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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA
MARIANA DUTRA TEIXEIRA
Da cidadania formal à cidadania real: estudo de caso da comunidade Vila Nova.
Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais do Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para o título de Bacharel em Ciências Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Maria Tarcisa Silva Bega Coorientadora: Profª. Drª. Eliza Maria de Almeida Vasconcelos
CURITIBA 2014
2
AGRADECIMENTOS
À minha família que a sua maneira contribuiu para que eu chegasse até aqui.
Ao meu eterno namorado: sem você eu jamais teria conseguido! Te amo.
Aos meus companheiros do movimento estudantil: estar ao lado de vocês
ressignificou minha existência.
As amigas que trago deste desta graduação e continuam sendo minhas amigas após
as mudanças tão profundas que esta graduação trouxe em mim.
Aos meus professores e colegas da PUCPR: eu não teria sobrevivido na UFPR sem
o preparo que vocês me deram.
Aos companheiros que me proporcionaram espaços de trabalho formal durante este
trajeto. Isto me deu condições financeiras para conciliar a graduação na UFPR e a
militância no movimento social.
Aos generosos amigos que levo deste curso, sem suas ajudinhas eu não teria
chegado nesta etapa final.
À Prof.ª Tarcisa, pelas palavras que causaram um desencantamento, sempre
acompanhando de um reencantamento com o mundo.
Aos colegas do grupo de estudos de políticas públicas e programa de
desenvolvimento urbano regional: foram nossas discussões que despertaram esta
pesquisa.
À Profª. Elisa que fez esta pesquisa caminhar.
Às companheiras da Assembléia Popular e da comunidade Vila Nova, obrigada pela
confiança e oportunidade.
Deus, obrigada pelo ensinamento que germinou tudo isso:
“O amor que nos faz um
O amor é o que nos faz um
O amor se revela a mim
Como uma bandeira, verdade e graça
Um mandamento, e a nossa canção”
( Palavra Antiga)
3
RESUMO
Este trabalho intitulado “Da cidadania formal à cidadania real: estudo de caso da comunidade Vila Nova”, tem por objetivo compreender como a cidadania é percebida na representação cotidiana da comunidade a partir da sua experiência de luta por moradia, das suas lideranças na relação com o movimento social mais amplo. Neste sentido, o trabalho traz o histórico de luta da comunidade Vila Nova, bem como o perfil sócio econômico. Investiga neste contexto a forma de tratamento do Estado no cumprimento de cidadania através da política pública na área da habitação de interesse social. O caminho metodológico para o alcance destes objetivos elegeu uma abordagem de diversas tipologias de pesquisa tais como: exploratória como primeiro contacto com a comunidade, a bibliográfica a partir do construto teórico do que é cidadania, como este conceito se revela no sentimento e no discurso das famílias na sua inserção no cotidiano, quantitativa, qualitativa através de relatórios de campo, entrevista com as lideranças das famílias e do movimento social para auferir a percepção que membros da comunidade e do movimento organizado têm sobre conceito de cidadania. E através da pesquisa documental para verificar no plano diretor de Curitiba se moradia é entendida como um direito social. A principal referência para dar conta do objeto de estudo tem seu esteio nas obras de Marshall (1967) e Carvalho (2013), objetivando desmembrar as tipologias estabelecidas pelos autores, e investigar quais formas ou tipos de cidadania são manifestos na representação da comunidade estudada. A tipologia criada por Marshall pensa a cidadania em três elementos: civil, político e social. Carvalho corrobora com esta leitura afirmando que os direitos civis garantem a vida em sociedade, os direitos políticos garantem a participação no governo desta sociedade, e os direitos sociais devem garantir a participação na herança social desta sociedade. A partir desta teoria chegouse por fim, à algumas reflexões e resultados, ou seja, a constatação de que existem diferenças significativas entre ambos os campos (formal e real) onde o conceito opera, que para além da efetivação de direitos da cidadania, remetem ao reconhecimento social. Palavraschaves: Cidadania, Habitação de Interesse Social, Políticas Públicas.
4
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Dep. Jean Willis....................... ...............................................................9
Figura 2 Jornadas de Junho................. ...............................................................9
Figura 3 Campanhas pela Cidadania.... ...............................................................9
Figura 4 Campanhas pela Cidadania. ...............................................................9
Figura 5 Campanhas pela Cidadania. ...............................................................9
Figura 6 Campanhas pela Cidadania ...............................................................9
Figura 7 Jornadas de Junho................. ...............................................................10
Figura 8 Campanhas pela Cidadania... ...............................................................10
Figura 9 Campanhas pela Cidadania. ...............................................................10
5
LISTA DE IMAGEM
Imagem Localização Parque Iguaçu III ...............................................................46
6
LISTA DE GRÁFICOS
1.Ocupações irregulares na RMC ...............................................................36
2. Sexo chefes de família ...............................................................51
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA NA INGLATERRA.............. 29
8
LISTA DE TABELAS TABELA 01: LINHAS DE FINANCIAMENTO MINHA CASA MINHA VIDA ......36 TABELA 02: RENDA COMUNIDADE VIDA NOVA .......... 48 TABELA 03: VÍNCULO TRABALHISTA COMUNIDADE VIDA NOVA ......... 49 TABELA 04: ESCOLARIDADE COMUNIDADE VIDA NOVA ......... 50
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LISTA DE SIGLAS
BNH: Banco Nacional de Habitação.
CEF: Caixa Econômica Federal.
COHABCT: Companhia de Habitação Popular de Curitiba.
CLT: Consolidação das Leis do Trabalho.
FNHIS: Fundo Nacional para Habitação de Interesse Social.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IPARDES: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social.
IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
IPPUC: Instituto de Pesquisa e Planejamento de Curitiba.
HIS: Habitação de Interesse Social.
ONU: Organização das Nações Unidas.
PDUR: Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional
PNDH: Plano Nacional de Direitos Humanos.
PLANHAB: Plano Nacional de Habitação de Interesse Social.
PLHIS: Plano Local de Habitação de Interesse Social.
PNH: Política Nacional de Habitação.
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LISTA DE ABREVIATURAS
AP: Assembléia Popular.
APP: Área de Preservação Permanente
REDMONU: Relatoria Especial pelo direito a Moradia Organização das Nações
Unidas.
PP: Políticas Públicas
PPS: Políticas Públicas Sociais.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS E A NOÇÃO DE CIDADANIA
3 POLO ABSTRATO: DA DISCUSSÃO CLÁSSICA À CIDADANIA NO BRASIL E
AS RELAÇÕES ENTRE CIDADANIA E MORADIA
3.1 CIDADANIA NO BRASIL
3.2 CIDADANIA E MORADIA
4 O FIO CONDUTOR AO PÓLO CONCRETO: A QUESTÃO DA MORADIA.
4.1 A POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM CURITIBA
5 O PÓLO CONCRETO: A COMUNIDADE VILA NOVA
5.1 PERFIL SÓCIO ECONÔMICO
5.2 VOZES DO CONCRETO: AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE
CIDADANIA
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APENDICES
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13
1 INTRODUÇÃO
A luta por políticas públicas que enfrentassem às (as) desigualdades do
nosso país foi minha principal motivação para cursar a faculdade de Ciências
Sociais. Não que o curso se dedique a esta “missão”, mas me proporcionou um olhar
mais refinado para observar nossa sociedade, e me capacitou com instrumentos
teóricos para analisála de forma cientifica.
Os estágios e trabalhos que desenvolvi ao longo do curso transformaram
minha militância inicial em interesse profissional. Também refletindo sobre as
possibilidades do oficio de sociólogo no Brasil contemporâneo através das
discussões feitas em vários círculos acadêmicos, desde a sala de aula, passando
pelas conversas do pátio da Universidade , até nos eventos acadêmicos se
desvendou uma área de atuação diferente da tradicional área do ensino de
Sociologia, tanto para a educação básica quanto para a superior.
As consultorias e assessorias para projetos de formulação, implementação
e avaliação de políticas públicas se apresentaram (a partir das discussões destes
espaços e da minha curta trajetória) como um campo profissional a ser conquistado
e consolidado pelos sociólogos. As teorias e metodologias das ciências sociais aqui
concentro o tema na área da sociologia contribuíram para estas pesquisas de
consultorias/assessorias. Segundo Cortês e Lima (2013) na maioria dos casos,
tratamse pesquisas multidisciplinares, com economistas, administradores,
geógrafos, arquitetos, juristas, assistentes sociais, enfim, profissionais que são
chamados a partir da demanda que o objeto da política pública em pauta exige. As
autoras entendem que políticas públicas são, tanto academicamente como na sua
execução, um campo interdisciplinar, que “busca ao mesmo tempo colocar o
governo em ação, e analisar esta ação” (Cortês e Lima, 2013, p.33), e, os sociólogos
são capacitados profissionalmente para contribuir com estes processos.
Assim, por um interesse pessoal levando em consideração o campo
profissional, decidi estudar Políticas Públicas.
As políticas públicas são diversas, mas existem conceitos que são
fundamentais para qualquer área em que elas estejam inseridas. A começar pela
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própria idéia de políticas públicas, e principalmente a idéia de cidadania, apresento,
inicialmente, como hipótese, que este conceito assume um papel norteador nas
políticas de Estado, e por vezes até mesmo nas políticas defendidas pelo Mercado.
A cidadania também assumiu um papel relevante na construção das
narrativas em torno de uma política, não se diz mais: “ ...o povo quer isto ou aquilo.”,
se diz: “ ...a cidadania quer.” ( Carvalho, p.7, 2013).
Na tentativa de ilustrar um pouco grande presença queo termo cidadania
tomou no discurso político, foi feita uma rápida busca no banco de imagens do site
de busca Google, com as palavras: “manifestações junho 2013 Brasil” e “cidadania”,
segue uma amostra muito pequena da diversidade de cartazes, banners de
campanhas que foram encontrados:
1.
2.
3.
4. 5.
15
6. 7.
8. 9.
10.
Apesar do levantamento modesto de imagens, nelas podemos observar:
na imagem 1 vemos o Deputado Estadual Jean Wyllys (PSOL RJ) segurando
um cartaz no plenário da Câmara Federal dizendo que acidadania foi calada
durante a ditadura, manifestando a ideia de Carvalho (2013), na qual o
cidadão surge como sujeito;
assim como na imagem 2, durante as manifestações que tomaram conta do
país em 2013, chamadas as “Jornadas de Junho”, cujo cartaz também
denuncia um cidadão sujeito.
Além deste tipo de narrativa sobre a cidadania, também chamam a atenção
as inúmeras campanhas políticas “pela cidadania”, como vemos nos demais
banners das imagens 3, 4, 5, 8 e 10, onde se manifesta a idéia de uma
cidadania a ser construída a partir de uma pauta específica da sociedade.
16
Também como na imagem 7, uma foto também das “Jornadas de Junho”,
com a imagem de um adesivo sendo impresso,“plantando a cidadania”, ou
seja, como algo a ser cultivado e gerido.
E há também temas mais “periféricos” que se associam ao conceito de
cidadania, como nas imagens 9 e 6 , em que acidadania é afirmada também
em relação aos animais e à música.
Neste contexto, surgi (surge, se for presente ousurgiu, se for pretérito) uma
inquietação em relação a este conceito , afim de buscar alguma compreensão mais
precisa do que os indivíduos entendem sobre ele.
Como vimos nos simples exemplos das imagens, os movimentos que se
apropriam do conceito de cidadania para se organizar, são diversos, tanto em suas
origens, interesses e pautas como nos sentidos que atribuem ao conceito.. Essa
diversidade de sentidos, ou quem sabe, ausência de, é inquietante, e é a isso que
consiste na investigação deste trabalho. Nosso interesse é saber se a idéia de
cidadania é importante e o que pode revelar sobre o que os indivíduos entendem,
sentem ou esperam neste exercício em sua relação de sujeitos frente ao Estado,
entendendo que este se materializa, se relaciona com os sujeitos, através das
políticas públicas.
Para realizar esta investigação sociológica, foi escolhido o tema Habitação
de Interesse Social HIS. Na medida em que participo inicialmente como voluntária
e por fim como bolsista, no programa de extensão intitulado Programa de
Desenvolvimento Urbano e Regional PDUR, do Departamento de Ciência Política e
Sociologia, sob as coordenações das professoras Maria Tarcisa Silva Bega e Eliza
Maria Almeida Vasconcelos. Portanto, esta escolha se justifica a partir da discussão
da temática Habitação de Interesse Social que está intimamente articulado a uma
série de outros direitos, como por exemplo, o direito a terra urbanizada, ao
transporte, à educação, pois as escolas geralmente estão localizadas longe de tais
loteamentos. Em outras palavras, partimos do pressuposto de que as políticas
públicas de habitação funcionam como catalizadoras de uma série de outras
políticas que devem ser concebidas e executadas a partir da questão da moradia e
da concentração da população em pontos específicos do território. A imagem abaixo,
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a qual foi feita a partir do esquema utilizado em sala de aula pela professora
orientadora deste trabalho, mostra esta relação:
Considerando a centralidade da questão da moradia como forma de
reprodução das classes trabalhadoras e segmentos pobres na cidade,
investigaremos o caso, onde, sujeitos que tiveram ou têm uma ação propositiva –
seja pela luta individual, seja pela luta coletiva – para solução de suas carências
habitacionais no espaço urbano, tomando mobilizações corridas no bairro do
Boqueirão, na Cidade de CuritibaPR, pela comunidade alto intitulada como
Comunidade Vila Nova.
Partimos de um conjunto de questões, derivadas da nossa participação no
PDUR e das discussões ocorridas no grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, aqui
elencadas: como a concepção teórica clássica sobre cidadania aparece nos
discursos e sentimentos dos indivíduos? Como e qual é a importância que a
cidadania tem para estes indivíduos? Como se construíram as relações entre as
carências destes grupos e a política habitacional preconizada pelo Estado, de forma
a construir a noção decidadania para eles? Qual é a distância que existe, entre este
polo abstrato, a cidadania enquanto categoria teórica, e o polo concreto, a
comunidade e sua relação com os direitos? Estas foram as questões norteadoras da
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investigação. Como já apontamos, o caminho escolhido para percorrer estes dois
polos, é o direito a habitação de interesse social.
Portanto, o objetivo desta pesquisa é compreender como a noção de
cidadania se manifesta no ideário popular, especificamente na implementação
Política de Habitação de Interesse Social tendo como objeto de estudo a
comunidade Vila Nova e da sua articulação com o movimento popular representado
pela Assembléia Popular. Para chegar a este objetivo, reconstituise o histórico de
luta da comunidade pesquisada, analisando o perfil sócio econômico das famílias. A
investigação da percepção que as lideranças da comunidade e as lideranças do
movimento organizado, tem (têm – termo não separado da palavra “organizado” por
vírgula) sobre o conceito de cidadania requereu um procedimento metodológico que
partiu do abstrato ao concreto. A pesquisa bibliográfica e a documental foram
fundamentais para chegar ao construto teórico do que é cidadania e como este
conceito se revela no sentimento, no discurso das famílias e na sua inserção no
cotidiano. Investigamos também como a noção de cidadania está presente na
política de habitação por meio da análise do Plano Diretor de Curitiba. A pesquisa de
campo foi feita através de observações nas diversas reuniões e visitas junto a
comunidade e suas lideranças, com a utilização de uma entrevista semiestruturada,
que foram realizadas junto as lideranças da comunidade e do movimento. O roteiro
das entrevistas foi elaborado a partir de compreensão teórica das obras de Marshall
(1967) e Carvalho (2013), desmembrando as tipologias estabelecidas pelos autores
sobre o conceito de cidadania:
votar ser votado participar de organizações políticas ir e vir propriedade imprensa trabalhar saúde educação moradia segurança
previdência social
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Partimos de quatro hipóteses articuladas entre si, a primeira se refere ao
pressuposto de que a noção decidadania esta (está) presente nas políticas públicas
(neste caso, na Política de Habitação de Interesse Social) e como este conceito tem
em sua gênese, em limites, direitos que se chocam (direito a propriedade X direito a
HIS), caracterizase uma “tensão na cidadania”. A segunda hipótese parte do
princípio que existe uma compreensão heterogênea de noção decidadania, entre as
lideranças do movimento popular e as lideranças da comunidade e do Estado. Em
terceiro, conjecturase que esta noção de cidadania esta implícita no sentido de que
orientou as práticas destes indivíduos em busca da efetivação de seu direito a
habitação. A quarta hipótese é a que relaciona a questão da equidade e da
acumulação, presente nas políticas públicas, com os Direitos Civis e Direitos Sociais
da cidadania. A hipótese é que essa relação é tensa, pois colocadas em limite,
disputam pela questão da moradia ser uma questão de direito humano ou uma
mercadoria.
No primeiro capítulo é apresentada uma noção geral sobre políticas públicas
e sua relação com a cidadania. No segundo capítulo tratamos do polo abstrato, as
questões conceituais da discussão clássica da cidadania, a cidadania no Brasil e as
relações entre cidadania e moradia. O terceiro capítulo tem o objetivo de fazer a
mediação entre o polo abstrato e o polo concreto, trata da questão da moradia
enquanto um direito humano e uma política pública. E por fim, no quarto capítulo
tratamos da realidade concreta, do nosso caso pesquisado: a Comunidade Vila
Nova, sua história, suas características e sua realidade e como sua liderança e o
movimento popular articulado em torno destas lutas sociais expressam seu
entendimento de cidadania em relação ao direito de morar dignamente.
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2 SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS E A NOÇÃO DE CIDADANIA
Como já relatado na introdução, o objetivo é investigar as percepções sociais
sobre cidadania, pois trabalhase com a hipótese de que a noção de cidadania
orienta as políticas públicas, que por sua vez, significam o Estado, por ser sua
prática, sua ação. Assim, entender o que indivíduos da sociedade civil organizada
em movimentos sociais pensam sobre cidadania proporciona alguma pista sobre o
que pensam sobre seus direitos, sobre a importância das políticas públicas, e
possivelmente mesmo sobre o Estado.
Priorizamos nesse primeiro momento a discussão sobre a noção geral do
que é uma política pública, a fim de responder a primeira hipótese deste trabalho,
que, se refere ao pressuposto de que a noção decidadania esta (está) presente nas
políticas públicas (neste caso, na Política de Habitação de Interesse Social) e como
este conceito tem em sua gênese, em limites, direitos que se chocam (direito a
propriedade X direito a HIS), caracterizase uma “tensão na cidadania”.
A noção básica sobre o que é uma política pública é relativamente simples:
ela é a ação do Estado, circunscrita, definida ou financiada por ele, mas pode ser
executada por ele ou pelo mercado. Santos (1998) diz que política pública é o
Estado em ação, mas um Estado formado por indivíduos com distribuição de poder,
processos de decisão, repartições de custos e benefícios sociais.
Para o autor, a análise de políticas públicas trata de temas clássicos das
teorias sociais: distribuição e redistribuição do poder; o papel do conflito, processos
de decisão; repartição de custos e benefícios sociais; “as relações de poder, conflito,
ganhos, perdas estabilidade e instabilidade de ordem social não se dão nem se
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resolvem no círculo rarefeito dos elegantes sistemas sociais, mas na efetiva disputa
de políticas públicas específicas.” (SANTOS, 1998, indicar a página).
Há uma legislação, uma regulação legal (dimensão de objetivo, cobertura,
grupo social), seus planos, conselhos, que dão um formato burocrático aos
programas que vão desenhálas. E tem um orçamento, dependente, sobretudo, de
seu financiamento, que garante os bens fixos e o custeio das políticas públicas.
Costumase dizer, que o tamanho de importância da política pública é o tamanho do
seu esquema de financiamento. Conforme Santos (1998) as políticas públicas
podem ser organizadas em quatro grandes tipos:
a) Regulação: o Estado regula as atividade econômicas, fixa normas,
controla qualidade dos bens e serviços.
b) Produção: O Estado tem participação direta em seus organismos de
fabricação de bens e serviços.
c) Provisão: árbitro dos recursos financeiros para viabilizar esse serviço a
comunidades.
d) Transferência de dinheiro: Esta é a única política dada em espécie
monetária em que o cidadão beneficiário pode gastar segundo suas preferências.
A segunda premissa é que há uma tensão presente no interior de toda
política: a relação de equidade e acumulação. Por equidade entendese o ideal de
reduzir ou extinguir desequilíbrios sociais, e por acumulação entendese as ações
destinados (destinadas) a aumentar a oferta de bens e serviços disponível, ou seja,
uma tensão entre justiça e igualdade. Assim como nas teorias sociológicas, essa
tensão ou conflito, pode ser vista tanto como anômica quanto como constitutiva das
políticas públicas. O ideal de justiça e igualdade entre os homens está presente na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário , e é 1
também o ideal que inspira a tipologia de direitos elaborada por T. H. Marshall para 2
pensar em um cidadão, elaborando assim o conceito de cidadania. Pensar em uma
sociedade onde os direitos da Cidadania são garantidos pelo Estado através de
políticas públicas, é pensar uma sociedade mais justa em condições de equidade.
1 Esta questão será aprofundada no Capítulo quatro. 2 A síntese de sua teoria consta no Capítulo três deste trabalho.
22
Dos resultados esperados a partir das políticas públicas, podese dizer que são
basicamente dois: buscar atender as demandas por maior igualdade de
oportunidade ou de resultados entre os indivíduos.
Diante dessas condições gerais do que é uma política pública, agora
tentaremos mostrar o principal modelo adotado no Brasil, que é tão somente a ação
de um modelo específico de regulação do Estado. Draibe (1990) analisa a
experiência brasileira desde 1930 até o advento da Constituição de 1988, discutindo
como o Estado Capitalista se expressou nas relações entre economia e Estado, e
entre Estado e Sociedade Civil, através do modelo de suas políticas públicas.
A autora faz um balanço do Welfare State brasileiro, apontando suas
principais características: uma extrema centralização política e financeira; uma
acentuada fragmentação institucional; o investimento social teve o princípio do
autofinanciamento; uso clientelístico da máquina social. São traçados alguns pontos
importantes para que o Brasil não cometa os mesmos erros que os países
desenvolvidos cometeram, mas como o país também está nesta rota de
desenvolvimento para um “avanço social duradouro”, pluralista e democrático, o
Estado de Bem Estar Social precisa:
“estupendo reforço da capacidade de coordenação e controle estatais. Coordenação e planejamento de um lado, fortes instituições públicas asseguradoras do direito, de outro; constituem condição de possibilidade tanto para o florescimento das formas de ação coletiva da sociedade (pelos bloqueios podem significar aos apetites mesquinhos das elites conservadoras do país) quanto para a garantia de que a política social, ainda que descentralizada e pulverizada, se fará a graus crescentes de igualdade, justiça e eqüidade sociais.” (DRAIBE,1990, p.55)
Agora será falado sobre as Políticas Públicas Sociais PPS , pois são as que
estão fortemente relacionadas com o processo de urbanização.
O Instituto de Pesquisa e Estatística Aplicada (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) IPEA (2003) formulou e utiliza em seus estudos a noção de
PPS como um conjunto de ações e programas do Estado, em geral de forma
continuada no tempo, que tem como objetivo o atendimento de necessidades e
direitos sociais fundamentais que afetam vários dos elementos que compõe
23
(compõem) as condições básicas da vida da população, principalmente do que diz
respeito a pobreza e a desigualdade.
A premissa deste conceito é que o mercado não foi capaz de evitar ou
minimizar estes problemas, por isso cabe ao Estado regular a relação entre
sociedade e mercado. A sociedade, por seu turno, através de suas lutas, força o
leque de direitos, alargando o escopo dos direitos sociais. Como diz Santos, “O
Estado então tem que cuidar da eficácia do processo de acumulação e o processo
de privatização das associações privadas competirem com mecanismos
compensatórios das desigualdades criadas por esse mesmo processo” (SANTOS,
1998, p.16)
Estes direitos sociais, são reservados para as áreas em que os mecanismos
comunais, as famílias, a igreja, não foram suficientes para tratar dos problemas
sociais. Isso se dá por incapacidade técnica ou econômica para esses segmentos,
como no caso da infraestrutura urbana. O Brasil, como um país federativo, financia
estas políticas com gastos diretos, efetuados em cada esfera do governo, ou através
de transferência voluntária ou negociada.
As PPS estão articuladas em sistemas nacionais públicos ou estatalmente
regulados: saúde, educação, previdência social, integração e substituição de renda,
assistência social, habitação. De forma articulada, estão também as políticas de
emprego e salário, que regulam a relação capital e trabalho.
Neste contexto, se faz necessário entender as formas de articulação dos
diferentes programas governamentais, na tensão entre os que são destinados a
maximizar a equidade com as demais políticas governamentais que tem por objetivo
maximizar a acumulação.
24
3 POLO ABSTRATO: DA DISCUSSÃO CLÁSSICA À CIDADANIA NO BRASIL
E AS RELAÇÕES ENTRE CIDADANIA E MORADIA
A referência teórica clássica sobre cidadania parte do autor reconhecido
como disseminador desta discussão dentro das Ciências sociais desta discussão
(termo repetido): T. H Marshall (1967), em seu texto “Cidadania, Classe Social e
Status”. Ele escreve na Inglaterra em 1950, e é sobre este país que faz uma análise
histórica do aparecimento de direitos nesta sociedade.Cabe lembrar que a Inglaterra
foi o berço da revolução Industrial no século XVIII e palco de uma série de lutas e
conquistas sociais. Quando Marshall elabora esta reflexão, a Inglaterra vivia a
situação do imediato pós Segunda Guerra, impactada pelos eventos, porém sem ter
a experiência em seu território.
O autor olha o aparecimento de direitos ao longo da história e faz uma
classificação tipológica dos mesmos, organizandoos em três categorias
abrangentes: Direitos Civis, Direitos Políticos e Direitos Sociais. Na citação seguinte
o autor explica esses elementos:
“O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça”. Este último direito se difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os
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direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente ligadas com os direitos civis são tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar do exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do governo local. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bemestar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, da herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais. (Marshall, 1967, p. 64)
Até o fim do século XIX na Inglaterra é que surgem os direitos civis e
políticos, e no século XX surgem os direitos sociais. Para analisar o (suprimir esse
“o”) a construção da noção de cidadania, ele recorre á (à) dimensão histórica do
aparecimento dos direitos, entendendoos como dimensões da cidadania. Ele
localiza tal discussão na relação entre igualdade social e desenvolvimento
capitalista. Problema este que já está anunciado no título do trabalho “classe social
e status”,e que com estes conceitos o autor delimita seu diálogo com duas vertentes
sociológicas clássicas: a Marxista e a Weberiana.
Na primeira parte do texto o autor fala que a cidadania só é possível dentro
de um padrão comum, pois só se pode trabalhar pela igualdade social quando se
tem padrões comuns. Isso começa com a separação funcional de um marco
geográfico, formar assim uma nação com leis comuns a homens comuns (
MARSHALL,1967, p.62).
O autor aponta que no século XIX, para a efetivação e garantia dos direitos
que se estabeleceram surge um Poder do Estado. Nos condados da Inglaterra
surgiram primeiro os poderes judiciário e executivo, “na sociedade feudal, o status
era a marca distintiva de classe e a medida de desigualdade. Não havia nenhum
código uniforme de direitos” (MARSHALL,1967, p.64) até que na sociedade
medieval “a cidadania surge com uma definição de nacional” (MARSHALL,1967,
p.64), e a evolução de cidadania chega no século XIX no campo do particular, do
individual, quando traz o acesso a tribunais de justiça especializados; forma o
parlamento (governo nacional) para que seja possível a participação civil nos
assuntos públicos. Nesse curso evolutivo, notase que o Estado adota mecanismos
de correção para a garantia dos direitos. Nesse sentido, dois marcos institucionais
26
foram decisivos,, a criação da Cúria Regis que depois vira conselho, câmara
parlamento e por fim constitui os tribunais de justiça, e, a Pour Low (Poor Law)(lei
dos pobres) uma instituição nacional com base na participação local. Todos os
homens tinham o dever de participar destes tribunais.
Outra mudança histórica importante no século XIX é a ampliação dos
direitos políticos a todos os indivíduos, antes o direito ao voto era restrito apenas a
uma pequena classe dirigente. É perceptível que neste momento os direitos políticos
eram secundários frente aos direitos civis, fato alterado no decorrer na história
Esta ampliação de participação política, somada aos direitos sociais, em
especial ao direito á (à) educação básica, são fatores determinantes para se manter
a estabilidade, a coesão social. A instituição de um salário mínimo, a participação
em associações funcionais, comunidades locais, colabora para a preservação da
ordem social (MARSHALL,1967, p.76).
Neste processo o direito social à educação ganha destaque, pois ele articula
os demais direitos, “é um direito individual combinado com o dever público de
exercer o direito”, (MARSHALL,1967, p.72). Ou seja, os indivíduos precisam de
educação para saber exercer os seus direitos “os direitos civis se destinam a ser
utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso, que aprenderam a ler e a
escrever. A educação é um prérequisito necessário da liberdade civil.”
(MARSHALL,1967, p.72) e o autor destaca que este direito, à educação, é o que de
fato pode alterar a estratificação social (MARSHALL,1967, p.102).
Há no texto um pequeno parágrafo em que o autor sintetiza sua análise
sobre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra e na sequência resumese este
pensamento em um modesto quadro analítico. Diz o autor:
“ … o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra até o fim do século XIX. Com esta finalidade dividi a cidadania em três elementos: civil , político e social. Tentes demonstrar que o direito civis surgiram em primeiro lugar e se estabeleceram de um modo um tanto semelhante à forma moderna que assumiram antes da entrada em vigor da primeira Lei de Reforma , em 1832. Os direitos políticos se seguiram aos civis , e a ampliação deles foi uma das principais características do século XIX,, embora o principio da cidadania político universal não tenha sido reconhecido senão em 1918. Os direitos sociais, por outro lado, quase que desapareceram no seculo (século) XVIII e principio (princípio) do XIX. O ressurgimento destes começou com o desenvolvimento da educação primária pública, mas não foi senão no século XX que eles atingiram um plano de igualdade com os outros dois elementos da cidadania.” (MARSHALL, 1967, p. 75)
27
QUADRO 1: O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA NA INGLATERRA
Século Direito Instituição/ Poder Tipo de direito
XVIII Liberdades individuais Tribunais de Justiça/ Judiciário
Direitos Civis
XIX Votar e ser votado para compor os quadros do Estado
Parlamentos/ Legislativos
Direitos Políticos
XX Mínimo de Bem Estar econômico até participar da herança social.
Sistemas de serviço social/ Executivo
Direitos Sociais
Elaboração: a autora
Na segunda parte do texto, Marshall faz uma discussão sociológica sobre a
cidadania, perguntando qual seria o seu impacto sobre as classes sociais. O autor
deixa evidente seu pressuposto teórico marxista de uma sociedade organizada em
classes, pois a classe social ao (à) qual o homem pertence já indica todos os
desdobramentos da vida social dele. A condição de classe dita, por exemplo, o grau
de necessidade ou não dos direitos sociais, dita qual é sua participação na herança
da riqueza social, porém sua grande preocupação não são as classes, e sim, a
discussão sobre a possibilidade de construir algum grau de equilíbrio frente às
desigualdades existentes entre elas.
Entretanto, a maneira como ele trata sociologicamente este problema e a
conclusão que chega é de cunho weberiano, pois conclui que acidadania não é uma
proposta de mudança da estrutura sistêmica da sociedade capitalista que
amadurecia na Inglaterra, mas apenas uma medida de igualdade social para
equilibrar a desigualdade social que é inerente a este capitalismo.
Assim, a cidadania é um status (no sentido weberiano), status na igualdade
de direitos e obrigações, é uma medida efetiva de igualdade, criada em cada
sociedade com as suas particularidades. Parte da realidade da desigualdade entre
classes sociais, buscando uma medida de igualdade entre elas, mas não sendo isso
possível no capitalismo, a cidadania diminui essas diferenças entre as classes,
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através do status que concede aos indivíduos, na medida em que tem condições de
acessar os três tipos de direitos que compõem a cidadania.
“ O Estado garante o mínimo de certos bens e serviços essenciais ( tais como assistência médica, moradia [grifos nossos], educação, ou uma renda nominal mínima ou salário mínimo) a ser gasto em bens e serviços essenciais – como no caso da lei que dispõe sobre a aposentadoria para velhice, benefícios de seguro e salário família. Qualquer pessoa capaz de ultrapassar o mínimo garantido por suas qualidades próprias está livre para fazêlo. Tal sistema se assemelha, em sua aparência, a uma versão mais generosa da supressão de classe em sua forma original. Eleva o nível inferior mas não limita automaticamente a superestrutura.” ( MARSHALL, 1967, p.93) .
É necessário salientar que há um conflito entre igualdade e liberdade que,
segundo Marshall (1967, p.75) é constitutivo nesse processo formativo dacidadania.
Esta relação se remete a (à) discussão apresentada na introdução deste trabalho,
sobre a tensão constitudas (rever esse termo) políticas públicas entre equidade e
acumulação. Considera também como pressuposto neste processo, que há uma
igualdade ontológica nos indivíduos, o que acaba por impulsionar o desenvolvimento
do capitalismo. Cabe então a cidadania diminuir as desigualdades geradas pelas
classes, ela muda a qualidade destas desigualdades, quando tem em seu ideário
não a extinção destas classes, mas sim a igualdade possível entre elas
(MARSHALL,1967, p.76).
Ao analisar ao (o) século XX, quando os direitos sociais são criados e
fortalecidos no decorrer do tempo, a cidadania começa a explicitar as contradições
que guarda em seu interior. Seu ideário de igualdade é confrontado, principalmente
o das liberdades individuais, que no capitalismo alimentam a desigualdade, “a
desigualdade se torna essencial da cidadania pois ela assume um caráter de
constante busca pelo estado de bemestar” (Marshall, 1967, p. 68) . Essa cidadania
então, conformase com seu caráter de status, que não aponta a necessidade de
uma nova organização social na qual as liberdades individuais não gerem
desigualdade, ou seja, Marshall não propõe uma ruptura com o sistema
sóciopolitico capitalista, mas entendemos que, propõe reformas na perspectiva da
Cidadania. Direcionouse para qualificar condições de igualdade sem alterar a base
do sistema desigual (MARSHALL,1967, p.77). Essa é a marca, o status da
cidadania: ela dá o direito de adquirir, não de ter (MARSHALL, 1967, p.80).
29
Na última parte do texto, Marshall mostra que até o final do século XIX a
Cidadania propicia as condições, na Inglaterra, para a diminuição na escala de
distribuição de renda, crescimento das pequenas poupanças, impostos, produção e
consumo pelas massas, e com isto, a diminuição dos extremos desiguais,
aumentando a igualdade de bem estar social.
Apesar dos direitos sociais assumirem um papel modificador da realidade ao
reduzir as desigualdades, a Cidadania como um todo contribui para a manutenção
delas, e até cria novas desigualdades. Marshall conclui o texto explicando que
dentro deste mercado competitivo capitalista, somente o Estado é que pode garantir
os direitos da Cidadania.
3.1 CIDADANIA NO BRASIL
Para pensar a realidade brasileira tomamos como referencia José M.
Carvalho (2013), que em sua obra Cidadania no Brasil, um longo caminho, recupera
a teoria de Marshall, partindo da mesma noção de que Cidadania é um fenômeno
histórico de direitos, e os busca na história fazendo sua tipologia, desde o Brasil
colônia até a sua redemocratização. Assim, faz as devidas adaptações necessárias
para a realidade histórica brasileira e aplica o modelo conceitual de Marshall para
analisar a nossa formação dos direitos da Cidadania, mas de antemão, introduz que
“uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos,
é um ideal desenvolvido no Ocidente talvez inatingível” (CARVALHO, 2013, p.9).
Apesar destes avanços, os Direitos Políticos durante o regime militar ( 1964
1980) tiveram muitas restrições no que tange aos partidos políticos, mas que já em
meados da década de 80 “ passouse a grande liberalidade” com o aumento
expressivo do número de partidos quando no regime militar só eram legais dois
partidos, a saber: Aliança Renovadora Nacional ARENA partido que representava
30
os interesses do governo militar no poder e Movimento Democrático BrasileiroMDB
que agregava todos os opositores do regime militar iniciado em 1964 no Brasil.
Outro problema (deixado como herança pela ditadura militar) é a “distorção
regional da representação parlamentar”. Pois todos estados elegem mesmo número
de senadores, quebrando o princípio republicano de cada homem um voto, “ como favorece os estados de população mais rural e menos educada, a sobrrepresentação (sobre representação), além de falsear o sistema, tem sobre o Congresso um efeito conservador que manifesta na postura da instituição. Tratase de um vício novo do nosso federalismo, e difícil de extirpar, uma vez que qualquer mudança deve ser aprovada pelos mesmos deputados que se beneficiam deste sistema” ( CARVALHO, 2013, p.202)
O autor aponta que permanecem também outras pautas, para se discutir e
realizar uma reforma política e ampliar a prática democrática no país.
Com a chegada dos presidentes por voto a (à) Presidência da república,
chegou também a frustração, pois muitos problemas, como a corrupção e os
problemas sociais permaneceram.
Ao discutir os direitos sociais, o autor os defini (define) como direitos em
ameaça. Os principais direitos definidos até redemocratização foram: salário mínimo,
aposentadoria mínima, aposentadoria a não contribuintes deficientes e com mais de
65 anos de idade, licença paternidade. A (Na) medida em que estes direitos se
efetivaram, houve mudanças na realidade brasileira: de 1980 a 1999 melhoraram os
índices (indicadores básicos da qualidade de vida) que avaliam a mortalidade
infantil, a expectativa de vida, educação fundamental.
Mas, conforme o autor, o grande problema que assola o país recai sobre a
grande desigualdade social, que na década de 90 cresceu e tem uma marca racial e
regional (CARVALHO, 2013, p.208). Ou seja, as regiões Norte e Nordeste são as
mais pobres frente à concentração de renda presente no Sul e Sudeste.
A Constituição de 1988 vem assegurar o direito civil negado na Ditadura
Militar: a liberdade de expressão, de imprensa e de organização. Ampliando ainda
com o direito a qualquer cidadão de solicitar ao governo informações que estejam
nos registros públicos, o “ nobres data”. Também na Constituição de 1988 o racismo
e a tortura são definidos como crime, o consumidor também passa a ter direitos
garantidos em lei, e é criado o Plano Nacional de Direitos Humanos PNDH. O autor
31
ainda destaca como importante a criação dos juizados especiais de pequenas
causas civis e criminais, entretanto: “ podese dizer que, dos direitos que compõe a cidadania, no Brasil, são ainda os civis que apresentam as maiores deficiências em termos de seu conhecimento, extensão e garantias.” (CARVALHO, 2013, p.2010.)
A segurança pública é um problema agravado por esses altos índices de
desigualdades. Pós urbanização do Brasil com o rápido crescimento da população
urbana nascem o desemprego, o trabalho infantil, o tráfico de drogas, que geram
mais violência, “o problema é agravado pela inadequação dos órgão (rever – ou dos
órgãos ou do órgão) de segurança pública para o cumprimento de sua função” (
CARVALHO, 2013, p 2012.).
A justiça é quase inacessível aos pobres que não tem (têm) como pagar os
custos judiciais ou de um advogado. As defensorias públicas são sucateadas, é
como diz o autor: “Entendesse, então, a descrença da população na justiça e o
sentimento de que ela funciona apenas para os ricos, ou antes, de que ela não
funciona, pois os ricos não são punidos e os pobres não são protegidos.” (
CARVALHO, 2013, p.214).
Diante deste contexto histórico social, o autor faz sua definição de como foi
até então o processo de constituição da Cidadania no Brasil, identificando tipos de
cidadão: “Há os de primeira classe, os privilegiados, os “doutores”, que estão acima da lei, que sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro e do prestígio social. Os “doutores” são invariavelmente brancos, ricos, bem vestidos, com formação universitária. São empresários, banqueiros, grandes proprietários rurais e urbanos, políticos, profissionais liberais, altos funcionários. Frequentemente, mantem (mantêm) vínculos importantes nos negócios,no governo, no proprio (próprio) Judiciário. Esses vínculos permitem que a lei só funcione em seu benefício. Em um cáculo (cálculo) aproximado, poderiam ser considerados “doutores” os 8% das famílias que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domincílios (Domicílios) (PNAD) de 1996, recebiam mais de 20 salários mínimos. Para eles as leis não existem ou podem ser dobradas. Ao lado dessa elite privilegiada, existe uma grande massa de “cidadãos simples”, de segunda classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei. São a classe média modesta, os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho assinada, os pequenos funcionários, os pequenos proprietários urbanos e rurais. Podem ser brancos, pardos ou negros, tem educação fundamental completa e o segundo grau, em parte ou todo. Essas pessoas nem sempre tem noção exata de seus direitos e quando a tem carecem dos meios necessários para os fazer valer, como o acesso aos órgãos e autoridades competentes, e os recursos para custear demandas judiciais. Frequentemente, ficam a mercê da polícia e de outros agentes da lei que
32
definem na prática que direitos serão ou não respeitados. Os “ cidadãos simples” poderiam ser localizados nos 63% das famílias que recebem entre acima de dois a vinte salários mínimos. Para eles, existem os códigos civil e penal, mas aplicados de maneira parcial e incerta. Finalmente, há os “elementos” do jargão policial, cidadãos de terceira classe. São a grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e rurais sem carteira assinada, posseiros, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs, menores abandonados, mendigos. São quase invariavelmente pardos ou negros, analfabetos, ou com educação fundamental incompleta. Esses “elementos” são parte da comunidade política nacional apenas nominalmente. Na prática, ignoram seus direitos civis ou os tem sistematicamente desrespeitado por outros cidadão, pelo governo, pela política. Não se sentem protegidos pela sociedade e pelas leis. Receiam o contato com agentes da lei, pois a experiência lhes ensinou que ele quase sempre resulta em prejuízo próprio. Alguns optam abertamente pelo desafio à lei e pela criminalidade. Para quantificálos, os elementos estariam entre os 23% de famílias que recebem até os dois salários mínimos. Para eles vale apenas o código penal” ( CARVALHO, 2013 p. 214 217.)
Carvalho conclui que apesar dos “178 anos de história para construir a
Cidadania no Brasil” (CARVALHO, 2013 p. 219.), temos diferenças em relação a
cronologia lógica que Marshall escreve sobre a Inglaterra. No caso brasileiro, ao
contrário, o primeiro conjunto de direito que se desenvolveu foram os direitos sociais.
Considerando que os mesmo (mesmos) foramimplementados na era do governo de
Vargas, fortemente marcado por um período onde os direitos políticos foram
suprimidos e os direitos civis reduzidos pelo ditador que se tornou popular.
Considerando o regime ditatorial da conjuntura política brasileira, a protoforma de
manifestação de cidadania no Brasil, é caracterizada por uma pirâmide dos direitos
colocada ao contrário, na Inglaterra a sequência lógica dos direitos foi: Direitos Civis,
Direitos Políticos e Direitos Sociais, fortalecendo assim uma lógica democrática (
CARVALHO, 2013, p.220). As liberdades individuais consolidaram um sistema
judiciário independente do poder executivo. Com o desenvolvimento dos Direitos
Políticos, o parlamento votou em políticas sociais efetivado assim os Direitos
Sociais, mesmo diante da polêmica em torno deles (que falavam sobre um choque
entre eles e a liberdade de trabalho e a livre competição, ou seja, um choque entre
os Direitos sociais e Direitos Civis.
O autor problematiza qual a interferência que esta inversão histórica dos
direitos teriam sobre a democracia.
33
Para ele essa diferença é notável. Como nossos Direitos Sociais foram
conquistados durante a Ditadura Militar, surge um sentimento em relação ao
Presidente da República e ao Estado como os grandes “facilitadores” do processo. O
sistema legislativo fechado durante este período, não tem participação ativa neste
processo, perde assim, o seu valor de representação.
Ao chegar do estado é atribuído esse valor messiânico, e “ essa cultura
orientase mais para o Estado do que para a representação é que chamamos de
‘estadania’, em contraste com a Cidadania” (Carvalho, 2013 p.221.). A consequência
disto é o desgaste com os processos da democracia onde o sistema legislativo é
desprestigiado, o que impactou diretamente os Direitos Sociais, pois as categorias
organizamse para ir direto ao poder executivo. Podemos ver o resultado disto na
CLT Constituição das Leis do Trabalho com os interesses das categorias mais
organizadas e mais expressos. “ O papel dos legisladores reduzse para a maioria
dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo.”
(CARVALHO, 2013 p. 223.).
Mas a democracia tem convencido a direita, a esquerda e os militares de
que é o melhor caminho. Não se fala mais em golpe e internacionalmente são
abolidos. Mas estes mesmo órgãos internacionais que manifestamse contra os
golpes, acabam criando uma dinâmica de enfraquecimento dos Direitos Políticos,
visto que seus representantes agora torna decisões a partir destes fóruns
internacionais, por vezes longe das realidades locais e dos próprios cidadãos.
“Esses espaços, imbricados de um pensamento liberal voltam a insistir na
importância do mercado como mecanismo autorregulador da vida econômica e
social, e com consequência, na redução do papel do Estado.” (CARVALHO, 2013,
p.226”.) e “ nessa visão, o cidadão se torna cada vez mais um consumidor, afastado
de preocupações com a política e com os problemas coletivos”( CARVALHO, 2013,
p.226.).
Na conclusão de seu livro encontrase um parágrafo que parece chave para
resumir a diferença percebida por Carvalho na formação da Cidadania no Brasil em
relação a cidadania Inglesa analisada por Marshall, dizendo que, o primeiro tipo de
direito que se desenvolveu foram os direitos sociais
34
A Cidadania, assim constituída no Brasil, através do conjuto (conjunto) de
direitos vem sendo aplicada pelo Estado através das Políticas Públicas. Portanto, é
através desta que os direitos sociais se materializam, neste sentido, buscouse o
caso da política de habitação para enfocar esta relação teóricoprático.
3.2 CIDADANIA E MORADIA
Lúcio Kowarick pesquisa a questão da moradia em São Paulo, e em seu
livro, Escritos Urbanos, estabelece essa relação que também encontramos em
nosso campo de pesquisa. Ele localiza o lugar geográfico e social dos problemas da
cidadania, o lugar que ele chama de subcidadania , nas periferias: “ lá é, por
excelência, o mundo” dela (KOWARICK, 2009, p.43). Que em São Paulo cresceram
desenfreadamente, num primeiro momento na Região Metropolitana, com a
urbanização do Brasil, quando a população rural vem para as cidades em busca de
emprego, e depois dos cortiços, a autoconstrução das moradias passou a ser a
alternativa para os pobres acessarem uma moradia, esse fenômeno gerou ao
mesmo tempo uma grande especulação imobiliária e segregação socioespacial
(KOWARICK, 2009, p.45). Muitos lotes clandestinos foram negociados neste
processo, principalmente nas zonas limítrofes da capital paulista, marcando mais
ainda o lugar das favelas, “ 65% dos habitantes de São Paulo, que foram lançados
numa situação de ilegalidade quanto às normas urbanísticas da Cidade.”
(KOWARICK, 2009, p.50). Para o autor, este processo é resultado da ineficiência do
setor público, fortalecendo assim a especulação imobiliária que “ comanda em boa
medida a produção do espaço urbano, o capitalismo nativo é predatório e usa e
abusa da mão de obra barata” ( KOWARICK, 2009, p. 51).
Para os envolvidos neste processo de luta pela moradia, de garantia de
direitos sociais, de direitos civis, colocar em cheque a grande estrutura política não é
mais uma luta comum , mas sim “ configurar uma condição social de vida mais
equitativa e, eventualmente, um ideal emancipatório de inspiração socialista..”
35
(KOWARICK, 2009, p. 54). Essa condição de vida, segundo o autor diz muito sobre
a Cidadania, sobre a
“ a questão dos direitos básicos do cidadão. Irregularidade, ilegalidade ou clandestinidade em face de um ordenamento jurídicoinsitucional (institucional) que, ao desconhecer a realidade socioenomica da maioria, nega o acesso a benefícios básicos para a vida nas cidades” ( KOWARICK, 2009, p. 54)
Esse processo, que para ele é fundamentalmente um processo político, de
como as Cidades, que aqui são compreendidas não apenas como local geográfico,
mas enquanto categoria sociológica, produz uma lógica “ estreita e excludente, e, ao
fazelo decreta uma vasta condição de subcidadania urbana” ( KOWARICK, 2009, p.
54).
Este tipo de Cidadão, o subcidadão urbano pode ser relacionado com o “
não cidadão” descrito por Carvalho, mas nos parece, que a diferença entre estes
dois autores, se dá no entendimento de como este processo social é orientando.
Para Carvalho, o nãocidadão é resultado desviante do padrão, enquanto que para
Kowarick, o subcidadão é resultado de uma orientação política específica que rege
sociedade urbana. Se compararmos esta perspectiva com a discussão de Marshall,
veremos que a análise do autor inglês não aborda o fenômeno da exclusão
estrutural presente em países como o Brasil, uma vez que seu pressuposto é outro,.
A questão da Moradia, do lugar onde morar, do direito a Cidade constituem
para o autor elementos estruturantes que que (repetição do termo) reforçam a
desigualdade social que Carvalho fala que surgiram pós urbanização do Brasil, “ a
condição de subcidadão como morador das cidades constitui forte matriz que serve
para construir o diagnóstico da periculosidade” (KOWARICK, 2009, p. 55), a
violência e o violento tem uma “sintomática definida” na Cidade, “a violência esta
fortemente presente no cotidiano de nossas cidades. Não apenas a da política ou a
dos bandidos, mas também a dos salários, transportes e jornadas de trabalho, isso
para não falar nas situações de doenças, acidentes e desemprego, ou nas formas
espoliativas de moradia. Enquanto assim for, muitos permanecerão na condição de
subcidadania.” (KOWARICK, 2009, p.55).
36
Além do subcidadão urbano, o autor também fala sobre outros dois tipos de
cidadão, o cidadão privado e o cidadão público, que surgem a partir de uma
condição sócioeconomica.
Ser pobre nas cidades depende de fatores bem localizados, grau de
instrução, qualificação profissional e o montante de rendimentos, que estão
diretamente relacionados a fatores históricos, a dinâmicas econômicas, e até mesmo
ao fator biológico, pois, por exemplo, o trabalho feminino e idoso tem um valor muito
diferente do que o de um homem adulto. E para agravar mais ainda essas
desigualdades sociais, econômicas e políticas, o autor crítica (critica) a insuficiência
das “políticas sociais compensatórias. Entre estas destacamse os irrisórios
montantes referentes ao auxilio desemprego, pensões e aposentadoria ou subsídios
em relação a elementos urbanos básicos, dos quais cumpre destacar os limitados e
inoperantes programas de habitação popular” (KOWARICK, 2009, p. 82).
Para o autor a moradia é o nível de sociabilidade primaria (primária) nas
“metrópoles do subdesenvovimento industrializado”, é nela onde há a organização
da unidade familiar proporciona o primeiro nível de sociabilidade do indivíduo. E
nesta relação é onde “ são forjados, executados ou frustrados múltiplos projetos,
carregados de consequências materiais e plenos de significados simbólicos….e
podem ser designadas de estratégias de sobreviência (sobrevivência)”, assim
exclusão social e econômica nas cidades não fala apenas de pobreza material, mas
de “acesso a bens de consumo coletivo” (KOWARICK, 2009, 83). Em decorrência
disso, as condições objetivas de vida não impulsionam necessariamente a busca de
uma mudança de paradigma, pois nas cidades há uma valorização dos símbolos e
dos significados , a partir de um “ processo de produção da experiência” (
KOWARICK, 2009, p. 83).
A sociabilidade privada, e as estratégias de sobrevivência acontecem no
lugar da moradia, e a maneira como isso se dá, configuram “ níveis de exclusão
social e econômica”, e também o lugar social dos sujeitos. Apesar da crise do
modelo familiar que o autor aponta, jovens solteiros e casais com filhos pequenos
moram em lugares diferentes em nossas cidades.Outro fato comum nas cidades em
relação a (à) moradia, é o sentimento comum do desejo pela casa própria, acessada
da maneira que for viável. Em São Paulo o autor destaca os processos de
37
autoconstrução da casa: “ a mercadoria habitação, feita pelo tortuoso e sacrificante
processo autoconstrutivo, é o único bem material cujo preço aumenta ao mesmo
tempo em que é consumido”, essa alternativa é para milhares de famílias, por vezes,
a única possibilidade de se realizar um investimento. Por mais precárias que sejam,
com o tempo há esperança de melhorar as suas condições de habitabilidade
(KOWARICK, 2009, p. 87). E a subjetividade que opera neste sonho objetivo, tem
reflexos sociais e políticos acentuados e marcas profundas na formação da visão de
mundo, “ onde opera a lei da selva urbana: o que pode ser designado de
“estigmatização do status de cidadão enquanto morador urbano” (KOWARICK, 2009,
p. 93). Essa idéia confluí (conflui), com a discussão de Marshall sobre a cidadania
ser um status.
O cidadão privado é este que com seu mérito conseguiu a vitória objetiva e
simbólica de obter uma moradia. Mas, segundo Kowarick (2009), essa ideia de uma
conquista privada contradiz com a essência clássica de cidadania que fala sobre “o
direito a ter direitos: cidadania faz apelo a coisa pública”.
Por consequência de uma grande violência urbana, o espaço público e
coletivo se torna num espaço ruim, e a moradia, o lugar privado, como o lugar da
segurança (KOWARICK, 2009, p.94). Assim o cidadão privado é formada (formado)
a partir de valores impregnados pela moralidade: que caracteriza a ética como do
mundo da casa (campo particular), porque no espaço público “somos rigorosamente
‘subcidadãos’” (KOWARICK, 2009, p. 114).
Ao analisar a questão da cidadania pós redemocratização é notável que o
autor compartilha da mesma interpretação de Carvalho, sobre a insatisfação com a
coisa pública surgiu junto com a chegada de um presidente eleito na presidência da
república, “o que se constata é uma sociedade que avança nos direitos políticos enquanto a cidadania nas suas dimensões civis em particular, a igualdade perante a lei e sociais acesso a educação, proteção à saúde, aposentadoria, condições de trabalho, etc. continua extremante precária para a grande maioria da população pobre” ( KOWARICK, 2009, p. 108).
Outro ponto comum entre Kowarik (2009) e Carvalho (2013) é que a
urbanização “reflete não apenas um grave processo da decadência urbana. Elas também expressão (expressam) a crescente incapacidade do Estado para tornar efetiva suas próprias regulações ( O’DONNEL. 1993, p.129 apud KOWARICK, 2009,
38
p.129), e neste contexto urbano periférico, “ quem define, na prática, a cidadania, é a polícia” (KOWARICK, 2009, p. 110), e Kowarick cita e concorda também com a idéia de Carvalho (2013) de cidadão de primeira e terceira classe, que aferem esse “titulo” por suas condições objetivas e simbólicas,
“em face da estreiteza de canais institucionais para a manutenção e conquista dos direitos sociais, em face da inexistência de proteção quanto aos direitos civis mais elementares e em consequência da incivilidade que marca as relações sociais nos espaços públicos, onde prevalece arrogância e privilégio, muitos se refugiam na sociabilidade primaria (primária) da família, amigos parentes ou conterrâneos: estruturada em torno da casa e da vizinhança, desses pedaços reconhecidos com solidários, de proteção e ajuda mútua, muitos organizam formas defensivas para enfrentar as múltiplas violências que marcam o dia a dia na metrópole e elaboram projetos para usufruir oportunidades.” (KOWARICK, 2009, p. 115).
Diante desta singela revisão bibliográfica, podemos concluir que, nem para
Marshall, nem para Carvalho, autores que tomamos aqui como referencias
(referências) clássicas sobre o tema, moradia não é entendida como um direito
social. Moradia não é entendida como constitutiva da noção de Cidadania.
Entretanto, Kowarick (2009), ao explicar as relações simbólicas que configuram o
lugar da moradia, e as consequências disso na formação de um tipo de cidadão, à
moradia passa a ser um elemento fortemente constitutivo, no que propomos chamar
aqui, cidadania real. De uma cidadania formal, surge uma cidadania real, que podem
ou não, serem iguais. E é isto que verificaremos no caso da Comunidade Vila Nova,
como uma política pública, que quer garantir o direito social à moradia, realiza a
cidadania.
A seguir a análise sobre as Políticas Públicas que tratam de moradia, a saber,
Política de Habitação de Interesse Social HIS.
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4 O FIO CONDUTOR AO PÓLO CONCRETO: A QUESTÃO DA MORADIA.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é um marco histórico
para as nações que a subscrevem, pois escrita após a Segunda Guerra Mundial traz
parâmetro comum para estes povos sobre a dignidade da pessoa humana,
violentada em períodos de guerra. Desde então tornouse uma referência para as
questões sociais.
No Artigo XXV a questão da habitação é referenciada:
1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, [grifos nossos] cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.
A partir desta referência a questão da moradia passa a ser tratada como um
direito universal, “aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos
direitos fundamentais para a vida das pessoas” (disponível em:
www.direitoamoradia.org.br acessado em março 2014). Para acompanhar esta
pauta, foi criada pela ONU nos anos 2000 a Relatoria Especial para o Direito à
Moradia Adequada REDMONU, que tem como função: “examinar, monitorar,
aconselhar e relatar a situação do direito à moradia no mundo, promover assistência
a governos e a cooperação para garantir melhores condições de moradia e estimular
o diálogo com os outros órgãos da ONU e organizações internacionais com o
mesmo fim.” (disponível em: www.direitoamoradia.org.br acessado em março 2014)
A REDMONU, revela este entendimento, presente na política pública de
H.I.S do Brasil, que moradia vai além de um teto e quatro paredes, mas sim:
“Segurança da posse: Todas as pessoas têm o direito de morar sem o medo de sofrer remoção, ameaças indevidas ou inesperadas. As formas de se garantir essa segurança da posse são diversas e variam de acordo com o sistema jurídico e a cultura de cada país, região, cidade ou povo; Disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos
40
públicos: A moradia deve ser conectada às redes de água, saneamento básico, gás e energia elétrica; em suas proximidades deve haver escolas, creches, postos de saúde, áreas de esporte e lazer e devem estar disponíveis serviços de transporte público, limpeza, coleta de lixo, entre outros. Custo acessível: O custo para a aquisição ou aluguel da moradia deve ser acessível, de modo que não comprometa o orçamento familiar e permita também o atendimento de outros direitos humanos, como o direito à alimentação, ao lazer etc. Da mesma forma, gastos com a manutenção da casa, como as despesas com luz, água e gás, também não podem ser muito onerosos. Habitabilidade: A moradia adequada tem que apresentar boas condições de proteção contra frio, calor, chuva, vento, umidade e, também, contra ameaças de incêndio, desmoronamento, inundação e qualquer outro fator que ponha em risco a saúde e a vida das pessoas. Além disso, o tamanho da moradia e a quantidade de cômodos (quartos e banheiros, principalmente) devem ser condizentes com o número de moradores. Espaços adequados para lavar roupas, armazenar e cozinhar alimentos também são importantes. Não discriminação e priorização de grupos vulneráveis: A moradia adequada deve ser acessível a grupos vulneráveis da sociedade, como idosos, mulheres, crianças, pessoas com deficiência, pessoas com HIV, vítimas de desastres naturais etc. As leis e políticas habitacionais devem priorizar o atendimento a esses grupos e levar em consideração suas necessidades especiais. Além disso, para realizar o direito à moradia adequada é fundamental que o direito a não discriminação seja garantido e respeitado. Localização adequada: Para ser adequada, a moradia deve estar em local que ofereça oportunidades de desenvolvimento econômico, cultural e social. Ou seja, nas proximidades do local da moradia deve haver oferta de empregos e fontes de renda, meios de sobrevivência, rede de transporte público, supermercados, farmácias, correios, e outras fontes de abastecimento básicas. A localização da moradia também deve permitir o acesso a bens ambientais, como terra e água, e a um meio ambiente equilibrado. Adequação cultural: A forma de construir a moradia e os materiais utilizados na construção devem expressar tanto a identidade quanto a diversidade cultural dos moradores e moradoras. Reformas e modernizações devem também respeitar as dimensões culturais da habitação.” (disponível em: www.direitoamoradia.org.br acessado em março 2014)
Assim, a partir desde (deste) destrinchar conceitual do o (o artigo “o” está
repetido, sendo necessário suprimir) direito social a (à) moradia, podese mos ver
sua complexidade e centralidade em relação a outros direitos da Cidadania,
confirmando assim a hipótese inicial deste trabalho, que diz que o Direito a moradia
traz consigo uma série de outros direitos. Sendo então justo estudar a sua
aplicabilidade para compreender o fenômeno da Cidadania.
Na Constituição Federal do Brasil, de 1988, popularmente referenciada como
uma “constituição Cidadã”, a questão da moradia surge no Cap. II que trata dos
Direitos Sociais: Art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
41
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”
A partir destes parâmetros jurídicos, políticas públicas para tratar a questão
da moradia enquanto um direito social, não uma questão de exclusivamente
mercadológica (ou seja, só acessa quem tem condições de comprar o que o
mercado imobiliário determina) foram criadas a partir de década de 40.
Bonduki (1994) faz um histórico destas políticas no artigo “ A origens da
Habitação Social no Brasil”, nele o autor destaca os seguintes marcos históricos:
1930 O Estado começa a perceber a demanda da questão da moradia diante do processo de urbanização que o Brasil vivia;
1942: Lei do Inquilinato a questão da moradia chega ao limite e o Estado tem que interferir, esta lei é um marco desta situação em São Paulo;
1950 Surgem os primeiros financiamentos para H.I.S mas que atenderam às classes médias e altas, e a falta de políticas habitacionais para as classes baixas resultou no surgimento das periferias nos centros urbanos;
1961 Plano de financiamento habitacional: é criada uma regulamentação para os financiamentos;
1964 O Estado assume o problema da moradia ( uma medida de apela (apelo) as (às) massas dem (em) plena ditadura militar), e é criado o Banco Nacional da Habitação ( BNH) e o Sistema de Financiamento da Habitação com a grande inovação do uso do FGTS para o financiamento de moradia. Estas medidas tem como meta produzir habitação em e para a massa, unificar as instituições que lidam com habitação, a exemplo em Curitiba é criada a Companhia de Habitação COHAB CT;
1986 O SFH é restruturado: acabasse (acabase) com o BNH e a Caixa Econômica Federal é o novo agente ( até os dias de hoje) operador dos sistemas de financiamento de habitação;
2002 Depois de uma década de estagnação de políticas federais para a área, é implantado o projeto Moradia ( que já existia na cidade de São Paulo);
2003 Criação do Ministério das Cidades entre muitos desafios, instituir uma política habitacional de longo prazo, que tenha continuidade e seja sustentável e subordinar os financiamentos às diretrizes da política de desenvolvimento urbano buscando evitar os erros do passado ( CEF, 2014 p 29);
2005 Lei 11.124/2005 institui o Sistema e Fundo Nacional de H.I.S;
42
2007 Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC);
2009 É lançado o programa do PAC Minha Casa Minha Vida.
A comunidade Vila Nova, objeto deste estudo foi atendida por este
programa, por tanto (portanto), cabe uma explicação mais detalhada: O Programa
Minha Casa Minha Vida MCMV é um “conjunto de medidas do Governo Federal,
lançado em abril 2009, com objetivo de reduzir o déficit habitacional do país,
viabilizando o acesso à casa própria, aumentando o investimento na construção civil
e fomentando a geração de emprego e renda.” ( BRASIL, 2014 )
Ele constrói empreendimentos habitacionais com recursos do FAR Fundo
de Arrendamento Residencial, em áreas urbanas, para o público que se encontra em
até 3 faixas salariais:
TABELA 01: LINHAS DE FINANCIAMENTO DO MCMV
Faixa Renda Instrumento Fonte
1 0 a 3 Salários mínimos ( SM)
Subsídio quase integral + retorno do beneficiário
Orçamento Geral da União ( OGU)
2 3 a 6 SM Subsídio +financiamento OGU+ FGTS
3 6 a 10 SM Financiamento FGTS Fonte: Caixa Econômica Federal. 2014. Elaboração: autora.
A comunidade Vila Nova foi atendida pelo MCMV faixa 1, que financia a
primeira residência própria para famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos. Ele
atua nas regiões metropolitanas, capitais estaduais, municípios com mais de 50 mil
habitantes, e Distrito Federal. O valor da prestação do financiamento do imóvel é de
5% da renda familiar, com o valor mínimo de R$ 25,00 mensais. As casas tem em
média 36 m², e a destinação do imóvel exclusivamente ao uso residencial do
beneficiário e de sua família.
43
O programa tem suas regras e condições definidas pelo ministério das
Cidades, a Caixa Econômica Federal como agente operador do recurso do Fundo de
Arrecadamento Social (FAR), e a execução em Curitiba, fica sob a responsabilidade
da COHAB, que faz indicação e seleção dos beneficiários, e a Elaboração e
Execução do Trabalho Técnico Social (obrigatórios para aderir ao programa). Já a
construção das habitações fica a cargo de construtoras privadas, sendo que o valor
máximo de cada unidade é de 35 mil reais. .
Os parâmetros dos empreendimentos do MCMV são quase os mesmo
(mesmos) do Plano Nacional de HIS e da Relatoria da ONU, se diferem na
quantidade inferior de critérios de infraestrutura urbana. Os projetos devem
contemplar: vias de acesso e de circulação pavimentadas; drenagem pluvial;
calçadas acessíveis; guias e sarjetas; rede de energia elétrica e iluminação pública;
rede para abastecimento de água potável; soluções para o esgotamento sanitário;
coleta de lixo. E os parâmetros para a localização dos projetos são: estar inseridos
na malha urbana ou em zona de expansão contígua à malha; com acesso aos
serviços sociais básicos, próximo a zonas de comércio, com acesso a transporte
público.
Para nos aproximarmos mais da realidade da política de HIS que atendeu o
que chamamos de polo concreto (comunidade Vila Nova), passaremos a descrever a
condução institucional dessa política nacional na cidade de Curitiba.
4.1 A POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM CURITIBA
A Política de HIS é o fio condutor que liga os direitos da Cidadania à realidade
vivida, pela então, comunidade Vila Nova. E para compreendermos melhor esse
caminho, se faz necessário analisar mesmo que brevemente esta política em nível
local.
Conforme Oliveira ( 2000),Curitiba foi internacionalmente conhecida como a
cidade modelo em planejamento urbano tem seu primeiro plano diretor datado em
1966, no mesmo período em que criou uma instituição para cuidar planejamento,
44
execução e a comercialização de unidades habitacionais para famílias de baixa
renda, a COHABCT . Isso se deu por um contexto nacional da política do SFH, e
por uma pressão local com a emergência das ocupações irregulares na chamado
coroamento periférico ( MADIANITA, 2013) da cidade. Esse modelo de periferização
se consolidou na década de 80 (PLHIS, Curitiba, 2008). No ano 2000 Curitiba
aprovou sua legislação de zoneamento, uso e ocupação do solo, normatizando a
relação do Poder Público com o mercado, especialmente por regulamentar áreas
para HIS. Outro marco jurídico importante em questões de planejamento, para a
capital paranaense, é a aprovação do seu Estatuto da Cidade de Curitiba, em 2004.
O Plano Diretor de Curitiba esta (está) durante o presente ano (2014) em
revisão, sendo assim, o plano em vigor durante a realização desta pesquisa é o
Plano Diretor de 2008, feito pelo IPPUC. Dentro dele existe um Plano Setorial de
Habitação e Habitação de Interesse Social, ao lado de planos específicos para as
seguintes áreas: de Ambiental, mobilidade urbana e transporte integrado,
desenvolvimento econômico, segurança e defesa social, desenvolvimento social, e
um plano de iluminação. O fato sociologicamente interessante é existir um plano
especifico para a HIS junto com o plano de Habitação. É interessante pois mostra a
relação tensa que apontamos no primeiro capítulo deste trabalho, dentro de uma
mesma política há uma disputa entre um projeto que vise a acumulação do capital a
partir do mercado imobiliário e, a equidade, a partir da regulamentação da política de
HIS.
Agora, o fato do Plano Diretor de Curitiba ter um plano específico para a
HIS, não é uma grande novidade, visto que, para acessar recursos federais de
programas habitacionais, este plano é um prérequisito. Mas é interessante pois
evidencia a necessidade que vimos deste (desde) a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de pensar a moradia para além de um sentido de propriedade, de
uma aquisição de um investimento, mas sim, de um direito humano necessário para
se viver na cidade.
No Plano setorial de HIS (PLHIS) de Curitiba, a problemática da moradia é
diagnosticada já na sua dimensão regionalizada, que extrapola os limites da cidade
e tem que ser compreendida junto com a Região Metropolitana (IPUCC, p.12), visto
que a RMC foi umas das que mais cresceu no Brasil durante a década de 70
45
(IPPUC, p16). Os dados cedidos pela COHAB apontam que o déficit habitacional
sobre o total de domicílios em Curitiba e RM foi de 8,1%, passando para 5,6% em
2008, 6,8% em 2009, em 2011, ano da ocupação do terreno pela comunidade Vila
Nova o índice era de 5,5% de déficit.
GRÁFICO 1 NOVAS OCUPAÇÕES IRREGULARES EM CURITIBA
.
Fonte: IPPUC
As diretrizes do PLHIS de Curitiba trabalham com mesmas categorias de
infraestrutura urbana que se desenham deste a REDM ONU, a partir dO
pressuposto central de que moradia deve ter condições de habitabilidade ( IPPUC,
2000, p. 38). Devem ter esgoto sanitário, coleta de lixo, transporte, equipamentos e
serviços públicos (armazém da família, mercadão popular, liceu de oficio, centro de
referencia (referência) em assistência social), pavimentação, educação, saúde e
46
equipamentos de lazer. É neste cenário que a ocupação Vila Nova esta (está)
inserida, e foi atendida pelo Estado.
Este desenho da questão da moradia desde os órgãos internacionais, até a
análise de Curitiba, somada a discussão teórica que fizemos na introdução, sobre
PP e no capítulo I, sobre o estado da arte da discussão sobre Cidadania, nos
permitiu responder a três hipóteses iniciais deste trabalho:
A tensão da cidadania que tínhamos como primeira hipótese desta pesquisa
se confirmou. No caso aqui estudado, observouse como o direito a propriedade e o
direito social a moradia se chocaram. Esta relação também responde e confirma a
quarta hipótese da pesquisa: a que relaciona a questão da equidade e da
acumulação, presente nas políticas públicas, com os Direitos Civis e Direitos Sociais
da cidadania. A hipótese era que essa relação é tensa, pois colocadas em limite,
disputam pela questão da moradia ser uma questão de direito humano ou uma
mercadoria. Foi esta a situação que constituiu a comunidade Vila Nova, quando
decidiram ocupar o terreno, até quando tem que ser realocados.
Sobre a realidade vivida por eles, abordaremos no capítulo seguinte.
5 O PÓLO CONCRETO: A COMUNIDADE VILA NOVA
Neste capítulo testaremos a hipótese empírica sobre qual a noção de
cidadania é sentida e expressa pela comunidade Vila Nova e se este este (termo
repetido) conceito é heteregoneo (heterogêneo) ao conceito que os assessores do
movimento popular AP expressão (expressam). Esta pesquisa de campo é
47
importante para colocar a discussão teória (teórica) em seque (xeque), pois aqui
buscaremos entender como a cidadania opera da realidade vivida.
Para isso utilizamos de análise de documentos institucionais (cadastro
sócioeconomico da COHABCT), das notas do diário de campo e de entrevista
semiestruturada. Explicaremos como estas metodologias foram utilizadas a (à)
medida que se façam presente (presentes) no decorrer do texto.
A comunidade escolhida foi a comunidade auto intitulada Vila Nova.
Recuperouse aqui a história desta comunidade a partir do momento em que sua
relação com o Estado se intesificou (intensificou), quando o seu direito a (à)
moradia estava em tensão com o direito a (à) propriedade. Justificando assim a
escolha desta comunidade para estudar esta problemática.
Esse histórico é feito a partir dos registros de campo, e dos documentos
sistematizados pela Assembléia Popular AP, sociedade civil organizada em
movimento social, que assessora movimentos populares que lutam por moradia em
Curitiba e Região. Visto que tevese (que se teve) dificuldades tanto da parte da
autora quando da parte da comunidade, em agendar entrevista com todos os
membros da comunidade,para investigar suas percepções sobre cidadania, a
escolha de uma amostragem para ser entrevistada foi necessária, mas sobre isto
explicarse à (explicarseá) melhor no decorrer deste capítulo.
A AP é um movimento social da sociedade civil, que se organiza
nacionalmente e em alguns estados do país desde 2002, composta por uma
“articulação de forças sociais que promovem lutas e campanhas, construindo um
projeto popular para o Brasil” (ASSEMBLÉIA POPULAR, 2010, p.5). Este projeto
político aspira “um país politicamente democrático, economicamente justo,
socialmente equitativo e solidário, culturalmente plural, ambientalmente sustentável”
( ASSEMBLÉIA POPULAR, 2010, p. 6).
Outra questão estratégica para a AP é autonomia política, por isso ela luta
pelo resgate de mecanismos já existentes (plebiscitos, referendos), e criação de
novos mecanismos de participação e poder popular.
Em Curitiba sua atuação esta (está) no campo das lutas do movimento de
trabalhadores de materiais recicláveis e no campo da luta por moradia. O
48
agrupamento conta com a participação direta de 15 militantes, e tem uma rede de
entidades apoiadores (apoiadoras ou de apoio) em seu entorno.
A comunidade Vila Nova reunia 22 famílias em uma área particular no final
da Avenida Francisco Derosso, no Bairro Boqueirão, Curitiba PR. A área de
60X40m, que reunia quatro terrenos, metade da área é caracterizada por Área de
Preservação Permanente APP, e a outra metade passiva (passível) de edificação.
A área estava abandonada quando foi ocupada em Junho de 2010.
As famílias que ocuparam o terreno eram de uma vizinhança comum, nas
redondezas do próprio terreno. Em seus relatos durante a entrevista, todos
declararam sofrer do mesmo mal: não conseguir manter o aluguel. Alguns
encontravamse com o aluguel atrasado, mas mesmo sendo aluguel de contrato
informal, corriam o risco de despejo, “de ser mandado embora”. As casas que
alugavam eram construções, segundo eles, simples e pequenas, e quando
contavam isso, afirmavam “luxo” para viver, apenas queriam um lugar para morar
com estrutura adequada e acesso aos serviços públicos.
Até que uma das vizinhas, sugere ocupar o “terreno abandonado” do bairro.
Um dos entrevistados, disse que “alguém da prefeitura” andou pela vizinhança
dizendo que poderiam ocupar o terreno, e orientou que o fizessem em uma
sextafeira de madrugada, para que a polícia soubesse do caso apenas na
segundafeira, e como já teriam se passado 24hrs da ocupação não poderiam ser
expulsos do lugar, somente com interverção (intervenção) da justiça. Alguns
tiveram coragem e ocuparam, outros esperaram algumas semanas para ocupar. Lá
foram erguidas casas bastante simples, pois não sabiam quanto tempo poderiam
ficar ali.
No início de 2011 o proprietário da área aciona a justiça para a reintegração
de posse, a comunidade logo contrata uma advogada particular para defendelos,
que abre o processo na 8ª Vara Civil de Curitiba, e consegue assim segurar o
despejo para buscar uma outra solução. Mas neste ano a negociação seguiu muito
lenta.
Entre final de 2011 e início de 2012 um funcionário do Ministério Público
informa a uma integrante da AP sobre o caso da comunidade Vila Nova, faz isto por
conhecer a trajetória da AP em casos anteriores que também passaram por este
49
órgão. A AP estabelece contato e vínculo com a comunidade, mas sempre
respeitando tanto o tempo de autoorganização da comunidade, como as ações da
advogada, significando avanços na proposta, mas sem haver concretização em
termos de ganhos efetivos. No inicio do ano de 2013 uma nova ordem de despejo foi
acionada, mas a AP caso até o Assessor de Assuntos Fundiários do Governo do
Estado do Paraná, que concorda em segurar o despejo enquanto a comunidade
busca uma solução.
Além desta assessoria, também acionam a Terra de Direitos solicitando 3
assessoria jurídica à advogada que a comunidade já havia contratado, que segundo
os relatos tanto dos militantes da AP quando dos membros da comunidade, teve
muita dificuldade para encaminhar o processo. Mobiliza também outros órgãos que
poderiam se envolver com o caso, a saber: Companhia de Habitação Popular
COHAB, Secretaria de Habitação do Estado do Paraná, Secretaria de Assuntos
Fundiários do Estado do Paraná, parlamentares presidentes da Comissão de
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado e da Câmara Municipal, e
busca estabelecer contato também com o proprietário.
Neste ano há um pequeno movimento de famílias no terreno, com a saída
de umas e chegada de outras, mas que logo se fixaram para poder entrar em
negociação com um grupo coeso, alguns membros da comunidade são orientados
pela COHABCT e AP a realizarem um cadastro interno das famílias, para garantir
quais seriam de fato as famílias que estavam na luta pela moradia.
A partir da mobilização da AP, várias reuniões acontecem com os órgãos
acima citados e, mesmo com a presença e pressão da Polícia Militar nas reuniões
para que o mandato (mandado) de despejo fosse cumprido, é dado o início às
negociações.
Então é feita a primeira proposta de negociação pela AP e comunidade para
a COHABCT, que esta ou a prefeitura, compre o terreno em questão, depois disso
projetos de habitação de interesse social seriam estudados para aquele terreno.
Este encaminhamento foi aprovado pelos envolvidos e no início de 2013 a
COHABCT iria visitar o terreno para iniciar o estudo do valor do mesmo.
3 A Terra de Direitos é uma Organização sem fins lucrativos, que, atua na defesa e promoção dos direitos humanos, principalmente dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
50
No início de 2013 a assessoria técnica da COHABCT , avaliou o terreno em
R$36.400,00 pelo primeiro lote do terreno, e, R$54.550,00 pela segundo lote do
terreno. Um critério utilizado na avaliação e que pesou no resultado dela, é o fato do
terreno ser Área de Preservação Permanente, não possível de receber edificações.
Ou seja, por mais que a prefeitura, ou os próprios ocupantes comprassem o terreno,
as construções não seriam legalizadas. Outro empecilho que surgiu que avaliando o
mapa da região, apontouse o plano da prefeitura em construir uma rua que utilizaria
parte do terreno que é passível de edificação. Ou seja, não seria interessante nem
para a comunidade nem para a prefeitura a aquisição do mesmo. O proprietário
também perde o interesse na negociação de compra e venda, pois o valor avaliado
pela CAI deprecia em 60% o valor que ele solicita pelos terrenos, R$ 300.000,00.
Sem acordo, a comunidade e AP trabalham no ano de 2013 com quatro
estratégias: uma articulação com o Conselho da Cidades CONCIDADES, uma
articulação com o Movimento Nacional de Luta pela Moradia MNLM, que em
Curitiba tem trabalhado em busca da efetivação do programa Minha Casa Minha
Vida Entidades, programa onde as entidades disputam um recurso para o projeto e
construção de moradias populares, e a terceira estratégia é a aquisição de moradia
pelo Minha Casa Minha Vida, e a quarta em que a prefeitura e o proprietário
tocariam terrenos.
Logo após a proposta de compra e venda do terreno, o proprietário entra
com uma nova reintegração de posse, e oferta o terreno as (às) famílias por R$
20.000,00, para cada família. Totalmente inviável diante da condição econômica de
cada família, e , tanto a comunidade quanto a AP entendem esta oferta como uma
tentativa de o proprietário se livrar do terreno, visto que não conseguiria especular o
terreno como desejava, por ser uma APP. Mas a articulação política da AP com os
órgãos responsáveis consegue mais uma vez suspender a ordem e seguir com as
negociações.
Em outra mesa de negociação foi indicado buscar com a Procuradoria do
Estado uma dação ( trocar o terreno por algo que não seja dinheiro) do terreno, o
que não deu certo. Também foi proposto de transferir as famílias para outro terreno
que a prefeitura poderia ter, mesmo que provisoriamente,no máximo durante 1,5
ano, até a COHABCT achar uma solução ao caso mas a comunidade não aceitou
51
esta proposta, por avaliar que era uma alternativa insegura tanto quanto permanecer
ocupando o lote.
Neste período a comunidade consegue se organizar para fazer seus
cadastros na COHABCT a fim de ter a documentação necessária para buscar
algum financiamento pelo MCMV. A AP, também orienta a comunidade sobre ao que
deveria esperar e cobrar da advogada que contrataram, pois a mesma aparentava
sempre muito atrasada e até desorientada com o processo como um todo.
Durante todo o ano houve indas (idas) e vindas com o mandato (mandado)
de reintegração de posse, e segundo o relato dos moradores da comunidade, muitas
“ visitas” da polícia ao terreno para avaliar, quais famílias poderiam permanecer,
quais não poderiam, por conta das delimitações da APP, na última dessas visitas, as
casas que não permaneceriam foram marcadas com um sinal pintado na porta,
mostrando que deveriam ser derrubadas.
Com o MNLM, foi estudada a proposta do MCMV Entidades, uma linha de
financiamento do programa que destina o recurso para a organização comunitária,
burocraticamente organizada, e a comunidade em parceria com CEF, pensa o
projeto e é responsável pela construção das moradias, mas visto que precisariam do
terreno para acessar ao recurso, e a comunidade e o proprietário não entraram em
acordo sobre o a compra do terreno, esta alternativa foi descartada.
A advogada da comunidade informase na Caixa Econômica Federal (CEF)
para estudar as possibilidades de financiamento para a aquisição de moradias por
eles. A alternativa que a CEF sugeriu, é a que a AP já propunha, a aquisição de um
imóvel pelo programa MCMV, faixa 1, que atende a famílias com renda de 0 a 3
salários mínimos ( algumas informações sobre o programa e considerações sobre
impacto em Curitiba podem ser consultados no capítulo três deste trabalho).
Após diversas reuniões entre os órgãos envolvidos, foi disponibilizado para a
comunidade Vila Nova um empreendimento imobiliário, o Parque Iguaçu III,
localizado no Sítio Cercado, como destacado pelos técnicos da COHABCT e CEF
com a qualidade de ter “ acesso à ônibus” (Notas, diário de campo ). Através de
sorteio as casas seriam distribuídas para as famílias da comunidade, e a sua
mudança para o conjunto habitacional Parque Iguaçu III teria que ser feita por todas
as famílias de uma só vez. Caso aceitassem, a COHABCT também disponibilizaria
52
os caminhões para levar a mudança e contrataria o serviço de demolição das
moradias que construíram na área ocupada.
Na metade do ano de 2013, enquanto a comunidade e a AP buscavam
alternativas, havia um outro mandato (mandado) de reintegração de posse em vigor,
e a pressão do Major Carvalho da Polícia Militar do Estado começou a se posicionar
nas reuniões de negociação para que logo fosse dada uma providência para a
situação, mas o Juíz (juiz) definiu segurar o mandato (mandado) até que houvesse
acordo entre as partes, para então executar a ordem judicial.
O despejo estava marcado para novembro. Mas houve acordo com a ida da
comunidade para o empreendimento Nova Iguaçu III, solicitando apenas que todos
se mantivessem próximos a fim de manter os laços de amizade e por segurança,
visto que o empreendimento tem 5 mil unidades habitacionais, entre prédios e casas.
Entretanto os membros da comunidade Vila Nova são surpreendidos com
uma ligação da COABHCT, avisando as famílias que suas casas teriam sido
“invadidas por semteto” e que eles deveriam ir até lá para resolver a situação.
Alguns deles vão até o conjunto habitacional e acabam conflitando com esses que
haviam de fato ocupado as casas (por estarem na mesa situação de luta por
moradia), mas depois de um diálogo houve uma identificação entre os grupos, e os
membros da comunidade Vila Nova passaram os contatos das entidades que tinham
recebido apoio (AP, MP) para estes ocupantes, que foram atendidos e realocados no
mesmo empreendimento.
Devido a este acontecimento, a mudança foi organizada e realizada no inicio
de dezembro de 2013, a comunidade Vila Nova de fato foi para o empreendimento
Parque Iguaçu III. A mudança foi feita com acompanhamento da Polícia Militar e de
técnicos sociais da COHABCT. Assim que os pertences eram retirados das casas e
carregados para os caminhões, as mesmas já eram demolidas.
O empreendimento Parque Iguaçu III tem 342 casas, e esta (está) na
mesma grande área de outros dois empreendimentos de HIS, o Parque Iguaçu I e II
(prédios), totalizando juntos quase duas mil moradias. Esta (Está) localizado no
bairro Ganchinho, a 22km do centro de Curitiba, no limite sul da cidade, próximo a
(à) BR 376 e ao Rio Iguaçu, conforme mapa( contornada em branco):
53
MAPA I –LOCALIZAÇÃO DO CONJUTNO RESIDENCIAL PARQUE IGUAÇU III
Fonte: Google Maps
As casas tem 36m², e o posto de saúde e escola mais próximos estão a 5km.
A rota de ônibus que atende a região não entrava na comunidade, até que a mesma
conquistou isso junto a (à) URBS. As famílias foram realocadas em ruas e quadras
diferentes, mas relativamente próximas ao tamanho da área. A comunidade também
se organizou e conseguiu junto a (à) prefeitura ônibus escolar para as crianças irem
até a escola, mas o ônibus não comporta o número de estudantes, fazendo o (com
que os pais...) que os pais revezem entre sí (si) a tarefa de acompanhar as crianças
no trajeto feito de ônibus convencional ou a pé até a escola. Esta condição fere os
princípios de habitabilidade, ou seja, princípios básicos de infraestrutura, saúde,
educação, transportes, trabalho, lazer etc que inclusive está colocado no PMHIS de
Curitiba.
Ao questionar os membros da comunidade sobre qual o local era
melhor para se morar, a resposta foi unânime em que no Vila Nova as condições de
54
acesso a (à) infraestrutura urbana eram melhores. É como se pode observar nas
falas dos moradores:
“A situação que a gente tava ali era ruim, aqui ta melhor. Mas eu falo o lugar entende . … Entendeu? O lugar onde a gente morava (era melhor).” ( Cleusa, membro da comunidade, entrevista)
Entretanto, esta afirmação era acompanhada de um “más”, que apesar da
falta de infraestrutura, agora eles eram proprietários:
“Claro...aqui a gente sabe se precisar de um comprovante de residência…” (Dona Odete, membro da comunidade, entrevista).
“Deu mais animo assim, trabalhar seguir em frente, que a gente sabe que ta pagando um negocio que é da gente. Nos não se recusava de pagar nada, podia ate ser 300,400 reais por mes, mas desde que fosse nosso.” ( Eduardo, membro da comunidade, entrevista)
“Voce pode dormir e saber que é teu ( Odete,membro da comunidade, entrevista).
“Só os acesso que é dificil aqui.” (Eloisa, membro da comunidade, entrevista).
“E outra a gente não tem nem que escolher né? ..Não é verdade..eu acho , o povo que exigir demais as coisas. Não é verdade, eu acho que ele quer exigir demais. Pq eu acho assim, jamais na vida você ia conseguir comprar um sobrado por 40 reais. por mes. … eu acho… o povo briga demais, reclama por qualquer coisa ...eu acho… Tava morando no beco da favela vai conseguir comprar um sobrado por 40 reais por mes. E tem gente que paga 25 reais…” ( Sandra, membro da comunidade, entrevistada.)
Notase que a avaliação feita da nova moradia é ambígua, pois ao mesmo
tempo em que fala positivamente da condição de proprietário, critica negativamente
a condição dessa propriedade.
Concluise que as (o artigo “as” está em excesso nesta frase) existem
contradições na política de HIS, pois na prática ela não atinge todos os objetivos que
são determinados a ela desde a REDMONU, passando pela política nacional do
MCMV, até todos aqueles critérios verificados no capítulo anterior sobre o PLHIS de
Curitiba, ou seja, a política que diz uma coisa, e na prática faz uma um pouco
diferente. Essas contradição (Essa contradição ou Essascontradições) da política
é sentida pela comunidade quando dá essa essa avaliação ambígua para moradia:
garantese o direito a (à) moradia, mas não amplamente a moradia digna, pois a
infraestrutura urbana é inacessível.
5.1 PERFIL SÓCIO ECONÔMICO
55
Levantar e compreender os dados sócioeconômicos desta comunidade se faz
necessário para terse (para se ter) uma visão mais apurada do seu perfil, e com
isto ter dados que ajudem e justifiquem a escolha de quem entrevista (entrevistar)
da comunidade, objetivando apreender a percepção da comunidade sobre
Cidadania.
A Assembléia Popular dispunha de cópias dos cadastros feitos pela
COHABCT de 19, das 22 famílias, compunham a comunidade Vila Nova. A partir
destes cadastros, podese traçar um panorama geral do perfil sócioeconomico das
famílias. Cabe dizer que, foram mantidas as categorias de renda, escolaridade e
sexo utilizadas pela COHABCT, ficando ao nosso trabalho sistematizar os dados,
organizálos em tabela e gráfico, e interpretálos.
TABELA 04 RENDA FAMILIAR COMUNIDADE VIDA NOVA
Rendimento
Absoluto
%
Sem renda
1
5,3
Até 1 salário mínimo
6
31,8
De 1 a 2 salários mínimos
11
58,3
Mais que 2 salários mínimos
1
5,3
Total
19
100,0
Fonte: Dados da COHABCT, elaboração da tabela a autora.
A homogeneidade dos dados sobre renda não é surpreendente, pois para
terem direito ao subsídio do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, faixa de
renda 1, teriam que receber até 2 salários mínimos de renda. A concentração de
38% que recebem até R$ 724, e de 58,3% em até R$ 1480, mostra que 96.3% das
56
famílias possuí (possuem) algum tipo de renda. Este número enfrenta o argumento
de que as pessoas que ocupam um terreno por moradia, chamados de “invasores”
são vagabundos, e que se trabalhassem iriam conseguir uma moradia. Segundo os
moradores entrevistados, este argumento contra eles foi proferido desde agentes da
prefeitura com quem iam buscar orientação, policiais e pela mídia que fez matéria
jornalista (jornalística) sobre a ocupação.
A única família que ultrapassou a renda da faixa 1, a ultrapassou em menos
de 5%. Mas como sua renda também esta (está) longe de atingir a faixa 2 do
programa, ela permanece ocupando o terreno Vila Nova e seu caso continua em
discussão na COHABCT.
Outro (outra) interpretação que estes dados oferecem é que, por mais que as
famílias possuam algum tipo de renda, ela não é o suficiente para pagar um aluguel.
Quiçá uma prestação de um imóvel próprio. Uma dessas razoes (razões) pode ser
interpretada pelos seguintes dados:
TABELA 05 VÍNCULO TRABALHISTA DOS CHEFES DE FAMÍLIA
Tipo de vínculo N % Autônomo sem previdência
12 63.6
Empregado com vínculo 5 26.5 Não declarado 1 5.3 Aposentado 1 5.3 Total 19 100 Fonte: Dados da COHABCT, elaboração da tabela a autora.
A partir destes dados é possível interpretar que a falta de vínculo trabalhista
também é um agravante para a conquista da moradia. Pois, a grande consequência
negativa da falta de vínculo é a instabilidade financeira que não dá condições de
assumir um contrato de aluguel, muito menos de aquisição de moradia. Esta renda
intermitente impede as famílias de assumirem compromissos financeiros e mesmo 4
não permite a comprovação de renda.
Agora sobre os dados referentes a escolaridade, observase:
4 Outro agravante é o formato do FGTS, utilizado para aquisição de imóveis, que, só recolhe o fundo de trabalhadores assalariados através de algum vínculo trabalhista.
57
TABELA 06 ESCOLARIDADE COMUNIDADE VIDA NOVA
Escolaridade N %
Até 4ª série incompleta do ensino fundamental
5
26,3
De 5ª a 8 série incompleta do ensino fundamental
2
10,5
Ensino fundamental completo
5
26,3
Ensino médio incompleto
2
10,5
Ensino médio completo
3
15,8
Sem escolaridade (analfabeto)
1
5,3
Superior incompleto
1
5,3
Total
19
100,0
Fonte: Dados da COHABCT, elaboração da tabela a autora.
Dentre os respondentes, 26.3% completou o ensino fundamental, outros
26.3% não chegaram a isso. Alcançaram no ensino médio outros 26.3%, mas destes
58
somente 15.8% concluíram esta etapa de ensino. Isto posto, podese concluir que a
comunidade tem um perfil de escolaridade relativamente baixo. É que é de comum
saber , traz consequências para a entrada no mercado de trabalho formal, e de fato 5
é o que aconteceu como vimos que 63.3% da comunidade não tem vínculo
trabalhista formalizado.
E por último, para completar o perfil geral da comunidade, cabe dizer qual o
sexo dos responsáveis pela família:
GRÁFICO 2: SEXO CHEFE DE FAMÍLIA
Fonte: Cohab. Elaboração: autora.
A predominância de mulheres como responsáveis pela família , reflete na 6
predominância de mulheres que foram observadas como lideranças locais da
comunidade.
5.2 VOZES DO CONCRETO: AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE
CIDADANIA
Diante da homogeneidade do perfil sócioeconomico da comunidade
estudada, buscouse amos outro critério para selecionar a amostra entrevistada, pois
5 Diante dos nossos objetivos não foi possível explorar a vasta bibliografia sobre o tema. 6 Idem.
59
não tevese tivemos condições de entrevistar as 22 famílias, pela intermitência do
trabalho de cada responsável, o que foi difícil de conciliar as agendas no prazo
previsto para a pesquisa. Após visitar a comunidade, notouse um núcleo
permanente de lideranças, que continuaram a se reunir pósrealocação, que
organizaramse em outras lutas ( rota do ônibus, ônibus escolar). Para confirmar a
liderança deles frente a comunidade, questionouse quem tinham sido as referencias
(referências) durante o processo (as pessoas com maior engajamento) e eles todos
se referenciaram entre sí (si), referiram mutuamente às pessoas que foram
observadas durante a pesquisa de campo. Este grupo era composto de seis
mulheres e um homem, e todos foram entrevistados.
Foram acompanhados alguns encontros da comunidade e da AP afim (a
fim) de coletar dados iniciais do campo, que fundamentaram a primeira parte deste
capítulo, mas para pesquisar as percepções da comunidade sobre cidadania,
realizouse quatro momentos específicos com os grupos para (efetivar) realizar
entrevistas, na medida do possível, individualmente (pois duas pessoas só
concordaram em realizar a entrevista se junto com outra pessoa).
O roteiro da entrevista foi semiestruturada , mas “ a realidade é mais rica e 7
mais matizada do que as hipóteses que elaboramos sobre ela” (QUIVY, 1992), isso
fez que, durante o curso das entrevistas questões fossem ajustadas. Inicialmente foi
testado um questionário fechado, que, para verificar o grau de percepção de
cidadania, conforme categorizada por Marshall (1967) e Carvalho (2013), se mostrou
de difícil entendimento por parte dos entrevistados.
Mas esta proposta não funcionou, pois a situação de terem de responder a
uma pergunta bastante fechada, intimidavaos muito. Assim buscouse percorrer
esta mesma ideia, mas em uma entrevista aberta, na qual foi problematizada a
relação destes direitos da cidadania, a partir da realidade vivida pela comunidade
durante o processo de ocupação e realocação, e, pela AP diante da sua proposta e
trajetória de militância.
Para tanto Iniciamos a entrevista problematizando o que eles sentiram
durante o processo de ocupação e realocação, depois, perguntamos o que sentiram
7 O roteiro pode ser consultado no Anexo I deste trabalho.
60
em relação à cidadania, e por fim o que eles entendiam por cidadania. Nas
entrevistas com os militantes da AP, o roteiro da entrevista foi mais objetivo,
investigando como eles entendem a cidadania.
Para analisar as entrevistas feitas com comunidade e para as lideranças da
AP, partiuse do entendimento de Gramsci (1975): “O elemento popular “sente”,
mas nem sempre compreende ou sabe, o elemento intelectual sabe, mas nem
sempre compreende e especialmente sente.” (GRAMSCI,1975 p.101). Ou seja,
buscouse amos nas falas desses indivíduos compreender o que sentem em relação
à cidadania, fazendo o caminho do sentir para o compreender, e do compreender
para o saber.
Em nenhuma entrevista a questão da Cidadania apareceu
espontaneamente. Diferente do que havia sido notado na primeira visita que foi feita
ao campo, para acompanhar uma reunião da comunidade já realocada. Nesta
reunião, eles usaram o termo Cidadania como justificativa para serem atendidos pela
prefeitura “nós somos Cidadão gente, tem que nos atender.”
A análise das entrevistas respondeu a (à) segunda hipótese deste trabalho,
que pressupunha existir uma compreensão heterogênea de noção de cidadania,
entre os assessores do movimento popular e as lideranças da comunidade. Esta
hipótese não se confirmou. Apesar das respostas terem uma construção
argumentativa diferente, falaram sobre um mesmo entendimento. As lideranças da
comunidade disseram:
“simplesmente eles jogaram nóis e esqueceram de nóis. É só isso que tem pra dizer. Simplesmente esqueceram...Cidadania é o povo olhar pra gente com a mesma cara que eles olham pros patrão deles, pra família deles. Não de cara feia: a esse povo é lá do Ganchinho lá, lá daquelas casinha nova, que foram abandonado lá.” ( Eloisa).
“É complicado. Eles deixam a gente perecer e chegar em uma situação crítica” ( Rosana).
“....A gente se sentia excluído da sociedade...” ( Cleusa).
“Nossa, quando o bicho pegava lá, nos no sentia um lixo lá. Sem valor nenhum….” ( você se sentia uma cidadã?) Acho que não, sabia?” (Odete).
“Cidadania é ter dignidade….” ( Eduardo).
As compreensões em relação ao se sentir um cidadão foram no sentido de
uma negação, por parte do Estado da sua condição enquanto pessoa, enquanto
61
sujeito. Não diretamente a uma negação do direito da cidadania específico (no caso
o direito a moradia) mas anterior a isso, a um reconhecimento de que seriam sujeitos
portadores de direitos: “Nois que um direito que os outros povo tem e nois nao pode
ter. “ (Eduardo). A noção de cidadania é construída a partir do momento em que
relacionam a sua carência para sobreviver com a ação do Estado, em sua forma de
enfrentar/ resolver este problema. Vão adquirindo a consciência de que o Estado é o
agente de violação da dignidade humana. Isso porque o Estado só age depois de
muita pressão, sendo necessário a mediação de apoiadores externos. Rego e
Piazani (2014) falam dessa satisfação das necessidades básicas como condição
fundamental da cidadania: “Políticas sociais não devem ser comparadas a meros
atos de caridade pública. Elas são antes instrumentos para promover autonomia
individual e criar um senso de comunidade, em uma palavra: elas são instrumentos
de cidadania, pois visam proteger o “status de uma pessoa como membro pleno da
comunidade”(HARRIS. 1987, p.30 apud REGO E PIAZINI. 2014, p.79).
Assim,senãofossesuasituaçãoruim,senãofosseoconfrontodasua
situação com o interesse do proprietário, se não fosse a articulação de agentes
externos,ou seja, dos assessores do movimento popular, o auxiliarem, o Estado não
os reconheceria. Por isso, concluíse mos que a noção de cidadania para eles, é
reconhecimento social. Do reconhecimento enquanto sujeitos dignos a ter os direitos
da cidadania.
Nesse sentido a perspectiva de Kowarick (2009) apresentada no primeiro
capítulo desta pesquisa, corrobora para compreender o processo de formação da
noção de cidadania para as lideranças da comunidade Vila Nova: de que existe uma
subcidadania geograficamente localizada nas cidades, mais especificamente nas
periferias dos centros urbanos (KOWARICK, 2009, p.43). Esse conceito seria então
psicossomático a partir das condições materiais da vida em condição de ocupante,
que precisou da tutela do Estado para resolver sua situação. A percepção e vivência
de cidadania presente na comunidade esta muito longe da noção acadêmica
discutida por Marshall (1967) e Carvalho (2012), pois ela é composta por um
entendimento objetivo: existência do tripé de direitos civis, políticos e sociais.
62
Já a compreensão das lideranças da AP sobre cidadania, partem de uma
argumentação simbólica, dizem elas:
“Acho que é ser sujeito da própria história, se isso pode significar ser cidadão...Então além de ser ver enquanto construtor da própria historia, dono do seu nariz como se fala, se ver enquanto sujeito coletivo... “ (Andrea)
“Então, eu penso sobre Cidadania a aproximação com o poder popular sabe. De ser cidadania o exercício das pessoas de decidir e de acessar as suas escolhas, o seu destino. Portanto, Cidadania e poder popular estão comprometidos, por que não acontecem plenamente, né o acesso aos direitos a informação, o direito a fala.” ( Vanda)
“Eu acredito que Cidadania é a consciência dos direitos, da sociedade em sí do papel que cada um tem na sociedade, não só o fato de ter direito revela a cidadania, mas consciência desses direitos, a consciência do que pode ser exigido do poder publico.” ( Nicoly)
Por serem falas de sujeitos que têm a luta política como principal projeto de
vida, a argumentação da AP é mais elaborada teórica e politicamente do que a da
comunidade. Entretanto, falam dos mesmos elementos: sentirse parte,
reconhecimentos, e empoderamento. Trazendo assim também o significado da
cidadania como o reconhecimento de que todas as pessoas tem direito à ter os
direitos da cidadania. É uma significação simbólica do conceito, não objetivada em
quais são esses direitos, mas sim, no direito a ter direitos. É pelo aspecto simbólico
que as compreensões dos dois grupos se assemelham.
Avaliouse amos que estes significados falam muito sobre o que não foi dito
pelos entrevistados: os direitos políticos. Eles não foram ditos espontaneamente, e
quando provocados ao perguntarmos: “você acha que é importante votar, participar
da organização política aqui da sua comunidade?”, as respostas foram apenas uma
concordância: “sim”. Entretanto, o princípio da revolução Francesa, de que todos os
homens são iguais, que, é também o principio (princípio) fundamental dacidadania
discutida por Marshall (1967) esta no fortemente ancorado no espectro dos direitos
políticos. Assim, avaliouse que os mecanismos de participação política existente
hoje, extramente centralizados na participação por voto em eleições, não tem sito
suficiente para que estes sujeitos sintam que o Estado dê a eles tratamento igual,
como sujeitos reconhecidos com plenos direitos da cidadania.
63
A segunda hipótese desta pesquisa também foi respondida a partir das
entrevistas. Ela conjecturava que a noção de cidadania estaria implícita no sentido
que orientou as práticas desses indivíduos na busca de seu direito a HIS. Essa
hipótese se confirmou a partir das seguintes falas:
“Tem que brigar né. Nois não pode ficar esquecido” ( Eduardo).
“A gente até onde é pra chegar, tem que suar muito “ ( Odete)
“Eu acredito que não (foram tratados como cidadãos pelo Estado). O Estado quando olha pra eles enxerga como sujeitos homogênios, não como cidadãos, de direitos, que tão exigindo por que tem esse direito. Mas não, é um bando de chato né que estão encomodando e que são todos iguais, não são cidadãos. Principalmente por que eles não sabem que eles tem esses direitos. E pro Estado, se eles não sabem que tem esses direitos, eles não tem.”
Essas falas nos fazem concluir que há também uma noção de que a
cidadania é construída, conquistada. E esta noção foi a que os motivou a lutar pelo
direito a moradia.
É possível concluir também, que as categorias estabelecidas por Marshall
(1967) e mantidas por Carvalho (2012) para estudar o Brasil, não são suficientes
para explicar o que essa comunidade viveu em relação a sua Cidadania. Por que
não é só uma questão de existirem ou não direitos civis, políticos e sociais que os
atendam, mas sim a relação deles com esses direitos. Entre a formalidade e
burocracia da teoria e das políticas, e a realidade, há um processo de vivência. Nele
o se sentir digno dos direitos, vem antes do próprio direito.
64
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados alcançados neste trabalho permitiram duas reflexão (reflexões)
finais que foi construída ao longo de cada capítulo.
No segundo capítulo é apresentada uma noção geral sobre políticas públicas
e sua relação com a cidadania, nele confirmamos a primeira hipótese de que a
noção de cidadania esta presente nas políticas públicas, e a partir dela vemos a
“tensão da cidadania” que se relaciona com a “tensão interna das políticas públicas”:
trabalhar ao mesmo tempo com equidade e acumulação. Esta análise somada a (à)
análise do quarto capítulo, onde analisouse a questão da moradia enquanto um
65
direito humano e uma política pública, confirmou a quarta hipótese deste trabalho:
sobre a relação conceitual conflituosa (tensão entre equidade e acumulação
relacionada a (à) tensão entre direitos sociais e direitos civis), que refletiu na
realidade vivida pela comunidade aqui estudada. Pois, a autoconstrução das
moradias naquele local chocavase com o direito civil de propriedade daquela terra.
Mas, tanto comunidade quanto o proprietário estavam revindicando direitos da
cidadania.
No terceiro capítulo tratamos das questões conceituais da discussão
clássica dacidadania, acidadania no Brasil e as relações entrecidadania e moradia.
Este capítulo cumpriu o objetivo de sintetizar o pensamento dos autores que
selecionamos como relevantes no estado da arte sobre o tema. Através disto
concluímos que face a uma cidadania formal, que diz sobre tipos de direitos
historicamente constituídos, que se materializam em programas e políticas públicas,
existe umacidadaniaque é forjada no cotidiano, especialmente em consequência de
uma política pública. Ou seja, existe um caminho vivido entre acidadania formal e a
cidadania real, que analisamos no capítulo cinco.
Analisamos também que quando Estado não garantiu a sua regulamentação
do projeto do MCMV Parque Iguaçu III, revela uma dificuldade do sistema em não
garantir suas próprias regulações, diante de toda complexidade de operar uma
política pública em um sistema federativo. Isto nos remeteu a uma discussão feita
por Santos (2011): a cidadania é uma “promessa da modernidade” (SANTOS. 2011,
p.19), ou seja, que a própria noção de cidadania é, por parte do Estado, quando
materializada nesta política pública, incompleta. Há uma distância entre acidadania
formal das legislações, e a cidadania real, vivida no cotidiano. O Estado em seu
nível local a COHABCT conseguiu responder objetivamente a questão da
legalidade moradia. Porém, por não contemplar a totalidade de uma moradia digna,
é uma resposta precária. A cidadania oferecida através desta política pública é uma
cidadania precária.
Assim consideramos que as (o artigo as está em excesso nesta frase)
existem contradições na política de HIS, pois, na prática ela não atinge todos os
objetivos que são determinados a ela desde a REDMONU, passando pela política
66
nacional do MCMV, até todos aqueles critérios verificados no capítulo quatro sobre o
PLHIS de Curitiba, ou seja, a política que diz uma coisa, e na prática faz uma um
pouco diferente. Garantese o direito a moradia, mas não amplamente a moradia
digna, pois a infraestrutura urbana é inacessível. Essa incompletude da política é
sentida pela comunidade quando dá uma avaliação ambígua para sua nova
moradia: criticaram negativamente a falta de infraestrutura urbana, mas
demonstraram satisfação em poder financiar uma moradia própria.
E por fim, no quinto capítulo, onde tratamos da realidade prática, não
confirmamos a hipótese de que as compreensões em torno do conceito de cidadania
seriam heterogenias (heterogêneas). Pois, ambas as compreensões, tanto das
lideranças da comunidade Vila Nova, quanto das assessoras do movimento popular,
expressão (expressam) uma noção de cidadania no sentido do reconhecimento
social: cidadania como “direito a ter direitos”. Já a segunda hipótese que seria
respondida a partir do trabalho de campo, se confirmou. Verificouse que a noção de
cidadania estava implícita no sentido que orientou as práticas de organização,
mobilização, articulação tanto da comunidade quanto da AP, para serem
reconhecidos pelo Estado como sujeitos de direitos, no caso, o direito a legalidade
da moradia.
Diante disto, verificase que alcançamos os objetivos propostos para
responder as hipóteses desta pesquisa.
A partir deste percurso metodológico, foi possível produzir duas
considerações finais: a primeira é que existem dois “tempos”: o tempo do movimento
popular ( seus assessores organizados e sua base popular) e o tempo do governo.
Com o MCMV o movimento que luta pela legalidade da moradia tem uma alternativa
do Estado para resolver sua questão. Justamente por ter esta resposta pronta, o
movimento tem que se organizar a fim de alcançar esta resposta, e caso levem um
tempo maior do que o do Estado, correm o risco de perder a moradia. Vêse quando
as casas do Parque Iguaçu III já estavam prontas, a comunidade ainda não havia se
decido sobre a mudança, e um segundo movimento de luta pela moradia ocupou as
casas. O MCMV se configura como um novo sujeito articulador entre o movimento e
67
o Estado, e por consequência, produtor de uma cidadania como analisado no
capítulo cinco.
A reflexão final deste trabalho é que enquanto os cidadãos definidos assim
pelo Estado, não se sentirem cidadãos de fato, ainda há um longo caminho para a
ser trilhado da subcidadania à cidadania.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSEMBLÉIA POPULAR. Documentos Internos. 2011 à 2013.
68
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69
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APENDICES
Roteiro e questões entrevistas:
a) Questões de entrevista para as lideranças da comunidade vila nova:
Como e porque vocês ocuparam o terreno do Vila Nova?
1. No aspecto de moradia você considera que teve benefícios em relação a sua situação de ocupante para situação de proprietário?
2. Como você percebe esta mudança de vida?
3. Descreva como está sendo sua vivencia (vivência) neste local.
4. Houve alguém da comunidade que liderou o processo?
5. E como você vê a Assembléia Popular neste processo?
6. Você se sentiu mais ou menos cidadão quando mudou de situação de ocupante para proprietário?
7. O que falta para você se sentir mais cidadão?
8. O que vc (você) entende por cidadania?
9. Você acha que ser cidadão é ter direitos?
Quais?
B) Questões de entrevista para os militantes da AP:
1. Quais foram as mudanças que voce (você) percebeu na vida deles?
2. Houve alguém da comunidade que liderou o processo?
3. E como você vê a Assembléia Popular neste processo?
4. O que você entende por Cidadania?
5. Você acha que ser cidadão é ter direitos?
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