o início da Segunda Guerra Mundial, “O Grande Ditador” foi lançado. Nos
filmes de Chaplin, de acordo com Araújo (2011, p. 71),
A linguagem cinematográfica transforma-se em pensamento profético, denunciando as mazelas dos sistemas que teimam em manter o ser humano submisso, curvado às injustiças sociais, ao mesmo tempo em que proclama novos tempos, de justiça, de paz e de liberdade.
Nessa mesma perspectiva, Sanches (2008, p. 16) aponta que:
98
Apesar da maneira informal e artística com que Charles Chaplin elaborou as suas crenças, o artista conseguiu ao longo de sua trajetória no cinema [...] reunir argumentos que remontaram às hostilidades e misérias que lhe foram contemporâneas e à necessidade de “humanizar” a sociedade, esta tomada por ele não apenas como um povo, um país, uma cultura ou uma civilização, mas como um conjunto de homens e mulheres heterogêneo e universal.
O distanciamento e uma visão mais crítica em relação à sociedade moderna é
o elemento central da tragicomicidade das obras de Chaplin. Suas obras abordavam
temas de grande relevância no contexto histórico, tais como: a luta de classes,
preconceitos, desigualdade social, exploração do trabalho e política. Nenhum outro
artista do século XX condensou tantas ideias e emoções do homem comum de
forma tão simples, profunda e coberta de significados (LOURENÇO, 2008).
A seguir tratamos de uma das obras primas de Chaplin, o filme “O Circo”,
utilizado pela professora na prática de textos.
5.1.1 “O Circo”
Em “O Circo” de 1928, Charles Chaplin exibe a saga do vagabundo Carlitos, o
simpático homenzinho que em meio a uma perseguição policial pelo roubo de uma
carteira, acaba invadindo por acidente, um espetáculo circense e se apaixonando
pela filha do dono do circo.
Último filme de Chaplin, antes do advento do cinema sonoro, o ator chegou a
receber em 1929, um Oscar honorário pelo filme, em merecimento a sua
versatilidade e genialidade em atuar, escrever, dirigir e produzir. Segundo Siqueira
(2010, p. 01):
Certamente um dos longas mais engraçados da carreira de Charles Chaplin, “O Circo” destaca-se pelas divertidas gags visuais, mas abre espaço também para pequenas reflexões, ainda que de maneira leve e descontraída. A inspiração e o talento deste genial ator e diretor para provocar o riso podem ser comprovados neste divertido filme, que antecedeu aquelas que talvez sejam as maiores obras da carreira deste inglês que marcou a história da sétima arte e da própria humanidade.
Para a Folha de São Paulo (2012, p. 01), “a proximidade entre o humor
circense e a natureza física da comédia burlesca revela bastante das origens do
mítico personagem, cobrindo-o com uma camada a mais de graça”.
99
No filme, Carlitos é perseguido por um policial que o acusa de roubar uma
carteira. Acidentalmente, o vagabundo invade um espetáculo circense no meio da
apresentação dos palhaços que há muito não conseguem arrancar uma única risada
da plateia. Porém, a situação muda quando Carlitos, em meio à confusão da
perseguição, faz suas trapalhadas e arranca gargalhadas e aplausos do público, que
sem saber o que de fato acontece, acredita que aquilo é parte do espetáculo. Nesse
momento, o dono do circo, vê no vagabundo uma oportunidade para recuperar o
humor nas apresentações e salvar seu espetáculo da falência.
O vagabundo de Chaplin é encantador e peculiar, conquista todos ao seu
redor, pela sua simplicidade e dignidade:
Charles Chaplin, em seu filme O Circo, reflete sobre a construção dos números de palhaço. Na cena em que outros palhaços tentam ensinar a Carlitos, personagem de Charles Chaplin, como fazer o riso, Carlitos faz tudo errado, sujando todos, inclusive o dono do circo, que o manda ir embora. A beleza deste palhaço está nas suas imperfeições. Ele se torna a estrela principal do circo porque é diferente dos outros palhaços. Os palhaços, nesse filme, reproduzem cenas tradicionais e Carlitos se distingue deles por ter uma lógica individual para a realização de seu trabalho no espetáculo e por trazer consigo elementos próprios e singelos. Não reproduzindo os números tradicionais, os recria com a sua graciosidade e poesia. O ridículo, as dificuldades, a espontaneidade e as falhas são próprias de Carlitos (GOMES, 2007, p. 32).
Carlitos não tem família, amigos, propriedade, nem pátria, vive sempre o
presente, tendo que a todo dia e hora, procurar um abrigo seguro para dormir,
conseguir um prato de comida e fugir das injustiças. Ainda assim, é sempre caridoso
com as outras pessoas, mesmo nas situações mais contraditórias, como na cena em
que prepara sua comida, dispondo de apenas uma fatia de pão, divide com uma
garota igualmente com fome (LOURENÇO, 2008).
Mais tarde, o vagabundo tomaria conhecimento de que aquela é a filha do
dono do circo, a bailarina Merna, castigada de todas as formas pelo pai, e pela qual
ele se apaixonaria ao longo do filme. Um dos pontos altos da trama é justamente a
relação entre o vagabundo e a bailarina, que encontra em Carlitos um amigo
disposto a ajudá-la nos momentos difíceis.
É durante um dos momentos dessa relação que o filme nos proporciona a
cena utilizada pela professora para a atividade em sala de aula com os alunos.
100
5.1.2 A cena na jaula do leão
Infelizmente, a professora não exibiu todo o filme em sala de aula.
Acreditamos que a disponibilização do material em sua forma integral seria uma
ótima oportunidade para aplicar atividades diversificadas com mais possibilidades
para investir em práticas de textos que oportunizassem a expressividade dos alunos.
A cena utilizada para a atividade foi um pequeno trecho retirado do filme. Mais
especificamente, a cena do minuto 37:30s ao minuto 40:30s. Na referida cena,
Carlitos é perseguido por um cavalo furioso. Em meio à fuga, o vagabundo acaba,
acidentalmente, adentrando na jaula de um leão. Assustado, ao perceber que está
diante da fera (para sua sorte ela ainda dormia), ele tenta abrir a porta, mas acaba
se trancando ao mexer no ferrolho. Tem início, então, uma divertida cena, cheia de
reviravoltas e momentos de tensão.
As imagens e os diálogos estão disponibilizados logo abaixo, em 19 trechos
separados e descritos com o que ocorre em cada momento:
TRECHO 01
TRECHO 02
Imagem 1 - Carlitos foge do cavalo furioso, que o persegue.
Imagem 2 - Carlitos, fugindo do cavalo, entra acidentalmente na jaula do leão.
101
TRECHO 03
TRECHO 04
TRECHO 05
Imagem 3 - Carlitos se assusta, ao perceber que entrou na jaula do leão (que ainda dorme).
Imagem 4 - Carlitos tenta abrir a porta,
mas acaba se trancando por dentro.
Imagem 5 - Carlitos tenta abrir uma segunda porta para sair da jaula.
102
TRECHO 06
TRECHO 07
TRECHO 08
Imagem 6 - Porém, do outro lado da porta, Carlitos se depara com outra fera. Agora um tigre, e pior, acordado.
Imagem 7 - Rapidamente, Carlitos fecha a segunda porta e diante de tamanho susto quase derruba um recipiente com água para o leão; mas, de forma ágil, consegue segurá-lo antes de cair no chão, evitando que a fera acorde.
Imagem 8 - Um cachorro aparece e começa a latir, Carlitos evidentemente se apavora, pois com o barulho o leão pode acordar.
103
TRECHO 09
TRECHO 10
TRECHO 11
Imagem 9 - Carlitos pede, implora, enxota, mas o cachorro não sai. Então, ele tenta expulsá-lo através de chutes.
Imagem 10 - A bailarina aparece. Carlitos então faz um pedido a ela: - “Abra a porta, rápido!”
Imagem 11 - A bailarina, assustada diante da situação, desmaia.
104
TRECHO 12
TRECHO 13
TRECHO 14
Imagem 12 - O leão finalmente acorda e vai ao encontro de Carlitos, que se recolhe no canto da jaula, com medo de ser atacado.
Imagem 13 - Surpreendentemente, o leão não age, apenas cheira Carlitos e volta a dormir. Carlitos examina as partes do corpo para conferir se não falta algo e, após, respira aliviado.
Imagem 14 - A bailarina finalmente acorda
105
TRECHO 15
TRECHO 16
TRECHO 17
Imagem 15 - E vai abrir a porta da jaula.
Imagem 16 - A bailarina implora pra que
Carlitos saia imediatamente da jaula
Imagem 17 - Carlitos, de forma convencida,
tenta impressionar a moça, se aproximando
do leão e mostrando que não tem medo.
106
TRECHO 18
TRECHO 19
Os 19 trechos apresentados correspondem a pequena parte do filme que foi
utilizada na atividade.
Apresentamos a seguir, o capítulo que aborda o desenvolvimento da segunda
parte da atividade que compreende o desenvolvimento do texto pelos alunos. Na
sequência, analisamos os dez textos selecionados a partir dos que foram
produzidos.
Imagem 18 - Porém, diferente da primeira
aproximação, o leão agora tenta atacar Carlitos
que, assustado, imediatamente sai correndo da
jaula do leão.
Imagem 19 - Carlitos sai correndo e, de tão
amedrontado, acaba escalando um dos postes
do circo.
107
CAPÍTULO VI
PROPOSTA DE ANÁLISE DE PRODUÇÕES DE ALUNOS
Para a exposição dos comentários é importante assinalar que os textos dos
alunos derivam de uma proposta didática, como já expusemos, realizada a partir de
um modelo (já descrito e comentado na metodologia) que, no contexto da aula
observada, funcionou como um texto “motivador” produzido pelo professor. Uma
condução didática que nos parece mais uma ilustração de uma postura monolítica
do professor no contexto de ensino. É importante considerar nessa situação,
conforme Franchi (2006, p.50) que:
A criatividade se manifesta pelo modo próprio com que cada um se coloca em relação a seu tema: nos diferentes pontos de vista e perspectivas em que representa os eventos ou processos, organiza os aspectos da realidade que descreve, orienta a argumentação, expressa suas atitudes. É a própria experiência pessoal da realidade que o falante informa num desenho próprio que ele mesmo controla as transparências e a opacidade, o que ilumina, o que sombreia, as máscaras com que a deseja revestir.
Orlandi (1988) ressalva que o conhecimento do aluno é muitas vezes suposto
pela escola, e isso interfere na forma como as atividades de ensino são aplicadas e
“recebidas” pelo professor, demonstrando uma relação coercitiva do método de
ensino sobre o processo de aprendizagem do aluno. Sob essa perspectiva, é
possível afirmar que a escola na maioria das vezes, não tem considerado o
conhecimento enciclopédico do aluno.
Desse modo, há uma distância entre o que a escola propõe como escrita e
aquilo que o aluno produz a partir de seus saberes e suas interações com o
cotidiano. A superação dessa dicotomia pressupõe que o professor esteja ávido por
alternativas metodológicas diante de muitos desafios encontrados na sua prática
com a produção de textos em sala de aula, conforme propõe as orientações dos
PCNs (1998).
Dentre esses desafios, há os que “afetam” tanto alunos quanto professores:
de um lado, há o fato de o professor se encontrar diante de situações que não se
atrelam, exclusivamente, ao ensino da habilidade da escrita, mas a esse ensino com
interferências, isto é, ele precisa lidar com as diferenças em níveis de aprendizagem
108
da escrita em um mesmo grupo de alunos, levando em conta a heterogeneidade que
lhes é própria e o contexto sócio-histórico e cultural desses sujeitos.
De outro lado, há os alunos que seguem uma visão de produção escrita
similar a uma tarefa “moldável”, obedecendo a regras, formatos e para a qual, eles
devem ter o domínio da forma e praticar um bom uso da língua. Desse modo, o
funcionamento discursivo no texto, sua constituição e construção fica à margem,
sendo privilegiada apenas a gramática na apresentação do texto, e não no
funcionamento dele.
Essa abordagem mais sistêmica do professor em relação à produção textual
do aluno, tomando esse texto sob o olhar da correção, pontuando-a no domínio ou
não, da gramática nos leva a questionamentos sobre sua atuação como leitor do
texto do seu aluno.
Nessa linha de inscrição enunciativa, passaremos a observar textos
selecionados de alunos do nono ano, conduzindo olhares possíveis para
identificarmos um funcionamento textual-discursivo no dizer do texto, identificando o
aluno como produtor; portanto, como expressivo no seu projeto de dizer que, dentre
escolhas possíveis que a sua língua e o léxico oferecem e possibilitam, faz escolhas
e as articula para seus propósitos comunicativos.
Essa articulação se faz para atender a um objetivo por ele traçado, levando
em conta o que têm em mente, as expectativas de conhecimentos partilhados com o
leitor e o que estabeleceu como leitores possíveis, bem como as apostas em
sentidos que projetou e que está certo que o leitor chegará até elas. Esse produtor
que descrevemos, pode ser o aluno que se encontra nas salas de aula, pois esse
processo faz parte da condução escrita para um texto.
Poderemos ser leitores dos textos dos nossos alunos e buscá-los nas
produções para além de sujeitos que fazem e entregam suas redações ao fim de um
determinado tempo de aula que, muitas vezes, se restringe a cinquenta minutos de
um dia da semana ou mais reduzidos.
6 CONDUÇÃO DA ATIVIDADE OBSERVADA
Os passos planejados pela professora foram fundamentais para que os
objetivos do trabalho fossem atingidos. De acordo com a docente, as produções
representaram um avanço com relação ao processo de construção textual. Para ela
109
“não houve fuga ao tema”, isto porque o aluno seguiu todos os passos do que foi
planejado.
As práticas de produções textuais em nossas escolas têm privilegiado, de
alguma forma, a escrita correta como base para definir o texto do aluno como “um
bom texto”. Na verdade, não há um planejamento para a reescrita ou mesmo uma
revisão conjunta do texto, tanto por parte do professor, como por parte do aluno.
Sobre isso, Possenti (2005) argumenta que as práticas de escrita no contexto
escolar determinam que um texto adequado, ou o que se espera de um texto do
aluno, é o que apresenta dois traços essenciais: ser correto e bem escrito. Essa
forma de escrita, seguindo os padrões estritamente gramaticais, ainda é uma
constante nas poucas aulas dedicadas às práticas de escrita em sala de aula.
A seguir apresentamos descrições sobre a atividade aplicada pela professora,
como referência para que possamos nos situar, de um modo geral, no tema e nos
personagens abordados no filme.
Modelo de texto apresentado pela professora
O CIRCO
A cena assistida ocorre em um circo e mostra um homem fugindo de um cavalo bravo e
escondendo-se em uma jaula. Ao entrar, respira aliviado, em seguida, percebe que há um leão
dormindo na jaula, então o homem começa a se assustar e procura sair da cela. Quando tenta
abrir a porta, acidentalmente, acabada trancando-a e passa a ficar com mais medo ainda, olha
em volta e encontra uma portinha, ao abri-la, vê que a porta dá acesso a outra jaula onde há um
tigre bem acordado e bravo, então, o homem volta assustado e sem querer, deixa uma bandeja
de água cair ao chão, mas rapidamente consegue pegá-la para que não faça barulho e acorde o
leão.
Mais uma vez, o homem suspira aliviado, no entanto, por pouco tempo, pois chega um
cachorro vira-lata e late ferozmente para o homem, este, novamente, apavora-se e pede que o
cachorro silencie. Sem sucesso, tenta chutar o cachorro das grades da jaula, e claro, não o
alcança. Nesta hora, surge uma esperança, sua namorada aparece e ao vê-lo em uma situação
complicada, ou seja, seu amado está dentro da jaula do leão, em vez de ajudá-lo, ela fica muito
nervosa e desmaia. Felizmente, ele tem uma boa ideia e da jaula joga água que estava na
bandeja para acertá-la ao chão e tentar acordá-la. Para o maior susto do homem, o leão acorda
e o cheira, o animal não demonstra interesse e retorna ao lugar onde estava dormindo e a partir
daí fica tranquilamente deitado.
O homem acha estranha a situação e, enquanto isso, a mulher acorda e abre a porta.
Chega o momento de o homem medroso fazer-se de corajoso para a namorada e por fim, ele
aproxima-se do leão para mostrar sua coragem, no entanto o leão ruge irritado e o homem sai
correndo da jaula.
Concluindo, a mulher salva seu amado das garras de um leão.
FONTE: Professora de português 9° ano
110
6.1 Sujeitos inscritores e sua relação com o texto
6.1.1 Proposta de análise de produções de alunos
Para a exposição dos comentários é importante assinalar que os textos dos
alunos derivam de uma proposta didática, como já expusemos, realizada a partir de
um modelo que é um texto produzido pela professora, sobre o qual não faremos
comentários porque este não é o foco do estudo.
No que contexto da aula observada as produções levadas pela professora (o
trecho do filme e o texto por ela produzido) funcionaram como elementos para
instigar e preparar os alunos para a escrita dos textos.
A escrita do texto descritivo apresentado pela professora nos pareceu uma
condução didática que permite ilustrar mais uma forma de postura monolítica do
professor no contexto de ensino, conforme ressalta Orlandi (1988) o conhecimento
do aluno é, muitas vezes, suposto pela escola, e isso interfere na forma como as
atividades de ensino são realizadas, demonstrando uma relação coercitiva do
método de ensino sobre o processo de aprendizagem do aluno. Sob essa
perspectiva, é possível afirmar que a escola, muitas vezes, não tem considerado o
conhecimento enciclopédico do aluno.
Desse modo, há uma distância entre o que a escola propõe como escrita e
aquilo que o aluno produz a partir de seus saberes e suas interações com o
cotidiano. A superação dessa dicotomia pressupõe que o professor esteja ávido por
alternativas metodológicas diante de muitos desafios encontrados na sua prática
com a produção de textos em sala de aula, conforme propõe as orientações dos
PCNs (1998).
Dentre esses desafios, há os que “afetam” tanto alunos quanto professores:
de um lado, há o fato de o professor se encontrar diante de situações que não se
atrelam, exclusivamente, ao ensino da habilidade da escrita, mas a esse ensino com
interferências, isto é, ele precisa lidar com as diferenças em níveis de aprendizagem
da escrita em um mesmo grupo de alunos, levando em conta a heterogeneidade que
lhes é própria e o contexto sócio-histórico e cultural desses sujeitos.
De outro lado, há os alunos que seguem uma visão de produção escrita
similar a uma tarefa “moldável”, obedecendo a regras, formatos e para a qual, eles
devem ter o domínio da forma e praticar um bom uso da língua. Desse modo, o
111
funcionamento discursivo no texto, sua constituição e construção fica à margem,
sendo privilegiada apenas a gramática na apresentação do texto, e não no
funcionamento dele.
Essa abordagem mais sistêmica do professor em relação à produção textual
do aluno, tomando esse texto sob o olhar da correção, pontuando-a no domínio ou
não, da gramática nos leva a questionamentos sobre sua atuação como leitor do
texto do seu aluno.
Nessa linha de inscrição enunciativa, passaremos a observar textos
selecionados de alunos do nono ano, conduzindo olhares possíveis para
observarmos o funcionamento textual-discursivo do dizer no texto, identificando o
aluno como produtor; portanto, como expositor de um projeto de dizer que, dentre
escolhas possíveis que a sua língua e o léxico oferecem e possibilitam, faz escolhas
e as articula para encaminhar o seu dizer no texto.
Essa articulação se faz para atender a um objetivo por ele traçado, levando
em conta o que têm em mente as expectativas de conhecimentos partilhados com o
leitor e o que estabeleceu como leitores possíveis, bem como, as apostas em
sentidos que projetou e que está certo que o leitor chegará até elas. Esse produtor
que descrevemos, pode ser o aluno que se encontra nas salas de aula, pois esse
processo faz parte da condução escrita para um texto.
6.2 Texto escolar: a autoria na produção do aluno, modos de observar
Solange Gallo, em “Discurso da escrita e ensino” (1992), nos apresenta uma
experiência diferenciada acerca da escrita e autoria, enfocando o discurso da
oralidade para o discurso da escrita. Nesse trabalho, ela define o discurso da
oralidade (D.O), como aquele que produz um sentido ambíguo e inacabado,
enquanto o discurso da escrita (D.E), o que produz o sentido de unidade, sendo
legitimado institucionalmente. Conforme Rodrigues (2010, p. 94), “é importante
observar que podemos ter um texto falado e inscrito no discurso da escrita, assim
como um texto escrito inscrito no discurso da oralidade”. No caso, dos textos em
análise, consideramos que devido algumas marcas de autoria serem representadas
por marcas de oralidade inscritas no texto escrito, concordamos com Gallo (1992),
112
quando ressalta que a “assunção da autoria”, no sentido que a assumimos aqui,
pode ser possível quando há a passagem do discurso oral para o discurso escrito.
Texto I – O circo (anexo A)
TÍTULO O CIRCO*
1.
2. RAPAIS TINHA UM CAVALO CORRENDO
3. ATRAS DE UM VEIO DO BIGODAO LA
4. NO CIRCO E O VEI ENTRO
5. EM UMA PORTA E LA DENTRO
6. TINHA UM LEAO DORMINDO LA NO
7. CANTO QUANDO ELIE-VIO O LEAO
8. CORREU PARÁ A OUTRA PORTINHA
9. QUE TINHA DO LADO E DO LADO
10. DA PORTA TINHA UM LEOPARDO
11. E QUE VOUTO E QUE TENTO ARRIA
12. A PORTA E NÃO CONCEGUIU SAIR
13. DA GAIOLLA E O LEAO ACORDO E CHORO
14. E QUE DEPOIS VOUTOU A DURMIR
15. COM O MAU XEIRO DO VEIO
16. E A MULHE DELE ESTAVA PROCURANDO
17. ELE DISISPERADA E AXO ELE NA
18. CELA JUNTO COM O LEAO O
19. VEIO XAMO ELA A MULHE
20. DISMAIO E ELE PEGOU A AGUA
21. DO LEAO E JOGO NA MULHE
22. E A MULHE ACORDO E ABRIU
23. A JAULA E FORAM EM BORA.
24. E O VEIO FOI SE AMOSTRAR
25. MECHENDO COM O LEAO E O LEAO
26. CORREU ATRAS DELA E ELE FOI
27. PRA CIMA DO MASTE.
28. *Transcrição do Texto I (Anexo A)
O texto I surpreende pela espontaneidade do discurso do aluno, embora ele
mantenha o título e nesse caso, isso pouco importa para o que é construído
textualmente na narrativa.
O aluno se apresenta no texto como se participasse ativamente dos
acontecimentos, num só fôlego, inicia um relato. Veja que parece não haver
preocupação se o texto será lido pelo professor; na verdade, a construção do texto
reflete a situação de perigo de forma bem real, não existe pausa entre as ações
(esse é um problema linguístico formal, mas não discursivo). Conforme Bakhtin
(2003) apud Alves Filho (2005), todo autor é sempre dramaturgo, pois sua primordial
ação de linguagem consiste em redistribuir as vozes sociais, o que, de certa forma,
acrescenta a sua própria voz num discurso que pode se fragmentar, se construir e
se reconstruir no processo de interação.
113
Nesse texto, temos aquilo que Cavalcanti (2010) reitera sobre a produção de
textos, quando afirma que ela não se dá fora de determinadas circunstâncias, que
deve ser considerada por aquele que se propõe a escrever, sendo assim, ter um
tema em mão é muito pouco, para uma prática que demanda uma série de ações
pedagógicas.
Vejamos um fragmento de um texto (texto I) do nosso corpus:
Figura 20 - Fragmento 1 - Texto I
Com esse exemplo, é possível identificar que em “rapais (linha 1), a marca da
oralidade especifica o discurso do aluno. É mais do que uma variedade linguística
diastrática, observamos que a construção desse enunciado dá a impressão de
afinidade entre o suposto leitor e o “autor” do texto; identificamos, pois, uma
inscrição de autoria nessa marca de oralidade. Em outra linha: “um veio do bigodão”
(véi) (linha 2), a apresentação do discurso oral no discurso escrito pode encaminhá-
lo para uma sátira ao personagem; nesse caso, apoiamo-nos no que afirma Orlandi
(1988) no texto: “Nem escritor, nem sujeito: apenas autor”, em que a autora afirma
que a função discursiva autor, ao lado das funções enunciativas de locutor (aquela
pela qual o sujeito se representa como “eu” no discurso) e de enunciador (a
perspectiva que esse “eu” constrói no discurso), é aquela que o “eu” assume
enquanto produtor de linguagem, produtor do seu dizer.
O aluno desse texto apresenta seu dizer dialogando com o texto da
professora, mas fazendo inserções e inovando no estilo jocoso de sua narrativa. Ele
apresenta os elementos descritos, pois eles se passam na cena assistida, mas
insere elementos que marcam sua atuação no dizer, o seu “eu” construindo um texto
para além do previsto. É uma atuação do sujeito-aluno que marca um estilo no
sentido bakhtiniano (2003), isto é, indicia mais do que a expressividade do aluno,
mas também se constitui na expressão da sua relação discursiva sob a qual, na
situação enunciativa, esse aluno atua de modo responsivo ativo, dialogando com
outros discursos que o atravessam em seu contexto e eventos comunicativos.
114
No caso do trecho destacado, observamos que o aluno se apoia na sua
experiência de linguagem oral cotidiana para anunciar uma história a ser contada, a
ser relatada como algo imprevisível: “rapais...” como um vocativo abrindo à narrativa,
marcando a presença do leitor no texto.
Esse produtor, através de sua narrativa, (re)conta uma história a partir de um
lugar de reconhecimento, no qual se insere e o define estabelecendo sua visão
contextual a qual lhe permite um desprendimento para distanciar-se do modelo
indicado pela professora, explicitando um modo de (re)contar que revela
conhecimentos socioculturais marcados em seu discurso, a exemplo da conversa
com o leitor, nas marcas de fala, típica de um falar nordestino, particularmente
piauiense; já citadas, como: “véio”, “amostrar6, “derriar”, marcas que identificaremos
em outros trechos do texto.
Figura 21 - Fragmento 2 - Texto I
No texto, observamos que do ponto de vista da linguagem formal, ou daquilo
que compreendamos como um texto adequado no contexto escolar, do ponto de
vista gramatical, por exemplo, muitas inadequações são perceptíveis; sobretudo, na
expectativa que se faz, tendo em vista as matrizes de referência e as competências
para a produção de textos para o ensino de Língua Portuguesa, destacando o nono
ano da educação básica.
Uma característica que consideramos diferenciá-lo dos demais textos que
comentaremos aqui, é a elaboração de uma narrativa “própria”, uma vez que o aluno
descreve e atua sobre a descrição da cena à margem de dois vieses de regulação: o
modelo da professora e o modelo normativo.
Os acontecimentos não são escritos atendendo a vários critérios normativos
como, por exemplo, o recurso da pontuação. Trata-se de um texto construído sem
6
O verbo “amostrar” não se constitui uma forma inadequada, mas não é usual no contexto formal da
língua, mas empregado popularmente. Isso faz com que muitas pessoas o considerem “erro”. No
entanto, mostrar e amostrar têm sua origem na palavra latina monstrare.
115
interrupção, o enunciador se propõe a contar um fato tal qual lhe foi apresentado,
característico de um turno contínuo de conversa.
Nota-se que a ausência de pontuação pode não comprometer muito o sentido
do texto, uma vez que o aluno consegue estabelecer uma continuidade na
sequência narrativa. A não pontuação reflete uma influência clara das marcas de
oralidade que, nesse exemplo, funciona como uma inscrição autoral.
Autoria, enquanto um dizer singular na produção discursiva de textos
escolares representa um diferencial na construção desse sujeito no seu universo
linguístico. Conforme Teixeira (2013, p. 13), “a autoria se constitui nas produções
discursivas relacionando-se ao lugar do qual o sujeito se manifesta e de como ele
utiliza suas experiências para marcar uma tomada de posição em um processo de
interpretação em constante movimento”. Movimento que indicia uma posição
discursiva com uma ampla representação do discurso oral. Podemos perceber esse
discurso oral no seguinte trecho “ea mulhe dele estava porcurando ele disisperada”
(linhas, 16, 17).
Figura 22 – Fragmento 3 - Texto I
Temos neste texto, um sujeito que de forma espontânea, demonstra uma
singularidade discursiva, porque enuncia numa posição de total liberdade naquilo
que deseja transmitir. No texto, não temos somente com problemas na construção
da linguagem formal, mas sim, um objeto discursivo que retrata uma nova forma de
ler e perceber esse sujeito enunciador.
Nessa perspectiva, considerar o sujeito autor é verificar como o texto é
produzido, considerando a sua discursividade (CARVALHO, 2002), ou seja, a autoria
pode estar associada à forma como o sujeito conduz o seu dizer em diferentes
situações enunciativas.
No mesmo texto, podemos observar alguns aspectos discursivos bem
diferentes dos demais, como por exemplo, a forma como o personagem Charles
Chaplin é recategorizado “um veio do bigodão” (linha 3). Em nenhum momento essa
descrição foi apresentada por outro aluno. Outro referente novo: “a mulher dele”
116
(linha 16), e quando o aluno faz essa referência subtende-se que é esposa.
Entretanto, essa referência não é real, uma vez que a personagem já está em cena,
sendo representada discursivamente por meio de diferentes referentes como já
mencionado.
A substituição de palavras também caracteriza esse sujeito-autor, como
expressões bem características de um universo linguístico bem interiorano “arria”
(arrear, derrubar, deitar), o leão vira leopardo, depois de todo o sufoco ele foi “se
amostrar” (marcas de oralidade), enfim, o texto ortograficamente apresenta muitos
problemas, mas o aluno se marcou discursivamente pela inserção do texto num
quadro histórico, que de alguma forma lhe confere sentido. Carvalho (2001), afirma
que o sentido para o texto pode lhe conferir autoria, no momento em que o sujeito
apresenta seu projeto de dizer e o evidencia de um modo particular, ou seja,
caracterizando sua enunciação, mediante ações discursivas 88 de relações sociais e
culturais e deixando-as prevalecer no texto, dada a nossa imanência histórica como
sujeitos de linguagem.
Texto II – Circo (anexo B)
TÍTULO O Circo*
1. Um homem que trabalhava em um circo, um dia um,
2. cavalo estava lhe perceguindo e então ele correu e entru em
3. uma porta para tentar fugir do cavalo,mas quando ele ver que
4. ele entrou foi numa jaula de um feroz leão tenta abrir a porta
5. mas acidentalmente ele acaba trancando-à.
6. E então ele viu outra porta e entrou nela tentando achar
7. outra saída mas nessa outra porta estava um tigre muito
8. feroz e acordado ao contario do leão que estava dormindo.
9. E uma bandeja com água cai mas ele rapidamente se-
10. gura para não acordar o feroz leão mas um cachorro surge
11. derrepente e começa a latir e o homem pedi para que o
12. cachorro pare de latir, sem susesso ele tenta chutar o
13. cachorro mas também não consegue
14. Mas existe uma salvação, sua namorada aparece mas
15. ela,assustada com aquilo acaba desmaiando e ele faz de tudo
16. para acordá-la mas em susceso outra vez.
17. O feroz leão acorda e vai até ele, cheira ele mas não gos
18. ta daquilo e volta a dormir dinovo. Então sua namorada
19. acorda e abre para ele sair mas ele para mostrar para a
20. namorada que é corajoso chega perto do leão, e o leão rosna
21. para o homem e ele sai correndo da jaula morrendo de medo.
22. *Transcrição do Texto II (Anexo B)
O texto II é produzido, também, com base no material discursivo do “outro”,
partindo da escrita da professora, identificamos também traços do discurso do aluno,
117
expressivos das suas escolhas. Na produção desse novo enunciado, esse aluno
atua sobre o texto e a partir dele, como podemos identificar no trecho (fig. 23) a
seguir.
Figura 23 – Fragmento 1 – Texto II
Nesse trecho o produtor escolhe conduzir o texto contando com um leitor na
pressuposição de uma correlação, por meio de conhecimento partilhado ou
enciclopédico, apresentando na sua narrativa, por exemplo, o personagem “o
Charles Chaplin”.
A partir dessa apresentação percebemos que a condução da narrativa dar-se-
á mediante uma posição de observação do narrador distanciado dos fatos, o que o
torna um autor, na medida em que acentua o seu discurso na construção textual. Se
o texto é a condição para que o sujeito se inscreva no seu discurso, podemos
perceber que essa inscrição determina a relação que vai se estabelecer entre locutor
e interlocutores no processo de construção e/ou de (re)apresentação entre ambos
por meio da linguagem.
Construir um dizer com a escrita a partir da organização do discurso que, em
essência, entrecruza-se com outros discursos é desafiador para o aluno do nono
ano, considerando as condições de produção e as expectativas em torno da
interação com o texto pelo leitor provável (o professor).
Mesmo seguindo o modelo apresentado, e isso fica evidente a partir do título
“O circo”, ao iniciar a história, o aluno rompe com o discurso do outro ao inserir “um
homem que trabalhava” (Linha 1), que significa uma escolha, como alternativa
possível para instaurar o discurso no texto. Conforme Possenti (2009, p. 93), a
“escolha” pode ser entendida como efeito de uma multiplicidade de alternativas
decorrente de concepções de língua como objetos heterogêneos”, ou seja, quando o
sujeito usa uma expressão e não outra, certamente teve a opção da escolha, o que
demonstra sua inserção no discurso do outro.
No trecho “um dia um cavalo estava lhe perceguindo (Linhas 1 e 2),
observamos uma expressão inicial para a sequência enunciativa típica dos contos
118
de fadas e também de fábulas, gêneros textuais muito utilizados nas leituras das
séries iniciais, o que representa no texto, um conhecimento enciclopédico assimilado
pelo aluno no decorrer de sua vida escolar. Essa expressão “um dia” nos permite
uma interpretação de que aquela história que ele visualizou na cena apresentada foi
algo muito distante, que aconteceu há muito tempo, traços que o aluno pode ter
observado pelo próprio cenário de ocorrência dos fatos, como a vestimenta dos
personagens, o cinema mudo (os personagens não falam – a comunicação se dá
por gestos, mímica, leitura labial – apesar de haver um fundo musical), as imagens
ainda em preto e branco etc.
Essa inscrição do sujeito no texto é caracterizada pela marca textual que
introduz as ações retratadas no texto-modelo, porém, reorganizadas de forma
diferente. De acordo com Cavalcanti (2010, p. 55), “para o analista, textos com
autoria são aqueles em que é possível apreender a presença de um autor que
realiza um trabalho investindo no como dizer, na construção do texto”.
Esse investimento, a nosso ver, está relacionado com a posição que o sujeito
ocupa quando se responsabiliza por aquilo que produz textualmente. No trecho: “E o
homem pede para que o cachorro” (Linha 11), temos um investimento autoral em
que o autor tenta passar para o leitor um tom de veracidade à história,
personificando o animal. Quando ele usa o verbo “pedir” é como se houvesse um
diálogo entre ambos.
Outro aspecto a ser ressaltado no texto, diz respeito à capacidade de o aluno
investir no emprego da conjunção, “mas” (Linhas: 3, 5, 7, 9, 10, 12, 14, 16, 17 e 19),
o que dá ao texto uma ideia de contradição ou uma história com suspense. Esse
“mas” pode ser caracterizado como um indício de autoria, pois explicita um modo de
expressar uma leitura no texto sobre uma relação concessiva implicitamente e
opositora contrastada na cena: “o personagem fez „isso‟, mas..., deixando clara a
ideia de que há tentativas de ação (algo a ser feito ou feito) e impedimentos (apesar
do que foi feito, não acontecia).
A inserção do, “mas” exerce o papel não só de conector das ideias, mas
também tem no efeito “meta” sua retomada pela coesão recorrencial uma repetição
como se virasse uma sequência nos tempos e fatos na narrativa.
119
Figura 24 – Fragmento 2 - Texto II
Há um diálogo com o texto do professor, sobretudo na sequência da forma
como a cena é descrita. Podemos constatar que, embora produzido com base no
texto do professor, o aluno tenta se inserir no dizer do outro por meio de marcas de
seu universo linguístico e conduzindo o texto expressando o seu olhar na cena.
Texto III – Charles Chaplin na Jaula do Leão (anexo C)
TÍTULO Charles Chaplin na Jaula do Leão*
1. Em um belo dia de sol, o jovem Charles foi
2. para andar quando se depara com um
3. cavalo valente que persegue-o querendo dar-lhe
4. um “coice”. Por sorte (Talvez) encontra uma jaula
5. e corre para dentro dela e respira aliviado por pou-
6. co tempo onde logo se depara com um leão,
7. por sorte dormindo e tenta abrir a porta e
8. acaba trancando-a. Logo avista uma portinha
9. e passa por ela. A porta dava acesso a uma
10. outra jaula com um tigre bem acordado e
11. novamente Trancado corre desesperado e encontra
12. uma escada em pé e sobe nela onde fica por
13. bastante tempo. A jaula estava situada para
14. apresentação no circo onde retiram as cortinas
15. e começa o espetáculo. Charles depara com
16. a plateia que ao velo na jaula e o público
17. aplaude-o. Sem opção se torna um doma-
18. dor de tigres, estranho para a plateia
19. mas intrigante. O tigre sai para beber água é
20. na hora que ele desce da escada e abre
21. a jaula, o tigre percebe e ele sai correndo
22. e o tigre junto. A plateia Ri bastante e ele
23. corre e sobe num mastro ( ainda dentro do
24. circo) e quase deslisando vai atravessar até um
25. trampolim (situado longe do Local) vai pela
26. corda bamba onde é momento de aflixão para a
27. plateia e pisa enfalso e cai no elastico que
28. serve para ficar abaixo da corda para evitar
29. cair no chão. O dono do circo vai até ele
30. e o tigre tambem e ele sai correndo onde o
31. tigre segue-o. Charles correu por muito tempo até
32. que o tigre se cansou e voutou a sua jaula.
33. Sorte dele! FIM *Transcrição do Texto III (Anexo C)
120
Assumir a autoria significa posicionarmo-nos como criadores, na origem do
“eu dizer”, do “eu fazer”, envolvendo começo, meio, fim, projeção daquilo que
produzimos. Como bem afirma Orlandi (2013), é tornar-se visível ao mundo, é ser
identificável e, ao mesmo tempo, controlável. No entanto, colocar-se na posição do
“seu dizer” não é apenas um gesto de vontade, de querer, de dizer, vai muito mais
além, é na verdade uma prática diante de um processo, que envolve tornar-se
responsável “direto” pelo que produz.
Na figura 25, verificamos com o título “Charles Chaplin na jaula do Leão” que
o produtor nos surpreende por citar o nome de “Chaplin” como seu personagem, em
geral foi nomeado como “o homem”. Fica evidente a demonstração da utilização de
recursos extratextuais, ou seja, do seu conhecimento enciclopédico.
Constatamos pela narração dos fatos que o produtor inclui muitos elementos
em sua narrativa que se mesclam ao texto de influência exposto pela professora. É
uma história, com uso de expressões de contos de fada “Em um belo dia de sol”,
com um enunciador estabelecendo um diálogo bem marcado com seu interlocutor
como, por exemplo, no convite ao leitor para acompanhar “a sorte” do jovem Charles
na jaula do leão, a qual traz uma expectativa em ressalva, (talvez), um jogo com
leitor, como a pergunta “qual será o desfecho? ” E confirmando no final: sorte!
Figura 25 – Fragmento 1 - Texto III
O emprego da expressão “por sorte” (junto a “talvez” entre parênteses) pode
se associar ao interesse do produtor em possibilitar o leitor a fazer inferências
acerca do que irá acontecer. O termo “por sorte” se trata de uma expressão
normalmente utilizada em discursos cotidianos, em situações casuais. O sentido
desses termos em conjunto pode ser decorrente tanto de algo que aconteceu de
fato, ou apenas de possibilidades criadas pelo autor para deixar sua marca de
autoria, dando também alternativas ao leitor para fazer uso das próprias inferências,
121
mantendo o possível leitor com a mesma expectativa inicial e com vontade de
prosseguir com a leitura. Esse leitor presumido pode construir no texto sentidos não
previstos, porque os fatos aqui narrados se aproximam de fatos reais.
Podemos dizer que o aluno fez uma apropriação do texto original,
acrescentando-lhe aquilo que lhe pareceu interessante ou conveniente. Não foi uma
reescrita apenas, tal qual a sugerida pela professora. Ele ampliou conteúdos no
texto, acrescentou novos desafios para o personagem, ressaltando o que em sua
opinião atenderia ao propósito comunicativo que estabeleceu a partir da proposta
apresentada; portando-se, assim, como autor no texto. É possível afirmar que se
trata de uma produção a qual se volta aos leitores em geral, não pensando,
unicamente, na figura do professor.
Ao escrever “um belo dia de sol”, o produtor sai do foco previsível de “Era
uma vez” e se mantém no clichê inicial de “contos de fadas” Como em momento
algum ficou evidente que as cenas ocorriam em “um belo dia de sol”, constatamos a
presença de discurso autoral, e não apenas de um discurso copiado ou descrito a
partir de ideias de um texto-base.
Diante disso, inferimos que tal afirmação pode ser atribuída a uma previsão, a
uma expectativa, levando o leitor a pensar que outras possibilidades de
caracterização do clima, no qual ocorria a narrativa, poderia ser diferente como,
poderia chover um tempo depois, por exemplo.
Nesse caso, o autor se projeta, também, como leitor explicitando seu olhar
para além daquele que apresenta o dizer sobre, mas também como um leitor, aquele
que poderá estabelecer inferências diante do que está dito, estabelecendo um
diálogo com o texto. Construindo expectativas, levantando hipóteses, confirmando,
refutando...realizando o processamento leitor mantendo a relação conjunta e
participativa.
A utilização do termo “Sem opção” (Linha 17) parece ser uma estratégia do
autor para manter o leitor atento ao texto, levando-o a pensar nas alternativas
possíveis para o personagem sair daquela situação embaraçosa. Caracteriza-se
como uma forma de instigar o leitor a fazer questionamentos, mantendo a sua
curiosidade, dando voz ao outro. O que nesse caso está relacionada de forma direta
a como dar voz aos outros. Vejamos:
122
Figura 26 – Fragmento 2 – Texto III
Ao empregar “sem opção”, o autor oferece ao leitor possibilidades de
inferências em opções para o que se poderia ter a partir da situação retratada.
Na passagem: “Estranho para a plateia, mas intrigante” (Linhas 18 e 19),
verificamos que o autor remete a “mas intrigante” para caracterizar a leitura por ele
realizada através da face das pessoas presentes na plateia.
Figura 27 – Fragmento 3 – Texto III
A visão criada o fez transcrevê-la para manter o leitor na expectativa do que
viria. O autor se responsabiliza pelo que está por vir e objetiva, com isso, prender a
atenção do leitor, o que nos faz pensar em mais um indício de autoria.
123
Texto IV – Loucura no circo (anexo D)
TÍTULO Loucura no Circo*
1. Bom um circo , é cheio de alegria e emoção,
2. mas nem um dia é igual a outro, pois a história
3. começa num circo da Inglaterra em 1589, um
4. homem que se chamava John Michael estava provo-
5. -cando um cavalo que estava preso num celeiro
6. próximo a um circo, derrepente John, notou que
7. o celeiro ficou aberto quando ele saiu e oque pode-
8. -ria acontecer? O cavalo que foi provocado por
9. ele saiu correndo atras do pobre John, sabendo
10. não poderia fugir. Do grande cavalo. ele
11. entrou na parte do circo onde ficam as jaulas
12. dos ativos e ferozes animais, sem perceber entrou
13. numa jaula grande de costas, quando virou se
14. deparou com um leão enorme, para sua sorte
15. o animal estava dormindo com muita cautela
16. se aproximou da porta e tentou , sair mais a
17. saída trancou por fora e ele ja , para dar um
18. peripaque de medo, eis que surje uma luz, no
19. fundo da jaula havia outra porta, apavorado ele
20. entrou com tudo e se deparou com outro leão
21. super acordado, voutou depressa e tentou pedir
22. ajuda logo chega sua namorada Maria Elizabeth
23. e não dá uma só palavra só desmaia o
24. homem já para desmaiar também tem uma ideia
25. pega a baçia que está cheia de água para
26. o leão e joga encima de Elizabeth, a coitada
27. acorda atordoada e corre para abrir a porta
28. quando derrepente o leão acorda cheio de fome
29. e corre para devorar John muito agil a mulher
30. abre a porta e o homem sai desesperado e
sobe num poste e fica gritando lá de cima para cham o gincho para tirá-lo de lá. Fim. ( moral: num mecha com quem esta queto pois pode li trazer serias consequências.
*Transcrição do Texto IV (Anexo D)
O produtor do texto “Loucura no circo” envereda pelo discurso da professora,
mas logo no início da narrativa apresenta um novo começo: “Bom um circo é cheio
de alegria e emoção” (Linha 1). Neste trecho podemos dizer que há uma inscrição
do sujeito quando ele pontua, como quem intencionasse dizer “agora irei contar a
minha história”, o termo de realce “Bom” quando ele assume o circo como um lugar
diferente e animado, “um circo” – local de diversão e de alegria.
Figura 28 – Fragmento 1 – Texto IV
124
Em: “Mas nem um dia a igual a outro” (Linha 2), uma preparação para o que
contará: uma loucura no circo. O aluno se insere no discurso contando com o saber
partilhado pelo leitor, pressupondo a possibilidade de definir um percurso
diferenciado para o seu “dizer” como também o conhecimento social, um dizer que
não é único, mas que nos apresenta traços pessoais com o propósito de manter
interação com o leitor: “a história começa num Circo da Inglaterra em 1589” (Linha 3)
Ao inserir novos elementos ao discurso do outro, no caso, o texto motivador
(Figura 28), o aluno demonstra um conhecimento de mundo e um conhecimento
enciclopédico que o definem como um possível autor, o “autor” de que trata Possenti
(2009, p. 10), ao destacar que: “pode-se dizer que alguém se torna autor quando
assume (sabendo ou não disso) fundamentalmente algumas atitudes: dar voz a
outros enunciadores, manter distância em relação ao próprio texto, evitar a
mesmice, pelo menos”.
Vozes que se cruzam no interior do texto indicam que o sujeito constrói o seu
texto em diálogos constantes (Figura 29), caracterizados também pela
intertextualidade e por recursos a ela associados. O que é visível em alguns trechos
como, por exemplo (linhas 18 e 19) “...eis que surge uma luz, no fundo da jaula
havia outra porta...”.
Figura 29 – Fragmento 2 – Texto IV
Na passagem “o homem sobe num poste e grita para chamarem o guincho”
(Linha 30), o aluno ultrapassa as linhas numeradas para o texto e enfatiza com a
palavra “fim”, expressão que aparece na cena original exibida na sala de aula. E
125
depois desse “fim”, apresenta uma moral para o seu texto, sinalizando com isso
indícios de autoria.
Para Rodrigues (2010, p. 85) “a autoria está ligada ao trabalho com a
equivocidade da linguagem”, e a partir disso podemos inferir que marcas de autoria
estão relacionadas com o jogo que o sujeito faz no interior do texto.
Observamos que o texto (Fig. 29) não foge à proposta da professora, mas há
uma recriação da história com riqueza de detalhes, com o emprego do
conhecimento de mundo associado ao que aluno percebeu na cena exibida.
Comprovada por exemplo em: “num circo na Inglaterra, em 1589” (Linha 3), na qual
o autor insere o leitor num determinado espaço e num tempo de acontecimentos dos
fatos.
Essa reflexão nos remete à ideia de que um texto com autoria é um texto em
que o autor consegue romper com a previsibilidade. E pelos elementos apontados,
comprovamos que o texto acima exemplifica essa atitude. Vejamos o trecho: “Moral:
num mecha com quem esta queto pois pode li trazer sérias consequências” (Linhas
32 a 34).
Identificamos nesse trecho característica típica de um gênero escolar
conhecido do aluno, a fábula. A manifestação desse conhecimento enciclopédico é,
a nosso ver, um indício de autoria, porque evidencia o discurso do aluno em que a
tendência é a busca por um texto com as mesmas características do modelo
apresentado na atividade.
Figura 30 - Fragmento 3 – Texto IV
126
Texto V – O circo da criatividade (anexo E)
TÍTULO O Circo da Criatividade*
1. O palhaço atrapalhado corre de um touro bravo, enquanto
2. ele corre do touro tinha uma pedra no caminho e ele tropeçou.
3. O touro vinha rapidamente e pulou direto nele foi quem entrou na jaula
4. quando o touro na jaula o leão acordou e os dois ficaram se
5. encarando até o palhaço lutar na jaula pensando que era o camarim, ai
6. o palhaço vê uma portinha que da acesso a corda bamba do picadeiro
7. e o palhaço pensa se ficar o tigre e o touro mata ele, e se ele for
8. pra corda bamba ele cai e se estabaca no chão, ai ele decidiu ir pra
9. corda bamba no meio da corda bamba ele caiu em cima de um
10. trapezista e quando ele caiu o cachorro e seu dono assustou ele
11. avançou em cima dele ele saiu para o mastro que o levava as nuvens,
12. e quando ele chegou nas nuvens ele o palhaço atrapalhado encontrou
13. sua namorada a palhaça Maria frufru e quando ele contou o que havia
14. acontecido na terra eles se encheram de gargalhadas eles ficaram bem
15. felizes e os dois andaram de mãos dadas no símbolo do amor e por lá
16. ficaram na paz de Jesus
*Transcrição do Texto V (Anexo E)
Ao analisarmos indícios de autoria em produções textuais, faz-se necessário
destacar que o nosso pensamento sobre a expressividade no texto e a constituição
da linguagem nessa atividade comunicativa está intimamente relacionado à
concepção de língua e de texto que adotamos no decorrer de nossa pesquisa.
Conforme Koch (2011, p. 15), “a concepção de língua como interação corresponde à
noção de sujeito como entidade psicossocial, sublinhando-se o caráter ativo dos
sujeitos na produção mesma do social e da interação”. Essa interação é constituída
como um processo que conduz o sujeito a agir de forma ativa na construção de um
dizer singular, proposto a partir de elementos textuais inseridos no seu universo
discursivo. Ainda com Koch (2011, p. 17), “o sentido de um texto é construído na
interação texto-sujeito (ou texto co-enunciadores) e não, algo que preexista a essa
interação”. Nesse sentido, refletir sobre a produção de um texto inclui, também,
identificar os passos para a elaboração na perspectiva de como e para que, onde e
para quem esse texto será produzido: condições de uso, produção e circulação.
Podemos perceber que no texto V, o aluno constrói a sua narrativa, e
consegue demonstrar que o seu texto apresenta indícios de autoria já a partir do
título. O que para a maioria era somente “O circo” (nas produções que compõem o
corpus, dos 10 textos, 07 tinham o “O circo” como título. Neste ponto, ressaltamos
que o texto motivador utilizado na proposta era a este análogo) para ele
representava algo a mais, pois não era um circo comum como os demais, era o
127
“Circo da criatividade”. A inserção de um predicativo chama a atenção para o fato de
que no circo acontecem coisas criativas, e essa expressão gera certa expectativa
por parte do leitor, que provavelmente fará uma leitura com o intuito de descobrir
como é esse circo, o que ele traz de diferente, visto que as apresentações circenses
são previsíveis.
Dizer se um texto apresenta ou não indícios de autoria é definir se este
surpreende, seja pela forma como é produzido, seja pela inserção de um elemento
que o torne atrativo ao leitor. No trecho: “corre de um touro bravo” (Linha 1),
constatamos que esse “touro bravo” surgiu da imaginação do autor (chamaremos o
aluno de autor, porque consideramos que no universo escolar, o aluno, ao produzir
um texto, se torna autor, pois se marca discursivamente por meio de um estilo que
lhe é peculiar), trata-se de um elemento substitutivo ao usual, ao esperado. Ao invés
de usar o animal “cavalo”, visto que na cena original de “O circo” o personagem foge
de um cavalo, o aluno em questão se mostrou perspicaz por considerar que a fuga
de um “touro bravo” é mais real do que a fuga de um “cavalo”.
Figura 31 – Fragmento 1 – texto V
Na passagem: “Tinha uma pedra no meio do caminho” (Linha 2), o autor
surpreende novamente pelo provável conhecimento enciclopédico. O que leva um
aluno do nono ano a inserir em um texto, o clássico “Pedra no meio do caminho”? E
que relação ele fez com as ações do texto? Será que essa pedra representa, ao
longo do texto, as dificuldades enfrentadas pelo personagem? Um leitor mais atento
certamente poderia esperar isso, porém a pedra não parece mais do que somente
uma pedra na qual ele tropeçou. Observamos que é um texto que, do ponto de vista
formal, apresenta muitos problemas de organização, mas que do ponto de vista da
criatividade surpreende, sobretudo porque o autor reconta a cena em um único
parágrafo, rompendo com o modelo tradicional ensinado na escola, cujo texto deve
obedecer a uma estrutura padronizada: introdução, desenvolvimento e conclusão.
128
Porém, essa produção que ora analisamos, apesar de romper com esse padrão,
ganha em relevância. Relevância esta que está relacionada com aspectos inerentes
ao processo de autoria.
De uma forma geral, o texto está repleto de marcas que singularizam o
discurso criativo do autor: “vê uma portinha que dá acesso a corda bamba do
picadeiro” (Linha 6), “se ficar o tigre e o touro mata ele, e se ele for pra corda bamba
ele cai e se estabaca no chão” (Linha 7 e 8) um diálogo próximo a “se ficar o bicho
pega, se correr o bicho come”. Temos nos trechos em destaque, indícios que
pressupõem uma autoria, que presumem a construção de um enunciado com o
recurso da pressuposição. Conforme Cavalcanti (2010, p.55), “textos com autoria
são, assim, assim, textos bem – escritos, que produzem efeito de singularidade”.
Significa que no universo discursivo do autor há de alguma forma, elementos
textuais que vão além de uma simples exposição de ideias.
Figura 32 – Fragmento 2 – Texto V
Nessa mesma linha de pensamento, Possenti (2009) afirma que é impossível
pensar a noção de autor sem considerar a noção de singularidade. Singularidade
que diz respeito a uma posição discursiva de quem produz um texto e das marcas
que o identificam e o diferenciam como, por exemplo, na capacidade de jogar com a
linguagem mesmo que implicitamente: “e quando ele chegou nas nuvens ele o
palhaço atrapalhado encontrou sua namorada Maria frufru” (Linha 13). Neste trecho,
o autor, implicitamente menciona que o palhaço morreu no momento em que caiu,
mas o leitor só se dá conta do desfecho quando conclui a leitura.
Figura 33 – Fragmento 3 – Texto V
129
Não podemos desconsiderar o fato de que o autor do texto deu nome à
apenas um personagem, escrevendo esse nome próprio somente com letra
maiúscula no primeiro nome “Maria frufru”. Entretanto, um nome comum como
“jaula” foi apresentado sempre com maiúscula, o que evidencia um indício de
autoria, pois acreditamos na necessidade do autor de evidenciar, de destacar o que
lhe parecia mais relevante. Concordamos com Possenti (2009), quando ele nos diz
que a questão é como identificar a presença do autor, como distinguir entre os textos
aqueles “com” e aqueles “sem” autoria, ou seja, acreditamos que mais do que
identificar quem é autor, um passo importante é identificador como e em que
condições o texto foi produzido e, nesse caso, o resultado vai depender também da
forma como se deu essa prática da produção textual, especificamente quando se
tratam de textos escolares.
A produção em análise pode ser considerada um texto autoral, tendo em vista
a capacidade de o autor inserir elementos do mundo real e do mundo fictício. Em: “e
quando ele contou o que havia acontecido na terra, eles se encheiram de
gargalhadas” (Linha 14), observamos a riqueza do emprego semântico do verbo
“encher” (“encheiram”), no sentido de demonstrar o sentimento como algo em
quantidade e intensidade que ultrapassam aquilo que é considerado normal, apesar
de, em nenhum momento, comprometer a delicadeza do encontro, porque “os dois
morreram de mãos dadas no símbolo do amor” (Linha 15). Nesse instante, temos a
retomada de um personagem retratado na cena original, mas que no texto aqui em
análise, estava implicitamente morta, visto que o encontro se deu nas nuvens.
Esse autor nos apresentou um texto curto, de 15 (quinze) linhas somente,
mas repleto de densidade discursiva. É, ainda, muito significativo, pois tomou como
base para elaboração uma história contada em três minutos (o vídeo “O circo”).
Acreditamos também que o autor do texto tenha se atentado para o detalhe do
tempo, o que provavelmente influenciou na escrita de seu texto apenas em um
parágrafo corrido, acreditando que não poderia contá-lo em partes porque as ações
foram simultâneas, o que evidencia um traço de singularidade.
130
Texto VI – o Circo (anexo F)
*Transcrição do Texto VI (Anexo F)
O texto VI, produzido a partir do material discursivo do “outro”. Nesse caso, a
escrita e a representação linguística e discursiva do professor, há explicitamente
marcas do discurso do aluno na produção do enunciado. A atuação discursiva sobre
o texto e com base na escrita do professor, como podemos identificar no trecho (fig.
34) a seguir, em que o seu produtor escolheu iniciar a sua narrativa a partir da
inserção de um sintagma nominal como forma de definir o sujeito e justificar o
“porquê” de toda a ação que se delineará “o Rapas, Foi ao Circo e foi olhar os
animais”(Linha 1).
Figura 34 – Fragmento 1 – Texto VI
Nesse trecho, o sujeito se marca discursivamente por meio de sua escrita ao
utilizar a vírgula entre o sujeito e seu complemento e enfatizar elementos do texto
marcando-os com maiúsculas, mesmo em se tratando de substantivos comuns. Uma
forma de considerarmos a escrita do texto é compreender também em que
TÍTULO O Circo*
1. O Rapas, Foi ao Circo e foi olhar os animais ao
2. olhar os animais Um Cavalo Correu atráz e ele para
3. se proteger acabou entrando numa Jaula e acabou sendo
4. na Jaula do Leão e ele Quando viu Foi tentar sair da Jaula
5. dormindo ai ele foi tentar sair pela a Janelinha e deu de Cara
6. com um Tigre, e teve que voltar para a Jaula do Leão.
7. Sua namorada ia passando ao lado da Jaula Quando
8. ela viu desmaiou de susto. Ele pegou uma bandeja de água
9. para jogar Nela e acordala foi tendo mais acabou deixando
10. a bandeja cair e ela Acordou e o Leão da jaula também e ele ficou
11. parado num canto e o Leão o Cherou e Não Fez Nada e a sua
12. Namorada abriu a Jaula para ele e Para se mostrar Fortão
13. Pediu a Calma para ele poder Chegar Perto do Leão O Leão
14. Rangiu bem alto e ele Correu, e subiu em um Pé de
15. Coco sua namorada o chamou e ele deceu e o abraçou.
16.
17. Fim
131
condições esse texto foi produzido. A marca discursiva do aluno pode ser
identificada na forma como ele representa a sua escrita e o que, de fato, importa é
se há uma relação de sentido entre o que ele escreve para a interação com o leitor.
Este sujeito que enuncia, responsabiliza-se por um dizer e pelas formas como
o representa no mundo textual por meio de enunciados que implicitamente são
construídos a partir de um já dito. As marcas textuais que nos permitem enxergar
nos textos indícios e/ou marcas de autoria estão relacionadas com essa posição
espontânea do aluno que se desprende na forma discursiva, diz um “dizer” que lhe é
peculiar.
Figura 35- Fragmento 2 – Texto VI
Os apagamentos nas inúmeras tentativas de encontrar o termo correto e/ou a
escrita formal (figura 35, linhas 5, 9, 11, 12), nos permite acompanhar um produtor
mais compromissado com seu modo de apresentar o dizer, deixando expressa a
autocorreção. O sujeito busca um dizer que marque a sua singularidade, e quando
falamos de singularidade, corroboramos com a afirmativa de Possenti (2009, p. 112),
de que “locutores/enunciadores se constituem como autores em boa medida por
marcarem sua posição em relação ao que dizem e em relação a seus
interlocutores”. Um dizer que singulariza o autor do texto pode ser definido pelo
cenário criado por ele nas várias tentativas de escrita.
Figura 36 - Fragmento 3 – Texto VI
132
Uma marca, uma escolha, um elemento linguístico que diferencia um texto do
outro, pode indicar um possível movimento de autoria, sobretudo, em textos
escolares. De acordo com Cavalcanti (2010, p. 141), “por seu caráter dialógico, a
linguagem é o lugar de interação com o outro, lugar de encontro de pontos de vista
diferentes e, muitas vezes antagônicos”. Desse ponto de vista, é perceptível que o
texto VI (fig. 36), não produz um efeito de sentido que dialogue com o locutor,
porque de alguma forma é previsível, entretanto, quando o autor escreve “fim”, é
como se estivesse aliviado de uma sequência narrativa que pelo menos do ponto de
vista do discurso escrito manifestado não foi muito atrativo.
Texto VII – Super-heroína por um dia (anexo G)
TÍTULO Super - Heroina por um dia*
*Transcrição do Texto VII (Anexo G)
Nossos discursos são versões públicas do mundo, em que a adequação se
dá em termos de negociação pública, ajustes, acordos, desacordos etc., entre os
1. Era uma vez um homem chamado Zequinha, ele trabalhava
2. em um circo, era um palhaço muito famoso e fazia
3. muitas acrobacias no seu circo, um belo dia ele
4. junto com outros palhaços, acrobatas e
5. trapezistas, rezolveram fazer uma apresentação com
6. um leão e um tigre, eles foram a um zoologico
7. Zequinha falou com o dono e o dono concordou
8. eles levaram o leao e o tigre em uma jaula ao
9. chegar Zequinha lembrou de dar a comida para
10. seu jumento trovão que era muito bravo, ele abreu
11. a porta do celeiro e trovão correu atras de zequinha
12. Zequinha sem lugar para se esconder acabou
13. entrando na jaula do leao, por sorte o leao esta-
14. va dormindo, zequinha foi tentar sair e acabou
15. trancando a porta pelo lado de fora ele encontrou
16. uma portinha passou por ela e encontrou um
17. tigre bem acordado ele voltou rapido, ao tentar abrir
18. a porta levou um bebedouro do leao mais o leao
19. só trocou de posição e continuou seu cochilo, mas
20. de repente surge de uma porta um feroz cachorro
21. latindo, zequinha tenatou espantar o cachorro pondo
22. o pé para fora da jaula, mas o cachorro acabou
23. pegando sua bota e rasgando sua calsa e de repente
24. surge a nossa Heroina provando que era
25. a mulher de zequinha, ela quando foi
26. salvar seu amado acabou desmaiando zequinha
27. pegou sua outra bota e jogou na sua amada
28. um do modo salvando mas passou, e de repente o
29. leao acorda mas a Heroina tambem, ela levantou
30. apresadamente e abriu a porta da jaula salvando seu amado.
Eles foram felizes para sempre.
133
interlocutores e não numa presumida relação objetiva e direta com um mundo
exterior (MARCUSCHI, 2002). Um texto escrito é uma versão desse mundo
discursivo em que a forma de expressão significa a partir das escolhas que o sujeito
enunciador utiliza para se representar discursivamente.
A enunciação efetiva, conforme Bakhtin (2006, p. 101), “seja qual for a sua
forma, contém sempre, com maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou de
um desacordo com alguma coisa”. Tudo o que está no contexto enunciativo, tem
uma relação com a produção discursiva, o que vemos e compreendemos no
contexto interacional é o que significa para o locutor e para o interlocutor.
No texto abaixo (fig. 37), produzido também a partir do discurso do outro, ou
seja, o texto da professora, apresentado como modelo, percebemos uma marcação
própria do sujeito enunciador: “era uma vez um homem chamado zequinha” (linha
1). Nesse trecho, se instaura um jogo discursivo em que a presença do discurso do
outro está no conhecimento enciclopédico do autor. Esse: “era uma vez”, faz
referência a um gênero textual escolar muito utilizado em sala de aula: a fábula e a
partir da inserção desses elementos, presentes na memória discursiva do aluno, um
conto se apresenta - “era um palhaço muito famoso” (linha 2), a inserção de um
adjetivo, intensificado pelo advérbio “muito”, dá ao leitor a sensação de que a
história seguirá um curso previsível, ou não?
Figura 37 – Fragmento 1 – Texto VII
A relevância está na forma como o autor se apropria das marcas discursivas
que farão a diferença na construção de sentidos que será percebido a partir do jogo
discursivo com o leitor: “zequinha, circo, leão, tigre zoológico”, elementos que
conferem ao texto um efeito do previsível, mas no contexto enunciativo surge “o
jumento trapos” (linha 10), era tão bravo que correu atrás de Zequinha. Esse
134
surgimento confere ao texto um efeito de surpresa e expressividade, enfatizando
que haverá um herói, informação prévia constando na materialidade do texto.
Figura 38 – Fragmento 2 – Texto VII
Para além do texto, um autor conduz a sua narrativa, por meio da inserção de
elementos que o representam singularmente. Podemos afirmar, que do ponto de
vista do discurso, temos indício e/ou efeito de autoria, porque de acordo com Gallo
(2012, p. 55), “é o efeito de um texto que se alinha a um lugar discursivo legitimado,
reconhecível, sem que haja para sua interpretação, necessidade de um contexto
imediato”. Ou seja, o sentido desse texto é construído na medida em que seu autor
conduz a narrativa sem que, para isso tenha que recorrer ao texto modelo. Em: “E
eles foram felizes para sempre” (final da folha), o autor se mostra para o leitor
reescrevendo o final previsível para as histórias de heróis e heroínas, e no final, o
aluno atende a proposta da professora, embora criando atalhos, ele conseguiu dar
um final condizente com a situação de escrita na sala de aula.
Figura 39 – Fragmento 3 – Texto VII
135
TEXTO VIII – a Jaula do leão (anexo H)
TÍTULO A Jaula do Leão *
*Transcrição do Texto VIII (Anexo H)
A condição para que se compreenda a dificuldade com que o autor de um
texto escolar se posicione está relacionada com um processo que ultrapassa a
pouca prática com a produção escrita. Situações favoráveis ao processo de
produção de escrita, dizem respeito ao modo como essa prática é conduzida na
escola. No texto VIII (figura 40), o autor se apresenta, ou melhor, apresenta a sua
história.
No trecho: “essa história começa” (linha 1), o autor já se distancia do discurso;
se coloca como um observador. Mantendo distância do texto, ele vai dar voz a
outros elementos discursivos; a noção de tempo dá ao leitor a possibilidade de inferir
que a história começa agora, não é “a cena assistida”, termo usado pela maioria dos
alunos na construção do texto. Essa forma de introdução nos permite observar que o
autor do texto apresenta um elemento discursivo que mesmo não surpreendendo,
mostra um “dizer diferente” com relação a uma marca discursiva.
1. Essa história Começa no Circo Gabriel e sua
2. namorada Fabiana foram ao circo lar viram de
3. tudo ai o Gabriel foi mexer com uma mulher
4. furiosa e acaba entrando na Jaula de um leão
5. dormindo ele ficou Branco de medo ai se desespe
6. rou viu a porta aberta em estado de Choque foi
7. tentar abrir a porta mais a trancou ficou desesperado
8. até a Fabiana chegar ele ficou mais aflita que ele
9. por que pensou que Seu namorado Gabriel fosse morre.
10. Fabiana acaba desmaiano gabriel preocupado com
11. Fabiana andou pra la e pra cá desse Jeito
12. andando aflito, esbarra na vazilha de água Do leão
13. antes que Caisse ele consegue a segurar a vazilha
14. ele foi tenatr acorda a sua namorada Jogando água
15. nela aí um cachorro chamado coriosmente
16. Betovem pelas pessoas do Circo Começou a latir
17. desesperado Gabriel tenta Chutar Betovem mas
18. ele agarra na Sua calça Branca o Cachorro não
19. parava De latir aí aconteceu o pior o leão acor
20. dou Gabriel ficou desesperado o leão o Cheirou
21. mas não teve reasção voltou a Dormir
22. passou quinze minutos Fabiana acordou aí libertou
23. Gabriel e Gabriel para se mostrar corajoso
24. foi tentar pegar no leão o leão acordou. Gabriel
25. correu e se encontrou com a mulher furiosa Gabri
26. el se escondeu em cima Da Jaula do
27. leão ele passou horas lar a ter a mulher furiosa
28. ir embora ele Desceu e pegou da mão
29. de Fabiana e foram embora assitir o espetaculo
30. do Circo
Fím.
136
Retomamos aqui, algumas considerações acerca de um estudo de Cavalcanti
(2010) sobre “vazios inadequados”, um exemplo, em que a autora faz uma
abordagem explicativa acerca da produção do gênero resenha. Para a autora, as
práticas de escrita em sala de aula são bastante reduzidas - preferem-se os
exercícios e, um dos grandes problemas é que geralmente, cobra-se do aluno um
conhecimento que ele não tem. Com isso, o aluno se apoia no seu conhecimento de
mundo e na sua experiência de linguagem para se fazer representar em um texto
escrito. Ele acredita que escreve determinado gênero e/ou determinado tipo de
texto, quando na verdade não consegue identificar em que ou como se apoiar para
se marcar discursivamente.
A introdução apresentada pelo autor do texto VIII em análise define que há
pressuposições acerca dos acontecimentos quando faz a mesclagem dos tempos da
enunciação: “Gabriel foi mexer com uma mulher furiosa e acaba entrando na Jaula
de um leão” (linhas, 3 e 4). Percebemos que há uma tentativa de autoria, tendo em
vista que o aluno usa o recurso da pressuposição: “até a Fabiana lá” (linha 8);
“porque pensou que seu namorado Gabriel fosse morrer” (linha 9). Embora não
façamos referência a utilização dos tempos verbais como necessários à coesão e à
coerência, podemos observar que o jogo linguístico utilizado pelo autor do texto não
deixa margem para dizermos que temos um texto sem autoria.
Figura 40 – Fragmento 1 – Texto VIII
137
A partir de um posicionamento mais interacional, o sujeito se coloca a serviço
do outro por meio da linguagem. No universo escolar, a produção escrita é este ir e
vir que resulta num processo dialógico que cria espaços para as inúmeras
interpretações daquilo que se diz e de como se diz.
Quando trabalhamos com a linguagem no contexto escolar, nos deparamos
com tantas possibilidades de se dizer a mesma coisa de formas diversificadas, que
essa linguagem passa a ser plurissignificativa nas relações que se estabelecem
entre locutor e interlocutor. A forma como o sujeito produz o seu discurso, determina
muitas vezes, a nossa interpretação de como os elementos poderiam ser inseridos
na construção do texto e, por isso, definir discurso na produção textual do aluno
requer do leitor uma postura mais dinâmica. Trazemos para a nossa análise e
discussão o conceito de discurso e texto proposto por Gallo (1989, p. 22):
Discurso, então, se define como prática linguística de um sujeito em determinadas condições de produção (sociais, políticas, históricas, etc.) O texto é, então, considerado como o produto de um discurso. O texto assim concebido, como o produto, é material, histórico, mas que, no entanto, conserva em si as pistas que remontam à materialidade histórica que está na origem de sua produção, e que são atualizadas pelo sujeito num movimento de reprodução/transformação.
As vozes alheias entremeiam os discursos e assim, surpreendem porque
dialogam com o outro instalando na cadeia discursiva a possibilidade de autoria. No
trecho: “aí um cachorro chamado cariosamente de Betoven” (linha 16), temos a
inserção de um elemento novo, aquele cachorro de todos os textos, agora ganha
uma identidade, um nome; não é um Betoven qualquer, é aquele que
provavelmente, o autor do texto já conhece dos filmes da televisão. Com isso, a
inserção de outras vozes constitui um recurso de instauração da autoria, tendo em
vista, o fato de:
Aquele que aprende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda sua atividade mental o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à palavra. (BAKHTIN, 2006, p. 147)
138
Figura 41 – Fragmento 2 – Texto VIII
Nesse contexto da palavra do outro, associada a um conhecimento já
adquirido em termos linguísticos e discursivos, produzem um efeito de sentido para
a criação de outras formas de interação. Quando utilizamos a palavra do outro,
estabelecemos um processo de interação, na perspectiva dialógica do
conhecimento.
Um texto que ganha relevância a partir da inserção de um título diferenciado.
Uma história que começa no circo, agora tem um homem que recebeu um nome:
„Gabriel e sua namorada Fabiana‟, que de alguma forma dão à história um desfecho
mais real; as ações não ocorrem com qualquer personagem, porque no discurso
desse sujeito que escreve para o professor, o diferencial está na veracidade dos
fatos, quando aquele “homem“ de a maioria dos textos recebe uma identidade,
percebemos que as categorias linguísticas utilizadas representam uma dinâmica no
movimento de autoria. Há indícios de autoria quando o autor (chamaremos autor,
porque o sujeito escreve e se marca), indica um processo de construção textual
mais livre, mesmo de forma tímida. Um aspecto a ser destacado nesse texto e que
ocorreu em quase todos os textos produzidos é a necessidade de escrever a palavra
“fim”, é como se fosse uma forma de estabelecer uma relação com o cumprimento
da responsabilidade em sala de aula.
Embora haja uma tentativa de um dizer diferenciado, o sujeito produtor ainda
desenvolve as ações do texto com fragmentos do texto modelo. Ressaltamos que as
marcas de autoria que esperamos encontrar nos textos em análises, podem ser
representadas por determinadas expressões, ou até mesmo por uma posição mais
crítica com relação às ações dos personagens. Observamos que o fato de o aluno
nomear os personagens é um indício de que na produção do texto escrito, sobretudo
quando este atende a uma tarefa escolar, há uma necessidade de uma marcação
discursiva seja com relação às marcas textuais como: a inserção de referentes, a
retomada, a substituição como forma de enriquecer o tema e/ou a história.
139
Texto IX – o Circo (anexo I)
TÍTULO O Circo *
*Transcrição do Texto IX (Anexo I)
Temos no texto IX, um início bem característico de uma produção que segue
o modelo apresentado pela professora, mas já se mostra autônomo com relação à
inserção de elementos linguísticos. Ao trocar o recurso da sinonímia „bravo‟, por
„enfurecido‟, observamos que na apresentação da descrição há uma manifestação
discursiva diferente, muito embora o aluno siga a sequência do texto “modelo”.
Figura 42 – Fragmento 1 – Texto IX
1. A cena assistida começa, em um Circo onde um
2. homem foge de um cavalo enfurecido. E sem querer ela
3. entra numa jaula onde avia um leão dormindo .
4. Ao tentar sair da jaula, ele sem querer tranca
5. a porta e começa ajuda com um lenço mas não da muito
6. certo e com isso o homem fica completamente nervoso.
7. Com isso o homem continuava dentro da jaula, ao avistar
8. uma pequena porta e abri e da acesso ao outra jaula
9. onde avia um tigre acordado e feroz. Ele volta para a
10. outra jaula.
11. Ao voltar para a jaula do leão ele começa a mexer
12. nas coisas e derruba uma bandeija com água mais ele con
13. segue aparar antes que caise no chão e acordese o leão.
14. Derrepente chega um cachorro valente e com isso
15. começa a lati, o homem nervoso tentar expulsar o cachor
16. ro dali antes que ele acorda-se o leão.
17. O homem começou a pedir, emplorar para que o
18. cachorro parase-se de lati . sua namorada chega e com
19. isso o cachorro vai embora.
20. Sua namorado com medo de perder seu amado desmaia
21. de medo,e com isso o homem começa a jogar água para
22. que ela acorda-se. O leão acorda e rugi bem alto ai a mu
23. lher acorda e abre a porta para seu amado sair, o homem
24. para não se passar de medroso enfrenta o leão.
25. O leão rugi e o homem sai correndo desesperadamente
26. da jaula e sobe em um poste . sua namorada sai correndo
27. atras dele e acha seu amado em cima de um poste ele
28. desce e os dois vão embora dali.
29. Concluindo a namorada salva seu amado e os dois
30. vão embora felizes.
140
A construção textual passa por uma ruptura quando ele elenca os
acontecimentos. Ao dividir o texto considerando a sua própria leitura, a descrição do
professor foi apresentada em três parágrafos. O aluno rompeu com o modelo,
quando descreveu a narrativa em oito parágrafos, o que indica um indício de autoria
na forma como posiciona os fatos do texto. Em: “O homem começou a pedir,
implorar para que o cachorro parasse de latir, (linhas 17 e 18), o referente do início
do texto agora é retomado com a inversão do determinante, o que dá certa relação
de afinidade do autor do texto com o seu personagem.
No trecho: “Sua namorada chega e com isso o cachorro vai embora”, (linhas
18 e 19) é como se o aluno marcasse a sua voz enquanto autor, porque em nenhum
momento do vídeo ou do texto da professora, a presença da namorada fosse a
causa para a fuga do cachorro.
Não podemos ignorar que o aluno se anuncia no texto quando muda a própria
sequência enunciativa, e insere gradativamente, elementos linguísticos, que ora
identificam a sua posição discursiva, ora enfatiza o discurso do texto do professor.
Em: “De repente chega um cachorro valente e com isso começa a latir” (linhas 14 e
15), temos aqui outra passagem do texto em que o aluno cria certa expectativa
acerca do que vem pela frente. Com a expressão “de repente”, há uma intervenção
discursiva, cujo resultado é uma ênfase nos perigos que o homem corre no interior
da cela. Há nesse caso, um processo de referenciação, o que indica de acordo com
Koch (2014), um processo que diz respeito às diversas formas de introdução no
texto.
Figura 43 – Fragmento 2 – Texto IX
Certamente a sequência relatada só pode ser compreendida por leitores que
conhecem a cena apresentada. O que observamos na produção textual do aluno, do
nosso ponto de vista é uma tentativa de escrita direcionada a um interlocutor
previsível, “o professor”. Não há no texto marcas explícitas de autoria, mas uma
tentativa de representação de um dizer outrora já discutido.
141
Do ponto de vista gramatical, o texto se apresenta sem grandes problemas,
porém essa construção textual com relação a indícios de autoria, confirmando o que
afirma Possenti (2009, p. 114), “um dos indícios de autoria é dar voz aos outros e
esses outros constroem esse sentido por meio de inferência textuais discursivas”. Na
passagem: “Concluindo: a namorada salva o namorado e os vão embora juntos”
(linhas 29 e 30) há um desfecho que se assemelha a uma narração típica de
fábulas, em que o final é sempre uma moral. Essa manifestação das marcas de
outros discursos numa produção escolar evidencia o pouco contato com outras
formas de leitura no contexto escolar.
Figura 44 – Fragmento 3 – Texto IX
Texto X - o Circo (anexo J)
TÍTULO O Circo *
*Transcrição do Texto X (Anexo J)
1. A história contada passa-se em um circo onde um
2. homem está fugindo de um cavalo furioso e acaba entran-
3. do numa jaula de leão,que está silênciosamente dormindo,
4. com cuidado vai até a porta e tenta abrí-la, mas acaba
5. trancando-na, procurando ajuda retira um lenço do bolso
6. e abana-o, mas ninguem aparece, felismente acha uma
7. portinha, chega no local e abre-na. A porta dava
8. acesso a outra jaula com um tigre bem acordado,
9. ao perceber fecha-na rapidamente.
10. Após sair tropeça em uma tabúa e sem querer
11. deixa uma bandeja com água cair, por sorte pega-na
12. rapidamente, respira aliviado, mas não por muito tem-
13. po pois logo após aparece um cachorro latindo, com
14. medo o homem pede para que fisesse silêncio, mas
15. obviamente não silênciou, após tenta chuta-lo
16. e o cachorro agora no seu pé. Neste momento, sua
17. namorada chega e vendo ele nesta situação, desmaia
18. logo o cachorro sai, e tem uma ideia, pega a
19. bandeja com agua e joga-na na mulher e neste momento
20. o leão desperta, desesperado corre para a porta e
21. o leão sege-no e o cheira. O animal não demonstra
22. interesse e volta a dormir, o homem estranha a
23. situação e neste momento a mulher acorda e
24. abre a porta, chega a hora do homem demonstrar
25. coragem chega perto do leão e o animal ruge
26. bravamente e o homem sai correndo e sobe num
27. mastro, sua namorada o segue e para disfarçar,
28. finge estar dançando e em seguida desce e os
29. dois saem do local.
30.
142
Iniciamos esta análise observando que o título é o mesmo dado pela
professora e pela maioria dos alunos, entretanto, o diferencial está na forma como o
aluno vai construindo o seu texto. Um texto do ponto de vista da forma, aceitável,
com uma linguagem que permite ao leitor um encontro com o produtor de uma forma
que a história se desenvolve linearmente, porque a cena enunciativa está
representada no dizer do aluno. Observamos que o processo da repetição é utilizado
pelo aluno como um recurso de coesão recorrencial, mesmo esse sujeito autor não
tenha consciência desse recurso linguístico. No trecho “a história contada”, (linha 1),
o autor mantém distância do seu discurso, como locutor. Nesse texto, ele não se
manifesta como um “eu”, não assume um dizer, mas reconta a história mantendo a
sequência apresentada pela professora.
O texto revela certa estabilidade na relação do sujeito enunciador, porque o
aluno teve uma preocupação com o leitor, indicando de alguma forma, um estilo para
contar, apesar de no texto desse aluno não haver ideias recorrentes, o seu estilo
representou um indício de autoria na forma de relatar, “a história contada passa-se
em um circo” (linha 1). Pressupõe-se que essa história é passada, mas no momento
da enunciação, o aluno constrói o discurso a partir de um lugar como um espectador,
pelo menos é a impressão que se tem na leitura inicial.
O texto do aluno é marcado também, pela inserção de elementos textuais
discursivos que enriquecem a história contada. No trecho: “procurando ajuda retira
um lenço do bolso e abana-o, mas ninguém aparece”, (linhas 5 e 6) observamos a
sequência de ações em que o autor não usa o recurso da pontuação, entretanto
mantém a coerência textual ao inserir o elemento de coesão, “mas” (linha 6), que
permite ao leitor inferir sobre os problemas que aquele homem enfrentará na
situação descrita.
Figura 45 – Fragmento 1 – Texto X
143
A capacidade de o aluno se inscrever no texto é claramente expressa quando
ele faz uma apresentação daquilo que vai ser relatado. “Neste momento a mulher
acorda e abre a porta”, “chega o momento do homem demonstrar coragem”, (linhas
23 e 24). Vejam que é uma sequência narrativa onde todos os acontecimentos são
simultâneos ao momento da fala, esse aspecto é evidenciado pelo emprego dos
verbos no presente.
Figura 46 – Fragmento 2 – Texto X
Escrever com autoria, significa escrever com autonomia. De acordo com
Cavalcanti ( 2010), as reflexões de Possenti sobre autoria não permitem apenas
“descobrir”, como determinados textos produzem o efeito de singularidade, mas
também observar a produção de outros efeitos, como a imposição de dada leitura,
de uma certa forma de ver e refratar o mundo. Ou seja, essa escrita contendo
indícios de autoria pode ser representada por certas expressões que permitem ao
leitor estabelecer um jogo de sentidos representado por um dizer diferenciado.
Vejamos o trecho a seguir:
Nesse jogo discursivo em que o sujeito se apropria das facetas da língua
para retratar o mundo, palavras e expressões surgem no interior do texto e
Figura 47 - Fragmento 3 – Texto X
Figura 48 - Fragmento 4 – Texto X
144
funcionam como modos de interação entre o sujeito e a linguagem. Conforme
Marcuschi (2001, p.3), “nossos discursos se dão como atividades de enunciação em
formações discursivas históricas e sociais, tornando a interação uma matriz de
sentidos”. Nesse sentido, o aluno produz o seu texto mediante uma ação discursiva
que o representa textualmente.
6.3. Sobre as análises
No processo de construção da escrita os alunos se deparam com obstáculos,
mas podem se constituir como autores, desde que entendamos a autoria em uma
visão restrita ao contexto de produção escrita em que os sujeitos estabelecem inter-
relações na construção de sentidos e nessa rede interativa elaborem os dizeres em
um trabalho ativo com e sobre a língua, expressando marcas que assinalem
discursos específicos e denotem uma expressividade discursiva, um estilo.
Dessa forma, podemos inferir que a produção escrita em sala de aula, a
partir de objetivos que levem em conta a capacidade discursiva do aluno, o que ele
tem a dizer e os meios que ele pode empregar para dizer, permite um envolvimento
com a escrita de modo significativo.
As repostas que queremos dos alunos, quando solicitados a realizarem uma
atividade de escrita, têm uma relação direta com a condução feita por nós,
professores, em sala de aula. Nesse sentido, é importante investir em uma ação
pedagógica para um ensino mais colaborativo, voltado para o aluno de modo que ele
desenvolva competências para produções autônomas, como é o fundamental.
Assumir uma postura autoral significa romper com as barreiras da linguagem;
significa vencer a própria resistência na linguagem.
O aluno precisa dominar as competências linguísticas, discursivas e
comunicativas para se manifestar nas diferentes situações na produção de textos
que se vão ampliando a partir do momento em que produzem enunciados e se
posicionam de forma crítica ao escreverem e reescreverem discursos modificáveis,
porque oriundos da constância dialógica inerente à linguagem.
Os alunos como sujeitos têm em natureza a linguagem, por meio da qual
expõem o funcionamento da língua. É nos contextos de produção que se vale de
recursos vários dispostos na língua para construir os eventos comunicativos. Nessa
145
construção, o sujeito deixa transparecer esses recursos, marcando sua atuação
como sujeito enunciador, evidenciando a relação interativa sujeito e linguagem.
Nessa relação interativa o aluno se expõe como sujeito enunciador ao
apresentar na produção escrita uma identidade a partir do modo como articula e
expõe as ideias, evidenciando seu estilo.
Quando queremos enxergar o outro, sobretudo na sua forma de dizer, nos
guiamos por um processo de construção, que às vezes não nos permite estabelecer
um parâmetro de compreensão para o que pretendemos referenciar.
No processo de construção da escrita, os alunos desbravam caminhos, se
deparam com obstáculos, mas se constituem como autores, visto que estabelecem
uma relação entre seu discurso e o discurso do outro, ou seja, ao tornar evidente a
sua fala, o aluno sente a necessidade de comprová-la através da fala do outro,
porque assim, pode posicionar-se diante dos acontecimentos que a vida lhe
proporciona.
Dessa forma, podemos inferir que propor a produção escrita em sala de aula,
a partir de uma proposta que considere a capacidade discursiva do aluno, o que ele
tem a dizer e, que meios ele pode utilizar para dizer, permite que o trabalho com a
escrita seja significativo, tendo em vista que as situações favoráveis representam
uma nova forma de atividades com a linguagem.
A palavra que nos falta é aquela que ainda não tivemos coragem de usar; a
palavra que dará sentido a tudo o que desejamos realizar enquanto ser que vive em
sociedade. Se necessitamos falar para sermos compreendidos, nossas palavras
devem ser carregadas de significados explícitos e implícitos, portanto, na sala de
aula, o aluno precisa ser instigado a usar a sua palavra com coragem e firmeza para
construir um discurso que o insira num mundo próprio, porém coletivo.
Ao sugerir a palavra do outro para o seu discurso, é necessário que os alunos
sejam orientados a realizar escolhas que os possibilitem a produzir textos com
autoria; não autoria no sentido do discurso, mas no sentido de produção e condição
social. Ao fazer essas escolhas, o aluno deve no momento da produção textual,
evidenciar que as vozes alheias podem ser suas, porque o seu estilo e sua forma de
dizer é singular, porém, não única.
A autonomia da qual o aluno precisa para se manifestar nas diferentes
situações é concretizada a partir do momento em que produzem enunciados e
nestes, se posicionam de forma crítica ao escreverem e reescreverem um discurso
146
modificável, porque é oriundo de muitas vozes, de muitos dizeres. Não se pode
negar que os alunos são autênticos, mesmo quando atendem à proposta de escrita
somente como uma tarefa escolar. Na verdade, essa é a concepção de escola que a
grande maioria dos alunos têm e assim, constroem textos que pouco ou nenhuma
relação com o seu universo.
No universo discursivo do aluno, recursos diferentes foram utilizados como
forma de marcá-los como detentores de um estilo próprio e/ou singular, conforme
assevera Possenti (2009, p.106), “é impossível pensar a noção de autor sem
considerar de alguma forma a noção de singularidade, que por sua vez, não poderia
escapar de uma aproximação-bem-feita- com a questão do estilo”. E nesse sentido,
os alunos produziram textos com autoria à medida em que marcavam o seu “dizer”,
de uma forma surpreendente como foi o caso do texto VII (fig. 36) em que o aluno
escreveu um texto com base no discurso do professor, entretanto, conduziu essa
escrita com um estilo diferenciado, sobretudo pela inovação no próprio título: “A
Jaula Do Leão”.
É importante ressaltar que os textos representaram uma parte significativa de
um estudo com possibilidades de vários olhares, porque foram práticas de escrita
num mesmo contexto de ensino, mas que demonstra a heterogeneidade da
formação discursiva de cada um desses alunos, que atravessados por um discurso
motivador, no caso o texto da professora, foram capazes de criar textos
diferenciados mesmo na estrutura ou na forma.
A observação acerca das produções de escrita dos alunos, indicam que na
realidade há uma resposta a uma proposta apresentada, ou seja, a palavra do aluno
comporta a palavra da professora na forma de expressão. Essa assertiva comporta
o que afirma Orlandi (2003, p.43) que, “toda palavra é sempre parte de um discurso.
E todo discurso se delineia é na relação com outros dizeres presentes e dizeres que
se alojam na memória”.
Quando o aluno diz “a cena assistida ocorre”, texto IX (fig. 38), ele retoma o
discurso da professora, porque o texto motivador apresentou essa introdução,
confirmamos assim que a construção de dizeres tem relação com o dizeres alojados
na memória. E assim, os textos escolares são construídos gradativamente com
referências e referentes próprios do universo discursivo social do aluno e/ou com a
inserção de novos dizeres presentes em outras vozes de uma outra esfera social da
qual ele faz parte.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao delimitarmos como proposta deste trabalho a busca por indícios de autoria
em textos de alunos do nono ano, ou seja, perceber o modo como esses alunos se
expressam discursivamente em seus textos, refletimos sobre o processo de escrita
no contexto de sala de aula na interação aluno (produtor), texto (produção),
professor(leitor), cujo papel do professor como leitor do texto do aluno pode apontar
não só um olhar sobre a composição e a organização estrutural, mas,
fundamentalmente, sobre os sentidos que incidem sobre as formas e o modo como
o sujeito os integra na construção da coerência no seu dizer.
As práticas de leitura e de escrita constituem a base para que a aquisição da
linguagem seja de fato o objetivo da escola, no que concerne às atividades a serem
desenvolvidas em todas as modalidades de ensino. Baseando-se nas reflexões aqui
realizadas de como o aluno pode se manifestar discursivamente; aponta-se que
muito há de ser feito pela escola, em termos de adequação de metodologias para
que o aprendizado, sobretudo da escrita tenha como referência o universo discursivo
do aluno considerando as suas peculiaridades.
A noção de que o sujeito pode ao longo da vida escolar se posicionar como
alguém que sabe o que fala e para quem fala, não cria brechas na forma como se
coloca frente aos desafios impostos pelas circunstâncias sociais, nas quais ele
sempre estará inserido, por um motivo ou outro. Com relação ao que se determina
em termos de aprendizado no mundo da escrita, o aluno é esse sujeito do qual se
espera que alcance a sua autonomia em situações diversas.
O aluno, enquanto autor de um texto é um indivíduo que executa uma tarefa.
Portanto, deve apresentar um domínio discursivo que o conduza na realização
dessa obra, através de marcas singulares de um dizer norteado por recursos
disponíveis na língua e, que devido à falta de um trabalho mais efetivo com a
linguagem, fica à margem do saber desse aluno. Nas atividades de produção
textual, que envolvem a autoria, diversos fatores são considerados e elencados na
escrita, dentre eles, “o como” e “para quem” o aluno escreve.
Com relação ao processo de construção da autoria e que categorias se define
quando o objeto de estudo é encontrá-lo, deve-se ter como parâmetro, o que é
produzido na sala de aula e em que condições essa produção é realizada, nesse
148
caso, o discurso pedagógico pode interferir no processo? Para nós, professores, os
maiores desafios dizem respeito à concepção de ensino e de língua que adotamos
na prática e, claro, às condições em que trabalhamos tudo isso, interfere na
manifestação discursiva do aluno.
A reflexão que se faz acerca do ensino de Língua Portuguesa e de sua
relação com a autoria revela que nas produções textuais dos alunos são muitas as
possibilidades de manifestações autorais, ou possíveis indícios de autoria como:
ideias recorrentes, marcas de estilo singular em que o sujeito apresenta uma forma
específica de manifestação linguística. Tudo isso, e muitos outros recursos, são
utilizados pelos alunos, entretanto, às vezes, é desconsiderado pela escola.
Ao escrever um texto, muitos aspectos evidenciam as condições e demarcam
um lugar ocupado pelo sujeito. Esse sujeito, que é um autor, no sentido do seu dizer,
que se apropria de outras vozes para se representar discursivamente e assim,
ocupar um lugar de destaque na sociedade legitimando o seu discurso, mesmo que
seja um discurso recontado, narrado para o outro de um jeito específico. Essas
vozes que atravessam outras vozes se entrecruzam por meio de elementos
linguísticos que se diferenciam no interior do texto que é produzido para um leitor,
que construirá um sentido ou múltiplos sentidos.
No trabalho em foco, o que ficou perceptível, foi a necessidade de um amplo
reconhecimento da capacidade que tem o aluno de se manifestar discursivamente
nas atividades de escrita, sobretudo aquelas que envolvem a função-autor; sim, a
função-autor, porque é isso que deve ser o objetivo das atividades de escrita, no
contexto da sala de aula. As marcas e/ou indícios de autoria foram manifestações
linguísticas que ocorreram nas produções textuais dos alunos, que diante de uma
proposta de escrita com um texto motivador, foram capazes de se colocar como
sujeito do seu dizer em alguns textos.
Fazer parte do processo de ensino-aprendizagem dos alunos do Ensino
Fundamental, nos fez perceber a importância de entender como ocorre a construção
de autoria em textos em produções textuais escritas em ambiente escolar. Foram
inquietações e os questionamentos para descobrir como ocorre o processo autoral
dessa construção que nos fizeram tomar a atitude de pesquisadora para desvendar,
ou pelo menos, tentar descobrir e/ou identificar os sentidos construídos para a
realização da autoria nessas produções, bem como afirma Volochinov (2004, p. 147)
149
“é preciso fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para
compreender seu funcionamento como instrumento de consciência.
Com base no que observamos, esse aluno escreve e escreve de uma forma
singular, com um estilo que lhe é característico. Conforme Bakhtin (2003, p. 310),
cada texto( como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o
seu sentido ( sua intenção em prol da qual ele foi criado). Ao se inscrever num
discurso, o sujeito se manifesta no e para o mundo por meio da linguagem, assim,
realiza atividades discursivas
Com base nas reflexões aqui realizadas, concluímos que muito ainda há de
ser feito pelo aluno em termos de alternativas metodológicas para a produção de
textos, tendo em vista os percursos da pesquisa científica e a preocupação com a
perspectiva de aplicação na relação com a escola básica como, por exemplo, a
intenção do nosso estudo em contribuir para repensar o olhar do professor, na
sugestão de que se invista mais no aluno, principalmente, naquele que já tem uma
maior desenvoltura para expressar-se no seu dizer, mesmo não tendo domínio da
forma. E não chamar a sua atenção somente para a estrutura textual e o emprego
do uso culto da língua.
O professor, no contexto da sala de aula, deve estar amparado por todo um
conhecimento acerca do que deve ser desenvolvido com o aluno, no sentido de uso
adequado da linguagem como construto indispensável para a sua autonomia
enquanto sujeito que age socialmente por meio da linguagem seja ela oral ou
escrita. Falar da autoria em textos de escolares, significa a possibilidade da
condução de um trabalho com a escrita que leve em consideração o papel do aluno
enquanto produtor de um discurso que lhe é único e singular, portanto,
representativo de um dizer.
Ao escrever um texto, muitos aspectos evidenciam as condições e demarcam
um lugar ocupado pelo sujeito. Esse sujeito, que é um autor, no sentido do seu dizer,
que se apropria de outras vozes para se representar discursivamente e assim,
ocupar um lugar de destaque na sociedade legitimando o seu discurso, mesmo que
seja um discurso recontado, narrado para o outro de um jeito específico.
Quando nos referimos a essas vozes, tratamos evidentemente de destacar a
posição de um sujeito que na construção do enunciado, marca também a sua
singularidade
150
. Essas vozes que, atravessam outras vozes, se entrecruzam por meio de
elementos linguísticos que se diferenciam no interior do texto que é produzido para
um leitor, que construirá um sentido ou múltiplos sentidos.
No trabalho em foco, o que ficou perceptível foi a necessidade de um amplo
reconhecimento da capacidade que tem o aluno de se manifestar discursivamente
nas atividades de escrita, sobretudo aquelas que envolvem a função-autor. Sim, a
função-autor, porque é isso que deve ser o objetivo das atividades de escrita, no
contexto da sala de aula. As marcas e/ou indícios de autoria foram manifestações
linguísticas, a partir das quais, há um projeto maior no dizer desse aluno, ou seja, no
uso que ele faz da linguagem e de como ele constrói o seu enunciado no mundo
discursivo , um mundo externo a todos os aspectos inerentes a uma marca
discursiva.
O diálogo do sujeito com o seu interlocutor por meio de enunciados
construíram e ao mesmo tempo desconstruíram uma noção de autoria na qual nos
apoiamos para as análises dos textos, considerando que a noção de texto proposta
por Possenti (2009 a), desconstrói o conceito de um bom texto que tem vigorado
nas escolas, conceito este que diz: um texto bom é aquele que atende às
exigências gramaticais e/ou textuais da língua culta escrita, o que de certa forma,
acaba por apresentar uma limitação na avaliação textual. Ir além da superfície
textual, significa dar ao aluno, oportunidade de usar a sua competência discursiva
para a sua própria transformação social e cultural.
Considerar o que o aluno tem a dizer e permitir que o mesmo assuma a sua
posição como sujeito que age socialmente por meio das várias linguagens, pode ser
o referencial para que nas aulas dedicadas à produção e à escrita sejam de fato, um
motivo para o aluno assistir aula de Língua Portuguesa com alegria e, assim
produzam textos com marcas autorais, seja pela inserção de um elemento surpresa,
seja pela forma de dizer o dizer do outro de forma diferenciada.
Esse trabalho nos permitiu um contato com outras práticas pedagógicas e
com atividades de escrita diferenciada, pois só o fato de a professora trabalhar com
a perspectiva da narração e/ou descrição da cena de um filme foi algo diferenciado,
considerando que o processo da prática de escrita em sala de aula na maioria das
vezes está relacionada com atividades descontextualizadas. O fato de a professora
utilizar a cena de um filme como recurso didático, foi positivo e ao mesmo tempo,
151
contribuiu para que os alunos escrevessem, mesmo aqueles que seguiram o
modelo.
A escola que temos, às vezes não permite um trabalho mais efetivo com a
prática de textos escritos, porque são muitos os fatores que não permitem ao
professor essa dinâmica de inovação, mas aqueles que por algum motivo fazem
atividades diferenciadas, possibilitam aos alunos esse papel de transformar e formar
um discurso com coerência e coesão para ser lido e compreendido.
Pensando sempre em como responder a nossa questão central: identificar
indícios de autoria e, se de fato esse aluno é autor ou produtor, acreditamos que
uma prática de linguagem que o permita se apresentar como um sujeito autônomo
linguisticamente pode ser o diferencial na construção de um texto, seja um texto com
um material discursivo como modelo e/ou aquele em que ele necessitará buscar no
seu conhecimento cognitivo, enciclopédico ou de mundo as bases para a
materialização desse discurso.
Podemos dizer que outras questões surgiram no decorrer desse estudo
quando nas reflexões sobre esse saber tão necessário à vida do aluno, domínio da
escrita, poder ser realizado na escola com a ajuda da família e para um melhor
desenvolvimento em outros segmentos da sociedade. A aprendizagem formal para o
domínio da escrita tem como protagonistas professores e alunos atravessados pela
necessidade de uma transformação de olhares e de comportamentos; por isso,
nosso estudo não se encerra, ele aponta para a importância de um estudo contínuo
sobre o modo de escrever e ensinar a escrever em um espaço escolar onde o texto
e ensino estejam pautados no dialogismo.
Nessa perspectiva dialógica, queremos registrar que nos textos analisados,
há a emergência de uma tomada de decisão sobre como o texto deve ser priorizado
porque o aluno o dizer do aluno é muito mais do que está estampado no papel, a
percepção “real” do seu dizer é muitas vezes implícita, só acompanhada por uma
postura sensível, humana do professor.
Com este trabalho, esperamos contribuir com um projeto de ensino que
envolva o aluno de forma que este se represente discursivamente num diálogo
mútuo com o outro, de modo a desenvolver a competência sociodiscursivas.
152
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158
APÊNDICES
159
APÊNDICE A – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
160
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
CURSO DE MESTRADO EM LETRAS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, de uma
pesquisa. Leia com atenção o que se segue e se tiver alguma dúvida, pergunte ao
responsável pelo estudo. Esta pesquisa está sendo conduzida por Margareth
Valdivino da Luz Carvalho. Após ser informado(a) acerca deste estudo, caso aceite
colaborar com esta investigação, assine ao final deste documento que está em 02
(duas) vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador principal. Em caso de
desistência você pode se informar com o Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal do Piauí – UFPI, pelo telefone (86) 3237-2332.
ESCLARECIMENTO SOBRE A PESQUISA
Título do Projeto: ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma
investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de
uma Escola Pública Estadual de Picos – PI
Pesquisadora Responsável: Profª Drª Maria Angélica Freire de Carvalho.
Pesquisador Principal: Margareth Valdivino da Luz Carvalho
Telefones para Contato: (89) 9914 –8800 ou (89) 8805-0914
DESCRIÇÃO DA PESQUISA COM SEUS OBJETIVOS
Trata-se de uma pesquisa que será realizada através do Programa de Pós-
graduação em nível de Mestrado em Letras da UFPI .O estudo torna-se relevante
porque aborda o papel do aluno como sujeito/autor de textos propostos pelo
professor, e como ele se coloca enquanto produtor desse texto.
Os objetivos da pesquisa são:
161
Identificar indícios de autoria nas produções textuais de alguns alunos
selecionados de uma escola pública da cidade de Picos (PI).
Verificar marcas textuais-discursivas que contribuíssem para uma inserção
do sujeito enunciador de modo que ao se interpor com outras “vozes” na
construção de sentidos evidencie um discurso autônomo, que caracterize
um estilo.
INFORMAÇÕES IMPORTANTES
Garantia de acesso
Gostaria de informar que você tem a garantia de acesso em qualquer etapa
do estudo através do contato com os profissionais responsáveis pela pesquisa para
esclarecimento de eventuais dúvidas. Para maiores informações, você poderá entrar
em conato com a pesquisadora Margareth Valdivino da Luz Carvalho pelos telefones
(89) 9914-8800 ou (89) 8805-0914
Em caso de dúvida ou sugestões sobre a ética da pesquisa, entre em contato
com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí,
através do e-mail: [email protected] ou telefone: (86) 3237-2332.
Garantia de Sigilo
Se você aceitar participar deste estudo, seu nome e identidade serão
mantidos em sigilo. A menos que requerido por lei ou por sua solicitação, somente a
pesquisadora e o Comitê de Ética terão acesso a suas informações para verificar as
informações do estudo.
Período de Participação
Ao voluntário(a) fica assegurado o direito de retirar o consentimento a
qualquer tempo sem qualquer prejuízo de continuidade do acompanhamento.
____________________________________________________
ASSINATURA DO PESQUISADOR PRINCIPAL
Eu,________________________________________________________________,
RG__________________________; CPF __________________________________
162
abaixo assinado, concordo em participar do estudo: ALUNO: AUTOR (E) (OU)
PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a partir da escrita de alunos do nono
ano do Ensino Fundamental de uma Escola Pública Estadual de Picos – PI. Fui
claramente informada pela pesquisadora Margareth Valdivino da Luz Carvalho a
respeito da minha participação neste estudo. Ficaram claros para mim quais são os
objetivos do estudo, os procedimentos a serem realizados, as garantias de
confidencialidade e de esclarecimento permanente e, ainda, que minha participação
é isenta de despesas e que poderei retirar o meu consentimento a qualquer
momento, antes ou durante sem penalidade ou prejuízo.
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente colocado, aceito participar
desta pesquisa, assinando este consentimento em duas vias, ficando de posse de
uma delas.
Picos(PI), _______ de _______________________ de 2014
___________________________________________________
ASSINATURA DO SUJEITO DA PESQUISA
163
APÊNDICE C – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE
Título do projeto: ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma
investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de
uma Escola Pública Estadual de Picos – PI
Pesquisador responsável: Profª Drª Maria Angélica Freire de Carvalho
Pesquisadora Principal: Margareth Valdivino da Luz Carvalho
Instituição/Departamento: Universidade Federal do Piauí/ Centro de Ciências
Humanas e Letras.
Telefone para contato: (89) 9997 – 9117 ou (86) 9946 – 4327
Local da coleta de dados: Escolas Estaduais de Picos-PI.
Os pesquisadores do presente projeto se comprometem a preservar a
privacidade dos voluntários cujos dados serão coletados numa escola estadual de
Picos-PI, por meio de entrevistas e coleta de textos produzidos pelos alunos do
Nono Ano. Concordam, igualmente, que estas informações serão utilizadas única e
exclusivamente para execução do presente projeto. As informações somente
poderão ser divulgadas de forma anônima e serão mantidas sob responsabilidade
da pesquisadora a Srª. Margareth Valdivino da Luz Carvalho, por um período de 02
(dois) anos.
Após este período, os dados serão destruídos.
Picos-PI, .............de ............................de 20......
__________________________________________________ Margareth Valdivino da Luz Carvalho
Mestranda em Letras/UFPI
164
ANEXOS
165
ANEXO A – TEXTO I: “O Circo”
166
ANEXO B – TEXTO II: “O Circo”
167
ANEXO C – TEXTO III: “Charles Chaplin na jaula do leão”
168
ANEXO D – TEXTO IV: “Loucura no Circo”
169
ANEXO E – TEXTO V: “O Circo da Criatividade”
170
ANEXO F – TEXTO VI: “O Circo”
171
ANEXO G – TEXTO VII: “Super-Heroína por um dia”
172
ANEXO H – TEXTO VIII: “A jaula do leão”
173
ANEXO I – TEXTO IX: “O Circo”
174
ANEXO J – TEXTO X: “O Circo”