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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PROGRAMA MULTI-INSTITUCIONAL DE PÓS-
GRADUAÇÃO DE DOUTORADO EM BIOTECNOLOGIA
DIGESTIBILIDADE IN VIVO E IN VITRO DA TORTA DE CUPUAÇU (Theobroma grandiflorum) PARA JUVENIS DE
TAMBAQUI ( Colossoma macropomum),
ESAÚ AGUIAR CARVALHO
MANAUS – AM 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PROGRAMA MULTI-INSTITUCIONAL DE PÓS-
GRADUAÇÃO DE DOUTORADO EM BIOTECNOLOGIA
ESAÚ AGUIAR CARVALHO
DIGESTIBILIDADE IN VIVO E IN VITRO DA TORTA DE CUPUAÇU (Theobroma grandiflorum) PARA JUVENIS DE
TAMBAQUI ( Colossoma macropomum)
Tese apresentada ao programa de Pós-graduação do curso Multi-institucional de Doutorado em Biotecnologia, da Universidade Federal do Amazonas, como parte do requisito para obtenção do título de Doutor em Biotecnologia.
Orientador: Dra. Expedita Maria de Oliveira Pereira, UFAM, Manaus/AM Co-orientador: Dr. Gilberto Moraes, UFSCAR, São Carlos/SP
MANAUS – AM
2011
Ficha Catalográfica (Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)
C331d
Carvalho, Esaú Aguiar
Digestibilidade in vivo e in vitro da torta de cupuaçu (Theobroma grandiflorum) para juvenis de tambaqui (Colossoma macropomum) / Esaú Aguiar Carvalho. - Manaus: UFAM, 2011.
95 f.; il. color.
Tese (Doutorado em Biotecnologia) –– Universidade Federal do Amazonas, 2011.
Orientadora: Profª. Dra. Expedita Maria de Oliveira Pereira Co-orientador: Prof. Dr. Gilberto Moraes
1. Piscicultura 2. Nutrição de peixes 3. Tambaqui (Peixe) - Nutrição I. Pereira, Expedita Maria de Oliveira (Orient.) II. Moraes, Gilberto (Co-orient.) III. Universidade Federal do Amazonas IV. Título
CDU 597.554.1:639.3.043(043.2)
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Dra. Expedita Maria de Oliveira Pereira
Universidade Federal do Amazonas
__________________________________________________________________________
Dra. Ana Cristina Belarmino de Oliveira
Universidade Federal do Amazonas
_________________________________________________________________________
Dr. Antônio José Inhamuns
Universidade Federal do Amazonas
________________________________________________________________________
Dr. Frank Jorge Guimarães Cruz
Universidade Federal do Amazonas
___________________________________________________________________________
Dr. Luís Antônio Kioshi Aoki Inoue
Embrapa Ocidental
Aprovada em 25 de agosto de 2011
Aos meus pais (in memorian) pelo
incentivo para seguir em frente
sempre e à minha irmã Elna pelo
apoio para realização deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela força suprema.
Ao Dr. Manoel Pereira Filho (in memorian) pelo apoio, grande incentivo, palavras amigas e
primeira orientação quando cheguei ao INPA.
Ao Dr. Gilberto Moraes pelo forte apoio e grande amizade desenvolvidos quando estive na
UFSCAR, para treinamento.
A minha orientadora Dra. Expedita Maria por me acolher como orientando e pelo incentivo
para realização desse trabalho.
Ao Dr Spartaco e ao Dr. José Odair pela compreensão e imenso incentivo para que eu pudesse
completar esse trabalho.
A Professora Leonor, do departamento de Química, pelo grande apoio ao delineamento dos
estudos in vitro, incentivo e amizade conquistada.
A Sra Maria Inês pelas análises bromatológicas realizadas e grande amizade conquistada
juntos.
Aos funcionários do INPA Atílio, Sra Suzana, Sra Ana, Waldir, Evandro pelo apoio pessoal e
funcional.
Ao pesquisador Alexandre Honckzarik pela amizade e concessão dos peixes para realização
do estudo.
Ao funcionário do INPA Gabriel Nobre pela grande amizade e apoio para realização desse
trabalho.
Ao colega Guto pelas análises estatísticas e grande apoio para delineamento dos estudos e
grande amizade a mim dedicados.
Ao colega Cristian Castro pela enorme amizade conquistada e grande apoio para realização de
parte prática e escrita.
A colega Iara pelo excepcional apoio e incentivo a mim propiciados.
A colega de curso Marta Nascimento pelo forte incentivo, apoio e amizade.
Ao colega Márcio pelo apoio nas finalizações da escrita do capítulo II.
Aos colegas César Oishi, Geraldão, André Anselmo, Lian, Fábio Soller, Cássia, Fábio
Wegbecher, Elenice, Marieta, pelo apoio e amizade conquistados.
Aos colegas de curso Lioney Cabral e Ederly pela amizade e apoio mútuo.
A colega Flávia Paiva pelo auxílio nas análises químicas dos extratos enzimáticos.
As secretárias Elzimar e Nubiane pelo apoio aos assuntos burocráticos do curso.
Aos funcionários de serviços gerais do INPA/CPAQ, Fatinha e Sr. Joaquim, pela grande
amizade a mim dispensada.
A CUPUAMA pelo fornecimento da torta de cupuaçu para os experimentos
A CAPES pela concessão da bolsa de estudo.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para realização desse estudo.
Muito obrigado!
i
DIGESTIBILIDADE IN VIVO E IN VITRO DA TORTA DE CUPUAÇU (Theobroma
grandiflorum) PARA JUVENIS DE TAMBAQUI ( Colossoma macropomum)
RESUMO: Uma dieta ou um ingrediente são considerados digeríveis quando há habilidade
do animal, que os consome, para absorver os nutrientes contidos nela, sendo determinado,
portanto, um coeficiente de digestibilidade destes nutrientes, revelando o potencial nutricional
da dieta ou do ingrediente. Objetivando determinar o coeficiente de digestibilidade (CDA) de
um resíduo vegetal (torta de cupuaçu), por técnicas in vivo e in vitro, foram realizados dois
estudos. No primeiro, duzentos juvenis de tambaqui (87,2 ± 6,3g) foram acondicionados em
cones de digestibilidade em um delineamento experimental de dois tratamentos: T0 (ração
comercial) e o T1 (ração comercial com inclusão de 30% de farinha de torta de cupuaçu), e 5
repetições. O método de determinação dos coeficientes de digestibilidade foi o indireto com
inclusão de 0,5% de óxido de cromo (Cr2O3) nas rações experimentais. As variáveis físico-
químicas da água de cultivo foram monitoradas diariamente as 8:00 h. Os CDAs dos
principais nutrientes estudados foram reduzidos com a inclusão de 30% de torta de cupuaçu
em uma ração comercial, mostrando que esse nível de inclusão, segundo as condições desse
ensaio, é inadequado para nutrição de juvenis de tambaqui. No segundo estudo, aplicando-se
uma técnica in vitro, com a utilização do próprio extrato enzimático de trinta juvenis de
tambaqui, provenientes do primeiro ensaio, se determinou os coeficientes de digestibilidade
da fração solúvel protéica do resíduo (torta de cupuaçu) e de duas dietas, sendo uma
constituída de ração comercial e outra com essa mesma ração com inclusão de 30% da torta
de cupuaçu, após aplicação de metodologia desenvolvida no laboratório de Bioquímica de
Peixe, da Universidade Federal de São Carlos – SP. Os resultados evidenciaram que, por meio
dessa técnica, não foi possível observar o potencial solúvel protéico da torta de cupuaçu e das
ii
dietas estudadas, sugerindo-se refinamento dessa metodologia com conseqüentes estudos
comparativos a tradicionais técnicas in vitro e in vivo.
Palavras-chave: Piscicultura, Nutrição de peixes, técnicas in vivo e in vitro
iii
IN VIVO AND IN VITRO DIGESTIBILITY OF CUPUAÇU PIE ( Theobroma
grandiflorum) FOR JUVENILES TAMBAQUI ( Colossoma macropomum).
Abstract: A diet or a digestible ingredients are considered when there is ability of the animal,
which consumes, to absorb the nutrients contained in it and is determined, therefore, a
coefficient of digestibility of nutrients, revealing the potential nutritional or dietary ingredient.
In order to determine the digestibility coefficient (ADC) of a plant residue (cake cupuaçu),
techniques for in vivo and in vitro two studies. In the first two hundred juvenile tambaqui
(87.2 ± 6.3 g) were placed in cones in a digestibility experiment of two treatments: T0
(commercial diet) and T1 (commercial diets with inclusion of 30% flour pie cupuaçu), and 5
repetitions. The method of determining digestibility was indirect, with the inclusion of 0.5%
chromium oxide (Cr2O3) in the experimental diets. The physico-chemical variables of water
cultivation were monitored daily at 8:00 pm The EDCs of the main nutrients studied were
reduced with the inclusion of 30% pie in a commercial feed cupuaçu, showing that this level
of inclusion, according to the conditions of this test, is inadequate nutrition for tambaqui. In
the second study, by applying a technique in vitro, with the operation of the enzymatic extract
thirty tambaqui, from the first test, it was determined the digestibility of the soluble protein
fraction of the residue (cake cupuaçu) and two diets, one consisting of commercial feed and
the other with the same feed with 30% inclusion of Pie cupuaçu, after application of
methodology developed in the laboratory of Biochemistry of Fish, Federal University of São
Carlos - SP. The results showed that, using this technique, it was not possible to observe the
potential of soluble protein cupuaçu pie and the diets studied, suggesting that refinement of
this methodology with subsequent comparisons to traditional techniques in vitro and in vivo
Keywords: Fish farming, fish nutrition, techniques in vivo and in vitro
iv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Concentração de proteínas (mg/mL) nos diferentes extratos enzimáticos...............79
Figura 2. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do ingrediente,
pelo extrato enzimático do “pool’ de estômagos de juvenis de tambaqui, em 6 h de
reação........................................................................................................................80
Figura 3. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do ingrediente,
pelo extrato enzimático do “pool” de cecos pilóricos de juvenis de tambaqui, em 6
h de reação................................................................................................................81
Figura 4. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do ingrediente,
pelo extrato enzimático do “pool” de intestinos anteriores de juvenis de tambaqui,
em 6 h de reação.......................................................................................................82
Figura 5. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do ingrediente,
pelo extrato enzimático do “pool” de intestinos posteriores de juvenis de tambaqui,
em 6 h de reação.......................................................................................................83
v
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Proteases ácidas e alcalinas encontradas em diferentes partes do trato digestório de
espécies de peixes.....................................................................................................37
Tabela 2. Análise químico-bromatológica (%) das diferentes rações e do ingrediente...........57
Tabela 3. Variáveis Físico-Químicas da Água monitoradas nos tanques de alvenaria e nos
cones. Os valores correspondem à média ± desvio padrão......................................59
Tabela 4. Valores médios dos coeficientes de digestibilidade aparente da matéria seca e dos
nutrientes das rações controle, teste e do ingrediente..............................................60
vi
SUMÁRIO
Resumo i Abstract iii LISTA DE FIGURAS iv LISTA DE TABELAS v INTRODUÇÃO 15 1 REVISÃO DE LITERATURA 20 1.1 Nutrição de Peixes 20 1.1.1 Proteínas 21 1.2 Tambaqui 22 1.3 Potencial de Utilização de Subprodutos do Despolpamento de Frutas na Alimentação de Peixes 24 1.3.1 Cupuaçu: seus subprodutos e uso 25 1.4 Digestibilidade 28 1.4.1 Considerações Gerais 28 1.4.2 Digestibilidade in vivo 29 1.4.3 Digestibilidade in vitro 31 1.5 Enzimas 33 1.5.1 Enzimas Digestivas em Peixes e a Microflora 33 1.5.2 Proteases 35 2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38 CAPÍTULO I – DIGESTIBILIDADE APARENTE DA TORTA DE C UPUAÇU (Theobroma grandiflorum) VISANDO SUA INCLUSÃO EM RAÇÃO PARA JUVENIS DE TAMBAQUI ( Colossoma macropomum) 48 Resumo 49 Abstract 50 1 INTRODUÇÃO 51 2 MATERIAL E MÉTODOS 53 2.1 Beneficiamento da Torta de Cupuaçu em Farinha para as Rações 53 2.2 Elaboração da Ração Teste 54 2.3 Manejo dos Peixes 54 2.3.1 Biometria 55 2.4 Critérios de Avaliação da Digestibilidade 55 2.4.1 Método de Coleta de Fezes por Decantação 55 2.4.2 Determinação dos Coeficientes de Digestibilidade 56 2.5 Análises Químico-Bromatológicas 57 2.6 Determinação do Óxido de Cromo (Cr2 O3) 58 2.7 Análise Estatística 58 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 59 3.1 Variáveis Físico-Químicas da Água 59 3.2 Coeficientes de Digestibilidade Aparente 60 4 CONCLUSÃO 64 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 65 CAPÍTULO II - DIGESTIBILIDADE IN VITRO DA FRAÇÃO SOLÚVEL PROTÉICA DA TORTA DE CUPUAÇU E DIETAS PARA JUVENIS DE TAMBAQUI ( Colossoma macropomum)
70
Resumo 71
vii
Abstract 72 1 INTRODUÇÃO 73 2 MATERIAL E MÉTODOS 76 2.1 Extração dos Tecidos 76 2.2 Preparação dos Homogeneizados Celulares 76 2.3 Procedimento Experimental 77 3 RESULTADOS 79 4 DISCUSSÃO 85 5 CONCLUSÃO 89 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS 94
15
INTRODUÇÃO
A aquicultura mundial segue crescendo e destacando-se como grande fornecedora de
fonte protéica para a crescente população mundial. O consumo per capta de organismos
aquáticos cultivados que era de 0,7 kg, em 1970, saltou para 7,8 kg, em 2008, correspondendo
a taxas de 6,6% de crescimento médio anual (FAO, 2010). A piscicultura de água doce é a
vertente da aqüicultura que mais contribui para a produção de pescado mundial em cativeiro.
O panorama aquícola nacional segue acompanhando a tendência de crescimento
mundial e com a piscicultura liderando os índices de produção que, segundo as últimas
estatísticas avaliadas entre os anos de 2007 a 2009, houve um salto de aproximadamente 61%
(MPA, 2010). Segundo essa mesma fonte, a região Norte, entre os anos de 2008 e 2009,
estava em terceiro lugar, no ranking nacional, na produção de pescado de cultivo.
O Estado do Amazonas continua configurando como o primeiro da região em
produção de peixes seguido pelos Estados de Rondônia e Tocantins, quando observado o
período entre 2007 e 2009. No último ano deste período, as produções totais de pescado
provenientes de cultivo foram: 10.234,7t, 8.178,1t e 6.004,1t, respectivamente (Ministério da
Pesca e Aquicultura, 2010).
Uma característica importante da piscicultura brasileira é o grande número de espécies
criadas. Hoje, utilizam-se mais de 30 com os mais variados hábitos alimentares e ambientes
de vida. Vão desde espécies de clima tropical (em sua grande maioria) até espécies de clima
temperado e frio. E as que oferecem maior produção, em ordem de importância, são: as
tilápias, os peixes redondos (pacu, tambaqui e seus híbridos) e as carpas (comum e chinesas).
Outras espécies, porém, como os grandes bagres brasileiros (pintado, surubim e pirara), o
dourado e os Brycons (matrinxã, piracanjuba, piraputanga e piabanha), começam a despertar o
16
interesse de criadores não apenas pelo seu valor para a pesca esportiva como também pela
facilidade de comercialização.
Vários fatores favoreceram o rápido crescimento da piscicultura no Brasil: condições
climáticas favoráveis (pequena variação de temperatura do ar e da água), grande quantidade
de coleções hídricas disponíveis, grandes extensões de terra passíveis de cultivo, boa
adaptabilidade das espécies à criação e facilidade de adaptação a tecnologias.
Em aquicultura, como nas demais cadeias produtivas agrícolas, a expansão de um dos
elos acarreta o aumento de produtividade em todo o sistema. É o caso do aumento da
demanda por ração pelos produtores aqüícolas, que possibilitou o surgimento de novas
fábricas, sendo que hoje já existem mais de 30 unidades instaladas no Brasil, com ampliação
já confirmada da produção de ração específica para a aquicultura nos próximos anos. Segundo
o Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (SINDIRAÇÕES), no ano de 2009,
foram produzidas 380 mil toneladas de ração para organismos aquáticos, passando para 429
mil toneladas em 2010.
As fábricas não apenas disponibilizam rações próprias para alguns organismos
aquáticos, como também para as diversas fases do ciclo produtivo, o que contribui para um
maior rendimento da criação (por melhor conversão cárnea, resistência a moléstias etc.) e a
diminuição do custo de produção.
E nesse particular do custo de produção, indubitavelmente, o fator mais importante da
composição da planilha de custo na aquicultura, como de resto em todas as criações, é o gasto
relacionado à alimentação, razão pela qual o preço do peixe, camarão e outros organismos
aquáticos criados é severamente influenciado pelo preço dos insumos utilizados na preparação
das dietas. Segundo o SINDIRAÇÕES, as indústrias desse insumo encerraram 2009 com um
recuo na produção da ordem de 0,5% em relação a 2008, ano de grandes turbulências.
17
Em vista disso, a participação do item ração voltou a ser de 40 a 60% na composição
do custo de produção na piscicultura, enquanto entre 2000 e 2001 esse percentual girava em
torno de 30% dos custos operacionais totais (SINDIRAÇÕES, 2010). Uma situação assim
leva as indústrias a trabalharem com margens reduzidas de lucro, o que também as instabiliza,
e a buscar fontes alternativas de matéria-prima, perseguindo menores custos
(SINDIRAÇÕES, 2010).
Na região Norte, os custos de produção podem ser ainda maiores, face às grandes
distâncias e problemas na infra-estrutura de transporte. Soma-se a isso, a região não produzir
os principais insumos incorporados às rações, precisando importá-los. Mitigar os problemas
que impactam a produção piscícola, sobretudo no quesito alimentação, constituirá reflexo
positivo tanto no aspecto econômico como ambiental dos cultivos.
A região contempla programas agroflorestais e de arranjos produtivos de fruticultura
com intuito de atender à grande demanda pelos diversos, exóticos e saborosos frutos nativos,
que vêm despertando o interesse até mesmo em outros países. Este considerável volume de
frutas produzidas está gerando resíduos, os quais poderiam servir como alimento para peixes
nativos cultivados, uma vez que apresentam ampla plasticidade trófica. Contudo, estudos que
revelem seu valor nutritivo e os impactos no desempenho produtivo dos animais devem ser
realizados.
O cupuaçu é uma fruta nativa da região Norte e que também está inserida em
programas agroflorestais no Estado do Amazonas. Dados mais recentes de sua produção
registraram crescimento de 16% entre 2004 e 2005. Segundo a CUPUAMA, empresa que
processa a polpa e a semente de cupuaçu no Estado, até junho de 2011, já havia sido
produzida 40 toneladas de torta de cupuaçu, resíduo proveniente do processo de retirada da
gordura da semente, que se não tiverem destino adequado serão descartadas na natureza.
18
A provável disponibilidade de um resíduo vegetal não é suficiente para atestá-lo como
ingrediente alternativo. É preciso que seja avaliado o seu conteúdo em nutrientes e
quantificados seus fatores antinutricionais, já que em sua grande maioria são provenientes de
cascas e sementes, bastante conhecidas por conterem diversos desses fatores.
As técnicas empregadas para determinar a digestibilidade de um ingrediente ou de
uma dieta variam de acordo com a metodologia. A técnica in vivo ainda é bastante aceita,
predizendo o percentual digestível daquela dieta e ou daquele ingrediente acrescido, com
resultados bastante aceitos entre os estudiosos do assunto.
A técnica in vitro surge, atualmente, como uma alternativa para ajudar na predição da
digestibilidade das dietas, ingredientes e nutrientes por permitir menor custo e tempo quando
comparada à in vivo. Permite ainda uma avaliação mais detalhada das enzimas responsáveis
pela hidrólise, reduzindo o tempo de resposta à indústria de rações sobre o potencial digestivo
dos componentes a serem usados nas formulações.
O cultivo de peixes na Amazônia, embora tenha apresentado bons índices de
crescimento nos últimos anos não atingiu seu ápice por diferentes razões: ainda há
necessidade de refinamento nos conhecimentos do manejo das espécies, faltam informações
mais detalhadas sobre suas necessidades nutricionais, e a região não produz, nas quantidades
necessárias, os ingredientes tradicionais utilizados em rações para peixes, importando-os de
outros centros do país. Agravante complementar a essa importação é o fato que os insumos
apresentam características que dificultam seu armazenamento por longos períodos e com
padrão inconstante de qualidade, encarecendo as rações.
Levando em consideração os aspectos acima relacionados fazem-se necessários
estudos de digestibilidade de matérias-primas de origem vegetal (resíduos), com alto teor
protéico e de menor custo, e que estão apresentando constância de produção na região Norte.
19
Dessa forma, esse trabalho foi dividido em dois capítulos, que irão avaliar a
digestibilidade do resíduo da polpa do cupuaçu (torta de cupuaçu), que é a semente
desengordurada, por diferentes metodologias. No capítulo I, foi avaliada a digestibilidade in
vivo da torta de cupuaçu por juvenis de tambaqui, utilizando o método de coleta de fezes por
decantação, enquanto no segundo capítulo foram utilizados extratos enzimáticos do trato
digestório desta espécie para avaliação da digestibilidade da fração solúvel protéica, por
técnica in vitro, do ingrediente e de duas dietas.
20
1 REVISÃO DE LITERATURA
1.1 Nutrição de peixes
A alimentação constitui um fator importante na piscicultura, pois representa uma
parcela significativa dos custos operacionais nesta atividade. Dependendo da região, do
sistema aplicado ou da espécie de peixe cultivada, eles podem representar entre 30 a 60% da
produção (CHENG et al., 2003; JOMORI et al., 2005). Dado essa constatação, a redução
significativa dos mesmos pode ser alcançada através do uso de ingredientes de alta qualidade,
de técnicas eficazes no processamento das rações e da aplicação de estratégias na alimentação
(KUBITZA, 1999).
Com o objetivo de otimizar as condições de cultivo das espécies de peixe
economicamente viáveis, tentando reduzir o impacto ambiental e aumentar a lucratividade da
aquicultura, os estudos em nutrição tem dado ênfase na digestibilidade e rendimento de
macronutrientes (HALVER & HARDY, 2002). Alguns estudos se baseiam na capacidade do
animal aproveitar o alimento alternativo como substitutivo parcial em rações (ROBAINA et
al., 1995; CARTER & HAULER, 2000; SILVA et al, 2003; KAUSHIK et al., 2004;
KALITA et al. 2006; OISHI, 2007), enquanto outros avaliam a digestibilidade de ingredientes
e nutrientes para diferentes espécies (LAZO et al., 1998; LEMOS et al., 2000; CHONG et al.,
2002; LEMOS et al., 2004; FENERCI & SENER, 2005).
A nutrição de peixes destina amplamente ao estabelecimento da relação entre dieta e o
crescimento do peixe, à comparação entre possíveis ingredientes alimentares e à determinação
dos requerimentos nutricionais da espécie (CARTER et al., 2001).
A dieta, de acordo com os estudos nutricionais, tem demonstrado influenciar o
comportamento, a integridade estrutural, a saúde, as funções fisiológicas, a reprodução e o
crescimento dos peixes (PEZZATO et al., 2004), portanto, uma adequada formulação da
ração, balanceando qualitativa e quantitativamente os nutrientes essenciais, proporcionará
21
qualidade ambiental do cultivo, além de otimização da produção e oferta de produtos seguros
ao consumidor.
Alguns fatores estão diretamente relacionados à determinação das exigências
nutricionais dos peixes e devem ser levados em consideração na elaboração das dietas:
espécie, fase de desenvolvimento, sexo e estádio de maturação sexual, sistema e regime de
produção, temperatura da água, freqüência de arraçoamento e qualidade da dieta. É
importante salientar, que níveis dietéticos de nutrientes abaixo ou acima daqueles exigidos
pela espécie, podem interferir na digestibilidade e absorção tanto dos considerados essenciais
como até mesmo de outros nutrientes, com conseqüências desastrosas à saúde dos peixes e à
viabilidade dos cultivos (PEZZATO et al., 2004).
Uma fonte de energia, aminoácidos essenciais, e certas vitaminas e minerais são
exigências nutricionais de excelência, apontadas em estudos de nutrição, que devam ser
inclusas em qualquer dieta que se proponha a promover crescimento (KUBITZA, 1999)
1.1.1 Proteína
As proteínas são polímeros de α-aminoácidos com máxima importância para o
desenvolvimento dos peixes (PEZZATO et al., 2004). Segundo DEVLIN (1998), suas
funções no organismo são consideradas essenciais, podendo ser classificadas como dinâmicas
(transporte, controle metabólico, contração, catálise, proteção) e estruturais (desenvolvimento
matriz óssea e tecido conjuntivo).
A necessidade desse nutriente pelos peixes não é determinada pela sua quantidade, e
sim pela exigência em suplemento equilibrado de aminoácidos indispensáveis. Quando
comparado a outros animais, os peixes exigem quantidades maiores de proteína dietética,
explicado pelo fato de apresentarem melhor eficiência no uso da energia, pois não precisam
regular a temperatura corpórea e excretam os subprodutos do metabolismo dos aminoácidos,
passivamente pelas brânquias, com reduzido custo energético (PEZZATO et al., 2004).
22
A farinha de peixe é o ingrediente mais utilizado como fonte de proteína animal em
rações para peixes (HARDY, 1999). O crescimento mundial da aqüicultura aumentou a
demanda por esse produto, diminuindo os estoques naturais e forçando o aumento do preço. O
principal fator negativo na utilização deste ingrediente é o custo e a qualidade da farinha de
peixe utilizada, que oscila dependendo da espécie e estado de conservação do pescado
utilizado, apresentando variação quanto aos componentes nutricionais, presença de agentes
patogênicos e toxinas (NAYLOR et al., 2000).
A proteína é o nutriente mais oneroso na formulação de ração para peixes (MEROLA
& PAGAN-FONT, 1988; CHENG et al., 2003). Juntamente com a farinha de peixe outro
ingrediente protéico amplamente utilizado é o farelo de soja, ambos entram na composição
das rações em níveis até de 60% (LOVELL, 1989; BOONYARATPALIN et al., 1998). Estes
ingredientes, para a região Amazônica, constituem um problema relevante na formulação de
rações para piscicultura regional, pois não há produção local, significando importação de
outros centros do país. Soma-se a isso o fato de não apresentar padrão de qualidade constante
e possuírem características que dificultam seu armazenamento por longos períodos e os custos
derivados disto.
Uma alternativa para mitigar essa situação seria o uso de insumos não convencionais
para a formulação de rações pela indústria local, como os resíduos de despolpamento de
frutos, com alto teor protéico. Para tanto, se fazem necessários estudos de digestibilidade de
tais insumos que possam contribuir para o conhecimento de seu adequado uso e redução dos
custos alimentares da piscicultura regional.
1.2 Tambaqui (Colossoma macropomum): aspectos gerais e importância da espécie
O tambaqui, Colossoma macropomum, (Cuvier, 1818) é o segundo maior peixe de
escamas da região neotropical e o segundo maior characiforme (LOWE-MC-CONNELL,
23
1999). Considerado um dos mais saborosos peixes de água doce, com carne rica em proteínas
e sais minerais, é hoje um dos peixes mais apreciados pelas populações dos países
amazônicos. Manaus caracteriza-se nesse contexto como o maior mercado consumidor
(BARTHEM et al., 1995; ARAÚJO-LIMA & GOULDING, 1998; BATISTA, 1998).
A espécie apresenta grande plasticidade genotípica e fenotípica, permitindo-lhe
sobreviver no heterogêneo ambiente amazônico. Nos períodos de cheia, ela habita as regiões
de floresta inundada de várzea, alimentando-se de frutos e sementes; nos de vazante, os
adultos migram para os rios de água branca, para reprodução, e os juvenis permanecem nos
lagos de várzea, alimentando-se, nesse período, de zooplâncton. É uma espécie onívora, que
suporta níveis baixos de oxigênio (ALMEIDA-VAL et al., 1993) e resistem a temperaturas
entre 27°C e 35°C (SAINT-PAUL,1986). Impressionantes características anatômicas da
espécie são sua mandíbula forte com dentição capaz de quebrar e triturar frutos e sementes
duras, e rastros branquiais desenvolvidos para filtração. Em ambiente natural, pode atingir
cerca de 1 m de comprimento e mais de 30 kg (ARAÚJO-LIMA & GOULDING, 1998).
Este peixe é considerado, há mais de 15 anos, a melhor espécie para a aqüicultura na
Amazônia (OSTRENSKI, et al., 2008), junto ao matrinxã (Brycon amazonicus) e ao pirarucu
(Arapaima gigas). Esta excelência se deve ao ótimo desempenho produtivo do tambaqui em
cultivo intensivo, facilidade na obtenção dos alevinos, rusticidade, produtividade mais elevada
e fácil aceitação a ração comercial (ARAÚJO-LIMA & GOULDING, 1998; MELO et al.,
2001; GOMES et al., 2004).
Por sua importância ecológica, demanda comercial e reconhecido potencial para a
piscicultura, tanto dentro como fora da Bacia Amazônica, esta espécie foi e é alvo de estudos
sobre aspectos de sua ecologia, biologia, pesca, criação entre outros (ARAÚJO-LIMA &
GOULDING, 1998). Em virtude do seu hábito onívoro, o tambaqui faz excelente uso de
proteína tanto de origem animal como vegetal (OISHI, 2007).
24
Vários estudos mostraram o excelente desempenho do tambaqui em diferentes regimes
de criação, desde o extensivo até o intensivo, apresentando todas as características desejáveis
para tanto (CYRINO & GRŸSCHEK, 1997; ZANIBONI, 1997; LOVSHIN & CYRINO,
1998; MELO, et al. 2001; SILVA et al., 2000). Por estas razões, atualmente é o peixe nativo
mais produzido no Brasil e nos países amazônicos, também sendo criado no Panamá, Cuba,
México, Estados Unidos, Tailândia, China, Taiwan e outros (GUERRA et al., 1996;
ARAÚJO-LIMA & GOULDING, 1998).
1.3 Potencial de utilização de subprodutos do despolpamento de frutas na alimentação
de peixes
As condições edafoclimáticas, propícias à fruticultura no Brasil, têm conferido,
atualmente, excelentes índices de produção ao país, proporcionando ao mesmo configurar em
segundo lugar no ranking de maior produtor mundial de frutas. A última estatística de
produção de frutas brasileiras, datada de 2007, e registrada pelo Instituto Brasileiro de
Fruticultura-IBRAF, computou uma produção de aproximadamente 43 milhões de toneladas
de frutas. Naquele ano, de acordo com dados da FAO, citados em MENDES (2007), cerca de
40% do total das frutas processadas para produção de sucos e polpas são resíduos. Isso
comprova o aumento da capacidade do processamento da agroindústria frutícola, contudo, os
resíduos gerados oneram os custos operacionais da mesma, uma vez que requerem destino
apropriado.
Quaisquer fatores que possam alterar os custos das rações influenciarão os custos
finais de produção. Reduzi-los, significará ao piscicultor maior rentabilidade na atividade.
Alguns estudos têm revelado ser possível o uso de resíduos vegetais como ingredientes em
rações para peixes, com bons resultados no desempenho zootécnico dos mesmos (MORI-
25
PINEDO et al., 1999; SILVA et al., 2003; KAUSHIK et al., 2004; KALITA et al. 2006;
OISHI, 2007).
A maioria dos resíduos empregados nos estudos de digestibilidade aparente é
proveniente das cascas e sementes, que são conhecidas por apresentarem diversos fatores
antinutricionais (FRANCIS et al., 2001; BARCELOS et al., 2001). Estes são substâncias que
dificultam ou impedem a utilização do alimento pelos animais, seus processos digestivos,
podem afetar a saúde do animal, com reflexos no desempenho produtivo dos peixes
(THORPE & BEAL, 2001).
O alto preço de mercado de alguns ingredientes utilizados na fabricação de ração
constitui fator para o aumento dos custos com alimentação em piscicultura. Dependendo da
região, em que se encontra o cultivo, esses custos podem ser mais altos ainda, exemplo típico
da região Norte, distante dos principais pólos cerealistas do país. Uma alternativa à redução
de custos com alimentação para peixes na região seria a utilização de ingredientes alternativos
locais, de baixo valor comercial e elevados valores nutritivos, que possam substituir os
ingredientes tradicionais.
1.3.1 Cupuaçu: seus subprodutos e uso
O cupuaçu, Theobroma grandiflorum (Willdenow ex Sprengel) Schumann, pertence à
Família Sterculiaceae a mesma do cacaueiro, e é originário da região amazônica, podendo ser
encontrado em outras regiões do país. O nome cupuaçu provém da língua Tupi (kupu = que
parece com cacau + uasu = grande), sendo o mais comum, contudo, recebe outras
denominações como: pupu e pupuaçu no português e copasú, cupuasú e cacao blanco no
espanhol (GONDIM et al., 2001).
Ele é uma espécie arbórea com porte variando de 4 a 8 m de altura, quando em
cultivos racionais, porém, em condições de bosque tropical úmido pode alcançar os 20 m de
26
altura. A floração é concentrada entre outubro-novembro, apresentando em média 3.500
flores, com taxa de “vingamento” de frutos baixíssima (0,5%), correspondendo entre 15 a 20
frutos maduros, comum entre espécies tropicais. Estes têm as características de drupa e de
baga, apresentando-se de forma alongada e com as extremidades arredondadas, classificando-
se em diferentes formatos. O comprimento varia de 12 a 25 cm e o diâmetro de 10 a 12 cm.
Seu peso situa-se entre 500 e 4.500g, com média de 1.275g. As sementes estão dispostas no
interior do fruto em cinco fileiras verticais, em média de 32 unidades por fruto, com diâmetro
entre 2,0 a 3,5 cm, correspondendo a aproximadamente 20% do peso do fruto (GONDIM et
al., 2001; CARVALHO et al.,2004).
A polpa, que corresponde de 35% a 45% do peso do fruto, é ácida, de cor amarela,
branca ou creme, de sabor e aroma agradáveis, sendo consumida, principalmente, na forma de
suco, sorvete, picolé, creme, iogurte, doce, compota, bolo, licor e geléias dentre outras
iguarias. A produção brasileira de polpa de cupuaçu se situa entre 12.000 e 15.000 t/ano,
sendo que mais de 80% é oriunda de pomares comerciais (CARVALHO et al., 2004).
A produção de cupuaçu apresenta-se concentrada na região Amazônica e tem como
principais produtores os estados do Pará, Amazonas, Roraima e Acre. O Pará é o grande
destaque de produção, sendo que a maior parte é proveniente do extrativismo e semi-
extrativismo, em virtude de ser área de dispersão natural (MOREIRA, 2009). Em 2005, a
produção de cupuaçu no Brasil chegou perto da casa de 200 milhões de frutas. Naquele
mesmo ano, o estado do Amazonas produziu 20 milhões, correspondendo a 10% do total
nacional e com crescimento da ordem de 16% em relação ao ano anterior
(SETEC/MEC,2007).
O valor econômico do cupuaçu está baseado, principalmente, na industrialização e
comercialização da sua polpa, apreciada sob várias formas de processamentos culinários.
Apesar de constituírem cerca de 20% do peso do fruto e possuírem alto valor nutritivo, as
27
sementes são praticamente descartadas no beneficiamento deste. Em função de suas
propriedades, ela é considerada valiosa, pois possui semelhança botânica e química com a
semente de cacau, possibilitando a sua utilização na fabricação de produtos similares ao
chocolate e na indústria de cosméticos, por uso de sua gordura branca, bastante semelhante a
da manteiga de cacau (CARVALHO et al., 2004; COHEN et al., 2005). O processo de
industrialização das sementes de cupuaçu ocorre de modo semelhante ao das sementes de
cacau, que inclui as etapas de fermentação, secagem e torração.
Após o despolpamento dos frutos, a semente passa pelo processo de fermentação
(média de 7 dias), que é essencial, pois é a etapa responsável pelo desenvolvimento dos
precursores e inúmeros compostos de sabor. O processo de fermentação das sementes inicia-
se naturalmente pela ação da atividade microbiana na polpa mucilaginosa, que envolve a
semente. Os produtos do metabolismo dos microrganismos principalmente álcool, ácidos
orgânicos e o calor gerado nos primeiros dias de fermentação provocam a destruição do poder
germinativo da semente e desencadeiam importantes transformações físico-químicas e
estruturais (CARVALHO, 2004).
O processo de secagem, que se segue após o fermentativo, expõe as sementes ao sol,
em secadoras de tela, por aproximadamente 15 dias. O processo é finalizado pela torrefação
das sementes em secadora aquecida por caldeira. Logo após, as mesmas passam por uma
prensa mecânica, para separação do óleo, extraindo-se aproximadamente 80% deste, gerando
um resíduo denominado torta de cupuaçu, com aproximadamente 20,4% de extrato etéreo
total e 19,5% de proteína bruta (PEREIRA, 2009), que serve como adubo e pode ser
aproveitado para produção do cupulate (chocolate de cupuaçu). O óleo, após beneficiamento,
segue para a indústria de cosméticos.
28
CARVALHO et al. (2008) caracterizaram o teor de proteína total e de aminoácidos
totais de amêndoas fermentadas e torradas de cupuaçu, constatando alto valor biológico e
maiores teores de aminoácidos indispensáveis (leucina, isoleucina e tirosina) em comparação
às amêndoas de cacau, segundo LOPES et al., (2008), e o escore do Institute of Medicine
(2002).
O cupuaçu está entre as frutas nativas mais consumidas, com crescente procura tanto
no Brasil como no exterior. Ela está inserida em programas agroflorestais e de arranjos
produtivos de fruticultura na região Norte (ANDRADE et al., 1998; SETEC/MEC, 2007).
Estes programas, graças ao aumento da demanda, têm sido desenvolvidos sob a expansão da
agroindústria de sua polpa, contudo, a produção do resíduo gerado pelo despolpamento
também tem aumentado, representando um possível empecilho dessa atividade no futuro, com
a geração de toneladas de lixo orgânico.
O aproveitamento do resíduo vegetal (a semente desengordurada), como ingrediente
substitutivo em rações para peixes, poderá diminuir o impacto ambiental que a expansão da
agroindústria de polpa de frutas poderá causar na região. Algumas pesquisas têm sido
realizadas visando o aprimoramento da utilização do fruto do cupuaçuzeiro, em especial de
sua semente (LOPES et al., 2003; PEREIRA, 2009).
1.4 Digestibilidade
1.4.1 Considerações gerais
A maximização da aquicultura comercial está atrelada ao incremento do crescimento e
sobrevivência, com menor custo possível, portanto, grande importância deve ser dada ao
conhecimento fisiológico e metabólico dos organismos cultivados, definindo-se dietas
comerciais adequadas aos requerimentos nutricionais de cada espécie íctica, considerando os
diferentes estádios ontogenéticos envolvidos ao longo do cultivo.
29
O alimento, após ingestão, passa por diversos processos que se combinam para
proporcionarem a digestão propriamente dita, culminando com a absorção dos nutrientes e
excreção dos resíduos do metabolismo. Processos mecânicos, químicos e microbianos estão
envolvidos nessa tarefa, compreendendo, respectivamente, a mastigação, contrações do tubo
digestivo, secreção enzimática nos diversos sucos digestivos do animal, e a atividade
microbiana dos alimentos que também é enzimática, porém realizada por bactérias e
protozoários presentes geralmente na porção final do tubo digestivo (ROTTA, 2003).
Diferentes componentes dos alimentos podem, em conjunto, apresentar percentagens
corretas de nutrientes, contudo, podem não produzir um crescimento apropriado, devido a não
disponibilidade dos mesmos (EZQUERRA et al., 1997). As características e composição de
cada alimento, assim como a morfologia do aparelho digestivo, da fisiologia de seu
funcionamento e as condições ambientais são fatores de grande influência na eficiência da
digestibilidade (LEE & LAWRENCE, 1997), e precisam ser melhor compreendidos seus
mecanismos de influência e inter-relação.
ANDRIGUETTO et al. (1990) afirmaram que a digestibilidade de uma dieta é
definida como a habilidade com que o animal digere e absorve os nutrientes contidos no
alimento e é quantificada pela determinação dos coeficientes de digestibilidade daquele.
1.4.2 Digestibilidade in vivo
A determinação da digestibilidade dos nutrientes de uma matéria prima é o primeiro
passo quando se pretende avaliar seu potencial de inclusão numa dieta para peixes
(PEZZATO et al, 2004). A digestibilidade de um ingrediente da ração depende
principalmente de sua composição química aliada à capacidade digestiva da espécie estudada
(MCGOOGAN & REIGH, 1996). Desta maneira, quanto mais digestíveis forem os nutrientes
30
de uma ração, maiores serão as suas disponibilidades para absorção e menores as quantidades
excretadas pelo peixe (COSTA-PIERCE, 2002).
O potencial de um ingrediente em possibilitar crescimento aos peixes pode ser
avaliado por experimentos de dose/resposta entre o nível de inclusão do ingrediente na ração e
os índices de desempenho zootécnico. Por outro lado, a qualidade do ingrediente pode ser
avaliada através de variáveis de desempenho que expressem quão eficientemente os nutrientes
são retidos através do crescimento, o que freqüentemente envolverá a coleta de dados sobre o
consumo de alimento e incremento corporal (JOBLING, 2001).
A maneira mais prática e comum de determinar a digestibilidade é a indireta. O
método consiste na inclusão de uma substância inerte (marcador externo) na ração ofertada ao
peixe e, na posterior coleta das fezes, marcadas para determinação, será obtido, por cálculo
matemático, o percentual de nutrientes e energia absorvidos (JOBLING, 2001). Dentre os
marcadores fecais externos, o óxido de cromo III (Cr2O3) se apresenta como o mais
empregado em estudos de digestibilidade com peixes, com as vantagens de substituir a coleta
total de fezes e proporcionar economia de tempo e custos (PEZZATO et al., 2004)
Existem várias metodologias para coleta de fezes em estudos de nutrição com peixes.
De acordo com SALLUM (2000), o seu desenvolvimento visa, principalmente, a contornar
situações tais como o estresse dos animais pelo manuseio nos métodos de pressão abdominal,
sucção anal, contenção em câmara metabólica ou alimentação forçada, o sacrifício dos
animais do método de dissecação intestinal e a lixiviação de nutrientes e de energia,
principalmente das fezes.
Em um estudo realizado por ABIMORAD & CARNEIRO (2004), foram avaliados
quatro métodos de coleta de fezes (dissecação, extrusão, sistema de Ghelph e sistema de
Ghelph modificado), e o tempo mais eficiente para coleta de fezes nos sistemas de Guelph,
analisando o coeficiente de digestibilidade da proteína bruta de uma dieta para o pacu
31
(Piaractus mesopotamicus). Os autores relataram que todos os métodos estudados podem ser
adotados com segurança para a espécie estudada, desde que sejam rigorosamente aplicados, e
o intervalo de tempo entre as coletas de fezes em estudos de digestibilidade, por intermédio
dos sistemas de Guelph, não deve ultrapassar 30 minutos. Como as informações obtidas com
uma espécie não devem ser generalizadas exatamente para outras, devido a fatores específicos
como comportamento e consistência das fezes, novos estudos deveriam ser realizados e
podem ser tão importantes a ponto de impedir a utilização de determinados métodos.
KITAGIMA & FRACALOSSI (2010), objetivando determinar o coeficiente de
digestibilidade aparente para o catfish americano (Ictalurus punctatus), com peso médio de
100 a 172 g, em intervalo de 6 h entre as coletas, observaram que a digestibilidade da proteína
aumentou com intervalos de coleta de fezes de 1, 6 e 12 h, indicando aumento na lixiviação
deste nutriente à medida que aumentou o tempo de exposição das fezes à água.
1.4.3 Digestibilidade in vitro
A tecnologia de determinação da digestibilidade in vitro, em estudos de nutrição de
organismos aquáticos, surge como uma ferramenta capaz de predizer o potencial de
digestibilidade de cada componente ou mesmo da própria dieta formulada em pequenas
quantidades destes, em pouco tempo de ensaio e com melhor custo-benefício (LEMOS et al.,
2004).
Os estudos iniciais de digestibilidade in vitro eram baseados na análise da ação de
uma única enzima, contudo, estudos mais recentes têm demonstrado que análises de conjuntos
enzimáticos, extraídos do aparelho digestivo dos peixes estudados, simulam de forma mais
aproximada o sistema digestivo animal, com resultados que se correlacionam em maior
intensidade com as análises de digestibilidade in vivo (CARTER et al., 1999; CHONG et al.,
2002; LEMOS et al., 2004).
32
A maioria dos trabalhos de digestibilidade in vitro foi realizada em animais
homeotérmicos não sendo possível a extrapolação dos resultados para pecilotérmicos. Para os
organismos aquáticos, já foram desenvolvidos diferentes métodos que analisam a
digestibilidade protéica in vitro. Um destes métodos é o “pH-drop”, que apesar de suas
qualidades, vem demonstrando superestimar os valores de digestibilidade de alimentos pobres
em proteínas e subestimar amostras ricas em proteínas. Além disso, ele demonstrou ser
influenciado pela capacidade tamponadora da suspensão protéica (DIMES & HAARD, 1994;
EZQUERRA et al., 1997).
EZQUERRA et al. (1997) desenvolveram uma metodologia alternativa para predizer
a digestibilidade da proteína para camarão marinho (Litopenaeus vannamei): o “pH-stat”. As
vantagens desse método, em ralação ao pH-drop, são que, durante o processo de digestão, o
pH é mantido constante, sem necessidade de um tampão fisiológico e a taxa de hidrólise
protéica pode ser estimada durante o processo de digestão, através da avaliação dos dados
obtidos na curva de titulação. Alguns trabalhos tem se valido dessa técnica (CAVALCANTI,
1998; LEMOS et al., 2004; MOTIKAWA, 2006)
Apesar das técnicas in vitro de determinação da digestibilidade protéica de um
alimento não poder substituir, na atualidade, os experimentos de digestibilidade aparente, já
podem ser utilizadas como fonte de resultados do potencial de digestibilidade de cada
componente ou mesmo da própria dieta formulada (FENERCI et al., 2005; TOHEIM et al.,
2007).
Os ensaios in vitro podem ser diferenciados pela quantidade e tipo de enzima
utilizada, condições de hidrólise, método de digestão fracionada e a forma como a hidrólise é
testada (HIDALGO et al., 1999).
LAZO et al., 1998, avaliando três métodos in vitro para estimar a digestibilidade da
proteína para o camarão branco (Litopenaeus vannamei), inclusive um simples sugerido por
33
eles, concluíram: utilizando a variação de pH do meio reativo (amostra + enzima) em
comparação a uma fonte padrão de proteína, pode-se predizer o grau de hidrólise das amostras
analisadas com bom índice de significância e, quando comparado ao método in vivo, também
há boa correlação, reafirmando sua qualidade como método in vitro.
Estudos recentes, aplicando diferentes metodologias in vitro inclusive a combinação
entre as mesmas, foram realizados para determinar a digestibilidade da fração protéica de
alimentos para peixes (MOYANO & SAVOIE, 2001; CHONG et al., 2002; FENERCI
&SENER, 2005; TONHEIM et al., 2007).
1.5 Enzimas
As enzimas são proteínas globulares, de estrutura terciária ou quaternária, que agem
como catalisadores biológicos, possibilitando e ou aumentando a velocidade das reações
químicas no organismo. A estrutura molecular das enzimas é bastante frágil e,
conseqüentemente, pode ser desnaturada por calor, álcalis, metais pesados e outros agentes
oxidantes (NELSON & COX, 2002).
De acordo com estes mesmos autores, todas as enzimas possuem as seguintes
características: não apresentam modificações ao final da reação, atuam em quantidades muito
pequenas e aceleram a velocidade da reação sem modificar a posição de equilíbrio de uma
reação reversível.
1.5.1 Enzimas digestivas em peixes e a microflora
As pesquisas têm mostrado uma ampla convergência entre as atividades digestivas nos
peixes teleósteos adultos (BALDISSEROTTO, 2009) e as existentes nos vertebrados
superiores, o que sugere que o equipamento enzimático é, em grande parte, análogo. As
diferentes células glandulares do estômago secretam proteases (pepsina, tripsina,
34
quimiotripsina) e ácido clorídrico (ROTTA, 2003), sendo a pepsina dos peixes considerada
análoga à dos mamíferos.
A digestão no intestino ocorre devido à ação de distintos produtos secretados pela
parede intestinal e também por glândulas anexas (pâncreas e fígado). O pâncreas lança no
intestino enzimas digestivas diversas: proteases, carboidrases e lipases. A bílis proveniente do
fígado aporta, primordialmente, os sais biliares e parece ter uma composição e função
análogas à bílis de vertebrados superiores (ROTTA, 2003).
Nos mamíferos, a amilase é produzida por células salivares ou pancreáticas, enquanto
a única fonte de α-amilase em peixes parece ser o pâncreas exócrino, visto que os mesmos
não possuem glândulas salivares. Alta atividade de amilase ocorre no fígado e biles de
algumas espécies de carpa e goldfish que possuem hepatopâncreas (KROGDAHL et al.,
2005).
Várias enzimas intestinais envolvidas nos processos de digestão e absorção têm sido
reportadas em tambaqui, como amilase, maltase, pepsina, tripsina e quimotripisina (CORRÊA
et al., 2007). A atividade das carboidrases no trato digestório de peixes parece ser diretamente
associada ao nível de carboidrato na dieta (MORAES & BIDINOTTO, 2000). Como outros
peixes onívoros, o tambaqui apresenta maior atividade de carboidrase do que de protease e
uma pequena atividade de lipase, comparada aos peixes carnívoros (KUZ’MINA et al. 1996;
LUNDSTEDT, 2003; MELO, 2004).
Existem enzimas que não são secretadas, mesmo na presença de substrato. Entre estas
enzimas, destacam-se a celulase, a hemicelulase, a xilanase e a fitase, dentre outras. Essas
enzimas não são secretadas devido ao fato de os monogástricos não possuírem os respectivos
genes responsáveis (PENZ JÚNIOR,1998).
A microbiota aquática exerce um importante papel na formação da microbiota do trato
digestivo dos peixes, pois estes estão em constante contato com a água (STROM &
35
OLAFSEN, 1999). Sendo rico em nutrientes, o ambiente do trato digestivo de peixes, em
comparação com o da água, confere um ambiente mais favorável para o crescimento dos
microorganismos. Recentemente, diversas comunidades microbianas têm sido reportadas no
intestino de peixes de várias espécies (BAIRAGI et al., 2002; GHOSH et al., 2002).
Enzimas provenientes dessa microflora intestinal podem ter um papel significativo no
processo de digestão, especialmente para substratos como a celulose, que poucos animais
podem digerir e também para outros substratos (DE SILVA & ANDERSON, 1998).
Assim como as dietas geralmente são compostas por carboidratos resistentes às
enzimas digestivas endógenas (ANNISON, 1993), a fermentação microbiana e a síntese de
nutrientes são mecanismos importantes para os organismos que utilizam dietas ricas em fibra
(DE SILVA & ANDERSON, 1998).
O uso de ingredientes de origem vegetal como fonte de proteína não convencional,
para substituir a onerosa farinha de peixe na formulação de dietas para peixes, dá origem a
uma nova área de pesquisa para produzir alimentos com uma melhor relação custo/benefício.
Devido ao aumento da escassez de farinha de peixe de boa qualidade, pesquisas têm sido
realizadas com o objetivo de analisar o valor nutricional de ingredientes de origem vegetal e
aumentar a biodisponibilidade de nutrientes por meio da degradação fermentativa (SAHA et
al., 2006).
1.5.2 Proteases
A digestão das proteínas em peixes começa no estômago. O ácido clorídrico produzido
pela mucosa estomacal ativa o pepsinogênio, transformando-o na enzima pepsina, que
apresenta ótima atividade em pH 2. Esta endopeptidase apresenta importância diferenciada
entre carnívoros e herbívoros, proporcionando, respectivamente, o início da digestão das
36
proteínas por atacarem suas ligações peptídicas e capacitação da decomposição da clorofila e
quebra das paredes celulares das algas verde-azuladas (ROTTA, 2003).
CORRÊA et al., 2007, estudando o efeito do aumento dos teores de milho numa dieta
para tambaqui, observaram que somente as proteases ácidas atuaram na digestibilidade da
proteína dietética, supondo que a ação destas estava diretamente relacionada com os teores
protéicos da dieta.
Na superfície luminal do intestino são produzidas as peptidases que são classificadas
em aminopeptidases, dipeptidases e tripeptidases as quais liberam os aminoácidos livres e
peptídeos. Existem também as que atuam sobre os ácidos nucléicos, as nucleotidases,
liberadas pelo suco pancreático. As proteases de origem pancreática e intestinal apresentam
maior atividade em condições alcalinas (HIDALGO et al., 1999). Essas enzimas são liberadas
pelo pâncreas no início do intestino e nos cecos pilóricos (ROTTA, 2003).
As proteases alcalinas, tripsina e quimotripsina, parecem ser normalmente restritas a
algumas partes do trato digestório, como ocorreu em estudos com Lates calcarifer
(SABAPATHY & TEO, 1993) e Colossoma macropomum (CORRÊA, 2007), em que os
autores as observaram atuando somente nos cecos pilóricos e intestino dessas espécies.
A Tabela 1 mostra algumas proteases caracterizadas e encontradas em diferentes
porções do trato digestório de algumas espécies de peixes, segundo os respectivos autores que
as caracterizaram.
37
Tabela 1. Proteases ácidas e alcalinas encontradas em diferentes partes do trato digestório de espécies de peixes.
Espécie Órgão Proteases Alcalinas
Proteases Ácidas Referência
Cyprinus carpio Carassius auratus
Sparus aurata Oncorhynchus mykiss
Cecos pilóricos e intestino
Proteases alcalinas totais Hidalgo et al. (1999)
Caranx hippos Pseudopeneus maculatus
Sparisoma sp Hoplias malabaricus
Cecos pilóricos e intestino
Serina protease e Cisteína Protease
Alencar et al.
(2003)
Sardinops sagax caerulea Estômago Áspártico
protease Catillo-Yãnez et al.
(2004)
Colossoma macropomun Cecos
pilóricos e intestino
Tripsina e Quimotripsina
Corrêa et al. (2007)
38
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48
CAPÍTULO I
DIGESTIBILIDADE APARENTE DA TORTA DE CUPUAÇU (Theobroma grandiflorum) VISANDO SUA INCLUSÃO EM RAÇÃO
PARA JUVENIS DE TAMBAQUI ( Colossoma macropomum)
49
DIGESTIBILIDADE APARENTE DA TORTA DE CUPUAÇU (Theobroma
grandiflorum) VISANDO SUA INCLUSÃO EM RAÇÃO PARA JUVENIS DE
TAMBAQUI ( Colossoma macropomum)
Resumo: O estudo teve como objetivo avaliar a digestibilidade aparente de um ingrediente
alternativo (torta de cupuaçu), visando seu uso substitutivo protéico em rações para juvenis de
tambaqui. Duzentos juvenis de tambaqui, peso médio 87,2 ± 6,3g, foram distribuídos em 10
cones de fibra de vidro, adaptados para estudos de digestibilidade, com circulação de água e
aeração constantes, por 60 dias. O delineamento experimental constou de dois tratamentos:
ração comercial (T0) e ração comercial com inclusão de 30% de farinha de torta de cupuaçu
(T1), com 5 repetições. Diariamente, às 8:00 h, foram monitoradas as variáveis físico-
químicas da água (oxigênio dissolvido, pH, temperatura e condutividade). Utilizou-se o
método indireto para avaliação dos coeficientes de digestibilidade aparente (CDA), com a
inclusão de 0,5% de óxido de cromo (Cr2O3) nas rações experimentais. Os resultados
revelaram os seguintes CDAs: 85%, 95%, 89% e 89% para matéria seca (MS), extrato etéreo
(EE), proteína bruta (PB) e carboidratos (ENN), respectivamente, para a ração comercial;
66%, 94%, 71% e 69%, para os mesmos nutrientes estudados, para a ração comercial com
inclusão de 30% de torta de cupuaçu. Os CDAs dos principais nutrientes estudados foram
reduzidos com a inclusão de 30% de torta de cupuaçu em uma ração comercial, mostrando
que esse nível de inclusão, segundo as condições desse ensaio, é inadequado para nutrição de
juvenis de tambaqui.
Palavras-chave: Piscicultura, nutrição animal, proteína vegetal, ingrediente alternativo
50
APPARENT DIGESTIBILITY OF PIE CUPUAÇU (Theobroma grandiflorum) AIMING
FOR INCLUSION IN FEED FOR JUVENILES TAMBAQUI (Colossoma macropomum)
Abstract: This study aimed to evaluate the apparent digestibility of an alternative ingredient
(cupuaçu pie), to use protein substitute in diets for juvenile tambaqui. Two hundred juvenile
tambaqui, average weight 87.2 ± 6.3 g were distributed in 10 glass-fiber cones, adapted for
digestibility studies with water circulation and aeration constant for 60 days. The
experimental design consisted of two treatments: commercial diet (T0) and commercial diets
with inclusion of 30% flour pie cupuaçu (T1), with five repetitions. Every day at 8:00 am,
were monitored physico-chemical variables of water (dissolved oxygen, pH, temperature and
conductivity). We used the indirect method to evaluate the apparent digestibility coefficients
(ADC), with the inclusion of 0.5% chromium oxide (Cr2O3) in the experimental diets. The
results revealed the following VDCs: 85%, 95%, 89% and 89% for dry matter (DM), ether
extract (EE), crude protein (CP) and carbohydrates (NFE), respectively, for the commercial
feed; 66 %, 94%, 71% and 69% for the same nutrients studied, for the inclusion of
commercial diets with 30% cupuaçu pie. The ADCs of the main nutrients studied were
reduced with the inclusion of 30% of the pie cupuaçu a commercial diet, this test tambaqui,
and inadequate nutrition of this species.
Keywords: fish farming, animal nutrition, plant protein alternative ingredient
51
1 INTRODUÇÃO
A piscicultura brasileira vem apresentando um ritmo crescente de produção,
acompanhando à tendência mundial aquícola (FAO, 2009). Segundo dados do Ministério da
Pesca e Aquicultura (2010), ela, sozinha, apresentou um crescimento de 60,2% em 2008 e
2009, em comparação com 2007.
Na região amazônica, a produção de peixes em cativeiro tem sido vista como uma das
mais promissoras nesta atividade, tendo apresentado no ano de 2007 um crescimento de
18,3%, sendo maior que o registrado para as regiões Sul (2,6%) e Sudeste (-1,3%), estando
em terceiro lugar logo após o Nordeste (22%) e o Centro-Oeste (18,5%) do país (IBAMA,
2007).
Em piscicultura intensiva, a alimentação representa uma parte importante nos custos
dos cultivos, contribuindo com 40 a 60% dos custos operacionais (CHENG et al., 2003),
podendo ser maior, dependendo da região, do sistema aplicado ou da espécie cultivada. O uso
de alimentos de má qualidade associado a estratégias de alimentação inadequadas
correspondem à grande parte dos problemas de qualidade da água de cultivo, potencializando,
assim, o aumento dos custos operacionais (KUBITZA, 2003).
Estudos sobre exigências nutricionais das espécies aquáticas, que visam diminuir os
impactos ambientais e o custo dos alimentos, têm se tornado indispensáveis para o
desenvolvimento da aqüicultura (MUÑOZ-RAMIREZ & CARNEIRO, 2002).
As cascas e as sementes são as fontes de resíduos vegetais mais empregados em
estudos de digestibilidade aparente animal, no entanto, apresentam vários fatores
antinutricionais (FRANCIS et al., 2001) e elevados teores de fibra bruta (NRC, 1993;
KAUSHIK et al., 2004), que são componentes químicos presentes nestas matérias primas e
seus teores exercem grande influência sob o aproveitamento digestivo da dieta pelos animais,
podendo ainda comprometer a saúde física e o desempenho produtivo.
52
Resultados de estudos realizados com tambaqui por diferentes autores demonstram a
possibilidade de substituição total de alimentos de origem animal, notadamente a farinha de
peixe, por ingredientes de origem vegetal sem grandes prejuízos ao desempenho dos animais,
comprovando que espécies onívoras são capazes de utilizar, de forma eficiente, diferentes
fontes de proteína dietética, convertendo-as em proteína corporal (VIDAL JR. et al., 2004;
PEREIRA JR., 2006; OISHI, 2007, ANSELMO, 2008).
A agroindústria de frutas tem crescido bastante no Brasil nos últimos anos (IBRAF,
2007). Do total de frutas processadas, 40% são resíduos que precisam de um destino
apropriado (MENDES, 2007). Baseado nesse percentual de resíduos gerados, o Estado do
Amazonas, que produziu 20 milhões de frutos de cupuaçu, em 2005 (SETEC/MEC, 2007),
gerou aproximadamente 8 milhões de toneladas do resíduo torta (semente desengordurada),
que a agricultura do estado sozinha não comporta absorver como insumo agrícola.
A região amazônica não produz, nas quantidades necessárias, os ingredientes
tradicionais utilizados em rações para peixes e o que é importado apresenta características que
dificultam seu armazenamento por longos períodos. Uma alternativa na região, para baratear
os custos com alimentação para peixes, seria a utilização de ingredientes alternativos locais.
Diante das considerações acima, objetivou-se avaliar a digestibilidade aparente da
torta de cupuaçu, resíduo da agroindústria dessa fruta, visando seu uso em ração para juvenis
de tambaqui (Colossoma macropomum).
53
2 MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi realizado nas dependências da Coordenação de Pesquisa em
Aqüicultura – CPAQ, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.
2.1 Beneficiamento da Torta de Cupuaçu em Farinha para as Rações
A amêndoa semi-desengordurada de cupuaçu (torta), resíduo proveniente da
agroindústria de polpa de frutas existente em Manaus, foi a matéria prima utilizada nos
estudos de digestibilidade in vivo. Ela foi obtida junto à empresa Cupuama, localizada na
cidade do Castanho, no município do Careiro-AM.
O processamento da torta se iniciou com uma extração máxima da polpa que recobre
as sementes, seguido do depósito destas em caixas de madeira (190cm x 120cm x 60cm), com
fundo telado, permanecendo por aproximadamente 3 dias, para redução do teor de umidade.
Cada caixa foi coberta por plástico, para proteção contra chuva. Esta pré-secagem foi seguida
pelo processo de fermentação através de inóculo com levedura, sendo favorecida sua retenção
de calor, por cobertura de cada caixa com sacos de aniagem. A fermentação durou
aproximadamente 7 dias, com revolvimento diário das sementes. Em seguida, estas foram
acondicionadas em secadores solares, durante 4 dias, com revolvimento por duas vezes ao dia,
visando remoção uniforme da umidade e impedimento de proliferação de mofo, ficando assim
até obtenção de produto com aproximadamente 93% de matéria seca.
As etapas seguintes foram de quebra grosseira das amêndoas, torrefação em forno
industrial, por 50 minutos, com temperatura regulada para 100º C e prensagem, para extração
do óleo vegetal, em prensa mecânica com eixo helicoidal e capacidade de processamento de
300 kg de amêndoas por hora. Finalmente, o óleo extraído desse processo foi filtrado e
armazenado em galões plásticos, sendo a torta recolhida e ensacada.
54
Ao chegar a Coordenação de Pesquisa em Aqüicultura, a torta foi moída em moinho
elétrico, com matriz de seleção inferior a 1 mm. Após a moagem, o produto obtido (farinha)
foi acondicionado em saco de ráfia, sob refrigeração a 25° C. Uma amostra foi retirada e
enviada para análise de composição centesimal.
2.2 Elaboração da Ração Teste
Com o intuito de se determinar a digestibilidade aparente do ingrediente teste (torta de
cupuaçu), as rações utilizadas no experimento foram obtidas segundo metodologia descrita
por BUREAU et al., (1999), que recomenda a inclusão de 30% do ingrediente teste em uma
ração comercial base.
Dois sacos de uma ração comercial de 25 kg foram adquiridos no comércio varejista
de Manaus. Um foi utilizado como ração controle e o outro como base para ração teste.
Para obtenção da ração teste, foram retirados 7,5 kg de ração comercial, do peso total
do saco e inseridas as mesmas medidas de torta de cupuaçu. A seguir, cada ração foi moída e
misturada em betoneira, por 20 minutos, para homogeneização do produto. Após a moagem,
0,5% de óxido de cromo III foi adicionado para determinação das digestibilidades.
Por fim, cada ração foi peletizada e a secagem do produto final foi feita em estufa,
com circulação forçada de ar, com temperatura interna de 55º C, por 12 h. As rações foram
conservadas em sacos de ráfia e armazenadas em ambiente com temperatura de 25º C.
2.3 Manejo dos Peixes
Os peixes foram adquiridos na fazenda comercial Santo Antônio, Rio Preto da
Eva/AM, e transportados até a CPAQ - INPA.
Quatrocentos juvenis de tambaqui, com peso médio de 35 g, foram previamente
aclimatados às condições experimentais, por 15 dias, em tanque de alvenaria (4m3), com
55
renovação de água e aeração constante. Os parâmetros de qualidade de água (oxigênio
dissolvido, temperatura, condutividade e pH) foram monitorados diariamente às 8:00 h.
Os animais foram alimentados com ração comercial com 32% de proteína bruta, duas
vezes ao dia (9:00 h e 16:00 h), até a saciedade aparente. Findo o prazo de aclimatação, os
peixes passaram por uma biometria inicial, separados em lotes homogêneos quanto ao peso, e
levados para os cones de digestibilidade.
As unidades experimentais (10) constaram de cones de fibra de vidro (200 L de
volume útil) adaptados com um sistema coletor de fezes (SCF) em sua porção inferior. Estes
foram abastecidos com água de poço artesiano, com taxa de renovação diária de cinco vezes
do volume total, e aeração constante. Os parâmetros de qualidade de água (oxigênio
dissolvido, temperatura, condutividade e pH) foram monitorados diariamente às 8:00 h. Em
cada unidade experimental, foram colocados 20 peixes que eram alimentados duas vezes ao
dia (9:00 h e 16:00 h) até a saciedade aparente.
2.3.1 Biometria
Duas biometrias foram feitas durante o experimento, sendo uma no dia de
transferência dos peixes para os cones e a outra no último dia de criação. O peso dos animais
foi obtido em balança digital, com meio grama de precisão.
Para reduzir o estresse durante o manejo biométrico, os peixes foram anestesiados
com anestésico 2-phenoxyethanol (5mL/20L de água).
2.4 Critérios de Avaliação da Digestibilidade
2.4.1 Método de Coleta de Fezes por Decantação
Os peixes foram alimentados duas vezes ao dia (9:00 h e 16:00 h). Durante esse
intervalo de alimentações, três colheitas de fezes foram realizadas, uma antes da primeira
alimentação do dia, a segunda 4 horas depois da primeira alimentação e a terceira colheita foi
56
realizada antes da última alimentação do dia. O excesso de água encontrado no recipiente
coletor de fezes era descartado de forma que se obtivesse maior volume fecal possível.
As fezes foram homogeneizadas em potes plásticos, separados 1 para cada cone,
totalizando 10 potes, congelados em freezer, e finalmente enviados para liofilização e análises
bromatológicas.
O período de coleta iniciou-se após 10 dias de adaptação dos animais aos cones de
digestibilidade e durou o tempo necessário para que se juntasse a quantidade aproximada de
100 gramas por pote de coleta para as análises centesimais.
2.4.2 Determinação dos Coeficientes de Digestibilidade
Os coeficientes de digestibilidade aparente (CDA) da matéria seca, proteína bruta,
extrato etéreo e extrato não nitrogenado dos nutrientes das rações experimentais foram
calculados segundo JOBLING (2001).
A=100 – 100[(XA/ XB) x (YB/YA)], Onde:
A = digestibilidade
X A = concentração de marcador na ração
XB = concentração de marcador nas fezes
YA = concentração de nutriente na ração
YB = concentração de nutriente nas fezes.
Os coeficientes de digestibilidade aparente da torta de cupuaçu foram calculados
segundo BUREAU et al. (1999).
CDA IT = CDA DT + [( CDA TI - CDA DC) x ( 0.7 x D R / 0.3 x D I)], Onde :
IT = ingrediente testado
DT = dieta testada
DP = dieta controle
57
R=% do nutriente (ou kJ/g energia bruta) da dieta testada
I= % do nutriente (ou kJ/g energia bruta) do ingrediente testado.
2.5 Análises Químico-Bromatológicas
As análises da composição centesimal das amostras da torta de cupuaçu, das rações
experimentais (Tabela 2) e das fezes coletadas foram realizadas no Laboratório de Nutrição de
Peixes da CPAQ – INPA, conforme metodologia descrita pela A.O.A.C (1997).
Tabela 2. Análise químico-bromatológica (%) das diferentes rações e do ingrediente.
AMOSTRAS UM CZ EE PB FB ENN
R. Comercial (1) 6,6 10,5 3,5 32 3,5 48,1
R. Cupuaçu (30%) 7,1 9,4 5,3 27,8 5,3 40,9
Torta de Cupuaçu 8 6,2 9,2 18,1 14,4 44,1 R. Comercial = ração comercial; R. Cupuaçu (30%) = ração comercial com 30% de torta de cupuaçu; UM = umidade; CZ = cinza; EE = extrato etéreo; PB = proteína bruta; FB = fibra bruta; ENN = extrato não nitrogenado (1) Nutripeixe TR 32 V, Zoofort Suplementação Animal Ind. e Com.
A umidade (UM) foi determinada submetendo a amostra à temperatura de 105°C até
peso constante. A proteína bruta (PB) foi calculada através da determinação do nitrogênio
total, pelo método de micro-kjeldahl. As concentrações de proteína bruta das amostras foram
calculadas multiplicando-se os valores de nitrogênio total pelo fator de conversão 6,25. O
extrato etéreo (EE) foi determinado por extração contínua com o solvente éter de petróleo,
num extrator intermitente em aparelho Soxhlet. As concentrações de cinza total (CZ) foram
determinadas em amostras incineradas em mufla a 550°C durante 3 horas. A fibra bruta (FB)
foi determinada, no resíduo, por digestão ácido-básica de acordo com o método de Weende.
Os valores do extrato não nitrogenado (ENN), carboidratos, foram obtidos pelo cálculo da
diferença entre a totalidade do peso de cada amostra menos os valores percentuais de UM,
PB, EE, FB e CZ.
58
2.6 Determinação do Óxido de Cromo (Cr2O3)
As análises para determinação da concentração de óxido de cromo III nas amostras de
rações e fezes foram realizadas por método colorimétrico, conforme metodologia descrita por
FURUKAWA & TSUKAHARA (1966). A curva de calibração foi calculada a partir da
digestão nitro-perclórica de amostras com concentrações conhecidas de óxido de cromo III. A
leitura foi feita em espectrofotômetro, ajustado para 350 nm de comprimento de onda. As
concentrações de óxido de cromo III nas rações e nas fezes foram determinadas por meio da
equação:
y = a + bx, onde:
y = concentração ótica;
x = concentração de cromo na amostra
2.7 Análise Estatística
O experimento constou de 2 tratamentos, sendo um representativo do nível de inclusão
de farinha de torta de cupuaçu em uma ração comercial, e o controle (ração comercial), em
delineamento inteiramente casualizado com 5 repetições cada, com duração de 60 dias.
Os coeficientes de digestibilidade aparente da matéria seca e dos nutrientes foram
submetidos à transformação arcosseno de sua raiz quadrada antes de serem comparados por
análise de variância unifatorial, seguidos pelo de contraste de médias Tukey (p<0,05).
O programa estatístico Bioestat 5.0 foi a ferramenta empregada para realização dos
cálculos estatísticos.
59
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Variáveis Físico-Químicas da Água
Os valores médios obtidos para as variáveis físico-químicas da água, analisadas
durante os quinze dias de adaptação e 60 dias de criação, estão expressos, respectivamente, na
Tabela 3. Entre os dados obtidos não foram observadas variações que comprometessem a
criação dos animais.
Tabela 3. Variáveis físico-químicas da água monitoradas nos tanques de alvenaria e nos cones. Os valores correspondem à média ± desvio padrão.
Parâmetro Unidades (15 dias) Cones (60 dias)
Tanque 1 Tanque 2 Ração c/ cupuaçu Ração Comercial
OD (mg/L) 4,0 ± 2,76 4,3 ± 1,80 4,2 ± 1,8 3,8 ± 1,8 Temperatura (° C) 27,6 ± 0,57 27,9 ± 0,78 27,1 ± 0,5 27,3 ± 0,6 pH 5,7 ± 0,86 5,4 ± 0,9 4,9 ± 0,0 4,8 ± 0,03
Condutividade (µs/cm2) 28,0 ± 2,76 24,4 ± 7,5 26,1 ± 1,2 25,0 ± 2,12 OD = oxigênio dissolvido
KUBITZA (2003) afirma que os índices padrões para o oxigênio dissolvido, em
ambiente de cultivo, devem ser acima de 4mg/L, para que mantenham o conforto dos peixes e
se evite problemas na produção. De acordo com o mesmo autor, os tecidos, células e
moléculas dos peixes são afetadas diretamente pelas variações de temperatura, que devem
estar entre 25°C e 32°C, sendo consideradas ideais para que se mantenha uma média de
conforto para criação do tambaqui, de forma que se obtenha rápido crescimento dessa espécie
em cativeiro.
O pH é uma das variáveis que influencia bastante os processos fisiológicos dos peixes
em cultivo, sendo ideal numa faixa entre 6,0 a 8,0, porém, existem espécies que vivem na
região amazônica, onde o pH da água dos igarapés muitas vezes varia entre 3,5 a 4,4
(BALDISSEROTTO, 2009).
A capacidade da água em conduzir eletricidade é determinada pela análise da variável
denominada condutividade elétrica, e está relacionada com a quantidade de íons carregados
60
eletricamente nela dissolvidos. Estes íons, quando ocorrem em grandes concentrações, podem
influenciar o equilíbrio osmótico dos peixes. Os dados médios de condutividade registrados
nesse estudo não foram discrepantes o suficiente para comprometer o equilíbrio osmótico dos
animais.
As variáveis físico-químicas da água observados nesse estudo estão de acordo com os
postulados acima, encontrando-se dentro dos índices aceitos para criação do tambaqui.
3.2 Coeficientes de Digestibilidade Aparente
Os coeficientes de digestibilidade aparente (CDA) da matéria seca e dos nutrientes das
duas rações empregadas no estudo e do ingrediente testado estão expressos na Tabela 4. Pode-
se observar que houve diferença significativa ao nível 5% de probabilidade, para os
parâmetros avaliados, entre as diferentes rações, exceto para o extrato etéreo.
Tabela 4. Valores médios dos coeficientes de digestibilidade aparente da matéria seca e dos nutrientes das rações controle, teste e do ingrediente.
AMOSTRAS CDA (%)*
MS EE PROT ENN
Ração comercial 85,0 ± 0,00a 95,0 ± 0,01a 89,0 ± 0,00a 89,0 ± 0,00a Ração c/ cupuaçu (30%) 66,0 ± 0,00b 94,0 ± 0,01a 71,0 ± 0,01b 69,0 ± 0,02b
Torta de cupuaçu 22,0 ± 6,7c 91,2 ± 3,1a 21,3 ± 7,4c 18,6 ± 8,6c MS = matéria seca; EE = extrato etéreo; PROT = proteína; ENN = extrato não nitrogenado. * Letras diferentes na mesma coluna indicam diferença (p<0,05) entre os tratamentos pelo teste de Tukey.
Os resultados positivos para a boa digestibilidade da fração lipídica das rações e do
ingrediente, podem ser explicados pela habilidade que os peixes apresentam em
metabolizarem bem os lipídios (PEZZATO et al., 2004) bem como a torta de cupuaçu ter
apresentado nível lipídico de 9,2%, estando dentro da faixa considerada aceitável (4 a 10%)
para inclusão em dietas para peixes onívoros tropicais, sem comprometimento das suas
funções metabólicas e do desempenho produtivo (KUBITZA, 1999).
Considerando que os valores de digestibilidade aparente de uma dieta está diretamente
relacionada com o potencial digestivo de seus ingredientes pode-se observar que houve uma
61
redução do percentual de digestibilidade aparente da ração comercial com cupuaçu que pode
ser correlacionada com o nível de inclusão do ingrediente teste.
A torta de cupuaçu é proveniente de uma das fontes mais empregadas em estudos de
digestibilidade animal, as sementes. Juntamente com as cascas, elas apresentam altos teores
de fibra bruta e diversos fatores antinutricionais com fortes impactos na utilização da dieta e
nos processos digestivos em peixes (SILVA et al., 2003; LANNA et al., 2004; THORPE &
BEAL, 2001).
A fração fibrosa dos alimentos pode atuar na atividade de enzimas digestivas e
interagir com a parede intestinal, modificando a absorção dos nutrientes (TACON, 1989). Nos
peixes, os compostos fibrosos são sujeitos à digestão por hidrólise ácida no estômago e
especialmente pelas enzimas da flora microbiana intestinal (KAUSHIK, 2004). O excesso de
fibra na dieta diminui a digestibilidade dos nutrientes e aumenta a produção de resíduo fecal,
contribuindo para a poluição do ambiente aquático.
SILVA et al., (2003), estudando o efeito da incorporação de frutos e sementes em
rações para tambaquis, atribuiu aos altos teores de fibra bruta, de ocorrência na embaúba
(28,5%) e no jauari (17,4%), a redução nos coeficientes de digestibilidade totais das dietas.
LANNA et al., (2004), avaliando a digestibilidade aparente e trânsito gastrointestinal
em tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), em função da fibra bruta da dieta, afirmaram que
níveis acima de 7,5% de fibra bruta nas dietas purificadas interferiram significativamente na
digestibilidade aparente da matéria seca, proteína bruta e extrato etéreo. Na literatura não
foram encontrados estudos de nutrição de peixes que empregassem a torta de cupuaçu como
ingrediente substitutivo em dietas.
Os peixes não têm apresentado grande capacidade de digerir diversas fontes de
carboidratos, por não possuírem enzimas que sejam capazes de digerir a celulose e
hemicelulose ou que sejam capazes de quebrar a ligação lignocelulose (NRC, 1993). KHOLA
62
et al. (1992) determinaram a atividade enzimática no trato digestório do tambaqui e não
encontraram qualquer evidência da capacidade dele de digerir enzimaticamente carboidratos
complexos da fibra. Apesar de recentemente alguns estudos terem debruçado esforços na
caracterização enzimática do trato digestório de algumas espécies tropicais, entre elas o
tambaqui, estes têm avaliado a resposta das enzimas digestivas às variações dos teores
amilolíticos da dieta (LUNDSTEDT, 2003; MELO, 2004; ALMEIDA, 2006; CORRÊA et al.,
2007).
Os resultados de baixos índices de digestibilidade para MS, PB e ENN da ração teste
empregada neste estudo, podem ser atribuídos, em parte, aos elevados índices de fibra bruta
detectados para a torta de cupuaçu pela análise bromatológica (14,4%). CARVALHO et al.
(2009) encontraram índices médios de fibra bruta da torta de cupuaçu, na base seca, de 10,8%.
PEREIRA (2009), após estudo de digestibilidade desse ingrediente na alimentação de ovinos,
encontrou valores altos para suas frações fibrosas: celulose (21,5%), hemicelulose (9,6%) e
lignina (14,2%) que reduziram a digestibilidade dos outros nutrientes.
Uma outra razão para estes baixos índices de digestibilidade seria a presença de um
componente químico que possa exercer uma ação antinutricional presente no ingrediente
teste. FRANCIS et al. (2001), numa revisão sobre os efeitos dos fatores antinutricionais na
nutrição de peixes, afirmaram que essas substâncias podem afetar a utilização e a digestão das
proteínas (inibidores de proteína, taninos, lecitinas); afetar a utilização dos minerais (fitatos,
pigmentos de gossipol, oxalatos, entre outros); funcionarem como antivitamínicos, entre
outras ações, com interferências na utilização do alimento e conseqüências na saúde e
desempenho produtivo dos animais.
BECKER & MAKKAR (1999) estudaram o efeito de um hidrolisado de tanino e de
um concentrado de tanino, na proporção de 2%, em dietas para carpa comum (Cyprinus
carpio). Eles observaram que o hidrolisado de tanino afeta a performance dos peixes,
63
provocando a diminuição do consumo com 28 dias de cultivo, paralisando por completo, aos
40 dias. Os autores concluíram que a toxicidade do hidrolisado de tanino é alta para a carpa
comum, e quando pensar em incluir fontes vegetais que o contenha em substituição à farinha
de peixe, para essa espécie, deve ser feita com cautela.
KROGDAHL et al. (2000), observaram mudanças do tipo enterite no intestino
posterior de salmão do atlântico (Salmo salar L.) alimentados com dietas contendo farelo de
soja submetido a processos com extração por solvente ou extrato de álcool, comprovando que
alguns compostos antigênicos podem estar presente em sementes de algumas leguminosas e
cereais, sendo capazes de induzir lesões na mucosa intestinal, dentre outros efeitos.
A teobromina é um alcalóide da família das metil-xantinas, bastante presente nas
sementes das espécies do cupuaçu (Theobroma grandiflorum Schun) e do cacau (Theobroma
cacau) (CARVALHO, 2004; EUROPEAN FOOD SAFETY AUTHORITY 2008). Teores
médios desse alcalóide (15,7 g/kg MS) foram encontrados por LO COCO et al. (2007)
quando buscavam caracterizar a composição das sementes fermentadas e torradas de cupuaçu.
Segundo a EUROPEAN FOOD SAFETY AUTHORITY (2008), é atribuído à teobromina o
poder de inibição da ingestão da dieta pelo animal e redução do seu desempenho, após
estudos realizados com farelo ou torta de cacau.
Estudos que mostrassem os efeitos da teobromina sobre os processos digestivos em
peixes não foram encontrados, contudo, baseado na teoria que essa substância possa ter algum
efeito bactericida ou bacteriostático sobre a população microbiana do trato digestório de
ruminantes (PEREIRA, 2009) e levando-se em consideração às afirmações descritas acima,
talvez ela deva ter influenciado nos baixos resultados de digestibilidade nesse estudo,
sugerindo que tais efeitos sejam melhor avaliados em trabalhos futuros.
64
4. CONCLUSÃO
A torta de cupuaçu, incluída ao nível de 30% em uma dieta comercial, reduziu os
coeficientes de digestibilidade aparente dos principais nutrientes estudados não sendo
adequada, nesse índice, para nutrição de juvenis de tambaqui.
Estudos futuros precisam ser realizados de forma a:
� avaliar níveis abaixo de 30% de inclusão de torta de cupuaçu e seus efeitos no
desempenho zootécnico de juvenis de tambaqui;
65
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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70
CAPÍTULO II
DIGESTIBILIDADE IN VITRO DA FRAÇÃO SOLÚVEL PROTÉICA DA TORTA DE CUPUAÇU E DIETAS PARA JUVENIS DE TAMBAQUI
(Colossoma macropomum)
71
DIGESTIBILIDADE IN VITRO DA FRAÇÃO SOLÚVEL PROTÉICA DA
TORTA DE CUPUAÇU E DIETAS PARA JUVENIS DE TAMBAQUI
(Colossoma macropomum)
Resumo: As técnicas in vitro despontam como uma ferramenta de resultados rápidos para
predição da qualidade de um ingrediente potencial para alimentação de peixes. Esse estudo
pretendeu avaliar a digestibilidade in vitro da fração solúvel protéica da torta de cupuaçu e
dietas para juvenis de tambaqui, utilizando nova técnica, que empregou os próprios extratos
enzimáticos da espécie. Trinta peixes, provenientes de um experimento de digestibilidade in
vivo, após jejum de 24 h, foram sacrificados por hipotermia, dissecados os tratos digestórios
em estômago, cecos pilóricos, intestino anterior e intestino posterior, homogeneizados em
tampão pH 7, e postos em reação com duas dietas e um ingrediente (farinha de torta de
cupuaçu), a temperatura de 28ºC, por 6 h de incubação, para avaliação do grau de hidrólise da
fração solúvel protéica. Após leitura das absorbâncias em espectrofotômetro, a 550 nm, e
comparação das mesmas com um padrão de albumina bovina, foi determinado o grau de
hidrólise em termos de percentual protéico digerido ao longo de 6 h de reação. A fração
solúvel protéica da torta de cupuaçu apresentou maior percentual de digestibilidade registrado
pelos extratos de cecos pilóricos (41,9%) e estômago (35,8%), com picos de atividade
proteolítica às 3 h em ambos os extratos e 5 h somente no estômago. Nos intestinos houve
maior digestibilidade das dietas em detrimento do ingrediente. Os resultados evidenciaram
que, por meio dessa técnica, não foi possível observar o potencial solúvel protéico da torta de
cupuaçu e das dietas estudadas, sugerindo-se refinamento dessa metodologia com
conseqüentes estudos comparativos a tradicionais técnicas in vitro e in vivo.
Palavras-chave: Bioquímica de peixes, proteases, ingrediente alternativo.
72
IN VITRO DIGESTIBILITY OF THE SOLUBLE PROTEIN FRACTION OF THE
CUPUAÇU PIE AND DIETS FOR JUVENILES TAMBAQUI (Colossoma macropomum)
Abstract: The in vitro techniques are emerging as a tool for quick results to predict the
quality of a potential ingredient for fish food. This study sought to evaluate the in vitro
soluble protein fraction of the pie cupuaçu and diets for juvenile tambaqui, using new
technique, which employed its own kind of enzyme extract. Thirty fish from an in vivo
digestibility experiment, after fasting for 24 h, were killed by hypothermia, dissected digestive
tracts in the stomach, pyloric caeca, foregut and hindgut, homogenized in pH 7 buffer, and put
into reaction with two diets and ingredients (flour pie cupuaçu), the temperature of 28 ° C for
6 h of incubation, to evaluate the degree of hydrolysis of soluble protein fraction. After
reading the absorbance in a spectrophotometer at 550 nm, and comparing them with a
standard bovine serum albumin, we determined the degree of hydrolysis in terms of
percentage digestible protein over 6 h of reaction. The soluble protein fraction of the pie
cupuaçu had a higher percentage of digestibility recorded by extracts of pyloric caeca (41.9%)
and stomach (35.8%), with peaks of proteolytic activity at 3 h in both extracts and only 5 h in
the stomach. In the intestines was greater digestibility of diets over the ingredient. The results
showed that, using this technique, it was not possible to observe the potential of soluble
protein cupuaçu pie and the diets studied, suggesting that refinement of this methodology with
subsequent comparisons to traditional techniques in vitro and in vivo.
Keywords: Biochemistry of fish, proteases, alternative ingredient
73
1 INTRODUÇÃO
Determinar as necessidades qualitativas dos nutrientes na dieta de uma espécie
contribui bastante para uma adequada formulação de rações para a mesma, pois a dieta
impacta diretamente o seu comportamento, a integridade estrutural, a saúde, as funções
fisiológicas, a reprodução, o crescimento e as exigências nutricionais (PEZZATO et al.,
2004). Dentre os nutrientes, as proteínas destacam-se pelo grande valor biológico como
material estrutural e funcional no crescimento de peixes (KUBITZA, 1999)
Os métodos mais empregados nos estudos que visam determinar os valores
nutricionais e o coeficiente de digestibilidade de uma dieta ou de um ingrediente são os
ensaios in vivo. Eles representam, de forma bem aproximada, a habilidade com que o animal
digere e absorve a energia e os nutrientes contidos nos alimentos, contudo, são métodos que
demandam muito tempo, requerem considerável número de animais e são caros (GARCIA-
ORTEGA et al., 2000).
Várias técnicas têm sido utilizadas em estudos de digestibilidade in vitro. A Incubação
de ingrediente com enzimas para determinar a quantidade de sobras de nutrientes não
digeridos, a fim de estimar a quantidade relativa de nutrientes digeridos, em comparação com
o nível de ingrediente é uma delas (CARTER et al., 1999); mudanças nos valores de pH após
incubação de uma enzima com o ingrediente testado (LAZO et al., 1998; FENERCI &
SENER, 2005) e o método do pH-stat, baseado na estimativa do percentual de hidrólise das
ligações peptídicas (EZQUERRA et al., 1997; EZQUERRA et al., 1998; CHONG et al.,
2002; LEMOS et al., 2004; MOTIKAWA, 2006) são outras duas muito importantes.
Todas as técnicas de determinação da digestibilidade in vivtro se baseiam em digerir a
amostra com enzimas proteolíticas em condições padronizadas. A diferença está entre o
número e a natureza das enzimas que se utilizam e a medida final a ser realizada. Em geral,
para a estimativa da digestibilidade, procura-se imitar, inclusive, as condições de pH ou de
74
acidez, características do estômago e do intestino onde a digestão das proteínas se processa
(PIRES et al., 2006)
Métodos como o “pH-drop” e o “pH-stat”, foram os primeiros a serem empregados
para análise da digestibilidade protéica em peixes e crustáceos (EZQUERRA et al., 1997;
LAZO et al., 1998). O pH-stat é bastante aceito para predizer a hidrólise protéica de fontes
alimentares e, como o pH-drop, geralmente são baseados na análise da ação de uma única
enzima, contudo, estudos mais recentes têm demonstrado que análises de conjuntos
enzimáticos, extraídos do aparelho digestivo dos peixes estudados, simulam de forma mais
aproximada o sistema digestivo animal (CHONG et al., 2002; RUNGRUANGSAK-
TORRISSEN et al., 2002)
A tecnologia de determinação da digestibilidade in vitro em estudos de nutrição de
organismos aquáticos surge como uma ferramenta capaz de predizer o potencial de
digestibilidade de cada componente ou mesmo da própria dieta formulada em pequenas
quantidades destes, em pouco tempo de ensaio e com melhor custo-benefício (LEMOS et al.,
2004). Ela também permite ter uma avaliação mais detalhada das enzimas digestivas
responsáveis pela hidrólise protéica, ainda mais se utilizar as da própria espécie de estudo
(EZQUERRA et al., 1997).
Na região Norte, o uso de ingredientes alternativos em rações para peixes assume
grande importância para o desenvolvimento local, visto que a grande maioria dos insumos
utilizados em sua composição não é produzida localmente, precisando ser importada dos
grandes centros cerealistas do país, encarecendo os custos de produção das pisciculturas.
A agroindústria de frutas tem apresentando nos últimos anos um crescimento
expressivo e dentre os diferentes resíduos gerados a torta de cupuaçu, oriunda do
processamento das sementes é o mais abundante. CARVALHO et al. (2009), caracterizando o
concentrado e o isolado protéico extraídos de farinha de sementes de cupuaçu, encontraram
75
teores de proteína de 31,18% e 64,33%, respectivamente. Estes teores respaldam a
necessidade de se fazerem estudos de digestibilidade in vitro da torta de cupuaçu, de forma
que se possa aferir o grau de hidrólise do seu potencial protéico e o quanto desse potencial é
biodisponível para os peixes cultivados.
Conforme considerações acima citadas, este estudo objetivou avaliar a digestibilidade
in vitro, por ação das enzimas de diferentes partes do trato digestório de tambaqui (estômago,
cecos pilóricos, intestino anterior e intestino posterior), sobre a fração protéica solúvel da torta
de cupuaçu, visando sua potencialidade nutritiva para esta espécie.
76
2 MATERIAL E MÉTODOS
Esse estudo foi realizado no Laboratório de Nutrição de peixes da Coordenação de
Pesquisa em Aqüicultura – CPAQ, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.
2.1 Extração dos tecidos
Ao final de um experimento in vivo, em que os peixes estavam submetidos aos
tratamentos com ração comercial e ração comercial com inclusão de 30% de torta de cupuaçu,
foi dado aos animais jejum de 24 h. Após jejum, foram coletados trinta peixes, de um total de
duzentos, para serem sacrificados por hipotermia e retirados seus tratos digestórios. Após
morte, foram levados ao laboratório, sendo dissecados em bandeja de inox sob gelo, para
retirada do estômago, cecos pilóricos e intestino. O intestino foi dividido em 2 porções:
anterior (proximal) e posterior (distal). Cada órgão foi então seccionado, dissecado e lavado
com água destilada gelada. Para cada peixe, foi selecionada uma placa de Petri, separada em
quadrantes, onde em cada um se acondicionou os órgãos. Finalmente, os tecidos foram
congelados em freezer (4° C), permanecendo assim até o preparo dos homogenizados para as
etapas seguintes.
2.2 Preparação dos homogeneizados celulares
Os tecidos foram homogeneizados em homogeneizador mecânico tipo Tissue-Tearror,
em velocidade máxima, por 2 minutos, em banho de gelo, adequando-se suas quantidades à
proporção de 100 mg de tecido para 1,0 mL de tampão de homogeneização (fosfato de sódio
monobásico 10mM; glicerina 87%, pH ajustado para 7,0). Os extratos enzimáticos foram
obtidos de um “pool” de tecidos extraídos de cada peixe, separados individualmente em
microtubos, correspondendo ao tratamento a que pertenciam no ensaio in vivo. Em seguida, os
77
extratos foram centrifugados a 12.000 x g, por 3 minutos, a 4 ° C, e o sobrenadante foi
utilizado como fonte de enzima.
O conteúdo protéico dos extratos enzimáticos foi determinado pela metodologia de
BRADFORD (1976).
2.3 Procedimento Experimental
Os substratos farinha de torta de cupuaçu, ração comercial (Nutripeixe TR 32V) e
ração comercial com inclusão de farinha de torta de cupuaçu a 30% foram finamente moídos
em peneira de malha de 0,8 mm. Em seguida, às 19:00 h, eles foram pesados individualmente,
um para cada dia de ensaio, na quantidade de 5g, e imersos em 100 mL de água destilada,
mantendo-os sob agito e refrigeração, por 12 h. Na manhã seguinte, a solução substrato-água
foi filtrada em filtro de fibra de vidro, φ 9 cm, resultando num filtrado que constituía a fonte
protéica para a ação enzimática. Um total de 128 tubos de ensaio e microtubos foram
utilizados por dia, representando dois tipos de tecido e um substrato.
Sessenta e quatro tubos de ensaio foram então dispostos em duas baterias de trinta e
dois cada, em banho a 28° C, em quadruplicata, representando as horas de ensaio (0 h a 6 h), a
origem do extrato enzimático (estômago, cecos, intestino anterior ou intestino posterior) e os
brancos da reação (total de 8). As réplicas receberam 1,0 mL de tampão Glicina/HCl 200mM
pH 2, quando o tecido era o estômago ou 1,0 mL de tampão Tris/HCl 200 mM pH 8 quando
os tecidos eram cecos pilóricos ou intestino anterior ou posterior, 3,0 mL do filtrado e 300 µL
do extrato enzimático. Os brancos receberam 1,0 mL de tampão e 3,3 mL de água destilada.
O tempo de reação foi cronometrado logo após a adição da primeira alíquota de
extrato enzimático de cada órgão dos peixes. Em intervalos de 1h, até tempo total de 6h,
retirou-se alíquotas de 1mL para interrupção da reação, adicionando-as em volumes de 1mL
de solução de NaOH 6N, em tubos de ensaio incubados previamente a 100° C. Em seguida,
78
600 µL dessa solução foi pipetada em microtubos e resfriada, para finalmente, assim que os
últimos volumes fossem pipetados, adicionar-se 600 µL de reativo de biureto (marca Human
do Brasil), ficando nessa condição por 30 minutos a temperatura ambiente (25° C) e depois
leitura em espectrofotômetro a 550 nm.
A albumina bovina – BSA foi utilizada como padrão protéico para comparação das
absorbâncias encontradas para os diferentes extratos enzimáticos agindo sobre os diferentes
substratos.
O grau de hidrólise da fração solúvel da proteína das dietas e do ingrediente, efetuado
pelos diferentes “pools” de extratos enzimáticos, foi definido em termos de percentual de
digestão protéica, ao longo de 6:00 h de incubação, conforme a seguinte fórmula:
% Digestibilidade Prot. tn = 100% - ([Prot. tn] x 100 / [Prot. t0]), onde:
[Prot.tn] = concentração de proteína (mg/mL), no tempo (n)
= [Prot.Total tn] - [Prot. do extrato enzimático na mistura]
[Prot. t0] = concentração de proteína (mg/mL), no tempo (0)
T0 = tempo de início da reação
Tn = intervalos de tempo (T0, T1, T2,...,T6 ), em horas, em que se processou a reação
enzimática.
79
3 RESULTADOS
A figura 1 representa os diferentes teores de proteínas totais encontrados nos quatro
extratos enzimáticos empregados na digestibilidade do ingrediente e das rações.
Figura 1. Concentração de proteínas (mg/mL) nos diferentes extratos enzimáticos
Com relação aos teores de proteína dos extratos que agiram sobre a ração com
inclusão de torta de cupuaçu, se observa que os de cecos pilóricos (4,45 mg/mL), seguidos
dos teores dos extratos de estômago (2,99mg/mL) e os de intestino posterior (2,83mg/mL)
apresentaram os mais altos valores de proteínas totais presentes, tendo por último os do
intestino anterior (2,15mg/mL). Já com relação aos extratos dos tecidos de peixes alimentados
com ração comercial (comum), o do intestino anterior (2,39mg/mL) apresentou maior teor de
proteína total, seguido pelo do estômago (1,33mg/mL), cecos pilóricos (1mg/mL) e,
finalmente, do intestino posterior (0,71mg/mL).
A figura 2 representa os efeitos do extrato enzimático do “pool” de estômagos de
juvenis de tambaqui sobre a fração solúvel da proteína das dietas e do ingrediente, com
relação ao tempo de reação.
1,331,00
2,39
0,71
2,99
4,45
2,15
2,83
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
4,00
4,50
5,00
Estômago Cecos piloricus Intestino anterior Intestino posterior
Con
cent
raçã
o de
pro
teín
as to
tais
(mg/
mL)
Extratos Enzimáticos
Ração comum
Ração com torta de cupuaçu
80
Figura 2. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do
ingrediente, pelo extrato enzimático do “pool” de estômagos de juvenis de tambaqui, em 6h
de reação.
O ingrediente (torta de cupuaçu (TC)) , quando comparado às dietas, foi o que
apresentou maior tendência de aumento do grau de hidrólise da fração solúvel protéica, pelos
extratos de estômagos de juvenis de tambaqui, ao longo de 6h de reação, seguido da ração
comercial (RC) e da ração com inclusão de torta de cupuaçu (RTC).
Entre os tempos de 0h e 3h, a fração solúvel protéica da RC, RTC e TC foi sendo
digerida até pico de interrupção para RC e RTC, às 3h, enquanto para TC, houve pico do
percentual de digestibilidade (54,9%) da sua fração solúvel protéica. Por fim, somente 3,3% e
2,1% das frações solúveis protéicas da RC e da RTC, respectivamente, naquele tempo, tinham
sido digeridas.
Entre o intervalo de 3h e 6h, houve tendência de aumento do grau de hidrólise da
fração protéica das dietas e do ingrediente, tendo pico de interrupção para TC, às 4h, enquanto
as frações solúveis protéicas de RC e RTC continuaram sendo digeridas. Ao final das 6h de
reação, o percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica do TC (35,8%) foi maior
que da RC (28,8%), seguido, finalmente, da RTC (18,8%).
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A figura 3 representa os efeitos do extrato enzimático do “pool” de cecos pilóricos de
juvenis de tambaqui sobre a fração solúvel da proteína das dietas e do ingrediente, com
relação ao tempo de reação.
Figura 3. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do
ingrediente, pelo extrato enzimático do “pool” de cecos pilóricos de juvenis de tambaqui, em
6h de reação.
O ingrediente (TC), também foi o que apresentou maior tendência de aumento do grau
de hidrólise da fração solúvel protéica, pelos extratos de cecos pilóricos de juvenis de
tambaqui, ao longo de 6h de reação, seguido da ração comercial (RC) e da ração com inclusão
de torta de cupuaçu (RTC).
Entre os tempos de 0h e 3h, a fração solúvel protéica da RC, RTC e TC foi sendo
digerida até pico de interrupção para TC, às 2h. Houve pico do percentual de digestibilidade
da fração solúvel protéica (58,3%), para TC, às 3h, contra somente 17,5% e 4,9% das frações
protéicas de RC e RTC, respectivamente.
Entre o intervalo de 3h e 6h, houve tendência de aumento do grau de hidrólise da
fração protéica das dietas e do ingrediente, sendo que às 4h houve pico de interrupção do
processo para TC, coincidindo com o de aumento do percentual de digestão da fração protéica
de RC, que foi de 34,8%, contra 30,3% e 13,1% para TC e RTC, respectivamente. Ao final
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das 6h de reação, o percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica do TC (41,9%) foi
maior que da RC (28,3%), seguido, finalmente, da RTC (16%).
A figura 4 representa os efeitos do extrato enzimático do “pool” de intestinos
anteriores de juvenis de tambaqui sobre a fração solúvel da proteína das dietas e do
ingrediente, com relação ao tempo de reação.
Figura 4. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do
ingrediente, pelo extrato enzimático do “pool” de intestinos anteriores de juvenis de tambaqui,
em 6h de reação.
A ração comercial (RC) foi quem apresentou maior tendência de aumento do grau de
hidrólise da fração solúvel protéica, pelos extratos de intestinos anteriores de juvenis de
tambaqui, ao longo de 6h de reação, seguido da ração com torta de cupuaçu (RTC) e do
ingrediente (TC).
Entre os tempos de 0h e 3h, a RC e a RTC tiveram pico de aumento do grau de
hidrólise de suas frações protéicas, atingindo percentuais de 25,6% e 19,2% de digestão das
mesmas, enquanto TC atingiu apenas 11,1%. Ao final das 3h de reação, os extratos de
intestino anterior já haviam digerido 23,8%, 12,9% e 8,5% das frações solúveis protéicas de
RC, RTC e TC, respectivamente.
Entre o intervalo de 3h e 6h, houve tendência de aumento do grau de hidrólise
protéica, com pico de interrupção do processo para RC. Ao final das 6h de reação, o
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percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica da RC (31,3%) foi maior que o da
RTC (24,3%), seguido, finalmente, do TC (18,5%).
A figura 5 representa os efeitos do extrato enzimático do “pool” de intestinos
posteriores de juvenis de tambaqui sobre a fração solúvel da proteína das dietas e do
ingrediente, com relação ao tempo de reação.
Figura 5. Percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica das dietas e do
ingrediente, pelo extrato enzimático do “pool” de intestinos posteriores de juvenis de
tambaqui, em 6h de reação.
A ração com torta de cupuaçu (RTC) foi quem apresentou maior tendência de aumento
do grau de hidrólise da fração solúvel protéica, pelos extratos de intestinos anteriores de
juvenis de tambaqui, ao longo de 6h de reação, seguido da ração comercial (RC) e do
ingrediente (TC).
Entre os tempos de 0h e 3h, RTC e RC tiveram tendência de aumento do grau de
hidrólise de suas frações solúveis protéicas, atingindo pico de interrupção do processo às 3h,
enquanto para TC o processo seguiu normalmente. Ao final, os percentuais de digestibilidade
das frações protéicas foram: RTC (13,2%), TC (6,5%) e RC (3,1%).
Entre o intervalo de 3h e 6h, a RC apresentou pico do aumento do grau de hidrólise, às
5h, enquanto para RTC e TC, praticamente esse grau não apresentou alterações. Ao final das
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6h de reação, o percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica da RTC (18,8%) foi
maior que o da RC (15,1%), seguido, finalmente, do TC (9,1%).
85
4 DISCUSSÃO
Os resultados revelaram maior grau de hidrólise da fração solúvel protéica da torta de
cupuaçu (TC) quando comparado aos da ração comercial (RC) e aos da ração com inclusão de
torta de cupuaçu (RTC), sob ação de digestão dos extratos enzimáticos de estômago e cecos
pilóricos de juvenis de tambaqui, concomitantemente. A composição em proteínas totais e o
balanceamento dos aminoácidos da torta de cupuaçu poderiam explicar esses resultados, que
embora não realizados nesse estudo encontram respaldo nos achados por CARVALHO et al.
(2008).
Os autores acima citados caracterizaram o teor de proteína total e de aminoácidos
totais de amêndoas fermentadas e torradas de cupuaçu, mesmo processo que passou a
amêndoa que gerou a torta empregada nesse estudo. Eles constataram alto valor biológico e
maiores teores de aminoácidos indispensáveis em comparação às amêndoas de cacau (LOPES
et al., 2008 ) e o escore do Institute of Medicine (2002), citado por eles.
As proteínas estão constituídas por aminoácidos que podem apresentar cargas
(aminoácidos polares) ou não (aminoácidos apolares). Quando apresentam cargas, as
proteínas podem ser compostas de aminoácidos polares positivos, negativos e neutros. Estes
podem se encontrar em uma proteína em diferentes proporções, favorecendo a digestão ácida
quando há predomínio de aminoácidos polares negativos, a digestão básica pela
predominância de aminoácidos polares positivos ou neutra, com participação ativa de
aminoácidos polares neutros (NELSON & COX, 2002).
Quando se observou que a fração solúvel protéica da torta foi mais digerida pelos
extratos de cecos pilóricos (41,9%) e estômago (35,8%), ao final de 6h de reação, notaram-se
duas regiões do trato digestório do tambaqui bastante envolvidas com a atividade proteolítica.
O estômago tem sido registrado como o local onde ocorre a maior parte da digestão
protéica de um alimento em peixes (SILVA & ANDERSON, 1998), sendo um ambiente de
86
pH ácido onde atua a enzima pepsina, principal protease encontrada em estômagos de peixes e
primeira, na digestão destes, a quebrar cadeias proteolíticas (TENGJAROENKUL et al.,
2000). Esta endopeptidase atua em meio ácido, com grande afinidade pela cadeia peptídica
com presença do grupo NH, característico dos resíduos de aminoácidos polares negativos
fenilalanina, tirosina e triptofano. Estes estão presentes em altos teores nas amêndoas
fermentadas e torradas de cupuaçu, segundo CARVALHO et al. (2008).
Nos cecos pilóricos, em que ocorre a ação da tripsina e quimiotripsina, endopeptidases
que atuam sob ação de pHs alcalinos, e presentes em cecos de algumas espécies de peixes,
inclusive no tambaqui (HAARD et al., 1996; HIDALGO et al., 1999;CORRÊA et al., 2007),
o favorecimento de maior percentual de digestibilidade da fração solúvel protéica da torta em
detrimento aos das dietas, também se explica pela grande disponibilidade dos aminoácidos
afins a estas enzimas (aminoácidos polares positivos) e que estariam presentes nela, bem
como nesse órgão ocorrer funções de suplementação da função digestiva do estômago
(ROTTA, 2003) e por ele contribuir com grande parte da digestão de proteínas
(BALDISSEROTTO, 2009).
TENGJAROENKUL et al., 2000, trabalhando com tilápia do Nilo (Oreochromis
niloticus), CHONG et al., 2002 com peixe disco (Symphysodon aequifasciata), LIU et al.,
2008 com carpa capim (Ctenopharyngodon idella), dentre outros, em estudos de
caracterização enzimática de diferentes tratos digestórios dos peixes, mostraram alta atividade
inicial de proteases ácidas seguida de atividade proteolítica alcalina. BEZERRA et al. (2000)
encontraram o mesmo comportamento para extratos de estômago e cecos pilóricos de
tambaqui.
Os mais baixos índices de digestibilidade das frações protéicas das dietas (RC e RTC),
apresentados para extratos de estômago e de cecos pilóricos, podem ser explicados pela teoria
da compensação enzimática, onde os alimentos de difícil digestão, com menor porcentagem
87
de proteínas ou com proteínas carregadas predominantemente de aminoácidos polares
inadequados para serem degradados nesses órgãos, propiciam uma maior produção enzimática
em relação a alimentos de fácil digestão e ricos em proteína (CAVALCANTI, 1998). No caso
desse estudo, a RC, embora informada pelo fabricante que continha em sua composição
farinha de carne, farinha de sangue e farinha de peixe, como fontes protéicas, pode ser que
estas não apresentassem a característica acima citada, que favorecesse maior ação enzimática
proteolítica. Já para RTC, em que houve inclusão de 30% de torta de cupuaçu em uma ração
comercial, provavelmente houve desbalanceamento com a inclusão, comprometendo seus
teores em aminoácidos e favorecendo menor ação enzimática sobre sua constituição protéica.
Os percentuais de digestibilidade da fração solúvel protéica da RC foram mais altos
que os encontrados para RTC e TC, respectivamente, sob ação das proteases dos extratos de
intestino anterior. Esse resultado provavelmente ocorreu em função da composição
aminoacídica dos ingredientes da ração comercial, indicando que esse produto seja composto
predominantemente por aminoácidos polares positivos (arginina, lisina e histidina, por ex.),
justificando, desta forma, sua alta digestibilidade em ambientes alcalinos, que sofrem ação das
tripsinas, quimotripsinas, elastases, entre outras (WHITAKER, 1994). Por outro lado, a TC
apresentou resultado contrário, o que pode ser explicado pela alta porcentagem de
aminoácidos polares negativos deste ingrediente (CARVALHO et al., 2008), sendo digeridos
por ação das pepsinas, que atuam preferencialmente em ambientes ácidos, conforme foi
evidenciado na análise do extrato estomacal.
Os extratos de intestino posterior revelaram, de uma forma geral, baixos índices de
digestibilidade da fração protéica das dietas e do ingrediente, quando comparados aos índices
apresentados pelos extratos dos outros órgãos. ALMEIDA (2007) encontrou baixa atividade
enzimática em intestino posterior de tambaqui. Segundo TENGJAROENKUL et al. (2000), o
88
comportamento enzimático dessa parte do trato digestório de peixes é atribuída à reabsorção
nesta porção do trato, demonstrando seu papel secundário na produção de enzimas.
Em relação ao efeito do tempo de exposição das dietas e do ingrediente aos extratos
enzimáticos, foi observado que os órgãos que sofrem ação das proteases ácidas, como cecos e
estômago em menor proporção, apresentaram picos de digestibilidade protéica. Segundo
CAVALCANTI (1998), a atividade das enzimas proteolíticas apresenta dois padrões: o
primeiro marcado por valores máximos de atuação, evidenciado por picos de atividade, o que
claramente foi constatado em estômago e cecos pilóricos do tambaqui. O segundo perfil de
atividade proteolítica é caracterizado pela ausência de atuação enzimática marcante,
apresentando curvas suaves, conforme observado nos intestino anterior e posterior, nesse
estudo. A autora afirma ainda, que a presença de picos de atividade é indício da existência de
uma enzima majoritária, que no estômago é a pepsina, com extensão de sua ação até os cecos.
Já nos intestinos há presença de ampla gama de enzimas proteolíticas (tripsina,
quimiotripsina, aminopeptidase, elastase, carboxipeptidase), proporcionando a continuidade e
estabilidade da curva de ação enzimática.
Em função da escassez de trabalhos sobre atuação das enzimas digestivas de peixes
neotropicais ou tropicais (BEZERRA et al., 2000; GARCÍA-CARREÑO, 2002; CORRÊA et
al., 2007), pois a maioria das informações existentes estão relacionadas com espécies de água
fria ou marinha (HIDALGO et al., 1999; KOLKOVSKI, 2001; CASTILLO-YAÑEZ et al.,
2004; SKLOMKLAO, 2008), os resultados desse estudo contribuem para o conhecimento da
biologia digestiva do tambaqui, além de fornecer subsídios para trabalhos futuros que visem a
avaliação do potencial de ingredientes alternativos e a formulação de dietas nutricionalmente
balanceadas.
89
5 CONCLUSÃO
Os resultados evidenciaram que, por meio da técnica de utilização de extratos
enzimáticos de juvenis de tambaqui, não foi possível observar o potencial solúvel protéico da
torta de cupuaçu e das dietas aplicadas, sugerindo-se refinamento dessa metodologia com
conseqüentes ensaios comparativos a tradicionais técnicas in vitro e in vivo.
90
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Com um crescimento significativo da piscicultura mundial e brasileira, proporcionado
pela também crescente procura por pescado de qualidade sob produção ecologicamente
correta e ambientalmente sustentável, mudanças nas tecnologias de cultivo de peixes
proporcionarão ganhos sociais, econômicos e ambientais. Em regiões mais distantes dos
grandes centros produtores dos principais insumos para dietas, estas mudanças trarão saltos
em qualidade de produção ainda maiores.
Os resultados desse trabalho, que é pioneiro quanto ao potencial de utilização da torta
de cupuaçu em ração para peixes tropicais, abrem caminho para novos estudos na área de
nutrição dessas espécies, com ênfase na definição da melhor proporção desse ingrediente a ser
empregada na alimentação e que gere bom desempenho produtivo, na determinação de
possíveis fatores antinutricionais e métodos de controle dos mesmos, na determinação de sua
composição aminoacídica e digestibilidade dos aminoácidos em particular, na comparação
entre diferentes técnicas in vitro e associação com a in vivo, e em estudos de impactos
econômicos, ecológicos e sociais do uso desse ingrediente alternativo nos cultivos,
principalmente na região Norte.